Upload
others
View
5
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Álgebra de semigrupo na
compactificação de Stone-Čechde semigrupos discretos
Matheus Koveroff Bellini
Dissertação apresentadaao
Instituto de Matemática e Estatísticada
Universidade de São Paulopara
obtenção do títulode
Mestre em Matemática
Programa: Mestrado em Matemática
Orientador: Prof. Dr. Artur Hideyuki Tomita
Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxílio financeiro da FAPESP
(Processo 2015/19857-4)
São Paulo, outubro de 2017
Álgebra de semigrupo na
compactificação de Stone-Čechde semigrupos discretos
Esta é a versão original da dissertação elaborada pelo
candidato Matheus Koveroff Bellini, tal como
submetida à Comissão Julgadora.
Agradecimentos
Aos meus pais, Domingos e Érika, por seu apoio durante toda a minha graduação e a escolha
de seguir a carreira acadêmica.
À minha irmã, Katherine, por oferecer momentos de descontração durante a feitura desta dis-
sertação.
Ao meu orientador, Tomita, por me acolher neste meio acadêmico e pela confiança depositada
em mim.
Ao meu colega de orientação, Vinicius, já que passamos por quase exatamente as mesmas coisas
juntos nessa vida universitária.
Aos amigos que fiz no IME, o nosso grupo dos Amogos, com quem também passamos muitos
momentos de estudo e de diversão.
À FAPESP, pois sem o apoio financeiro este projeto não teria sido tão frutuoso, ou sequer
possível.
i
Resumo
BELLINI, M. K. Álgebra de semigrupo na compactificação de Stone-Čech de semigrupos
discretos. 2017. 61 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2017.
Um semigrupo é um conjunto S munido de uma operação associativa ·. Considerando-o com
sua topologia discreta, é possível estender a operação · à sua compactificação de Stone-Čech, βS,
de forma que para todo x ∈ βS, a função ρx : βS → βS definida por ρx(y) = y · x é contínua,
assim como para todo s ∈ S, λs : βS → βS definida por λs(y) = s · y é contínua. Desse modo,
βS é um semigrupo topológico à direita compacto com S contido em seu centro topológico, o que
garante a existência de idempotentes minimais e ideais à esquerda minimais. Assim, propriedades da
álgebra de semigrupo em S, tais como comutatividade e cancelabilidade, se traduzem a propriedades
topológicas de βS e de seu resto βS\S, ou de propriedades que interrelacionam a topologia de βS
com sua álgebra de semigrupo. Derivam-se em particular os resultados para o caso mais relevante,
o conjunto dos naturais N com a operação de soma; mesmo neste caso as propriedades de (βN,+)
ainda não foram satisfatoriamente elucidadas, sendo por vezes independentes de ZFC. O primeiro
capítulo deste texto contém todos os pré-requisitos para compreender os dois subsequentes, que são
independentes entre si – o primeiro trata especificamente de βN, e o segundo versa sobre βS para
S semigrupo mais geral.
Palavras-chave: topologia geral, álgebra de semigrupo, álgebra na compactificação, semigrupos
topológicos.
iii
Abstract
BELLINI, M. K. Semigroup algebra in the Stone-Čech compactification of discrete semi-
groups. 2017. 61 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2017.
A semigroup is a set S together with an associative operation ·. Endowed with its discrete
topology, it is possible to extend the operation · to its Stone-Čech compactification, βS, in such
a manner to guarantee the functions ρx : βS → βS defined by ρx(y) = y · x are all continuous
for every x ∈ βS, as well as the functions λs : βS → βS defined by λs(y) = s · y for every
s ∈ S. Thusly, βS is a compact right topological semigroup with S contained in its topological
centre, which assures the existence of minimal idempotents and minimal left ideals. It follows that
properties of the semigroup algebra of S, such as commutativity and cancellability, translate into
topological properties of βS, or properties which interweave the topology of βS with its semigroup
algebra. In particular, such results are studied in the most relevant case – that of the set of natural
numbers N with its addition operation; even in this case the properties of (βN,+) have not yet
been sufficiently determined, and are sometimes independent of ZFC. The first chapter of this text
covers all the prerequisites to the following two chapters, which are independent from each other –
the first is about the specific case of βN, and the second treats the more general case of βS for any
semigroup S.
Keywords: general topology, semigroup algebra, algebra in the compactification, topological se-
migroups.
v
Sumário
Lista de Abreviaturas ix
Lista de Símbolos xi
1 Preliminares 1
1.1 Semigrupos, Ideais e Idempotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Semigrupos Topológicos à Direita Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Compactificação de Stone-Čech de Espaços Discretos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 A Compactificação de Stone-Čech de um Semigrupo Discreto . . . . . . . . . . . . . 10
2 A Álgebra de βN 13
2.1 O Semigrupo H . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2 O Ideal N∗ + N∗, o Fecho de K(βN), Uκ(S), Somas e Produtos . . . . . . . . . . . . 19
2.3 N∗ não contém uma cópia algébrica e topológica de βN . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.4 Subgrupos discretos em βN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.5 Cadeias de idempotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3 A Álgebra de βS 55
3.1 Sobre a Raridade de Produtos em S∗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
3.2 Cancelabilidade à direita em βS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.3 Cópias de H em S∗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3.4 O Teorema de Zelenyuk . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
A Grupos Abelianos Divisíveis 99
vii
Capítulo 1
Preliminares
Denotaremos por ω = {0, 1, 2, . . .} o primeiro ordinal e cardinal infinito e por N o conjunto
{1, 2, 3, . . . }, ou seja, ω\{0}. Como ordinal e cardinal, um número natural n ∈ N é o conjunto
{0, 1, . . . , n− 1}. Denota-se também c = 2ω = |P(N)|.
Dada função f e dado A contido no domínio de f , f [A].= {f(x) : x ∈ A}. Dado qualquer
conjunto B, f−1[B].= {x ∈ dom f : f(x) ∈ B}. Dizemos que a função é finita-por-unitários se para
todo x, f−1[{x}] for finito.
Dado um conjunto A, Pf (A).= {F : ∅ 6= F ⊂ A e F é finito}.
Como esta dissertação é sobre a álgebra de semigrupo de βS para S semigrupo discreto – em
particular (βN,+) e (βN, ·) –, neste capítulo apresentaremos as definições necessárias e os teoremas
mais relevantes para fundamentar o assunto. Mais detalhes podem ser encontrados nos capítulos 1,
2, 3 e 4 de [1].
1.1 Semigrupos, Ideais e Idempotentes
Definição 1.1. Um semigrupo é um par (S, ∗) em que S é um conjunto não-vazio e ∗ é uma
operação binária associativa sobre S.
Definição 1.2. Dado A 6= ∅, o semigrupo livre sobre A é o conjunto de todas as sequências finitas
de elementos de A, com a operação definida pela concatenação de sequências.
Definição 1.3. Sejam (S, ·) um semigrupo, O um conjunto linearmente ordenado por <, e (xo)o∈O
uma O-sequência em S (ou seja, uma função de O em S). Definimos, para cada F ∈ Pf (O),∏o∈F xo como o produto na ordem crescente de índices.
Dizemos que (xo)o∈O satisfaz a unicidade dos produtos finitos, ou que possui produtos finitos dis-
tintos, se sempre que F,G ∈ Pf (O) e∏o∈F xo =
∏o∈G xo, vale que F = G.
Além disso, define-se FP ((xo)o∈O) = {∏o∈F xo : F ∈ Pf (O)}.
1
2 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Definição 1.4. Sejam (S, ∗) e (T, ·) semigrupos.
(a) Um homomorfismo de S em T é uma função ϕ : S → T tal que ϕ(x ∗ y) = ϕ(x) · ϕ(y), para
todos x, y ∈ S.
(b) Um isomorfismo de S em T é um homomorfismo de S em T que é bijetor.
(c) S e T são isomorfos se existir um isomorfismo de S em T . Neste caso denotamos S ∼= T .
Por conveniência, passaremos a denotar x ∗ y por xy e diremos “seja S um semigrupo” sem
especificar a operação, caso não surjam ambiguidades.
Definição 1.5. Sejam S um semigrupo e a ∈ S.
(a) a é uma identidade à esquerda de S se, para todo x ∈ S, ax = x.
(b) a é uma identidade à direita de S se, para todo x ∈ S, xa = x.
(c) a é uma identidade de S se a for uma identidade à direita e uma identidade à esquerda de S.
Definição 1.6. Seja S um semigrupo.
(a) S é comutativo se, para todos x, y ∈ S, xy = yx.
(b) O centro de S é Z(S) = {x ∈ S : para todo y ∈ S, xy = yx}.
(c) Dado x ∈ S, λx : S → S é definido por λx(y) = xy.
(d) Dado x ∈ S, ρx : S → S é definido por ρx(y) = yx.
Definição 1.7. Seja S um semigrupo.
(a) x ∈ S é cancelável à direita se dados y, z ∈ S tais que yx = zx, tem-se que y = z.
(b) x ∈ S é cancelável à esquerda se dados y, z ∈ S tais que xy = xz, tem-se que y = z.
(c) S é cancelativo à direita se todo x ∈ S é cancelável à direita.
(d) S é cancelativo à esquerda se todo x ∈ S é cancelável à esquerda.
(e) S é cancelativo se for cancelativo à esquerda e à direita.
Definição 1.8. Seja S um semigrupo.
(a) x ∈ S é um idempotente se xx = x.
(b) E(S) = {x ∈ S : xx = x}.
(c) T é um subsemigrupo de S se T ⊂ S e T é um semigrupo com a restrição da operação de S.
1.1. SEMIGRUPOS, IDEAIS E IDEMPOTENTES 3
(d) T é um subgrupo de S se T ⊂ S e T é um grupo com a restrição da operação de S.
Definição 1.9. Seja S um semigrupo.
(a) L é um ideal à esquerda de S se ∅ 6= L ⊂ S e SL ⊂ L.
(b) R é um ideal à direita de S se ∅ 6= L ⊂ S e RS ⊂ R.
(c) I é um ideal de S se I for um ideal à esquerda e um ideal à direita de S.
Definição 1.10. Seja S um semigrupo.
(a) L é um ideal à esquerda minimal se L for um ideal à esquerda de S tal que dado J ideal à
esquerda tal que J ⊂ L, tem-se que J = L.
(b) R é um ideal à direita minimal se R for um ideal à direita de S tal que dado J ideal à direita
tal que J ⊂ R, tem-se que J = R.
(c) S é simples à esquerda se S for o único ideal à esquerda de S.
(d) S é simples à direita se S for o único ideal à direita de S.
(e) S é simples se S for o único ideal de S.
Definição 1.11. Sejam S um semigrupo e e, f ∈ E(S).
(a) e ≤L f se e só se e = ef .
(b) e ≤R f se e só se e = fe.
(c) e ≤ f se e só se e = fe = ef .
Vale que ≤L, ≤R e ≤ são reflexivas e transitivas, e ≤ é antissimétrica. Além disso, tem-se que
são equivalentes:
1. e é minimal com relação a ≤L;
2. e é minimal com relação a ≤R;
3. e é minimal com relação a ≤.
De forma que é válido definir:
Definição 1.12. Seja S um semigrupo. e ∈ E(S) é um idempotente minimal se e for minimal com
relação a qualquer uma das pré-ordens ≤L, ≤R ou ≤.
Lembramos que um elemento x de uma pré-ordem P é minimal se sempre que yPx, então vale
que xPy (e não necessariamente x = y).
4 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Definição 1.13. Seja S um semigrupo. Se S possui um menor ideal, denotamo-lo por K(S).
Teorema 1.14. Seja S um semigrupo. Se S possui um ideal à esquerda minimal, então K(S)
existe e K(S) =⋃{L : L é um ideal à esquerda minimal de S}.
Teorema 1.15. Suponha que S contém um ideal à esquerda minimal que possui um idempotente.
Então:
(a) Todo ideal à esquerda de S contém um ideal à esquerda minimal.
(b) Todo ideal à esquerda minimal possui um idempotente.
(c) Existe um ideal à direita minimal que possui um idempotente. (Logo todo ideal à direita contém
um ideal à direita minimal que possui um idempotente.)
(d) Dado T ⊂ S, T é um ideal à esquerda minimal se e somente se existe e ∈ E(K(S)) tal que
T = Se.
Teorema 1.16. Seja S um semigrupo, suponha que existe um ideal à esquerda minimal que possui
um idempotente e seja e ∈ E(S). São equivalentes:
(a) Se é um ideal à esquerda minimal.
(b) Se é simples à esquerda.
(c) eSe é um grupo.
(d) eSe é o maior grupo que tem e como identidade.
(e) eS é um ideal à direita minimal.
(f) eS é simples à direita.
(g) e é um idempotente minimal.
(h) e ∈ K(S).
(i) K(S) = SeS.
Teorema 1.17. Suponha que S contém um ideal à esquerda minimal que possui um idempotente.
Então:
(a) Dado e idempotente, existe f idempotente tal que f ≤ e.
(b) Dados L ideal à esquerda minimal e R ideal à direita minimal, existe um idempotente e tal que
e ∈ R ∩ L = RL = eSe e eSe é grupo.
1.1. SEMIGRUPOS, IDEAIS E IDEMPOTENTES 5
(c) Os ideais à esquerda minimais de S particionam K(S); os ideais à direita minimais de S
particionam K(S); os grupos maximais de K(S) particionam K(S).
(d) Suponha T subsemigrupo de S que também contém um ideal à esquerda que possui um idempo-
tente. Se K(S) ∩ T 6= ∅, então K(T ) = K(S) ∩ T .
(e) São equivalentes:
(i) s ∈ K(S).
(ii) Para todo t ∈ S, s ∈ Sts.
(iii) Para todo t ∈ S, s ∈ stS.
(iv) Para todo t ∈ S, s ∈ Sts ∩ stS.
6 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
1.2 Semigrupos Topológicos à Direita Compactos
Definição 1.18. Um semigrupo topológico à direita é uma tripla (S, ∗, τ) em que (S, ∗) é um
semigrupo, (S, τ) é um espaço topológico e, para todo x ∈ S, ρx : S → S é contínua.
Costumeiramente, dir-se-á “seja S um semigrupo topológico à direita” quando disso não resul-
tarem ambiguidades.
Definição 1.19. Seja S um semigrupo topológico à direita. O centro topológico de S é
Λ(S) = {x ∈ S : λx é contínua}.
Teorema 1.20. Seja S um semigrupo topológico à direita compacto. Então E(S) 6= ∅.
Corolário 1.21. Seja S um semigrupo topológico à direita compacto. Então todo ideal à esquerda
contém um ideal à esquerda minimal, ideais à esquerda minimais são fechados, e todo ideal à
esquerda minimal possui um idempotente.
Dessa forma, se S é um semigrupo topológico à direita compacto, valem todos os resultados
listados em 1.14, 1.15, 1.16 e 1.17.
Teorema 1.22. Sejam S um semigrupo topológico à direita e R um ideal à direita de S. Então
cl R é um ideal à direita de S.
A seguir, um teorema cuja demonstração do item (a) será dada para exemplificar a interação
entre as estruturas algébrica e topológica de S.
Teorema 1.23. Seja S um semigrupo topológico à direita compacto, e suponha que Z(S) é denso
em S.
(a) Seja L um ideal à esquerda de S. Então cl L é um ideal à esquerda de S.
(b) Seja R um ideal à direita de S. Então cl R é um ideal de S.
(c) Seja e ∈ E(K(S)). Então cl (eSe) = Se.
Demonstração. (a): Sejam x ∈ cl L e y ∈ S. Seja U vizinhança de yx. yx = ρx(y), logo seja V
vizinhança de y tal que ρ[V ] ⊂ U . Seja z ∈ Z(S)∩V . Então ρx(z) = zx = xz = ρz(x) ∈ U , logo
seja W vizinhança de x tal que ρz[W ] ⊂ U . Seja w ∈W ∩L. Então ρz(w) = wz = zw ∈ U ∩L.
Logo yx ∈ cl L. �
1.3. COMPACTIFICAÇÃO DE STONE-ČECH DE ESPAÇOS DISCRETOS 7
1.3 Compactificação de Stone-Čech de Espaços Discretos
Esta seção tem o propósito de fixar notações, já que o assunto é amplamente conhecido, e assim
não é necessária uma longa exposição de definições e teoremas.
Definição 1.24. Dado D espaço topológico discreto, βD = {p : p é um ultrafiltro sobre D}, como
conjunto. Definindo, para cada A ⊂ D, A = {p ∈ βD : A ∈ p}, temos que {A : A ⊂ D} é uma
base para uma topologia em βD. βD com esta topologia é uma compactificação de Stone-Čech de
D; ao identificar cada x ∈ D com seu ultrafiltro principal, podemos considerar D ⊂ βD.
Assim, temos que:
(i) Os clopens são exatamente os conjuntos da forma A, para A ⊂ D. (Portanto βD é zero-
dimensional.)
(ii) Para todo A ⊂ D, A = clβD A.
(iii) Os pontos isolados de βD são exatamente os pontos de D.
(iv) Dado U ⊂ βD aberto, clβD U também é aberto. (Ou seja, βD é extremamente desconexo.)
Definição 1.25. (a) Seja A ⊂ D. Então A∗ = A\A.
(b) Dado T ⊂ D, podemos identificar p ∈ T com {A ∩ T : A ∈ p} ∈ βT , e assim diremos que
βT ⊂ βD.
(c) Sejam Y compacto e f : D → Y , denotaremos por f a extensão contínua de f a βD.
(d) Seja κ cardinal. Então Uκ(D) = {p ∈ βD : ∀A ∈ p, |A| ≥ κ}.
(e) Seja κ cardinal infinito, e seja A uma coleção de conjuntos. Então A possui a propriedade
da interseção finita κ-uniforme (também chamada de κ-p.i.f.) se dado qualquer F ∈ Pf (A),
|⋂F| ≥ κ.
(f) Dado A filtro em D, A = {p ∈ βD : A ⊂ p}.
Com estas definições, valem os seguintes resultados:
Teorema 1.26. (a) Suponha que f : D → D não possui pontos fixos. Então D pode ser par-
ticionado em três células A1, A2, A3 tais que para cada i, Ai ∩ f [Ai] = ∅. Como corolário,
f : βD → βD também não possui pontos fixos.
(b) Se D é infinito, então todo Gδ de D∗ possui interior não-vazio em D∗. Como consequência,
toda união enumerável de nunca-densos de D∗ é nunca-densa em D∗.
8 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
(c) Sejam A e B subconjuntos σ-compactos de βD ou de D∗. Então (cl A)∩ (cl B) ⊂ (A∩ (cl B))∪
((cl A) ∩B).
(d) Seja D infinito de cardinalidade κ, e seja A ⊂ P(D) tal que |A| ≤ κ e A possui a κ-p.i.f. Então
|{p ∈ Uκ(D) : A ⊂ p}| = 22κ . Em particular, |Uκ(D)| = |βD| = 22κ.
(e) Sejam D e E espaços discretos e f : D → E ⊂ βE. Então para cada p ∈ βD, f(p) = {A ∈
E : f−1[A] ∈ p}. Logo, se f é injetora, f é injetora; e se f é sobrejetora, f é sobrejetora. E se
B ∈ p, então f [B] ∈ f(p).
(f) Dado A filtro em D, A é um fechado de βD.
(g) Dado A ⊂ βD,⋂A é um filtro em D e clβDA =
⋂A.
(h) Sejam X espaço topológico, f : βD → X contínua, e p ∈ βD. Então dada U vizinhança de
f(p), D ∩ f−1[U ] ∈ p.
(i) Seja X espaço topológico zero-dimensional e seja Y ⊂ X compacto. Então os clopens de Y são
da forma C ∩ Y em que C é clopen em X. Em particular: se D é infinito, então todo clopen
não-vazio de D∗ é da forma A∗ para A ⊂ D infinito.
(j) Seja D infinito e seja A ⊂ βD infinito e fechado. Então A contém uma cópia topológica de βN.
Em particular, |A| ≥ 2c.
Agora, definiremos limites e p-limites e listaremos suas propriedades básicas, que são similares
com as propriedades de redes.
Definição 1.27. (a) Sejam X e Y espaços topológicos, A ⊂ X, f : A → Y , x ∈ clXA e y ∈ Y .
Dizemos que lima→x
f(a) = y se para toda vizinhança U de y existir V vizinhança de x tal que
f [V ∩A] ⊂ U .
(b) Sejam D espaço discreto, p ∈ βD, X espaço topológico, {xs : s ∈ D} ⊂ X uma família
indexada, e y ∈ X. Dizemos então que p− lims∈D
xs = y se e somente se para cada vizinhança V
de y, {s ∈ D : xs ∈ V } ∈ p.
Teorema 1.28. (a) Se Y é Hausdorff e lima→x
f(a) existe, então é único.
(b) Se X é Hausdorff e p− lims∈D
xs existe, então é único.
(c) Dado A ∈ p, como identificamos A ⊂ βD com βA, pode-se considerar p− lims∈A
xs. Vale então
que p− lims∈A
xs = y se e somente se p− lims∈D
xs = y.
(d) Considerando a família indexada {s : s ∈ D} ⊂ βD, vale que p− lims∈D
s = p.
1.3. COMPACTIFICAÇÃO DE STONE-ČECH DE ESPAÇOS DISCRETOS 9
(e) Sejam D discreto, p ∈ βD, A ∈ p, Y espaço topológico, y ∈ Y e f : A → Y . Então
p− lima∈A
f(a) = y se e somente se lima→p
f(a) = y.
(f) Seja X espaço topológico. Então X é compacto se e somente se dados qualquer D, qualquer
família indexada {xs : s ∈ D}, e qualquer p ∈ βD, p− lims∈D
xs existe.
(g) Sejam X espaço topológico, A ⊂ X, e y ∈ X. Então y ∈ clA se e somente se existem D,
p ∈ βD e {xs : s ∈ D} ⊂ A tais que p− lims∈D
xs = y.
(h) Sejam X,Y espaços topológicos, e f : X → Y . Então f é contínua se e somente se dados
quaisquer D, p ∈ βD, e {xs : s ∈ D} ⊂ X tais que p− lims∈D
xs existe, tem-se que
f(p− lim
s∈Dxs
)= p− lim
s∈Df(xs).
10 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
1.4 A Compactificação de Stone-Čech de um Semigrupo Discreto
Nesta seção apresentaremos a caracterização da operação em βS e alguns resultados primários.
Teorema 1.29. Seja (S, ·) semigrupo discreto. Então existe uma única operação ∗ : βS → βS tal
que ∗∣∣S×S = · , (βS, ∗) seja um semigrupo topológico à direita, e S ⊂ Λ(βS).
Como de costume, usaremos o mesmo símbolo para denotar a operação em βS e em S. Como
βS é um semigrupo topológico à direita compacto, segue que valem todas as conclusões da seção
1.2, além de, é claro, as da seção 1.3.
Definição 1.30. Sejam S semigrupo, A ⊂ S e s ∈ S.
(a) Se a operação em S for denotada por · (notação multiplicativa), então s−1A = {t ∈ S : st ∈ A}.
(b) Se a operação em S for denotada por + (notação aditiva), então −s+A = {t ∈ S : s+ t ∈ A}.
Note que em ambos os casos esta é apenas uma notação para λs−1[A].
Teorema 1.31. Sejam (S, ·) semigrupo, A ⊂ S, t ∈ S e p, q ∈ βS.
(a) A ∈ t · q se e somente se t−1A ∈ q.
(b) A ∈ p · q se e somente se {s ∈ S : s−1A ∈ q} ∈ p.
Seguem de (a) e (b):
(c) Se A ∈ q, então sA ∈ s · q.
(d) A ∈ p ·q se e somente se existem B ∈ p e uma família {Cs : s ∈ B} ⊂ q tais que⋃s∈B sCs ⊂ A.
Além disso, se T é um subsemigrupo de S, então podemos considerar que βT está algebricamente
imerso em βS, usando 1.25(b).
Definição 1.32. Sejam (S, ·) semigrupo, p ∈ βS, e A ⊂ S. Denotamos A?(p) = {s ∈ A : s−1A ∈
p}.
Segue imediatamente de 1.31(b) que p ∈ βS é idempotente se e somente se para cada A ∈ p,
A?(p) ∈ p. Além disso:
Teorema 1.33. Sejam (S, ·) um semigrupo, p ∈ βS idempotente, e A ⊂ S. Então para todo
s ∈ A?(p), s−1(A?(p)) ∈ p.
Teorema 1.34. Suponha que A ⊂ P(S) possua a p.i.f. Se para cada A ∈ A e cada x ∈ A existir
B ∈ A tal que xB ⊂ A, então⋂A∈A A é um subsemigrupo de βS.
Uma rápida aplicação desta condição nos dá o seguinte teorema:
1.4. A COMPACTIFICAÇÃO DE STONE-ČECH DE UM SEMIGRUPO DISCRETO 11
Teorema 1.35. Seja S um semigrupo e seja (xn)n≥1 uma sequência em S. Então⋂m≥1 FP ((xn)n≥m)
é um subsemigrupo de βS. Em particular, existe um idempotente p tal que p ∈⋂m≥1 FP ((xn)n≥m).
Teorema 1.36. Sejam (S, ·) um semigrupo e A ⊂ P(S) com a p.i.f. Sejam (T, ·) um semigrupo
topológico à direita compacto e φ : S → T tal que φ[S] ⊂ Λ(T ). Suponha que existe A ∈ A tal que
para todo x ∈ A existe B ∈ A tal que φ(x · y) = φ(x) · φ(y) para todo y ∈ B. Então, para todos
p, q ∈⋂A∈A A, φ(p · q) = φ(p) · φ(q).
Teorema 1.37. Sejam S semigrupo, T semigrupo topológico à direita compacto, e ϕ : S → T um
homomorfismo tal que ϕ[S] ⊂ Λ(T ). Então ϕ é um homomorfismo de βS a T .
Teorema 1.38. Se S é um semigrupo comutativo, então S ⊂ Z(βS) = Λ(βS).
Definição 1.39. Seja S um semigrupo.
(i) S é fracamente cancelativo à esquerda se para todos a, b ∈ S, λa−1[{b}] = {x ∈ S : ax = b}
for finito.
(ii) S é fracamente cancelativo à direita se para todos a, b ∈ S, ρa−1[{b}] = {x ∈ S : xa = b} for
finito.
Teorema 1.40. (a) Se S for cancelativo à direita ou à esquerda, então S∗ é um subsemigrupo de
βS.
(b) Se S for fracamente cancelativo à esquerda, então S∗ é ideal à esquerda de βS, e se S for
cancelativo à direita, então S∗ é ideal à direita de βS.
(c) S∗ é um ideal de βS se e somente se S for fracamente cancelativo à direita e à esquerda.
Capítulo 2
A Álgebra de βN
Este capítulo se devotará a alguns resultados que nos permitirão obter um panorama das es-
truturas algébricas de βN e suas peculiaridades, utilizando para isso, em alguns casos, o estudo
do subsemigrupo H. A maioria resultados da primeira seção podem ser encontrados no capítulo 6,
seção 1 de [1], e serão demonstrados aqui pois já se tratam de resultados mais avançados e centrais
ao tema desta dissertação.
Como convenção, sempre que for mencionado βN, estará sendo considerada a estrutura algébrica
da soma (βN,+). Quando for utilizada a estrutura do produto (βN, ·), esta será explicitada.
Iniciaremos com alguns resultados encontrados no survey de Neil Hindman [3], buscando exaurir
as referências usadas nas demonstrações até que estejam baseadas apenas nos resultados básicos
das Preliminares.
2.1 O Semigrupo H
Definição 2.1. H =⋂n∈N 2nN.
Vale que H é um subsemigrupo, utilizando o teorema 1.34: basta notar que se n ∈ 2kN, então
n+ 2kN ⊂ 2kN. Além disso, H contém todos os idempotentes de βN, pois:
Lema 2.2. Seja p um idempotente de βN. Então, para todo n ∈ N, nN ∈ p.
Demonstração. Considere ϕ : N→ Zn o homomorfismo canônico. Então, pelo teorema 1.37, tem-se
que ϕ : βN → Zn é um homomorfismo. Assim, ϕ(p) = ϕ(p + p) = ϕ(p) + ϕ(p), logo ϕ(p) = 0.
Portanto, {0} é uma vizinhança de ϕ(p), e assim ϕ−1[{0}] ∩ N = nN ∈ p. �
Definição 2.3. (a) Dado n ∈ N, define-se supp(n) ∈ Pf (ω) por n =∑
i∈supp(n) 2i. Note que está
bem definido, pois se trata da expansão binária de n.
(b) φ : N→ ω é definida por φ(n) =max(supp(n)).
13
14 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
(c) θ : N→ ω é definida por θ(n) =min(supp(n)).
Lema 2.4. H é um subsemigrupo compacto de βN que possui todos os idempotentes. Além disso,
dados p ∈ βN e q ∈ H, φ(p+ q) = φ(q) e θ(p+ q) = θ(p).
Demonstração. Já vimos que H é um subsemigrupo que possui todos os idempotentes. Ele é
claramente compacto.
Sejam p ∈ βN e q ∈ H. Dado m ∈ N, tome r > φ(m). Então, para todo n ∈ 2rN, φ(m+ n) = φ(n)
e θ(m+ n) = θ(m). Logo, como 2rN ∈ q,
φ(m+ q) = q − limn∈2rN
φ(m+ n)
= q − limn∈2rN
φ(n)
= φ(q).
Dessa forma, φ(p+ q) = limm→p
φ(m+ q) = φ(q).
Analogamente, θ(p+ q) = θ(p). �
Com esse lema, provaremos dois fatos fundamentais sobre βN. O primeiro é este:
Teorema 2.5. βN contém 2c ideais à esquerda minimais e 2c ideais à direita minimais. Cada um
possui 2c idempotentes.
Demonstração. Considere A = {2n : n ∈ N}. Note que A∗ ⊂ H. Como φ(2n) = θ(2n) = n para
todo n ∈ N, φ∣∣A
= θ∣∣A
: A → N é bijetora, logo φ∣∣A
= θ∣∣A
: A → βN é bijetora. Agora, suponha
que q1, q2 ∈ A∗ e que (βN+ q1) ∩ (βN+ q2) 6= ∅. Então existem r, s ∈ βN tais que r+ q1 = s+ q2,
logo φ(q1) = φ(r + q1) = φ(s + q2) = φ(q2), do que q1 = q2. Como, por 1.26(d), |A∗| = 2c, segue
que βN possui 2c ideais à esquerda minimais disjuntos.
Agora note que como H é um subsemigrupo que possui todos os idempotentes de βN, qualquer
idempotente que for minimal em H o será em βN. Assim, dado q ∈ A∗, pelos teoremas 1.15 e 1.16,
q+H possui um idempotente e(q) que é minimal em H, e logo minimal em βN, e portanto e(q)+βN
é um ideal à direita minimal de βN.
Afirmação: Se q1, q2 ∈ A∗ são distintos, então e(q1) + βN 6= e(q2) + βN. Provaremos por contrapo-
sitiva. Suponha e(q1) + βN = e(q2) + βN. Então e(q2) ∈ e(q1) + βN, logo e(q2) = e(q1) + e(q2), e
portanto θ(e(q2)) = θ(e(q1) + e(q2)) = θ(e(q1)). Porém, θ(e(q2)) ∈ θ[q2 + H] = {q2} e θ(e(q1)) ∈
θ[q1+H] = {q1}, pelo lema 2.4. Assim, q1 = q2. Dessa forma, βN possui 2c ideais à direita minimais.
Como todo ideal à esquerda (ou à direita) contém um ideal à esquerda (à direita) minimal (1.15(a));
como dois ideais à esquerda (ou à direita) minimais distintos são disjuntos; e como dados L ideal à
esquerda minimal e R ideal à direita minimal quaisquer, L ∩ R possui um idempotente (1.17(b));
segue que tanto L como R possuem 2c idempotentes (cada um deles minimal pelo teorema 1.16). �
2.1. O SEMIGRUPO H 15
Note que, se um semigrupo S possui dois ideais à esquerda disjuntos L1 e L2, então ele não é
comutativo - dados l1 ∈ L1 e l2 ∈ L2, l2l1 ∈ L1 e l1l2 ∈ L2. Assim, o que o teorema acima diz, de
certa forma, é que βN está “bem longe” de ser comutativo. De fato, seguindo nesta mesma ideia, o
próximo fato fundamental sobre βN é este:
Teorema 2.6. N é o centro de (βN,+) e de (βN, ·).
Demonstração. Pelo teorema 1.38, N está contido nos centros de (βN,+) e de (βN, ·).
Considere A = {2n : n ∈ N}. Sejam p ∈ N∗ e q ∈ A∗. Pelo lema 2.4, φ(p + q) = φ(q). Por outro
lado, dados m,n ∈ N tais que n > m, temos que φ(m + n) = φ(n) ou φ(m + n) = φ(n) + 1. Para
cada m ∈ N, {n ∈ N : φ(m + n) = φ(n)} ∈ p ou {n ∈ N : φ(m + n) = φ(n) + 1} ∈ p (pois
p ∈ N∗). No primeiro caso, temos que p ∈ cl{n ∈ N : φ(m+ n) = φ(n)}, logo φ(m+ p) = φ(p). No
segundo caso, φ(m + p) = φ(p) + 1. Temos também que {m ∈ N : φ(m + p) = φ(p)} ∈ q ou que
{m ∈ N : φ(m + p) = φ(p) + 1} ∈ q. Portanto, φ(q + p) = φ(p) ou φ(q + p) = φ(p) + 1. Como
φ∣∣A
é bijetora e |A∗| = 2c, então podemos tomar q ∈ A∗ tal que φ(q) /∈ {φ(p), φ(p) + 1}. Assim,
φ(p+ q) = φ(q) 6= φ(q + p). Destarte, p+ q 6= q + p e logo p /∈ Z((βN,+)).
Agora, dados m,n ∈ N, φ(m · 2n) = φ(m) + n = φ(m) + φ(2n). Portanto, dados p ∈ N∗ e q ∈ A∗,
temos:
φ(p · q) = limm→p
lim2n→q
φ(m · 2n)
= limm→p
lim2n→q
(φ(m) + φ(2n))
= limm→p
(φ(m) + φ(q))
= φ(p) + φ(q).
De forma completamente análoga, φ(q · p) = φ(q) + φ(p).
Agora, pelo 1.26(e), como φ é finita-por-unitários, φ(p) ∈ N∗, logo, como acabamos de provar,
φ(p) /∈ Z((βN,+)), logo tome r ∈ N∗ tal que φ(p) + r 6= r+ φ(p). Novamente, como φ∣∣Aé bijetora,
seja q ∈ A∗ tal que φ(q) = r. Então temos que φ(p · q) = φ(p) + φ(q) = φ(p) + r 6= r + φ(p) =
φ(q) + φ(p) = φ(q · p), e assim p · q 6= q · p. Ou seja p /∈ Z((βN, ·)). �
Note que disso segue que, pelo teorema 1.38, N = Z((βN,+)) = Λ((βN,+)) e N = Z((βN, ·)) =
Λ((βN, ·)).
Agora investigaremos propriedades que tornam o semigrupo H interessante. O primeiro deles
foi extraído da página 110 de [1]. Mas antes precisaremos do seguinte lema (cujo enunciado é um
exercício encontrado na página 79):
Lema 2.7. Sejam (S, ·) um semigrupo, k ∈ N\{1}, e p1, . . . , pk ∈ βS. Considere D ⊂ {∅} ∪⋃k−1i=1 S
i, com ∅ ∈ D. Suponha que, para cada σ ∈ D, há um Aσ ⊂ S de forma que:
16 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
(1) A∅ ∈ p1;
(2) A∅ ⊂ D;
(3) Aσ ∈ pi+1 se σ ∈ D ∩ Si;
(4) se k > 2, então para cada i ∈ {1, . . . , k − 2} e cada σ = (a1, . . . , ai−1) ∈ D, se a ∈ Aσ, então
(a1, . . . , ai−1, a) ∈ D.
Considere P = {a1 · . . . · ak : a1 ∈ A∅ e, para cada i ∈ {2, . . . , k}, (a1, . . . , ai−1) ∈ D e ai ∈
A(a1,...,ai−1)}.
Então P ∈ p1 · . . . pk.
Demonstração. Provaremos por indução.
Caso base: k = 2. Temos que P = {a1 · a2 : a1 ∈ A∅, a1 ∈ D e a2 ∈ Aa1}. Queremos ver que
P ∈ p1 · p2, ou seja, que {s ∈ S : s−1P ∈ p2} ∈ p1. Como A∅ ∈ p1, basta ver que A∅ ⊂ {s ∈ S :
s−1P ∈ p2}. Logo seja a1 ∈ A∅. Queremos ver que a1−1P ∈ p2. Como Aa1 ∈ p2, basta ver que
Aa1 ⊂ a1−1P . Logo seja a2 ∈ Aa1 . Note que a1 · a2 ∈ P , como desejado.
Passo indutivo: k > 2. Tome P como no enunciado. Queremos ver que {s ∈ S : s−1P ∈ pk} ∈ p1·. . .·
pk−1. Pela hipótese indutiva, {a1 ·. . .·ak−1 : a1 ∈ A∅ e, para cada i ∈ {2, . . . , k−1}, (a1, . . . , ai−1) ∈
D e ai ∈ A(a1,...,ai−1)} ∈ p1 · . . . · pk−1. Logo basta ver que {a1 · . . . · ak−1 : a1 ∈ A∅ e, para cada
i ∈ {2, . . . , k − 1}, (a1, . . . , ai−1) ∈ D e ai ∈ A(a1,...,ai−1)} ⊂ {s ∈ S : s−1P ∈ pk}. Logo seja
a1 · . . . · ak−1 tal que a1 ∈ A∅ e, para cada i ∈ {2, . . . , k − 1}, (a1, . . . , ai−1) ∈ D e ai ∈ A(a1,...,ai−1).
Note que, em particular, (a1, . . . , ak−2) ∈ D e ak−1 ∈ A(a1,...,ak−2), e portanto (a1, . . . , ak−1) ∈ D.
Queremos ver que a1 · . . . · ak−1−1P ∈ pk. Sabemos que A(a1,...,ak−1) ∈ pk. Logo basta ver que
A(a1,...,ak−1) ⊂ a1 · . . . · ak−1−1P . Seja a ∈ A(a1,...,ak−1). Note que a satisfaz os requisitos necessários
de forma que a1 · . . . · ak−1 · a ∈ P , como desejávamos. �
Teorema 2.8. H contém uma sequência infinita decrescente de idempotentes.
Demonstração. Tome (An)n≥1 uma sequência crescente de subconjuntos de N tal que An+1\An é
infinito para cada n ≥ 1. Considere, para cada n, Sn = {m ∈ N : supp(m) ⊂ An}. Note que, para
cada n, r ∈ N, se k,m ∈ 2rN ∩ Sn e supp(k) ∩ supp(m) = ∅, então k + m ∈ 2rN ∩ Sn. Logo, pelo
teorema 1.34, Tn = Sn ∩H é um subsemigrupo de βN (usando A = {Sn ∩ 2rN : r ∈ N}). Note que
Tn ⊂ Tn+1, pois Sn ⊂ Sn+1, para todo n ≥ 1. A partir disso, construiremos uma sequência injetora
(en)n≥1 de idempotentes tal que en+1 ≤ en e en ∈ K(Tn) para todo n ≥ 1.
Tome e1 qualquer idempotente minimal em T1. Suponha recursivamente agora que {e1, . . . , em}
já foi escolhido. Pelo 1.17(a), existe em+1 ∈ K(Tm+1) tal que em+1 ≤ em. Mostraremos que
em /∈ K(Tm+1), do que em 6= em+1.
2.1. O SEMIGRUPO H 17
Para ver isso, tome x ∈ N∗ ∩ {2n : n ∈ Am+1\Am} qualquer. Considere M = {r + 2n + s : r, s ∈
N, n ∈ Am+1\Am e max(supp(r)) < n < min(supp(s))}. Observe que para cada r + 2n + s ∈ M ,
n ∈ supp(r+ 2n+ s)\Am, logo r+ 2n+ s /∈ Sm. Ou seja, M ∩Sm = ∅, e logo em /∈M . Agora, para
ver que em /∈ K(Tm+1), veremos queM ⊃ K(Tm+1). Para isso, mostraremos queM contém o ideal
Tm+1 + x+ Tm+1 de Tm+1. Com este fim, mostraremos que, para todos y, z ∈ H, y + x+ z ∈M .
Assim, queremos ver que M ∈ y+ x+ z. Usaremos o lema 2.7. Considere D = {∅} ∪N∪ {(r, 2n) :
r ∈ N, n ∈ Am+1\Am e max(supp(r)) < n}. Defina A∅ = N, Ar = {2n : n ∈ Am+1\Am e
max(supp(r)) < n} para cada r ∈ N, e A(r,2n) = {s ∈ N : n <min(supp(s))}, para cada (r, 2n) ∈ N2
tal que n ∈ Am+1\Am e max(supp(r)) < n. Deste modo, temos que: A∅ ∈ y; A∅ ⊂ D; para
cada r ∈ D ∩ N, como x ∈ N∗ ∩ {2n : n ∈ Am+1\Am}, Ar ∈ x; para cada (r, 2n) ∈ D ∩ N2, como
z ∈ H ⊂ N∗, A(r,2n) ∈ z; e por fim , dado r ∈ D, se 2n ∈ Ar, então (r, 2n) ∈ D. Portanto podemos
de fato aplicar o lema 2.7 e obter que M ∈ y + x+ z. �
A segunda propriedade é o Teorema 3.5 de [3].
Teorema 2.9. O semigrupo H é a união disjunta de c ideais à direita compactos.
Demonstração. Seja {Eσ : 0 < σ < c} uma família quase disjunta de subconjuntos de ω. Para
cada σ, defina Bσ = {∑
n∈F 2n : F ∈ Pf (ω) e min F ∈ Eσ}. Defina então Rσ = H ∩ Bσ, e
R0 = H\⋃{Rσ : 0 < σ < c}. Vale que para cada 0 < σ < c, Rσ é aberto e fechado em H, logo Rσ
é compacto para cada σ < c.
Agora, vale que {N\Bσ : 0 < σ < c}∪{2nN : n ∈ N} tem a p.i.f. Para ver isso, como {2nN : n ∈ N}
tem a p.i.f., basta ver que dados 0 < σ1, . . . , σk < c e m ∈ N, (N\Bσ1) ∩ . . . ∩ (N\Bσk) ∩ 2mN 6=
∅. Para isso, tome δ ∈ c\{0, σ1, . . . , σk} e seja l ∈ ω tal que Eδ ∩ Eσi ⊂ {0, . . . , l}, para cada
i ∈ {1, . . . , k}. Assim, tome F ∈ Pf (ω) tal que min F ∈ Eδ e min F > l,m. Então temos que∑n∈F 2n ∈ (N\Bσ1) ∩ . . . ∩ (N\Bσk) ∩ 2mN, como queríamos.
Logo, se x ∈⋂
({N\Bσ : 0 < σ < c} ∪ {2nN : n ∈ N}), então x ∈ R0. Portanto R0 6= ∅. Além
disso, dados 0 < σ, τ < c distintos, tome n ∈ N tal que Eσ ∩ Eτ ⊂ {0, . . . , n − 1}. Então, se∑n∈F 2n ∈ Bσ ∩Bτ , min F ∈ {0, . . . , n− 1}; ou seja, Bσ ∩Bτ ∩ 2nN = ∅. Destarte, Rσ ∩Rτ = ∅
(pois se x ∈ Rσ ∩ Rτ , então Bσ ∩ Bτ ∩ 2nN ∈ x). Temos então que {Rσ : σ < c} é realmente uma
coleção de compactos dois-a-dois disjuntos.
Agora veremos que Rσ é um ideal à direita de H. Sejam q ∈ Rσ e p ∈ H. H é subsemigrupo, logo
q + p ∈ H.
Primeiramente, suponha que σ > 0. Queremos ver que Bσ ∈ q+p, ou seja, {x ∈ N : −x+Bσ ∈ p} ∈
q. Então basta ver que Bσ ⊂ {x ∈ N : −x + Bσ ∈ p}. Logo seja x =∑
n∈F 2n tal que F ∈ Pf (ω)
e min F ∈ Eσ. Tome m =min F + 1. Então, dado qualquer y ∈ 2mN, min(supp(x + y)) =min F ,
logo x+ y ∈ Bσ. Isto é, 2mN ⊂ −x+Bσ. Como 2mN ∈ p, segue a tese.
18 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Por fim, temos o caso em que σ = 0. Suponha por absurdo que q+p /∈ R0, ou seja, q+p ∈ Rτ para
algum τ > 0. Então Bτ ∈ q + p, ou seja, {x ∈ N : −x + Bτ ∈ p} ∈ q. Como Bτ /∈ q, então tome
x ∈ N tal que x /∈ Bτ e −x + Bτ ∈ p. Tome F ∈ Pf (ω) tal que min F /∈ Eτ e x =∑
n∈F 2n. Seja
m = min F + 1. 2mN ∩ (−x + Bτ ) ∈ p, logo tome y nessa interseção. Então x + y ∈ Bτ . Porém,
como acima, note que min(supp(x+ y)) =min F /∈ Eτ , e portanto x+ y /∈ Bτ . Contradição. Deste
modo, q + p ∈ R0. �
Agora veremos que cópias algébricas e topológicas de H são abundantes em N∗.
Teorema 2.10. Seja (xn)n≥1 uma sequência em N com a unicidade das somas finitas. Então⋂m≥1 FS((xn)n≥m) é algébrica e topologicamente isomorfo a H, pela mesma função.
Demonstração. Defina f : N → N por f(∑
n∈F 2n−1) =∑
n∈F xn. Note que de fato f está bem-
definida sobre N e, como (xn)n≥1 satisfaz a unicidade das somas finitas, f é injetora. Considere
f : βN → βN a extensão contínua de f e defina ϕ = f∣∣H. Observe que, para cada m ∈ N,
f [2m−1N] = FS((xn)n≥m), logo f [2m−1N] = FS((xn)n≥m). Assim - usando que f é injetora -
ϕ[H] = f [H] =⋂m∈N f [2m−1N] =
⋂m∈N FS((xn)n≥m). Assim, ϕ é uma bijeção contínua entre H e⋂
m∈N FS((xn)n≥m); como ambos são compactos Hausdorff, é um homeomorfismo.
Resta ver que ϕ é um homomorfismo. Para isso, lembraremos que βN é um semigrupo topológico
à direita e que N = Λ(βN). Sejam p, q ∈ H. Mostraremos que ϕ(p+ q) = ϕ(p) + ϕ(q), ou seja, que
ϕ ◦ ρq(p) = ρϕ(q) ◦ ϕ(p). Basta ver que estas duas funções contínuas são idênticas sobre N. Seja
então x ∈ N. Quero ver que ϕ(x + q) = ϕ(x) + ϕ(q), ou seja, que ϕ ◦ λx(q) = λϕ(x) ◦ ϕ(q). Tome
F ∈ Pf (N) tal que x =∑
n∈F 2n−1, e seja m = max F . Como q ∈ 2mN, basta ver que ϕ ◦ λx
e λϕ(x) ◦ ϕ são idênticas sobre 2mN. Seja y ∈ 2mN, e tome G ∈ Pf (N) tal que y =∑
n∈G 2n−1.
