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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA Liana Pereira Mendes Salvador, maio de 2002

Liana Pereira Mendes - UFBA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA

ETNOECOLOGIA DOS

PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

Liana Pereira Mendes

Salvador, maio de 2002

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA

ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS

DA VILA DE GARAPUÁ/BA

Liana Pereira Mendes

Monografia apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, como parte integrante da disciplina Estágio Curricular Supervisionado (BIO 153), um dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas – Recursos Ambientais (Ecologia).

Orientador: Fábio Bandeira (Universidade Estadual de Feira de Santana/ UEFS) Coorientadora: Jussara Rêgo Dias ( Biologa contratada da Fundação OndAzul)

Salvador, Maio de 2002

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Quando a pescaria não quer a pessoa, não adianta correr atrás dela, que para aonde a gente vai, só faz apanhar. E quando a pescaria

quer a pessoa, qualquer trabalho tá favorecendo a gente, tudo só vem de encontro a gente. Quando não quer, a gente não consegue nada.

Às vezes no mesmo lugar, um pesca mais do que o outro”

(Seu Agenor, o melhor catador de caranguejo da Vila de Garapuá)

“A interação entre pescador e meio ambiente conduz o produtor à necessidade de interpretar o entorno natural (e social) com a finalidade de

criar condições ótimas que possibilitem o acesso, assim como a atuação, sobre o meio em que trabalha. Supõe-se, portanto, uma fase fundamental do

processo de adaptação. Um imperativo que gera conhecimento e cultura num intento de dar explicações às coisas e aos fatos”

(Diegues, 2000).

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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AGRADECIMENTOS

A Deus por me dar força para enfrentar todos os momentos difíceis da minha vida

acadêmica.

Ao professor Ronan Caíres de Brito, coordenador do Projeto Garapuá, por ter me dado a

chance de ingressar neste trabalho, contribuindo, juntamente com a Fundação OndAzul e

o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), para a liberação de verba que possibilitou a

realização das viagens de campo.

A meus pais por terem sido compreensíveis e me dado todo carinho, incentivo e apoio para

a realização desta pesquisa, desde o início até a última folha impressa deste trabalho, com

muita paciência.

Em especial, a amiga e “coorientadora” Jussara Rêgo Dias que me apoiou e continua me

apoiando intensivamente, contribuindo para a minha vida profissional nesta linha de

pesquisa.

A Fábio Bandeira, meu orientador e professor da Universidade Estadual de Feira de

Santana (UEFS), pela orientação, credibilidade depositada no meu trabalho e incentivo que

tem dado a minha formação profissional.

A vila de Garapuá por ter me recebido com muito carinho e respeito, me ensinado a

conhecer melhor a natureza e a entender seus fenômenos de uma forma simples.

A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para o meu crescimento e

realização deste trabalho.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE BIOLOGIA

ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS

DA VILA DE GARAPUÁ/BA

Liana Pereira Mendes

Orientador: Fábio Pedro S. F. Bandeira Coorientadora: Jussara Rêgo Dias

Salvador, maio de 2002

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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APRESENTAÇÃO

“O arquipélago que hoje constitui o município de Cairu, tem o seu território composto de

três ilhas maiores e povoadas: Ilha de Cairu, Ilha de Boipeba e Ilha de Tinharé. Em seu

conjunto, o total de 26 ilhas forma o arquipélago que está inserido na microrregião de

tabuleiros de Valença”1. Garapuá é uma pequena vila de pescadores pertencente a Ilha de

Tinharé, que atualmente é alvo de um projeto de pesquisa financiado pelo Fundo Nacional

do Meio ambiente: “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de

Cairu/BA - Projeto piloto na Vila de Garapuá”, coordenado pela UFBA (sob o comando do

Professor Ronan R. Caires de Brito - Instituto de Biologia/UFBA) e executado pela

Fundação OndAzul, em parceria com a BAHIAPESCA, CRA, Associação dos moradores

de Garapuá (AMAGA) e Prefeitura de Cairú. Este projeto tem o intuito de formular um

plano de manejo alternativo para a vila, fundamental para a preservação da biodiversidade,

tendo em vista a sobrepesca que vem caracterizando as atividades da referida comunidade.

Nesse Projeto Piloto foram realizados estudos sobre os recursos naturais mais explorados

economicamente da vila em paralelo a um serviço de educação ambiental e uma pesquisa

etnoecológica, sendo sta última o alvo deste trabalho monográfico. Segundo Rêgo, (1994),

“uma comunidade pesqueira é caracteristicamente exploradora do meio ambiente aquático

e faz desta atividade (percepção do ambiente) o seu sustento. O mesmo cria as condições

de possibilidade para a atividade exploratória e, portanto, para a sobrevivência da

comunidade”. Por isso se fez necessário compreender as práticas de manejo dos recursos

naturais de comunidades tradicionais como é a Vila de Garapuá, como base para o

desenvolvimento de um plano de manejo alternativo e sua avaliação.

1 http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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RESUMO

A Vila de Garapuá, uma comunidade de pescadores, é alvo do “Projeto de Gestão dos

Recursos Ambientais do Município de Cairu-BA /Projeto Piloto na Vila de Garapuá”

(UFBA/Fundação OndAzul), financiado pelo FNMA, tendo como parceiros a Associação

dos Moradores e Amigos de Garapuá, Prefeitura Municipal de Cairu, CRA e

BAHIAPESCA. A finalidade dessa pesquisa é reconstruir a memória ambiental da

comunidade através do resgate do conhecimento e das práticas de manejo e as tecnologias

tradicionais da pesca em Garapuá, por meio de um estudo etnoecológico. O registro do

conhecimento foi alcançado através de observações, entrevistas semi-estruturadas,

construção de guias êmicos, registros, fotografias e “feedback” com fotografias e textos. A

aplicação desta metodologia comprovou que o conhecimento etnoecológico da população

local se entrelaça com suas práticas produtivas, e servir de base para um plano de manejo

culturalmente e ecologicamente adequado. Foram identificados e registrados diferentes

ambientes bastante referenciados e explorados pelos pescadores da vila de Garapuá. Em

cada ambiente diversos organismos são percebidos pela população local e pescados com

artefatos específicos, sendo seis desses organismos – lambreta, lagosta, caranguejo, polvo,

camarão e peixe – de extrema importância por sustentar financeiramente a vila. Por fim,

existe uma gama de variáveis – vento, temperatura, marés, correntes marítimas – que

interfere na pesca de forma particular para as diversas espécies. A essência da pesca em

Garapuá, portanto, é um conjunto de conhecimento do meio natural, dos fenômenos

atuantes, da identificação dos organismos e artefatos. Este conhecimento é transferido ao

longo das gerações, permitindo a manutenção e reprodução da comunidade.

Palavras-chave: Conhecimento tradicional; Pescadores artesanais; etnoecologia.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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ÍNDICE

01. INTRODUÇÃO............................................................................................................10

02. ETNOECOLOGIA/ETNOBIOLOGIA......................................................................11

03.META.............................................................................................................................11

04. OBJETIVOS.................................................................................................................15

4.1. GERAL.......................................................................................................................11

4.2. ESPECÍFICO............................................................................................................15

05. METODOLOGIA........................................................................................................15

06. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE.............................................................19

07. OS AMBIENTES..........................................................................................................22

7.1. MANGUEZAL...........................................................................................................19

7.2. ARRECIFE................................................................................................................30

7.3. ENSEADA.................................................................................................................31

7.4. “LÁ FORA”..............................................................................................................28

08. OS PESCADOS...........................................................................................................33

8.1. LAMBRETA...............................................................................................................33

8.2. CARANGUEJO.........................................................................................................43

8.3. POLVO......................................................................................................................51

8.4. LAGOSTA..................................................................................................................52

8.5. CAMARÃO................................................................................................................61

8.6. PEIXE........................................................................................................................67

09. ARTES DE PESCA.....................................................................................................68

9.1. CALÃO......................................................................................................................68

9.2.ARRASTÃO.................................................................................................................68

6.3. REDE DE ESPERA...................................................................................................71

9.4 TARRAFA...................................................................................................................77

9.5 LINHA........................................................................................................................79

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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9.6 JIQUI..........................................................................................................................80

9.7. GROSEIRA................................................................................................................82

9.8. FACHO......................................................................................................................83

10. QUADRO SINTÉTICO DAS CATEGORIAS DE PESCA....................................80

11. CICLOS TEMPORAIS...............................................................................................81

12 CONCLUSÃO...............................................................................................................85

13. GLOSSÁRIO................................................................................................................87

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.......................................................................94

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01. INTRODUÇÃO A Etnoecologia estuda a forma de percepção do ambiente, isto é, o conhecimento popular

da dinâmica do meio natural. O conhecimento ecológico tradicional é importante por ser

responsável pela interpretação do ambiente pelo homem. A etnoecologia estuda

exatamente as percepções e os conhecimentos sobre a natureza buscando compreender as

práticas de manejo dos recursos naturais de comunidades tradicionais. Portanto, esse

estudo interpreta o conhecimento dos pescadores e a pesca local, servindo de base para o

desenvolvimento de um plano de manejo, dentro de uma proposta de Gestão Ambiental

local.

Este trabalho tem como objetivo a etnoecologia da vila de Garapuá, uma vila de

pescadores da ilha de Tinharé, pertencente ao município Insular de Cairú-BA, no sul do

estado. Garapuá está localizada numa enseada, entre o rio Taengo (ou rio Garapuá) e o

mar que banha a ilha., além de possuir nos extremos manguezais e arrecifes. Estes

ambientes são alvos principais da pesca artesanal que caracteriza a vila.

“A essência da pesca artesanal é o conjunto de conhecimento sobre meio-ambiente, as

condições da marés, a identificação dos pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca.

Este conjunto de conhecimentos faz parte dos meios de produção dos pescadores

artesanais. Esse conjunto de conhecimentos é em geral transferido de pai para filho e

guardado ciosamente pelos pescadores, como provam vários estudos antropológicos e

sociológicos realizados no Brasil recentemente ( Mourão, F. 1971; Diegues, A. 1983;

Cordell, j. 1974; Maldonado, S. 1991). Esses conhecimentos, transmitidos oralmente,

fazem parte do acervo mental do “mestre” e constitui em elemento fundamental do êxito

das viagens de pesca” (Diegues, 1994).

Os estudos dos saberes das populações locais sobre a natureza são de suma importância

para a valorização do conhecimento etnoecológico das mesmas e para a administração dos

recursos naturais de forma adequada. Segundo Diegues (2001), “a administração ou

manejo dos recursos naturais objetiva a utilização adequada dos recursos naturais e dos

ecossistemas, de modo a respeitar sua capacidade de reprodução e de carga e sua utilização

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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de forma sustentável”, para a melhoria das condições de vida das comunidades tradicionais

e à conservação do patrimônio natural e cultural.

02. ETNOECOLOGIA / ETNOBIOLOGIA

“Nas últimas décadas desenvolveram-se bem mais pesquisas sobre os chamados “povos

tradicionais”, numa perspectiva interdisciplinar, construindo assim interfaces entre as

ciências sociais e as ciências da natureza. Mas recentemente, a partir dos anos 80, têm sido

valorizados os saberes sobre a natureza de grupos indígenas e comunidades tradicionais,

mas com uma orientação bem nítida, proveniente do debate sobre preservação de

ecossistemas e biodiversidade. Reconhecem-se esses saberes e as formas de manejo a eles

pertinentes como fundamentais na preservação da biodiversidade” (Castro, 2000).

Entre as ciências que mais tem contribuído para estudar o conhecimento das populações

“tradicionais” , está a etnobiologia e a etnoecologia que estudam o conhecimento das

populações humanas sobre os processos naturais, tentando descobrir a lógica do

conhecimento humano em relação ao mundo.

“A importância que o conhecimento tradicional tem ganhado nos últimos 15 anos no

cenário das discussões da etnobiologia e da filosofia da ciência e de muitas áreas da

ecologia aplicada (conservação e manejo), possibilita a constituição de programas de

pesquisa que objetivem o entendimento dessas formas distintas, não por isso menos

válidas, de conhecer, explicar e atuar no mundo” (Bandeira, 1999).

A etnobiologia tenta entender como os povos tradicionais compreendem e classificam seu

ambiente físico e cultural, lembrando que cada pessoa possui uma forma única de perceber

e ordenar os eventos naturais e o comportamento dos animais.

“No Brasil, no estudo do conhecimento tradicional sobre o mundo natural surgiu primeiro

um conjunto de trabalhos inspirados na ecologia cultural, na década de 50, como foi

descrito por Julian Stewart e outros e, posteriormente, a partir da década de 1970,

tornaram-se mais freqüentes os trabalhos de etnociência em suas diversas subdivisões,

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como a etnobiologia, a etnobotânica, a atenofarmacologia, a etnomatemática, etc.”

(Diegues, 2000).

A Etnobiologia é reconhecida com o estudo de duas ciências que estão integradas: a

biologia e a antropologia. Estas duas ciências dividem, muitas vezes, os mesmos objetos de

estudo: o conhecimento, as crenças e as práticas de manejo da natureza por uma sociedade

tradicional.

Existe na literatura uma variedade de conceitos para a etnobiologia. Neste trabalho, porém

a definição formulada por Posey (1986) é utilizada, por permitir uma avaliação mais

precisa da abrangência e da importância dos estudos etnobiológicos e/ou etnoecológicos:

A etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia. É o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes,

enfatizando as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo. (Posey, 1986)

Begossi, Hanazaki & Silvano (2002), definem a etnobiologia de forma semelhante a

Diegues (2000), dizendo que “a etnobiologia busca entender os processos de interação das

populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à percepção,

conhecimento e usos (incluindo o manejo de recursos), contribuindo para esclarecer

diferenças culturais e analisar a diversidade ou heterogeneidade cultural”.

“Tais definições colocam como objeto de estudo da etnoecologia o conhecimento que os

produtores tradicionais possuem (corpus) e que fundamenta a sua prática produtiva

(práxis). Este corpus constitui um conhecimento ecológico de natureza empírica que

subsidia a forma de apropriação dos recursos naturais de uma comunidade de produtores

que, por ser de natureza empírica, foi construído e se aprofunda no cotidiano da própria

práxis.” (Rego, 1994)

Portanto, é interessante expor a utilidade dos estudos etnobiológicos e etnoecológicos para

destacar a necessidade de combinar as modernas tecnologias e conhecimento científico

com uma abordagem participativa que envolva a comunidade local e o conhecimento

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ecológico tradicional como um utensílio de extrema importância para a tomada de

decisões, principalmente no que se refere às questões ambientais.

O fato é que tanto o conhecimento científico-moderno como o tradicional, constituem dois

domínios culturais diferentes, com reconhecimento social distinto. De um lado, está o

saber acumulado das populações, de outro lado está o conhecimento científico, oriundo das

ciências exatas que muitas vezes desconhece o conhecimento tradicionalmente acumulado

ou não oferecer a atenção merecida a este tipo de conhecimento. No entanto, cada um em

seu domínio busca objetivos semelhantes que é utilizar a natureza, seja para o próprio

consumo, como fazem as comunidades tradicionais , ou para a exploração e manipulação

como é o caso da ciência moderna.

Essa adaptação dos povos tradicionais a um meio ecológico realiza-se graças aos saberes

acumulados sobre os ciclos naturais, reprodução, migração da fauna, influência de

variantes naturais nas atividades de pesca. É justamente este conhecimento (corpus) e as

práticas produtivas (práxis) que asseguram a reprodução desta sociedade tradicional que é

passado ao longo das gerações, permitindo um manejo adequado dos recursos naturais,

visando à conservação.

Este conhecimento que estabelecer a base da prática produtiva dos pescadores artesanais,

também traz consigo informações necessárias a sustentabilidade ecológica e econômica.

Trata-se de um conhecimento relacionado à ecologia, comportamento e classificação das

etnoespécies marinhas, à confecção e uso dos artefatos de pesca, às variáveis ambientais

que interferem na pescaria e à localização exata dos pesqueiros.

“A valorização do conhecimento e das práticas de manejo dessas populações deveria

constituir uma das pilastras de um novo conservacionismo (...)” (Diegues, 2000). Para que

isso aconteça, é preciso criar um relacionamento novo – um envolvimento – entre os

cientistas e os povos tradicionais com seu conhecimento em relação às questões

ambientais, partindo de que os dois conhecimentos – o científico e o tradicional – são

igualmente importantes.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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O conhecimento tradicional, segundo Bandeira (1999), “pode ser tão valido em termos

epstemológicos quanto o conhecimento gerado através da ciência formal, na medida em

que ele também é capaz de produzir explicações testáveis de fenômenos observáveis

(relações ecológicas como: relações ecológicas solo/planta que afetam a distribuição das

espécies, etc.).”

É importante considerar é que o conhecimento científico-moderno é mais eficaz em

resolver vários problemas ambientais e físicos com rapidez e uma capacidade mais elevada

de teorizar seus resultados, embora muitas vezes fique sem explicações para alguns dos

fenômenos naturais, o que faz com que certos planos de manejo não tenham resultados

satisfatórios. Já os povos tradicionais possuem práticas de manejo adequadas devido às

suas crenças e ao respeito que possuem para com o meio ambiente.

A academia, portanto, procura desvendar os mistérios da natureza, dando explicações com

teorias complexas e a noção de capacidade de suporte baseada em informações científicas.

Já os povos tradicionais, recorrem a outras estratégias para explicar tais fenômenos, que

necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a tomada de decisões objetivas para

um melhor manejo dos recursos naturais.

“O etnobiólogo poderia responder que a eficiência desse conhecimento é local, prática e de

caráter adaptativo – embora ela, às vezes, possa mesmo modificar e gerar novas hipóteses

sobre os fenômenos e processos naturais – portanto, pode mudar de acordo com as

mudanças e condições do entorno cultural e ambiental (ou seja, não é estático). Além

disso, esses conhecimentos, práticas e crenças são o que permite a produção e reprodução

dessas culturas e dessas sociedades através do tempo” (Bandeira, 1999).

Infelizmente, a Etnobiologia é uma disciplina que não existe na maioria dos currículos de

biólogos e antropólogos do Brasil. Isso deixa claro que estamos diante de uma questão

ética que é reconhecer que as comunidades tradicionais possuem um extraordinário saber a

respeito do ambiente em que vivem e retiram o seu sustento, porém não é dado o valor e a

atenção necessária a esse conhecimento.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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03. META

Reconstrução da memória ambiental da comunidade através do resgate do

conhecimento e das práticas de manejo e tecnologias tradicionais da pesca em Garapuá,

através de um estudo etnoecológico, com base para o desenvolvimento de um plano de

manejo e sua avaliação

04. OBJETIVOS

4.1. GERAL

O objetivo geral dessa pesquisa é reconstruir a memória ambiental da comunidade através

do conhecimento tradicional e práticas de manejo, por meio de um estudo etnoecológico,

que prevê o estudo da percepção, do conhecimento da natureza pelo homem, das práticas

produtivas e crenças como base para o desenvolvimento de um plano de manejo, dentro de

uma proposta de Gestão Ambiental local, e sua avaliação.

4.2. ESPECÍFICO Este trabalho específico visa a identificação e caracterização dos ambientes de pesca

incluindo a descrição dos pesqueiros, assim como, registrar o conhecimento, dos

pescadores e marisqueiras, a respeito dos organismos alvos da sobrepesca na vila e do

“Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do município de Cairu/BA”. Registrando

também, todos os tipos (ou “artes”) de pesca e artefatos necessários em cada arte, segundo

os saberes tradicionais dos especialistas locais entrevistados.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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05. METODOLOGIA O resgate do conhecimento foi realizado por meio de um estudo etnoecológico, como base

para o desenvolvimento de um plano de manejo e sua avaliação, conforme requerido pelo

Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA, na Vila de

Garapuá. Todo o trabalho em campo foi realizado com base em observações participante,

entrevistas semi-estruturadas, registro escrito e gravado, fotografias, “feedback” com

fotografias e guias êmicos.

A observação é um método bastante utilizado em todos os trabalhos de campo. Foram

observações a cerca do local, identificando os especialistas2, os ambientes e a relação dos

pescadores e marisqueiras com o meio natural. Observações a respeito da preocupação

com o meio natural também foram realizadas.Foi registrado, que os pescadores possuem

um enorme cuidado com o meio natural de onde eles retiram o seu sustento. Além disso, a

observação participante também foi utilizada para registrar melhor uma atividade local.

