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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE CURSO: PSICOPEDAGOGIA LIBERDADE PARA EDUCAR E APRENDER POR: ROSÂNGELA CISTARO SERRANO RIO DE JANEIRO 2004

LIBERDADE PARA EDUCAR E APRENDER - avm.edu.br CISTARO SERRANO.pdf · um trabalho diferente é necessário tempo e recursos materiais para tal. Bem, primeiramente é necessário que

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

CURSO: PSICOPEDAGOGIA

LIBERDADE PARA EDUCAR E APRENDER

POR:

ROSÂNGELA CISTARO SERRANO

RIO DE JANEIRO

2004

LIBERDADE PARA EDUCAR E APRENDER

OBJETIVOS:

Na maioria das vezes, o material apresentado aos

estudantes em sala de aula, não tem significado ne-

nhum. A criança pouco privilegiada, a quem uma ex-

periência anterior não oferece contexto algum dentro

do qual se insira o material com o qual se defronta,

tem dificuldade de assimilar, e se “aprende”sem sa-

ber o porque daquilo, logo, esquece. Tal aprendiza-

gem não envolve sentimentos ou significados pes-

soais e não tem o menor valor para a pessoa como um

todo.

Fazer com que o aluno realmente goste de estar dentro

de sala de aula, que veja sentido naquilo que lhe está

sendo ensinado deve ser o objetivo de todos nós edu-

cadores.

ORIENTADOR: NELSOM JOSE VEIGA DE MAGALHÃES

AGRADECIMENTO

A Carlos Serrano, que sempre me apoiou em to-

dos os projetos que ajudaram a enriquecer a mi-

nha vida e que tanto me ajudou a crescer como

ser humano, tornando sempre tudo tão bonito.

A Maurício e Marcela, por toda cumplicidade,

paciência e compreensão.

“A tragédia do homem está no fato de seu caráter,

como o do cão, poder moldar-se. Não é possível

moldar o caráter de um gato, animal superior ao

cachorro. Podemos dar a um cão má consciência,

mas não podemos dar consciência a um gato. Ain-

da assim a maioria das pessoas prefere os cães,

porque sua obediência e o lisonjeiro balanço de

sua cauda constituem prova evidente da superiori-

oridade e valor de seu dono.

Alexander Sutherland Neill

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................ 06

Capítulo I .............................................................................................................. 08

Sala de aula: O modelo padrão que não funciona ................................................ 08

1. Alguns exemplos de fracasso no processo ensino aprendizagem .................... 09

2. Relação professor-aluno: A confiança é fundamental para se exercer a

liberdade ........................................................................................................... 11

Capítulo II ............................................................................................................. 13

Os experimentos de se trabalhar com liberdade ................................................... 13

1. O desafio de fazer diferente .............................................................................. 14

2. A insegurança dos alunos: diversas formas de vivenciar o processo ................ 16

Capítulo III ............................................................................................................ 18

Avaliação como uma prática realmente educativa ................................................ 18

1. Um desafio aos educadores ............................................................................... 18

2. Avaliação mediadora: A possível solução ........................................................ 20

3. O papel da família no tocante a avaliação escolar ............................................ 21

4. Avaliação: Um desafio a aprovação ................................................................. 22

Capítulo IV ........................................................................................................... 25

As reações de educadores no tocante a liberdade no processo

ensino-aprendizagem ............................................................................................ 25

1. Conteúdo: É necessário que o aluno seja especialista em tudo? ...................... 26

2. A dificuldade de assumir a posição de orientador com liberdade .................... 27

Considerações finais ............................................................................................. 29

Referências ............................................................................................................ 31

INTRODUÇÃO

O primeiro motivo que me levou a escrever sobre a liberdade para se aprender em

uma sala de aula foi a infelicidade que sempre vi nos rostos de um percentual muito

elevado de alunos que passaram por mim. Ficavam tristes não por serem meus alunos, mas

por estarem dentro de uma sala de aula. Não por estarem numa escola, mas dentro de uma

sala de aula. Depois de um tempo de convivência, sentia que gostavam de estar comigo,

demonstravam alegria ao me ver entrar em suas salas de aula, mas nem por isso

assimilavam bem os conteúdos. Obviamente, isso não se aplica a todos , mas de uma

maneira geral, por mais interessante que fosse o conteúdo, por mais dedicada que fosse a

professora, por mais dinâmica, engraçada, leve que fosse a aula, não sentia aquela

satisfação geral por parte da turma. E esta sensação de “dever não cumprido começou a

incomodar”.

A maior parte de minhas turmas era e é composta de crianças e adolescentes da rede

pública de ensino, portanto carentes em todos os sentidos, e com uma deficiência muito

grande com relação a aprendizagem. A grande maioria está em séries abaixo da que deveria

estar e ainda insiste-se em se aplicar o conteúdo mesmo nestas condições, bimestre a

bimestre, com testes, trabalhos valendo nota, provas, provas finais... Para quê? Qual a

finalidade disso? Fazer com que o aluno saiba a matéria, seja lá ela qual for, seja lá do jeito

que for? Continuar massacrando-os de uma forma que não funciona, que nos frustra a

ambos?

Quando conseguimos o melhor, conseguimos uma boa nota, a aprovação. Isso é

considerado o que de melhor poderia acontecer, e na verdade acontece com uma minoria. E

a maioria? E essa minoria realmente aprende, ou melhor, retém o que aprende? Será que se

satisfaz?

Há ainda o aluno questionador, resistente ao que lhe agride, crédulo que pode mudar

o rumo das “coisas” quando deseja. Todas essas mudanças têm levado alguns educadores a

repensar seu modo de atuar em sala de aula. É bem verdade que acaba mexendo com muito

poucos ainda, mas pode ser o início de um novo processo ensino-aprendizagem.

Na verdade, tenta-se fazer o melhor, e quando chega a hora da avaliação os

resultados são desanimadores. Então as explicações vão desde “os educandos não querem

nada com os estudos” até “a culpa é minha, não consegui fazê-los entender a matéria”.

Acredito que esse seja um sentimento geral e tem levado muitos educadores a aprofundar

esse estudo.

São todos esses questionamentos que me fizeram, no decorrer desses anos como

educadora, repensar a maneira de trabalhar em sala de aula, embora em alguns casos o

educador tenha que tomar certas atitudes que são impostas pela instituição em que trabalha,

restando-lhe apenas acatar.

CAPÍTULO I

SALA DE AULA: O MODELO PADRÃO QUE NÃO FUNCIONA.

