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A prova pretende demonstrar as mais valias que esta tipologia urbana de Xangai, pode apresentar para as novas concepções da habitação urbana, assim como pretende demonstrar, através da comparação do lilong com arquitecturas domésticas de outra cultura e tempo, que existe algumas condições da habitação urbana que resistem à diferença cultural, social e ao tempo.
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Prova Final para Licenciatura em Arquitectura,
Acompanhada pelo prof. Doutor Rui Ramos
Estágio realizado no atelier Enginesa em Andorra, sob a responsabilidade do
Arquitecto Pau Iglesias Rodriguez, durante o período de tempo de Setembro de
2007 a Fevereiro de 2008.
2
Agradecimentos:
Aos meus pais, tia e Niko pelo apoio, dedicação e paciência;
Ao professor Rui Ramos, pela orientação, interesse, e disponibilidade sempre
demonstrados;
À minha colega Xangaiense Jia e ao professor Zhang Liang, que me
proporcionaram informação bibliográfica;
Às minhas amigas, Catarina (responsável pelo design da capa) e Patrícia, pela
ajuda, atenção e companheirismo;
À minha prima Natércia pela ajuda na correcção ortográfica.
ÍNDICE
7 RESUMO
9 INTRODUÇÃO
12 I. XANGAI NA CHINA [1368-1940]
13 Contexto geográfico
17 Xangai, antes da chegada dos ocidentais
21 As concessões estrangeiras: o desenvolvimento urbano de Xangai
30 II. L ILONG, A IDENTIDADE URBANA DE XANGAI
31 Tipo e identidade
34 Da casa-pátio chinesa ao Lilong
44 A matriz tipológica do Lilong
48 A adaptabilidade do Lilong
54 II I . O LILONG COMO FORMA URBANA
57 O tipo arquitectónico e a forma urbana
61 A forma urbana e a cidade chinesa
64 IV. O LILONG E OS “MAT-BUILDING” CONTEMPORÂNEOS
74 V. O L ILONG E O HABITAR CONTEMPORÂNEO
84 VI. UM CASO DE ESTUDO EM XANGAI: “O LILONG
CONTEMPORÂNEO”
97 CONCLUSÃO
101 CITAÇÕES
111 BIBLIOGRAFIA
115 ORIGEM DAS IMAGENS
7
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE: Xangai; Lilong; tipo; identidade; forma urbana; mat-building,
habitação urbana, habitar contemporâneo.
Num processo de urbanização e industrialização de grande magnitude, únicos no
mundo, a China dos tempos de hoje aporta uma arquitectura contemporânea de
enormes infra-estruturas de difícil definição e descrição, que no entanto, não deixa
de atrair a atenção devido à sua escala urbana. Neste âmbito, encontra-se a cidade
de Xangai como o novo pólo urbano e económico da China, onde a modernização
funcional acompanha uma modernização simbólica.
O recente e rápido desenvolvimento de uma indústria de construção e a
ausência de uma referência com suporte em conceitos claros e um vocabulário
próprio na arquitectura contemporânea chinesa, começa a pôr em causa a
identidade de Xangai, que por muito tempo foi garantida pelo lilong, a tipologia
urbana típica desta cidade.
A pressa de alcançar o futuro e o esquecimento das mais válidas soluções do
passado em Xangai são contrapostas neste trabalho através de uma análise tipo-
morfológica sobre o lilong que pretende demonstrar as mais valias que esta
tipologia apresentou para a identidade de Xangai e que continua a apresentar para
as novas concepções da habitação urbana.
Centrado no tema da habitação urbana, o propósito desta prova final é
demonstrar a vitalidade e a capacidade do lilong em proporcionar princípios
conceptuais pertinentes no desenvolvimento da habitação urbana, não só em
Xangai como no Ocidente, uma vez que esta tipologia se adaptou às diferentes
temporalidades e culturas do mundo.
O lilong apresenta-se como um elemento de fulcral importância nestas
dicotomias entre habitação/cidade, espaço urbano/doméstico e colectivo/
individual.
8
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe o estudo do lilong como tipologia definidora da
identidade e forma urbana de Xangai e como referência para a arquitectura
contemporânea. Para tal, este ensaio utilizará uma análise tipo-morfológica sobre o
lilong em confronto com a história da habitação urbana ocidental, a fim de clarificar
os seus valores e a aplicabilidade destes no processo criativo de futuros projectos
de habitação urbana contemporânea.
A escolha deste tema deriva de uma angústia pessoal resultante da verificação
do estado de declínio e da desvalorização do lilong que presenciei quando estive
em Xangai no âmbito da disciplina de projecto Ville et Patrimoine en Asie sobre
Xangai da École Nationale Supérieure d'Architecture de Paris-Belleville (ano de
Erasmus 2006/2007).
A arquitectura como arte não se desenvolve no tempo de forma casual.
Necessita de recorrer a referências arquitectónicas antecedentes indispensáveis ao
acto de projectar. Cada obra é o produto de várias referências, resultante das
experiências e conhecimentos de outras obras, arquitectos e culturas, assim como
também é uma potencial referência para posteriores projectos. Deste modo, entre
diferentes projectos existem determinados caracteres que se repetem. Estes
caracteres, com um carácter de “recorrência”, são os que são pretendidos
encontrar no lilong, como tipologia residencial, valorizando-os como uma referência
significativa na concepção da forma urbana do habitar contemporâneo.
Compreender a tipologia urbana implica perceber a história política, económica,
social e cultural da cidade que lhe deu forma, uma vez que é caracterizadora da
identidade da cidade que lhe deu origem. Neste âmbito, o primeiro capítulo
pretende inserir a tipologia urbana de Xangai, o lilong, no contexto histórico,
político, económico e social da cidade chinesa. Serão abordados, portanto,
aspectos sobre o espaço urbano e a arquitectura tradicional típicos e únicos da
cultura chinesa para facilitar a análise tipológica do lilong que se sucede.
O estudo do lilong como tipologia definidora da identidade de Xangai será
abordado ao longo do segundo capítulo, a partir da análise e da avaliação dos
factos arquitectónicos concretos da tipificação e dos vários modelos do lilong.
Contudo, não se pretende uma análise por semelhança de identidade de funções,
mas sim por semelhança de situações arquitectónicas, ou seja, uma associação
conceptual através de projecto a fim de encontrar a estrutura conceptual desta
tipologia. Com este fim será abordado o modelo que deu origem ao lilong, a sua
transformação e evolução. Para tal, este capítulo foi dividido segundo os momentos
marcantes da evolução da tipologia e auxiliares na sua definição.
10
A tipologia residencial foi considerada pelos modernistas como o principal factor
na estruturação da forma urbana da cidade. Nesta linha de pensamento, dedicou-
se o terceiro capítulo à análise morfológica do lilong a fim de definir os diferentes
elementos que constituem a forma urbana característica de Xangai e as relações
que estabelecem entre eles, ou seja, o padrão urbano que lhes é inerente, para
completar a análise tipo-morfológica.
Analisado o lilong como tipologia e forma urbana de Xangai, pretende-se no
quarto capítulo confrontar o seu tipo com as tipologias da habitação urbana
contemporânea que apresentam princípios ordenadores de projecto semelhante
aos do lilong, a fim de que este ganhe credibilidade como estrutura conceptual de
referência à projecção de novas residências contemporâneas. Para atingir este
objectivo, o critério utilizado foi o conceito/processo “mat-building”, uma vez que
aborda temas actuais da arquitectura e da sociedade presentes em alguns
projectos contemporâneos e porque, como processo, este apresenta princípios
ordenadores de projecto semelhantes ao lilong.
Houve, no que foi anteriormente exposto, a intenção de insinuar que o lilong é
um mat-building, mas, como o trabalho pretende confrontar duas culturas
diferentes no âmbito da arquitectura contemporânea e o lilong responde a este
processo, é pertinente confrontar alguns projectos mat-building com a tipologia
urbana de Xangai.
O lilong caracterizou desde cedo a identidade urbana de Xangai e, por isso, o
segundo campo de estudo será o de estabelecer pontes entre esta tipologia e a
arquitectura contemporânea. Dedicou-se, então, o quinto capítulo a questionar o
papel das suas premissas na definição do espaço doméstico segundo as
transformações sociais, culturais, tecnológicas, que definem o habitar ocidental de
tendência global, implícitas também nos mat-building.
Para percebermos melhor as falhas e virtudes dos conceitos do lilong, dedicou-
se o último capítulo ao teste da aplicação prática dos conceitos derivados da
análise tipo-morfológica e do confronto entre o lilong e a arquitectura
contemporânea, através do projecto teórico-prático realizado na disciplina Ville et
Patrimoine en Asie, em Xangai. Ainda que as experiências académicas não sejam
aceites como prova de qualquer teoria, por derivarem de conhecimentos limitados
às mesmas, apresentam soluções possíveis a problemas colocados, assim como
deixam questões no processo aberto de projecto.
O trabalho é apresentado como um possível resultado projectual para o estudo
da habitação urbana, uma vez que as limitações do exercício restringiam-se à
análise em grupo sobre o lilong e às condições morfológicas do terreno.
11
LILONG, TIPOLOGIA URBANA DE XANGAI, UMA REFERÊNCIA PARA A ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA
* Todos os excertos ao longo do trabalho cuja fonte não está na língua portuguesa foram por mim
traduzidos, estando retirados em anexo no final deste trabalho.
* As palavras em cinza claro que, por vezes, aparecem ao lado do texto correspondem a tópicos
primordiais dos respectivos sub-capítulos ou capítulos.
12
Mapa das Concessões estrangeiras em Xangai (1904)
13
I. XANGAI NA CHINA [1368-1940]
CONTEXTO GEOGRÁFICO
A imagem de uma pequena cidade de pescadores que se converteu, depois da
implantação dos estrangeiros, na fascinante metrópole chinesa dos inícios do
século XX, é ainda hoje a imagem mítica de Xangai. O sentido etimológico da
palavra Xangai gravou esse mito, uma vez que, devido à sua posição geográfica,
conseguiu uma postura estratégica no comércio marítimo e fluvial, a qual ficou
gravada como (Xang) “em cima” e (ai) do “mar”.
Como podemos observar, a cidade portuária situa-se num lugar-chave do
território chinês, ou seja, a meia distância dos dois pólos de desenvolvimento
(Pequim-Tianjin a norte e Hong Kong a sul) e no desemboque do Yangzi o qual
atravessa todo o País de oeste a este e comunica Xangai à região do Jiangnan1.
O território de Xangai compôs-se por muito tempo, portanto, por uma rede
fluvial (rios e canais de água) que tinha como principais objectivos impedir as
inundações assim como irrigar melhor a planície composta por terras agrícolas ricas
em arroz e peixe2.
A rede de canais de água e a produção agrícola permitiu que, na época do
Confecius, ou seja, na dinastia da Primavera e Outono (721-481 a.C.), Xangai
pudesse inscrever-se numa rede económica e cultural das pequenas cidades de
água, que compunham a região do Jiangnan. Esta situação privilegiada a uma
escala nacional serviu de trunfo na ascensão de Xangai.
Durante muito tempo, o território da cidade de Xangai compreendia apenas a
parte Oeste do rio Huangpu de 500m de largura, enquanto que a outra parte do rio
foi construída, no início do século XV na dinastia de Ming, através de uma vasta
rede de canais de água e afluentes do Yangzi, o qual teve o nome de Puxi. Só a
partir do século XIX e XX, depois de ter sido promovida como a nova zona
económica (no início de 1990 pelo Primeiro ministro Zhu Rongji), é que esta ampla
planície foi urbanizada como parte da cidade de Xangai, a qual mudou o nome para
Pudong.(ver fig.2 capítulo VI)
1 A região de Jiangnan compreendia Jiangsu a norte, Xangai ao centro Este e uma parte de Anhui, e
a sul Zhejiang. GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de
doctorat, EHESS, Paris, 1997, p.25 2 SCHOENAUER, Norbert, 6000 años de hábitat: de los poblados primitivos a la vivienda urbana en
las culturas de oriente y ocidente; trad. Josefina Frontado, Barcelona, Gustavo Gili, 1984, p. 197
Xangai
Fig.1 O delta do Yangzi 6000 anos a.c, e o
lago Tai, a meio da zona pantanosa (azul claro). O pontilhado é o traçado actual do território de Xangai.
Fig.2 Mapa da China.
Fig.3 O lado direito do rio Huangpu correspon-
de a Puxi em 1931.
14
O rio Huangpu, que separa portanto o território em dois, tem um traçado
curioso resultante da junção, no século XV, de dois rios: um deles era o rio Suzhou,
que vinha do lago Tai, e o outro era o Dongjiang, alimentado pelo lago Ding.3 A
forma como Xangai organizou a sua rede de canais e o rio Huangpu, determinou,
com a implantação de postes militares, mercados, templos e edifícios públicos, a
sua função como cidade comercial em vez de capital administrativa.4
No fim do século XI, Xangai adquire o título administrativo de cidade (Zhen),
com o respectivo imperador responsável pelas taxas dos barcos comerciais. Esta
cidade-comerciante inscrevia-se, já na época, numa rede dupla composta por uma
estrutura urbana e administrativa de trocas comerciais que integrava a capital da
província, Songjiang, as prefeituras, os distritos, as aldeias e a erudita malha de
canais fluviais que serviam de vias de transporte, de irrigação e de esgotos.5
Em 1292 durante a prefeitura de Songjiang, Xangai converte-se num distrito
(xian) com cinco sub-prefeituras que pouco depois veio a acolher o escritório
imperial responsável pelo comércio do ultra-mar, que lhe facilitou o crescimento da
região e o reconhecimento da sua importância política e económica na China. Esta
ascensão permitiu-lhe construir uma muralha desde a dinastia Song (1127-1279)
até à dinastia Ming. Mas, é só na dinastia de Ming (1368-1644) e Quing6 (1644-
1911) que Xangai consegue desenvolver o seu comércio e a sua paisagem, através
do crescimento dos canais e rios como vias de trocas primordiais para o
desenvolvimento urbano.
Ainda com os ataques frequentes dos piratas que impediam o comércio nas
zonas costeiras, Xangai conseguiu, em 1685, sobre o imperador Kangxi, reforçar a
sua posição dominante nas trocas comerciais, através de uma taxa de interdições
sobre o comércio marítimo e da implantação da alfândega (1730) no cruzamento
das cinco e maiores rotas marítimas do país. Esta posição comercial veio reforçar a
cultura especializada do algodão e a fabricação dos produtos têxteis reputados em
Xangai.
No século XVIII, a cidade deixa de ser uma zona de influência regional e passa a
centro comerciante portuário de vocação internacional, superando as prefeituras
vizinhas, Songjiang e Suzhou, devido aos administradores ou governadores da
cidade e às corporações responsáveis pelo comércio que controlavam o
crescimento económico e urbano da cidade.
3 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op.cit., p.40 4 Ibid., p.34 5 GED, Françoise, Shanghai, collection, Portrait de ville, suplemento à Archiscopie nº9, 2000, p.14 6 De todos os impérios da China, o império de Quing é aquele que atingiu maiores dimensões e que
conseguiu um crescimento considerável de riquezas interiores chinesas superior aos outros países
da Ásia, devido ao seu poder comercial e artesanal e ao crescimento da população. O Império
Chinês representava assim a maior potência do continente asiático. GED, Françoise, Shanghai:
habitat et structure urbaine1842-1995 ,op.cit. ,p.40
Fig.4 A azul está o rio Huangpu que desagua
no leito Dongjiang (1325-1400).
Fig.5 As cinco sub-prefeitura de Songjiang na
dinastia de Ming: a cidade amuralhada, Songjiang, ao centro e a nordeste, perto do rio Huangpu, estava a sub-prefeitura de Xangai.
Fig.6 O território de Xangai na dinastia Song
(1127-1279). O rio Sonjiang a Norte e o
huangpo, paralelo ao anterior, a sul.
15
Enquanto que os administradores adoptavam a posição de governador em
cada circuito (daotai),7 as corporações ou associações, (huiguan e gongsuo)8,
foram as que permitiram o desenvolvimento económico e urbano de Xangai.
Porém, quem permitiu o desenvolvimento apenas urbano, foram as
corporações locais, na medida em que dispunham de vastos terrenos fora da
muralha para a construção dos templos dedicados ao deus do lugar, as cenas de
teatro, jardins, escritórios, hotelarias, cemitérios, e também eram elas que loteavam
os terrenos e alugavam as casas construídas para os seus compatriotas originários
do mesmo país. As associações ficaram responsáveis pelas trocas comerciais (chá,
carvão, soja, açúcar, etc.)
Tal como disse Françoise Ged, em relação às corporações: “Estes tiveram
duplo título, a de arquitectos de extensão urbana, ao mesmo tempo motores de
desenvolvimento económico o qual estava ao alcance das redes assentes sobre
uma relação identitária do país de origem, e verdadeiros construtores da cidade,
dos seus edifícios de prestígio como das construções ordinárias.”9.
7 Como cada província da dinastia de Quing subdividia-se em circuitos, para cada um havia dois
administrador, um responsável por recolher os impostos dos cereais e de lançar as taxas de
transporte das mercadorias, e o outro, desempenhava a função mais civil e administrativa, Ibid.,
p.39 8 Idem 9 Ibid., p.42
Fig.7 A antiga região do Jiangnan: Xangai, Zhejiang, Jiangsu e uma parte de Anhui.
16
Fig.8 Representação contemporânea de Xangai na dinastia de Ming.
Fig.9 A rede de canais de água e a muralha do distrito de Xangai na dinastia de Quing.
17
XANGAI, ANTES DA CHEGADA DOS OCIDENTAIS
As pequenas cidades actuais de água do Jiangnan, como Tongli, Nanxun, Xitang,
Zhouzhuang, situadas a menos de 100Km de Xangai, reflectem, ainda hoje, a
antiga organização urbana de Xangai, composta pelos referidos canais de água,
antes da chegada dos ocidentais: uma sob-prefeitura, que, como cidade
administrativa do império chinês, continha uma muralha redonda10 à qual
circundava uma mancha homogénea de edifícios de madeira e em tijolo revestido a
cal, com telhados de telha cinzenta e poucos edifícios notórios, se comparamos
com outras cidades capitais chinesas. Assim o afirmaram os ocidentais quando
chegaram pela primeira vez a Xangai, em 1849:
“Apercebemo-nos rapidamente que apesar da sua actividade barulhenta na
periferia, Xangai era ainda uma pequena cidade. Quando passámos a muralha, feita
de terra batida com um fino revestimento exterior em tijolo, reparámos que eles
fechavam uma cidade medíocre e que dominavam as periferias sórdidas.”11.
Embora estivesse circundada por um canal à semelhança de Pequim, a forma
da muralha de Xangai, assim como a estrutura da cidade nas dinastias de Ming e
Quing, não seguiam o mesmo modelo das cidades capitais chinesas: muralhas
quadradas, encaixadas por outros quadrados, rodeadas por muros e com uma
fortificação interior para proteger o acesso ao palácio real das suas dependências.
Contudo, tal como outras cidades chinesas comerciantes, a organização da cidade
e os edifícios que definiam Xangai possuíam um grande valor simbólico.
Essa simbologia encontra-se presente nos mapas dos arquivos locais da
época, uma vez que apenas mostravam o elemento muralha e os respectivos
edifícios “oficiais” remarcáveis de uma cidade capital comerciante, sabendo que
nesse período a cidade transbordava a fortificação a sul e a este, ao longo do rio
Huangpu12. Tanto é assim, que Norbert Schoenauer refere:
“(...) isto reflecte-se na linguagem chinesa, a qual não faz a distinção entre “cidade”
e “muralha da cidade”, utilizando apenas uma única palavra para ambas as
ocasiões, cheng. De facto, as ditas fortificações dominavam não só o aspecto
externo da cidade como também o seu interior, todos os edifícios se agrupam
juntamente com os seus respectivos pátios, formando pequenos recintos
separados entre si” 13.
10 A muralha era redonda nas cidades comerciais do sul e quadradas nas cidades-capitais. GED,
Françoise, “Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, in
http://sources.asie.free.fr/espace/culture/inalco-cnrs/habitat/FGed.html (em 15/12/2007) 11 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine 1842-1995, op.cit., p.53 12 Sabíamos da sua existência devido à respectiva densidade das ruas que davam sobre as portas
da cidades, registado nos mapas. 13 SCHOENAUER, Norbert, 6000 años de hábitat : de los poblados primitivos a la vivienda urbana
en las culturas de oriente y ocidente, op. cit., p.199
Fig.10 A periferia rural de Xangai, uma paisagem desenhada que associa edifícios,
campos e canais.
Fig.11 O modelo de cidade administrativa chinesa.
Fig.12 A cidade de Xangai e os seus subúrbios
em 1860.
18
A muralha chinesa não tinha apenas uma vocação política e de defesa como
nos países ocidentais. Ela instituía o espaço urbano, ou seja, não limitava apenas,
mas servia sim de elemento estruturante do espaço construído. Na China, o muro,
ou a muralha, independentemente das condições à realização de um recinto, é a
primeira coisa que um chinês efectua para delimitar o seu lugar de vida14. Segundo
Zheng Zu’an esta simbologia relacionava-se com o poder central: “Na China
imperial, a muralha simboliza a elevação de um centro urbano ao redor do “chefe
do lugar” de um registo (xian).” 15.
Os edifícios oficiais (o Yamen16 e a residência do daotai) também tinham um
carácter simbólico na medida em que eram encomendados pelos governadores
locais que queriam marcar a sua presença na capital dos circuitos comerciais. Para
tal, estes edifícios adquiriam uma posição central em relação ao interior da muralha
de Xangai.
14 GED, Françoise ,”Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, op. cit. 15 HENRIOT Christian, Zu’an Zheng, “Divisions de la ville à Shanghai (XIXe -XXe siècles)” in Les
divisions de la ville, édictions Unesco, édictions de la Maison des sciences de l’homme, p.161 16 O Yamen é a residência oficial dos administradores que desmpenhavam a função civil e
administrativa, característica da cidade capital provincial com muralha. Em 1720, Xangai teve direito
ao Yamen devido à posição estratégica comercial que tinha conseguido. GED, Françoise, Shanghai :
habitat et structure urbaine 1842-1995, op.cit., p.37
Fig.13 A muralha de Xangai com 8m de altura e 4,5Km de perímetro, e os seus principais edifícios em 1840.
1. Yamen do magistrado de Xian 2. Templo do Deus protector da cidade (Chenghuangmiao) 3. Jardim de Oeste 4. Escola
5. Hall dos exames (Wumiao) 6. Templo do Deus da Guerra 7. Instituto das cartas 8. Templo do espírito da fortuna 9.
Pequeno terreno de treino 10. Yamen do administrador do percurso (Daotai) 11. Templo do espírito do fogo 12.
Tongdetang (instituto caritativo) 13. Yingyutang (orfanato) 14. Tongrentang (instituto de caridade) 15. Hongqiao (ponte) 16.
Ponte do sotão a Oeste (Xicangqiao) 17. Residência do comandante da guarnição 18. Templo de Guan De, o deus da
Guerra 19. Porta do Norte 20. Templo de Tianma 21. Alfândegas interiores chinesas 22. Pequena porta de Este 23.
Grande porta de Este 24. Grande porta do Sul 25. Pequena porta do Sul.
19
Embora as instituições literárias, o templo do Confúcio17 e do Deus protector da
cidade, e algumas casas prestigiosas fossem edifícios remarcáveis da cidade, estes
não tiveram direito a uma posição urbana codificada, porque eram construídas
pelas associações comerciais18 que não representavam o poder imperial. Contudo,
mantiveram a sua posição no interior da cidade, não sendo porém central.
Ao contrário das cidades europeias da Idade Média ou do Renascimento em
que os edifícios remarcáveis construídos em pedra e em tijolo continuam hoje
presentes na cidade, na China poucos foram os que ficaram, devido às mudanças
dinásticas das capitais que, na maioria, destruíam para substituir os edifícios oficiais
por outros. No caso das cidades comerciantes, como Xangai, os edifícios
remarcáveis eram escassos, daí apenas existir hoje o jardim Yu19.
A representação de Xangai, como de qualquer outra cidade chinesa, é mais
simbólica que propriamente descritiva. Enquanto que os ocidentais precisam dos
números e dos nomes das ruas para se orientarem no espaço urbano, os chineses
apenas precisam de elementos distintivos, tais como os edifícios oficiais, as portas
e as pontes20.
Esta simbologia não tem apenas uma conotação urbana, pois também na
arquitectura residencial existia uma distinção entre os edifícios segundo a classe
social hierárquica do funcionário. A distinção era feita de acordo com o número e o
tamanho do módulo e do pátio que compunha a casa-pátio, e não segundo a
decoração exterior como acontecia na arquitectura ocidental 21. (fig.17)
Esta hierarquização social também se reflectia no interior das residências
ordinárias. Como a família chinesa era de tipo extensiva e seguia os princípios do
Confúcio22 a organização da casa tradicional chinesa devia marcar “uma distinção
17 O templo de Confecius, fundado em 1260, era composto por uma sucessão clássica de edifícios,
orientados a Norte e de pátio interiores. Ibid., p.44 18 “Estas associações, quando se instalavam, o primeiro que construíam era em general a edificação
de um templo dedicado ao Deus local e o estabelecimento de um cemitério ou um lugar para as
motuárias, e asseguravam o tratamento dos edifícios que abrigassem as diversas actividades
comunas dos seus imigrantes: templos, escolas, instituições caridosas, cais, fábricas. etc.” Idem 19 O jardim Yu, construído entre 1560 e 1578, serviu para abrigar a família Pan. Hoje é ponto de
turismo em Xangai pelos seus jardins tradicionais e pela residência do chá. GED, Françoise,
Shanghai, collection Portrait de Ville, op.cit., p.16 20 HENRIOT Christian, Zu’an Zheng, “Divisions de la ville à Shanghai (XIXe-XXe siècles)” in Les
divisions de la ville, op. cit., p. 170. 21 O enfoque das casas ocidentais viradas para a rua deu resultado a um grande ênfase nas
fachadas. SCHOENAUER, Norbert, 6000 años de hábitat : de los poblados primitivos a la vivienda
urbana en las culturas de oriente y ocidente, p.367 22 Dos seguidores de Confúcio, no século IV a.c., o Meng zi (Mêncio ou Mâncio) e Xun Zi
procuraram compreender o confucionismo dentro de uma perspectiva naturalista. O confucionismo
não é uma religião pois possui, em vez de um credo estabelecido, determinações rituais de carácter
social, que permitem a um adepto do confucionismo a liberdade de crença em qualquer tipo de
sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Confucionismo (em 03/ 05/2008)
Fig.14 Sede administrativa (xian) de Xangai. Dinastia Quing.
Fig.15 Templo do deus protector da cidade
(Chenghuangmiao). Dinastia Quing.
Fig.16 A porta na avenida Gubei, que hoje não existe. Fotografia de 1975.
Fig.17 Pequim: casa de dois patios. Como tinha mais do que um patio, esta casa era
destinada a uma família mais rica. O pavilhão a norte correspondia ao chefe da família, o pai.
20
entre o interior e exterior, o superior e o inferior, o homem e a mulher ”23 Portanto, a
zona mais privada e interior, normalmente situada a Norte, destinava-se ao chefe
de família, e o resto do complexo organizava-se segundo uma ordem hierárquica
familiar.
Na proximidade da muralha e dos canais, localizavam-se as fábricas de cereais,
e no exterior situavam-se as pequenas fábricas e as habitações ordinárias.
Xangai não demorou muito tempo a adquirir as qualidades de uma cidade-
prefeitura em termos paisagísticos e a nível cultural. A sua situação geográfica, a
riqueza das terras e a gradual importância que foi adquirindo como porto regional
principal do negócio do algodão, ao longo do século XIX, serviu de apoio, ao
desafiar o porto de Suzhou24, às corporações que, com o dinheiro vindo do
comércio, investiram em actividades sociais.
Desta forma, Xangai conseguiu uma maior abertura tanto às trocas comerciais
marítimas nacionais como internacionais, Japão ou Coreia.
23 http://fr.wikipedia.org/wiki/Architecture_chinoise (em 27/02/2008) 24 Suzhou tinha perdido o seu papel de centro regional de trocas comerciais no inicio de 1850
devido aos transtornos físicos do rio Amarelo que acabou com o Grande canal, e ao ataque
destrutivo dos Taiping, o que permitiu que Xangai desenvolvesse os seus transportes fluviais. GED
Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.78
Fig.18 A extensão das concessões estrangeiras (1846-1914).
21
AS CONCESSÕES ESTRANGEIRAS:
O DESENVOLVIMENTO URBANO DE XANGAI
Em 1832, o comércio estrangeiro na China era apenas realizado em Cantão pelos
Ingleses que viam este país como um território importante nas trocas comerciais,
isto sem imaginarem a riqueza que os esperava em Xangai.
A assinatura do tratado de Nankin em 1842, consequente da guerra do Ópio25,
facultou, para além do desenvolvimento naval, a abertura forçada dos cinco portos
da China (Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai). Tal acontecimento
possibilitou que Xangai, em 1843, estabelecesse o seu comércio e circulasse numa
rede de relações comerciais entre os países signatários, com uma regularização de
relações de comércio e de navegação estabelecidas a largo tempo.
Esta situação permitiu, com a chegada de pessoas ligadas ao comércio e
transporte de Cantão e Ningbo26, consagrar vários trabalhos aos xangaienses27 que
melhoraram a postura da cidade como porto, no qual transitava mais da metade
das exportações e das importações chinesas.
Em consequência à abertura do porto de Xangai, os ocidentais instalaram-se no
território da cidade como aconteceu nos outros portos. No entanto, a atribuição e a
limitação dos terrenos foram definidos em acordo com as autoridades chinesas e
não segundo um arrendamento limitado por um poder estrangeiro. Daí a atribuição
do nome de “settlement” em inglês e “concession” em francês, ou seja, concessão
em português, aos terrenos governados pelos estrangeiros.28
Em relação à apropriação dos terrenos, as autoridades chinesas sentiram-se
obrigadas a registar uma cláusula, o Land Regulation29. Esta consistia em conceder
o privilégio da extraterritorialidade dos terrenos livres chineses aos ocidentais se
estes os explorassem para fins comercias e de habitação. Esta medida evitava
possíveis confrontos entre as duas culturas.
O Land Regulation fez com que cada concessão criasse o seu próprio sistema
administrativo, composto pelo conselho municipal, por um posto policial e um
controlo das alfândegas, ainda que os terrenos nominalmente dependessem da
25 A chamada Guerra do Ópio (provocada pelo estado chinês aos ingleses que exportavam ópio da
Índia para a China em troca de têxteis) terminou quando os chineses foram obrigados a assinar o
Tratado de Nanquim. Esse tratado fez com que o governo da Inglaterra conseguisse uma série de
vantagens económicas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Nanquim (em 12/03/2008) 26 No início do século XIX, os comerciantes de Ningbu conseguiram uma posição dominante e
controladora de uma grande parte da economia de Xangai através de duas associações, Siming
gongsuo e Shanghai quianye gongsuo. GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine,
1842-1995, op. cit., p.78 27 Trabalhos como: produtores, transportadores, comerciantes e financeiros, 28 Idem 29 O Land Regulation consiste num conjunto de regulamentações sobre a renda fundiária dos
residentes ocidentais, que definiam por oficial os modos de aquisição dos terrenos, os
procedimentos para a eliminação dos santuários ou os modos de percepção das taxas nas
concessões. Idem
Fig.19 O Governo federal sobre a Ribeirinha,
em Xangai (1840). Chegada das mercadorias de Ópio e seu armazenamento ao longo do Bund.
Fig.20 Arsenal do Jiangnan, construído em
Xangai em 1865.
Fig.21 Concessão Francesa 1898.
22
propriedade do imperador. Porém, no que dizia respeito à gestão urbana, cada
concessão e a autoridade chinesa tinham ao seu dispor grupos privados distintos:
para a primeira estavam os representantes das grandes firmas comerciais30 e para
a segunda estavam as corporações que administravam os trabalhos públicos e
cuidados médicos.
Por conseguinte, foram definidos os limites das Concessões em função dos
limites geográficos existentes. Entre 1846 e 1848, foram concedidos os terrenos
dos subúrbios da cidade amuralhada a norte do canal de água Yangingbang (actual
rua Yan’an) à Concessão Britânica31, e, em 1849, a sul desse canal encontrava-se
a Concessão Francesa. As concessões e os bairros chineses estavam limitados, a
este e a norte, pelo Huangpu e o rio Suzhou e, a oeste, pelo o antigo canal Creek.
Ambas as concessões adoptaram uma posição estratégica ao longo do rio
Huangpu. No entanto, a concessão britânica foi a que conseguiu beneficiar de um
largo acesso, pelo rio Suzhou, ao huangpu para atracar os seus barcos do
comércio, que, mais tarde, se reflectiu na sua predominância no comércio exterior.
Os americanos, como foram os últimos a chegar, negociaram uma parte do
território que percorria o Huangpu a norte do rio Suzhou, que, posteriormente, em
1863, depois de obter o estatuto de concessão, se reagrupou à nova concessão
britânica, formando assim a Concessão internacional.32
Os primeiros edifícios a serem construídos nas ruas principais das concessões
(bancos e as companhias de transporte) retomaram as características dos modelos
dos armazéns de Cantão e de Macau, devido aos compradores e negociantes
vindos destas cidades: edifícios com grandes varandas em madeira, com os
escritórios no rés-do-chão e os apartamentos do chefe da firma no primeiro andar.