Note que min G > m, e portanto x + y =∑
n∈F∪G 2n−1. Assim, ϕ ◦ λx(y) = ϕ(x + y) = f(x +
y) = f(∑
n∈F∪G 2n−1) =∑
n∈F∪G xn =∑
n∈F xn +∑
n∈G xn = f(∑
n∈F 2n−1) + f(∑
n∈G 2n−1) =
f(x) + f(y) = ϕ(x) + ϕ(y) = λϕ(x) ◦ ϕ(y). �
2.2. O IDEAL N∗ + N∗, O FECHO DE K(βN), Uκ(S), SOMAS E PRODUTOS 19
2.2 O Ideal N∗ + N∗, o Fecho de K(βN), Uκ(S), Somas e Produtos
O ponto final desta seção é uma consequência do Teorema 3.7 de [3]: embora N∗ + N∗ seja um
ideal de βN, e portanto K(βN) ⊂ N∗+N∗, tem-se que cl K(βN) 6⊂ N∗+N∗. Para isso, precisaremos
de resultados sobre a álgebra de Uκ(S), e também sobre as relações entre somas e produtos em βN
– ambos assuntos interessantes por si e com consequências em outros resultados.
Lema 2.11. N∗ é um ideal à esquerda de βZ.
Demonstração. Sejam p ∈ N∗ e q ∈ βZ. Queremos ver que q + p ∈ N e que q + p /∈ N. Suponha
primeiramente que q + p = a ∈ N. Ou seja, q + p = {A ⊂ Z : a ∈ A}. Em particular, {a} ∈ q + p,
ou seja, {x ∈ Z : −x + {a} ∈ p} ∈ q, e portanto existe x ∈ Z tal que −x + {a} = {−x + a} ∈ p.
Contradição, pois p ∈ N∗.
Resta ver que {x ∈ Z : −x+ N ∈ p} ∈ q. Veremos que {x ∈ Z : −x+ N ∈ p} = Z (note que esta é
a única estratégia, pois q é arbitrário em βZ). Logo tome x ∈ Z e suponha que −x+N /∈ p. Então
−x+ Z\N ∈ p, logo N ∩ (−x+ Z\N) ∈ p, porém N ∩ (−x+ Z\N) = {n ∈ N : n ≤ −x} que é finito.
Contradição pois p ∈ N∗. �
Corolário 2.12. N∗ + N∗ é ideal de βN.
Demonstração. Pelo lema 2.11, temos que:
βN+ (N∗+N∗) = (βN+N∗) +N∗ ⊂ N∗. Por outro lado, (N∗+N∗) +N∗ ⊂ N∗, e, como N ⊂ Z(βN),
(N∗ + N∗) + N = N+ (N∗ + N∗) = (N+ N∗) + N∗ ⊂ N∗; portanto (N∗ + N∗) + βN ⊂ N∗. �
(Observe que, com um raciocínio ainda mais simples, N∗ é um ideal de βN também.)
Note, pelo teorema 1.16, que {p ∈ βN : p é idempotente minimal} ⊂ K(βN). Então, mais
forte que cl K(βN) 6⊂ N∗ + N∗, teremos que cl{p ∈ βN : p é idempotente minimal} 6⊂ N∗ + N∗.
Enunciemos e provemos então o Teorema 3.7 de [3]:
Teorema 2.13. SejaM =cl{p ∈ βN : p é idempotente minimal de (βN,+)}. EntãoM\(N∗+N∗) 6=
∅.
Demonstração. Pelo Teorema 5.4 de [5], M é um ideal à esquerda de (βN, ·). Em particular, é um
subsemigrupo compacto, logo tome q ∈M tal que q = q · q. Pelo lema 2.2, temos que {p ∈ βN : p é
idempotente minimal} ⊂⋂n∈N nN, logo M ⊂
⋂n∈N nN. Assim, nN ∈ q, para todo n ∈ N. Então,
pelo Teorema 5.3 de [6], q = q · q /∈ N∗ + N∗. �
Nosso objetivo é agora chegar aos resultados citados, mas não provados, no teorema acima.
Primeiramente, tomaremos o artigo [6] para ver sob que casos um produto em βN pode ser escrito
como uma soma.
20 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Primeiramente, enunciamos aqui um lema sobre cancelamento. Note que como N é o centro de
(β,N+) e de (βN, ·), então os cancelamentos à direita a seguir também valem à esquerda.
Lema 2.14. Sejam p, q ∈ βN e n,m ∈ N.
(a) Se p+m = q +m, então p = q.
(b) Se p ·m = q ·m, então p = q.
(c) Se m+ p = n+ p, então m = n.
(d) Se m · p = n · p, então m = n.
Demonstração. (a): Note que a função rm : N → N (definida por rm(n) = n + m) é injetora, e
portanto sua extensão contínua a βN, ρm, é injetora também. Assim segue a tese.
(b): Demonstração completamente análoga a (a).
(c): Suponha s.p.g. que m ≤ n. Temos que N =⋃ni=0−i + (n + 1)N é uma união disjunta;
tome i ∈ {0, . . . , n} tal que −i + (n + 1)N ∈ m + p = n + p. Então −m − i + (n + 1)N ∈ p e
−n− i+ (n+ 1)N ∈ p, logo m+ i ≡ n+ i (mod n+ 1), ou seja, m ≡ n (mod n+ 1). Como m ≤ n,
então m = n.
(d): Suponha que m 6= n. Para cada x ∈ N e b primo, seja c(b, x) o número de fatores b em x
(isto é, c(b, x) é o maior a ∈ N tal que ba|n). Como n 6= m, tome b primo tal que c(b, n) 6= c(b,m),
e suponha s.p.g. que c(b, n) < c(b,m). Defina d = c(b,m) + 1 e tome i ∈ {0, . . . , d − 1} tal
que A = {x ∈ N : c(b, x) ≡ i (mod d)} ∈ p. Temos então que nA ∈ n · p e mA ∈ m · p.
Como n · p = m · p, então podemos tomar y ∈ nA ∩mA. Portanto vale que c(b, y) ≡ i + c(b, n)
(mod d), e c(b, y) ≡ i + c(b,m) (mod d); logo c(b, n) ≡ c(b,m) (mod d) e c(b, n) < c(b,m) < d.
Contradição. �
Teorema 2.15. Sejam p, r ∈ N∗, t, s ∈ βN, e m,n ∈ N. Se t + p = m · r e s + p = n · r, então
m = n.
Demonstração. Suponha, s.p.g., que m < n. Seja γ = lognm, e note que 0 ≤ γ < 1, de modo
que podemos tomar d ∈ N tal que γ < 1 − 2d . Note que d ≥ 3. Para cada i ∈ Z, definimos
Ai = {x ∈ N : bd · logn xc ≡ i (mod 2d)}. Observe que Ai = Aj se e somente se i ≡ j (mod 2d),
e Ai ∩ Aj = ∅ caso contrário. Além disso, caso i ∈ {0, . . . , 2d− 1}, temos a seguinte equivalência:
x ∈ Ai ⇔ bd · logn xc ≡ i (mod 2d) ⇔ ∃k ∈ N tal que n2k+ id ≤ x < n2k+ i+1
d , de forma que
Ai =⋃k≥0{x ∈ N : n2k+ i
d ≤ x < n2k+ i+1d }.
Será necessário usar o seguinte fato: dados i ∈ Z e z ∈ N, (−z +Ai)\(Ai ∪Ai−1) é finito. Demons-
traremos isso agora: primeiramente tome k ∈ N tal que z
n1d−1
≤ n2k+ i−1d , e defina u = n2k+ i
d .
Mostraremos então que, se y ∈ (−z + Ai) e y ≥ u, então y ∈ (Ai ∪ Ai−1). Tome x ∈ Ai
2.2. O IDEAL N∗ + N∗, O FECHO DE K(βN), Uκ(S), SOMAS E PRODUTOS 21
tal que z + y = x, e observe que, como x ≥ y ≥ u, então n2v+ id ≤ x < n2v+ i+1
d para al-
gum v ≥ k. Como z ≤ n2k+ i−1d · (n
1d − 1) ≤ n2v+ i−1
d · (n1d − 1) = n2v+ i
d − n2v+ i−1d , então
n2v+ i−1d ≤ x − z = y < x < n2v+ i+1
d . Portanto, 2dv + i − 1 ≤ d · logn y < 2dv + i + 1, e assim
y ∈ Ai ∪Ai−1.
Agora, vale que N =⋃2d−1i=0 Ai, logo tome i ∈ {0, . . . , 2d−1} tal que Ai ∈ r. Então nAi ∈ n·r = s+p,
logo {x ∈ N : −x + nAi ∈ p} ∈ s, logo tome z ∈ N tal que −z + nAi ∈ p. Similarmente,
mAi ∈ m · p = t + p, logo tome v ∈ N tal que −v + mAi ∈ p. Vale que nAi ⊂ Ai+d (pois se
n2k+ id ≤ x < n2k+ i+1
d , então n2k+ i+dd ≤ n · x < n2k+ i+d+1
d ), logo −z + Ai+d ∈ p. Como visto
acima, (−z+Ai+d)\(Ai+d ∪Ai+d−1) é finito. Como (−z+Ai+d)\(Ai+d ∪Ai+d−1) = (−z+Ai+d)∩
(N\Ai+d)∩ (N\Ai+d−1) e −z+Ai+d ∈ p, então podemos tomar j ∈ {i+d−1, i+d} tal que Aj ∈ p.
Veremos agora que mAi ⊂⋃i+d−2u=i Au. Seja x ∈ Ai e tome k ≥ 0 tal que n2k+ i
d ≤ x < n2k+ i+1d .
Temos então: n2k+ id ≤ x ≤ m ·x = nγ ·x ≤ n2k+ i+1
d+γ < n2k+ i+1
d+1− 2
d = n2k+ i+d−2+1d , do que segue
a afirmação.
Desse modo, −v + mAi ⊂⋃i+d−2u=i −v + Au e −v + mAi ∈ p, logo tome u ∈ {i, . . . , i + d − 2} tal
que −v + Au ∈ p. Similarmente a acima, como (−v + Au)\(Au ∪ Au−1) é finito, então Au ∈ p ou
Au−1 ∈ p. Portanto existe w ∈ {i − 1, . . . , i + d − 2} tal que Aw ∈ p. Destarte, Aw ∩ Aj 6= ∅,
e assim j ≡ w (mod 2d). Porém, como j ∈ {i + d − 1, i + d} e w ∈ {i − 1, . . . , i + d − 2}, isso
implicaria que existem a, b ∈ {0, . . . , d+ 1} distintos tais que a ≡ b (mod 2d). Como d > 2, isso é
uma contradição. �
Teorema 2.16. Sejam p, r ∈ βN e m ∈ N. Então existe s ∈ βN tal que m+ p = s · r se e somente
se para cada A ∈ p e cada função f : N→ r existe n ∈ N tal que (m+A) ∩ (n · f(n)) 6= ∅.
Demonstração. (⇒): Sejam A ∈ p e f : N→ r. Então m+A ∈ m+ p = s · r, logo
{n ∈ N : n−1(m+A) ∈ r} ∈ s; tome n ∈ N tal que n−1(m+A) ∈ r. Então n−1(m+A)∩ f(n) ∈ r,
e assim ∅ 6= (m+A) ∩ (n · f(n)).
(⇐): Para cada A ∈ p e cada f : N → r, defina C(A, f) = {n ∈ N : (m + A) ∩ (n · f(n)) 6= ∅}.
Por hipótese, C(A, f) 6= ∅. Afirmação: {C(A, f) : A ∈ p e f : N→ r} possui a p.i.f. Para ver isso,
sejam A1, . . . , Ak ∈ p e f1, . . . , fk : N→ r. Defina A =⋂ki=1Ai e f : N→ r por f(n) =
⋂ki=1 fi(n).
Note que, para cada j ∈ {1, . . . , k}, se x ∈ C(A, f), então ∅ 6= (m + A) ∩ (x · f(x)) = (m +⋂ki=1Ai)∩ (x ·
⋂ki=1 fi(x)) ⊂ (
⋂ki=1m+Ai)∩ (
⋂ki=1 x · fi(x)) ⊂ (m+Aj)∩ (x · fj(x)), de forma que
x ∈ C(Aj , fj). Ou seja ∅ 6= C(A, f) ⊂⋂ki=1C(Ai, fi), e assim vale a afirmação.
Desse modo, tome s ∈ βN tal que {C(A, f) : A ∈ p e f : N → r} ⊂ s. Afirmação: m + p = s · r.
Suponha que não. Tome então A ∈ (m + p)\(s · r). Temos que −m + A ∈ p e N\A ∈ s · r, logo
B = {n ∈ N : n−1(N\A) ∈ r} ∈ s. Defina então f : N → r por f(n) = n−1(N\A) se n ∈ B e
f(n) = N caso contrário. Vale que C(−m+ A, f) ∈ s, logo B ∩ C(−m+ A, f) 6= ∅; tome n nessa
22 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
interseção. Temos então que ∅ 6= (m+ (−m+A))∩ (n · f(n)) ⊂ A∩ (n · (n−1(N\A))) ⊂ A∩ (N\A),
uma contradição. �
Teorema 2.17. Sejam p, r ∈ βN e n ∈ N. Então existe q ∈ βN tal que q + p = n · r se e somente
se para cada A ∈ r e cada f : N→ p existe m ∈ N tal que (m+ f(m)) ∩ (nA) 6= ∅.
Demonstração. (⇒): Sejam A ∈ r e f : N → p. Então nA ∈ n · r = q + p, ou seja, {m ∈ N :
−m + nA ∈ p} ∈ q, logo tome m tal que −m + nA ∈ p. Logo f(m) ∩ (−m + nA) ∈ p, e assim
∅ 6= (m+ f(m)) ∩ nA.
(⇐): Para cada A ∈ r e f : N → p, defina C(A, f) = {m ∈ N : nA ∩ (m + f(m)) 6= ∅}. Por
hipótese, C(A, f) 6= ∅. Afirmação: {C(A, f) : A ∈ r e f : N→ p} possui a p.i.f. Para ver isso, sejam
A1, . . . , Ak ∈ r e f1, . . . , fk : N→ p. Defina A =⋂ki=1Ai e f : N→ p por f(m) =
⋂ki=1 fi(m). Note
que, para cada j ∈ {1, . . . , k}, se x ∈ C(A, f), então ∅ 6= (m+ f(m))∩ (xA) = (m+⋂ki=1 fi(m))∩
(x ·⋂ki=1Ai) ⊂ (
⋂ki=1(m+fi(m)))∩ (
⋂ki=1 xAi) ⊂ (m+fj(m))∩ (xAj), de forma que x ∈ C(Aj , fj).
Ou seja ∅ 6= C(A, f) ⊂⋂ki=1C(Ai, fi), e assim vale a afirmação.
Desse modo, tome q ∈ βN tal que {C(A, f) : A ∈ r e f : N → p} ⊂ q. Afirmação: q + p = n · r.
Suponha que não. Tome então A ∈ (n · r)\(q + p). Temos que n−1A ∈ r e N\A ∈ q + p, logo
B = {m ∈ N : −m + N\A ∈ p} ∈ q. Defina então f : N → p por f(m) = −m + N\A se m ∈ B
e f(m) = N caso contrário. Vale que C(n−1A, f) ∈ q, logo B ∩ C(n−1A, f) 6= ∅; tome m nessa
interseção. Temos então que ∅ 6= (n · (n−1A))∩ (m+f(m)) ⊂ A∩ (m+(−m+N\A)) ⊂ A∩ (N\A),
uma contradição. �
Lema 2.18. Sejam p, q, r, s ∈ βN. Então q + p 6= s · r se e somente se existem B ∈ q, C ∈ s,
f : B → p e g : C → r tais que (m+ f(m)) ∩ (n · g(n)) = ∅ para todos m ∈ B e n ∈ C.
Demonstração. (⇒): Tome A ∈ (q + p)\(s · r). Considere B = {x ∈ N : −x + A ∈ p} ∈ q e
C = {x ∈ N : x−1(N\A) ∈ r} ∈ s. Defina f : B → p por f(m) = −m + A e g : C → r
por g(n) = n−1N\A. Temos então que, dados m ∈ B e n ∈ C, que (m + f(m)) ∩ (n · g(n)) =
(m+ (−m+A)) ∩ (n · (n−1(N\A))) ⊂ A ∩ (N\A) = ∅.
(⇐): Mostraremos que (q+ p)\(s · r) 6= ∅. Seja D =⋃m∈B(m+ f(m)). Pelo teorema 1.31(d), vale
que D ∈ q + p. Afirmação: D /∈ s · r. Suponha o contrário. Considere E = {x ∈ N : x−1D ∈ r}.
E ∈ s, logo tome n ∈ E ∩ C. Como n−1D ∈ r, tome x ∈ n−1D ∩ g(n). Temos que nx ∈ D, logo
tome m ∈ B tal que nx ∈ (m+ f(m)). Assim, nx ∈ (m+ f(m))∩ (n · g(n)), uma contradição. �
Teorema 2.19. Sejam p, r ∈ N∗, G = {q ∈ N∗ : q + p = s · r para algum s ∈ N∗}, e H = {m ∈ N :
m+ p = t · r para algum t ∈ βN}. São equivalentes:
(a) G 6= ∅.
2.2. O IDEAL N∗ + N∗, O FECHO DE K(βN), Uκ(S), SOMAS E PRODUTOS 23
(b) |H| = ω.
(c) |G| = 2c.
Demonstração. (a)⇒(b): Tome q ∈ G. Tome s ∈ N∗ tal que q + p = s · r. Suponha por absurdo
que H é finito. Considere B = N\H e C = {n ∈ N : para todo t ∈ βN, t + p 6= n · r}. Note que
|N\C| ≤ 1, pois se m,n ∈ N\C, então existem t, s ∈ βN tais que t+ p = m · r e s+ p = n · r; pelo
teorema 2.15, m = n. Assim, B ∈ q e C ∈ s.
Observe que B = N\H = {m ∈ N : não existe t ∈ βN tal que m + p = t · r}. Portanto, para cada
m ∈ B, existem pelo teorema 2.16 Am ∈ p e gm : N → r tais que (m + Am) ∩ (n · gm(n)) = ∅
para todo n ∈ N. Similarmente, como C = {n ∈ N : não existe t ∈ βN tal que t + p = n · r},
pelo teorema 2.17, para cada n ∈ C existem Dn ∈ r e fn : N → p tais que, para todo m ∈ N,
(m+ fn(m)) ∩ (nDn) = ∅.
Defina então f : B → p por f(m) = Am ∩ (⋂{fn(m) : n ∈ C e n ≤ m}), e g : C → r por
g(n) = Dn ∩ (⋂{gm(n) : m ∈ B e m ≤ n}). Assim, pelo lema 2.18, existem m ∈ B e n ∈ C tais
que (m + f(m)) ∩ (n · g(n)) 6= ∅. Porém, se n ≤ m, f(m) ⊂ fn(m) e g(n) ⊂ Dn, de forma que
(m + fn(m)) ∩ (nDn) 6= ∅, uma contradição; e se m ≤ n, f(m) ⊂ Am e g(n) ⊂ gm(n), de forma
que (m+Am) ∩ (n · gm(n)) 6= ∅, outra contradição.
(b)⇒(c): É uma consequência mais direta da topologia de βN. Primeiramente, notamos que dado
X ⊂ βN, N∩ (cl X) = N∩X, pois N é o conjunto dos pontos isolados de βN. Lembramos que, pelo
teorema 1.26(d), |H∗| = 2c. Logo, basta ver que dado q ∈ H∗, existe s ∈ N∗ tal que q + p = s · r.
Seja q ∈ H∗. Para cada B ∈ q, defina C(B) = {t ∈ βN : m + p = t · r para algum m ∈ B}. Note
que, como H ∩ B 6= ∅, C(B) 6= ∅; além disso, dados B1, B2 ∈ q, C(B1 ∩ B2) ⊂ C(B1) ∩ C(B2).
Destarte, A = {cl C(B) : B ∈ q} é uma coleção de fechados de βN com a p.i.f., logo⋂A 6= ∅.
Tome s ∈⋂A.
Primeiro é preciso ver que s ∈ N∗. Suponha s ∈ N. Então s ∈ N ∩ (⋂B∈q cl C(B)) =
=⋂B∈q N∩(cl C(B)) =
⋂B∈q N∩C(B) ⊂
⋂B∈q C(B). Em particular, s ∈ C(H), logo tome m ∈ H
tal que m + p = s · r. Vale também que H\{m} ∈ q, logo s ∈ C(H\{m}); tome n ∈ H\{m} tal
que n+ p = s · r. Então m+ p = n+ p, uma contradição, pelo lema 2.14.
Por fim, veremos que q + p = s · r. Suponha que q + p 6= s · r. Pelo lema 2.18, tome B ∈ q, C ∈ s,
f : B → p e g : C → r tais que (m + f(m)) ∩ (n · g(n)) = ∅ para todos m ∈ B e n ∈ C. Como
C é uma vizinhança de s e s ∈cl C(B), tome t ∈ C ∩ C(B); podemos então tomar m ∈ B tal que
m+p = t ·r. Porém, m ∈ B implica que B ∈ m (lembrando a identificação de m com seu ultrafiltro
principal), e C ∈ t. Logo, pelo lema 2.18, m+ p 6= t · r. �
Agora podemos provar o teorema citado na demonstração de 2.13.
Teorema 2.20. Seja r ∈ N∗. Se |{n ∈ N : nN ∈ r}| = ω, então para todos p, q, s ∈ N∗, s ·r 6= q+p.
24 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Demonstração. Suponha que s · r = q + p. Pelo teorema 2.19, temos que |{m ∈ N : m + p = t · r
para algum t ∈ βN}| = ω. Logo tome m,n ∈ N, m < n, e t0, t1 ∈ βN tais que m + p = t0 · r e
n + p = t1 · r. Tome a > n tal que aN ∈ r. Como N =⋃a−1i=0 i + aN, tome i tal que i + aN ∈ p.
Então m+ i+ aN ∈ m+ p = t0 · r, logo {x ∈ N : x−1(m+ i+ aN) ∈ r} ∈ t0, logo tome x ∈ N tal
que x−1(m + i + aN) ∈ r. Analogamente, tome y ∈ N tal que y−1(n + i + aN) ∈ r. Tome então
z ∈ aN ∩ x−1(m+ i+ aN) ∩ y−1(n+ i+ aN). Temos então que xz ∈ aN ∩ (m+ i+ aN), portanto
m + i ≡ 0 (mod a); e yz ∈ aN ∩ (n + i + aN), portanto n + i ≡ 0 (mod a). Deste modo, m ≡ n
(mod a) com m < n < a, uma contradição. �
Para concluir este trecho, e ver que o teorema acima se aplica ao teorema 2.13, basta o seguinte
lema:
Lema 2.21. Seja q ∈ cl{p ∈ βN : p+ p = p}. Então para todo n ∈ N, nN ∈ q.
Demonstração. Queremos ver que nN ∈ q, isto é, q ∈ nN. Seja A uma vizinhança básica de q, isto
é, seja A ∈ q. Vale que A ∩ {p ∈ βN : p + p = p} 6= ∅, logo tome p = p + p tal que A ∈ p. Pelo
lema 2.2, nN ∈ p, e portanto A ∩ nN 6= ∅. �
Agora, partimos para ver que o conjunto M do teorema 2.13 é um ideal à esquerda de (βN, ·).
Para tanto, precisaremos de uma caracterização de ideais à esquerda minimais, que pode ser obtida
estudando a estrutura dos ultrafiltros κ-uniformes. A próxima definição e os próximos lemas e
teoremas são, respectivamente, a Definição 2.3, o Lema 2.4, o Teorema 2.5, o Lema 3.1 e o Teorema
3.2 de [4].
Definição 2.22. Seja (S, ·) um semigrupo discreto. Sejam p ∈ βS, κ = 1 ou κ ≥ ω. Então
Cκ(p) = {A ⊂ S : |{x ∈ S : x−1A /∈ p}| < κ}.
Note que Cκ(p) = {A ⊂ S : |{x ∈ S : x−1(S\A) ∈ p}| < κ}. Portanto, S\A ∈ Cκ(p) ⇔ |{x ∈
S : x−1A ∈ p}| < κ. Em particular, quando κ = 1, C1(p) = {A ⊂ S : para todo x ∈ S, x−1A ∈ p}.
Lema 2.23. Sejam p ∈ βS e κ ≤ |S| com κ = 1 ou κ ≥ ω.
(a) Cκ(p) é um filtro em S.
(b) Uκ(S) · p = Cκ(p) = {q ∈ βS : Cκ(p) ⊂ q}.
Demonstração. (a): S ∈ Cκ(p) pois |{x ∈ S : x−1(S\S) ∈ p}| = |∅| < κ. ∅ /∈ Cκ(p) pois
|{x ∈ S : x−1(S\∅) ∈ p}| = |S| ≥ κ. Dado A ∈ Cκ(p) e B ⊃ A, vale que x−1(S\B) ⊂ x−1(S\A),
logo {x ∈ S : x−1(S\B) ∈ p} ⊂ {x ∈ S : x−1(S\A) ∈ p}, e assim B ∈ Cκ(p). Por fim, dados
A,B ∈ Cκ(p), tem-se que {x ∈ S : x−1(S\(A ∩B)) ∈ p} = {x ∈ S : x−1(S\A) ∪ x−1(S\B) ∈ p} =
{x ∈ S : x−1(S\A) ∈ p} ∪ {x ∈ S : x−1(S\B) ∈ p}, logo A ∩B ∈ Cκ(p).
2.2. O IDEAL N∗ + N∗, O FECHO DE K(βN), Uκ(S), SOMAS E PRODUTOS 25
(b): Primeiramente veremos que Uκ(S) · p ⊂ Cκ(p). Seja r ∈ Uκ(S), e seja A ∈ Cκ(p). |{x ∈ S :
x−1A /∈ p}| < κ, logo S\{x ∈ S : x−1A /∈ p} = {x ∈ S : x−1A ∈ p} ∈ r. Ou seja, A ∈ r · p.
Portanto Cκ(p) ⊂ r · p.
Agora veremos que Cκ(p) ⊂ Uκ(S) · p. Logo seja q ∈ βS tal que Cκ(p) ⊂ q. Defina, para cada
A ∈ q, T (A) = {x ∈ S : x−1A ∈ p}. Note que dados A,B ∈ q, T (A ∩ B) = T (A) ∩ T (B); e que se
A ∈ q, S\A /∈ Cκ(p) (pois Cκ(p) ⊂ q), e portanto |T (A)| ≥ κ. Deste modo, {T (A) : A ∈ q} possui
a κ-p.i.f., logo tome r ∈ Uκ(S) tal que {T (A) : A ∈ q} ⊂ r. Então, dado A ∈ q, T (A) = {x ∈ S :
x−1A ∈ p} ∈ r, ou seja, A ∈ r · p. Portanto, q ⊂ r · p, e assim q = r · p. �
Não é surpreendente que Uκ(S) · p = F para um filtro F , pois sabemos que é um fechado, já
que Uκ(S) · p = ρp[Uκ(S)]. O que o lema acima faz é dar a este filtro uma forma que seja boa de
trabalhar.
Além disso, sabemos que Uκ(S) também é fechado, pois se p /∈ Uκ(S), dado A ∈ p com |A| < κ,
A é uma vizinhança de p disjunta de Uκ(S). Veremos agora uma condição necessária e suficiente
sobre a álgebra de S para que Uκ(S) seja um subsemigrupo.
Note que no enunciado abaixo um hipotético caso κ = 1 seria trivialmente satisfeito.
Teorema 2.24. Seja ω ≤ κ ≤ |S|. São equivalentes:
(a) Uκ(S) é um subsemigrupo de βS.
(b) Para todo p ∈ Uκ(S) e todo A ∈ [S]<κ, S\A ∈ Cκ(p).
(c) Para todo A ∈ [S]<κ e todo B ∈ [S]κ, existe F ∈ Pf (B) tal que |⋂x∈F x
−1A| < κ.
Demonstração. (a)⇒(b): Por contraposição. Tome p ∈ Uκ(S) e A ∈ [S]<κ tais que S\A /∈ Cκ(p).
Então Cκ(p) ∪ {A} possui a p.i.f. (pois se B ∈ Cκ(p) e B ∩ A = ∅, então B ⊂ S\A, logo
S\A ∈ Cκ(p)). Logo tome q ∈ βS tal que Cκ(p)∪ {A} ⊂ q. Pelo lema 2.23(b), existe r ∈ Uκ(S) tal
que q = r · p. Como A ∈ q, q /∈ Uκ(S), ou seja, r · p /∈ Uκ(S), e portanto Uκ(S) não é subsemigrupo.
(b)⇒(c): Por contraposição. Tome A ∈ [S]<κ e B ∈ [S]κ tais que, para todo F ∈ Pf (B),
|⋂x∈F x
−1A| ≥ κ. Então {x−1A : x ∈ B} possui a κ-p.i.f., logo tome p ∈ Uκ(S) tal que
{x−1A : x ∈ B} ⊂ p. Então B ⊂ {x ∈ S : x−1A ∈ p}. Como |B| = κ, temos que S\A /∈ Cκ(p),
como pretendíamos.
(c)⇒(a): Por contraposição. Tome r, p ∈ Uκ(S) tais que r · p /∈ Uκ(S). Seja q = r · p. q /∈ Uκ(S),
logo tome A ∈ q tal que |A| < κ. Considere D = {x ∈ S : x−1A ∈ p}. Vale que D ∈ r, logo
|D| ≥ κ, e portanto podemos tomar B ∈ [D]κ. Deste modo, para todo F ∈ Pf (B),⋂x∈F x
−1A ∈ p,
logo |⋂x∈F x
−1A| ≥ κ. �
Observe que, se S for cancelativo à esquerda, então Uκ(S) é um subsemigrupo.
26 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Agora, iremos provar uma condição necessária e suficiente para que Uκ(S) · p seja um ideal à
esquerda minimal de βS.
Lema 2.25. Seja κ ≤ |S| tal que κ = 1 ou κ ≥ ω. Se Uκ(S)é um subsemigrupo de βS, dados
A ⊂ S, p ∈ Uκ(S), se S\A /∈ Cκ(p), então Cκ(p) ∪ {A} tem a κ-p.i.f.
Demonstração. Pelo lema 2.23(a), Cκ(p) é filtro, logo basta ver que dado D ∈ Cκ(p), |D ∩A| ≥ κ.
Suponha que |D ∩ A| < κ. Como S\A /∈ Cκ(p), |{x ∈ S : x−1A ∈ p}| ≥ κ. Como D ∈ Cκ(p),
|{x ∈ S : x−1D /∈ p}| < κ. Portanto, |{x ∈ S : x−1A ∈ p e x−1D ∈ p}| = |{x ∈ S : x−1(A ∩D) ∈
p}| ≥ κ. Tome então B ∈ [{x ∈ S : x−1(A ∩D) ∈ p}]κ. Como A ∩D ∈ [S]<κ, B ∈ [S]κ, e Uκ(S) é
subsemigrupo, então seja F ∈ Pf (B) tal que |⋂x∈F x
−1(A∩D)| < κ. Porém,⋂x∈F x
−1(A∩D) ∈ p
e p ∈ Uκ(S). Contradição. �
Teorema 2.26. Seja κ ≤ |S| tal que κ = 1 ou κ ≥ ω, suponha que Uκ(S) é um subsemigrupo de
βS e seja p ∈ Uκ(S). Então Uκ(S) · p é um ideal à esquerda minimal de Uκ(S) se e somente se
dados B ∈ [S]<κ e A ⊂ S tal que S\A /∈ Cκ(p), existe F ∈ Pf (S\B) tal que⋃x∈F x
−1A ∈ Cκ(p).
Demonstração. (⇒): Sejam B ∈ [S]<κ e A ⊂ S tal que S\A /∈ Cκ(p). Pelo lema anterior,
Cκ(p) ∪ {A} possui a κ-p.i.f., logo tome r ∈ Uκ(p) tal que Cκ(p) ∪ {A} ⊂ r.
Suponha que para cada F ∈ Pf (S\B),⋃x∈F x
−1A /∈ Cκ(p). Afirmamos que Cκ(p)∪{S\(⋃x∈F x
−1A) :
F ∈ Pf (S\B)} possui a κ-p.i.f. Observe que {S\(⋃x∈F x
−1A) : F ∈ Pf (S\B)} é fechado para in-
terseção, pois dados F,G ∈ Pf (S\B), (S\(⋃x∈F x
−1A)) ∩ (S\(⋃x∈G x
−1A)) = S\(⋃x∈F∪G x
−1A).
Portanto, basta ver que dado F ∈ Pf (S\B), Cκ(p) ∪ {S\(⋃x∈F∪G x
−1A)} possui a κ-p.i.f. Isso
segue diretamente do lema anterior, já que supusemos que⋃x∈F∪G x
−1A /∈ Cκ(p). Portanto, pode-
mos tomar q ∈ Uκ(S) tal que Cκ(p) ∪ {S\(⋃x∈F x
−1A) : F ∈ Pf (S\B)} ⊂ q.
Pelo lema 2.23(b), temos que q, r ∈ Uκ(S) · p. Como, por hipótese, Uκ(S) · p é um ideal à esquerda
minimal de Uκ(S), então Uκ(S) · q = Uκ(S) · p, e assim r ∈ Uκ(S) · q. Logo existe s ∈ Uκ(S) tal
que r = s · q. Como A ∈ r = s · q, {x ∈ S : x−1A ∈ q} ∈ s, logo |{x ∈ S : x−1A ∈ q}| ≥ κ.
Como B ∈ [S]<κ, podemos tomar x ∈ S\B tal que x−1A ∈ q. Por outro lado, {x} ∈ Pf (S\B), logo
S\(x−1A) ∈ q. Contradição.
(⇐): Para ver que Uκ(S) · p é um ideal à esquerda minimal, basta ver que dados q, r ∈ Uκ(S) · p,
existe s ∈ Uκ(S) tal que r = s · q. Pois então dados L ⊂ Uκ(S) · p ideal à esquerda, e r ∈ Uκ(S) · p,
tome q ∈ L, e tome s ∈ Uκ(S) tal que r = s · q. Então r ∈ L, ou seja Uκ(S) · p ⊂ L.
Portanto, sejam q, r ∈ Uκ(S) · p. Temos que Cκ(p) ⊂ q, r.
Para cada A ∈ r, defina T (A) = {x ∈ S : x−1A ∈ q}. Então, similarmente à prova do lema 2.23(b),
basta ver que para cada A ∈ r, |T (A)| ≥ κ. Fixe então A ∈ r. Como Cκ(p) ⊂ r, temos que
S\A /∈ Cκ(p). Tome então (pela hipótese) F0 ∈ Pf (S) tal que⋃x∈F0
x−1A ∈ Cκ(p). Agora, supo-
nha que τ < κ e para todo σ < τ foi escolhido Fσ ∈ Pf (S\⋃η<σ Fη) de forma que
⋃x∈Fσ x
−1A ∈
2.2. O IDEAL N∗ + N∗, O FECHO DE K(βN), Uκ(S), SOMAS E PRODUTOS 27
Cκ(p). Vale que |⋃σ<τ Fσ| < κ, logo, pela hipótese podemos tomar Fτ ∈ Pf (S\
⋃σ<τ Fσ) tal que⋃
x∈Fτ x−1A ∈ Cκ(p). Como Cκ(p) ⊂ q, temos que para cada τ < κ,
⋃x∈Fτ x
−1A ∈ q, logo tome
xτ ∈ Fτ tal que xτ−1A ∈ q. Desse modo, {xτ : τ < κ} ⊂ T (A). Como {Fτ : τ < κ} é uma coleção
dois-a-dois disjunta, segue que |T (A)| ≥ κ, como desejado. �
Agora, podemos provar como corolário o Lema 1.1 de [5].
Corolário 2.27. Sejam (S, ·) um semigrupo discreto e p ∈ βS. Então βS · p é um ideal à esquerda
minimal se e somente se dado A ⊂ S, se existe z ∈ S tal que z−1A ∈ p, então existe F ∈ Pf (S) tal
que para todo y ∈ S, y−1(⋃x∈F x
−1A) ∈ p.
Demonstração. Considere o teorema anterior no caso κ = 1. Então U1(S) = βS. [S]<1 = {∅}, logo
temos a seguinte asserção:
Dado p ∈ βS, βS · p é um ideal à esquerda minimal se e somente se dado A ⊂ S, se S\A /∈ C1(p),
então existe F ∈ Pf (S) tal que⋃x∈F x
−1A ∈ C1(p).
Porém, como foi observado, C1(p) = {A ⊂ S : para todo x ∈ S, x−1A ∈ p}. Logo S\A /∈ C1(p)
é equivalente a existir z ∈ S tal que z−1(S\A) /∈ p, ou seja, z−1A ∈ p; e⋃x∈F x
−1A ∈ C1(p) é
equivalente a valer que y−1(⋃x∈F x
−1A) ∈ p para todo y ∈ S. Assim, traduzindo isso à asserção
acima, temos o resultado desejado. �
O próximo lema foi também retirado de [5] (é o Lema 1.2), e trata de um caso especial em que
vale a distributividade em βN.
Lema 2.28. Sejam p, q ∈ βN e x ∈ N. Então x · (p+ q) = x · p+ x · q.
Demonstração. Como ambos são ultrafiltros, basta ver que x·(p+q) ⊂ x·p+x·q. Seja A ∈ x·(p+q).
Vale que x−1A ∈ (p+ q), logo B = {y ∈ N : −y + x−1A ∈ q} ∈ p. Portanto x ·B ∈ x · p. Portanto,
basta ver que x · B ⊂ {y ∈ N : −y + A ∈ x · q} (pois daí A ∈ x · p + x · q). Logo seja z ∈ B. Vale
que −z + x−1A ∈ q, logo −x · z +A ∈ x · q, como afirmado. �
Agora estamos prontos para provar que aquele conjunto M do 2.13 é um ideal à esquerda de
(βN, ·). Este é o Teorema 5.4 de [5], devido a Vitaly Bergelson e Neil Hindman.
Teorema 2.29. Seja M = cl{p ∈ βN : p é idempotente minimal de (βN,+)}. Então M é um ideal
à esquerda de (βN, ·).
Demonstração. Sejam q ∈ M , r ∈ βN, e A ∈ r · q. Precisamos ver que existe um idempotente
minimal de (βN,+) a que A pertença. Sabemos que {x ∈ N : x−1A ∈ q} ∈ r, logo fixe x ∈ N tal
que x−1A ∈ q. Como q ∈ M , então existe p idempotente minimal de (βN,+) tal que x−1A ∈ p.
Portanto, A ∈ x ·p. Pelo lema 2.28, temos que x ·p+x ·p = x ·(p+p) = x ·p, logo x ·p é idempotente.
28 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Assim, resta ver que x · p é minimal em (βN,+).
Para ver que x · p é minimal em (βN,+), basta ver, pelo teorema 1.16, que βN + x · p é um ideal
à esquerda minimal de (βN,+); pelo mesmo teorema, sabemos que βN + p é um ideal à esquerda
minimal; logo em ambos os casos aplicaremos o corolário 2.27.
Seja B ⊂ N tal que existe n ∈ N tal que −n + B ∈ x · p. Pelo corolário 2.27, precisamos obter
F ∈ Pf (N) tal que para todo y ∈ N, −y+(⋃z∈F −z+B) ∈ x ·p. Tome n ∈ N tal que −n+B ∈ x ·p.
Tome i ∈ {0, . . . , x − 1} tal que n + i ∈ xN. Então −(n + i) + (i + B) = −n + B ∈ x · p, logo
x−1(−(n+ i)+(i+B)) = −(n+ix )+x−1(i+B) ∈ p. Defina C = x−1(i+B). Como −(n+i
x )+C ∈ p,
tome pelo corolário 2.27 F ∈ Pf (N) tal que, para todo y ∈ N, −y + (⋃z∈F −z + C) ∈ p. Tome
k ∈ N tal que F ⊂ {1, . . . , k} e defina G = {1, . . . , x(k + 1)}.
Afirmação: para todo y ∈ N, −y+(⋃z∈G−z+B) ∈ x ·p. Para ver isso, seja y ∈ N. Tome a ∈ N tal
que x(a−1) ≤ y < xa. Vale que −a+(⋃z∈F −z+C) ∈ p, e −a+(
⋃z∈F −z+C) =
⋃z∈F −(z+a)+C;
logo tome t ∈ F tal que −(t + a) + C ∈ p. Vale então que −x(t + a) + xC ∈ x · p. Lembrando
que C = x−1(i + B), temos que −x(t + a) + xC ⊂ −x(t + a) + (i + B) = −xt − xa + i + B, logo
−xt− xa+ i+B ∈ x · p. Seja s ∈ {1, . . . , x} tal que xa = s+ y. Então −xt− xa+ i+B = −y +
(−(xt+s−i)+B). Agora, note que, como i ∈ {0, . . . , x−1} e s ∈ {1, . . . , x}, s−i ∈ {−x+2, . . . , x};
e como t ∈ F ⊂ {1, . . . , k}, xt ∈ {x, . . . , xk}; portanto xt + s − i ∈ {2, . . . , x(k + 1)} ⊂ G. Dessa
forma, −y+ (−(xt+ s− i) +B ⊂ −y+ (⋃z∈G−z+B), e assim −y+ (
⋃z∈G−z+B) ∈ x · p, como
afirmado. �
2.3. N∗ NÃO CONTÉM UMA CÓPIA ALGÉBRICA E TOPOLÓGICA DE βN 29
2.3 N∗ não contém uma cópia algébrica e topológica de βN
Esta seção é o estudo do surpreendente resultado (postulado acima) publicado por Dona Strauss
em 1992, em [7], e suas consequências.
Lema 2.30. Sejam k ∈ N e p ∈ N∗ idempotente. Então para todo q ∈ N∗ existe r ∈ kN tal que
r + q + p 6= q + r + p.
Demonstração. Seja q ∈ N∗. Podemos supor que k > 1. No caso k = 1, podemos usar o caso k = 2
e tomar r ∈ 2N tal que r + q + p 6= q + r + p. Valerá que r ∈ N = βN.
Assim, suponha k > 1, e suponha por absurdo que para todo r ∈ kN, r + q + p = q + r + p. Para
cada m ∈ N considere sua expansão (única) em base k,∑
n∈ω ankn; como an ∈ {0, . . . , k − 1} para
todo n, temos uma função f : N→ {0, . . . , k−1}ω definida por f(m) = (an)n∈ω. Além disso, defina
também g : N→ N e c : N→ N por: se m =∑
n∈ω ankn, g(m) = ank
n em que n é o menor índice
tal que an 6= 0, e c(m) = |{n ∈ ω : an 6= 0}|. Lembre que f , g e c possuem extensões contínuas
f : βN→ {0, . . . , k − 1}ω e g, c : βN→ βN.
Vejamos agora que, dados s ∈ βN e t ∈⋂n∈N k
nN, vale que g(s+ t) = g(s), e c(s+ t) = c(s) + c(t).
Para a primeira igualdade, basta ver que as funções g ◦ ρt e g coincidem sobre N; para a segunda,
basta ver que as funções c ◦ ρt e ρc(t) ◦ c coincidem sobre N. Seja m ∈ N então. Quero ver que
g(m + t) = g(m) e c(m + t) = c(m) + c(t). Tome l ∈ N tal que m < kl. Então, para todo
x ∈ klN, g(m + x) = g(m) e c(m + x) = c(m) + c(x). Como t ∈ klN, então g(m + t) = g(m) e
c(m+ t) = c(m) + c(t).
Agora, para cada j ∈ N, considere a projeção nas j primeiras coordenadas γj definida para cada
(an)n∈ω ∈ {0, . . . , k−1}ω por γj((an)n∈ω) = (a0, . . . , aj). Note que, dado s ∈ βN, γj−1[{γj(f(s))}] é
uma vizinhança básica de f(s) (pela topologia produto), logo por 1.26(h), N∩f−1[γj−1[{γj(f(s))}]] =
(γj ◦ f)−1[{γj(f(s))}] ∈ s. Para facilitar, denotaremos esse resultado por: para cada s ∈ βN,
(γjf)−1γj(f(s)) ∈ s.
Considere, a partir de agora, (an)n∈ω = f(q). Primeiramente, veremos que (an)n∈ω não é even-
tualmente 0. Suponha, por absurdo, que seja, e tome n0 ∈ N tal que para todo n ≥ n0,
an = 0. Considere m =∑n0−1
n=0 ankn. Seja s ∈ βN tal que {−m + A : A ∈ q} ⊂ s. Vale que
q = m + s, pois q ⊂ m + s. Veremos que s ∈⋂n∈N k
nN. Seja l ≥ n0. Tome n ∈ {0, . . . , kl − 1}
tal que n + klN ∈ q. Note que γl−1f [n + klN] = {γl−1(n)}, logo γl−1f(q) = γl−1(n). Po-
rém, temos que γl−1f(q) = γl−1f(m). Como m,n < kl, tem-se que m = n. Dessa forma,
m + klN ∈ q, logo −m + (m + klN) = klN ∈ s. Assim, s ∈⋂l≥n0
klN ⊂⋂n∈N k
nN. Dado
r ∈ kN, r + m + s + p = r + q + p = q + r + p = m + s + r + p. r + m + s + p = m + r + s + p,
logo m+ r+ s+ p = m+ s+ r+ p, e, pelo lema 2.14, r+ s+ p = s+ r+ p. Note que pelo teorema
1.34,⋂n∈N k
nN é um subsemigrupo. Logo s + p ∈⋂n∈N k
nN. Agora seja r ∈ ({kn : n ∈ N})∗
30 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
qualquer. Observe que r ∈⋂n∈N k
nN, logo r + p ∈⋂n∈N k
nN; e que, como g é a identidade sobre
{kn : n ∈ N}, então g(r) = r. Deste modo, temos então (usando o que foi observado acima sobre
g): r = g(r) = g(r + s + p) = g(s + r + p) = g(s). Uma contradição, pois temos 2c possibilidades
para r ∈ ({kn : n ∈ N})∗.
Agora veremos que (an)n∈ω não é eventualmente k − 1. Suponha por absurdo que n0 ∈ N é tal
que an = k − 1 se n ≥ n0. Considere m = −∑n0−1
n=0 ankn + kn0 e defina t = m + q. Seja
l > n0. Lembre que (γlf)−1γl(f(q)) = (γlf)−1γl((an)n∈ω) ∈ q. Dado x ∈ (γlf)−1γl((an)n∈ω),
note que x =∑n0−1
n=0 ankn +
∑ln=n0
(k − 1)kn +∑
n>l f(x)nkn, de modo que m + x = kn0 +
kl+1 − kn0 +∑
n>l f(x)nkn = kl+1 +
∑n>l f(x)nk
n ∈ kl+1N. Destarte, m + q ∈ kl+1N; ou seja,
t ∈⋂l>n0
kl+1N ⊂⋂n∈N k
nN. Temos então que dado r ∈ kN, r + t + p = r + m + q + p =
m+ r + q + p = m+ q + r + p = t+ r + p, e, como no parágrafo acima, uma contradição.
