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Linha do tempo

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Livro A TRIBUNA

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Linha do Tempo Sob licença:

Prefácio: Prof. Drª. Edileusa Regina Pena da Silva

Pesquisa: Prof. Ms. Júlio César Coelho.

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Catalogação:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ruy Ferreira, Linha do Tempo, 2012

Ferreira, Ruy

Linha do Tempo. Ruy Ferreira. Rondonópolis/MT: A Tribuna, 2012. 224p

ISBN: 978-85-913985-0-8

1. História do Cotidiano. 2. Artigos de Opinião. 1. Título.

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S U M Á R I O

Prefácio, 7

Introdução, 10

Reformas do Estado, 12

Na contramão da Educação, 14

Caro Reitor eleito, 16

Educação: uma solução econômica e não um problema insolúvel, 18

Minhas desculpas aos rondonopolitanos, 20

Senhores candidatos à Prefeitura de Rondonópolis, 22

Educação - De novo não! Arghhh!, 24

Eu e o sindicato, 26

Penitenciária ou maternidade. Qual o melhor lugar para um condenado?, 28

Bobo, talvez. Burro não!, 29

Impunidade começa perto da gente, 31

O Brasil não precisa de mais faculdades de Medicina, 32

A História não perdoa!, 33

Uma estória insólita ou cada macaco no seu galho, 35

Empreendimentos, empreendedores e acadêmicos, 36

Muro de Berlim, 38

Que tal o PVC?, 40

Papai Noel ou Saci Pererê?, 42

Viva a Cultura, 45

Estória sem moral é realidade, 46

Adulto também entra em crise, 48

Autonomia universitária para nossos netos, 51

O Não! Grande vencedor das eleições no Mato Grosso, 53

Automação no gerenciamento de lavouras, 55

O “Não” ataca de novo, 58

Eu, o Nacionalismo, o Estado e os políticos, 60

Liberdade!, 64

Bezcampante, uma triste história, 68

Brasil de Hoje: “Samba do crioulo doido” ou “cego em tiroteio”, 70

O importado é melhor. Para quem?, 73

Sonhei um sonho, 75

A Informática e a Sociedade numa Visão Matemática, 78

Computadores nas escolas, 81

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No voto ou no 44?, 84

Uso da coisa pública, 87

O público e o privado, 89

A Escola: um imenso mercado para os capitalistas internacionais, 92

Tiraram ou perdi?, 96

Réquiem ao adversário, 99

Massageando meu próprio ego, 100

Despedida, 102

O fim do sonho democrático no Brasil, 104

Seis anos, 106

Caro Amigo, 108

Trilogia do retorno – parte final, 110

Burrices e mistérios contemporâneos, 113

Você sabia..., 116

Rui Barbosa era um profeta, 117

Pelo poder vale tudo, 119

Dilson, oráculo ou gênio perspicaz?, 123

2010 – Ano de copa e de eleições, 125

Mais um adeus, 127

Avesso do avesso – Federal, 129

Avesso do avesso – Local, 131

Universidade Federal de Rondonópolis, A Tribuna e o tempo, 133

Mania de mentir, 135

Paz? Subserviência? Ostracismo? Omissão? Burrice?, 136

Aceitando o conselho de um amigo, 138

Democracia: utopia de poucos, 142

O Rio e o resto, 144

Farinha do mesmo saco: FHC, Lula, Collor, etc., 147

Coisas do cotidiano, 149

Universidade e livre pensar, 151

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A vergonha de ser fluminense hoje, 153

Saiba por que as eleições já passaram, 156

As múltiplas formas da intolerância, 158

Viajar no Brasil é uma aula de vida, 161

Até homem chora, 163

Fora Dilma, 166

Centro de Apoio à Agricultura Familiar, 169

Técnicos da UFMT em greve: uma luta desigual, 171

Morreu mais um professor, 173

O fim de um ciclo, 176

Voltei do Porto, 178 Boas Festas, 181

Variando o tema para: Educação, 184

O tempo passou e nada mudou, 187

Cara ou coroa: toda moeda tem dois lados, 189

Artigos publicados em outros meios de comunicação

Parabéns aos noivos, 193

O texto científico e o prazer da leitura, 194

Estabilidade à brasileira: nada muda!, 197

E a Economia, como vai?, 200

Tecnologia Educacional, 203

Cotas e políticas afirmativas, 207

Universidade e mercado, 210

Sonhei que, 212

Plano para acesso dos negros às Universidades Públicas, 216

Democratizando o acesso ao conhecimento científico, 218

Se eu fosse a reencarnação de Charles Darwin – Parte I, 220

Se eu fosse a reencarnação de Charles Darwin – Parte II, 222

Conclusão, 224

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Prefácio

Miscelâneas de pensamentos, vivências e emoções

Nos dois últimos anos tive a grata oportunidade de conviver um pouco mais

de perto com o Prof. Dr. Ruy Ferreira, a quem costumo referir-me como amigo. É

bom esclarecer que também atribuo este título aos autores com quem dialogo, tro-

cando experiências, sensações e emoções. Justamente porque a leitura permite este

encontro e esta intimidade entre autor, texto e leitor.

Em minha concepção, amigo e amizade, não dependem apenas de encontros

físicos para existirem. Amigo pode simplesmente ser alguém com quem você com-

partilha suas divagações, seus pensamentos, angústias, sem se incomodar com o pa-

recer dele, porque, certamente será algo positivo e em prol de seu crescimento pes-

soal.

Não acredito naquela pseudo-amizade em que você só pode falar o que con-

vém ao outro; nem em outras que só tem razão de existir em função das festivida-

des. Amigo e amizade são sinônimos de confiança, respeito, sobretudo de conforto.

E toda vez que me sinto confortável diante de alguém ou de algo, como se estivesse

em casa, no fundo do quintal ou naquela mesa da cozinha onde os maiores segredos

e desejos são revelados, chamo a isso de amigo.

A amizade não precisa necessariamente de uma convivência física, de uma

devassidão em seu cotidiano e na sua vida íntima. Não precisa preencher todas as

suas horas, participar de tudo sem estar presente. Antes, precisa da sua emoção,

compreensão, do seu apoio, do seu silêncio, da sua bronca dura com nuances leve e

suave. Precisa da sua presença constante, mas sem imposição. Muitas vezes, preferí-

vel que seja invisível, embora você tenha a certeza de que num toque pode alcançar

seu amigo, num suspiro forte ou um simples gritinho ele virá ao seu encontro. Amigo

é alguém que valoriza sua existência e sabe extrair o melhor do seu eu, mais até do

que você próprio.

Por tudo dito, sinto-me mais a vontade para informar que, finalmente, chegou

o momento destes textos de Opinião do Leitor, publicado pelo Jornal A Tribuna, da

cidade de Rondonópolis, ganhar asas e serem compartilhados com mais pessoas e

leitores ávidos por conhecer, informar-se, divertir-se ou simplesmente trocar um de-

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do de prosa com o autor sobre assuntos diversos do cotidiano, do mundo real ou di-

vagações e fantasias dos desejos secretos reproduzidos. E, assim, novas amizades

verdadeiras serão construídas.

Caros leitores embarquem confiante nesta viagem literária, pois, o professor

Ruy Ferreira é mestre e doutor na arte de hipnotizar e encantar os que o rodeiam.

Sou sua fã e suspeita para falar de seus escritos. Mas, exageros e deslumbramentos

à parte, têm-se, aqui, uma excelente oportunidade para refletir sobre a sociedade e

seu cotidiano; ou pensar no que esperar do mundo e do futuro da educação, da polí-

tica, da sociedade e do nosso planeta.

O professor Ruy Ferreira é um destes amigos invisíveis, mas, extremamente

presente em nossas vidas. Podemos encontrá-lo esporadicamente nos espaços físicos

e com mais freqüência nos ambientes virtuais, intelectuais, literários e acadêmicos.

Entretanto, o lugar mais apropriado para estes encontros tem sido, há mais de vinte

anos, as páginas da Opinião do Leitor.

Talvez, nem ele mesmo saiba, mas, particularmente, faço as leituras de seus

artigos de opinião desde que cheguei a Rondonópolis, no segundo semestre de

2002. Aliás, o primeiro recorte de material do Jornal A Tribuna para a composição do

clipping da assessoria de comunicação do campus de Rondonópolis da Universidade

Federal de Mato Grosso (UFMT) foi um artigo dele, intitulado "O Computador na Edu-

cação", produzido em agosto de 2002. Data esta, que iniciei minhas atividades, como

assessora de comunicação da referida instituição e, na qual, ele já era professor con-

sagrado e admirado desde 1995. Desde então, ele sempre foi muito especial para

mim, justamente porque costumo constituir laços fortes com os autores que eu leio e

me encantam.

Assim, esta obra surge para atestar que a riqueza dos textos produzidos para

a Opinião do Leitor está em sua diversidade temática, de estilos literatos e lingüísti-

cos, de idiossincrasia, das experiências vividas e emoções colhidas e retorcidas e

compartilhadas.

A coluna Opinião do Leitor é este espaço de construção e encontros do sujeito

-autor com o sujeito-leitor e onde o professor Ruy Ferreira soube com maestria ex-

plorar cada milímetro, informando e emocionando. Simplesmente porque só se fala

daquilo que se conhece muito bem e está em nós entranhado, pulsando, gritando

bem alto.

Ruy Ferreira é assim: visceral. Transpira, respira e inspira emoção e prazer.

Sabe como os grandes autores falar com e ao coração, mesmo quando os assuntos

são tão complexos, racionais e cáusticos. Na medida do ser, é poesia, canção e pai-

xão.

Ao fazer a leitura destas preciosidades, sou capaz de perceber o estado de

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ânimo deste autor consistente e impecável, que sabe conduzir com excelência o ato

de escrever e transformá-lo num processo de fermentação intelectual extremamente

prazeroso.

Ele sabe e nos fala com poesia. Sinto que para este autor não há nada melhor

do que o silêncio das madrugadas, num encontro com ele mesmo, deixar vir à tona

toda emoção, toda explosão de sentimentos que vão se mesclando com o real, o

possível ou imaginário. E, nesse afã de saberes e sabores deixar a mão descansar

levemente sobre o teclado. É aí que o pensamento voa e o texto acontece. Texto,

este, que sai carregado com a tinta da subjetividade, embriagado por seus saberes e

experiências vívidas. Entretanto, requintadamente poluído por sua essência livre, le-

ve, sem receios, nem temores.

Querido amigo, falar de você ou de seus escritos é para mim algo grandioso e

requer ou me exigirá conhecimento refinado. Por esta razão, me permita, tão somen-

te, endossar os meus louvores por mais uma de suas preciosas criação. Que venham

os leitores e o sucesso se faça presente, pois, esta não é tão somente mais uma pu-

blicação em um canto qualquer de alguma livraria.

Esta obra expressa seus desejos, sonhos, anseios, rica e lindamente construí-

dos por devoradoras horas insones, lendo, relendo e labutando na construção do co-

nhecimento, do saber, do ser e do fazer melhor, sempre. Do querer e desejar dias

mais luminosos para o nosso Brasil, velho de guerra. De acreditar que é possível mu-

dar o mundo. Mas, inesgotável, por depositar todas as fichas na formação e constru-

ção de mentes produtivas e muito mais participativas. Queira Deus que seus sonhos

e desejos germinem como um vírus altamente contagioso, mas profícuo...

Edileusa Regina Pena da Silva

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Introdução

Quando um estudante me questionou sobre os motivos que me impedem publicar

em formato de livro os artigos de opinião que esse velho mestre publica a mais de

15 anos em jornais brasileiros, o olhar se perdeu num ponto fixo no vazio das res-

postas difíceis e a boca balbucia sílabas como: bem ... é .... pois ...

A saia justa que vesti nessa hora me fez ir atrás de algo maior que a resposta verbal,

por em prática o questionamento do aluno. Daí nasceu à motivação para organizar

esta despretensiosa coletânea de textos publicados aqui e ali.

Como prefiro trabalhar em equipe convidei o Júlio César Coelho para me orientar na

organização do livro. O homem é historiador e sabe delinear uma linha do tempo co-

mo ninguém. O título da obra é uma homenagem aos que registram as várias ver-

sões da verdade para as futuras gerações. Valeu Júlio.

Ao pedir a Edileusa Pena que se encarregasse do prefácio acertei em cheio. Sem tro-

cadilhos, a pena da menina é veloz, precisa e concisa. O fato de sermos amigos a

tantos anos complica um pouco, pois suas palavras ficam impregnadas de amizade e

companheirismo.

Dito isso, posso oferecer ao leitor uma explicação sobre os motivos que me levaram

a organizar esta obra. Primeiro é necessário dizer que publicar um livro é um prazer

muito intenso e mexe com a vaidade de qualquer um. Logo, a vaidade é um motivo

aqui presente. Ocorre que o intento de atender às exigências dos estudantes do

Câmpus Universitário de Rondonópolis (CUR), da Universidade Federal de Mato Gros-

so (UFMT) é outro motivo que alego. Mas, sempre tem um “mas”, dois colegas me

pediram um CD-ROM contendo minha produção intelectual para incluir em um livro

que estão organizando. Ora, como sou muito egoísta entreguei o pedido e fui além,

me motivei a compilar um livro. Assim, iniciamos a pesquisa na hemeroteca da Bibli-

oteca Regional do CUR-UFMT e no acervo digital e impresso do jornal A Tribuna.

Os velhos disquetes de backup, os CD-ROM empoeirados, as pastas de arquivo saí-

ram da estante e foram para a mesa do Júlio, onde ganharam uma ordenação lógica

e cronológica.

Ao colocar em ordem os textos escritos ao longo desses quinze anos fiquei surpreso

com a evolução das ideias e dos valores morais, éticos, religiosos, sociais e políticos

que ocorreu em mim mesmo.

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A sensação de olhar no espelho do tempo e ver sua própria imagem se transformar,

em um polimorfismo capaz de mudar até a alma, é boa por um lado, afinal sou hu-

mano e tenho a obrigação de evoluir. Enquanto por outro lado é terrível constatar

que nada é eterno, nem mesmo as ideias resistem ao tempo.

Claro que tem coisas que não abrimos mão, como a Ética, por exemplo, e aí somos

rotulados de coerentes ou de intransigentes. Se mudarmos uns nos chama de volú-

veis, outros de sensatos. Difícil satisfazer a todos.

Ao colocar os artigos de opinião publicados nesses mais de quinze anos em jornais

brasileiros constato a existência de uma realidade política que teima em permanecer

engessada, substituindo pessoas para atender necessidades pouco confessáveis de

grupos. Entra um governante, sai outro, muda o nome, mas nenhuma mudança de

postura ética e moral acontecem.

É um desfile de nulidades, de gente medíocre, de gatunos de sonhos, ladrões de es-

perança, nada mudou nesse período. Tanto faz o discurso anterior ser conservador

ou progressista, ao chegar ao moedor de gente do poder, todos ficam iguais. Os go-

vernantes parecem carne moída, difícil saber a origem depois de preparada. Isso va-

le para presidente, governador, prefeito, senador, deputado ou vereador. Ao chega-

rem ao poder transformam-se em farinha do mesmo saco.

Mas, a dor da perda também fez parte desse lustro de tempo. Foram amigos queri-

dos que nos deixaram órfãos, sem contar os familiares que teimam em sucumbir di-

ante da idade avançada, crianças de noventa anos que se vão.

Outros se foram novos demais, arrancados da vida pela tragédia. Esses a dor é caóti-

ca e parece que dói mais. Sem contar os desconhecidos que a catástrofe leva sem

nos dar a oportunidade de conhecê-los.

Para um professor o tema predileto não poderia ser outro se não a Educação, em

maiúsculo mesmo, envolvendo críticas, constatações e propostas. Ao ver o conjunto

posso afirmar, escrevi pouco sobre a Educação e o que escrevi foi ruim. A coisa é tão

emergente, tão importante que o escrito é uma vírgula diante da necessidade. Pisei

na bola.

Passeei por outros campos do saber, dei meus palpites, falei o que pensava. Tentei

ser coerente. Alguns temas me são sensíveis demais: liberdade, democracia, tolerân-

cia, amor ao próximo, amizade, que não permitem jamais transgiversar na caminha-

da da vida.

Espero que a coletânea demonstre os contextos históricos em que os textos foram

escritos, apresentem abertamente minhas ideias e permita ao menos um sorriso. Boa

leitura.

Ruy Ferreira (autor)

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Reformas do Estado Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 9 de maio de 1996.

Esta semana ouvi o Presidente Fernando Henrique dizer: "... agora o Congresso a-

provará todas as reformas que o Brasil necessita. Não tenho dúvidas de que os con-

gressistas saberão atender aos anseios do povo ... ". Foi na posse do Ministro da Co-

ordenação Política.

Tenho o péssimo hábito de pensar. E, pensei:

- Que raio de anseio popular é esse?

E pensei de novo. Porque:

- Não vejo nenhum movimento de base apoiar as reformas propostas.

- Não vejo "cara-pintadas" nas ruas pedindo Reforma Administrativa.

- Não vejo aposentados fazendo passeata pela Reforma da Previdência.

- Não vejo contribuintes realizando carreatas democráticas em favor da Reforma Tri-

butária.

- Não vejo professores e estudantes clamando por escolas pagas, como quer esse tal

de Bresser Pereira (o mesmo do Pão-de-Açucar e do Ministério da Economia do Sar-

ney).

Aí, pensei de novo: - Quem está interessado nessas tais reformas? E respondi por

exclusão, já que eu (professor universitário e contribuinte), meu sogro (aposentado),

meus filhos (ex-cara-pintadas), não estão, então só pode ser gente de fora!

Confesso que estive tentado a consultar Mãe Diná (aquela vidente dos Mamonas As-

sassinas) no afã de descobrir os nomes dos interessados. Mas, andei lendo uns jor-

nais e uns livros, e cheguei a uma conclusão:

Os grandes interessados na reforma do estado são aqueles que vão ganhar alguma

coisa com isso. Por exemplo - O Banco Mundial, o FMI, o Clube de Paris, pois deixan-

do de oferecer serviços públicos e arrecadando mais impostos, o Brasil pagará regu-

larmente a tal da dívida externa. Privatizar a miséria de 38 milhões de brasileiros nin-

guém quer, mas privatizar a Vale do Rio Doce que só deu lucro até hoje, e descobriu

um filão de 150 toneladas de ouro no Pará, essa até eu quero comprar. Ora, se falta

dinheiro para manter a máquina estatal como apareceram oito bilhões de Dólares

para salvar o Banco Nacional e Econômico. Eu nem tenho conta lá. Se banco privado

dá lucro, os dividendos são privativos dos acionistas, se dá prejuízo, eu tenho que

socializar meu imposto para ajudar ladrão.

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Parei de pensar e fui ver televisão na esperança de que a novela da Globo mostrasse

o que realmente interessa ao povo: ilusões! Quebrei a cara. Apareceu um cara ma-

grinho, parece doente, dizendo que saiu do time da D. Ruth porque o José Serra

(Ministro do Planejamento) está de "sacanagem" com todo mundo.

Epa! Logo o Betinho.

E o próprio irmão do Henfil disse que o programa contra o desemprego lançado nes-

ta semana é “conversa prá boi dormir”, não resolve os problemas de nenhum desem-

pregado, talvez de alguma empreiteira sim.

Betinho. Não faz isso. Eu acredito em você. Fica lá e põe a “boca no trombone”.

Desliguei a televisão e fui para a Universidade. Lá decidimos entrar em greve contra

as reformas do FHC e pela reposição salarial, já que a inflação do ano passado não

foi reposta como manda a lei e desde janeiro eu deveria ter tido um reajuste no

mesmo valor da inflação passada.

É, acho melhor voltar para Brasília e avisá-los do que o povo pensa. Pois lá ninguém

sabe dessas coisas.

(*) Professor de Computação da UFMT

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Na contramão da Educação Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 21 de junho de 1996.

O Campus Universitário de Rondonópolis abriga sete cursos superiores. Um desses é

bacharelado em Ciências Contábeis, todos os demais são voltados para a Educação.

Após vinte anos de existência, a comunidade acadêmica persiste na busca de uma

vocação para o Campus.

Muito bonito “Seu Campus”..., tornou-se um adulto sem horizonte, sem norte e se-

guir.

Sua vocação é Educação, não se envergonhe disso! Lembre-se que ninguém nasceu

sabendo, já formado “doutor”, todos passaram ou deveriam ter passado pelos ban-

cos escolares do ensino fundamental, alguns freqüentaram o ensino médio e poucos,

a elite intelectual, banquetearam-se no paraíso da academia. Resumindo: - A educa-

ção prepara os cidadãos para a vida (pelo menos deveria) e isso é importantíssimo,

seja aqui ou na culta França.

Tanto é verdade que o professor Fernando Henrique, estando neste momento Presi-

dente da República, curvou-se diante das exigências do Banco Mundial e congêneres

na melhoria do nível escolar de nossos cidadãos. Não se iluda, o interesse subenten-

dido pelo capital é capacitar consumidores à produtos que exigem melhor preparo

intelectual para uso, e não, erradicar o analfabetismo, tornar o povo capaz de pensar

criticamente, etc. etc.

Assim sendo, respaldado no conhecimento real e concreto do cotidiano, vou lhe dar,

“Seu Campus”, alguns conselhos:

- É preciso estar fortalecido quando houver luta. Logo quando o interesse for coletivo

todos os seus membros devem unir-se em torno desse ideal.

- O interesse pessoal não deve subverter o interesse legítimo da comunidade acadê-

mica.

- Quando o Campus cresce, seus membros crescem na mesma proporção. Mas lem-

bre-se, o inverso também é verdadeiro.

- Se você não ocupar seu espaço, outros ocuparão. Seja “homem” e vá conquistar

seu terreno, não deixe que o ensino privado torne-se mais importante e necessário.

- O Mato Grosso é carente crônico de Educação Fundamental é Média. Nossa tarefa é

reverter esse quadro caótico. Seja formando, reciclando, capacitando e melhorando

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o padrão do Educador que hoje atua nessa área. Muito bem, agora vamos às ações

que o “Senhor” pode realizar:

- Implantar o Colégio de Aplicação conveniado com o município e ou Estado, onde

nossos estagiários possam exercer o magistério. Possuindo laboratório de desenvolvi-

mento humano para crianças de até seis anos. Quem sabe esse colégio não seria a

escola-referência para as demais?

- Desenvolver um projeto contínuo de reciclagem de professores do 1º e 2º graus,

onde novos instrumentos são colocados à disposição, aliadas à novas concepções

educacionais. Isso valorizará nossos colegas!

- Implantar um Núcleo de Tecnologia Educacional para produzir livros regionalizados,

impressos, programas de rádio e televisão, criação de audiovisuais, produção de ví-

deo. Distribuindo-os às escolas que participarem do convênio de capacitação de Re-

cursos Humanos. Gente capaz o “Senhor” tem, só falta planejamento, coordenação e

vontade.

- Criação de Núcleos de Educação para as Ciências, Educação Básica, Comunicação e

Expressão, etc. todos voltados para a Iniciação Científica e reforço escolar, com atu-

ação no vácuo do ensino formal. Já pensou: nossas crianças aprendendo a aprender

e construindo seu próprio saber!

- Abraçar projetos municipais e estaduais que visem a superação do fracasso escolar.

Pois ao participar estaremos aprendendo a erradicar essa doença social.

- Criação de um programa de pós-graduação regular, próprio ou conveniado com ou-

tra Universidade, visando dar um salto de qualidade nos seus docentes. Lógico que

no Campo da Educação Pública (áreas do ensino de Matemática, História, Geografia,

Ciências Biológicas, Letras, etc.). Não seria bom para sua saúde intelectual?

Claro que a vida da região não é só Educação. Seria ótimo, se além das ações suge-

ridas, o “Senhor” lutasse por novos cursos identificados com o Sul do Estado. Por e-

xemplo: Agronomia, Medicina Veterinária, Tecnologia de Alimentos, Processamento

de Dados, Direito, Administração de Empresas, etc.

Ah! Já ia esquecendo. Que tal uma Empresa-Júnior para o pessoal das Ciências Con-

tábeis? Muito melhor que estagiar em escritórios onde alguns vícios já se enraizaram.

Bem, “Seu Campus”, as idéias estão postas, vamos discuti-las com a comunidade?

(*) Professor de computação.

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Caro Reitor eleito Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 25 de julho de 1996.

Após uma acirrada campanha democrática e eleições pautada pela honestidade, che-

gou-se ao seu nome para administrar nos próximos quatro anos a Universidade Fe-

deral de Mato Grosso.

Fico feliz pelo processo eleitoral e principalmente, pelo resultado obtido.

De antemão sabemos que o seu cargo é desgastante. Entretanto, bem exercido será

gratificante tanto em nível de satisfação pessoal, como também, pelo reconhecimen-

to público de um trabalho voltado para as Ciências, Artes e Cultura.