Nas ruas secundárias localizavam-se os edifícios anexos como as residências, as
lojas e os armazéns.33
Paralelamente, as ambiciosas casas comerciais e os bancos dos ocidentais
foram fixados na larga avenida do Bund (cais), que, por muito tempo, foi o lugar de
chegada de todo o viajante. As fachadas destes edifícios inspiradas no barroco
neo-colonial34, foram as que deram a fama e serviram de imagem representante da
cidade.
30 Por vezes, estes representantes faziam parte do concelho municipal, excepto na concessão
francesa que tinham que se submeter sempre ao consulado que estava por em cima. Idem 31 Os Britânicos foram os que deram forma à administração municipal da concessão em Xangai,
através da palavra Settlement. HENRIOT Christian, ZU’AN Zheng, atlas de SHANGHAI, espaces et
représentations de 1849 à nous jours, Collection Asie Orientale, Paris 1999, p.70 32 O projecto de apenas e única concessão não incluiu a concessão francesa porque o governo
francês preferiu conservar a sua autonomia nacional no extremo-Oriente. GED, Françoise, Shanghai,
collection Portrait de Ville, op.cit., p.16 33 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine,1842-1995, op. cit., p.66 34 Estes edifícios tinham sido construídos pelos obreiros e carpinteiros chineses formados pelos
arquitectos europeus que seguiam o registo neoclássico em vigor na Europa. GED Françoise,
Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.75
Fig.22 O azul corresponde ao rio Suzhou, o
vermelho ao antigo canal Creek, e o laranja ao antigo canal Yangingbang.
Fig.23 Os edifícios importados de Cantão na Concessão francesa.
Fig.24 As fachadas neoclássicas dos bancos e
edifícios comerciais da avenida Bund (1937-1939).
23
A extensão de Xangai tinha quase duplicado com a adjunção das concessões
contíguas à cidade amuralhada e aos seus subúrbios. Em 1914, segundo um
acordo com a missão jesuíta, a superfície da Concessão francesa tinha aumentado
para o dobro, passando de 76 a 145 hectares. A Concessão internacional apenas
teve a sua extensão depois do tratado de Shimonoseki 35, com o pedido em 1896
do consulado britânico às autoridades chinesas. Cada vez mais, as concessões
sentiam a necessidade de obter mais terrenos para construir.
O Land Regulation, que apenas possibilitava a construção de estradas
exteriores na extensão das concessões, foi um pretexto para os ocidentais obterem
mais terrenos para a construção de jardins públicos e lugares de lazer fora do limite
das concessões. No entanto, esta fase apenas permitiu a construção de fábricas e
residências na extensão da concessão internacional, assim como a estação de
comboios que ligava o centro de Xangai ao distrito de Baoshan e a Jessfield Road
(a actual rua de Nankin-oeste), visto que, em 1909, foram negados pelo governador
provincial em Nankin e abolidos depois da Revolução de 191136.37
O conjunto formava, portanto, um território contínuo no seu aperto, mas longe
de ser homogéneo na sua urbanização.
35 O Tratado de Shimonoseki, assinado entre a China e o Japão a 17 de Abril de 1895 na localidade
japonesa de Shimonoseki, pôs fim à Primeira Guerra Sino-japonesa e marcou o final da conferência
de paz entre o governo chinês da dinastia Qing e o governo do Império Japonês.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Shimonoseki (em 12/03/2008) 36 Chama-se de Revolução Chinesa o movimento nacionalista que derrubou a dinastia Manchu
(Quing), em 1911, proclamando a república.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Chinesa (em 12/03/2008) 37 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.120
Fig.25 A cidade chinesa, as concessões e as estradas exteriores: o campo de corridas (amarelo), o arsenal do
Jiangnan (a vermelho) e a Missão Xujiahui (a castanho no lado esquerdo), em 1912.
24
CONTINUIDADE da estrutura rural chinesa
Em Xangai, a compra do terreno era sempre feita por intermédio de outra
autoridade chinesa que não a imperial, um processo tipicamente chinês. Quando
um ocidental comprava um terreno ao proprietário chinês, aquele devia transmitir
ao cônsul da respectiva concessão que, por sua vez, comunicava aos dirigentes da
cidade chinesa para o registo num documento oficial, pelos daotai. 38
Igualmente, tal como na cessão dos terrenos na dinastia de Quing, não era o
proprietário que pagava os impostos e que construía as residências, mas sim o
cultivador, que, neste caso, era o construtor chinês.
Deste modo, os ocidentais eram os proprietários, ou seja, os que compravam e
geriam as operações construtivas no terreno, e os construtores chineses eram os
que loteavam e alugavam as casas construídas e que, portanto, pagavam o
imposto de contrato de arrendamento. As missões religiosas também faziam parte
dos grandes proprietários imobiliários devido à sua especialização nas transacções
imobiliárias e nos empréstimos hipotecários. Como disse Françoise Ged: “Um tal
dispositivo favorece uma dupla especulação, fundiária e imobiliária, beneficiando os
interlocutores distintos, que são uns chineses e outros estrangeiros.”39.
Esses documentos oficiais foram registados em plantas cadastrais detalhadas e
estabelecidos em 1887 na Concessão francesa e em 1900 na concessão
internacional, depois da destruição dos antigos documentos de 1783, pelos
ataques da sociedade do Petit Couteau em 1853.40
38 Este documento oficial de cessão consistia num título de aluguer perpétuo, que não utilizava o
termo de venda, ainda que ficasse registado no nome do proprietário chinês que não tinha nenhum
direito sobre o terreno. Ibid., p.72 39 Ibid., p.18 40 O petit couteau, era uma sociedade que pertencia aos Taiping. O Taiping, foi um Movimento
(1851 e 1864) que, com a revolta popular e messiânica contra a Dinastia Manchu, ficou em 1853
com a sede da cidade chinesa. Esta revolução foi combatida pelas tropas imperiais chinesas com o
auxílio de militares ingleses e norte-americanos. Ibid., p.15
Fig.26 As ruas principais de Xangai, em 1932. Em vermelho estão sinalizados os terrenos vendidos durante o ano
de 1931.
25
Estes títulos oficiais comportavam o nome do proprietário, a superfície do
terreno respectivo por um número de ordem, a localização, e a correspondência
com o número de lote do plano cadastral. Este tipo de registo por parcela,
correspondente ao proprietário ocidental, e por lotes, relativo ao proprietário
imobiliário chinês, foi directamente pensado para estabelecer o cadastro nas
concessões.41
A planta cadastral serve-nos de grande auxílio na análise da forma urbana que
se foi desenhando, uma vez que mostra as sucessivas transformações das
parcelas. Como disse Francisco Barata: “O modo como o cadastro do solo urbano
se subdivide, se redimensiona, se transacciona, se valoriza ou se depaupera está
globalmente ligado ao modelo de cidade que se está construindo, e de uma forma
muito directa ao conceito de espaço público e de estrutura viária que esse modelo
urbano integra.” 42.
A influência ocidental em Xangai não pretendeu transformar a estrutura do sítio,
pelo contrário, houve um “respeito” pelas suas características paisagísticas ao
sobreporem as novas vias às existentes.
Esta continuidade do traçado antigo deve-se ao facto da gestão urbana
pragmática ter sido lançada, não por um homem político ou urbanista, mas sim
pelos membros do Conselho Municipal que, juntamente com os proprietários
fundiários, pretendiam facilitar a ascensão comercial das suas firmas.
Os representantes fundiários sentiram-se obrigados a tapar e alargar a trama
dos canais de água que serviam de limite separador entre as propriedades, porque
se desenhassem as estradas sobre as parcelas dos proprietários, não poderiam ser
recompensados pelo Conselho Municipal.43
Assim, a primeira grelha de ruas da Concessão francesa tentou combinar,
segundo a trama existente, ruas afastadas entre elas de 150m, para poderem
reduzir ao máximo os custos de construção e de expropriação suportada pela
comunidade dos contribuintes.44
Encontramos aqui, portanto, o princípio de construção económico sem
nenhuma planificação de extensão urbana por uma autoridade administrativa. No
entanto, havia uma planificação partidária, relativa a cada concessão, no que dizia
respeito à regulamentação da circulação. Por exemplo, as ruas N-S, situadas na
proximidade do limite de ambas as concessões, deviam distar entre elas 100 a
200m e coincidir na mesma ponte do rio Suzhou, assim como a largura das novas
ruas principais e secundárias devia ser, respectivamente, de 12m e 7,5 a 9m.
41 Estes registos cadastrais serviam para estabelecer as diferentes taxas fundiárias e os impostos
locativos que asseguravam o orçamento do concelho municipal das concessão. Idem 42 FERNADES, Francisco Barata, Transformação e permanência na habitação portuense: as formas
da casa na forma da cidade, 2ª ed. Porto, Faup Publicações, 1999. p.309 43 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.73 44 Ibid., p.126
Fig.27 Evolução do terreno urbano de 1850 a
1930.
Fig.28 A cidade chinesa até ao século XIX.
Trama quadrangular menos regular que a da cidade de Pequim.
26
Porém, foram poucas as ruas que tiveram continuidade. (fig.34) Como diz Christian
Henriot: “Mesmo se os regulamentos procuravam definir as regras de base para a
construção, aqueles resultaram de iniciativas privadas, sem a intervenção dos
poderes públicos para promover qualquer poíitica urbana” 45.
Em consequência, no centro das concessões, formou-se uma trama
rectangular mais ou menos regular relativa à rentabilização da trama existente. Esta
era menos compacta e mais regular quanto mais se afastava do centro. Este facto
devia-se ao afastamento dos canais que possibilitou o desenho de grandes
quarteirões para os bairros mais ricos, que aportavam excelentes benefícios.46
O início do tecido urbano, ao assentar sobre a malha rectangular dos canais de
água, desenhada pelos chineses, permitiu que o seu crescimento seguisse, de
forma legítima, o desenho da trama da cidade tipicamente chinesa. Como refere
Françoise Ged: “Esta marca física herdada da partição rural das terras marca a
cidade e lê-se sobre a planta do traçado das vias dos anos 1980 (...)”47.
Esta irregularidade da urbanização, visível no regulamento de construção das
concessões, no registo das plantas cadastrais e no atlas das ruas de Xangai, deve-
se ao modo de cessão dos terrenos aos ocidentais e à existência de três
administrações municipais concorrentes.
DESCONTINUIDADE da gestão urbana da cidade
A coexistência, na mesma cidade, de três administrações municipais concorrentes
(a francesa, a chinesa e a britânica, mais tarde a “internacional”) sobre a soberania
do Conselho Municipal favoreceu, sem dúvida, o nascimento de uma gestão
municipal original e não unificada de Xangai que durará até à guerra sino-japonesa
de 1945.
Xangai dispunha de dois grandes privilégios para a modernização da cidade
que as cidades Europeias, como Paris e Londres, tinham posto em prática ao
longo do século XIX. Por um lado, existia uma vontade por parte dos ocidentais que
vinham da Europa em modernizar os grandes terrenos da cidade, e, por outro lado,
Xangai apresentava uma amplitude de terrenos livres que, ao contrário das capitais
europeias, englobava o centro histórico que tinha sido queimado e destruído com a
revolta de 185348.
45 HENRIOT Christian, ZU’AN Zheng, atlas de SHANGHAI, espaces et représentations de 1849 à
nous jours, op. cit., p.26 46 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine 1842-1995, op. cit., p. 124 47 Ibid., p.73 48 A tomada da sede da cidade chinesa pela sociedade do Petit Couteau e a conquista da capital de
Nankin pelos Taiping em 1853, fez desaparecer com os subúrbios a norte e a este da muralha,
incluindo-a. Ibid., p.174
1899
Fig.29 Evolução urbana da Concessão
internacional no século XIX. Em laranja estão indicados os dois canais (Creek e
Yangingbang) que foram tapados.
Fig.30 A primeira extensão da concessão francesa. A segunda planta apresenta os quarteirões de 150m de largura.
27
Contudo, as concessões não deram lugar a projectos urbanísticos com uma
envergadura semelhante às das cidades novas que foram construídas de raiz e na
mesma situação de crescimento demográfico e económico que Xangai. Um
exemplo é Nova Iorque, onde, entre 1803 e 1815, se planificou o desenvolvimento
de Manhattan segundo uma grelha quadrangular de 2 928 “blocos”, destinados a
facilitar o desenvolvimento urbano devido ao mercado imobiliário.49
Igualmente, a morfologia urbana de Xangai era desprovida de características
das cidades coloniais orientais construídas no século anterior e organizadas
segundo uma estrita ordem: planta tabuleiro, centrada por uma grande praça
reservada à catedral e à sede administrativa do governo da proximidade com ruas
bastante largas como é o caso da cidade de Hanoi (1888-1890). Também foi
destituída das características das cidades coloniais do ocidente: uma praça
propícia aos desfiles, um castelo militar, uma sede administrativa monumental,
grandes eixos que ligavam entre eles a catedral, o castelo e o palácio do governo,
como poderia ser o caso da cidade de Calcutá (1833-1912).50
Como podemos observar, este modo de gestão urbana é específico das
Concessões e não de uma cidade colonizada tanto no Oriente como no Ocidente.
Ainda que a forma viária e a grelha da cidade de Xangai se pareça com a da cidade
de Manhattan e algumas cidades coloniais, e que os períodos de formação
coincidam, a constituição do espaço urbano não revela o mesmo processo.
Este facto deve-se, por um lado, ao estatuto das concessões que não permitiu
programações urbanísticas ambiciosas como podiam fazer os políticos das cidades
referidas, pois os representantes estrangeiros não tinham ao seu dispor as mesmas
quantidades de terreno, devido às restrições das autoridades chinesas.51 E, por
outro lado, como os três poderes, o religioso, o militar e o administrativo, estavam
separados e desmultiplicados, devido à existência de três autoridades e à discórdia
entre elas, foi difícil pôr em prática uma gestão unificada da cidade.
Este tipo de gestão urbana fez com que, no fim do século XIX e no início do
século XX, o território de cada concessão correspondesse à exportação dos
modelos e dos planos directores de planeamento de cada país signatário (fig.33),52
e que os eixos viários principais da cidade adoptassem a direcção E-O.
A desconfiança por parte das autoridades chinesas sobre a tecnologia e a
supervisão dos trabalhos dos ocidentais53 foi outro factor que dificultou o
desenvolvimento contínuo e coerente das redes de comunicação, assim como o
trabalho das empresas mistas privadas. Contudo, é importante frisar que, mais
tarde, as autoridades chinesas criaram várias companhias que adoptaram essas
49 Ibid., p.126 50 Calcutá, cidade da Índia colonizada pelos ingleses no fim do século XVIII. Ibid., p.79 51 Ibid., p.128 52 Ibid., p.149 53 Estes introduziram a via férrea que ligava Xangai a Wusong e outra a Nankin. Ibid., p.129-130
Fig.31 Hanoi, cidade colonial oriental do
Vietname (capital).
Fig.32 Calcutá, cidade colonial ocidental da
Índia: um forte militar perto do rio, ligado directamente à casa do governador com uma grande praça à frente e situado no limite da cidade e não ao centro.
Fig.33 Podemos afirmar através do desenho
dos lotes muito estreitos das parcelas da concessão francesa, em 1914, que houve uma planificação dirigida à especulação fundiária.
Fig.34 Os eixos principais da cidade de
Xangai, no século XX, (horizontais) revelam a separação administrativa das concessões N-S.
28
tecnologias: a linha de telégrafo, o tramway Huashang dianche gongsi, o organismo
municipal Nanshi (responsável pela construção de estradas), permitindo assim aos
habitantes, sob a autoridade chinesa, a mesma qualidade de vida que nas
concessões.
É importante salientar que a descontinuidade não apareceu apenas em Xangai.
De facto, “Toda a cidade é composta da justaposições de partições, de bairros
cujos pontos de ruptura, os limites e os pontos de referências, nos aparecem mais
ou menos marcados” 54.
Igualmente a administração policêntrica inabitual não impediu a modernização
urbana de Xangai que acompanhou, quase ao mesmo tempo, a evolução das
cidades modernas europeias: “Nas capitais europeias esta modernização
apresentou-se durante meio-século desde 1830, através de um tecido urbano
particularmente denso. Em Paris, graças ao Rambuteau, prefeito da Seine de 1833
a 1848, havia já passeios, a instalação da água e do gás, o desenvolvimento dos
omnibus até à primeira metade do século XIX”55.
OS HABITANTES E OS CONSTRUTORES
O crescimento e o desenvolvimento rápido das concessões que observámos,
deve-se ao grande aumento da população nas concessões e à profissão que
alguns dos migrantes, desse aumento, tinham no país de origem.
Por um lado, as concessões tinham que se prepar para receber os inúmeros
xangaienses e habitantes das províncias vizinhas (Zhejiang e Suzhou) e de Nankin
que tinham escolhido esta parte do território para se alojar, visto que não tinha sido
destruída pelo movimento dos Taiping, que conquistaram a capital de Nankin.
Também, os imigrantes estrangeiros de todo o mundo escolheram a metrópole de
Xangai para se instalarem.
Por outro lado, como uma parte deste afluxo de imigrantes correspondia aos
negociantes vindos de Jiangsu, Fujian (em 1860) e de Cantão que exerciam outras
profissões que não a comercial, foi possível, em conjunto com os outros imigrantes,
contribuir para o desenvolvimento urbano das concessões.
Deste modo, tínhamos os negociantes que exerciam a profissão do país de
origem: “os carpinteiros de construção naval vinham de Cantão, os que levavam o
carvão de Ningbo, os riquexó56 do Subei, os pedreiros e carpinteiros de Ningbo ou
Shaoxing”57. E os outros imigrantes serviam de mão-de-obra para a construção de
residências e outros edifícios, assim como para a construção de vias públicas, cais
54 Ibid., p.172 55 Ibid., p.133 56 O riquexó é um meio de transporte de tração humana em que uma pessoa puxa uma carroça de
duas rodas onde acomodam-se mais uma ou duas pessoas. pt.wikipedia.org/wiki/Riquex%C3%B3 (em 16/03/2008) 57 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine 1842-1995, op. cit., p.111
Fig.35 A linha de comboio Wusong-Xangai, em 1987.
Fig.36 A população estrangeira maioritária na
Concessão internacional, de 1900 a 1920.
Fig.37 Habitat de tipo cantonês importado em
Xangai: comércio no rés-do-chão e habitação no primeiro andar.
29
e saneamento. Por último, estavam os promotores de empresas privadas
estrangeiras58 que financiavam estas obras.
Esta situação tendeu para uma organização do território similar à da cidade
medieval europeia59, em que a unidade habitacional coincidia com o local de
actividade produtiva, uma vez que os imigrantes se instalaram segundo a sua
profissão ou a sua nacionalidade. Assim o afirmou Françoise Ged:“ As redes
cruzadas constituídas pela profissão ou pelo lugar de origem, resultavam das
apropriações distintas da cidade: as pessoas de Ningbo estavam instaladas na
Concessão francesa a norte da cidade chinesa (...) ”60.
O tecido de Xangai começou, assim, a densificar-se junto ao Huangpu até à rua
do Tibet pelos refugiados de Nankin que se agrupavam em unidades de habitação
e de trabalho compactas, e, na extensão das concessões tínhamos um tecido
menos denso e mais verde correspondente às grandes villas com jardim dos
estrangeiros que ocupavam grandes quarteirões regulares. Portanto, sobre uma
mesma trama homogénea maleável, existia um misto de arquitectura variável
segundo o trabalho e a nacionalidade dos imigrantes.61
Xangai tinha, então, conseguido uma posição dominante, regional e nacional,
pouco depois do tratado de Nankin, graças aos emigrantes estrangeiros e
chineses. Por um lado, tínhamos os residentes estrangeiros que procuravam o
lucro dos terrenos e as oportunidades comerciais, através da construção de
grandes redes de comunicação e de edifícios comerciais. Por outro lado tínhamos,
sobre a segurança lançada pelas concessões, uma grande quantidade de
residentes a viverem em pequenos lotes sobre e por “detrás do seu trabalho”.
Como as fachadas das ruas principais estavam reservadas às actividades
comerciais, e como haviam tantas pessoas a alojar, sem interromper a
continuidade funcional da estrutura viária urbana, nasceu o primeiro protótipo de
uma nova tipologia colectiva, o Lilong. Esta tipologia teve origem nas primeiras
construções temporárias de elevada densidade realizadas pelos ingleses, no interior
desse limite comercial. Uma vez reconhecido como um grande benefício por parte
do seu progenitor, foi rapidamente desenvolvido a larga escala como tipologia de
Xangai e adaptado aos novos conhecimentos tecnológicos (materiais e sistemas
construtivos), sociais e culturais importados pelos estrangeiros, tornando-se assim
na identidade urbana de Xangai.
58 Em 1852, foram instaladas quarenta companhias privadas estrangeiras de gás, de água e de
electricidade que mais tarde, em 1867, atingiram um total de trezentas. Ibid., p. 134-136 59 Na cidade medieval europeia prevalecia a casa gótica-mercantil composta pelo habitáculo da
unidade familiar sobre o local para a actividade productiva. MARTI ARIS, Carlos, Las formas de la
residência en la ciudad moderna : vivienda y ciudad en la Europa de entreguerras, 2ª ed. Barcelona,
Ed. UPC, 2000, p.15 60 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine 1842-1995, op. cit., p.111 61 Idem
Fig.38 Os bairros de favelas dos imigrantes
chineses situam-se ao arredor das concessões e perto dos bairros industriais, (Zhabei e Nanshi), assim como ao longo do rio Suzhou e do Huangpu.
Fig.39 Os primeiros Lilong, de Xangai em
madeira e tijolo, associam o comercio no rés-do-chão com a habitação no primeiro andar
(1880).
Fig.40 Um exemplo de quarteirão de Lilong, em 1939, As letras em cinzento correspondem
à habitação, e as mais escuras ao comércio.
30
V Vista aérea, a rua secundária, e a rua principal de um Lilong
31
II. LILONG, A IDENTIDADE URBANA DE XANGAI
TIPO E IDENTIDADE
A identidade de uma cidade relaciona-se com as características do conjunto
edificado que a define62, especificamente com a tipologia de habitação, devido a
esta assumir uma posição primordial no processo de formação e estruturação da
cidade, e por ser a forma urbana que representa um modo de viver de um povo.
O facto da casa representar um modo concreto de viver de um povo e a cultura
deste resultar de um processo lento de transformação, permitiu que a casa ao
marcar a presença daquele na cidade definisse a identidade da mesma. Esse
processo lento de transformação da casa foi redigido por Viollet de Duc no
dicionário da arquitectura: ”Na arte da arquitectura, a casa é, desde logo, o que
melhor caracteriza os costumes, os gostos e os usos de um povo; a sua ordem,
como a sua distribuição, não se modifica mais que ao longo de muito tempo.” 63.
As formas de habitar, ao criarem vínculos com a sociedade e a cultura que lhes
deu origem, estão a adquirir um sentido, uma identidade. No âmbito do tema da
identidade dos factos urbanos, K. Lynch também relacionou “o sentido do lugar” à
identidade: “A forma mais simples do sentido é a identidade, no significado
restringido do término usual: ”um sentido do lugar”. A identidade é o grau em que
uma pessoa pode reconhecer o lembrar um sítio, ou excepcional, ou pelo menos
particular ”64.
Como o sentido do lugar e da forma de habitar de uma cidade se ganha com o
tempo e com o contacto com a sociedade, impõe-se recorrer ao estudo do tipo
dessa forma urbana para encontrarmos a identidade da cidade, visto que o tipo é
uma estrutura conceptual e não formal: “de correspondência entre o espaço
projectado ou construído e os valores diferenciais que lhe atribui o grupo social ao
qual é destinado ”65.
62 FERNADES, Francisco Barata, Transformação e permanência na habitação portuense: as formas
da casa na forma da cidade, 2ª ed. Porto, Faup Publicações, 1999, p.60 63 EUGÈNE-EMMANUEL, Viollet-le-Duc, “Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XI au
XVI siècle”, [1867-1873], in ROSSI, Aldo, La arquitectura de la ciudad, Editorial Gustavo Gili
Barcelona, 1999, p.126 64 LYNCH, Kevin, La buena forma de la ciudad, Gustavo Gili, Barcelona, 1985, p.101 65 DEVILLERS, Christian, “Typologie de l’habitat et morphologie urbaine”, [1974], in FERNADES,
Francisco Barata Transformação e permanência na habitação portuense: as formas da casa na
forma da cidade, op. cit., p.49
32
Como afirmou Aldo Rossi: “O tipo vai-se construindo, pois, segundo a
necessidade e segundo a aspiração de beleza; único e no entanto variadíssimo em
sociedades diferentes e unido à forma e ao modo de vida.”(...) “algo permanente e
complexo, um enunciado lógico que se antepõem à forma e que a constitui ”66.
Portanto, o tipo da forma de habitar de uma cidade contém o sentido de um
povo, a identidade da cidade do mesmo.
Nesta linha de pensamento, identificar o significado etimológico do Lilong seria
um princípio para perceber o seu sentido, uma vez que as palavras chinesas são
ideogramas, ou seja, sinais que transcrevem um significado e não um som como as
outras escrituras67, e porque os caracteres chineses desenvolveram uma
percepção do mundo menos “literal” que as escrituras alfabéticas.
O sentido etimológico antigo em chinês de Li significa um bairro composto por
25 a 110 famílias governadas por um chefe, que actualmente têm dois significados,
a de bairro ou uma distância de 576m. E as ruas que serviam esse bairro tinham o
seu significante no Long.68 Portanto o Lilong, etimologicamente, corresponde a um
padrão definido por um conjunto de habitações associadas a um serviço particular
de uma rede de ruas internas.
Para um ocidental que está habituado a cidades onde os edifícios são
identificados segundo a sua forma, o seu estilo e Época, o significado revelado no
carácter Lilong parece-lhe estranho. No entanto, quando aquele visita o Lilong pela
primeira vez não o identifica pelo seu estilo mas sim pela sua unidade urbana que
não é um quarteirão nem a parcela como identidade jurídica (como a casa do Porto
do século XIX). Assim o descreveu Zheng Zu’an: “O lilong representava uma forma
de organização do espaço característico do tecido urbano em Xangai” 69 .
Deste modo, o que é característico do Lilong não é o estilo dos edifícios, mas
sim o seu padrão específico que conseguiu dar uma identidade à cidade de Xangai
(1860-198070). Este sentido do Lilong, reconhecido globalmente pela escrita e pela
sua permanência e extensão, por quase todo o tecido urbano de Xangai, (fig.1)
permite-nos afirmar que existe um tipo que se foi construindo com o tempo e com
as pessoas.
66 ROSSI, Aldo, La arquitectura de la ciudad, op. cit, p.78 67 Este tipo de compreensão da escrita apenas tem uma semelhança com a nossa no que diz
respeito aos algarismos, uma vez que o sinal “5” é compreensível por todos os ocidentais, daí que
os portugueses dizem “cinco”, os franceses “cinq”, etc. Ou seja, os ideogramas chineses podem ser
lidos sem saber os pronunciar. CYRILLE J, D Javary e Alain Wang, La Chine nouvelle, Petite
encyclopédie Larousse, Abril 2006, p.25 68 As definições que se seguem foram retiradas do dicionário chinês francês do Instituto Ricci, no
livro: CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport
de recherches, I.F.A., Paris,1988, p.146 69 HENRIOT Christian et ZHENG Zu’an, Atlas de Shanghai, Espaces et représentations de 1848 à
nos jours, op. cit., p.42 70 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995,op. cit., p.137
Fig.1 A vista aérea sobre a actual “cidade antes amuralhada” comprova o carácter homogéneo
e unitário do padrão dos Lilong (“Google” Abril 2008).
33
Para o estudo dos tipos está a tipologia que “(...) analisa a forma arquitectónica
na sua autonomia, mas procurando compreender os vínculos que estabelece com
a sociedade e com a cultura, amplamente entendidas.”71.
A tipologia estabelece, então, a correspondência entre a forma e a época onde
aquela foi produzida, sem referir a questão da utilidade ou da funcionalidade, para
encontrar a essência do tipo edificado. Para tal: “parece necessário submeter os
diversos tipos de edificação a uma investigação básica, perguntando, por exemplo:
“O que é uma igreja?” em vez de:”Como é uma igreja?””72.
Esta questão remete-nos para o estudo do tipo edificatório através da história e
da análise tipológica para chegar a uma resposta não formal mas sim ao conceito
estrutural da arquitectura, ao seu sentido. “Neste sentido, história e tipologia são
como dois aspectos complementares uma vez que, enquanto a história mostra os
processos de transformação, a análise tipológica espera ao que nesses processos
permanece de idêntico.(...) A essência pode ser então, interpretada como o
conjunto das potências inerentes à coisa e as mudanças podem ser interpretadas
como a actualização de essas potências”73.
A definição de tipo faz, portanto, referência a um conjunto de características
comuns identificáveis a diferentes formas que nos permitem reconhecer as suas
similaridades e princípios estruturais que lhe dão significado. Esse significado, no
caso das formas de habitar, é o que pela sua singularidade caracteriza a identidade
da cidade.
Nesta linha de pensamento, definiram-se três parâmetros de análise tipológica
que acompanham as diversas variantes que permitiram a evolução do Lilong na
história urbana de Xangai: encontrar o modelo que deu origem ao tipo e aprofundar
o processo de transformação do tipo de habitação unifamiliar em habitação
plurifamiliar; depois aprofundar a sua matriz tipológica e, por último, analisar a sua
adaptabilidade.
A análise tipológica será utilizada como um método e não como uma categoria,
uma vez que não são as características físicas do Lilong que se pretendem
encontrar, mas sim as conceptuais que permitem novas soluções arquitectónicas.
71 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, 1ª ed.
Barcelona, Serbal, 1993, p.81 72 SCHULZ CHRISTIAN, Norberg, Intenciones en Arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona,
2001, p.58 73 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad: ensayo sobre el tipo en arquitectura, op. cit.
p.22
34
DA CASA-PÁTIO CHINESA AO LILONG
Para responder ao fluxo crescente da população e ao desenvolvimento económico,
num contexto onde dominava um generalizado “laisser faire” administrativo, os
promotores privados chineses e estrangeiros decidiram desenvolver uma forma de
habitar inspirada nas casas-pátio tradicionais dos campos de Jiangsu e de
Zhejiang.
Com a revolta dos Taiping uma grande parte dos imigrantes, incluindo as sedes
das corporações que se responsabilizavam pelo alojamento e construção dos
edifícios de habitação, vinham de Jiangsu (fig.2).
Nesta situação de pressão de alojamento, o mais eficaz a construir foi o tipo de
habitação a que esses imigrantes estavam habituados e sobre os quais tinham
mais conhecimentos construtivos. Assim o afirmou Françoise Ged: “As sedes das
corporações, que simbolizavam o poder da cidade ou das regiões donde vinham,
traduziram as características do seu respectivo “país” pela sua arquitectura.” 74.
Desta forma, as primeiras companhias imobiliárias75 a aparecer foram as
chinesas, compostas por imigrantes dessas duas zonas, as quais utilizavam como
mão-de-obra os artesãos originários da sua cidade.76
Rapidamente, essa forma de habitar, inspirada nas casas-pátio do Jiangsu e de
Zhejiang, transformou-se numa nova tipologia, o Lilong (1860 até 1930).77
O VELHO SHIKUMEN Primeiro nível do desenvolvimento do Lilong
Em 1860, nasce a primeira génese do Lilong, o “Shikumen”. Inicialmente construído
na proximidade Este da “antiga cidade” chinesa para as grandes famílias dos
proprietários mais ricos, o Shikoumen foi rapidamente orientado pelos principais
princípios do modelo de habitação tradicional chinês e os de contiguidade, de
alinhamento e de repetição europeus. Hoje, são poucos os exemplares que existem
deste modelo.
O princípio de organização da planta de tipo extensivo e da estrutura em
madeira do Shikumen teve como base o modelo doméstico chinês - o Siheyuan,
dominante nas regiões sudoeste da China, incluindo Jiangsu e Zhejiang. A
referência ao modelo Siheyuan deve-se à necessidade de uma construção rápida e
com poucos gastos que pudesse albergar o mesmo tipo de família extensa desse
modelo, que tinha acabado de chegar em Xangai.
74 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995,op. cit., p.111 75 Em 1870 apareceu uma companhia imobiliária chinesa composta por proprietários de Zhejiang.
Mais tarde em 1888, começaram a aparecer firmas imobiliárias estrangeiras como a Yeguang. Ibid.,
p.143-144 76 Idem 77 CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport de
recherches, op. cit., p.152
Fig.2 As origens da população da Concessão
internacional eram de outras províncias, que não a de Xangai (1900 a 1920).
Fg.3 A fachada interior da casa-pátio tradici-
onal chinesa, na zona de Zhejiang.
Fig.4 O modelo tradicional Siheyuan.
