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II. Ligação química e estrutura das moléculas Como forma de ganhar uma configuração mais estável e energéticamente favorável, os átomos combinam-se formando moléculas. Inicialmente, devido a pressuposta não- reactividade dos gases raros, a formação de uma ligação era explicada com base na necessidade de o átomo alcançar uma configuração de gás inerte, considerada estável. Apesar de se conhecerem alguns casos onde gases raros, especialmente os mais pesados, reagem formando compostos, este conceito mantém-se ainda hoje. Para obter a configuração de gás inerte o átomo pode ganhar ou perder electrões (ligação iónica ) ou partilhar com um outro átomo um ou mais pares de electrões (ligação covalente). A ligação iónica tem lugar normalmente entre elementos electropositivos ( que perdem com uma certa facilidade o electrão) e elementos electronegativos ( que apresentam uma certa tendência de captar electrões). É um exemplo típico de ligação entre os metais e não-metais, cuja diferença de electronegatividades, geralmente, supera 1,7. Um exemplo típico de uma ligação iónica é a que ocorre entre o Na e o Cl durante a formação do NaCl. No caso da ligação coovalente distinguem-se a ligação covalente própriamente dita (onde o par de electrões a ser partilhado pertence a ambos os átomos) e a ligação covalente dativa (onde o par de electrões a ser partilhado é cedido por um dos átomos). Dependendo da electronegatividade dos dois átomos envolvidos na ligação, a ligação covalente pode ser polar ou não-polar. Adicionalmente aos dois tipos de ligação descritos acima tratar-se-á aqui ainda a ligação metálica. Os tipos de ligação descritos não aparecem normalmente como formas puras

Ligacao Quimica

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Page 1: Ligacao Quimica

II. Ligação química e estrutura das moléculas

Como forma de ganhar uma configuração mais estável e energéticamente favorável, os

átomos combinam-se formando moléculas. Inicialmente, devido a pressuposta não-

reactividade dos gases raros, a formação de uma ligação era explicada com base na

necessidade de o átomo alcançar uma configuração de gás inerte, considerada estável.

Apesar de se conhecerem alguns casos onde gases raros, especialmente os mais

pesados, reagem formando compostos, este conceito mantém-se ainda hoje.

Para obter a configuração de gás inerte o átomo pode ganhar ou perder electrões

(ligação iónica ) ou partilhar com um outro átomo um ou mais pares de electrões

(ligação covalente).

A ligação iónica tem lugar normalmente entre elementos electropositivos ( que

perdem com uma certa facilidade o electrão) e elementos electronegativos ( que

apresentam uma certa tendência de captar electrões). É um exemplo típico de ligação

entre os metais e não-metais, cuja diferença de electronegatividades, geralmente,

supera 1,7. Um exemplo típico de uma ligação iónica é a que ocorre entre o Na e o Cl

durante a formação do NaCl.

No caso da ligação coovalente distinguem-se a ligação covalente própriamente dita

(onde o par de electrões a ser partilhado pertence a ambos os átomos) e a ligação

covalente dativa (onde o par de electrões a ser partilhado é cedido por um dos

átomos). Dependendo da electronegatividade dos dois átomos envolvidos na ligação, a

ligação covalente pode ser polar ou não-polar.

Adicionalmente aos dois tipos de ligação descritos acima tratar-se-á aqui ainda a ligação

metálica. Os tipos de ligação descritos não aparecem normalmente como formas puras

Page 2: Ligacao Quimica

de ligação. p.ex. a ligação covalente pura tem lugar somente quando os dois átomos

têm a mesma electronegatividade.

No caso de uma ligação covalente entre dois átomos com electronegatividade diferente,

a diferente força com que os dois átomos atraem os electrões é responsável pela

introdução de um certo carácter iónico na ligação, que é maior quanto maior for a

diferença de electronegatividade entre os dois átomos envolvidos.

Fénomeno semelhante pode ser analisado na ligação iónica, onde as duas partículas de

carga contrária se atraem: O campo eléctrico do catião formado distorce a nuvem

electrónica do anião. Dependendo da grandeza do poder polarizante deste catião vamos

ter um certo grau de covalência na ligação que se pretendia iónica.

II.1. Ligação iónica

A ligação iónica tem lugar entre elementos electropositivos, os quais têm normalmente

1 ou 2 electrões na sua camada de valência e que para ganhar a configuração de gás

raro têm a tendência de perder este excesso de electrões, e elementos

electronegativos, os quais alcançam a estrutura de gás raro ganhando electrões.

Um representante clássico deste grupo que tem sido usado para introduzir este tipo de

ligação é o cloreto de sódio, NaCl. O átomo de sódio tem a configuração 1s2 2s2 2p6

3s1. Por perda do único electrão no último nível o átomo de sódio transforma-se em

ião de sódio, com a configuração do gás raro do período anterior, o neon:

Na → Na+ + 1e-

O átomo de cloro tem a configuração 1s2 2s2 2p6 3s2 3p5, e falta-lhe apenas 1

electrão para ganhar a configuração do argon, gás raro mais próximo. O cloro reage

ganhando 1 electrão

Page 3: Ligacao Quimica

Cl + 1e- → Cl -

transformando-se num anião com carga -1.

Quando o sódio e o cloro reagem, o sódio perde o seu electrão de valência para o cloro.

Os iões Na+ e Cl- formados são mantidos juntos por forças de atracção electrostática,

num arranjo regular designado rede cristalina.

Na + Cl → Na+ + Cl -

O número de átomos do elemento electropositivo que se combinam com o número de

átomos do elemento electronegativo é determinado pelo balanço entre o número de

electrões cedidos pelo elemento electropositivo e o número de electrões ganhos pelo

elemento electronegativo. No caso da reacção entre o cálcio e o cloro teríamos CaCl2,

enquanto no caso da reacção entre um elemento do grupo III (elemento A) e um do

grupo VI (elemento B) teríamos a fórmula A2B3 .

II.1.1. Ciclo de Born-Haber

A energia envolvida na formação de uma molécula de um composto iónico pode ser

calculada, caso não existam dados experimentais sobre este composto, usando o ciclo

de Born-Haber. Este cálculo envolve a decomposição da reacção em estudo em várias

étapas hipotéticas, como ilustra a figura 12.