Muitos empecilhos serão colocados em seu caminhar: Falta de recursos públicos

(crônico na Educação); Tentativa de privatização das universidades governamentais;

Oposição sistemática a qualquer projeto que vise quebrar corporativismos arraigados

e privilégios de grupos ou pessoas; Portas fechadas em Brasília; Visão estreita do

que seja Universidade, por parte da sociedade que nunca foi bem esclarecida sobre

nossa função social, além do público interno que não conhece nosso próprio negócio;

Isolamento científico por falta de quadros capacitados, resultante de políticas fede-

rais que pagam o mesmo salário ao Doutor no desenvolvido litoral brasileiro e no vir-

gem sertão do país, acreditando que as excelências mudar-se-ão para cá devido ao

mais puro sentimento patriótico; Sem falar dos políticos dessa terra que teimam em

ignorar a Casa do Saber, como cadinho de soluções para inúmeros problemas sociais

e políticos de nossa região. Além de outros que só o passar do tempo serão apresen-

tados.

Entretanto acredito, isto é, tenho fé inabalável, que é possível superar todo e qual-

quer empecilho administrativo, social, econômico ou político, através de duas virtu-

des que reputo da maior importância e que o Senhor é possuidor nato: Vergonha na

cara e competência.

Puxão de orelha? Nunca!

Disse-lhe a mesma coisa ao iniciar a campanha, estou relembrando o passado recen-

te com a única finalidade de oferecer-lhe total liberdade para administrar.

Diga não a pedidos pessoais de cargos, benesses, privilégios, jeitinhos, cadáveres

para uns computadores para outros, Internet para aqueles, etc.

Implante o planejamento participativo agora! Comece com o pé-direito sua adminis-

tração. Surpreenda até o fisiologista-mor, eu próprio, que lhe cobrei inúmeros pontos

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nebulosos do programa de campanha (Política de Capacitação, programas próprios

de Pós-Graduação, incentivo à Pesquisa Científica, políticas para o desenvolvimento

de programas de extensão universitária voltados para a sociedade que nos cerca e

apóia, planejamento integrado, etc., etc.), dizendo: Gente, agora vamos planejar a

curto e médio prazo como realizarei a consolidação da UFMT no cenário científico-

artístico-cultural. Primeiro quais são nossos objetivos permanentes e vocação. Em

seguida, que políticas adotaremos para atingir tais objetivos e por fim como faremos

o planejamento e execução.

Daí em diante é trabalhar com essas duas virtudes.

Acredito que muita gente capaz foi seu eleitor de carteirinha, e devem ser ouvidos

nesse planejar. Caso seja necessário reúna representantes, instale a gerência partici-

pativa através das Congregações e Fóruns universitários já existentes. Se a sala de

reuniões da reitoria for pequena para comportar os participantes, delegue poder ao

Vice-Reitor para coordenar parte da discussão. Articule com adversários de campa-

nha, pois a Universidade a todos pertence. Seja grande como a investidura do cargo

requer, seja magnífico no manejo do Saber, seja o Reitor da nossa Universidade. E,

principalmente, administre de forma participativa.

Saúde e Paz.

(*) Leciona Ciências da Computação no Campus de Rondonópolis da UFMT

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Educação: uma solução econômica e não

um problema insolúvel. Ruy Ferreira *

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 22 de agosto de 1996.

O Brasil de hoje procura desesperadamente imitar os Estados Unidos da América,

seja na Língua, Cultura, Moda, Desporto, Economia, Administração de Empresas, Te-

lecomunicações, Violência Urbana. Enfim, em quase todos os campos da vida huma-

na. Os argentinos têm razão ao nos chamarem de “macaquitos”, pois realmente imi-

tamos tudo ou quase tudo o que os americanos inventam.

Só não vejo imitação num campo: - na Educação.

Olhem bem esses dados, comparem com os nossos, constatem o absurdo em que

vivemos, e por fim, perguntem a si mesmo: Por quê?

Calcula-se que 30% do capital dos EUA estão ligados, não a fábricas e equipamentos

industriais, mas a escolas e material de ensino. Lá, em trinta anos as despesas com a

educação acadêmica (universitária) saltou de três bilhões de dólares para 54 bilhões.

Esta cifra é maior que o total do orçamento daquele país em 1950. Sendo estimado o

gasto total em 200 bilhões de dólares, se incluídos os investimentos indiretos.

A conseqüência desse investimento é que 57 milhões de pessoas, mais de um quarto

da população americana, estudam em período integral. Diplomam-se no curso secun-

dário 72% dos jovens, nenhum outro país do mundo se aproxima desse índice, salvo

o Japão que começou em 1873, sua cruzada contra a ignorância. Perto da metade

desses jovens diplomados continuam seus estudos em alguma instituição de ensino

superior. Em dez anos, nos EUA cresceram o número de matriculas de três para sete

milhões de jovens em suas universidades. A maior classe profissional americana é a

de professores, com 2.600.000 profissionais ativos no mercado.

Sabem o que aconteceu em decorrência desse investimento em Educação, no mes-

mo período considerado, a produção total de bens e serviços saltaram de 300 para

650 bilhões de dólares, prevendo sua chegada em mais 6 anos a cifra de um trilhão

de dólares. Considere nesses dados que os americanos representam 30% da produ-

ção de bens do mundo, com apenas 6% de sua população. É mole ou quer mais?

Outras conseqüências, além das econômicas, ficaram patentes: Não houve um plano

federal ou coisa parecida, mas apenas milhões de pessoas que decidiram melhorar

suas vidas e a de seus filhos. Os índices de natalidade começaram a declinar em fun-

ção da melhoria educacional. A mulher passa a ocupar lugar mais importante no apa-

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relho produtivo. A renda é mais equitativamente distribuída em função da redução

das diferenças de conhecimento da população. Muitos programas de assistência soci-

al foram revistos, sendo substituídos por programas de capacitação pré-escolar para

crianças desprivilegiadas e cursos de verão nos guetos (favelas americanas) por se-

rem mais eficientes do que as intermináveis esmolas. Cada americano instruído pode

produzir mais e melhor.

Procurando alguma explicação nos teóricos da Economia, encontramos o escocês A-

dam Smith (viveu 200 anos atrás) afirmar que uma nação deveria esforçar-se para

que seu povo fosse inteligente, engenhoso e dinâmico. Smith é o maior pensador do

capitalismo que vivemos na atualidade, como um papa dos economistas de hoje. Ou-

tro que fala no assunto é o inglês Alfred Marshall (viveu no final do século XIX) que

afirmava que “o mais valioso capital é o investido em seres humanos”. Interessante,

não?

E nós: Brasileiros e brasileiras! Minha gente! Caipiras! “Macaquitos”! Por que não co-

piamos a idéia dos queridos irmãos do Norte e investimos, de verdade, na Educação

de nossa população? Será que existe alguém desejando nossa eterna ignorância e

pobreza?

Ah! Ia me esquecendo, todos os dados citados acima dizem respeito à década de 60

(anos dourados, para eles é claro) nos Estados Unidos.

(*) Professor de Computação da Universidade Federal de Mato Grosso

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Minhas desculpas aos rondonopolitanos Ruy Ferreira *

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 10 de setembro de 1996.

Na sexta-feira passada (06/09) vi-me diante da árdua tarefa de discursar como para-

ninfo da turma de formandos em Matemática do CUR/UFMT. É terrível para alguém

inexperiente dirigir-se a uma platéia heterogênea, pois estavam presentes: parte do

reitorado da UFMT, políticos importantes, professores titulados, autoridades dos po-

deres executivo e legislativo, representantes religiosos e pessoas comuns (como eu).

O Cine Avenida lotado, pequeno para um evento tão concorrido, e eu suando deses-

peradamente, parte pelo calor e também pelo natural nervosismo, esse era o meu

debut como tribuno.

Como padrinho da turma, na primeira parte aconselhei meus afilhados a cultivarem

algumas virtudes morais imprescindíveis ao profissional de nível superior, afinal não

queremos um monte de PC Farias, Osmani Ramos, Castor de Andrade e outros ban-

didos escudados no diploma de um curso superior, andando por essas terras.

Foi a parte “morna”, chata até. Virtude moral é tão cafona, démodé, desatualizada

nos dias atuais, onde impera a “Lei de Gérson” e a esperteza. Sinceramente, com-

preendo a cara de sono da platéia. De qualquer forma dei meu recado, concitando os

protegidos a serem corajosos, idealistas, coerentes, solidários, honestos, éticos e cri-

ativos.

Na segunda parte do blá-blá-blá a coisa esquentou, pois muito nervoso, perdi-me no

texto que havia preparado e deixei transbordar a indignação que estava represada

em meu coração. Discursei através da emoção, sem nenhum retoque, sem palavras

frias e bem medidas. Fui “eu mesmo” no lugar do desejável paraninfo oficial, aquele

que só diz “abobrinhas”. Deixei que brotasse minhas decepções, guardadas a sete

chaves, afinal fui estudante aqui no Campus de Rondonópolis entre 1982 a 1985 e

hoje retorno como professor de Computação.

Catorze anos se passaram e não vi coisas novas vindas de Cuiabá. Raciocinem comi-

go: - Em 82 havia os cursos de Ciências, Estudos Sociais, Pedagogia e Ciências Con-

tábeis. A partir de 88, o curso de Ciências dividiu-se em Matemática e Ciências Bioló-

gicas. Já o de Estudos Sociais deu origem aos de História e Geografia. Tudo divisão,

adaptação, nada de novo. Os laboratórios que estudei são os mesmos hoje em dia. A

Biblioteca Regional e a Casa do Estudante são inserções no Orçamento da União com

destinação certa de autoria do Deputado Wellington Fagundes (de Rondonópolis). A

quantidade de professores não cresceu com o aumento da demanda local, alguns se

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aposentaram, outros se demitiram e nada de concurso público para suprir essas va-

gas. Quando é necessário consertar um pneu do carro do Campus, temos que colocá

-lo num outro carro e levá-lo a Cuiabá para o conserto lá acontecer. Isso devido ao

Campus de Rondonópolis não possuir nenhum tipo de autonomia administrativo-

financeira. Coitados dos comerciantes de Rondonópolis, pois quando precisamos de

um brinde vamos até eles pedir, mas na hora de comprar o necessário para funcio-

nar o Campus, tudo é adquirido em Cuiabá, e as empresas daqui ficam chupando o

dedo. Se precisarmos acabar com a poeira e lama das ruas do Campus, pedimos a

Prefeitura de Rondonópolis e, gentilmente, ela asfalta. Ora, nosso órgão é federal e

cabe a União, através da UFMT, bancar esse gasto. Nunca a Prefeitura disse não ao

Campus e com isso a UFMT não precisa gastar por aqui. Bom para a Universidade,

ruim para a Prefeitura. Claro que a UFMT utiliza esse dinheiro economizado em ou-

tros locais como Sinop, Barra do Garças e Cuiabá. Para montar um Laboratório de

Informática no Campus juntamos máquinas obsoletas, com peças que trouxe de mi-

nha casa, com doações da LD Informática (de Rondonópolis). Isso é normal? Talvez

sim. Se entendermos que Cuiabá nos trata com descaso. E foi isso o que eu disse.

Nem uma palavra mais!

Disse também, que ninguém está impedido de sonhar algo possível. Sonho com a

criação da Universidade Federal Sul-Mato-Grossense. Para agora? Claro que não! O

momento é propício a fortalecer o Campus Universitário de Rondonópolis e somente

após conseguir novos cursos, com um quadro de professores capacitados, suficientes

para pesquisar e ensinar, salas de aulas na quantidade desejável, laboratórios mo-

dernos e bem equipados, etc., devemos partir para o Ministério da Educação buscan-

do a criação da nova Universidade no Mato Grosso. Assim aconteceu com Lavras -

MG, Viçosa - MG, Campina Grande - PB e Santa Maria - RS, por que não pode acon-

tecer aqui? Temos políticos eleitos com nossos votos, espaço físico, gente capacita-

da, estudantes em potencial e tudo para construir.

Caso esteja errado, me corrijam. Não sou, e nem quero ser, o dono da verdade.

Mas, paciência tem limite.

Peço desculpas publicamente aos que estavam no Cine Avenida na sexta-feira, já

que a maioria daquelas pessoas não merecia ouvir meu desabafo.

(*) Professor de Ciências da Computação da UFMT, em Rondonópolis

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Senhores candidatos à Prefeitura de Ron-

donópolis Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 27 de setembro de 1996.

Esta semana a Presidência da República enviou ao Congresso Nacional um projeto de

lei que regulamenta os gastos com a Educação, principalmente a municipal. Claro

que nesse projeto o governo federal não vai tratar do ensino sob sua responsabilida-

de (leiam-se, universidades). Mas ditará as regras para as prefeituras aplicarem os

25% em Educação que a Constituição exige.

Até aí, tudo bem. Só que este projeto vai acabar com algumas distorções hoje prati-

cadas pelos prefeitos, como: construção de pontes nas proximidades das escolas,

asfaltamento de ruas periféricas ao estabelecimento escolar, ginásios de esportes

que alunos nunca utilizam praças com chafariz e placas de inauguração onde estu-

dantes nunca pisaram etc.

Primeiro alerta: 15% obrigatoriamente serão aplicados no Ensino Fundamental, o

que exige um bom funcionamento para evitar que os recursos diluam-se em projetos

burocráticos nas Secretarias Municipais e, realmente, seja aplicado na Educação.

Segundo alerta: O salário dos professores terá um piso médio (não sei como) de R$

300 reais. E planos de cargos para a carreira do magistério.

Terceiro alerta: Essa iniciativa não partiu da mente privilegiada do ministro da Educa-

ção, mas sim, da exigência formal do Banco Mundial para melhorar a capacidade de

consumo dos brasileiros.

Ora, sabendo que estamos em período eleitoral é importante tornar público alguma

idéia que possa ajudar os candidatos a planejarem suas ações para a área da Educa-

ção. Por exemplo:

- Viabilizar a introdução da Iniciativa Científica no Ensino Fundamental, através de

um Centro de Apoio à Pesquisa ou de Núcleos polarizados para orientação e dissemi-

nação de atividades de pesquisa científica. O governo federal entra com muito di-

nheiro quando o projeto é viável e o país ganha muito ao criar o espírito investigativo

no estudante de hoje que será o cientista de amanhã. É problema de segurança na-

cional e soberania;

- Implantar um programa de Educação Continuada para os professores que hoje atu-

am nas escolas da cidade. Independente se leciona na rede pública ou privada. O

que importa é melhorar a qualidade de todos os mestres em atividade. Aí também há

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muito dinheiro da União para ser empregado, depende de bons projetos municipais e

de força política para encaminhá-los. Além de parcerias com instituições privadas.

- Criar condições para a escola ser lugar desejado para o estudante, com atrativos

artísticos, esportivos e culturais ao gosto regional. Nada de aula de surfe para quem

nunca viu o mar.

- Aproveitar a “onda” de Educação Ambiental que varre os órgãos financiadores para

aprovar projetos voltados para o Meio Ambiente, Qualidade de Vida, Preservação de

Mananciais, etc.

- Acionar um conselho municipal de educação para discutir as políticas de governo

para a Educação, e, ao mesmo tempo, legitimar o envolvimento popular na proposta

educacional da cidade;

- Envolver a Universidade Federal de Mato Grosso no sistema educacional local, an-

tes que ela acabe. Usando e abusando das cabeças coroadas pelo Saber na assesso-

ria e consultoria de projetos conjuntos. Fazendo do Campus Universitário de Rondo-

nópolis um órgão necessário à comunidade local.

Claro que outras sugestões e idéias são bem vindas. Lembrando a história do beija-

flor que tentava apagar o incêndio na floresta, a minha parte eu já fiz, espero que

outros educadores ajudem os candidatos a pensarem como tratar a Educação nos

próximos quatro anos em nossa cidade.

(*) professor de Ciência da Computação e leciona no Campus Universitário de Ron-

donópolis – CUR-UFMT

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Educação - De novo não! Arghhh! Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 04 de dezembro de 1996.

Nesse espaço democrático fiz uma breve reflexão sobre a Educação como solução

econômica e não como um problema insolúvel (22 de Agosto). Naquele momento

tinha a intenção de despertar a comunidade para discutir o único caminho para o

progresso: Educação.

Para minha decepção não li matéria contestando minha teoria, não ouvi amigos dis-

cutindo as verdades (ou mentiras) contidas no texto. Fiquei perguntando: - Será que

o pessoal não lê o jornal? Será que o período eleitoral apagou o interesse por temas

permanentes? Será que ninguém está interessado em conversar sobre Educação?

Não sei!

Mas sei que nesse mesmo período, não aqui em Rondonópolis - Mato Grosso - Brasil,

16 presidentes de grandes empresas americanas (do norte) publicaram na imprensa

dos Estados Unidos um texto defendendo o fomento à pesquisa científica e tecnoló-

gica como função importante do governo federal.

Vou citar alguns trechos da carta-aberta dos empresários ao povo americano:

“... a liderança tecnológica do país é resultado da parceria entre Universidade, governo e ini-

ciativa privada, proporcionou desenvolvimento econômico e bem-estar social...”

“...imagine a vida sem vacinas contra a pólio, sem marca-passos cardíacos, sem sistemas de

purificação d’água, sem terapias avançadas contra o câncer...”

“... por muitos anos governos de ambos os partidos (Democratas e Republicanos), traba-

lhando junto com o Congresso, apoiaram consistentemente programas de pesquisa universi-

tária como investimento vital para o futuro de nosso país...”

“... por todas essas razões, é essencial que o governo federal continue seu papel tradicional

no ambiente universitário como financiador de pesquisa básica e aplicada. Se nós quisermos

manter o Sonho Americano intacto... Na hora do Congresso decidir sobre a pesquisa univer-

sitária, não poderá haver dúvidas: nós estamos determinando, hoje, o século 21.” (in totum

no Boletim Informativo nº 01 de Set/96, da Sociedade Brasileira de Física)

Bem, ao ler a carta, retomei aquele mau-hábito de pensar. E pensei: Quem está pe-

dindo isso lá nos EUA são micro-empresários? Não! São empresários que dirigem

empresas como a Phillips, Kodak, Motorola, Merck, IBM, Texas, GE, GM, Dupont e

outras do mesmo porte. E esses caras costumam ser muito bem informados, melhor

ouví-los.

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Pensei de novo: Será que são socialistas importados de Cuba querendo derrubar o

capitalismo americano? Não. Representam à fina-flor do capitalismo internacional.

Epa! Então porque estão preocupados com as Universidades, se aqui no Brasil o go-

verno quer acabar com elas? Sei não, isso está me cheirando a complô de comunista

ou guerra santa.

Como a cabeça começou a doer, eu perguntei a um amigo: Por que será que os

grandes empresários americanos querem suas universidades realizando pesquisas

básicas e aplicadas. Enquanto o tal de Bresser quer acabar com as nossas? E ele me

respondeu: - Seu burrinho! Sem pesquisadores aqui no Brasil, nós teremos que im-

portar até caneta esferográfica de lá.

Ah! Começo a entender melhor essa história de poder econômico. Eles pesquisam

nossa biodiversidade, criam medicamentos e depois nós compramos seus remédios a

peso de ouro. Se fizermos isso por aqui, onde eles iram faturar sua riqueza?

Nesse momento lembrei-me de outro artigo aqui publicado (27 de Setembro) onde

oferecia algumas sugestões para os candidatos a prefeito, no campo da Educação. E,

decidi, agora não dou mais sugestões, entrei na fase da ação. Vamos construir proje-

tos de Iniciação Científica para nossas crianças, pois minha geração está perdida. Va-

mos colocar tecnologia à disposição dos estudantes de todos os níveis e ligar tudo

isso à cultura, realidade e valores regionais. Vamos sair do marasmo intelectual que

nos encontramos, ou da omissão não-declarada, para buscar alternativas para a Edu-

cação dos nossos filhos.

Pois do futuro das crianças dos americanos do norte, os empresários de lá, já estão

tratando com muita competência!

(*) Professor de Computação do CUR/UFMT

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Eu e o sindicato Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1996)

Muitos anos de minha vida profissional foram vividos longe da possibilidade de parti-

cipar de uma instituição capaz de defender meus interesses. Hoje isso é possível, e

tornei-me filiado a uma seção sindical que representa os interesses dos docentes a-

tuantes no ensino superior.

Mas o que mudou atualmente em minha vida ao conquistar essa “dádiva” chamada

filiação sindical? - Bem, eu ganhei...... conquistei...... ajudei na luta pela....

Está difícil enumerar algo concreto.

Na verdade dei um azar danado. Pois o movimento sindical docente está na mesma

situação que estaria um cego participando de um tiroteio. Hoje o ANDES só conse-

gue interlocutores de 2º ou 3º escalões de governo, e se a coisa persistir assim, da-

qui a algum tempo estará negociando com os porteiros dos ministérios. A estratégia

do FHC está dando resultados e esvaziando o movimento sindical. Por sua vez os sin-

dicalistas são os mesmos do tempo da “saudosa ditadura” e persistem nas mesmas

formas e eixos de luta, nas mesmas palavras de ordem. O tempo parece estar para-

do para esses “companheiros”. Pena que a realidade não foi avisada que deveria per-

manecer inalterada. Como renovar o nosso sindicalismo com tanto interesse político-

partidário em jogo? Como apaziguar a briga de muitos trabalhadores pelo afasta-

mento remunerado, jocosamente chamado de turismo gratuito?

Bem, falar mal é muito fácil e estou sugerindo um grupo de alternativas para o nosso

sindicalismo, todas colhidas nos corredores do local de trabalho: A primeira é trans-

formar o sindicato numa associação cultural, filantrópica e benemerente, onde os

sindicalizados recebam assistência médica, odontológica, jurídica, psiquiátrica e espi-

ritual (contratando Mãe Dinah, por exemplo). Ou quem sabe, fundando uma coope-

rativa onde os cooperados ganhem descontos, através de convênios nos postos de

gasolina, farmácias, supermercados, motéis, etc. Ou ainda, criando um clube recrea-

tivo que promova baile, festa junina, encontro de casais e outras coisas do gênero.

Por fim existe também a sugestão de transformar o sindicato em órgão administrati-

vo, orgânico das universidades, e essas por sua vez, forneceriam pessoal, material e

recursos financeiros para o bom funcionamento da estrutura sindical pelega.

Como não vejo nosso movimento sindical como uma fonte de criatividade e eficácia

na luta de classes, pergunto: - Será que estamos enquadrados numa das situações

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acima? Se estivermos, avisem, pois quero gritar bem alto um chavão do meu tempo

de rapaz:

- Parem o sindicalismo que eu quero descer!

(*) Professor do ICEN/UFMT

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Penitenciária ou maternidade. Qual o me-

lhor lugar para um condenado? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1996)

Tenho acompanhado pela A Tribuna a trajetória da traficante “Branca” e estarrecido,

comecei a entender o poder do dinheiro na sociedade. Não estou falando de dinheiro

ganho com o suor do rosto, num trabalho digno qualquer, mas sim na riqueza adqui-

rida através de atividades ilícitas como é o caso do tráfico de drogas.

Após ser condenada a 21 anos de reclusão (prisão fechada) a traficante adoeceu e

foi removida para uma maternidade particular, onde permanece até hoje. Ora, que

raio de reclusão é esta! Que juiz de execução penal permite a um condenado cumprir

pena em estabelecimento privado? Da mesma forma, a Promotoria Pública espera 30

dias para tomar providências e aguardará mais 15 dias por um laudo realizado em 15

minutos pelo IML. Tudo isso me deixa intrigado, e pior, possibilitando especulações

sobre as atitudes das autoridades envolvidas no assunto. Não faço pré-julgamento

da situação, também, não acredito que bandido tenha dinheiro lícito para financiar

estadia em maternidade particular até o final da pena e muito menos que o Estado

está pagando o tratamento hospitalar da presidiária.

Entendo que juiz ou promotor não podem decidir se a traficante está doente ou não.

Para isso temos médicos oficiais (IML), hospitais públicos e manicômios judiciários.

Mas daí o internamento por quase dois meses de uma condenada numa maternidade

particular, com direito a “segurança pessoal” e todas as mordomias que o dinheiro

pode comprar, está longe do meu entendimento.

Por fim me pergunto: - Existem outros presos doentes nas penitenciárias do Estado?

Se existe, estão tendo o mesmo direito? As respostas a estas perguntas são difíceis,

pois a população carcerária é grande, o volume de trabalho da vara de execuções

penais é enorme, a carga de atribuições da promotoria é imensa. Enquanto isso a

traficante cumpre pena na maternidade. E eu, pago.

(*) Morador e contribuinte de impostos em Rondonópolis

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Bobo, talvez. Burro não! Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 21 de janeiro de 1997.

Segunda-feira minha filha levou seu carro ao Detran para ser transferido de Campo

Grande-MS para cá. Todos os documentos em ordem e o IPVA só vencendo em ou-

tubro de 1997. Aí veio a bomba: Primeiro é necessário pagar antecipadamente o IP-

VA, no Mato Grosso do Sul (o dinheiro fica lá e o carro usa as ruas daqui!!) e o pior,

tem que reconhecer a firma do TABELIÃO que reconheceu a firma do vendedor no

DUT. É mole?

Quarta-feira foi minha vez, fui pagar o IPVA do carro, com 16 dias de antecedência

para a data do vencimento, e sai do 2ª CIRETRAN com a impressão de que fui trata-

do como um sujeito muito burro.

As atendentes foram cordiais, a fila estava pequena e o ar condicionado refrescava o

ambiente com eficiência. Mas, alguns fatos me chamaram a atenção e cai na besteira

de perguntar “por quê?”. Maldita hora! Devia ter ficado de boca fechada e satisfeito

pelo atendimento recebido.