Atualmente, o que mais acontece, ou melhor, o que só acontece em nossas escolas é

“aprendizagem” pelo método tradicional. O antigo método que mistura várias linhas e

métodos de ensino, ainda é o mais utilizado. Ministrar todo o conteúdo concernente a cada

série, com avaliações escritas e orais, eventualmente um trabalho ou outro, fechar o

bimestre dessa forma ainda é o padrão mais utilizado em nossos estabelecimentos de

ensino, tanto da rede particular quanto da rede pública.

Há vários motivos, justificáveis ou não, para que seja dessa forma. Para que seja feito

um trabalho diferente é necessário tempo e recursos materiais para tal. Bem, primeiramente

é necessário que se tenha vontade de fazer diferente, e esta, a vontade, depende dos dois

fatores já citados. Para entendermos o porquê da dificuldade de se pôr esse projeto em

prática, precisamos dar uma panorâmica da situação em que atualmente encontram-se os

docentes em nosso país.

A grande maioria dos professores, por motivos financeiros, têm sua carga horária de

trabalho muito elevada, tendo muitas vezes 20, 25, 30 turmas. É claro que, com essa

quantidade de turmas, mal se consegue gravar o nome dos alunos, quanto mais se

identificar os desejos e anseios de cada um. Fica praticamente impossível de se trabalhar

cada aluno individualmente, de conhecê-los e ganhar a confiança deles. Falta tempo,

paciência e aquela vontade de que já falamos, pois não há mente que saia ilesa a tantas

aulas semanais.

Como traçar um projeto de se trabalhar com liberdade em sala de aula, com tantas

turmas diferentes, tantos alunos diferentes e com cada grupo tendo reações diferentes? De

início, podemos dizer que é inviável trabalhar dessa forma. E como esse é o retrato da

maioria dos docentes, poderíamos deduzir que não teríamos esse tipo de experiência em

nossas escolas.

Um outro ponto é a resistência que encontraríamos por parte da administração das

escolas, uma vez que se prega a unidade (mesmos métodos, mesmas provas, mesmas

punições...), a ordem, portas trancadas, carteiras arrumadas uma atrás da outra, e muitas,

muitas proibições. Uma forma diferente de “se dar aula” dentro da escola causa um certo

“desconforto”. Quando a direção da escola dá o seu apoio, também está assumindo o risco

de fracasso e abrindo precedentes para outros projetos “diferentes”.

O professor ainda corre o risco de ser acusado de “estar fazendo corpo mole” caso

em seu projeto não haja quadros e mais quadros repletos de conteúdos, exercícios, não haja

as tais carteiras arrumadas, não haja enfim todas as coisas que são tidas como normais

dentro de uma escola. Mesmo que essas coisas normais não funcionem. E não funcionam

mesmo. Este, inclusive, é o ponto positivo (se é que podemos chamá-lo de positivo) para

que se pense em mudar: o sistema atual não funciona, nossas crianças e nossos adolescentes

não gostam da escola de uma maneira geral, não gostam de ler e não se sentem preparados

para enfrentar a vida.

1. ALGUNS EXEMPLOS DE FRACASSO NO PROCESSO ENSINO-

APRENDIZAGEM.

A evasão que vemos em nossas escolas já é um bom exemplo de fracasso escolar. A

maioria desiste depois de repetir várias vezes a mesma série, depois de sofrer várias

humilhações e acaba por desistir, “já que é burro mesmo”. É claro que quando desiste já

guarda uma dose muito grande de mágoa e revolta dentro de si e quando retorna (se

retorna) é tão somente para conseguir o diploma. Como o diploma é, de certa forma, fácil

de ser conseguido devido ao que é pregado em nossa política educacional, o aluno passa

pela escola, conclui seu ciclo, sem ter aprendido nada do que lhe foi apresentado e

continuando a não gostar da escola. De certa forma, isso será transmitido aos seus

descendentes, não verbalmente, mas de uma forma bem pior: com a indiferença que é

bastante peculiar aos pais que temos hoje, que agem com descaso e desfaçatez a tudo que se

refere a escola.

Na verdade, este aluno é apenas mais um número. Mais um alfabetizado, mais um

que concluiu o Ensino Fundamental, mais um que concluiu o Ensino Médio. Concluíram,

mas não estão preparados, prontos para nada. Quando digo isso, não me refiro a

vestibulares ou campo de trabalho. Refiro-me a vida de uma maneira geral. Levemos em

consideração que o nosso código de escrita seja muito difícil, já que há vários sons para

uma única letra e várias letras para um único som, uma regra de acentuação difícil de ser

entendida, e verbos que são conjugados “de uma maneira que ninguém fala”.

Compreensíveis essas reclamações, essas justificativas para não aprender. Mesmo que seja

nossa língua, mesmo que seja importante dominá-la. O problema maior é que não sabem

debater, não sabem argumentar, não conseguem concatenar idéias, não têm vocabulário,

falta-lhes informação.

Lino de Macedo, em seu artigo “Para uma avaliação construtivista” propõe que na

escola todos estejam envolvidos com a produção ou a discussão de respostas a quatro

questões: O quê? Como? Por quê? Para quê? Responder ou formular perguntas na ordem do

“o quê?” é comprometer-se com a identidade do objeto, do conceito ou da noção. Podemos

afirmar que um percentual bastante considerável de nossas crianças não vivenciam esse

comprometimento.

Tomemos como exemplo um projeto que foi montado à partir de um outro projeto,

um pré-vestibular para negros e carentes. Esse projeto paralelo, não era necessariamente um

pré-vestibular e não era restrito a negros e carentes. Uma turma foi montada a partir do

interesse de alguns alunos da comunidade de Jardim Primavera, Município de Duque de

Caxias. E talvez por não haver um objetivo como vestibulares, concursos e afins e nem

terem o compromisso de “passar de ano” os encontros, que eram diários e assistidos por

quatro professores voluntários, eram agradáveis, as aulas eram muito mais faladas do que

escritas, um percentual de assiduidade que era bom e constante. Foi uma experiência curta,

que durou oito meses apenas, talvez tempo curto demais para avaliarmos o sucesso do

mesmo, mas o resultado final foi muito gratificante.

O interessante é que esses mesmos alunos, em suas turmas normais de Ensino Médio,

nem sempre tinham o mesmo interesse, nem a mesma assiduidade e tampouco o mesmo

aproveitamento.

Não seria a falta dos “O quê?”, dos “Como?”, dos “Por quê?” e dos “Para quê?”?

(Lino de Macedo, “Para uma avaliação construtivista”).

2. RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: A CONFIANÇA É FUNDAMENTAL PARA SE

EXERCER A LIBERDADE.

Segundo A. S. Neill, em seu livro “Liberdade sem medo”, a criança não nasce

deformada, covarde, nem como um autômato destituído de alma, mas tem amplas

potencialidades para amar a vida e por ela se interessar. Partindo deste princípio e

principalmente acreditando nele, já é um grande passo para que possamos nos aproximar de

nossos alunos. Atualmente, nossos educadores, por motivos, anteriormente mencionados,

tais como excesso de carga horária, falta de material didático, de instalações adequadas e de

recursos financeiros, aliados à violência (tanto dentro quanto fora da escola), mantém uma

atitude de afastamento em relação ao aluno. Há ainda outros fatores que levam a essa

atitude. Nossos alunos estão cada vez mais violentos, cada vez mais envolvidos com o

tráfico de drogas e é muito difícil se aproximar de indivíduos ligados à delinqüência. O fato

da escola não ser um lugar atraente também faz com que os alunos tenham uma posição

hostil quanto ao educador. E também é difícil lidar com indivíduos que de antemão, já são

hostis.

Juntando estes fatores aos já mencionados, entendemos o quão difícil é,

principalmente de início, estabelecermos um relacionamento amistoso, amigável e

principalmente de confiança. É um processo demorado, difícil, de entrega. É preciso despir-

se de vários sentimentos que interfeririam na relação. Sem esta atitude por parte do

educador, que deve ser natural, espontânea, não há como estabelecer uma relação de

confiança entre educador e educando. E a confiança é fundamental para que, no processo de

aprendizagem, principalmente aquele aluno aparentemente menos interessado, sinta-se

seguro quanto à pessoa que tem ao seu lado, que o está orientando, que gosta dele, confia

nele e apresenta coisas boas para ele.

Carl Rogers, em seu livro “Liberdade para aprender”, pág. 211, fala da sensação

que experimenta, próxima do pânico, todas as vezes que começa a escrever um novo

capítulo. Sua preocupação é de que modo ele poderá estabelecer contato com uma multidão

de leitores desconhecidos, pessoas de cuja formação, sobre cujas expectativas ele nada

conhece?

Podemos comparar esse “medo” que ele sente, com o “medo” que sentimos ao lidar

com nossos alunos.

Carl Rogers diz ainda que a única solução que lhe ocorre é ser ele mesmo, dar algo

de si mesmo, de sua experiência em relacionamentos interpessoais, algo que pareça ser lhe

próprio. E o que é isso senão estabelecer um vínculo de confiança entre as partes? Não é

coisa fácil de se fazer, mas se conseguirmos isso, se pudermos partilhar algo de nós

mesmos com nossos alunos, poderemos começar a pensar em “ensinar”com liberdade.

CAPÍTULO II

OS EXPERIMENTOS DE SE TRABALHAR EM LIBERADE.

No capítulo anterior mencionamos a experiência feita em uma comunidade do

município de Duque de Caxias, em Jardim Primavera, com alunos do ensino médio da rede

estadual. Os encontros aconteciam na escola da rede estadual, os professores, em número

de quatro, eram voluntários e não necessariamente ministravam suas matérias. Pelo menos

não “como deveria ser”. A iniciativa, na verdade, partiu de professores e alunos em

conjunto. Estes últimos sentiam a necessidade de aprender algo que não sabiam bem o que

era. Na verdade o que os atraiu foram as aulas que eram ministradas em seu curso normal.

Eram aulas de história em que se contavam histórias, aulas de português em que, além de se

contar histórias, não se dava importância a conceitos, mas à praticidade deles.

De início, confessaram esses alunos depois, achavam que não aprendiam nada. Já as

aulas eram divertidas e interessantes. Isto é, associavam a escola a algo maçante,

desinteressante, e em suas cabeças é claro que não podiam aprender daquela forma, felizes,

com alegria.

Esses educadores na verdade, assim como a educação de uma maneira geral,

aproveitou muito do pensamento de Alexander S. Neil. Uma relação mais aberta entre

alunos e professores, que juntos podem decidir regras de conduta, o conceito de que a

educação deve ser uma preparação para a vida e a escolha de conteúdos que levem em

conta o interesse prévio de cada um. Como era um grupo de alunos com idade média em

torno de 18 anos e principalmente com um interesse prévio pois já conheciam os

professores e sabiam como as aluas seriam ministradas, não havia indisciplina ou

desinteresse e portanto não havia porque se estabelecer limites.

1. O DESAFIO DE FAZER DIFERENTE.

As linhas seguintes são destinadas, principalmente, ao retrato de uma experiência feita

em uma escola da rede estadual.

Turma de 5ª série, com alunos na faixa etária de 15-16 anos, que já haviam repetido

algumas vezes a mesma série, no caso a 5ª, já que da 1ª à 4ª, foram aprovados

automaticamente.

Falemos um pouco da aprovação automática. Há algum tempo atrás, recebi a visita, em

uma escola que lecionava, de uma aluna para quem havia lecionado língua portuguesa, no

ano anterior. Era uma aluna de 8ª série, que apresentava vários problemas que dificultavam

o processo de ensino aprendizagem. Era semi-alfabetizada, não sabia ler e escrever, ou

melhor, sabia fazê-lo o mínimo indispensável, apenas para ser compreendida.

Freqüentadora de bailes “funks”, não gostava da escola, não queria assistir às aulas e, até

devido à sua baixa freqüência, era difícil de se realizar algum trabalho paralelo às aulas,

que a ajudasse, de alguma forma a escrever melhor e se interessar pela escola. Acabou

sendo reprovada, até porque desistiu antes do término letivo. O motivo de sua visita era um

pedido: como havia conseguido vaga numa escola de formação de professores, precisava do

certificado de conclusão do Ensino Fundamental e para que o conseguisse, segundo

orientação da própria escola, era necessário que eu a aprovasse.

Naquele momento senti o quanto somos responsáveis em relação aos nossos alunos. E

fico me perguntando que tipo de professora ela seria. Talvez conseguisse concluir o curso

de formação de professores, uma vez que o mesmo é particular e o que importa num

número considerável de instituições não é aprender e sim não ficar inadimplente. E aí

conseguiria “lecionar” em uma outra instituição de mentalidade igual à que ela “estudou”.

Ou seria contratada pelo Município ou pelo Estado do Rio de Janeiro, já que basta ter o

certificado de conclusão do curso de formação de professores, para conseguir tal contrato.