Considere L = {n ∈ ω : 0 < an < k − 1}. Mostraremos que L é finito. Suponha que L seja
infinito, e tome r ∈ ({kn : n ∈ L})∗. Note que c[{kn : n ∈ L}] = {1}, logo c(r) = 1. Além disso,
dados l ∈ L e x ∈ (γlf)−1γl((an)n∈ω), note que f(x)l = al, logo 0 < f(x)l < k − 1. Assim, vale
que c(kl + x) = c(x), pois somar kl a x não acrescenta nem retira coordenadas nulas da expansão
em base k de x. Portanto, temos que c(r + q) = c(q). Usando as observações sobre c, temos:
c(q) + c(p) = c(r + q) + c(p) = c(r + q + p) = c(q + r + p) = c(q) + c(r + p) = c(q) + c(r) + c(p) =
c(q) + 1 + c(p) = c(q) + c(p) + 1. Contradição, pelo teorema 1.26(a), pois a função h : N → N,
h(n) = n+ 1 não possui pontos fixos.
Assim, temos que L é finito, e (an)n∈ω não é eventualmente k−1 ou eventualmente 0. Portanto, vale
que o conjunto M = {n ∈ ω : an = k − 1 e an+1 = 0} é infinito. Tome então r ∈ ({kn : n ∈ M})∗.
Note desta vez que, dados m ∈M e x ∈ (γm+1f)−1γm+1((an)n∈ω), vale que f(x)m = am = k − 1 e
f(x)m+1 = 0. Logo f(km+x)m = 0, f(km+x)m+1 = 1 e f(km+x)i = f(x)i para i ∈ ω\{m,m+1}.
Portanto, vale que c(km + x) = c(x). Como antes, obtemos que c(q) + c(p) = c(q) + c(p) + 1, uma
contradição. �
Antes do próximo lema, precisaremos de um resultado sobre semigrupos (um lema para o lema).
Lema 2.31. Seja S um semigrupo topológico à direita compacto. Seja L ideal à esquerda minimal.
Então cada s ∈ L possui uma única identidade à esquerda em L.
Demonstração. Unicidade: Seja s ∈ L e suponha que a, b ∈ L são tais que s = as = bs. Como,
pelos teoremas 1.15(c) e 1.14, K(S) =⋃{R : R é ideal à direita minimal de S}, união disjunta,
tome Ra e Rb ideais à direita minimais tais que a ∈ Ra e b ∈ Rb. Então as = bs ∈ Ra ∩ Rb, de
forma que Ra = Rb =: R. Assim, s = as = bs ∈ R ∩ L que é um grupo (teorema 1.17(b)), logo
cancelando s à direita, obtemos a = b.
Existência: note que s ∈ R para algum ideal à direita minimal, logo s ∈ R ∩ L que é grupo, e
2.3. N∗ NÃO CONTÉM UMA CÓPIA ALGÉBRICA E TOPOLÓGICA DE βN 31
portanto s possui uma identidade. �
Lema 2.32. Seja φ : βN → N∗ um homomorfismo contínuo. Então φ(q) = φ(q′) para q, q′ idem-
potentes quaisquer. Além disso, existe m ∈ N tal que para todo x ≥ m em N, φ(x) = φ(x) + φ(q)
(onde q é um idempotente).
Demonstração. Seja p um idempotente. Temos que: φ(1)+φ(p) = φ(1+p) = φ(p+1) = φ(p)+φ(1);
φ(1) + φ(p) ∈ βN + φ(p) = N + φ(p) = N+ φ(p); e φ(p) + φ(1) ∈ φ[βN] + φ(1) = φ[N] + φ(1) =
φ[N] + φ(1). Logo, pelo 1.26(c), (N + φ(p)) ∩ φ[N] + φ(1) 6= ∅ ou N+ φ(p) ∩ (φ[N] + φ(1)) 6= ∅.
Na primeira possibilidade, existe k ∈ N tal que k + φ(p) ∈ φ[N] + φ(1) ⊂ φ[βN] = φ[βN] (pois φ é
contínua). Logo, para cada m ∈ N, km+φ(p) ∈ βN, pois: km+φ(p) = k(m−1)+k+φ(p)+φ(p) =
k(m − 1) + φ(p) + k + φ(p) ∈ φ[βN] + φ[βN] ⊂ φ[βN]. Dessa forma, kN + φ(p) ⊂ φ[βN], logo
kN + φ(p) ⊂ kN+ φ(p) ⊂ φ[βN]. Ou seja, dado r ∈ kN, r + φ(p) ∈ φ[βN] e portanto comuta com
φ(1), logo r + φ(1) + φ(p) = r + φ(p) + φ(1) = φ(1) + r + φ(p), contradizendo o lema 2.30.
Portanto somos forçados a ter N+ φ(p) ∩ (φ[N] + φ(1)) 6= ∅. Ou seja, temos k ∈ N tal que
φ(k) + φ(1) = φ(k + 1) ∈ N+ φ(p) = βN + φ(p). Defina m = k + 1. Note que φ(m) = φ(m) +
φ(p) = φ(m + p) ∈ N∗. Além disso, dado x > m, φ(x) = φ(x − m) + φ(m) ∈ βN + φ(p) e logo
φ(x) = φ(x) + φ(p). Como φ[{x ∈ N : x ≥ m}] ⊂ βN+ φ(p), segue que φ[N∗] ⊂ βN+ φ(p), e assim
φ(t) = φ(t) + φ(p) para todo t ∈ N∗.
Dessa forma, demonstramos que φ[N∗] = φ[N∗] + φ(p), para um idempotente p qualquer. Suponha
que u seja algum idempotente de φ[N∗]. Vale que φ−1[{u}] é um subsemigrupo compacto de βN,
logo possui um idempotente p. Temos então que u = φ(p). Ou seja, todo idempotente de φ[N∗]
é da forma φ(p) para p idempotente. Assim, como qualquer ideal à esquerda minimal de φ[N∗] é
da forma φ[N∗] + u com u idempotente, segue que φ[N∗] é seu próprio ideal à esquerda minimal.
Usaremos agora o lema 2.31: sejam q, q′ idempotentes. Observe que φ(q) + φ(m) = φ(m) + φ(q)
e, pelo que provamos acima, φ(m) + φ(q) = φ(m); analogamente, φ(q′) + φ(m) = φ(m). Assim,
φ(q) = φ(q′). �
Nesse ponto, já podemos afirmar que φ[N∗] é um grupo, pois é topológico à direita compacto,
simples à esquerda, e possui um único idempotente.
Para o próximo lema, note que, dado p ∈ N∗, p é o limite de uma rede em N, e vale que tal rede
está eventualmente na vizinhança βN\{1, . . . , l}, para todo l ∈ N.
Lema 2.33. Seja φ : βN→ βN contínua. Suponha que existem m ∈ N e p ∈ N∗ tais que φ(p) /∈ φ[N]
e φ(x) = φ(x + p) para todos x ≥ m em N. Então existe uma sequência crescente (nk)k≥0 em N
e uma sequência decrescente (Wk)k≥0 de vizinhanças clopens de φ(p) tais que φ(nk1 + · · ·+ nkr) ∈
Wk1\Wk1+1 sempre que k1 < . . . < kr.
32 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Demonstração. Construiremos por recursão. No primeiro passo, defina n0 = m, W0 = βN e tome
W1 qualquer vizinhança clopen de φ(p) tal que φ(n0) /∈W1.
Suponha então construídos n0, . . . , nk e W0, . . . ,Wk+1 com as propriedades desejadas. Note que,
dados k1 < . . . < kr ≤ k, φ(nk1 + · · ·+ nkr + p) = φ(nk1 + · · ·+ nkr) ∈Wk1\Wk1+1, sendo este um
aberto. Como p é o limite de uma rede em N, p ∈ N∗, φ é contínua, φ(nk1+· · ·+nkr+p) ∈Wk1\Wk1+1
e φ(p) ∈ Wk+1, então existe nk+1 > nk tal que φ(nk+1) ∈ Wk+1 e φ(nk1 + · · · + nkr + nk+1) ∈
Wk1\Wk1+1 sempre que k1 < . . . < kr ≤ k (pois há finitas possibilidades para k1, . . . , kr ≤ k).
Tome então Wk+2 ⊂Wk+1 vizinhança clopen de φ(p) tal que φ(nk+1) /∈Wk+2.
Assim, temos: se k1 < . . . < kr ≤ k, φ(nk1 + · · ·+ nkr) ∈Wk1\Wk1+1 e φ(nk1 + · · ·+ nkr + nk+1) ∈
Wk1\Wk1+1; e φ(nk+1) ∈ Wk+1\Wk+2. Ou seja, φ(nk1 + · · · + nkr) ∈ Wk1\Wk1+1 sempre que
k1 < . . . < kr ≤ k + 1. Está feito o passo da recursão. �
Para os próximos lema e teorema, usaremos a seguinte notação: dado X ⊂ N,
FS(X) = {∑
a∈F a : F ∈ Pf (X)} e FSn(X) = {∑
a∈F a : F ∈ Pf (X) e min F ≥ n}. Além disso,
para tornar a notação mais limpa, escreveremos ΣF no lugar de∑
a∈F a.
Lema 2.34. Assuma as hipóteses do lema anterior. Então existem B,C ⊂ N infinitos e disjuntos
tais que φ[FS(B)] ∩ φ[FS(C)] = ∅.
Demonstração. Tome pelo lema anterior as sequências (nk)k≥0 e (Wk)k≥0. Tome B e C subcon-
juntos infinitos disjuntos de {nk : k ≥ 0}. Veremos que se x ∈ FS(B), então φ(x) /∈ φ[FS(C)].
Escreva x = ΣF , com F ∈ Pf (B) e min F = nk. Temos então que φ(x) ∈ Wk\Wk+1. Por outro
lado, dado y ∈ FS(C) com y = ΣG, G ∈ Pf (C), se min G < nk, então φ(y) /∈ Wk (lembre que
a sequência (Wk)k≥0 é decrescente); e se min G > nk, então φ(y) ∈ Wk+1. Como Wk e Wk+1 são
clopens, segue que φ[FS(C)] ⊂ βN\Wk ∪Wk+1, e portanto φ(x) /∈ φ[FS(C)].
Analogamente, dado y ∈ FS(C), φ(y) /∈ φ[FS(B)]. Desse modo, temos que φ[FS(B)]∩φ[FS(C)] =
φ[FS(C)] ∩ φ[FS(B)] = ∅, logo, pelo teorema 1.26(c), como FS(B) e FS(C) são enumeráveis,
φ[FS(B)] ∩ φ[FS(C)] = ∅. Ou seja, φ[FS(B)] ∩ φ[FS(C)] = ∅, como queríamos. �
Assim, podemos provar o teorema principal desta sub-seção, provando a seguinte (surpreen-
dente) afirmação:
Teorema 2.35. Seja φ : βN→ N∗ um homomorfismo contínuo. Então φ[βN] é finito.
Demonstração. Suponha que φ[βN] é infinito. Vale que φ[N] não possui idempotentes: se φ(k)
fosse um idempotente para algum k ∈ N, por indução teríamos que φ(a · k) = φ(k) para todo
a ∈ N. Assim, dado x ∈ N, se x ≥ k, então x = a · k + b, com a ∈ N e b < k. Logo φ(x) =
φ(a · k) + φ(b) = φ(k) + φ(b). Portanto φ[N] = {φ(x) : x < k} ∪ {φ(k) + φ(b) : b < k}, que é finito,
logo φ[N] = φ[βN] = {φ(x) : x < k} ∪ {φ(k) + φ(b) : b < k}.
2.3. N∗ NÃO CONTÉM UMA CÓPIA ALGÉBRICA E TOPOLÓGICA DE βN 33
Dessa forma, dado p idempotente, as hipóteses do lema 2.34 estão satisfeitas, de acordo com o lema
2.32, então temos B,C ⊂ N infinitos e disjuntos tais que φ[FS(B)] ∩ φ[FS(C)] = ∅. Como, pelo
teorema 1.34,⋂n≥1 FSn(B) e
⋂n≥1 FSn(C) são subsemigrupos, cada um possui um idempotente;
sejam s ∈⋂n≥1 FSn(B) e t ∈
⋂n≥1 FSn(C) tais idempotentes. Temos então que φ(s) 6= φ(t),
contradizendo o lema 2.32. �
Corolário 2.36. Seja φ : βN → N∗ um homomorfismo contínuo. Então φ[N∗] ∼= Zm para algum
m ∈ N.
Demonstração. Afirmamos que φ[N∗] é um grupo cíclico de gerador φ(1) + φ(p), para p um idem-
potente qualquer.
Note que dados k, l ∈ N, (φ(k) + φ(p)) + (φ(l) + φ(p)) = φ(k + l) + φ(p). Já sabemos que φ[N∗]
é um grupo, e pelo teorema anterior ele é finito. Seja h a identidade desse grupo. Note que
{φ(n) + φ(p) : n ∈ N} ⊂ φ[N∗], e portanto existe o menor n > 1 tal que φ(n) + φ(p) = φ(k) + φ(p),
com k < n. Vale então que φ(n) +φ(p) = φ(n−k) +φ(p) +φ(k) +φ(p) = φ(k) +φ(p). Aplicando a
inversa de φ(k)+φ(p), temos que φ(n−k)+φ(p) = h. Defina m = n−k. Temos então, por indução,
que φ(k ·m) + φ(p) = φ(m) + φ(p) = h para todo k ∈ N. Segue disso que se x ≥ m e escrevemos
x = a ·m+b com a ≥ 1 e 0 ≤ b < m, então φ(x)+φ(p) = φ(a ·m)+φ(p)+φ(b)+φ(p) = φ(b)+φ(p).
Ou seja, dado i ∈ {0, . . . ,m− 1}, e x ∈ i+mN, φ(x) + φ(p) = φ(i) + φ(p).
Agora seja φ(q) ∈ φ[N∗]. Vimos no lema 2.32 que φ[N∗] = φ[N∗] + φ(p), logo φ(q) = φ(q) + φ(p).
Tome i ∈ {0, . . . ,m − 1} tal que i + mN ∈ φ(q). Pelo que foi observado acima, e como φ
e a soma à direita são contínuas, φ(q) = φ(q) + φ(p) = φ(i) + φ(p). Portanto, temos que
φ[N∗] = {φ(i) + φ(p) : 1 ≤ i ≤ m}, com φ(m) + φ(p) a identidade do grupo. Portanto, φ[N∗]
é isomorfo ao grupo cíclico de ordem m, Zm. (Para ver que de fato |{φ(i)+φ(p) : 1 ≤ i ≤ m}| = m,
suponha 1 ≤ i < j ≤ m com φ(i) + φ(p) = φ(j) + φ(p); observe que j ≥ n > n − k ≥ m,
contradição.) �
Assim, a imagem de qualquer homomorfismo contínuo entre βN e N∗ é finita. Tem-se a questão:
é possível que seja sempre trivial (unitária)? Unindo os resultados do teorema 2.35 e do lema 2.32,
temos que a existência de um homomorfismo contínuo não trivial é equivalente à existência de um
elemento de ordem finita em βN que não seja um idempotente (ou seja, ordem maior ou igual a 2).
De fato, o Teorema 3.1 do artigo de Neil Hindman [3] dá a seguinte forma mais precisa a essa
equivalência:
Teorema 2.37. São equivalentes:
(a) Existe um homomorfismo contínuo não-trivial de βN em N∗;
34 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
(b) Existe um grupo finito não-trivial em N∗, ou existem p, q ∈ N∗ distintos tais que q + q = q =
p+ p = q + p = p+ q.
Demonstração. (a)⇒(b):
Seja φ : βN → N∗ um homomorfismo contínuo não-trivial. Pelo teorema 2.35, φ[N∗] é um grupo
finito, logo se |φ[N∗]| > 1 ele é não-trivial. Suponha então |φ[N∗]| = {q} (q idempotente). Pelo lema
2.32, tome m ∈ N o menor tal que se x ≥ m, φ(x) = φ(x) + φ(p) ∈ φ[N∗]. Como φ não é trivial,
temos que m ≥ 2, logo defina p = φ(m − 1). Temos então que p + p = φ(m − 1 + m − 1) = q,
q + p = φ(m+m− 1) = q e p+ q = φ(m− 1 +m) = q.
(b)⇒(a):
Suponha que existe um grupo finito não trivial em N∗; então algum subgrupo dele é homeomorfo
a um grupo cíclico Zn, n > 1. Ou seja, existe um homomorfismo injetor ψ : Zn → N∗. Defina
φ : N → N∗ por φ(k) = ψ(k). Temos então que φ : βN → N∗ é um homomorfismo contínuo
não-trivial.
Suponha agora que existem p, q ∈ N∗ distintos tais que q + q = q = p + p = q + p = p + q. Então
φ : βN → N∗ definida por φ(1) = p e φ(r) = q para todo r 6= 1, é um homomorfismo, pois, dados
r, s 6= 1: φ(1 + 1) = q e φ(1) + φ(1) = p+ p = q; r + 1 6= 1 6= 1 + r, logo φ(r + 1) = q = φ(1 + r) e
φ(r)+φ(1) = q+p = q = p+q = φ(1)+φ(r); r+s 6= 1, logo φ(r+s) = q e φ(r)+φ(s) = q+q = q.
Além disso, φ é contínua pois é constante sobre dois clopens, {1} e βN\{1}. �
Para os próximos corolários, definimos, para cada q ∈ βN, q1 = q e qn+1 = qn + q.
Corolário 2.38. Se φ : βN→ N∗ é um homomorfismo contínuo, então |φ2[βN]| = 1.
Demonstração. Primeiramente defina q = φ(1) e vejamos que para algum n ∈ N, qn é idempotente.
Lembre que pelo lema 2.32, existe m′ ∈ N tal que se x ≥ m′ então φ(x) = φ(x) + φ(p) ∈ φ[N∗], em
que p é idempotente. Logo, como φ[N∗] ∼= Zm e φ(m′) ∈ φ[N∗], tome n ≥ m′ tal que φ(n) + φ(p)
é a identidade de φ[N∗]. Temos, pois, que φ(n) = φ(n) + φ(p) é um idempotente. Usando que φ é
homomorfismo, φ(n) = qn. Logo qn é idempotente.
Afirmação: nN ∈ q. Para comprovar isso, seja γ o homomorfismo canônico de N em Zn2 . Vale que
γ é um homomorfismo também, e portanto γ(qn) = 0. Por outro lado, note que γ(qn) = n · γ(q),
logo n · γ(q) = 0. Além disso, dado x ∈ N, n · γ(x) = 0 se e somente se x ∈ nN. Portanto nN ∈ q.
Temos então: φ(n) = qn. Como qn é idempotente, por indução vale que φ(k · n) = qn para todo
k ∈ N. Ou seja, φ[nN] = {qn}, e portanto φ(q) = qn. Ou seja φ(φ(1)) = qn. Agora, aplicando
indução, dado l > 1, temos que φ(φ(l)) = φ(φ(l−1)+φ(1)) = φ(φ(l−1))+φ(φ(1)) = qn+ qn = qn.
Ou seja, φ2[N] = {qn}, do que segue que φ2[βN] = {qn}. �
2.3. N∗ NÃO CONTÉM UMA CÓPIA ALGÉBRICA E TOPOLÓGICA DE βN 35
Corolário 2.39. Se q ∈ N∗ possui ordem infinita, então q não comuta com todo elemento de
cl{qn : n ∈ N}. Disso segue que qualquer elemento de N∗ de ordem infinita não está no centro de
qualquer subsemigrupo compacto de βN.
Demonstração. Considere a função φ : N → {qn : n ∈ N} dada por φ(n) = qn. Vale que sua
extensão φ : βN →cl{qn : n ∈ N} é sobrejetora (pois φ[βN] = φ[cl N] = cl φ[N]). Agora, se q
comutar com todo elemento de cl{qn : n ∈ N}, φ será um homomorfismo, pois: sejam r, s ∈ βN, e
tome (mα)α∈A e (nβ)β∈B redes em N convergindo para r e s, respectivamente. Então temos:
φ(r + s) = limα
limβφ(mα + nβ)
= limα
limβ
(φ(nβ) + φ(mα))
= limα
(φ(s) + φ(mα))
= limα
(φ(mα) + φ(s))
= φ(r) + φ(s).
Ou seja, φ seria um homomorfismo contínuo de βN em N∗ de imagem infinita, contradizendo o
teorema 2.35. �
Notamos rapidamente que o lema 2.30 nos fornece uma prova de que o centro topológico de N∗
é vazio.
Corolário 2.40. O centro topológico de N∗ é vazio.
Demonstração. Suponha q ∈ Λ(N∗). Seja p idempotente qualquer. Vale que n+ q + p = q + n+ p
para todo n ∈ N. Logo, passando ao limite e usando que q ∈ Λ(N∗), temos que r+ q+p = q+ r+p
para todo r ∈ N∗, contradizendo o lema 2.30. �
O Teorema 2 do artigo [7] dá uma caracterização dos elementos canceláveis à direita de βN.
Porém antes precisaremos de um lema, que é o Teorema 1 do artigo [8].
Lema 2.41. Suponha que q ∈ N∗ não é cancelável à direita. Então existe s ∈ N∗ tal que q = s+ q.
Demonstração. Sejam p1, p2 distintos e tais que p1 + q = p2 + q. Tome A1 ∈ p1 e A2 ∈ p2 tais que
A1∩A2 = ∅. Temos que p1 +q ∈ A1 +q = A1 + q, e p2 +q ∈ A2 + q. Ou seja, A1 + q∩A2 + q 6= ∅;
como A1, A2 ⊂ N, temos que (A1 + q) ∩ A2 + q 6= ∅ ou A1 + q ∩ (A2 + q) 6= ∅. Sem perda de
generalidade, tome a ∈ A1 e r ∈ A2 tais que a+q = r+q. Tome s ∈ N∗ tal que s ⊃ {−a+R : R ∈ r}.
Vale então que q = s+q, pois: seja Q ∈ q. a+Q ∈ a+q = r+q, logo {x ∈ N : −x+a+Q ∈ q} ∈ r,
logo −a + {x ∈ N : −x + a + Q ∈ q} ∈ s, ou seja, {y ∈ N : −(a + y) + a + Q ∈ q} ∈ s, portanto
{y ∈ N : −y +Q ∈ q} ∈ s, e assim Q ∈ s+ q. �
36 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
(Note que o lema acima vale ipsis litteris se considerarmos G grupo enumerável no lugar de N.)
Teorema 2.42. Seja q ∈ N∗. q é cancelável à direita se e somente se existe X ∈ q com a seguinte
propriedade: enumerando X = {xn : n ∈ N} de forma crescente, para cada k ∈ N vale que
{xn : xn+1 − xn > k} ∈ q.
Demonstração. (⇒): Por contraposição. Ou seja, suponha que para todo X ∈ q existe um kX ∈ N
tal que {xn : xn+1 − xn ≤ kX} ∈ q (sendo X = {xn : n ∈ N} uma enumeração crescente). Como
{xn : xn+1 − xn ≤ kX} =⋃kXm=1{xn : xn+1 − xn = m}, então existe mX tal que {xn : xn+1 − xn =
mX} ∈ q.
Assim, para cada X = {xn : n ∈ N} ∈ q, temos que {xn : xn+1 − xn = mX} ∈ q. Assim, para
cada X ∈ q, tome (xλ)λ∈Λ rede em {xn : xn+1 − xn = mX} ⊂ X que converge pra q. Defina,
para cada xλ, yλ = mX + xλ (note que yλ ∈ {xn : xn+1 − xn = mX} ⊂ X). Temos então que
limλ∈Λ
(mX + xλ) = mX + q, ou seja, limλ∈Λ
yλ = mX + q, e logo mX + q ∈ X para cada X ∈ q. Assim,
temos que a rede (mX + q)X∈q converge para q; tome uma sub-rede (mXµ)µ∈M de (mX)X∈q que
converge, digamos, para s. Então temos que q = limµ∈M
(mXµ + q) = limµ∈M
(mXµ) + q = s+ q. Assim,
q não é cancelável à direita (pois se fosse, q = s+ q ⇒ 1 + q = 1 + s+ q ⇒ 1 = 1 + s, absurdo).
(⇐): Por contraposição, isto é, suponha que q não é cancelável à direita. Então pelo lema acima,
q = s + q para algum s ∈ N∗. Dado X ∈ q, X ∈ s + q, logo existem Y ∈ s e {Xy : y ∈ Y } ⊂ q
tais que⋃y∈Y y + Xy ⊂ X. Enumere X = {xn : n ∈ N} de forma crescente. Dado xn ∈ Xy,
y + xn ∈ X; como a enumeração é crescente, temos que y + xn ≥ xn+1, logo xn+1 − xn ≤ y. Ou
seja, {xn : xn+1 − xn ≤ y} ⊃ X ∩Xy ∈ q. �
Lembre que definimos q1 = q e qn+1 = qn + q. Com a caracterização dada acima, podemos
provar o seguinte:
Teorema 2.43. Se q ∈ N∗ é cancelável à direita, então {qn : n ∈ N} não é um subsemigrupo.
Demonstração. Por absurdo. Suponha que {qn : n ∈ N} seja um subsemigrupo. Como q é cancelável
à direita, pelo teorema acima tomeX ∈ q tal que, enumerandoX = {xn : n ∈ N} de forma crescente,
{xn : xn+1 − xn > m} ∈ q para todo m ∈ N.
Considere somas da forma xn1 + · · · + xnk , tais que n1 < . . . < nk e xnr+1 − xnr >∑r−1
i=1 xni
para todo r ∈ {1, . . . , k}. Vejamos que somas desse tipo são únicas. Suponha xn1 + · · · + xnk =
xm1 + · · · + xms duas somas desse tipo. Vale que nk = ms, pois se s.p.g. nk > ms, então
xnk − xms ≥ xms+1− xms >∑s−1
i=1 xmi e logo xnk > xm1 + · · ·+ xms , absurdo. Ou seja, xnk = xms ,
logo ambos podem ser cancelados na igualdade; assim podemos aplicar uma indução em k, e ter
que k = s e ni = mi para cada i ∈ {1, . . . , k}.
Desse modo, seja S o conjunto de todas as somas desse tipo, e defina, para cada m ∈ N, Sm o
2.3. N∗ NÃO CONTÉM UMA CÓPIA ALGÉBRICA E TOPOLÓGICA DE βN 37
subconjunto de S das somas xn1 + · · · + xnk que também verificam xni+1 − xni > m para cada
i ∈ {1, . . . , k}. Definimos também c : S → N por c(xn1 + · · ·+ xnk) = k.
Mostraremos por indução em r que, para cada m ∈ N, {s ∈ Sm : c(s) = r} ∈ qr. No caso r = 1,
temos que {s ∈ Sm : c(s) = 1} = {xn1 : xn1+1 − xn1 > m} ∈ q. Suponha que valha para r − 1.
Mostraremos que para cada U ∈ qr, U ∩ {s ∈ Sm : c(s) = r} 6= ∅. Como U ∈ qr = qr−1 + q, então
existem V ∈ qr−1 e {Wv : v ∈ V } ⊂ q tais que⋃v∈V v + Wv ⊂ U . Usando a hipótese indutiva,
tome v ∈ V ∩Sm tal que c(v) = r− 1. Como Wv ∩X ∈ q ∈ N∗ e usando a propriedade de X, tome
xn ∈ Wv ∩X tal que xn+1 − xn > v, xn+1 − xn > m e xn > v. Vale então que v + xn ∈ Sm ∩ U e
c(v + xn) = r, como queríamos.
Portanto, considerando c : S → βN, temos que c(qr) = r.
Agora, para cada m ∈ N, considere Tm = {xn1 + · · · + xnk ∈ Sm : xn1 > m e xnr+1 − xnr >
m +∑r−1
i=1 xni}. Vejamos primeiro que Tm ∈ q. Vimos acima que {s ∈ Sm : c(s) = 1} ∈ q, e
{s ∈ Sm : c(s) = 1} = {xn1 : xn1+1 − xn1 > m}. Como q ∈ N∗ segue que {xn1 : xn1+1 − xn1 > m e
xn1 > m} ∈ q. Note que {xn1 : xn1+1 − xn1 > m e xn1 > m} ⊂ Tm (são exatamente os elementos
de Tm de comprimento 1).
Portanto, q ∈⋂m∈N Tm, que é compacto. Queremos ver que {qn : n ∈ N} ⊂
⋂m∈N Tm; basta ver
que⋂m∈N Tm é um subsemigrupo. Para isso usaremos a condição dada em 1.34. Sejam m ∈ N
e xn1 + · · · + xnk ∈ Tm. Defina m′ = m +∑k
i=1 xni . Quero ver que xn1 + · · · + xnk + Tm′ ⊂
Tm. Seja xnj1 + · · · + xnjl ∈ Tm′ . Como xnj1 > m′ > xnk , então nj1 > nk. Logo temos que
n1 < . . . < nk < nj1 < . . . < njl ; xn1 > m; para r ∈ {1, . . . , k}, xnr+1 − xnr > m +∑r−1
i=1 xni ;
para r ∈ {1, . . . , l}, xnjr+1 − xnjr > m′ +∑r−1
i=1 xnji = m +∑k
i=1 xni +∑r−1
i=1 xnj+i . Destarte,
xn1 + · · ·+ xnk + xnj1 + · · ·+ xnjl ∈ Tm, como queríamos.
Além disso, note no argumento acima que c(xn1 + · · ·+xnk +xnj1 + · · ·+xnjl ) = k+ l = c(xn1 + · · ·+
xnk) + c(xnj1 + · · · + xnjl ), e portanto, pelo teorema 1.36, c é um homomorfismo sobre⋂m∈N Tm.
Como sabemos que {qn : n ∈ N} ⊂⋂m∈N Tm, e por hipótese {qn : n ∈ N} é um subsemigrupo,
podemos dizer que c é um homomorfismo sobre {qn : n ∈ N}.
Considere, agora, φ : N → N∗ definida por φ(n) = qn. Note que φ[N] = {qn : n ∈ N}, logo
φ[βN] = {qn : n ∈ N}. Além disso, c(φ(n)) = n e φ(c(qn)) = qn para todo n ∈ N, do que segue que
c(φ(s)) = s para todo s ∈ βN e φ(c(t)) = t para todo t ∈ {qn : n ∈ N}. Portanto, usando que c é um
homomorfismo sobre {qn : n ∈ N} temos que, dados s, r ∈ βN, φ(s + r) = φ(c(φ(s)) + c(φ(r))) =
φ(c(φ(s) + φ(r))) = φ(s) + φ(r). Ou seja, φ : βN → N∗ é um homomorfismo contínuo; para
contradizer o Teorema 2.35, basta ver que a imagem é infinita. De fato, {qn : n ∈ N} é infinito; caso
qk = qn com n > k, então 1 + qk = 1 + qn. Cancelando q k vezes à direita, obtemos 1 = 1 + qn−k,
impossível. �
Em contraste, o Teorema 4.4 de [3] nos dá uma classe de exemplos em que {qn : n ∈ N} é um
38 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
subsemigrupo.
Teorema 2.44. Sejam p um idempotente, k ∈ N, e q = k + p. Então {qn : n ∈ N} é um subsemi-
grupo.
Demonstração. Usando que N é o centro de βN, temos que {qn : n ∈ N} = kN + p, logo
{qn : n ∈ N} = kN+ p = kN + p. Note pelo teorema 1.34 que kN é um subsemigrupo, e pelo
lema 2.2 que p ∈ kN, logo dados r1, r2 ∈ kN, (r1 + p) + (r2 + p) = (r1 + p + r2) + p ∈ kN + p.
Portanto kN+ p é um subsemigrupo. �
2.4. SUBGRUPOS DISCRETOS EM βN 39
2.4 Subgrupos discretos em βN
Esta seção se devotará ao estudo do artigo “Discrete Groups in βN”, de Dona Strauss e Neil
Hindman ([11]). Os primeiros dois resultados mostrarão que existem 2c cópias discretas de Z em
cada grupo maximal de K(βN), cada par se intersectando somente na identidade. Lembramos
que pelo Teorema 1.16, um conjunto é um grupo maximal em K(βN) se e somente se é da forma
q + βN+ q, com q ∈ K(βN) idempotente (minimal).
Novamente, usaremos a notação supp(x) ∈ Pf (ω) definida para x ∈ N como a representação
binária de x, ou seja, x =∑
t∈supp(x) 2t. Recordamos também o Lema 2.2, que será usado a seguir,
e o subsemigrupo H =⋂m≥1 2mN.
Teorema 2.45. Sejam A,B ⊂ N infinitos e disjuntos, q ∈ K(βN) idempotente, u ∈ {2n : n ∈ A}∗,
v ∈ {2n : n ∈ B}∗. Considere ϕ,ψ : Z → q + βN + q os homomorfismos determinados por
ϕ(1) = q + u + q e ψ(1) = q + v + q. Então {ϕ(n) : n ∈ Z\{0}} ∩ {ψ(n) : n ∈ Z\{0}} = ∅.
Além disso, se q /∈ {ϕ(n) : n ∈ Z\{0}}, então {ϕ(n) : n ∈ Z} é uma cópia discreta de Z; e se
q /∈ {ψ(n) : n ∈ Z\{0}}, então {ψ(n) : n ∈ Z} é uma cópia discreta de Z.
Demonstração. Primeiramente, note que q ∈ H; e como A e B são infinitos e u, v ∈ N∗, u, v ∈ H.
Segue que ϕ[Z] ∪ ψ[Z] ⊂ H. Note também que ϕ(0) = ψ(0) = q.
Agora, mostraremos que para quaisquer m ∈ Z e n ∈ N,
{x ∈ N : |supp(x) ∩A| ≡ 0 (mod n)} ∈ ψ(m), e
{x ∈ N : |supp(x) ∩B| ≡ 0 (mod n)} ∈ ϕ(m).
Por analogia, basta mostrar a primeira asserção. Fixe n ∈ N. Defina C = {x ∈ N : |supp(x)∩A| ≡ 0
(mod n)}. Mostraremos que C ∈ q. Tome i ∈ {0, . . . , n−1} tal que D := {x ∈ N : |supp(x)∩A| ≡ i
(mod n)} ∈ q. Temos {x ∈ N : −x + D ∈ q} ∈ q, logo tome x ∈ D tal que −x + D ∈ q.
Seja t = max supp(x) e tome y ∈ (−x + D) ∩ D ∩ 2t+1N(∈ q). Note que x + y ∈ D e que
supp(x + y) = supp(x) ∪ supp(y) e supp(x) ∩ supp(y) = ∅. Portanto, i ≡ |supp(x + y) ∩ A| =
|supp(x) ∩A|+ |supp(y) ∩A| ≡ i+ i (mod n), de forma que i = 0. Ou seja, D = C.
Agora, por indução em m ∈ ω mostraremos que C ∈ ψ(m). Acima mostramos que C ∈ ψ(0).
Suponha que C ∈ ψ(m). Observe que ψ(m+ 1) = ψ(m) +ψ(1) = ψ(m) + q+ v+ q = ψ(m) + v+ q.
Para ver que C ∈ ψ(m) + v + q, basta ver que C ⊂ {x ∈ N : −x + C ∈ v + q}, logo seja x ∈ C.
Seja t = max supp(x). Como {2s : s ∈ B e s > t} ∈ v, para ver que −x + C ∈ v + q basta ver
que {2s : s ∈ B e s > t} ⊂ {z ∈ N : −z + (−x + C) ∈ q}. Seja s ∈ B tal que s > t. Como
C ∩ 2s+1N ∈ q, para ver que −2s + (−x+C) ∈ q basta ver que C ∩ 2s+1N ⊂ −2s + (−x+C). Seja
então y ∈ C∩2s+1N. Como s /∈ A, vale que |supp(x+2s+y)∩A| = |supp(x)∩A|+|supp(y)∩A| ≡ 0
(mod n), como queríamos.
Para completar esta parte, mostraremos que dado m ∈ N, C ∈ ψ(−m). Tome i ∈ {0, . . . , n − 1}
40 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
tal que D = {x ∈ N : |supp(x) ∩ A| ≡ i (mod n)} ∈ ψ(−m). Vale que C ∈ q = ψ(−m) + ψ(m),
ou seja {x ∈ N : −x + C ∈ ψ(m)} ∈ ψ(−m), logo tome x ∈ D tal que −x + C ∈ ψ(m). Seja
t = max supp(x) e tome y ∈ (−x + C) ∩ C ∩ 2t+1N(∈ ψ(m)). Segue que 0 ≡ |supp(x + y) ∩ A| =
|supp(x) ∩A|+ |supp(y) ∩A| ≡ i+ 0, de forma que i = 0. Ou seja, D = C.
Será também necessário mostrar que para quaisquer m ∈ Z e n ∈ N,
{x ∈ N : |supp(x) ∩A| ≡ m (mod n)} ∈ ϕ(m), e
{x ∈ N : |supp(x) ∩B| ≡ m (mod n)} ∈ ψ(m).
Novamente as provas das duas asserções são análogas, logo faremos a primeira. Fixe n ∈ N e defina,
para cada m ∈ Z, Cm = {x ∈ N : |supp(x) ∩ A| ≡ m (mod n)}. Nosso objetivo é mostrar que
Cm ∈ ϕ(m) para todo m ∈ Z. Note que já foi mostrado acima que C0 = C ∈ q = ϕ(0). Faremos
novamente uma indução em m ∈ ω. Suponha que Cm ∈ ϕ(m). Para ver que Cm+1 ∈ ϕ(m + 1) =
ϕ(m) + u + q, basta ver que Cm ⊂ {x ∈ N : −x + Cm+1 ∈ u + q}, logo seja x ∈ Cm. Seja
t = max supp(x). Para ver que −x + Cm+1 ∈ u + q, como {2s : s ∈ A e s > t} ∈ u, basta ver que
{2s : s ∈ A e s > t} ⊂ {z ∈ N : −z+(−x+Cm+1) ∈ q}. Seja s ∈ A com s > t. Como C0∩2s+1N ∈ q,
para ver que −2s + (−x+ Cm+1) ∈ q basta ver que C0 ∩ 2s+1N ⊂ −2s + (−x+ Cm+1). Seja então
y ∈ C0 ∩ 2s+1N. Vale que |supp(x+ 2s + y) ∩A| = |supp(x) ∩ A|+ 1 + |supp(y) ∩ A| ≡ m+ 1 + 0
(mod n), como queríamos.
Para completar, seja m ∈ N e vejamos que C−m ∈ ϕ(−m). Seja i ∈ {0, . . . , n − 1} tal que
D = {x ∈ N : |supp(x) ∩ A| ≡ i (mod n)} ∈ ϕ(−m). Temos que C0 ∈ q = ϕ(−m) + ϕ(m), ou
seja {x ∈ N : −x + C0 ∈ ϕ(m)} ∈ ϕ(−m), logo tome x ∈ D tal que −x + C0 ∈ ϕ(m). Seja
t = max supp(x) e tome y ∈ (−x+ C0) ∩ Cm ∩ 2t+1N(∈ ϕ(m)). Vale que 0 ≡ |supp(x+ y) ∩ A| =
|supp(x) ∩ A| + |supp(y) ∩ A| ≡ i + m (mod n), de forma que i ≡ −m (mod n) e assim D = C
como queríamos.
Note que as asserções provadas acima garantem que se k,m ∈ Z são distintos, então ϕ(k) 6= ϕ(m)
e ψ(k) 6= ψ(m), e portanto ϕ[Z] e ψ[Z] são cópias algébricas de Z.
Então, suponha que {ϕ(n) : n ∈ Z\{0}} ∩ {ψ(n) : n ∈ Z\{0}} 6= ∅. Pelo Teorema 1.26(c), te-
mos, sem perda de generalidade, que {ϕ(n) : n ∈ Z\{0}} ∩ {ψ(n) : n ∈ Z\{0}} 6= ∅; logo tome
m ∈ Z\{0} tal que ϕ(m) ∈ {ψ(n) : n ∈ Z\{0}}. Porém, {x ∈ N : |supp(x) ∩A| ≡ m (mod |m|+ 1)}
é uma vizinhança de ϕ(m) disjunta de {x ∈ N : |supp(x) ∩A| ≡ 0 (mod |m|+ 1)}, e
{ψ(n) : n ∈ Z} ⊂ {x ∈ N : |supp(x) ∩A| ≡ 0 (mod |m|+ 1)}; uma contradição.
Por fim, suponha que q /∈ {ϕ(n) : n ∈ Z\{0}}. Tome U vizinhança de q disjunta de {ϕ(n) :
n ∈ Z\{0}}. Dado n ∈ Z\{0}, U é uma vizinhança de ϕ(n) + ϕ(−n) = ρϕ(−n)(ϕ(n)), logo seja V
vizinhança de ϕ(n) tal que ρϕ(−n)[V ] = V +ϕ(−n) ⊂ U . Como U ∩{ϕ(n) : n ∈ Z\{0}} = ∅, segue
que V ∩ {ϕ(m) : m ∈ Z\{n}} = ∅. Assim, {ϕ(n) : n ∈ Z} é discreto. �
Em resumo, temos o seguinte corolário:
2.4. SUBGRUPOS DISCRETOS EM βN 41
Corolário 2.46. Seja q ∈ K(βN) idempotente. Para cada p ∈ {2n : n ∈ N}∗, seja ϕp : Z →
q + βN+ q o homomorfismo determinado por ϕp(1) = q + p+ q. Então, dados p, r ∈ {2n : n ∈ N}∗
distintos, {ϕp(n) : n ∈ Z\{0}}∩{ϕr(n) : n ∈ Z\{0}} = ∅. Além disso, existe no máximo um p ∈ N∗
tal que {ϕp(n) : n ∈ Z} não é discreto.
Demonstração. Para a primeira afirmação, como p e r são distintos, existem A,B ⊂ N disjuntos tais
que {2n : n ∈ A} ∈ p e {2n : n ∈ B} ∈ r, de forma que podemos aplicar o Teorema 2.45. Ademais,
suponha que p, p′ ∈ N∗ são tais que {ϕp(n) : n ∈ Z} e {ϕp′(n) : n ∈ Z} não são discretos. Então
q ∈ {ϕp(n) : n ∈ Z\{0}} ∩ {ϕp′(n) : n ∈ Z\{0}}. Pelo que acabamos de ver acima, isso implica que
p = p′. �
O restante do artigo trata da existência de cópias de grupos e semigrupos livres dentro dos
grupos maximais de K(βN). Primeiramente, estabeleceremos a existência de 2c cópias do grupo
livre sobre 2 geradores, disjuntas exceto pela identidade.
Lema 2.47. Existe um grupo topológico compacto C que contém um grupo livre F sobre os geradores
distintos {a1, a2, a3, a4}.
Demonstração. Isso é um caso particular de 3.16. �
Lema 2.48. Sejam C e F como no Lema 2.47. Sejam A1, A2, A3, A4 ⊂ N dois-a-dois disjuntos
e seja q ∈ K(βN) idempotente. Para i ∈ {1, 2, 3, 4} seja ui ∈ {2n : n ∈ Ai}∗ qualquer e defina
ri = q + ui + q. Seja G o subgrupo de q + βN + q gerado por {r1, r2, r3, r4}. Então existe um
homomorfismo contínuo σ : {0} ∪ H → C tal que σ|G é um isomorfismo entre G e F e σ(ri) = ai
para cada i ∈ {1, 2, 3, 4}.
Demonstração. Denote a identidade de C por e. Defina f : ω → C assim: f(0) = e. Dado
n ∈ ω, f(2n) = ai se n ∈ Ai; f(2n) = e caso n /∈ A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4. E dado I ∈ Pf (ω),
f(∑
n∈I 2n) =∏n∈I f(2n). Tome f : βω → C a extensão contínua de f , e seja σ a restrição
de f a {0} ∪ H. Como {0} ∪ H =⋂n∈N 2nω, podemos aplicar o Teorema 1.36 sobre a coleção
A = {2nω : n ∈ N} e obter que σ é um homomorfismo.
Para ver que σ[G] = F , basta ver que σ(ri) = ai para cada i ∈ {1, 2, 3, 4}. Note que σ é constante e
igual a ai sobre {2n : n ∈ Ai}, de forma que σ(ui) = ai. E como q é idempotente, σ(q) = e. Assim
σ(ri) = eaie = ai.
E para ver que σ é injetora, considere h : F → G o homomorfismo determinado por h(ai) = ri para
cada i ∈ {1, 2, 3, 4}. Temos que σ ◦h(ai) = ri para cada i ∈ {1, 2, 3, 4}, de forma que σ ◦h : F → F
é a identidade, e portanto σ é injetora. �
42 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
Teorema 2.49. Sejam A1, A2, A3, A4, F , C, u1, u2, u3, u4, r1, r2, r3, r4, G e σ como no Lema
acima. Sejam G1 o subgrupo de G gerado por {r1, r2} e G2 o subgrupo gerado por {r3, r4}. Então
G1\{q} ∩G2\{q} = ∅. Além disso, dado i{1, 2}, se q /∈ Gi\{q}, então Gi é discreto.
Demonstração. Suponha que G1\{q} ∩ G2\{q} 6= ∅. Pelo Teorema 1.26(c), sem perda de gene-
ralidade, tome w ∈ G1\{q} ∩ G2\{q}. Mostraremos, contraditoriamente, que w = q. Denote por
s1 e s2 as inversas de r1 e r2 em G1, respectivamente. Tome p1, . . . , pm ∈ {r1, r2, s1, s2} tais que
w = p1 + · · ·+ pm.
Defina θ : N → ω por θ(n) =∑{2t : t ∈ supp(n) ∩ (A1 ∪ A2)} e seja θ : βN → βω sua extensão
contínua. Usando o Teorema 1.36, vê-se que θ|H é um homomorfismo. Além disso, note que dados
n,m ∈ N, θ(2mn) ∈ 2mN, de forma que usando H =⋂m∈N 2mN e o Teorema 1.26(e), temos que
θ[H] ⊂ H ∪ {0} = dom σ.
Para i ∈ {1, 2}, θ é a identidade sobre {2n : n ∈ Ai}, de modo que θ(ui) = ui; e σ(θ(q)) = e pois q
é idempotente. Temos então: σ(θ(ri)) = σ(θ(q+ ui + q)) = eσ(θ(ui))e = eσ(ui)e = σ(q+ ui + q) =
σ(ri). E σ(θ(si)) = σ(θ(ri))−1 = σ(ri)
−1 = σ(si).