Por quê o preço do licenciamento do meu carro e de outro que nem paga mais o IP-

VA custa R$ 40,00? - São despesas operacionais do DETRAN, fixadas por Cuiabá.

Respondeu-me a atendente.

Chamaram-me de burro (eu devia ter estudado Sociologia e não Sistemas de Infor-

mações) e “tamos conversado”. Despesas operacionais são aquelas diretamente rela-

cionadas com a operação ou produção de um bem ou serviço. Também sei que essa

tarifa é fixada pelo governo. Mas essa droga de resposta não responde nada!

Como acredito ser meio bobo, perguntei como fazer para liberar a alienação fiduciá-

ria do DUT (documento único de transferência). A resposta foi: Pegue uma guia de

desalienação com a moça, pague uma taxa no BEMAT e pasmem, faça a vistoria no

veículo.

Parafraseando o colunista Matraca: Arre égua!!

Fazer vistoria por quê? - Ora, haverá alteração no registro do carro, logo tem que

fazer a vistoria, foi à resposta ao novo por quê. Dessa vez tentei argumentar que

não havia nenhuma alteração no veículo, mas sim no documento do carro, logo a

vistoria era desperdício de tempo e dinheiro. Aí a resposta foi a óbvia: - É a lei!

Claro que sei que é a lei, não sou burro. Burro foi quem fez a lei, quem a promulgou

e também, aqueles que se calam diante dessas burrices burocráticas que só atrapa-

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lham a vida do contribuinte. Como continuo meio bobo, deixo a sugestão ao chefe da

CIRETRAN no sentido de rever procedimentos administrativos desnecessários, solici-

tar mudanças nas leis, melhorando ainda mais o atendimento. Afinal de contas ele

está lá para facilitar a vida dos contribuintes, esse mesmo cara que paga o salário

desses luminares da tecnocracia brasileira.

(*) Professor de Computação da UFMT

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Impunidade começa perto da gente Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 16 de abril de 1997.

Passando por qualquer cidade brasileira estamos nos acostumando a ver as Feiras do

Paraguai. Parece algo institucionalizado, legal ou moralmente correto.

Não é! É crime vender muamba. A Polícia Federal sabe, o Ministério Público sabe, a

Receita Federal sabe os órgãos de fiscalização estadual e municipal também sabem.

Mas por que nada fazem¿ Resposta simples: Impunidade.

Ora, ao assistir o noticiário da televisão, do rádio ou dos jornais, nos deparamos com

espertalhões federais (nacionais) que por força da democracia lá estão para proteger

o direito de todos e, no entanto, legislam em causa própria. Essa de extra teto para

parlamentares, presidentes e ministros é a fina-flor da safadeza com o José da Silva

que, ao aposentar-se com um salário mínimo, não pode vender um contrabandozi-

nho para melhorar a renda familiar.

Ambos estão errados. O parlamentar por ser a elite (teoricamente) não pode come-

ter um deslize moral dessa proporção e o José da Silva, por ganhar pouco, não pode

infringir a lei.

Não adianta falar em desculpas como o desemprego, globalização, carestia, analogia

popular: o exemplo vem de cima, etc. Crime é algo inaceitável pela sociedade e

pronto. Quem o comete tem que ser punido com o rigor da lei. Sonegação de impos-

tos, concorrência desleal, contrabando são crimes e como tal devem ser tratados.

Se assim não for, qualquer um de nós terá o direito de estuprar a filha do juiz, de

roubar o gado do prefeito, de lesar os cofres públicos, de matar um desafeto. Pois se

a lei não for cumprida por uns crimes, também não será para os demais.

É hora de o cidadão tomar vergonha na cara e deixar de ser mais um esperto

(usuário da lei de Gerson), não comprando sem nota fiscal, exigindo que as autorida-

des atuem em suas esferas de atribuições e ficando de olho em possíveis sinais exte-

riores de riqueza, demonstrados por fiscais, policiais, banqueiros de bicho, promoto-

res de Justiça. Juízes, muambeiros, além dos parlamentares que juraram cumprir a

lei.

(*) Professor da UFMT.

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O Brasil não precisa de mais faculdades de

Medicina Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 17 de abril de 1997.

Será? Sob esse título o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos Mé-

dicos e a Associação Médica Brasileira publicaram uma nota paga no jornal “Correio

Braziliense” de 13 de abril de 1977. Ali tratam de proteger seus ganhos e status quo,

sugerindo que o Ministério da Educação não permita a abertura de novos cursos na

área médica, pois tais cursos estão preocupados com a mercantilização da Medicina

e não com uma excelente formação universitária, necessária àquelas que tratam de

vidas humanas.

Apresentam indicadores como: a OMS preconiza 1 médico para um grupo de 1000

habitantes; O Brasil possui 220000 médicos em atividade; a taxa de crescimento a-

nual de médicos formados é de 1,89%, segundo projeções do IBGE.

Estando em Brasília, com uma rede pública hospitalar de padrão aceitável, é perfeita-

mente digerível o discurso da “turma de branco”. Só que o Brasil não é Brasília, nada

daquilo que existe na ilha da fantasia é realidade para o restante do país. O que fal-

tou dizer naquela nota foi se a densidade preconizada pela OMS é atendida em todas

as regiões brasileiras. Se não for verdade para todo o Brasil, o que os representantes

da classe médica sugerem para solucionar esse problema médico?

Como professor universitário de uma universidade federal que forma médicos, entre

inúmeros outros profissionais, sugiro que a Comissão Interinstitucional Nacional de

Avaliação do Ensino Médico (CINAEM) receba pedagogos especialistas em currículos,

filósofos especialistas em Ética e representantes dos usuários do serviço médico pú-

blico e privado, especialistas em sofrer. Para juntos pensarem em soluções duradou-

ras e abrangentes.

É mais sensato que castrar a autonomia universitária por portaria ministerial!

*Ruy Ferreira é professor da UFMT.

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A História não perdoa! Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 08 de abril de 1997.

Desde que aqui cheguei, em janeiro de 1995, tenho tentado provocar uma discussão

entre políticos, educadores, proprietários de escolas, estudantes de todos os graus e

até mesmo a comunidade em geral. Usei o espaço disponível para denunciar, propor,

criticar e elogiar ações e fatos ocorridos com a educação no país e, principalmente,

em nossa cidade. Mas, nada de réplica, resposta, solicitação de esclarecimento. Nada

mesmo!

Minha frustração hoje é imensa, causada pelo egocentrismo de todos os que deveri-

am estar falando, discutindo e planejando o futuro educacional. Só vejo conversas de

bastidores, nomeações e mais nomeações. Parece coisa de empresa familiar, muito

embora estejamos falando de educação, isto é, coisa que afeta a todos, inclusive

nosso futuro.

Propus naqueles artigos algo como: Colégio de Aplicação para as Licenciaturas exis-

tentes no Campus Universitário; Educação continuada para professores em atividade;

Atividades extraclasses nos currículos de nossas crianças, etc., etc. Como resposta

um colega avisou: “Estou colecionando seus artigos, para cobrar ações e coerência

no futuro”. Estávamos em 1996 e éramos colegas na UFMT.

Numa reunião com os professores de 1º e 2º graus, acontecida no anfiteatro do

Campus em 1996, usei o rótulo de “analfabeto funcional” para designar os professo-

res que há muito tempo se formaram e nunca mais se atualizaram. Quase levei uma

surra! Será que é possível parar a evolução no tempo e no espaço, ensinando que a

terra é o centro do universo. Podemos enganar uma pessoa por muito tempo, mas é

impossível enganar a todos.

Elaborei em parceria com o Prof. Dr. Edson Oiagen (UNISC), um projeto de médio

prazo que contemplava parte daquilo que escrevi nos artigos publicados. Entreguei

este projeto à então Secretária Municipal de Educação, Profª. Ivane Borges, em de-

zembro do ano passado. Na entrega estava presente o atual Secretário que ouviu e

garantiu: “Vamos analisar e daremos retorno”. Em fevereiro recebi o retorno do ami-

go Secretário – “O projeto é muito ousado, tem méritos, mas não podemos implantá-

lo em Rondonópolis, nossas prioridades são outras”. Meses de trabalho duro, estudei

feito um condenado e, no final, cesta de lixo.

Sabem quais são as idéias básicas do projeto: - Educação Continuada; Iniciação Ci-

entifica; Educação Tecnológica; Produção de material didático regionalizado; Ativida-

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des Extra-Classes e utilização de novos recursos tecnológicos na Educação. Um dos

pontos altos do projeto (que prevê a parceria entre município, Estado, União e em-

presas particulares) é a criação de Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE).

O NTE é o meu xodó por dois motivos: permite a introdução da Computação (única

área do conhecimento que tenho algum domínio) no processo educacional e é inédi-

to no Centro-Oeste. Adoro coisas novas, principalmente aquela que podem nos aju-

dar a evoluir. Já pensaram, professores de Rondonópolis usando computadores como

ferramenta de apoio às suas aulas e atualizando-se diariamente, alunos pesquisando

dados em lugares de referência como o Museu do Louvre na França, ou coletando

dados sobre o Greenpeace em Genebra, na Suíça, ou resolvendo exercícios de mate-

mática com auxílio de professores-virtuais, reunidos numa videoconferência. Tudo

disponível em nossas escolas, para nossos próprios filhos, para nossos colegas pro-

fessores das redes pública e privada.

Não pensaram. E, provavelmente, não vão pensar!

Acontece que o mundo evolui apesar da minha teimosia e duas semanas passadas o

Ministério da Educação tornou público, na internet, o projeto PROINFO que, entre

outras coisas, distribuirá 100.000 computadores para as escolas brasileiras com mais

de 150 alunos.

A exigência para participar desse grande programa do MEC é que o município possua

um projeto de utilização dos computadores nas escolas e que esteja afinado com o

correspondente estadual.

O MEC lançou tal programa como forma de atacar o analfabetismo funcional de nos-

sa mão-de-obra (tão desqualificada) e, aos poucos, implantar o Ensino à Distância de

Ciência e Tecnologia. E como o referencial bibliográfico é o mesmo que eu utilizei

ambos são parecidos e visam os mesmo objetivos. Eles usaram um grupo de Douto-

res respeitadíssimos para planejar o programa, enquanto o nosso projeto teve a assi-

natura de um só Doutor e de um professor não capacitado. Na prática, um é a cara

do outro, inclusive a terminologia, só que o nosso foi apresentado seis meses antes.

E Rondonópolis? Que faremos: - incluir nossa cidade no programa do Ministério, re-

cebendo todo apoio material e financeiro para desenvolvimento do projeto. – Ou sair

de “pires na mão” pedindo ao governo estadual que nos inclua em seu projeto e a-

guardar nossa vez dentro da prioridade do governador?

Caro Senhor Prefeito, homem das Ciências, a História não perdoa!

(*) Professor de Computação da UFMT

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Uma estória insólita ou cada macaco no

seu galho Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 14 de maio de 1997.

Sou um pequeno empresário do ramo de confecções, tenho uma pequena fábrica,

vários fornecedores e um quadro de funcionários muito bom. Num fim-de-semana fui

para Águas Quentes, onde reencontrei um velho amigo. Conversa vai, conversa vem

e ele me disse: João, faça como eu, compre um microcomputador para sua empresa

e acabe com seus problemas de controle de estoque, caixa, cobrança, etc. Deixe tu-

do por conta da máquina, demita seu pessoal administrativo, barateando seus custos

e aumentando a lucratividade da empresa. Confesso que fiquei maravilhado, tanto

pelo reencontro, como pela assessoria gratuita que recebi. Foi um fim-de-semana

completo.

Segunda-feira, bem cedinho, telefonei para o amigo e perguntei: - Onde compro o

tal computador? E ele respondeu - Não se preocupe. Tenho um amigo na feira do

Paraguai que resolve qualquer problema. Vou falar com ele e quando o bichão che-

gar ele avisa.

Dias depois, recebi o microcomputador encomendado pelo grande amigo. O único

problema era a Nota Fiscal, pois o feirante não podia emitir nota. Mas, deixou bem

claro: - Se der defeito a garantia é total, por cinco anos e meio. Minha esposa tem

um sobrinho que veio do Piauí e sabe tudo da tal linguagem C. Estava fazendo um

cursinho lá em Teresina, mas foi obrigado a abandonar. Para ficar bem com a patroa

contratei o sobrinho e demiti o faturista, o estoquista e o contador. Agora é só espe-

rar os resultados do investimento.

Três meses se passaram, estou furioso, descontrolado, louco da vida. O infeliz do

sobrinho só quer jogar videogame no microcomputador, exigiu um monte de progra-

mas (CAD-CAM, CASE, Multimídia, etc.) e nunca usou nenhum deles. O computador

parou de funcionar e fui procurar o feirante, soube que o danado mudou de ramo e

está guardado na Mata Grande por cinco anos. Meu amigão está com a sogra doente

e viajou para São Paulo, ninguém sabe quando volta. Meu estoque está uma bagun-

ça, não sei que está me devendo, pois perdi o controle de faturas, sem contar o rom-

bo no banco por causa do caixa que nunca mais fechou.

Mandei o sobrinho para o “olho da rua”, estou brigado com a esposa e recontratei

meus antigos funcionários. Computador. Nunca mais!

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Empreendimentos, empreendedores e a-

cadêmicos. Ruy Ferreira *

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 29 de agosto de 1997

Passeando pela cidade descubro um lado pouco comentado pela mídia local e menos

ainda, estudado pela academia regional (universidade, faculdade, instituto de ensino

superior, etc.): Empreendimentos.

Indistintamente os empreendimentos podem estar no campo político, social ou eco-

nômico. São caracterizados pela visão de alguém (o empreendedor) que percebe u-

ma oportunidade e arrisca-se na empreitada.

Bons exemplos de empreendimentos locais poderiam ser estudados por acadêmicos

(principalmente os de Administração de Empresas) visando obter maiores informa-

ções sobre quem e o quê se empreende em cada região. Assim, seria possível estu-

dar os de cunho político, como a municipalização da operação de água potável. Bus-

cando as raízes que os políticos locais alegam para esse empreendimento e confron-

tando com a realidade da empresa.

Ainda no campo dos empreendimentos políticos, outra boa oportunidade acadêmica

é a análise do perfil, intenções e ações de um político da região. Busquem algo mais

que a biografia do homem público, pesquisem seus pensamentos sobre a sociedade

local e regional, sobre aspirações políticas e influências na vida empresarial, seus

empreendimentos futuros e traduzam para o universo dos políticos da região.

Enquanto isso, no campo econômico, proliferam ricos exemplos para estudo. Os mo-

dismos que lançam “entrepreneurship” no mercado, substituindo o Administrador de

Empresas na condução de negócios e criando levas de empresas fadadas ao fracasso

ou a um sucesso de alto risco. Por exemplo: serviços de reparação de pára-brisas;

“lava-jato” para automóveis; moto-táxi; loteamentos imobiliários sem infra-estrutura

mínima; ambientes de leilões de gado. Questionar sobre a esmagadora preferência

pelos serviços, em detrimento da indústria, sobre como se dá a legalização desses

empreendimentos, qual sua participação no oferecimento de mão-de-obra, etc., etc.

Por fim, sugiro aos acadêmicos a busca da resposta para uma questão crucial, em

meu ponto de vista, que é a falta de empreendimentos sociais. Eles ocorrem de for-

ma cíclica? Coincidem com o calendário eleitoral? Crescem com o aquecimento de

algum movimento religioso? Quem empreende nesse campo, visa o quê? Para aten-

der a quem ou a que grupo?

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Colegas acadêmicos, nossas cidades são fontes inesgotáveis de trabalhos de pesqui-

sa científica, as “oportunidades” ai estão e talvez, seja a hora de começar a sair do

indesejável ensino reprodutivista que nos é oferecido pelas “faculdades da vida” e

obrigar nossos professores a se tornarem mestres na ciência de educar, a saírem da

rotina “quadro-negro x caderno” para aprender com aqueles que fazem a realidade,

que impulsionam o mercado e gozam do sucesso ou amargam fracassos em seus

empreendimentos. Nunca se esquecendo que desses “entrepreneurship” saíram in-

ventos como: colheitadeira de algodão, insulina, computadores digitais, fecho éclair,

fotografia em cores, canudinhos flexíveis para refrigerantes e tantos outros objetos e

conceitos importantes para a sociedade.

(*) Professor da UFMT e Bacharel em Sistemas de Informações

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Muro de Berlim Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 29 de agosto de 1997.

O simbolismo contido na queda do Muro de Berlim não deixa dúvidas quanto à opção

feita por povos do Leste Europeu, pelo fim da prática comunista, da ditadura de es-

querda, do paraíso dos privilégios e do altar da incompetência na produção e inova-

ção científico-tecnológica.

Por outro lado ninguém optou pelo capitalismo selvagem, pelo individualismo exacer-

bado (só os ianques), pela propriedade improdutiva e intocável ou pelo amealhamen-

to de riquezas financeiras às custas da desgraça alheia.

A sociedade globalizada tem sonhos e melhor, tem clareza do que quer, além de sa-

ber exatamente o que não quer. Mas sociedade é ajuntamento de pessoas e essas

últimas possuem aspirações pessoais que muitas vezes tomam vulto de necessidades

coletivas, sobrepondo o possível para o momento ou o ideal para a coletividade.

Usando nossa cidade como micro-cosmo de estudo, encontramos a Universidade co-

mo parte desse ideário coletivo. Teoricamente lá nasce e se distribui o conhecimento

tão necessário à sociedade. Será?

Difícil dizer se a Universidade é útil à nossa comunidade, pois pouco ou nenhum da-

do existe para uma análise nesse sentido. Ao mesmo tempo a sociedade divorciou-se

da casa do saber, por culpa exclusiva da Universidade que construiu o seu próprio

Muro de Berlim.

Quase três anos de trabalho em Rondonópolis e pouco tenho visto de produção aca-

dêmica local, nada foi iniciado nesse período em prol da comunidade que tenha ber-

ço na Universidade. Estamos estáticos, inertes mesmo, tão apáticos que nossas gre-

ves não têm repercussão na sociedade e, ultimamente são usadas para aquela pes-

caria no Pantanal ou mesmo para por a faxina da casa em dia. Esse fato leva a lem-

brança da assertiva de um futurólogo cibernético americano que prevê o fim desses

“depósitos de alunos” nos próximos 30 anos. Talvez tenhamos partido na frente!

O que fazer para derrubar esse Muro de Berlim que separa a Universidade da socie-

dade, principalmente em nossa região? Não tenho a pretensão de responder a essa

pergunta. Pois se soubesse de antemão a resposta, com certeza seria candidato a

Reitor da UFMT ou Ministro da Educação. Entretanto tenho pistas a oferecer para

demolir esse muro da vergonha.

A primeira pista vem da efetividade da instituição com a região onde está inserida.

Isto é, o Câmpus de Rondonópolis atende aos anseios da sociedade organizada do

Sudeste do Estado? Se não atende, o que falta ou deve mudar para que isso ocorra?

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Outra pista se desponta pela eficácia, onde deve ser questionado se os cursos aqui

oferecidos e a produção científica local são adequados, contemporâneos e ajustados

à região. Nossa extensão universitária é eficaz ou a sociedade necessita trazer con-

sultores e palestrantes de outras partes do país, para suprir a lacuna não preenchida

pela UFMT? Se somos um “Centro Pedagógico” quais avanços trouxemos para a Edu-

cação municipal e estadual? Onde estamos atuando para minorar o desleixo dos diri-

gentes para com a Educação Pública? Nada de “eu acho”, mas sim propostas, políti-

cas, projetos e ações articuladas. Finalmente a última pista: eficiência. O que faze-

mos é bem feito, em menor tempo e custa menos aos cofres públicos? Nosso pessoal

é eficiente, somos os profissionais mais adequados para exercer as funções existen-

tes na Universidade?

De posse dessas pistas quem sabe seria possível iniciar um debate sério sobre a Uni-

versidade, sobre a pertinência de manter essa colônia medieval em Rondonópolis.

Discutir sobre a quem interessa manter o atual status do Câmpus, e o porquê desse

interesse.

Sei da dificuldade em reunir homens de bem em torno de idéias que não ofereçam

retorno político ou financeiro imediato. Mas como a população possui representações

legítimas é hora de instituições não governamentais, como os clubes de serviços

(Lions, Rotary, etc.), Maçonaria, OAB, CRM, CREA, CRF, AMB e tantas outras que nos

têm oferecidos inestimáveis serviços, arregaçarem as mangas e entrem em campo

para discutir o que a sociedade do Sudeste Matogrossense quer em termos de Edu-

cação Superior, para si e para seus filhos e netos. Cabendo aos acadêmicos, sujeita-

rem-se à vontade majoritária da sociedade.

Quem sabe dessa discussão possamos juntar forças para derrubar esse muro e até

criar uma segunda universidade nesse imenso estado brasileiro. Quem sabe?

* Professor da UFMT

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Que tal o PVC? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 16 de novembro de 1997.

Já há algum tempo, eu e o Professor Peixinho fundamos um partido político diferen-

te. Temos dois militantes aguerridos, mordazes e, é claro, um presidente e outro se-

cretário-geral, respectivamente.

Todas as vezes que nos encontramos pelos corredores do Câmpus surgem novas ori-

entações para o PVC, recheando nosso estatuto com pérolas como: é proibida a filia-

ção de ex-político de qualquer outro partido, de todos os membros de comissões de

licitações, de tesoureiros, intendentes e afins, de latifundiários de qualquer terra ur-

bana ou rural, de corruptos ativos, passivos e os respectivos intermediários. A lista

cresce a cada dia que passa.

Quanto a linha ideológica partidária optamos pelo socialismo-tupiniquim, com ênfase

nos pensadores brasileiros e objetivos bem claros, escuros, mulatos, etc. No recruta-

mento exigimos do futuro militante a ingenuidade de uma criança, mas não admiti-

mos figuras alienígenas como Papai Noel, Michael Jackson, Mickey Mouse e Nacional

Kid. Queremos o Saci-Pererê, Boto-Rosa, Mula-sem-Cabeça, Tonico e Tinoco, Chico

Bento, Adoniram Barbosa e a Turma da Mônica.

Ficou determinado o nível de nacionalismo partidário que exige o uso de produtos

nacionais como o guaraná, o Gurgel BR-800, a cachaça e o feijão-preto. Repudiamos

o fusca alemão, o sorvete italiano, o uísque escocês, o jeans americano, o perfume

francês e as quinquilharias asiáticas. A não ser que possuam certificação ISO-9000 e

não tenham similares nacionais.

Na Educação haverá um acerto de contas com a História. Para isso, ressuscitaremos

o Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darci Ribeiro que governarão os destinos educacio-

nais brasileiros, nunca mais permitindo a interferência de políticos e picaretas nessa

área de governo. Nossos planos para a saúde privilegiam ações preventivas e nega-

mos qualquer ajuda à doença. Inclusive cortando toda e qualquer verba para hospi-

tais. Nosso negócio é saúde para todos, logo os hospitais vão falir.

O PVC oferece risco ao capital nacional e estrangeiro, com possibilidade de lucro

num prazo decente e cadeia para os fraudadores falencistas, espertos e tomadores

de empréstimos subsidiados que nunca pagam suas dívidas. Nenhum preconceito

contra as forças armadas, desde que consigamos encontrar uma função militar para

elas que exclua a concentração de tropas no eixo Rio-São Paulo-Brasília. Para a di-

plomacia externa temos política transparente: Bateu! Levou! Isto é, o Menem não

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quer o Brasil como membro do Conselho de Segurança da ONU. Tudo bem, vamos

dar o troco a altura, excluindo a Argentina do Mercosul.

Já no campo social fica instituído o sorriso e a cortesia, os pais devem assumir a cria-

ção dos filhos, os cartolas do esporte vão cumprir pena na reconstrução da Perime-

tral Norte e carnaval no mês em fevereiro, sem transmissão pela TV, só ao vivo. To-

dos devem trabalhar (produzir), inclusive as crianças que farão isso estudando em

período integral. Excluí-se os aposentados que farão viagens turísticas obrigatórias e

gozarão de bem-estar merecido, com direito a greve. Na área tributária fica instituído

o imposto único, progressivo e cobrado do consumidor final de qualquer bem ou ser-

viço, designando novas funções para o pessoal da Receita que passarão a serem au-

ditores de entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.

A cada encontro surgem novidades para rechearem o ideário do PVC, pena que nos

encontramos pouco. Mas acho que faltou um pequeno detalhe: O que significa a si-

gla partidária? - É mesmo! Íamos esquecendo o marketing. Nosso partido chama-se

Partido com Vergonha na Cara, o velho PVC, rígido, sem estrelismo, bastante útil e,

ainda por cima, não enferruja.

(*) Ruy Ferreira é professor da UFMT

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Papai Noel ou Saci Pererê? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1997)

Sou bisneto de imigrantes portugueses, lavradores que aqui vieram explorar essa

terra boa. De Portugal trouxeram a roupa do corpo e uma imagem de Santo Antônio

de Lisboa, na esperança de fazer fortuna por aqui e voltarem para além-mar com o

bolso recheado. Meados do século XIX, Sacra Família do Tinguá, município de Vas-

souras, terra dos imperadores e príncipes brasileiros, no Rio de Janeiro. Ali começa-

ram a plantar legumes e a fazer filhos, foram 23 para ser exato.