O cálculo do calor de formação é feito então com base na lei de Hess, segundo a qual o

calor de formação é igual a soma dos calores das diferentes étapas. Como a entalpia é

uma função de estado, o seu cálculo não depende do mecanismo escolhido, depende

somente depende do estado inicial e final. A única condição que é imposta é a de que o

estado inicial e o final sejam ligados, sem lacunas, por equações termoquímicas.

Page 4: Ligacao Quimica

Figura 12: Diagrama ilustrativo do ciclo de Born-Haber

A aplicação do ciclo de Born-Haber é aqui explicada usando a título de exemplo o calor

de formação do NaCl, cuja equação global é a seguinte:

Na(s) + ½ Cl2(g) → Na+Cl- (s) ΔfH = ?

A equação anterior é decomposta nas seguintes reacções:

- sublimação do átomo de sódio

Page 5: Ligacao Quimica

Na(s) → Na(g) ΔHsubl=+108,4 kJ/mol

- ionização do átomo de sódio

Na(g) → Na+(g) + 1e- ΔHion=+496,0 kJ/mol

- dissociação da molécula de cloro

½ Cl2(g) → Cl(g) ½ ΔHdis=+121,1 kJ/mol

- adição de um electrão ao átomo de cloro no estado gasoso

Cl(g) + 1e- → Cl-(g) ΔHel afin=-348,0 kJ/mol

- interacção dos iões Na+ e Cl- formando a rede cristalina do NaCl, processo durante o

qual se liberta a chamada energia de rede ou energia reticular

Na+(g) + Cl-(g) → Na+Cl- (s) ΔHrede=-788,5 kJ/mol

O calor de formação do NaCl é então igual a:

ΔfH = ΔHsubl + ΔHion + ½ ΔHdis + ΔHel afin + ΔHrede

O ciclo de Born-Haber pode ser usado ainda para determinar a variação de entalpia de

uma das étapas descritas, quando ΔfH e as entalpias das restantes etapas são

conhecidas. Tem sido frequentemente usado para calcular a energia reticular (energia

de rede) de compostos iónicos. Esta representa a energia libertada quando 1 mol do

composto iónico é formada a partir dos respectivos iões no estado gasoso e

corresponde ao seguinte processo:

Page 6: Ligacao Quimica

Na+ (g) + Cl-(g) → Na+Cl-(s)

O valor da energia reticular pode ser exprimido como a energia de atracção

electrostática (E) entre iões de carga contrária, onde os iões são tratados como pontos

carregados. No caso de dois iões E toma a conhecida forma:

r

eZZE

2

Onde z+ e z- representam as cargas do catião e do anião respectivament, e a carga do

electrão e r a distância interiónica. No caso de um sistema com p.ex. 1 mol de iões a

equação anterior toma a forma:

r

eZZANE

2

Onde N representa o número de Avogadro e A a constante de Madelung, a qual é

função do arranjo dos iões no espaço.

Como consequência da interacção entre iões de carga contrária, os compostos iónicos

formam arranjos tridimensionais regulares. Estas formas cristalinas são agrupadas em

sete sistemas cristalinos (Figura 13). A determinação da estrutura cristalina de uma

determinada substância é feita experimentalmente por meio do difracção de raios X.

Para além da determinação experimental houve sempre um esforço de desenvolver

métodos que permitissem prever a estrutura de cada substância. O método mais

conhecido é o chamado “Regra da razão dos raios”. Diferentemente dos compostos

covalentes, a previsão da estrutura de uma determinada substância é especialmente

mais complicada no caso dos compostos iónicos, em parte pelo facto de as suas

estruturas serem mais complexas.

O grupo dos compostos iónicos inclui sais, óxidos, hidróxidos, sulfuretos e grande parte

dos compostos inorgânicos. Apresentam elevados pontos de fusão e ebulição.

Page 7: Ligacao Quimica

Figura 13: Células unitárias nos sete sistemas cristalinos

Page 8: Ligacao Quimica

Quando fundidos ou em determinadas soluções os compostos iónicos comportam-se

como electrólitos, pois os respectivos iões, que eram mantidos rigídamente fixos no

composto puro, ganham uma certa mobilidade ao passar para a solução. A sua

solubilidade em água e outros solventes polares deve-se a sua ionização e consequente

interacção dos iões formados com as moléculas polares do solvente. As elevadas

energias de rede envolvidas na destruição da rede cristalina são compensadas pela

energia libertada na interacção com as moléculas do solvente, que no caso da água se

chama energia de hidratação. Estes compostos são normalmente insolúveis em

solventes não-polares.

II.1.2. Regra da razão dos raios

A dedução da estrutura dos compostos iónicos é baseda em cálculos de natureza

geométrica e permite em vários casos prever o número de iões de um tipo que se

apresentam a volta de um ião de outro tipo. Este método é conhecido como o método

da razão dos raios. A sua base assenta na determinação da razão dos raios do catião e

do anião (r+/r-) que ocorrem em determinados arranjos geométricos. Estes valores são

usados para traçar o intervalo onde ocorre um dado tipo de estrutura e representam os

limites inferiores e superiores da razão dos raios para os quais ocorre este tipo de

estrutura geométrica de determinado tipo de moléculas.

Este método pode ser introduzido a aprtir de um composto entre A e X onde o número

de coordenação no composto é de 3 e, consequentemente, temos 3 iões X- em

contacto com o catião A+. Nestas condições teremos 3 casos distintos:

Page 9: Ligacao Quimica

Figura 11: Possíveis configurações num composto com número de coordenação 3

No 1º caso o ião A+ tem um raio muito pequeno e não está em contacto com os 3

aniões X-. A estrutura resultante é considerada instável. No 2º caso o ião A+ preenche

exactamente o espaço entre os 3 aniões e realiza um contacto perfeito com os mesmos.

A razão rA+/r X- representa neste caso o valor mínimo da razão dos raios na qual

ocorre o número de coordenação 3 e é igual a r+/r-=0.155. No 3º caso r+/r- é maior

que 0.155 e é possível alojar pelo menos 3 aniões a volta do catião A+.

A medida que r+/r- for crescendo, atingir-se-á um valor a partir do qual se torna

possível alojar mais 1 anião (perfazendo um total de 4 aniões) a volta do catião A+.

Este ponto é caracterizado pelo valor mínimo de r+/r-=0.225. Se r+/r- continuar a

crescer atingir-se-á o valor onde começa o número de coordenação 5 e assim por

diante. Estes valores limites podem ser vistos na figura 12.