Penso que por mais que ela se esforçasse, não teria condições de alfabetizar ou

preparar crianças do 1º seguimento do Ensino Fundamental. E são estas crianças que

chegam à 5ª série. Crianças despreparadas, orientadas por educadores despreparados. Sem

culpas.

Foi com este sentimento que deparei com aquela 5ª série mencionada anteriormente.

Havia nesta turma problemas de disciplina, falta de interesse e problemas familiares. Eram

considerados desajustados e muitos haviam passado pelo Conselho Tutelar. Não sabia

muito bem por que continuavam na escola e acho que nem eles. Talvez por motivos

diferentes ou, sem motivos. Uns eram obrigados pelos pais, outros nem isso. Uma grande

parte não vivia com os pais e sim com os avós, tios, padrastos, madrastas e afins e um

morava em um orfanato. Eram vinte e oito meninos e meninas, já com uma bagagem

grande e com uma carência enorme de afeto. E de antemão não gostavam de escola e de

professores. E encontravam-se, além de hostis, massacrados, humilhados por todo o

processo que haviam passado até aquele momento.

Eu deveria lecionar língua inglesa. Como? Já haviam passado tantas vezes por isso!

Não havia como ensinar o conteúdo, aplicar testes, provas, cobrar o que foi “ensinado”.

O trabalho feito com este grupo foi bastante interessante. Mediante a aprovação da

diretoria, exausta de tantas reclamações advindas desta turma, não seria aplicado,

necessariamente o conteúdo da 5ª série. Começamos um trabalho apenas com músicas,

nada de letras a princípio. Foi surgindo a curiosidade de saber o que significavam

determinados trechos. É claro que nem todos se interessavam. Alguns achavam ótimo não

ter nada para fazer, abaixavam a cabeça sobre suas mesas e dormiam (as aulas eram às sete

da manhã). Uns três ou quatro sempre pediam para ficar do lado de fora da sala, no

corredor. Pediam porque sabiam que não poderia ser assim. Mas eu permitia, somente

solicitando que não fizessem muito ruído para não incomodar outras turmas. Inicialmente, o

grupo que participava era menor do que o que não participava. Depois a situação se

inverteu e o grupo participante passou a ser um pouco maior. Nenhum deles reclamou de

não estar aprendendo nada, até porque não se interessavam por isso. Alguns alunos foram

ficando cansados de não participar, outros nunca participaram. Conversávamos muito e

nossas conversas eram focadas na língua inglesa, nos países em que ela era falada, nos

costumes destes países, nas curiosidades de cada um deles, em acontecimentos cômicos

com relação a língua e ainda, sobre outros países em que não se falava inglês e sobre outros

diversos assuntos de interesse deles.

Estabeleceu-se assim, um vínculo de confiança e amizade entre professor e alunos e

isso foi fundamental para levar adiante este projeto.

Nunca se interessaram pela gramática. Mas o intuito de aprender língua inglesa não

seria falar e entender a língua? E nesse ponto houve uma melhoria . Ou melhor, passou a

existir.

Este projeto ainda está em andamento. Vinte e cinco por cento do grupo não produz

absolutamente nada e aparentemente não se preocupa com isso. Mas não seria diferente se

fosse pelo processo normal. Pelo menos não há hipocrisia em nosso relacionamento

professor-aluno.

2. A INSEGURANÇA DOS ALUNOS: DIVERSAS FORMAS DE VIVENCIAR O

PROCESSO.

Em seu livro “liberdade sem medo”, A.S. Neill relata que passou “grande parte de

seu tempo remendando crianças que tinham sido feridas pelas pessoas que lhes davam

medo”(pág. 116). E que o medo pode ser uma coisa terrível na vida de uma criança.

Na verdade, é muito mais fácil conviver com crianças que têm medo de nós do que

com crianças que nos amam. Quando nos temem, nos dão uma vida mais tranqüila, mais

espaço. Quando nos amam, perguntam, convivem. A insegurança também gera medo e o

que mais vemos são crianças inseguras, com medo da escola. Muitas delas perdem sua

espontaneidade, por se sentirem inseguras em relação à escola. Na maior parte do tempo de

vida letiva, lidam com vários professores ao mesmo tempo, cada um com sua

personalidade, cada um com seus vícios e cada um com seus conceitos pré-definidos de

“como dar uma aula” e de “o que é um aluno”. Muito difícil para um educando lidar com

isso. E, de uma maneira, geral, o medo maior é de não aprender, não obter boas notas. O

período de avaliações é um verdadeiro terror. A palavra avaliação, por si só, já causa

pânico. Grande parte dos educadores serve-se deste fato para causar mais medo aos alunos.

Estes são ameaçados com relação às avaliações, as notas, a aprovação ao final do período.

Talvez este seja o principal motivo do clima, de uma maneira geral hostil que reina

entre educadores e educandos. Todo início de período letivo, é particularmente mais difícil

e ao mesmo tempo mais desafiador, uma vez que as duas partes não se conhecem e, talvez

por esse medo, as reações e atitudes nem sempre fazem parte da personalidade da criança.

Como adquirir essa confiança?

A criança confia em quem sente amor por ela, em quem também confia nela. Esse

ponto de partida é fundamental para o bom relacionamento professor-aluno. Tem que haver

envolvimento, comprometimento e interesse em suas vidas por parte do professor. Senão,

como fazê-las acreditar que os seus métodos, sem provas, sem ameaças, com liberdade de

escolha por parte delas, dará resultado?

No relato anterior com a turma de 5ª série da escola estadual, não foi descrito

nenhum caso de insegurança por parte dos alunos com relação à retenção do conteúdo da

matéria, mas há um motivo para tal. Nenhum dos integrantes da turma se interessa por

“conteúdo”. Na verdade, não se dão conta do que é e para que serve. Não conseguem

vislumbrar como outras crianças talvez, mais velhas e de séries mais avançadas, que “é

necessário que se aprendam conteúdos para se chegar ao sucesso. Como estas crianças

deste grupo no qual está sendo realizado este experimento não “vislumbram“ nada disso,

pelo menos por agora, é mais fácil fazer com que eles tenham liberdade para aprenderem o

que quiserem. Simplesmente deixaram de se sentir entediados para se sentirem mais

confortáveis, mais adaptados talvez e mais confiantes em si próprios.

CAPÍTULO III

A AVALIAÇÃO COMO UMA PRÁTICA REALMENTE EDUCATIVA.

Neste capítulo será abordada a real finalidade da escola e dos educandos.