Por outro lado, para i ∈ {3, 4}, θ é nula sobre {2n : n ∈ Ai}, de forma que θ(ui) = 0, e assim
σ(θ(ri)) = σ(θ((q + ui + q)) = eee = e. Disso segue que σ ◦ θ[G2] = {e}. Portanto, por continui-
dade, como w ∈ G2, σ(θ(w)) = e. Temos então que σ(q) = e = σ(θ(w)) = σ(θ((p1 + · · · + pm)) =
σ(p1 + · · ·+ pm) = σ(w). Porém, como vimos no Lema 2.48, σ é um isomorfismo sobre G, de forma
que w = q.
Por fim, seja i ∈ {1, 2} e suponha que q /∈ Gi\{q}. Tome U vizinhança de q disjunta de Gi\{q}.
Seja w ∈ Gi\{q} qualquer, e seja w′ sua inversa neste grupo; temos que U é uma vizinhança de
w + w′, logo seja V vizinhança de w tal que V + w′ ⊂ U . Então V ∩ Gi\{w} = ∅, e assim, Gi é
discreto. �
Corolário 2.50. Seja q ∈ K(βN) um idempotente. Então existem 2c cópias discretas do grupo livre
sobre 2 geradores em (q+ βN+ q)∩H. A interseção dos fechos de quaisquer dois grupos desse tipo
é {q}.
Demonstração. Particione {2n : n ∈ N}∗ em 2c conjuntos de dois elementos: {xα, yα} para α < 2c.
Para cada α, sejaGα o subgrupo de q+βN+q gerado por {q+xα+q, q+yα+q}. Então se α < β < 2c,
podemos tomar A1, A2, A3, A4 ⊂ N disjuntos tais que {2n : n ∈ A1} ∈ xα, {2n : n ∈ A2} ∈ yα,
{2n : n ∈ A3} ∈ xβ e {2n : n ∈ A4} ∈ yβ , de forma que o Teorema 2.49 se aplica, e temos que cada
Gα é um grupo livre sobre dois geradores, e existe no máximo um deles que não é discreto. �
Definição 2.51. Seja X um espaço topológico. Dizemos que Y ⊂ X é fortemente discreto se
para cada x ∈ Y existir Ux vizinhança de x em X de forma que para todos x, y ∈ Y distintos,
2.4. SUBGRUPOS DISCRETOS EM βN 43
Ux ∩ Uy = ∅.
Teorema 2.52. Existe uma cópia fortemente discreta do semigrupo livre com identidade sobre c
geradores em H. (Em particular é discreto em N∗.)
Demonstração. Primeiramente, tome {Aα : α < c} uma família quase disjunta de subconjun-
tos de 2N + 1, e tome pα ∈ {2n : n ∈ Aα}∗ para cada α < c. Agora, precisamos tomar
q ∈ {x ∈ N : supp(x) ⊂ 2N} idempotente. Para tanto, defina C = {x ∈ N : supp(x) ⊂ 2N}, e mos-
traremos que H∩C é um subsemigrupo (evidentemente compacto) de βN: defina, para cada m ∈ N,
Tm = 2mN ∩ C; vale que H ∩ C =⋂m∈N Tm, e dados m ∈ N e x ∈ Tm, tome n = max supp(x) + 1;
dado y ∈ Tn, vale que supp(x + y) = supp(x) ∪ supp(y) ⊂ 2N e x + y ∈ Tm; assim, aplica-se o
Teorema 1.34 e temos que H ∩ C é um subsemigrupo compacto, logo possui um idempotente q.
Defina agora, para cada α < c, rα = q + pα + q. Observe que S = {rα : α < c} ⊂ H, pois H é
subsemigrupo, q ∈ H e pα ∈ H para cada α < c. E como q + q = q, q é uma identidade para S.
Veremos que S gera um semigrupo livre com identidade q que é fortemente discreto em H.
Para cada (α1, . . . , αk) sequência finita em c, considere B(α1,...,αk) = {x ∈ N : supp(x) ∩ (2N+ 1) =
{n1, . . . , nk} em que n1 < · · · < nk e ni ∈ Aαi para cada i ∈ {1, . . . , k}}.
Afirmação 1: Para cada α < c, B(α) ∈ rα. Lembre que C ∈ q. Para cada x ∈ C, defina
Dx = {2n : n ∈ Aα e n > max supp(x)} e note que Dx ∈ pα. Para cada x ∈ C e cada n ∈ Aα com
n > max supp(x), defina Ex,n = {z ∈ C : min supp(z) > n} e note que Ex,n ∈ q. Logo podemos
aplicar o Lema 2.7 e obter que P = {x+2n+z : x ∈ C, n ∈ Aα e max supp(x) < n < min supp(z)} ∈
q + pα + q = rα. Agora, dado x+ 2n + z ∈ P , supp(x+ 2n + z) = supp(x) ∪ {n} ∪ supp(z); como
x, z ∈ C, segue que supp(x + 2n + z) ∩ (2N + 1) = {n}, e n ∈ Aα. Segue que P ⊂ B(α), logo
B(α) ∈ rα.
Afirmação 2: Dados k > 1, e (α1, . . . , αk) ∈ c<ω, então B(α1,...,αk−1) ⊂ {x ∈ N : −x + B(α1,...,αk) ∈
rαk}. Seja então x ∈ B(α1,...,αk−1). Quero ver que −x + B(α1,...,αk) ∈ rαk . Como rαk ∈ H, tome
n = max supp(x) + 1; basta ver então que B(αk) ∩ 2nN ⊂ −x + B(α1, . . . , αk−1); para isso, seja
y ∈ B(αk) ∩ 2nN, e tome para cada i ∈ {1, . . . , k}, ni ∈ Aαi de forma que supp(x) ∩ (2N + 1) =
{n1, . . . , nk−1} com n1 < · · · < nk−1 e supp(y) ∩ (2N + 1) = {nk}. Temos então que nk > nk−1, e
que supp(x+ y) ∩ (2N+ 1) = (supp(x) ∩ (2N+ 1)) ∪ (supp(y) ∩ (2N+ 1)) = {n1, . . . , nk}, e assim
x+ y ∈ B(α1,...,αk).
Afirmação 3: Dados k > 1 e (α1, . . . , αk) ∈ c<ω, B(α1,...,αk) ∈ rα1 + · · · + rαk . Por indução: vimos
acima que B(α1∈ rα1 e B(α1) ⊂ {x ∈ N : −x + B(α1,α2) ∈ rα2}, logo B(α1,α2) ∈ rα1 + rα2 . Agora
suponha que B(α1,...,αk−1) ∈ rα1 + · · ·+ rαk−1; como B(α1,...,αk−1) ⊂ {x ∈ N : −x+B(α1,...,αk) ∈ rαk},
segue que B(α1,...,αk) ∈ rα1 + · · ·+ rαk .
Assim, para ver que S gera um semigrupo livre com identidade q, fortemente discreto em H, note
44 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
em primeiro lugar que, para cada (α1, . . . , αk) ∈ c<ω\{∅}, C ∩B(α1,...,αk) = ∅. Em segundo lugar,
vejamos que dados (α1, . . . , αk), (δ1, . . . , δl) ∈ c<ω\{∅} distintos, B(α1,...,αk) ∩ B(δ1,...,δl) ∩ H = ∅.
Para tanto, observe em primeiro lugar que dado x ∈ B(α1,...,αk), |supp(x) ∩ (2N + 1)| = k, e
dado x ∈ B(δ1,...,δl), |supp(x) ∩ (2N + 1)| = l. Logo se k 6= l, B(α1,...,αk) ∩ B(δ1,...,δl) = ∅; se
k = l, tome j ∈ {1, . . . , k} tal que αj 6= δj ; e tome m ∈ N tal que Aαj ∩ Aδj ⊂ {1, . . . ,m}.
Como B(α1,...,αk) ∩ B(δ1,...,δk) = {x ∈ N : supp(x) ∩ (2N + 1) = {n1, . . . , nk} em que n1 < · · · <
nk e ni ∈ Aαi ∩ Aδi para cada i ∈ {1, . . . , k}}, então há de se ter que nj ≤ m, e portanto
B(α1,...,αk) ∩B(δ1,...,δk) ∩ 2m+1N = ∅; assim B(α1,...,αk) ∩B(δ1,...,δk) ∩H = ∅. �
O teorema acima nos dá um subsemigrupo de tamanho c, discreto em N∗. Não podemos afirmar
que ele é fortemente discreto em N∗, embora o seja em H. Por outro lado, temos que o conjunto
{pα : α < c} acima é fortemente discreto em N∗ (embora não o seja em βN, que claramente possui
celularidade enumerável), mas não sabemos se gera um subsemigrupo livre. O artigo indaga então
se seria possível existir um subsemigrupo livre fortemente discreto de tamanho c em N∗, e responde
que não; de fato, o Teorema a seguir dá uma incisiva resposta negativa: é consequência imediata
dele que não é possível haver um subsemigrupo fortemente discreto, não-enumerável, para o qual
existe um elemento cancelável à direita.
Teorema 2.53. Não existem p ∈ N∗ e {rα : α < ω1} ⊂ N∗ tais que rα + p 6= rδ + p sempre que
α < δ < ω1 e {rα + p : α < ω1} é fortemente discreto em N∗.
Demonstração. Suponha que existem, e para cada α < ω1 tome Bα ⊂ N tais que Bα ∈ rα + p e
Bα ∩ Bδ é finito para cada α < δ < ω1. Segue que Cα = {x ∈ N : −x + Bα ∈ p} ∈ rα para cada
α < ω1; como não podem ser dois-a-dois disjuntos, tome α, β < ω1 tais que Cα ∩ Cβ 6= ∅ e tome
x ∈ Cα∩Cβ . Temos então que (−x+Bα)∩(−x+Bβ) ∈ p, logo é infinito, do que segue que Bα∩Bβé infinito. Absurdo. �
2.5. CADEIAS DE IDEMPOTENTES 45
2.5 Cadeias de idempotentes
Nesta seção estudaremos os artigos “Chains of idempotents in βN ” [13] e “Ideals and commu-
tativity in βN” [14], e veremos que todo idempotente não-minimal de βN pertence a uma cadeia
decrescente de idempotentes, cada um maximal com respeito a ser menor do que seu antecessor. O
mesmo vale para cadeias de ideais à esquerda semiprincipais.
Começaremos com o artigo “Ideals and commutativity in βN” e veremos que existem cadeias de
ideais à esquerda de tipo ω1.
Antes de irmos ao artigo, precisaremos de um importante lema sobre os ideais à esquerda
semiprincipais de βN, e de certos fatos acerca de um semigrupo de N∗.
Lema 2.54. Sejam p, q ∈ βN distintos. Se (βN+p)∩(βN+q) 6= ∅, então p ∈ βN+q ou q ∈ βN+p.
Demonstração. Como βN+ p = N+ p e βN+ q = N+ q, então pelo Teorema 1.26(c), e sem perda
de generalidade, (N+p)∩N+ q 6= ∅; logo tome n ∈ N e r ∈ βN tais que n+p = r+q. Caso r ∈ N∗,
pelo Lema 2.11, p = −n+ r + q ∈ βN+ q. Caso r ∈ N, temos a tricotomia: se r = n, então p = q,
absurdo; se r < n, então q = −r + n+ p ∈ βN+ p; e se r > n, então p = −n+ r + q ∈ βN+ q. �
Nos seguintes teoremas, faremos uso do subsemigrupo de N∗,⋂k∈N kN. Este subconjunto não-
vazio, Gδ e compacto de βN, que denotaremos por T, é de fato um subsemigrupo: dado k ∈ N e
dado n ∈ kN, temos que n + kN ⊂ kN, satifazendo a condição do Teorema 1.34. Pelo Lema 2.2,
temos que T possui todos os idempotentes.
Para cada n ∈ N, denotaremos por γn : Z → Zn o homomorfismo canônico, e portanto por
γn sua extensão a βZ. Dessa forma (lembrando que estamos usando a topologia discreta sobre o
conjunto finito Zn), temos que T =⋂n∈N γn
−1[{0}].
Teorema 2.55. Seja p ∈ N∗\K(βN). Então existe G ⊂ T aberto de N∗ não-vazio tal que para todo
q ∈ G, p /∈ βZ+ q + p.
Demonstração. Para cada Y ∈ p e cada n ∈ Z, seja Kn,Y = {q ∈ T : n + q + p ∈ Y }. Note que
Kn,Y é um clopen de T, pois é a imagem inversa, em T, de Y pela função q 7→ n + q + p, que é
contínua.
Afirmamos que, para algum Y ∈ p,⋃n∈ZKn,Y 6= T. Suponha então que para todo Y ∈ p,⋃
n∈ZKn,Y = T. Seja q idempotente minimal; lembre que q ∈ T. Logo, para cada Y ∈ p, tome
nY ∈ Z e pY ∈ Y tais que pY = nY +q+p. Como (nY )Y ∈p e (pY )Y ∈p são redes em βN (direcionadas
pela inclusão reversa), seja r um ponto de acumulação de (nY )Y ∈p e note que limY ∈p pY = p. Assim,
segue que p = r + q + p; como q ∈ K(βN), tem-se que p ∈ K(βN), uma contradição.
Logo, tome Y ∈ p tal que⋃n∈ZKn,Y 6= T. Ou seja, T\(
⋃n∈ZKn,Y ) =
⋂n∈Z(T\Kn,Y ) 6= ∅. Como
Kn,Y são clopens de T e T é Gδ de N∗, então⋂n∈Z(T\Kn,Y ) é um Gδ de N∗. Assim, pelo Teorema
46 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
1.26(b), existe G ⊂ T aberto de N∗ tal que G ∩ (⋃n∈ZKn,Y ) = ∅.
Agora, seja q ∈ G. Suponha por absurdo que p ∈ βZ+ q + p. Como βZ+ q + p = Z+ q + p, então
Y ∩ (Z+ q + p) 6= ∅, logo tome n ∈ Z tal que n+ q + p ∈ Y . Ou seja, q ∈ Kn,Y . Contradição. �
Corolário 2.56. Seja p ∈ N∗\K(βN). Então existe uma sequência crescente (xn)n≥1 em N tal
que: para todo n ∈ N, xn+1 é múltiplo de xn e de n!; para todo q ∈ {xn : n ∈ N}∗, p /∈ βZ+ q + p;
x1 = 1.
Demonstração. Tome G como no Teorema anterior. Tome E ⊂ N infinito tal que E∗ ⊂ G. Como
E∗ ⊂ T , segue que para todo k ∈ N, E∩kN é infinito. Assim, podemos recursivamente tomar x1 = 1
e xn+1 ∈ E ∩ (xn · n!)N tal que xn+1 > xn. E como {xn : n ≥ 2} ⊂ E, então {xn : n ∈ N}∗ ⊂ G, e
portanto pelo Teorema anterior para todo q ∈ {xn : n ∈ N}∗ temos que p /∈ βZ+ q + p. �
Teorema 2.57. Seja p um elemento de N∗\K(βN) e X = {xn : n ∈ N} a imagem da sequência
obtida no corolário acima. Então para todo q ∈ X∗, q+p é cancelável à direita. E dados q1, q2 ∈ X∗
distintos, então N∗ + q1 + p ∩ N∗ + q2 + p = ∅.
Demonstração. Mostraremos que dados q1, q2, vale que q1 + p /∈ βN+ q2 + p. Suponha por absurdo
que, para algum u ∈ βN, q1 + p = u + q2 + p. Como q1 ∈ X, temos que X + p ∩ N+ q2 + p 6= ∅.
Pelo 1.26(c), temos que ou x+p = v+q2 +p para algum x ∈ X e algum v ∈ βN, ou t+p = n+q2 +p
para algum t ∈ X e algum n ∈ N. O primeiro caso implica que p ∈ βZ + q2 + p, assim como o
segundo se t ∈ X, um absurdo; logo t ∈ X∗. Aplicando o homomorfismo γm a ambos os lados e
cancelando γm(p), temos que γm(t) = γm(n) + γm(q2), para todo m ∈ N. Isso é um absurdo pois
γm(t) = γm(q2) = 0 para todo m ∈ N, já que t, q2 ∈ X∗ ⊂ T.
Logo, q1 + p /∈ βN+ q2 + p.
No caso em que q1 = q2 =: q, obtemos pelo Teorema 2.41 que q é cancelável à direita.
No caso em que q1 6= q2, pelo Lema 2.54, basta ver que q1 + p 6= q2 + p para concluir que (βN +
q1 + p) ∩ (βN + q2 + p) = ∅ (e em particular a tese). Suponha então que q1 + p = q2 + p, e tome
X1, X2 ⊂ X disjuntos e tais que X1 ∈ q1 e X2 ∈ q2. Temos que X1 + p ∩X2 + p 6= ∅, logo temos
que a + p = b + p, para a ∈ X1 e b ∈ X2, ou para a ∈ X1 e b ∈ X2. Sem perda de generalidade,
suponha a ∈ X1 e b ∈ X2; caso b ∈ X2, teríamos que a = b ∈ X1 ∩X2, contradição. Logo b ∈ X2∗,
do que p = −a+ b+ p ∈ βZ+ b+ p, uma contradição pois b ∈ X∗. �
Para o próximo teorema, precisaremos de duas funções ϕ, θ : N→ ω da seguinte maneira:
ϕ(n) = max{xm : m ∈ N e xm | n}, e θ(n) = n−ϕ(n). Como exigimos x1 = 1, ϕ está bem-definida
e consequentemente também está θ.
Agora, para todo m ∈ N, para todo z que é múltiplo de xm+1, temos que ϕ(xm + z) = xm, pois
xm | xm+1 | z, mas xm+1 - xm; e assim θ(xm + z) = z. Sejam agora q ∈ X∗ e r ∈ T. Como r é o
2.5. CADEIAS DE IDEMPOTENTES 47
limite de uma rede em xm+1N, segue que ϕ(xm + r) = xm e θ(xm + r) = r, para todo m ∈ N. E
como q é o limite de uma rede em X, segue que ϕ(q + r) = q e θ(q + r) = r.
Em geral, vale que, dados s ∈ N, xm = ϕ(s), e t múltiplo de xm+1, temos que ϕ(s+ t) = xm = ϕ(s)
e logo θ(s + t) = θ(s) + t. Usando redes novamente, temos que para todos u ∈ βN e todo r ∈ T,
ϕ(u+ r) = ϕ(u), e θ(u+ r) = θ(u) + r.
Teorema 2.58. Seja p um elemento de N∗\K(βN) e X = {xn : n ∈ N} a imagem da sequência
obtida no corolário acima. Então para cada q ∈ X∗, o ideal à esquerda semiprincipal N∗ + q + p é
maximal com relação a ser um ideal à esquerda semiprincipal de N∗ estritamente contido em N∗+p.
Portanto, N∗ + p está imediatamente acima de 2c ideais à esquerda semiprincipais de N∗.
Demonstração. Começaremos provando a seguinte Afirmação: Se r ∈ T é tal que r /∈ N∗ + q + r,
então não existe s ∈ N∗ tal que N∗ + q + r ( N∗ + s ( N∗ + r.
Suponha que tal s exista. Pelo Lema 2.54, como N∗ + q + r ( N∗ + s, então q + r ∈ βN + s, logo
tome t ∈ βN tal que q + r = t + s. Como q ∈ X∗, temos X + r ∩ N+ s 6= ∅, logo existem a ∈ X
e t′ ∈ βN tais que a + r = t′ + s, ou existem q′ ∈ X∗ e b ∈ N tais que q′ + r = b + s. Na primeira
possibilidade, temos r = −a + t′ + s; se t′ ∈ N, r ∈ Z + s; se t′ ∈ N∗, r ∈ N∗ + s; em ambos os
casos, N∗ + r ⊂ N∗ + s, uma contradição. Na segunda possibilidade, como q′ ∈ X∗ ⊂ T e r ∈ T,
então b + s = q′ + r ∈ T. Assim, como q + r = t + s = (−b + t) + (b + s), aplicando θ, obtemos
r = θ(−b+ t) + (b+ s), e novamente segue que N∗ + r ⊂ N∗ + s, uma contradição.
Agora, provaremos, como desejamos, que vale a propriedade para p.
Primeiramente observe que, pelo teorema anterior, q + p é cancelável à direita, e portanto q + p /∈
N∗ + q + p; dessa forma, N∗ + q + p ( N∗ + p. Assim, p /∈ N∗ + q + p.
Construiremos uma sequência (rn)n≥1. Note que, para cada m ∈ N, {x ∈ Z : γm(x) = γm(−p)} ∈
−p, logo, para cada n ∈ N,⋂nm=1{x ∈ Z : γm(x) = γm(−p)} é infinito. Assim, podemos
tomar r1 ∈ N qualquer e então recursivamente rn+1 tal que γm(rn+1) = γm(−p) para todo
m ∈ {1, . . . , n+ 1}, e tal que rn+1 > rn + n.
Tome w ∈ {rn : n ∈ N}∗. Como, dado m ∈ N, γm(rn) = γm(−p) para todo n ≥ m, segue que
γm(w) = γm(−p) para todo m ∈ N. Fixe m ∈ N. Temos que γm(p + w) = γm(p) + γm(−p). Vale
que {x ∈ Z : γm(x) = γm(p)} ∈ p, logo {y ∈ Z : γm(y) = −γm(p)} = {y ∈ Z : γm(−y) = γm(p)} =
−{x ∈ Z : γm(x) = γm(p)} ∈ −p, e portanto γm(−p) = −γm(p). Logo p+w ∈⋂m≥1 γm
−1[{0}] = T.
Além disso, como {rn : n ∈ N e rn+1 > rn + k} ⊃ {rn : n ≥ k} para todo k ∈ N, pelo Teorema
2.42, w é cancelável à direita. Isso implica: (1) que p + w /∈ N∗ + q + p + w, pois p /∈ N∗ + q + p;
(2) dados u, v ∈ N∗, N∗ + u ⊂ N∗ + v ⇔ N∗ + u+ w ⊂ N∗ + v + w.
Como p + w ∈ T e p + w /∈ N∗ + q + p + w, pela Afirmação, não existe s ∈ N∗ tal que
N∗ + q + p+ w ( N∗ + s ( N∗ + p+ w. Pela equivalência em (2), segue que não existe s ∈ N∗ tal
48 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
que N∗ + q + p ( N∗ + s ( N∗ + p.
Pelo Teorema acima, os ideais à esquerda da forma N∗ + q + p para q ∈ X∗ são todos distin-
tos, portanto acabamos de provar que N∗ + p está imediatamente acima de 2c ideais à esquerda
semiprincipais de N∗. �
Assim, com p e q como no teorema acima, q + p será cancelável à direita, e portanto pertence
a N∗\K(βN), de forma que se pode aplicar o teorema novamente. Recursivamente, obtemos uma
sequência decrescente (N + pn)n≥1 de ideais à esquerda semiprincipais. O próximo teorema nos
mostra que é possível prolongar esse processo.
Teorema 2.59. Suponha que (N∗+pn)n≥1 seja uma sequência estritamente decrescente de ideais à
esquerda semiprincipais. Dado q ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N}, então N∗+q é maximal com respeito
a ser um ideal à esquerda semiprincipal contido em⋂n≥1(N∗ + pn). Além disso, q é cancelável à
direita.
Demonstração. Seja q ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N}. Primeiramente vejamos que q ∈ N∗ + pn para
todo n ∈ N. Como q ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N}, então q é o limite de uma rede em {pn : n ∈ N}
que eventualmente está em {pr : r > n}. Dado r > n, pelo Lema 2.54, pr ∈ βN+ pn. Porém, caso
pr ∈ N + pn, então pn ∈ Z + pr e logo N∗ + pn ⊂ N∗ + pr, uma contradição. Logo pr ∈ N∗ + pn e
portanto pr ∈ N∗+ pn. Como N∗+ pn é fechado e q ∈ {pr : r > n}, então q ∈ N∗+ pn. Assim, para
todo n ∈ N, N∗ + q ⊂ N∗ + pn.
Provaremos agora a seguinte afirmação: dados q, q′ ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N}, vale que q /∈
βN+ q′. Suponha por absurdo que haja tais q, q′. Temos que {pn : n ∈ N} ∩N+ q′ 6= ∅, logo pelo
Teorema 1.26(c), existe n ∈ N tal que pn ∈ βN+ q′, ou existem q′′ ∈ {pn : n ∈ N} e m ∈ N tal que
q′′ = m+ q′. A primeira possibilidade implica que N∗ + pn ⊂ N∗ + βN+ q′ ⊂ N∗ + q′ ⊂ N∗ + pn+1,
uma contradição. Na segunda, temos que {pn : n ∈ N} ∩ {m+ pn : n ∈ N}, logo existem n ∈ N e
q′′′ ∈ {pn : n ∈ N} tais que q′′′ = m + pn ou pn = m + q′′′. Caso q′′′ ∈ {pn : n ∈ N}, tome r ∈ N
tal que q′′′ = pr. Temos: se r = n, então pn = m + pn, um absurdo (pois a função x 7→ x + m
não possui pontos fixos pelo Teorema 1.26(a)); se r 6= n, temos que pn ∈ Z + pr e pr ∈ Z + pn,
do que segue que N∗ + pn = N∗ + pr, uma contradição. Logo q′′′ ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N} e
pn ∈ Z+ q′′′, logo pelo visto acima, N∗ + pn ⊂ N∗ + q′′′ ⊂ N∗ + pn+1, uma contradição.
Portanto, vale a afirmação. No caso q = q′, obtemos pelo Teorema 2.41 que q é cancelável à direita.
Agora, veremos que não existe r ∈ N∗ tal que N∗ + q ( N∗ + r ⊂⋂n≥1(N∗ + pn). Suponha por
absurdo que haja um tal r. Pelo Lema 2.54 e como N∗ + q ( N∗ + r, vale que q ∈ N∗ + r, logo seja
s ∈ N∗ tal que q = s+ r. Temos que {pn : n ∈ N} ∩ N+ r 6= ∅, logo pelo 1.26(c) existem n ∈ N e
s′ ∈ βN tais que pn = s′+r, ou existem q′ ∈ {pn : n ∈ N} e m ∈ N tais que q′ = m+r. No primeiro
caso, obtemos N∗ + pn ⊂ N∗ + r ⊂ N∗ + pn+1, uma contradição. No segundo, se q′ ∈ {pn : n ∈ N},
2.5. CADEIAS DE IDEMPOTENTES 49
obtemos a mesma contradição do primeiro. Logo q′ ∈ {pn : n ∈ N}\{pn : n ∈ N}. Temos que
r = −m + q′, e portanto q = s + r = −m + s + q′ ∈ βN + q′. Isso contradiz a afirmação provada
acima. �
Observe acima que como (N∗+pn)n≥1 é estritamente decrescente, então de fato N∗+q 6= N∗+pn
para todo n ∈ N. Assim, podemos a partir dos dois últimos teoremas fazer o passo limite enumerável
na construção de tais cadeias. Mais precisamente, obtemos o seguinte corolário:
Corolário 2.60. Seja p ∈ N∗\K(βN). Então N∗ + p pertence a um segmento de uma cadeia
maximal de ideais à esquerda semiprincipais de N∗ que é reversamente bem-ordenado de tipo ω1∗
(isto é, de tipo ω1 para a ordem ⊃).
Demonstração. Defina p0 = p. Suponha α < ω1 com pβ escolhidos para todos β < α < ω1 de forma
que (N∗ + pβ)β<α seja uma cadeia estritamente decrescente, com cada pβ ∈ N∗\K(βN). Caso α
seja sucessor, aplique o Teorema 2.58 para pα−1 e obtenha pα ∈ N∗ cancelável à direita e tal que
N∗ + pα é maximal com respeito a ser um ideal à esquerda semiprincipal estritamente contido em
N∗ + pα−1.
Caso α seja limite, tome (γn)n≥1 sequência crescente e cofinal em α. Aplique o Teorema anterior
para (N∗+pγn)n≥1 e obtenha pα ∈ N∗ cancelável à direita e tal que N∗+pα é maximal com respeito
a ser um ideal à esquerda semiprincipal contido em⋂n≥1(N∗ + pγn). Como (γn)n≥1 é cofinal e
(N∗ + pβ)β<α é estritamente decrescente, temos que⋂n≥1(N∗ + pγn) =
⋂β<α(N∗ + pβ), e assim
N∗+pα é maximal com respeito a ser um ideal à esquerda semiprincipal contido em⋂β<α(N∗+pβ).
Assim, (N∗ + pα)α<ω1 é uma cadeia de ideais à esquerda semiprincipais de tipo de ordem ω1∗. Um
uso do Lema de Zorn nos permite tomar uma cadeia C maximal com relação a ser uma cadeia
de ideais à esquerda semiprincipais que contém {N∗ + pα : α < ω1}. Claramente, C também é
maximal com relação a meramente ser uma cadeia de ideais à esquerda semiprincipais. Temos
que {N∗ + pα : α < ω1} é um subconjunto de C; suponha que não seja um segmento, isto é,
suponha que existe C ∈ C tal que existem α < β < ω1 tais que N∗ + pβ ( C ( N∗ + pα.
Tome γ < ω1 o menor tal que N∗ + pγ ( C e note que γ > 0; caso γ seja sucessor, temos que
C ( N∗ + pγ−1, contrariando a maximalidade de N∗ + pγ como ideal à esquerda semiprincipal
estritamente contido em N∗ + pγ−1; caso γ seja limite, temos que C ( N∗ + pδ para todo δ < γ,
e portanto C ⊂⋂δ<γ(N∗ + pδ), contrariando a maximalidade de N∗ + pγ como ideal à esquerda
semiprincipal contido em⋂δ<γ(N∗ + pδ). �
Agora, passaremos ao artigo “Chains of idempotents in βN ” para investigar resultados análogos
para idempotentes não-minimais.
Definição 2.61. Seja (xn)n≥1 uma sequência crescente em N e seja Y ⊂ N.
50 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
(a) Para cada m ∈ N, Rm,Y := {∑s
j=1 xn(j) : s ∈ N, xn(1) > m, {n(1), . . . , n(s)} ⊂ Y , e para cada
i ∈ {1, . . . , s}, xn(i)+1 > m+∑i
j=1 xn(j)}.
(b) RY :=⋂m≥1Rm,Y .
Lema 2.62. Sejam Y ⊂ N e (xn)n≥1 uma sequência crescente e tal que {xn+1 − xn : n ∈ Y }
é ilimitado. Então RY é um subsemigrupo compacto de βN. Além disso, dados p, q ∈ βN, se
p+ q ∈ RY e q ∈ RY , então p ∈ RY .
Demonstração. Como {xn+1−xn : n ∈ N} é ilimitado e (xn)n≥1 é crescente, então para cadam ∈ N,
Rm,Y 6= ∅ (basta tomar n ∈ N tal que xn > m e xn+1 − xn > m + xn). Como (Rm,Y )m≥1 é uma
sequência decrescente de subconjuntos de N, segue que RY 6= ∅. Para ver que RY é um semigrupo,
sejam p, q ∈ RY e seja m ∈ N. Queremos ver que p + q ∈ Rm,Y , ou seja, que Rm,Y ∈ p + q. Para
isso, como Rm,Y ∈ p, basta ver que Rm,Y ⊂ {y ∈ N : −y + Rm,Y ∈ q}. Assim, seja y ∈ Rm,Y e
tome s ∈ N e n(1), . . . , n(s) como na definição de Rm,Y de forma que y =∑s
i=1 xn(i). Considere
k = m +∑s
i=1 xn(i). Como Rk,Y ∈ q, então basta ver que Rk,Y ⊂ −y + Rm,Y . Seja z ∈ Rk,Y e
tome t ∈ N e l(1), . . . , l(t) como na definição de Rk,Y de forma que z =∑t
i=1 xl(i). Então, definindo
n(s + i) = l(i) para cada i ∈ {1, . . . , t}, temos que y + z =∑s+t
i=1 xn(i) ∈ Rm,Y (pois, para cada
i ∈ {1, . . . , t}, xn(s+i)+1 = xl(i)+1 > k +∑i
j=1 xl(j) = m+∑s
j=1 xn(j) +∑s+i
j=s+1 xn(j)).
Agora suponha que p + q ∈ RY e que q ∈ RY . Para ver que p ∈ RY , seja m ∈ N e veremos que
Rm,Y ∈ p. Considere A = {y ∈ N : −y +Rm,Y ∈ q}. Como Rm,Y ∈ p+ q, então A ∈ p, logo basta
ver que A ⊂ Rm,Y . Seja k ∈ A; temos que Rk,Y ∈ q, logo Rk,Y ∩ (−k + Rm,Y ) 6= ∅. Assim, seja
z o elemento mínimo de Rk,Y ∩ (−k + Rm,Y ). Como z + k ∈ Rm,Y , tome s ∈ N e n(1), . . . , n(s)
como na definição de forma que z + k =∑s
i=1 xn(i); e como z ∈ Rk,Y , tome t ∈ N e l(1), . . . , l(t)
como na definição de forma que z =∑t
i=1 xl(i). Afirmamos agora que n(s) = l(t): caso n(s) > l(t),
teríamos z + k ≥ xn(s) ≥ xl(t)+1 > k +∑t
j=1 xl(j) = k + z, uma contradição; e caso l(t) > n(s),
teríamos z ≥ xl(t) ≥ xn(s)+1 > m+∑s
j=1 xn(j) = m+ z + k, outra contradição. Agora, vemos que
t = 1: caso t > 1, teríamos que z − xl(t) =∑t−1
i=1 xl(i) ∈ Rk,Y e que z + k − xl(t) = z + k − xn(s) =∑s−1i=1 xn(i) ∈ Rm,Y , de modo que z − xl(t) ∈ Rk,Y ∩ (−k +Rm,Y ), contrariando a minimidade de z.
Assim, como l(t) = n(s) e t = 1, segue que z = xl(1) = xn(s), e portanto k =∑s−1
i=1 xn(i) ∈ Rm,Y
como queríamos. �
Teorema 2.63. Seja p ∈ N∗ cancelável à direita. Então existe um subsemigrupo compacto R de
βN tal que p ∈ R e R ∩K(βN) = ∅.
Demonstração. Pelo Teorema 2.42, tome (xn)n≥1 sequência crescente em N tal que, para cada
k ∈ N, Ak := {xn : n ∈ N e xn+1 > xn +k} ∈ p. Note que (Ak)k≥1 é uma sequência decrescente em
P(N), logo⋂k≥1Ak é um Gδ não-vazio de N∗, de acordo com 1.26(b). Assim, tome q ∈
⋂k≥1Ak
2.5. CADEIAS DE IDEMPOTENTES 51
distinto de p. Como {xn : n ∈ N} ∈ p, q e a sequência é injetora, tome Y,Z ⊂ N disjuntos tais que
{xn : n ∈ Y } ∈ p e {xn : n ∈ Z} ∈ q.
Defina então R = RY . Primeiramente, vejamos que p ∈ RY . Observe que, para cada k ∈ N,
{xn : n ∈ Y }∩Ak ∩ (N\{1, . . . , k}) ∈ p, e {xn : n ∈ Y }∩Ak ∩ (N\{1, . . . , k}) = {xn : n ∈ Y, xn+1 >
xn + k, e xn > k} ⊂ Rk,Y , de forma que Rk,Y ∈ p. Agora, como Ak 6= ∅ para todo k ∈ N, então
{xn+1 − xn : n ∈ N} é ilimitado, logo pelo Lema anterior RY é um subsemigrupo compacto de βN.
Agora, suponha que R ∩K(βN) 6= ∅ e tome r ∈ R ∩K(βN). Como K(βN) é a união de todos os
ideais à esquerda minimais, tome L ideal à esquerda minimal tal que r ∈ L. Segue que q+r ∈ L, logo
βN+ q+ r é um ideal à esquerda contido em L, logo L = βN+ q+ r. Em particular, r ∈ βN+ q+ r,
logo tome s ∈ βN tal que r = s + q + r. Assim, r ∈ R e s + q + r ∈ R, logo pelo Lema acima
s+ q ∈ R.
Considere B = {k + xn : n ∈ Z, k ∈ N, e xn+1 > xn + k}. Afirmamos que B ∈ s + q; basta ver
que {k ∈ N : −k + B ∈ q} = N. De fato, dado k ∈ N, vale que Ak ∩ {xn : n ∈ Z} ⊂ −k + B e
logo −k + B ∈ q. Temos então que B ∈ s + q, e R1,Y ∈ s + q, logo tome w ∈ B ∩ R1,Y . Como
w ∈ B, tome k ∈ N e m ∈ Z tais que w = k + xm e xm+1 > xm + k; como w ∈ R1,Y , tome t ∈ N
e n(1), . . . , n(t) ∈ Y tais que w =∑t
i=1 xn(i) e, para cada i ∈ {1, . . . , t}, xn(i)+1 > xn(i) + 1. Como
n(t) ∈ Y e m ∈ Z, então n(t) 6= m. Caso n(t) > m, temos w ≥ xn(t) ≥ xm+1 > xm + k = w, uma
contradição; e caso m > n(t), temos w = k + xm > xm ≥ xn(t)+1 > 1 +∑t
j=1 xn(j) = 1 + w, outra
contradição. Deste modo, R ∩K(βN) = ∅. �
Teorema 2.64. Seja p um idempotente não-minimal de N∗. Então existem 2c idempotentes não-
minimais imediatamente abaixo de p com relação à ordem dos idempotentes ≤.
Demonstração. Tome pelo Corolário 2.56 a sequência (xn)n≥1, de imagem X. Pelo Teorema 2.57,
dados q1, q2 ∈ X∗ distintos, N∗ + q1 + p ∩ N∗ + q2 + p = ∅. Portanto, como |X∗| = 2c, basta ver
que para cada q ∈ X∗ existe v ∈ N∗ + q+ p tal que v é maximal entre todos os idempotentes s tais
que s < p. Fixe então um q ∈ X∗.
O Teorema 2.57 também nos diz que q + p é cancelável à direita. Pelo Teorema 2.63, tome R
subsemigrupo compacto e disjunto de K(βN) e tal que q + p ∈ R. Vale que R ∩ (N∗ + q + p) é um
subsemigrupo compacto, logo tome t ∈ R ∩ (N∗ + q + p) idempotente. Como t ∈ N∗ + p, t = t+ p.
Defina r = p+ t; r+ r = p+ t+ p+ t = p+ t+ t = p+ t logo r é idempotente. Como r = p+ t+ p,
então r + p = p+ r = r, ou seja, r ≤ p. Vale também que r não é minimal. Se fosse, teríamos que
q + r ∈ K(βN), e q + r = q + p + t; como q + p ∈ R e t ∈ R, segue que q + r ∈ R ∩K(βN), uma
contradição.
Considere agora A = {Γ : Γ é uma ≤R-cadeia de idempotentes, r ∈ Γ, Γ ⊂ N∗ + q + p e para todo
s ∈ Γ, s ≤ p}. Vale que {r} ∈ A, e uma aplicação do Lema de Zorn nos permite tomar Γ ∈ A
52 CAPÍTULO 2. A ÁLGEBRA DE βN
maximal.
Seja L = {u ∈ N∗ + q + p : para todo s ∈ Γ, s = u+ s}. Como L = (N∗ + q + p) ∩⋂s∈Γ ρs
−1[{s}],
então L é compacto, e para ver que é não-vazio basta ver que {N∗ + q + p} ∪ {ρs−1[{s}] : s ∈ Γ}
possui a p.i.f. Para isso, seja F ∈ Pf (Γ), e tome u ∈ F o ≤R-máximo de F . Vale então que
u ∈ (N∗+q+p)∩⋂s∈F ρs
−1[{s}] (lembre que s ≤R u⇔ s = u+s, por definição). Observe também
que cada ρs−1[{s}] é um semigrupo. Portanto, L é um subsemigrupo compacto, logo tome u ∈ L
idempotente e defina v = p + u. Como u ∈ N∗ + p, u + p = u, logo v + v = p + u + p + u =
p + u + u = p + u e assim v é um idempotente. Temos também que v = p + u ∈ N∗ + q + p e
dado s ∈ Γ, v + s = p+ u+ s = p+ s = s (pois s ≤ p), logo v ∈ L. Assim, v não é minimal; caso
v ∈ K(βN), como v ∈ L e r ∈ Γ, r = v + r ∈ K(βN), uma contradição.
Como v = p+u+p, então v ≤ p. Pelo Teorema 2.58, N∗+q+p ( N∗+p, e portanto p /∈ N∗+q+p 3 v.
Desse modo, v < p. Além disso, observe que Γ ∪ {v} ∈ A, logo pela maximalidade v ∈ Γ.
Por fim, mostraremos que v é maximal entre todos os idempotentes s tais que s < p. Primeiramente,
mostraremos que v é maximal entre todos os idempotentes em N∗ + q + p tais que s < p. Suponha
então w ∈ N∗ + q + p idempotente tal que v ≤ w ≤ p. Para todo s ∈ Γ, vale que s ≤R v ≤R w,
de forma que Γ ∪ {w} ∈ A; pela maximalidade, w ∈ Γ; assim, como v ∈ L, w ≤R v; e já que Γ é
≤R-cadeia, v = w.
Agora seja w idempotente qualquer tal que v ≤ w ≤ p. Temos que v ∈ (N∗ + q + p) ∩ (N∗ + w),
logo pelo Lema 2.54, N∗ + q + p ⊂ N∗ + w ou N∗ + w ⊂ N∗ + q + p. Caso N∗ + w ⊂ N∗ + q + p,
então w ∈ N∗ + q + p e pelo que foi feito acima, v = w. Caso N∗ + q + p ( N∗ +w, o Teorema 2.58
nos diz que N∗ + w = N∗ + p. Segue que p = p+ w pois p ∈ N∗ + w e w = p+ w já que w ≤ p, ou
seja, w = p. �
Note no teorema acima que v ∈ N∗ + q + p ( N∗ + p, e que portanto p /∈ N∗ + v. Também será
necessário para o corolário a seguir lembrar que dados u, v idempotentes, u ≤L v se e somente se
u ∈ N∗ + v; e definimos que u <L v se e só se u ≤L v e não vale v ≤L u (lembre que ≤L não é
antissimétrica).
Corolário 2.65. Seja p um idempotente não-minimal em N∗. Então existe uma ω1-sequência
(pσ)σ<ω1 de idempotentes tal que
(1) p0 = p;
(2) para cada σ < ω1, pσ+1 é maximal entre todos os idempotentes menores do que pσ;
(3) dados σ < τ < ω1, pτ <L pσ.
Demonstração. Definimos p0 = p. Seja 0 < τ < ω1 e suponha (pσ)σ<τ escolhidos de modo a
satisfazer (1), (2) e (3) e tais que cada pσ é não-minimal. Caso τ seja sucessor, aplique o teorema
2.5. CADEIAS DE IDEMPOTENTES 53
anterior para pτ−1 e obtenha pτ não-minimal e maximal entre todos os idempotentes menores do
que pτ−1. Caso τ seja limite, aplique a técnica utilizada no Corolário 2.60 e obtenha q ∈ N∗
cancelável à direita e tal que N∗ + q ⊂⋂σ<τ (N∗ + pσ). Pelo Teorema 2.63, tome R subsemigrupo
compacto, disjunto deK(βN) e tal que q ∈ R. Como R∩(N∗+q) é subsemigrupo compacto, tome pτ
idempotente nele. Como pτ ∈ R, é não-minimal. E dado σ < τ , temos que pτ ∈ N∗+pσ+1 ( N∗+pσ,
de forma que pτ <L pσ. �
No teorema obtivemos uma ω1-sequência decrescente em <L. Vale notar que não se pode ter
sequências decrescentes em <L maiores do que c: seja κ cardinal e seja (pσ)σ<κ uma tal sequência.
Para cada σ, N∗ + pσ é um compacto que contém estritamente o compacto N∗ + pσ+1; portanto,
existe Uσ um clopen de βN tal que N∗ + pσ+1 ⊂ Uσ e tal que N∗ + pσ 6⊂ Uσ. Segue que os Uσ são
todos distintos; como os clopens de βN correspondem aos subconjuntos de N, então κ ≤ c.
Capítulo 3
A Álgebra de βS
Este capítulo tratará do contexto mais geral da álgebra na compactificação de Stone-Čech,
quando consideramos um semigrupo S qualquer e analisamos com mais minúcia a interação en-
tre as estruturas algébrica e topológica. Propriedades como comutatividade e diversos níveis de
cancelamento de S se traduzem com frequência a propriedades topológicas de βS.
3.1 Sobre a Raridade de Produtos em S∗
Esta seção é o estudo do artigo de Neil Hindman e Dona Strauss “The Scarcity of Products in
βS\S” [9] e suas referências que os sustentam.
Definição 3.1. Sejam S um semigrupo e A ⊂ S.
(a) A é um conjunto solução à esquerda se existem a, b ∈ S tais que A = {x ∈ S : ax = b}.
(b) A é um conjunto solução à direita se existem a, b ∈ S tais que A = {x ∈ S : xa = b}.
Note que é imediato desta definição que: S é cancelativo à esquerda se e somente se todo
conjunto solução à esquerda é unitário; e S é fracamente cancelativo à esquerda se e somente se
todo conjunto solução à esquerda é finito. (Analogamente temos as afirmações à direita.)
Definição 3.2. Seja S um semigrupo tal que |S| = κ ≥ ω.
(a) S é fraquissimamente cancelativo à esquerda se dado B uma coleção de conjuntos solução à
esquerda com |B| < κ, vale que |⋃B| < κ.
(b) S é fraquissimamente cancelativo à direita se dado B uma coleção de conjuntos solução à direita
com |B| < κ, vale que |⋃B| < κ.
Note que se κ for regular, então S é fraquissimamente cancelativo à esquerda se e somente se
cada conjunto solução à esquerda tiver cardinalidade menor do que κ. Assim, se S for enumerável
a noção coincide com a de fracamente cancelativo à esquerda.
55
56 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
A maior parte do artigo (Seção 2) trata de encontrar condições suficientes para que S∗S∗ seja
nunca-denso em S∗; serão mostradas também que algumas dessas condições não são necessárias,
e contraexemplos que mostram que certas condições mais fracas para S enumerável falham para
cardinalidades maiores.
Para encontrar tais condições, há de valer em primeiro lugar que S∗S∗ ⊂ S∗. Lembre que pelo
Teorema 1.40(a), se S for fracamente cancelativo à esquerda então S∗ é um ideal à esquerda de βS
e se S for cancelativo à direita então S∗ é um ideal à direita. Ambas as condições implicam que S∗
é um subsemigrupo e são satisfeitas, por exemplo, se S puder ser (algebricamente) imerso em um
grupo.
Em primeiro lugar, temos o seguinte teorema, que é o 6.35 do livro [1].
Teorema 3.3. Seja S um semigrupo enumerável que é cancelativo à direita e fracamente cancelativo
à esquerda. Então S∗S∗ é nunca-denso em S∗.
Demonstração. Notemos que: se int(cl(S∗S∗)) 6= ∅, então existe T ⊂ S infinito tal que T ∗ ⊂
cl(S∗S∗), e portanto para todo V ⊂ T infinito, V ∗ ⊂ cl(S∗S∗), e assim V ∗ ∩ S∗S∗ 6= ∅.