Deduzem-se em seguida, com base na figura 13 e a título de exemplo, os valores

limites para a ocorrência de estruturas triangular planar, tetraédrica e octaédrica:

Page 10: Ligacao Quimica

Figura 13: Base para a dedução da regra da razão dos raios

1. Número de coordenação 3 (estrutura triangular planar)

Na figura 13.a) pode-se ver o ião positivo de raio r+ em contacto com 3 aniões maiores

de raio r-. Olhando para a figura mencionada pode-se ver que:

AB = BC = AC = 2r-

BE = r-

BD = r+ + r- ,

o ângulo ABC é de 60o e o ângulo DBE tem 30o

Usando os nossos conhecimentos de trigonometria podemos concluir que

cos 30 =BE/BD BD=BE/cos 30

r++ r - = r -/cos 30 = r - / 0.866= r - x1.155

r+/r-=0.155

a b c d

Page 11: Ligacao Quimica

2. Número de coordenação 4 (estrutura tetraédrica)

A figura 13.b) mostra um arranjo tetraédrico inserido num cubo assim como uma parte

deste arranjo (fig 13.c), que nos permite visualizar melhor as relações entre os raios e

os ângulos. O ângulo ABC corresponde ao ângulo tetraédrico (109o28‟).

Consequentemente o ângulo ABD tem 54o 44‟.

No triângulo ABD

8164.0sin

rr

r

AB

ADABD

225.18164.0

1

r

rr

Após um rearranjo obtemos

r+/r-=0.225

3. Número de coordenação 6 (estrutura octaédrica)

Na secção da estrutura octaédrica que aparece na figura 13.d) não se veêm os 2 aniões

localizados abaixo e acima do plano definido pelos 4 aniões visíveis e pelo átomo

central. Porém, pode-se reconhecer que:

AB = r+ + r- e BD=r- .

Page 12: Ligacao Quimica

O ângulo ABC é d

7071.0cos

rr

r

AB

BDABD

414.17071.0

1

r

rr e r +/r -= 0.414

O método da razão dos raios apresenta em alguns casos certos problemas, apesar de

fornecer resultados satisfatórios. Deve-se mencionar que há outros factores envolvidos

na determinação da estrutura destes compostos, para além dos considerados nas

deduções anteriores, que acabam dificultando a previsão da estrutura de compostos,

como se pode ver nos exemplos apresentados em seguida.

A tabela seguinte mostra a razão dos raios dos halogenetos do grupo I e de óxidos e

outros compostos de elementos do grupo II.

Tabela 3: Razão dos raios de halogenetos do grupo I e compostos dos elementos do

grupo II com o oxigénio e outros elementos do grupo VI

F- Cl- Br- I- O2- S2- Se2- Te2-

Li+ 0.57 0.41 0.39 0.35 Be2+

Na+ 0.77 0.55 0.52 0.46 Mg2+ 0.51 0.39 0.36 0.33

K+ 0.96* 0.75 0.70 0.63 Ca2+ 0.71 0.54 0.51 0.45

Page 13: Ligacao Quimica

Rb+ 0.88* 0.83 0.78 0.69 Sr2+ 0.84 0.64 0.60 0.53

Cs+ 0.80* 0.91 0.85 0.76 Ba2+ 0.96 0.73 0.68 0.61

Com base na figura 12 seria de esperar que somente os compostos delimitados pela

região sombreada na tabela 3, com um valor de r+/r - compreendido entre 0,41 e 0,73,

tivessem a estrutura do cloreto de sódio: Estrutura cúbica simples

Figura ??: Estrutura cúbica simples

O NaCl tem uma estrutura cúbica onde catiões e aniões ocupam alternadamente os

vértices do cubo. Uma análise atenta da estrutura apresentada permite ver que o

número de coordenação é 6: Cada ião de sódio (esferas claras) está rodeado de 6

aniões cloreto. Por sua vez, cada ião cloreto está rodeado de 6 iões de sódio. É possível

Page 14: Ligacao Quimica

identificar, na estrutura do NaCl, o octaedro com os 4 átomos no plano e os 2 restantes

posicionados perpendicularmente ao plano.

Uma análise das estruturas dos compostos apresentados na tabela 3 mostra contudo o

seguinte:

- o número de compostos com estrutura idêntica a do NaCl é maior que o previsto com

base nos dados da figura 12. As excepções parecem ser os compostos de Césio e o

MgTe. Este último tem estrutura do sulfureto de Zinco.

- RbCl e RbBr têm estrutura do NaCl e número de coordenação 6 quando cristalizados à

temperatura ambiente e pressão normal; apresentam contudo número de

coordenação 8 e estrutura semelhante a estrutura cúbica de corpo centrado quando

cristalizados à pressão e temperatura elevados. Este último aspecto parece indicar

que a energia de rede é em ambos os casos similar, com consequentemente

pequenas diferenças na estabilidade dos compostos.

Estas discrepâncias parecem ser causadas pela validade absoluta atríbuida a alguns

pressupostos necessários para caracterizar a estrutura dos compostos, como p.ex.

- o conhecimento exacto da raio iónico: Estes valores são estimativas e não podem por

isso ser tratados como valores exactos, pois o raio do ião depende fortemente do seu

ambiente,

- tratamento dos iões como se se tratasse de esferas rijas inelásticas,

- a forma esférica dos iões e o tratamento da ligação como se esta fosse uma ligação

puramente iónica.

Page 15: Ligacao Quimica

II.1.3. Defeitos nos sólidos cristalinos

No estudo de sólidos cristalinos tem sido frequentemente usado o conceito de arranjo

tridimensional perfeito para descrever as estruturas destes compostos. Este aspecto

não é completamente correcto, pois as partículas que formam a estrutura cristalina

possuem uma certa vibração térmica, a qual aumenta com a temperatura. Com o

aumento da vibração térmica podem surgir no arranjo inicialmente perfeito certas

irregularidades. Estes defeitos podem ser responsáveis por algumas propriedades de

importância, como veremos a seguir. No seu estudo consideram-se normalmente dois

tipos de defeitos: os defeitos estequiométricos e os não-estequiométricos.