Verificaremos que, infelizmente a avaliação que praticamos é muito diferente daquela que

seria ideal, daquela que muitas vezes sonhamos e falamos.

Como já mencionamos anteriormente, há muitos educadores que usam a avaliação

como uma arma contra os alunos.

Verificamos que, na maioria das vezes, os educadores percebem a ação de educar e

avaliar como momentos distintos. Apesar de, em seu cotidiano, trabalharem muitas vezes

acompanhando efetivamente o desenvolvimento de seus alunos, percebendo conhecimentos

que foram adquiridos ao longo do processo e compreendendo as suas dificuldades, ao tentar

registrar suas observações, eles o fazem em registros classificatórios e eliminatórios. E

ainda, muitas vezes, devido a uma forma de avaliar incoerente, e acreditando, ou melhor,

aceitando essa avaliação, aprovam e desaprovam quem não o deveria ser.

1. UM DESAFIO AOS EDUCADORES.

A finalidade da escola é de ensinar e a do aluno é de aprender. Trata-se aí de uma

comunicação através do desejo de saber de um ser, e em seu desejo e a necessidade de

transmitir do outro, mas existe, até certo ponto, uma oposição entre o desejo da criança e

certos objetivos e métodos rígidos do ensino. Com efeito, a criança tem suas necessidades e

desejos próprios; a sociedade, através da escola, tenta impor-lhe um modo de ver e de

pensar, conforme uma estrutura que pertence a este sistema de ensino.

Analisando, sinteticamente, o estudo de Piaget e Freud pode-se verificar que a

criança nesse período de desenvolvimento (operações concretas e latência) encontra-se

aberta aos contatos sociais, à busca de autonomia, à curiosidade acerca do mundo, à busca

do saber e do conhecimento, porém verifica-se na escola o processo que norteia as

avaliações escolares, não favorece o desenvolvimento destes aspectos acima mencionados.

São avaliações unilaterais que inibem o aparecimento deste processo natural de

crescimento, limitando o conhecimento ao que está sendo cobrado no momento da

avaliação, de forma rígida e condicionada ao estabelecimento de uma nota, na qual

determina a capacidade que a criança apresenta do saber “cientificamente” estabelecido,

dentro de sala de aula.

Conforme foi verificado em diversas abordagens de ensino, todas dão enfoque para

a pessoa em desenvolvimento e atuação no meio em que vive e atua como ser emergente,

dando sempre enfoque ao processo avaliativo, seguindo os pressupostos teóricos por elas

abordados. Observa-se que as escolas, em sua grande maioria, apresentam um discurso

didático-pedagógico transformador e distintivo, no entanto, quanto à avaliação da

aprendizagem, adotam posturas tradicionais e estratégias pouco democráticas ao não

explicitar claramente o processo, ao não divulgar os critérios e, muitas vezes, ao não

apresentar os resultados logo de imediato, deixando os alunos na expectativa da tão

esperada “nota”.

É preciso mudar a prática (professores e alunos). O que muda a realidade é a pratica.

Se discurso resolvesse, não haveria mais problemas com avaliação, posto que é sabido que

os educadores cansam de dizer para seus alunos que o importante não é a nota, mas sim a

aprendizagem, a evolução cultural que acontece dentro de cada um. As idéias ganham

volume, vida prática na tentativa de colocá-las em uma prática “praticável”. Algumas

mudanças independem do professor ou da escola, mas muitas alternativas de mudança estão

ao alcance de ambos. Muitos problemas de sala de aula possuem sua origem na própria sala

de aula, devendo o professor tentar solucioná-los naquele momento, evitando-se de deixar

ressentimentos. O conteúdo a ser desenvolvido em aula deve ser mais significativo e fazer

com que o aluno se interesse e participe mais, uma vez que se acredita que aprender é

“modificar suas próprias percepções; daí que apenas se aprende o que estiver

significativamente relacionado com essas percepções. Resulta que a retenção se dá pela

relevância do aprendido em relação ao “eu”. Ou seja, o que não está envolvido com o “eu”

não é retido e nem transferido”. (Luckesi, Avaliação da aprendizagem escolar, pág. 37)

2. AVALIAÇÃO MEDIADORA – A POSSÍVEL SOLUÇÃO

Educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar as

dificuldades ensino-aprendizagem, o que acarreta na aprovação ou reprovação do aluno. Aí

fica detectado o grande obstáculo ao avanço da educação.

Existe na educação, de um modo mais abrangente, e na avaliação em particular, o medo

de mudanças e inovações.

Luckesi, em Avaliação da Aprendizagem Escolar, afirma que o educador tem

assegurado o seu poder através de um instrumento valioso, a verificação do aprendizado, o

educando fica a ele subjugado. Essa dicotomia opressor/oprimido induz a acomodação,

também por parte dos responsáveis.

Na concepção de certo número de educadores e da sociedade, a garantia da qualidade

de ensino se prende ao tradicional, que assegura o saber competente dos educandos.

É sabido que a melhoria da qualidade do ensino tem como base a escola para todos, e

mais do que isso, que leve o aluno a garantir o seu papel de cidadão, participante ativo da

sociedade em que vive.

Afinal, o sistema de avaliação tradicional e classificatório assegura um ensino de

qualidade? A manutenção de provas e notas é garantia de efetivo acompanhamento dos

alunos no seu processo ensino-aprendizagem? O sucesso de um aluno na escola com a

avaliação em seu processo tradicional representa o seu desenvolvimento máximo possível?

Estará este aluno realmente preparado para a vida?

A solução, a resposta para tantas dúvidas talvez seja a avaliação mediadora que é

focada na observação de cada aluno, dando ênfase na construção do conhecimento.

A teoria construtivista de Piaget contribui bastante para o êxito da prática avaliativa no

que tange a construção do conhecimento, que é um processo interativo do indivíduo com o

meio físico e social. O exercício do construtivismo torna-se um desafio aos profissionais da

educação que mediante respostas erradas dos alunos, tentam ser flexíveis direcionando-as

para a continuidade da ação educativa, quando na realidade, cabe ao professor refletir sobre

o significado do seu saber e a partir daí construir uma política que se adeque à realidade de

cada um. O indivíduo só aprende quando lhe é dada a oportunidade de se desenvolver.

A avaliação da aprendizagem escolar, além de ser praticada com tal independência do

processo ensino-aprendizagem, vem ganhando focos de independência da relação

professor-aluno. As provas, testes ou exames são realizados conforme o interesse do

professor ou da instituição/sistema de ensino. Nem sempre se leva em consideração o que

foi ensinado. Mais importante do que ser uma oportunidade de aprendizagem significativa,

a avaliação tem sido uma oportunidade de prova de resistência do aluno aos ataques do

professor. As notas são operadas como se nada tivessem a ver com a aprendizagem.