Entrevistas semi-estruturadas, com os cuidados metodológicos para não induzir respostas,

foram realizadas com pelo menos 10 especialistas locais, seguindo um protocolo

construído a partir de dados obtidos da análise das entrevistas anteriores. Este protocolo

utilizou categorias locais (obtidas através de guias êmicos) para a formulação de perguntas

imparciais, tais como: O quê? Como? Onde? Quando? “De um modo geral, quanto mais

aberta a pergunta, isto é, menos restritiva, maior é a liberdade deixada ao informante para

responder segundo sua própria lógica e conceitos. Melhor dito: quanto menos perguntas,

melhor é.” (Posey, 1986).

As entrevistas foram obtidas através do registro escrito e gravado, procurando retirar o

máximo de informações durante o tempo livre de que cada pescador tinha ou estabelecia

para as entrevistas. À medida que a confiança dos pescadores foi sendo alcançada, era

possível aumentar o tempo de cada entrevista, buscando-se chegar a entrevistas de cerca de

uma hora de duração. Foi realizado um número de entrevistas com cada especialista

2 Os pescadores e marisqueiras aqui referidos têm perfeito conhecimento do uso de seus nomes e imagem nos sub-projetos do “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA – Projeto Piloto na Vila de Garapuá”. Os especialistas listados neste trabalho foram parceiros do Projeto (a grande maioria recebendo salário e outros prestando serviços) e trabalharam, juntamente com a equipe de estudantes e orientadores, para a realização deste Projeto. Deixando bem claro que, todos os dizeres dos especialistas entrevistados foram aqui conservados.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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tradicional que tornou possível aplicar a metodologia do consenso do informante na análise

de dados, de modo a incluir na análise apenas as informações que aparecem de maneira

reiterada nas entrevistas com cada pescador ou marisqueira e entre os pescadores e as

marisqueiras. Pois em uma comunidade, nem todos concordam com a mesma idéia ou

possuem os mesmos conhecimentos.

“O pesquisador deve tomar algumas medidas para que a sua interferência seja reduzida ao

máximo, de modo que as informações recolhidas por ele correspondam, na medida do

possível, à situação real da comunidade. Particularmente importantes são ao cuidados na

realização de entrevistas, em que as perguntas devem ser construídas de forma que elas não

induzam o entrevistador a favorecer uma determinada resposta”(Rego,1994). Segundo

Posey (1986), “o máximo de cuidado deve-se ter para que os relatos sejam aproximados

quanto possível da maneira como eles pensam, não permitindo distorções nas falas dos

especialistas locais. Assim sendo, deve-se envidar todo o esforço para formular perguntas

despidas o mais possível de conceitos etnocêtricos3”.

O registro gravado, de cada viagem, foi de grande importância para que nenhum detalhe se

perdesse a respeito da descrição local realizada pelos pescadores e marisqueiras,

resgatando desta forma o conhecimento dos pescados, dos artefatos e categorias ecológicas

de pesca, registrando a percepção local do ambiente de trabalho e laser.

“Para obter e completar dados, o pesquisador pode selecionar palavras empregadas pelo

informante, a partir das respostas iniciais” (Posey, 1986). A realização das primeiras

entrevistas, foi utilizado este método conhecido como método da “Bola de Neve” –

geradora de dados. “Quando se utiliza o método do questionamento, deve-se começar por

mostrar um objeto e dizer simplesmente: fale-me sobre isto. Formulada dessa maneira, a

pergunta evitava o uso de um nome para uma categoria de objetos (...)” (Posey, 1986). As

entrevistas, portanto, eram direcionadas de acordo com os interesses do momento e a

especialidade do pescador.

3 Bandeira (1999), diz que o etnocentrismo é uma ideologia (...) nas qual uma cultura, sociedade ou civilização particular defende sua superioridade (técnica, cognitiva, moral etc.) frente a outras”.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Com base nas entrevistas, já registradas anteriormente, de forma escrita e gravada, foi

possível construir guias êmicos dos ambientes e das artes de pesca com base na descrição

local. A construção de guias êmicos é admissível utilizando uma pesquisa direcionada com

questionamentos construídos de acordo com as informações passadas pelo pesquisado, à

medida que as informações começavam a surgir e servindo de apoio, e/ou guia, para as

próximas entrevistas. “A construção diária de guias êmicos permitiu o redirecionamento

das entrevistas, adaptando-as aos resultados obtidos em cada dia da pesquisa de campo.

Todo questionamento tem um direcionamento cognitivo para a obtenção do conhecimento.

Não se deve é induzir o entrevistado a responder de acordo com as categorias dadas pelo

pesquisador; ou seja, de acordo com categorias que não lhe são próprias” (Rego,1994).

É importante lembrar que, no estudo de uma cultura, as informações aparentemente

absurdas, recolhidas durante as entrevistas, não devem ser, em momento algum,

desprezadas. Para a análise dos dados, as gravações foram transcritas, categorizadas e

agrupadas em blocos correspondentes, facilitando a interpretação das informações

recebidas.

Em paralelo com as entrevistas, foi realizado o registro fotográfico dos pescadores

trabalhando, dos pescados, dos tipos de pesca e dos artefatos, além dos ambientes

utilizados e descritos durante as entrevistas. “Feed-back” com fotografias e textos foram

outras formas de obtenção das informações que proporcionaram excelentes resultados.

Essa técnica foi utilizada e muito bem aceita pela população com o intuito de responder a

algumas dúvidas, completar informações registradas anteriormente e retificar erros da

mesma. No momento “feedback” as fotografias e os textos eram apresentados e discutidos

com os especialistas, em particular. Os pescadores e marisqueiras ao se verem nas

fotografias trabalhando ou escutando seus próprios relatos, sabendo que seus

conhecimentos foram importantes para uma pesquisa, eram estimulados a falar mais sobre

o ambiente, tipos de pesca, pescados relacionados e até passagens da sua vida particular –

Histórias de pescadores.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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06. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE “Cairu foi uma das zonas de colonização mais antigas do litoral baiano, surgida ainda no

século XVI quando o então segundo donatário de capitania de Ilhéus ordena em 1565 a

criação das vilas de Cairu, Boipeba e Camamu. Entretanto, sua economia local baseada no

extrativismo da madeira, a pesca e a piaçava, além do isolamento como ilha, muito

contribuiu para a sua estagnação econômica. A Ilha de Tinharé, juntamente com Cairu e

Boipeba, durante os séculos XVII e XVIII, concentrava a maior produção de farinha de

mandioca que abastecia Salvador, sendo em 1673, proibido pelo Governador Afonso

Furtado, a exploração da cana nas ilhas para não prejudicar a produção de farinha. É no

atual século que a ilha é descoberta para o turismo, atraindo um número crescente de

turistas e veranistas. A população local, nas últimas décadas cresceu significativamente, e

hoje, vive da pesca, da prestação de serviços ao turismo e de alguma agricultura de

subsistência”4

Mapa da Ilha de Tinharé-Boipeba. fonte5

4 (http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html).

5 (http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html).

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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O atual arquipélago do município de Cairu, é composto de três conhecidas ilhas - Ilha de

Cairu, Ilha de Boipeba e Ilha de Tinharé – por suas belezas naturais que atraem turistas do

mundo inteiro. São vinte seis ilhas que constituem o arquipélago pertencente a

microrregião de tabuleiros de Valença. Garapuá situa-se em uma das quatorze ilhas – Ilha

de Tinharé - que compõem o arquipélago de Tinharé no estuário do rio Una, cerca de 50

km de Salvador, localizada entre o rio Taengo (ou rio Garapuá) e o mar que banha a ilha.

O município contém uma Área de Proteção Ambiental (APA Tinharé-Boipeba, decreto

estadual de 24 de junho de 1992), sob a coordenação do CRA- Centro de Recursos

Ambientais.

Manteve-se no entanto a comunicação via estuário, onde as embarcações de madeira

(saveiros) mantêm a região viva, transportando passageiros entre as vilas e entregando as

mercadorias (pescado, piaçava, côco e dendê) produzidas na região, à Valença, que se

tornou o centro de serviços e comércio, e à Salvador, que é praticamente abastecida por

uma espécie de bivalve comestível (Lucina pectinata), a popular "lambreta", muito comum

nos manguezais da Vila de Garapuá. O consumo desse bivalvo comestível nas pousadas,

restaurantes, principalmente em Salvador, tem se incrementado.

“As marisqueiras, são um sustentáculo importante na economia doméstica uma vez que as

suas atividades não são interrompidas durante os meses de inverno quando a maioria dos

pescadores não podem exercer as suas atividades devido ao mau tempo e barras precárias

para a entrada de embarcações”6.

Seu Clemilton, afirma que “Aqui em Garapuá a coisa não aperta não. Aqui todo mundo se faz”.

A praia de Garapuá, que possui a maior atividade extrativista dos recursos pesqueiros de

todo o arquipélago, é formada por uma enseada e nas duas extremidades encontra-se

manguezais e recifes rochosos e coralinos. Nesses ambientes nos deparamos com os

organismos que sustentam financeiramente a vila. Os organismos mais explorados para o

consumo são: polvos, lambreta, caranguejos, camarões, lagostas e peixes.

6 www.guarapuá.ufba.br

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Através da comunicação pessoal, com os especialistas entrevistados, foi possível notar que

a cultura local está sendo alterada e as festas populares já se aliaram as músicas de Pagode,

Axé e outros rítimos modernos, modificando os hábitos da vila. Porém, mesmo com todas

as novidades da cidade chegando a vila, Garapuá ainda não possui uma infraestrutura

adequada para receber um número grande de turistas. Para manter viva a cultura local, os

moradores tiveram a iniciativa de fundar uma associação.

A comunidade da vila se organizou para fundar, em 1996, a Associação dos Moradores e

Amigos de Garapuá (AMAGA), que toma decisões de forma democrática, referentes a

assuntos que perturbem a tranqüilidade da vila ou ainda servindo para estabelecer

movimentos e festividades para os moradores, além disso, serviu de “ponte” de

comunicação entre a comunidade local e as ações do Projeto de Gestão dos Recursos

Ambientais do Município de Cairu-BA / Projeto Piloto na Vila de Garapuá.

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07. OS AMBIENTES

“A necessidade, do pescador, de conhecer a dinâmica desse espaço, supõe em última

instância uma prática de subsistência que serve tanto para aumentar a segurança física num

meio perigoso como para administrar os recursos que nele se encontram e que são

imprescindíveis para sua alimentação” (Allut, 2000).

A partir de descrições locais foi possível detectar diferentes ambientes na vila de Garapuá.

Cada tipo de pesca e pescado citado pelos especialistas locais durante as entrevistas, estão

associados a um ambiente específico, o qual encontra-se subdividido e recebe um nome

particular (Tabela01). “A exploração desses hábitats diversos exige não só um

conhecimento aprofundado dos recursos naturais, das épocas de reprodução das espécies,

mas a utilização de um calendário complexo dentro do qual se ajustam, com maior ou

menor integração, os diversos usos dos ecossistemas” (Diegues, 1994)

Tabela 01: Ambientes encontrados em Garapuá-BA, com seus pesqueiros e pescados.

AMBIENTE /LOCAL

PESQUEIROS PESCADO

Jiquiriça Peixe:Guaricema Chumberga)

O duro Peixe Ponta do Vaz Peixe, lagosta

“Lá pra fora” da

enseada

Os “35” “As “35”fica perto da berada” (S.Cantor)

Peixe (Badejo)

Vilisboa

Lagosta, caranguejo, lambreta

Camboa Velha (Manguezal mais longe) Caranguejo, lambreta Panã Caranguejo e lambreta

Manguezal

Enseadinha Caranguejo, lambreta

1.Canal das Pedras 2.Canal Atolento

Lambreta

Casa dos Paus Lambreta,caranguejo

Manguezal Pedarta

Canal Novo Lambreta Ilha Grande do Norte Polvo, lagosta

Ilha Grande do sul “Mangue redondo do sul” (S. Isaías)

Lagosta, Tainha

Arrecife

Ponta da Faca “A beradinha aqui, nesta

ponta aqui - 1º ponto.” (S. Dida) -Arrecife Norte-

Peixe

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7.1. MANGUEZAL

Schaeffer-Novelli (1995), define manguezal como um ecossistema costeiro, de transição

entre os ambientes terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e subtropicais,

sujeito ao regime das marés e constituído de espécies vegetais lenhosas típicas

(angiospermas), além de micro e macro algas (criptógamas), adaptadas à flutuação de

salinidade e caracterizados por colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com

baixo teor de oxigênio. Já Diegues (2001), manguezal como “um sistema ecológico

costeiro tropical dominado por espécies vegetais e animais adaptados a um solo

periodicamente inundado pelas marés, com grande variação de salinidade”. Os manguezais

são considerados áreas vitais no nosso planeta, porque são ambientes muito especiais de

grande importância ecológica e econômica, que ocorrem por todo litoral onde os rios

deságuam no mar, ocorrendo uma mistura de água salgada com água doce. Sabe-se, no

entanto, que os manguezais são ecossistemas produtivos e complexos que produzem bens e

serviços de grande valor econômico para a sociedade como um todo, e para as

comunidades litorâneas principalmente, que usam seus recursos naturais como base da

dieta alimentar. Esses bens e recursos são produzidos e dado “gratuitamente” a sociedade.

Essa noção de “gratuidade” refere-se ao fato dos manguezais serem áreas públicas, de

acesso aberto para atividades tais como: a pesca, a catação de caranguejo e de lambreta.

“Os manguezais do Brasil se estendem do extremo norte do Brasil (Amapá) até Santa

Catarina, ao sul do País. A maior concentração de manguezais se dá no litoral dos estados

do Amapá, Pará, Maranhão, mas há também ocorrências importantes nos estuários do

Nordeste, especialmente na Bahia” (Diegues, 2001). Em Garapuá, baixo sul do estado da

Bahia, população possui uma relação tradicional com os manguezais da região, de onde

retiram alimentos. É uma comunidade que depende da existência do manguezal e dos

ciclos biológicos para sua sobrevivência.

A dinâmica das marés promove a circulação dos nutrientes para todos as espécies de

animais que eventualmente circulam ou se estabelecem no manguezal, além de determinar

o tempo de pesca neste ambiente . “Como ambiente de trabalho, o manguezal é inóspito e

além disso o catador e a marisqueira não podem seguir os horários convencionais de

trabalho” (Reitermajer, 1996). A pesca em Garapuá depende predominantemente da maré,

pois, “as marés são o principal mecanismo de penetração das águas salinas nos

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manguezais” (Schaeffer-Novelli, 1995). Essas inundações que se repetem em intervalos de

tempo regulares determinam o horário da pesca. Todo tipo de pesca da Vila gira em torno

do movimento da maré. Em Garapuá as marisqueiras e os catadores de caranguejo (Ucides

cordatus) só se deslocam até o manguezal quando a maré encontra-se baixa, como relata

seu Agenor, o melhor catador de caranguejo da vila: “Ficamos no mangue até o retorno da

maré. Então quando a maré vier enchendo nós vem embora”.

“O manguezal possui várias características que são únicas e que fazem dele um

ecossistema muito específico. Dentre elas alguns autores citam a fixação de solos instáveis,

contribuição para a manutenção da linha costeira, amenização do microclima através de

sua vegetação que diminui os índices de evaporação das águas superficiais, regulação da

qualidade da água devido à assimilação de nutrientes e deposição de partículas”

(Barros,1992).

“O manguezal nordestino é caracterizado também por uma faixa de solo salgado e de

pouca vegetação, o chamado “apicum”, que separa o manguezal da terra firme” (Por,

1994). Segundo os pescadores o apicum é a faixa de “onde bate a maré pra cima” (seu

Agenor), é o local, no manguezal, onde o caranguejo está presente.

“O guaimum é lá em cima e o caranguejo é lá no apicum” (seu Agenor).

A lambreta (Lucina pectinata) também se encontra no mesmo manguezal que o

caranguejo, porém “A lambreta dá mais de meio mangue pro arrecife e o caranguejo pelo

mangue todo” (seu Agenor), além de serem encontrados em locais estratégicos que

atendem as necessidades de sobrevivência destes animais. “As lambretas ficam mais na

lama e o caranguejo fica mais perto das quizangas, entre as quizangas” (dona Naninha),

que são raízes das árvores de mangue, além disso os caranguejos se afundam mais que as

lambretas. Assim podemos notar que existe uma estratificação do manguezal de acordo

com o organismo encontrado em cada substrato. Os pescadores ainda citam o siri, um

organismo freqüente no manguezal e que também é relatado durante as entrevistas que

mostram o seu “lugar”, sempre nas raízes de mangue – “parado ou espumando”.

“O siri não faz buraco. Fica no lamarãozinho. Quando o buraco é dele mesmo é fácil de

encontrar, ele começa a ficar lamento, ver aquela poça de água” (seu Agenor)

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Nos manguezais de Garapuá existem, segundo seu Agenor, três “tipos” de caranguejos.

Tem a catita, o caranguejo boca grossa e o caranguejo boca igual. Todos os três tipos são

encontrados nos manguezais da vila e, como relatam os pescadores, os três convivem no

mesmo ambiente.

“O caranguejo tem 3 tipos e todos três dão nesses mangues todos” (seu Agenor)

O caranguejo e a lambreta são encontrados na mesma “faixa de mangue”, no mesmo local

dentro do manguezal. Porém esses organismos são encontrados em profundidades

diferentes diferindo assim a forma de coleta. Segundo pescadores e marisqueiras locais a

coleta do caranguejo é bem mais trabalhosa do que a coleta da lambreta, pois o caranguejo

não fica em buracos com pouca profundidade. Para coletar caranguejo é necessário colocar

todo o braço na lama, já na coleta da lambreta, só é preciso enfiar o braço até a altura do

cotovelo. Mais uma vez é possível notar que existe uma estratificação dos organismos nos

manguezais da vila de Garapuá. Assim podemos notar que existe não só uma estratificação

horizontal como foi relatado acima, mas também uma separação relacionada com a

profundidade e com os nichos ecológicos. Os organismos são distribuídos de forma

vertical nos manguezais, permitindo que se estabeleça uma grande variedade de espécies

num mesmo local (Tabela 01).

“Até meio braço você encontra lambreta, mas caranguejo você tem que atolar o braço todinho” (dona Naninha)

Tabela 01: Extratificação do manguezal de Garapuá-BA, segundo os pescadores.

MAR

PRAIA

MANGUE

APICUM

GARAMUGE

TERRA

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É desses manguezais que quase toda a vila tira alimento, seja para o próprio consumo ou

até mesmo para o comércio. “Boa parte das proteínas da dieta alimentar dessas populações

provém dos manguezais. Tudo de uma forma bem artesanal” (Schaeffer-Novelli, 1995)

através da “pesca” de lambreta e caranguejo, organismos presentes nos manguezais e

freqüentemente comercializados pelos moradores da vila de Garapuá. Reitermajer (1996),

diz que “historicamente, a população brasileira explora o manguezal e seus recursos (...)

principalmente para a alimentação”. E acrescenta afirmando que “os índios são descritos

na literatura como as primeiras populações a utilizarem o manguezal como fonte de

alimento no Brasil como local estratégico de caça (...) além de local para a pesca de

marisco e peixes”. Atualmente, as comunidades tradicionais localizadas no litoral e em

regiões de estuário, exploram os recursos deste ambiente, além dos organismos visitantes,

para consumo próprio e principalmente para a comercialização.

“Hoje, é conhecido o papel exercido pelo mangue na manutenção de uma rica fauna de

peixes, crustáceos e moluscos. Algumas espécies como a tainha e o camarão passam aí

uma parte importante de seu ciclo reprodutivo” (Diegues, 2001). Embora exista uma fauna

habitual nos manguezais, muitas outras espécies procuram freqüentemente este ambiente

em busca de alimento, repouso ou local para reprodução, desova, crescimento e também

como proteção contra predadores. Os fatores principais que determinam tais utilidades, são

as águas tranqüilas e a grande quantidade de matéria orgânica existente nos manguezais.

Nos manguezais da vila de Garapuá, é freqüente a entrada de polvo, que ataca o siri, e

algumas espécies de peixes - caranha, robalo, baiacu (“come lambreta”), carapitanga,

caramuru (“se alimenta de caranguejo mole”), carapeba e tainha - que só entram no

manguezal a procura de alimento.