II.1.3.1. Defeitos estequiométricos

Compostos estequiométricos são aqueles onde a proporção em que se combinam os

diferentes tipos de átomos é igual a dada pela fórmula química. Este tipo de compostos

obedece a lei das composições constantes: Um determinado composto contém

sempre os mesmos elementos combinados na mesma proporção.

Os tipos de defeitos que aparecem nos compostos estequiométricos são os defeitos de

Schottky e de Frenkell. No zero absoluto os cristais tendem a alcançar um arranjo

ordenado perfeito. A medida que a temperatura aumenta, cresce a vibração térmica

dos iões e no caso onde esta for suficientemente grande o ião em questão pode saltar

da posição que ocupa, causando o surgimento de um defeito na estrutura cristalina.

Com o aumento da temperatura aumenta a probabilidade de ocorrência de defeitos,

razão pela qual estes são chamados em alguns casos defeitos termodinâmicos.

Os defeitos de Schottky consistem de pares de posições deixadas vagas no arranjo

cristalino (figura 14). Estes aparecem normalmente em compostos altamente iónicos

Page 16: Ligacao Quimica

com número de coordenação elevado (normalmente 6 ou 8), onde o catião e o anião

têm um tamanho semelhante, como por exemplo NaCl, CsCl, KCl e Kbr.

Figura 14. Defeitos de Schottky

O número de defeitos por cm3, ns , é dado pela relação.

RT

W

s

s

Nen 2

onde N=número de posições por cm3 que podem ficar livres, Ws=trabalho envolvido na

formação de um defeito de Schottky, R a constante de gases e T a temperatura

absoluta.

Os defeitos de Frenkel consistem de posições deixadas livres na estrutura cristalina,

Page 17: Ligacao Quimica

onde a partícula que deveria ocupar tal posição ocupa uma posição intersticial (figura

15). Estas partículas são normalmente catiões, que apresentam tamanhos menores que

os aniões da molécula e têm por isso menos problemas para ocupar posições

intersticiais.

Figura 15. Defeitos de Frenkel

Este tipo de defeitos é especialmente favorecido por grandes diferenças de tamanho

entre os aniões e os catiões, ocorrendo consequentemente para números de

coordenação 4 ou 6. Dado que catiões pequenos têm um elevado poder polarizante e

aniões com grande tamanho uma polarizabilidade elevada, os tipos de compostos onde

ocorre este tipo de defeitos apresentam um certo grau de covalência. Exemplos de

compostos onde ocorre este tipo de defeitos são o ZnS, AgCl, AgBr e AgI.

O número de defeitos de Frenkel por cm3 é dado pela seguinte relação

RT

W

f

f

eNNn2

onde N=número de posições por cm3 que podem ficar livres, N´ =número de posições

intersticiais alternativas por cm3, Wf=trabalho envolvido na formação de um defeito de

Frenkel, R a constante de gases e T a temperatura absoluta.

Page 18: Ligacao Quimica

Normalmente, o número de defeitos estequiométricos (defeitos de Schottky e de

Frenkell) formado é pequeno. Para exemplificar, no caso do NaCl temos 1 defeito em

1015 posições a temperatura ambiente, 1 defeito em 106 posições a 500 C e 1 defeito

em 104 posições a 800 C. Como consequência destes defeitos os sólidos cristalinos

podem conduzir corrente eléctrica, embora em pequena escala. Se um ião se move de

uma posição para ocupar uma cavidade, cria uma nova cavidade que pode vir a ser

ocupada por outro ião e assim por diante. Desta forma cria-se um movimento mais ou

menos contínuo de iões (deslocação permanente da cavidade) que é responsável pela

conductividade de sólidos com defeitos estequiométricos.

II.1.3.2. Defeitos não-estequiométricos

Se a proporção em que os diferentes átomos se combinam não corresponde a

proporção dada pela fórmula ideal, o composto apresenta um excesso ou defeito de

iões positivos (ou de iões negativos). A manutenção da neutralidade eléctrica é

garantida por electrões extra ou por iões metálicos que adquirem uma carga

suplementar extra. Os defeitos não-estequiométricos são classificados em dois grupos:

1) Casos onde ocorre um excesso de metal e 2) Casos onde temos uma deficiência de

metal.

Nos dois casos, esses defeitos são criados pela falta de uma partícula no arranjo

cristalino ou pela existência de uma particula extra ocupando uma posição intersticial.

Excesso de metal: Este caso manifesta-se normalmente de duas formas distintas:

- falta de aniões no arranjo tridimensional, os quais passam a ser substítuidos por

electrões para manter a neutralidade eléctrica (figura 16),

Page 19: Ligacao Quimica

- catião extra ocupando posição intersticial. A neutralidade é mantida por electrões

ocupando posições intersticiais (figura 17).

No primeiro caso temos uma semelhança com os defeitos de Schottky, pelo facto de se

formar uma cavidade como resultado desta interacção. Este tipo de defeitos pode

aparecer p.ex. nos compostos NaCl, KCl, LiH, quando estes compostos são aquecidos

na presença de excesso de vapores da partícula metálica ou quando tratados com

radiação altamente energética, tratamento que os torna deficientes em aniões, ficando

com a formúla

AX1-δ → δ 0

Este tipo de defeito pode ser responsável p.ex. por mudanças de cor das substâncias. O

NaCl não-estequiométrico é amarelo enquanto o KCl adquire uma coloração azul-lilás.

As posições da estrutura cristalina deixadas vagas pelos aniões e ocupadas por

electrões são chamadas centros F (abreviado de Farbe, termo que significa em alemão

coloração). Estes centros são associados com a cor destes compostos; quanto maior for

o número de centros F (quanto maior for o número de defeitos) mais intensa é a

coloração da substância. Este tipo de sólidos são normalmente paramagnéticos pois

estes electrões não se emparelham.

Page 20: Ligacao Quimica

Figura 16: defeitos por excesso de metal (caso I)

No segundo caso o excesso de metal ocorre quando um catião extra ocupa uma

posição intersticial e a neutralidade eléctrica é mantida por electrões extras ocupan-do

também posições intersticiais. Estes compostos têm a fórmula geral

A1+δ → X

Este tipo de defeitos é semelhante aos defeitos de Frenkell pelo facto de o catião

ocupar uma posição intersticial, embora não se criem cavidades no arranjo cristalino.