No que se refere à aprovação ou reprovação, as médias são mais fortes do que a relação

professor-aluno.

Pedagogicamente, a avaliação da aprendizagem, na medida que estiver popularizada

pelos exames, não cumprirá sua função de subsidiar a decisão da melhoria da

aprendizagem.

O ato de avaliar não deveria ser um ato seletivo e sim um modo de diagnosticar e

conseguir detectar as possíveis falhas no processo ensino-aprendizagem e a partir daí tentar,

de alguma forma, saná-las. É difícil para a maioria dos professores qualquer tipo de

avaliação que fuja ao tradicional, mas nossos alunos merecem ter a oportunidade, pelo

menos, de ter uma educação diferente daquela que nós mesmos recebemos.

3. O PAPEL DA FAMÍLIA NO TOCANTE A AVALIAÇÃO ESCOLAR.

Como educadores precisamos orientar a família para que esta não distorça o sentido da

avaliação, pois muitas vezes, os pais são os primeiros a dar atenção aos filhos somente

neste período, ou quando o boletim de seu filho apresenta alguma nota abaixo da média.

Muitas vezes, a única coisa que importa em termos de escola/educação é a nota que seu

filho consegue. Muitas vezes passam ansiedade, angústia e expectativas para os filhos em

torno das avaliações, ao valorizar apenas a nota, isolando-a do ato de aprender, e não

colocando a nota apenas como conseqüência da aprendizagem.

É verdade que, como toda parte de um sistema social, a família também passa por

momentos de crise. Muitos pais, diante dos resultados escolares negativos dos filhos,

tomam atitudes que em nada os ajudam e muito menos aos professores. Os

“espancamentos” ou as “correções” são atos inadequados em qualquer situação, mas são

freqüentes e muitos pais os praticam acreditando que estão fazendo o correto para obter

um resultado melhor. Precisamos conscientizar a família de que se a criança for feliz

tanto em casa quanto na escola, se assimilar bem o que lhe está sendo ensinado, a nota

será uma conseqüência natural. No entanto, a recíproca não é verdadeira: quando todos se

preocupam só com a nota, necessariamente, não se aprende.

4. AVALIAÇÃO: UM DESAFIO À APROVAÇÃO.

Avaliar atualmente, acaba sendo um procedimento muito complexo. Da forma como é

praticada na maioria das instituições, é mais um ítem prejudicial ao sistema de ensino

confirmador das injustiças sociais e ineficaz em grande parte dos casos.

Pela exposição dos estudiosos do tema, fica evidenciado que a trajetória da avaliação é

marcada por dificuldades, não conseguindo até então, ser posta em prática a sua verdadeira

função. Seja lá como for chamada, prova, nota, conceito, boletim, teste, recuperação, a

avaliação tradicional assume uma posição absoluta dentro da instituição, é o ápce do

processo ensino-aprendizagem sem que, na grande maioria das vezes meça o ensino ou a

aprendizagem.

No decorrer da minha prática docente, trabalhando em escola do Estado ou em escolas

particulares, ocorre a pergunta acerca do porquê há educandos que alcançam conceitos

positivos em determinadas disciplinas e em outras, às vezes da mesma área são tidos como

ruins ou até mesmo nulos na aprendizagem? Pouco a pouco, da observação passou-se a

pesquisa e à análise destes fatos, os resultados foram constrangedores, chegando à injustiça.

Pois, por mais que alguns poucos professores mostrassem que o aluno tinha possibilidades

de ser promovido, o outro grupo se apresentava radical em mantê-lo na mesma série. Desta

situação desastrosa, subtrai-se que o principal causador do alto índice de repetência e,

conseqüentemente de evasão, se prendeu aos critérios de avaliação, obviamente mal

interpretados.

Podemos dizer que o ensino no Brasil não vai nada bem. As análises dos processos de

avaliação demonstram como se estabelece a instituição da repetência, há um

direcionamento para o não-desenvolvimento. As estatísticas mostram que de cada cem

alunos matriculados na primeira série do primeiro segmento, apenas três por cento

terminam o ensino fundamental com a duração normal de oito anos, os demais, que

persistem, ficam em média 11,4 anos freqüentando este segmento, o que corresponde a três

repetências nesta fase de ensino. A população luta para que o aluno conclua o Ensino

Fundamental, enquanto a escola coloca obstáculos para que isso não ocorra.

Estas observações levam a conclusão de que o processo avaliativo tem se estruturado

basicamente no sentido quantitativo. Em educação, a avaliação quantitativa somente tem

sentido quando se refere às melhorias qualitativas. Refletir sobre educação presume refletir

sobre qualidade e esta presume instruir critérios de valor.

No nosso dia a dia, são constantemente feitas avaliações das coisas, de pessoas, de

fatos, de idéias. Quando se avalia, acredita-se que os avaliados podem ser comparados e

julgados pelas qualidades que tem, se são bonitos, feios, bons, maus, e pelas quantidades,

se tem mais, menos, se são maiores ou menores. Fato é que a avaliação, o julgamento, a

comparação existem, fazem parte de nossas vidas.

Tratando-se de ensino-aprendizagem, consideramos que avaliar um aluno não consiste

em compará-lo aos outros, mas antes, compará-lo a ele mesmo, como era e como se

apresenta posteriormente, isto é, analisar o nível de envolvimento do educando quanto aos

hábitos, às atitudes e com o seu processo de construção do conhecimento.

Ainda em relação à qualidade em educação há que se pensar em que tipo de qualidade:

não a qualidade tomando por base um conceito de mercado – o critério de acumulação ao

passo que a educação trata de desenvolvimento do valor social, relacionado à qualidade de

vida, no sentido de atender às satisfações das necessidades básicas do ser humano.

É importante e urgente que se pense em avaliação como uma ação essencialmente

pedagógica, não se restringindo a simples verificação de conteúdos, mas ampliando-se em

diferentes momentos em todas as direções do processo pedagógico.

O que fica evidente é que em lugar de dar oportunidade ao educando, a avaliação é um

recurso que o educador tem em mãos para se impor, para provar a sua autoridade. Não

obstante à resistência de certos educadores, muitos deles com cursos de reciclagens e

conhecimentos teóricos, que, talvez por comodismo ou para manter a sensação de “ser

superior” não atualizam a sua prática educativa.