1. pátio 2. alpendre 3. sala de estar 4. quartos 5. cozinha
35
Fig.5 O MODELO O “VELHO SHIKUMEN” ZHAO FULI (1880). A sua estrutura compõe-se por duas paredes medianeiras situadas no fim este e no fim oeste de cada unidade, com
lajes assentes sobre vigotas em madeira, e um misto de paredes compostas por pilares de madeira e preenchidas em
tijolo. A carpintaria retomou o vocabulário tradicional no que diz respeito ao cruzamento das balaustradas, aos painéis
amovíveis que seccionavam o espaço, e às portadas de madeira das portas e das janelas.
1.sala de recepção
2.quartos
3.cosinha e despensa
36
O Shikumen adoptou a forma de um edifício introvertido de dois pisos, de
planta organizada por módulos, de simetria rígida e virada para o pátio interior a sul
de recepção, o “Ke”. Sobre este espaço giravam todos os compartimentos da
casa: o compartimento principal (jian78), situado na zona central em frente ao pátio,
e mais dois compartimentos secundários (shang), ambos situados um de cada lado
do jian. O compartimento central era utilizado para vestir enquanto que o
secundário funcionava como quarto e biblioteca. Cada modelo variava depois no
número de jians segundo o prestígio e a riqueza de cada família.
A orientação N-S da casa-pátio tradicional também foi respeitada, visto que o
modelo Shikumen foi construído pelos chineses que, por questões climáticas e
protectoras de fluxos, preferiam o pátio a sul porque assim este estava protegido
pelo edifício a norte.79
O pátio chinês, em relação ao da casa-pátio tradicional do ocidente
(georgianas), tinha um carácter mais privado, porque este era utilizado para
trabalhos domésticos e a jardinagem, e não para a diversão pública familiar.80
Neste sentido, o pátio foi incorporado neste modelo do Lilong para marcar o nível
de penetração dos domínios mais íntimos e internos da casa.
Como as casas do Shikumen eram agrupadas em banda, no interior dos
quarteirões do tecido urbano, foi necessário um sistema interior hierárquico de ruas
que permitisse comunicá-las entre elas e o exterior do conjunto. Esse sistema é
composto por uma rua N-S de principal acesso de veículos, bicicletas e peões, e
por várias ruas secundárias E-0, mais estreitas, de segundo acesso de bicicletas e
peões às respectivas casas. (fig.16)
Em relação ao modelo Siheyuan, o Shikumen incorporou a norte do volume
principal um outro de apenas um piso relativo à cozinha e às despensas. A
comunicação entre os dois volumes era feita através de uma passagem estreita
que servia de pátio de serviço e de poço de luz e ventilação. A introdução dessa
passagem fez com que aparecesse uma segunda entrada que não existia no
Siheyuan, a entrada de serviço.
A entrada mais formal, que limitava a parte sul do pátio principal, era fechada
por um muro alto de 5m e rematada por um frontão em arco de pedra de influência
europeia. Este remate foi o que deu o nome ao Shikumen: Shi significa em chinês
pedra e men porta. Também significava a parte e o todo, ou seja, a habitação e o
loteamento.81
78 Um jian é um vão, uma faixa compreendida entre duas paredes. 79 A disposição N-S relaciona-se com a arte Feng Shui chinesa que avalia a natureza e o conteúdo
das correntes que atravessam um lugar, de maneira a poder instalar-se nele aproveitanto os fluxos
benéficos e evitando os fluxos desfavoráveis (o vento). CYRILLE J, JAVARY D. e WANG Alain, La
Chine nouvelle, Petite encyclopédie Larousse, Abril 2006, p.19 80 SCHOENAUER, Norbert, 6000 años de hábitat : de los poblados primitivos a la vivienda urbana
en las culturas de oriente y ocidente; op. cit., p. 247 81 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.140
Fig.6 A fachada exterior do modelo “o velho Shikumen”.
Fig.7 O modelo “velho Shikumen” Zhao Fuli.
Fig.8 A passagem de serviço do “velho
Shikumen”.
37
O pátio da entrada principal como a passagem de serviço, para além de
iluminarem e ventilarem, foram concebidos como uma forma tradicional de
individualizar duas actividades domésticas: uma, mais íntima, relacionada com os
compartimentos de estar e dormir, e outra, mais colectiva, exposta à preparação
da cozinha e outros serviços.
Portanto, os dois pátios não só possibilitavam a passagem como também
funcionavam como espaços intermédios, entre o colectivo e o íntimo, o que
facultou o atravessamento sucessivo dos compartimentos em vez da separação
entre eles. Igualmente, os painéis amovíveis que seccionava os jians, as portas do
pátio principal, permitiram essa passagem entre compartimentos.
No Renascimento italiano (século XVI), os espaços na arquitectura doméstica
também se sucediam uns aos outros através da existência de mais de uma porta
em cada compartimento e da sua organização simétrica. Contudo, existia uma falta
de distinção qualitativa entre a passagem e os espaços habitados no interior da
casa, devido ao modo de vida submergido nas relações sociais colectivas,
representadas na pintura através da sinalização dos gestos carnais das
composições das figuras82.
Este problema dos “compartimentos de passagem” foi revelado em Inglaterra,
meio século mais tarde, por Robert Kerr83, e reconhecido nas casas das classes
mais ricas que continham uma rede penetrante de espaço de circulações
diferenciadas84 (a do habitante e a do empregado) que chegava a cada um dos
compartimentos da casa. O requerimento universal de privacidade e a conjugação
dos espaços de passagem tinha-se estabilizado.
No entanto, só em 1928, com o projecto da “ Casa Funcional para a vida sem
fricção” de Alexander Klein, realizado numa agência de habitação, é que se
conseguiu uma planta que conciliasse a vertente do Renascimento em Itália com o
de Inglaterra85: a interconexão entre os compartimentos e a distinção qualitativa
entre a passagem e os espaços habitados.
Como podemos observar neste projecto, “os movimentos necessários” das
pessoas de compartimento para compartimento podiam ser distintos e sem se
82 A pintura de Rafael revela uma valorização dos sentimentos e do reconhecimento do corpo como
pessoa que, se sobrepõe ao fundo, à arquitectura. EVANS, Robin, "Figures, Doors and Passages",
[1978], in Translations from Drawing to Building and Other Essays, Architectural Association,
Londres, 1997, p.55-91 83 Robert Kerr, arquitecto inglês do século XIX, advertiu no seu livro “The Gentleman’s House” (1864)
o inconveniente dos “compartimentos de passagem”, Idem 84 A aplicação mais concreta desta disposição organizativa, foi o projecto Coleshill Berkshire (1650-
67) de Sr. Roger Pratt o qual defendeu no seu livro de arquitectura essa separação entre a
circulação dos empregados da dos habitantes. Idem 85 Em Inglaterra foram menos receptivos ao incipiente Renascimento italiano. Idem
Fig.9 As portas do pátio principal. Vista do interior do jian para o pátio. Museu “Xintiandi-Shanghai”, sobre o Shikumen.
O “ESPAÇO COMPOSTO”
Fig.10 Palácio Antonini, Udini, de Andrea
Palladio (1556). A passagem de espaço para
espaço.
Fig.11 A casa funcional para a vida sem
fricção, de Alexandre Klein (1928). Os segundos desenhos correspondem à investiga-ção e à sua conclusão.
38
tocarem. Atente-se ao exemplo da casa-de-banho associada ao quarto e à zona
de serviço (cozinha e sala).
A organização dos espaços do modelo Shikoumen com um jian, também
seguiu esse princípio de contiguidade que evitava o cruzamento entre as pessoas,
porque a zona familiar estava separada da zona de serviço por umas escadas e por
duas entradas diferentes associadas a um pátio de transição que favoreceu a
privacidade familiar e promoveu a colectividade na passagem de serviço.
Em suma, os espaços de transição do modelo Shikumen asseguram uma
mudança de estatuto do espaço que, segundo a pesquisa levada a cabo por DEA
de Xu Yinong sobre as cidades do sul, funciona em toda a arquitectura e cidade
chinesa. Para melhor compreendermos este facto, analisemos a noção do espaço
chinês, a do “espaço composto” (fuhe kongjian), desenvolvida na pesquisa de Xu
Yinong:
“A existência do espaço composto liberto (...) de um intermediário que une dois
espaços opostos, (...) portanto o espaço assegura uma função de combinação ou
de mediação(...) através dos espaços exteriores naturais, entre os espaços da
aldeia e da comunidade, depois, entre os espaços das ruas e ruelas, e a seguir as
ruas do habitat e do pátio, até ao espaço interior. A variação e a ligação de esta
série de espaços formam o sistema do espaço composto que multiplica os níveis
de arquitectura vernacular chinesa. Cada nível para a natureza do espaço adapta-
se à medida do parâmetro ”86.
Os elementos transitórios, correspondentes aos elementos intermediários
relacionados com a “superfície” (como as portas de correr) ou com o volume (o
pátio e as ruas interiores do habitat), são aqui revelados como os definidores da
noção do espaço interior e a do espaço exterior, porque ao permitirem a transição
conseguem marcar a diferença entre os espaços e a sua fluidez. Portanto a noção
de exterior e de interior faz-se através da transição e não da distribuição.
Deste modo, os espaços de transição “indicam os usos cada vez mais
privativos e restritivos dos espaços”87 permitindo a passagem progressiva do
exterior em direcção ao interior.
Este processo de organização do espaço designa-se, segundo Françoise Ged
86 Tese de DEA de Xu Yinong, “O conceito do espaço composto tradicional na China, pesquisa
sobre a relação entre “interior” e “exterior” e o seu fundamento cultural na arquitectura vernacular
nas seis províncias do sul da China”, [1989 e 1990], in LIANG Zhang, La naissance du concept de
patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus, édictions recherches, 2003, p.177 87 Idem
Fig.12 A representação das diferentes cir-culações das pessoas e o seu cruzamento nos espaços do “velho Shikumen”.
Fig.13 O processo de emboîtement no tipo Siheyuan (casa-pátio em Pequim).
Fig.14 Dois painéis amovíveis seccionam o
shang num espaço bibliotecário, entre outros. Cada painel não chega a tocar o tecto.
Fig.15 As ruas interiores do “velho Shikumen”.
39
por emboîtement88, porque o espaço (interior) é definido em relação ao espaço que
o contém (o exterior) através dos espaços intermédios que ficam entre os dois.
Por exemplo, no Shikumen o espaço exterior público é o espaço que está fora
das unidades habitacionais e/ou comerciais que limitam o Lilong, e o espaço
interior corresponde às casas-pátio. Entre as duas unidades fechadas (a casa-pátio
introvertida e o todo, Lilong) está o sistema de ruas interiores que fazem a transição
progressiva do público até ao mais privado.(fig.16)
Para um ocidental, estar nessas ruas interiores do Shikumen significaria estar no
exterior da casa-pátio e não num espaço menos privado, como o é para os
chineses. As noções habitualmente opostas entre o dentro e o fora, o interior e o
exterior são na China controladas pelo aspecto psicológico e cultural
intrinsecamente relacionado com a instituição social e os regulamentos rituais: “O
homem habita no exterior, a mulher habita o interior; o palácio é profundo, a porta
dos “boudoirs”89 está fechada hermeticamente, o guardião controla.”90.
Igualmente, Eliel Saarinen tinha a opinião de que os espaços interiores podem
situar-se dentro de outros espaços interiores, como é o caso dos cerramentos
dentro dos cerramentos que caracterizam o templo egípcio, uma vez que o “edifício
não é mais que “a organização do espaço no espaço. Como o é a comunidade.
Como é a cidade.””91.
Compreender o espaço chinês e a sua respectiva representação é difícil, visto
que não segue a mesma lógica ocidental. Enquanto que os artistas ocidentais,
depois do Renascimento, começaram a representar e a organizar linearmente o
espaço conforme a intensidade do afastamento, o espaço construído chinês era
escolhido segundo uma lógica multi-focal.
Uma “axonometria chinesa” não representa necessariamente a mesma escala
dos planos sucessivos, mas sim privilegia um ou outro espaço de acordo com o
papel que é o seu no conjunto do sítio considerado. Segundo esta regra, imensas
escalas de compreensão podem ser encaradas simultaneamente. A lógica não é
binária mas sim evolutiva.92 (fig.18)
88 Emboîtement corresponde, segundo Françoise Ged, ao processo de organização do espaço
interior e exterior que, compreende a colocação hierárquica de um espaço fechado dentro de outro
espaço fechado (tal como as bonecas russas) e assim sucessivamente, resultando espaços
intermédios entre os fechados. GED, Françoise, “Exterieur-Interieur, le mur d’enceinte en Chine”, in
op. cit. 89 Toucador (espécie de mesa, em cima com um espelho, para servir a quem se touca ou penteia). 90 Ibid., p.178 91 Eliel Saarinen, “Search for Form”, [1948], in VENTURI, Robert, Complejidad y contradicción en la
arquitectura, Editorial Gustavo Gili, SA, Barcelona, 1974, 1978, p.111 92 GED, Françoise, “Exterieur-Interieur, le mur d’enceinte en Chine”, in op.cit.
Fig.16 A organização do espaço do Shikumen,
Zhao Fu Li, através do processo emboîtement. A gradação dos cinzas corresponde à gradação do espaço exterior, público, ao
espaço interior, mais privado.
Fig.17 O espaço perspéctivo. Praça do
Capitólio, de Miguel Ângelo (1536-1546).
Fig.18 Como podemos observar na representação chinesa do Jardim do mandarim
Yu (1559), em Xangai, o palácio de té é focalizado através de uma axonometria que se vai torcendo ao seu redor, e de um aumento
de escala em relação ao resto.
40
Fig.19 NOVO SHIKUMEN BAO KANG LI (1900).
1. Sala de recepção
2. Quartos
3. Cozinha
41
O NOVO SHIKUMEN (construído até 1920)
Em 1895, com o tratado de Shimonoseki entre a China e o Japão, implantou-se a
manufactura de indústrias nos portos abertos, o que favoreceu a fixação de
grandes centros industriais e económicos nas concessões.
Esta situação, juntamente com o constante crescimento da população,
acrescido pelo aumento dos refugiados das pobres províncias vizinhas, fez com
que o dono dessas manufacturas nacionais desenvolvesse uma parcela de terreno
em lotes93, para a construção de um novo modelo de lilong de arrendamentos
baratos para os seus trabalhadores. Como esse novo modelo manteve a mesma
fachada que o anterior, foi denominado por “o novo Shikumen”.
O novo Shikumen não só abrigou os trabalhadores fabris como também as
famílias não tradicionais de pequeno tamanho resultantes da desintegração das
famílias tradicionais numerosas, após a queda da dinastia Quing em 1911.
Os fracos rendimentos dessas famílias e o seu tamanho obrigaram a que o
anterior modelo Shikumen fosse modificado para se adaptar a lotes urbanos mais
compactos e com menor espaço. Esta mudança fez aumentar rapidamente a
especulação imobiliária e a inflação, assim como o uso eficiente dos terrenos se
tornou uma preocupação, reflectida na forma urbana que este novo Shikumen
assumiu no território de Xangai.
Como as casas que compunham o Lilong dependiam do lote que, por sua vez,
dependia da forma e da dimensão da parcela, esta funcionou como a principal
condicionante da forma de todas as variantes desta tipologia. Assim, quando um
Lilong tinha uma forma mais orgânica era porque tinha sido construído segundo
várias parcelas, ou seja, o sistema de ruas interiores correspondia aos antigos
caminhos que separavam as parcelas entre si (nº 90 da fig.20). E, quando o Lilong
apresentava um traçado regular das ruas interiores, era porque tinha sido
construído de uma só vez sobre uma única parcela (nº74 da fig.20).
Quando as concessões começaram a ter ao seu dispor um certo número de
terrenos, que tinham sido pedidos às autoridades chinesas, as companhias
imobiliárias começaram a investir em operações de grande envergadura como foi o
caso do novo Shikumen, inserido numa parcela de um hectar ou mais. O aumento
da parcela que incorporava este modelo, permitiu conseguir, em relação ao anterior
modelo, um serviço de ruas mais largas e em maior número e uma combinação
mais racional entre o construído e o não construído, sempre e quando se
preservasse uma certa densidade de construção. (fig.16 e 19)
Sob estas circunstâncias, este modelo alterou-se para um esquema mais denso
e com áreas e pé-direitos mais reduzidos. A planta deixou de ter dois shang e um
jiang para passar a ter apenas um jian menos profundo, de frente a um pátio.
93 O loteamento foi sempre utilizado como um instrumento essencial na constituição dos tecidos
urbanos de fundação nova, como nas cidades coloniais, devido ao seu papel de ocupar espaço
com o máximo de eficácia de forma a alojar muita gente. Uma estratégia com fins económicos.
GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995,op. cit., p.149
Fig.20 O loteamento da Concessão Francesa
no início do século XX. Em vermelho estão as ruas N-S de acesso à parcela, que foram aproveitadas para a rua principal do Lilong.
Fig.21 Ambas as plantas foram extraídas do
atlas de Xangai 1947. Representação do comércio (azul) e dos lotes.
Fig.22 O “novo Shikumen” Dongxi Siwen Li. Acrescentos das habitações sobre a rua
principal.
Fig.23 Fachada sul do “novo Shikumen”. A
ocidentalização começou-se a sentir na decoração da fachada: varandas em madeira e frontões arabescos em cimento e em tijolo.
42
Somente as unidades finais de uma banda de casas, ou seja, as que limitavam a
parte este e oeste do Lilong, é que mantiveram um dos dois shang.
O estreitamento do apartamento, associado à vontade de rentabilizar o terreno,
fez mudar o antigo padrão horizontal para um padrão mais vertical, o que ajudou na
diferenciação das funções: o piso térreo foi usado para as actividades colectivas
familiares e o segundo e terceiro para as actividades mais privadas. Também a
estrutura do telhado foi substituída por um sistema mais ligeiro e estável de
influência ocidental, devido ao estreitamento do vão.
Deste modo, mudou-se a inclinação do telhado da zona principal da casa para
45º, o que permitiu a junção de um mezanino (tingzitian) no último piso, e, na parte
de serviço do volume acrescentou-se, sobre a cozinha, um piso para um quarto de
aluguer aos imigrantes das províncias vizinhas que vinham sozinhos à procura de
trabalho.
A diferenciação entre a zona de serviço a norte e a zona principal a sul
manteve-se94, mas, desta vez apareciam inseridas num mesmo volume devido ao
desaparecimento da passagem de serviço colectiva. A passagem de facto não
desapareceu, mas foi sim substituída por um pátio de serviço privado situado entre
a zona principal e a cozinha, que também servia para ventilar e iluminar.
Neste sentido, o tipo de organização favoreceu o alojamento de mais de uma
família no mesmo lote: “Um jian podia satisfazer indiferentemente as necessidades
de uma família ou de vários compatriotas que sub-alugavam os compartimentos
disponíveis, segundo os seus rendimentos. Aqueles orientados a sul eram mais
caros que os que davam a norte ou dos “tingzitian” com dimensões reduzidas”95.
Os pisos do volume principal como tinham um pé-direito superior aos do
volume de serviço fez com que este recebesse um terraço na cobertura plana.
A diferenciação de altura dos dois volumes e a diminuição da altura do muro do
pátio (4m) facultou uma maior iluminação e ventilação das ruas e do rés-do-chão
das unidades introvertidas.
Com a imigração de companhias comerciantes em Xangai, o novo Shikumen
revelou a originalidade de conseguir agrupar o comércio no rés-do-chão das
unidades habitacionais que limitavam, o lado exposto dos Lilong às ruas ou
avenidas principais. Normalmente, estas unidades habitacionais substituíam o pátio
da frente pelo comércio e atrás colocavam a reserva. A combinação de residência e
trabalho permitiu dinamizar e proteger o interior do Lilong. (fig.28)
Embora este princípio tenha aparecido também nas cidades dos portos
abertos, como Hangzhou ou Wuhan, devido ao contacto que tiveram com as ideias
e o saber-fazer dos estrangeiros, as tipologias dessas cidades não conseguiram
controlar tão bem os espaços livres e os construídos, porque os estrangeiros não
tiveram a mesma experiência que a dos de Xangai. Assim, o habitat das cidades
94 A diferenciação volumétrica e da altura do pé-direito dos dois volumes foi conseguida através das
escadas que ao articularem os meios pisos conferiu unidade ao apartamento. 95 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.146
Fig.24 O “novo Shikumen”, Dongxi Siwen Li (1916). As duas faixas em vermelho correspondem aos apartamentos dos
extremos deste modelo (este ou oeste), e o amarelo é a unidade que se repete.
Fig.25 O corte do “novo Shikumen”, Dongxi Siwen Li (1916). O amarelo corresponde ao
mezanino, o castanho ao quarto de aluguer e o verde à cozinha.
Fig.26 O pátio de serviço. Habitualmente, no
topo está uma placa de madeira que, através de um sistema tradicional, se fechava em caso de chuva ou frio.
Fig.27 O terraço na cobertura plana da
cozinha do novo Shikumen.
43
chinesas antigas que não tiveram um desenho estrangeiro europeu chamava-se de
hutong (originários de Pequim) e os pequenos loteamentos isolados com ruelas
largas e rectilíneas, situadas nas antigas concessões, eram denominados de Lilong.
O Lilong tornou-se, portanto, no habitat colectivo popular de Xangai, resultante
de uma forma especulativa chinesa do habitat aplicado a um loteamento fechado
inspirado no modelo tradicional, o Siheyuan. Este, como obra acabada que se
pode repetir96, serviu de regra e de referência no loteamento e construção das
casas Shikumen que, pela primeira vez, estavam associadas a uma trama de ruas
introspectivas que lhes possibilitou o acesso, a ventilação e a iluminação. Este tipo
de loteamento também não teve antecedentes nos países ocidentais, ainda que os
edifícios evocassem as terraced-house ou as row-house anglo-saxónicas, as quais
emprestaram os sistemas construtivos.
Os modernistas também recorreram ao estudo das casas unifamiliares como
modelo para a formação de uma tipologia de habitação urbana que se adaptasse à
posição do novo homem na cidade97. Dado que a casa individual é uma unidade
em si mesma que se pode repetir e que responde a um tipo de habitar, os
arquitectos utilizaram-na como referência na concepção de apartamentos nos
edifícios plurifamiliares.
“Pode afirmar-se que a arquitectura aparece quando o indivíduo transcende a
situação ambiental específica e reconhece os princípios que podem servir para
resolver também outras tarefas análogas. De um conjunto de situações específicas
abstraem-se formas significativas e elementos ordenadores que tornam possível
uma planificação mais geral. Algumas destas formas podem denominar-se
“arquetípicas”, pois representam os significados originais da experiência humana”98.
A noção de arquétipo surge aqui como o modelo primordial, o Siheyuan que
formalizou certos princípios que se tornaram característicos de determinado
programa ou conteúdo, originando o tipo (o Lilong). O tipo (o Lilong) aparece,
portanto, “no próprio momento em que a arte do passado cessa de se propor
como modelo condicionante do artista criador”99, ou seja, com o novo Shikumen.
Desse modo, em cada formação das tipologias urbanas existe sempre um
antecedente, um modelo que, pelas suas características, pode repetir-se e
sucessivamente transformar-se dando origem a um tipo.
96 “o modelo (...) é um objecto que tem que repetir-se tal e qual como é” de Quatremère de Quincy,
in ROSSI, Aldo, La arquitectura de la ciudad, op. cit. p.78 97 MARTI ARIS, Carlos, Las formas de la residência en la ciudad moderna : vivienda y ciudad en la
Europa de entreguerras, 2ª ed. Barcelona, Ed. UPC, 2000, p.46 e 48 98 SCHULZ, Christian Norberg, Arquitectura Ocidental: la arquitectura como historia de formas
significativas, Barcelona, Gustavo Gil, 1983, p. 228 99 FERNADES, Francisco Barata, Transformação e permanência na habitação portuense: as formas
da casa na forma da cidade, op. cit., p.39
Fig.28 A inserção do comércio no “novo
Shikumen”.
Fig.29 Terraced-house determinadas no século XVII, correspondem às casas em banda.
Fig.30 Vista aérea sobre os Hutong, Pequim.
Hans Scmidt, Casa Schaeffer, Basileia, 1927.
Fig.31 Hans Schmidt. Estudo para uma
agrupação de vivendas estandardizadas, 1927.
44
A MATRIZ TIPOLÓGICA DO LILONG
O NOVO TIPO LILONG xinshi lilong (1920-1949)
A cidade de Xangai, nesta época (1920-1930), era já considerada como pólo
económico, assim como pólo intelectual e político de primeiro plano.
Depois do movimento do 4 de Maio de 1919100, a metrópole encontrou-se em
confluência com diferentes correntes ideológicas (nacionalismo, comunismo,
liberalismo) e os intelectuais. A escolha do que se devia manter e mudar na cultura
chinesa era o tema preferencial, uma vez que as várias correntes de pensamento
podiam exprimir-se através de diversas sociedades, revistas literárias, jornais,
romances e até novelas.101
A destinação social tinha, portanto, mudado em direcção a uma classe da
sociedade composta por compradores, estrangeiros, intelectuais e empresários
chineses. Segundo Françoise Ged, Xangai tinha atingido o verdadeiro
cosmopolitismo de algumas cidades ocidentais: “A cidade dos anos 1920-1930, a
mais conhecida do grande público devido às múltiplas imagens divulgadas no
cinema, através dos romances, das gravuras ou das histórias dos viajantes, tornou-
se numa identidade complexa, uma verdadeira metrópole onde a agitação das
populações, tanto chinesas como estrangeiras, misturava culturas múltiplas” 102.
Esta ocidentalização promoveu a criação do “novo tipo Lilong” na parte oeste
das extensões das concessões, onde o tecido urbano era mais regular e menos
denso. Cada quarteirão tinha, então, mais do que um Lilong com, pelo menos, dois
lados que davam sobre a rua. Esta situação deu origem a formas irregulares no
Lilong assim como impediu que este estivesse limitado nos seus quatro lados pelo
comércio, uma vez que já não ocupava todo o quarteirão.
Como este modelo providenciou melhores instalações no interior (lareira,
banheiras, fogões, mobiliário de alto nível, o chão da cozinha em betão103) tornou-
se o mais favorável e o mais bem sucedido das variantes do Lilong, daí ter sido o
modelo de Lilong que mais se construiu, o que mais durou na história (de 1920-
1949) e o que, portanto, lhe deu o nome.
100 As enormes concessões, feitas pelo governo chinês ao Japão, vieram a público por ocasião da
Conferência de Paz de Versalhes (França, 1919) provocando indignada reacção na população
chinesa que, no dia 4 de Maio de 1919, professores e estudantes de Beijing saíram às ruas para
protestar. Os protestos propagaram-se também em Xangai. Este acontecimento possibilitou a
propagação do marxismo-lenismo e sua combinação com a prática da revolução chinesa,
preparando a ideologia e os dirigentes para a fundação do Partido Comunista da China.
www.marxists.architexturez.net/portugues/dicionario/verbetes/m/movimento_04_maio.htm
(em 29/07/2008) 101 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.166 102 Ibid., p.170 103 O regulamento de incêndio elaborado de 1920-1930 exigiu que o chão das cozinhas fosse
revestido por materiais de qualidade, como o cimento entre outros. Ibid., p.197
Fig.32 A fachada do lado esquerdo corres-ponde à fachada norte do “novo tipo Lilong” de
um jian.
Fig.33 Fachada Sul do “novo tipo Lilong” com um jian e meio.
Fig.34 Fachada Sul do “novo tipo Lilong” com dois Jian.
45
(extraída da planta cadastral da Concessão Francesa de 1941).
(extraída da planta cadastral da Concessão francesa de 1941). Fig.37 Num mesmo quarteirão (ex: 234) podíamos ter vários Lilongs e de diferentes variantes (o Lilong Jardim, a vermelho, e o Lilong apartamento borboleta, em amarelo, partilhavam a mesma rua N-S de acesso). Quando o Lilong não compartilhava o seu sistema de ruas com outros Lilong, tinha pelo menos dois dos seus lados que davam sobre
as ruas do quarteirão (Lilong verde). O limite comercial ao longo do quarteirão foi mantido.
Fig.35 Localização do sitio em estudo.
Fig.36 A repartição do solo na última
extensão Oeste da concessão francesa em 1914. As últimas extensões corres-pondem a uma trama menos densa com quarteirões maiores e regulares (quar-
teirões 232,232,233,234), compostos por parcelas de tamanho regular perpen-diculares às vias principais e secundárias.
O resto do traçado resultou de uma tra-ma tanto agrária como artificial (trama quadriculada de canais e de caminhos
paralelos).
46
A sua reputação deve-se também à oferta de escolha que proporcionou no
mercado imobiliário, a qual oferecia diferentes modos de organização dos
compartimentos e da circulação, traduzida no número de jians que compunham o
apartamento ( um jian, um jian e meio, dois jian) e na nova combinação de repetição
do apartamento.
Composição: um jian
No caso do modelo composto por um jian, a diferenciação entre as duas zonas (a
principal e a de serviço) e a sua localização no volume foi mantida, assim como os
respectivos pátios e a cozinha. Contudo, os compartimentos multiplicaram-se e
adoptaram uma função precisa, como a casa-de-banho, a sala de estar, a sala de
jantar e espaços abertos como varandas e terraços.
Composição: um jian e meio
Em relação aos anteriores modelos, este tentou introduzir meio jian para resolver a
circulação horizontal e a falta de privacidade, que, para os ocidentais e a nova
classe mais rica, era um problema. O meio jian correspondia, assim ao corredor de
circulação que incorporou as escadas e melhorou a ventilação no interior. É
importante referir que as escadas na vertical articulavam os meios pisos.
Composição: 2 jian
A localização do hall de escadas, neste modelo, foi mudada mais para norte (ao
lado da entrada de serviço) e para o centro da planta com o objectivo de, através
dele, os habitantes poderem aceder a todos os compartimentos. Esta mudança e a
permanência das escadas que articulava os meios pisos não só tornou benéfico
que mais do que uma família pudesse habitar a mesma casa (uma família em cada
andar e o trabalhador no quarto de aluguer que ficava a meio piso), como também
permitiu uma maior flexibilidade na sua utilização.
Deste modo, a largura do lote aumentou e o seu comprimento diminui, o que
possibilitou uma melhor ventilação e iluminação no seu interior, um pátio espaçoso
e uma maior abertura na fachada principal. Esta expressão de uma nova forma de
vida aberta no edificío (mezanino, varandas, terraços) foi conseguida através dos
muros portantes em tijolo.
Os três modelos, em relação aos anteriores, foram reagrupados segundo uma
combinação modular de dois apartamentos simétricos e não de apenas um. (fig.43)
Contudo, foi mantida a organização interna composta pelas ruas hierárquicas que
comunicava o agrupamento de casas em banda, o duplo acesso, a orientação N-S
dos apartamentos e das unidades comerciais.
* Nota: Esta legenda serve também para as seguintes plantas deste capítulo:
1.Sala de estar 2.Sala de jantar 3.Cozinha 4.Quarto 5.Hall 6.Escritório 7.Serviços 8.Garagem
Fig.38 “Novo tipo Lilong” de um jian: Mei Lan
Fang (1920-25), 1andar.*
Fig.39 “Novo tipo Lilong” um jian e meio: Jin Gu Cun (1929), 2 andares.*
Fig.40 “Novo tipo Lilong” dois jian: Jingan Bieshu (1920-30), 2 andares.*
Fig.41 “Novo tipo Lilong” dois jian: Jingan Bieshu, primeiro andar.*
47
Apesar das transformações construtivas104, decorativas e volumétricas, a
essência do tipo do Lilong manteve-se, visto que o tipo não corresponde a
princípios formais (como vimos no início deste capítulo), mas sim a um conjunto de
características comuns e identificáveis que nos permitem reconhecer as
similaridades estruturais entre o Shikumen e o novo tipo, e identificar os princípios
que constituem esta tipologia.
Uma vez que o tempo é o principal elemento de análise que permite encontrar
os “caracteres de necessidade e de universalidade”105 definidores do tipo,
utilizámo-lo para podermos observar, através da evolução e transformação do
primeiro modelo do Lilong até este novo tipo, a permanência e a consistência de
alguns princípios lógicos e ordenadores. Como estes princípios foram constantes
no tempo, em diferentes variantes, conseguiram “expressar uma ideia de
arquitectura geral e permanente”106: o Lilong como tipologia urbana de Xangai.
Por conseguinte, o tipo “é a estrutura conceptual, a matriz de organização
espacial que está presente, mesmo com distintas soluções formais, num
determinado conjunto de obras que se seleccionam com um objectivo
específico”107.
Nesta linha de pensamento, podemos dizer que o tipo do Lilong corresponde à
seguinte matriz: o princípio de transição progressiva do espaço familiar (o privado)
ao espaço urbano (o público) através de elementos intermediários, semi-privados e
semi-públicos, que permitem o atravessar sucessivo hierárquico dos diferentes
espaços que organizam esta tipologia.
Esses elementos intermediários, correspondentes à superfície e ao volume da
tipologia, são os seguintes: o duplo acesso N-S (o de serviço e o formal), os dois
respectivos pátios N-S, e o sistema de ruas hierárquico (a rua principal e as ruas
secundárias).
Esta tipologia conseguiu, portanto, unidade e coerência urbana, porque os
elementos estruturantes do tipo do Lilong estavam regidos por uma ordem
hierárquica que, vinda da lógica social tradicional chinesa de organizar o espaço
(Siheyuan), acompanhou a evolução desta tipologia.