Compostos deste tipo são mais frequentes que os primeiros e formam-se nos cristais

que têm a tendência de formar defeitos de Frenkell (casos onde os iões têm tamanhos

significativamente diferentes, números de coordenação baixos e uma certa covalência).

Como exemplos citam-se o ZnO, CdO, Fe2O3 e o Cr2O3 .

Quando se aquece este tipo de compostos na presença de oxigénio, a sua

conductividade decresce. Tal deve-se a oxidação de alguns iões intersticiais, o que tem

como consequência uma redução das partículas responsáveis pela conductividade. A

conductividade destes materiais tem ainda como causa a migração dos electrões livres

ocupando posições intersticiais. A extensão da conductividade destes materiais é menor

que a de sais fundidos ou sais em solução aquosa. Estes são chamados

Page 21: Ligacao Quimica

semiconductores. A cor característica deste tipo de compostos é resultado da excitação

dos electrões livres para níveis maiores de energia, originando espectros de absorção

com comprimentos de onda na região visível do espectro e consequentemente

compostos coloridos. P.ex. O NaCl não-estequio-métrico é amarelo, o KCl azul-lilás e o

ZnO branco quando frio e amarelo quando aquecido.

Figura 17: defeitos por excesso de metal (caso II)

Deficiência de metal: Os compostos com deficiência de metal podem ser represen-

tados pela fórmula geral A1- X. A deficiência de metal ocorre sob duas formas

diferentes. Ambos os casos requerem variação da valência do metal e são normalmente

associados a compostos dos metais de transição:

- No primeiro caso temos a falta de um ião positivo na estrutura cristalina (figura 18).

Para contrabalançar a carga um ião metálico adjacente adquire uma carga positiva

extra. Este tipo de defeitos surge p.ex. no FeO, NiO, TiO, FeS e no CuI. Com a falta

de um ião Fe2+ na estrutura do FeO, dois iões adjacentes adquirem a carga Fe3+.

Page 22: Ligacao Quimica

De modo similar a carga resultante da falta de um ião Ni2+ é compensada por dois

iões adjacentes com carga Ni3+.

Figura 18: defeitos por deficiência de metal (caso I)

- No segundo caso a deficiência de metal é causada pela existência de um anião extra

ocupando uma posição intersticial (figura 19). A carga resultante é contrabalançada

também neste caso por uma carga extra em catiões adjacentes. Compostos deste tipo

são raros pois os aniões têm normalmente tamanhos grandes e é difícil encontrá-los

ocupando posições intersticiais.

Page 23: Ligacao Quimica

Figura 19: defeitos por deficiência de metal (caso II)

II.2. Ligação covalente

O desenvolvimento da teoria sobre a ligação covalente está fortemente ligada a pessoa

de G.N. Lewis. Este sugeriu, já em 1916, que a configuração electrónica do gás nobre

pode ser alcançada por partilha de electrões, sugestão que veio a servir de base para o

desenvolvimento da teoria moderna da ligação covalente. A ligação covalente tem lugar

quando a configuração estável é obtida por partilha de pares de electrões. Consoante o

número de electrões partilhados a ligação covalente pode ser:

simples, como no caso da molécula Cl2:

Cl – Cl

dupla, caso da molécula O2:

O = O

ou tripla, molécula N2:

N ≡ N

Dos exemplos dados parece evidente que a configuração estável é obtida quando o

átomo tem a sua volta oito electrões. Este aspecto levou a formulação da regra do

octeto, segundo a qual os átomos continuam formando ligações até alcançarem a

Page 24: Ligacao Quimica

estrutura de octeto (estrutura estável de gás raro). Conhecem-se contudo uma série de

compostos que violam a regra do octeto como p.ex. o caso do composto entre o Boro e

o Flúor,

ou o fósforo e o enxofre na molécula de PCl5 e SF6 respectivamente:

A violação da regra do octeto é mais relevante nos elementos localizados após os

primeiros dois períodos, os quais têm à disposição orbitais d livres, com energia

próxima a das orbitais p, que podem ser usadas na ligação. Apesar destas violações, a

regra do octeto consegue explicar bem as valências no caso de sistemas simples, mas

não dá uma indicação da forma da molécula.

Page 25: Ligacao Quimica

II.2.1. Desenho de estruturas de Lewis

Tal como vimos nos exemplos anteriores, a ligação entre dois átomos é representada

por 1 ou mais traços, que aparecem em substituição de 1 ou mais pares de electrões

respectivamente. Esta forma de representar a estrutura de compostos covalentes foi

proposta por Lewis e é conhecida como estrutura de Lewis. Na construção de

estruturas de Lewis, deve seguir as étapas enumeradas a seguir:

1. Coloque inicialmente os átomos nas suas posições conhecidas e ligue-os por meio

de ligações simples. Quando não se conhecem as posições relativas dos átomos,

deve-se usar todo o conhecimento que temos para encontrar as posições mais

prováveis ou então escrever todas as posições possíveis.

2. Calcule a diferença entre o número total de electrões de valência e o número de

electrões usados no passo anterior. Esta diferença dá-nos o número de electrões

que ainda devem ser acomodados na estrutura, na forma de pares não-ligantes ou

de ligações múltiplas.

3. Os electrões a que se faz referência no passo anterior são incorporados inicialmente

como electrões não-ligantes, associados aos átomos externos (não-centrais).

4. Inspecione a estrutura para verificar se a regra do octeto é cumprida ou não por

todos os átomos. Se esta for violada tente movimentar alguns pares de electrões

para solucionar o problema. P.ex. se o átomo central apresenta uma deficiência de

electrões tente deslocar alguns pares não-ligantes para formar ligações múltiplas

entre estes átomos e o átomo central.

5. Se a molécula contém pelo menos três átomos e uma ligação múltipla, há uma

grande probabilidade de estarmos perante um caso de ressonância.Tente escrever

as diferentes estruturas de ressonância que podem ocorrer. Atribua cargas formais a

cada átomo na molécula. As estruturas com maior probabilidade de ocorrer são

Page 26: Ligacao Quimica

aquelas que têm cargas formais mínimas para um dado átomo. se duas estruturas

ressonantes tiverem a mesma carga formal, a estrutura mais provável será a que

tiver menor número de electrões não ligantes. A carga formal é calculada usando a

relação:

Carga formal = Electr. Valência –

ligantes oa~N - Electr.

2

sPartilhado Electr.