A avaliação deve ser a constatação de um objetivo, não pode ter o valor por si só, se o

objetivo é a formação integral do aluno, é necessário avaliar esta integridade.

Ao longo da história da educação e de nossa prática educativa, a avaliação da

aprendizagem escolar foi ficando distorcida. É preciso sanar essa distorção e usá-la de

forma mais justa e humanizada.

CAPÍTULO IV

AS REAÇÕES DE EDUCADORES NO TOCANTE A LIBERDADE NO PROCESSO

ENSINO-APRENDIZAGEM

Conforme mencionamos no capítulo anterior, grande parte da responsabilidade pela

repetência deve-se ao educador, que numa atitude retrógrada, recusa-se a avaliar o aluno de

forma qualitativa e sim quantitativa.

É extremamente difícil tentar inovar, propor fazer diferente. A grande maioria das

pessoas é resistente à mudanças, faz parte do ser humano. Dentro de uma instituição de

ensino, enquanto professor, não é tarefa fácil tentar fazer mudanças que auxiliem aluno e

professor na sua convivência diária e no seu intento de ensinar e aprender a maioria dos

professores, e aqui não nos cabe nenhum julgamento, não aceita mudar seus métodos de

ensino, seu modo de lidar com o aluno, seu método de avaliar.

Em seu livro “Liberdade Sem Medo”, A. S. Neill (pág. 309) afirma que “ter

compreensão significa estar livre de preconceitos, de atitudes infantis, antes digamos, tão

livre quanto possível, pois quem pode jamais libertar-se do condicionamento dos primeiros

tempos de vida? A compreensão implica em descer ao fundo das coisas, deixando de lado o

superficial”. Quando diz isso, refere-se aos pais dos alunos, mas este pensamento se aplica

também a educadores. Durante décadas praticou-se educação da forma tradicional que bem

conhecemos e se quisermos mudanças, devemos fazer e esperar que as mesmas aconteçam

à médio e longo prazo. Há que se ter paciência antes de qualquer coisa. O professor tem

que enfrentar outros educadores, os pais, os alunos.

De antemão, os alunos detestam a escola. Grande parte dos alunos da rede pública, com

um nível sócio-econômico-cultural mais baixo, detestam ficar em casa também. Para uma

boa parcela destes não existe a alegria de voltar para casa.

O primeiro passo é fazer com que o educando tenha prazer em ir para a escola, em estar

nela. Na verdade, acaba acontecendo uma troca. O aluno gosta de estar na escola, deixa de

ter uma atitude hostil e o professor tem prazer em lidar com um aluno que está mais feliz.

Conforme mencionado anteriormente, nas experiências pelas quais passei, tentando

educar com mais liberdade, aconteceram diversas situações constrangedoras com relação a

outros educadores. Desde comentários como “este professor não quer nada com o batente”

até discussões acaloradas nos conselhos de classe. E então podíamos observar vários tipos

de atitudes, que na verdade, em sua maioria das vezes, era uma briga de egos que não

culminava em absolutamente em nada.

O fato é que as turmas que tiveram um tratamento bastante diferenciado, uma educação

não tão tradicional, melhoraram em comportamento, atitude, e, para surpresa de todos,

assimilaram melhor os conteúdos!

Até mesmo nas turmas em que continua-se adotando a educação tradicional

(praticamente todas as que tenho atualmente, com exceção de uma) mas que, na medida do

possível dá-se mais liberdade nas escolhas, percebe-se uma melhora em todos os itens

relacionados, inclusive no estado geral de alegria da turma. Acreditamos, eu e outros

poucos educadores simpatizantes desta prática, ser um bom começo e um bom indício para

a mudança que esperamos alcançar.

1. CONTEÚDO – É NECESSÁRIO QUE O ALUNO SEJA ESPECIALISTA EM TUDO?

Este é outro ponto que causa acaloradas discussões nas reuniões pedagógicas e nos

conselhos de classe. Os educadores que defendem a educação tradicional também

defendem que os conteúdos sejam ministrados em sua íntegra, nos mínimos detalhes. Ora,

bem sabemos que muitos dos conteúdos que aplicamos, de todas as matérias, não serão

absolutamente nunca mais vistos ou mencionados em nossas vidas. Então, porque

insistirmos em aplicá-los em um grupo que, unanimemente, não quer ou não consegue

aprendê-los, principalmente porque mal sabem ler ou fazer as operações matemáticas

básicas? Será ainda, que estes conteúdos não poderiam ser aplicados de uma forma mais

leve, sem serem cobrados através de provas ou testes? Será que, só pelo fato de não ser

cobrado, o aluno não se sentiria mais à vontade para lidar com este conteúdo? A maioria

dos educadores pensa que não. Segundo estes, se o educando sabe de antemão que não será

cobrado, não dará a mínima importância ao que lhe esta sendo ensinado.

A prática me diz que não é bem assim. Alunos preferem fazer exercícios, trabalhos,

conversar à respeito, provas com consulta e não aprendem menos quando tem aulas e

avaliações desse tipo. Avaliação com consulta é muitas vezes abominada por grande

parcela de educadores. Eles entendem que é como se fosse uma “cola” autorizada, e não

uma forma eficaz de pesquisa por parte do aluno com relação àquilo que está sendo

estudado. Várias avaliações com consulta surtem muito mais efeito que apenas uma sem, já

que, sem perceber até, o aluno estuda, pesquisa o que lhe está sendo ministrado. Para

muitos, inclusive, é o único momento de intimidade que têm com seu próprio caderno.

Em certa oportunidade, foi realizada uma pesquisa com professores e alunos de uma

escola da rede estadual situada no município de Duque de Caxias e, entre outras questões,

perguntava-se aos alunos o que achavam de suas aulas e da forma como eram avaliados. Os

alunos responderam que achavam as aulas maçantes, que lhes eram ministrados conteúdos

que não achavam interessantes, que na verdade não aprendiam nada, quando muito

decoravam, que gostariam de ser avaliados de forma diferente, de preferência diariamente e

“sem pressão”. Também achavam que o tipo de avaliação que tinham (tradicional) os

deixava na mão do educador. Culpavam professores e instituição pela forma que eram

ministradas as aulas e pelo tipo de avaliação que tinham.

Já a maioria dos professores demonstrou preferência pelo tipo de avaliação tradicional.

2. A DIFICULDADE DE ASSUMIR A POSICÃO DE ORIENTADOR COM

LIBERDADE.