104 Em 1920 até 1930, começou-se a introduzir os novos materiais de construção como madeira e o
betão. Ibid., p.101 105 ROSSI, Aldo, “La Arquitectura de la ciudad”, [1976], in FERNADES, Francisco Barata,
Transformação e permanência na habitação portuense: as formas da casa na forma da cidade,
op.cit.,p.44 106 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, op.
cit., p.21 107 FERNADES, Francisco Barata, Transformação e permanência na habitação portuense: as formas
da casa na forma da cidade, op.cit., p.35
Fig.42 O “novo tipo Lilong” Mei Lang Fang.
Fig.43 O “novo tipo Lilong”, Jin Gu Gun. A combinação modular de dois em dois
apartamentos.
Fig.44 O “novo tipo Lilong” Jingan Bieshu.
48
A ADAPTABILIDADE DO LILONG
A cidade de Xangai rapidamente incorporou uma nova imagem moderna típica das
cidades ocidentais. Por um lado, houve a necessidade de estender o território das
concessões e de reconstruir em altura devido à especulação imobiliária e fundiária.
Por outro lado, as novas actividades culturais, sociais e comerciais reclamavam
edifícios específicos, tais como: grandes comércios, lugares de distracção, edifícios
industriais, universidades, hospitais, etc. 108
A representação da nova vitalidade da cidade, através da arquitectura, aliciava
tanto as corporações ricas ou as grandes firmas estrangeiras, como a nova
sociedade urbana, composta pela burguesia ocidental e por uma clientela chinesa
aberta à multiplicidade das culturas da metrópole, tal como afirmou Françoise Ged:
”Estes estavam dispostos a consumir produtos importados, a divertir-se nos
lugares de diversão integrados nos próprios edifícios, ou simplesmente curiosos de
saborear um cocktail estrangeiro no bar do terraço-jardim do grande centro
comercial. Frequentar os bares ou os halls dos grandes hotéis significava também
aderir à modernidade que simbolizava a cidade”109.
Desta forma, grandes edifícios comerciais foram construídos ao longo da rua
Nankin110, por grandes empresas de arquitectos estrangeiros como Lester,
Johnson e Moriss e o arquitecto Elliot Hazzard, entre outros, relacionados com uma
nova geração de empresários chineses que competiam com as sociedades
estrangeiras no domínio dos negócios. Esta variedade de diversão que tinha
começado com os “clubs” reservados aos Ocidentais111 direccionou-se
posteriormente a um público mais alargado (cinemas, salas de jogos e de dança).
A mestria técnica adquirida para a edificação dos grandes centros de diversão,
também se repercutiu na construção da habitação de mais de dez pisos, que
anteriormente estava interdita pela falta de resistência mecânica do solo e de
companhias imobiliárias de grande êxito.
Deste modo, foram construídos edifícios de habitação de ritmos verticais e
horizontais de estilo europeu, como a arte-deco, o tipo espanhol, o francês, entre
outros, pela grande imobiliária Chinesa, a Foncim112, visto que dispunha de grandes
108 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.191 109 Idem 110 Entre muitos, foram construídos o Sincere (Xianshi) em 1915-1917 pela agencia Lester, Johnson
et Moriss, o Wing On (Yong’an) por Elliot Hazzard em 1916-1918 e em 1930 foram construídos o
Sunsun (Xinxin), o Dalu, o Sun Cº (Daxin). Ibid., p.192 111 Todos estes edifícios seguiam a mesma exigência europeia dos regulamentos de segurança e
contra-incêndio. Ibid., p.192 112 Imobiliária fundada em 1920, na avenida 9 Edouard VII (actual rua Yan’an) e criada por M. Fano
quando chegou a Xangai em 1902 como agente imobiliário do Banco Indochina. Ibid., p.207
Fig.45 Publicidade em 1949.
Fig.46 O Club de Shanghai (1930-1939).
Fig.47 Apartamento Astrid Mansions.
49
arquitectos como Léonard e Veysseyre e René Minutti, assim como engenheiros da
China Land e Building Cº.113
A partir de 1930, começou a construir-se, a oeste das Concessões, os edifícios
de habitação de seis a dez andares com uma fachada e organização interior
semelhante aos edifícios de apartamentos ocidentais da mesma época (ex: o
edifício Astrid Mansions). Paralelamente a esses edifícios imponentes, construíam-
se os edifícios de habitação integrados numa paisagem particularmente residencial,
situada nos quarteirões mais ocidentais das concessões, que guardavam o
princípio de organização dos Lilong: o modelo de casa da “cidade jardim” (Xincun) e
o modelo ocidental de “apartamentos” (dasha).
Como estes dois tipos de Lilong se situavam na malha menos densa das
concessões, por vezes, num mesmo quarteirão apareciam os dois associados no
mesmo sistema de ruas, ou, um deles com o “novo tipo”. (fig. 37)
O LILONG JARDIM Villas ou Xincun ( finais dos anos 20 e início dos anos 40)
Após a queda do império, apareceu uma nova classe social rica composta pelos
chineses e estrangeiros que, educados no ocidente, trouxeram para Xangai
diferentes estilos de vida e outras formas de estar e viver. Estas inovações
reflectiram-se no Lilong Jardim e no seguinte modelo Lilong, assim como na cidade
(melhoraram-se os serviços públicos como o gás, a electricidade e a água nos
locais sob a administração chinesa, assim como parques, etc.).
Em relação aos modelos anteriores, este mudou a sua forma evocando as
cidades-jardins, sem pôr em causa a organização interna própria do Lilong. Cada
casa de dois pisos era precedida por um jardim em vez do pátio e seguia a mesma
orientação N-S com a respectiva entrada principal a sul e a entrada de serviço a
norte, que era porém utilizada pelos empregados. Por vezes, existia uma terceira
entrada lateral que permitia o acesso directo aos quartos, para não perturbar as
pessoas que estivessem na sala de estar.
No entanto, a combinação das casas não era em banda. Tratavam-se de casas
individuais com o seu respectivo espaço livre que as separava entre elas.
Este modelo soube demonstrar a sua superioridade na organização dos
espaços, através dos espaços intermédios, como foi o caso da área de preparação
da refeição que ficava entre a sala de jantar e a cozinha, e das novas funções que
foram introduzidas, como o escritório, a garagem e os arrumos.
A localização das escadas permaneceu associada à zona de serviço a fim de
possibilitar a habitação a mais do que uma família.114
A novidade deste modelo inglês estava nas referências ocidentais da fachada.
113 De 1910 até 1930, estas operações ocidentalizaram a morfologia dos edifícios de habitação mas
com o cuidado de conservar a escala urbana chinesa. Idem 114 Idem
Fig.48 “Lilong Jardim” Xin Kang Huayuan
(1930-35).
Fig.49 Planta rés-do-chão do “Lilong Jardim”
Xin Kang Huyuan. Este modelo tinha duas entradas principais, porque funcionava para duas famílias.
Fig.50 “Lilong Jardim”. O nº9 corresponde à
área de preparação da refeição.
50
Esta era mais aberta, porque a individualização de cada casa o permitia e a nova
sociedade ocidentalizada o exigia para ter melhores vistas. Deste modo, muitos
destes edifícios adoptaram vários estilos internacionais na concepção da fachada,
assim como o respectivo nome: o estilo moderno115, inglês, francês, espanhol. 116
A rua secundária, entendida como espaço de interacção social, perdeu-se
devido às grandes distâncias que existiam entre cada unidade habitacional no
sentido N-S. Contudo, este modelo manteve a ideia de entidade homogénea.
Embora este modelo tivesse reunido uma grande variedade de estilos europeus
e um maior conforto (sistema de aquecimento, lareira, bons materiais, grandes
escadas), foi desvalorizado pela sua baixa densidade e a falta de controlo dos
espaços vazios (as ruas secundárias e os jardins) que exigiam grandes lotes para a
sua construção.
As larguras exageradas das ruas secundárias são reflexo do novo regulamento
de construção que tinha entrado em vigor a partir de 1924 nas Concessões e na
parte chinesa.117 Como essas medidas eram fornecidas de acordo com cada
propriedade e não com o conjunto construído do Lilong118, o resultado da largura
das ruas foi o seguinte: “O afastamento entre dois edifícios de propriedades
diferentes deve ser pelo menos igual a 30 pés (cerca de 9,15m)”119.
O LILONG APARTAMENTO Gongyu ou dasha (1930-1940)
Este ambiente cosmopolita e de tensão ideológica incentivou o governo
nacionalista a promover um modo de vida segundo um estilo arquitectónico e a
reconstruir a cidade em altura, assente no controlo técnico da pedra, do betão ou
do ferro. Em consequência, apareceu o segundo modelo de edifício importado
pelos intelectuais ocidentais: o “Lilong apartamento”.
O Lilong apartamento, construído na zona da concessão francesa, na
concessão internacional e entre as duas, diferenciava-se da arquitectura dos
precedentes.
O módulo repetitivo inscrito no respectivo sistema de ruas interiores do Lilong,
correspondente a um edifício colectivo de três andares, variava segundo três
categorias: o modelo em linha, o edifício em torre, e o edifício borboleta.
115 Este estilo apenas foi anunciado pelos construtores em planta. Idem 116 “O Bali xincun, na actual rua de Fuxing, seria provavelmente considerado como uma curiosidade
de Paris, cidade cujo pediu emprestado o nome.” Idem 117 CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport de
recherches, op. cit. p.159 118 Atente-se que a maior parte dos lilong anteriores eram de apenas uma propriedade (o chefe da
empressa para a qual trabalhavam os habitantes destes modelos), e, portanto, não estavam
obrigados a seguir este regulamento. 119 Idem
Fig.51 Porta remarcável de um Lilong de tipo
espanhol na antiga Concessão Francesa.
Fig.52 Casa do estilo moderno.
Fig.53 “Lilong Jardim”.
Fig.54 O modelo em linha: Yong Jia Xincun
(1930).
51
O número de apartamentos por piso, de cada categoria, variava segundo a sua
forma: o primeiro modelo podia ter de dois a seis apartamentos por andar, o
segundo, como era mais compacto, tinha apenas três, e o edifício-borboleta podia
ter de dois a quatro apartamentos por andar.
As duas entradas (a principal e a de serviço) foram mantidas. No caso do
edifício borboleta, como a escada de serviço era comum a dois apartamentos e
localizada na fachada de serviço prejudicou as condições de ventilação das
respectivas zonas de serviço.
A diferenciação N-S das duas zonas foi-se perdendo à medida que o edifício
ficava mais compacto. Também a orientação N-S de cada apartamento se foi
diluindo.
Seguindo o esquema ocidental, estes modelos foram construídos segundo uma
estrutura de betão revestido a pedra, tijolo ou estuque com alguma ornamentação
moderna ocidentalizada. E no interior foram equipados com quartos-de-banho
completos, sistema de aquecimento, gás e electricidade, lareiras e elevadores no
hall de entrada comum.
A coexistência de diferentes modelos de casa num mesmo padrão (matriz) de
Lilong revelou a capacidade deste em adaptar-se a diferentes contextos para
satisfazer as diferentes necessidades sociais, económicas e culturais típicas de
qualquer sociedade.
Esta capacidade de adaptação do padrão do Lilong tanto à malha urbana
composta pelos ocidentais, como aos diferentes modelos de casa, permitiu, ao
unificar o tecido e os diferentes grupos sociais e culturais, dar uma identidade tanto
urbana como social e cosmopolita a Xangai. Daí a adopação, pela cidade de
Xangai, do nome de “Paris do Oriente”, de “museu de todas as arquitecturas”120,
entre outras denominações.
Toda a casa urbana, incluindo a oriental, “percorre a história da civilização
estruturada por subtis transformações que constituem a sua génese, a sua
identidade enquanto fenómeno cultural ”121, porque a casa, enquanto fenómeno
civilizacional, sempre foi indissociável da cidade, visto que é ela que contrapõe o
colectivo e o privado, a sociedade e o indivíduo, o valor racional do desenho, o
valor do lugar (o “locus”), e que, portanto, define a identidade da cidade.
A análise tipológica sobre o Lilong, segundo a história, permitiu-nos encontrar,
através do que permanece, “a condição essencial da arquitectura”122, ou seja, o
120 GED, Françoise, “Shanghai, musée de toutes les architectures”, article paru dans Aujourd’hui la
Chine, revue de l’associaction des Amities Françaises chinoises, nº43, mars 1983, p.34 121 CARVALHO, Ricardo, JA224, Morada-Casa Rua, Julho_Setembro 2006, p.34 122 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, op.
cit., p.22
Fig.55 Apartamento em torre.
Fig.56 Fachada Sul de um “Lilong apartamento
torre”.
Fig.57 “Lilong Apartamento borboleta”: Yong
Jia Xincun. Podia aparecer isolado ou agrupado em banda, devido ás suas duas
empenas laterais.
52
seu conceito estrutural, que não corresponde a um sistema estanque, inerte e
fechado sobre si mesmo, mas sim a “uma realidade em perpétua formação, dotada
de processos generativos capazes de incorporar na estrutura novos componentes
que a enriquecem e ampliam ”123.
Consequentemente, depois de termos decifrado o tipo do lilong, apresentámos
outros dois outros modelos (o “Lilong Jardim” e o “Lilong apartamento”) que, para
além de manterem o conceito estrutural do Lilong, o enriqueceram com a
capacidade de verticalização deste tipo, através do constante aumento de pisos e
a diminuição de utilização do terreno, que se tinha vindo já a revelar uma tendência
(uma constante).
A apresentação destes dois últimos modelos fez-nos ver que o projecto
desenvolve-se sobre uma base tipológica em que o tipo é continuamente
transformado permitindo novas soluções arquitectónicas com o mesmo significado,
num processo contínuo ao longo da história. Desta forma, cada trabalho surge não
como o resultado de uma simples e isolada ideia, mas como uma base para o
seguinte num processo de investigação permanente.
Assim a noção de tipo e a sua relação com o passado torna-se fundamental no
desenvolvimento do exercício da arquitectura, onde o seu conhecimento e
compreensão constitui uma base sobre a qual esta se assume mais como um
processo de continuidade do que de ruptura.
Nesta linha de pensamento mais fenomenológico124, podemos dizer que a
arquitectura é entendida como um resultado de uma contínua transformação
operada sobre os tipos ou estruturas formais,125 que permitem o desenvolvimento
de várias formas com o mesmo significado.
Dedicou-se o quarto e quinto capítulo à confrontação deste tipo com outros
que foram variando sobre o mesmo significado em outra cultura e época, a fim de
valorizar o tipo do Lilong como estrutura formal que ainda continua a procriar várias
formas arquitectónicas contemporâneas com um significado semelhante. Como
disse Montaner:
“Pensar a arquitectura desde os conceitos de tipo e estrutura permite-nos
estabelecer comparações sincrónicas. Pode-se comprovar como o (...) espaço
simétrico, axial, puro, transparente, rítmico e sereno do átrio do Panteão reproduz a
base do Seagram Building (1954-1959) de Mies van der Rohe”126.
123 Ibid., p114 124 A fenomenologia é o estudo da consciência e dos objectos da consciência.
www.cobra.pages.nom.br/ftm-fenomeno.html 125 A estrutura é aqui encarada como a estrutura oculta que configura e articula cada edifício:
exemplo a estrutura espacial, a estrutura formal. MONTANER Josep Maria, La modernidad
superada: arquitectura, arte y pensamiento del siglo XX, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.122 126 Ibid., p.125
Fig.58 Fachada exterior do Lilong. A porta
principal de entrada ao sistema de ruas e o
limite comercial.
Fig.59 A fachada exterior do “novo tipo
Lilong”.
Fig.60 Fachada interior do “novo tipo Lilong“
Maoming Lu (de dois jians).
53
No final de 1941, após a guerra sino-japonesa, a economia entrou em
depressão e os Lilons deixaram de ser construídos.
Após a liberação nacional, em 1949127, a tipologia Lilong, ainda que
considerada uma característica exclusiva de Xangai por ter promovido um padrão
de vida tradicional e socialmente coeso, foi considerada não competitiva e ineficaz
nas suas tecnologias de construção e na rentabilização do terreno,
comparativamente com as novas torres pré-fabricadas que começavam a ser
construídas em massa para uma nova família nuclear.
A vontade de abrir Xangai à modernidade e o desenvolvimento prioritário do
sector terciário, enquadrados na era das “quatro modernizações”128 de Deng
Xiaoping, incentivaram um desenvolvimento urbano apoiado em complexos de
escritório, comércio e de alojamentos de grande altura que não respondem aos
princípios da cultura chinesa, mas sim à tendência global que ignora a identidade
urbana de Xangai, conseguida anteriormente pelos Lilongs.
Segundo Francisco Barata, uma cidade “perde identidade cada vez que quem
nela constrói arquitectura corrente não entende as características do seu conjunto
edificado, nem está apto a realizar uma análise tipo-morfológica da área onde é
chamado a intervir ”129.
Sabendo que o Lilong é um emblema de habitação tradicional em Xangai e que
traz memórias de experiências e culturas aos xangaienses, este pode constituir
uma experiência válida a qualquer momento, apesar de situar-se num tempo
especifico.
Concluindo, deixo a opinião de Pascal Amphoux, a qual partilho:
“Quando é que os Chineses deixam de se influenciar pelos erros do nosso
urbanismo pós-guerra? Quando o ocidente renunciará de exportar de maneira
simplista o que ele mesmo não acredita? É tempo que possamos encontrar e
analisar em profundidade os lilong de Xangai, não para proteger o património no
sentido que entendem as nossas instituições, mas sim para valorizar os princípios
que definiram o Espírito de Xangai. Moribundo para o Urbanismo, cada xangaiense
tem portanto um lilong na cabeça. Xangai é uma cidade-fóssil, mas um fóssil
vivente ” 130.
127 No dia 1 de Outubro de 1949, Mao Zedong proclama a instauração da República popular da
China. CYRILLE J, JAVARY D. e WANG Alain, La Chine nouvelle, op.cit., p.30 128 Deng lança uma audaciosa política de abertura destinada ao apoio das “quatro modernizações”
(agricultura, industria, defesa nacional, ciências e tecnologias) para modernizar a China (1978).
Ibid.,p.32 129 FERNADES, Francisco Barata, Transformação e permanência na habitação portuense: as formas
da casa na forma da cidade, op. cit., p. 49 130 AMPHOUX, Pascal (Eds.) e MARTIN, Cristophe, “Lilong mort ou vif” [1987], in
lasur.epfl.ch/revue/A&C%20Vol%204%20No.2/AMPHOUX.pdf (em 27/01/2007)
Fig.61 Destruição dos Lilong, neste caso, é o “novo tipo”. Como podemos observar, a
estrutura do telhado define-se por uma asna em madeira semelhante à da do Ocidente (ex: a casa do Porto do século XIX).
Fig.62 A substituição dos Lilong pelas altas
torres residenciais.
Fig.63 Qual será o futuro da identidade de
Xangai?
54
Vista aérea que mostra o traçado orgânico dos Lilong perto do rio Suzhou.
55
III. O LILONG COMO FORMA URBANA
O carácter homogéneo que o padrão do Lilong conseguiu, no seu conjunto, no
tecido urbano de Xangai, através da sua adaptação à malha urbana e à
transformação da civilização xangaiense, converteu-o na forma urbana desta
cidade.
Sabendo que o lilong faz parte da estrutura urbana da cidade, e que foi durante
muito tempo a sua tipologia, pretende-se, para acabar o estudo daquele, analisar a
relação entre a tipologia e a forma urbana que o constitui, ou seja, o sistema de
conexões presentes na rede estabelecida pela estrutura da organização dos
espaços urbanos, causadores do carácter unificador, tanto espacial como social.
No entanto, antes de passarmos a essa análise, iremos introduzir o tema breve
das transformações que a casa urbana ocidental sofreu em relação ao espaço
urbano, para que possamos perceber as valias do Lilong como forma urbana.
Desde a cidade tradicional131 até à cidade industrial oitocentista132, começou-se
a formalizar a casa urbana através da substituição da casa unifamiliar tradicional
pela casa colectiva que se integrou na infra-estrutura urbana através do bloco
urbano e do quarteirão (dois tipos de forma urbana).
Porém, enquanto que na cidade tradicional existia a relação entre o privado da
casa e o público da rua, uma vez que no rés-do-chão estava a actividade laboral
que fazia a transição, na cidade oitocentista aquela deixou de existir, a partir do
momento em que se introduziu a noção de casa como núcleo de intimidade e se
separou desta os espaços de trabalho, de actividades quotidianas especializadas e
de ócio, através da construção de um sistema viário autónomo que os
comunicava.133 O problema de tráfico do sistema autónomo, as grandes distâncias
entre o trabalho e a casa e a ausência do valor da rua como espaço de mediação
entre o público e o privado, fez com que os modernistas ensaiassem diferentes
tipos residenciais e explorassem a capacidade do mesmo em estruturar a forma
urbana, a fim de recuperar a ideia de colectividade e de comunidade da cidade
tradicional.
131 Quando se fala da cidade tradicional, refere-se a um organismo urbano que se foi definindo
através de um largo processo histórico até se fixar numa forma que se pode representar numa
imagem unitária, homogénea e fechada. MARTI ARIS, Carlos, Las formas de la residência en la
ciudad moderna : vivienda y ciudad en la Europa de entreguerras, op. cit., p.14 132 Cidade especulativa produzida pelo desenvolvimento industrial oitocentista que destruiu os
traços que definiam a cidade tradicional. Esta foi a cidade que os modernistas criticaram. Idem 133 Ibid., p.15
Fig.1 Ercolano. Planta geral das escavações.
Fig.2 Priene. Planta da casa-pátio.
Fig.3 Madrid, uma edificação especulativa de
princípios do século. A casa colectiva, em bloco, da cidade industrial oitocentista.
56
Para tal, os modernistas recorreram aos modelos tradicionais que traduziam um
tipo de relação social com o espaço livre que concedia identidade e carácter
homogéneo ao conjunto edificado.
Esse trabalho foi desenvolvido segundo duas vertentes. Por um lado, tínhamos
a teoria da “cidade jardim” anunciada por Ebenezer Howard, que recuperava a casa
unifamiliar como elemento base na extensão da cidade moderna. Por outro lado,
tínhamos também a cidade concentrada134 com edifícios colectivos de alta
densidade que, ao contrário da anterior, tentavam rentabilizar o terreno e diminuir
as distâncias entre casa e trabalho e actividades quotidianas, mas sem a dimensão
comunitária que tinham conseguido algumas “cidades jardim”.135
Como para os modernistas a relação social estabelecida entre os tipos
tradicionais e a rua podia ser garantida no interior dos grandes edifícios em barra ou
unités, aqueles libertaram o edifício da rua autonomizando-o em relação ao tecido
urbano, o que pôs em risco o desaparecimento da forma urbana. Por exemplo, o
edifício colectivo auto-suficiente da Unidade de Habitação de Marselha (1954-1952)
de Le Corbusier, assente sobre “pilotis”, acarretava nos pisos superiores uma
diversidade de actividades de lazer, serviços colectivos de primeira necessidade,
habitação e quartos de hotel agrupados segundo a “rua corredor” que funcionava
como espaço de mediação entre o público e o privado.136 Este tipo de edifícios, as
unités, dificultaram a vivência urbana nos espaços públicos que os cercava, devido
à falta de relação social entre a residência e o espaço urbano que estas formas
lineares137 solicitavam. Um dos factores justificativos é o destinatário abstracto,
correspondente a estereótipos de famílias138, o qual determinou a concepção
destas formas urbanas (a rua e a casa) como objectos abstractos.
Sucede-se então, numa primeira parte do capítulo, uma análise morfológica que
pretende definir os diferentes elementos que constituem a forma urbana Lilong e as
relações que se estabelecem entre eles. Numa segunda fase pretende-se definir as
relações entre essa forma urbana e a estrutura da cidade Xangai, de forma a
reflectir sobre estes problemas, que situam a casa urbana na sua profunda relação
com o contexto urbano.
134 Para este modelo de cidade surgiram duas propostas paradigmáticas: a Cidade Contemporânea
de 3 milhões de habitantes, exposta por le Corbusier em 1922, e a Cidade Vertical, elaborada por
Ludwig Hilberseimer em 1924-25. Ibid., p.24 135 Exemplo dos bairros suíços de Hans Bernouilli, que demonstraram a capacidade da casa em
enquadrar-se numa organização colectiva, sem perder a condição de célula autónoma. Ibid., p.22 136 HEREU, Pere, MONTANER Josep Maria, OLIVERAS Jordi, Textos de arquitectura de la
modernidad, trad. José Luis Gil Aristu, Madrid, 1994, p.522,524 137 A forma em linha é uma das formas urbanas desenvolvida pelos modernistas para a concepção
da cidade concentrada. MARTI ARIS, Carlos, Las formas de la residência en la ciudad moderna :
vivienda y ciudad en la Europa de entreguerras, op. cit. p.33 138 No início do século XX nasce a ideia de homem-tipo resultado da associação do “super-homem”
nietzschiano com o trabalhador revolucionário, desenraizado, independente e nómada (desvinculado
da propriedade agrícola) idealizado por Max e Engels. CARVALHO, Ricardo, JA224, Morada-Casa
Rua, op. cit., p.39
Fig.4 Ebenezer Howard. Um dos programas
generais do modelo da cidade jardim, 1902. O núcleo residencial estava separado de todas as outras actividades da cidade.
Fig.5 Heinrich Tessenow. Projecto de casas
em banda, em Rahnitz-Dresden, 1919.
Fig.6 Cidade Contemporânea de 3 milhões de habitantes, exposta por Le Corbusier de 1922.
Fig.7 A Cidade Vertical de Ludwig Hilberseimer,
1925.
Fig.8 Unidade de Habitação (cité radieuse)
Marselha, 1952.
57
O TIPO ARQUITECTÓNICO E A FORMA URBANA
Da análise efectuada deriva um aspecto pertinente, que não foi directamente
referido para o estudo do Lilong como forma urbana: a relação entre o construído
(a residência) e o espaço livre (o sistema de ruas e os pátios).
Em respeito a este tema temos vindo a observar, ao analisar a tipologia urbana
de Xangai, que a relação entre a residência e o espaço livre foi constante à medida
que evoluía e se transformava o tipo do Lilong, ou seja, o espaço livre variou
sempre segundo o construído de forma hierarquizada e estruturada, mantendo a
sua densidade. A variação do espaço livre dependia, portanto, do tamanho e da
posição do construído do Lilong em relação ao quarteirão e do regulamento que
regia o traçado das suas ruas.
Todo o trabalho que envolve o espaço público e urbano parte de designações
arquitectónicas bem precisas ou tende para elas. Tanto as praças como as ruas,
entre outros espaços urbanos, não se podem ler sem o edifício (e vice-versa),
porque este é o elemento que o define e o delimita. Contudo, é necessário que “ as
regras espaciais [devam] (...) ser simples, precisas, concretas e adequadas às
hierarquias institucionais e monumentais indicadas pelo traçado. Pode dizer-se que
elas constituem a potencial substância arquitectónica do próprio traçado.”139
Como iremos ver, o regulamento atribuído ao Lilong também constituía a
primordial substância na relação do espaço livre com o construído de forma a criar
um sistema de ruas inteligível e coerente:
- “7,5 pés (2,28m) quando uma fachada tinha em frente um muro ou uma
grelha ”140. Esta largura correspondia à da rua secundária, porque esta era limitada
a sul pela fachada da cozinha e a norte pelo muro do pátio da fachada principal.141
- “10 pés (cerca de 3m) quando a passagem é o único acesso a um ou a
muitos blocos de casas ”142. Como os blocos estavam dispostos em banda e em
paralelo de N-S, a única rua que os podia articular seria a rua principal N-S.
Os edifícios eram igualmente condicionados pelas dimensões das ruas. “A
altura dos edifícios sobre rua não podiam exceder uma vez e meia a largura da rua.
Num ângulo da rua, a altura era fixada em relação à rua mais larga” 143.
Estas dimensões definiram, o sistema hierárquico de circulações internas ao
lilong (fig.9) e impuseram aos habitantes um uso restrito a cada rua, uma vez que as
larguras foram determinadas não só para rentabilizar o terreno, como também
139 BERNARD, Ihuet, “La città come spazio abitabile” [1984], in FERNADES, Francisco Barata,
Transformação e permanência na habitação portuense: as formas da casa na forma da cidade,
op.cit., p.306 140 GED, Françoise e QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport de recherches, op.
cit., p.159 141 O regulamento também mencionava que “devia existir um espaço aberto em cada edifício de
habitação”, ou seja, o pátio. Idem 142 Idem 143 Idem
Fig.9 O “novo tipo Lilong” (1920-30). A rua principal de acesso a veículos.
Fig.10 O desenho do transbordo da fachada sul, correspondente às unidades habitacionais
de extremo este e oeste de uma banda do Lilong do velho e novo Shikumen, em forma de “cavalo” foi imposto pelos regulamentos das
Concessões.
Fig.11 O “novo tipo Lilong” (um jian e meio). Por vezes a entrada principal dava sobre ruas secundárias muito estreitas com pouca
iluminação.
58
resultaram de uma análise às práticas constantes que se realizavam nas ruas dos
primeiros modelos do Lilong. Segundo Pierre Clément: “É possível que se tratasse
de funções convertidas em regulamentos, depois de um artigo posterior onde foi
especificado que: cada edifício chinês tinha que ter uma entrada independente
atrás e à frente, livre de todo o obstáculo, de largura mínima (...) ”144 (confrontar
fig.11).
Com o tempo, as ruas foram adquirindo uma escala humana e uma identidade
própria devido à permanência constante do tipo de relação do construído com o
espaço livre nas diversas variantes do Lilong, estabelecido pela ordem hierárquica
que regia a sua estrutura de organização progressiva, do privado para o público. E
é segundo a estrutura de organização do Lilong que serão definidos os elementos
que constituem a sua forma urbana e as relações que se estabelecem entre eles.
A cozinha, como estava associada à entrada de serviço que dava sobre a rua
secundária de frente para a entrada principal do vizinho, fez com que as pessoas,
ao irem despejar o lixo e ao lavarem a roupa no tanque (fig.12), interagissem nas
ruas secundárias, com as pessoas que entravam nas suas casas.
A posição e a relação de porta aberta da cozinha colectiva145 com a rua
secundária fez com que esta funcionasse como espaço semi-privado, devido às
actividades domésticas que se transportavam de casa, pela e da cozinha, para esta
rua. A utilização intensiva desta rua como mais um espaço da casa deve-se
também à sua posição intermédia entre a rua principal e a habitação, à sua largura
reduzida que provocava a proximidade entre os habitantes e ao clima quente e
húmido, que obrigou a que muitas actividades fossem feitas ao ar livre, como
dormir, comer na rua, etc.
Essa gradação do espaço podia ler-se num corte transversal ao edifício através
da continuação do mesmo nível do chão da cozinha para a rua secundária que
enfatizava a ideia da rua como espaço de extensão do lar e de
sociabilidade146.(fig.13)
É importante frisar que na construção da casa colectiva “ideal” pelos diferentes
mentores modernistas, apareceram tipos espaciais inovadores dentro do universo
doméstico, como o New Lanark de Robert Owen, que incorporava cozinhas
públicas para núcleos familiares.147 Também Dolores Hayden, no seu livro The
Grand Domestic Revolution, reuniu diversas experiências de colectivização dos
serviços domésticos, como os projectos de “casas sem cozinha”, reunidos em
pequenas comunidades com cozinhas comuns.148
144 Ibid., p.159 145 A partir do momento que as unidades habitacionais do lilong, inicialmente realizadas para apenas
uma família, foram habitadas por várias famílias e gerações, a cozinha tornou-se colectiva. 146 GED, Françoise, “Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, in op. cit. 147 CARVALHO, Ricardo, JA224, Morada, Casa, Rua, op. cit., p.36 148 MONTEYS Xavier, FUERTES Pere, Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa,
Editorial Gutavo Gili, SA, Barcelona, 2001, p.110
Fig.12 O ambiente das ruas secundárias do Lilong. Os tanques de cimento construídos
junto à parede da cozinha.
Fig.13 A entrada da cozinha a norte. O “novo
tipo Lilong” com um jian.
Fig.14 O pátio principal do “novo tipo Lilong”
(1920-1930).
59
O pátio principal, como era um espaço ao ar livre pertencente ao espaço
privado da casa, facultou as actividades mais colectivas dentro desta, tornando-se
no espaço de transição das ruas secundárias ao interior da casa, e não o contrário
como a cozinha. Normalmente, é mais frequente encontrar pessoas a entrarem e a
saírem pela cozinha do que pelo pátio que quase sempre tinha a porta fechada,
respeitando o seu carácter introspectivo (espaço virado para o céu de muros altos
e de superfície pequena).
Perpendicular às ruas secundárias, está a rua principal orientada de N-S, que,
como era mais larga e estava limitada pelas empenas dos blocos de habitação,
tinha um carácter mais de passagem (veículos,etc) do que de estar. Contudo,
como estava posicionada entre as ruas secundárias (semi-privado) e as avenidas
comerciais (público) de grande dinamismo, converteu-se num espaço semi-público
de transição do público ao privado.