Meu avô nasceu na fazenda, já filho de próspero fazendeiro português, radicado no

Brasil. Como todo pobre que enriquece o bisavô, não quis sua prole trabalhando a

terra, mandando os filhos estudarem. Logo apareceu um padrinho para meu avô que

lhe presenteou com um cartório do registro civil.

Nos anos trinta deste século, nasce meu pai. Nele se cumpre o ditado popular: Avô

rico, pai nobre e filho pobre. Pedreiro trabalha até hoje, pois a pensão da aposenta-

doria é uma vergonha. Aí tem uma conta que não fecha no meu raciocínio matemáti-

co: Ele recolheu suas contribuições sobre vinte salários mínimos por mais de dez a-

nos, aposentou-se com dezesseis e vive hoje com sete. Eta conta ruim de fechar!

Minha mãe não quis me registrar com todos os nomes de família, preferindo a simpli-

cidade. Se hoje eu tivesse o nome de família completo, muita gente iria me confundir

com um quatrocentão carioca e minha identidade seria especial. Vejam só: Ruy Gou-

lart Soares Ferraz Rodrigues Martins Ferreira. Obrigado mãe, pelo Ruy Ferreira.

Até bem pouco tempo vesti a camisa do nacionalista, idealista, irracional talvez. Aju-

dei a escrever um capítulo da história brasileira, se boa ou ruim não sei, o tempo di-

rá. Mas, uma certeza ficou marcada em meu espírito: - fui muito usado para que ou-

tros atingissem seus objetivos pessoais. Para alguns doei trabalho braçal ou intelec-

tual, para outros ofereci virtudes morais, e até força bruta usei, em nome da lei e da

ordem. Não perdi a truculência, tampouco a esperteza, menos ainda a inteligência.

Entretanto, gostaria muito de obter a sabedoria. Vou tentar obtê-la com o auxílio da

Universidade e dos sábios que lá trabalham anonimamente, em seus laboratórios ob-

soletos e recebendo um salário indigno da profissão de cientista.

Como idealista permaneço com idéias estranhas a povoarem minha mente, algumas

martelam meu pensar a bastante tempo. Por exemplo: Se uma empresa de capital

aberto apresenta regularmente suas realizações aos acionistas, que podem acatar as

ações da direção executiva ou rejeitá-las, substituindo aqueles que tomaram deci-

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sões erradas ou executaram ações defasadas com os objetivos empresarias. Porque

na administração pública (executivo, legislativo e judiciário) não há essa transparên-

cia para os cidadãos quando se trata de apresentar as contas e realizações públicas?

Outra idéia que não larga do meu pé é: - Por que existem cargos de livre nomeação

na administração pública? Estou falando daqueles cargos que são preenchidos por

parentes e correligionários da autoridade pública. Não me venham falar em confian-

ça, quando estou falando em segundo e terceiro escalão administrativo. Um chefe de

gabinete, um assessor, um secretário, um ministro, vá lá! Mas um motorista, um

chefe de setor, uma merendeira, um operador de máquina, aí é dureza. Parece coisa

de comunista ou herança da malfadada cultura portuguesa.

Por vezes sou assolado por um raciocínio obtuso. Se a justiça está atolada por pro-

cessos, sendo lenta e ineficiente, por que os juízes trabalham tão pouco? Sabem o

tamanho das férias anuais desses caras? Já ouviu falar em recesso natalino, recesso

de carnaval, recesso da semana santa? Tantas horas de trabalho não trabalhadas

durante o ano não prejudica a eficiência da Justiça?

Quando penso no legislativo fico arrepiado em constatar absurdos sem precedentes

na moral e nos bons costumes. Tem coisa que acontece no legislativo que cadeia só

não basta. Exemplo disso é a comissão de orçamento do congresso nacional. Quem

acha que cassando mandatos fez-se justiça está errado. Uma boa surra em praça

pública, seguida de uma salmoura, faria bem a minha alma. E é claro, todo o dinhei-

ro roubado devolvido aos cofres públicos.

Ultimamente voltei meus pensamentos para coisas de menor amplitude, algo mais

perto de minha área de atuação. Em 1996 elaborei um projeto razoável (precisando

de muitos ajustes) para colocar a tecnologia de ponta à serviço da Educação, apre-

sentei a idéia a um secretário da pasta e ouvi um sonoro não. Motivo? Além do alto

custo (R$ 3.000.000,00 em cinco anos), o projeto é uma UTOPIA para o sul do Mato

Grosso. Um ano depois descubro que o FHC está gastando mais de R$

400.000.000,00 em campanhas publicitárias visando sua reeleição. Até o prefeito da-

quela cidade está gastando uma grana preta para melhorar sua imagem. Peraí! Alto

custo é essa porcaria de campanha, isso sim é custo inaceitável. Competitividade se

faz com muita, muita Educação, e não com propaganda. Hitler e Stalin usaram e a-

busaram da propaganda, deu no que deu. Quero meu imposto aplicado naquilo que

dá retorno social: Educação. Com ela está garantido o emprego, saúde, cidadania,

meio ambiente, etc. Sem ela, só resta-nos a profissão de camelô ou de apadrinhado

político de alguém.

Ano novo pensamento novo. Por que será que existe candidatura natural? Será que

ao nascer a parteira bateu na bundinha do cara e disse: - esse será senador! Quero

lei partidária séria, daquelas que o político muda de partido e perde o mandato. Que-

ro voto distrital puro, sem essa de privilegiar sobrenomes famosos, quero olhar nos

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olhos do deputado que elegi e se algo de errado ele fizer em meu nome, encho a ca-

ra do safado de porrada. Pois ele é meu conhecido, meu vizinho, gente da minha

confiança e não um Ulisses da vida qualquer.

Minha grande dúvida é a quem devo dirigir minhas reivindicações: Papai Noel ou Saci

Pererê? Por vias das dúvidas, vou escrever através da cédula eleitoral nas próximas

eleições.

(*) Professor de Computação da UFMT

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Viva a Cultura! Ruy Ferreira (*)

Jornal A Tribuna — Rondonópolis-MT. (1997)

Domingo passado, sete e meia da noite, estamos na Avenida Lions. Motivo: - assistir

um espetáculo no circo. Fila imensa para comprar ingresso, para entrar nos portões

iluminados e ocupar uma cadeira privilegiada, um bom lugar para ver todo o picadei-

ro. Vende-se de tudo: pipocas, refrigerantes, brinquedos, fotos, etc. Tudo são festa e

alegria.

As pessoas sorriem umas para as outras, cumprimentam-se e tornam-se corteses en-

tre si. Puxa que bem faz a Cultura para o ser humano! A criançada não desgruda o

olhar da parafernália colocada a sua frente, tudo aquilo que a televisão esconde do

espectador está ali, a um passo do público. Queixos caídos, bocas abertas diante de

tanta novidade.

Atenção, o espetáculo vai começar. São duas horas de muita emoção, com cenas de

humor oferecidas pelos eternos palhaços, outras de coração-apertado na exibição

dos trapezistas, malabaristas e equilibristas. Quanta coragem daquele domador de

tigres, quanta graça naquela maravilhosa contorcionista, quanta velocidade no ho-

mem-bala.

Terminada a apresentação, saio radiante e saudoso, afinal por duas horas voltei a

ser um “moleque de dez anos”, aplaudi, assoviei, gritei, e principalmente, fui feliz.

Volto para casa envolto num clima de felicidade, pronto para novos e velhos desafi-

os.

Bem, cuidei da alegria e no próximo dia 2 de setembro vou ao Caiçara cuidar da reli-

giosidade (outra expressão cultural), para assistir a uma palestra proferida pelo tri-

buno Divaldo Pereira Franco. De antemão já sei como sairei de lá, tanto assim que

coloquei um lenço no bolso da calça.

É gente, felicidade é isso: - um conjunto de momentos felizes, armazenados em nos-

sas memórias. E a Cultura é responsável por muitos e muitos desses momentos. Viva

a Cultura!

(*) Professor da UFMT

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Estória sem moral é realidade Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1997)

Ao ler um jornal sempre aprendemos algo, muitas das vezes nos chocamos com as

notícias, outras tantas, rimos. Mas sempre tiramos algum proveito da leitura, pois ler

é uma das formas de apreender.

Lendo o jornal A Tribuna esta semana, dei gostosas gargalhadas ao me deparar com

um edital da Justiça. E, ainda sob o efeito do bom humor, criei uma estorinha sobre

aquilo que li, e como toda estória essa começa assim:

- Era uma vez um juiz criminal que manda seu oficial de justiça procurar um réu para

intimá-lo. Corte da cena. Os dias passam e o réu não é encontrado, o oficial de justi-

ça foi até o endereço disponível e lá alguém avisou - “Moço, o Professor fulano se

mudou faz um ano”, abatido, cansado, traído pelo destino o serventuário retorna ao

cartório, e lá desolado, quase chorando, informa ao diretor de secretaria - “Doutor, o

réu mudou-se”. Homem complacente, compreensivo prá burro, o chefe diz - “Calma

meu bom homem, vamos publicar um edital de aviso para esse professor da univer-

sidade, pois assim ele aparece”. O oficial de justiça suspira aliviado e saí em busca

de outros réus. Aí só resta ao super-atarefado juiz expedir um edital de citação, atra-

vés do jornal e torcer para o réu ler naquele dia o bendito jornal. Corte de cena. Co-

mo está perto do recesso de Cosme e Damião, todos se juntam e vão passar uns di-

as nas Águas Quentes.

Enquanto isso, o Príncipe FHC em seu Palácio da Alvorada, trama um novo ardil para

enganar o povo e jogar a culpa nos servidores públicos federal. Chama seu guru-mor

Bresser Pão de Açúcar e diz: - Vou viajar para Pasárgada, pois lá sou amigo do Rei,

enquanto isso, nada de reajuste salarial para essa turma de incompetentes e impro-

dutivos. Embarca num jato da FAB e se manda do reino, para só voltar nas vésperas

das eleições.

Como toda estória tem uma moral, essa não foge a regra e daí tiramos algumas pé-

rolas do virtuosismo que impera no serviço público em qualquer nível de governo,

em todos os poderes. A primeira é a certeza de que o dinheiro público pode ser dis-

posto da forma que o administrador bem quiser, sem nenhum compromisso com o

serviço que deve ser prestado. Em seguida, salta aos olhos os privilégios que muitas

das categorias funcionais conquistaram para si sem o menor descaramento, esque-

cendo que a imoralidade é fonte inesgotável para o positivismo do Direito, tornando

em algum momento histórico o imoral em ilegal.

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Outra pérola é o ato praticado deliberadamente ao arrepio da lei, pois sob a alegação

que não existe recursos financeiros o Príncipe não reajusta o salário dos servidores

públicos a quase mil dias. Embora, este ano vá sobrar dinheiro para as “obras soci-

ais”, isto é, ano eleitoral, dinheiro nas mãos dos políticos para comprar votos da ma-

neira mais suja: Toma lá, dá cá. Por fim, como não posso reclamar, como trabalho

prá burro, como tenho projeto para a Educação na cidade, no estado e para o país.

Como acredito estar no caminho certo, e claro, na contramão dessa turminha, fico

frustrado e pior, refletindo onde errei na formação dessas personagens fictícias da

estória. Esqueci de ensinar Ética e Moral ou não vivenciei exemplos suficientes para

que fossem assimilados pelos meus ex-alunos. Errei e mereço ser castigado por isso.

Bem, refleti, divaguei, critiquei e agora vou ao banco sacar meu salário de R$ 900,00

em média e continuar a formar esse time de personagens que ganham muitas e mui-

tas vezes mais do que ganha àquele que os iniciou na várias profissões de nível su-

perior. E me despeço com a saudação daqueles que iam a luta para a diversão dos

Césares: - Ave FHC, os que vão morrer de raiva e fome, te saúdam!

(*) Professor da UFMT

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Adulto também entra em crise Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1998)

Se perguntássemos a um grupo de psicólogos qual a fase da vida que uma pessoa

de 28 anos estaria, a unanimidade diria: fase adulta. Mas, o que significa ser adulto

ou estar na fase adulta? Bem, algumas características são encontradas em pratica-

mente todos os adultos: aptidão para comunicação com outras pessoas; senso de

responsabilidade; capacidade de realizar coisas, em função da instrução/treinamento

recebidos anteriormente; noções de moralidade e ética; conhecimento das regras e

normas sociais; e por ai vai.

Assim, uma pessoa aos 28 anos de idade está apta a produzir e consumir, viver em

sociedade e conviver com iguais. Isso pode ser transposto, com algumas ressalvas,

para às instituições e empresas chamadas também de Pessoas Jurídicas.

A Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT atingirá essa idade neste ano e vi-

vendo meus três últimos anos dentro dessa pessoa jurídica posso analisar sua per-

formance nos dias atuais, sob ótica carregada de ideologia e preconceito. Nada de-

mais nessa visão, afinal qualquer análise é carregada dessa dupla, só as máquinas

são capazes de analisar algo de forma isenta.

Fundada por cuiabanos de chapa e cruz, numa época anterior à divisão do estado,

sob a égide do “Brasil: Ame-o ou deixe-o”, a UFMT teve uma infância tranqüila, como

qualquer criança do interior. Na adolescência, viu-se obrigada a conviver com pesso-

as de outras plagas. Crescendo e diversificando a UFMT ramificou-se e estabeleceu

(às vezes a contra-gosto) outros campi. Mas, buscando sua auto-afirmação, perma-

neceu cuiabana e interiorana.

Agora, chegada a idade adulta, com cabeça provinciana num mundo globalizado, a

Universidade parou literalmente no tempo e no espaço. Culpa só da cuiabania? -

Não, a briga pelo poder, pela manutenção da situação atual, pelo espaço político,

pelas viagens ao exterior pagas pelos cofres públicos, pelas diárias, pelas gratifica-

ções, pela possibilidade de nada fazer e receber o salário integral, pela dedicação ex-

clusiva a vários empregos, enfim, por tudo o que deveríamos repudiar a UFMT está

adormecida.

Muito embora, aulas sejam dadas, pesquisas executadas, e algumas atividades de

extensão em andamento, a Universidade que deveria estar pensando o futuro e exe-

cutando o mínimo para permitir a implantação do que for planejado, está impedida

de evoluir nessa direção. Motivo? Por um lado a desarticulação do reitorado com a

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Linha do Tempo Página 49

comunidade acadêmica, por outras ações judiciais em profusão, e para piorar, as bri-

gas intestinas que desembocam em paradas forçadas do pouco planejado.

Exemplo disso vivi recentemente num trabalho de consultoria prestado ao Reitor, on-

de o estudo de viabilidade produzido foi aprovado e ao mesmo tempo engavetado.

Estranho isso! A proposta apresentada usa o estado da arte da tecnologia, tem custo

compatível com os benefícios proporcionados, os técnicos da área em questão vêem

a proposta como solução de médio prazo, os usuários (alunos) ganham atendimento

de qualidade, e apesar disso nada pode ser executado.

Acontece que um pequeno grupo briga com outro grupo pequeno (desculpem o tro-

cadilho) pelo poder, além de outras coisas mais que não sei ao certo quais seriam.

Como uma dessas tribos apresentou e estava executando um amplo projeto de mo-

dernização tecnológica na Universidade, o outro grupelho, insidiosamente induziu u-

ma autoridade federal a paralisar àquele projeto, pois fere interesses pessoais con-

fessáveis e inconfessáveis. A autoridade toma as providências legais e suspende todo

o trabalho do grupo adversário, baseada em pareceres emitidos pelo grupo denunci-

ante. E a Universidade, como fica? Nesse exemplo, trata-se de infra-estrutura tecno-

lógica necessária a todos os demais projetos e programas de modernização adminis-

trativa e acadêmica. Resposta: - Tudo parado!

Crise na fase adulta costuma ter conseqüências desastrosas, alguém vai sofrer se-

qüelas no futuro e pior, os que não estão envolvidos nessa “briga de foice no escuro”

perderão a oportunidade de serem criativos, planejadores e executores de boas idéi-

as, relacionadas com o mundo acadêmico. Pena não estarmos nos tempos das bar-

báries, senão poderíamos criar a Douta Inquisição e mandar para fogueira essa tur-

minha de profissionais incompetentes, gente desqualificada para as funções que e-

xercem e começar tudo de novo. Isso em nome dos mais de dez mil prejudicados

pelas querelas e quedas-de-braço travadas pelos membros das oligarquias jurássicas,

aventureiros desprovidos de senso moral e interesseiros de primeira hora. Sem con-

tar as brigas ideológico-partidárias, até certo ponto, válidas no ambiente plural das

idéias.

Para uma pessoa jurídica, como a UFMT é hora de dar um basta nisso que aí está.

Como? Muitas formas de gestão podem ajudar a por termo nessa anarquia acadêmi-

ca: Congresso Universitário para definir a missão da universidade no Mato Grosso;

Planejamento Participativo para estabelecer como atingir tal missão; Mudança da es-

trutura organizacional herdada dos tempos militares do Brasil; Fixação de metas, ob-

jetivos e políticas amplas, num lapso de tempo maior que um mês, e uma boa dose

de vergonha na cara, tomada de seis em seis horas por todos os acadêmicos

(professores e alunos).

Quem sabe uns processos administrativos conclusivos, seriam bom começo. Rua pa-

ra os que violam as normas legais, para os que nunca deveriam viver na e da Acade-

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mia e, espaço para novas cabeças vindas do mundo e não só da própria UFMT, con-

cursadas para ajudarem a romper o isolamento cultural e destruir feudos e confrarias

decenárias.

Como o beija-flor daquela estória moralista muito conhecida, coloco-me ao dispor da

administração para presidir processo administrativo visando começar a faxina em

nossa casa (com todo o preconceito e carga ideológica do meu ser, além do passado

espartano). Não tenho medo da morte, pois sou espírita convicto, já fui baleado e sei

o quanto dói levar tiros, nesse aspecto o Reitor também sabe. Mas alguém deve ser

o “boi-de-piranha” e não me furto a essa tarefa, acreditando piamente que muitos

outros acadêmicos também estão prontos a enfrentar a corja de maus profissionais

encastelados na Universidade.

Por tudo isso, não é hora de começar a superar a crise da idade adulta?

Enfrentar os problemas internos com determinação e aval da comunidade universitá-

ria?

Buscar o apoio da sociedade matogrossense para superar óbices na esfera federal,

através de sustentação política dos organismos da sociedade civil (aí incluídos conse-

lhos profissionais, clubes de serviço, associações comunitárias e desportivas)?

Vale a pena lembrar que a UFMT é órgão federal, isto é, pertence ao Brasil e teorica-

mente ao seu povo. Não está aqui para atender interesses pessoais e servir, unica-

mente, à cidade de Cuiabá. A universidade está aqui para atender o estado do Mato

Grosso, sua gente e produzir conhecimentos para o mundo. Além disso, está cheia

de gente querendo trabalhar, seriamente. Pessoas capacitadas a gerar saber, rique-

za, bem-estar e conhecimento. Para isso, necessitam de modernização científica e

tecnológica da infra-estrutura universitária, agilidade e transparência administrativa,

aporte de recursos financeiros específicos para a pesquisa e claro, uma boa faxina.

(*) Professor concursado da UFMT

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Autonomia universitária para nossos netos Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1998)

Enganam-se aqueles que pregam o utilitarismo-tecnicista puro e simples da Educa-

ção, isto é, a escola que forma para o trabalho. Da mesma forma, erram os que de-

fendem a infinita especialização numa determinada área do conhecimento. São pes-

soas limitadas ao mundinho contido em seus próprios umbigos, só enxergam o que

foram capazes de amealhar no modelo reprodutivista de Educação onde foram ades-

trados.

Claro que uma das funções da escola é preparar o cidadão para o trabalho. Da mes-

ma forma, certo nível de especialização é desejável ao profissional recém-formado

numa universidade. Também é necessário oferecer ao estudante de qualquer nível

de ensino uma formação humanística, preparando-o para saborear as artes em geral

e entender sua própria cultura e a partir daí, deliciar-se com a multi-culturalidade do

mundo. A essa formação uma generosa dose de filosofia é bem vinda, daquela

“purinha”, afinal somos éticos, pensadores e cultuamos a moral. Soma-se ao objetivo

da escola a evolução do ser humano, tanto na integração ao ambiente onde vive, co-

mo na sociedade onde co-habita, assim como, na capacidade de aprender a apren-

der qualquer coisa (o filé Mignone do novo paradigma educacional). Parando por

aqui, já que a lista seria interminável se fôssemos discutir os objetivos da escola, o

que não é o caso no momento.

Bem, acredito ser a Educação o caminho das pedras para preparar as próximas gera-

ções diante dos imensos desafios que enfrentarão. Logo, vamos oferecer o que há

de melhor no campo educacional aos nossos filhos e netos. Simples, não?

Realmente a coisa não é simples, e um complicador salta aos olhos do leitor atento:

Quem irá formar as gerações futuras. O professor de hoje, atuando na Educação Bá-

sica certamente não é capaz de realizar essa revolução. O professor que está em fa-

se de formação nas universidades, também não será. Então, sobraram os professo-

res universitários e as próprias universidades como origem primária dessa revolução

paradigmática, a meu ver ai está o caminho das pedras.

Como iniciar essa cruzada pela Educação? Pela autonomia das universidades públi-

cas!

Apenas a Universidade autônoma, desvinculada do mercado como única razão para a

formação e produção científica ou de regras burocráticas dos governos, com autono-

mia financeira que proporcione a produção do saber plural, inclusive aquele que não

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interessa ao mercado, porque busca uma alternativa necessária a ele, é que poderá

ser Universidade de verdade. E podem ter certeza que é esta Universidade autônoma

e livre que produzirá profissionais ajustados às necessidades do mercado, geradores

de políticas públicas suprapartidárias e mentes contestadoras, que poderão apontar

uma saída para o que não parece ter saída.

Eu, particularmente, sou contra a atitude de Galileu Galilei que diante da pressão pa-

pal negou a Ciência e admitiu que a Terra é o centro do universo, pois foi um péssi-

mo exemplo de sujeição da academia ao poder temporal de um Mané qualquer. Au-

tonomia é algo tão importante para o ser humano que hoje é um dos objetivos da

escola, tornar o cidadão pensante e autônomo. Logo, vamos mobilizar nossos políti-

cos, líderes comunitários, imprensa, acadêmicos, profissionais liberais, para um am-

plo debate, aberto, sobre o que pretendemos deixar para nossos netos. Pois, a he-

rança que deixaremos aos nossos filhos é muito pior do que aquela recebida dos

nossos pais.

(*) Professor da UFMT

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O Não! Grande vencedor das eleições no

Mato Grosso Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (1999)

O Tribunal Regional Eleitoral divulgou num prazo recorde os resultados das eleições

em nosso estado. Que beleza! Construímos a democracia e a entregamos para outro

morar. Sem vestir a camisa do marqueteiro, do analista político ou do sociólogo lau-

reado, vou tentar entender o recado das urnas como um cidadão comum, daqueles

que só vale um voto.

Óbvio que qualquer análise desse tipo passa longe da isenção ideológica, dos pre-

conceitos pessoais e da opinião pessoal. Vou começar mostrando o pau que matou a

cobra, isto é, os números sem retoques (tão comum nos institutos de pesquisa de

opinião pública) das últimas eleições para governador:

CANDIDATOS PERCENTUAL

NÃO 42,25

DANTE DE OLIVEIRA 31,15

JÚLIO CAMPOS 21,89

CARLOS ABICALIL 4,26

MANOEL NOVAES 0,26

JAQUES 0,19

A leitura desses números é muito simples, quanto maior for o percentual, maior é a

quantidade de pessoas que optaram por um candidato. Os dados foram coletados no

Tribunal Regional Eleitoral, através da Internet, desses um em particular, me interes-

sou muito: 1.516.451 eleitores no Mato Grosso, significando o total de cidadãos que

são obrigados por lei a escolherem seus governantes. Desse universo, 640.743, ou

seja: 42,25%, disseram NÃO aos candidatos apresentados pelos partidos políticos

mato-grossenses (somados abstenções, brancos e nulos).

Se isso tivesse acontecido durante a ditadura militar, certamente os analistas políti-

cos iriam afirmar que o povo, democrático até a raiz do cabelo, estaria manifestando

sua insatisfação com a falta de liberdade de escolha e repudiando os candidatos que

certamente representariam o poder ditatorial, as oligarquias, o imperialismo america-

no, o reverendo Tim Tones, sei lá mais o quê. Exemplo disso foi o caso do falecido

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Linha do Tempo Página 54

“macaco Tião” que ganhou para governador no Rio de Janeiro, mas o TRE não deu

posse ao coitado, pois o símio era declaradamente um macaco anarquista que sem-

pre feriu a moral e os bons costumes no zoológico do Rio.

E agora, o que o povo quer dizer?

Minha visão simplória, bem ao estilo do Zé povinho, mostra que as urnas disseram

NÃO aos candidatos apresentados. Talvez o recado tenha sido compreendido pelos

caciques e xamãs da política no estado, embora publicamente só se fale dos votos

válidos, o que provoca um novo panorama na disputa eleitoral para a governança,

pois a lei eleitoral que eles mesmos elaboraram manda contar nulos e brancos como

válidos e as abstenções são esquecidas. Tome de jeitinho brasileiro!

Vou esperar a publicação dos papers, para entender cientificamente a opinião do po-

vo. Até lá, vou ficando com a minha própria e pensando se vale à pena transferir

meu título eleitoral para cá.