“Os peixes como a só entra no mangue para comer. A tainha só come lama do mangue”

(dona Naninha)

“Algumas comunidades ribeirinhas mantêm relação de grande dependência com os

recursos oferecidos pelos manguezais” (Schaeffer-Novelli, 1995), é o que ocorre nesta vila.

Os manguezais mais ricos e mais freqüentados pelas marisqueiras são, nesta ordem:

“Camboa Velha”, “Canal Novo” (“Pedarta”), “Panan”, “Vilisboa”, “Enseadinha” e “Casa

dos Paus”. Essa separação dos manguezais foi feita, segundo dona Naninha, pelos

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pescadores mais velhos da vila. Hoje, usando as denominações que foram determinadas

antigamente, seu Agenor diz que existe diferença entre os manguezais - “Tem. Sempre tem

diferença. Porque digamos assim, o mangue aqui em Enseadinha é um mangue mais duro,

o mangue em Camboa Velha é um mangue mais longe, mais mole, mais ruim da gente

entrar”. Provavelmente, essa diferença da lama possa estar relacionada com o tipo de

substrato – lodoso ou arenoso – encontrado em cada manguezal citado pelos pescadores e

marisqueiras da vila. Cada parte destes manguezais recebe um nome, que fora dado de

acordo com as características ambientas. Por exemplo, Canal Atolento é um “pedaço” do

manguezal da Pedarta (Figura 02) que recebe este nome por ter um substrato lodoso, isto é,

muita lama, já o Canal das Pedras, que também faz parte do manguezal da Pedarta, recebe

este nome por possuir um substrato arenoso, quer dizer cheio de pedras.

“Quando o mangue é muito duro, o caranguejo não tem como cavar, fazer a morada.

Às vezes o tipo da lama, ele não gosta daquele tipo de lama” (seu Agenor)

Figura 02: Manguezal conhecido por Pedarta

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As mulheres saem, durante a maré baixa, à procura de mariscos, os quais são vendidos

para completar a renda familiar, enquanto os homens saem para pescar. Entre os

manguezais mais freqüentados, seu Agenor diz que “O que dá caranguejo de tamanho de

qualidade boa para gente se alimentar para tudo é Pedarta e Camboa Velha”. De todos os

manguezais citados nas entrevistas os mais distantes são Panan e Camboa Velha. Camboa

Velha é o manguezal mais distante e de substrato lodoso, o que dificulta o acesso,

necessitando de um esforço físico para alcançar o melhor local de trabalho. Por isso é

conhecido pela população local como o manguezal mais rico em lambreta e caranguejo.

Dona Naninha acrescenta que o manguezal onde menos se trabalha é Canal Novo porque lá

“as lambretas são todas miudinhas”. Enseadinha é o manguezal mais duro, isto é, o

manguezal com o substrato mais arenoso, assim como Vilisboa (Figura 03) e Casa dos

Paus, que não mais são utilizados na pescaria como antigamente.

Figura 03: Manguezal conhecido por Vilisboa

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O manguezal onde se encontra uma maior quantidade de caranguejo de bom tamanho e

qualidade para o consumo é, segundo marisqueiras locais, Pedarta e Camboa Velha.

Quando comparado com os outros manguezais, Vilisboa e Enseadinha são apontados pelos

pescadores e marisqueiras da vila de Garapuá como sendo os que possuem caranguejos

pequenos. Embora o Panan seja considerado por eles como o manguezal que dá sempre

menos caranguejo e de menor tamanho, devido a presença de grande quantidade de pedras,

embora tenha uma lama de excelente qualidade, como a lama de Camboa Velha.

“Agora de todos, de todos que mais dá é Camboa Velha, que é o mais difícil de ir. Numa semana não trabalha, mas na outra vai, leva 15 dias e retorna aquilo alí ”

(dona Naninha).

“Camboa Velha é um mangue mais longe e muito puxado, ruim da gente entrar. Vai ter que andar um pedaço de 50 metros de lamarão para entrar e 50 metros para sair”

(seu Agenor)

Os manguezais listados acima, são ecossistemas de grande importância para o sustento

dessa vila de pescadores. Porém, como pode ser observado, eles utilizam seus recursos

naturais de maneira predatória.

“Tem lugares que pescava muito, mas hoje tem tanta pedra que não dá pra pescar.

Dava tanta lambreta, mas as pedras tomaram conta de tudo.” (dona Naninha)

Assim, o trabalho de caracterização dos manguezais pelos pescadores e marisqueiras locais

se fez necessário por constituir um suporte técnico para a formulação de um plano de

manejo dos recursos deste ecossistema; servir de base para outros estudos que visem a

compreensão e o funcionamento deste ambiente; além de ser fundamental na preservação

da biodiversidade.

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7.2. “ARRECIFE”

A enseada de Garapuá possui em suas duas extremidades, além de manguezais, recifes de

corais. Estes dois recifes de corais são chamados pela população local de “arrecife” e só

“aparecem” quando a maré encontra-se baixa, eles recebem nomes oferecidos pela

população local de acordo com a sua localização - Ilha Grande do Norte e Ilha Grande do

Sul. A Ilha Grande do Sul localiza-se na ponta direita da vila e “termina num lugar num

lugar chamado de Rio das Maçãs” (seu Dida). A Ilha Grande do Norte (Figura 04), por sua

vez, fica na ponta esquerda da vila e, segundo Pescador 04, “esse arrecife termina em

Morro de São Paulo”.

Esses arrecifes são utilizados pela população local como fonte de alimento. É desses

arrecifes que os pescadores retiram grandes quantidades de lagosta-vermelha (Panulirus

echinatus), polvo-verdadeiro (Octopus vulgaris) e peixes de diversas espécies que se

aproximam da terra, como dizem, peixes da costa. Segundo seu Clemilton, o melhor

polvejador da Vila, todo o pescado encontrado nos arrecifes chega durante a noite, em

busca de alimento e uma morada.

Figura 04: Seu Clemilton retirando um polvo da toca, no “arrecife” conhecido por Ilha Grande do Norte.

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O polvo é capturado sempre pela manhã, durante a maré vazia, com auxilio de um

bicheiro, artefato de pesca, ou de mergulho. Já a lagosta, pode ser capturada tanto pela

manhã de rede cercando o arrecife, quanto à noite, porém sempre na maré vazia. A

pescaria da lagosta que acontece pela noite ocorre apenas durante as noites sem lua, isto é,

durante noites de lua nova ou minguante, é a chamada “pescaria-de-facho”. Os peixes dos

arrecifes são capturados de linha – pescaria de linha ou buraco – e de redes. São utilizadas

redes de espera, beirando o arrecife ou o manguezal, ou ainda uma rede conhecida como

tarrafa, jogada nas poças de água. Além desses organismos citados acima, que são alvos do

“Projeto Piloto na Vila de Garapuá”, existem várias formas de vida que habitam os buracos

e poças dos arrecifes Norte e Sul da vila. Um desses organismos, bastante conhecido pelos

pescadores, é o peixe conhecido vulgarmente como caramuru, que assusta os pescadores

atacando-os principalmente no escuro da noite. Esse peixe é bastante conhecido também,

em outras localidades, como moréia. Os pescadores afirmam que existem diversos “tipos”

de “caramuru” – “Pintado de listras” e “de bolinhas”, “boca de fogo”, “verde” e

“mulatinha”. A pesca do caramuru é realizada com uma armadilha de palha chamada de

“Jiqui”.

“No arrecife Norte é onde é melhor para polvo. Polvo grande de mergulho”

(seu Clemilton)

7.3. ENSEADA

A enseada se assemelha bastante ao ambiente descrito pelos pescadores de Garapuá como,

“Lá fora”. Na enseada encontram-se os mesmos “tipos” de peixes, isto é, as mesmas

espécies de peixes pescadas “lá fora”, porém as artes de pesca dos dois ambientes são

distintas e particulares. Na enseada, as águas são protegidas e durante o inverno são mais

calmas, por conta disso, a pesca na enseada acontece principalmente durante a época mais

chuvosa do ano. Na enseada, é comum encontrar pescadores colocando redes de espera.

Numa conversa com seu Raimundo, enquanto ele desmalhava7 sua rede de espera (Figura

05) - a cascudeira que pesca um peixe conhecido popularmente como cascuda ou sardinha

– ele me informou que com a “água suja”, isto é, quando a água encontra-se misturada com

7 Retirar os peixes presos na malha da rede

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o sedimento do fundo, os peixes “correm” para terra e para os canais nas margens dos

manguezais - “[...] aí corta a beira do mangue com a rede, certo, deixa lá, quando a maré

seca, que ele vem, ele encontra a rede, aí ele fica preso na rede e não pode sai”. Na

enseada também acontece um tipo de pesca que utiliza uma rede de arrasto, é o calão, uma

arte de pesca - uma enorme rede - que é manejada por um grupo de homens na praia.

Figura 05: Seu Raimundo e seu filho desmalhando sua rede de espera - a cascudeira, na enseada da vila de Garapuá. Atividade comum neste ambiente.

7.4. “LÁ FORA”

Os pescadores da vila de Garapuá se referem ao ambiente “Lá fora” como sendo todo o

mar fora da enseada. “Lá fora” encontramos diversos pesqueiros, isto é, local onde mais se

pesca uma determinada espécie de peixe em grande quantidade. “Em muitos casos, os

pescadores se referem somente aos lugares onde foi realizada a maior captura, porque é

comum os maiores barcos da frota visitarem vários locais durante uma mesma pescaria”

(Petrere Jr., 1978). Cada pesqueiro recebe um nome específico de acordo com as suas

características e a quantidade de pescado capturado.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Dentre os quarenta e sete pesqueiros já citados8 nas entrevistas, apenas quatro foram

descritos pelos pescadores, são eles: “Jiquiriçá”, “Duro”, “Ponta do Vaz”, “Canal do Góes”

e as “35”, e segundo seu Cantor, este último, “fica perto da berada”. S. Isaías, refere-se ao

“Jiquiriçá” dizendo que lá “no verão não há pescaria” e ao pesqueiro “duro” como: “é este

que vai no inverno” e que “no verão não há pescaria”. Este ainda afirma que o pesqueiro

conhecido como “As 35” “é um canal muito grande. Nesse mesmo canal tem 35, tem

Pedra do Mero, Pedra do Velho, tem vários pesqueiros nessa 35”. Seu Cantor também

ressalva que nas “35”, “o Badejo é muito difícil de pegar. E vez em quando pega. Se vai

pescar lá nas “35” é onde se pega mais. Pesca de grosseira”.

8. OS PESCADOS

8.1. LAMBRETA (Lucina pectinata)

A lambreta é o nome popular dado a um molusco bivalvo muito conhecido - Lucina

pectinata – é um bivalvo que representa a riqueza dos manguezais da Vila de Garapuá,

onde no passado era, popularmente, chamado de Sarnambi. Hoje em dia, a lambreta, assim

conhecida, é “pescada” pela maioria das mulheres destas vila, muito diferente do que

acontecia no passado, quando tanto homens quanto mulheres iam ao manguezal mariscar.

Esse trabalho de pesca da lambreta recebe a denominação, igualmente a pesca do

caranguejo, de “catar”. A lambreta se alimenta, segundo as marisqueiras, de lama e faz

parte do cardápio de um peixe chamado de “baiacú”, que freqüentemente entra no

manguezal para se alimentar, e um gastrópoda popularmente conhecido por “pé-de-cabra”.,

um “búzio”, como elas chamam.

“ (...) os homens não mariscam porque são preguiçosos”(dona Naninha)

8 Segundo citações de pescadores e marisqueiras da Vila de Garapuá, já foram registrados os seguintes pesqueiros, que ainda serão estudados: As “21”, Coroinha (lagosta), Coroa do Baiacu (polvo), Caraptanguí, Carapitanga, Canal do Tubarão, Canal do Useiro, Canal da Lixa, Canal da Guaraiúba, Canal do Panan, Canal Novo, Canal da Lixa, Canal de Vilisboa, Canal Estreitinho da Pedarta, Canal do Vaz (lagosta),Canal do Pirambú, Canal da Pedarta, Canal do Góes, Camboa Velha, Capim de fora (Fica na mata), Carapitanga, Chapada, Casa dos Paus, Enseadinha, Furninha (lagosta), Furna do Mero, Furnão do Norte, Furnão do Sul, Furnão de Vilisboa, Guaiuba Grande, Ilha Grande do sul (lagosta), Ilha Grande do Norte, Jiquiriça, O Duro, Pedra do Mero, Patão, Ponta do Furnão (peixe), Peixe Porco, Pinauna, Ponta de Caieira, Patão, Ponta da Faca, Poça da Panan, Rio do Meio, Subaio do Barco, Ufrade (lagosta), Zé dos Santos.

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Alguns moradores mais antigos da vila, como a proprietária de um mercadinho, relatam

que foi a lambreta que fez Garapuá crescer à, mais ou menos, 35 anos atrás e, por isso,

nessa época não faltava dinheiro. Era a Lambreta que sustentava o comércio em Garapuá e

tanto os homens como as mulheres iam para o manguezal mariscar, isto é, catar lambreta.

Hoje, praticamente, quem trabalha nos manguezais, catando lambreta, são as mulheres,

poucos são os homens que enfrentam a dura vida de “mangue”, como eles dizem. Muitos

homens trabalham hoje em outras atividades, quase todos saem ao mar para pescar com as

mais diversas artes e artefatos conhecidos pela vila. Porém, como diz seu Nazir, pescador

e comerciante de lambreta da vila:

“(...) o certo mesmo de faturar a semana é a lambreta” (seu Nazir).

Seu Cantor, um pescador antigo da vila diz que “antigamente era 60/70 dúzias de lambreta

por maré”. Assim como seu Cantor, muitos moradores afirmam que a quantidade de

lambreta diminuiu bastante ao logo dos anos, outros dizem que a produção continua a

mesma, e que se a quantidade de marisqueiras aumenta, conseqüentemente teremos uma

maior quantidade deste marisco. Porém revelam que caso as marisqueiras parem de

trabalhar em um dos manguezais, não mais serão encontradas grandes quantidades de

lambretas e provavelmente o “mangue” ficará pobre em relação a quantidade desse

marisco, como já aconteceu em alguns nos locais de manguezais que eram bastante

freqüentados e que hoje não servem mais para o trabalho.

“A lambreta é um mineral” “(...) lambreta não falta, é o único pescado marisco hoje que não diminui, o que falta é

trabalhador. (...) quando o mangue descansa mais, dá mais” (seu Nazir)

Segundo as marisqueiras locais, existem “pontas de mangue”, isto é, ponta onde termina o

mangue, em que a lambreta é maior e “pontas de mangue” em que lambreta é menor, esta

última, por sua vez, não serve para a comercialização, uma vez que apenas as graúdas são

escolhidas e aceitas pelos comerciantes.

“(...) a miúda não passa, tem gente que tira lá mesmo e solta, enterra logo e não traz a lambreta, e tem gente que traz tudo, agora mesmo (31.03.01) o mangue tá com febre

de lambreta miúda”. (seu Cantor)

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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A localização exata dessas “pontas de mangue” ainda não foi confirmada. Os manguezais

mais ricos e mais freqüentados pelas marisqueiras são, nesta ordem: Camboa Velha, Canal

Novo (Pedarta), Panan e Vilisboa. São manguezais mais distantes da vila, e segundo elas, o

“mangue” mais longe, que é Camboa Velha, é o mais rico em lambreta e caranguejo.

Provavelmente, sejam os manguezais mais ricos em lambreta, por serem mais distantes e

de difícil acesso, necessitando de um esforço físico para alcançar o melhor local de

trabalho. Cada parte destes manguezais recebe um nome, que fora dado pelos moradores

mais velhos da vila, de acordo com as características ambientas. Por exemplo, Canal

Atolento é um “pedaço” do manguezal da Pedarta que recebe este nome por ter um

substrato lodoso, isto é, muita lama, já o Canal das Pedras, que também faz parte do

manguezal da Pedarta, recebe este nome por possuir um substrato arenoso, quer dizer cheio

de pedras.

“Em todos os mangues se encontra lambreta, mas Camboa Velha é o melhor.”

“Tem lugares que pescava muito, mas hoje tem tanta pedra que não dá pra pescar.

Dava tanta lambreta, mas as pedras tomaram conta de tudo.” (dona Naninha)

A “pesca” da lambreta, em Garapuá, possui algumas variáveis que interferem na “pesca”

desse molusco bivalvo. Dentre estas se encontram: a temperatura, a maré larga, e as

estações do ano. Cada variável atua de forma a controlar o tempo exato de pesca, isto é

tempo de permanência no manguezal e a quantidade de marisco pescado.

Os moradores afirmam que as marés influenciam da dinâmica da pesca da lambreta.

Existem dois tipos de marés que atuam indiretamente na pesca controlando o tempo que as

marisqueiras podem permanecer no manguezal durante essa atividade, são elas: maré nova,

maré grande (conhecida também por maré larga). Segundo dona Naninha, uma das mais

antigas da vila, a maré larga é melhor para a pescaria pois, o “mangue” demora mais para

encher e elas trabalham por mais tempo, conseqüentemente, elas encontram uma

quantidade maior desse marisco importante para a economia da vila de Garapuá. Assim,

quando a maré começa a encher, a subir, dificultando o trabalho, elas retornam para a vila.

“A maré grande é que dá pra sair daqui oito horas dá pra trabalhar até uma hora da tarde, e o pessoal tem tempo de trabalhar” (Zeca)

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Quanto ao tempo mais correto de catar a lambreta, segundo as marisqueiras, é durante todo

o ano. A informação quanto a época exata de se catar lambreta, foi a seguinte: Durante o

inverno encontra-se uma maior quantidade de lambreta, porém o tempo frio e chuvoso

dificulta o trabalho, causando um enorme desgaste físico das marisqueiras. Já no verão,

segundo elas, ocorre o inverso, a quantidade diminui mas o número de pessoas que

trabalham é maior e o tempo não atrapalha. Provavelmente, a quantidade de lambreta

diminui durante o verão devido à temperatura elevada da lama que provoca uma migração

vertical, fazendo com que as lambretas “afundem à procura de lama mais fria”, assim como

afirma dona Naninha, dificultando, dessa forma, o trabalho das marisqueiras. Já no

inverno, quando a lama encontra-se fria elas sobem facilitando o trabalho.

“Com a quentura da lama elas afundam e fica mais difícil de encontrar” (dona Naninha)

Pescadores afirmam que nem a lua nem o vento não interferem na pescaria da lambreta.

“Vento ruim aqui é o leste. Ele atrapalha tudo, Só não atrapalha no mangue” (seu Isaías).

Ao sair para catar lambreta no manguezal, dona Naninha passa óleo de barco (óleo diesel)

no corpo e leva consigo um samburá, um cesto de palha. O óleo funciona como repelente,

para espantar a grande quantidade de mosquitos. Zeca ainda amarar um pano na cabeça ou

uma blusa para não suja os cabelos com a lama (Figura 04).

“Quando o dia está quente tem muito mais mosquitos” (dona Naninha)

A pesca da lambreta acontece nos manguezais citados anteriormente, como Camboa Velha,

Canal Novo (Pedarta), Panan e Vilisboa. Além desses manguezais existem outros, porém

não são mangues lamosos e sim arenosos, “duros”, dificultando a penetração da mão em

busca desse molusco. Nesses manguezais arenosos, mangue de areia, as marisqueiras

catam lambreta de facão.

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Figura 06: Dona Naninha saindo para trabalhar no manguezal.

Elas ficam batendo o facão na areia até escutar um barulho característico, no momento em

que o facão toca a concha da lambreta. Quando isso acontece, elas “abrem” um pouco o

mangue com ajuda do facão , e enfiam a mão que escorrega por este e cai bem em cima do

molusco procurado. Este trabalho, de catar lambreta de facão, é realizado por uma minoria

de marisqueiras no “Mangue do Sul”. Normalmente o trabalho acontece nos manguezais

do norte, nos manguezais de lama, onde a maioria das mulheres participa. Dona Naninha

pega, em média 30 dúzias por dia, trabalhando de segunda a quinta e tira 100 dúzias, em

média, numa semana (figura 05 e 06). A maioria das marisqueira trabalha para si, sem

patrão, trabalhando o dia que quiser e quanto tempo precisar.

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Figura 07: Dona Naninha catando lambreta no manguezal da Padarta.

Figura 08: A Dona Naninha mostrando as lambretas do Manguezal da Pedarta.