A aplicação destas regras pode ser exemplificada para a molécula de água e para o

anião SO42-. No caso da molécula de água temos 6 electrões de valência do oxigénio e

2 provenientes dos dois átomos de hidrogénio. O oxigénio ocupa a posição central e a

estrutura resultante é

O hidrogénio viola a regra do octeto mas tal não deve ser visto como uma violação da

regra 4, pois este aspecto pode ser fácilmente explicado se tivermos em conta a

posição do hidrogénio na tabela periódica. Tal resulta do facto de o primeiro nível

albergar no máximo 2 electrões.

Page 27: Ligacao Quimica

O exemplo da molécula de água é um caso muito simples. No caso do anião SO42-

temos um caso um pouco mais complexo. Nesta molécula, onde o enxofre ocupa a

posição central, temos [6 + 4 x 6 + 2] electrões de valência. Estes electrões podem ser

distríbuidos da seguinte forma

A estrutura resultante parece correcta, só que o átomo de enxofre apresenta uma carga

formal elevada. Podemos rearranjar os electrões disponíveis de modo a obtermos uma

estrutura com uma carga formal mínima

Page 28: Ligacao Quimica

O enxofre viola na estrutura proposta a regra do octeto mas considera-se que esta

desvantagem é compensada pela distribuição mais satisfatória da carga formal. A

expansão para além do octeto no átomo central é explicada com base na

disponibilidade de orbitais 3d.

II.2.2. Teoria de Sidgwick-Powell

Sidgwick e Powell sugeriram ser possível prever a forma aproximada de uma molécula

com base no número de pares de electrões na camada de valência do átomo central,

no caso de moléculas que contêm somente ligações simples. O seu método de previsão

tem como base a minimização da repulsão dos pares de electrões, quer dizer a

orientação das orbitais é tal que as distâncias entre elas sejam o maior possível:

- dois pares de electrões1 mostram um máximo no seu afastamento quando as

respectivas orbitais se dispõem linearmente, formando um ângulo de 180o,

- moléculas onde o átomo central tem 3 pares de electrões na sua camada de

valência têm estrutura triangular-planar com ângulos de 120o,

- no caso de 4 pares de electrões a molécula tem a estrutura de um tetraédro. O

ângulo de ligação é de 109o,

- nos casos onde o átomo central apresenta 5 pares de electrões, a molécula tem

uma estrutura trigonal bipirâmidal (com ângulos de 120o e 90o),

- nos casos de 6 pares electrónicos em redor do átomo central, a estrutura da

molácula é octaédrica (com ângulos de 90o) respectivamente.

1Sidgwick e Powell consideram aqui os pares de electrões envolvidos na formação da ligação e os pares de electrões livres.

Page 29: Ligacao Quimica

II.2.3. Teoria da repulsão dos pares de electrões na camada de

valência (VSEPR)

Em 1957 Gillespie e Nyholm melhoraram a teoria de Sidgwick e Powell, tendo em vista

prever de forma mais exacta a forma das moléculas. Segundo eles:

- O arranjo das ligações à volta de um átomo central depende do número de electrões

existentes.

- A forma da molécula é determinada pela repulsão entre todos os pares de electrões

presentes na camada de valência. O arranjo preferencial adoptado é aquele onde tem

lugar a minimização da repulsão entre as diferentes orbitais (maximização da

distância entre elas). Este aspecto havia sido introduzido anteriormente por Sidgwick

e Powell.

- O par de electrões livres ocupa maior espaço que um par de electrões ligantes, pois

este último está sujeito a acção de 2 núcleos enquanto o par de electrões livres tem

uma maior liberdade. A repulsão entre 2 pares de electrões livres é maior que a

repulsão entre 1 par de electrões livres e um par ligante ou mesmo entre 2 pares

ligantes. Como consequência a presença de pares de electrões livres na molécula

força os pares ligantes a ocuparem um menor espaço, aspecto que causa uma

distorção dos ângulos de ligação ideais. Na presença de pares de electrões livres o

ângulo entre pares ligantes passa a ser menor.

- A magnitude da repulsão depende da diferença de electronegatividade entre o átomo

central e o átomo a ele ligado.

- As ligações triplas causam maior repulsão que as duplas e estas por sua vez causam

uma maior que as simples.

O efeito dos pares de electrões livres pode ser melhor entendido se se partir do arranjo

correspondente ao ideal e introduzirem-se pares de electrões livres neste arranjo. O

Page 30: Ligacao Quimica

CH4 forma um tetraedro regular com 4 pares de electrões ligantes. O ângulo H-C-H é

de 109o. Na molécula de NH3 teriamos o caso da substituição no tetraedro de um par

ligante por um par de electrões livres. O ângulo H-N-H tem nesta molécula o valor de

107o. A forma da molécula da água pode ser também derivada da molécula do

tetraedro regular por substituição de dois pares ligantes por 2 pares de electrões livres.

Devido a maior repulsão causada pelos 2 pares de electrões livres o ângulo decresce

até o valor 104o.

De forma análoga pode-se estudar a variação do ângulo de ligação com o número de

pares de electrões ligantes e livres existentes na molécula de compostos com outra

estrutura. Resumem-se na tabela 4 os efeitos no ângulo de ligação de pares de

electrões ligantes e livres em moléculas com a estrutura de tetraedro, trigonal

bipirâmidal e de octaedro.

Espécies que contêm o mesmo número de electrões de valência apresentam

normalmente a mesma estrutura. São exemplos de tais espécies as seguintes:

- BF4-, CH4 e NH4

+ com estrutura tetraédrica,

- CO32-, NO3

- e SO3 com estrutura triangular planar,

- CO2 e NO2+ com estrutura linear.