Como meu título de eleitor está vinculado à Brasília, sinto-me à vontade para

dar uma dica aos dirigentes partidários mato-grossenses: “Que tal novas propostas,

com gente nova?”. Sem candidaturas naturais, pois ninguém nasce com o gene da re

-eleição, poderíamos até reverter o quadro atual e aí quem sabe, o NÃO perca a elei-

ção.

* Professor da UFMT

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Automação no gerenciamento de lavouras Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 04 de novembro de 2000.

Nos últimos anos tenho lecionado Computação para cursos de licenciaturas na UFMT;

a experiência ao trabalhar com pessoas de outras áreas que não a de tecnologia é

gratificante e abre um leque de visões que certamente não enxergaríamos em nos-

sas áreas de formação.

Ao abordar um tema como a automação no gerenciamento das lavouras no Mato

Grosso teria algumas reações típicas: na Computação, os alunos iriam buscar os de-

talhes técnicos do trabalho; na Administração, o interesse recairia em novas oportu-

nidades de negócios; na Economia, certamente a visão seria os estudos dos custos e

impactos no preço final do produto produzido; na Agronomia, os estudantes estariam

interessados na metodologia, isto é, como a coisa é feita e como funciona. E por aí

vai.

Mas, trabalhando com as licenciaturas (Matemática, Letras e Geografia) o resultado

da leitura do texto foi uma surpresa: os estudantes querem saber o que vai aconte-

cer com o cidadão mato-grossense, analfabeto ou pouco escolarizado e que só sabe

manejar o velho trator, quando essa tecnologia chegar por aqui e substituí-lo na fa-

zenda.

Uau! Que visão de mundo!

São esses alunos que estarão atuando nas escolas de Educação Básica daqui a pouco

e que com tal consciência crítica vão fazer a cabeça dos jovens mato-grossenses. E

aí, serão chamados de retrógrados, reacionários e ultrapassados, pois questionarão

políticas públicas que atraem capitais e tecnologia como essa para o Estado.

Alguns serão taxados de comunistas, por jogarem alunos contra os patrões de seus

pais. Serão aqueles que dirão aos pais que eles ficarão sem emprego para a eterni-

dade. Não há como incluir no mercado o analfabeto, em particular, o analfabeto digi-

tal. Não há curso do Qualificar que faça isso, é desemprego ou subemprego mesmo!

Outros serão chamados de udenistas jurássicos, pois defenderão o homem brasileiro

acima do interesse das empresas, governos e capital. Vão falar aos alunos sobre o

perigo da desnacionalização da Ciência e Tecnologia, da Agricultura e da Pecuária.

Insuflarão os estudantes a resistirem aos avanços do capital internacional sobre a

Embrapa, UFMT, etc. e tal.

Mas, também existirão aqueles que, apaticamente, verão tudo isso acontecer e como

não são agricultores ou pecuaristas, se omitirão covardemente de opinar ou agir. Es-

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ses, com certeza, serão os professores carreiristas, que buscarão cargos político-

administrativos na escola ou fora dela. Para eles, o importante é satisfazer, ao mes-

mo tempo, a Deus e ao Diabo, desde que consigam uma boquinha nas tetas da área

pública ou alguma vantagem, vindo dela.

Bem, para esclarecer que raio de assunto foi esse, vou resumir a notícia dada pelo

Jornal da Ciência, datado de 17de outubro de 2000 – Nº 1648 – Notícias de C&T –

Serviço da SBPC, sob o título: "Embrapa acelera estudos de mecanização controlada

por satélites e computadores para o gerenciamento das lavouras".

“Uma nova onda tecnológica começa a varrer o interior do Brasil. A Agropecuária,

que emprega 27 milhões de pessoas e movimenta em torno de US$ 240 bilhões por

ano – mais ou menos 40% do Produto Interno Bruto nacional -, corre contra o reló-

gio para ingressar no seleto clube dos países de cultivos quase robotizados – máqui-

nas, dirigidas por satélites, capazes de gerenciar milimetricamente insumos aplicados

na lavoura. Desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(Embrapa), o projeto da Agricultura de Precisão em pouco mais de um ano reduziu

consideravelmente uma dianteira que EUA, França, Inglaterra e Japão, por exemplo,

haviam alcançado em duas décadas. Ao lado das pesquisas em biotecnologia, é a

maior aposta da Embrapa para o futuro.

“Estamos no nível de aprendizagem, inicialmente na área de milho e soja do Centro

Oeste. É a fase de adaptação das tecnologias à realidade nacional”, explica o coorde-

nador do projeto, o engenheiro agrônomo Evandro Mantovani, da Embrapa Milho e

Sorgo, em Sete Lagoas (MG).

O programa de Agricultura de Precisão depende de fatores essenciais: o primeiro é o

localizador por satélite, o popular GPS, que faz a máquina agrícola trabalhar por co-

ordenadas – altitude, latitude e longitude – marcadas no computador.

Um mapeamento detalhado e digitalizado do solo para a agricultura também teve

que ser feito. O terceiro ponto, nevrálgico, é onde a Embrapa começou a atuar como

centro de excelência: a fusão dessas interfaces em um programa brasileiro, aplicável

nos quatro cantos do país. A finalidade da Agricultura de Precisão é, evidentemente,

racionalizar custos, acrescenta o agrônomo.

O alvo número 1 é o cerrado. “É a única fronteira mundial da agricultura da atualida-

de. São 225 milhões de hectares, que precisam e podem ser usados com inteligên-

cia”, afirma (Publicado originalmente no Jornal do Brasil-RJ, de 15-10-2000).

Bem, relendo a notícia novamente sou obrigado a questionar da mesma forma pen-

sada pelo pessoal das licenciaturas: Onde serão colocados os atuais trabalhadores

rurais, quando essa tecnologia chegar para valer às lavouras do Mato Grosso?

Atrevo-me a colocar uma sugestão pessoal para esse problema futuro, nascida de

boas conversas, madrugada adentro, com um cientista político e colega na UFMT:

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Vamos trazê-los para as cidades, criar novas favelas, invasões e reforçar os movi-

mentos sociais urbanos. E pronto! Mas, e no campo? Ora, vamos fazer como as em-

presas telefônicas estão fazendo, importar mão-de-obra de países mais desenvolvi-

dos ou como alguns agro-empresários daqui, trazendo profissionais mais escolariza-

dos de outros Estados do Brasil.

(*) Professor da UFMT

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O “Não” ataca de novo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2000)

Parece praga de madrinha, daquelas pegajosas como cabo eleitoral precisando de

uma nova dentadura, o NÃO continua vitimando candidatos no Mato Grosso, desta

vez o fato ocorreu na Universidade Federal.

Ao conhecer os números da eleição andei fazendo umas continhas e cheguei a um

resultado terrível: tal qual ocorreu nas últimas eleições para governador o “não” ven-

ceu as eleições na UFMT.

Com 40% do colégio eleitoral da Universidade dizendo NÃO (abstenções, brancos e

nulos) elegemos o novo reitor com 31% dos votos válidos. Interessante é a proximi-

dade dos valores percentuais de eleitores que disseram NÃO aos candidatos a reitor

e a governador, pois um leitor desatento poderá acreditar que a Universidade reflete

o contexto da sociedade: 40% e 42%, respectivamente.

Fazendo um exercício de leitura da mente coletiva, através da opinião pessoal, consi-

go enxergar uma resposta nesse processo: uma parcela imensa de cidadãos está se

lixando para eleições, sejam elas para governador, deputado ou reitor. Dessa leitura

vejo também alguns indícios das causas dessa apatia: a mesmice, a falta de propos-

tas sérias e viáveis, a mediocridade e uma clara intenção de por a mão na grana pú-

blica, esteja ela onde estiver para usá-la das mais variadas formas legais ou não.

Como já passamos do tempo dos generais, o cidadão não está rejeitando o totalita-

rismo, mas sim as crias dele nascidas tanto à esquerda como a direita volver que tei-

mam em conquistar o poder para numa canetada transformar o mundo no paraíso

preconizado por cartilhas carcomidas pelo tempo, nem que seja para melhorar a pró-

pria vida ou do grupo que representa.

Voltando às eleições, deixo uma dúvida para os leitores esclarecidos: - como escolher

os candidatos a serem votados capazes de vencer o NÃO? Através de prévias distri-

tais? Abaixo assinado? Prova de escrita conhecimento específico para o cargo? Indi-

cações de pastores e padres? Decisão no palitinho? Par ou Ímpar? Atestado de rique-

za? Atestado de pobreza? Ficha limpa na polícia? Torneio de truco? Roleta russa?

Qualquer proposta para a escolha de pré-candidatos será melhor que a famigerada

“candidatura natural”, materialização do casuísmo puro e fisiologismo dos brabos.

Como estou no Mato Grosso andei pensando em ver como ocorre a chegada ao po-

der entre os indígenas, pois talvez daí surja uma boa opção para escolher candidatos

a qualquer cargo público eletivo.

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Conheci outras formas de escolha de candidatos, por exemplo, na Baixada Fluminen-

se (sou de lá) o Tenório Cavalcanti mandava bala nos adversários e recebia outras

em troca e quem sobrava era candidato, outro exemplo da terrinha foi o Odilon que

roubava as urnas dos locais onde os concorrentes eram fortes. Lá também existe u-

ma forma amena de escolha do candidato, casar com a filha do adversário e conven-

cer o sogro a se aposentar, com o apoio da família.

Fórmulas existem e ao seu tempo funcionaram, fazendo um pouco de exercício de

criatividade será possível criar uma ou mais que reverta a situação de apatia eleito-

ral, trazendo de volta às urnas o ator principal, ou seja, o eleitor! Em especial, aque-

le que ultimamente tem dito NÃO.

(*) Professor da UFMT

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Eu, o Nacionalismo, o Estado e os políticos Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2000)

Se meu avô Américo fosse vivo certamente diria: “É hora de golpear as oligarquias e

o atraso no Brasil com um choque de Capitalismo”. Caramba! Ele tinha e tem razão.

Vamos fazer uns duzentos anos de Estado organizado e ainda não realizamos a nos-

sa revolução capitalista. Isto é, no Brasil ainda estamos na época que antecedeu a

reforma sócio-religiosa de Martinho Lutero na Europa.

Aqui tem candidato natural a cargo político, são os Lulas, Roseanas, Serras, Ciros,

Garotinhos e Enéas, em âmbito nacional. Campos, Bezerras, Oliveiras e Barros, na

esfera estadual. Natural de quê ou de quem? O PT fez jogo de cena e realizou uma

prévia entre seus militantes, com a intenção de preparar o próximo candidato, natu-

ral é claro, os Matarazzos. Os outros partidos nem isso!

Os políticos se sobrepõem aos partidos e ai a oligarquia deita e rola. São velhos e

novos ricos querendo morder uma fatia do Estado para garantir suas boas-vidas. A

mesma que Aristóteles pregava bem antes de Jesus passar por aqui. Ele descrevia o

Estado como o instrumento para o homem realizar seu fim: a boa vida. O pessoal da

candidatura natural se apossou do conceito aristotélico de Estado e só pensa em sua

própria boa vida. Exemplo: Presidente, governador ou prefeito recebem pensão por

quatro anos de trabalho, acumuláveis com qualquer outra forma de aposentadoria. É

mole ou quer mais. Tenta você, "seu Mané", acumular aposentadorias no INSS!

A busca de um Estado Republicano sério vem de longe, para ser mais exato nasce na

Roma de Cícero. Ele procura persuadir os homens bons e honrados a participarem

ativamente na vida pública, na suposição de que a vida política é a mais alta expres-

são da realização humana e de que os estadistas orientam os cidadãos para a pro-

mulgação das leis e o desenvolvimento e consolidação dos bons costumes. Tadinho

do Cícero! Ele não conhece nossos políticos. Hahahahaha... Cícero, aqui o mandato

político serve para livrar bandido da cadeia. Pode! Quer mais?

Cícero confessa em sua teoria (República) explicitamente a igualdade natural de to-

dos os homens. Os homens têm a mesma sensação da dor e prazer e amam a bon-

dade, a retidão, ao mesmo tempo em que detestam a selvageria e a baixeza de ca-

ráter. Se eu encontrasse o Cícero na rua enchia a cara dele de porrada. Desde quan-

do eu sou igual aos Barbalhos, Brizolas, Magalhães, Sarneys, entre tantos outros?

Pensadores como Buchanam, Languet, Hotman, Calvino, Cartwright e Knox entre ou-

tros, pregavam o direito revolucionário de desobediência ativa, vinda de antigas teo-

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rias do direito popular, por ser um direito contra os governantes que violavam o con-

trato social pregado por Aristóteles e Cícero. Meu avô, Seu Américo, acreditava nisso

piamente. Uma bala na nuca do safado e o Estado está salvo. Os chineses fazem isso

hoje com muita freqüência e parece que freia um pouco o afã de roubar, mas não

elimina totalmente.

John Locke em sua teoria do contrato social, afirma que o governo é um mero usuá-

rio do poder executivo que tem o apoio da comunidade até a quebra da confiança

deste, provocando, com isto, o direito de rebelião contra seu poder. Estou com Locke

e não abro! Vendeu a Vale do Rio Doce, vai pro Carandiru no dia seguinte!

Locke vai mais longe e afirma que o Estado deve ser governado pela vontade de seu

próprio povo, e não por uma classe de indivíduos. Reencarna no Brasil de hoje! Va-

mos pregar isso pelo rádio, televisão, jornal e internet. Não quero a classe dos rura-

listas, nem a dos metalúrgicos governando o Brasil. Governar não significa travar u-

ma luta de classes. Isso é coisa do PSTU, TFP, MST, UDR e de trotskista mumificado.

Rousseau bateu duro exigindo a transferência da soberania exclusiva e onipotente do

governo para a comunidade. Viva Rousseau! O perigo está em descobrir quem é es-

sa tal de comunidade. Pois pode ser entendida como aquela que reside no Lago Sul

em Brasília e ai nós estamos ferrados!

O Estado, para Kant, existe não para si mesmo, mas para servir os fins da conveni-

ência especial dos homens, e seus poderes se unem a outro para dar a qualquer ci-

dadão aquilo que lhe é devido. Para Kant o que fundamenta a comunidade, isto é, o

Estado sobre a vontade geral, é o poder legislativo. Esse poder deriva do fato de que

não deve absolutamente causar dano a qualquer pessoa com suas leis. Oh, Kant! Vo-

cê deveria baixar no terreiro do parlamento brasileiro e ensinar aos senadores e de-

putados o que você quer dizer. Eles ainda não sabem que causar dano ao cidadão,

por meio de leis, é destruir o Estado e a cidadania! Você acredita que nossos parla-

mentares já leram isso? Eles tão lendo é contrato fraudulento com a SUDAM, SUDE-

NE, BNDES e outros órgãos financiadores da pouca vergonha brasileira.

Para Hegel, o Estado, em sua forma completa, é a comunidade político-espiritual por

excelência, e nada existe mais santo do que o elemento ético e o direito do Estado.

Nesta afirmação, Hegel introduz na história moderna a divinização do Estado totalitá-

rio. Maldito seja Hegel! Esse cara foi o maior defensor do Estado forte e, com razão,

considerado o pai moderno da versão do totalitarismo fascista e comunista. Stalin,

Fidel e Mao se basearam nas suas idéias para matar e torturar em nome do Estado.

Getúlio, aqui no Brasil, também!

Ai vem Marx e diz que um homem, a fim de reter o direito de propriedade (criado

por Hegel), deve possuir propriedade. De outro modo, o direito se torna vazio e fac-

cioso. Mas, por sua vez, isto significa que cada indivíduo deve aceitar objetivos mate-

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riais como objetivos subjetivos em uma tentativa de assegurar sua propriedade pes-

soal e seus direitos. Se ele não aceitar estes objetivos materialistas, ele será derrota-

do no esforço por aqueles que os aceitarem. Isso é, ou você é capitalista no Capita-

lismo, ou está fuzilado! Para Marx todo o direito é subserviente ao direito de proprie-

dade. A igualdade sob a lei, por exemplo, existe para proteger a propriedade. Por

isso, o homem sem propriedade não está sujeito à lei. Oba! Como não tenho porra

nenhuma estou livre de cumprir a lei. Valeu Marx. É isso aí mesmo!

Marx perguntava como se pode falar de igualdade, quando os indivíduos são desi-

guais em propriedades? Indivíduos desiguais são medidos igualmente pela mesma

medida, pelo mesmo padrão nas desigualdades. Marx dizia que homens desiguais

não são homens iguais. Nem diante das leis!

Ai vem Proudhon e afirma que todos podem agir anarquicamente em suas vidas, va-

lorizando sua liberdade individual, resistindo às regras autoritárias, contestando re-

gulamentos, hierarquias e ditos poderes, recusando serem governados e manipula-

dos. Tô nessa! Valeu francesinho transviado!

Mas afinal onde quero chegar?

Simples. Sou contra essa porra de candidatura natural. Sou contra as oligarquias,

monarquias, monopólios políticos de esquerda, direita, centro e currais eleitorais que

garantem a perpetuação dos poderosos no poder. Quero mudar isso, no voto, na

marra, do jeito que a vida me permitir. Ou então, vou pendurar as chuteiras e me

mudar para a Argentina. Pelo menos lá o povo sabe espernear.

Sou contra Estado que vive para dar lucro. Estado capitalista faz o que Adam Smith

pregava na Riqueza das Nações: trabalha para valorizar a mais importante riqueza

de uma nação – seus cidadãos! Além do mais dizia ele, "os próprios reis e minis-

tros... são sempre, os maiores perdulários da sociedade." De lá para cá, nada mu-

dou. Os caras estão metendo a mão no meu imposto na maior cara de pau. Só que

agora tem mais gente no Executivo, Legislativo e Judiciário esvaziando as tetas da

União.

Sou a favor do Brasil para brasileiros, para os que vivem aqui. Sem essa de ALCA, ou

outro estupro diplomático-comercial qualquer. Sou antiamericano, anticubano, anti-

palestino, anti-israelense, antiportuguês até a raiz dos cabelos. Sou pró-brasileiro e

só!

Se isso é nacionalismo, então sou Nacionalista. Mas não sou fascista como Stalin e

Mussolini. Nem nazista como Hitler ou Mao. Quero manter enterradas as idéias do

Integralismo dos Salgados, e também, as de defesa da propriedade do outro Plínio,

da TFP. Quero a aplicação do estatuto da Terra de Castelo Branco. Pasmem! É a me-

lhor reforma agrária já proposta até hoje. Faltou macho para levá-la a termo!

Quero ver franceses e alemães bebendo guaraná brasileiro, no lugar desse limpador

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de vaso sanitário que os americanos vendem aqui. Quero vender água potável para

os japoneses, frango para árabes e judeus, e também ensinar, um pouco de ética

para o governo americano.

Quero educação, saúde, infra-estrutura social estatais-nacionais. Com qualidade e

universalidade no atendimento, como preconizava o pai do capitalismo. Quem quiser

pagar por isso em empresas privadas, pague! Mas, sabendo que a oferta estatal é

bem melhor. Possível é! Falta é vontade política para fazer disso uma realidade. E aí

mora o perigo, pois os políticos de hoje nunca vão enxergar nada que não sejam be-

nesses para si próprios.

Quero vender armas para os palestinos e receber petróleo do Iraque como pagamen-

to. Quero importar cientistas e engenheiros de países com problemas internos e aqui

formar um belo time de produção de Ciência e Tecnologia. E isso não é novidade,

pois os americanos do norte fizeram isso com muita competência desde a Segunda

Grande Guerra. Acho até que sem eles os Estados Unidos da América não seria o que

é hoje.

Chega de querer. Esse ano é de eleições e está na hora de agir.

Chico Xavier para presidente!

Se ele não topar existem pelo menos 169.000.000 de brasileiros sérios que certa-

mente toparão! Vamos votar bem? O Brasil agradece.

(*) Ruy Ferreira está professor de Computação na UFMT em Rondonópolis.

PS: Muitas idéias vieram de Luiz Alberto de Souza e Silva.

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Liberdade! Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 10 de março de 2001.

Quando eu era garoto, na Baixada Fluminense onde só os fortes sobrevivem, o Brasil

vivia um período democrático e a liberdade era total. Tá certo que faltava comida,

mas era melhor que na URSS, onde faltava democracia também. Minha mãe saía as

cinco da matina para a fábrica de tecidos e me deixava na fila do SAPS, onde a or-

dem era: - compre feijão, arroz e gordura de coco.

Liberdade com dinheiro no bolso e prateleiras vazias. O país estava agitado com as

reformas de base e o “grupo dos onze” do Brizola ia incendiar o cenário nacional, re-

sistindo ao ataque das forças misteriosas que pregavam o fim do caudilhismo

(Getúlio, Jango e Brizola).

Meu pai, um pedreiro politizado, durante o jantar explicava o que estava acontecen-

do e dizia: - ou garantimos a liberdade ou vamos virar uma Polônia, satélite dos co-

munistas. Confesso que ficava com medo de viver num gueto (favela), como os exis-

tentes nos países-satélites soviéticos.

Ouvia o Carlos Lacerda no rádio e lia a Tribuna da Imprensa, onde o pau comia no

lombo do Jango e do Brizola. Por força da família de origem católica era obrigado a

pensar dicotomicamente, isto é, quem não é a favor, é contra. E eu, comecei a abra-

çar as causas da UDN – União Democrática Nacional, nascendo em 1963 um udenis-

ta perpétuo.

Naquela época toda viagem ao centro do Rio era um sufoco, pois quando não havia

um comício (onde os militantes garantiam a sua livre participação na marra), aconte-

cia uma passeata com a gente marchando sem lenço e sem documento ou ainda,

uma sessão democrática de porrada da polícia, afinal todos apanhavam por igual.

Tinha de tudo em nome da liberdade, era gás lacrimogêneo, pedrada no ônibus, pau

de bandeira nas costas, sem contar os chatos da TFP – Tradição, Família e Proprie-

dade querendo converter o mundo aos ensinamentos pré-históricos na base do fas-

cismo religioso.

Liberdade é isso! Você apanha fraternalmente ou dos meganhas ou dos militantes de

algum partido, seita ou algo do gênero. Todos tem o sagrado direito de baixar o ci-

pó.

Em 1964 fui levado por meu pai ao Palácio Guanabara, a fim de garantir a liberdade

do Lacerda. Os brizolistas iam levantar o país que certamente cairia na guerra civil.

Depois da marcha dos oitocentos mil os integrantes do time do Jango amarelaram e

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o Leonel se mandou pro Uruguai, dizem que fantasiado de enfermeira. Eu, com onze

anos, só não entendia por quê o Lacerda não seria o presidente? Os milicos foram

prá rua convocados pelo povo e de lá não saíram por duas décadas, quase três. Meu

velho dizia que havia acontecido uma revolução, e que duas pessoas haviam morri-

do. Pasmem! Dois mortos numa revolução é sacanagem, pois em Cuba, anos antes,

tinham morrido aos milhares. Pô, eita liberdade barata essa!

Assim fui crescendo, amadurecendo e entrando pelo cano em nome da liberdade.

Mas, meu sonho era participar desse poder que a liberdade nos traz. Militei no movi-

mento estudantil secundarista, onde tínhamos a liberdade de comer pastel com caldo

-de-cana numa pastelaria dos chinas, na Praça da Liberdade em Nova Iguaçu, sem

ter que pagar nada. Fiz parte da UNE, com carteirinha e tudo mais, ao mesmo tempo

que havia sido incorporado às fileiras do Exército.

Tá certo que não haviam filas para comprar nada, que o salário tinha poder de com-

pra, que o Brasil se endividou construindo Itaipu, Tucuruí, Embratel, Telebrás, Eletro-

brás, as teles estaduais, rodovias como a BR-101 ligando o Sul ao Nordeste, a Tran-

samazônica que liga nada a lugar nenhum, e tantos outros empreendimentos que

depois daquele período terrível não mais se fez. Entretanto, faltava a liberdade.

Por conta disso, andei levando umas cadeias no Exército, pois questionava coisas

que eram consideradas segredos de estado. Soube que no período da ditadura mili-

tar cerca de trezentos seres humanos foram mortos pelos militares, polícia e grupos

extremistas de direita. Ao mesmo tempo, uma quantidade parecida era justiçada

com a morte pelos militantes de esquerda, subversivos, guerrilheiros, terroristas e

até mesmo, oportunistas e traidores como o Lamarca.

Novamente o preço da liberdade foi irrisório, pois seiscentas mortes é uma vergonha

para justificar trinta anos de ditadura. Afinal, o camarada Stalin dizimou o equivalen-

te a vinte e dois milhões de proletários, num período parecido. Hitler aniquilou seis

milhões, sem contar os que morreram por culpa da guerra que ele iniciou, inclusive

mais de quatrocentos pracinhas brasileiros, trocados pela Companhia Siderúrgica Na-

cional, pelo ditador Getúlio Vargas. Fico triste em saber que, nesse quantitativo, per-

demos feio até para o Paraguai, Chile, Camboja, etc. e tal.

Oh liberdade! Que bom que chegastes com o Sarney dos Marimbondos, Toninho Mal-

vadeza do Painel, Itamar do Topete, Arruda do Metrô, Jader Bezerra da Sudam, Dan-

te da Mala Cheia, Nicolau do Trabalho, Nahas dos Milhões, Fernandinho Beira-Mar,

Fernandinho Collor do PC, Fernandinho de Cayman, Fernandinho Integrado da SUDE-

NE, Pitta do Salim, Bulhões da Toalha, Júlio do Jaime, Íris da Caixego, Arraes do Bol-

so Cheio, Paschoal do Pó e tantos outros representantes da sociedade civil que ainda

precisam conhecer Bangu II.