Dona Naninha sai de casa às 7 ou 8 horas da manhã, e para chegar ao local de trabalho,

passa por dentro de uma fazenda de côco que tem ao lado da vila., e começa a trabalhar às

9 horas da manhã, segundo ela, não tem lugar certo no mangue que dê mais lambreta, pelo

contrário, pode acontecer de um dia não tem nenhuma, e no dia seguinte já tem muitas.

Para chegar até o local ideal e escolhido, ela anda sobre as “quizangas” com uma agilidade

e rapidez impressionante, isto é, sobre as raízes adventícias de uma espécie vegetal

característica de manguezal – a Rhizophora mangle – conhecido como mangue vermelho.

Dona Naninha recomenda ter bastante cuidado ao andar sobre as quizangas, pois elas ficam

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bastante escorregadias e perigosa devido a presença da lama e de ostra e “garamus”, um

molusco gastrópode que fica preso aos troncos das árvores.

O número de marisqueiras que vão trabalhar no manguezal pode variar de vinte e a oito

pessoas que vão cada uma para um canal de mangue diferente. Muitas vezes elas deixam o

mangue “descansar”, como dizem, porém, às vezes pode acontecer de hoje, por exemplo,

trabalhar em um manguezal, e amanhã, no dia seguinte, trabalhar no mesmo local e retirar

uma quantidade bem maior que o dia anterior. Por conta desses acontecimentos, eles

chegam até a dizer que “a lambreta é um mineral”. As mulheres que vão trabalhar no

manguezal catando lambreta retiram diariamente, em torno de 10 a 50 dúzias por dia, como

é o caso de dona Naninha. que normalmente retira 30 ou 40 dúzias por dia (Tabela 03).

A quantidade total de lambreta (Lucina pectinata), em número, capturada por dia em

Garapuá, durante um ano, foi registrado por Carolina Poggio, estudante bolsista do projeto,

juntamente a sua facilitadora – dona Naninha (Tabela 03), assim como o número de dúzias

catado por dia por cada marisqueira da Vila e número de dias trabalhados por mês, durante

o período de estudo.

Tabela 02: Quantidade de lambreta - L. pectinata – extraída dos manguezais da baía de Garapuá .

Mês N° de indivíduos capturados N° dúzias/marisqueiras/dia N° de diasSetembro 30972 16,8 18 dias Outubro 29724 17,0 16 dias Novembro 31224 16,8 18 dias Dezembro 32976 19,0 20 dias Janeiro 26796 16,6 19 dias Fevereiro 29832 18,3 21 dias Março 38640 21,3 21 dias Abril 29172 18,3 21 dias Maio 43248 20,1 23 dias Junho 35496 18,3 20 dias Julho 37416 18,6 23 dias Agosto 67932 17,9 27 dias Setembro 73740 17,6 20 dias Outubro 78648 20,0 21 dias Novembro 103992 20,7 23 dias Dezembro 82140 20,5 17 dias Fonte: POGGIO, C. A.. Pesquisa Aplicada – Lambreta (Lucina pectinata). Relatório técnico. Projeto Garapuá. 2002 9.

9 De setembro de 2000 a jullho de 2001 há apenas o número de lambretas capturadas pelas marisqueiras que trabalham para seu Nazir, comerciante da vila.

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No início da tarde, por volta de um hora da tarde, as marisqueiras encerram o seu trabalho

e voltam para a vila para vender a sua produção, como elas dizem. Ao chegarem na vila,

toda a lambreta catada naquela manhã é vendida pelo preço de cinqüenta centavos

(R$0,50) para os dois comerciante de lambreta. Normalmente seu Nazir, um dos

comerciantes, compra durante a semana em torno de 500 a 700 dúzias de lambreta por dia.

Toda a lambreta comprada na mão das marisqueiras é armazenada em uma casa feita de

madeira (figura 09), e logo depois são transferidas para um cesto que fica preso em uns

pedaços de madeiras, na praia, na beira do mar. Esse cesto é chamado de samburá e nesta

situação ele passa a se chamar de morão (Figura 10 e 11). O morão tem a função de

conservar as lambretas que ficam por um bom tempo do dia dentro da água , evitando que

estas se abram e morram. Para conservar ainda mais estes animais, o comerciante coloca

sobre o morão palhas de coqueiro para evitar o calor excessivo que pode até matá-las. As

lambretas permanecem no morão durante uma semana até o dia certo em que o

comerciante vai à Salvador para vendê-las na rampa do mercado modelo. Seu Nazir, o

comerciante, costuma a fazer essa viagem até Salvador, uma vez por semana, geralmente

na quarta ou quinta-feira.

Figura 09: Casa das lambretas

O número de lambretas capturadas varia de acordo com o número de dias trabalhados no mês e o número de marisqueiras

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Figura 10: Morão na praia de garapuá

Figura 11: Morão com lambretas

“Um cesto daquele pega umas 400/500 dúzias”

(Marisqueira 02)

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ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA

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Seu Nazir compra, no mínimo 500 dúzias de lambreta por semana para vender em

Salvador, além do outro comerciante, seu Antônio, que também comercializa, toda semana,

essa mesma média de quantidade de lambreta em Salvador. Lá ele já possui compradores

ou fregueses, como costuma dizer, certos. Segundo ele, caso tenha 1000 dúzias de lambreta

para vender, ele tem para quem entregar. A mercadoria que é comprada em Garapuá e no

Bainema, uma praia que fica situada ao sul da vila de Boipeba, mais precisamente depois

do Moreré, é distribuída por toda a Salvador desde a rampa do Mercado Modelo e bares da

redondeza, até Itapuã incluindo os bairros da Mouraria, Garcia e Barra. As lambretas

compradas à cinqüenta centavos (R$ 0,50) a dúzia são vendidas a preços que variam de

oitenta centavos (R$0,80) a hum real (R$1,00) e até hum real e vinte centavos (R$1,20) a

depender a quantidade que o freguês deseja. Seu Nazir cita um dos seus maiores freguêses,

além do mais exigente, que é o dono de um bar localizado no bairro de Piatã em Salvador –

“Lambreta do Papito”. As lambretas miúdas, muito pequenas, não são compradas por seu

Nazir, uma exigência dos fregueses de Salvador. Por conta disso, a maioria das

marisqueiras ao retirar lambretas muito pequenas da lama tornam a enterrá-las e leva para a

vila apenas as graúdas, as maiores.

“(...) tem freguês que pega 30, 40 dúzia e paga 1 real, tem aqueles que

pega 400, 500 dúzia já paga 80 centavos, a gente ganha dependendo lá da quantia (...)” (seu Nazir)

Durante o verão a produção cai, como diz seu Nazir, porém não é a quantidade de lambreta

que diminui e sim a quantidade de pessoas que trabalham “catando” lambreta nos

manguezais nesta época do ano é bem menor que durante o inverno, devido a quantidade

de trabalhos alternativos que aparecem, como pousada por exemplo. Durante o verão a

procura por este marisco aumenta, mas, segundo seu Nazir, ele vende menos. Por isso,

durante o verão ele não tem como “segurar” a freguesia e para não perder a confiança dos

compradores, ao chegar o inverno o freguês acaba comprando um pouco na mão de cada

vendedor para não perder o vínculo, pois tem muita gente vendendo. Só de Valença, saem

dois caminhões, duas vezes por semana, cheios de lambretas e caranguejos para ser

vendido em Salvador, que tem como maior freguês o bairro de Itapuã e as feiras livres.

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8.2. CARANGUEJO (Ucides cordatus)

O caranguejo-uçá (Ucides cordatus) destaca-se entre os crustáceos mais procurados nos

manguezais próximos a Vila de Garapuá., sendo alvo de pesquisa pelo Projeto de Gestão

dos Recursos Ambientais do Município de Cairú-Ba/ Projeto Piloto na Vila de Garapuá.

Este organismo possui todo uma dinâmica própria que é reconhecida e relatada pela

população local. “Trata-se de um crustáceo braquiúro semiterrestre, com hábito noturno e

que vive na região intertidal, onde escava galerias no sedimento do manguezal” (Pinheiro

& Fiscarelli, 2001).

Segundo seu Agenor, o maior catador de caranguejo da Vila, o trabalho no mangue é muito

pesado para ser feito todos os dias. Para “aliviar a rotina” ele alterna esta atividade com a

pescaria. Note-se que pescar é uma atividade distinta da coleta efetuada no manguezal, que

recebe simplesmente o nome de catar caranguejo:

“Quando eu não quero tirar caranguejo, eu vou pescar. Quando eu não quero trabalhar

com caranguejo, eu vou pescar” (seu Agenor) O catador de caranguejo experiente reconhece pela abertura da galeria quais são as tocas

que possuem animal em seu interior e até mesmo seu sexo. (...). “O catador introduz a mão

na galeria até sentir o animal, que é então capturado pela região dorsal. Para evitar que o

caranguejo utilize suas pinças, o catador, ao mesmo tempo que coloca a mão, pega um

pouco da lama da parede interna da galeria, colocando sobre o animal. Desse modo, o

animal é trazido à superfície. Envolvido nesse sedimento, ficando estático e mais dócil ao

manuseio (Figura11). Segundo seu Agenor, até o meio do braço é fácil de encontrar

lambreta, mas para o caranguejo, é necessário atolar todo o braço na lama, no buraco e

puxá-lo de lá. Ele afirma ainda que nos buracos pequenos encontram-se os caranguejos

menores e nos grandes buracos, os maiores, e diz que dificilmente ao ser tocado, o

caranguejo ofende uma pessoa, pois este se encontra no buraco, com as quelas fechadas,

protegendo a boca e os olhos.

“Conhece porque o caranguejo macho bota o dedo na lama e puxa e a catita só anda

triscando as pontas dos dedos, então o buraco dela fica cheio de linhazinhas (...) então é facilmente de qualquer pessoa conhecer um buraco da fêmea ou do macho, mas pode até

se enganar”.(seu Agenor)

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Figura 12: Seu Agenor catando caranguejo no Manguezal de Enseadinha

Normalmente ele dedica três dias da semana a esta atividade, onde utiliza 4 a 5 horas de

trabalho, que inicia às sete hora da manhã (7:00h) e pode ser concluída até às duas horas da

tarde (14:00h), incluindo o percurso entre a casa e o manguezal. Esse horário não é fixo,

pois varia de acordo com o movimento das marés, maior limitador dessa atividade, que

pode render até 22 dúzias de caranguejos/dia.

A quantidade total de caranguejo, em número e peso, capturada por dia em Garapuá,

durante um ano, foi registrado por Cristiane Carneiro, estudante bolsista do projeto,

juntamente o seu facilitador (Tabela 02), assim como o número de catadores da Vila e

número de dias trabalhados durante este período.

Tabela 03: Quantidade de caranguejo capturado em Garapuá, durante um ano

Dúzia/ dia/ Catador

Número de dias coletados

Número de dúzias

Número de catadores/ dia

Média 6,992857143 20,59952381 254,1733016 18,61822011 Somatório 97,9 302 3792 25,1

Fonte: CARNEIRO, C. Pesquisa Aplicada – Caranguejo (Ucides cordatus). Relatório Técnico. Projeto

Garapuá. 2002.

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O caranguejo-uça é descrito pela comunidade como um animal que vive no “mangue”

debaixo da lama, e que possui uma dinâmica que é reconhecida e registrada por ser

diferente dos outros habitantes do manguezal. Os machos são perfeitamente reconhecidos e

nominados de “caranguejo”, e as fêmeas de “catitas”. A determinação do sexo pela

abertura da toca é feita pelas marcas deixadas pelos pereiópodos10 na lama (rastros). “As

marcas deixadas pelos machos são mais profundas e “escovadas”, resultado do grande

número de cerdas que possuem nos pereiópodos, enquanto nas fêmeas eles são mais finos e

suaves” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). Os especialistas se referem também, ao caranguejo

fêmea, a catita, como sendo menor e mais fraca que os machos. “(...) ela é caranguejo com

menos fruto, as pernas delas são menores, mais finas. O peito delas não tem o “peixe”11

que tem o caranguejo macho, ela é menos explorada no período da andada”.

Ainda existem diferentes “tipos” de caranguejos, descritos pelos especialistas locais. “O

caranguejo tem 3 tipos: tem a catita, o caranguejo boca grossa e o caranguejo boca igual. E

todos três dão nesses mangues todos. Segundo seu Agenor, os três tipos de caranguejo

convivem no mesmo ambiente. Os três tipos diferem quanto ao tamanho da quela, isso

pode ser registrado quando se observa o caranguejo boca grossa que tem um “braço”, isto

é, uma quela mais grossa e maior que a outra. O caranguejo boca igual possui os dois

“braços”, quer dizer, as duas quelas iguais, do mesmo tamanho, caso um dos “braços”

esteja quebrado, os caranguejeiros conhecem e sabem em média a quanto tempo esta

quebra aconteceu, eles sabem que esta leva um período de dois a cinco anos para esta

crescer e chegar ao tamanho normal. Eles reconhecem este tempo relacionando-o com o

número de mudas da carapaça – “leva um período de 3 descascas”. Já o outro tipo citado

pelos pescadores é a “catita”, o caranguejo fêmea, a qual dificilmente é encontrada e

capturada, sendo fácil de encontrá-la apenas na época exata da andada, época do

acasalamento. Segundo os pescadores existe ainda “catita-boca-grossa” e a “catita-boca-

igual”, que possuem as mesmas diferenças existentes entre os dois tipos de caranguejo

(macho) descritos acima.

10 Segundo Pinheiro & Fiscarelli (2001), são pares de apêndices locomotores, conhecidos popularmente como pernas 11 Segundo os especialistas entrevistados, “o peixe” do caranguejo é o que se chama nas grandes cidades de carne – a carne do caranguejo.

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Durante a maré vazia, seca, estes organismos saem à procura de alimento e assim que este

alimento é encontrado, eles o levam até o seu buraco. A alimentação do caranguejo, tanto o

macho quanto a fêmea, segundo os especialistas locais, é basicamente de raízes, folhas e

frutos de mangue. E apenas o siri foi relatado como o vilão que devora os caranguejos nos

manguezais da Garapuá, sendo taxado de agressivo devido as suas “garras”.

Segundo os caranguejeiros, existem manguezais onde se encontra uma maior quantidade

de caranguejos e outros que encontra menos, a depender do tipo de lama.

“Eu pesco aqui no mangue de Lisboa, Enseadinha, Camboa Velha e Panan. Os quatro lugares”, “O trabalho é muito pesado, trabalho de mangue”

(seu Agenor).

È provável que a diferença entre os substratos lodoso e arenosos provoque a diminuição

destes organismos em certos manguezais, porém esta é uma hipótese que necessita ser

investigada. Existem ainda épocas, isto é, meses mais adequados para catar caranguejo.

“Da ponta (da enseada) até Enseadinha, a lama é vermelha e solta e os outros mangues é mais mole e mais preta” (seu Agenor).

Uma crença, do norte do país, diz que os caranguejos engordam nos meses em que não

entra a letra "R" (maio, junho, julho, agosto) emagrecendo nos demais. Dependendo da

época, os caranguejeiros sabem em que período do ciclo de vida /reprodutivo os

caranguejos se encontram. Eles registram este tempo com base nas estações do ano e

meses.

“A andada (ou carnaval) do caranguejo é a denominação que as comunidades litorâneas

conferem ao comportamento que o caranguejo-uçá apresenta em determinadas épocas do

ano, quando todos os machos e fêmeas saem das galerias e caminham sobre o sedimento

do manguezal com propósito reprodutivo” (Nascimento, 1993 citado por Pinheiro &

Fiscarelli, 2001). Na vila de Garapuá, os pescadores e marisqueiras conhecem a época

exata da andada e sabem qual é a finalidade deste comportamento, pois eles conhecem

muito bem toda a dinâmica destes animais. Segundo relatos dos especialistas entrevistados,

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janeiro, fevereiro e março são os meses em que estes animais saem para acasalar, ocorre a

“andada”. A “andada” ocorre nos meses de maior fotoperíodo, temperatura e precipitação,

manifestando-se poucos dias após a mudança para a lua cheia ou nova. São quatro (4)

andadas que ocorrem “3 dias após a cabeça d’água” desses meses, isto é, três dias após a

maré de maior amplitude, que acontece, mais precisamente, três dias depois da lua cheia ou

lua nova. Logo depois começa a crescer as “sapupas”, que são as ovas dos caranguejos –

fêmeas, após algum tempo estas fêmeas, chamadas de “catitas”, entram nas tocas e se

tampam para se lavar. Segundo Pinheiro & Fiscarelli (2001), “existem também registro de

“andadas” específicas para as fêmeas ovígeras que, quando estão com seus ovos próximos

à eclosão, saem das galerias e rumam para a margem dos rios e córregos do manguezal,

liberando suas larvas (Góes et al.,2000)”. Porém, na visão dos pescadores da vila de

Garapuá, as “catitas” se lavam para retirar a pequena quantidade de filhotes que não

vingaram. Elas só saem do “buraco” quando os filhotes já estiverem relativamente grandes.

“O mês de abril é o mês que o sapupa está cheio de filhotes, ela se guarda para lavar os filhotes no buraco” “A última maré do mês de abril,

é o mês de andada só delas” (seu Agenor).

Durante o mês de maio, os buracos encontram-se fechados, pois é o tempo em que os

filhotes encontram-se em fase de crescimento. Nos meses de junho e julho, os caranguejo

já se encontram adultos, num tamanho normal. Já no mês de agosto, eles se escondem,

tanto machos como fêmeas “se entocam para crescer” e segundo moradores, “para

descansar”. É a época de crescimento, quando os caranguejos estão mudando a carapaça.

Para que o crescimento dos crustáceos ocorra é necessário que seu exoesqueleto rígido seja

trocado periodicamente. “O fenômeno de troca do exoesqueleto é denominado de muda

(ou ecdise), enquanto o exoesqueleto antigo descartado é popularmente conhecido como

“casca” (ou exúvia)” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). Seu Agenor relata que os caranguejos

“se escondem” durante cinco a oito dias para crescer. Por isso, agosto é o mês que menos

se encontra caranguejos nos manguezais de Garapuá, pois estes se entocam para crescer.

Os caranguejos deixam de se alimentar cerca de três dias antes de sofrerem a muda, além

de ficarem imóveis até o momento da liberação do exoesqueleto velho. “De modo geral, a

maior incidência de muda dos adultos dessa espécie ocorre nos meses de setembro e

outubro, coincidindo com a maior freqüência de tocas fechadas” (Pinheiro & Fiscarelli,

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2001). A época de muda do exoesqueleto encontrada na literatura é confirmada, pelos

pescadores da vila, exatamente para os meses de setembro, outubro e novembro, quando

ocorrência desses organismos é bem maior nos manguezais mais freqüentados da região.

Os caranguejos continuam no período de crescimento, porém já se encontram sem a

carapaça e fora dos buracos à procura de um outro de maior tamanho, sendo chamado de

“caranguejo-de-leite”, ou “mole”. O caranguejo fica mole ou de leite, pela falta de uma

série de substâncias importantes para a formação da nova carapaça (exoesqueleto). “A

reduzida salinidade da água estuarina implica em baixa concentração dos íons, cálcio e

magnésio, necessários ao enrijecimento da nova carapaça. (...)” (Pinheiro & Fiscarelli,

2001). “Quando as concentrações de carbonatos não correspondem a seus requisitos

mínimos, (...) essa espécie tem a capacidade de extrair gradualmente tais substâncias do

exoesqueleto antigo antes de sofrer a muda, canalizando-as para seu sangue (hemolinfa).

Assim pouco antes da muda (pré-muda), a “casca” do caranguejo-uça apresenta coloração

ferruginosa ou marrom-escura, além de mostrar todos os órgãos internos com coloração

branca-leitosa, sendo denominados de “caranguejo-leite” pelos catadores. Em decorrência

do grande teor de carbonatos nas vísceras e carne, o caranguejo-leite é impróprio para

consumo humano. Além do sabor desagradável, a utilização desse alimento pode causar

efeitos colaterais como diarréia, dores abdominais e alterações no sistema nervoso, como

letargia e entorpecimento” (idem). E finalizando o ciclo de vida desses animais, no mês de

dezembro, os caranguejos são encontrados normalmente, de carapaças novas, nos

manguezais de Garapuá.