Dessa forma, por contraposição, provaremos que para todo T ⊂ S infinito existe V ⊂ T infinito tal
que V ∗ ∩ S∗S∗ = ∅.
Enumere S como {sn : n ∈ N}. Seja T ⊂ S infinito. Produziremos uma sequência injetora (tn)n≥1
em T tal que as equações smx = tn e sm′x = tn′ não possuem solução simultânea se m < n, m′ < n′
e n < n′. No primeiro passo, tomamos t1 ∈ T qualquer. Suponha t1, . . . , tk escolhidos. Considere
X = {x ∈ S : smx = tn para algum m,n ≤ k}. Como S é fracamente cancelativo à esquerda, X é
finito, logo tome tk+1 ∈ T\(⋃km=1 smX ∪ {t1, . . . , tk}). Desse modo, obtemos a sequência injetora
desejada.
Defina V = {tn : n ∈ N}. Vale que dados p, q ∈ S∗, p · q /∈ V ∗. Suponha, por absurdo, que
p · q ∈ V ∗. Considere P = {s ∈ S : s−1V ∈ q}. P ∈ p. Tome m < m′ tais que sm, sm′ ∈ P .
Considere Q = {x ∈ S : smx, sm′x ∈ {ti : i > m′}}. Vale que Q ∈ q, pois sm, sm′ ∈ P e Q =
(s−1m (V \{t1, . . . , tm′}))∩ (s−1
m′ (V \{t1, . . . , tm′})), usando novamente que S é fracamente cancelativo
à esquerda. Assim, tome x ∈ Q. Existem n, n′ > m′ tais que smx = tn e sm′x = tn′ . Caso n 6= n′,
haveria uma violação da propriedade com que a sequência (tn)n≥1 foi construída; logo n = n′. Ou
seja, smx = sm′x. Como S é cancelativo à direita, sm = sm′ ; absurdo. �
Vale notar que as condições de teorema não podem ser grandemente enfraquecidas: por exemplo,
o semigrupo (N,∨), em que n∨m = max{n,m}, é fracamente cancelativo à esquerda e à direita, e
é fácil verificar (via redes) que dados p ∈ βN e q ∈ N∗, p ∨ q = q, de forma que N∗ ∨ N∗ = N∗.
Agora veremos que condição suficiente foi encontrada para semigrupos de quaisquer cardinali-
dades.
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 57
Teorema 3.4. Seja S um semigrupo infinito e algebricamente imersível em um grupo G. Então
S∗ ∩ (G∗G∗) é nunca-denso em S∗. Em particular S∗S∗ é nunca-denso em S∗.
Demonstração. Como no teorema anterior, provaremos que dado T ⊂ S infinito existe V ⊂ T
infinito tal que V ∗ ∩ G∗G∗ = ∅. Seja T ⊂ S infinito então. Tome t1 ∈ T . Definidos t1, . . . , ts−1,
tome ts ∈ T\{trtn−1tm : m,n, r < s}. Note que ts /∈ {tm : m ∈ {1, . . . , s − 1}}, de forma que
a sequência obtida é injetora. Afirmamos que V = {ts : s ∈ N} é o conjunto desejado. Suponha
que p, q ∈ G∗ e V ∈ p · q. Vale que {x ∈ G : x−1V ∈ q} ∈ p, logo tome x1, x2 distintos tais que
x1−1V, x2
−1V ∈ q. Tome y ∈ x1−1V ∩ x2
−1V , e tome n, r ∈ N tais que x1y = tn e x2y = tr.
Agora, como {w ∈ S : x1w ∈ {t1, . . . , tmax{n,r}}} e {w ∈ S : x2w ∈ {t1, . . . , tmax{n,r}}} são
finitos e x1−1V ∩ x2
−1V é infinito, tome w ∈ x1−1V ∩ x2
−1V tal que x1w = tm e x2w = ts, com
m, s >max{n, r}. Sem perda de generalidade, s > m. Temos então: tstm−1 = x2x1−1 = trtn
−1, de
forma que ts = trtn−1tm, contradizendo a construção da sequência. Logo V ∗ ∩G∗G∗ = ∅. �
Nesse teorema, como S estava imerso em G, S era cancelativo. O próximo teorema nos dá um
exemplo de semigrupo não-cancelativo tal que S∗S∗ é nunca-denso em S∗.
Teorema 3.5. Considere S = {f : D → N | D ⊂ N, D é cofinito e f é uma bijeção}, munido da
operação de composição. Então S é um semigrupo, |S| = c, S não é cancelativo, é cancelativo à
direita, fracamente cancelativo à esquerda e S∗S∗ é nunca-denso em S∗.
Demonstração. Começaremos vendo que S é um semigrupo. Dadas f, g ∈ S, como não temos em
geral que im f ⊂ dom g, devemos tomar cuidado ao considerarmos g◦f – por exemplo, não podemos
dizer diretamente que g ◦ f será uma bijeção entre dom f e N. Mas veremos que esta relação de
fato é uma bijeção entre um cofinito e N. Denote dom f = D e dom g = E.
Primeiramente, note que usando a definição de composição de relações, temos que g ◦ f = {(d, x) :
f(d) ∈ E e g(f(d)) = x}. E é cofinito, e f é bijetora, logo f−1[E] é cofinito. Defina D′ = f−1[E].
Vale que D′ = dom g ◦ f , pois: dado d ∈ D′, f(d) ∈ E, logo (d, g(f(d))) ∈ g ◦ f ; e se d ∈ dom g ◦ f ,
f(d) ∈ E, ou seja, d ∈ D′. Vejamos que g ◦ f é função. Suponha (d, x1), (d, x2) ∈ g ◦ f . Temos que
x1 = g(f(d)) = x2; usando que f é função e que g é função, temos que x1 = x2. Agora podemos
usar que g ◦ f : D′ → N é função. Para ver que é sobrejetora, tome x ∈ N; como g é sobrejetora,
tome e ∈ E tal que g(e) = x; e como f é sobrejetora, tome d ∈ D tal que f(d) = e; vale então que
d ∈ D′ e g(f(d)) = x. Para ver que é injetora, suponha g(f(d1)) = g(f(d2)); como g é injetora,
vale que f(d1) = f(d2); como f é injetora, d1 = d2. Assim, g ◦ f : D′ → N é uma bijeção com
D′ ⊂ N cofinito, definida por g ◦f(x) = g(f(x)) para todo x ∈ D′. (Como a composição de relações
é associativa, temos por fim que S é um semigrupo.)
Agora, |S| = c : Note que S =⋃D⊂N
D cofinito
{f : D → N : f é bijeção}. Como {D ⊂ N : D é cofinito} é
58 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
enumerável e para cada D, |{f : D → N : f é bijeção}| = c, então |S| = ω · c = c.
Para ver que S é fracamente cancelativo à esquerda: dados f, g ∈ S, trata-se de ver que {h ∈
S : g ◦ f = g ◦ h} é finito. Seja tal h. Tome E,Df , Dh tais que g : E → N, f : Df → N e
h : dh → N. Como g ◦ f = g ◦ h, vale que f−1[E] = h−1[E] = D′, e que para todo x ∈ D′,
g(f(x)) = g(h(x)). Ou seja, f e h coincidem sobre D′ que é cofinito. Ademais, como h é bijeção,
vale que h[Dh\D′] = h[Dh]\h[D′] = N\E que é finito. Assim, podemos identificar cada h tal que
g ◦ f = g ◦ h com uma bijeção entre Dh\D′ e N\E. Como Dh ⊃ f−1[E] e este é cofinito, temos um
número finito de possibilidades para Dh. Mais precisamente, podemos injetar {h ∈ S : g◦f = g◦h}
em⋃
f−1[E]⊂D⊂N
{b : D\f−1[E]→ N\E : b é bijeção} – o conjunto índice é finito e cada conjunto da
união é finito.
Agora, que S é cancelativo à direita: suponha g1 ◦ f = g2 ◦ f , com f : D → N, g1 : E1 → N e
g2 : E2 → N. Como g1 ◦ f = g2 ◦ f , seus domínios são iguais, ou seja, f−1[E1] = f−1[E2]. Seja
e ∈ E1. Tome d ∈ D tal que e = f(d); d ∈ f−1[E1] = f−1[E2], logo e = f(d) ∈ E2. Temos então:
g1(e) = g1(f(d)) = g2(f(d)) = g2(e). Ou seja, dado e ∈ E1, e ∈ E2 e g1(e) = g2(e). Analogamente,
dado e ∈ E2, e ∈ E1 e g2(e) = g1(e). Portanto, g1 = g2.
Um exemplo para ver que S não é cancelativo à esquerda: g : N\{1, 2} → N dado por g(n) = n− 2;
f : N\{1} → N dado f(n) = n − 1; h : N\{3} → N dado por h(n) = n − 1 se n ≥ 4, h(1) = 1 e
h(2) = 2; temos que g ◦ f = g ◦ h.
Antes de provar que S∗S∗ é nunca-denso precisaremos de duas propriedades:
(∗) Sejam tn, tr, tm ∈ S. Então |N\{a ∈ dom tm : tn−1(tm(a)) ∈ dom tr}| ≤ |N\dom tm|+ |N\dom
tr|. Em particular, {a ∈ dom tm : tn−1(tm(a)) ∈ dom tr} é cofinito.
(∗∗) Sejam A ⊂ N cofinito e v : A→ N injetora. Então C = {t ∈ S : A ⊂ dom t e t∣∣A
= v} é finito.
Prova de (∗): N\{a ∈ dom tm : tn−1(tm(a)) ∈ dom tr} = N\dom tm ∪{a ∈ dom tm : tn
−1(tm(a)) ∈
N\dom tr}. Como tn−1 ◦ tm é uma função injetora e N\dom tr é finito, segue que |{a ∈ dom
tm : tn−1(tm(a)) ∈ N\dom tr}| = |(tn−1 ◦ tm)−1[N\dom tr]| ≤ |N\dom tr|. Disso segue (∗).
Prova de (∗∗): note que cada t ∈ C determina uma bijeção entre (dom t)\A e N\v[A], ou seja,
podemos injetar C em⋃
A⊂D⊂N{b : D\A→ N\v[A] : b é bijeção}, e este conjunto é finito.
Agora, vejamos que S∗S∗ é nunca-denso em S∗. Suponha por absurdo V ⊂ S infinito tal que
V ∗ ⊂ cl S∗S∗. Produziremos uma sequência injetora (tn)n≥1 em V tal que dados s > 1 e n, r,m < s,
então não existem x1, x2, y, w ∈ S tais que x1y = tn, x2y = tr, x1w = tm e x2w = ts.
Tome t1 ∈ V . Suponha escolhidos t1, . . . , ts−1. Para cada n, r,m < s, defina Dn,r,m = {t ∈ S :
existem x1, x2, y, w ∈ S tais que x1y = tn, x2y = tr, x1w = tm e x2w = t}. Logo, para definir ts,
basta mostrar que V \({tn : n < s} ∪⋃n,r,m<sDn,r,m) 6= ∅. De fato, mostraremos que cada Dn,r,m
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 59
é finito. Para ver isso, mostraremos que dados t ∈ Dn,r,m, se a ∈ dom tm e tn−1(tm(a)) ∈ dom tr,
então t(a) = tr(tn−1(tm(a))) – pois assim, definindo A = {a ∈ dom tm : tn
−1(tm(a)) ∈ dom tr} e
v = tr ◦ tn−1 ◦ tm∣∣A, podemos usar (∗) e (∗∗) e concluir que Dn,m,r ⊂ C.
Assim, seja t ∈ Dn,r,m e tome x1, x2, y, w ∈ S tais que x1y = tn, x2y = tr, x1w = tm e
x2w = t; seja a ∈ dom tm tal que tn−1(tm(a)) ∈ dom tr. Como a ∈ dom tm, temos tm(a) =
x1(w(a)), logo w(a) = x1−1(tm(a)). Como tn−1(tm(a)) ∈ dom tn, temos tn(tn
−1(tm(a))) = tm(a)
e tn(tn−1(tm(a))) = x1(y(tn
−1(tm(a)))), do que segue y(tn−1(tm(a))) = x1
−1(tm(a)) = w(a). Por
fim, como tn−1(tm(a)) ∈ dom tr, temos tr(tn−1(tm(a))) = x2(y(tn−1(tm(a)))) = x2(w(a)) = t(a),
como pretendíamos.
Assim, considere A = {tn : n ∈ N}. A∗ ∩ S∗S∗ 6= ∅, logo tome p, q ∈ S∗ tal que A ∈ p · q.
{x ∈ S : x−1A ∈ q} ∈ p, logo tome x1, x2 distintos tais que x1−1A ∩ x2
−1A ∈ q, e portanto é infi-
nito. Tome y ∈ x1−1A∩ x2
−1A, e tome n, r tais que x1y = tn e x2y = tr. S é cancelativo à direita,
logo n 6= r; assuma s.p.g. que n < r. Como S é fracamente cancelativo à esquerda, o conjunto
{z ∈ S : x1z = tp ou x2z = tp para algum p ≤ r} é finito, logo podemos tomar w ∈ x1−1A∩ x2
−1A
tal que x1w = tm e x2w = ts com m, s > r. Agora, caso m < s, temos n < r < m < s e assim
ts ∈ Dn,r,m, contradição. E caso s < m, temos n < r < s < m e assim tm ∈ Dn,r,s, contradição. �
Lema 3.6. Seja S um semigrupo infinito e suponha que S∗ é um subsemigrupo de βS. São equi-
valentes:
(a) S∗S∗ não é nunca-denso em S∗.
(b) Existe V ∈ [S]ω tal que para todo A ∈ [V ]ω existem (xn)n≥1 e (yn)n≥1 sequências injetoras em
S tais que, sempre que n > k, xkyn ∈ A.
Demonstração. (a)⇒(b): Tome V ⊂ S enumerável tal que V ∗ ⊂ cl S∗S∗. Dado A ⊂ V infinito,
A∗ ∩ S∗S∗ 6= ∅, logo tome p, q ∈ S∗ tal que A ∈ p · q. {x ∈ S : x−1A ∈ q} ∈ p e portanto é infinito.
Tome (xn)n≥1 sequência injetora em {x ∈ S : x−1A ∈ q}. Tome então y1 ∈ S qualquer e definidos
y1, . . . , yn tome yn+1 ∈ (⋂nk=1 xk
−1A)\{y1, . . . , yn}.
(b)⇒(a): Tome V dado pela hipótese. Afirmamos que V ∗ ⊂ cl S∗S∗. Seja r ∈ V ∗; tome A ∈ r tal
que A ⊂ V . Quero ver que A∗ ∩ S∗S∗ 6= ∅. Tome (xn)n≥1 e (yn)n≥1 dadas pela hipótese. Tome
p ∈ S∗ tal que {xn : n ∈ N} e q ∈ S∗ tal que {{yn : n > k} : k ∈ N} ⊂ q. Afirmação: A ∈ p · q.
Para ver isso, basta ver que {xk : k ∈ N} ⊂ {x ∈ S : x−1A ∈ q}. Seja k ∈ N então. Note então que,
pela propriedade das sequências, temos que {yn : n > k} ⊂ xk−1A, e portanto xk−1A ∈ q. �
O Teorema 3.5 nos mostrou que a hipótese de cancelamento não é necessária para que S∗S∗
seja nunca-denso em S∗. Agora veremos um exemplo que mostra que o cancelamento também não
é suficiente caso S não seja enumerável.
60 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Teorema 3.7. Existe um semigrupo cancelativo S tal que |S| = c e S∗S∗ não é nunca-denso em
S∗.
Demonstração. Seja L = {zn : n ∈ N} ∪ {xσ,k : σ < c e k ∈ N} ∪ {yσ,k : σ < c e k ∈ N}, com todos
os zn, xσ,k e yσ,k distintos entre si. Defina V = {zn : n ∈ N}. Enumere [V ]ω = {Aσ : σ < c} e, para
cada σ < c, enumere Aσ = {wσ,k,n : k ≥ 1 e n ≥ k + 1}.
Considere S o conjunto de todas as palavras a1 . . . at, com cada aj ∈ L, tais que não existem i < t,
σ < c, e k < n tais que ai = xσ,k e ai+1 = yσ,n. Dadas u = a1 . . . at e v = b1 . . . bs em S, defina u · v
pela concatenação de u e v, a não ser que existam σ < c e k < n tais que at = xσ,k e b1 = yσ,n; nesse
caso, u · v = a1 . . . at−1wσ,k,nb2 . . . bs (sendo que a1 . . . at−1 é a palavra vazia caso t = 1 e b2 . . . bs é
a palavra vazia se s = 1).
Note que desse modo V é o conjunto que satisfaz a condição do Lema 3.6, pois dado Aσ ∈ [V ]ω,
(xσ,n)n≥1 e (yσ,n)n≥1 são sequências que satisfazem a propriedade exigida. Resta agora provar que
de fato S com tal operação é um semigrupo cancelativo.
Vejamos que · é associativa: sejam u = a1 . . . at, v = b1 . . . bs e w = c1 . . . cr elementos de S.
Caso 1: b1 = yσ,n para algum σ < c e algum n ∈ N, e bs = xτ,m para algum τ < c e algum m ∈ N.
(Note que neste caso s ≥ 2 pois b1 6= bs.)
Caso 1a: at 6= xσ,k para todos k < n, e c1 6= yτ,l para todos l > m. Neste caso, temos que
ambos (u · v) · w e u · (v · w) são a concatenação de u, v e w, portanto iguais.
Caso 1b: at = xσ,k para algum k < n, e c1 6= yτ,l para todos l > m. Temos então
(u · v) · w = (a1 . . . at−1wσ,k,nb2 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= a1 . . . at−1wσ,k,nb2 . . . bsc1 . . . cr
= (a1 . . . at) · (b1 . . . bsc1 . . . cr)
= u · (v · w).
Caso 1c: at 6= xσ,k para todos k < n, e c1 = yτ,l para algum l > m. Temos então
(u · v) · w = (a1 . . . atb1 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= a1 . . . atb1 . . . bs−1wτ,m,lc2 . . . cr
= (a1 . . . at) · (b1 . . . bs−1wτ,m,lc2 . . . cr)
= u · (v · w).
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 61
Caso 1d: at = xσ,k para algum k < n, e c1 = yτ,l para algum l > m. Temos então
(u · v) · w = (a1 . . . at−1wσ,k,nb2 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= a1 . . . at−1wσ,k,nb2 . . . bs−1wτ,m,lc2 . . . cr
= (a1 . . . at) · (b1 . . . bs−1wτ,m,lc2 . . . cr)
= u · (v · w).
(Note que caso s = 2 a expressão b2 . . . bs−1 é vazia, sem prejuízo para a demonstração.)
Caso 2: b1 = yσ,n para algum σ < c e algum n ∈ N, e bs 6= xτ,m para todos τ < c e m ∈ N.
Caso 2a: at 6= xσ,k para todos k < n. Neste caso, temos que ambos (u · v) · w e u · (v · w)
são a concatenação de u, v e w, portanto iguais.
Caso 2b: at = xσ,k para algum k < n. Mesma situação do caso 1b.
Caso 3: b1 6= yσ,n para todos σ < c e n ∈ N e bs = xτ,m para algum τ < c e algum m ∈ N.
Caso 3a: c1 6= yτ,l para todos l > m. Neste caso, temos que ambos (u · v) ·w e u · (v ·w) são
a concatenação de u, v e w, portanto iguais.
Caso 3b: c1 = yτ,l para algum l > m. Mesma situação do caso 1c.
Caso 4: b1 6= yσ,n para todos σ < c e n ∈ N e bs 6= xτ,m para todos τ < c e m ∈ N. Neste caso,
temos que ambos (u · v) · w e u · (v · w) são a concatenação de u, v e w, portanto iguais.
Agora, faremos a prova de que S é cancelativo à direita. A prova de que S é cancelativo à esquerda
é similar. Sejam então u = a1 . . . at, v = b1 . . . bs e w = c1 . . . cr e suponha que u · w = v · w. Se
c1 6= yτ,l para todos τ < c e l ∈ N, então u ·w e v ·w são concatenações, logo u = v. Suponha então
que c1 = yτ,l para algum τ < c e algum l ∈ N.
Caso a: at 6= xτ,n para todos n < l e bs 6= xτ,m para todos m < l. Neste caso, u · w e v · w são
concatenações, logo u = v.
Caso b: at = xτ,n para algum n < l e bs 6= xτ,m para todos m < l. Temos que u · w =
a1 . . . at−1wτ,n,lc2 . . . cr e v · w = b1 . . . bsc1 . . . cr. Como coincidem termo a termo, temos
que c1 = wτ,n,l. Absurdo, pois c1 = yτ,l.
Caso c: at 6= xτ,n para todos n < l e bs = xτ,m para algum m < l. Analogamente ao caso b, temos
um absurdo.
Caso d: at = xτ,n para algum n < l e bs = xτ,m para algum m < l. Temos que u · w =
a1 . . . at−1wτ,n,lc2 . . . cr e v · w = b1 . . . bs−1wτ,m,lc2 . . . cr. Como as palavras são iguais, seu
62 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
comprimento é igual, ou seja (t − 1) + 1 + (r − 1) = (s − 1) + 1 + (r − 1), do que t = s.
Disso segue que para cada i < t, ai = bi; e wτ,n,l = wτ,m,l, do que n = m, e portanto
at = xτ,n = xτ,m = bs. Assim a1 . . . at = b1 . . . bs, ou seja, u = v.
�
Antes do próximo teorema do artigo, precisaremos de um resultado do livro [1] sobre cancela-
mento.
Teorema 3.8. Seja S um semigrupo e seja s um elemento cancelável de S. Então, para cada t ∈ S
e cada p ∈ βS:
(a) Se S é cancelativo à direita e sp = tp, então s = t.
(b) Se S é cancelativo à esquerda e ps = pt, então s = t.
Demonstração. Provaremos (i); (ii) é análogo. A prova será por contraposição.
Suponha que s 6= t. Defina f : βS → βS por f(su) = tu para todo u ∈ S, e f(v) = s2 para todo
v ∈ S\sS. Note que a função está bem definida, já que sobre sS, se su = su′, como s é cancelável,
então u = u′. Além disso, como S é cancelativo à direita, f não possui pontos fixos (já que estamos
supondo s 6= t).
Agora, note que as funções contínuas f ◦ λs e λt coincidem sobre S, logo são iguais, de forma
que f(sp) = tp. Usando o Teorema 1.26(a), particione S em três células A1, A2, A3 tais que
Ai ∩ f [Ai] = ∅ para cada i. Tome i tal que Ai ∈ sp. Pelo Teorema 1.26(e), f [Ai] ∈ f(sp) = tp.
Dessa forma, sp 6= tp. �
Como corolário, se S é cancelativo, então βS é cancelável com relação a S.
O próximo teorema nos diz que, com uma certa restrição sobre a cardinalidade de S, podemos
concluir mais do que o Teorema 3.4.
Teorema 3.9. Seja S um semigrupo imersível em um grupo G e suponha que |S| = κ ≥ ω e
κω < 2c. Seja V = {A ∈ [S]ω : A∗ ∩G∗G∗ = ∅} e defina T =⋃{A∗ : A ∈ V}. Então:
(a) T é um aberto denso de S∗, T ∩ G∗G∗ = ∅, e todo elemento de T é cancelável à direita com
relação a Q = {q ∈ S∗ : ‖q‖ ≤ ω} (ou seja, dados p ∈ T e q, r ∈ Q, se qp = rp então q = r).
(b) Seja H o subgrupo de G gerado por S. Defina uma relação de equivalência ∼ em S por p ∼ q
se e só se existem a, b ∈ H tais que apb = q. Então dados k,m ∈ N, p1, . . . , pm, q1, . . . , qk ∈ T ,
se p1 · · · pm ∼ q1 · · · qk, então k = m e pt ∼ qt para cada t.
(c) Existe X ⊂ T tal que X é denso em S∗, |X| = 2c e X gera um subsemigrupo livre de S∗.
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 63
Demonstração. (a): Pela própria definição, T é aberto em S∗ e disjunto de G∗G∗. Agora, pelo Te-
orema 3.4, S∗ ∩G∗G∗ é nunca denso em S∗, e logo S∗\G∗G∗ é denso em S∗. Dado V ∗ ⊂ S∗\G∗G∗
aberto básico de S∗, tome A ⊂ V enumerável. Temos que A ∈ V, mostrando que T ∩ V ∗ 6= ∅, e
portanto T é denso em S∗\G∗G∗.
Agora, seja p ∈ T e suponha q, r ∈ Q distintos tais que qp = rp. Como ‖q‖, ‖r‖ ≤ ω, tome A ∈ q,
B ∈ r enumeráveis e disjuntos. Temos então que qp ∈ Ap = Ap e rp ∈ Bp = Bp. Pelo item (c)
do Teorema 1.26, temos que Ap ∩ Bp 6= ∅ ou Ap ∩ Bp 6= ∅. S.p.g., tome a ∈ A e b ∈ B tais que
ap = bp. Pelo Teorema 3.8 acima, caso b ∈ B, então a = b; absurdo pois A ∩B = ∅. Logo b ∈ B∗.
Temos então que p = a−1bp. Como pelo Teorema 1.40, G∗ é um ideal, a−1b ∈ G∗, de forma que
p = a−1bp ∈ G∗G∗. Contradição, pois p ∈ T .
(b): Para provar este, será necessário observar dois fatos:
Primeiramente, notar que T ⊂ {p ∈ S∗ : ‖p‖ = ω}, pois exigimos |A| = ω na definição de V.
Segundo, que dados A ∈ p e B ∈ q, AB ∈ pq, pois A ⊂ {x ∈ S : x−1AB ∈ q}, já que dado a ∈ A,
B ⊂ a−1AB. Disso segue, usando que S é cancelativo, que {p ∈ S∗ : ‖p‖ = ω} é um subsemigrupo
de S∗, e um ideal de {p ∈ βS : ‖p‖ ≤ ω}.
É fácil ver que ∼ é uma relação de equivalência (basta usar que H é grupo).
Sejam então k,m ∈ N e p1, . . . , pm, q1 . . . , qk ∈ T tais que p1 · · · pm ∼ q1 · · · qk. Suponha que a
conclusão falhe, e tome k + m minimal entre todos os contraexemplos. Vale que m > 1 e k > 1:
se m = 1 e k = 1, não é um contraexemplo; se m = 1 e k > 1, teríamos, para algum a, b ∈ H,
p1 = (a−1q1 · · · qk−1)(qkb−1) ∈ G∗G∗, uma contradição; analogamente se m > 1 e k = 1.
Tome então a, b ∈ H tais que ap1 · · · pmb = q1 · · · qk. Pelas observações acima, podemos tomar
A,B ⊂ S enumeráveis tais que A ∈ p1 · · · pm−1 e B ∈ q1 · · · qk−1. Temos então que aApmb∩Bqk 6=
∅; novamente pelo Teorema 1.26(c), temos duas opções: podemos tomar (1) c ∈ A e d ∈ B tais
que acpmb = dqk; ou (2) c ∈ A∗ e d ∈ B tais que acpmb = dqk. Suponha que valha (2): tería-
mos então qk = (d−1ac)(pmb) ∈ G∗G∗, uma contradição. Logo vale (1). Caso d ∈ B∗, teríamos
que pm = ((ac)−1d)(qkb−1) ∈ G∗G∗, contradição. Logo d ∈ B, e assim d−1acpmb = qk, ou seja,
pm ∼ qk. Além disso, pmb = (ac)−1dqk, de forma que ap1 · · · pm−1(ac)−1dqk = q1 · · · qk. Pelo item
(a), podemos cancelar qk de ambos os lados e obter que ap1 · · · pm−1(ac)−1d = q1 · · · qk−1, ou seja,
p1 · · · pm−1 ∼ q1 · · · qk−1. Pela minimalidade de k + m, obtemos que k − 1 = m − 1 e pt ∼ qt para
todo t ≤ m.
(c): Denote por [x] a classe de equivalência de x ∈ S∗. Note que [x] = HxH, de forma que
|[x]| = |H| = |S| = κ < 2c. Defina λ = |V|. V ⊂ [S]ω, logo λ ≤ κω < 2c. Seja V = {Aσ : σ < λ} uma
enumeração de V. Dado σ < λ, como |Aσ| = ω, |Aσ∗| = 2c; disso segue que Iσ = {[x] : x ∈ Aσ∗}
64 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
tem cardinalidade 2c, pois Aσ∗ =⋃
[x]∈Iσ Aσ∗ ∩ [x]. Dessa forma, podemos indutivamente escolher,
para σ < λ, xσ ∈ Aσ∗ tal que se σ 6= τ , xσ � xτ (em cada passo tome xσ ∈⋃{Iσ\{[xτ ] : τ < σ}}).
Assim, defina S = I0\{[xσ] : σ < λ} = {[x] : x ∈ A0∗}\{[xσ] : σ < λ}. Tome Y ⊂ A0
∗ tal
que S = {[y] : y ∈ Y } e dados y, z ∈ Y distintos, y � z – ou seja, Y é um conjunto escolha
de {[x] ∩ A0∗ : [x] ∈ S}. Por fim, defina X = Y ∪ {xσ : σ < λ}. Em primeiro lugar, note que
|Y | = |S| = 2c, pois |I0| = 2c. Além disso, X possui no máximo um representante de cada classe
de equivalência; em particular Y ∩ {xσ : σ < λ} = ∅, e portanto |X| = |Y |+ λ = 2c.
Vejamos agora que X gera um subsemigrupo livre. Suponha p1, . . . , pm, q1 . . . , qk ∈ X tais que
p1 · · · pm = q1 · · · qk. Note que X ⊂ T , logo o item (b) nos diz que k = m e pt ∼ qt para cada t.
Porém, como X possui no máximo um representante de cada classe, isso implica que pt = qt. Ou
seja, X de fato gera um subsemigrupo livre.
Por fim, para ver que X é denso em S∗, seja V ⊂ S infinito e tome D ⊂ V enumerável. Tome
q ∈ D∗\cl G∗G∗, e tome B ∈ q tal que B∗ ∩G∗G∗ = ∅. Considere A = B ∩D; temos que A ∈ V,
logo A = Aσ para algum σ < λ; deste modo, xσ ∈ X e xσ ∈ Aσ∗ ⊂ D∗ ⊂ V ∗, de modo que
V ∗ ∩X 6= ∅. �
Os próximos três teoremas lidam com a densidade dos produtos em Uκ, e por isso veremos sob
que condições temos S∗Uκ ⊂ Uκ. O que segue é o Lema 6.34.3 do livro [2].
Lema 3.10. Seja S um semigrupo infinito e κ = |S|. Se S é fraquissimamente cancelativo à es-
querda, então Uκ(S) é um ideal à esquerda de βS. Se além disso, S for fraquissimamente cancelativo
à direita, então Uκ(S) é um ideal de βS.
Demonstração. Sejam p ∈ βS e q ∈ Uκ, e suponha que p · q /∈ Uκ. Tome A ∈ p · q tal que |A| < κ.
Vale que {x ∈ S : x−1A ∈ q} ∈ p; tome x tal que x−1A ∈ q. Temos então: x−1A =⋃a∈A{y ∈ S :
xy = a}. Como |A| < κ, e S é fraquissimamente cancelativo à esquerda, segue que |x−1A| < κ.
Absurdo, pois x−1A ∈ q ∈ Uκ.
Agora, suponha que q · p /∈ Uκ e tome A ∈ q · p tal que |A| < κ. Caso p ∈ Uκ, contradiz o que
acabamos de provar. Então ‖p‖ < κ, logo tome B ∈ p tal que |B| < κ. Temos, pois: C = {x ∈ S :
x−1A ∈ p} ∈ q. Note que |C| = κ. Agora, afirmamos que C ⊂⋃b∈B
⋃a∈A{x ∈ S : xa = b}, do que
segue que |C| < κ. Para comprovar a afirmação, seja x ∈ C; tome b ∈ B ∩ x−1A, e tome a ∈ A tal
que xa = b; segue a afirmação. �
Observe que o próximo teorema é uma de extensão do caso S enumerável (3.3), pois Uω = S∗,
e inclusive possui técnica de demonstração similar.
Teorema 3.11. Seja S um semigrupo cancelativo à direita e fraquissimamente cancelativo à es-
querda com |S| = κ. Então S∗Uκ é nunca-denso em Uκ.
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 65
Demonstração. Enumere S = {sα : α < κ}. Suponha, por absurdo, que existe V ∈ [S]κ tal que
V ∩ Uκ ⊂ cl S∗Uκ.
Tome v0 ∈ V qualquer. Recursivamente, seja 0 < δ < κ e suponha que já escolhemos vσ para σ < δ
de forma que
(1) se α < σ < δ, então vα < vσ; e
(2) se α < σ < τ < δ, µ < τ , e x ∈ S, então sαx 6= vσ ou sµx 6= vτ .
Para cada α < σ < δ, defina Cα,σ = {x ∈ S : sαx = vσ}; considere B =⋃α<σ<δ Cα,σ. Como
B é uma união de menos do que κ conjuntos solução à esquerda, então |B| < κ; dessa forma,
|{sµx : µ < δ e x ∈ B}| < κ. Isso nos permite tomar vδ ∈ V \({vσ : σ < δ}∪{sµx : µ < δ e x ∈ B}).
Claramente a condição (1) permanece satisfeita. Para (2), suponha α < σ < δ, µ < δ, e x ∈ S tais
que sαx = vσ e sµx = vδ. Teríamos que x ∈ Cα,σ ⊂ B, de forma que vδ ∈ {sµx : µ < δ e x ∈ B},
uma contradição.
Defina então A = {vσ : σ < κ} e, para cada α < κ, Aα = {vσ : α < σ < κ}. Necessitaremos do
seguinte fato: dados s ∈ S e q ∈ Uκ, se s−1A ∈ q, então para todo α < κ, s−1Aα ∈ q. Suponha
que a conclusão falhe e tome α < κ tal que s−1Aα /∈ q. Temos que s−1A\s−1Aα = s−1(A\Aα) ∈ q.
Note que s−1(A\Aα) =⋃σ≤α{y ∈ S : sy = vσ}; esse é uma união de menos do que κ conjuntos
solução à esquerda, logo possui cardinalidade menor do que κ. Contradição pois q ∈ Uκ.
Agora, como A ⊂ V , A ∩ Uκ ⊂ cl S∗Uκ, logo A ∩ Uκ ∩ S∗Uκ 6= ∅. Portanto tome p ∈ S∗ e q ∈ Uκ
tais que A ∈ p · q. Temos que {s ∈ S : s−1A ∈ q} ∈ p, logo tome α, µ < κ distintos tais que
sα−1A, sµ
−1A ∈ q. Tome x ∈ sα−1Aα ∩ sµ−1Aµ. Tome então σ, δ < κ tais que α < σ, µ < δ e
sαx = vσ e sµx = vδ. Como S é cancelativo à direita e sα 6= sµ, temos que σ 6= δ. Sem perda de
generalidade, σ < δ; isso viola a construção de vδ, contradição. �
Os autores do artigo apontam que, ao se perscrutar as últimas três linhas da demonstração
acima, poder-se-ia exigir menos do que o cancelamento à direita: se exigíssemos apenas que dados
a, b ∈ S distintos, |{y ∈ S : ay = by}| < κ, então tomar-se-ia x ∈ (sα−1Aα∩sµ−1Aµ)\{y ∈ S : sαy =
sµy} e a demonstração seguiria. Porém, isto não é um enfraquecimento das hipóteses, pois isto
implica que S é cancelativo à direita, do seguinte modo: suponha a, b ∈ S distintos e c ∈ S tais que
ac = bc. Então cS ⊂ {y ∈ S : ay = by} e portanto |cS| < κ. Porém, S =⋃d∈cS{x ∈ S : cx = d},
uma união de menos do que κ conjuntos solução à esquerda, de modo que |S| < κ, contradição.
Lema 3.12. Seja S um semigrupo infinito, fracamente cancelativo à esquerda e fraquissimamente
cancelativo à direita, com |S| = κ. Enumere S = {sα : α < κ} e seja V = {q ∈ S∗ : existe δ < κ
tal que {sα : α < δ} ∈ q}. Então (βS)V ∩ Uκ é nunca-denso em Uκ.
66 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Demonstração. Suponha por absurdo que existe C ∈ [S]κ tal que C ∩ Uκ ⊂ cl((βS)V ). Usando
técnicas análogas ao do teorema anterior - apenas “espelhadas” - obtemos uma κ-sequência (tα)α<κ
em C injetora tal que dados x ∈ S, γ < σ < α, e µ < α, vale que xsγ 6= tσ ou xsµ 6= tα. (Precisamos
apenas usar que |C| = κ e S é fraquissimamente cancelativo à direita.)
Defina B = {tα : α < κ}. Como B ∩Uκ ∩ (βS)V 6= ∅, tome r ∈ βS e q ∈ V tais que r · q ∈ B ∩Uκ.
Como q ∈ V , tome δ < κ tal que {sα : α < δ} ∈ q, e considere H = {tα : α > δ}. Como
B ∈ r · q ∈ Uκ, então H ∈ r · q, de forma que {x ∈ S : x−1H ∈ q} ∈ r, logo tome um tal x. Defina
W = x−1H ∩ {sα : α < δ}; note que W ∈ q, e logo é infinito.
Afirmação: |xW | = 1. Sejam γ, µ < δ tais que sγ , sµ ∈W . Temos xsγ , xsµ ∈ H, logo tome σ, α > δ
tais que xsγ = tσ e xsµ = tα. Caso σ 6= α, então σ < α ou α < σ, contradizendo a escolha da
κ-sequência. Portanto α = σ, logo xsγ = xsµ.
Porém, W ser infinito e xW ser unitário contradiz a hipótese de S ser fracamente cancelativo à
esquerda. �
Teorema 3.13. Seja S um semigrupo infinito, cancelativo à direita, e fracamente cancelativo à
esquerda, com |S| = κ. Suponha que κ é regular. Então S∗S∗ ∩ Uκ é nunca-denso em Uκ.
Demonstração. Pelo Teorema 3.11, S∗Uκ é nunca-denso em Uκ. Resta ver então que S∗(S∗\Uκ)∩Uκ
é nunca-denso. Enumere S = {sα : α < κ} e seja V = {q ∈ S∗ : existe δ < κ tal que {sα : α < δ} ∈
q}. Pelo Lema acima, (βS)V ∩ Uκ é nunca-denso em Uκ; em particular S∗V ∩ Uκ é nunca-denso.
Basta ver então que S∗\Uκ ⊂ V . Seja r ∈ S∗\Uκ então. Tome A ∈ r tal que |A| < κ. Como κ é
regular, então existe δ < κ tal que A ⊂ {sα : α < δ}; esse δ atesta que r ∈ V . �
Para o próximo teorema – o último nesta seção do artigo – precisaremos de um resultado
encontrado no Teorema 7.35 do livro [1]. Apresentaremos a prova deste resultado posteriormente.
Teorema 3.14. Seja S um semigrupo infinito, cancelativo à direita, e fraquissimamente cancelativo
à esquerda, com |S| = κ. Seja C uma coleção de no máximo κ subconjuntos de S tal que C possui a
κ-p.i.f. Então existe uma κ-sequência injetora (tα)α<κ em S tal que, definindo B = {tα : α < κ},
valem as seguintes asserções:
(1) B ∩ Uκ ∩ S∗Uκ = ∅.
(2) Se p, q ∈ B ∩ Uκ são distintos, então βS · p ∩ βS · q = ∅.
(3) Se p ∈ B ∩ Uκ, então p é cancelável à direita em βS.
(4) |B ∩ Uκ| = 22κ e B ∩ Uκ gera um semigrupo livre em Uκ.
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 67
(5) Seja T =⋂α<κ FP ((tσ)α<σ<κ). Então T é um subsemigrupo compacto de βS com a proprie-
dade de que todo grupo maximal de K(T ) contém uma cópia do grupo livre sobre 22κ geradores.
Em particular, FP ((tα)α<κ) possui uma cópia do grupo livre sobre 22κ geradores.
(6) Se κ é regular e S é fracamente cancelativo à esquerda, então B ∩ Uκ ∩ S∗S∗ = ∅.
Além disso, existe P ⊂ B ∩ Uκ tal que |P | = 22κ e, para todo p ∈ P , C ⊂ p.
Demonstração. Enumere S = {sα : α < κ}. Podemos supor que C é fechado para interseções finitas
(ou seja acrescê-lo de suas interseções finitas, sem alterar a cardinalidade). Seja λ = |C|, enumere
C = {Cα : α < λ}, e tome f : κ→ κ× λ bijeção. Fixe um a ∈ S e defina A = {s ∈ S : as = a}. A
é um conjunto solução à esquerda, logo |A| < κ. Tome t0 ∈ Cπ2(f(0))\A, em que π2 é a projeção de
κ× λ sobre λ.
Agora, seja 0 < α < κ e suponha que já escolhemos (tδ)δ<α de forma que
(a) se δ < α, então tδ /∈ FP ((tγ)γ<δ);
(b) se δ < α, então tδ ∈ Cπ2(f(δ));
(c) se γ < δ < α e µ < σ < δ, então sγtδ 6= sµtσ;
(d) se γ < σ < δ < α, µ < δ, e x ∈ S, então sγx 6= tσ ou sµx 6= tδ;
(e) se δ < α e u, v ∈ FP ((tγ)γ<δ), então u 6= vtδ;
(f) se δ < α, u, v ∈ FP ((tγ)γ<δ), e u 6= v, então utδ 6= vtδ;
(g) se δ < α e u ∈ FP ((tγ)γ<δ), então utδ 6= tδ;
(h) FP ((tδ)δ<α) ∩A = ∅; e
(i) se κ é regular, S é fracamente cancelativo à esquerda, x ∈ S, γ < σ < δ < α, e µ < δ, então
xsγ 6= tσ ou xsµ 6= tδ.
Note que as hipóteses estão de fato todas satisfeitas para α = 1, e todas exceto (b) e (h) por
vacuidade.
Para cada µ < σ < α e γ < α, seja Aγ,µ,σ = {x ∈ S : sγx = sµtσ}. Cada Aγ,µ,σ é um conjunto
solução à esquerda, logo |⋃γ<α
⋃µ<σ<αAγ,µ,σ| < κ.
Para cada γ < σ < α, seja Fγ,σ = {x ∈ S : sγx = tσ}. Cada Fγ,σ é um conjunto solução à esquerda,
logo |⋃γ<σ<α Fγ,σ| < κ, e portanto |{sµx : µ < α e x ∈
⋃γ<σ<α Fγ,σ| < κ.
Agora, seja V = FP ((tδ)δ<α). |V | < κ. Pela hipótese (h), dado u ∈ V , au 6= a. Usando mais
vezes que S é fraquissimamente cancelativo à esquerda, temos que |⋃u∈V {x ∈ S : aux = a}| < κ e
|⋃u,v∈V {x ∈ S : vx = u}| < κ.
68 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
E se κ for regular e S for fracamente cancelativo à esquerda: defina D =⋃γ<σ<α{x ∈ S : xsγ = tσ}.
Como S é cancelativo à direita, D é a união de conjuntos vazios ou unitários, e portanto |D| < κ,
e logo |{xsµ : µ < α e x ∈ D}| < κ.
Assim, podemos escolher tα ∈ Cπ2(f(α)) de forma que tα não pertença a⋃γ<α
⋃µ<σ<αAγ,σ,µ ∪V ∪
A ∪ {sµx : µ < α e x ∈⋃γ<σ<α Fγ,σ} ∪
⋃u∈V {x ∈ S : aux = a} ∪
⋃u,v∈V {x ∈ S : vx = u}. Além
disso, se κ for regular e S for fracamente cancelativo à direita, exija também que tα /∈ {xsµ : µ < α
e x ∈ D}.
Como tα /∈ V = FP ((tδ)δ<α), temos que a hipótese (a) é satisfeita e a sequência permanece injetora.
Como tα ∈ Cπ2(f(α)), a hipótese (b) está satisfeita.
Como tα /∈⋃γ<α
⋃µ<σ<αAγ,σ,µ, a hipótese (c) está satisfeita.
Como tα /∈ {sµx : µ < α e x ∈⋃γ<σ<α Fγ,σ}, a hipótese (d) está satisfeita.
Como tα /∈⋃u,v∈V {x ∈ S : vx = u}, a hipótese (e) está satisfeita.
A hipótese (f) segue da cancelatividade à direita de S.
Para verificar (g), lembre que dado u ∈ V , au 6= a, logo autα 6= atα, e portanto utα 6= tα.
Para verificar (h), note que tα /∈ A e tα /∈⋃u∈V {x ∈ S : aux = a}, logo dado u ∈ V , autα 6= a, ou
seja, utα /∈ A.
E se κ for regular e S for fracamente cancelativo à direita, tα /∈ {xsµ : µ < α e x ∈ D}, logo a
hipótese (i) está satisfeita.
Feita a indução, defina B = {tα : α < κ} e, para cada γ < κ, Bγ = {tα : γ < α < κ}. Verifiquemos
agora as asserções (1)-(6).
(1): Seja p ∈ B ∩ Uκ e suponha q ∈ S∗ e r ∈ Uκ tal que p = q · r. B ∈ q · r, ou seja, {x ∈ S :
x−1B ∈ r} ∈ q, logo tome γ < µ < κ tais que sγ−1B, sµ−1B ∈ r. Note que sγ−1Bγ ∈ r, pois
sγ−1B\sγ−1Bγ =
⋃σ≤γ{y ∈ S : sγy = tσ} é uma união de menos do que κ conjuntos solução à
esquerda e r ∈ Uκ. Analogamente sµ−1Bµ ∈ r, logo tome x ∈ sγ−1Bγ ∩ sµ−1Bµ. Tome σ > γ e
δ > µ tais que sγx = tσ e sµx = tδ. Como S é cancelativo à direita, vale que σ 6= δ, violando a
hipótese (d).
(2): Sejam p, q ∈ B ∩ Uκ distintos. Tome F,G ∈ [B]κ tais que F ∩ G = ∅, F ∈ p e G ∈ q.
Suponha u, v ∈ βS tais que up = vq, e E = {sγtα : γ < α < κ e α ∈ F}. Vale que E ∈ up,
ou seja, {x ∈ S : x−1E ∈ p} ∈ u, pois dado γ < κ, {tα ∈ F : γ < α < κ} ⊂ sγ−1E, e
{tα ∈ F : γ < α < κ} ∈ p. Analogamente, {sµtσ : µ < σ < κ e tσ ∈ G} ∈ vq. Assim, podemos
tomar γ < α < κ e µ < σ < κ de forma que tα ∈ F , tσ ∈ G, e sγtα = sµtσ. Como F ∩ G = ∅,
α 6= σ, contradizendo a hipótese (c).
(3): Seja p ∈ B ∩ Uκ e suponha u, v ∈ βS tais que up = vp. Tome F ∈ u e G ∈ v disjuntos.