Françoise Ged foi uma das autoras que descreveu bem essa gradação do
sistema de ruas do Lilong:
“A rua instaura-se como um lugar público, de circulação, para peões, bicicletas,
autocarro e como espectáculo resultante deste ambiente. A passagem principal,
transversal a esta rua, exerce a mesma função mas à escala desta entidade que é o
Lilong. Sobre este eixo normalmente encontrávamos o telefone público, comum a
todos estes habitantes, lugar de chamada e de recepção das comunicações.
Pode-se encontrar a máquina de lavar a roupa para facilitar a evacuação das águas
sujas, os colchões de Inverno ou edredões lavados.
O “promeneur” já entrou numa certa intimidade comum ao grupo dos
habitantes do Lilong. A ruela, que comunica cada apartamento, funciona como
prolongamento do espaço privado do apartamento, pelo menos do compartimento
principal. (...) Esta rua delimita portanto um espaço muito mais pessoal mas
assegura a percepção visual, em parte, e auditiva do conjunto do Lilong. (...)”149.
De um modo geral, as ruas mais próximas e pertencentes aos bairros
residenciais eram concebidas pelos habitantes como espaços do seu domicílio,
uma vez que diariamente eram utilizadas para as actividades domésticas, tais como
estender a roupa, ir de pijama150 a um fast-food ou a um quiosque, lavar a roupa,
fazer ginástica, etc.
A transição entre este sistema interno de ruas do Lilong e o seu exterior
cosmopolita era feita segundo a porta, a qual acarreta um sentido simbólico próprio
da cultura chinesa, mencionado no primeiro capítulo.
149 GED, Françoise, “Shanghai-Interférences et justapositions” [1986], in CLÉMENT Pierre, GED
Françoise e QI Wan., Transformations de lʼhabitat à Shanghai , rapport de recherches, op. cit., p.153 150 Numa sondagem realizada pela Academia das ciências sociais de Xangai e a Federação das
mulheres da cidade, explicam que o facto de os xangaienses saírem à rua com o pijama deriva de
uma vontade de afirmar a proximidade do seu domicílio ao centro da cidade e de reforçar o seu
estatuto social e a sua vida comunitária. www.destinationchine.com/post/200609-pyjama-rue-
Shanghai.html (em 22/07/2008)
Fig.15 O “novo tipo Lilong” (1930). A rua
principal, e à direita vão aparecendo as ruas secundárias.
Fig.16 As ruas do Lilong são utilizadas como
espaços de extensão do lar.
Fig.17 A Porta de entrada principal (N-S) do
Lilong (1920-1930).
Fig.18 A porta de entrada ao Lilong (1920-1930), vista do interior.
60
A porta, para além de permitir a passagem, tinha a finalidade de marcar o
momento da transição. Por esta razão, as portas das casas do Lilong tinham um
degrau que correspondia ao pré-marco da porta que a rodeava, e a entrada
principal N-S do Lilong estava definida pela espessura das unidades de habitação-
comercial do primeiro andar e com a marcação de um arco na fachada exterior.
A porta também aparecia no momento de transição para a cidade e para os
bairros residenciais, porque o objectivo era assinalar o início de um grupo de
arquitecturas como o fim do grupo que o precede.151
Por último, o elemento que delimita a forma urbana do Lilong é a unidade
habitacional-comercial, que agrupada a outras, funciona como o elemento
mediador dos ambientes privados e públicos, tal como na cultura ocidental. Atente-
se ao plano da cidade higienista de Paris (1853-1869) do barão Georgess-Eugéene
Haussmann, o qual incorporou o comércio no nível do piso térreo ao longo das
boulevards.152 Por vezes, no limite este e oeste os Lilong eram delimitados por
muros cegos.
No entanto, o limite comercial transcende essa simples função para, em
analogia com o muro simbólico da arquitectura chinesa, funcionar como elemento
definidor do que está dentro do Lilong, e não como elemento separador. “Em
Xangai, o muro que delimita um quarteirão de casas é materializado pelo comércio
que se abre para a rua ”153.
Para a definição da forma urbana é necessário que o espaço construído e o
espaço livre se complementem e equilibrem para poderem formar um todo, que é a
cidade. Neste sentido, o Lilong conseguiu complementar os dois espaços dando
origem à forma urbana, através de uma ordem hierárquica que regia a posição dos
elementos, anteriormente referidos, na estrutura progressiva da sua organização da
forma.
Deste modo, o Lilong resolve os diferentes problemas e consegue reunir as
mais valias das diferentes tipologias residenciais ocidentais, definidoras da forma
urbana. A existência de um sistema fixo de ruas intermédias progressivas
(associadas aos restantes elementos edificatórios) entre a casa do Lilong e a malha
da cidade, facilitou o sentido de colectividade, defendida pelos modernistas na “rua
corredor”, a fim de unir o espaço livre ao construído numa única forma urbana sem
causar o problema do contacto directo da habitação familiar com o público (a rua
de circulação) da cidade tradicional. Por último, o limite comercial permitiu integrar
esta forma urbana na malha da cidade, o que não aconteceu com as unités de
habitação que, assentes sobre pilotis, soltavam-se do espaço urbano.
Em suma, a forma urbana do Lilong soube ser eficaz e coerente, porque
optimizou cada pequeno espaço, através da ordem hierárquica.
151 YONGSHU Li, “Cathay’sidea-Design theory of chinese classical Architecture”, in ZHANG, Liang,
La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, op. cit., p.78 152 CARVALHO, Ricardo, JA224, Morada, Casa, Rua, op. cit., p.38 153 GED, Françoise, “Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, in op.cit.
Fig.19 A porta do pátio principal do “velho
Shikumen”.
Fig.20 A porta de transição aos bairros
residenciais, perto do people’Square (2007).
Fig.21 Projecto de reabilitação de um Lilong, realizado pela Universidade de Tongji-Shanghai. O aumento do espaço da mini-galeria do lilong, vem frisar a importância
urbana das unidades comerciais do Lilong.
Fig.22 O limite comercial como definidor do
que está dentro do Lilong.
61
A FORMA URBANA E A CIDADE CHINESA
Paralelamente à história da constituição da forma urbana do Lilong, está a
importância da sua lógica na organização da rede urbana de Xangai.
Os princípios de organização que regem essa lógica coincidem com os do
arquétipo organismo urbano chinês que são distintos aos dos ocidentais em dois
aspectos: o sentido de espaço público e o sentido de ordem na organização e na
utilização do espaço urbano presente, desde a casa, passando pelos bairros até
chegar à cidade.
De uma forma geral, na China, o espaço público de propriedade pública154
reduz-se ao elemento rua, porque este era concebido como o lugar da actividade
comercial e não de reunião pública onde as pessoas param para estar a conversar,
como nas praças e jardins.
Assim o retrataram os Ocidentais, quando ao chegarem pela primeira vez a
Xangai depararam-se, apenas, com as ruas de pequeno e grande comércio como
o único espaço público: “Os viajantes ocidentais do século XX, saturados do
espírito do século das luzes, ao chegarem a Xangai, sentiram uma decepção em
relação à falta de espaço público amplo e a sua frustração pelo não tratamento das
ruas que dificultavam a orientação ” 155.
Mesmo com a introdução, pelos ocidentais, das praças e jardins fora dos limites
das concessões, estes espaços continuam hoje a funcionar como um espaço de
passagem e não de estar ou de convívio. Apenas os jardins, que se converteram
em ginásios públicos ao ar livre, adquiriram uma utilidade.
No entanto, é notório que o facto de os chineses não terem adaptado o mesmo
sentido do espaço público ocidental pode dever-se à sua rápida substituição, no
Ocidente, pelos espaços de convívio e de atracção relacionados com a mesma
lógica do consumo na China, seja ele cultural ou de produtos industrializados de
massa, e menos virados para a cidade, como por exemplo os centros comerciais,
Foruns, Museus, Hipermercados, feiras, centros comerciais nas ruas, etc. Como
disse Fabiano Dias:
“O caos urbano, as velocidades dos automóveis e da vida agitada das
metrópoles modernas (sintomas que já se estendem para as cidades menores),
aliados à falta de segurança das ruas, criou um novo ambiente urbano muito pouco
favorável para a vida comunitária nos lugares públicos, cristalizando no século XX a
tendência já iniciada cem anos antes da interiorização da vida, com o surgimento
de lugares que se voltam para si e menos para a cidade ”156.
154 No espaço público não está presente a relação entre a propriedade e o uso, como acontece
com os espaços colectivos do centro comercial, cafés, etc.. GAUSA, Manuel, diccionario de
metápolis avanzada, Barcelona, Actar, 2000, p.203-204 155 GED, Françoise, Shanghai, colecção, Portrait de ville, op. cit., p.21 156 DIAS, Fabiano, O desafio do espaço público nas cidades do século XXI
www.romanoguerra.com.br/arquitextos/arq000/esp312.asp (em 20/07/2008)
Fig.23 As pessoas a jogarem mah jong no passeio de uma avenida de grande movimento (seis sentidos de cada lado).
Fig.24 Ginásios ao ar livre instalados nos jardins.
Fig.25 O comércio na rua
Fig.26 O sapateiro num primeiro plano e a
máquina de costura em segundo plano.
62
O segundo aspecto centra-se no sentido de ordem da organização das
diferentes escalas, a casa, o bairro e a cidade, na estruturação urbana da cidade
chinesa, para em simultâneo percebermos a lógica do Lilong, como forma urbana,
no tecido de Xangai.
Quando observamos qualquer traçado regulador da antiga cidade chinesa,
aparentemente parece assentar num mesmo esquema utópico e abstracto que o
traçado Ocidental, por exemplo, o sistema de traçado do castrum romano
assemelha-se com o ching-t’ien chinês (tabuleiro quadriculado com os eixos
principais orientados N-S, E-O). Contudo, os chineses, ao contrário dos ocidentais,
conseguiram que a ideologia reprodutora deste tipo de esquema conformasse, ao
unificar o pensamento e a prática, as condições concretas necessárias para a sua
realização. Por isso é que o castrum romano perdeu a sua hegemonia.157
Neste sentido, explica-se o facto das cidades chinesas terem optado por um
esquema viário estabelecido por uma série de prioridades funcionais: o eixo
principal assume um traçado independente e normalmente conduz às entradas na
cidade as vias secundárias, apenas distribuem o tráfego nas zonas limitadas, e as
interiores respondem exclusivamente às necessidades do tráfego reproduzido pelo
bairro e pelos núcleos da habitação.158
Ao contrário das cidades chinesas, as cidades ocidentais optaram por definir
um traçado viário com um carácter indiferenciado, devido à mistura de diferentes
tipos de tráfico na mesma via159 e ao facto desta ter sido concebida como um
elemento ligado ao espaço construído, e não segundo a função que devia
desempenhar como via de serviço. Este facto deve-se ao processo originado,
fundamentalmente, pela exploração intensiva do chão urbano160 que conformou as
ruas, características da cidade ocidental, ladeadas por uma cortina de edifícios.
Em discordância, as vias da rede viária chinesa, especificamente nos bairros,
eram concebidas como elementos separados do espaço construído.
Os chineses conseguiram, consequentemente que o tipo de estrutura urbana
geométrica e funcional da rede viária se complementasse, porque ao dar
prioridades funcionais a essa quadrícula de forma estratificada conseguiram
diferenciar, na rede, as artérias de tráfego geral, as vias comerciais, a ruas de
acesso privado aos núcleos de habitação e as ruas de serviço às habitações, e, em
157 Enquanto, que o modelo urbano rectangular Chinês, apesar da implantação de civilizações
heterogéneas, conseguiu perdurar, devido à transmissão orgânica de umas constantes culturais
homogéneas e unitárias, o Castrum romano não consegui aguentar a sua hegemonia perante o
predomínio de outras formas culturais. GAVINELLI, Corrado, Ciudad y territorio en China; trad.
Francisco Pol Mendez, 1ª ed, Madrid 1979, p. 216 158 Ibid., p.216- 217 159 Por exemplo, numa mesma rua era sobreposto o tráfico geral e os movimentos gerados pelos
núcleos de vivendas, GAVINELLI, Corrado, Ciudad y territorio en China, op.cit., p. 217 160 Este processo “reflecte-se especificamente, na distribuição dos espaços comerciais em posições
vantajosas.”, Idem
Ruas interiores
Vias secundárias
Eixos principais
Fig.27 A cidade proibida, em Pequim, 1987.
Fig.28 A rua de uma bairro residencial em
Pequim, em 1980, e a mesma em 2004.
Fig.29 A cidade proibida em Pequim. O processo de emboîtement.
Fig.30 Um fragmento do espaço urbano de
Pequim (1080). Processo de emboitements.
63
simultâneo, através da função destas vias, definiram as diferentes escalas da grelha
segundo o processo de emboîtement (a casa dentro do bairro, e este dentro da
cidade).
Igualmente em Xangai, o esquema viário seguia esse processo, uma vez que o
sistema hierárquico de circulação das ruas interiores do bairro (Lilong) era
reproduzido à escala do quarteirão e depois à escala da cidade, cuja escala mais
privada se inseria na escala mais pública. Observemos as plantas, fig.31 a 33, em
confronto com a planta de Pequim.
Este princípio hierárquico permitiu, à escala do Lilong, distribuir a circulação e o
comércio de forma equilibrada, assim como assegurar o conforto, a sociabilidade e
a segurança da vida doméstica nas ruas internas. Adicionalmente, na escala da
cidade, evitaram-se os engarrafamentos e potenciou-se a comunicação e
distribuição da habitação, do comércio, do trabalho e do lazer.
Desta forma, a configuração do espaço urbano como expressão formal de
umas concepções práticas relacionadas com o sentido de organização e de
utilização típico da cultura chinesa (emboîtement), permitiu que o espaço urbano
chinês fosse de fácil cognição e memorização.
Mesmo a morada de qualquer Lilong seguia a mesma apreensão do espaço
urbano: em primeiro vinha o nome do Lilong que evocava uma comunidade de um
certo número de habitantes que se subdividia em li “este” ou li “oeste”,
correspondente aos dois conjuntos de casa em banda; em segundo, vinham as
ruas secundárias anunciadas segundo o nosso alfabeto, e, por último, aparecia o
número da porta, que correspondia à unidade mais íntima.161
Em suma, tanto na cidade típica chinesa como em Xangai, existe uma
correlação entre a articulação do local (Lilong) com o todo indiferenciado (a cidade)
uma vez que ambos estavam compostos por elementos individuais governados por
uma ordem hierárquica na qual os elementos grandes rodeavam os mais
pequenos. Deste modo, o padrão da grelha chinesa soube ser vantajoso, uma vez
que segundo Kevin Lynch: “o padrão de grelha é bastante útil, se o desenho
conseguir manter a escala em mente e souber como variar uma grelha, de modo a
corresponder a um carácter especial ”162.
161 GED, Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, op. cit., p.138 162 LYNCH, Kevin, A boa forma da cidade, trad. Jorge Manuel Costa Almeida e Pinho, Lisboa,
Edições 70, 1999, p.354
Fig.31 As linhas em vermelho correspondem
aos eixos principais de circulação criados pelos ocidentais na cidade de Xangai.
Fig.32 As linhas amarelas correspondem às
avenidas comerciais. As azuis às ruas secundárias de comunicação aos Lilongs. E as
verdes correspondem ao sistema hierárquico das ruas interiores do Lilong.
Fig.33 O respectivo sistema de ruas internas
dos Lilongs acima referidos.
64
Planta de cobertura do “novo tipo Lilong”, Jin Gu Cun (1929)
65
IV. O LILONG E OS “MAT-BUILDING”
CONTEMPORÂNEOS
Com a crise da relação entre a casa e a rua, objecto de progressivo antagonismo,
os modernistas construíram um pensamento mais abrangente e inclusivo sobre a
vida urbana, que começou a ser exposto nos últimos dois CIAM (Congressos
Internacionais de Arquitectura Moderna, realizados entre 1928 e 1956), a criticas
metodológicas no campo da habitação e do urbanismo. Esses congressos serviam
para a difusão da arquitectura moderna internacional que, tinha começado logo
após as vanguardas.
Durante os dois últimos CIAM, o de 1953 em Aix-en-Provence (França) e o de
1956 em Dubrovnik (Lugoslavia), estruturou-se o seu “desaparecimento” e uma
certa continuidade para um grupo que se distingue entre outras expressões, o
Team 10. Este grupo, constituído por ideias individuais das quatro equipas mais
destacadas (Jacob B. Bakema, George Candilis, Alison e Peter Smithson, de Aldo
van Eyck), opôs-se ao formalismo da Carta de Atenas como também à nova
monumentalidade163 (ambos lançados pelos modernistas do CIAM), em favor, da
introdução dos conceitos de identidade, de modelo de associação, de vizinhança,
entre outras ideias no tema do habitar.164
Contudo, tanto a ideia de monumentalidade dos modernistas como as ideias do
Team10 reintroduziam na arquitectura, a experiência da “comunidade”, mas de
forma diferente. Enquanto, que a primeira, pretendia criar símbolos de essa
comunidade dentro de um marco urbano que evocasse a nação, através da
decomposição da vida urbana (habitação, circulação e actividades públicas) em
partes separadas165, o Team10, queria unificar esses três elementos separados
numa arquitectura que fosse a expressão da comunidade. Ou seja, o Team10
procurava uma linguagem primária em que a forma física e a necessidade social e
163 Esta ideia entrou em debate pela nova geração dos modernistas, na década de 1930, os quais, e
sobretudo Sigfried Giedon defendia no seu livro “A necessidade de uma nova monumentalidade”,
centrada nos centros cívicos que simbolizavam a ideia de “comunidade” pelas suas conotações
nacionais, ex: de Chandigarh de Le Corbusier (1951-1963). COLQUHOUN, Alan, La arquitectura
moderna, una historia desapasionada, Editorial Gustavo Gili, SA, 2005, p.218 164 MONTANER, Josep Maria, Depois do movimento moderno, Arquitectura da segunda metade do
século XX, Editorial Gustavo Gili, SL, 1ª edição, 2ª impressão, 2007 op.cit, p.30 165 O marco urbano correspondente aos centros cívicos concebidos pelos modernistas, tal como o
de Saint-Dié (1946) de Le Corbusier, apenas representava uma parte da vida urbana (relações
públicas), o resto (habitação, circulação, etc) tinham outros espaços e arquitecturas. COLQUHOUN,
Alan, La arquitectura moderna, una historia desapasionada,op.cit., p.218
O TEAM10 E OS MAT-BULDING
66
psicológica das pessoas (o significado) fosse uma coisa só.166
O reconhecimento do grupo Team10 de que vivia numa realidade mutante e
passageira167, fez-lhe ver que a comunidade na cidade devia ser pensada no
âmbito da própria habitação. Se a validez da comunidade baseia-se nas pautas da
vida, ou seja, nos “hábitos do organismo, modos de vida e relações com o que o
rodeia”168, o tipo de habitação, como elemento estruturante das relações humanas,
deve ser pensado num âmbito mais alargado, abrangendo as relações mais
imediatas relativas ao núcleo familiar com a comunidade.169
Portanto, a expressão formal da comunidade devia estabelecer as relações do
espaço existencial quotidiano (a habitação a circulação e as actividades públicas),
tal como acontecia nos pequenos povos vernaculares do passado, que, segundo
Aldo van Eyck formavam “uma entidade completa ou autónomo”170, devido à sua
dimensão humana, cultural e simbólica.171
Deste modo, os vários membros do Team 10 começaram a analisar, segundo
um estudo mais fenomenológico e existencialista, cada comunidade particular do
passado e o respectivo modelo de associação humana que, se relaciona com o
tipo de habitar, para encontrar novas estruturas urbanas.
No entanto, é com o texto do livro Urban Structuring (1967) de Alison e Peter
Smithson, de carácter mais doutrinário sobre o tema da comunidade, que propõe
uma proposta mais completa e ordenada das novas possibilidades da revisão
formal, que podiam aparecer nas intervenções urbanas. Entre os cinco novos
conceitos urbanos introduzidos neste texto (associação, identidade, modelos de
crescimento, mobilidade e cluster172), o cluster foi o conceito mais representativo
do objectivo do Team10, porque era o que mais se aproximava da ideia de
estrutura formal.173
A palavra cluster, enquanto modelo de organização livre e sistemático
assimilável à ideia morfológica de cacho, permitia dar uma forma especifica de
habitar para cada situação particular: “Cluster, que serve para indicar um modelo
especifico de associação, foi introduzido para substituir grupos de conceitos como
166 Ibid. , p.213 167 Esta visão da realidade tinha como fonte de conhecimento a disciplina da antropologia que,
nesta época, teve um papel destacado no mundo cultural europeu. MONTANER Josep Maria,
Depois do movimento moderno, Arquitectura da segunda metade do século XX, op. cit., p.32 168 HEREU Pere, MONTANER Josep Maria, OLIVERAS Jordi, Textos de arquitectura de la
modernidad, op. cit., p.291 169 COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna, una historia desapasionada, op.cit., p.219 170 EYCK Aldo van,”Commentaires sur un détour plein d’enseignement” in MARCHAND Bruno, La
multiplicité des tendances: Les années 1940,1950 e 1960, [2003], in
ltha.epfl.ch/enseignement_lth/theorie/polycopie_th5/chap_11.pdf (em 15/04/2008) 171 MONTANER Josep Maria, Depois do movimento moderno, Arquitectura da segunda metade do
século XX, op. cit., p.33 172 Ibid., p.291 173 Ibid., p.75
Fig.1 Urban Reidentification, Grelha CIAM 9, 1953, A e P. Smithson. Imagens da vida quotidiana.
Fig.2 Alison e Peter Smithsosn. O primeiro esboço de um “Cluster”,1952.
67
“casa, rua, distrito, cidade” (subdivisões da comunidade) ou “quadras, povoados,
cidade” (entidades de grupos)”174.
Assim, para cada ”forma de associação existe um modelo inerente de
edifício”175 ou um modelo de reagrupamento formal. Intrínseca a esta ideia, a infra-
estrutura, desempenha um papel primordial na definição formal de um determinado
modelo de associação e respectiva comunidade.
Para os Smithson, a infra-estrutura para além de facilitar a formação
espontânea da comunidade, devia dar coerência à estrutura urbana, tal como
acontecia na organização clara do urbanismo chinês (estudado no capitulo
anterior), em que este resultava da expressão formal das relações humanas. “O
objectivo do urbanismo é a compreensão, ou seja, a claridade da sua
organização”176.
Neste sentido, para os Smithson tanto os sistemas viários como os de
comunicação deviam ser considerados como infra-estrutura urbana, no âmbito do
planeamento urbanista, de forma a definirem, através da inter-comunicação de
funções que aliciam, um determinado modelo de associação.177
Nos princípios da década de 1960, estas ideias desenvolveram-se em uma
série de projectos que experimentaram diferentes articulações entre a infra-
estrutura e os elementos programáticos, anunciando uma nova ordem que deu
origem ao termo “mat-building” (edifício tapete), identificado em 1974 por Alison
Smithson.178
Por exemplo, o grupo de Candilis, Josic e Woods, fizeram projectos em que a
infra-estrutura, a rede de comunicação, era fixa e o recheio, os distintos volumes
funcionais, era aleatório. Dessa forma, essas redes tinham traçados em forma de
árvore (os projectos de Touluse-le-Mirail o Caen Hérouville, ambos de 1961) ou de
reticula (como na Universidade de Berlim, de 1964-1979). Este último projecto,
segundo Alison Smithson, foi o precursor dos mat-building.179
Igualmente, o orfanato de Amesterdão (1957-1960), obra de Aldo van Eyck,
anterior aos outros projectos, seguiu o conceito da rede circulatória definidora, mas
neste caso, existia uma dialéctica entre as formas exteriores que se repetiam e os
espaços interiores (a infra-estrutura) que as acompanhava e serviam, criando assim,
segundo a terminologia de Van Eyck, “espaços intermédios” e “umbrais” através
dos quais comunicam os espaços privados e públicos.180
174 Ibid., p.75 175 Alison e Peter Smithson, Urban Structuring, [1967], in Ibid., p.76 176 SMITHSON, Alison, “Team X Primer”, [1972] in COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna,
una historia desapasionada,op.cit., p.219 177 Idem 178 COLL Jaime, “Mat-Building”, [1998], in
www.mansilla-tunon.com/circo/epoca3/pdf/1998_054.pdf (em 07/04/2008) 179 SMITHSON Alison, “How to recognize and read Mat-Building”, AD/9/74, in Ibid, p.2 180 COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna, una historia desapasionada,op.cit., p.220
Fig.3 Georges Candilis, Alexis Josic e Shadrach Woods. Uma parte da Universidade
Livre de Berlim (1964-1979).
Fig.4 Orfanato Municipal de Amesterdão, Holanda (1957-1960). Planta do rés-do-chão. As circulações(amarelo).
Fig.5 Esboço de Le Corbusier, sobre o espaço urbano da cidade de Veneza, que se vai
diluindo na circulação interna do projecto do Hospital de Veneza (1964).
68
Esta valorização da infra-estrutura como forma e suporte de edifícios com um
programa complexo, devido à sua qualidade como espaço de inter-relações,
também foi tida em conta no projecto do Hospital de Veneza (1964) de Le
Corbusier. Uma vez que este, nesta fase da sua carreira, aproximou-se às ideias de
renovação do Team10: a atenção posta na pessoa e no seu habitat.
Deste modo, Le Corbusier assentou o seu projecto sobre o mesmo suporte
horizontal que o da cidade tradicional, assumindo assim a escala tanto de edifício
como a de tecido urbano: unidades compostas por salas quadradas ao arredor de
um pátio (a casa-pátio introvertida) agrupadas numa grelha quadrada semelhante à
rede dos canais de água de Veneza.
No livro “How to recognise and read a mat-building” de Alison Smithson, este
tipo de edifícios “mat” consistia numa trama horizontal de elementos programáticos
e circulatórios num jogo de cheios e vazios estabilizados numa ordem geométrica
visível181.
Embora alguns arquitectos contemporâneos referem-se ao mat-building como
um tipo e edifício baixo, horizontal, pouco denso, constituído por uma repetição
sistemática de um elemento simples ou um módulo, definindo uma forma
homogénea como se de um tipo de edifício se tratasse, não é correcto. Um mat-
building corresponde a um processo que proporciona resultados semelhantes.
Esse processo baseia-se numa regra geométrica da rede como suporte e controlo
das definições de relações entre os espaços e a sua forma.
Nesta linha de pensamento, o Lilong podia ter sido referenciado por Alison,
quando esta recorreu a signos do passado e outras culturas que se identificassem
com “mat” (Katsura, Sinan, Honnan182, as construções abobadadas gregas, a
arquitectura árabe, a trama americana de Mies, Kasbah, entre outras). Uma vez que
o Lilong (1860-1930) utilizou a rede hierárquica de ruas como instrumento
articulador, na horizontal, dos diferentes programas da vida privada dos habitantes
com os da vida urbana da cidade (comércio, trabalho, lazer e circulação), assim
como também serviu de suporte formal do lilong como tipologia e forma urbana.
Também em Portugal, por exemplo no projecto da casa de Sesimbra
(1960,1966), os autores Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas utilizaram como
instrumento de suporte a diferentes realizações espaciais, a rede geométrica.
A rede espacial de controlo surge, neste laboratório das “concepções de
habitar”, como dispositivo de projecto e não como projecto em si, ou seja, a rede
geométrica não é afigurada como suporte geométrico da concepção ao projecto
181 SARKIS Hashim,Le Corbusier’s Venice and the Mat Building Revival, Prestel, Munich 2001, p.105 182 Esta cidade foi apresentada por Alison Smithson no catálogo da exposição de MOMA,
organizada por Rudofsky, “Architecture Without Architects” (1964), in COLL Jaime, “Mat-Building”,
[1998], op.cit., p.4
Fig.6 Hospital de Veneza (1964). Planta terceira. Em amarelo estão as circulações e em
vermelho são os quartos (células).
Fig.7 Honnan, Shansi, Shensi y Kansu. Casas
escavadas no loess.
O LILONG E OS
MAT-BUILDING RESIDENCIAS
Fig.8 Esquema alusivo às funções que um quarteirão pode acarretar quando composto por vários lilongs (1939).
69
(como acontecia com alguns projectos de Frank Lloyd Wright)183, mas sim, como
suporte a diferentes realizações espaciais que, segundo Nuno Portas, eram
capazes de satisfazerem os desejos dos habitantes daquela época.184
Sabemos hoje, que este compromisso entre a rede geométrica e as
necessidades espaciais do habitante pode ser revisto pela sua simplicidade, e que,
não corresponde à essência do projecto arquitectónico para tratar as questões
sociológicas. No entanto, através da rede geométrica do Lilong um chinês pode
reconhecer as funções específicas de cada espaço resultante dessa rede.
No Lilong a rede geométrica é composta, segundo um processo de
“emboîtement”, por vários muros artificiais quadrados que fecham outros tantos
correspondentes aos respectivos ambientes da casa, do quarteirão até chegar à
cidade. Este tipo de geometria composta por quadrados é intuitiva, assim como a
sua utilização, porque reflecte o pensamento chinês. Como disse Zang Liang: “O
quadrado não deve ser procurado numa relação geométrica directamente
observável pelo olhar mas sim pela intuição ”185. A sua utilização valoriza o espírito
chinês, e “a paisagem transforma-se em pensamento e sentimento. Uma evocação
da imaginação” 186.
Por exemplo, no Lilong “a borda comerciante que fecha o quarteirão
xangaiense será considerado como “exterior” por um habitante chinês mas
“interior” para um observador ocidental ”187.
A recorrência, pelos arquitectos, à regra geométrica da rede, relaciona-se com
a vontade destes em oferecer ambientes variados e estimulantes à vida social, de
responder à exigência dinâmica do programa do edifício, a vontade de integrar tudo
numa forma flexível que englobe o paisagismo e o urbanismo, etc.
Nesta linha de pensamento, Álvaro Siza utilizou a rede como suporte formal e
articulador de diferentes programas e ambientes no projecto de habitação social da
quinta da Malagueira (1977) em Évora, também considerado mat-building188. Neste
183 Wright utilizou frequentemente redes não ortogonais como suporte ao desenho das plantas e
para a concepção espacial de algumas das suas Usoniam Houses, como The Hanna House de
1936. SERGENT, John, Frank Lloyd Wright’s Usonian Houses: Designs for moderate cost one-family
homes, Whitney Design, Nova York,1984. 184 Nuno Portas refere na sua investigação que o objectivo do projecto era: “dar ambientes variados
e estimulantes à vida social da casa (...) assim como se pretendia expressar bem a individualidade
do mundo pessoal no que se convencionou chamar a zona íntima (...) e uma concepção aberta dos
serviços domésticos, evitando uma segregação de funções que, tendencialmente entrarão no
“campo” quotidiano dos membros do agregado familiar.” PORTAS, Nuno, “Habitação em
Sesimbra”, Arquitectura, 3ª série, nº92, Lisboa, 1966, p.115 185 ZHANG Liang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, op.cit., p.161 186 XIAOXIE Zheng, A propôs de la protection de la tradition, des caracteres et de la physionomie
stylistique de “Ville célebre d’histoire et de culture”, [1983] in Idem 187 GED, Françoise ,”Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, in op.cit. 188 Este projecto do arq. Álvaro Siza foi considerado mat-building no livro Le Corbusier’s Venice and
the Mat Building Revival de Hashim Sarkis.
Fig.9 A planta do projecto da casa de
Sesimbra (1960,1966).
Fig.10 Lillong Bao Kang Li: o processo de
emboîtement (do público (amarelo) ao mais privado (o castanho)).
Fig.11 Plano ideal da cidade no Kaogong ji,
restituído por He Yeju 1985; Representações
do “Base quadrada”, Sanli tu de Nie Chongyi, século XVI.
70
projecto a rede é representada segundo dois traçados que se sobrepõem, a rede
de ruas e a dos aquedutos.
Como o projecto tinha que responder à extensão do bairro Santa Maria e a uma
série de encargos ligados à politica da habitação de regime progressista em
Portugal, o arquitecto concebeu um sistema de ruas que agrupasse os edifícios
colectivos e as casas-pátio como reflexo de um grupo social189, enquanto que os
aquedutos frisaram as directrizes desta rede, ao funcionarem como condutas de
infra-estruturas de água e electricidade.190
Desta forma, as ruas assumiram diferentes larguras, e, as que distribuíam as
casas foram desenhadas sem passeio e estacionamento para proporcionar
diferentes ambientes a escalas distintas de forma a controlar, o público e o privado,
e garantir a identidade de bairro.
É interessante referir que também este projecto estabeleceu pontes entre o
passado, a presença árabe na cidade de Évora (as casa-pátio e o aqueduto), com
o moderno (as chaminés, a função do aqueduto).
Segundo Alan Colquhoun, para a classe de ideias urbanas que exploraram o
Team10, existiam dois modelos conceptuais, que deram origem aos “mat-building”.
Um deles corresponde aos projectos, até agora referidos, baseadas no conceito de
“comunidade”, e o outro modelo, corresponde à “teoria dos sistemas” desenvolvido
desde a II Guerra mundial com as ciências humanas.
Esta teoria aplicava o princípio comum da auto-regulação às máquinas, à
psicologia e à sociedade, ou seja, a todos os conjuntos “organizados”.191 Os
edifícios entendidos como sistemas podiam potencialmente se auto-regular, uma
vez que, segundo Alan Colquhoun: “É o utilizador que desempenha um papel activo
no edifício, logo o papel do arquitecto é mais fornecer a estrutura que permita ao
utilizador de escolher o seu próprio comportamento ”192.