Pena que a sensação de impunidade nos façam sentir saudades do AI-2, aquele que

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cassou um monte de corruptos. Pena que os polpudos salários do Judiciário e Minis-

tério Público os façam pesados demais ao ponto de manter o status quo vergonhoso

que vivemos pela omissão ou lentidão. Pena que tenhamos tantos bacharéis em Di-

reito ocupados demais em Direito Tributário, mas fazendo tão pouco pelo estado de

direito, pelas garantias individuais de si mesmo. Pena que tenhamos tão poucos ba-

charéis em Medicina fazendo muito pela saúde dos brasileiros, gente tipo Osvaldo

Cruz e Emílio Ribas. Pena que mais valha o Xitãozinho, a Xuxa, o Xuxa, o Tigrão e a

Preparada, o time do Flamengo que o magistério oculto dos professores nas salas de

aulas ou a vida infernal dos militares nas fronteiras amazônicas ou o desconhecido

trabalho dos cientistas brasileiros em laboratórios onde tudo falta.

Desse jeito, vamos acabar matando, por asfixia moral, a liberdade. Uns tentam ma-

tar por razões de estado, o que é prontamente rejeitado por Rui Barbosa: - “razões

de estado é o artifício usado pela autoridade para acobertar um crime ou criminoso”.

Outros buscam o poder a qualquer custo, aliando-se ao picareta de plantão, como

tem ocorrido em aqui mesmo.

Assim a liberdade não aguenta. Daqui a pouco no lugar dos militantes do MST, braço

revolucionário à antiga do PT, teremos o renascer das cinzas do CCC, agora sob o

lema de comando de caça aos corruptos. Mandando cartas-bomba para fraudadores

do INSS, realizando justiçamento público de vereadores que não honraram os man-

datos pertencentes aos seus partidos, explodindo prédios de rádios e televisões abo-

canhadas por deputados, saqueando mansões de “empresários” que enriqueceram

vendendo cargas roubadas à custa da vida de caminhoneiros, empalando delegados

de polícia que levam dinheiro do tráfico de drogas.

Isso não! Se o povo começa a ter exemplos assim e considerando o grau de impuni-

dade reinante, vamos ter heróis às avessas. Quero o Carandiru cheio de gente que

enriqueceu com o meu imposto; Bangu II lotado de banqueiros fraudadores do siste-

ma financeiro nacional; Pascoal Ramos entupido de espertos lobistas que cobram a

metade para liberar uma verba pública. Quero justiça social, mas com liberdade. Se-

não fico meio perdido e sou capaz até, num gesto tresloucado, de eleger o FHC para

rei do Brasil.

A responsabilidade, essa irmã xipófaga da liberdade, tem andado em baixa, mas não

há como separá-las. Sem uma a outra morre, e nada melhor que uma boa dose de

vergonha na cara para assumirmos a responsabilidade do mal que temos causado a

liberdade.

Cassação já! Cadeia em regime fechado também, para os escolarizados que precisam

ser re-educados em estabelecimentos penais. Voto só para quem conhecemos no dia

-a-dia e de noite também. Promotores fiscalizando o cumprimento da lei. Polícia

prendendo o ladrão rico e poderoso. Juiz julgando processo em menos de dez anos.

Denúncia através da Internet de casos suspeitos de corrupção. Boicote aos artistas e

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escritores que manifestam apoio irrestrito aos “impunes do Brasil”.

Tudo isso antes que a primeira bomba exploda, ou pior, que apareça um novo Var-

gas nesse país.

* Cidadão carioca perdido no Mato Grosso que paga religiosamente IRPF, IPVA,

ICMS, CPMF e trabalha desde os treze anos de idade com carteira assinada.

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Bezcampante, uma triste história Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2001)

É possível conviver com o combate à pobreza ao mesmo tempo em que se busca u-

sar modernas tecnologias? Respondo eu mesmo: - Creio que sim! Vamos criar uma

situação hipotética para sustentar minha tese:

- Terra dos Bezcampante é uma cidade mato-grossense de médio porte, produtora

de soja, carne bovina e algodão, possui um parque industrial irrisório frente a sua

mediocridade e os setores de serviços e comércio estão em mãos ultra-

conservadoras (burguesia, diria o Doutor Muito-Maior) e suas forças políticas estão

equilibradas em mãos de três coronéis remanescentes do século passado.

O atual prefeito bezcampanês é homem viajado, e por isso, conhecedor de outras

plagas onde prospera o progresso econômico e social. Além disso, é um homem das

Ciências, tornando-o assim “um caolho em terra de cegos”. Epa! Acho que errei o

ditado popular.

Na hora em que escolheu seu secretariado, o prefeito foi obrigado a atender pleitos

dos coronéis, capitães, sargentos e soldados eleitorais. E daí nasceu o famoso gover-

no “colcha-de-retalhos”.

Para a pasta da Educação, foi imposto pelo Partido da Esquerda Festiva, também

chamado de Guarda-Chuva, um correligionário que tudo conhece, inclusive dos pro-

blemas da pobreza, miséria, analfabetismo, exploração de trabalhadores, movimento

dos sem-terras, dos sem-tetos, dos encarcerados políticos ou não, da mortalidade

infantil, do desemprego. Enfim sabe tudo sobre os problemas à sua volta.

O único problema que aquele secretário pouco sabia é “que o tempo não pára” (@

Cazuza) e que enquanto se discutia os problemas periféricos à sua alçada o mundo

girava e a Educação em sua cidade cada dia tornava-se mais-e-mais obsoleta arcaica

e pasmem: conservadora!

Aí um dia surge no cenário político da bela cidade um revolucionário às avessas, cha-

mado por alguns de Dom Quixote do Pantanal e por outros de Agente da CIA. Come-

ça a falar em modernidades e tecnologias, aplicadas à Administração Pública e princi-

palmente, à Educação.

No início foi tratado pelos governantes como um visionário, louco-varrido, um verda-

deiro crioulo-doido. Mas, o infeliz pregador continuava sua ladainha de que era che-

gado o final dos tempos e que através da Educação o povo se libertaria da ignorân-

cia escravizadora. Aí o secretário começou a usar a mídia local para desacreditar o

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pregador, afirmando que o louco nada entendia das brilhantes teorias e metodologi-

as da Educação. Acontece que nesse ínterim o povo começou a comentar nas casas,

nas ruas, nos trabalhos, as idéias do milagreiro tupiniquim.

O tempo fechou. Passeatas, carreatas, “carroceatas”, “bicicleatas” e outras atas a-

conteceram naquela pacata cidade. O povo queria a dita modernidade. Até o polícia

ficou na dúvida se reprimia ou não aquele movimento, já que sua bisavó participava

de arrastões e era conhecida líder ativa da pós-modernidade.

O prefeito, muito sábio, para evitar derramamento de sangue cedeu às pressões po-

pulares e demitiu seu secretário da Educação, nomeando o Agente Quixote em seu

lugar.

Um ano depois a cidade mudou de nome, passando a chamar-se Aldeia Global. Pos-

sui a maior concentração de televisão per - capita da Terra e todos os seus habitan-

tes assistem novelas quatro vezes ao dia.

E daí em diante foram infelizes para sempre.

Moral da estória: É possível combater os graves problemas sociais com o apoio de

modernas tecnologias, sem tornar-se um radical por este ou aquele lado da questão.

Talvez essa utilização seja o caminho das pedras para solucionar problemas como o

desperdício, a malversação do dinheiro público, desburocratização, etc.

(*) Professor do ICEN/UFMT

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Brasil de Hoje: “Samba do crioulo doido”

ou “cego em tiroteio” Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de março de 2002.

Quando as coisas estavam confusas ou invertidas em sua ordem de valores, meu

saudoso avô (morreu udenista) dizia: - “pareço cego em tiroteio”. Traduzindo para a

linguagem dos jovens alienados, isso significava: - tudo bem, me dá uma coca.

Quando o Stanislaw Ponte Preta compôs um sambinha sobre a História do Brasil, on-

de um favelado falava de um enredo enrolado pacas, coisa de louco como diz o o-

portunista do Ratinho, a música foi chamada de Samba do Crioulo Doido. Traduzindo

para o fácil entendimento dos adultos alienados: - o samba parecia o programa do

Faustão. Só tinha abobrinha e nenhuma mensagem ou verdade.

Seu Américo, meu avô udenista, com aquela mão aleijada pela tortura com bambu,

praticada pela turma do Felinto Müller (o mesmo que dá nome ao prédio da Assem-

bléia Legislativa do Mato Grosso) juntava os netos aos domingos e contava suas es-

tórias anti-getulista, onde o moral da estória estava sempre na busca do valor maior

de um indivíduo: a liberdade.

Morreu em plena segunda-feira de carnaval, vivendo seus últimos momentos numa

democracia relativa, com Juscelino na Presidência. Deixou muitas saudades e lições

inesquecíveis.

O tempo foi passando e eu tentei seguir seus passos, trabalhando de dia e estudan-

do à noite. Nessa época (1967) conheci o movimento estudantil e a briga era para

abrir a ditadura na marra. Nunca comprei tanta bolinha de gude, para despejar sob

as patas dos cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Era um tombo só! Duro era

suportar o gás lacrimogêneo e o “esporro” do pai em casa pelas roupas rasgadas.

Mas valia a pena, pois o negócio era ter a liberdade respeitada.

A liberdade ainda não chegou, vale a pena continuar a luta. Ainda não consegui me

filiar a um partido político, afinal os valores morais que cultuo em minha vida não es-

tão presentes nos representantes dos atuais partidos políticos. Vou ficando udenista

e votando conforme a consciência.

Entretanto, a corrupção e a inversão de valores de hoje estão me obrigando a pensar

numa nova forma de luta. Talvez adote o patrulhamento ideológico, talvez a subver-

são capitalista, ou quem sabe o terrorismo das palavras. Vou começar pelo terroris-

mo das palavras, pois isso não impede outras formas de luta.

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Vamos tentar pensar juntos. Sei que pensar dói, mas vamos sobrepujar a dor e num

ato de heroísmo, vamos pensar.

A família Sarney tem sido perniciosa ao Maranhão e ao Brasil desde longa data. O

patriarca, Zé Ribamar, já passou por todos os partidos possíveis e seus filhos seguem

o péssimo exemplo do representante do Amapá. A menina Roseana, empurrada goe-

la abaixo pela Rede Globo dos Marinhos (sempre aproveitadores das tetas da União),

anda indignada porque o Ministério Público Federal está apurando o roubo na SU-

DAM e há indícios de envolvimento dela e do marido nessa falcatrua. Até aí tudo

bem. Ela tem o direito de chiar quando o cerco aperta. Mas, ouvi uma declaração da

menina dizendo que estava furiosa, pois o FHC (ex-marxista, convertido à seita de

São Francisco de Assis) avisou o José Inácio, governador do Espírito Santo, quando a

Polícia Federal ia encanar sua linda esposa por formação de quadrilha e cobrança de

propinas. Enquanto a coitadinha da Roseana só ficou sabendo da ação policial pela

TV.

Realmente, não dá para confiar no pessoal tucano. Pois enquanto o pessoal do PFL

sempre esperou a vitória de alguém, para depois dizer que sempre esteve ao lado do

vencedor e dividir as delícias do poder. O PSDB quer jogar o bom nome da família

Sarney na lama, para beneficiar o Serra (aquele da Dengue). Isso é política suja com

as oligarquias, democracia de balcão e sacanagem, tudo a um só tempo.

Ao mesmo tempo fiquei sabendo que tem ex-senador do PMDB sendo algemado pela

Polícia Federal e levado para a carceragem à disposição da Justiça. Epa! Essa tal Polí-

cia é coisa da ditadura e já está na hora de acabar com ela, antes que apure outras

fontes de renda dos nossos políticos.

Quanto ao Ministério Público (esses rábulas andam muito metidos a besta, pensando

que podem fiscalizar o cumprimento da Lei. Onde já se viu isso!) tem que investigar

é ladrão de galinha e deixar os que roubam a "galinha de ovos de ouro" em paz. Tal-

vez uma lei da mordaça não seja o suficiente para segurar a sede de justiça desses

filhos da classe média que galgam postos de procuradores por concurso e ficam in-

fernizando a vida dos nossos políticos. Melhor acabar com essa Instituição!

A Justiça. Arré égua! Se nada faz é incompetente, se faz é perseguidora. Se um dia

condenar um legítimo filho da puritana classe abastada, onde irá colocar o condena-

do para cumprir pena? No Palácio da Alvorada? Na sala do Estado-Maior de uma das

nossas corporações armadas? No Caribe? Em Paris? Desde que não seja em Bangu,

qualquer lugar serve.

O samba continua e o crioulo doido de Stanislaw está começando a ter razão. O Ma-

to Grosso dá bons exemplos disso: PFL e PPS coligados! Os Campos noivos de ex-

comunistas (talvez nem tão comunistas assim). Essa não! O Dante comemorando a

decisão do TSE que obriga a coligação nacional ser respeitada até no município, pois

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assim ele recebe o PMDB de graça. Com Bezerra e Cia Ltda.! E quem diria o PT de

braços dados com o PL (leia-se Edir Macedo, a IURD e milhões de votos abençoa-

dos).

Dormir com esse barulho é dureza. Tem candidatura natural, como se Deus tivesse

revelado a certas oligarquias: - “Jonas Pinheiro é ungido por mim. Ele é meu candi-

dato”. Claro que isso acontece em todos os partidos, desafiando a liberdade de gente

como eu. Noutro é o Antero, um desconhecido senador que não resiste às luzes das

câmeras de TV para aparecer em cadeia nacional, questionando a conduta do ACM,

aquele santo baiano.

Bem como o ano é eleitoral, nada acontecerá por acaso. A dengue será combatida

até a data das eleições e depois vamos esquecer. A SUDAM e a SUDENE serão coisas

do passado e como brasileiro tem memória curta, cairá no esquecimento. O roubo do

TRT-SP será partilhado pela gangue que o pilhou e terminará com um final feliz, tipo

Collor & PC Farias, onde um morre e outro vai gozar a vida em Miami. O jogo do bi-

cho continuará financiando campanhas políticas, como no Rio Grande do Sul e nin-

guém será preso por isso. O narcotráfico fará mais alguns deputados e ganhará a

descriminalização da maconha, como forma de desviar a atenção das drogas pesadas

que irão correr soltas nas veias de quem tem grana para comprá-las. O roubo de

cargas continuará firme e forte no Sudeste para que nossos comerciantes vendam

produtos roubados bem baratos em seus lojões pantaneiros, embora os caminhonei-

ros mortos continuem protestando em sessões espíritas.

E, nós, brasileiros e brasileiras, continuaremos mais perdidos que “cego em tiroteio”

sem saber ao certo se vai haver apagão no ano que vem, se o Romário vai abrir uma

birosca em Acari, se a dívida interna pode ser paga um dia, se o FHC será canoniza-

do pelo Santo Ofício, como o maior algoz do Brasil ou se o George Soros vai mandar

fazer uma estátua para ele, como o maior vendilhão da História Brasileira. São ques-

tões profundas e que vão ocupar bom tempo do Jornal Nacional e do Jornal Record

para continuar a confusão mental do povo brasileiro, aquele que acha que tem de-

mocracia, mas que ainda não teve liberdade.

(*) Carioca de nascimento, eleitor em Brasília, morador em Cuiabá e trabalhador da

Educação em Rondonópolis. Um verdadeiro crioulo doido.

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O importado é melhor. Para quem? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 20 de março de 2002

Existe uma idéia entre a população brasileira, pelo menos entre a que possui poder

de compra, que produtos e serviços estrangeiros são melhores em relação aos aqui

produzidos ou prestados. Senso comum ou conseqüência da propaganda? Honesta-

mente, não sei.

Uísque escocês, perfume francês, jeans americano, caviar russo, eletrônicos japone-

ses, bacalhau português e tantos outros produtos que desejamos como itens de con-

sumo. No campo dos serviços a coisa fica no mesmo patamar de vontade: notícias

das agências americanas, turismo europeu, serviços automatizados a clientes e por-

tais da internet voltados para a Educação, Ciência e Tecnologia.

Epa! Talvez isso não seja verdade, e pior, estamos fazendo propaganda enganosa.

Nascido no Brasil, filho de pais brasileiros, desde cedo aprendi com eles a valorizar a

“prata-da-casa”. Quando jovem ingressei no Exército Brasileiro e cultuei valores na-

cionais acima de quaisquer outros estrangeiros e ao dele me afastar para ingressar

numa Universidade Federal, aprofundei meus conhecimentos sobre o quanto somos

capazes de produzir e prestar serviços, com eficácia, eficiência e qualidade.

Lógico, existem campos do conhecimento humano onde ainda engatinhamos. Entre-

tanto, em outras áreas somos ponta-de-lança, pareados com os melhores do mundo.

Temos o refrigerante natural capaz de enfrentar qualquer outro alienígena, somos

excelentes em prospecção de petróleo em águas profundas, temos competitividade

na indústria da aviação, armas, automóveis e tantas outras. Somos muitos bons na

automação bancária, para não dizer que somos os melhores. Temos serviços auto-

matizados ao cidadão que chegam a dar inveja aos países ricos. Exemplo disso: ser-

viço eleitoral eletrônico, receita federal, detrans de muitos estados brasileiros, e por

aí vai.

Ora, o imaginário da população brasileira pode estar mudando em relação ao serviço

ou produto estrangeiro. E aí surge um complicador. O governo no Brasil anda presti-

giando o que vem de fora em detrimento ao aqui produzido!

Exemplo disso está na badalada inauguração de um portal na Internet, voltado para

a comunidade acadêmica em geral e estudantes universitários em particular. O Presi-

dente da República, o Ministro da Educação, um monte de reitores e outras autorida-

des estiveram reunidos para o lançamento de um portal mantido por um banco es-

trangeiro. Até aí, nada demais. O problema está nas declarações das autoridades so-

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bre o serviço ofertado pelo portal.

A falácia corre solta, rasgando seda para os serviços inestimáveis e inéditos na Web

que o portal oferece. Ufanismos como: hoje temos um computador para cada deze-

nove alunos nas universidades federais brasileiras. Parem!

Leciono numa federal para turmas de cinqüenta alunos com dezesseis computadores

no laboratório, sendo que doze funcionam regularmente. Isso é fato! Tenho mais de

mil alunos, matriculados no campus, disputando um lugar diante desses mesmos

computadores. Isso é fato!

No ano 2000, lançamos um consórcio virtual universitário, englobando quase todas

as universidades públicas brasileiras e imploramos ao mesmo Ministro da Educação

para participar do evento de inauguração, ao lado do solícito Ministro da Ciência e

Tecnologia. Um sabia o poder de fogo que estávamos criando para o Brasil, o outro

discursou elogiando uma universidade inglesa e esqueceu de anos e anos de experi-

ências bem-sucedidas nas instituições tupiniquins.

Um ano antes, a UFBA lançou, em parceira com o IBCTI, um portal sobre Educação,

Ciência e Tecnologia (www.prossiga.br) sem que as luzes da mídia e a presença de

autoridades fossem sentidas. Pena, pois o nosso é ótimo!

Somos bons de Internet, Educação à Distância e nossos portais nada deixam a dese-

jar aos estrangeiros. Com uma vantagem infernal: escritos em Língua Portuguesa!

Pena que as coisas boas brasileiras ocupem tão pouco espaço na mídia nacional e

receba tão pouca atenção dos governantes do país. Pena, mesmo!

Fica a lição, nossos governantes ainda não acreditam em soluções nacionais para

problemas internos. Enquanto isso, os brasileiros vão bebendo guaraná, vendendo

aço, exportando automóveis, sequenciando genoma, produzindo softwares e portais

de grande utilidade e qualidade. Que pena!

(*) Professor assistente da UFMT

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Sonhei um sonho Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 19 de maio de 2002

Quando cheguei em Rondonópolis, no início de 1982, vindo de Macaé, Rio de Janei-

ro, senti uma grande diferença entre as duas cidades. Se aqui faltava o mar, a brisa

fresca e o camarão barato sobravam pintados, pequi e garapa. Além disso, Rondonó-

polis já possuía um campus universitário federal, com mais de dez anos de funciona-

mento. Gostei, fui e voltei. Cumpriu-se o vaticínio do amigo Ariel que dizia: - “Você

vai, mas volta. Tem mais coisa por fazer aqui”. Pois é. Voltei em 1995 e descobri um

monte de coisas para fazer em Rondonópolis.

Em particular, um sonho sonhado e acalentado com muito carinho ainda está por ser

realizado: - Transformar o campus da UFMT em Centro Universitário Federal, autôno-

mo da cuiabania.

Embalado pelo Tati, nos idos de 96, fizemos uma enorme peregrinação na imprensa

local e nas portas dos nossos políticos tentando vender a idéia. Faltou-nos criativida-

de e competência para isso. Olha que na época tínhamos quatro parlamentares fede-

rais da cidade, presidente vindo à festa de casamento no Caiçara, entre outros fatos

políticos. Ainda assim, fracassamos.

Mas, o sonho não morreu. Continua vivo e sonhado toda semana quando entro no

campus de Rondonópolis. Permaneço um separatista incorrigível. Quero quebrar as

algemas que Cuiabá nos impõe. Quero liberdade e autonomia para Rondonópolis.

Parece fixação de doente mental, mas não é. Tenho números que mostram o quanto

seríamos bons em relação às demais instituições federais de ensino superior. Nós, de

Rondonópolis, temos doutores e mestres para dar com pau! Ajudamos, e muito, os

dados estatísticos da UFMT.

Em 1996, num discurso apaixonado de colação de grau, no antigo cinema da cidade,

baixei a lenha no lombo da surpresa reitora da época. Conheci o campus como aluno

e dez anos depois quase nada havia mudado por lá. Só que o mundo não parou para

que a UFMT pudesse dar modernidade à Rondonópolis. Nem irá parar!

Gosto de funk da favela, e num deles o Claudinho e Bochecha cantam: “... se eles

não fazem lá, fazemos nós aqui...”. Infelizmente tem que ser assim, pois de graça só

vamos receber esmolas.

Vamos criar um projeto de transformação do Campus Universitário de Rondonópolis

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Linha do Tempo Página 76

em Centro Universitário Federal do Sudeste de Mato Grosso. Vamos nos desligar da

UFMT, para atender aos anseios e necessidades do povo dessa região.

Nosso campus tem razoável infra-estrutura física, possui um corpo docente bem qua-

lificado, tem sete licenciaturas e três bacharelados em funcionamento, mantém vá-

rias turmas especiais na Região Sudeste. Hoje somos maiores que a FUNREI. Com

investimentos bem direcionados poderíamos ser um centro de excelência na forma-

ção de professores e também, em áreas voltadas para o agronegócio. Falta a vonta-

de política para fazer!

Pensar nisso dá margens ao levantamento de possíveis empecilhos. Acredito que o

ensino superior privado da região tem interesse no fortalecimento do Campus, pois

garante formação continuada para seus próprios professores, em serviço. Para os

empresários significa um órgão federal comprando em Rondonópolis e formando

gente qualificada para suas empresas. Para o povo, significa mais oportunidades no

acesso ao ensino superior público, gratuito e de qualidade. E, por incrível que pare-

ça, dá importância aos políticos da região.

Então, o que falta é vontade para fazer. Sim! E, faço uma crítica aos acadêmicos do

Campus, pois enquanto estamos dormindo em berço esplêndido o pessoal de Campi-

na Grande, na Paraíba, conquistou uma nova universidade federal para aquela região

paraibana. Peraí! Se estão dando universidade para a Paraíba, por que não para o

Mato Grosso? Porque os políticos de lá são bairristas, para eles primeiro o Estado,

depois o Nordeste e por último o Brasil.

Minas Gerais possui seis universidades federais: UFMG, UFV, UFLA, UFU, UFJF e U-

FOP, e neste mês foi contemplada com duas outras: São João Del Rei e Itajubá. Pe-

raí! Isso está cheirando a política do pão de queijo. Tá passando da hora de pensar

em nós mesmos.

O Rio de Janeiro possui a UFRJ, UFRRJ, UFF e a Uni-Rio, todas federais. O Rio Gran-

de do Sul tem a UFRGS, UFSM, UFPel e a FURG. Pernambuco tem a UFPE e a UFRPE.

São Paulo tem a UNIFESP e a UFSCar como representantes federais e três ótimas

estaduais. E nós, nesse imenso Estado?

Sou carioca e acredito que o Rio deveria ter mais universidades. Entretanto, tenho

certeza que uma só no Mato Grosso é sacanagem! Lá, se eu sair da cidade do Rio e

viajar duzentos quilômetros para o Oeste saio do estado. Aqui nem chego a Cuiabá.

Talvez duas outras federais fossem um bom começo.

Vamos sensibilizar alunos, professores, pais, políticos, mídia, o diabo a quatro, visan-

do colocar a criação do Centro Universitário Federal do Sudeste de Mato Grosso em

nossas agendas. Vamos levantar bandeiras da autonomia. Vamos puxar a brasa para

as nossas sardinhas. Porque ninguém irá fazer isso por nós!