Defina E = {sγtα : γ < α < κ e sγ ∈ F}. Note que, dado sγ ∈ F , {tα : γ < α < κ} ∈ p
e {tα : γ < α < κ} ⊂ sγ−1E, de forma que E ∈ up. Analogamente, {sµtσ : µ < σ < κ e
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 69
sµ ∈ G} ∈ vp. Portanto, exatamente como acima, temos uma contradição da hipótese (c).
(4): Como |B| = κ, o Teorema 1.26(d) nos diz que B ∩ Uκ(S) (que pode ser identificado com
Uκ(B)) tem cardinalidade 22κ . Agora, para ver que gera um subsemigrupo livre, provaremos que
dados p1, . . . , pm, q1 . . . , qk ∈ B∩Uκ, se p1 · · · pm = q1 · · · qk, então k = m e pi = qi para cada i ≤ m.
Suponha que não valha, e pegue um contraexemplo tal que m + k é mínimo. Não pode ser que
m + k = 2, pois nesse caso m = k = 1 e não temos contraexemplo; e por (1), não se pode ter que
m+ k = 3 (p1 = q1 · q2 ou p1 · p2 = q1). Portanto m, k > 1. Por (2), temos que pm = qk; logo, por
(3), podemos cancelar e obter p1 · · · pm−1 = q1 · · · qk−1, do que segue m− 1 = k − 1 e pi = qi para
cada i ≤ m.
(5): Pelo Teorema 7.35 do livro [1], basta ver que (tα)α<κ possui produtos finitos distintos. Suponha
então F,G ∈ Pf (κ) distintos e tais que∏α∈F tα =
∏α∈G tα, tais que |F ∪ G| seja mínimo. Sem
perda de generalidade, max F ≤ max G = σ. Suponha, primeiramente, que max F < max G: caso
G = {σ}, teríamos uma violação de (a), e caso |G| ≥ 2 teríamos uma violação de (e). Então max
F = max G, e logo σ ∈ F . F e G não podem ser ambos unitários pois são distintos. Caso um
deles fosse unitário, teríamos uma violação de (g). Logo |F |, |G| ≥ 2 com max F = max G = σ;
podemos cancelar à direita e obter∏α∈F\{σ} tα =
∏α∈G\{σ}, do que, pela minimalidade de |F ∪G|,
F\{σ} = G\{σ}. Isso implica que F = G, contradição.
(6): Suponha que κ seja regular e S seja fracamente cancelativo à esquerda. Suponha q, r ∈ S∗
tais que r · q ∈ B ∩ Uκ. Pelo item (1), q ∈ S∗\Uκ. Como κ é regular, temos então que existe δ < α
tal que {sα : α < δ} ∈ q. Deste ponto, obtemos uma contradição exatamente como no final do
Teorema 3.12 – usando (a),(i) e que S é fracamente cancelativo à esquerda.
Por fim, considere B = {B ∩Cα : α < λ}. Vale que B possui a κ-p.i.f., pois: dado F ∈ Pf (λ), como
C é fechado para interseções finitas, tome γ < λ tal que Cγ =⋂α∈F Cα. Vale que {tσ : π2(f(σ)) =
γ} ⊂ B ∩ Cγ , e este conjunto tem cardinalidade κ pois |(π2 ◦ f)−1[{γ}]| = κ. Deste modo, basta
definir P = {p ∈ Uκ : B ⊂ p}, e notar que o Teorema 1.26(d) nos garante que |P | = 22κ . �
Agora veremos como se prova o Teorema 7.35 do livro [1]. Começaremos pelo Teorema 1.23 do
mesmo livro.
Teorema 3.15. Sejam A um conjunto, G o grupo livre gerado por A, e g ∈ G\{∅} (∅ é a
identidade de G). Então existe um grupo finito F e um homomorfismo φ : G→ F tal que φ(g) não
é a identidade de F .
Demonstração. Seja n o comprimento de g. Seja X = {0, . . . , n} e considere F = {f ∈ XX :
f é bijeção}. (F, ◦) é um grupo de identidade idX . Agora, dado a ∈ A, considere D(a) = {i ∈
{0, . . . , n−1} : g(i) = a−1} e E(a) = {i ∈ {1, . . . , n} : g(i−1) = a}. Como g ∈ G, D(a)∩E(a) = ∅.
Defina φ(a) : D(a)∪E(a)→ X por: se i ∈ D(a), φ(a)(i) = i+ 1; se i ∈ E(a), φ(a)(i) = i− 1. Vale
70 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
que φ(a) é injetora, pois: dados i1, i2 ∈ dom φ(a) distintos, se i1, i2 ∈ D(a), então i1 + 1 6= i2 + 1;
se i1, i2 ∈ E(a), então i1 − 1 6= i2 − 1; suponha i1 ∈ D(a), i2 ∈ E(a) e φ(a)(i1) = φ(a)(i2), ou seja
i1 + 1 = i2 − 1 – temos que g(i1) = a−1 e g(i2 − 1) = g(i1 + 1) = a, uma contradição.
Assim, φ(a) é injetora sobre D(a) ∪ E(a) ⊂ X, e isso nos permite tomar uma extensão qualquer
dela a todo o X – que também denotaremos por φ(a). Portanto, temos que φ : A → F é uma
função, logo tome, pela propriedade universal dos grupos livres, φ : G → F o homomorfismo que
estende φ.
Descreva g = a0i0 . . . an−1
in−1 , com ar ∈ A e ir ∈ {1,−1}. Mostraremos que para cada k ∈
{1, . . . , n}, φ(ak−1ik−1)(k) = k − 1. Primeiro suponha que ik−1 = 1; temos que k ∈ E(ak−1),
logo φ(ak−1)(k) = k − 1. Suponha agora que ik−1 = −1; temos que k − 1 ∈ D(ak−1), logo
φ(ak−1)(k − 1) = k, e portanto φ(ak−1−1)(k) = (φ(ak−1))−1(k) = k − 1.
Com isso, é fácil ver por indução que φ(g)(n) = φ(a0i0) . . . φ(an−1
in−1)(n) = 0, de forma que
φ(g) 6= idX . �
Este próximo é o Teorema 2.24 de [1].
Teorema 3.16. Sejam A um conjunto e G o grupo livre gerado por A. Então G pode ser imerso em
um grupo topológico compacto. Ou seja, existe um grupo topológico compacto H e um homomorfismo
injetor ϕ : G→ H.
Demonstração. Usando o teorema anterior, tome para cada g ∈ G\{∅} =: G′ um grupo finito Fg
e um homomorfismo φg : G → Fg tal que φg(g) não é a identidade de Fg. Imbua cada Fg com a
topologia discreta, e defina H =∏g∈G′ Fg, com o produto coordenada a coordenada e a topologia
produto. Portanto, ao se definir ϕ : G → H por ϕ(h)g = φg(h) em cada coordenada, ϕ é um
homomorfismo. Além disso, dado g ∈ G′, como ϕ(g)g não é a identidade de H, temos que o núcleo
de ϕ é trivial e portanto ϕ é injetora. Portanto, resta ver que H é um grupo topológico. Para
isso, basta ver que o produto é contínuo coordenada a coordenada; e dados x, y ∈ H, e g ∈ G′,
A = πg−1[{xg}]×πg−1[{yg}] é uma vizinhança de (x, y) em H×H tal que (πg ◦·)[A] = {xg ·yg}. �
Enfim, o Teorema 7.35 de [1].
Teorema 3.17. Sejam S semigrupo discreto, κ cardinal infinito e (aλ)λ<κ uma κ-sequência em
S que possui produtos finitos distintos. Considere T =⋂λ<κ FP ((aµ)λ<µ<κ). Então T é um
subsemigrupo compacto de βS tal que todo grupo maximal de K(T ) contém uma cópia algébrica do
grupo livre sobre 22κ geradores.
Demonstração. Primeiramente, para ver que T é um subsemigrupo, aplicaremos a condição dada em
1.34. Sejam λ < κ e x ∈ FP ((aµ)λ<µ<κ). Tome L ⊂ {µ : λ < µ < κ} finito tal que x =∏µ∈L aµ.
Defina γ = max L. Vale que x · FP ((aµ)γ<µ<κ) ⊂ FP ((aµ)λ<µ<κ).
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 71
Pelo Teorema 1.16, todo grupo maximal em K(T ) é da forma p · T · p para algum p idempotente
minimal de T . Seja então p um idempotente minimal de T . Defina A = {aµ : µ < κ} e note que
Uκ(A) ⊂ T , pois dados q ∈ Uκ(A) e λ < κ, {aµ : µ ≤ λ} /∈ q, portanto A\{aµ : µ ≤ λ} = {aµ :
λ < µ < κ} ∈ q. Assim, podemos definir G como o subgrupo de p · T · p gerado por p · Uκ(A) · p.
Agora, fixe Σ um conjunto qualquer de cardinalidade 22κ , e o indexe sem repetições por Uκ(A):
Σ = {σq : q ∈ Uκ(A)}. Seja F o grupo livre sobre Σ. Afirmamos que G é isomorfo a F .
Pela propriedade dos grupos livres, a função definida g : Σ→ p · Uκ(A) · p dada por g(σq) = p · q · p
possui extensão a um homomorfismo g : F → G. Como G é o grupo gerado por p · Uκ(A) · p e
g[Σ] = p · Uκ(A) · p, segue que g[F ] = G. Agora basta ver que g é injetora. Como qualquer par
de elementos de F pertence a um subgrupo gerado por uma subcoleção finita de {σq : q ∈ Uκ(A)},
basta ver que g é injetora sobre subgrupos desse tipo.
Sejam q1, . . . , qn ∈ Uκ(A) distintos e denote por D o subgrupo de F gerado por {σq1 , . . . , σqn}. Para
cada i ∈ {1, . . . , n}, tome Bi ∈ qi tal que Bi ⊂ A e Bi ∩ Bj = ∅ se i 6= j. Podemos ainda supor
que⋃ni=1Bi = A pois podemos substituir B1 por A\
⋃ni=2Bi.
Definimos agora uma função h : S → F . Definimos primeiro h sobre A, determinando que h(aµ) =
σqi se e somente se aµ ∈ Bi. Após isso, dado r ∈ FP ((aµ)µ<κ), como existe um único L ∈ Pf (κ)
tal que r =∏µ∈L aµ, podemos definir bem h(r) =
∏µ∈L h(aµ). Por fim, estenda h a S de qualquer
maneira.
Pelo teorema logo acima, F pode ser imerso algebricamente em um grupo topológico compacto
F ; assumiremos que F ⊂ F . Seja então h : βS → F a extensão contínua de h. Note que h(p)
é a identidade de F pois p é idempotente, e que, como h[Bi] = {σqi}, h(qi) = σqi . Mostraremos
que h∣∣Té um homomorfismo. Para isso aplicaremos o Teorema 1.36, ou seja, basta ver que para
cada x ∈ FP ((aµ)µ<κ) existe λ < κ tal que para todo y ∈ FP ((aµ)λ<µ<κ), h(x · y) = h(x) · h(y).
Seja então x ∈ FP ((aµ)µ<κ), tome L ∈ Pf (κ) tal que x =∏µ∈L aµ e considere λ = max L;
seja y ∈ FP ((aµ)λ<µ<κ) e tome M ∈ Pf (κ) tal que y =∏µ∈M aµ (note que min M > max L).
Temos então: h(x · y) = h(∏µ∈L aµ ·
∏µ∈M aµ) = h(
∏µ∈L∪M aµ) =
∏µ∈L∪M h(aµ) =
∏µ∈L h(aµ) ·∏
µ∈M h(aµ) = h(x) · h(y).
Assim h é um homomorfismo e portanto h ◦ g também. Seja i ∈ {1, . . . , n}. Vale que h(g(σqi)) =
h(p · qi · p) = h(p) · h(qi) · h(p) = h(qi) = σqi . Dessa forma h ◦ g é a identidade sobre os geradores
de D, logo é a identidade sobre D, e portanto g é injetora sobre D, como queríamos. �
Note que o resultado acima vale para T = H.
Assim se encerra a Seção 2 do artigo [9]. A Seção 3 possui apenas dois itens: um teorema e
um contraexemplo a ele. Um dos itens desse teorema usa um resultado sobre MA(ω1). Portanto,
demonstraremos aqui uma propriedade sobre a topologia de S∗ que decorre do Axioma de Martin.
Os próximos são o Lema 12.10, o Corolário 12.11 e o Corolário 12.12 do livro [1].
72 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Lema 3.18. Seja D um conjunto, |D| = ω. Seja A ⊂ [D]ω com a propriedade de que para todo
F ∈ Pf (A), D\⋃F é infinito. Seja κ = |A|. Se vale MA(κ), então existe B ∈ [D]ω tal que para
todo A ∈ A, B ∩A é finito.
Demonstração. Considere Q = {(H,F) : H ∈ Pf (D) e F ∈ Pf (A)}. Defina uma ordem em Q
por (H ′,F ′) ≤ (H,F) e e somente se: H ⊂ H ′, F ⊂ F ′ e (H ′\H) ∩⋃F = ∅. É imediato
ver que ≤ é reflexiva e antissimétrica. Para ver que é transitiva, sejam H,H ′, H ′′ ∈ Pf (D) e
F ,F ′,F ′′ ∈ Pf (A) tais que (H ′′,F ′′) ≤ (H ′,F ′) e (H ′,F ′) ≤ (H,F); a condição que não é imediata
é que (H ′′\H) ∩⋃F = ∅. Seja x ∈ H ′′\H. Caso x ∈ H ′′\H ′, então x /∈
⋃F ′ ⊃
⋃F ; caso
x ∈ H ′\H, então x /∈⋃F .
Agora, se (H,F) e (H ′,F ′) são incompatíveis, necessariamente H 6= H ′, pois do contrário (H,F ∪
F ′) é uma extensão comum de ambos. Como |Pf (D)| = ω, segue que (Q,≤) possui c.c.c.
Agora, para cada A ∈ A, seja D(A) = {(H,F) ∈ Q : A ∈ F}. Dado (H,F) ∈ Q, vale que
(H,F ∪ {A}) ∈ D(A) e (H,F ∪ {A}) ≤ (H,F), de forma que D(A) é denso.
E para cada X ∈ Pf (D), seja E(X) = {(H,F) ∈ Q : H 6⊂ X}. Dado (H,F) ∈ Q, como
D\⋃F é infinito, existe y ∈ D\
⋃F tal que y /∈ X. Vale então que (H ∪ {y},F) ∈ E(X) e
(H ∪ {y},F) ≤ (H,F), de forma que E(X) é denso.
Como |A| = κ e |Pf (D)| = ω,MA(κ) nos garante que existeG filtro em (Q,≤) tal queG∩D(A) 6= ∅
para todo A ∈ A e G ∩ E(X) 6= ∅ para todo X ∈ Pf (D).
Defina B =⋃{H : existe F ∈ Pf (A) tal que (H,F) ∈ G}. Como G ∩ E(X) 6= ∅ para todo
X ∈ Pf (D), segue que B é infinito (se não existiria (H,F) ∈ G tal que H 6⊂ B). Afirmamos
que B ∩ A é finito para todo A ∈ A. Dado A ∈ A, tome (H,F) ∈ G ∩ D(A). Veremos que
B ∩ A ⊂ H. Seja x ∈ B ∩ A. Como x ∈ B, tome (H ′,F ′) ∈ G tal que x ∈ H ′. Como G é filtro,
tome (H ′′,F ′′) extensão comum de (H,F) e (H ′,F ′). Temos então que x ∈ A ∈ F , x ∈ H ′ ⊂ H ′′,
e (H ′′\H) ∩⋃F = ∅; portanto, x ∈ H, como anunciamos. �
Corolário 3.19. Seja D conjunto, |D| = ω. Seja κ < c e seja {Fα : α < κ} uma família de
fechados de D∗. Assuma MA(κ). Se⋃α<κ Fα 6= D∗, então clD∗(
⋃α<κ Fα) 6= D∗.
Demonstração. Seja x ∈ D∗\⋃α<κ Fα. Para cada α < κ, x /∈ Fα; como D∗ possui base de clopens,
podemos tomar Dα clopen tal que x /∈ Dα e Fα ⊂ Dα. Pelo teorema 1.26(i), cada Dα = Aα∗ para
algum Aα ⊂ D infinito. Temos então que x ∈ D∗\⋃α<κAα
∗; portanto, para cada α, D\Aα ∈ x.
Disso segue que a coleção A = {Aα : α < κ} satisfaz as hipóteses do lema anterior, e portanto
existe B ⊂ D infinito e tal que B ∩ Aα é finito para cada α < κ. Portanto, B∗ ∩⋃α<κAα
∗ = ∅;
como B∗ é um aberto, segue que B∗∩ clD∗(⋃α<κAα
∗) = ∅. Como B 6= ∅ e Fα ⊂ Aα∗ para cada
α, segue a tese. �
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 73
Corolário 3.20. Seja D conjunto, |D| = ω. Seja κ < c e seja {Gα : α < κ} família de abertos de
D∗. Assuma MA(κ). Se⋂α<κGα 6= ∅, então intD∗(
⋂α<κGα) 6= ∅.
Demonstração.⋂α<κGα 6= ∅ implica que D∗\
⋂α<κGα 6= D∗. D∗\
⋂α<κGα =
⋃α<κD
∗\Gα.
Aplicando o corolário anterior, temos que clD∗(⋃α<κD
∗\Gα) 6= D∗. Mas clD∗(⋃α<κD
∗\Gα) =
clD∗(D∗\⋂α<κGα) = D∗\intD∗(
⋂α<κGα). Ou seja, temos que D∗\intD∗(
⋂α<κGα) 6= D∗, e assim
intD∗(⋂α<κGα) 6= ∅. �
Agora, o Teorema 3.1 de [9].
Teorema 3.21. Seja S um semigrupo cancelativo à direita e fracamente cancelativo à esquerda tal
que |S| = ω1. Então S∗\S∗S∗ é denso em S∗; e se valer MA(ω1), então S∗S∗ é nunca-denso em
S∗.
Demonstração. Enumere S = {sσ : σ < ω1}. Para cada ω < σ < ω1, seja Sσ o semigrupo gerado
por {sτ : τ < σ}. Cada Sσ é enumerável e portanto, pelo Teorema 3.3, Sσ∗Sσ∗ é nunca-denso em
Sσ∗ (e como este é clopen, Sσ∗Sσ∗ é nunca-denso em S∗).
Seja A ∈ [S]ω. Mostraremos que A∗ ∩ (S∗\S∗S∗) 6= ∅, e que se valer MA(ω1), A∗\cl S∗S∗ 6= ∅.
Como A é enumerável, tome δ < ω1 tal que A ⊂ {sτ : τ < δ}; vale que A ⊂ Sδ. Além disso,
A∗\cl Sδ∗Sδ∗ 6= ∅, logo tome Vδ ∈ [A]ω tal que Vδ∗ ∩ Sδ∗Sδ∗ = ∅. Agora, indutivamente seja
δ < σ < ω1 e suponha que foi escolhido Vτ para todo δ ≤ τ < ω1 de forma que
(a) Vτ ∈ [A]ω;
(b) se µ < τ , então Vτ ∗ ⊂ Vµ∗; e
(c) Vτ ∗ ∩ Sτ ∗Sτ ∗ = ∅.
Se σ = γ + 1 para algum γ, temos que Sσ∗Sσ∗ é nunca-denso em S∗ e Vγ∗ é um (já definido)
aberto, de forma que Vγ∗\cl Sσ∗Sσ∗ 6= ∅ e portanto podemos tomar Vσ ∈ [Vγ ]ω de forma que
Vσ∗ ∩ Sσ∗Sσ∗ = ∅.
Por outro lado, se σ for limite: note que a hipótese (b) implica que {Vτ : δ ≤ τ < σ} possui a ω-p.i.f..
Enumere {τ : δ ≤ τ < σ} = {τn : n ∈ ω}. Tome a0 ∈ Vτ0 qualquer e indutivamente para n > 0
tome an ∈⋂ni=1 Vτi\{a0, . . . , an−1}. Para cada k ∈ ω, como {an : n ∈ ω}\Vτk ⊂ {a0, . . . , ak−1},
então {an : n ∈ ω}∗ ⊂ Vτk∗. Usando que Sσ∗Sσ∗ é nunca-denso em S∗, tome Vσ ∈ [{an : n ∈ ω}]ω
tal que Vσ∗ ∩ Sσ∗Sσ∗ = ∅.
Terminada a construção, temos que {Vσ∗ : δ ≤ σ < ω1} é uma família de fechados de S∗ com a
p.i.f. (de fato é uma família decrescente). Logo tome q ∈⋂δ≤σ<ω1
Vσ∗. Vale que q ∈ A∗.
Afirmação: q /∈ S∗S∗. Suponha p, r ∈ S∗ tais que q = p · r. Como A ∈ q e |A| = ω, e Uω1 é ideal
pelo Teorema 3.10, temos que ‖p‖ = ‖r‖ = ω. Logo tome B ∈ p, C ∈ r enumeráveis, e tome σ < ω1
74 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
tal que B ∪ C ⊂ Sσ. Logo p ∈ B∗ ⊂ Sσ∗ e r ∈ C∗ ⊂ Sσ
∗, de forma que q ∈ Vσ∗ ∩ Sσ∗Sσ∗, uma
contradição.
Por fim, assuma MA(ω1). Suponha por absurdo que A∗ ⊂ cl S∗S∗. Foi observado acima que⋂δ≤σ<ω1
Vσ∗ 6= ∅. Pelo Teorema 3.20 com D = A, temos que intA∗(
⋂δ≤σ<ω1
Vσ∗) 6= ∅, logo tome
B ∈ [A]ω tal que B∗ ⊂⋂δ≤σ<ω1
Vσ∗. B∗ ⊂ cl S∗S∗ e B∗ é aberto, logo B∗ ∩ S∗S∗ 6= ∅. Porém,
um q ∈ B∗ ∩ S∗S∗ gera a mesma contradição feita logo acima. �
Note que, no exemplo dado pelo Teorema 3.7, S é um semigrupo cancelativo de cardinalidade c
tal que S∗S∗ não é nunca-denso em S∗. O Teorema acima nos diz que, sob a hipótese do contínuo,
S∗\S∗S∗ é denso.
Quase todos os teoremas sobre a raridade de S∗S∗ ou a densidade de S∗\S∗S∗ exigem que S
seja cancelativo à direita. Veremos agora que de fato não se pode enfraquecer esta hipótese de
maneira significativa.
Teorema 3.22. Existe um semigrupo enumerável, cancelativo à esquerda e fracamente cancelativo
à direita S tal que S∗S∗ possui interior não-vazio em S∗.
Demonstração. Seja L = {xn : n ∈ N} ∪ {zn : n ∈ N} ∪ {y} com os xn e zn todos distintos entre si
e de y. Considere S = {a1 . . . at : a1, . . . , at ∈ L e se i ∈ {1, . . . , t− 1}, ai = xn e ai+1 = zm, então
n ≥ m}. Defina então, para u, v ∈ S, com u = a1 . . . at e v = b1 . . . bs, u · v como a concatenação de
u e v, exceto se at = xn e b1 = zm com n < m; nesse caso, u · v = a1 . . . at−1yb1 . . . bs.
Verifiquemos que · é associativa: sejam u, v, w ∈ S, u = a1 . . . at, v = b1 . . . bs e w = c1 . . . cr.
Caso 1: b1 = zm para algum m ∈ N e bs = xn′ para algum n′ ∈ N.
Caso 1a: at 6= xn para todo n < m e c1 6= zm′ para todo m′ > n′. Nesse caso, u · (v · w) e
(u · v) · w são a concatenação de u, v e w, logo são iguais.
Caso 1b: at = xn para algum n < m e c1 6= zm′ para todo m′ > n′. Temos
u · (v · w) = (a1 . . . at) · (b1 . . . bsc1 . . . cr)
= a1 . . . at−1yb1 . . . bsc1 . . . cr
= (a1 . . . at−1yb1 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= (u · v) · w.
Caso 1c: at 6= xn para todo n < m e c1 = zm′ para algum m′ > n′. Temos
u · (v · w) = (a1 . . . at) · (b1 . . . bs−1yc1 . . . cr)
= a1 . . . atb1 . . . bs−1yc1 . . . cr
= (a1 . . . atb1 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= (u · v) · w.
3.1. SOBRE A RARIDADE DE PRODUTOS EM S∗ 75
Caso 1d: at = xn para algum n < m e c1 = zm′ para algum m′ > n′. Temos
u · (v · w) = (a1 . . . at) · (b1 . . . bs−1yc1 . . . cr)
= a1 . . . at−1yb1 . . . bs−1yc1 . . . cr
= (a1 . . . at−1yb1 . . . bs) · (c1 . . . cr)
= (u · v) · w.
Caso 2: b1 6= zm para todo m ∈ N e bs = xn′ para algum n′ ∈ N.
Caso 2a: c1 6= zm′ para todo m′ > n′. Nesse caso, u · (v · w) e (u · v) · w são a concatenação
de u, v e w, logo são iguais.
Caso 2b: c1 = zm′ para algum m′ > n′. Este caso é análogo ao caso 1c.
Caso 3: b1 = zm para algum m ∈ N e bs 6= xn′ para todo n′ ∈ N.
Caso 3a: as 6= xn para todo n < m. Nesse caso, u · (v ·w) e (u · v) ·w são a concatenação de
u, v e w, logo são iguais.
Caso 3b: as = xn para algum n < m. Este caso é análogo ao caso 1b.
Caso 4: b1 6= zm para todo m ∈ N e bs = xn′ para todo n′ ∈ N. Nesse caso, u · (v · w) e (u · v) · w
são a concatenação de u, v e w, logo são iguais.
Agora, vejamos que S é cancelativo à esquerda: sejam u, v, w ∈ S, u = a1 . . . at, v = b1 . . . bs e
w = c1 . . . cr. Suponha que u ·v = u ·w. Se at 6= xn para todo n ∈ N, u ·v e u ·w são concatenações,
logo v = w. Suponha então que at = xn para algum n ∈ N.
Caso a: b1 6= zm para todo m > n e c1 6= zm′ para todo m′ > n. Nesse caso, u · v e u · w são
concatenações, logo v = w.
Caso b: b1 = zm para algum m > n e c1 6= zm′ para todo m′ > n. Temos
u · v = a1 . . . at−1yb1 . . . bs e
u · w = a1 . . . at−1atc1 . . . cr.
Note que isso implica que at = y. Absurdo, pois at = xn.
Caso c: b1 6= zm para todo m > n e c1 = zm′ para algum m′ > n. Analogamente ao caso b, temos
um absurdo.
Caso d: b1 = zm para algum m > n e c1 = zm′ para algum m′ > n. Temos
u · v = a1 . . . at−1yb1 . . . bs e
u · w = a1 . . . at−1yc1 . . . cr.
Segue que s = r e bi = ci para todo i ∈ {1, . . . , s}.
76 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Agora, veremos que S é fracamente cancelativo à direita. Sejam w, t ∈ S. Devemos ver que
{s ∈ S : s · w = t} é finito. Caso seja vazio, é finito. Suponha não-vazio, e tome u ∈ S tal que
u ·w = t. O conjunto em questão pode ser descrito como {s ∈ S : s ·w = u ·w}. Seja v ∈ S tal que
v · w = u · w. Considerando u = a1 . . . at, v = b1 . . . bs e w = c1 . . . cr, temos: se c1 6= zm para todo
m ∈ N, u · w e v · w são concatenações, e portanto v = u; ou seja, {s ∈ S : s · w = u · w} = {u}.
Suponha agora que c1 = zm para algum m ∈ N.
Caso a: at 6= xn para todo n < m. Dois subcasos: se bs 6= xn′ para todo n′ < m, então u · w e
v · w são concatenações, logo v = u. Caso bs = xn′ para algum n′ < m, temos
u · w = a1 . . . atc1 . . . cr e
v · w = b1 . . . bs−1yc1 . . . cr.
Isso implica que s = t e bi = ai para todo i ∈ {1, . . . , t− 1}.
Portanto, neste caso, {s ∈ S : s · w = u · w} ⊂ {u} ∪ {a1 . . . at−1xn′ : n′ < m}.
Caso b: at = xn para algum n < m. Dois subcasos: se bs 6= xn′ para todo n′ < m, temos
u · w = a1 . . . at−1yc1 . . . cr e
v · w = b1 . . . bsc1 . . . cr.
Isso implica que s = t, bi = ai para todo i ∈ {1, . . . , t− 1}, e bs = y.
Por outro lado, se bs = xn′ para algum n′ < m, temos
u · w = a1 . . . at−1yc1 . . . cr e
v · w = b1 . . . bs−1yc1 . . . cr.
Isso implica que s = t e bi = ai para todo i ∈ {1, . . . , t− 1}.
Portanto, neste caso, {s ∈ S : s · w = u · w} ⊂ {u, a1 . . . at−1y} ∪ {a1 . . . at−1xn′ : n′ < m}.
O resultado do teorema já implica que S não é cancelativo à direita. Mas isso pode ser diretamente
observado: x1z3 = yz3 = x2z3 – e de fato, dado m ∈ N, xnzm = xn′zm para todos n, n′ < m.
Defina agora A = {yzm : m ∈ N}. Note que A é infinito. Afirmação: A∗ ⊂ S∗S∗. Seja p ∈ A∗.
Para cada B ∈ p, defina CB = {zm : yzm ∈ B}; A∩B ∈ p, logo é infinito, e portanto CB também é
infinito. Além disso, note que dados B1, B2 ∈ p, CB1 ∩ CB2 = {zm : yzm ∈ B1 ∩B2} = CB1∩B2 , de
forma que {CB : B ∈ p} possui a ω-p.i.f., o que nos permite tomar q ∈ S∗ tal que {CB : B ∈ p} ⊂ q.
Tome também r ∈ {xn : n ∈ N}∗. Afirmação: p = r · q. Basta ver que p ⊂ r · q, logo seja B ∈ p.
Queremos ver que {s ∈ S : s−1B ∈ q} ∈ r, e para isso mostraremos que {xn : n ∈ N} ⊂ {s ∈ S :
s−1B ∈ q}. Seja n ∈ N então, e defina D = CB ∩ {zm : m > n}. Vale que D ∈ q, e dado zm ∈ D,
xnzm = yzm ∈ B, e assim D ⊂ xn−1B, completando a demonstração. �
3.2. CANCELABILIDADE À DIREITA EM βS 77
3.2 Cancelabilidade à direita em βS
Esta seção tem início na continuação do estudo do artigo "The Scarcity of Products in βS\S",
Seção 4. Como o tema é diverso das Seções 2 e 3 do artigo, e requer resultados de grupos abelianos,
merece uma seção em separado nesta dissertação. Todo o material necessário sobre grupos abelianos
se encontra no Apêndice A.
Dado X espaço topológico, denotamos por Xd o conjunto X com a topologia discreta.
Iniciaremos por um lema que nos dá uma caracterização manuseável de cancelabilidade à direita.
Lema 3.23. Seja S semigrupo infinito. Dado p ∈ βS, p é cancelável à direita se e somente se para
todo A ⊂ S existe B ⊂ S tal que A = {x ∈ S : x−1B ∈ p}.
Demonstração. (⇒): p é cancelável à direita se e só se ρp é injetora, e isto implica que
ρp : βS → βS · p é um homeomorfismo. Logo, dado A ⊂ S, temos pelo Teorema 1.26(i) que existe
B ⊂ S tal que A · p = B ∩ βS · p, já que A · p é um clopen de βS · p. Agora, seja x ∈ S: vale que
x ∈ A ⇔ x · p ∈ A · p, já que p é cancelável à direita; e x · p ∈ A · p ⇔ x · p ∈ B ⇔ x−1B ∈ p.
Portanto A = {x ∈ S : x−1B ∈ p}.
(⇐): Suponha s, r ∈ βS distintos, e tome A ∈ r\s. Tome B ⊂ S tal que A = {x ∈ S : x−1B ∈ p}.
Então B ∈ r · p\s · p. �
Teorema 3.24. Seja S semigrupo infinito e seja T semigrupo com identidade e. Seja p ∈ (S×{e})∗
cancelável à direita em β(S × {e}). Então p é cancelável à direita em β(S × T ).
Demonstração. Usaremos o Lema acima. Seja A ⊂ S × T . Note que a projeção π2 : S × T → T se
extende a um homomorfismo contínuo π2 : β(S × T )→ βT .
Para cada t ∈ T , seja Ct = {x ∈ S : (x, t) ∈ A}. Pelo Lema 3.23, seja Bt ⊂ S tal que Ct × {e} =
{(s, e) ∈ S×{e} : (s, e)−1(Bt×{e}) ∈ p}; temos então que para todo s ∈ S, (s, e) · p ∈ Bt × {e} ⇔
(s, e)−1(Bt × {e}) ∈ p⇔ (s, e) ∈ Ct × {e} ⇔ s ∈ Ct ⇔ (s, t) ∈ A.
Defina B =⋃t∈T Bt × {t}. Vale que Bt × {t} = {x ∈ B : π2(x) = t}, pois se Bt × {t} ∈ x, por
continuidade π2(x) = t; e se B\(Bt×{t}) ∈ x, como t é um ponto isolado de βT e π2[B\(Bt×{t})] =
T\{t}, segue que π2(x) 6= t.
Tome agora (vi)i∈D uma rede em S tal que ((vi, e))i∈D converge para p em β(S × T ). Seja (s, t) ∈
S × T . Mostraremos que (s, t)−1B ∈ p⇔ (s, t) ∈ A. Observe que para cada i ∈ D, (s, t) · (vi, e) ∈
Bt×{t} ⇔ (svi, t) ∈ Bt×{t} ⇔ (svi, e) ∈ Bt×{e} ⇔ (s, e) · (vi, e) ∈ Bt×{e}. Como λ(s,t) e λ(s,e)
são contínuas sobre β(S×T ), vale que (s, t) ·p = limi∈D(s, t) ·(vi, e); e (s, e) ·p = limi∈D(s, e) ·(vi, e);
de forma que, pelas observações anteriores, (s, t) · p ∈ Bt × {t} ⇔ (s, e) · p ∈ Bt × {e}. Por fim,
note que π2((s, t) · p) = limi∈D π2((s, t) · (vi, e)) = limi∈D π2(svi, t) = t.
78 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Temos então: (s, t)−1B ∈ p⇔ (s, t) · p ∈ B ⇔ (s, t) · p ∈ Bt × {t} ⇔ (s, e) · p ∈ Bt × {e} ⇔ (s, t) ∈
A. �
Devido a este teorema, temos que se p ∈ N∗ é cancelável à direita em (βN,+) e T é um semigrupo
com identidade e, e q ∈ β(N × T ) é tal que p = {A ⊂ N : A × {e} ∈ q}, então q é cancelável em
β(N × {e}), e, portanto, em β(N × T ). Mas por outro lado, existe p ∈ N∗ cancelável à direita em
βN que não é cancelável à direita em βZ. A construção deste será dada abaixo:
Tome, pelo Teorema 1.35 q idempotente em Z∗ tal que q ∈⋂k≥1 (FS(3t)t≥k).
Defina −q := {−A : A ∈ q} ∈ Z∗, e considere p = −q + q. Como, pelo Lema 2.11, N∗ é ideal
à esquerda de βZ, p ∈ N∗. Agora veremos que −q também é idempotente. Seja A ∈ q, de
modo que −A ∈ −q. Queremos ver que −A ∈ (−q) + (−q), isto é, que {x ∈ N : −x + (−A) ∈
−q} ∈ −q. Note que, dado y ∈ N, se −y + A ∈ q, então −(−y + A) = y + (−A) ∈ q; de
modo que −y ∈ {x ∈ N : −x + (−A) ∈ −q}. Portanto, usando que q é idempotente, temos que
−{y ∈ N : −y + A ∈ q} ⊂ {x ∈ N : −x + (−A) ∈ −q} e logo {x ∈ N : −x + (−A) ∈ −q} ∈ −q,
como queríamos.
Assim, −q + p = −q + (−q) + q = −q + q = p, e portanto p não é cancelável à direita em βZ – se
não 1 + (−q) + p = 1 + p⇒ 1 + (−q) = 1, o que é absurdo.
Porém, suponha que p não seja cancelável à direita em βN e tome pelo Lema 2.41 um z ∈ N∗ tal
que p = z + p – ou seja, −q + q = z + (−q) + q. Considere agora
A =
{∑t∈F
3t −∑t∈H
3t + k : k ∈ N, F,H ∈ Pf (N), minF > maxH + 1, e k < 3minH−1
}e
B =
{∑t∈F
3t −∑t∈H
3t : F,H ∈ Pf (N) e minF > maxH + 1
}.
Usaremos agora o Teorema 1.31(d) para ver que B ∈ −q + q e que A ∈ z + (−q) + q. Seja Q =
−FS((3t)t≥1) ∈ −q, e, para cada b = −∑
t∈H 3t ∈ Q, seja Bb ={∑
t∈F 3t : minF > maxH + 1}
=
FS((3t)t>maxH+1) ∈ q. Claramente, temos que⋃b∈Q b + Bb ⊂ B. E para cada k ∈ N, seja
Ak ={∑
t∈F 3t −∑
t∈H 3t : F,H ∈ Pf (N), minF > maxH + 1, e k < 3minH−1}; pode-se verificar
que cada Ak ∈ −q+ q similarmente a como vimos que B ∈ −q+ q – usando também dessa vez que
FS((3t)t>dlog3 k+1e) ∈ q. Segue então que⋃k∈N k +Ak ⊂ A, satisfazendo a condição.
Por fim, para chegar a uma contradição, veremos que A ∩ B = ∅. Para isso analisaremos a
descrição de elementos de B na expansão ternária. Descreva∑
t∈F 3t −∑
t∈H 3t =maxF∑t=minH
at3t
a expansão ternária de um elemento de B, com at ∈ {0, 1, 2} para todo t. Note que a condição
maxF > minH + 1 implica que at ∈ {0, 1} para todo t ≥ minF ; que aminF−1 = 2; que at ∈ {1, 2}
para todo minH ≤ t ≤ minF−1; e que aminH = 2. Portanto, na expansão ternária de um elemento
de B, temos que os dígitos ternários entre o 2 de menor posição e o 2 de maior posição são 1’s e
3.2. CANCELABILIDADE À DIREITA EM βS 79
2’s; e que o dígito 2 de menor posição é o menor dígito não-nulo. Agora, um elemento de A é um
elemento da forma acima somado a k < 3minH−1; seja∑
t∈K at3t a expansão ternária de k. Temos
que maxK < minH − 1, de forma que: se aminK 6= 2, então pela descrição acima o elemento de A
não pertence a B pois o menor dígito ternário não-nulo não é 2; e se aminK = 2, como aminK+1 = 0,
e aminH = 2, temos um dígito 0 entre o 2 de menor posição e o 2 de maior posição, novamente
implicando que o elemento de A não pertence a B. Destarte, A ∩B = ∅.
Por outro lado, o Teorema 3.24 nos provê o seguinte:
Corolário 3.25. Seja G um grupo abeliano e H < G divisível. Então todo elemento cancelável à
direita de βH é cancelável à direita em βG.
Demonstração. Pelo Teorema A.10, existe L < G tal que G = H ⊕L, de forma que o Teorema 3.24
se aplica. �
Corolário 3.26. Todo elemento cancelável à direita em βQd é cancelável à direita em βRd, e todo
elemento cancelável à direita em βRd é cancelável à direita em βCd.
Demonstração. Use o corolário acima e o fato de que Q e R são divisíveis. �
Agora, um teorema sobre a estrutura de S∗ quando S é comutativo e cancelativo.
Teorema 3.27. Seja (S,+) um semigrupo comutativo cancelativo e seja G o seu grupo de diferenças
(isto é, o menor grupo que contém S). Seja H um grupo abeliano que contém S (e portanto contém
G). Então existe V ⊂ S∗ satisfazendo:
(a) V é aberto denso de S∗ e todo elemento de V é cancelável à direita em βH.
(b) Dados v1, v2 ∈ V , (βH + v1) ∩ (βH + v2) 6= ∅ se e somente se (S + v1) ∩ (S + v2) 6= ∅.
(c) Defina ∼ uma relação de equivalência sobre S∗ por: p ∼ q se e só se (S + p) ∩ (S + q) 6= ∅.
Dados k,m ∈ N e p1, . . . , pm, q1, . . . , qk ∈ V , se p1 + · · · + pm ∼ q1 + · · · + qk, então k = m e
pt ∼ qt para cada t ∈ {1, . . . ,m}.
Demonstração. (a): Pelo Teorema A.3, H pode ser imerso em um grupo divisível, logo assumiremos
que o próprioH é divisível. Seja V = {A ⊂ [S]ω : A∗∩(H∗+H∗) = ∅} e defina U =⋃{A∗ : A ∈ V}.
U é aberto. Para ver que U é denso em S∗, seja B ∈ [S]ω. Pelo Teorema 3.4, B∗\cl(H∗+H∗) 6= ∅,
logo como é aberto tome A ∈ [S]ω tal que A∗ ⊂ B∗\cl(H∗ + H∗). Vale também que A∗ ⊂ U ,
mostrando que U ∩B∗ 6= ∅.
Seja V =⋃{U ∩ D∗ : D é um subgrupo divisível enumerável de H}. Vale que V é aberto. Para
ver que é denso, seja B ∈ [S]ω. Pelo Teorema A.18, tome D < H divisível enumerável que contém
B. Temos então, usando que U é denso, que ∅ 6= U ∩ B∗ ⊂ U ∩D∗ ⊂ V . Por fim, note que cada
80 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
p ∈ V é tal que ‖p‖ = ω e p /∈ (H∗ +H∗).
Para ver que cada p ∈ V é cancelável, tome D < H divisível enumerável tal que p ∈ U ∩ D∗.
p /∈ (H∗ +H∗), em particular p /∈ (D∗ +D∗), logo pelo Lema 2.41, p é cancelável à direita em βD.
Pelo Corolário 3.25, p é cancelável à direita em βH.
(b): Sejam v1, v2 ∈ V . Como existem D1, D2 < H divisíveis enumeráveis tais que D1 ∈ v1 e
D2 ∈ v2, tome pelo Lema A.18 D < H divisível enumerável tal que D1 ∪ D2 ⊂ D; temos que
D ∈ v1 ∩ v2. Pelo Teorema A.10, existe E < H tal que H = D ⊕ E. Seja πD a projeção de H
em D, e seja πD : βH → βD sua extensão contínua – que também é um homomorfismo. Note
que como πD é a identidade sobre D, segue que πD(v1) = v1 e πD(v2) = v2. Suponha então que
x + v1 = y + v2 para x, y ∈ βH. Temos que πD(x) + v1 = πD(y) + v2, logo D + v1 ∩D + v2 6= ∅.
Como D é enumerável, pelo Teorema 1.26(c), temos sem perda de generalidade que para algum
s ∈ D e algum w ∈ βD, s+ v1 = w + v2; definindo z = −s+ w, temos que v1 = z + v2.
Afirmação: z ∈ βG (isto é, G ∈ z). Suponha que D\G ∈ z. Como foi observado na demonstração
do 3.9(b), como G ∈ v2, D\G + G ∈ z + v2. Porém, dados d ∈ D\G e g ∈ G, d + g ∈ G im-
plicaria que d ∈ G, um absurdo; logo d + g ∈ D\G; e portanto D\G + G ⊂ D\G, de forma que
D\G ∈ z + v2 = v1 ∈ βG, uma contradição. Logo G ∈ z.
E como v1 /∈ (H∗ +H∗), temos que z ∈ G. Como G é o grupo das diferenças de S, tome s1, s2 ∈ S
tais que z = s2 − s1. Segue que s1 + v1 = s2 + v2, como queríamos.
(c):Lembre que pelo Teorema 1.38, H está contido no centro de βH, e pelo 1.40, H∗ é um ideal de
βH.
Provaremos por indução, ou melhor, pela boa ordem: sejam p1, . . . , pm, q1, . . . , qk ∈ V um contra-
exemplo para a afirmação tal que k + m é mínimo, e tome a, b ∈ S tais que a + p1 + · · · + pm =
b+ q1 + · · ·+ qk. Caso k = m = 1, não temos contradição. Caso m = 1 e k > 1, temos a, b ∈ S tais
que a+ p1 = b+ q1 + · · ·+ qk, logo temos que p1 = (b+ q1) + (−a+ q2 + · · ·+ qk) ∈ H∗ +H∗, uma
contradição.
Portanto k,m > 2. Como observado na demonstração do 3.9(b), {p ∈ S∗ : ‖p‖ = ω} é um subse-
migrupo, logo podemos tomar A,B ∈ [S]ω tais que A ∈ p1 + · · ·+ pm−1 e B ∈ q1 + · · ·+ qk−1, de
modo que a+A+ pm ∩ b+B + qk 6= ∅, e portanto pelo 1.26(c), temos duas opções:
(1): existem c ∈ A e d ∈ B tais que a+ c+ pm = b+ d+ qk;
(2): existem c ∈ A∗ e d ∈ B tais que a+ c+ pm = b+ d+ qk.
Caso valesse (2), teríamos que qk = (a + c) + (pm − b − d) ∈ H∗ + H∗, uma contradição. Logo
vale (1), e pm = (b + d) + (qk − a − c). Caso d ∈ B∗, teríamos que pm ∈ H∗ + H∗, uma
contradição. Logo d ∈ B, e a + c + pm = b + d + qk, mostrando que pm ∼ qk. Além disso,
a + p1 + · · · + pm−1 + b + d − a − c + qk = a + p1 · · · + pm = b + q1 · · · + qk; como qk é cancelável
à direita pelo item (a), segue que d+ p1 + · · ·+ pm−1 = c+ q1 + · · ·+ qk−1; pela minimalidade de
3.2. CANCELABILIDADE À DIREITA EM βS 81
k +m, segue que k − 1 = m− 1 e pt ∼ qt para todo t ∈ {1, . . . ,m− 1}. �
O Corolário 3.25 junto com o Lema A.18 nos permitem obter mais um resultado envolvendo
enumerabilidade.
Teorema 3.28. Seja G um grupo infinito enumerável, subgrupo de um grupo abeliano (H,+).
Então todo elemento de βG que é cancelável à direita em βG também é cancelável à direita em βH.
Demonstração. Seja p ∈ βG cancelável à direita. Em primeiro lugar, se p ∈ G, então p ∈ H, logo p
é cancelável à direita em βH (pois estamos num grupo, logo p é cancelável à direita em H, ou seja
ρp∣∣H
é injetora, portanto ρp é injetora sobre βH, ou seja p é cancelável à direita em βH).
Suponha então que p ∈ H∗. Pelo Teorema A.3, tome K grupo divisível em que H está imerso.