Assim, tínhamos o primeiro modelo de edifícios que estabelecia pontes entre o
moderno e o vernacular, porque olhava para trás, à “integridade” perdida das
comunidades e culturas de base artesanal.193 E, “(...) o segundo olhava para a
189 Para tal, foram desenvolvidas tipologias com pátios com um muro mais alto para privilegiar a
íntimidade dos estratos sociais mais elevados que identificavam a Malagueira às casas antigas de
Évora, como se fizeram casas com pátios com muros mais baixos para os habitantes de cultura
mais popular. MATO Gisela, “Siza Vieira em Évora: revistar uma experimentação, Cidades.
Comunidades e Territórios”, [2004], in http://jeanmichelleger.free.fr/choses-ecrites/detail.php?id=86
(em 28/07/2008) 190 A existência do aqueduto era completamente simbólica neste território de grande presença
árabe. MONEO, Rafael, Inquietud teórica y estrategia proyectual: en la obra de ocho arquitectos
contemporâneos, Actar,Barcelona, 2004, p.232 191 Esta teoria fundamentava-se na crença de que a tecnologia instrumental substituía, portanto,
todas as outras tendências. Idem 192 COLQUHOUN, Alan, “Centraal Beheer”, [1974], in TAYLOR, Brian Brace, La modernité critique
autour du CIAM 9 d’Aix en Provence, editions imbernon, Marseille, 2006, p.188 193 COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna, una historia desapasionada, op.cit., p.221
Fig.12 Habitação social da quinta da Malagueira (1977) em Évora. A mancha
homogénea composta por casas-pátio com muros mais altos que outros.
Fig.13 Planta geral da implantação do projecto
da quinta da Malagueira.
Fig.14 Esquema do traçado do aqueduto que
“irrigavam” as 1200 casas do Bairro da Malagueira em Évora, desenhado por Álvaro Siza.
Fig.15 Uma das ruas (sem passeio) da quinta
da Malagueira.
71
frente, a um mundo capitalista de estruturas abertas das quais a democracia, o
individualismo, a mercantilização e o espírito consumista não se viam
obstaculizados por nenhum conjunto de códigos culturais estabelecidos a
“priori””194.
Dentro deste segundo modelo de edifícios situam-se alguns mat-building
contemporâneos de autores como Rem Koolhaas e Kasuyo Sejma que defendem a
arquitectura como fundamento essencial na formação de uma cultura urbana
produtiva, segundo a leitura da cidade como fragmento. Como disse Rem
Koolhaas:
“É interessante deixar de entender a cidade como um tecido, para concebê-la
como uma coexistência, um conjunto de relações entre diferentes objectos que
quase nunca se articulam visual ou formalmente, que já não ficam agarradas em
conexões arquitectónicas. Para mim, é um passo decisivo. Mas se chegarmos à
conclusão de que a conexão já não é algo necessário, estamos, de certo modo,
dinamizando o alicerce da nossa existência profissional. Se o planeamento já não é
algo necessário, ou tornou-se algo irrelevante... Para que planificar?”195.
Por isso, é que hoje os mat-building encontram-se em forma de mega centros
comerciais, terminais aéreos, museus, edifícios de habitação que cada vez mais se
apresentam como um “espaço multi-activo e inter-activo”196, e, outros edifícios, de
extensão horizontal ilimitado a uma escala urbana, redefinindo a fronteira do que é
cidade e edifício, público e privado, estrutura e infra-estrutura e, sobretudo,
desafiando a separação disciplinar entre arquitectura e urbanismo.197
O conjunto residencial “Nexus World de Fukuoka”198 no Japão (1991) do
arquitecto Rem Koolhaas, inscrito sobre uma trama horizontal composta por três
bandas de habitação e de passagens de circulação, corresponde a este segundo
modelo de estruturas urbanas.
Trata-se de uma proposta de projecto urbano ligado à problemática
habitacional que, ao contrário do Lilong, do Hospital de Veneza e do Bairro da
Malagueira, recusa e afasta-se da tipologia dominante na cidade, inserindo-se no
meio urbano com capacidade de se sustentar (como forma e ideia) pelo seu próprio
sistema.
No entanto, este projecto utiliza a infra-estrutura (as passagens de carácter
semi-público) como instrumento articulador, da unidade habitacional introvertida199
(no primeiro e segundo andar), do estacionamento e de alguns serviços públicos no
194 Idem 195 OMA,Rem Koolhaas, revista “El Croquis” nº 53, Madrid 1992, p. 21-22 196 GAUSA, Manuel, “The Metapolis Dictionary of Advanced Architecture: City, Technology and
society in teh Information Age”[2003], in arq.a, Habitar Colectivo, nº57, Maio 2008, p.11 197 SARKIS Hashim, Le Corbusier’s Venice and the Mat Building Revival, op.cit., 198 Este projecto residencial “Nexus Housing” faz parte de um plano urbanístico denominado “Nexus
World”, desenvolvido pelo arquitecto Arata Isozaki para a cidade de Fukuoka, no Japão. 199 A utilização da casa-pátio revela um respeito pela cultura nipónica
Fig.16 O conjunto residencial “Nexus World de
Fukuoka” (1991). Planta do rés-do-chão e a planta tipo.
Fig.17 Cortes longitudinais. O primeiro passa pelas rampas de acesso e o outro passa pelo
pátio com pé-direito mais alto.
Fig.18 Conjunto residencial Nexus World de Fukuoka, Japão, 1991, de Rem Koolhaas.
72
rés-do-chão. Contudo, o modelo de associação entre habitação, circulação e as
actividades públicas é diferente aos anteriores, devido à concepção do “vazio”
neste sistema.
Neste edifício o vazio, correspondente aos pátios e aos poços de luz, foi
concebido como parte substancial ao projecto, consolidando uma identidade
especifica, individual e fragmentária.
Num mat, ou seja, num tapete ou num tecido: “Os vazios, os poros das
estruturas radiculares dos mat-building não são simples pátios, os projectos não
giram em torno deles. Os vazios são parte inerente deles como o poro o é de uma
esponja ”200 Uma vez que, é segundo o tamanho e a forma dos vazios que o tecido
consegue estender-se e adaptar-se a outras formas e fundo, como é o caso do
Hospital de Veneza e do Lilong que, juntamente com o tecido da cidade,
constituem um todo continuo.
A consideração do vazio como espaço substancial ao projecto permitiu garantir
a identidade do Lilong, uma vez que, independentemente da condicionante da
forma e do tamanho da parcela e dos estilos ocidentais, as ruas e os pátios
adaptaram-se sem perder a sua entidade positiva como espaços de transição e de
interacção social. Assim tínhamos um padrão espacial básico que consistia numa
relação de estrutura cheio e vazio e numa produção urbana integrada que deu
consistência e unidade ao interior do Lilong.
Igualmente, a “tipologia de baixa altura” concebida por Kasuyo Sejima para o
seu mencionado “Estudo de habitações metropolitanas”201 (1996), assimilou a
diversidade como proposta e organizou-se em um conteúdo intrínseco, insinuando
as recentes e complexas necessidades urbanas do mundo contemporâneo. Para
tal, recorreu aos seguintes vazios: os pátios das unidades introspectivas, as ruas
respectivas de serviço, a rua aleatória de circulação e o espaço público circular.
O facto, de ainda hoje, assistirmos a fenómenos da sociedade dessa época,
como a “paisagem da borda da estrada, a mecanização dos objectos quotidianos,
a cultura do consumo” 202; assim como a riqueza dos pensamentos contrastados:
“o regresso efémero da monumentalidade e do humanismo, a afirmação dos
regionalismos e a influência do vernacular, a reconsideração do funcionalismo de
entre as duas guerras, a multidão de tendências e de expressões poéticas
pessoais.”203, explica essa continua recorrência aos mat-building como processo
no acto criativo de projectar.
Analisado que o mat-building, como processo, aborda temas actuais sobre a
arquitectura e a sociedade e que, segundo o livro Le Corbusier’s Venice and the
200 SOSA, José António, “Constructores de ambientes: del mat-building a la lava programática”, in
Quaderns d’Arquitecture i Urbanisme nº220, 1998, p.93 201 Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº99, Madrid, 2000, p.114-124 202 MARCHAND Bruno, La multiplicité des tendances: Les années 1940,1950 e 1960, op.cit. 203 Idem
Fig.19 As passagens no rés-do-chão e os poços de luz que continuam até ao ultimo andar.
Fig.20 O cheio e o vazio do Lilong.
Fig.21 O momento de tensão de algumas ruas secundárias do Lilong.
Fig.22 Estudo de habitações metropolitanas de baixa altura de Kasuyo Sejima (1996).
Planta da cobertura e a unidade casa-pátio.
73
Mat Building Revival, existem projectos mat de habitação urbana contemporânea
que apresentam princípios ordenadores de projecto semelhante aos do Lilong,
podemos constatar que o Lilong ganhou credibilidade como estrutura conceptual,
de referência à projecção de novas residências contemporâneas.
Essa semelhança entre projectos acontece, visto que a arquitectura é uma
actividade criativa que necessita de referências para a estruturação do seu
projecto, para além das condições sociais que podem ser semelhantes. Como
disse Marti Aris: “As obras de arquitectura remetem umas a outras e num jogo de
correspondências funda-se a noção de tipo. Mas o tipo não se identifica com
nenhuma das materializações mas sim com o principio lógico que as engloba.”204.
Deste modo, o mat-building corresponde ao tipo que une o Lilong aos outros
projectos mat de habitação contemporâneos, aqui mencionados e seguramente a
outros que não foram aqui estudados.
O que é importante salientar, neste capítulo, é que a residência plurifamiliar
contemporânea preocupa-se, cada vez mais, em promover a vida urbana, e, que o
Lilong, apesar de pertencer a outro tempo e a outra cultura, também conseguiu
dinamizar a vida urbana dos seus habitantes, porque utilizou um sistema que deu
resposta às necessidades da vida urbana dos seus residentes, garantindo uma
autonomia de funcionamento em relação ao exterior, como uma unidade urbana.
Tanto o Lilong como os outros projectos contemporâneos, ainda continuam a
ser uma tendência e uma referência, porque utilizaram um sistema que lhes
permitiu adaptar-se à realidade passageira, mutante e consumista que vivemos
hoje. Esse sistema consiste, portanto, numa rede geométrica de infra-estruturas
(ruas ou passagens) que proporciona múltiplas combinações entre o módulo
habitacional e os diversos mutáveis elementos programáticos do edifício (ginásio,
supermercado, café, etc).
Esses edifícios utilizaram como módulo, a casa-pátio porque permitia articular,
através do vazio, os vários elementos programáticos deste tipo de sistema e
porque como tipologia é muito bem sucedida por todo o tipo de classe social,
como podemos observar neste capítulo.
Igualmente Manuel Gausa apoia este tipo sistema de edifícios, que continuará a
ser abordado no capítulo seguinte: “(...) perante a indeterminação e a mutabilidade
da cidade contemporânea mais receptiva, pelo contrario, a mecanismos abertos
com capacidade de evolução e perturbação. A substituição no projecto
contemporâneo, da ideia fechada de composição (definição exacta e desenhada
das partes) pela de sistema (mecanismo “aberto” o ideograma vector susceptível
de proporcionar múltiplas combinações e manifestações formais diversas) constitui,
de facto, um dos maiores exponentes de mudança de paradigmas que caracteriza
hoje a disciplina”205 .
204 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad, Ed. Serbal, op. cit., p.186 205 GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, Actar Barcelona, Gustavo Gil, 2002, p.11
Fig.23 Tecido em fibras mistas. Imagem alusiva aos mat-building.
Fig.24 Metodologia do SAR (Instituto de pesquisa arquitectural oficialmente fundada em 1964 por oito agências de arquitectura
apoiadas pela Ordem dos arquitectos, em Eindhoven (cidade neerlandesa)). Aldo van Eyc também participou neste instituto.
74
Representação do modo de habitar no nº94 do Lilong (Taian Li (1917-33)) em 1988
75
V. O LILONG E O HABITAR CONTEMPORÂNEO
O desejo de modernizar e a novidade ocidental são hoje, mais do que nunca, os
desejos de uma cidade, que luta em ser “a gigantesca potência emergente” da
Ásia. Desde a abertura da China ao mercado internacional, o aumento da produção
interior bruta e da exportação fez com que o nível geral de vida dos Xangaienses
não deixasse de melhorar e os modos da estruturação social e as práticas
territoriais dos indivíduos tendessem para uma emancipação das mobilidades.206
O trabalho salarial, que antes era controlado pelo Estado e pelo partido,
permitiu ao indivíduo autonomizar-se e valorizar certos aspectos essenciais em
termos de acesso ao consumo: a propriedade privada, banida por Mao, tornou-se
num sinal de distinção social; o aumento da presença das novas tecnologias no
espaço da casa; a multiplicação de lugares de consumo (restaurantes, centros
comerciais, etc) 207; o aumento da renovação e o rejuvenescimento das elites208
consequente do acréscimo de indivíduos com imensos diplomas e estudos no
estrangeiro e das crianças que estudam nas melhores escolas privadas; assim
como ter carro próprio foi associado na publicidade à riqueza e ao poder.209
Esta tendência da sociedade xangaiense à individualização global não se
relaciona apenas com a crescente subida da qualidade de vida dos indivíduos.
Questões como a política de um único filho com preferência a um menino (aumento
dos abortos); a instauração de uma idade mínima para os candidatos ao
casamento (23 anos mulheres, e 22 homens); a não completa emancipação da
mulher, visto que não pode adquirir cargos importantes devido à licença de parto; o
aumento do divórcio; os filhos que “abandonam” a casa cedo para irem viver para o
“campus” universitário, fez com que se preveja uma sociedade xangaiense cada
vez mais idosa, com mais homens do que mulheres e que os valores tradicionais
familiares como “as quatro gerações sobre o mesmo tecto” desapareçam em favor
do filho único, da individualidade.210
No entanto, em paralelo a esses grupos individuais mais ocidentalizados, estão
as famílias tradicionais migratórias, fenómeno consequente do êxodo rural
206 Revue d’ Urbanisme: Villes chinoises en mouvement, nº341, mars, avril 2005, 207 Idem 208 A meio de 1990, apareceu no pais comunista a “classe média” (10 a 15% da população), relativa
aos derigentes e aos quadros superiores de empresas privadas ou do Estado, técnicos qualificados,
ricos individuais, etc. CYRILLE J., JAVARY D. e WANG Alain, La Chine nouvelle, op.cit., p.47 209 Ibid., p.49 210 Ibid., p.50-67
76
(procuram as grandes cidades pela oferta de trabalho), que vieram marcar as
diferenças culturais e a segregação sócio-espacial. 211
Contudo, apesar das diferenças entre a sociedade xangaiense e a do ocidente,
devido a questões políticas, culturais e sociais, ambas tendem à individualização
global e à diversidade influenciada pelas novas tecnologias informáticas e
telemáticas, e os média na vida laboral e doméstica.
Desse modo, pretende-se retirar e questionar o papel das premissas que
descrevem o Lilong na definição do espaço doméstico segundo as transformações
sociais, culturais, tecnológicas que definem o habitar ocidental de tendência global,
implícita também no sistema mat-building, como a individualidade, a casa cidade e
a flexibilidade.
A INDIVIDUALIDADE
A necessidade de um habitar confortável e seguro sempre acompanhou a evolução
da civilização humana desde os pequenos povoamentos até às cidades de hoje. A
habitação, para além de ter sido o tema nuclear da arquitectura, representa o mais
paradigmático instrumento arquitectónico na formação do indivíduo.
Qualquer casa, como espaço vazio, solicita um hábito que é por nós
determinado segundo a disposição dos nossos bens pessoais e íntimos que, com
o tempo, convertem o espaço vazio num lugar íntimo e pleno de identidade. É
assim, que através do hábito do habitante, se define a habitação. “A dimensão do
domínio que possui o habitar é também e antes de mais domínio de si, e por isso é
domínio moral, ethos. A única forma de deter-se é ocupar um lugar. E isto é
habitar”212.
No entanto, essa relação entre o habitante e a casa é feita porque o indivíduo
necessita de um refúgio do ambiente social, de um ambiente privado e íntimo
essencial para a sua relação consigo e com o mundo213, ou seja, para a formação
do seu carácter que depende desse balanceamento entre a sua intimidade e o
exterior. Desta forma, a intimidade correspondente à esfera privada depende do
exterior, da esfera pública, e é, segundo estas duas esferas, que se define a
intimidade individual.
Mesmo que se alterem as necessidades espaciais, aumentem as exigências de
conforto e qualidade do espaço doméstico, a verdadeira essência da casa está em
oferecer um espaço de conforto que garanta um ambiente de privacidade e
intimidade, essencial à formação do carácter do indivíduo.
Numa época em que a sociedade global aspira a uma identidade singular e em
que a recuperação da memória individual, quer da cidade ou da casa, assume um
211 Revue d’ Urbanisme: Villes chinoises en mouvement, op.cit. 212 BERLANGA José Luís Villacañas, “La Casa, el sujeto”, in “Acerca de la Casa 2”, Sevilha, 1998,
p.230-231 213 MÉLICH Glória, Lo intimo, in Quaderns n.º226, Barcelona, Julho 2000.
Fig.1 Publicidade gigante para as malas de Louis Vuitton (Xangai).
Fig.2 Fotografia de Hu Yang, em Living in
Shanghai (2005).
Fig.3 Esta imagem é alusiva ao tema: Individual/Diverso. Les locataires, fotografia de
Robert Doisneau, 1962.
77
valor essencial, é urgente interrogarmo-nos sobre as casas urbanas apoiadas nos
últimos parâmetros de habitação aliados ao sentido comercial standard (T1, T2, T3,
T4, etc), uma vez que o problema de hoje não está nas massas,214 mas sim no
indivíduo. Os hábitos que anteriormente se realizavam em conjunto e em partilha
com a família passaram a uma coabitação susceptível de favorecer a
independência tanto de acções e comportamentos diversos como de necessidades
individuais mudadas. “À cultura do igual sucede-se a cultura do diferente. Cada
pessoa é um mundo. Cada casa215 é um mundo”216.
Este generalizado colapso de todo o estereótipo residencial foi analisado por
Roger Diener, no seu livro Fenêtres habitées, através de uns estudos/desenhos às
residências do centro da cidade que apresentavam uma multiplicidade de modos
de vida face aos apartamentos igualmente repetidos.217
A consciência individual, presente na organização do espaço, à qual se apropria
o habitante revela uma realidade em que a individualização, defendida há sete
décadas por Mies Van der Rohe, prevalece sobre a maximização lançada pelos
arquitectos funcionalistas que, infelizmente, continua presente nas cidades de um
modo geral.
Deste modo, o conjunto de casas-pátio (1931-1938) de Mies Van der Rohe,
apresenta hoje um legado de avanços no estudo da habitação. Desenvolvido como
um projecto de investigação218, durante oito anos, sobre a questão da tipologia
residencial, hoje aparece como referência em alguns livros como Le Corbusier’s
Venice and the Mat Building Revival, na qual é apresentado como um mat-building.
Influenciado pelo pensamento nietzsheziano anti-positivo219, Mies orientou o seu
trabalho de investigação na individualização das habitações unitárias através de
mecanismos topológicos (diferentes formas de implantação, diferentes proporções
dos terrenos, diferentes profundidades e orientação) que assentavam sobre um
sistema que, como constante da tipologia, agrupava as diferentes variantes de ha-
214 A repetição sistemática dos espaços como dos apartamentos, lançados na corrente do
funcionalismo nos quais deviam ser todos iguais para umas quantas pessoas, tinham a finalidade de
permitir um nível de qualidade de vida mínimo. Ibid., p.326 215 A casa corresponde ao espaço lar e não ao edifício. GAUSA, Manuel, diccionario metápolis de
arquitectura avanzada, op. cit., p.105 216 Ibid., p.326 217 GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, op.cit., p.21 218 Durante este processo de investigação, Mies estuda umas quantas casa-pátio como projectos
individualizados que estabelecem alguma correspondência com aguns princípios espaciais e
constructivos do Pavilhão de Barcelona, e é com a casa com três pátios (1934) que consegue um
projecto mais elaborado. ÀBALOS, Iñaki, A Boa-vida, Gustavo Gili, Barcelona, Gustavo Gili, 2000,
p.20 219 Defendia a individualidade do Homem. O homem libertado de qualquer vínculo, senhor de si
mesmo e dos outros, o homem desprezador de qualquer verdade estabelecida ou por estabelecer e
apto a se exprimir a vida, em todos os seus actos. pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Nietzsche (em
16/08/2008)
Fig.4 Le Corbusier, Plan Obus (Argel, 1930). Perspectiva de los redents de Fort L’empereur
com habitações de diferentes tipos inseridas na estrutura.
Fig.5 Planta do conjunto de casas-pátio, Mies
van der Rohe (1938).
78
bitar a casa mantendo a identidade individual.220
Esta escolha de trabalhar abstractamente a casa, renunciando aos estereótipos
da família convencional defendida pelo existenzminimum221 e segundo um sistema,
permitiu a construção de uma consciência individual que procura libertar-se dos
dogmas de uma sociedade ultrapassada e redutora, uma vez que o habitante
usufruía de um isolamento (casa-pátio) em relação ao exterior (cidade/metrópole).
Numa sociedade cosmopolita, heterogénea, diversificada e individualista como
a de Xangai, ou qualquer outra cidade do Ocidente, faz mais sentido que a
habitação seja pensada como um sistema que proporcione uma diversidade de
organizações individuais do espaço habitável e não com uma única variante de
casa. Como disse Ivar Ekeland, no seu livro Le Chaos (1995): “um sistema dinâmico
amplifica cada vez mais as diferenças particulares; faz aceder aos fenómenos
individuais à escala macroscópica e, de facto, é uma ampliação sucessiva destas
pequenas diferenças onde acaba encontrando-se o azar”222.
Daí a validade do sistema constante do Lilong nos tempos de hoje, uma vez
que, composto por uma rede de ruas hierárquicas conseguiu, ao longo da sua
história, agrupar as diferentes variantes de habitar a casa, uma em cada sistema ou
por vezes várias no mesmo sistema. A estas variantes juntavam-se as diferentes
unidades comerciais e serviços públicos, que vinham dinamizar o sistema. (fig.7)
Igualmente, o projecto da unidade de habitação de Marselha (1951) de Le
Corbusier apresentou um sistema constante correspondente a uma quadrícula que
servia as variantes relativas aos serviços autónomos e às unidades habitacionais, e
que no seu conjunto funcionava como uma unidade urbana auto-sustentável, tal
como o Lilong.223
Adaptando este sistema ao tema da individualidade: “a imagem hoje podia ser
uma folha quadriculada, cujos quadrados tinham elementos que pudessem
combinar, obtendo assim novos elementos. Certas dessas combinações são
casas”224. (fig.8)
Desse modo, a habitação urbana deveria ser pensada segundo um sistema
aberto a sucessivos acontecimentos, que proporcionasse um tipo de ordem mais
versátil podendo o habitante ter a liberdade de criar vínculos, domesticar,
materializar os seus sonhos. Impõe-se, portanto, uma nova vivenda pensada“desde
a diversidade e a individualidade, mais do que a homogeneidade e a
colectividade”225.
220 ÀBALOS, Iñaki, A Boa-vida, op.cit., p.22,23 221 Investigação sobre a habitação mínima, levada a cabo segundo os parâmetros funcionalistas:
optimização e produção em série. 222 GAUSA, Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, op. cit., p.326 223 FRAMPTON, Kenneth. História crítica da Arquitetura Moderna. Martins Fontes, 1997, São Paulo,
p. 274. 224 MONTEYS Xavier, FUERTES Pere, Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa,
Editorial Gutavo Gili, SA, Barcelona, 2001, p.144 225 GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, op.cit. p.20
SISTEMA
Fig.6 Fotografia de Hu Yang, em Living in Shanghai (2005). Atente-se à “crock pots”, panela eléctrica. Num mesmo espaço temos a
sala, o quarto e a cozinha.
Fig.7 Lilong Yong Jia Xincu, 1930. Num mesmo sistema de ruas interiores, temos os modelos: apartamento borboleta e em linha.
Fig.8 A casa dispersa, montagem de X.M
79
A CASA CIDADE
A partir da era pós-moderna, a casa passou a ser pensada para o homem pós-
humanista através de um novo conceito espaço-tempo entendido como estando
vinculado ao mundo de fluidos invisíveis de circulação de bens e informação,
dominados pelas tecnologias informáticas e telemáticas, e os média na vida laboral
e doméstica, que, antes eram organizados por concentração geográfica.
Esta integração dos fluídos a uma escala global tem a ver, por um lado, com:
“O sujeito já não é mais um produtor individual de significados, mas, sim, um
conglomerado heterogéneo, com perfis desvanecidos, um movimento, uma
entidade variável e dispersa, cuja verdadeira identidade e cujo verdadeiro lugar se
constituem nas práticas sociais, tal como Michael Hays descreveu no seu
”Modernism and the Posthuman Subject” (1992)”226. E, por outro, as noções de
espaço e de tempo mudaram, o tempo deixou de ser sequencial e repetitivo, uma
vez que perdeu uma cadência, ou seja, perdeu o seu papel maestro de acção para
fazer-se de desprendimentos.227
Esta realidade metafísica dinâmica que caracteriza a vida acelerada quotidiana
mudou a estrutura social tradicional (relação lugar, casa, família), assim como
dificultou a definição e separação entre o público e o privado, uma vez que as
actividades do espaço exterior foram importadas para o interior, devido à presença
das novas tecnologias no espaço da casa, potenciando-a como um local de
trabalho, de lazer e de comunicação (a importação do cinema para o interior de
casa, HI-FI, o telemóvel, etc).
Serviços interiores da casa, como cozinhar, lavar a roupa e secar, e até a sala
de estar como espaço de convívio e de lazer, também foram, em algumas
sociedades, providenciados para o exterior por instalações públicas em espaços
públicos, como as lojas de comida rápida, as lavandarias, os museus, os
“shoppings”228, os “Konbini”229,os cybercafé, etc.
Cada vez mais o indivíduo é visto como um potencial consumidor, e a sua
individualidade tende, como no Japão230, a ler-se através da sua relação com
objectos e bens de consumo.231 É como se as funções condensadas no edifício
226 ÁBALOS, Iñaki, A Boa-vida, op.cit., p.147 227 GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, op.cit., p.17 228 Em Xangai os Shoppings acompanham a velocidade de transformação da cidade, 24h sobre
24h, e normalmente localizam-se em pontos de cruzamento das estações de metro, com
autocarros, táxis e Parkings. Revue d’ Urbanisme: Villes chinoises en mouvement, op.cit., p. 6 229 “O Konbini é uma loja multifuncional que apoia os novos estilos de vida quotidiana dos
japoneses”, MOREIRA Inês e YOSHIMURA Yuji, “Práticas quotidianas aceleradas, ou onde vive
Kazuyo Sejima?”, in www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp206.asp (em17/08/2008) 230 Uma das sociedades que retrata este novo entendimento do tempo e das prácticas quotidianas
é a “Japonesa, que cada vez mais reflecte a sociedade à escala global. Lembremo-nos do sistema
efémero, portátil, flexível, modular destinado a uma cosmopolita mulher solteira que vive em Tóquio,
de Toyo Ito”. Idem 231 Idem
Fig.9 Trabalho e lazer.
Fig.10 Toyo Ito, Pão 1, alojamento para uma mulher nómada de Tóquio, 1985.
Fig.11 Estender a roupa na rua exterior ao Lilong (2007).
80
casa tivessem sido distribuídas na horizontal com o intuito de converter a cidade
numa grande “casa dispersa” para um usuário nómada.232
Este sentido da cidade-casa deixou de ser um facto contemporâneo a partir do
momento que apareceu o sentido de colectividade e a presença da casa colectiva
no tecido urbano. As funções que antes estavam na casa, como as sagradas,
passaram para a cidade em forma da catedral, entre outras, porque as relações
que existiam entre essas funções e a casa podiam estabelecer-se à escala da
cidade, devido ao sentido de colectividade do espaço público233.
Esta tendência da cidade-casa acontece nas cidades como Paris, Tóquio, onde
a estrutura social piramidal falhou em favor de modelos horizontais e onde as
rotinas da vida quotidiana caíram numa situação de indiferença234 que levou os
habitantes a utilizarem o espaço público como espaço doméstico.
Por exemplo, em Paris, as ruas de cada arrondissement são utilizadas pelos
habitantes dessa zona como se fosse o “corredor” de casa, porque dispõe de
lavandarias, todo o tipo de comida preparada para levar para casa ou para comer
no sítio, cybercafés, entre outras funções, cada 20m. Por isso, viver nos
apartamentos pequenos de Paris, sem máquina de lavar roupa e uma cozinha
minúscula, acaba por não ser um problema se o habitante se habituar a este modo
de vida.
Em Xangai, apesar das segregações sociais, a rua continua a desempenhar um
papel fundamental para aqueles que consideram o espaço da cidade como parte
da sua casa, como por exemplo, os novos casais e jovens que por questões
económicas ou sociais vivem num espaço reduzido, seja ele apartamento ou o
quarto na casa dos pais. No Japão este tema foi analisado pelo jornalista Kyoichi
tsuzuki, o qual afirmou que: “Em definitivo, apenas a função do dormir ficou
agarrada ao compartimento como a cidade se tornou numa espécie de
apêndice”235.
Neste sentido, impõe-se redefinir o apartamento como os espaços intersticiais,
interiores e exteriores ao edifício plurifamiliar, com maior polifuncionalidade e
polivalência, uma vez que as tarefas domésticas e a ideia de casa são cada vez
mais diversas, assim como o indivíduo. A flexibilidade impõe-se.
232 GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, op.cit., p.19 233 RYKWERT, Joseph, "One way of thinking about a house", Lotus, nº8, Alfieri, Milão, 1974, p.192-
193 234 Este tipo de estrutura social corresponde a um mundo sem dimensões transcendentais, ao qual
os ingleses denominam por Superflatness, superplaneidade. É como se o espaço da cidade
correspondesse a um hotel superplano, in www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp206.asp 235 TSUZUKI Kyoichi, “Tokio style, ou vivre chez soi comme en ville”, in, Faire son nid dans la ville,
Archilab Japon Orleans, 2006, comissários: Akira Suzuki, Mariko Terada, p.32
Fig.12 Em todas as ruas encontra-se fast-food
chinês. Come-se na rua sentado ou caminhando. (2007).
Fig.13 A rua cozinha.
Fig.14 Ginásio nas ruas do Lilong.
81
FLEXIBILIDADE
Autores como Gerard MacCreanor, quando se referem à flexibilidade como a algo
móvel, fazem questão de a definir segundo a sua diferença com a adaptabilidade,
uma vez que esta é associada à capacidade de mudança genérica: “Adaptabilidade
é uma forma diferente de compreender a flexibilidade. O edifício adaptável admite,
ao mesmo tempo, muitas funções diferentes e vai mais além da função. Permite
também a possibilidades de uma mudança de uso. Do viver ao trabalhar, do
trabalhar a actividades de distracção ou, até como contentor de vários usos
simultâneos.”236
No entanto, neste trabalho pretende-se entender a flexibilidade, no sentido lato
da palavra, como a capacidade que o espaço físico da área habitável possui em se
adaptar ao processo dinâmico do acto de habitar, materializando-se numa qualquer
disposição construtiva, formal ou tipológica que permita, assim, uma certa
diversidade e mudança nos modos de ocupação dos espaços.
A flexibilidade não se deve generalizar à multiplicidade de complexos
dispositivos móveis, manipuláveis e ajustáveis, uma vez que existem habitantes
que, não estando habituados a uma casa toda mecanizada, sentem a dificuldade
de domesticar o espaço. Contudo, é reconhecível a importância desses
dispositivos na organização espacial da habitação.
Uma outra forma de conseguir a flexibilidade espacial é através da
fragmentação do espaço, ou seja, introduzir um número de compartimentos
relacionados entre si e libertos do determinismo funcional, com que hoje em dia são
concebidos, sempre e contudo, deixando bem definida a posição do que é
permanente (cozinha, casa-de-banho e escadas) segundo um relacionamento
multifuncional com o conjunto do espaço habitável, de modo a albergar modos de
habitar contemporâneos não convencionais.
“Se as partes fixas, permanentes, se agrupam em núcleos de serviços e as partes
mutantes em divisões rígidas e com critérios de temporalidade, as mudanças que
sofra a unidade familiar ao longo do tempo serão resolvidas sem profundas e
custosas transformações. Na definição da vivenda, temos de fixar e agrupar
claramente o que é permanente e o que é efémero, o que é fixo e o que é
susceptível a ser mudado”237
Uns dos arquitectos contemporâneos que exploram bem esse tema é Kasuyo
Sejima e Ryue Nishizawa, uma vez que se interessam por combinar e recombinar
os espaços específicos de uma determinada dimensão através de espaços
indefinidos de transição, que não corredores, de carácter polivalente devido à sua
dimensão e relação com o conjunto. Por exemplo, o projecto Casa na China de
Ryue Nishizawa exemplifica muito bem o carácter desses espaços transitórios.