O conhecido caranguejo-uçá se assemelha bastante a um outro organismo conhecido na

vila como “guaiamu”, tanto na morfologia quanto na dinâmica do ciclo de vida. Assim

como o caranguejo, o “guaiamu” fêmea também recebe um nome específico e próprio da

vila, é a “pata-choca”. “Embora o formato da carapaça do guaiamú seja visivelmente

similar a do caranguejo-uçá, essas espécies podem ser diferenciadas pela morfologia das

quelas e pereiópodos, embora tais características não sejam suficientes para identificar os

estágios juvenis iniciais” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). O período de andada do guaimú e

da pata-choca acontece nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril, assim como

acontece com o caranguejo (Ucides cordatus). Nesses meses o primeiro organismo a andar

é a pata-choca, logo após começa a andada do guaiamú e do caranguejo, que andam juntos

porém em ambientes diferentes. O guaiamú anda no apicum, local de onde bate a maré

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para cima (terra firme) e o caranguejo anda na lama, isto é, no manguezal. Tanto o

guaiamú quanto o caranguejo andam três dias após o primeiro dia de lua cheia ou nova,

como foi relatado acima na descrição da dinâmica do caranguejo. Por fim acontece a

andada da catita, que também se dá na lama, no manguezal, diferindo da pata-choca que sai

do apicum para a praia neste período, durante a lua cheia, segundo seu Agenor. O

caranguejo (Ucides cordatus) e o guaiamú, portanto, mantém uma convivência pacífica

entre si e com os demais organismos que habitam o manguezal, obedecendo a

estratificação deste.

“Quatro meses ele vem tomar banho na praia. Ela é veranista” (seu Agenor) Tais organismos comportam-se de forma semelhante, ocorrendo apenas algumas diferenças

fenotípicas. O caranguejo e o guaiamú diferem apenas na coloração, pois o caranguejo

consumido de Garapuá é de coloração avermelhada enquanto que o guaiamú possui a

coloração azulada. Já a “catita” e a “pata-choca”, diferem dos machos apenas pelo abdome

mais largo, maior, adequado para guardar e proteger a sapupa no período da reprodução. E

a “pata-choca” difere do caranguejo por não possuír pêlos nas patas, assim como as catitas.

Essas são algumas diferenças visuais, notadas e relatadas pelos caranguejeiros e pelos

demais moradores da vila de Garapuá.

Existem fatores que interferem na atividade de catar caranguejo, isto é, fatores ambientais

que de alguma forma, positiva ou negativamente, intervêm nesta, determinando a época

mais adequada para esta atividade nos manguezais da Vila de Garapuá. Assim, este

processo de catar caranguejo, em Garapuá, possui diversas variáveis que interferem, são

elas: maré, lua, vento e chuva.

As condições meteorológicas influenciam bastante a atividade de catar caranguejo, pois

quando é a época de chuva, e cai um temporal, ventos frios são formados e o trabalho no

manguezal fica suspenso por horas, pois o trabalho humano fica impedido pelo vento frio e

pela chuva.

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Segundo seu Agenor, no inverno a quantidade de caranguejo aumenta, porém fica mais

difícil de se trabalhar no manguezal durante esta época do ano, por isso são poucos os

caranguejeiros que enfrentam o manguezal nos meses mais frios, pois a condição humana é

totalmente afetada, perturbada. Portanto, o verão é o período mais adequado para a

realização de atividades no manguezal.

“No verão a gente trabalha mais despreocupado e no inverno o período chove, a gente não pode trabalhar, a gente está no mangue trabalhando, cai um temporal e não tem quem

agüente e a gente volta para casa” (seu Agenor).

“O vento esfria o corpo da gente” (Pipoca) A maré também é um fator condicionante do horário de trabalho no manguezal. Durante a

maré cheia o trabalho no manguezal fica dificultado, sendo a maré baixa (seca) mais

adequado para catar caranguejo. O horário de trabalho também é cronometrado pela maré,

pois, a medida que a maré vai enchendo e alagando o manguezal, os caranguejeiros voltam

para suas casa.

Como já foi dito anteriormente (na descrição do Manguezal), a pesca em Garapuá depende

predominantemente da maré. Os catadores de caranguejo só se deslocam até o manguezal

quando a maré encontra-se baixa, como relata Pipoca:

“A questão é a maré estando seca é o suficiente, tem haver com a maré, tem a maré nova, por exemplo, que a gente tem que ir cedo e voltar cedo, aí o tempo é pequeno pra

trabalhar, aí pesca menos, quando tem mais tempo aí pesca mais” (Pipoca)

A lua é outro fator ambiental que intervêm no trabalho de catar apenas o caranguejo fêmea,

a catita, durante o período de andada. Segundo os especialistas locais, a andada das catitas,

que acontece durante o verão nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril, sempre ocorre

no período da lua cheia ou da lua nova.

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8.3. POLVO (Octopus vulgaris)

Nos arrecifes de Garapuá, é fácil de se encontrar o que os pescadores chamam de “polvo-

verdadeiro” (Octopus vulgaris), embora eles afirmem que existe um outro “tipo” de polvo

– o “polvo-de-areia” – que é muito difícil de se encontrar. A distinção entre machos e

fêmeas do “polvo-verdadeiro” é facilmente detectada pelos pescadores locais. Eles

percebem as diferenças existentes na anatomia do organismo. Segundo seu Clemilton, o

melhor polvejador da Vila, machos e fêmeas são diferentes devido ao tamanho de um

“raio” e do “capêlo” (“cabeça do polvo”). Ele afirma que o macho tem um “raio” maior

que a fêmea, além de possuir um capêlo fino, porém mais comprido. Já a fêmea tem um

“raio” mais curto e um capêlo menor e mais grosso. Ele acrescenta, dizendo que é bastante

difícil distinguir o sexo do polvo-de-areia, mas ele acredita que deve ser da mesma forma

que se diferencia o sexo do polvo-verdadeiro. Porém ele afirma que o polvo-de-areia é raro

e cresce mais que o polvo-verdadeiro, daí surge a dúvida sobre a diferença entre machos e

fêmeas no polvo de areia. Segundo os pescadores, o polvo-de-areia tem uma coloração

diferente, pois quando filhote tem uma coloração escura, marrom, já na fase adulta ele fica

mais avermelhado, com o corpo pequeno, o raio comprido e vive sempre enterrado na

areia. Ao contrário do polvo-verdadeiro que muda de coloração de acordo com o fundo do

sedimento em que se encontra, como uma forma de proteção contra os predadores, tem

uma coloração marrom e vive em um buraco no arrecife – numa furna – além de

encontrarmos várias pedrinhas na “porta de casa” desse tipo mais comum de polvo. A tinta,

conhecida popularmente como “saputuna”, que o polvo-de-areia solta também é diferente

do polvo verdadeiro. A saputuna que o polvo-de-areia solta é marrom e a do polvo-

verdadeiro é preta. Por fim os pescadores dizem que é muito difícil de encontra-lo, tanto no

inverno quanto no verão.

“É muito difícil de pegar o polvo de areia. Tem maré que a gente não encontra nenhum”

(seu Clemilton) A pesca do polvo, em Garapuá, acontece pela manhã, durante a maré seca, quando a

arrecife está descoberto permitindo que os pescadores circulem a procura destes

organismos. Porém o polvo só chega no arrecife durante a noite com a maré de enchente,

isto é, quando a maré vem alagando o arrecife, ele vem junto e entra na toca. O polvo

chega até a beirada do manguezal, local de muitas pedras, e ele pode ser encontrado tanto

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no seco, sobre as pedras, ou dentro d’água. Muitos pescadores afirmam que é fácil pegar

polvo, que qualquer criança pega, podem deve ter muita atenção, pois esse organismo, para

se proteger dos predadores, se camufla, ficando da cor do sedimento. Sua cor pardacenta,

sofre contínuas modificações de tonalidades. Na realidade,um polvo é um verdadeiro

“camaleão-marinho”.

“Quando o polvo é de chegada, você bota o bicheiro e pega logo ele, porque ele vem logo vê. Quando o que tá em casa é maior do que você tá passando, ele já sai para pegar o

maior, ele sai você pega o bicheiro, ferra ele fora da casa, e quando o que tá em casa é menor do que você tá passando, ele sai com medo. E aí quando ele sai dali ele

já largou a saputuna pra você não vê”

“Quando a maré esta nova os polvos começam a vir chegando para o arrecife. Quando tempo tá manso ele vem se arastando”

“Você não volta puro do arrecife, é difícil”

(seu Antônio Caboquinho)

Quanto as crianças: “Um turno vai para a escola e no vai para o arrecife” (seu Clemilton)

A pesca acontece geralmente nos arrecifes situados nos dois extremos da praia de Garapuá

– Arrecife Norte e Sul. A pesca de arrecife pode ser de duas formas: de bicheiro ou de

vara. Além desses dois tipos, acontece também a pesca de mergulho, que ocorre com

freqüência durante o verão “nas bordas” dos Arrecifes Norte e Sul.

Na pesca de “bicheiro” (Figura 12), a pesca com um utensílio utilizado tanto para pegar

polvo como lagosta, que possui uma vara de ferro com uma ponta virada e um cabo de

madeira, o pescador anda pelo arrecife atentamente verificando, a olho nu, se existe polvo

nos buracos ou furnas, como costumam chamar. Ao avistar um polvo o pescador se

aproxima lentamente da furna e enfia o bicheiro, sacudindo-o a fim de prender o

organismo, e depois é só puxá-lo. Os organismos capturados são mortos muitas vezes pela

ponta do bicheiro e outros por uma pancada que o pescador dá no “capêlo do polvo”,

sempre fora ou em cima da água. Todos os organismos pescados são colocados num cesto

de palha que os pescadores chamam de “samburá”. Alguns utilizam o “embiricí”,

principalmente durante a pesca de mergulho. Embiricí é um utensílio de arame, um pedaço

de arame, onde os polvos são presos para serem levados para casa.

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Na pescaria de vara, utiliza-se uma vara de pescar com a qual o pescador “cutuca” a furna,

isto é, enfia num buraco do arrecife, com um polvo amarrado na ponta (os buracos dos

arrecifes são popularmente conhecidos como furnas). Nesses buracos o pescador procura

um lugar reservado que, segundo ele, para que o polvo não o veja, se abaixa e depois pega

o animal. O polvo, então é amarrado vivo na ponta da vara, que como dizem os pescadores

é “para deixar ele pegando”. Caso na furna tenha um caramuru o polvo que se encontra

amarrado na vara recebe uma mordida de tirar o pedaço. Se na furna estiver um polvo

pequeno escondido, ele sai correndo com medo do polvo amarrado na vara que é bem

maior ele. O polvo pequeno, nessa situação se sente ameaçado, por isso sai desesperado da

furna. Já o polvo grande, também vai sai imediatamente da furna, em tal situação, a

procura de alimento. O polvo pequeno da vara - menor que encontrado - serve de alimento

para o maior, encontrado na furna, que apenas sai para se alimentar.

“Amarra o polvo vivo - para deixar ele pegando. Aí enfia ä vara na

furna e ele espirra lá do outro lado”

“Quando cutuca no lugar com a vara e vê que tirou um pedaço do polvo, aí a gente já sabe que naquele lugar tem caramuru”

(seu Antônio Caboquinho)

Durante a pescaria de vara, que também é chamada de pescaria de buraco, o pescador pode

pescar o peixe, a lagosta e o caramuru. Ele faz três pescarias em uma só. A maré boa para

esse tipo de pescaria, segundo alguns pescadores, é durante a maré grande, quando a maré

demora muito para encher e para esvaziar. Quando a maré começa a descobrir a pontinha

do arrecife, o caminho de volta a vila acontece pelo rio, por dentro do mangue, onde tem

uma estrada. Normalmente, os pescadores saem com o bicheiro na mão, e quando o

arrecife está ruim de polvo, eles passam numa poça e pegam um búzio para retirar a lesma

a qual serve de isca para o peixe e para o caramuru. Enfim, quando esses especialistas vão

ao arrecife, não só capturam o polvo e sim fazem qualquer tipo de pescaria possível, a

depender da oferta dos organismos e da disponibilidade física de cada pescador.

“A lagosta a gente pega cutucando com o polvo na vara, aí ele sai com medo do polvo, o

caramuru ele tira um pedaço do polvo, aí a gente tira” (seu Antônio Caboquinho)

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Quase todo polvo captura é vendido na própria Vila, embora alguns pescadores já tenham

compradores certos em Valença, na grande maioria, e em Morro de São Paulo. Porém há

um gasto grande com o transporte e o combustível que utilizam, e muitas vezes não há uma

boa recompensa financeira. O preço do polvo varia de acordo com a época do ano. No

inverno, os pescadores vendem o polvo a quatro(4) ou cinco(5) reais o quilo. Já no verão o

preço, muitas vezes, a depender da freguesia, sobe e pode chegar a custar até oito reais o

quilo e nessa época, segundo os pescadores, em média vinte (20) polvos registram um

quilo.

Durante a maré vazia, seca, este organismo sai à procura de alimento e assim que este

alimento é encontrado, ele o leva até a porta da sua “casa”, isso quando ele não dá a sorte

de algum marisco estar passando na frete da sua “casa”. Neste momento em que o polvo

sai da sua toca à procura de alimento, ele recebe o nome de “polvo-atar”, é o polvo fora de

casa. A alimentação do polvo, segundo os especialistas locais, é basicamente de siri, a

“lesma do búzio”, lagosta, “goió” e peixe morto. Segundo seu Clemilton, o polvo não gosta

de encontrar nada morto e sim de matar o seu alimento na hora da refeição.

Os peixes grandes e o “caramuru” (a moréia) e foram relatados como predadores dos

polvos nos arrecifes de Garapuá. Porém o polvo sabe se proteger muito bem desses

predadores. Quando atacado, em inferioridade de condições, expele, de uma bolsa

localizada na parte inferior do corpo, uma tinta preta (sépia) que se espalha rapidamente, e

lhe possibilita a fuga. Os pescadores costumam chamar essa tinta preta de “saputuna”, que

serve de proteção, uma forma de defesa, para se esconder mediante a alguma ameaça,

numa situação de perigo. Dessa forma, portanto, os predadores não conseguem vê-lo nem

pegá-lo.

O polvo, normalmente, se alimenta fora de “casa”, na porta. É muito habilidoso para caçar,

atraindo novas presas para perto de si, com os restos do alimento anterior na “porta de

casa”. Assim, é fácil encontrar, na porta da sua casa, casco de siri, pois ele suga toda a

parte comestível do siri e da lagosta todinha e só deixa o casco. A porta da casa, ele

costuma a deixar também, pedrinhas bem arrumadas, para nenhum outro polvo entrar na

sua casa. Essa armação na porta de casa é conhecida como Cisqueiro.

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Segundo seu Clemilton, a casa de um polvo é sempre limpa, isto é, ele nunca deixa resto de

comida dentro e sim fora do seu alojamento, na porta.

“O polvo está ATAR, quando ele sai da casa, ele sai pra mariscar e naquela saída, você

vai e pega. E quando ele lhe vê, ele solta aquela tinta e impretece tudo, que você não consegue enxergar ele, e aí ele largou aquela tinta preta, ele já vai saindo”

“O polvo, ele come o siri, então o que ele faz., que ele chupa o siri todo, ele deixa o

casco” (seu Antônio Caboquinho)

“Você vai aqui pelo arrecife, aí encontra o siri aqui comido, você já sabe. Ele mariscou aqui por perto, aí você começa a rodear, aí você encontra ele.

E às vezes você o encontra comendo” (seu Clemilton)

Segundo os especialistas locais entrevistados, em cada toca só é encontrado um organismo,

e estas são bem distantes umas das outras. Apenas quando há casais é que eles ficam em

tocas próximas, porém distintas.

Os polvejadores têem conhecimento do período do ciclo de vida /reprodutivo em que os

polvos se encontram, dependendo da época do ano. Eles registram este tempo sempre

baseado nas estações do ano. No verão, do mês de janeiro a abril, estes organismos são

encontrados em grandes quantidades, a maioria de tamanho pequeno, embora na pesca de

mergulho, polvos maiores são encontrados, alguns chegam a pesar até (01) um quilo,

apenas um polvo. No verão, o polvo muitas vezes é capturado na beira do mar, onde a onda

quebra, de mergulho, devido às “águas claras” que facilitam a visão. Já no inverno, durante

os meses de maio a julho, o polvo, segundo os pescadores, desaparece por causa do

temporal, pois ele só aparece em águas limpas, claras. Porém os poucos organismos

encontrados durante o inverno são enormes, chegando a pesar 1Kg a 1,5Kg apenas um

polvo. De setembro a outubro é a época de desova e os polvos começam a chegar no

arrecife todos bem pequenos para “fazer morada”, como dizem os pescadores. Nesta época

eles chegam a pesar de 200 a 400 gramas. E nos meses de novembro e dezembro, os

polvos encontrados são de tamanho variado, pois é exatamente a época em que eles estão

ficando graúdos. Segundo seu Antônio Caboquinho, o polvejador mais antigo da Vila,

quando a água esquenta muito, o que normalmente acontece durante o verão, o polvo sai

de casa para mariscar, isto é, procurar alimento, e para procurara água fria. Já no inverno, o

polvo não sai de casa porque a água esfria e a “bagaceira”, a turbulência da água, não o

deixa mariscar.

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A pesca do polvo possui diversas variáveis que interferem determinando o melhor

momento, horário e mês para o trabalho, tudo isso de forma paralela com a dinâmica do

organismo. Segundo pescadores de Garapuá, a pesca do polvo depende primariamente da

maré, pois como já foi dito anteriormente, a pesca desse organismo só acontece pela manhã

e durante a “maré seca”, embora os polvos cheguem ao arrecife durante a noite, na “maré

de enchente”. Segundo seu Antônio Caboquinho, a melhor maré para esse tipo de pescaria

é na “maré nova”, quer dizer, a primeira maré de uma das fases da lua (seja da lua nova;

cheia; minguante; ou crescente), quando os polvos vêm chegando no arrecife e entrando

nas tocas desocupadas e limpas.

Seu Clemilton acrescenta que a temperatura também interfere na pesca do polvo, pois este

não gosta de água quente, ele afirma que quando o sol aquece a água, o polvo sai da sua

casa a procura de água fria.

“Se for numa hora como 11 horas, 12 horas, a água esquentou, aí eles entram. Fica lá dentro” (seu Antônio Caboquinho)

Os pescadores da Vila de Garapuá ainda ensinam a preparam uma boa moqueca de polvo.

Para isso ele dá a dica de como tratá-lo e diz que deve ser retirados o olho e o “dente”,

como ele diz, isto é, os dentes quitinosos que o polvo tem, depois ferventar por uns 5

minutos. Após a fervura, o raio do polvo é cortado em pedaços bem pequenos e em seguida

preparar normalmente a moqueca, com azeite, leite de côco e temperos. Seu Clemilton já

vende o polvo tratado, é só tirar os olhos,cozinhar e saborear.

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8.4. LAGOSTA (Panulirus echinatus)

No Brasil a lagosta é encontrada desde o norte até Santa Catarina, porém é em Pernambuco

e na Paraíba que se a pesca em larga escala. Na vila de Garapuá é comum encontrar

lagostas do tipo vermelha (Panulirus echinatus), bastante freqüente nos arrecifes Norte e

Sul, além de “lá fora”, isto é, fora da enseada. Porém, segundo relatos de pescadores da

vila, além da lagosta vermelha, existem em Garapuá mais cinco diferentes tipos de lagostas

conhecidas como: “lagosta pão”, “lagosta-azul”, “chan-chan”, “lagosta-sapateira” e

“pelucinha”. Elas deferem quanto à coloração, ao design da carapaça, a época mais

adequada de pesca e os locais onde são encontradas.

“A chan-chan só dá no inverno, de 1º de maio até agosto” (dona Sônia)

“No inverno aqui nas pedras dá a vermelha mesmo” (seu Isaías)

Pescadores afirmam que a “lagosta-pão” só se pega “lá fora”. A lagosta chan-chan é um

pouco esverdeada, com preto no fundo (mais escuro) e só aparece quando dá temporal - é

lagosta de “arribação” - bem valorizada no mercado internacional. A época da “lagosta-

azul” aparece quando a água está “limpa”, o que facilita pegá-la de mão (de luva porque

ela fura demais) durante o mergulho – “A lagosta-azul não tem maresia. É mais gostosa”

(Tadeu). Tanto a “lagosta-azul” quanto a lagosta chan-chan se pega menos de rede, porém,

em grande quantidade quando se pesca de mergulho. A “sapateira” se pega tanto de rede

quanto de facho, todavia, durante a pescaria de facho a quantidade desse organismo

pescado supera a atividade com rede. Já a pelucinha é semelhante à vermelha, porém com

pêlos por toda carapaça. Por fim a lagosta do tipo “vermelha” é a mais encontrada nos

arrecifes que rodeiam a vila de Garapuá. Segundo os pescadores, a “lagosta-vermelha” não

cresce muito e o ventre da carapaça possui uma coloração clara (branca) (Tabela 04).