βH ⊂ βK, logo basta ver que p é cancelável à direita em βK. Pelo Lema A.18, tome D < K
divisível enumerável tal que G ⊂ D. Pelo Corolário 3.25, basta ver que p é cancelável à direita
em βD. Suponha, portanto, que p não é cancelável à direita em βD. p ∈ D∗, logo tome pelo
Lema 2.41 q ∈ D∗ tal que p = q + p. G ∈ p, logo {x ∈ D : −x + G ∈ p} ∈ q. Vejamos que
{x ∈ D : −x + G ∈ p} ⊂ G: se −x + G ∈ p, então (−x + G) ∩ G ∈ p, logo tome g ∈ G tal que
−x+ g ∈ G; segue que x ∈ G. Assim, vale que G ∈ q, de forma que p ∈ G∗ + p, e portanto p não é
cancelável à direita em G; contradição. �
Para encerrar o estudo do artigo [9], o teorema a seguir diz que, por exemplo, existem 22c
ultrafiltros sobre R que são canceláveis à direita em βRd e que convergem para um ponto fixado de
R com respeito à topologia usual.
Teorema 3.29. Seja S um semigrupo cancelativo à direita e fracamente cancelativo à esquerda
com |S| = κ ≥ ω. Seja τ um topologia sobre S e x ∈ S tal que existe uma base local para x, C, tal
que |C| ≤ κ e |C| = κ para todo C ∈ C. Então existe um conjunto P ⊂ βSd, |P | = 22κ de elementos
canceláveis à direita que convergem para x com respeito a τ .
Demonstração. Note que como C é base local e |C| = κ para todo C ∈ C, então C possui a κ-p.i.f.,
assim podemos aplicar o Teorema 3.14. Os itens (c) e (d), junto com o “Além disso” do enunciado,
garantem o resultado desejado. �
82 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
3.3 Cópias de H em S∗
Esta seção mostra que certas condições de cancelabilidade sobre S implicam na existência de
cópias do semigrupo H em S∗. Ela foi retirada da Seção 6.3 do livro [1], e é usada na seção 2.4
desta dissertação.
Teorema 3.30. Sejam S um semigrupo e (xn)n≥1 uma sequência em S com produtos finitos distin-
tos. Seja T =⋂m≥1 FP ((xn)n≥m). Então T é um subsemigrupo de βS algébrica e topologicamente
isomorfo a H.
Demonstração. Pelo Teorema 3.17, T é um subsemigrupo. Definimos f : FP (xn)n≥1 → 2N por
f(∏
n∈F xn)
=∑
n∈F 2n para cada F ∈ Pf . Como (xn)n≥1 possui produtos finitos distintos, f
está bem-definida; além disso é sobrejetora e injetora. Portanto f : FP ((xn)n≥1) → β(2N) é uma
bijeção contínua entre compactos Hausdorff, e portanto é um homeomorfismo. Mostraremos então
que f |T é um homomorfismo de T sobre H.
Considere Tm = FP ((xn)n≥m). Observe que f [Tm] = 2mN. Usando que f é um homeomorfismo,
temos que: f [T ] = f[⋂
m≥1 Tm
]=⋂m≥1 f
[Tm]
=⋂m≥1 f [Tm] =
⋂m≥1 2mN = H. Para ver que
f |T é homomorfismo, basta, pelo Teorema 1.36, ver que para cada s ∈ FP ((xn)n≥1) existe m ∈ N
tal que, para todo t ∈ FP ((xn)n≥m), f(st) = f(s) + f(t). Seja então s ∈ FP ((xn)n≥1) e tome
F ∈ Pf (N) tal que s =∏n∈F xn. Observe então que m = maxF + 1 cumpre o papel desejado. �
Lema 3.31. Seja S um semigrupo infinito e fracamente cancelativo à esquerda. Sejam I o conjunto
das identidades à direita de S, κ ≤ |S| um cardinal e (sλ)λ<κ uma κ-sequência injetora em S. Dado
T ⊂ S de cardinalidade κ, então existe um κ-sequência injetora (tλ)λ<κ em T tal que
(a) dado µ < κ, tµ /∈ FP ((tι)ι<µ);
(b) dados λ < µ < κ e u, v ∈ I ∪ {sι : ι < µ} ∪ FP ((tι)ι<µ), u 6= vtµ e utλ 6= vtµ; e
(c) I ∩ FP ((tι)ι<κ) = ∅.
Demonstração. Para cada u, v ∈ S, defina Au,v = {x ∈ S : u = vx}. Como S é fracamente
cancelativo à esquerda, cada Au,v é finito. Isso implica que I é finito, pois I ⊂ Au,u para qualquer
u ∈ S.
(tλ)λ<κ será construída indutivamente. Primeiramente tomamos t0 ∈ T\I qualquer. Valem (a),
(b) e (c) com 0 no lugar de κ. Suponha então que definimos (tι)ι<ν para algum ν < κ de forma
que valham (a), (b) e (c) com ν no lugar de κ. Defina G = I ∪ {sι : ι < µ} ∪ FP ((tι)ι<µ),
H = G ∪ {utλ : u ∈ G e λ < ν}, e K =⋃u,v∈H Au,v. Note que |G| < κ, de forma que |H| < κ
e assim |K| < κ. Portanto, existe tν ∈ T\(H ∪K). Como tν /∈ G, vale (a). Para ver (b), sejam
3.3. CÓPIAS DE H EM S∗ 83
u, v ∈ G e λ < ν. Como tν /∈ Au,v ∪Autλ,v, então u 6= vtν e utλ 6= vtν . Por fim, dado u ∈ I, tν 6= u
pois tν /∈ G e dado v ∈ FP ((tι)ι<ν , tν /∈ Au,v logo u 6= vtν , de forma que vale (c). �
Lema 3.32. Seja S um semigrupo cancelativo à direita e fracamente cancelativo à esquerda. Seja
T ⊂ S infinito, e seja κ = |T |. Então existe uma κ-sequência (tλ)λ<κ em T que possui produtos
finitos distintos.
Demonstração. Seja (sλ)λ<κ uma κ-sequência injetora em S, e tome (tλ)λ<κ κ-sequência garantida
pelo Lema 3.31. Afirmamos que (tλ)λ<κ possui produtos finitos distintos. Suponha que não, e sejam
F,G ∈ Pf (κ) distintos tais que∏λ∈F tλ =
∏λ∈G tλ, com |F ∪G| mínimo entre tais contraexemplos.
Sem perda de generalidade, maxF ≤ maxG = µ. Suponha que maxF < maxG: isso contradiz o
item (a) do Lema 3.31 caso G = {µ}, e o item (b) caso contrário. Logo maxF = µ. Caso |F |, |G| >
1, poderíamos cancelar tµ à direita e obter um contraexemplo que contradiria a minimalidade de
|F ∪ G|. Logo, sem perda de generalidade, |F | = 1. Note que |G| = 1 implicaria F = G. Logo
|G| > 1, e podemos considerar x =∏λ∈G\{µ} tλ. Temos então que tµ =
∏λ∈F tλ =
∏λ∈G tλ = xtµ;
logo, para todo s ∈ S, stµ = sxtµ; cancelando à direita obtemos s = sx, para todo s ∈ S; ou seja,
x ∈ I. Isso contradiz o item (c) do Lema 3.31. �
Teorema 3.33. Seja S um semigrupo infinito, cancelativo à direita e fracamente cancelativo à
esquerda. Seja A ⊂ S∗ um Gδ que possui um idempotente. Então A contém uma cópia algébrica e
topológica de H.
Demonstração. Seja p ∈ A idempotente. Seja (Am)m≥1 é uma sequência decrescente de subcon-
juntos de S tal que⋂m≥1Am ⊂ A. Construiremos uma sequência (xn)n≥1 em S tal que, para
cada m ≥ 1, FP ((xn)n≥m) ⊂ Am?(p). Inicie tomando x1 ∈ A1
?(p) qualquer. Agora, suponha
x1, . . . , xk escolhidos de forma que, para cada i ∈ {1, . . . , k}, FP ((xn)i≤n≤k) ⊂ Ai?(p). Temos que
A?k+1(p) ∈ p pois p é idempotente, e pelo Teorema 1.33, para cada i ∈ {1, . . . , k} e para cada y ∈
FP ((xn)i≤n≤k), y−1(Ai?(p)) ∈ p. Desta forma, podemos tomar xk+1 ∈ Ak+1
?(p)∩⋂{y−1(Ai
?(p)) :
i ∈ {1, . . . , k} e y ∈ FP ((xn)i≤n≤k)}\{x1, . . . , xk}. Dessa forma, para cada i ∈ {1, . . . , k + 1},
FP ((xn)i≤n≤k) ⊂ Ai?(p).
Agora, aplicando o Lema 3.32, com T = {xn : n ∈ N}, obtemos uma sequência (tn)n≥1 em
T que possui produtos finitos distintos; (tn)n≥1 é em particular injetora, logo podemos refiná-la
a uma subsequência (sn)n≥1 que também é uma subsequência de (xn)n≥1. Assim, sendo sub-
sequência de (tn)n≥1, (sn)n≥1 possui a unicidade dos produtos finitos; e sendo subsequência de
(xn)n≥1, vale que para cada m ≥ 1, FP ((sn)n≥m) ⊂ FP ((xn)n≥m) ⊂ Am?(p) ⊂ Am. Dessa forma,⋂m≥1 FP ((sn)n≥m) ⊂
⋂m≥1Am ⊂ A. E o Teorema 3.30 nos diz que
⋂m≥1 FP ((sn)n≥m) é uma
cópia algébrica e topológica de H, pois (sn)n≥1 possui a unicidade dos produtos finitos. �
84 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
3.4 O Teorema de Zelenyuk
Esta seção apresenta todos os passos necessários para se obter o Teorema de Zelenyuk: não
existem subgrupos finitos não-triviais em βN. Aqui, por “subgrupo trivial” queremos dizer grupos
unitários formados por um idempotente. Este é um resultado surpreendente, e vai ao encontro da
tendência a ser cada vez mais fácil encontrar subgrupos quanto maior é sua cardinalidade exigida:
o Teorema 3.17 junto com o 3.32 diz que existem muitas cópias do grupo livre sobre 22κ geradores
em S∗ para S cancelativo à direita e fracamente cancelativo à esquerda. Note também que para
qualquer p ∈ N∗ idempotente, Z + p é uma cópia algébrica de Z. O Teorema de Zelenyuk, um
resultado de Yevhen Zelenyuk de 1996, pôs fim às indagações sobre subgrupos finitos.
O artigo original ([12]) é em russo, e por isso apresentamos aqui a prova como é apresentada na
seção 7.1 do livro [1]. Esta seção está no capítulo sobre βS, e não sobre βN, pois o enunciado do
Teorema de Zelenyuk é abrangente: se G é um grupo enumerável sem subgrupos finitos não-triviais,
então G∗ não possui subgrupos finitos não-triviais.
Definição 3.34. Seja G um grupo. Uma topologia τ em G é dita ser invariante à esquerda se para
todo U ∈ τ e todo a ∈ G, a · U ∈ τ .
Observações:
Uma topologia em G é invariante à esquerda se e somente se λa é um homeomorfismo para todo
a ∈ G, pois: Se λa é homeomorfismo para todo a ∈ G, então dado U aberto, a ·U = λa[U ] é aberto.
E se a · U = λa[U ] é aberto para todo a ∈ G e todo U aberto, então temos que λa é uma função
aberta; e como (λa)−1 = λa−1 , para todo U aberto vale que λa−1[U ] é aberto, logo λa é contínua;
como λa é bijetora, ela é homeomorfismo.
E λa é homeomorfismo para cada a ∈ G se e somente se (G, ·, τ) é um grupo topológico à
esquerda, pois: Se λa é homeomorfismo para todo a ∈ G, em particular λa é contínua para cada
a ∈ G, logo G é topológico à esquerda. Por outro lado se G é topológico à esquerda, então λa é
contínua para todo a ∈ G; em particular, dado a ∈ G, λa e λa−1 = (λa)−1 são contínuas, logo λa é
um homeomorfismo.
Definição 3.35. (a) F denotará o semigrupo livre sobre as letras 0 e 1, com identidade ∅.
(b) Dados m ∈ ω e i ∈ m + 1, smi denotará o elemento de F formado por i 0’s seguido de m − i
1’s. Ou seja, formalmente, dom(smi ) = {1, . . . ,m}, smi (k) = 0 caso 1 ≤ k ≤ i e smi (k) = 1 caso
i < k ≤ m. Também definimos um = smm (de forma que u0 = s00 = ∅).
(c) Dado s ∈ F , l(s) = |dom(s)| denotará o comprimento de s, e supp(s) = {i ∈ {1, . . . , l(s)} :
s(i) = 1}.
(d) Dados s, t ∈ F , diremos que s << t se max supp(s) + 1 < min supp(t).
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 85
(e) Dados s, t ∈ F , definimos s + t ∈ F por l(s + t) = max{l(s), l(t)} e (s + t)(i) = 1 se e só se
s(i) = 1 ou t(i) = 1.
O próximo lema mostra que tais smi são os blocos básicos que compõem os elementos de F .
Lema 3.36. (a) A operação + definida em F acima é associativa e comutativa.
(b) Dados k ∈ N, e 0 ≤ i0 < m0 < i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk, considere t = sm0i0
+ · · ·+ smkik . Então
dado j ∈ {0, . . . , k} e dado l tal que 0 ≤ l ≤ mj, vale que t(l) = sm0i0
+ · · ·+ smjij
(l).
(b’) Dados k ∈ N, e 0 ≤ i0 < m0 < i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk, considere t = sm0i0
+ · · ·+ smkik . Então
dado j ∈ {1, . . . , k} e dado l tal que mj−1 < l ≤ mk, vale que t(l) = smjij
+ · · ·+ smkik (l).
(c) Cada t ∈ F possui um representação única na forma t = sm0i0
+ · · · + smkik com 0 ≤ i0 < m0 <
i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk (caso k = 0, a exigência é 0 ≤ i0 ≤ m0).
Demonstração. (a): Isso segue da associatividade e comutatividade do operador max e do operador
lógico “ou”.
(b): Pela definição, t(l) = 1 se e somente se existe r ∈ {0, . . . , k} tal que smrir (l) = 1. Como
l ≤ mj < ij+1 < · · · < ik, então smrir (l) = 0 para r ∈ {j + 1, . . . , k}. Logo, resta que t(l) = 1 se e
somente se smrir (l) = 1 para algum 0 ≤ r ≤ j, ou seja, t(l) = 1 se e somente se sm0i0
+ · · ·+smjij (l) = 1.
Como consequência, t(l) = 0 se somente se sm0i0
+· · ·+smjij (l) = 1; portanto, t(l) = sm0i0
+· · ·+smjij (l).
(b’): Pela definição, t(l) = 1 se e somente se existe r ∈ {0, . . . , k} tal que smrir (l) = 1. Como i0 <
m0 < i1 < m1 < · · · < ij−1 < mj−1 < l, então smrir não está definido em l para r ∈ {0, . . . , j − 1}.
Logo, resta que t(l) = 1 se e somente se smrir (l) = 1 para algum j ≤ r ≤ k, ou seja, t(l) = 1 se e
somente se smjij + · · ·+smkik (l) = 1. Como consequência, t(l) = 0 se somente se smjij + · · ·+smkik (l) = 1;
portanto, t(l) = smjij
+ · · ·+ smkik (l).
(c): Provaremos a existência por indução sobre l(t). (Usaremos com frequência os itens (b) e
(b’).) Caso l(t) = 0, t = ∅, logo t = s00, e caso l(t) = 1, t = 0 ou t = 1, logo t = s1
1 ou
t = s10. Agora suponha l(t) = n + 1 e tome sm0
i0+ · · · + smkik a representação de t|{1,...,n}, com
0 ≤ i0 < m0 < i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk. Observe que n = mk (pois l(sm0i0
+ · · ·+ smkik ) = mk).
Caso t(n) = 0 : temos que smkik (mk) = 0, logo ik = mk.
Subcaso t(n+ 1) = 0 : basta verificar que t = sm0i0
+ · · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk+1. Claramente se 0 ≤
l ≤ mk−1, t(l) = sm0i0
+· · ·+smk−1
ik−1(l) = sm0
i0+· · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk+1(l). Semk−1 < l ≤ mk =
n, então t(l) = sm0i0
+· · ·+smkik (l) = smkmk(l) = 0 = smk+1mk+1(l) = sm0
i0+· · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk+1(l).
Por fim, t(mk + 1) = 0 = smk+1mk+1(mk + 1) = sm0
i0+ · · ·+ s
mk−1
ik−1+ smk+1
mk+1(mk + 1).
86 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Subcaso t(n+ 1) = 1 : basta verificar que t = sm0i0
+ · · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk. Claramente se 0 ≤
l ≤ mk−1, t(l) = sm0i0
+· · ·+smk−1
ik−1(l) = sm0
i0+· · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk(l). Semk−1 < l ≤ mk =
n, então t(l) = sm0i0
+· · ·+smkik (l) = smkmk(l) = 0 = smk+1mk
(l) = sm0i0
+· · ·+smk−1
ik−1+smk+1
mk(l).
Por fim, t(mk + 1) = 1 = smk+1mk
(mk + 1) = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ smk+1
mk(mk + 1).
Caso t(n) = 1 : Temos que smkik (mk) = 1, logo ik < mk.
Subcaso t(n+ 1) = 1 : basta verificar que t = sm0i0
+ · · ·+smk−1
ik−1+smk+1
ik. Claramente se 0 ≤
l ≤ mk−1, t(l) = sm0i0
+· · ·+smk−1
ik−1(l) = sm0
i0+· · ·+smk−1
ik−1+smk+1
ik(l). Semk−1 < l ≤ mk =
n, então t(l) = sm0i0
+ · · ·+ smkik (l) = smkik (l) = smk+1ik
(l) = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ smk+1
ik(l).
Por fim, t(mk + 1) = 1 = smk+1ik
(mk + 1) = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ smk+1
ik(mk + 1).
Subcaso t(n+ 1) = 0 : basta verificar que t = sm0i0
+ · · · + smkik + smk+1mk+1 (como ik < mk <
mk + 1, esta é uma representação na forma desejada). Claramente se 0 ≤ l ≤ mk = n,
t(l) = sm0i0
+· · ·+smkik (l) = sm0i0
+· · ·+smkik +smk+1mk+1(l). E t(mk+1) = 0 = smk+1
mk+1(mk+1) =
sm0i0
+ · · ·+ smkik + smk+1mk+1(mk + 1).
Assim, provamos a existência de tal representação. Vejamos a unicidade, usando o princípio da
boa ordem: suponha por absurdo que temos um contraexemplo, ou seja, k, l ∈ ω, 0 ≤ i0 <
m0 < i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk e 0 ≤ j0 < n0 < j1 < n1 < · · · < jl ≤ nl de forma que
sm0i0
+ · · · + smkik = sn0j0
+ · · · + snljl , mas (i0,m0, i1,m1, . . . , ik,mk) 6= (j0, n0, j1, n1, . . . , jl, nl), com
k + l mínimo nessas condições.
Em primeiro lugar, observe que mk = nl, pois esses são os respectivos comprimentos das palavras.
Suponha que ik < jl: temos que 1 = sm0i0
+ · · · + smkik (ik + 1) = sn0j0
+ · · · + smkjl (ik + 1) = 0,
uma contradição. Similarmente, não se pode ter que jl < ik, logo ik = jl. Ou seja, temos que
sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ smkik = sn0
j0+ · · ·+ s
nl−1
jl−1+ smkik .
Caso k = l = 0, i0 = j0 e m0 = n0, ou seja (i0,m0) = (j0, n0), e não temos um contraexemplo.
Logo suponha k = 0 e l > 0. Temos que j0 < n0 < jl = i0, portanto 0 = sm0i0
(j0 + 1) =
sn0j0
+ · · ·+ snljl (j0 + 1) = sn0j0
(j0 + 1) = 1, uma contradição.
Portanto, suponha que k, l > 0. Temos que dado 0 ≤ l ≤ mk−1, vale que sm0i0
+ · · · + smk−1
ik−1(l) =
sm0i0
+ · · · + smk−1
ik−1+ smkik (l) = sn0
j0+ · · · + s
nl−1
jl−1+ smkik (l) = sn0
j0+ · · · + s
nl−1
jl−1(l). Dessa forma,
sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1= sn0
j0+ · · ·+ s
nl−1
jl−1. Como k− 1 + l− 1 < k+ l, a minimalidade de k+ l garante
que (i0,m0, i1,m1, . . . , ik−1,mk−1) = (j0, n0, j1, n1, . . . , jl−1, nl−1). Porém, já provamos que ik = jl
e mk − nl, ou seja, (i0,m0, i1,m1, . . . , ik,mk) = (j0, n0, j1, n1, . . . , jl, nl), e assim não temos um
contraexemplo. Contradição. �
Definição 3.37. (a) Dado t ∈ F , sua representação única na forma t = sm0i0
+ · · ·+smkik , com k ∈ ω
e 0 ≤ i0 < m0 < i1 < m1 < · · · < ik ≤ mk (caso k = 0, a exigência é 0 ≤ i0 ≤ m0), será
chamada de representação canônica de t.
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 87
(b) Dado t ∈ F , se t = smi para algum i,m ∈ ω, definimos t′ = ∅ e t∗ = t. Caso contrário, com
t = sm0i0
+ · · ·+ smk+1
ik+1, definimos t′ = sm0
i0+ · · ·+ smkik e t∗ = s
mk+1
ik+1.
(c) Definimos c : F → ω por c(t) = |supp(t)|.
(d) Para cada p ∈ N, definimos gp : F → Zp por gp(t) = [c(t)]p (ou seja, gp(t) é a p-classe de c(t)).
Lembramos que a operação no semigrupo F é a concatenação, denotada por _.
Vale notar que dados s, t ∈ F , se supp(s)∩ supp(t) = ∅, então c(s+ t) = c(s) + c(t) e logo, para
cada p ∈ N, gp(s+ t) = gp(s) + gp(t). Em particular, isso vale caso s << t.
Agora, nos será útil determinar a representação canônica de s+ t quando s << t. Sejam então
s = sm0i0
+ · · ·+ smkik e t = sn0j0
+ · · ·+ snljl as representações canônicas de s e t. Primeiramente, note
que min supp(t) = j0 + 1. Caso ik < mk, temos que max supp(s) = mk, logo mk + 1 < j0 + 1,
assim mk < j0, e portanto sm0i0
+ · · · + smkik + sn0j0
+ · · · + snljl é a representação canônica de s + t.
Porém, caso ik = mk, então temos que max supp(s) = mk−1, logo mk−1 < j0. Se mk < nl, note que
smkmk + t = t, de forma que s+ t = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ sn0
j0+ · · ·+ snljl é a representação canônica de
s+t. E se mk > nl, então sm0i0
+ · · ·+smk−1
ik−1+sn0
j0+ · · ·+snljl +smkmk é a representação canônica de s+t.
Seja t ∈ F , l(t) = n, e defina v = t_1 e w = t_0. Usando sm0i0
+ · · · + smkik a representação
canônica de t, e o lema acima, temos que, caso t(n) = 0, w = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ smk+1
mk+1, de modo
que t = (w′)_(umk+1−mk−1) e w∗ = umk+1; e caso t(n) = 1, w = sm0
i0+ · · ·+ smkik + smk+1
mk+1, de modo
que t = w′ e w∗ = umk+1. E em ambos os casos, v = sm0i0
+ · · · + smk+1ik
, de modo que v′ = t′ e
v∗ = t∗_1.
Em suma: se t ∈ F e l(t) = n, v′ = t′, v∗ = t∗_1, w∗ = un+1 e existe r ∈ ω tal que
t = (w′)_(ur).
Lema 3.38. Sejam G um grupo com identidade e, e X ⊂ G enumerável tal que e ∈ X. Suponha
que G possui uma topologia invariante à esquerda, Hausdorff, e zero dimensional, tal que X não
possui pontos isolados na topologia de subespaço, e que, para todo a ∈ X, a ·X∩X é uma vizinhança
de a em X. Além disso, suponha que p ∈ N e que existe uma função h : X → Zp de forma que, para
cada a ∈ X, existe V (a) uma vizinhança de e em X tal que a · V (a) ⊂ X e h(a · b) = h(a) + h(b)
para todo b ∈ V (a); que h[Y ] = Zp para todo Y aberto de X; e que V (e) = X.
Então é possível definir x(t) ∈ X e X(t) ⊂ X para todo t ∈ F de forma que x(∅) = e, X(∅) = X,
e as seguintes condições estejam satisfeitas:
(1) X(t) é um clopen de X.
(2) x(t) ∈ X(t).
(3) X(t_0) ∪X(t_1) = X(t) e X(t_0) ∩X(t_1) = ∅.
88 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
(4) x(t_0) = x(t).
(5) x(t) = x(t′) · x(t∗).
(6) X(t) = x(t′) ·X(t∗).
(7) X(t∗) ⊂ V (x(t′)).
(8) h(x(t)) = gp(t).
(9) Dados s, t ∈ F , x(s) = x(t) se e somente se existe k ∈ ω tal que s = t_uk ou t = s_uk.
(10) Dados s, t ∈ F , se s << t, então x(s+ t) = x(s) · x(t).
(11) Dados s, t ∈ F , se s << t, então h(x(s+ t)) = h(x(s)) + h(x(t)).
(12) Para todo n ∈ ω, x[un_F ] = X(un), de forma que, em particular, x[F ] = X.
(13) Se houver (Wn)n≥1 uma sequência previamente fixada de vizinhanças de e em X, é possível
tomar X(un) de forma que X(un+1) ⊂Wn para todo n ∈ N.
Demonstração. Como X é enumerável, tome uma ordem em X isomorfa à ordem de ω (de forma
que seja uma boa ordem).
Definiremos x(t) e X(t) por indução em l(t).
Primeiramente, definimos x(∅) = e e X(∅) = X. Usaremos a seguinte hipótese de indução: para
algum n ∈ ω, definimos x(t) e X(t) para todos t ∈ F com l(t) ≤ n de forma que as condições
(1) − (9) e (13) valham, e se n ≥ 1, sequências (ak)0≤k≤n−1 em X e (tk)0≤k≤n−1 em F foram
construídas de modo que valem as seguintes hipóteses adicionais, para cada 0 ≤ k ≤ n− 1:
(i) ak = minX\{x(t) : t ∈ F e l(t) ≤ k},
(ii) ak ∈ X(tk_1), e
(iii) se h(ak) = gp(tk_1), então ak = x(tk
_1).
Todas as condições são trivialmente satisfeitas no passo inicial n = 0, exceto (8): para verificar essa,
note que e ∈ V (e) = X, logo h(e) = h(e · e) = h(e) + h(e), logo h(x(∅)) = h(e) = [0]p = gp(∅).
Para n ≥ 1, começamos definindo an = minX\{x(t) : t ∈ F e l(t) ≤ n}. Pela condição (3) e pelo
fato de que X(∅) = X, segue que os conjuntos X(t) com l(t) = n formam uma partição de X, logo
existe um único tn ∈ F com l(tn) = n tal que an ∈ X(tn). Como X(tn) = x(tn′) · X(tn
∗), tome
cn ∈ X(tn∗) tal que an = x(tn
′) · cn.
Agora, para cada s ∈ {sni : 0 ≤ i ≤ n}, tome bs ∈ X(s) tal que bs 6= x(s) e h(bs) = gp(s_1); tal bs
existe pois, por (1) e (2), X(s), é um aberto não-vazio de X, e como X não possui pontos isolados,
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 89
X(s)\{x(s)} é um aberto também não-vazio de X, e portanto h[X(s)\{x(s)}] = Zp. No caso
específico de s = tn∗, se h(cn) = gp(tn
∗_1), definimos btn∗ = cn; isso é possível pois se cn = x(tn∗),
então por (5), an = x(tn′) · cn = x(tn
′) · x(tn∗) = x(tn), contradizendo a definição de an.
Assim, para cada s ∈ {sni : 0 ≤ i ≤ n}, defina x(s_0) = x(s) e x(s_1) = bs. Note que s′ = ∅ e
s∗ = s pela definição, logo x(s_1) = x(s′) · x(s∗_1).
Dado t ∈ F com l(t) = n, note que já definimos x(t∗_1) ∈ X(t∗) pois t∗ ∈ {sni : 0 ≤ i ≤ n}. Defina
então x(t_0) = x(t) e x(t_1) = x(t′) · x(t∗_1). Observe que x(t) = x(t′) · x(t∗) 6= x(t′) · x(t∗_1) =
x(t_1), e que x(t_1) ∈ x(t′) · X(t∗) = X(t). Além disso, por indução, x(un+1) = x(un_0) =
x(un) = x(∅) = e.
Tomaremos agora uma vizinhança clopen Un de e em G satisfazendo certas condições. Será possível
tomar tal Un notando que é um número finito de condições, cada uma garantida pela existência de
uma certa vizinhança de e, e que as condições não são afetadas ao se tomar a interseção de tais
vizinhanças. E a existência de cada uma dessas vizinhanças é garantida ao se usar que a topologia
de G é Hausdorff, zero-dimensional, e invariante à esquerda (ou seja, as translações à esquerda são
homeomorfismos). As condições são:
– Un ∩X ⊂ V (x(v)) para todo v ∈ F com l(v) ≤ n (lembre que V (x(v)) é vizinhança de e em X);
– x(v) · Un ∩X ⊂ x(v) ·X para todo v ∈ F com l(v) ≤ n (lembre que x(v) ·X ∩X é vizinhança
de x(v) em X);
– an /∈ x(tn) · Un (pois an 6= x(tn));
– x(t) · Un ∩X ⊂ X(t) para todo t ∈ F com l(t) = n (pois x(t) ·X ∩X e X(t) são vizinhanças de
x(t) em X);
– x(t_1) /∈ x(t) · Un (pois x(t_1) 6= x(t));
– se houver (Wn)n≥1 uma sequência previamente fixada de vizinhanças de e em X, Un ∩X ⊂Wn.
Ser-nos-á útil mostrar que para todo v ∈ F com l(v) ≤ n, vale que x(v) ·Un ∩X = x(v) · (Un ∩X).
Pela construção, x(v)·Un∩X ⊂ x(v)·X, logo x(v)·Un∩X ⊂ (x(v)·Un)∩(x(v)·X) = x(v)·(Un∩X).
Por outro lado, Un∩X ⊂ V (x(v)), logo x(v)·(Un∩X) ⊂ x(v)·V (x(v)) ⊂ X, do que x(v)·(Un∩X) ⊂
x(v) · Un ∩X.
Definimos então X(t_0) = x(t) ·Un ∩X e X(t_1) = X(t)\X(t_0). Agora, iremos verificar que as
condições (1)− (9), (13), e também as hipóteses (i),(ii),(iii), valem para elementos de F de compri-
mento n+ 1. Seja então t ∈ F com l(t) = n. Defina v = t_1 e w = t_0. Como observado acima,
v′ = t′, v∗ = t∗_1, w∗ = un+1 e para algum r ∈ ω, t = (w′)_(ur), de forma que x(t) = x(w′) pela
construção.
90 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Condição (1): X(t) é clopen de X por hipótese, Un é clopen e a topologia é invariante à esquerda,
logo x(t) · Un ∩X é clopen de X. Como x(t) · Un ∩X ⊂ X(t), X(t)\X(t_0) = X(t_1) também é
clopen.
Condição (2): Temos que x(t_0) = x(t) ∈ x(t) · Un ∩X = X(t_0). Temos que x(t_1) /∈ x(t) · Un
por construção e x(t_1) ∈ X(t), logo x(t_1) ∈ X(t)\(x(t) · Un ∩X) = X(t)\X(t_0) = X(t_1).
Condição (3): Pela definição, X(t_0) ⊂ X(t) e X(t_1) = X(t)\X(t_0), logo X(t_0)∪X(t_1) =
X(t) e X(t_0) ∩X(t_1) = ∅.
Condição (4): Definimos que x(t_0) = x(t).
Condição (5): Vale que x(v) = x(t_1) = x(t′) · x(t∗_1) = x(v′) · x(v∗). E x(w) = x(t) = x(w′) =
x(w′) · e = x(w′) · x(w∗).
Condição (6): Vale que X(w) = X(t_0) = x(t)·Un∩X = x(t)·(Un∩X) = x(w′)·X(un+1) = x(w′)·
X(w∗). E X(v) = X(t_1) = X(t)\X(t_0) = X(t)\(x(t) · Un ∩ X) = X(t)\ (x(t) · (Un ∩X)) =
x(t′)·X(t∗)\ (x(t′) · x(t∗) · (Un ∩X)) = x(t′)·(X(t∗)\x(t∗) · (Un ∩X)) = x(t′)·(X(t∗)\(x(t∗) · Un ∩X)) =
x(t′) ·X(t∗_1) = x(v′) ·X(v∗).
Condição (7): Temos que X(w∗) = X(un+1) = Un ∩ X ⊂ V (x(t)) = V (x(w′)). E X(v∗) =
X(t∗_1) ⊂ X(t∗) ⊂ V (x(t′)) = V (x(v′)).
Condição (8): Vale que h(x(w)) = h(x(t)) = gp(t), e como w = t_0, então gp(w) = gp(t). Por
outro lado, temos que h(x(v)) = h(x(v′) · x(v∗)) = h(x(v′)) + h(x(v∗)), pois x(v∗) ∈ X(v∗) ⊂
V (x(v′)). Além disso, x(v∗) = x(t∗_1) = bt∗ , já que t∗ ∈ {sni : i ∈ n + 1}; como por construção
h(bt∗) = gp(t∗_1), segue que h(x(v)) = h(x(v′)) + h(x(v∗)) = gp(v
′) + h(bt∗) = gp(v′) + gp(t
∗_1) =
gp(v′) + gp(v
∗). Como supp(v′) ∩ supp(v∗) = ∅, vale que gp(v′) + gp(v∗) = gp(v
′ + v∗) = gp(v).
Condição (9): Sem perda de generalidade, l(s) ≤ l(t). Se para algum k ∈ ω, t = s_uk, então por
(4), x(s) = x(t). Caso contrário, então s possui um 1 onde t possui um 0; ou t possui um 1 onde s
possui um zero, ou onde s não está definido; de qualquer forma, pelo item (3) x(s) e x(t) pertencem
a clopens disjuntos de X, logo x(s) 6= x(t).
Condição (13): Se houver (Wn)n≥1 uma sequência previamente fixada de vizinhanças de e em X,
vale que X(un+1) = Un ∩X ⊂Wn.
Hipótese (i): Por definição, an = minX\{x(t) : t ∈ F e l(t) ≤ n}.
Hipótese (ii): Vale que an /∈ x(tn) · Un, logo an /∈ X(tn_0). Como an ∈ X(tn), resta que
an ∈ X(tn_1).
Hipótese (iii): Suponha que h(an) = gp(tn_1). Como tn_1 = tn
′ + tn∗_1, e estes dois têm su-
portes disjuntos, vale que gp(tn_1) = gp(tn′) + gp(tn
∗_1). Lembre que an = x(tn′) · cn, com
cn ∈ X(tn∗) ⊂ V (x(tn
′)), de forma que h(an) = h(x(tn′)) + h(cn) = gp(tn
′) + h(cn). Segue
que h(cn) = gp(tn∗_1). Por construção, nesse caso cn = btn∗ , logo cn = x(tn
∗_1), e portanto
an = x(tn′) · x(tn
∗_1) = x((tn_1)′) · x((tn
_1)∗) = x(tn_1).
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 91
Assim, a indução está completa. Resta provar que valem (10), (11) e (12) sabendo que valem
(1)− (9), (13), e (i),(ii),(iii).
Condição (10): Primeiramente, mostraremos por indução em k que se a representação canônica
de s é sm0i0
+ · · · + smkik , então x(s) = x(sm0i0
) · . . . · x(smkik ). Para k = 0, temos que s = sm0i0
, logo
x(s) = x(sm0i0
). Se s = sm0i0
+ · · · + smkik + smk+1
ik+1, como s′ = sm0
i0+ · · · + smkik e s∗ = s
mk+1
ik+1, usando
(5), x(s) = x(s′) · x(s∗) = x(sm0i0
) · . . . · x(smkik ) · x(smk+1
ik+1).
Assim, dados s = sm0i0
+ · · · + smkik e t = sn0j0
+ · · · + snljl , com s << t, verifiquemos caso a caso: se
ik < mk, s+t = sm0i0
+· · ·+smkik +sn0j0
+· · ·+snljl é a representação canônica, então x(s+t) = x(sm0i0
)·. . .·
x(smkik )·x(sn0j0
)·. . .·x(snljl ) = x(s)·x(t); se ik = mk emk ≤ nl, s+t = sm0i0
+· · ·+smk−1
ik−1+sn0
j0+· · ·+snljl
é a representação canônica, então x(s + t) = x(sm0i0
) · . . . · x(smk−1
ik−1) · x(sn0
j0) · . . . · x(snljl ) = x(sm0
i0) ·
. . . ·x(smk−1
ik−1) · e ·x(sn0
j0) · . . . ·x(snljl ) = x(sm0
i0) · . . . ·x(s
mk−1
ik−1) ·x(smkmk) ·x(sn0
j0) · . . . ·x(snljl ) = x(s) ·x(t);
se ik = mk e mk > nl, s+ t = sm0i0
+ · · ·+ smk−1
ik−1+ sn0
j0+ · · ·+ snljl + smkmk é a representação canônica,
logo x(s+ t) = x(sm0i0
) · . . . ·x(smk−1
ik−1) ·x(sn0
j0) · . . . ·x(snljl ) ·x(smkmk) = x(sm0
i0) · . . . ·x(s
mk−1
ik−1) · e ·x(sn0
j0) ·
. . . · x(snljl ) · e = x(sm0i0
) · . . . · x(smk−1
ik−1) · x(smkmk) · x(sn0
j0) · . . . · x(snljl ) = x(s) · x(t).
Condição (11): Primeiramente, mostraremos por indução em k que se a representação canô-
nica de s é sm0i0
+ · · · + smkik , então h(x(s)) = h(x(sm0i0
)) + · · · + h(x(smkik )).Para k = 0, temos que
s = sm0i0
, logo h(x(s)) = h(x(sm0i0
)). Se s = sm0i0
+ · · · + smkik + smk+1
ik+1, como s′ = sm0
i0+ · · · + smkik e
s∗ = smk+1
ik+1, usando que x(s∗) ∈ X(s∗) ⊂ V (x(s′)), h(x(s)) = h(x(s′)) + h(x(s∗)) = h(x(sm0
i0)) +
· · ·+ h(x(smkik )) + h(x(smk+1
ik+1)).
Assim, dados s = sm0i0
+ · · · + smkik e t = sn0j0
+ · · · + snljl , com s << t, verifiquemos caso a
caso: se ik < mk, s + t = sm0i0
+ · · · + smkik + sn0j0
+ · · · + snljl é a representação canônica, então
h(x(s+t)) = h(x(sm0i0
))+· · ·+h(x(smkik ))+h(x(sn0j0
))+· · ·+h(x(snljl )) = h(x(s))+h(x(t)); se ik = mk
e mk ≤ nl, s+ t = sm0i0
+ · · ·+smk−1
ik−1+sn0
j0+ · · ·+snljl é a representação canônica, então h(x(s+ t)) =
h(x(sm0i0
))+ · · ·+h(x(smk−1
ik−1))+h(x(sn0
j0))+ · · ·+h(x(snljl )) = h(x(sm0
i0))+ · · ·+h(x(s
mk−1
ik−1))+h(e)+
h(x(sn0j0
))+· · ·+h(x(snljl )) = h(x(sm0i0
))+· · ·+h(x(smk−1
ik−1))+h(x(smkmk))+h(x(sn0
j0))+· · ·+h(x(snljl )) =
h(x(s)) + h(x(t)); se ik = mk e mk > nl, s + t = sm0i0
+ · · · + smk−1
ik−1+ sn0
j0+ · · · + snljl + smkmk é a
representação canônica, logo h(x(s + t)) = h(x(sm0i0
)) + · · · + h(x(smk−1
ik−1)) + h(x(sn0
j0)) + · · · +
h(x(snljl )) +h(x(smkmk)) = h(x(sm0i0
)) + · · ·+h(x(smk−1
ik−1)) +h(e) +h(x(sn0
j0)) + · · ·+h(x(snljl )) +h(e) =
h(x(sm0i0
)) + · · ·+ h(x(smk−1
ik−1)) + h(x(smkmk)) + h(x(sn0
j0)) + · · ·+ h(x(snljl )) = h(x(s)) + h(x(t)).
Condição (12): primeiro, mostraremos que dado a ∈ X, existe v ∈ F tal que a = x(v). Suponha,
por absurdo, que X\x[F ] 6= ∅ e seja a = minX\x[F ].
Afirmação: para algum n ∈ ω, a = an. Para ver isso, denote Fn := {t ∈ F : x(t) ≤ n}. Vale
que F =⋃n∈ω Fn. Como Fn ⊂ Fn+1 ⊂ F , para todo n ∈ ω, segue que X\x[Fn] ⊃ X\x[Fn+1] ⊃
92 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
X\x[F ], para todo n ∈ ω, e assim minX\x[Fn] ≤ minX\x[Fn+1] ≤ minX\x[F ]. Portanto,
(minX\x[Fn])n≥0 é uma sequência crescente e limitada em uma ordem de tipo ω, logo estaciona:
tome n ∈ ω tal que minX\x[Fn] = minX\x[Fn+1] = minX\x[Fn+2] = · · · . Vale então que
minX\x[Fn] = minX\x[F ]: se valesse que minX\x[Fn] < minX\x[F ], então para algum m > n,
minX\x[F ] ∈ x[Fm], e portanto minX\x[Fn] < minX\x[Fm], o que não vale pela escolha de n.
Portanto, a = minX\x[F ] = minX\x[Fn] = an.
Tome m ∈ {0, . . . , p − 1} tal que h(an) = gp(tn_1) + [m]p. Caso m = 0, por (iii) teríamos que
a = an = x(tn_1); logom ≥ 1. Agora, seja k ≥ 0 e suponha que h(an+k) = gp(tn+k
_1)+[m]p−[k]p;
note que isso é satisfeito quando k = 0. Por (i), e pelo que foi visto acima, an+k+1 = an+k.
Por (ii), an+k ∈ X(tn+k_1) e an+k+1 ∈ X(tn+k+1
_1) ⊂ X(tn+k+1). Como ambos tn+k_1 e
tn+k+1 são de comprimento n+ k + 1, segue que tn+k_1 = tn+k+1. Dessa forma, gp(tn+k+1
_1) =
gp(tn+k+1) + [1]p = gp(tn+k_1) + [1]p, logo gp(tn+k
_1) = gp(tn+k+1_1) − [1]p; portanto, temos
que h(an+k+1) = h(an+k) = gp(tn+k_1) + [m]p − [k]p = gp(tn+k+1
_1) − [1]p + [m]p − [k]p =
gp(tn+k+1_1) + [m]p − [k + 1]p. Assim, vale a indução. Em particular, quando k = m, h(an+m) =
gp(tn+m_1) + [m]p− [m]p = gp(tn+m
_1); logo por (iii), a = an+m = x(tn+m_1), uma contradição,
pois a ∈ X\x[F ].
Dessa forma, x[F ] = X.
Agora, para terminar o (12), note que para todo n ∈ ω e todo t ∈ F , vale que x(un_t) ∈ X(un
_t) ⊂
X(un), de forma que x[un_F ] ⊂ X(un). Resta ver que X\x[un
_F ] ⊂ X\X(un). Seja a ∈
X\x[un_F ]. Como X = x[F ], tome v ∈ F\un_F tal que a = x(v). Como e = x(un) =
x(un_∅) ∈ x[un
_F ], então a 6= e, e portanto v /∈ {um : m ∈ ω},e assim supp(v) 6= ∅. Seja
k = min supp(v). Como v ∈ F\un_F , então k ≤ n. Vale que x(v) ∈ X(skk−1), pois skk−1 é um
trecho inicial de v, e queX(un) ⊂ X(uk), pois n ≥ k. Por fim, como uk = uk−1_0 e skk−1 = uk−1
_1,
então X(skk−1) ∩ X(uk) = ∅, logo a = x(v) /∈ X(un). Segue que X\x[un_F ] ⊂ X\X(un) como
afirmamos. �
Atenção: A partir daqui e até a enunciação do Teorema de Zelenyuk, G será um grupo discreto
com identidade e e C será um subsemigrupo finito de G∗.
Definição 3.39. (a) C∼ = {x ∈ βG : x · C ⊂ C}.
(b) ϕ é o filtro dos subconjuntos U de G tais que C ⊂ U .
(c) ϕ∼ é o filtro dos subconjuntos U de G tais que C∼ ⊂ U .
Observe que C∼ é um semigrupo, e que de fato ϕ e ϕ∼ são filtros. De fato, vale que ϕ =⋂C
e ϕ∼ =⋂C∼, pois: U ∈ ϕ ⇔ C ⊂ U ⇔ para todo c ∈ C, c ∈ U ⇔ para todo c ∈ C,
U ∈ c⇔ U ∈⋂C. Analogamente, ϕ∼ =
⋂C∼.
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 93
Lema 3.40. É possível definir uma topologia invariante à esquerda em G tal que ϕ∼ é o filtro das
vizinhanças de e. Se valer que x · C = C para todo x ∈ C∼, então esta topologia tem uma base de
clopens.
Demonstração. Para cada U ∈ ϕ, defina U∧ = {a ∈ G : a ·C ⊂ U}. Note que e ∈ U∧. Mostraremos
que
(i) para cada U ∈ ϕ, U∧ ∈ ϕ∼,
(ii) {U∧ : U ∈ ϕ} é uma base para o filtro ϕ∼, e
(iii) para todo U ∈ ϕ e todo a ∈ U∧, a−1U∧ ∈ ϕ∼.
Verificando (i): suponha que para um certo U ∈ ϕ, C∼ 6⊂ U∧. Tome x ∈ C∼\U∧. Como U∧ /∈ x,
então G\U∧ ∈ x. Mas G\U∧ = {a ∈ G : a · C 6⊂ U} = {a ∈ G : existe y ∈ C tal que a · y /∈ U} =⋃y∈C{a ∈ G : U /∈ a · y} =
⋃y∈C{a ∈ G : a−1U /∈ y}. Como C é finito, vale que para algum y ∈ C,
{a ∈ G : a−1U /∈ y} ∈ x, logo {a ∈ G : a−1U ∈ y} /∈ x, e assim U /∈ x · y, ou seja, x · y /∈ U . Porém,
x ∈ C∼ e y ∈ C, logo x · y ∈ C ⊂ U . Contradição. Logo, U∧ ∈ ϕ∼.
Verificando (ii): O item acima nos diz que {U∧ : U ∈ ϕ} ⊂ ϕ∼. Dados U, V ∈ ϕ, (U ∩ V )∧ ∈ ϕ∼
(pois U ∩ V ∈ ϕ), e (U ∩ V )∧ = {a ∈ G : a ·C ⊂ U ∩ V } = {a ∈ G : a ·C ⊂ U ∩ V } = U∧ ∩ V ∧, de
forma que {U∧ : U ∈ ϕ} é fechado para interseções finitas. Agora, resta ver que para todo V ∈ ϕ∼
existe U ∈ ϕ tal que U∧ ⊂ V .