236 MACCREANOR, Gerard, “Adaptability”, in A+T n.º 12, 1998, p.40 237 ARANGUREN, Maria José e GALLEGOS José Gonzáles, “Habitar la caja”, [1999], in BÁRTOLO
Prata, Re-habitar a casa urbana do Porto, Faup, Porto, 2006/2007, p.54
Fig.15 Indeterminação espacial contemporânea (S. Gansell. House for nomads (1994)).
Fig.16 Diagrama conceptual do projecto a casa
na China, Tianjin (2003), de Ryue Nishizawa.
Fig.17 Maqueta da casa na China, Tianjin (2003), de Ryue Nishizawa.
Fig.18 Diagrama conceptual para a
configuração do número de unidades por apartamentos em Funabashi (2002/2004), no Japão de Ryue Nishizawa.
82
Para Sejima, o importante não é propriamente a linguagem final que terá o
edifício, mas sim responder aos anseios sociais e psicológicos do habitante,
portanto ela organiza as condições funcionais do edifício segundo arquétipos
baseados em hábitos comuns num diagrama último do espaço, e imediatamente
converte esse esquema em realidade.238 Tanto para Sejima, como para Nishizawa,
a arquitectura segue uma lógica mais estratégica que figurativa: “uma planta muito
simples, mas na realidade muito complexa”; ”um edifício do qual não se sabe se é
temporal ou permanente”; “um edifício construído entendendo o comportamento
humano”239.
Por exemplo, no projecto Funabashi apartamentos (2002/2004) em Chiba, no
Japão, Nishizawa reduziu cada apartamento a uma casa-de-banho, uma cozinha e
um quarto enorme que podia funcionar tanto de quarto como de sala. Quando
funcionava apenas de quarto, era porque tinha uma posição mais reservada e uma
dimensão mais pequena (05), e quando tinha uma posição mais central e de
dimensões maiores, funcionava de quarto e sala (08). Deste modo, a flexibilidade
do apartamento 08 dependia das dimensões e da sua posição em relação ao
conjunto. (fig.18)
Igualmente, nos primeiros modelos do Lilong, o espaço que estava entre a
entrada principal e as escadas, por vezes foi utilizado como sala, quando apenas
vivia uma família, ou como quarto e sala, quando habitavam várias famílias.
A polivalência desses espaços do Lilong e do projecto Funabashi, deve-se ao
facto de terem sido concebidos como um vazio a conquistar, destinado à
habilitação, e também porque os compartimentos não foram minuciosamente
distribuídos. (fig.21)
No caso do Lilong, a flexibilidade dos espaços foi conseguida, por um lado,
através da posição permanente dos serviços (cozinha e escadas) que, associados à
segunda entrada, separavam o edifício unifamiliar em vários “apartamentos” na
horizontal e na vertical (por isso vivem várias famílias numa mesma casa) e, por
outro lado, a introdução das escadas a meio nível deu origem ao(s) quarto(s) de
aluguer que funcionavam como compartimento independente e polivalente. (fig.22)
Esta flexibilização na utilização do espaço do Lilong foi acrescida com a
existência de mais do que um acesso às casas. Esta variante é uma das poucas,
ainda hoje, pouco questionada na casa colectiva ocidental. “O número de acessos,
ou de portas interiores, a sua forma e uso, constituem uma rede de dispositivos
que é a expressão sofisticada da variedade de usos de uma casa”240.
238 Ambos libertavam-se da metodologia de interpretação dos programas com o intuito de criar um
espaço que apagasse esses programas estereotipados e que proporcionasse o encontro das
esferas pública e privada e a sua vaga vinculação, como se de um parque se tratasse. A monografia
Kasuyo Sejima e Ryue Nishizawa, El Croquis nº121 e 122, Madrid 2004, p.23 239 Kasuyo Sejima e Ryue Nishizawa, El Croquis nº99, Madrid 2000, p.336 240 MONTEYS Xavier, FUERTES Pere, Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa, op.
cit., p.72
Fig.19 Projecto Funabashi, planta primeira. O apartamento 05 é o amarelo, o 08 é o vermelho, e 06 é o castanho. As cores mais
escuras do 05 e 08 correspondem aos quartos e o de 06 corresponde à sala. A iluminação dos compartimentos do “miolo” é feita pelos
pátios vazios. Ba:w.c., K:cozinha, G:jardim, V: vazio.
Fig.20 Os espaços habilitáveis. OMA. Vivendas
em Fukuoka(1991).
Fig.21 O número de quartos-sala, ou quartos que podiam existir num Lilong. Todos
dependentes da mesma cozinha colectiva. O verde e o laranja correspondem aos quartos de aluguer.
Fig.22 O “novo tipo Lilong” (1 jian e meio),
2007. A amplitude, a altura do pé-direito e a não predeterminação da função de cada compartimento dos primeiros lilong, permitiu a
polivalencia dos mesmos.
83
Com a desintegração da família tradicional ocidental e oriental que originou
diversas unidades mono-elementares, mono-parentais, ou pluri-sociais, faz todo o
sentido a utilização de uma segunda porta, associada por exemplo, ao mundo
íntimo do indivíduo, o quarto: “Pensemos, por exemplo, nos filhos adultos que
convivem com os seus pais ou nas vivendas nas quais um dos usuários trabalha e
recebe em casa.
A segunda porta deve ajudar a que situações como estas não se convertam em
anomalias para o funcionamento da casa e permitam, ao mesmo tempo,
reincorporar este “apartamento” de novo à casa, no momento em que a casa é, em
definitivo, uma casa onde a flexibilidade foi entendida em términos distintos aos
habituais”241.
A existência de mais do que uma porta no interior da casa também é pertinente,
para a economia de meios. Por exemplo, em vez de se ter duas casas-de-banho
pode-se ter uma com duas portas, em que o uso fica determinado pela chave na
porta. (fig.24)
Em suma, o carácter inovador deve ser distinguido do formalmente novo,
colocando o centro da questão num processo de continuidade, de evolução
tipológica, mais do que no campo da invenção formal. A novidade do habitar deve
centrar-se na possibilidade dos elementos que constituem a configuração espacial
do objecto casa, de gerarem novas relações espaciais, novas formas de tratamento
dos espaços intersticiais, de transição, ou seja, dotar o espaço da casa de
capacidade de ser utilizado por diferentes pessoas, com distintas interpretações,
ou pelas mesmas pessoas com necessidades e usos variáveis, evitando assim a
excessiva especialização dos compartimentos. (fig.23)
Analisadas a actualidade da sociedade ocidental e xangaiense e as respectivas
formas do habitar, em comparação com algumas formas de pensar e de habitar a
casa ocidental consequentes de variadas investigações ao longo do século XX-XXI,
verificamos que certos princípios do Lilong continuam actuais e pertinentes na
concepção da habitação contemporânea:
- um sistema dinâmico que proporciona múltiplas combinações de casas
colectivas/unifamiliares, que poderiam ser todas diferentes no mesmo sistema, com
unidades de comércio, de lazer, entre outras, sem perder o seu carácter
homogéneo e respondendo às necessidades do homem actual heterogéneo e
consumista (a diversidade de actividades programáticas que pode oferecer este
tipo de sistemas), individual (quarto de aluguer) e nómada (casa-cidade).
- a capacidade em responder à fusão do espaço-tempo através da flexibilização
do espaço segundo disposições construtivas, formais e tipológicas (as duas
entradas, os meios níveis das escadas, e a posição estratégica das partes fixas da
casa em relação ao conjunto) permitiu uma certa diversidade e mudança nos
modos de ocupação dos espaços.
241 Ibid, p.74
Fig.23 Fotografia de Hu Yang, em Living in
Shanghai (2005). Fotografia de um quarto de
aluguer no Lilong.
Fig.24 Kuhn-Pfiffner. Edifícios de habitação em Lenzburg (1993-94). Repetição de unidades
funcionalmente indiferenciadas.
Fig.25 Charlotemburg-Nord de Hans Sharoun (1956-1961). Atente-se à porta de união dos dois apartamentos, esta é uma possibilidade para o filho independente solteiro ou casado, e
para o aluguer desse mesmo quarto. Este projecto também apresenta a possibilidade de reduzir o percurso em casa, através de duas
portas na casa-de-banho.
84
Maquete do projecto “um lilong contemporâneo” (2006/2007) em Xangai, da autora.
85
VI. UM CASO DE ESTUDO EM XANGAI:
“O LILONG CONTEMPORÂNEO”
Novos processos de urbanização, resultantes das profundas tendências da
globalização da economia, tecnologia e informatização das sociedades, têm se
sobreposto ao espaço físico dos lugares, a fim de produzir uma nova estrutura
urbana que caracteriza a nossa época. Xangai entre outras metrópoles do mundo,
é uma das cidades que afectada pela globalização242, está a sofrer uma forte e
rápida reestruturação urbana em função das necessidades e objectivos cada vez
menos, até diria, não exclusivos da sociedade local.
Embora esses processos pareçam literalmente como mais um ciclo sucessivo
de transformação e evolução das cidades243, no caso de algumas metrópoles
recentes, como Xangai, revela-se como um processo informal e incerto, em
desfasamento com a cidade actual.
Este desfasamento materializado em espaços descontínuos e heterogéneos foi
explicado por François Asher no seu ensaio Métapoles ou l’avenir des villes, como
resultado da nova relação entre “cidade-tempo” e “espaço da mobilidade” implícita
na recente dimensão multifacetada das metapolis. A aparição de grandes recintos
para o consumo, o espectáculo e o entretenimento constituíram o exemplo mais
claro dessa progressiva redução do tempo necessário entre o desejo e a
satisfação.244
Em Xangai, essa relação entre “cidade-tempo” inscreve-se num “antes” e num
“depois” em vez do desenrolar linear, no qual os espaços-tempo adoptam
características polimorfas visto que evocam uma multiplicidade de relações sociais
nas quais os Chineses estão inscritos e definidos em simultâneo. Por um lado,
temos os modos e alguns hábitos tradicionais que acompanham a cidade baixa
tradicional, e, por outro, temos a velocidade dos transportes e dos modos de vida
242 A globalização do sistema financeiro, dentro do que se denominou “capitalismo avançado”, é um
dos factores mais incertos e determinantes das novas organizações urbanas contemporâneas: nelas
o capital pode operar instantaneamente a escala global, resultando portanto cidades dinâmicas,
convertidas em pólos de atracção mais ou menos eficazes cujo êxito depende da capacidade e
qualidade de oferta de determinadas facilidades, que possibilitem, assim, o desenvolvimento da
actividade cultural e produtiva. GAUSA, Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, op.
cit., p.258 243 Vários processos sócio-económicos simultâneos e tempos históricos distintos sempre
trabalharam sobre um espaço construído, destruído e construído em ciclos sucessivos de
transformação urbana. 244 GAUSA, Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, op. cit., p.406
Fig.1 Efeitos da globalização em Xangai. Esta
cidade inglesa “Thames town” faz parte do projecto de nove cidades “temáticas” que
começaram a ser construídas ao redor da cidade de Xangai. Cada cidade deve representar um país e sua arquitectura tradicional, num mix de arquitecturas clássicas
e contemporâneas.
Fig.2 Pudong Xangai.
Fig.3 Passerelles no distrito de Luwan, Xangai
(2007).
86
associados às passerelles e às grandes torres de escritórios e de habitação que se
sobrepõem à cidade tradicional desenhada pelo Lilong.
Esta discrepância tão grande entre tempo-espaço está a desaparecer devido à
demolição dos Lilong, que segundo o Estado não respondem à nova imagem das
cidades chinesas contemporâneas, consideradas por François Acher como a
““hipermodernidade”, cujo o sufixo “hyper” exprime ao mesmo tempo “exagerado”
e a estrutura hipertextual a n dimensões”245.
Deste modo, a recuperação da identidade de Xangai impõe-se: “Tal como as
pessoas, as sociedades e os povos possuem uma memória colectiva que constitui
parte essencial da sua identidade como grupo e cuja perda poderá causar graves
perturbações. Sabe-se que esta memória colectiva constitui um quadro de
referência fundamental para o equilíbrio psicológico necessário para reagir às
mudanças que constantemente se prefiguram nas nossas cidades”246.
Neste sentido, para a não perda da identidade de uma cidade, no momento do
processo de transformação e evolução das cidades, deve se manter uma estrutura
de cidade que nos permita fazer a passagem pelos diferentes períodos históricos,
sem que, durante esse processo, se perca a noção da memória colectiva
característica da ideia comum de cidade.
Para tal, a modernização de Xangai deveria ir ao encontro da descoberta das
suas raízes, do seu património. No entanto, o sentido de valorização da sua cultura
e história passa por “assegurar a continuidade identitária na planificação e
urbanismo”247, através da construção de uma réplica de monumento que possa
identificar-se com a forma da arquitectura clássica. Um dos exemplos é a extensão
dos edifícios do jardim Yu, que tem vindo a ser construídos, desde 1987248, com
materiais contemporâneos (betão) e adoptando programas ocidentais como o
McDonald’s, entre outros. Um caso semelhante ao do santuário de Naiku em Ise,
no Japão, este de maior dimensão.249
Embora o conceito chinês de património histórico tenha sido constituído a partir
do ocidente pelo arquitecto Liang Sicheng, o contexto da constituição da nação
chinesa impulsionou a sua ambiguidade, uma vez que a falsificação era legitimada
para fazer reaparecer os monumentos ou um património lendário. Esta atitude do
Estado, relacionada com a constituição da nação chinesa, revela uma interpretação
do património, segundo o tempo, diferente da do ocidente. Enquanto na China se
245 Revue d’ Urbanisme: Villes chinoises en mouvement, op.cit. 246 BARATA, Teresa, A cidade em Portugal: uma geografia urbana, 3ªed, Porto Afrontamento, 1992,
p. 388 247 ZHANG, Liang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles,op.cit., p.246. 248 CLÉMENT pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport de
recherches, op. cit., p.22 249 ITABASHI, Miki, A influência japonesa na arquitectura moderna ocidental: uma introdução, Prova
de Licenciatura em Arquitectura, FAUP, Porto 2006/2007, [Formato digital, CD], p.103
Fig.4 A sobreposição de duas realidades.
(2007).
Fig.5 Jardim Yu (no lado direito está o McDonald’s). Ano novo, Fevereiro 2007.
Fig.6 Liang Sicheng na Comissão para o projecto da ONU, New York, 1947. À esquerda, a terceira pessoa entre o Le
Corbusier e Óscar Niemeyer é Liang Sicheng.
Fig.7 Maquete de síntese da análise: a unidade.
87
mistura o passado e o presente com o futuro, no ocidente a noção de património é
fruto da consciencialização do carácter irreversível do tempo250. Como disse Zhang
Liang “(...) a permanência da tradição não só resiste à razão histórica, como
também se apoia na tradição de construir, não sem uma confusão que persista até
hoje”251.
Apesar destes países em constante transformação, como a China e o Japão,
não valorizarem o seu património como uma mais valia para o seu desenvolvimento
urbano e arquitectónico, existe outra via que parece aceitável.
Dado que o Estado chinês procura dar um estatuto internacional às suas
cidades através de grandes nomes da arquitectura mundial252, fica à
responsabilidade do trabalho desses arquitectos, se ocidentais, com uma
perspectiva e sensibilidade diferente do património, poder recuperar as mais válidas
soluções que a cidade tradicional levanta, no sentido de dar continuidade à ideia
comum da cidade de Xangai.
Igualmente é de valorizar, que essas soluções tradicionais de outra cultura são
sempre uma referência valiosa para o enriquecimento do conhecimento e da
evolução do trabalho do arquitecto, tal como foi a arquitectura tradicional do Japão
para os arquitectos modernos como Frank LLoyd Wright253 e Bruno Taut, entre
outros.
E é, a estas questões que o exercício realizado na disciplina de projecto Ville et
Patrimoine en Asie sobre Xangai, na École Nationale Supérieure d'Architecture de
Paris-Belleville (ENSAPB) no ano lectivo 2006/2007, pretendeu dar resposta.
Embora o exercício tenha sido realizado em apenas três meses e antes da
viajem a Xangai, é interessante apresentá-lo, uma vez que resultou de uma análise
ao Lilong.
Tanto o exercício de análise como o projecto livre não apresentavam grandes
condicionantes, o que permitiu que, pela primeira vez, pudessem ser expressos, no
exercício prático, os meus pensamentos sobre a habitação urbana, formados
durante os meus quatro anos de aprendizagem na Faup, que, cruzados com os
conhecimentos adquiridos com o exercício de análise e a cultura japonesa (de
iniciativa privada), deram origem aos principais fios condutores deste projecto.
Igualmente, Álvaro Siza quis: “ (...) expor a minha visão da arquitectura a partir de
projectos que realizei, ou até somente imaginei, pois nesses se sedimentaram os
meus pensamentos”254.
250 COSTA, Alexandre Alves, “O património e o Futuro”, in trabalhos de antropologia e Etnologia,
vol.38, fasc. 3-4, Porto, 1998, p.111-112 251 ZHANG, Liang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles,op.cit., p.246 252 Revue d’ Urbanisme: Villes chinoises en mouvement, op.cit. 253 “Frank Lloyd Wright, conseguiu através do seu fascínio inicial pela gravura japonesa e depois pela
sua experiência vivida no Japão retirar ensinamentos e interpretar e adaptar de modo a recriá-los na
realidade ocidental, enriquecendo-a”, ITABASHI, Miki, A influência japonesa na arquitectura moderna
ocidental: uma introdução, op. cit., p. 67 254 SIZA Álvaro, Imaginar a evidência, Edições 70, Lisboa 1998, p.17
Fig.8 Croquis sobre o esquema do projecto.
Fig.9 Distribuição programática
Fig.10 A rua pedonal comercial que separa os dois volumes do projecto “o Lilong contemporâneo” da autora.
Fig.11 Rua N-S de principal acesso aos
apartamentos. Do lado direito está o limite comercial transparente para a rua pedonal que separa os dois volumes.
88
Fig.12 Planta de implantação do projecto. Fig.13 A antiga cidade amuralhada de Xangai.
Fig.14 Planta do Rés-do-chão do projecto da autora: marcação em amarelo das cozinhas.
89
O exercício da análise consistia em estudar a planta, o corte e duas fotos de
uma variante do Lilong, para no final, cada grupo apresentar segundo uma frase ou
palavra, o significado do mesmo. É importante frisar que a análise foi realizada
individualmente segundo as bibliografias dadas pelo professor xangaiense Zhang
Liang. No meu grupo, o lema do Lilong relacionava-se com o processo de
organização do espaço: a unidade dentro da unidade (emboîtement).
Em relação ao exercício prático, as únicas condicionantes dadas
correspondiam às condições topográficas e morfológicas do terreno, e o programa
era livre para que cada aluno pudesse materializar o referido significado segundo a
sua posição pessoal sobre o tema da habitação urbana.
O terreno a construir tinha uma área de cerca de 9000m2 e situava-se no
extremo norte da antiga cidade amuralhada de Xangai, entre o Jardim Yu, a Sul, e o
jardim contemporâneo Gu Chen, a este. Dado o terreno, o primeiro esboço do
projecto consistiu numa mancha homogénea densa de três andares, em
concordância com o tecido envolvente (Lilong), através do processo de
emboîtement e um sistema de ruas hierárquicas.
A intenção era produzir uma unidade urbana auto-suficiente, mas com um limite
multifuncional que atraísse os não habitantes, uma vez que estava ao lado de um
dos principais centros turísticos de Xangai, o jardim Yu. Deste modo, o terreno foi
dividido em duas unidades iguais por uma rua pedonal comercial, ambas limitadas
pela franja multifuncional de propriedade dos habitantes, já que na China os
habitantes mantêm o costume de viverem perto do local de trabalho255.
No interior de cada unidade, foi introduzido o referido sistema de ruas do Lilong
com um desenho diferente de forma a dinamizar um bairro residencial mais
ecológico, cuja circulação de veículos estava interdita. Visto que a bicicleta continua
e continuará a ser o veículo mais utilizado, por questões ambientais, e que as ruas
secundárias do lilong eram as mais dinâmicas e as mais sociáveis, desenharam-se
as ruas de principal acesso N-S mais estreitas e as ruas secundárias E-O mais
largas para dar lugar à sociabilização.
Deste modo, manteve-se na rua secundária, a entrada de serviço que dava
sobre uma cozinha colectiva, e na rua N-S estava a entrada de principal acesso aos
diversos apartamentos. No entanto, a rua secundária era definida em ambos os
lados pelas cozinhas colectivas para potenciar a sociabilização.
A cozinha colectiva, que funcionava para os apartamentos do primeiro piso, foi
pensada não só para dinamizar a rua, mas também para permitir o cruzamento dos
tecidos sociais nos espaços comuns (escadas e os hall comuns), uma vez que os
habitantes do último piso, que viviam em apartamentos completos, estavam
255 A cidade maoista conseguiu organizar a vida social ao redor das unidades de trabalho “danwei”,
uma carta de residência que fornecia emprego a vida, segurança social, alojamento, a fim de
controlar as mobilidades residenciais de trabalho e outras. No entanto, nas grandes cidades esta
carta tende a desaparecer devido ao salário laboral que antes não existia. Revue d’ Urbanisme: Villes
chinoises en mouvement, op.cit.
Fig.15 Tipologia A - área:41m2 (rés-do-chão) M.C.= monta cargas.
Fig.16 Tipologia B(38Mm) G(50m2).
Primeira planta)
Fig.17 Tipologia C(25m2) D(40m2). Primeira planta
90
sujeitos a cruzarem-se com um grupo social jovem, do rés-do-chão e do primeiro
andar, habituado à flexibilidade dos horários laborais, às facilidades para comer
fora, ao aumento da preparação dos pratos preparados, congelados e serviços ao
domicílio, e à contínua valorização do acto de comer em conjunto. “O céu alimenta
o homem pelos cinco sopros. A terra alimenta o homem pelos cinco sabores.
Raros são os restaurantes que permitem acolher um convívio isolado.”256
Ao mesmo tempo, este tipo de organização respeitou a gradação vertical (do
público para o privado) que também acontece na habitação colectiva tradicional
ocidental, mas que se diferencia desta pelo facto de ter uma cozinha colectiva no
rés-do-chão aproximando-se, assim, à casa colectiva tradicional chinesa.
Observemos a habitação colectiva dos Hakka, tulou Zhencheng, na cidade de
Hukeng, a norte de Yongding,257 a ideia de espaço público chinês associada ao
espaço doméstico.
Na sequência de algumas alterações sociológicas analisadas no anterior
capítulo, de relacionamento do grupo familiar, de independência do indivíduo face à
estrutura familiar e o seu relacionamento com pessoas que não do grupo familiar no
interior e fora da sua célula privada, foram desenvolvidas onze tipologias acrescidas
do quarto de aluguer associado à entrada principal.
Cada dois apartamentos tinham um pátio em comum uma vez que o pátio na
China é utilizado como um espaço semi-privado para a realização do tai chi
(ginástica chinesa) das 5h, para a jardinagem e para as crianças brincarem em
segurança. Outra função primordial do pátio era criar um microclima de transição
entre as condições climáticas do exterior e o interior.
A possibilidade de se aceder ao pátio directamente pelos respectivos
apartamentos e pelo espaço colectivo das escadas, permitiu que aquele
funcionasse como mais um lugar de convívio reservado, a porta fechada.
Este tipo de organização espacial, também foi abordado no projecto de
habitação Funabashi, em Chiba de Ryue Nishizawa: “Estava interessado em
trabalhar com a individualidade através de produzir relações entre pessoas que
vivem no mesmo edifício. Em Tokio, os edifícios de vivendas estão normalmente
baseados na ideia de desconexão entre unidade, (...) “No entanto, ainda que seja
importante manter a privacidade, podia ser interessante que os arquitectos
relacionáramos sobre as consequências espaciais que podem ter, no facto de que
existem pessoas que escolham viver com outras pessoas que não conhecem.
Portanto tentarei de criar um sentimento de independência ao mesmo tempo que
suscitava uma relação entre habitantes”258.
256 LA CHINE, Regards sur le Monde, Sélection du Reader’s Digest, Primière Édiction, 2e tirage. 257 100 Merveilles de CHINE, Editions Grund, Paris, 2007, p.188-189. 258 Kasuyo Sejima, Ryue Nishizawa, El Croquis nº 121/122, Madrid 2004, p.20
Fig.18 A arquitectura característica dos
edifícios de terra de etnia Hakka, típica desta região do Fujian.
Fig.19 Pátio interior de um Toulu. No rés-do-chão estão as cozinhas, no segundo andar
estão os armazéns de cereais, e nos dois últimos andares estavam os quartos. O pátio era o lugar comunitário, para os casamentos,
funerais, festas, etc.
Fig.20 Apartamento no districto de Putuo de
Xangai. Até nas altas torres o pátio é tido em conta.
Fig.21 O padrão do projecto “um lilong
contemporâneo”, conseguido pelos diferentes
pátios.
91
Fig.22 Planta Primeira do projecto “um lilong contemporâneo”
Fig.23 Planta segunda do projecto “um lilong contemporâneo”
92
Fig.24 Tipologia E(36m2). Primeira planta
Fig.25 Tipologia F (58m2). Primeira planta
Fig.26 Tipologia G(64m2) e J(51m2).
Segunda planta
Fig.27 Tipologia H (64m2). Segunda planta.
No entanto, o pátio dos apartamentos do último piso era privado, porque
destinava-se a famílias de estratos mais elevados que preferem residências que
potenciem o convívio, mas que não participam nele, tipo os gentrificadores259.
Desse modo, o pátio serviu para manter a ideia de comunidade, permitindo o
convívio de alguns grupos, mas mantendo a privacidade de outros.
As onze tipologias estão divididas em dois tipos, os apartamentos T1
destinados às famílias mono-elementares, mono-parentais, ou pluri-sociais, e aos
idosos, e os apartamentos T2, que respeitavam a política das famílias de um único
filho. O primeiro grupo distribuiu-se pelo rés-do-chão e primeiro andar, e as
tipologias T2 no último andar. Em ambos os grupos há a possibilidade do duplex.
Apesar da existirem várias tipologias, todas respondem aos mesmos critérios
de independência do indivíduo e de convívio, a fim de evitar, pela preferência, a
desocupação de algumas delas. No entanto, anomalias, como a falta de arrumos
para uma sociedade de consumo, a mesma tipologia com várias orientações, entre
outros, ficaram por resolver.
O aspecto unitário e denso do edifício, típico dos mat-building, conseguiu-se
através do aumento progressivo das tipologias à medida que se chegava ao último
andar, e dos pátios e poços de luz que permitiram comunicar os diversos
apartamentos numa única unidade urbana.
Uma das mais valias deste projecto é a fluidez visual entre apartamentos, e
entre estes e o espaço das ruas, devido à proximidade causada pelo estreitamento
dos poços de luz. Para além da fluidez visual, estes poços de luz distribuem, pelos
apartamentos que eles iluminam, uma penumbra típica dos espaços orientais cujo
controlo milimétrico da luz é para eles um princípio para atingir um fim: a beleza do
espaço:
“Alguns poderão dizer que a beleza enganadora criada pela penumbra não é a
beleza autêntica. Todavia(...) nós Orientais criamos beleza ao fazermos nascer
sombras em locais por si mesmo insignificantes, (...) Creio que o belo não é uma
substância em si, mas apenas um desenho de sombras, um jogo de claro-escuro
produzido pela justaposição de diversas substâncias. Tal como uma pedra
fosforescente que emite brilho quando colocada na escuridão e ao ser exposta à
luz do dia perde todo o fascínio de jóia preciosa, também o belo perde a sua
existência se lhe suprimi-mos os efeitos da sombra”260.
259 Normalmente, os processos de gentrificação identificam casos de recuperação do valor
imobiliário de regiões centrais de grandes cidades que passaram nas últimas décadas por um
período de degradação. Os gentrificadores correspondem aos residentes de mais alta renda que
vem recuperar a actividade económica destas regiões onde viviam e vivem pessoas com menor
poder aquisitivo. http://pt.wikipedia.org/wiki/ (em 20/08/2008) 260 TANIZAKI, Jun’ichiro, “Praise of Shadows”, p.45-46, in NETO, Hugo Pereira, Katsura, uma
introdução à arquitectura tradicional japonesa, Prova de Licenciatura em Arquitectura, Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 2005 [policopiado], p.103
93
Fig.28 Vista da cozinha do apartamento 08 na
primeira planta. Edificio Funabashi (2002/2004), Japão.
Fig.29 Colocação da tipologia G (duas) sobre a tipologia A (sobre outras duas).
Fig.30 Tipologia I (65m2) K(65m2).
Segunda Planta
O momento de transição do exterior comercial ao sistema interior de ruas
também foi acentuado por altas e estreitas portas (eram mais estreitas do que a rua
a que dava acesso), assim como no interior do edifício prevaleceu a ideia de porta
como um buraco na parede.
Igualmente o arquitecto chinês I.M. Pei em relação ao seu projecto do Hotel
das Colinas Perfumadas (1979-1982) em Pequim, valorizou a porta como um
símbolo da cultura chinesa: “O atravessamento do muro conserva aqui todo o seu
cerimonial: a entrada do hotel é controlada por um pórtico, tipo de pórtico
comemorativa, ou P’ai-Lou.”261
Todos os espaços semi-públicos e semi-privados como as ruas interiores, a
cozinha e os pátios foram nivelados a uma cota inferior que a do resto do edifício
para acentuar a porta como um buraco na parede e para marcar o momento de
transição.
É curioso que este tratamento do espaço interior também acontece em alguns
projectos do Ryue Nishizawa, da Kasuyo Sejima, entre outros. Provavelmente é
uma característica da cultura oriental, uma vez que a arte chinesa dispersou-se por
vários países como o Japão262, através do budismo e da filosofia.
Foi igualmente utilizada a coordenação modular, típica da cultura oriental
indispensável para articular através do módulo os diversos espaços sem perder o
domínio das relações de proporção entre as partes e o todo da unidade urbana.
Também na fachada se utilizou o quadrado, respectivo às janelas pivotantes, como
unidade de repetição.
Por muitos arquitectos, esta atitude de resposta à habitação, densa e
monótona, é interpretada como desumana e inaceitável. No entanto, o excesso de
monotonia pode ser entendido, como disse o arquitecto Álvaro Siza, como “um
desafio à busca da diferença, que não pode resolver-se numa questão estética,
porque se assim fosse, o resultado apareceria logo artificial, caricaturado ou
inventado”263.
Todos os projectos depois de terminados têm um ar inacabado. Só quando o
projecto leva algum tempo, depois de ter entrado em contacto com as pessoas e
ter sido domesticado, é que tanto a arquitectura como a cidade ganham esta
densidade e a beleza que vemos com desespero nos edifícios habitados e nas
cidades antigas.264
É preciso notar que, apesar das falhas deste exercício, o mesmo serviu para
compreender uma possível utilização de alguns conceitos do Lilong e as respostas
inovadoras que esta tipologia Xangaiense pode oferecer às contradições entre
modernidade e convenção.
261 SUNER, Bruno, Ieoh Ming Pei, Fernand Hazan, Paris, 1988, p.9 262 NETO, Hugo Pereira, Katsura, uma introdução à arquitectura tradicional japonesa, op.cit., p.27 263 SIZA Álvaro, Imaginar a evidência, op.cit., p.117 264 Ibid., p.124
94
Fig.31 Fachada Este. Fig.32 O pátio da tipologia A, visto do pátio do último andar.
Fig.33 Fachada Oeste. Marcação apenas dos pátios e dos acessos às ruas secundárias.
Fig.34 Fachada Este e Corte AA’ e BB’ .
95
Fig.35 Maqueta do projecto “um Lilong contemporâneo” em Xangai da autora.
Fig.36 Fachada Sul.
Fig.37 Tipologia J,G,H, à esquerda, a meio está a tipologia K e I, e no lado direito está a tipologia A.
96
Fig.38 Esquisso da rua secundária, com o ponto de fuga sobre uma das portas de entrada, da autora.
97
CONCLUSÃO
Num período de conclusão, pretende-se reflectir sobre a pertinência deste trabalho:
Para que pode servir o conhecimento de outra cultura que não a nossa e em
específico a arquitectura que caracteriza essa cultura?
A nossa época, cada vez mais, define-se por um sistema social e produtivo, cuja
disciplina a qual acede é desprovida de um retorno operativo. Tanto a civilização
como a produção que um dia acompanharam a ideia de um tempo progressivo
cuja evolução estava sujeita a uma acumulação dos conhecimentos, os quais
registavam a sucessão sequencial dos eventos, hoje, são ambas pensadas para
um presente com uma antecipação futurista do amanhã: “produz-se para
consumir-se mais e consome-se para aumentar a produção”265. O sentido
inequívoco do trio formado pelo Passado, Presente e Futuro que em épocas
recentes existia, parece hoje ter sido esquecido.
Desse modo, o sentido ético do “progresso” que sempre esteve associado a
uma evolução gradual até ao futuro parece ter sido desvanecido. Contudo, no
âmbito do progresso da arquitectura, também ela afectada pelas forças do
mercado, a história de uma cultura ou a arquitectura dessa cultura pode ser um
instrumento imprescindível.
Igualmente a cultura chinesa, com a ocidentalização, tornou-se industrializada,
abandonando, assim, muitos dos valores tradicionais em favor do progresso
baseado na ciência, na técnica e na imitação de outras culturas, como a ocidental.