É difícil sob todos os aspectos. Não há o apoio da instituição nem a adesão de outros

educadores. Há ainda a desconfiança dos pais e o desafio do dia-a-dia com os alunos.

Existe uma mentalidade de anti-felicidade, de não compreensão, e percebe-se que, quanto

aos educadores, faz parte de suas vidas em particular também. Ficamos o tempo todo

tentando ajustar os alunos a instituição, aos métodos que já existem, a forma como

trabalhamos, tentamos moldá-los ao nosso dia-a-dia.

Mesmo com todas as dificuldades já relatadas anteriormente no tocante a ensinar com

liberdade, dando liberdade ao aluno, considero que podemos , se não assumir totalmente e

de uma hora para outra a posição de educar com liberdade, podemos fazer algumas

concessões a esse método em nosso cotidiano, isto é, podemos realizar algumas

modificações de modo a introduzir aos poucos um modo de educar de forma mais leve,

mais alegre.

Alexander S. Neill, em seu livro “Liberdade Sem Medo”, faz uma explanação bastante

interessante sobre anti-vida e pró-vida (pág. 320). Afirma que pró-vida e igual a

divertimento, jogos, amor, trabalho interessante, passatempos, riso, música, dança,

consideração pelo próximo e fé nos homens. Anti-vida é igual a dever, obediência,

proveitos e poder. Afirma ainda que, através da história, a anti-vida tem vencido e

continuará a vencer enquanto a juventude for treinada para se ajustar a concepção adulta

dos dias presentes.

É possível mudar aos poucos, a começar pelos pequenos detalhes. Por exemplo: a

maioria dos educadores, além de fazer questão de aplicar avaliações tradicionais,

geralmente com “pegadinhas”, não permite que as mesmas sejam realizadas à lápis ou com

caneta de tinta que não seja azul ou preta. Também não podem ser rasuradas e não pode ser

usado rascunho. Consulta ou pesquisa na hora da avaliação também não são permitidas. A

quantidade de proibições num único evento é muito grande. E quando esse professor muda,

quando deixa de fazer todas essas proibições, é considerado um professor bonzinho demais,

no sentido pejorativo, é claro.

É claro que estamos falando da maioria dos docentes, não de todos eles.

E é claro que quando se fala em contribuir com o aluno não se que dizer facilitar sua

vida de modo a prejudicá-lo e sim de ajudá-lo a compreender melhor o que lhe está sendo

ensinado. Muitos entendem que uma avaliação consulta é uma avaliação com “cola”

permitida, quando na verdade, é uma avaliação que faz com que o aluno pesquise, consulte,

trabalhe e se sinta satisfeito por ter feito algo por sua própria competência.

De qualquer forma, toda essa tentativa de se ensinar com mais liberdade, mais leveza, é

um processo demorado, um caminho longo a ser percorrido, que mesmo com todas as

dificuldades enfrentadas, vale a pela de ser explorado, com grande chance de se obter bons

resultados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existe atualmente uma tendência à mudança na forma de se ensinar. Os educadores têm

uma visão bem diferente, o que é natural, de há dez anos atrás. Longe do ideal, mas já bem

diferente. O aluno, por exemplo, tinha que aprender decorando em vez de entender o que

lhe foi ensinado. Um exemplo é a tabuada, que devia ser decorada e muitas vezes o aluno

não sabia como se chegava àquele resultado. Talvez tenha começado a incomodar a todos

de uma maneira geral e por isso tenha começado a mudar. Já não se decora a tabuada como

antigamente e alguns educadores preferem não aplicar a avaliação tradicional, e cada vez

mais escolas, particulares principalmente, adotam métodos em que se ensina e avalia com

mais liberdade, sendo na verdade uma mistura de linhas e que acabam por funcionar,

apresentando resultados bastante satisfatórios. Inclusive com relação a vestibulares, em que

o método de avaliação para ingresso nas universidades, são provas que avaliam muito mais

quantitativamente do que qualitativamente.

É claro que adequar o método de “Summerhill” (escola inglesa fundada em 1921 e

que tinha como principal processo de ensino educar com liberdade) é difícil de ser

adequado às nossas escolas públicas e até nas particulares, principalmente quando

pensamos em nossas salas de aula tão cheias, em nossos docentes recebendo tão mal por

seu trabalho e nos parcos investimentos feitos em educação, sempre posta de lado por

nossos governantes em detrimento à fome e à violência.

Mas há escolas que adotam métodos diferentes, como por exemplo, a Escola Oga

Mitá, em que não existe a avaliação em forma de prova. O aluno é avaliado à partir de sua

participação em atividades diárias em sala ou oficinas de trabalho, feira de literatura e

integração com outras turmas. O aluno é respeitado em suas escolhas. Considera-se que

esta é a melhor maneira de estimular o auto-conhecimento e a ética e que o importante é

acompanhar o crescimento do aluno de uma forma global. Na Escola Edem, as provas, por

exemplo, servem para aprimoramento. É feita a primeira correção, os alunos as recebem de

volta, discutem os erros com o professor e tentam nova avaliação. É uma espécie de prova

bumerangue, que vai e volta. O aluno se sente mais a vontade, mais livre, menos tenso e

sentindo-se com o compromisso de trabalhar as questões que lhe foram apresentadas, em

forma de pesquisa e com a orientação do professor.

Por estes exemplos, que dão certo, podemos concluir que podem ser feitas

modificações, nos por conta dos docentes apenas, mas por todas as pessoas envolvidas com

educação, disseminando idéias de se educar com mais liberdade, tentando aplicar essas

idéias na medida do possível e, por que não, testando-as em nossas salas de aula.

O ensino no Brasil está tão caótico, que nos dá o conforto de tentarmos algo

diferente. Esse fracasso escolar nos dá a oportunidade e a vontade de inovar, de tentar

mudar para melhor.

REFERÊNCIAS

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GENTILE, Paola. A Felicidade Passa Pela Escola. Texto. Centro de Referência de

Educação Mário Covas.

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação Mediadora uma Prática em Construção

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LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo, Cortez, 1995.

MACEDO, Lino de. Para uma Avaliação Construtivista. Argumento. Instituto de

Psicologia/USP/ Laboratório de Psicopedagogia.

NEILL, Alexander S. Liberdade Sem Medo (Summerhill). 19ª edição. São Paulo, Ibrasa,

1980.

PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. 24ª edição. Rio de Janeiro, Forense

Universitária, 2004

ROGERS, Carl R. Liberdade Para Aprender. 4ª edição, Belo Horizonte, MG, Interlivros,

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