Afirmação: Basta ver que⋂U∈ϕ U
∧ = C∼. Pois suponha que exista V ∈ ϕ∼ tal que para todo
U ∈ ϕ, U∧\V 6= ∅. Valeria que {U∧\V : U ∈ ϕ} seria uma coleção com a p.i.f., logo existiria
x ∈⋂U∈ϕ U
∧\V . Ter-se-ia então que x ∈⋂U∈ϕ U
∧\V ⊂⋂U∈ϕ U
∧ = C∼ ⊂ V , ou seja, x ∈ V ,
uma contradição.
Provemos então que⋂U∈ϕ U
∧ = C∼. Vale que⋂U∈ϕ U
∧ ⊃ C∼, já que {U∧ : U ∈ ϕ} ⊂ ϕ∼ e
pela definição de ϕ∼. Agora, suponha por absurdo que existe x ∈⋂U∈ϕ U
∧\C∼. x /∈ C∼, ou
seja, existe y ∈ C tal que x · y /∈ C. Como C é finito e βG é Hausdorff, C é fechado, logo existe
A ⊂ G tal que x · y ∈ A e C ∩ A = ∅. Logo C ⊂ G\A, ou seja, G\A ∈ ϕ. x · y /∈ G\A, logo
{a ∈ G : a−1(G\A) ∈ y} /∈ x, ou seja, {a ∈ G : a−1(G\A) /∈ y} = {a ∈ G : a · y /∈ G\A} ∈ x.
Como (G\A)∧ = {a ∈ G : a · C ⊂ G\A}, então (G\A)∧ ∩ {a ∈ G : a · y /∈ G\A} = ∅, e portanto
(G\A)∧ /∈ x, ou seja x /∈ (G\A)∧. Absurdo, pois G\A ∈ ϕ.
Verificando (iii): sejam U ∈ ϕ e a ∈ U∧, e suponha que a−1U∧ /∈ ϕ∼. Logo existe y ∈ C∼\a−1U∧.
Portanto, G\a−1U∧ = {b ∈ G : a · b /∈ U∧} = {b ∈ G : existe z ∈ C tal que a · b · z /∈ U} ∈ y. Como
C é finito, tome z ∈ C tal que {b ∈ G : a · b · z /∈ U} ∈ y. Segue que a · y · z /∈ U . Porém, y · z ∈ C
e a ∈ U∧, logo a · y · z ∈ U . Contradição.
Munido de (i), (ii) e (iii), defina B = {a · U∧ : U ∈ ϕ, a ∈ G}. Mostremos que B é uma base para
94 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
uma topologia invariante à esquerda em G tal que ϕ∼ é o filtro das vizinhanças de e.
Para ver que é base, sejam U, V ∈ ϕ e a, b, c ∈ G, e suponha c ∈ a·U∧∩b·V ∧. Temos que a−1·c ∈ U∧,
logo por (iii) c−1 ·a ·U∧ ∈ ϕ∼, logo por (ii) existeW1 ∈ ϕ tal queW1∧ ⊂ c−1 ·a ·U∧. Analogamente,
existe W2 ∈ ϕ tal que W2∧ ⊂ c−1 · b · V ∧. Temos então que W1
∧ ∩W2∧ ⊂ c−1 · a ·U∧ ∩ c−1 · b · V ∧,
logo c · (W1 ∩ W2)∧ ⊂ a · U∧ ∩ b · V ∧. Como W1 ∩ W2 ∈ ϕ, vale que e ∈ (W1 ∩ W2)∧, logo
c ∈ c · (W1 ∩W2)∧ ∈ B.
Como a base B é invariante à esquerda, então a topologia gerada por ela é invariante à esquerda.
Para ver que ϕ∼ é o filtro das vizinhanças de e, note por (ii) que cada membro de ϕ∼ é uma
vizinhança de e (pois e ∈ U∧ = e · U∧, para cada U ∈ ϕ). Por outro lado, dada W vizinhança
de e, tome a ∈ G e U ∈ ϕ tais que e ∈ a · U∧ ⊂ W . Vale que a−1 = a−1 · e ∈ U∧, logo por (iii)
a · U∧ ∈ ϕ∼, do que W ∈ ϕ∼.
Finalmente, mostraremos que se x ·C = C para todo x ∈ C∼, então para todo U ∈ ϕ, U∧ é fechado.
Disso seguirá que B é uma base de clopens, pois a topologia é invariante à esquerda. Sejam então
U ∈ ϕ e a ∈ G\U∧. Mostraremos que V := G\a−1 ·U∧ ∈ ϕ∼, logo a ·V = G\U∧ é uma vizinhança
de a disjunta de U∧. Ou seja, devemos ver que C∼ ⊂ V . Seja y ∈ C∼. Como a /∈ U∼, então
a·(y ·C) = a·C 6⊂ U , logo tome z ∈ C tal que a·y ·z /∈ U . Assim, temos que {b ∈ G : a·b·z /∈ U} ∈ y
e {b ∈ G : a · b · z /∈ U} ⊂ {b ∈ G : a · b · C 6⊂ U} = G\{b ∈ G : a · b · C ⊂ U} = G\a−1 · U∧ = V .
Logo V ∈ y, como queríamos. �
Lema 3.41. Assuma que x · C = C para todo x ∈ C∼. Então são equivalentes:
(a) A topologia definida no Lema 3.40 é Hausdorff.
(b) {a ∈ G : a · C ⊂ C} = {e}.
(c)⋂ϕ∼ = {e}.
Demonstração. (a)⇒(b): Por um lado, temos que e ·C ⊂ C. Por outro, seja a ∈ G\{e}. Como ϕ∼
é o filtro das vizinhanças de e, tome V ∈ ϕ∼ tal que a /∈ V . Como C∼ ⊂ V , então a /∈ C∼, ou seja,
a · C 6⊂ C.
(b)⇒(c): Como ϕ∼ é o filtro das vizinhanças de e, temos que e ∈⋂ϕ∼. Por outro lado, tome
a ∈ G\{e}. Por hipótese, a · C 6⊂ C, ou seja, a /∈ C∼. Agora, observe que C∼ = {x ∈ βG : x · C ⊂
C} = {x ∈ βG : x · y ∈ C, para todo y ∈ C} =⋂y∈C{x ∈ βG : x · y ∈ C} =
⋂y∈C{x ∈ βG :
ρy(x) ∈ C} =⋂y∈C ρy
−1[C], logo C∼ é fechado em βG. Assim, tome A ⊂ G tal que a ∈ A e
C∼ ∩A = ∅; C∼ ⊂ G\A, ou seja, G\A ∈ ϕ∼, e a /∈ G\A; portanto, a /∈⋂ϕ∼.
(c)⇒(a): Seja a ∈ G\{e}. Pela hipótese e pelo item (ii) do Lema 3.40, tome U ∈ ϕ tal que a /∈ U∧;
pela hipótese geral do Lema, U∧ =: V é clopen, logo V e G\V são vizinhanças disjuntas de e e a,
respectivamente.
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 95
Agora, dados b, c ∈ G distintos, pelo que provamos acima existe V vizinhança clopen de e tal que
b−1 ·c ∈ G\V . Logo b·V e b·(G\V ) = G\b·V são vizinhanças disjuntas de b e c, respectivamente. �
Atenção: A partir daqui e até a enunciação do Teorema de Zelenyuk, G será um grupo discreto
com identidade e e C será um subgrupo finito de G∗, com identidade u.
Observe que isto implica que x · C = C para todo x ∈ C∼, pois: dado c ∈ C, x · u ∈ C, logo
possui uma inversa (x · u)−1 ∈ C. Assim, x · u · (x · u)−1 · c ∈ x · C, e x · u · (x · u)−1 · c = u · c = c.
Lema 3.42. Se G não possui grupos finitos não-triviais, então⋂ϕ∼ = {e}.
Demonstração. Vale que⋂ϕ∼ = C∼ ∩G, pois: dado a ∈ C∼ ∩G, para cada U ∈ ϕ∼, a ∈ U , logo
a ∈⋂ϕ∼; e se a ∈ G\C∼, então a 6= p para todo p ∈ C∼, de forma que G\{a} ∈ p para todo
p ∈ C∼, ou seja, C∼ ⊂ G\{a}, ou seja, G\{a} ∈ ϕ∼, de forma que a /∈⋂ϕ∼.
Assim,⋂ϕ∼ = C∼ ∩ G = {a ∈ G : a · C = C}. Agora, dados a, b ∈ C∼ ∩ G, temos que
a · b ·C = a ·C = C, logo a · b ∈ C∼∩G; e a−1 ·C = a−1 · (a ·C) = C, logo a−1 ∈ C∼∩G. Portanto,
C∼ ∩ G é um subgrupo de de G. Pela hipótese, ele é infinito, ou é {e}. Porém, se fosse infinito,
como a · u, b · u ∈ C para todos a, b ∈ C∼ ∩ G, e C é finito, existiriam a, b ∈ G distintos tais que
a · u = b · u, contrariando o Lema 3.8. �
Assim, com os Lemas 3.40, 3.41 e 3.42, temos o seguinte:
Lema 3.43. Existe uma topologia em G invariante à esquerda e zero-dimensional tal que ϕ∼ é o
filtro das vizinhanças de e. Se G não possui subgrupos finitos não-triviais, então esta topologia é
Hausdorff.
Definição 3.44. (a) Fixe uma família {Uy : y ∈ C} de subconjuntos dois-a-dois disjuntos de G
tais que Uy ∈ y para todo y ∈ C.
(b) Para cada y ∈ C, defina Ay = {a ∈ G : a · z ∈ Uy·z para todo z ∈ C}
Note que Ay =⋂z∈C{a ∈ G : a−1Uy·z ∈ z} e que e ∈ Au.
Lema 3.45. Para todo y ∈ C, Ay ∈ y, e se y, w ∈ C são distintos, então Ay ∩Aw = ∅.
Demonstração. Para cada z ∈ C, Uy·z ∈ y · z, ou seja, {a ∈ G : a−1Uy·z ∈ z} ∈ y. Logo⋂z∈C{a ∈ G : a−1Uy·z ∈ z} = Ay ∈ y.
Por contraposição, suponha y, w ∈ C e a ∈ Ay ∩ Aw. Vale que a · u ∈ Uy·u e a · u ∈ Uw·u, ou seja,
Uy, Uw ∈ a · u, logo Uy ∩ Uw 6= ∅, e portanto y = w. �
Definição 3.46. (a) X :=⋃y∈C Ay.
(b) Definimos f : X → C por f(a) = y se a ∈ Ay. Pelo Lema acima isto está bem-definido.
96 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
(c) Para cada z ∈ C e cada a ∈ X, Vz(a) := {b ∈ Az : a · b ∈ Af(a)·z}.
(d) Para cada a ∈ X, V (a) :=⋃z∈C Vz(a).
Note que, para cada a ∈ X, V (a) ⊂ X e a · V (a) ⊂ X. Além disso, f(e) = u, logo para todo
z ∈ C, Vz(e) = Az, logo V (e) = X.
Lema 3.47. Para cada a ∈ X e cada b ∈ V (a), f(a · b) = f(a) · f(b).
Demonstração. Sejam a ∈ X e b ∈ V (a). Tome z ∈ C tal que b ∈ Vz(a). Como b ∈ Az, f(b) = z,
logo a · b ∈ Af(a)·z = Af(a)·f(b), de forma que f(a · b) = f(a) · f(b). �
Lema 3.48. Para todo a ∈ X, V (a) ∈ ϕ∼.
Demonstração. Começaremos mostrando que
(i) dados y ∈ C e a ∈ G, a ∈ Ay se e somente se a · u ∈ Ay, e
(ii) para todos y, z ∈ C, e todo a ∈ Ay, a · z ∈ Ay·z.
Provando (i), (⇒): por contraposição, suponha que a · u /∈ Ay. Temos que a−1Ay /∈ u, logo
G\a−1Ay = {b ∈ G : a · b /∈ Ay} ∈ u. Vale que a · b /∈ Ay ⇒ a · b · z /∈ Uy·z para algum z ∈ C.
Como C é finito, tome z ∈ C tal que {b ∈ G : a · b · z /∈ Uy·z} ∈ u. Segue que a · u · z /∈ Uy·z; como
a · u · z = a · z, temos que a /∈ Ay.
(i), (⇐): Suponha a · u ∈ Ay. Temos que a−1Ay = {b ∈ G : a · b ∈ Ay} ∈ u, logo para todo z ∈ C,
{b ∈ G : a · b · z ∈ Uy·z} ∈ u; logo para todo z ∈ C, a · u · z = a · z ∈ Uy·z; ou seja, a ∈ Ay.
Provando (ii): a · z ∈ Ay·z ⇔ a−1Ay·z ∈ z. Por contraposição, suponha que a−1Ay·z /∈ z; temos que
G\a−1Ay·z =⋃w∈C{b ∈ G : a · b · w /∈ Uy·z·w} ∈ z, logo tome w ∈ C tal que {b ∈ G : a · b · w /∈
Uy·z·w} ∈ z. Por continuidade, segue que a · z · w /∈ Uy·z·w, e portanto a /∈ Ay.
Tendo (i) e (ii), seja a ∈ X. Suponha V (a) /∈ ϕ∼ e tome x ∈ C∼\V (a). Considere y := f(a) e z :=
x · u. Como x ∈ C∼, z ∈ C, logo x /∈ Vz(a) e assim G\Vz(a) = {b ∈ G : b /∈ Az ou a · b /∈ Ay·z} ∈ x.
Usando (i), temos que {b ∈ G : b /∈ Az ou a · b /∈ Ay·z} = {b ∈ G : b · u /∈ Az ou a · b · u /∈ Ay·z},
logo {b ∈ G : b · u /∈ Az} ∈ x, ou {a · b · u /∈ Ay·z} ∈ x. Isto é, x · u /∈ Az ou a · x · u /∈ Ay·z. Como
x · u = z, temos: z /∈ Az ou a · z /∈ Ay·z. A primeira opção contraria o Lema 3.45, e a segunda
contraria o item (ii), pois a ∈ Af(a) = Ay. �
Lema 3.49. X é aberto na topologia invariante à esquerda definida em G ao se tomar ϕ∼ como
base de vizinhanças de e.
Demonstração. Dado a ∈ X, vimos que V (a) ∈ ϕ∼ no Lema anterior, logo a ·V (a) é aberto; e além
disso, a ∈ a · V (a) ⊂ X. �
3.4. O TEOREMA DE ZELENYUK 97
Lema 3.50. Dado qualquer ∅ 6= Y ⊂ X aberto na topologia definida por ϕ∼, vale que f [Y ] = C.
Demonstração. Primeiramente, dado U ∈ ϕ∼, temos que C ⊂ C∼ ⊂ U , ou seja, para todo y ∈ C,
U ∈ y. Como Ay ∈ y, temos que U ∩ Ay 6= ∅ para todo y ∈ C; portanto, f [U ] = C pela definição
de f . Agora, seja a ∈ Y . Tome U ∈ ϕ∼ tal que a · U ⊂ Y , e U ⊂ V (a). Pelo Lema 3.47, temos
que f [a · U ] = f(a) · f [U ]. Assim, temos que C = f(a) · C = f(a) · f [U ] = f [a · U ] ⊂ f [Y ]. Como
f : X → C, então f [Y ] = C. �
Teorema 3.51. Se G é um grupo enumerável que não possui subgrupos finitos não-triviais, então
G∗ não possui grupo finitos não-triviais.
Demonstração. Suporemos que C ⊂ G∗ é um subgrupo finito tal que C ∼= Zp para algum p > 1 e
disso obteremos uma contradição. Como todo grupo finito não-trivial possui um subgrupo cíclico,
seguirá o resultado em geral.
Tome então γ : C → Zp isomorfismo e para cada i ∈ Zp defina yi = γ−1(i). Considere h := γ ◦ f .
Temos que h : X → Zp e h(a) = i se e somente se f(a) = yi.
Assuma que G possui a topologia produzida no Lema 3.43. Então pelos Lemas 3.43,3.47, 3.48,
3.49 e 3.50, as hipóteses do Lema 3.38 estão satisfeitas, exceto: X não possui pontos isolados na
topologia relativa. Para ver isso, note que o 3.50 implica que todo aberto de X tem pelo menos p
elementos. Como p > 1, X não possui pontos isolados. Dessa forma, podemos aplicar o Lema 3.38
e assumir que x(t) e X(t) foram escolhidos para cada t ∈ F satisfazendo as condições (1)− (13).
Temos que Ay1 ∈ y1, e se a ∈ Ay1 , f(a) = y1, logo h(a) = 1. Se a = x(t), pela condição
(8), h(a) = gp(t); portanto, como x[F ] = X ⊃ Ay1 , Ay1 ⊂ {x(t) : t ∈ F e gp(t) = 1}. Como
gp(t) = 1⇔ c(t) ≡ 1 (mod p), segue que {x(t) : t ∈ F e c(t) ≡ 1 (mod p)} ∈ y1.
Agora, note que c(t) ≡ 1 (mod p) ⇒ existe m ∈ ω tal que c(t) = mp + 1. Dividindo m por p,
existem q, r ∈ ω, r < p, tais que m = qp+ r, de forma que c(t) = qp2 + rp+ 1, e logo c(t) ≡ rp+ 1
(mod p2). Por outro lado, se c(t) ≡ rp+ 1 (mod p2), então existe q ∈ ω tal que c(t) = qp2 + rp+ 1,
e logo c(t) ≡ 1 (mod p). Defina então, para cada 0 ≤ r < p, Br = {x(t) : t ∈ F e c(t) ≡ rp + 1
(mod p2)}. A condição (9) do Lema 3.38 nos garante que se x(s) = x(t) então c(s) = c(t), logo
Br ∩ Bk = ∅ para r, k distintos. Como Ay1 ⊂ {x(t) : t ∈ F e c(t) ≡ 1 (mod p)} =⋃p−1r=0 Br, então
podemos tomar o único r < p tal que Br ∈ y1.
Seja n ∈ N. Vale que X(un) é aberto e e = x(un) ∈ X(un), logo X(un) é uma vizinhança de e,
de modo que X(un) ∈ ϕ∼ =⋂C∼ ⊂
⋂C ⊂ y1. Dado t ∈ F , vale que min supp(t) > n se e só se
t ∈ un_F\{um : m ∈ N}. Como, pela condição (12) do Lema 3.38, x[un_F ] = X(un), segue que
{x(t) : t ∈ F e min supp(t) > n} = X(un)\{e} ∈ y1.
Para cada n ∈ N, considere En = {x(s1 + · · · + sn) : para cada 1 ≤ i ≤ n, si ∈ F, c(si) ≡ rp + 1
(mod p2), e se i < n, si << si+1}. Mostraremos por indução que para cada n ∈ N, En ∈ y1n.
98 CAPÍTULO 3. A ÁLGEBRA DE βS
Como E1 = Br ∈ y1, vale para n = 1. Suponha então que En ∈ y1n. Verificaremos que En ⊂
{a ∈ G : a−1En+1 ∈ y1}, e consequentemente En+1 ∈ y1n · y1 = y1
n+1. Logo seja a ∈ En e tome
s1 << . . . << sn em F tais que para cada i, c(si) ≡ rp+1 (mod p2) e a = x(s1+· · ·+sn). Considere
D = {x(t) : t ∈ F e min supp(t) > max supp(sn) + 1}. Pelo observado acima, Br ∩ D ∈ y1, logo
basta ver que Br ∩ D ⊂ a−1En+1. Seja então t ∈ F tal que min supp(t) > max supp(sn) + 1 e
c(t) ≡ rp + 1 (mod p2). Pela condição (10) do Lema 3.38, temos que x(s1 + · · · + sn) · x(t) =
x(s1 + · · ·+ sn + t) ∈ En+1, logo a · x(t) ∈ En+1 como desejado.
Agora, com a indução completa, temos que: y1p+1 = y1, logo Ep+1 ∈ y1, logo tome a ∈ Ep+1 ∩Br.
Sejam então s1 << . . . << sp+1 em F tais que c(si) ≡ rp + 1 (mod p2) e a = x(s1 + · · · + sp+1).
Temos então o seguinte, pela condição (10) do Lema 3.38: c(s1 + · · ·+ sp+1) = c(s1) + · · · c(sp+1) ≡
(p + 1)(rp + 1) = rp2 + p + rp + 1 ≡ (r + 1)p + 1 (mod p2). Ou seja, a ∈ Br+1, e portanto
Br ∩Br+1 6= ∅ (caso r = p− 1, Bp−1 ∩B0 6= ∅). Contradição. �
Apêndice A
Grupos Abelianos Divisíveis
O material encontrado aqui foi retirado do livro "Abelian Groups", de László Fuchs ([10]). Ele
é utilizado na seção 3.2 do capítulo 3, e por isso é apresentado de forma resumida, assumindo um
conhecimento mínimo sobre grupos abelianos.
Definição A.1. Seja (G,+) um grupo abeliano. Denote por e seu elemento neutro, e −g o oposto
de g ∈ G. Como é usual, denotamos para cada n ∈ Z e cada g ∈ G o elemento ng ∈ G definido
recursivamente por 0g = e, (n + 1)g = ng + g para n ∈ N e ng = −((−n)g) para cada n ∈ Z
negativo; de forma que para todos n,m ∈ Z, e g, h ∈ G, (n + m)g = ng + mg, (nm)g = n(mg) e
n(g + h) = ng + nh. Denotamos a ordem de um elemento g por O(g), caso seja finita.
Fixada tal notação, diz-se que G é um grupo divisível se para todo n ∈ N e todo a ∈ G existe
x ∈ G tal que nx = a. Equivalentemente, se para todo n ∈ N vale que nG = G.
Lembramos que dado um primo p, G é um p-grupo se a ordem de todo elemento é uma potência
de p.
Lema A.2. Seja G um grupo abeliano.
(a) Se para todo p primo, pG = G, então G é divisível.
(b) Se G é um p-grupo, então G é divisível se e somente se pG = G.
(c) Uma soma direta∑
λ∈ΛGλ é divisível se e somente se cada Gλ for divisível.
(d) Se f : G→ H é um homomorfismo sobrejetor, e G é divisível, então H é divisível.
Demonstração. (a): Seja n ∈ N. Pelo Teorema Fundamental da Aritmética, n = p1 . . . pk para
certos primos p1, . . . , pk (com repetição se necessário). Um argumento indutivo em n mostra que
nG = (p1 . . . pk−1)(pkG) = (p1 . . . pk−1)G = G.
(b): O “somente se” é óbvio. Suponha pG = G. Devido a (a), basta ver que qG = G para todos
q primos distintos de p. Sejam q 6= p primo e a ∈ G. Seja n ∈ N tal que pna = e. Como
99
100 APÊNDICE A. GRUPOS ABELIANOS DIVISÍVEIS
mdc(pn, q) = 1, tome s, t ∈ Z tais que spn + tq = 1. Temos então: a = 1a = (spn + tq)a =
spna+ tqa = se+ tqa = e+ tqa = tqa = q(ta), de forma que a ∈ qG.
(c): Se∑
λ∈ΛGλ é divisível, dados n ∈ N, µ ∈ Λ e a ∈ Gµ\{e}, como a ∈∑
λ∈ΛGλ, então existe
x ∈∑
λ∈ΛGλ tal que nx = a. Tome λ1, . . . , λr ∈ Λ tais que x = xλ1 + · · ·+xλr com xλj ∈ Gλj\{e}.
Temos que nxλ1 + · · ·+ nxλr = a. Portanto r = 1, λ1 = µ e assim nxµ = a com xµ ∈ Gµ.
Por outro lado se cada Gλ é divisível, dados λ1, . . . , λr ∈ Λ e aλj ∈ Gλj , e n ∈ N, existem xλj ∈ Gλjtais que nxλj = aλj , e assim n(xλ1 + · · ·+xλr) = aλ1 + · · · aλr (note que não usamos neste caso que
a soma é direta).
(d): Sejam n ∈ N e h ∈ H. Tome g ∈ G tal que f(g) = h, e tome x ∈ G tal que nx = g. Temos
então que h = f(g) = f(nx) = nf(x). �
Agora que sabemos que somas diretas e quocientes de grupos divisíveis são divisíveis, e usando
o evidente fato de que (Q,+) é divisível, temos o seguinte resultado:
Teorema A.3. Todo grupo abeliano G pode ser imerso em um grupo divisível.
Demonstração. Todo grupo abeliano G é a imagem homomorfa de um grupo abeliano livre F . Logo,
para algum N < F , G ∼= F/N . Note agora que, sendo {aλ : λ ∈ Λ} o alfabeto de F , F =∑
λ∈Λ〈aλ〉,
em que 〈aλ〉 é o grupo abeliano livre sobre um gerador - e portanto isomorfo a Z. Z está imerso em
Q, que é divisível. Logo F está imerso na soma direta externa de Λ cópias de Q – chamemo-la de
D.
Segue que G ∼= F/N < D/N , e D/N é divisível. �
Teorema A.4. Sejam H subgrupo de G grupo abeliano e D um grupo divisível. Então todo homo-
morfismo h : H → D possui uma extensão h : G→ D.
Demonstração. Aplicaremos o Lema de Zorn. Dados H < U,U ′ < G e f : U → D, f ′ : U ′ → D
extensões de h, definimos (U, f) ≤ (U ′, f ′) se e só se U ⊂ U ′ e f ′ for uma extensão de f . Dada
C cadeia, defina V =⋃
(U,f)∈C U e F =⋃
(U,f)∈C f ; vale que é um limitante superior para C. Logo
podemos aplicar o Lema de Zorn e tomar (V, F ) maximal. Provaremos então que V = G.
Suponha que g ∈ G\V . Caso não exista n ∈ N tal que ng ∈ V , simplesmente tome x ∈ V qualquer
e defina F ′ : 〈V, g〉 → D por F ′(a + tg) = F (a) + tx para todo a ∈ V e t ∈ Z; temos que F ′ é um
homomorfismo.
Caso exista n ∈ N tal qie ng ∈ V , tome n mínimo com tal propriedade. Tome x ∈ D tal que
nx = F (ng). Defina então F ′ : 〈V, g〉 → D por F ′(a+ tg) = F (a) + tx para todo 0 ≤ t < n. Segue
que F ′ é um homomorfismo.
Em ambos os casos, teríamos que (V, F ) não seria maximal, uma contradição. Portanto, V = G e
definimos h = F . �
101
Definição A.5. Seja G um grupo abeliano. Um sistema de equações (lineares) em G é um conjunto
de equações do tipo nν,1xλν,1 + · · ·+ nν,kνxλν,kν = aν , em que ν ∈ N conjunto indexador qualquer,
kν ∈ N, aν ∈ G, nν,i ∈ N, e xλν,i ∈ {xλ : λ ∈ Λ}, um conjunto de incógnitas.
Uma condição conhecidamente necessária para que o sistema de equações tenha solução (esta
noção será formalizada abaixo) é que, sempre que uma combinação linear dos lados esquerdos de
equações resultar em 0, então a combinação linear correspondente dos lados direitos também resulta
em 0 - isto é, na identidade de G. Mais formalmente, considere X o grupo abeliano livre sobre
o alfabeto {xλ : λ ∈ Λ} e Y o subgrupo de X gerado pelos elementos lν(x) = nν,1xλν,1 + · · · +
nν,kνxλν,kν , ν ∈ N. A condição de que uma combinação linear dos lados esquerdos de equações que
resulta em 0 corresponde a uma combinação linear dos lados direitos que resulta na identidade de
G é apenas uma forma (equivalente) de dizer que a função lν(x) 7→ aν induz um homomorfismo
f : Y → G. Isso nos leva a definir:
Definição A.6. Seja G um grupo abeliano e nν,1xλν,1 + · · · + nν,kνxλν,kν = aν , em que ν ∈ N,
kν ∈ N, aν ∈ G, nν,i ∈ N, e xλν,i ∈ {xλ : λ ∈ Λ}, um sistema de equações. Denotando lν(x) =
nν,1xλν,1 + · · · + nν,kνxλν,kν para cada ν ∈ N, dizemos que o sistema é compatível se a função
lν(x) 7→ aν induz um homomorfismo f : Y → G, em que Y é o subgrupo, do grupo livre sobre
{xλ : λ ∈ Λ}, gerado por {lν(x) : ν ∈ N}.
Definição A.7. Seja G um grupo abeliano e nν,1xλν,1 + · · · + nν,kνxλν,kν = aν , em que ν ∈ N,
kν ∈ N, aν ∈ G, nν,i ∈ N, e xλν,i ∈ {xλ : λ ∈ Λ}, um sistema de equações. Uma solução para o
sistema de equações é uma família indexada {gλ : λ ∈ Λ} ⊂ G que torna as equações verdadeiras –
ou seja, tal que para cada ν ∈ N, nν,1gλν,1 + · · ·+ nν,kνgλν,kν = aν .
Note que uma solução {gλ : λ ∈ Λ} induz a função xλ 7→ gλ, e esta induz a um homomorfismo g
do grupo livre X em G. Portanto, como anunciado acima, se o sistema de equações possui solução
{gλ : λ ∈ Λ}, claramente ele é compatível, pois a função lν(x) 7→ aν é uma restrição de g, do que
g|Y é um homomorfismo. Por outro lado, dado um sistema compatível de equações e f : Y → G
seu homomorfismo induzido, uma extensão f a X, g : X → G, induziria uma solução do sistema
definindo gλ = g(xλ) para cada λ ∈ Λ. Além do que, diferentes extensões de f induzem diferentes
soluções (pois diferentes homomorfismos sobre X não podem assumir os mesmos valores sobre todos
os xλ). Temos então:
Lema A.8. Seja G um grupo abeliano e nν,1xλν,1 + · · ·+ nν,kνxλν,kν = aν , em que ν ∈ N, kν ∈ N,
aν ∈ G, nν,i ∈ N, e xλν,i ∈ {xλ : λ ∈ Λ}, um sistema de equações compatível. Seja f : Y → G
seu homomorfismo induzido. O sistema é solúvel (ou seja, possui solução) se e somente se existe
g : X → G extensão de f , caso em que {g(xλ) : λ ∈ Λ} é solução. Além disso, diferentes extensões
de f correspondem a diferentes soluções.
102 APÊNDICE A. GRUPOS ABELIANOS DIVISÍVEIS
Com estas observações, podemos enunciar e provar:
Teorema A.9. Todo sistema de equações compatível sobre um grupo divisível D possui solução em
D.
Demonstração. Um sistema de equações compatível induz o homomorfismo f : Y → D (de acordo
com as notações acima). Pelo Teorema A.4, f admite uma extensão g : X → D. Pelo Lema acima,
isso implica que o sistema possui uma solução. �
Veremos agora que todo subgrupo divisível é um somando direto de qualquer grupo em que
esteja imerso.
Teorema A.10. Seja G grupo abeliano, e seja D um subgrupo divisível. Então existe B subgrupo
de G tal que D ⊕B = G.
Demonstração. Tome {gλ : λ ∈ Λ} tal que G = 〈D, {gλ}λ∈Λ〉 ({gλ}λ∈Λ pode ser pensado como
uma família de representantes de um conjunto gerador de G/D). Considere todas as combinações
lineares de elementos de {gλ : λ ∈ Λ} que resultam em elementos de D, e as liste da seguinte forma:
nν,1gλν,1 + · · · + nν,kνgλν,kν = aν , em que ν ∈ N, kν ∈ N, aν ∈ D, nν,i ∈ N, e gλν,i ∈ {gλ : λ ∈ Λ}.
Afirmamos então que o sistema de equações nν,1xλν,1 + · · ·+nν,kνxλν,kν = aν , em que ν ∈ N, kν ∈ N,
aν ∈ G, nν,i ∈ N, e xλν,i ∈ {xλ : λ ∈ Λ} é compatível. Como antes, denote, para cada ν ∈ N,
lν(x) = nν,1xλν,1 + · · · + nν,kνxλν,kν , e similarmente denote lν(g) = nν,1gλν,1 + · · · + nν,kνgλν,kν .
A função xλ 7→ gλ, λ ∈ Λ, determina um homomorfismo f : X → G (X é o grupo livre sobre
{xλ : λ ∈ Λ}). Dessa forma, para cada ν ∈ N, f(lν(x)) = lν(g). Portanto, se para algum N′ ⊂ N
finito,∑
ν∈N′ lν(x) = eX , então eG = f(eX) = f(∑
ν∈N′ lν(x)) =∑
ν∈N′ f(lν(x)) =∑
ν∈N′ lν(g) =∑ν∈N′ aν ; de forma que o sistema é de fato compatível. Assim, pelo Teorema A.9 acima, o sistema
admite uma solução emD – denotemo-la por {hλ : λ ∈ Λ}. Defina B = 〈{gλ−hλ : λ ∈ Λ}〉. Vale que
G = 〈D,B〉. Para ver que G = D⊕B, resta ver que D ∩B = {eG}. Suponha então Λ′ ⊂ Λ finito e
{sλ : λ ∈ Λ′} ⊂ Z tais que∑
λ∈Λ′ sλ(gλ−hλ) ∈ D. Temos então que∑
λ∈Λ′ sλgλ =: a ∈ D, de forma
que∑
sλ∈Λ′ sλxλ = a é uma das equações do sistema acima, e portanto vale que∑
λ∈Λ′ sλhλ = a.
Segue que∑
λ∈Λ′ sλ(gλ − hλ) = eG, como queríamos. �
Como foi usado acima, Q é um grupo divisível, assim como, por exemplo, R e C. Z, por
exemplo, é um claro exemplo de grupo não-divisível. Uma classe de grupos divisíveis que nos
será relevante são os grupos quasicíclicos. Existem algumas formas de apresentar esse grupo, a
usada neste texto será a seguinte: dado p primo, o grupo p-quasicíclico é Z(p∞) =(Z[
1p
])/Z
com a operação de adição no quociente, sendo que Z[
1p
]é o anel dos racionais p-ádicos, ou seja,
103{mpn : m ∈ Z e n ∈ N
}. Costumeiramente, iremos denotar os elementos de Z(p∞) pelos seus repre-
sentantes em [0, 1), lembrando que o quociente é um “descarte” da parte inteira – por exemplo,
temos que p−1p + p−1
p = 2p−2p = p
p + p−2p = p−2
p .
Claramente temos as seguintes relações: p(
1p
)= 1 e p
(1pn
)= 1
pn−1 para todo n > 1. De fato,
estas relações descrevem o grupo, isto é, o grupo p-quasicíclico possui uma descrição por geradores
e relações Z(p∞) = 〈g1, g2, g3, . . . |pg1 = e, pg2 = g1, pg3 = g2, . . .〉. Com esta descrição, qualquer
elemento de Z(p∞)\{e} é da forma mgn com m < pn.
O grupo p-quasicíclico é um p-grupo, logo usaremos o Lema A.2(b) para ver que é divisível.
Seja mpn ∈ Z(p∞). Vale que p
(m
pn+1
)= m
pn , e portanto Z(p∞) é divisível.
Pelo Lema A.2(c), qualquer soma direta de racionais e grupos quasicíclicos é divisível. De fato,
o teorema que será provado aqui diz que estes são os únicos grupos divisíveis possíveis. Porém, para
prová-lo, precisaremos ainda de duas outras noções sobre grupos abelianos: torsão e independência.
Definição A.11. Seja G um grupo abeliano. Dizemos que g ∈ G é elemento de torsão se sua
ordem for finita. Dizemos que T < G é subgrupo de torsão se todos os seus elementos forem de
torsão. Dizemos que F < G é livre de torsão se nenhum elemento além de e for de torsão.
Lema A.12. Seja G um grupo abeliano. Então o conjunto T de todos os elementos de torsão de
G é um subgrupo, chamado de subgrupo de torsão maximal. Além disso, se G for divisível, então
T também o é.
Demonstração. Dados, a, b ∈ T , sejam n,m ∈ N tais que na = mb = e. Então nm(a − b) =
nma − nmb = e − e = e. Agora, suponha que G seja divisível, e seja r ∈ N. Tome x ∈ G tal que
rx = a. Então nrx = na = e, logo x ∈ T , o que mostra que T é divisível. �
Definição A.13. Seja T um grupo de torsão. Então, para cada p primo, definimos Tp = {g ∈ G :
existe n ∈ N tal que O(g) = pn} a p-componente de T .
A razão para o nome p-componente é elucidada pelo próximo lema.
Lema A.14. Seja T um grupo de torsão. Então T =⊕
p primo
Tp.
Demonstração. Obviamente, Tp ∩ Tp′ = {e} se p 6= p′. E dados a, b ∈ Tp, sejam n, n′ ∈ N tais que
pna = pn′b = e. Sem perda de generalidade, n′ < n, logo pn(a−b) = pna−pnb = e−e = e, de modo
que cada Tp é de fato um subgrupo. Resta ver que eles geram T . Seja a ∈ T qualquer, e tome r ∈ N
tal que ra = e. Para alguns primos p1, . . . , pk, e alguns n1, . . . , nk ∈ N, r = p1n1 . . . pk
nk . Defina
ri = rpini
. Note que mdc(r1, . . . , rk) = 1, logo tome s1, . . . , sk ∈ Z tais que s1r1 + · · · + skrk = 1.
Temos então a = (s1r1 + · · · + skrk)a = s1r1a + · · · + skrka, em que, para cada i, pinisiria =
siripinia = sira = sie = e, de forma que siria ∈ Tpi . �
104 APÊNDICE A. GRUPOS ABELIANOS DIVISÍVEIS
Definição A.15. Seja G um grupo abeliano. Dizemos que L ⊂ G é um conjunto independente se
sempre que a1, . . . , ak ∈ L, n1, . . . , nk ∈ Z e n1a1 + · · ·+ nkak = e, então n1a1 = · · · = nkak = e.
Claramente, L é independente se e somente se cada subconjunto finito de L é independente.
Assim é fácil ver que a união de qualquer cadeia de conjuntos independentes é também independente.
Ou seja, o Lema de Zorn garante que todo grupo não-trivial possui um conjunto independente
maximal.
Lema A.16. Seja T um p-grupo. Então dado conjunto independente maximal {bλ : λ ∈ Λ}, pode-se
obter um conjunto independente maximal {aλ : λ ∈ Λ} tal que O(aλ) = p para todo λ ∈ Λ.
Demonstração. Para cada λ ∈ Λ, se O(bλ) = p, defina aλ = bλ. Caso O(bλ) = pn com n > 1, defina
aλ = pn−1bλ. Claramente O(aλ) = p para cada λ. Suponha que m1aλ1 + · · · + mkaλk = e. Tome
n1, . . . , nk tais que aλi = pni−1bλi . Temos então que m1pn1−1bλ1 + · · · + mkp
nk−1bλk = e, do que
segue mipni−1bλi = e para cada i, ou seja, miaλi = e.
Dessa forma, {aλ : λ ∈ Λ} é independente. Para ver que é maximal, seja g ∈ T . Como {bλ : λ ∈
Λ} ∪ {g} não é independente, tome m,m1, . . . ,mk ∈ Z e λ1, . . . , λk ∈ Λ tais que mg + m1bλ1 +
· · · + mkbλk = e mas mg 6= e ou mibλi 6= e para algum i. Caso mg = e teríamos uma violação
da independência de {bλ : λ ∈ Λ}, logo mg 6= e. Como mg 6= e, então I := {i ∈ {1, . . . , k} :
mibλi 6= e} 6= ∅. Para cada i ∈ I, tome ri ∈ Z e si ∈ ω tais que mi = ripsi com p - ri. Tome ni
tais que pni−1bλi = aλi para cada i ∈ I e note que si ≤ ni − 1. Defina ti = ni − 1 − si e defina
J = {j ∈ I : tj = max{ti : i ∈ I}}. Defina t = max{ti : i ∈ I}, ou seja, t = tj se e somente se
j ∈ J , e t > ti para todo i ∈ I\J . Assim, note que ptmjbλj = rjaλj caso j ∈ J e ptmibλi = e caso
i ∈ {1, . . . , k}\J . Segue que e = pt(mg+m1bλ1 + · · ·+mkbλk) = ptmg+∑
j∈J rjaλj . Como p - rj ,
então rjaλj 6= e para todo j ∈ J , o que mostra que {aλ : λ ∈ Λ} ∪ {g} não é independente. �
Teorema A.17. Todo grupo divisível é a soma direta de grupos quasicíclicos e de cópias dos raci-
onais.
Demonstração. Seja D um grupo divisível, e seja T seu subgrupo de torsão maximal. Pelo Lema
A.12, T é divisível, logo pelo Teorema A.10 T é um somando direto de D. Seja F < D tal que
D = T ⊕ F . Como T ∩ F = {e}, F é livre de torsão; e como é somando direto de D, F também é
divisível. Usando o Lema A.14 temos que cada Tp, para p primo, também é divisível. Mostraremos
então que F é uma soma direta de cópias de Q e que cada Tp é uma soma direta de cópias de
Z(p∞).
Primeiramente, tome {aλ : λ ∈ Λ} conjunto independente maximal em Tp. Pelo Lema logo acima,
podemos tomá-lo de forma que O(aλ) = p para todo λ ∈ Λ. Fixe λ. Pela divisibilidade de
Tp, podemos recursivamente construir (aλ,n)n∈N de forma que aλ,1 = aλ e aλ,n = paλ,n+1 para
105
todo n ∈ N – o que implica que a sequência é injetora pois estamos em um p-grupo. Assim,
como paλ = e, aλ pertence a um subgrupo p-quasicíclico de Tp, gerado por {aλ,n : n ∈ N};
denotemo-lo Qλ. Vejamos que {Qλ : λ ∈ Λ} gera uma soma direta. Seja µ ∈ Λ e suponha
λ1, . . . , λk ∈ Λ, m1, . . . ,mk ∈ Z, e n1, . . . , nk ∈ N tais que m1aλ1,n1 + · · · + mkaλk,nk ∈ Qµ\{e}.
Tome n ∈ N e m < pn tais que m1aλ1,n1 + · · · + mkaλk,nk = maµ,n. Como maµ,n 6= e, então
I = {i ∈ {1, . . . , k} : miaλi,ni 6= e} 6= ∅. Para cada i ∈ I, tome ri ∈ Z e si ∈ ω tais que mi = ripsi
com p - ri, e tome r ∈ Z e s ∈ ω tais que m = rps com p - r. Defina ti = ni− 1− si e t′ = n− 1− s;
e defina J = {j ∈ I : tj = max({ti : i ∈ I} ∪ {t′})}. Defina t = max({ti : i ∈ I} ∪ {t′}), ou seja,
t = tj se e somente se j ∈ J , e t > ti para todo i ∈ I\J . Assim, note que ptmjaλj ,nj = rjaλj caso
j ∈ J e ptmiaλi,ni = e caso i ∈ {1, . . . , k}\J . Segue que ptmaµ,n = pt(m1aλ1,n1 + · · ·+mkaλk,nk) =∑j∈J rjaλj . Temos dois casos: se t′ < t, então ptmaµ,n = e; caso t′ = t, ptmaµ,n = raµ; em ambos
os casos, temos que a equação acima é uma violação da independência de {aλ : λ ∈ Λ}.
Portanto, temos Qp :=⊕
λ∈ΛQλ < Tp. Como Qp é divisível, Tp = Qp ⊕ Sp; porém Qp contém um
conjunto independente maximal, o que implica que Sp = {e}, e assim Qp = Tp, como queríamos.
Agora, vejamos que F é uma soma direta de cópias de Q. Tome {bλ : λ ∈ Λ} conjunto independente
maximal em F . Como F é livre de torsão, então para cada n ∈ N e cada λ ∈ Λ existe um único
x ∈ F tal que nx = bλ; assim, podemos imergir cada bλ em uma cópia de Q, denotando-a por
Bλ = {mbλn : m,n ∈ Z, n 6= 0}. Vejamos que os Bλ geram uma soma direta. Seja µ ∈ Λ e suponha
λ1, . . . , λk ∈ Λ, m,m1, . . . ,mk ∈ Z, e n, n1, . . . , nk ∈ N tais que m1bλ1n1
+ · · · + mkbλknk
=mbµn . Seja
r = n · n1 · . . . · nk e defina r′ = rn e ri = r
ni. Temos então que r′mbµ = r
mbµn = r(
m1bλ1n1
+ · · · +mkbλknk
) = r1m1bλ1 + · · · + rkmkbλk , o que viola a independência de {bλ : λ ∈ Λ}. Assim, temos
que B :=⊕
λ∈ΛBλ < F , e B é divisível, logo F = B ⊕ S; porém como B contém um conjunto
independente maximal, devemos ter que S = {e}, e assim F = B, como desejado. �
Por fim, temos:
Teorema A.18. Seja (H,+) um grupo divisível e seja A ⊂ H enumerável. Então existe D < H
divisível enumerável tal que A ⊂ D.
Demonstração. Pelo Teorema A.17, assumimos que H =⊕
α∈I Kα, em que cada Kα é isomorfo a Q
ou a um quasicíclico. Considere J = {α ∈ I : existe x ∈ A tal que xα 6= e}. Como A é enumerável,
J é uma união enumerável de conjuntos finitos, logo enumerável. Defina D = {x ∈ H : para todo
α ∈ I\J , xα = e}. Então D ∼=⊕
α∈J Kα, logo é divisível, enumerável, e A ⊂ D. �
Referências Bibliográficas
[1] Neil Hindman, Dona Strauss, Algebra in the Stone-Čech compactification: theory and appli-
cations (De Gruyter expositions in mathematics: 27) - Walter de Gruyter; Berlin; New York
(1998) (1st ed.)
[2] Neil Hindman, Dona Strauss, Algebra in the Stone-Čech compactification: theory and applica-
tions - Walter de Gruyter; Berlin; New York (2012) (2nd ed.)
[3] Neil Hindman, Recent results on the algebraic structure of βS, in "Papers on General Topology
and Applications", S. Andima et. al. eds., Annals of the New York Academy of Sciences 767
(1995), 73-84
[4] Neil Hindman, The ideal structure of the space of κ-uniform ultrafilters on a discrete semigroup,
Rocky Mountain Journal of Mathematics, 16 (1985) 685-701
[5] Vitaly Bergelson, Neil Hindman, Nonmetrizable topological dynamics and Ramsey Theory,
Transactions of the American Mathematical Society, 320 (1990), 293-320
[6] Neil Hindman, Sums equal to products in βN, Semigroup Forum 21 (1980), 221-255
[7] Dona Strauss, N∗ does not contain an algebraic and topological copy of βN, Journal of the
London Mathematical Society, 46 (1992), 463-470
[8] Dona Strauss, Semigroup Structures in βN, Semigroup Forum, 44 (1992), 238-244
[9] Neil Hindman, Dona Strauss, The scarcity of products in βS\S, Topology and Its Applications,
220 (2017), 50-64
[10] László Fuchs, Abelian Groups, Pergamon Press, New York-London-Paris, 1960
[11] Neil Hindman, Dona Strauss, Discrete Groups in βN, Topology and Its Applications, 154
(2007), 2099-2103
[12] Yevhen Zelenyuk, Grupos topológicos com semigrupos finitos de ultrafiltros (Russo), Matematy-
chni Studii 6 (1996), 41-52
107