A associação da noção chinesa de património aos valores da nação invalidou a
utilização da sua história como um instrumento útil para alcançar o verdadeiro
progresso, que permita que a China fosse “a única e a mais excepcional”, e não um
“laboratório de arquitecturas” como em Dubai.
Já Wright, segundo a sua visão baseada na experiência que teve na China,
defendia que os chineses deveriam avaliar a sua cultura, assim como nós o fizemos
com a nossa e com as outras para a inovação da arquitectura: “A República da
China, na sua visão, era só um pedaço de costa que a grande China ainda não
incluiu e que, nestes tempos modernos, milhões de chineses ainda não conhecem
e pouco se preocupam em o fazer”266.
Para conseguirmos, portanto, um verdadeiro progresso, único e inovador,
impõe-se investigar sobre “uma civilização e as suas formas, que pertencem a
265 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura,
Celeste Ediciones, Madrid, 2000, p. 9 266 WRIGHT, Frank Lloyd, Escritos nº7: 1867(1944), El Croquis Editorial, Madrid, 1998, p.608
98
outro tempo, “assumindo de maneira programática que elas diferem
completamente das nossas”267 e das mesmas da actualidade.
O conhecimento de outras culturas, de outras formas de vida, de estar, de
sentir, de agir, de pensar, deve-nos ajudar para, como diz Gropius, “restabelecer
valores negligenciados e abrir os nossos olhos para experiências que hoje estão a
faltar nas nossas vidas”268.
Assim, devemos confrontar o passado com o presente e o futuro não só da
mesma cultura como também entre culturas, de modo a verificar os pontos em
comum e, através deles, pela diferença, descobrir as mais valias que cada cultura
pode oferecer a um determinado contexto: “O Oriente e o Ocidente devem adaptar
as suas atitudes e enriquecer uma a outra, descartando o que é fraco e obsoleto
em ambas as partes”269.
Também no âmbito da inovação na arquitectura, é importante compreender a
arquitectura do passado e de outras culturas. Para tal, devemos decompo-la e
voltar a compor para perceber os verdadeiros e únicos elementos que a compõem,
que definem as partes e o todo, para depois sabermos inseri-las na função para a
qual se destina, o seu valor estético, no contexto histórico, político e social.270
A incessante vontade de Xangai inovar no campo da arquitectura,
especificamente em edifícios de grande altura, foi interpretado por alguns ocidentais
como a condicionante da inovação e não como o seu fim. Por exemplo Ged
Françoise defende que, reconhecidas as valias que o Lilong apresenta no tema do
habitar urbano, uma das soluções à inovação desses edifícios passa pela
verticalização dos princípios que caracterizam o Lilong.271
Também Le Corbusier, querendo dar uma solução aos problemas da cidade
industrializada, recorreu aos valores do passado da cidade tradicional, que,
analisados individualmente e confrontados com outro tempo, foram inseridos no
contexto da verticalização (ex: “rue corridor”).
267 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura,
op.cit., p.9 268 GROPIUS, Walter, Architecture in Japan [1960] in Katsura: imperial villa ed. Virginia Ponciroli,
Electa, Milão, 2005, p. 350 , in ITABASHI, Miki, A influência japonesa na arquitectura moderna
ocidental: uma introdução, op.cit., p.104 269 Idem 270 ENGEL, Heinrich, The Japanese House, A Tradition for Contemporary Architecture, [1964] in Ibid,
p.104 271 GED Françoise, “Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, op.cit.
99
Como disse António Pizza: “A consideração do Passado nos seus aspectos
problemáticos irá demonstrando a sua produtividade em relação ao exercício de
uma atitude crítica face à nossa contemporaneidade; portanto, só se somos
capazes de construir um passado, poderemos estar em condição de projectar o
nosso futuro, a partir da iniludível valorização da liberdade criativa do nosso
pensamento”272
O estudo sobre o passado de uma cultura e sua arquitectura permitirá portanto,
através do seu reconhecimento na memória, não só configurar os seus resultados
como soluções a problemas levantados, como também permitirá saber encontrar
os problemas da nossa realidade. Assim, é através da amplitude dos
conhecimentos na memória que podemos adquirir essa liberdade criativa
necessária para projecções arquitectónicas inovadoras. “O arquitecto trabalha
manipulando a memória, disso não há dúvida, conscientemente mas a maioria das
vezes subconscientemente.”273
O exercício apresentado no último capítulo, serviu para evidenciar que o
conhecimento de outras culturas do passado, neste caso a doméstica, impulsiona-
nos, com os conhecimentos que temos, a uma renovação da nossa cultura da
casa, ou de outros temas. Arquitectos como Bruno Taut, depois de terem estado
em contacto com outras culturas (japonesa), também tentaram conciliar formas
precedentes dessas culturas com a sua.274
A influência da cultura japonesa e ocidental, do passado árabe, entre outros,
assim como os princípios globais que caracterizam a nossa civilização, deram
origem a projectos, analisados nesta prova, com uma estrutura conceptual
semelhante ao do lilong. O facto desta estrutura, que se tentou encontrar neste
trabalho, ter acompanhado os diferentes tempos e culturas, deve ser considerada,
segundo a minha opinião pessoal, como uma referência pela sua capacidade de
resposta ao tema do habitar urbano.
No entanto, seria interessante e enriquecedor aprofundar o estudo desta prova
com outros projectos e de outras culturas que não os enunciados neste trabalho,
assim como o estudo da verticalização do lilong seria pertinente para a valorização
desta tipologia como identidade urbana de Xangai.
Estes estudos entre culturas e tempos históricos, ou na mesma cultura sobre a
arquitectura, são sempre enriquecedores para a formação e a ampliação dos
conhecimentos do arquitecto, assim como o resultado desses estudos resultam em
pertinentes referências arquitectónicas.
272 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura, op.
cit., p.11 273 SIZA Álvaro, Imaginar a evidência, op. cit., p.37 274 TAUT Bruno, La casa y la vida japonesa, trad. Dolores Abalos, Barcelona, Fundación Caja de
Arquitectos, 2007, Prefácio
100
101
CITAÇÕES
CAPÍTULO I
P.15 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat,
EHESS, Paris, 1997.p.42
“Celles-ci étaient à double titre les architectes de l’extension urbaine, à la fois moteurs de
développement économique auquel répondait la souplesse des réseaux bases sur la relation
identitaire au pays d’origine, et véritables constructeurs de la ville, de ses édifices de prestige comme
des constructions ordinaires.”
P.17 Ibid, p.53
“On s’aperçoit vite que malgré ses dehors d’activité bruyante, Shanghai est encore une petite, trés
petite ville. Quando on gravit les murailles, faites de terre battue avec un mince revêtement extérieur
de briques, on constate qu’elles enferment une cité médiocre et dominent des faubourgs sordides.”
SCHOENAUER Norbert, 6000 años de hábitat: de los poblados primitivos a la vivienda urbana en
las culturas de oriente y ocidente, trad. Josefina Frontado, Barcelona, Gustavo Gili, 1984, p.199
“(...) esto se refleja en el lenguaje chino, el qual no hace distinción entre “ciudad” y “muralla de la
ciudad”, utilizando una sola palabra para ambas ocasiones, cheng. En efecto dichas fortificaciones
dominaban no solamente el aspecto externo de la ciudad sino también su interior, todos los edifícios
se agrupaban junto con sus respectivos pátios, formando pequeños recintos separados entre si.”
P.18 HENRIOT Christian, Zu’an Zheng, “Divisions de la ville à Shanghai (XIXe-XXe siècles)” in Les
divisions de la ville, édictions Unesco, Editions de la Maison des sciences de l’homme, 2002, p.161
“Dans la Chine imperiale, la muraille symbolise l’élévation d’un centre urbain au rang de “chef-lieu”
d’un comté (xian).”
P.24 GED Françoise, Shanghai, colecção, Portrait de ville, suplemento à Archiscopie nº9, 2000.
p.18
“Un tel dispositif favorise une double spéculation, foncière et immobilière, en bénéficiant à des
interlocuteurs distincts, qui sont les uns chinois, les autres étrangers.”
P.26 HENRIOT Christian, ZU’AN Zheng, atlas de SHANGHAI,espaces et représentations de 1849 à
nous jours, Collection Asie Orientale, Paris 1999. P.26
“Même si des règlements cherchaient à definir des règles de base pour la construction, celle-ci a étè
le fait d’iniciatives privées, quelconque politique urbaine.”
GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat, EHESS,
Paris, 1997, p.73
“Cette empreinte physique, héritée du découpage rural des terres, marque la ville et se lit sur un plan
du trace des voies des années 1980.”
102
P.28 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat,
EHESS, Paris, 1997, p.172
“Toute ville est, en effet, composée de la justaposition de partitions, de quartiers dont les points de
rupture, les limites, et les points de repères, les noeuds, apparaissent plus ou moins marqués.”
Ibid., p.133
“Dans les capitales européenes, cette modernisation s’etait apresentait sur un demi-siècle dês 1830
et devait composer avec un tissu urbain existant particulièrement dense, À Paris, grâce à
Rambuteau, préfet de la Seine de 1833 à 1848, l’usage des trottoirs, l’alimentation en eau et en gaz,
le developpement des omnibus s’étaient généralisés dês la primière moitié du XIX siècle.”
Ibid., p.111
“(...) les charpentiers de construction navale venaient de Canton, les chaudronniers de Ningbo, les
tireurs de pousse du Subei, les maçons et charpentiers de Ningbo ou Shaoxing.”
P.29 Idem
“Des réseaux croisés ainsi constitués, par métier ou par lieu d’origine, resultaient installés dans la
Concession française au nord de la cité chinoise; au sud de celle-ci habitaient les gens de Canton
ainsi qu’à Hongkong et dans divers emplacements de la Concession internacionale; les gens du
Jiangxi étaient à Zhabei; les gens du Fujian prés de l’actuelle rue Jinlingdong et de la petite porte de
l’Est.”
CAPÍTULO I I
P.31 EUGÈNE-EMMANUEL VIOLLET-LE-DUC, “Dictionnaire raisonné de l’architecture française du
XI au XVI siècle” [1867-1873], in ROSSI, Aldo, La arquitectura de la ciudad, Editorial Gustavo Gili
Barcelona, 1999, p.126
“(...) En el arte de la arquitectura, la casa es, desde luego, lo que mejor caracteriza las costumbres,
los gustos y los usos de un pueblo; su orden, como su distribución, no se modifica más que a lo
largo de mucho tiempo.”
LYNCH, Kevin, “La buena forma de la ciudad” [1985], in Juan Luís de las Rivas Sanz El espacio
como lugar : sobre la naturaleza de la forma urbana, Universidad. Secretariado de Publicaciones,
Valladolid, 1992, p.33
“La forma más simple del sentido es la identidad, en el significado restringido del término usual: “un
sentido del lugar”. La identidade es el grado en que una persona puede reconocer o recordar un
sitio como algo diferente a otros lugares, en cuanto tiene carácter próprio vivido, o excepcional, o al
menos particular.”
P.32 ROSSI, Aldo, La arquitectura de la ciudad, Editorial Gustavo Gili Barcelona, 1999, p.78
“El tipo se va constituyendo, pues, según la necessidad y según las aspiración de belleza; único y sin
embargo variadísimo en sociedades diferentes y unido a la forma y al modo de vida.”(...)” algo
permanente y complejo, un enunciado lógico que se antepone a la forma y que la constituye.”
HENRIOT Christian et ZHENG Zu’an, Atlas de Shanghai, Espaces et représentations de 1848 à nos
jours, CNRS édictions, Paris, 1999, p.42
“Le lilong représentait une forme d’organisation de l’espace caractéristique du tissu urbain à
Shanghai.”
103
P.33 MARTÍ ARIS Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, 1ª
ed. Barcelona, Serbal, 1993, p.81
“(...)analiza la forma arquitectónica en su autonomia, pero tratando de comprender los vínculos que
estabelece con la sociedad y con la cultura, ampliamente entendidas.”
SCHULZ, CHRISTIAN Norberg, Intenciones en Arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2001,
p.58
“(...) parece necesario someter los diversos tipos de edificación a una investigación básica,
preguntando, por ejemplo: “Qué es una iglesia?”, en vez de: “Como es una iglesia?””
MARTÍ ARIS Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, 1ª ed.
Barcelona: Serbal, 1993, p.22
“En este sentido, historia y tipologia se nos presentan como dos aspectos complementarios ya que
mientras la historia muestra los procesos de cambio, el análisis tipológico atiende a lo que, en esos
procesos, permanece idêntico. (...) La esencia puede ser, entonces, interpretada como el conjunto
de las potencias inherentes a la cosa y los câmbios pueden ser interpretados como la actualización
de esas potencias.”
P.34 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat,
EHESS, Paris, 1997, p.111
“Les sièges des guildes, qui symbolisaient la puissance de la ville ou des régions auxquelles celles-ci
se rattachaient, traduisaient les caractéristiques de leur “pays” respectif par leur architecture.”
P.38 A tese de DEA de Xu Yinong, “O conceito do espaço composto tradicional na China, pesquisa
sobre a relação entre “interior” e “exterior” e o seu fundamento cultural na arquitectura vernacular
nas seis províncias do sul da China” [1989 e 1990], in LIANG Zhang, La naissance du concept de
patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus, édictions recherches, 2003, p.177
“L’existence de l’espace composé releve (...) d’un intermédiaire qui fusionne deux espaces opposés,
(...) ainsi elle assure une fonction de combinaison ou de médiation (...) à partir des espaces extérieurs
naturels, entre les espaces du village et de la commune, puis, entre les espaces des rues et ruelles,
ensuite ceux de l’habitat et de la cour, jusqu’a l’espace intérieur. La variation et la liaison de cette
série d’espace composé qui multiplie les niveaux de l’architecture vernaculaire chinoise. Chaque
niveau pour la nature de l’espace s’adapte à la mesure du paramètre.”
P.39 LIANG Zhang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus,
édictions recherches, 2003, p.178
“L’homme habite à l’extérieur, la femme habite à l’interieur; le palais est profond, la porte des
boudoirs est fermée hermétiquement, le gardien veille.”
SAARINEN Eliel, “Search for Form”, [1948], in VENTURI Robert, Complejidad y contradicción en la
arquitectura, Editorial Gustavo Gili, SA, Barcelona, 1974/1978, p.111
“(...) un edifício no es más que la “organización del espacio en el espacio. Como lo es la comunidad.
Como lo es la ciudad”.”
P.42 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat,
EHESS, Paris, 1997, p.146
“Une travée pouvait satisfaire indifféremment les besoins d’une famille ou de plusieurs compatriotes
qui sous-louaient selon leurs revenus les pieces disponibles. Celles orientées au sud étaient plus
cotées que celles donnant au nord ou que le tingzitian aux dimensions reduites.”
104
P.43 SCHULZ, CHRISTIAN NORBERG, Arquitectura Occidental : la arquitectura como historia de
formas significativas, Barcelona, Gustavo Gil, 1983, p. 228
“Puede afirmarse que la arquitectura aparece cuando el individuo trasciende la situación ambiental
especifica y reconoce los princípios que pueden servir para resolver también otras tareas análogas.
De un conjunto de situaciones especificas se abstraen formas significativas y elementos ordenadores
que hacen posible una planificación más general. Algunas de estas formas pueden denominar-se
“arquetípicas”, puesto que representan los significados originales de la experiencia humana.”
P.44 CLEMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport
de recherches, I.F.A., Paris,1988, p.170
“La ville des années 1920-1930, la plus connue du grand public grace aux multiples images diffusées
au cinema, au travers des romans, des gravures ou des récits de voyages, était devenue une entité
complexe, une veritable métropole où le brassage des populations, chinoises comme étrangères,
mêlait des cultures multiples.”
P.48 GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat,
EHESS, Paris, 1997, p.191
“Celle-ci était prêt à consomer des produits importes, à s’amuser dans les lieux de divertissement
integégrés aux bâtiments, ou seulement curieuse de déguster un cocktail étranger au bar de la
terrasse jardin du grand magasin récemment achevé. Frequenter les bars ou les halls des grands
hôtels signifiait aussi adhérer à la modernité que symbolisait la ville.”
P.50 CLEMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport
de recherches, I.F.A., Paris,1988, p.159
“L’écart entre deux bâtiments de propriétés différentes doit être au moins égal à 30 pieds (9,15m).”
P.51 MARTÍ ARIS Carlos, Las variaciones de la identidad : ensayo sobre el tipo en arquitectura, 1ª
ed. Barcelona: Serbal, 1993, p. 114
“(...) una realidade n perpétua formación, dotada de procesos generativos capaces de incorporar a
la estructura nuevos componentes que la enriquecen y amplían.”
P.52 MONTANER Josep Maria ,La modernidad superada : arquitectura, arte y pensamiento del
siglo XX, Barcelona : Gustavo Gili, 1997, p.125
“Pensar la arquitectura desde los conceptos de tipo y estrutura nos permite estabelecer
comparaciones sincrónicas. Se puede comprobar como el (...) espacio simétrico, axial, puro,
transparente, rítmico y sereno del átrio del Panteón se reproduce en la base del Seagram Building
(1954-1958) de Mies van der Rohe.”
P.53 AMPHOUX Pascal e MARTIN Cristophe, “Lilong mort ou vif” [1987] in
www.lasur.epfl.ch/revue/A&C%20Vol%204%20No.2/AMPHOUX.pdf
“Quand les Chinois cesseront-ils d'être fascines par les erreurs de notre urbanisme d'après-guerre?
Quand l’Occident renoncera-t’il d’exporter de façon simpliste les modeles auxquels il ne croit plus
lui-même? Il est temps que l'on redecouvre les lilongs de Shanghai et que l'on en fasse l'analyse en
profondeur, non pour en proteger le patrimoine au sens qu’il l'entendraient nos institutions, mais
pour en degager les principes qui font l'Esprit de Shanghai. Moribond pour l'urbaniste, chaque
Shanghaien a pourtant un lilong dans la tête. Shanghai est une ville-fossile, mais le fossile est vivant.”
105
CAPÍTULO I II
P.57 CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport
de recherches, op. cit., p.159
“7,5 pieds (2,28m) lorsqu’une façade a pour vis-à-vis un mur ou une grille.”
“10 pieds (3m environ) lorsque le passage est le seul accès à un ou plusieurs blocs de maisons.”
P.58 CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan, Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport
de recherches, I.F.A., Paris,1988, p.159
“Il est possible qu’il s’agisse lá d’usages devenus des règlements, d’après un article ultérieur où il est
spécifié que: chaque bâtiment chinois doit avoir un accès indépendant à l’arrière et à l’avant, libré de
tout obstacle, de largeur minimum(...).”
P.59 Françoise Ged, “Shanghai- Interférences et justapositions”, [1986], in CLÉMENT Pierre, GED
Françoise et QI Wan., Transformations de lʼhabitat à Shanghai , rapport de recherches, I.F.A., Paris,
1988, p.153
“La rue s’instaure comme lieu public, de circulation, pour pietons, velos, bus et de spectacle sur ce
qui s’y déroule. Le passage principal, transversal à cette rue, exerce la même fonction, mais à
l’échelle de cette entité qu’est le lilong. Sur cet axe est souvent situe le téléphone public, commun à
tous ses habitants, lieu d’appel et de réception des communications. Peuvent s’y trouver la machine
à laver pour la facilite d’évacuation des eaux usées, les matelas d’hiver ou les couettes fraîchement
lavées.
Le promeneur est déjà inclus dans une certaine intimité commune à l’ensemble des occupants du
lilong. La ruelle, desserte de chacun des logements, fonctionne comme prolongement de l’espace
prive de l’appartement, du moins de la piece principale. (...) Cette ruelle délimite donc un espace
beaucoup plus personnel mais assure la perception visuelle, en partie, et auditive de l’ensemble du
lilong. (...)”
P.61 GED Françoise, Shanghai, colecção, Portrait de ville, suplemento à Archiscopie nº9, 2000,
p.21
“Les voyageurs occidentaux du XIXe siècle, imprégnés de l’esprit du siècle des lumières, décrivent leur
déception devant l’absence d’espace public munificent et leur irritation au coeur des lacis de ruelles
non entretenues, oû s’orienter devient un exercice difficile.”
CAPÍTULO IV
P.67 Smithson, Alison “Team X Primer" [1968], in COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna,
una historia desapasionada,, p.219
“”El objectivo del urbanismo es la comprensibilidad, es decir, la claridad de su organización.””
P.69 ZHANG, Liang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus,
édictions recherches”, 2003, p.161
“Le carré n’est pas à chercher dans un rapport géométrique directement observable par l’oeil, mais il
doit être perçu par l’intuiton.”
Zheng Xiaoxie, “A propôs de la protection de la tradition, des caracteres et de la physionomie
stylistique de “Ville célebre d’histoire et de culture”” [1983], in Ibid.
“ (...) le paysage se transforme en pensée et sentiment. Une évocation de l’imagination.”
GED Françoise ,”Exterieur-Interier, le mur d’enceinte en Chine”, in,
sources.asie.free.fr/espace/culture/inalco-cnrs/habitat/FGed.html
106
“(...) la bordure commerçante qui enserre un quartier shanghaïen sera considérée comme
"extérieure" pour un habitant chinois mais "intérieure" pour un observateur occidental.”
P.70 COLQUHOUN, Alan, “Centraal Beheer” [1974], in TAYLOR, Brian Brace, La modernité critique
autour du CIAM 9 d’Aix en Provence, édiction imbernon, Marseille, 2006, p.188
“C’est l’usager qui joue un role actif dans le bâtiment alors que le role de l’architecte est plutôt de
fournir le cadre qui permet à l’usager de choisir son propre comportement.”
P.71 COLQUHOUN, Alan, La arquitectura moderna, una historia desapasionada, op.cit., p.221
“(...) el segundo mira hacia delante, a un mundo capitalista de estructuras abiertas dentro de las
cuales la democracia, el individualismo, la mercantilización y el espíritu consumista no se ven
obstaculizados por ningún conjunto de códigos culturales establecidos a priori.”
OMA, Rem Koolhaas, El Croquis nº 53, Madrid 1992, p. 21-22
“Es interesante dejar de entender la ciudad como un tejido, para concebirla como una mera
coexistência, un conjunto de relaciones entre distintos objetos que casi nunca se articulan visual o
formalmente, que ya no quedan atrapadas en conexiones arquitectónicas. Para mí, este es un paso
decisivo. Pero si llegamos a la conclusión de que la conexión ya no es algo necesario, estamos, en
cierto modo, dinamitando los cimientos de nuestra existência profesional. Si el planeamiento ya no
es necesario, o se ha vuelto irrelevante...para qué planificar?”
P.72 SOSA, Jose António, “Constructores de ambientes: del mat-building a la lava programática”,in
Quaderns d'Arquitecture i Urbanisme nº220, 1998, p.93
“Los vacios, los poros de las estruturas radiculares de los mat-building no son simples pátios, los
proyectos no giran en torno a ellos. Los vacios son parte inherente de ellos como el poro lo es de
una esponja.”
ltha.epfl.ch/enseignement_lth/theorie/polycopie_th5/chap_11.pdf
“le paysage du bord de route, la mécanisation des objets quotidiens, la culture de la consommation.”
“le retour éphémère de la monumentalité et de l’humanisme; l’affirmation des régionalismes et
l’influence du vernaculaire; la reconsidération du fonctionnalisme de l’entre-deux-guerres; la multitude
de tendances et d’expressions poétiques personneles.”
P.73 MARTÍ ARIS, Carlos, Las variaciones de la identidad, Ed. Serbal, Barcelona, 1993, p.186
“Las obras de arquitectura remiten unas a otras y en ese juego de correspondências se funda la
noción de tipo. Pero no se identifica con ninguna de sus materializaciones sino cone el principio
lógico que las engloba.”
GAUSA Manuel, Housing : Singular housing, Actar Barcelona, GG, 2002, p.11
“(...) ante la indeterminación y mutabilidad de la ciudad contemporânea más receptiva, por el
contrario, a mecanismos abiertos con capacidad de evolución y perturbación. La sustitución en el
proyecto contemporâneo, de la idea cerrada de composición (definción exacta y diseñada de las
partes) por la de “sistema” (mecanismo “abierto” o ideograma vector susceptible de propiciar
múltiples combinaciones y manifestaciones formales diversas) constituye, de hecho, uno de los
mayores exponentes del cambio de paradigmas que caracteriza hoy la disciplina.”
CAPÍTULO V
P.76 BERLANGA José Luís Villacañas, “La Casa, el sujeto”, in “Acerca de la Casa 2”, Sevilha, 1998,
p.230-231
“La dimension de domínio que posee el habitar es también y ante todo domínio de si, y por eso es
domínio moral, ethos. La única forma de detenerse es ocupar un lugar. Y esto es habitar.”
107
P.77 GAUSA Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, Barcelona, Actar, 2000,
p.326
“A la cultura de lo igual sucede la cultura de lo diferente. Cada persona es un mundo. Cada vivienda
es un mundo.”
P.78 Idem
“un sistema dinámico amplifica cada vez más las diferencias particulares; hace acceder de los
fenómenos individuales a la escala macroscópica y, de hecho, es en la ampliación sucesiva de estas
pequeñas diferencias donde acaba encontrándose el azar.”
MONTEYS, FUERTES Pere, Xavier, Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa,
Editorial Gutavo Gili, SA, Barcelona, 2001, p.144
“La imagen hoy podria ser una hoja de cálculo, en cuyas casillas hay elementos que pueden
combinarse, obteniendo asi nuevos elementos. Ciertas de estas combinaciones son casas.”
P.80 TSUZUKI Kyoichi, “Tokio style, ou vivre chez soi comme en ville”, in , Faire son nid dans la ville,
Archilab Japon Orleans, 2006, comissários: Akira Suzuki, Mariko Terada, p.32
“En définitive, seule la fonction du dormir reste attachée à la pièce dont la ville devient en quelque
sorte l’appendice.”
P.81 MACCREANOR Gerard, “Adaptability”, in A+T n.º 12, 1998, p.40
“Adaptability is a different way of viewing flexibility. The adaptable building is both transfunctional and
multifunctional and must allow the possibility of changing use; living into working into leisure or as a
container of several uses simultaneously.”
ARANGUREN Maria José, GALLEGS José Gonzáles, “Habitar la caja”, inédito [1999], in PRATA
Bártolo, Re-habitar a casa urbana do Porto, Faup, Porto, 2006/2007, p.54
“Si las partes fijas, permanentes, se agrupan en núcleos de servicios y las partes cambiables se
alojan sin divisiones rígidas y con critérios de temporalidad, los câmbios que sufra la unidad familiar a
lo largo del tiempo serán resueltos sin profundas y costosas transformaciones.”
P.82 Kasuyo Sejima e Ryue Nishizawa, El Croquis nº99, Madrid 2000, p.336
“una planta muy simple, pero en realidad muy compleja”; “ un edifício del que no se sabe si es
temporal o permanente”: “un edifício construído entendiendo el comportamiento humano.”
MONTEYS Xavier, FUERTES Pere Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa, Editorial
Gutavo Gili, SA, Barcelona, 2001, p.72
“El número de acessos, el de puertas interiores, su forma y uso, constituyen un entramado de
dispositivos que es la expresión sofisticada de la variedad de usos de una casa.”
P.83 Ibid., p.74
“Piensese, por ejemplo, en los hijos adultos que conviven con sus padres o en las vivendas en las
que uno de los usuários trabaja y recibe en casa. La segunda puerta puede ayudar a que
situaciones como estas no deban convertirse en anómalias para el funcionamiento de la casa y
permitan, a la vez, reincorporar este “apartamento” de nuevo a la casa, en el momento en que
cambie dicha situación, sin realizar modificación alguna. Planteada así, esta casa es, en difinitiva, una
casa donde la flexibilidad ha sido entendida en términos distintos a los habituales.”
108
CAPÍTULO VI
P.86 ZHANG Liang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus,
édictions recherches”, 2003, p.246.
“(...) la permanence de la tradition non seulement resiste à la raison historique, mais repose aussi la
tradition de bâtir, non sans une confusion qui persiste jusqu’à aujourd’hui.”
P.89 LA CHINE, Regards sur le Monde, Sélection du Reader’s Digest, Primière édiction, 2e tirage.
“Le ciel nourrit l’homme par les cinq souffles. La terre nourrit l’homme par les cinq saveurs. Rares
sont d’ailleurs les restaurants qui sont en mesure d’acueilir un convive isolé.”
P.90 Kasuyo Sejima, Ryue Nishizawa, El Croquis nº 121/122, Madrid, 2004, p.20
“Estaba interessado en trabajar con la individualidad a traves de generar relaciones entre personas
que viven en el mismo edifício. En Tokio, los edifícios de viviendas están normalmente basados en la
idea de desconexión entre unidades. Sin embargo, aunque es importante mantener la privacidad,
podria ser interesante que los arquitectos reflexionáramos sobre las consequencias espaciales que
puede tener el hecho de que haya personas que elijan vivir junto a otros a los que no conocen. Por
lo tanto traté de crear un sentimiento de independencia a la vez que suscitaba una relación entre los
habitantes.”
P.93. SUNER, Bruno, Ieoh Ming Pei, Fernand Hazan, Paris 1988, p.9
“Le franchissement du mur conserve ici tout son cérémonial: l’entrée de l’hôtel est surmontée d’un
portique, sorte de porte commémorative, ou P’ai-lou.”
CONCLUSÃO
P.95 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura,
Celeste Ediciones, Madrid, 2000, p. 7
“(…) en una época en la que el sistema social y productivo asedia sin respiro a una disciplina
desprovista de cualquier retorno operatvo, (…)”
P.103 WRIGHT, Frank Lloyd, Escritos nº7: 1867 [1944], El Croquis Editorial, Madrid, 1998, p.608
“La República China en su vision era solo un pedazo de costa que la gran China aún no ha incluído y
que, en estos tiempos modernos, millones de Chinos aún no conocen y poco se preocupan por
hacerlo.”
P.104 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura,
Celeste Ediciones, Madrid, 2000, p.9
“(...) una civilización y sus formas, que pertenecen a otro tiempo, asumiendo de manera
programática que ellas difieren completamente de las nuestras.”
P.105 PIZZA, Antonio, La construcción del Passado: reflexiones sobre historia, arte y arquitectura,
op. cit., p.11
“La consideración del pasado en sus aspectos problemáticos irá demostrando su productividad
respecto al ejercicio de una actitud critica frente a nuestra contemporaneidad; por tanto, solo si
somos capaces de construir un pasado, podremos estar en condición de proyectar nuestro futuro, a
partir de la ineludible valorización de la libertad creativa de nuestro pensamiento.”
109
BIBLIOGRAFIA
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ARANGUREN, Maria José e GALLEGOS José Gonzáles, “Habitar la caja”, [1999],
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BACHELARD, Gaston, A poética do espaço, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005
BARATA, Teresa, A cidade em Portugal: uma geografia urbana, 3ªEd. Porto Afrontamento,
1992
BÁRTOLO, Prata, Re-habitar a casa urbana do Porto, Faup, Porto, 2006/2007
BOESIGER Willy, GIRSBERGER H., Le Corbusier: 1910-65, 7ª ed., Barcelona, Gustavo Gili,
2001
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ORIGEM DAS IMAGENS
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CAPÍTULO I I
1. “Google earth” Abril 2008
2. GED Françoise, Shanghai : habitat et structure urbaine, 1842-1995, thèse de doctorat, EHESS,
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7. CLÉMENT Pierre, GED Françoise et QI Wan., Transformations de l’habitat à Shanghai, rapport de
recherches, I.F.A., Paris, 1988, p.202
8. ÁBALOS, Iñaki, A Boa-vida, Gustavo Gili, Barcelona, Gustavo Gil, 2000, p.145
9. GAUSA Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, Barcelona, Actar, 2000, p.576
10. GAUSA Manuel, diccionario metápolis de arquitectura avanzada, Barcelona, Actar, 2000, p.429
13. Fotografia em http://www.flickr.com/photos/tags/lilong
15. GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, Actar Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.29
16. Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº121 e 122, Madrid, 2004, p.372
17. Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº121 e 122, Madrid, 2004, p.373
18. Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº121 e 122, Madrid, 2004, p.348
19. Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº121 e 122, Madrid, 2004, p.352
20. GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, Actar Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.28
23. http://www.shanghartgallery.com/galleryarchive/artists/name/huyang/archive/Shanghai
24. GAUSA, Manuel, Housing : Singular housing, Actar Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.30
25. MONTEYS Xavier, FUERTES Pere, Casa Collage, un ensayo sobre la arquitectura de la casa,
Editorial Gutavo Gili, SA, Barcelona, 2001, p.63
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CAPÍTULO VI
2. Fotografia em http://www.graindesels.com/?p=30
6. LIANG, Zhang, La naissance du concept de patrimoine en Chine_XIX_XX siécles, Ipraus, Edicions
recherches”, 2003, p.106
19. 100 Merveilles de CHINE, édictions Grund, Paris, 2007, p.189
20. 100 Merveilles de CHINE, édictions Grund, Paris, 2007, p.189
21. Fotografia em www.playthegameoflife.org/labels/china.html
27. Kasuyo Sejma, Ryue Nishizawa , El Croquis nº121 e 122, Madrid, 2004, p.356
*Nota: as imagens que não estão aqui registadas foram por mim fotografadas em Fevereiro
de 2007, quando estive em Xangai.
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