“Lá fora encontra chan-chan de 700 ou 800g, duas lagostas, às vezes, dá 1kg” (Tadeu)

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TABELA 04: Lagostas encontradas em Garapuá-BA.

Etnoespécies Espécies Característica Principal Lagosta vermelha Panulirus echinatus “De coloração vemelha. A

mais abundante.” Lagosta azul Panulirus argus “De coloração azul. A mais

gostosa.” Lagosta chan-chan Panulinus laevicadida “Grande e feia. Usada para

exportação.” Lagosta pão Sylarideos sp. “Parece a chan-chan, porém

é maior.” Lagosta sapateira Parribacus antarticus “Achatada parecendo um

sapato.” Lagosta pelucinha Sem identificação “Peluda”. As diferenças entre as lagostas fêmeas e machos do tipo “vermelha”, o tipo mais

encontrado nos arrecifes próximos a vila, é observada com base na “unha” e na coloração

da carapaça. Segundo os pescadores, as fêmeas têm a carapaça mais clara (branca) que a

do macho, além de possuírem três unhas no primeiro par de patas, diferindo dos machos

que possuem apenas duas unhas em todas as patas.

Esses animais possuem duas (2) “armas” de defesa contra os predadores. Uma está

relacionada aos espinhos espalhados por toda a carapaça, o que dificulta a sua captura,

além disso, as lagostas quando se sentam ameaçadas, soltam as suas antenas, que

normalmente são bem fixadas – duras, numa tentativa de fuga dos predadores. As lagostas

também emitem sons como uma forma de comunicação.

“Faz um zuadeiro quando você mergulha num lugar que tem lagosta” (Tadeu)

Existe ainda diferença visível e bem distinta entre as ovas das fêmeas, observadas

principalmente nos meses de junho, julho e agosto, quando acontece a desova da lagosta do

tipo vermelha. As ovas mais amarelas são novas e as mais escuras são velhas, porém caso

tenha “pontinhos” preto, significa que já está perto da época da desova.

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Os pescadores atentam para todos esses detalhes que diferem as etapas reprodutivas que

são de extrema importância para a dinâmica desses organismos no meio ambiente.

“É na ova que está toda vitamina”

(Disse Tadeu comendo a ova da lagosta no barco voltando para a praia)

“A lagosta muito pequena com ovada é solta” (Zequinha)

As lagostas sofrem mudanças da carapaça para crescer; quando isso se processa o animal

torna-se bastante vulnerável para seus inimigos naturais. Ela, então, se esconde no meio

das rochas, nada comendo, e assim permanece até que se forme uma nova carapaça.

Depois disto a carapaça velha se fende dorsalmente e a lagosta, com novo revestimento,

vai aos poucos saindo do antigo envólucro. A forma nova é mole, mas logo adquire

consistência , impregnando-se de sais calcários até tomar seu aspecto definitivo. Nessa

época, devido ao jejum que se impôs, a lagosta abandona sua toca e procura o alimento ,

podendo então ser capturado pelo homem.

Em Garapuá, ocorrem quatro tipos diferentes de pescaria da lagosta vermelha (Panulirus

echinatus): de rede, de facho, de mergulho e de vara. Esses três tipos de pescaria são

relatados por vários pescadores entrevistados de forma detalhada.

Na pescaria de rede o pescador coloca a rede durante a maré seca beirando o arrecife, são

redes especiais que são colocadas “Lá fora” ou próximo aos arrecifes. Segundo Tadeu, o

melhor pescador de lagosta de Garapuá, uma “peça” de rede custa de 50 a 70 reais. Essas

redes têm um curto período de duração, o tempo médio de vida dura em torno de um ano.

Esse tempo médio de vida depende das condições do tempo, pois no inverno as peças se

acabam mais rapidamente, do que durante o verão. Para colocar a rede, os pescadores

utilizam uma canoa para se deslocar até o local mais adequado – que normalmente é o

arrecife sul -, a canoa usada na pesca é de madeira (de vinhático), e custa em média

seiscentos reais (R$ 600) num estaleiro da cidade de Valença. A rede não é colocada nas

“pedras” e sim ao redor dessas, já que as lagostas fazem morada nas fendas, isto é, nos

buracos dos arrecifes. A rede é deixada no local, um tempo médio de vinte e quatro horas,

porém podem ficar até quarenta e oito horas (48h) no mar. Após esse tempo a rede é

retirada também durante a maré seca e, segundo os pescadores, a rede é deixada vinte e

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quatro horas (24h) no local porque as lagostas só vêm para o arrecife durante a maré de

enchente. Quando a maré vem alagando o arrecife elas vêm juntas para suas moradas, e

assim que as lagostas chegam ao arrecife, são barradas pela rede, e na próxima maré seca,

os pescadores as retiram da malha, ainda vivas.

“Uma rede com 50 metros sai mais de 100 reais” (Tadeu)

“O buraco a gente chama de FURNA” (seu Antônio Caboquinho)

Na pesca da lagosta, geralmente, quatro pescadores, em média, pegam duzentos quilos

(200 Kg) de lagosta por pescaria (Figura 13), cada um leva quatro (4) peças de rede e todo

o pescado é então, dividido, com exceção do barco que fica com 30% de toda a fatura.

Figura 13: Lagostas sendo divididas entre os pescadores,no barco, após uma pescaria de rede.

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Para fachear é utilizado um utensílio conhecido localmente como facho (ou Caroucha), que

mais adiante, ainda neste trabalho, será descrito. O local mais utilizado para esta arte

(fachear) é na Ilha Grande do Norte

“Se pega mais lagosta vermelha” - no facho. “É difícil andar por cima dos arrecifes, tem que ter muito cuidado”

(Tadeu) Pode-se pescar a lagosta de mergulhos também, na “quebrança”, próximo ao arrecife, no

mesmo local onde se coloca a rede. Durante o mergulho alguns pescadores utilizam, pé de

pato, “snockee”, “bicheiro” e luva, porém outros utilizam apenas o “bicheiro” como

utensílio de pesca. Da superfície, com a cabeça em baixo d’água, eles observam e

localizam a lagosta, logo em seguida eles mergulham e retiram o animal do buraco com a

mão, quando possível, ou com a ajuda do “bicheiro”.

“Sapateira é difícil de se esconder nos buracos” (Tadeu)

Além desses três tipos de pescaria da lagosta, um mestre da pesca de arrecife, da vila de

Garapuá, relatou uma outra arte conhecida como a pescaria de vara que acontece durante o

dia. Na pescaria de vara da lagosta, o pescador amarra um polvo grande e vivo na linha que

se encontra presa na ponta da vara. Segundo seu Antônio Caboquinho, é necessário que o

animal esteja vivo, “visgando”. Enfia a vara na furna, em um buraco do arrecife, e a

lagosta, então, espirra mais adiante, do outro lado. Isso acontece, segundo os pescadores,

porque a lagosta tem “medo” do polvo grande, pois este a tem como o prato principal de

suas refeições. Porém, a lagosta só foge de polvo graúdo e se alimenta do polvo pequeno

que se aproxima, além dos peixes que também servem de alimento. Segundo os

pescadores, a lagosta é um animal voraz e caça toda espécie peixes e de crustáceos,

devorando até mesmo os da sua espécie, além de gostar muito dos caramujos de concha

calcária.

Assim que a lagosta sai da furna, isto é, do buraco, os pescadores a pegam de mão mais

adiante. Eles acrescentam que, caso o polvo seja pequeno, as lagostas não saem das furnas.

“Tem uma vara que tem uma cordinha e aí a gente amarra o polvo e cutuca no buraco

onde está a lagosta e aí sai com medo, e aí a gente vai e pega ela com a mão” (seu Antônio Caboquinho)

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Quando um pescador “cutuca” um lugar em que a lagosta se encontra, com a vara e um

polvo amarrado na ponta, e se percebe que um pedaço foi retirado, ele já sabem que

naquele lugar tem “caramuru”, um peixe muito temido. Nessa pescaria de buraco, os

pescadores pegam o peixe, eles vasculham as furnas – os buracos, tiram a lagosta, e tiram o

caramuru. Os pescadores fazem, portanto, três (3) tipos de pescaria em uma só manhã.

“Nesse buraco a gente procura um reservado que ela não veja a gente, aí a gente se abaixa e depois pega. Tem que se esconder, senão não pega”

(Tadeu) Existem locais mais adequados para a pesca da lagosta, onde, segundo pescadores, são os

locais onde mais se pega lagosta em Garapuá. Esses locais recebem a denominação de

pesqueiros, são eles: Vilisboa, Enseadinha, Furninha, Ilha Grande do Sul, Coroinha,

Camboa Velha, Furnão, Subaio do Barco, Poço da Panan, Canal do Mero e Eufrades. A

pesca nesses pesqueiros acontece de forma alternada, isto é, a cada dia os pescadores

trabalham em um local diferente.

“Por exemplo, tem uns pontos que é melhor pra lagosta. Você bota um dia em Vilisboa, no

outro você bota em Enseadinha. Cada dia tem um lugar” (Tadeu)

“Saímos daqui de noite e botamos a rede de noite e sai andando passa em Vilisboa, passa por Camboa Velha. Levamos um candeeiro. Agora essa pescaria é mais no inverno”

(seu Antônio Caboquinho)

A pesca da lagosta possui diversas variáveis que interferem na pesca determinando o

melhor momento, horário, mês e a melhor arte para o trabalho. Segundo pescadores de

Garapuá, a pesca da lagosta depende primariamente da lua, pois estes organismos possuem

fotossensores e se “sentem” desnorteados com luz incidente ficando paralisados, sendo

presas fáceis para os pescadores. Assim como os demais pescados descritos, a lagosta

também possui outras, diversas variáveis que interferem na pesca, além da luminosidade

lunar.

A “pescaria-de-facho” só pode ser realizada em “noite sem lua” e a de rede freqüentemente

acontece pela manhã, nos arrecifes norte e sul.

“Noite de lua não pesca” (Tadeu)

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A pesca da lagosta a depender da arte utilizada pode acontecer nos arrecifes sul e norte,

sendo este último o mais povoado por estes organismos. Quando a pescaria acontece nos

arrecifes, o movimento das marés também influencia, já que, segundo relatos, “a lagosta

chega no arrecife durante a noite e com a maré de enchente”, porém a pesca só acontece

durante a maré seca, o que facilita o deslocamento do pescador sobre os arrecifes.

A dinâmica desse organismo é reconhecida pelos pescadores e está intimamente

relacionada com as estações do ano. Os especialistas afirmam que durante o verão, nos

meses de dezembro a fevereiro, a quantidade de “lagosta-vermelha” aumenta porque a

quantidade de redes que são colocadas no mar também aumenta. Durante o verão por força

do turismo, os pescadores colocam mais redes, pois é um marisco bastante procurado e

muito caro, em média quinze reais o quilo (R$ 15,00 o Kg) e ainda acrescentam que nesta

época o tamanho do organismo também é bem maior. Todas as lagostas pescadas em

Garapuá são vendidas em Morro de São Paulo ou ficam nas barracas de praia da própria

vila. Nos meses de março, abril e maio, já começam a aparecer organismos pequenos.

Durante o inverno, nos meses de junho, julho e agosto, acontece a desova. Nesse período,

segundo alguns pescadores, a lagosta some, dá bem pouca e maioria ovada. Isso contradiz

a lei do defeso, imposta pelo IBAMA, nos meses de janeiro a abril. Foi possível sugerir,

através do estudo etnoecológico, juntamente com a pesquisa aplicada desse organismo, que

o período mais apropriado para o defeso seria nos meses de setembro a novembro. Nesta

época o preço da lagosta-vermelha cai bruscamente de quinze reais para cinco reais o quilo

(R$ 5,00 o Kg), por ser facilmente encontrada nos arrecifes e “lá fora”, porém de tamanho

muito pequeno.

“O pessoal que pesca de linha, passa a pescar lagosta, por exemplo, de rede no verão. É o que dá mais. Dá mais lagosta e dá mais dinheiro”

“No inverno pega a lagosta por 3 reais. Chega agora em dezembro pega por 10 reais no

mínimo” (seu Cantor)

A quantidade total de “lagosta-vermelha”, em número e peso, capturada por dia em

Garapuá, durante um ano, foi registrado por Patrícia Aguiar, estudante bolsista do projeto,

juntamente o seu facilitador (Tabela 05), assim como o número de lagosteiros da Vila e

número de dias trabalhados durante este período.

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Tabela 05: Quantidade de lagosta capturada em Garapuá, durante um ano

ANO Número Kg Média do Peso

Número de lagosteiros

Número de dias

Total 27.711 4.262,5 - 7,8 17,07 Média 1847,40 284,17 0,159 37 256

Fonte: AGUIAR, P.. Pesquisa Aplicada – Lagosta (Panulirus echinatus). Relatório Técnico.Projeto Garapuá.

2002.

A dinâmica da lagosta chan-chan é diferente da vermelha. Segundo os pescadores este tipo

de lagosta “desaparece” durante a maior parte do ano e só aparece nos meses de maio,

junho e julho, è um marisco caro, e por isso um produto de exportação, onde apenas a

“cauda” isto é o abdome, são utilizados, e o quilo desta lagosta custa em média 17 reais

(R$ 17,00 o Kg). Este tipo de lagosta só é encontrada “lá fora”, isto é, fora da enseada e

para a sua pesca é utilizada apenas redes com náilon de seda, mais resistente, para agüentar

o “temporal” que ocorre durante o inverno, e porque esse tipo de lagosta é enorme,

chegando a pesar até um quilo (1 Kg), um quilo e meio (1,5 Kg), cada lagosta.

“Essa de arribação é a chan-chan - de exportação, é das grandes, só dá lá fora” (seu Antônio Caboquinho)

Já a “lagosta-azul”, é capturada mais de mergulho, lá fora – “entre a pedra e a areia”, e

segundo relatos, ela não tem época exata, pois é encontrada durante todo o ano, igualmente

a lagosta do tipo vermelha.

“A época da lagosta Azul é quando a água está limpa. Pega de mão (de luva porque ela

fura demais), de mergulho” (seu Antônio Caboquinho)

Como crustáceo comestível a lagosta figura entre os melhores, pois sua carne é deliciosa.

Seu consumo entre as pessoas de nível sócio-econômico elevado é grande. Por isso esse

animal é considerado alimento de luxo e conseqüentemente são vendidos a altos preços no

mercado.

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É possível notar que cada tipo de lagosta possui uma dinâmica própria e que esta dinâmica

é reconhecida pela comunidade de pescadores, sendo distinguidas épocas de desova e

épocas em que aparecem maiores, e quando aparecem. Os pescadores, por exemplo, sabem

que a lagosta lá fora, só arriba (como eles dizem), isto é, só aparece, quando dá temporal.

À medida que a água vai ficando “mansa” - calma e clara, menos lagosta são encontradas

nas redes colocadas lá fora.

8.5. CAMARÃO

É um crustáceo, que possui dez pernas e abdome alongado, por isso chamado de decápode

macruro. A pesca do camarão em Garapuá é realizada utilizando uma arte de pesca bem

conhecida localmente por Arrastão. Os camarões pescados (Figura 14) são de três espécies

que os pescadores conhecem e distinguem muito bem. São os tipos Rosa (Penaeus

brasiliensis), Pistola (sem identificação) e Tanha - ou Sete Barbas (Xyphopenaeus krogeri),

a diferença entre eles é o tamanho e a coloração. Os pescadores descrevem o camarão

pistola como sendo o maior, o rosa de tamanho mediano e coloração avermelhada e o tanha

como sendo o de tamanho menor. Todos os três tipos descritos pelos pescadores são

encontrados num mesmo ambiente. Segundo a literatura12:

O “camarão-rosa” (Penaeus brasiliensis) trata-se de um crustáceo de côr vermelha-escura,

com pontuação de côr ainda mais carregada. Chega a alcançar 18cm de comprimento e é

também chamado de “camarão-branco” ou “vila-franca”.

Já o “camarão-sete-barbas” (Xyphopenaeus krogeri) mede 7 a 8 cm de comprimento. É

errôneamente, chamado de "sete barbas", pois tem apenas 6, sendo chamado na França

"sixbarbes". Encontrado em toda a costa atlântica norte, centro e sul-americana; concentra-

se, de preferência na orla litorânea. À medida que se afasta da costa, a espécie vai

escasseando e, depois de uma distância de 4 milhas ou mais, desaparece.

12 http://www.naturalsul.com.br/faunmar2.htm

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Figura 14: Camarão “pistola”, “rosa” e “tanha” pescados de arrastão na lama de Camboa Velha.

Esses organismos, assim como os demais organismos em estudo, possuem diversos

variáveis que interferem na pesca. Segundo os pescadores o camarão só aparece em grande

quantidade durante o inverno, pois como eles dizem, este organismo “gosta de água suja”,

isto é, de água “mexida” pelo temporal e pela ventania que mistura água com o substrato.

Segundo Dal e Gerinho, dois jovens pescadores de camarão, o arrastão acontece tanto em

lugares no mar com o fundo de lama, como em lugares no mar com o fundo de areia.

Normalmente eles arrastam na “lama de Camboa Velha”, que é a mais próxima da Vila de

Garapuá, porém acrescentam que tem diversas outras lamas, como a “lama de Morro de

São Paulo” e a “lama de Boipeba”, por exemplo. Eles afirmam ainda que no verão é difícil

de encontrar camarão. Porém as informações ainda são insuficientes para descrever esta

pesca tão complexa e polêmica devido a arte (a rede) que causa uma desordem no fundo do

mar, desequilibrando toda a cadeia alimentar do ambiente.

“Camarão é de água suja. Água tordada” (seu Raimundo)

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8.6. PEIXE

Descrever a dinâmica da pesca dos peixes em Garapuá é uma tarefa bastante difícil que

necessita de um estudo mais aprofundado e específico, pois existe uma gama de variáveis

que interferem na pesca deste, porém de forma particular para as diversas espécies de peixe

(Figura 15), já que segundo os pescadores locais, há peixes, por exemplo, de inverno e de

verão, os quais são pescados de formas variadas e utilizam diferentes iscas de acordo com

a espécie que se deseja capturar.

Figura 15: Diversas espécies de peixes (que não foram identificados) pescados de calão na enseada da vila de Garapuá-BA.

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09. ARTES DE PESCA

Foi feito também o registro (Tabela 06) e a descrição dos aparelhos de pesca mais

utilizados pelos pescadores da vila de Garapuá, expondo suas características mais

importantes.