Se o governo federal criou quatro novas universidades este ano, vamos exigir que

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nasça a quinta: a nossa!

Passo a palavra aos nossos queridos representantes em Brasília: Senador Bezerra,

Deputados Tetê e Wellington. Todos declaradamente a favor da idéia, seis anos a-

trás.

* Professor de Computação da UFMT

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A Informática e a Sociedade numa Visão

Matemática Raimundo Bias Mendes Leão (*)

Ruy Ferreira (**)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 08 de junho de 2002

Quando começamos a pensar no tema “A Informática e a Sociedade” nos vem uma

série de idéias. Às vezes vemos a Informática contribuindo para o crescimento, no

mais amplo sentido, da sociedade. Outras vezes vemos uma grande fatia dessa mes-

ma sociedade sem o menor acesso a Informática em suas mais diversas formas. Po-

de nos ocorrer uma frase do tipo: “A Informática multiplica as oportunidades, racio-

naliza o trabalho, diminui os erros, adiciona vantagens, potencializa o desempenho e

divide benefícios". É interessante observarmos como a Matemática esta intimamente

ligada a Informática e a sociedade em sua lógica, em sua filosofia e através das suas

operações. A seguir, utilizaremos as quatro operações básicas para dar uma visão

Matemática ao tema.

Adição

A Informática está presente em nosso mundo de uma forma irreversível. Desde nos-

so computador caseiro até nas viagens interplanetárias. No dia-a-dia através dos car-

tões magnéticos que tanto reduz a perda de tempo, na música com seus teclados,

no cinema com os efeitos especiais cada vez mais perfeitos e, principalmente, nas

telecomunicações. O mundo, via Tecnologias da Informação e da Comunicação, pas-

sou a ser uma grande vizinhança. Podemos, virtualmente, ter acesso a qualquer local

do planeta, interagir, comprar, vender, trocar idéias, interferir e conhecer culturas.

Nesse aspecto, a Informática contribui com uma importante parcela para melhoria da

qualidade de vida de todas as pessoas, da sociedade.

A Informática, à medida que avança, melhora a imagem da televisão, diminui a

chance de erro nos exames médicos, aprimora instrumentos de precisão nos diversos

ramos da ciência, leva e traz informações com mais rapidez e correção, otimiza servi-

ços, melhora a qualidade do som, diminui distâncias, abre novos mercados e muito

mais.

Multiplicação

De certa forma, as pessoas foram tomadas de um entusiasmo crescente a medida

que a Informática foi interferindo mais e mais em suas vidas ao longo do tempo.

Surgem cursos de Informática com ambientes climatizados, instrutores são formados

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as pressas, criam-se cursos superiores para Analista de Sistema, Ciência da Compu-

tação, Informática entre outros, empresas literalmente multiplicam-se na Internet,

dando preferência a quem detém conhecimento na área. Todos querem o seu com-

putador caseiro, surge o programador, o criador de programas, o hacker e por aí vai.

Olhando por esse prisma, parece que vivíamos num marasmo quebrado repentina-

mente por esse advento. A vida ganha mais dinâmica, a sociedade parece ter pressa,

um minuto vale agora muito, o setor abre novos mercados, cria novos profissionais e

muitas vagas, estamos agora na “Terceira Onda” de Alvin Tofller.

Subtração

Diante desse quadro é preciso reconhecer a nossa imensa desigualdade social. So-

mos um país de desigualdades econômicas e sociais. Para nossa tristeza temos muito

mais pobres do que ricos. A classe média segue uma senóide ora em cima, ora em

baixo, dependendo das atitudes dos governantes. É a parte instável da sociedade

quando deveria ser a grande consumidora, estabilizadora, o fiel da balança.

Recentemente, no final do ano, vimos uma campanha chamada “Natal sem fome”.

Nela éramos informados que cinqüenta e dois milhões de brasileiros passam fome.

Isso representa um terço de nossa população. Se estas pessoas não têm o que co-

mer, como poderão ter acesso a todo esse avanço tecnológico? De que forma terão

contato com a Informática e de que forma ela poderá contribuir para o crescimento

dessas pessoas? Existe uma grande possibilidade que entre elas existam gênios, ao

qual a vida negou uma oportunidade. Em outras palavras, este foi, como tantos ou-

tros subtraídos do processo.

Divisão

Talvez, entre todas, esta seja a operação que mais tem afinidade com a Informática.

Basta vermos a imensa quantidade de computadores caseiros, vídeo games, telefo-

nes celulares, cartões magnéticos, disquetes, CD´s, agendas eletrônicas, entre ou-

tros subprodutos que vemos espalhados por aí. Nenhum setor distribui tanto seus

benefícios e bens como o da Informática. A cada dia surge uma novidade. Carros,

aviões e navios são equipados com computadores de bordo, os mecânicos conectam

o veículo a um terminal e diagnosticam um possível problema. Uma raquete de tênis

calcula a velocidade da bola. Enfim, é uma tarefa realmente difícil encontrar um se-

tor em nossa sociedade que não se beneficie de alguma maneira da Informática. Es-

sa é sua vocação.

Concluindo

Muitas outras operações poderiam ser utilizadas nesta analogia. Entretanto as quatro

citadas, até pela filosofia envolvida, dão uma idéia da relação íntima entre a Matemá-

tica e a Informática. A esperança é que o aumento da quantidade de pessoas benefi-

ciadas seja uma questão de tempo, donde podemos extrair a seguinte equação:

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Sendo CI uma parcela relativa à corrupção, injustiça, entre outras violências sociais,

características de cada país.

Se estivermos bem atentos na leitura de textos, tratados e trabalhos. Ouvirmos co-

mentários, palestras, notícias ou qualquer que outro meio de comunicação, através

da qual nos pusermos em contato com o tema, encontraremos palavras-chaves como

“cartesiana”, “progressão”, “limites”, “abstração”, “símbolos” e tantas outras que não

deixam dúvida quanto à proximidade entre a Informática e a Matemática.

(*) Formando em Matemática pela UFMT em 2002.

(**) Professor de Computação da UFMT.

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Computadores nas escolas Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 14 de julho de 2002

Desde 1996 o governo federal vem anunciando programas espetaculares, gerando

notícias do tipo que somem na poeira, em especial, no emprego do computador na

Educação Pública. 300.000 computadores nas escolas, 100.000 computadores na es-

cola, e talvez uns 20.000 efetivamente colocados na escola e poucos deles sendo uti-

lizados.

Pois bem! Quem vai usá-los? Como serão utilizados os computadores? Adquirir algu-

mas habilidades motoras no teclado ou mouse basta? Com Internet ou sem? Linux

ou Windows? Formar mão-de-obra ou cidadão? Para quem será destinado o rico filão

desse mercado? O professor deve usá-lo? Devemos formar Tecnólogos Educacionais?

Vamos usar os bacharéis em Computação? Leigos e apadrinhados políticos devem

participar?

Chega de perguntas e de gastar dinheiro e tempo com tanta baboseira. 2002 será

um ano atípico, pois tem copa do mundo e eleições. A mídia só vai falar disso e de

motins em presídios. Antes disso, vamos pensar em algo que ultrapasse o mandato

presidencial.

Faço uma sugestão: - A Presidência da República cria um órgão executivo temporário

(três anos, por exemplo), inter-ministerial, com a finalidade de planejar, implantar e

concluir um programa de Informática na Educação Pública. Todas as ações serão

concentradas nesse órgão, todas as iniciativas serão debatidas e agregadas ao pro-

grama de forma democrática e colegiada nesse órgão. Todo o dinheiro disponível

nessa área será canalizado para esse programa. Nenhuma interferência política ou

comercial será aceita no planejamento e execução do programa.

Quem iria compor esse órgão e planejar algo assim? Essa é fácil de responder: -

Liane Tarouco e Léa da Cruz Fagundes, da UFRGS, Silvio Meira, da UFPE, José Ar-

mando Valente e Mauro Miskulin, da Unicamp, Mauro Pequeno e Hermínio Borges,

da UFC, Silvio Quezado e Maria Elenita Nascimento, da UnB, Édson Cáceres da

UFMS, João Dovich, da UFU, Sérgio Scheer, da UFPR, Ricardo Barcia, da UFSC, Anto-

nio Sabariz, da FUNREI, Adail Gonçalves, da UFSCar, Marcio Bunte, da UFMG, Alberto

Ferreira de Souza, da UFES, Frederico Litto e José Moran, da USP, entre tantos ou-

tros nomes que tenho em meu “catálogo de endereços de e-mail”, e que como eu,

vem estudando e produzindo algo nesse sentido a muitos anos.

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A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa pode servir como ponto de partida para esse

projeto nacional. Usando-a como espinha dorsal é possível obter a capilaridade ne-

cessária para dar acesso à Internet a todas as escolas públicas do país.

As Forças Armadas obrigatoriamente participariam do programa, levando comunica-

ção a qualquer parte do Brasil, pois isso os militares já fazem e bem.

Interligação na “Internet-BR” de todas as Universidades Públicas, Escolas Técnicas

Federais (atuais CEFET), escolas militares, escolas públicas de Ensino Médio e Funda-

mental, além de todas as bibliotecas públicas.

Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco do

Nordeste e demais empresas públicas, patrocinariam um amplo programa de capaci-

tação para professores em atividade.

As redes privadas de televisão e rádio fariam um massivo chamamento da sociedade

para o empreendimento (propaganda mesmo). As redes públicas de rádio e televisão

gerariam programas de apoio ao projeto, pois já fazem isso com muita competência.

Criação e oferta de cursos à distância, destinado à qualificação dos nossos professo-

res em atividade, a cargo da Unirede e suas consorciadas.

Estado e municípios colocando “hora-atividade obrigatória” para seus professores

freqüentarem aulas nas escolas, quartéis, bibliotecas, universidades públicas, CE-

FET´s, ou onde houver acesso público à Internet.

Participação ativa de empresas privadas da área de telecomunicações e provimento

de acesso. Se houver seriedade na proposta, os empresários desse campo respon-

dem afirmativamente. Eles sabem do potencial que isso representa para seus negó-

cios.

Passado o período estabelecido, com os computadores comprados e instalados, pro-

fessores capacitados no emprego dessas tecnologias, todas as instituições conecta-

das na rede Internet-BR, é hora de desfazer o órgão temporário e levar adiante o

projeto como política pública permanente.

E os alunos? Bem, enquanto não existir professores do Ensino Médio e Fundamental

capacitados para o emprego das novas tecnologias, qualquer iniciativa está fadada

ao fracasso. Exemplo disso está na Universidade, onde pouco acesso o aluno tem às

novas tecnologias da informação e comunicação, por conta do despreparo dos do-

centes no emprego dessa “caixa de ferramentas”.

Possível fazer isso? Sim!

O que falta? Visão e vontade política de todos nós. Pois o dinheiro existe e está pul-

verizado em mil e uma rubricas orçamentárias.

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Daí quem sabe, poderíamos assistir a copa do mundo de 2006 na telinha do micro,

torcendo com nossos alunos e conectados com a modernidade.

* Professor de Computação da UFMT.

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No voto ou no 44? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de agosto de 2002

Ao ler os jornais da semana passada fiquei com o estômago embrulhado. As notícias

de capa falavam sobre policiais-bandidos e nas páginas seguintes de políticos-

bandidos. Uma reflexão sobre o que a impunidade provoca na sociedade me leva a

lembrar e sentir saudades de figuras estranhas que passaram pela vida brasileira.

A primeira figura rebuscada em minha infância é a do detetive Le Coq, da Polícia Civil

do Rio de Janeiro. O homem tinha uma máxima que era seguida pelos companheiros

de trabalho: “Bandido bom é bandido morto”. Quando eles começaram a matar por

encomenda, a sociedade berrou e deu um fim oficial na escuderia policial. Minha pu-

berdade veio junto com o famigerado Esquadrão da Morte, que matava mesmo! Em

meu imaginário ficou aquela figura do vingador-brasileiro que não dava chance aos

advogados de livrarem a cara de bandidos. Fernandão Beira-Mar naquela época esta-

ria boiando no Rio Guandu há muito tempo. Por outro lado, o julgamento era sumá-

rio demais. Hoje tenho consciência disso, mas na adolescência achava certíssimo

mandar bala num bandido que mata um caminhoneiro para roubar a carga e vender

em lojões populares no sertão brasileiro.

Existiram os bandidos-robin wood, como o Laerte, que roubava dos ricaços do Rio (lá

tem muitos) e mantinha um serviço social no bairro (não era favela) onde morava,

com endereço certo e família respeitável. Meu imaginário criava confrontos lindos,

com tiros para todo lado, entre o justiceiro Le Coq e o bandido-bonzinho Laerte.

Nunca aconteceu, pois cada um viveu e morreu em tempos diferentes.

O tempo passou e nasceu uma nova categoria de bandidos: bandido-presidente (por

exemplo o Collor, cassado por corrupção passiva), bandido-senador (Luis Estevão,

cassado por corromper o pobrezinho do Juiz Federal Ladislau dos Santos Neto que

roubaram 169 milhões de Reais), bandido-deputado (Paschoal, por chefiar quadrilha

de narcotraficantes e serrar braços de adversários), bandido-governador (Mão Santa,

por corrupção eleitoral). Todos homens públicos e com atos praticados, processados

e julgados, deixando de fora algumas centenas de prefeitos e milhares de vereado-

res. Tangará da Serra, Juscimeira e Rondonópolis são exemplos disso.

Refletindo sobre essa categoria moderna de bandidos, fica evidente que os bandidos

voaram mais alto e querem obter o poder político do Brasil, por vias pacíficas (como

os velhos comunistas do Partidão sonharam no passado e talvez cheguem este ano).

Se juntarmos a esse contingente aos que foram executados (Santo André, Campinas,

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Várzea Grande, Tangará da Serra, e tantos outros lugares) a quantidade de bandidos

atuantes na política sobe para um número assustador. E aí é bom dizer que existem

bandidos matando políticos que não se enquadram nos seus projetos pessoais. Azar

dos políticos que se dizem sérios, mas são omissos até a raiz do cabelo.

A imunidade parlamentar é um bom sinal do quê os políticos estão arquitetando, pa-

rece um plano estratégico para transformar o Brasil num país comandado por bandi-

dos e para bandidos. Soma-se a isso a Lei da Mordaça contra os Procuradores e Pro-

motores Públicos (fiscais da lei), tirando o poder de investigar daqueles que constitu-

cionalmente tem essa obrigação. E, até mesmo, a Lei de Imprensa que põe o jorna-

lista na parede e faz o “foca” e o experiente pensar bem no que vão publicar ou pôr

no ar. Nada disso acontece ao acaso. Não estou criando uma teoria da conspiração,

só analisando os fatos que estão aí.

Agora vejo os candidatos a cargos públicos buscarem candidaturas para fugirem de

processos criminais e cíveis. Tenho razão, a bandidagem chegou ao poder!

Começo a entender como um fraco como o Dante de Oliveira governou o Mato Gros-

so, jogando as polícias militar e civil nas mãos da “banda-podre”. Deixando-as à mín-

gua ele facilitou o projeto dos grandes bandidos do jogo-do-bicho e do tráfico de

drogas. Parece orquestração, pois o PSDB fez isso em nível federal contra as Polícias

Federal e Rodoviária Federal. Tai o Espírito Santo para mostrar onde a coisa vai che-

gar. Lembram do Rio Grande do Sul petista? Pois é, um militante assumiu a culpa

pelo governador e tudo voltou ao normal nos pampas.

E aí, o que fazer? Exijo, como cidadão, que a Procuradoria Geral da República defen-

da o Brasil. Tirem o Brindeiro-arquivista e ponham um cara bom de Direito e de tiro

na chefia dos xerifes da lei. Quero juiz trabalhando muito, em nome da democracia,

e acelerando o julgamento de bandidos-políticos (sem que levem 17 anos para a

conclusão). Pois, a alternativa que desponta no horizonte é a reencarnação do Le

Coq.

Talvez tenhamos que ouvir mais nossos poetas populares, como Gonzaguinha, Chico

Buarque, Geraldo Vandré, Claudinho e Bochecha, com suas pregações messiânicas e

proféticas: “Se eles não fazem, faremos nós!". Uns acham que o voto é o caminho,

outros acham que não. Eu, balanço como um pêndulo, às vezes acho que o voto

consciente resolve, mas cada vez mais acredito que a velha "Justiça do 44" fará me-

lhor efeito no clima de guerra civil em que vivemos.

O problema da adoção da antiga e saudosa justiça do Mato Grosso é que os podero-

sos podem fugir para Nova Iorque, Paris ou Lisboa antes que ela seja feita. Tem uns

que já se mandaram.

Por conta dessa crise institucional de bandidagem política, ando tendo uns pensa-

mentos retrógrados e começo a achar que o Mao Tsé Tung, Stalin, Fidel Castro, Hi-

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tler, Pinochet, Somoza, Idi Amin Dada e tantos outros assassinos em massa que de

uma forma ou de outra “limparam” seus países de inimigos políticos e bandidos. Chi-

na, Cuba, Israel e Estados Unidos fazem isso com uma eficácia infernal.

Deixo uma pergunta no ar: - o que fazer para que os partidos políticos não dêem a-

brigo aos bandidos? Afinal, como dizia o Vandré: “Quem sabe faz à hora não espera

acontecer”. E os políticos sabem muito bem disso.

(*) Professor da UFMT, militar da reserva do Exército e que paga imposto na marra.

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Uso da Coisa Pública Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 04 de setembro de 2002

Esta semana estava observando a panfletagem nos corredores do Campus de Ron-

donópolis da UFMT e fiquei impressionado com a quantidade de anúncios, mensa-

gens e cartazes. Chega a causar poluição visual nos corredores e entradas do Cam-

pus. Pena!

Ao passar pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) fiquei olhando o que estava

colado em suas vidraças: cartazes da UEE e muitos cartazes de políticos dos que

concorrem a cargos políticos na eleição 2002.

Ai a “ ficha caiu” e entrei no recinto sagrado dos estudantes, onde o presidente esta-

va trabalhando com afinco no folder do congresso da UEE, pedi desculpas pela inter-

rupção e perguntei-lhe: - “Por que não há cartazes dos quatro candidatos a Presiden-

te da República colados nessas vidraças? Por que só há cartazes do candidato do PT?

O jovem parou, pensou e respondeu com firmeza: “porque eu não sou neutro”.

Que bom que o jovem tenha feito sua escolha partidária. Bom mesmo! Menos um

alienado, para se vender por um milheiro de tijolos.

Entretanto, enquanto o corpo discente do Campus de Rondonópolis não fizer sua es-

colha por voto democrático ou autorizar em plebiscito o DCE a adotar um candidato,

seja ele quem for o presidente do DCE não tem o direito de ser parcial. Mas não tem

mesmo!

A lógica que move o jovem estudante é o oportunismo do cargo. Isto é, sou o presi-

dente, logo o DCE é petista ou coligado a ele. Negativo!

Como deputado não pode escrever nova constituição, pois não tem mandato do povo

para isso, o presidente do DCE não pode expor a instituição a uma lógica perversa

que tendo o cargo, pode-se usar a máquina pública em proveito próprio ou de corre-

ligionários. Não cabe ao que detém o mandato de direção de qualquer instituição su-

pra-partidária arvorar-se no direito de fazê-la de trampolim para quem quer que se-

ja.

Certa vez, disse isso ao então presidente da ADUFMAT-ROO, quando nos convidava

para apoiar o MST. Ele, o presidente, pode apoiar quem quiser, mas nunca em nome

da instituição que representa. Afinal, não aceitamos autoritarismos vindo de nin-

guém, independente da postura ideológica ou do cargo que ocupa. Basta a letra fria

da lei que já nos obriga a tantas coisas.

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Certamente o estudante foi firme na resposta dada, mas a ação política é imprópria e

imoral aos olhos daqueles que não fizeram a mesma escolha do estudante-

presidente. Pois, o DCE ainda não consultou os estudantes sobre qual candidato ou

que partido a instituição estudantil apoiará nessas eleições. Até lá, o DCE deve per-

manecer neutro, em especial, seu presidente.

O fato, simples e corriqueiro, vale como exemplo de como são formadas as consciên-

cias em nosso país. Certamente, o jovem ficará amuado hoje, de cara feia até, por

tal fato ter sido tratado em público, mas quando tiver a minha idade ele refletirá e

dará boas gargalhadas do erro político que cometeu quando era presidente do DCE

em Rondonópolis e o quanto é importante dar exemplos para os que ainda estão ali-

enados a espera de uma oferta da dentadura em troca do voto.

Bem já que estamos falando nisso, alguém sabe se algum candidato tem usado a

máquina administrativa para arrebanhar votos nessa eleição?

(*) Professor da UFMT que votará em trânsito este ano, por falta de salário decente.

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O público e o privado Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 18 de dezembro de 2002

Por mais de uma vez usei este espaço para refletir sobre o perigo da Educação priva-

tizada. Também, defendi de unhas e dentes a Educação pública e gratuita, em espe-

cial o Ensino Superior. Falei sobre o processo de desmonte das universidades públi-

cas, ou para vendê-las ou para fechá-las. Escrevi sobre os perigos dessa lógica irra-

cional que leva o (des)governo a ceder às pressões dos endinheirados e a transfor-

mar a Educação num produto de comércio, igual a uma lata de cerveja.

Claro que ninguém deu ouvido. Claro que não mudarei o mundo. Claro que minhas

palavras de nada valem diante do desejo do rico em ficar mais rico. Essa é a verda-

de, o resto é papo-furado.

Ocorre que participo de alguns grupos de discussão sobre temas ligados a Educação,

Computação e Tecnologia Educacional. Alguns brasileiros, outros Ibero-Americanos e

uns poucos Pan-Americanos. E nesses grupos sempre vejo alguém tocar na mesma

tecla: o mercado da Educação está sendo escancarado para os capitalistas (o cara

que tem dinheiro) brasileiros ou estrangeiros, afinal dinheiro não tem pátria.

A Comunidade Comum Européia está batendo duro nas universidades públicas da

Europa querendo que elas se auto-sustentem. Isso significa que a universidade deixa

de ser universal nos saberes e passa a direcionar seus esforços para um segmento

de mercado, onde poderá ganhar dinheiro e se auto-sustentar. Ué! E onde vai o di-

nheiro dos impostos dos cidadãos europeus? Como lá o povo é mais instruído do que

nós, eles se organizam e pressionam deputados e governos para frear a ambição

desmedida dos que querem comprar, a preço de banana, universidades com mais de

quinhentos anos de existência e serviços prestados à humanidade.

Esta semana tomei conhecimento de um artigo do escritor norte-americano Noam

Chomsky que fala da mesma coisa: sucatear a universidade pública para vender ba-

ratinho. Caramba! No país do capitalismo pragmático (o teórico é inglês) os endinhei-

rados estão avançando sobre as universidades estaduais americanas (que são públi-

cas), querendo cortar verbas e demitir professores!

Ocorre que Chomsky além de cientista é um escritor de renome, ele não só bate-

ponto em universidade (MIT), mas a defende de unhas e dentes. Por quê?

A resposta está na própria denúncia do escritor: “Isto é bastante parecido com as

preocupações que tinham os trabalhadores nas fábricas de Lowell, Massachusetts há

150 anos. Eles tratavam de deter o que chamavam o novo espírito da era:

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"Enriquece, olvidando de tudo, menos de ti mesmo". Queremos deter isso. Não so-

mos assim. Somos seres humanos. Nos preocupamos por outras pessoas. Queremos

fazer coisas juntos”.

Penso igualzinho ao Chomsky: Ninguém é uma ilha isolada no oceano!

A Educação é o caminho para formar um ser humano melhor que a geração anterior

e se estiver nas mãos de uma só pessoa vamos ter gerações iguais. Isso é entropia

sistêmica e mata! Mata gerações, países e se fosse globalizada, mataria a civilização.

Quem gostaria de uma escola que formasse milhões de Hitlers ou Stalins, como nu-

ma linha de produção de fábrica de sapatos?

Só o endinheirado quer isso, pois seus filhos vão estudar em escolas que pensam e

fazem pensar. Nada de linha de produção de alunos. Pergunte aos ricaços de Rondo-

nópolis se os filhos deles estudam na “Unemat”?

O cientista-escritor de lá dá uma exemplo que mostra o futuro desse desmonte da

universidade pública. Ele cita uma reportagem do Wall Street Journal que chocou os

norte-americanos no verão passado. Trata-se do caso de um estudante de Computa-

ção do MIT que se recusou a responder uma pergunta de prova porque a resposta

poderia comprometer o sigilo de uma patente que ele estava requerendo, em parce-

ria com outro professor do Instituto, fruto de uma pesquisa financiada por uma em-

presa.

O Mauro, da Biologia, pergunta para o aluno: - Chá de quebra-pedras é bom para a

diurese? E ele responde: - Não posso falar sobre isso, pois estou pesquisando o prin-

cípio ativo dessa planta e o contrato com a Bayer proíbe de tratar o assunto em pú-

blico!

Ou o Flávio, de História, pergunta se o plantio extensivo de soja no Mato Grosso não

enriqueceu somente alguns poucos em detrimento da maioria do povo matogrossen-

se? E o estudante diz: - Professor, nosso contrato de pesquisa com a Sementes Sa-

chetti proíbe de colocar em risco a expansão do negócio. Por isso, não responderei.