Tabela 4: Efeito dos pares de electrões envolvidos na ligação e dos pares de electrões

livres no ângulo de ligação

Page 31: Ligacao Quimica

Orbitais do

átomo central

Forma da

molécula

Nr. Electr.

ligantes

Nr. electr.

livres

ângulo de

ligação

BeCl2 2 linear 2 0 180

BF3 3 triangular

planar

3 0 120

CH4 4 tetraedro 4 0 109

NH3 4 tetraedro 3 1 107

NF3 4 tetraedro 3 1 102

H2O 4 tetraedro 3 3 104

PCl5 5 trigonal

bipirâmidal

5 0 120 e 90

SF4 5 “ 4 1 101 e 86

ClF3 5 “ 3 2 87

SF6 6 octaedro 6 0 90

BrF5 6 octaedro 5 1 84

XeF4 6 octaedro 4 2 90

Page 32: Ligacao Quimica

II.2.4. Teoria da ligação de valência

A teoria da ligação de valência foi proposta por Linus Pauling. Segundo a mesma os

átomos usam, para a formação de ligações, as suas orbitais com electrões não-

emparelhados. Ao formar-se uma ligação tem lugar o emparelhamento dos electrões e

os átomos ganham uma configuração de gás inerte. O número de ligações que cada

átomo forma, deveria ser igual ao número de electrões desemparelhados. Conhecem-se

contudo casos onde o número de ligações é maior que o número de electrões

desemparelhados no estado fundamental. Para explicar tais casos introduziu-se o

conceito de promoção: desemparelhamento do par de electrões por passagem de um

dos electrões para uma orbital vazia de energia muito próxima.

Introduzir diagrama do estado fundamental e do estado excitado

Os dois electrões desemparelhados adicionais permitem a formação de duas ligações

adicionais. A energia libertada durante o processo é superior a energia necessária para

a promoção do electrão.

Tendo em conta a forma (disposição no espaço) das orbitais s e p, seria de esperar que

as orbitais s e p levassem a formação de ligações diferentes e que alguns ângulos de

ligação fossem iguais a 90o (ângulo entre as orbitais p). Sabe-se contudo que as quatro

ligações na molécula do metano são equivalentes e que os ângulos de ligação nas

moléculas de CH4, NH3 e H2O são diferentes de 90o. Estas moléculas têm os seguintes

ângulos de ligação:

Page 33: Ligacao Quimica

ângulo H-C-H na molécula de CH4 é igual a 109o,

ângulo H-N-H na molécula de NH3 é igual a 107o,

e o ângulo H-O-H na molécula de H2O é igual a 104o.

Para explicar estes factos foi introduzido o conceito de hibridização, mistura de orbitais

atómicas sob formação de igual número de orbitais híbridas equivalentes2. Ao combinar

1 orbital s com 3 orbitais p formam-se 4 orbitais híbridas do tipo SP3. Na formação da

molécula de metano o carbono usa a sua orbital 2s mais as 3 orbitais 2p(x, y, z) para

formar as 4 orbitais sp3. Em função do número e tipo de orbitais atómicas envolvidas

formam-se diferentes tipos de orbitais híbridas (tabela 5).

Tabela 5: Relação entre o número de orbitais atómicas, tipos de hibridização e forma

geométrica da molécula

número de orbitais tipo de forma geométrica

atómicas hibridização regular da molécula

1 s + 1 p sp linear

1 s + 2 p sp2 triangular planar

1 s + 3 p sp3 tetraedro

2No sentido mais exacto a hibridização representa a combinação das funções de onda dos átomos, com o fim de obter funções de onda representativas do que se chama de forma geral de orbitais híbridas. No caso da formação de orbitais híbridas a partir de 1 orbital s e 3 orbitais p a função de onda usada para descrever o electrão nessas orbitais é do tipo

?sp3 = C1 ?ns + C2 ?npx + C3 ?npy + C4 ?npz

Page 34: Ligacao Quimica

1 s + 3 p + 1 d sp3d trigonal bipirâmidal

1 s + 3 p + 2 d sp3d2 octaedro

1 s + 3 p + 3 d sp3d3 pentagonal bipirâmidal

As orbitais híbridas formam normalmente ligações mais fortes que as formadas pelas

orbitais s e p, devido a melhor sobreposição durante a formação da ligação.

Apresentam-se na tabela 6 os valores aproximados das forças de ligação relativas para

diferentes tipos de orbitais.

Para uma hibridização efectiva é importante que a energia das orbitais atómicas seja da

mesma ordem de grandeza. Apesar de se indicarem alguns tipos de hibridização onde

tomam parte orbitais d, a sua participação tem sido discutida de forma contróversa,

pois estas têm energias muito maiores que as orbitais s e p do mesmo nível e há

dúvidas se a mistura de orbitais d com orbitais s e p é efectiva.

Este tipo de hibridização tem sido usado para explicar a ligação p.ex. na molécula de

Pcl5

Page 35: Ligacao Quimica

e na de SF6

Tabela 6: Força de ligação relativa de diferentes tipos de orbitais

tipo de orbital força de ligação

relativa

s 1,0

p 1,73

sp 1,93

sp2 1,99

sp3 2,00

Page 36: Ligacao Quimica

Segundo alguns autores quando o átomo central se liga a átomos fortemente

electronegativos (Cl, O, F) há uma contracção das orbitais d, aspecto que provoca um

baixamento da sua energia, a qual se aproxima desta forma da das orbitais s e p,

tornando possível a ocorrência de hibridização envolvendo orbitais d. Esta parece ser a

razão pela qual existem compostos como SF6, PCl5, etc mas não compostos destes

elementos p.ex. com o hidrogénio (PH5). A contracção das orbitais também se dá a

medida que mais electrões vão preenchendo a orbital, como consequência do aumento

da força de atracção núcleo-electrões.

Ligações δ e π

No caso de ligações a densidade electrónica é maior entre os dois átomos, ao longo da

linha que liga os dois núcleos. No caso de ligações duplas e triplas os electrões também

se concentram entre os dois átomos, não ao longo da linha que os une mas sim acima

e abaixo dessa linha.

Page 37: Ligacao Quimica

As orbitais não exercem influência na forma da molécula, encurtam somente o

comprimento da ligação. Estas orbitais não participam na hibridização. Vejamos como

exemplo a formação da molécula de CO2:

O átomo de carbono é excitado para formar quatro orbitais com 1 electrão

desemparelhado

que partilham os seus electrões ficando com configuração

Page 38: Ligacao Quimica

As orbitais s e px que formam as ligações são hibridizadas dando 2 orbitais sp que se

estendem em direcções contrárias formando um ângulo de 180o.

A ocorrência da molécula de SO2 pode ser explicada de forma análoga. O átomo de

enxofre é excitado para ficar com quatro electrões desemparelhados

e forma quatro ligações ficando com a configuração seguinte

O átomo de enxofre apresenta neste caso hibridização sp2 e a molécula tem uma

estrutura triangular planar distorcida, devido a repulsão exercida pelo par de electrões

livres. O ângulo de ligação é de 119o, valor menor que o ângulo ideal de 120o.