Tabela 06: Registro das artes de pesca

TIPO DE PESCA ARTEFATO DE PESCA

UTENSÍLIOS PESCADO

Pesca com jiqui Jiqui Samburá, bicheiro Caramuru

Manual Bicheiro Samburá, bicheiro, embirici, luvas

Polvo e lagosta

Fachear Facho Luvas, bota, samburá e bicheiro

Lagosta

Tarrafa Rede Chumbo, Samburá Peixe De Linha

(de corso, de duro, de canal, de

buraco, de canal e lá fora)

Linha e anzol Samburá, forquilha, carretel, fio de nilon, chumbada, coroque

Peixe e polvo

Arrasto Rede Barra de ferro, bóia, cortiça

Camarão

Groseira Sicuabo (corda) e anzol

Samburá Peixe

Calão Rede Peixe Mergulho Peixe e lagosta

Rede de lagosta Rede de seda Rede de nilon

Canoa, samburá. Lagosta (“chan-chan”)

9.1. “CALÃO”

“Trata-se de uma arte de pesca que utiliza a rede para a captura de peixe, que é manejada

por um grupo de homens na praia, são vários pescadores (6 a 8 pescadores) na praia

puxando uma enorme rede. O calão tem um impacto reduzido sobre as populações juvenis

de peixes. O calão depende de força humana em contraste com o arrastão que exige a força

de um barco a motor” (RÊGO, 1994). A rede é colocada no mar com ajuda de uma canoa,

ficando uma das extremidades desta em terra – “Bota uma ponta de corda aqui na praia e

sai de canoa” (Zequinha). Os pescadores saem de canoa em direção a “lá fora” e colocam

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a rede “com 180 braças de corda daqui pra fora” (seu Isaías). Depois de colocada a rede,

os pescadores ficam batendo na rede até chegar em terra, eles fazem isso para assustar o

peixe e este correr na direção da praia. Segundo eles: “A gente vê o peixe”. As redes do

calão tem altura semelhante a rede do arrastão, porém a malha do calão é mais graúda,

devendo medir em média 5mm e náilon 50, podendo capturar peixes de até cinco a seis

quilos (Figura 16 e 17). Assim ele acarreta um impacto ambiental reduzido se comparado

ao arrastão. Todo peixe capturado serve de isca para a groseira ou é vendido para servindo

de tira gosto nas barracas. A rede do calão traz os peixes para a terra assim como a rede do

arrastão, porém os peixes chegam ainda vivos, podendo, os menores, serem soltos ainda

com vida, o que não acontece na rede do arrastão, onde tudo chega sem vida ao barco,

devida a pressão sofrida no “fundo do saco” da rede. Durante o inverno, a única arte de

pesca que não utilizada, é o calão, porque, segundo os pescadores da vila de Garapuá “não

dá o peixe. Os peixes só vêm para terra com o tempo manso, água clara. Quando o mar

toma eles sai” (Zequinha). São peixes de estação mansa, calma, chamados de “peixes da

costa”, que vivem beirando a terra, fácil de pegar na beira da praia. Os peixes da costa mais

conhecidos são “boca-torta”, “barbuda”, “pescada-branca”, “cascuda”, entre outros. Eles

acrescentam que “o peixe não dorme aqui dentro (dentro da enseada), ele entra de manhã

e sai à tarde”. Por isso os pescadores nunca saem para a pescaria durante à noite e sim

durante o dia, principalmente pela manhã.

“Pela levada que o peixe dá, a gente já conhece” (Zequinha)

Figura 16: Chegada do Calão

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Figura 17: Separação do pescado resultante do Calão

9.2. “ARRASTÃO”

“Em contraste com o calão, exige a força motriz de um barco a motor” (RÊGO,1994), além

da força humana, em média, dois homens, porém, até mesmo uma pessoa pode arrastar. O

pescado é especificamente o camarão. No entanto ocorre a captura em grande quantidade

de pequenos peixes e alguns peixes mais graúdos, que são mortos pela força e pressão

dentro do sacador e pela malha bem pequena da rede, que não deixa passar nada. Os

pescadores dizem que no arrastão os peixes ficam “abafados”. Além de peixes muitos siris

são capturados, principalmente siri fêmea. A rede do arrastão parece ter um grande

impacto sobre as populações de camarão, se comparado com o poder de captura mais

limitado do calão.

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A rede possui uma malha fina, para não deixa passar nem os peixes pequenos, além de uma

“boca” que coleta tudo que encontra pela frente, que em seguida cai no saco, onde todos os

pescados são imprensados no fundo (Figura 18 e 19). A pressão no fundo do saco da rede,

é tão grande que todos os peixes, siris e outras formas de vida marinha morre, e nunca

conseguem sobreviver. Chegando no local adequado, sobre a lama, o barco fica dando

voltas. Normalmente os barcos chegam seis horas da manhã e só retiram o primeiro lance

de rede após três horas, isto é, por volta das nove horas da manhã. Depois “desengrena” o

motor como dizem os pescadores, isto é, desliga o motor e os homens lançam ao mar as

placas que devem pesar de 40 a 50 quilos cada uma. Quando as placas, tocam no

sedimento - no fundo do mar – é o sinal, entendido pelos pescadores, que as pontas da rede

se encontram entre 20 e 25 braças profundidade, medido anteriormente através da

chumbada. È hora então de arrastar.

Figura 18: Rede do Arrastão

A rede do arrastão é passada na lama “Lá fora”, mexendo nos sedimentos do fundo do mar,

geralmente por duas horas. Os locais mais freqüentados são percebidos pela presença de

um substrato lodoso, isto é, muita lama. As lamas mais visitadas são: Lama de Lá fora,

Lama de Dudinha, Lama de Camboa Velha, Paium, Lama do Morro, Lama de Boipeba e

Gameleira. A localização exata de cada lama é marcada por terra, pelos morros, depressões

na vegetação, pontas de igrejas, torres, entre outras marcações ou outeiros,como eles

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dizem. As duas extremidades do pesqueiro (da lama) são marcadas pelos outeiros. A lama

de Camboa Velha, por exemplo é marcada na sua extremidade esquerda por uma depressão

na vegetação do manguezal e a sua extremidade direita, pela extremidade norte da vila de

Garapuá (quando começam a aparecer as casas). Alguns outeiros citados pelos pescadores

da vila foram Chapada, outeirinho e outeiros que ficam no farol de Morro de São Paulo e

Guaibim. É uma marcação bastante interessante que mostra o conhecimento sobre

orientação marítima dos pescadores.

Essa marcação dos pesqueiros mostra a percepção dos pescadores em relação ao

ecossistema marinho, entendendo o seu funcionamento e criando estratégias para uma

pescaria mais produtiva. Segundo Jussara Rego (1994), “o conhecer como percebem o

ecossistema marinho pode ser a chave para os biólogos marinhos entender o

funcionamento desse ecossistema e, para os cientistas sociais compreender algumas das

condutas em relação às estratégias de captura e de mercado”.

Figura 19: Esquema da pesca com arrastão, feito por um pescador - seu Dida.

REDE DE ARRASTO

SACO DA REDE DE ARRASTO BARCO

BARRA DE FERRO

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Após puxar o primeiro lance, e os pescadores registram que aquele local encontra-se rico

de camarão, eles puxam até seis vezes no mesmo local.“Cada lanço vai diminuindo a

quantidade,às vezes tem 20 barcos puxando só naquela lama”. Para puxar a rede de volta

ao barco, os pescadores começam pela corda e conseqüentemente puxam a boca da rede,

onde raramente um peixe se prende. Acabando de retirar a boca da rede de dentro do mar,

os pescadores puxam o saco, onde encontra-se todo o pescado. Segundo os pescadores:

“vem a bagaceira toda do fundo do mar”. A corda que prende o saco da rede é

popularmente conhecido como corda ritinida, bastante resistente, prende o saco da rede.

“Na altura do Morro tem lugares mareados. Quando chega em cima está tudo morto já, os camarões. O arrastão vai atrás do barco, ele vai cavando. Em Valença, o pessoal pesca

mais de arrastão e também em Boipeba. Lá em Boipeba tem muito arrastão” (Valtinho)

O lucro da pesca com arrastão é grande, porém o que fica na mão dos pescadores não é

muito. O dono do barco fica com 30% do lucro total, e o restante é divido entre os

pescadores que trabalharam, sendo que o dono da rede também ganha uma porcentagem

maior.

“E do camarão tem uma parte grande do arrastão, aí eles tiram e aí fica dividido” (Valtinho)

O arrastão é uma arte de pesca bastante utilizada durante o inverno, pois, segundo os

pescadores é nessa época que “dá mais” camarão “Lá Fora”. Eles afirmam que o camarão

não gosta de água limpa e sim “tornada”, quer dizer, água misturada ao sedimento, suja.

Porém às vezes eles arrastam na “estiada” como eles dizem, isto é, quando a chuva passa e

o sol aparece tímido no céu. O mesmo não ocorre durante o verão, já que a água fica clara,

limpa, e isso acaba espantando os camarões, que se escondem para se proteger dos

predadores. Nesta época os pescadores não deixam de arrastar, fazendo o trabalho durante

a noite, quando conseguem encontrar alguns poucos camarões. Além disso, eles procuram

outras artes de pesca que se adaptam melhor às condições ambientais do verão.

“Em março é a época que o pessoal pega camarão lá fora. No verão é melhor pegar

lambreta” (Valtinho)

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Alguns pescadores da vila de Garapuá sabem que o uso do arrastão prejudica a população

marinha, principalmente a bentônica, pois a barra de ferro passa pelo substrato acabando

com tudo, para levantar os camarões que vivem no substrato. A rede do arrastão é a maior

criminosa do mar, ela pega todos os tipos de vida presentes na área por onde ela passa

(Figura 20). Porém apenas os camarões graúdos e os peixes de maior porte interessam aos

pescadores. O restante é jogado fora, no mar, sem nenhum sinal de vida, pois a grande

maioria das vidas capturada não resiste a pressão sofrida dentro do sacador da rede.

Figura 20: Pescadores separando o camarão dos outros animais que são capturados pela

rede do arrastão.

Mas dizem os pescadores que caso deixem de utilizar o arrastão, “como vão sustentar suas

famílias?” Já que essa arte de pesca dá um bom lucro se comparado com outras artes. Os

pescadores compreendem também que se caso deixassem de passar a rede por um longo

tempo, o ambiente volta a se reconstituir e a vida volta a renascer, e o primeiro arrasto que

fizerem, logo após esse tempo de resguardo, será farta. Mas os pescadores vivem num

grande dilema, pois eles sabem que a rede do arrastão acaba com a vida no mar, só que eles

não têm outra opção de pesca que dê um lucro maior e que compense essa arte tão cruel.

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Por outro lado, o impacto ambiental resultante do uso intensivo do arrastão pode ser

diminuído pela introdução, com o apoio das cooperativas, de técnicas não impactantes de

criação que atendam à demanda dos mercados, como por exemplo o cultivo de camarões

em gaiolas que se encontra em fase de implantação em Garapuá – um dos objetivos do

“Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA”.

“O maior criminoso é o arrastão. Por mim era o único material que não vivia no mar. Porque ele pega tudo, e só aproveita os graúdos. Os miúdos joga fora. E a maior

dificuldade que temos no mar. Com o arrastão, eles só aproveitam só os que querem e o resto eles jogam tudo na mar. Isso tudo pra pegar camarão”

“Se você levar um ano sem pescar nada aqui, no dia em que você bota a rede, você fica numa felicidade do mundo, porque vem cheia. Agora eu pergunto, se não botar a rede a

gente vai viver de quê? Aqui você tem que sair pra pescar, senão não tem como sobreviver, você só vai ver seu filho chorando de manhã cedo, pedindo comida, e aí? O

que vaia fazer?” (Valtinho)

9.3. “REDE DE ESPERA”

É uma arte de pesca que utiliza redes com malhas específicas para a captura de peixes e

lagosta. A malha utilizada na captura de lagosta, por exemplo, é 35 ou 40mm, para ser

colocada no arrecife. Caso a rede seja colocada “lá fora” do arrecife, para a captura de

lagosta, a malha será maior para evitar o rompimento, medido 50mm, devido a forte

atuação das correntes marítimas. Na enseada, a rede é colocada para pegar peixes

pequenos, chamados de peixes da costa, são peixes como “boca-torta”, “tainha”, “agulha”,

“barbuda”, “bicudo”, “pescada-branca” e “cascuda” , encontrados nesse local devido às

águas calmas. Esses peixes geralmente são utilizados como isca em outras artes de pesca.

Assim, existem malhas de diferentes tamanhos para os diferentes pescados e muitas braças

de comprimento por rede. Cada rede tem uma malha particular para cada tipo de peixe,

portanto, cada rede recebe um nome específico de acordo com o peixe que captura, como

por exemplo, existe a rede “cascudeira” (Figura 21), que pega um peixe conhecido

popularmente como cascuda; existe ainda a “agulheira” com náilon 25, que pega o “peixe-

agulha”; a tainheira, pega “tainha”; a “barbudeira” com a malha mais grossa, que pega o

“peixe-barbudo”. Na maioria das vezes o emprego desse artefato se dá pela manhã, com a

maré seca, quando várias redes são lançadas de uma canoa, por um ou dois pescadores. As

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redes ficam suspensas com pedaços de isopor nas extremidades superiores e presas ao

fundo por chumbadas nas extremidades inferiores. Muitos pescadores, em Garapuá,

colocam também as redes em canais próximos aos manguezais. Quando colocadas “lá

fora”, as redes permanecem no local até o dia seguinte, também na maré seca, quando são

retiradas. Já na enseada, as redes geralmente são retiradas no mesmo dia. Embora não

sejam utilizados com freqüência, foram registrados mais dois tipo de pesca com rede de

espera, na vila de Garapuá. Segundo relatos, há uma arte conhecida por “bater subáio” e

outra por “bater coroa”. Nas duas artes, a rede de espera é utilizada da mesma forma, sendo

que na arte chamada de “bater subáio” a rede é colocada com a maré seca cercando o

arrecife, e já na arte chamada de “bater coroa”, é mais utilizada durante a noite, com a

maré cheia e cercando um barco de areia.

“Tira os peixes tudo vivo da rede”

“É melhor de noite porque o peixe fica mais à vontade, fica mais despreoculpado, não tem

bagaceira, barco, nem canoa para espantar ele” (Pipoca)

Figura 21: Pescadores desmalhando a “cascudeira” na Enseada.

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9.4 “TARRAFA”

É uma rede utilizada para a captura de peixe quando a maré está baixa. O pescador vê um

cardume passando, se aproxima e lança a rede, que se abre e cai sobre o cardume (Figura

22 e 23). As chumbadas nas extremidades da rede, levam a rede ao fundo (ao chão). Esta

rede é lançada em canais e poças em cima dos arrecifes. Para retirar a rede sem deixar o

peixe escapar, os pescadores apertam a cabeça e quebram o pescoço do peixe e assim eles

podem retirar a rede sem que este fuja. Esta arte é geralmente utilizada durante o verão, na

pesca de peixes da costa, isto é, peixes de pequeno porte como “tainha”, “sioba”, “dentão”,

“carapitanga”, por exemplo.

Figura 22: Seu Gileno estendendo uma tarrafa no chão.

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Figura 23: Seu Gileno mostrando uma tarrafa e um “samburá”, que serve para carregar o pescado

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9.5 “LINHA” A pesca de linha utiliza como isca o camarão preso ao anzol, para pegar vários “tipos” de

peixes. Existem em Garapuá dois tipos de pesca com linha, os quais são colocados em

prática preferencialmente fora da enseada – “Lá fora”. A linha é utilizada com a

embarcação parada ou em movimento, com base nisso há três artes de pesca: “pescaria de

Corso” e “pescaria de duro” (ou ‘Fundiada”).

Quando a embarcação encontra-se em movimento – a chamada Pescaria de Corso que

segundo os pescadores é bem fácil, “você pega o “xixarro” amarra no meio e solta ela.

Quando anda um pouquinho, se tiver cavala ela pega na hora. Essa é a pescaria-de-

corso” (seu Cantor). Na pescaria de corso, usa como isca peixes como a “chaveia” e a

“cascuda” (“sardinha”) para pegar os seguintes peixes: “cavala”, “dourado”, “atum”,

“sororoca”. Este tipo de pesca acontece normalmente durante os meses de janeiro,

fevereiro e março, quando a água encontra-se clara.

Na “pescaria-de-duro” (ou “de Fundo” = “Fundiada”), com a embarcação parada, os

pescadores amarram o náilon no corrimão e esperam o peixe fisgar a isca, e ao puxá-la faz

um “barulho diferente”. O aviamento do fio de náilon varia de acordo com o horário da

pesca, pois de dia eles utilizam um aviamento mais fino do que à noite quando o mar

parece ficar mais “violento”, por isso os pescadores colocam uma isca maior e um

aviamento mais resistente. “De dia bota o náilon (um aviamento) de 70, 80 ou 90. De noite

você já vai com 100/120” (seu Isaías). Junto com o aviamento os pescadores utilizam uma

chumbada na ponta do nailon para a isca descer para o fundo do oceano. Segundo os

pescadores na vila é melhor pescar de linha durante o verão quando a maré encontra-se

calma. A isca é o camarão. Segundo os pescadores, é necessário “engodar” o lugar,

jogando cabeças de camarão na água, onde se está fundiando. Esta arte de pesca é bastante

utilizada durante o inverno para pescar “badejo”, “sioba”, “ariocó”, “garopa”,

“chumberga”.

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Numa entrevista com seu Isaías (pescador e dono de um Kiosk Bar em Garapuá) e sua

esposa, que sai junto com ele para a pescaria – ,me descreveram como acontece a pesca de

linha, o momento que o peixe fisga a isca e a hora exata de retirar o peixe da água. Um

trecho desta entrevista segue logo abaixo:

“Você dá uma braça ou dois de nylon a ele, aí você pega. Ele vem todo molinho. Quando vai chegando perto dos pés que ele percebe que você vai tirar ele de dentro da

água , ai ele corre ai você folga se não ele estora na sua mão. Aí você solta o nylon e faz vontade a ele. Você tá dando tempo dele se cansar .Quando você puxa ele novamente aí

ele já vem fraco. Não reage mais na sua mão.” (seu Isaías)

Todas essas artes de pesca com linha pegam peixes diferentes, poucas vezes o pescado é o

mesmo, porque, como diz seu Cantor, “os peixes que dá no verão não são os mesmos que

dá no inverno, porque a arribação deles é no verão. São peixes de água clara”.

9.6 “JIQUI”

Mesmo não sendo uma arte de pesca utilizada para a captura dos organismos visados pelo

projeto Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairu –Ba, o “jiqui”, uma

armadilha, é bastante interessante pois a sua fabricação e utilização fazem parte da cultura

popular da vila, misturando artesanato e técnica de pesca.

O “jiqui’ é uma armadilha, utilizada na pesca do caramuru, feita de palha de cana-brava,

trabalhada e estruturada para apreender o caramuru (Figura 24). Para iniciar a pesca é

preciso armar a armadilha, colocando a isca no interior do ‘jiqui”. Geralmente é usado

como isca os peixes preferidos do caramuru, os “peixes brancos”, isto é, sem nenhuma

coloração. Os peixes mais encontrados na “barriga” do caramuru são peixes como “boca-

torta”, “peixe-galo”, “cavala”, “carapitanga”, “moreatim”, “barbeiro” e “cambuba”.

A época mais adequada para colocar o jiqui no mar é durante o verão com a maré vaza,

pois é uma armadilha muito frágil para ser colocada durante o inverno e suportar a

“violência” do mar nesse período, devido a presença de ventos fortes. Os pescadores dizem

que “Quando tá manso bota bem por fora da quebrança. Quando bota por terra, que tá

mais explorando, dá menos” (Ouriço), pois, segundo eles, o caramuru raramente entra no

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jiqui, caso este se encontre sobre os arrecifes – “Em cima da pedra o caramuru entra mas é

mais difícil” (seu Dida). O caramuru entra pela sangra da armadilha para comer a isca e

não consegue sair sozinho. “Sangra” é a “boca” do “jiqui”, uma armação das palhas que

deixa o caramuru entrar, porém não permite a sua saída. Por fim, os pescadores recolhem,

a armadilha e com a ajuda de um facão retiram o animal de dentro dela, batendo com o

mesmo na sua cabeça até que ele morra. Depois de morto, o animal é colocado no

“samburá” e levado para a Vila.

Figura 24: Valtinho e Ouriço, mostrando um “jiqui”.

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9.7. “GROSEIRA” (ou “Espinhel” ) É uma corda em que são colocados vários anzóis pequenos (nº8) de forma espaçada, em

torno de uma braça e meia de um anzol para o outro (Figura 25). Serve para a captura de

peixes grandes e pequenos, sendo que os menores chegam a pesar até meio quilo, inclusive

cação. No caso da pesca do cação, recomendado a utilização um tipo de aviamento e anzol

mais resistente, devido a força desse animal. A groseira é colocada “Lá fora”, com 28 a 30

braças de profundidade. Assim que é colocada no mar a corda vai direto para o fundo,

descendo anzol por anzol de forma ordenada. A corda desce até o fundo pela presença de

chumbadas amarradas a esta. Ela fica solta no fundo e pedaços de isopor na sua parte

superior, para servir de marcação. Os pescadores ainda colocam um galho de árvore do

manguezal ou uma bóia, chamada de baliza, para marcar o local onde a rede foi deixada

Esta arte é utilizada geralmente durante o verão, na pesca de peixes como “sioba”,

“dentão”, “cação”, “badejo” e “ariocó”.