Page 39: Ligacao Quimica

A existência da molécula de SO3 pressupõe a formação de 3 ligações σ e 3 ligações ∏.

A orbital s e as 2 orbitais p hibridizam formando orbitais sp2. A molécula do trióxido de

enxofre tem uma estrutura triangular planar regular.

Um problema relacionado com este método é o da explicação satisfatória das ligações

∏. O método pressupõe que as orbitais do átomo central envolvidas na formação de

ligações ∏ têm uma orientação correcta no espaço para uma sobreposição eficaz com

as orbitais do segundo átomo.

Page 40: Ligacao Quimica

II.3. Ligação metálica

O desenvolvimento das teorias sobre a ligação metálica está ligado a necessi-dade de

explicar as propriedades físicas características deste tipo de materiais, nomeadamente

- a elevada condutividade térmica e eléctrica

- a elevada resistência mecânica e a ductibilidade dos metais. Apesar de a resistência

à deformação ser pequena, existem no metal forças de coesão fortes que se opõem

a fractura completa do objecto

- o brilho característico e a capacidade de emitir electrões quando expostos a radiação

de baixo comprimento de onda ou quando aquecidos a temperaturas

suficientemente elevadas, assim como as suas estruturas densas.

Como forma de poder explicar estas propriedades Bernal considera que a ligação

metálica deve possuir as seguintes características:

- poder ter lugar entre átomos idênticos ou entre átomos metálicos completamente

diferentes,

- não apresentar um efeito direccional nem saturação, para permitir acomodar o

elevado número de átomos vizinhos,

- habilidade de permitir a transferência de electrões.

Para explicar o fenómeno da emissão e condução os modelos desenvolvidos admitem a

existência de electrões mais ou menos livres3. Nas teorias modernas considera-se que a

3Estes electrões são os electrões de valência associados a cada átomo individual.

Page 41: Ligacao Quimica

ligação metálica é formada por uma rede rígida de esferas (catiões) com os electrões

livres movendo-se nos seus interstícios.

Com o desenvolvimento da mecânica quântica modificou-se ligeiramente este ponto de

vista, considerando-se que os electrões são mantidos na estrutura pelas forças dos

diferentes átomos e que eles ocupam estados com níveis discretos de energia. Os

electrões podem ser transferidos de um nível para o outro sem grandes dispêndios de

energia, o que pressupõe que os diferentes níveis têm energias muito próximas e

explica a mobilidade dos electrões. Na prática tem sido muito usado o conceito de

massas de iões positivos mergulhados num mar de electrões.

As propriedades dos condutores, semicondutores ou isoladores são explicadas com base

na teoria de bandas e têm como base a mobilidade mais ou menos elevada dos

electrões. A teoria das bandas considera a existência de bandas de energia e não de

níveis isolados tal como nos átomos individuais.

Para melhor percebermos esta teoria, vamos imaginar que durante a formação de um

cristal os átomos são trazidos para as suas posições intersticiais a partir do infinito.

Enquanto tivermos somente o primeiro átomo do cristal, vamos ter por cada orbital

somente um nível de energia. À medida que mais átomos forem ocupando as suas

posições, onde tinhamos somente um nível de energia vamos passar a ter vários níveis

sobrepostos. Devido a interação entre os diferentes níveis do mesmo tipo vamos ter

uma subdivisão dos níveis de energia. No lugar de vários níveis com a mesma energia

vamos ter uma banda de níveis com energias ligeiramente diferentes. O número de

níveis em cada banda é igual ao número de átomos que compõem esse arranjo. A

Page 42: Ligacao Quimica

subdivisão mencionada atrás é maior quanto maior for a interação entre os vários níveis

(figura 21).

Os electrões existentes preenchem as diferentes bandas de energia começando pelas

bandas com energia mais baixa. A nossa estrutura vai ter bandas completamente

preenchidas, bandas parcialmente preenchidas e bandas não preenchidas. A banda

parcialmente ocupada com maior energia é chamada banda de valência. A banda

imediatamente acima (não preenchida) é chamada banda de condução. A diferença de

energia entre as duas bandas é chamada „gap‟ (lacuna) de energia. As propriedades

eléctricas e magnéticas dos materiais são ditadas pelo gap de energia entre as bandas

de valência e a conductora. Este gap depende por outro lado do tipo de átomos que

formam o cristal e da estrutura (veja a tabela 7).

Page 43: Ligacao Quimica

Figura 21: Formação de bandas de energia

Page 44: Ligacao Quimica

Figura 22: Diagrama para a explicação das propriedades de conductores, isoladores e

semiconductores

Page 45: Ligacao Quimica

Tabela 7: Valores do gap de energia dos elementos do grupo IV

Elemento Gap de energia (eV)

C (diamante) 5.6

Si 1.1

Ge 0.7

Sn (cinzento) 0.08

Pb 0.0

Se o gap de energia é igual a zero, estamos em presença de um metal (caso do

chumbo na tabela 7). Se o gap for muito elevado temos um isolador (diamante),

enquanto que valores intermédios aparecem nos semiconductores (silicio).

Nos condutores (gap de energia é igual a zero) considera-se que:

- a banda de valência está parcialmente preenchida e os electrões movem-se dentro

dessa banda,

- ou que a banda de valência está completamente preenchida mas apresenta uma certa

sobreposição com uma banda não preenchida, o que torna possível a transição de

electrões entre as duas bandas sem um grande dispêndio de energia.

A sobreposição pode surgir em sistemas com uma grande interação, aspecto que causa

a subdivisão das bandas, fazendo com que elas tenham uma grande largura que pode

levar até a sobreposição com uma banda adjacente.

Page 46: Ligacao Quimica

Nos isoladores a banda de valência está completamente preenchida (o que significa que

não há possibilidade de movimentação de electrões dentro dessa banda) e a diferença

de energia com a banda mais próxima vazia é significativa. Nos semicondutores,

considerados básicamente como isoladores, a diferença de energia entre a banda de

valência e a banda vazia mais próxima não é tão elevada de modo que ainda pode

haver uma promoção de um número reduzido de electrões. Este número aumenta,

naturalmente, com a temperatura, o que explica o aumento da condutividade dos

semicondutores com a temperatura.