Figura 25: Groseira (ou Espinhel)

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9.8. FACHO Facho é uma técnica de pesca da lagosta, realizada nas “noite de escuro ou sem lua”,como

costumam dizer, isto é, nas noites em que a lua se encontra na fase nova ou minguante e

com a maré vazia. Para fachear é utilizado uma lata de tamanho razoável (lata de

alumínio), cheia de óleo de barco, com um furo na tampa e um chumaço de pano saindo

(parecendo um candeeiro - CAROUCHA), com um aparador, para proteção, e um cabo de

madeira (Figura 26). Tadeu, o melhor pescador de lagosta da vila de Garapuá, diz que

enche a lata de óleo antes de sair e leva uma garrafa de água mineral cheia de óleo de

reserva. Segundo ele, a lata cheia dura uma hora a depender da intensidade dos ventos. O

local mais utilizado para esta arte (fachear) é na Ilha Grande do Norte. Para facilitar o

facho, Tadeu leva com ele um samburá e um bicheiro (material pontiagudo de ferro com

um cabo de madeira, utilizado também na pesca do polvo e do “caramuru” – a moréia).

Esta arte geralmente acontece da Ilha Grande do Norte até a coroa de areia e, afirmam os

pescadores entrevistados, que durante a pesca de facho “Se pega mais lagosta vermelha”

(Tadeu). Para facilitar o deslocamento sobre o arrecife e para a sua proteção, ele usa

conturnos (botas); um par de luvas e casaco, por causa do frio que faz nos arrecifes durante

a noite. Para pegar lagostas durante o facho, é necessário caminhar até o local onde a maré

“bate” nos arrecifes. Durante o facho, no arrecife, é possível observar vários peixinhos

pulando, que segundo Tadeu, são “agulhões” e “filhotes de tainha”. Tadeu diz que o

fachear é uma arte muito perigosa, pois tem que andar sobre o arrecife com atenção para

não cair em um buraco, no meio da grande escuridão, além do medo de peixes conhecidos

popularmente por “caramuru” e “agulhão”, este último, certa vez, segundo ele, enfiou o

“bico” (a boca comprida, fina e cheia de dentes) na perna dele. Mas seu Tadeu confessa

que gosta muito de fachear, pois se sente livre e maravilhado escutando apenas o som do

mar, durante a noite, sobre os arrecifes.

Figura 26: Tadeu com um facho e um samburá – utensílios necessários para pegar lagosta em “noite de

escuro”.

“Se pega mais lagosta vermelha” - no facho. “É difícil andar por cima dos arrecifes, tem

que ter muito cuidado”(Tadeu)

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10. QUADRO SINTÉTICO DAS CATEGORIAS DE PESCA EM GARAPUÁ

Na Vila de Garapuá, cada tipo de pesca citado pelos pescadores e marisqueiras está associada a um local específico. Para facilitar o entendimento sobre esses tipos de pesca, foi realizada a seguinte categorização:

ÉPOCA

De inverno De verão

AMBIENTE

Lá fora (da enseada) Enseada Pesca de arrecife Pesca de mangue

ARTE

Jiqui Groseira Calão Arrasto Facho Tarrafa De linha - Corso e Duro Mergulho

PESQUEIRO

Pesca de buraco Canal

PESCADO

Pesca da lambreta Pesca do caranguejo Pesca do polvo Pesca da lagosta Pesca do peixe Pesca do camarão

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11. CICLOS TEMPORAIS

Os pescadores artesanais vivem sob a freqüência dos ciclos naturais, que determinam os períodos de aparecimento de certas espécies

de pescado, bem como dependem muito fortemente das marés, e condições do mar. Daí, como em todos os países do mundo, a pesca artesanal

ser uma atividade cíclica com períodos de maior ou menor intensidade de trabalho, com horas de espera e horas de extenuante esforço físico (Diegues,1994).

Os pescadores da vila de Garapuá vivem sob a influência dos ciclos naturais ou ciclos do

tempo, que são definidores da pescaria local. Os ciclos dos fenômenos naturais que

definem a temporalidade da pescaria na vila de Garapuá são percebidos pela população por

determinarem horários de pesca e a disponibilidade de certos tipos de pescado, o que

constantemente modifica a rotina dos moradores da vila. Foram constatados quatro ciclos

atuando de forma entrelaçada e específica nos diferentes tipos de pesca e pescado: Sazonal,

Lunar, Diário (ou solar) e de Marés, apresentados em ordem decrescente de amplitude de

atuação. O ciclo sazonal engloba todos os demais e a atuação dos ciclos vai afunilando-se

até o ciclo de marés, que atua de forma mais direta e intensa na vida dos pescadores e das

marisqueiras da vila de Garapuá (Figura 27).

Figura 27: Os ciclos temporais.

SAZONAL

LUNAR

DIÁRIO

MARÉS

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“O movimento diário das marés, as fases da lua, a presença de mosquitos, o

comportamento de cada animal a ser capturado influenciam na estratégia e no tempo de

trabalho dessas pessoas” (Reitermajer, 1996).

A pesca em Garapuá depende predominantemente da maré, pois, “as marés são o principal

mecanismo de penetração das águas salinas nos manguezais’ (Schaeffer-Novelli, 1995).

Essas inundações que se repetem em intervalos de tempo regulares determinam o horário

da pesca. A dinâmica das marés promove a circulação dos nutrientes para todas as espécies

marinhas que eventualmente circulam ou se estabelecem no manguezal além de determinar

o tempo de pesca neste ambiente e, conseqüentemente, se há uma boa oferta de alimento, a

procura também será grande. Talvez seja por isso que, durante a maré de vazante, um

maior número de organismos sai à procura de alimento e de águas calmas, tornando-se

presas fáceis para predadores como o homem. As marés determinam o horário da pesca na

vila de Garapuá e, portanto, toda a atividade pesqueira da vila gira em torno do movimento

das marés. Pescadores e marisqueiras de Garapuá só se deslocam até o seu ambiente de

“trabalho” quando a maré se encontra baixa, como relata seu Agenor, o melhor catador de

caranguejo da vila: “Ficamos no mangue até o retorno da maré. Então quando a maré vier

enchendo nós vem embora”. Assim, “o espaço marítimo se apresenta não como simples

suporte passivo em que o pescador desenvolve sua atividade, mas como marco da ação

espacial-temporal, de resposta comportamentais aos problemas gerados pelo ambiente”

(Allut, 2000). Os pescadores percebem, entendem e acompanham as modificações que

ocorrem constantemente na vila em função dos ciclos naturais. “Conhecem a influência da

lua na maré e no comportamento, reprodução e alimentação dos animais, sustentabilidade e

equilíbrio dos manguezais” (Reitermajer, 1996) e dos demais ambientes estudados. Outro

exemplo da percepção dos ciclos pelos pescadores é em relação a pesca do caranguejo

quando eles dizem que:

“Ele anda 3 dias pós a cabeça d’água de janeiro, fevereiro, março e abril” (seu Agenor).

Os pescadores conhecem e entendem toda a dinâmica dos organismos importantes

economicamente para eles. Assim, o espaço marítimo se apresenta não como simples

suporte passivo em que o pescador desenvolve sua atividade, mas como marco da ação

espaço-temporal, de respostas comportamentais aos problemas gerados pelo ambiente.

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Dito de outra forma, “a necessidade, do pescador, de conhecer a dinâmica desse espaço,

supõe em última instância uma prática de subsistência que serve tanto para aumentar a

segurança física num meio perigoso como para administrar os recursos que nele se

encontram e que são imprescindíveis para sua alimentação” (Diegues, 2000). É incrível

como eles percebem a dinâmica de cada organismo e a relação íntima deste com o meio

natural, variáveis ambientais e as estações do ano. Os pescadores reconhecem a época de

cada etapa de vida do animal, principalmente a época de reprodução. Os pescadores, por

exemplo, sabem que a lagosta lá fora, só “arriba” (como eles dizem), isto é, só aparece,

quando dá temporal. À medida que a água vai ficando “mansa” - calma e clara, menos

lagosta são encontradas nas redes colocadas lá fora.

“A pesca artesanal não depende apenas da posse de condições materiais à sua realização. O

ato do saber-pescar envolve um conjunto de conhecimentos, experiências e códigos

culturais transmitidos de pai para filho, recriado individual ou socialmente, através dos

quais a parceria se realiza” (Cunha, 2000).

Existe ainda uma gama de variáveis que interferem na pesca de forma particular para os

diversos organismos em estudo. Estas variáveis podem atuar de forma favorável ou não na

pesca, no tipo arte a ser utilizada e na dinâmica dos organismos no meio natural. A pesca

só terá um sucesso na produção, quando realizada com respeito aos fenômenos naturais.

“Com uma atividade eminentemente irregular, o pescador tem sobre ela pouco controle,

estando em direta dependência da natureza, (...) fenômenos naturais (grifo meu) – ventos,

chuvas, marés – e do próprio ciclo de reprodução e migração dos peixes” (Cunha, 2000).

No momento em que ocorre o entendimento dos processos naturais, a vida dos moradores

da vila começa a gira em torno de fenômenos naturais que estabelecem regras para a rotina

local.

Assim, Diegues (1983) afirma que “a mobilidade dos recursos pesqueiros no ecossistema

marinho marcado pela complexidade dos fenômenos naturais é, em grande parte,

responsável pela imprevisibilidade de captura com reflexos imediatos na própria

organização da produção e do mercado”.

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Um aspecto importante é existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marcados

pelo respeito aos ciclos naturais, à sua exploração dentro da capacidade de recuperação das

espécies de animais que mais explorados pela população local. Esse sistema tradicional de

manejo é uma forma de exploração econômica dos recursos naturais. Lembrando sempre

que esse sistema de manejo é resultante de um complexo conhecimento e a crenças (mito e

símbolos), adquiridos e herdados dos moradores mais velhos (os mestres), que levam ao

uso sustentado dos ecossistemas naturais.

“No campo de saberes tradicionais, ainda que não seja possível a diferentes grupos explicar

uma série de fenômenos observados, a ações práticas respondem por um entendimento

formulado na experiência das relações com a natureza, informando o processo de

acumulação de conhecimento através das gerações” (Castro, 2000).

A essência da pesca em Garapuá é, portanto, um conjunto de conhecimentos do meio

natural e dos fenômenos atuantes. A etnoecologia, como já foi dito anteriormente, estuda

exatamente as percepções e os conhecimentos sobre a natureza buscando compreender as

práticas de manejo dos recursos naturais de comunidades tradicionais. Portanto, esse

estudo, interpreta o conhecimento dos pescadores locais e sua prática produtiva, ficando

registrado a diversidade cultural e servindo de base para plano de manejo ambiental.

“Nesse sentido, os ritmos temporais presentes na pesca artesanal implicam entender a

forma como os homens se inter-relacionam, entre si e, especificamente, com o ecossistema

marinho, como um ecossistema próprio” (Cunha, 2000). Portanto, os saberes sobre a

natureza das populações locais são de suma importância para a valorização do

conhecimento etnoecológico das mesmas e para a administração dos recursos naturais de

forma adequada.

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12. CONCLUSÃO

A comunidade de pescadores da vila de Garapuá apresenta um conhecimento sobre toda a

dinâmica dos diversos organismos encontrados nos arredores da vila, principalmente os

que sustentam financeiramente a vila. Além disso, eles reconhecem que a demanda desses

recursos está diminuindo, e como diz Albuquerque (1991), “A humanidade precisa

conscientizar-se cada vez mais da necessidade de preservação dos ambientes naturais,

como forma de garantir a sobrevivência das espécies vivas, inclusive a nossa”.

Nesta pesquisa, foi registrado o conhecimento dos especialistas locais sobre os ambientes,

os artefatos e os pescados. Eles elaboram práticas produtivas e planos de manejo

adequados. Além disso, foram registradas técnicas de manejo específico para cada

ambiente e organismo. Os especialistas locais conhecem e relatam os ciclos temporais,

determinados por fenômenos naturais que interferem na pesca e sobre os organismos alvos

do “Projeto de Gestão Ambiental – Garapuá/BA”. Ficou constatada, também, a ocorrência

de diversos impactos ambientais resultantes de determinadas artes de pesca e da grande

extração, principalmente na época da reprodução, dos organismos que sustentam

financeiramente a vila. Um dos impactos registrados é resultante do uso intensivo do

arrastão, o qual pode ser diminuído pela utilização de técnicas modernas que evitem o

desgaste ambiental. Porém uma nova técnica está sendo implantada na vila com o apoio da

“Associação de Moradores e Amigos de Garapuá – AMAGA”, que é o cultivo de

camarões em gaiolas, um dos objetivos do “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do

Município de Cairú/BA”. Essa alternativa já foi implantada, via outro projeto, e que se

encontram em testes em outras duas vilas - Barra dos Carvalhos e Taperoá, que se

encontram no litoral sul da Bahia, próximo a Garapuá

Todos esses aspectos são utilizados para provar a importância das investigações

etnobiológicas e etnoecológicas, e para realçar a necessidade de combinar modernas

tecnologias, oriundas de estudos científicos, com uma abordagem participativa que envolva

a comunidade local e o conhecimento ecológico tradicional como uma ferramenta

essencial para a localizar e resolver problemas ambientais.

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É importante ressaltar que a interação desse conhecimento tradicional com o conhecimento

acadêmico se apresentou como fundamental para o entendimento da dinâmica do meio

ambiente e do desgaste que os diferentes ecossistemas tem sofrido, devido à utilização

indiscriminada dos recursos naturais, bem como as alternativas possíveis ao referido

problema, considerando, em primeira instância a sobrevivência humana.

“Deste modo, a própria preservação do ambiente e da cultura local requer um diálogo entre

duas manifestações culturais distintas, uma resultante da cultura acadêmica e científica, e

outra referente a uma cultura tradicional sujeita a um processo crescente de degradação”

(Rêgo, 1994).

Assim, o estudo dos conhecimentos e práticas de manejo das populações locais é de suma

importância para a valorização dos saberes e para a administração dos recursos naturais de

forma culturalmente e ecologicamente adequada.

De acordo com o relato dos especialistas, com os quais foi trabalhado, constatou-se que o

conhecimento da pesca e dos ecossistemas aqui descritos, passado normalmente de pai

para filho, está diminuindo. Um exemplo disso é o conhecimento dos mestres de barco,

que, a cada dia, menos mestres tem aparecido com a habilidade e sabedoria para marcar os

pesqueiros. As crianças de Garapuá, inclusive os filhos dos mestres, não apresentam

interesse em aprender esse ofício. Assim reduzem as alternativas de pesqueiros, pois são os

mestres que sabem navegar “lá fora”, ficando os novos pescadores, portanto, “pescando em

terra”, como eles dizem, pescando apenas na enseada, nos arrecifes e manguezais da vila.

Assim, toda a informação e conhecimento dos pescadores e marisqueiras de Garapuá

devem ser registrados para o futuro, nunca deixando que essa cultura se perca diante das

modernas técnicas e informações científicas.

Este estudo abriu novas perspectivas de linhas de trabalho que podem ser realizadas com

apoio da cooperativa de pescadores e com a Associação de Moradores e Amigos de

Garapuá (AMAGA). Com base neste estudo é possível propor alguns trabalhos que são

interessantes economicamente para a vila, sem causar nenhuma desordem no meio

ambiente. Um exemplo é a criação de uma escola de artesanato, já que a vila possui alguns

especialistas e muita matéria prima para ser trabalhada. Dessa forma, o conhecimento

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tradicional e suas crenças sobre os recursos naturais também vão sendo protegidos dos

avanços tecnológicos. Outra proposta de estudo, é aprofundar este estudo, nesta mesma

linha de pesquisa – Etnoecologia, porém registrando mais detalhadamente o conhecimento

dos especialistas, a respeito da atuação das variáveis ambientais na pesca local.

13. GLOSSÁRIO Abafado = manguezal

Amorda = (cede, amolece) largando um casco – de dois casco.

Andada = época em que os caranguejos-fêmea saem de suas “tocas”

Apicum = Parte mais alta do mangue, terra firme, onde fica o guaiamú/ Supralitoral.

Atolar = afundar

Badajó = Lama fina que fica por cima do arrecife.

Baliza = vara com folhas na ponta (galho) utilizado para marcar pesqueiro.

Barco de largo = quando o barco fica preso só de proa

Barco de vela de pena = ver barco peneiro

Barco peneiro = barco à vela, não motorizado

Barra = entrada da enseada que não possui “pedra” (arrecife)

Berada = fim da plataforma continental

Bicheiro = utensílio de pegar polvo e lagosta, com uma ponta de ferro e um cabo de

madeira.

Bitola = tamanho

Bugi = “manguezinho que não cresce”, árvore de mangue miúdo.

Buzano = poliqueta que fura o fundo dos barcos

Cabeça d’água = Maré de maior amplitude do mês. Primeiro dia após a lua cheia ou lua

nova.

Calão = Tipo de pesca

Camboa = armadilha do rio para camarão e peixe.

Capêlo = cabeça do polvo

Caramuru = moréia

Catita = fêmea do caranguejo

Catita boca grossa = tem uma garra grande e outra menor

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Catita boca igual = as duas garras são do mesmo tamanho

Coroa = banco de areia

Coroque = artefato de pesca utilizado para puxar o peixe grande para dentro do barco

Desmalhar = tirar o peixe da rede

Embirici = pedaço de arame comprido, onde os polvos são presos, para serem levados para

casa.

Escabriada = envergonhada, com vergonha.

Espinhel = Groseira.

Facho = candieiro à óleo

Furna = buraco no arrecife

Giqui = armadilha de pegar caramuru

Groseira = Tipo de pesca

Isquil = comprido

Lamarão = área do manguezal só com lama, sem vegetação

Lamarão = grande área de lama

Lambreta = parte comestível do molusco bivalvo Lucina pectinata

Levadiu = movimento sincrônico (vai-vem) do mar na praia.

Mague do Quadro = manguezal localizado ao sul da vila, próximo a uma fazenda chamada

de Quadro.

Mansuar = arte de pesca

Maré pro rio = maré calma

Maré de lançamento = maré crescendo

Maré igual = Quando a maré começa a “quebrar” e vai tornado-se morta

Maré morta = quando a maré não enche nem vaza muito. Quadratura.

Maresia = odor, cheiro, (engodo = muco)

Mariscar = tirar rede, catar (pescar) marisco

Medonho = grande

Miroró = “moréia” do rio, raramente dá no mar. Cor dourado, com umas barbatanas para

fora.

Moderno = Jovem

Morão = cesto que fica dentro do mar e conserva a lambreta que pega até umas 400/500

dúzias.

Ofender = atacar

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Panacum = cesto (Samburá)

Pata-choca = fêmea do guaiamú.

Pêia = instrumento de subir no coqueiro para tirar côco

Peixe = filé (parte comestível)

Pendão = semente das árvores de mangue.

Pernada = rio (ou canal) por onde entra para trabalhar no manguezal

Pichi = petróleo

Pico-pico = raízes respiratórias da Avicenia sp.(espécie vegetal comum nos manguezais)

Polvo atar = Polvo fora de “casa”. Saiu para comer

Preamar = Maré grande. Maré de Sigígia.

Puan = garra.

Quebrança = extremidade do arrecife onde a maré bate (quebra)

Quisuqui (ou vaca d’água) = lesma

Quizanga = raízes das árvores do mangue

Rasgadio = o mar entrando na enseada na forma de ondas

Safra = grande quantidade

Salambi = concha do molusco bivalvo Lucina pectinata (linguagem antiga da vila)

Samburá = Cesto de palha

Sangra = entrada (boca) do jiqui e do mansuá

Sapata = base de cimento, para a construção de casa

Sapupa = ova de caranguejo

Saputuna = tinta que o polvo libera

Sarará = caranguejo pequeno, de areia.

Siriíba = Nome do mangue que fica em “Canal Novo”, e que tem as pontas das raízes para

fora.

Sucuabo = corda de cima da groseira

Surrado = lugar onde os pescadores já colocaram muitas redes

Tarrafa = Tipo de pesca

Tati = corais fracos no meio do arrecife

Vaca d’água = ver quisuqui

Varal = cesto onde se coloca as lambretas conservando-as até o dia de vender – Morão

Veia da água = corrente marítima

Vento mareiro = vento calmo, que limpa a água.

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Vingar = dar resultado.

Viração atravessada = tipo de vento que vem do leste.

Vó do polvo = Ofiúro

Zuadeiro = barulho.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AGUIAR, P.. Pesquisa Aplicada – Lagosta (Panulinus echinatus). Relatório Técnico.

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* SITES CONSULTADOS:

www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html www.guarapuá.ufba.br