A universidade é plural! É universal no sentido de pensar o mundo, de pesquisar a

natureza, o homem e a civilização. Não pode, e não deve, estar atrelada ao mercado

pura e simplesmente. O que não significa dar as costas para o setor produtivo. O

mercado não é o foco principal de estudos da universidade, em lugar nenhum do

mundo.

Quando escuto um candidato a deputado estadual falar que as florestas e cerrados

das áreas indígenas devem ser derrubadas e em seus lugares devem ser plantados

soja e algodão, pois isso dará dinheiro aos índios, tornando-os auto-sustentáveis.

Posso da cátedra, investigar e escrever com certeza: Se os índios perderem as flores-

tas e cerrados onde vivem a mais de 10.000 anos, eles morrem! A História, a Antro-

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pologia e a Sociologia provam essa tese. Então, posso chamar o candidato de irres-

ponsável e genocida.

Se a universidade estivesse a serviço de uma pessoa ou empresa, duvido muito que

eu pudesse dizer isso. A lógica de gerir uma empresa é a mesma de uma ditadura: -

Faça o que eu mando!

Por fim, parece que a gritaria pela não-privatização da Educação está globalizada.

Tem gente de todo canto do mundo esperneando pela chance de seus filhos e netos

terem uma formação aberta, voltada para a cidadania e para a ética. Fico feliz em

não ser uma voz que clama no deserto, porque o último que fez isso teve sua cabeça

entregue numa bandeja à enteada de um ricaço.

(*) Professor da UFMT, ainda pública e gratuita.

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A Escola: um imenso mercado para os ca-

pitalistas internacionais Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2002)

Li um documento da OCDE, datado de 2000, onde era feito uma análise financeira

de um novo “mercado” para os que têm muito dinheiro e precisam ganhar mais,

também chamados de capitalistas internacionais. Até aí nada de mais. Pois análises

devem ser realizadas antes de investir uma grana num novo negócio. O problema

está no tipo de mercado que os “mercadores” estão de olho comprido: EDUCAÇÃO!

Peraí, até o mais roxo dos capitalistas sabe que existem áreas onde o capital não de-

ve atuar, uma delas é a Educação. Obrigatória constitucionalmente em quase todos

os países do mundo, inclusive no Brasil. Logo, pelo caráter obrigatório e para fugir de

uma formação exclusivamente voltada para o interesse de um endinheirado qualquer

ou mesmo, de um grupelho de investidores, a Educação é fornecida pelo Estado Na-

cional. Os países mais capitalistas fazem da Educação, um objetivo permanente da

Nação. Afinal é questão de soberania, de independência mesmo!

Das duas uma: ou os caras não são capitalistas ou se são, devem ser rotulados de

INIMIGOS. Isto mesmo, inimigo da pátria, seja qual nação for.

No estudo, a OCDE, apresentava esse invejável mercado europeu como sendo com-

posto por quatro milhões de professores, 320 000 estabelecimentos de ensino

(incluindo 5 000 universidades e escolas superiores da União Européia). Já pensaram

no mundo inteiro, quanto seria o valor nominal desse mercado? Pena que Educação

não é mercadoria, produto ou serviço que se possa fabricar ou prestar em empresa

comercial. Educação é serviço público, planejado e gerenciado pelo poder público,

sob as rédeas do Estado (Nação).

Esse papo não teve início há dois anos, mas sim em Janeiro de 1989, quando a Mesa

Redonda Européia dos Industriais - ERT, um potente grupo de pressão patronal junto

da Comissão Européia, publicou um relatório intitulado "Educação e Competência na

Europa". Nele é afirmado que "a educação e a formação são investimentos estratégi-

cos vitais para o sucesso das empresas."

O relatório deplora que “o ensino e a formação sejam sempre considerados, pelos

governos, como um problema interno”, que a indústria tenha uma influência extre-

mamente reduzida sobre os “programas ensinados”, que os professores tenham

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"uma compreensão insuficiente do ambiente econômico, dos negócios e da noção de

lucro".

Uma conclusão se impõe: a indústria e os estabelecimentos de ensino devem traba-

lhar "em conjunto no desenvolvimento de programas de ensino", recorrendo, nomea-

damente, à "aprendizagem à distância", à "educação à distância" e ao desenvolvi-

mento de "tecno-didáticas" baseadas na aprendizagem via computador.

Agrupando os grandes patrões dos principais construtores de computadores da Euro-

pa, a ERT procura, na realidade, novos mercados. A perspectiva da liberalização do

setor das comunicações promete lucros fabulosos ao setor privado empresarial, não

apenas pela venda de equipamentos e de software, mas também pela exploração

das empresas de telefones privatizadas. Promover ou impor a educação à distância

permite esperar tirar benefícios do crescimento do volume das comunicações telefô-

nicas, da venda dos equipamentos e, da não menos importante, que são os direitos

de autor, bem como os direitos sobre a comercialização e a exploração da "tecno-

didáticas".

O conjunto destas estratégias deve levar a uma melhor adequação do ensino às exi-

gências da indústria, uma preparação para o tele-trabalho, uma redução dos custos

de formação na empresa e uma atomização dos estudantes e dos professores, cujas

eventuais turbulências são sempre temidas, em qualquer lugar do mundo.

Já em Março de 1990, a Comissão Européia adota o documento de trabalho, "A Edu-

cação e a Formação à Distância". Nele se pode ler " ...o ensino à distância ... é par-

ticularmente útil ... para assegurar um ensino e uma formação rentáveis .... Um en-

sino de alta qualidade pode ser concebido e produzido num provedor central e, em

seguida, difundido em nível local, o que permite obter economias de escala .... O

mundo dos negócios está se tornando cada vez mais ativo neste domínio, tanto co-

mo utilizador e beneficiário do ensino multimídia e à distância, como com conceptor

e negociante de material de formação deste tipo". Nota-se que bastaram alguns me-

ses para que a Comissão Européia tomar à sua conta a necessidade de "rentabilizar"

a formação e de instaurar um "mercado" de ensino norteado por "economias de es-

cala".

Um ano mais tarde, em Maio de 1991, a mesma Comissão avança um passo funda-

mental e afirma que: "Uma universidade aberta é uma empresa industrial e o ensino

superior à distância é uma indústria nova. Esta empresa deve lançar os seus produ-

tos sobre o mercado de ensino contínuo que siga as leis da oferta e da procura."

Mais adiante, a Comissão qualifica os estudantes de "clientes" e os cursos de

"produtos". E sublinha "a necessidade de desenvolver ações para alargar o alcance, o

impacto, assim como as aplicações da aprendizagem aberta e à distância ... para se

manter competitiva ao nível do mercado global". A "realização destes objetivos... exi-

ge estruturas de educação" que "deviam ser concebidas em função nas necessidades

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dos clientes ...Uma concorrência instaurar-se-á entre os prestatários da aprendiza-

gem à distância ..., o que pode dar lugar a uma melhoria da qualidade dos produ-

tos".

Rapaz. Isso é muita cara de pau pro meu gosto!

Mas, o tempo foi passando e os caras comendo o mingau pela beirada não ficaram

comendo mosca. Viviane Reding, Comissária Européia de Educação, afirma: "A reali-

zação deste objetivo passa, antes de tudo, pela educação: aquisição na escola de

uma cultura numérica e desenvolvimento de uma aprendizagem ao longo de toda a

vida". Leia-se venda de computadores, serviços de telecomunicações e mercado fide-

lizado na marra, por toda a vida. Uau! Vai ser oligopolista assim no inferno. Parece

até a turma que explora e vende derivados do petróleo.

É evidente que é necessário que os professores sigam o movimento. O Conselho Eu-

ropeu recomenda que "todos os professores possuam um conhecimento verificável

das tecnologias da informação e das comunicações (TIC) até ao fim de 2002". Nesta

data haverá avaliação se isso foi atingido ou não. É preciso, por isso, desfazerem-se

dos professores que não consigam evoluir até lá. Em alguns países europeus já se vê

a "desregulamentação" do estatuto dos professores (algo como nossa LDB). Aliás, no

Reino Unido começa-se a programar os meios de "motivar" esses professores a se

atualizarem, pelo "pagamento ao mérito". Aqui prá vocês. Ó!!!

Sou professor, cidadão e brasileiro até a sola do pé. Chega de abrir os portões do

nosso mercado para os donos do dinheiro-sem-fronteiras. Educação é serviço públi-

co, obrigatório constitucionalmente, e se algum senador, deputado ou presidente fa-

lar em mudar isso, podem ficar sabendo: “Tá levando grana para fazer essa sacana-

gem com todos os brasileiros”.

Quando se começa a estar habituado ao que estas afirmações querem dizer, quando

começamos a perceber que camuflam o desmantelamento da Escola Pública pela

substituição da instrução por formações diversificadas e hierarquizadas, a serviço dos

patrões-empregadores, começa-se a compreender o dever de resistência dos profes-

sores.

Os professores já devem estar habituados ao fato de que uma reforma de ensino

não tem que ser um progresso. Mas, não devem sobretudo esquecer que esta políti-

ca enunciada, não é apenas de um ministro ou comissário de educação da ONU, mas

sim a política de um patronato potente, que já está com os pés fincados aqui no Bra-

sil.

Estado-mínimo? Sim! Educação, Saúde, Justiça, Segurança Pública, Defesa Externa,

Diplomacia, Arrecadação e Infra-Estrutura Social (regulações do trabalho e emprego,

concessões de transporte público, proteção a grupos de riscos, distribuição de renda

e riqueza, uso da terra, proteção ambiental, etc) . Daí em diante, começa o

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“capitalismo”, com mercado, produto, cliente e tantas outras denominações impor-

tantes a nossa vida produtiva como cidadãos brasileiros.

(*) Professor da UFMT, "p da vida" com a mercantilização da Educação.

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Tiraram ou perdi? Ruy Ferreira (*)

Jornal A Tribuna — Rondonópolis-MT. (Julho 2002)

Em 1998 iniciei o curso de mestrado em Educação na Universidade Federal de Mato

Grosso. No primeiro mês de aulas deflagrou-se um movimento grevista nas universi-

dades federais que se arrastou por longo tempo. Pela primeira vez na vida (até 1995

eu era um militar e nunca havia participado de uma greve antes) pude sentir na pele

os dois lados da mesma moeda: o impacto da greve sobre professores e alunos.

Como aluno foi terrível, pois havia uma interminável lista de obras a serem lidas, re-

senhadas e apresentadas em seminários, e a greve me fez ler tudo duplamente. A

falta do professor na orientação das leituras fez-me enveredar por caminhos estereo-

tipados e quebrei a cara quando apresentei meus resultados. Sem aulas, orientações

e biblioteca, tive que partir para a compra de livros e aí, percebi o quanto sou pobre.

Moran, Khun, Lakatos, Mafessoli, Boaventura Santos, Mills, Kant e outros clássicos

custam caro. Pior quando a leitura sugerida indicava um Bogdan & Biklen ou Ausubel

que exigiam compra no exterior.

Ao mesmo tempo, como professor de Computação, as novidades tecnológicas me

obrigavam a adquirir outras leituras, como: Alencar Filho, Gupta, Stair, Ramalho e

um sem fim de revistas, jornais e periódicos da área de atuação profissional. Não

descuidando é claro, dos deveres familiares com esposa e três filhos universitários.

Naquela oportunidade faltou dinheiro, sobrou vontade de estudar, mas tiraram-me

algo que acreditava piamente: seriedade no planejamento do emprego da coisa pú-

blica. Certamente por passar muitos anos no Exército, tenho o mau hábito de plane-

jar o futuro e quando o futuro chegar, executar o que foi planejado. Aí do coman-

dante de quartel que não prever o custo de funcionamento de sua organização, pois

vai passar a pão e água o ano seguinte, e aí, adeus generalato.

Hoje, sinto que me tiraram naquele ano algo muito mais profundo: a possibilidade de

contribuir para melhoria da sociedade através das múltiplas atividades universitárias.

Sinto que para esse governo, a Universidade pública não tem a menor importância,

parafraseando o professor da UFRJ Carlos Lessa, em recente entrevista à Folha de

São Paulo.

Quando sai do Exército entrei na Universidade, por concurso, tinha em mente sociali-

zar o conhecimento que acumulei, graças à Educação Pública, com outros cidadãos

brasileiros. Trilhar o caminho da pesquisa no sentido de levar Educação aos excluídos

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da escola tradicional. Conheço vinte estados dos vinte e sete e o que vi por onde vivi

me obrigou a abandonar a carreira militar e abraçar a do magistério superior. Fiz u-

ma opção pelo país que nasci e onde pretendo morrer.

A greve atual está desnudando uma face cruel dos governantes: o descaso com o

futuro, com o país, com o povo brasileiro. O sistema de ensino superior está fora das

preocupações governamentais, parece um patinho feio na agenda atual. Isso é burri-

ce! Os colegas das Ciências Políticas me ajudem, mas vejo um suicídio político da-

queles que tem legítimas aspirações a cargos públicos quando discursam e age no

desmonte da Universidade Pública, berço cultural da maioria deles.

O caminho da modernidade, da inserção e da inclusão do país e de seu povo na So-

ciedade Globalizada passa obrigatoriamente pela Universidade. Importar quinquilhari-

as, máquinas e algumas tecnologias não garantem o acesso ao bem-estar e à cida-

dania planetária. Pessoa, gente qualificada e bem educada é o passaporte para esse

acesso, o que não significa estar lá, mas pelo menos nos permitem pensar no que

queremos.

A Universidade é cara. Em qualquer lugar do mundo é assim, tanto é que a socieda-

de as mantém, aqui e nos Estados Unidos, no Japão e na Inglaterra. Ensino superior

é direito do cidadão como é o direito à saúde e segurança pública, cabendo ao Esta-

do promover tal direito.

Uma instituição cara como a Universidade não pode pagar salários irreais aos seus

professores-pesquisadores-extensionistas, sob pena de perdê-los para o mercado.

Ou pior, atrair a mediocridade.

Talvez o atual governo tenha passado sem tocar num problema tão sério quanto a

Universidade Pública com a devida atenção. Fica um alerta aos próximos candidatos

à Presidência da República: a Universidade Pública é estratégica na condução de um

país. A mesma importância que se dá à Diplomacia, Forças Armadas, Saúde e Co-

mércio Exterior, têm que ser dada a Universidade Pública, sob pena de matar o futu-

ro de nosso povo.

Se no Exército minha preocupação era a defesa territorial do Brasil, aqui na Universi-

dade meu esforço e dedicação é a irrestrita defesa do futuro da sociedade brasileira.

Exemplo disso está em meu cotidiano: Antes meu negócio era conhecer o “chip”, li-

gar um computador a outro. Hoje focalizo meus estudos em como o computador po-

derá ocupar o vazio educacional que exclui cidadãos do mercado e da vida.

Este mês vão cortar meu acesso à Internet por atraso no pagamento, no próximo a

livraria manda minhas duplicatas para o cartório de protesto. Daí em diante, por con-

fisco salarial, vai faltar luz, água e comida para minha família. Meu protesto: Ban-

queiros se cuidem, pois quando isso acontecer, serei um animal feroz em busca de

sobrevivência e aí...

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Claro que isso nunca irá acontecer, pois nenhum governo é tão estúpido a ponto de

jogar na lata de lixo uma jóia tão cara como a Universidade Pública.

(*) Ruy Ferreira, 47, professor da UFMT

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Réquiem ao adversário Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (Setembro de 2002)

Morreu sábado passado Salomão Malina, último secretário-geral do Partido Comunis-

ta Brasileiro – PCB. Independente de ideologia, nós brasileiro, perdemos uma parte

de nossa História viva e, a cada dia, tornamo-nos órfãos de exemplos de firmeza po-

lítica e fidelidade de ideais.

Quando entrei no Exército Brasileiro, no início dos Anos 70, o General Médici usava o

AI-5 como o FHC usa hoje as medidas provisórias. Na tropa estudávamos a fundo a

guerra revolucionária, irradiada de pólos comunistas - imperialista como Cuba, ex-

União Soviética, China e Albânia. Aprendíamos como combater numa guerra subter-

rânea e suja, onde nunca valeram os tratados e convenções internacionais.

Lembro bem que um de nossos instrutores falava do PCB como uma organização pa-

ramilitar, organizada para enfrentar as forças armadas. Dentre outros líderes do PCB,

Salomão Malina era citado como igual. Estranho falar do adversário como igual. Mas,

o passado desse brasileiro é digno de reverência e respeito.

Malina lançou recentemente, seu livro “O Último Secretário” onde confirma que o

“partidão” chegou a planejar um golpe em 1964. No mesmo livro conta ainda que

havia uma organização militar clandestina dentro do PCB desde a Revolução de 30.

Salomão Malina recebeu a Cruz de Combate de Primeira Classe, a maior condecora-

ção de guerra do Exército Brasileiro devido à sua participação na 2ª Guerra Mundial.

Isto é, foi um herói na luta contra o nazi-fascismo.

Quantos homens conhecemos que foram fiéis toda vida a sua própria consciência?

Poucos! Salomão Malina foi um deles. Pena não tê-lo conhecido pessoalmente. Mas

fica o exemplo, um bom exemplo.

Ao brasileiro Salomão Malina, pelo seu passado, suas lutas (não interessando que

lado esteve) e sua guerra particular contra o câncer que o maltratou nos últimos vin-

te anos, presto minhas homenagens. Tenente Malina a “cobra continua a fumar”.

(*) Militar do Exército na reserva, nacionalista e anticomunista até a raiz do cabelo

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Massageando meu próprio ego Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 26 de abril de 2006

Em 1982, lembro bem do momento em que dei a notícia de minha transferência para

Rondonópolis à família. No ato a esposa perguntou: - Tem escola e hospital? Res-

pondi: - Tem. E ela retrucou: - Então vamos! Eita baixinha decidida. Em Fevereiro

daquele ano, aqui cheguei com esposa e três filhos. Um carioca perdido no Mato

Grosso.

Como não sou chegado a botequim, fiquei deslocado entre os colegas da época.

Pois, parte deles saía do quartel, paravam no boliche da Silda e enchiam a cara de

cachaça. Outros se trancavam em casa para ver novela da Globo, aumentando o ín-

dice de imbecis e alienados que tanto nos orgulham como brasileiros. Eu preferia

brincar com a criançada da vila de sargentos. Pique-bandeira, esconde-esconde, pas-

sa-anel e muitos outros folguedos infantis.

No mesmo ano, houve vestibular para a Licenciatura em Ciências na UFMT. Prestei o

concurso e comecei a estudar no Centro Pedagógico de Rondonópolis. Na mesma

época, minha esposa estudava o Normal no Sagrado. Preenchemos nosso tempo dis-

ponível estudando.

Foram ótimos anos de estudos, realizações culturais e políticas. As brigas políticas

foram maravilhosas. Uma marcou bem minha memória: alguns acadêmicos de direita

queriam impedir o anti-candidato a reitor, Prof. Scalope, de discursar no corredor do

campus. Núbia, uma colega de Pedagogia, disse-me então: Ruy, tome uma providên-

cia! Eu, fardado e armado (estava de serviço e fui ao campus fazer prova) ajudei o

Scalope a subir no banco de concreto e gritei bem alto – Deixem o homem falar. O

discurso do homem foi só paulada nos militares. Eita vida incoerente! Terminado o

discurso, junto à caminhonete do professor-candidato, ele me disse: “Não vencerei

as eleições para reitor, mas preciso denunciar a ditadura militar”. Apertei a mão dele

e retruquei: - exclua o sargento Ruy desse time, sou democrata e militar. Ele sorriu e

ficou a saudade daquele tempo e do Scalope.

Na mesma época, o Ubaldo, Dr. Moraes e outros aguerridos carnavalescos, criaram a

Furibanda. Desfilamos na avenida, saindo do antigo Posto Guarujá com uma cami-

nhonete lotada de chope e caipirinha. Muita animação e pouca harmonia no samba.

Mas sambamos prá burro!

No esporte, as peladas no Clube da Peteca, na AABB e no campus da UFMT foram

sensacionais. Com o Oscar Sangali dando porrada até na sombra e o Natal reclaman-

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do feito pobre em fila do INSS. O time de vôlei era bom e disputou algumas competi-

ções regionais e estaduais. O Peixinho, Argemiro, Braite, foram às estrelas da época.

Quando me formei em 1985, deixei um monte de amigos para trás e fui transferido

para Brasília. Cidade sem esquinas. Terra do “sabe com quem está falando”. Que

saudades de Rondonópolis e sua gente.

Quando em 1994, vi o edital de concurso para professor da UFMT em Rondonópolis

fiquei excitado e convenci a família a me deixar fazer o concurso, pois isso seria bom

para meu currículo. Na mesma ocasião havia sido aprovado nos concursos para Audi-

tor da Receita Federal, Analista de Sistemas do STJ e da UnB. Preferi a UFMT em

Rondonópolis. Fiz às trouxas e retornei cheio de gás.

Para evitar qualquer dispersão de meus objetivos, não transferi meu título de eleitor,

permanecendo com domicílio em Brasília. Pois não sendo eleitor de Rondonópolis,

não posso me candidatar a porra nenhuma! Decidi viver a política, sem militar em

nenhum partido político, tendo como maior interesse a política educacional, de qual-

quer nível.

Desde 1995 tenho vivido na Universidade muitos bons momentos e raros ruins. Os

maus momentos, acho eu, foram provocados pelo patrulhamento ideológico de uns

merdas que se julgam grandes democratas, mas não passam de caudilhos de es-

querda. Também tenho culpa no cartório. Afinal, com minha língua grande nunca

deixei esses caras em paz. Um exemplo disso é o atual reitor que ao assumir em

2000 determinou por ofício a suspensão do projeto UFMT Virtual, do qual eu era o

líder. A desculpa do cara foi: - temos que pensar melhor esse projeto. Passados dois

anos de inércia, o cara vem a Rondonópolis dizer que ao visitar uma universidade

canadense foi aconselhado a investir na conectividade virtual da comunidade acadê-

mica. Porra! Isso eu estava fazendo 36 meses antes!! Tempo não se recupera e nós,

da UFMT, perdemos o bonde da História nessa área do conhecimento. Sem perdão!

Hoje, sinto um vazio enorme ao ver a apatia de todos diante da roubalheira do cor-

rupto-mor que se instalou em Brasília, o tal Ali Babaca e seus 40 ladrões. E eu aqui,

nessa ilha colonial de Paraty, olhando o mar e tramando como praticar a desobediên-

cia civil, única arma que ainda disponho para lutar contra essa esquerda apodrecida

pelo tempo e pela corrupção.

Um abraço.

(*) ex-um monte de coisas, temporariamente em Paraty-RJ/Ubatuba-SP

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Despedida Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 05 de dezembro de 2007

Em 2003, quando me afastei da UFMT para estudar em Campinas, segui a frente do

caminhão da mudança, com a esposa e as netas no carro. Na estrada, no meio do

nada de Goiás, um automóvel veloz me ultrapassa, buzinando e piscando os faróis.

Uma mulher e uma menina seguiam para São Carlos, no interior paulista, e reconhe-

cendo meu carro, saudavam o feliz encontro.

Estacionamos os carros e nos confraternizamos. Feliz coincidência!

Há meses não nos encontrávamos. Logo nós, tão amigos na dor e na saúde, na ale-

gria e na tristeza. Ferrenhos oponentes no campo da idéias políticas e tão fraternos

na vida real. Nem minha mulher, nem seu marido têm ciúmes de nossa amizade. E-

les sabem e compreendem o quanto prezamos a amizade.

As vezes em gestos simples, como abrir a porta do carro para ela desembarcar, eram

motivos para um largo e lindo sorriso. Outras vezes, as chispas de reprovação que

de seus olhos saíam quando eu opinava sobre certo aspecto político onde éramos

divergentes. Ou ainda, naquele olhar de aprovação quando afagávamos seus filhos.

Pequenos detalhes, mas que mostravam o que havia dentro daquela mulher-mãe-

leoa.

Quando o marido preparava um macarrão com tomate seco e nos convidava para o

repasto íntimo, sabíamos que a noite seria de afeto, carinho, bom papo e muito de-

bate político. O vinho fazia a língua se soltar e eu enfrentava o casal entre talheres e

queijo parmesão, defendendo Adam Smith e o macarrão delicioso. Minha mulher,

lambia as crias deles como se fossem nossos netos, afinal nosso filho caçula estava

com 24 anos, e o casal amigo nos acolhia como irmãos-avós.

Na campanha do marido dela, vi a labuta ao telefone e na rua daquela amada amiga

tentando convencer eleitores. Ele perdeu, mas nós os apoiamos incondicionalmente,

por mais incrível que isso possa parecer.

Momento de dor e sofrimento também nos aproximaram. E olhe que a leoa teve uma

dor tão forte e tão intensa que seu coração explodiu em mil pedaços. Caco a caco

ela juntou e superou externamente a injustiça da vida. Quando engravidou pela ter-

ceira vez, a dor deu lugar a beleza completa da mulher-mãe. O casal amigo emanava

felicidade, após uma longa noite de dor. É a vida seguindo seu curso.

No trabalho sempre estivemos juntos, pois defendemos a mesma coisa: um Brasil

educado. Caminhando juntos ou paralelamente, sempre acreditamos que sem educar

a pessoa humana, nada vai acontecer, nada vai mudar.

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Ontem, ao ler os jornais, fui surpreendido com a morte de minha amiga. O que di-

zer? Um pedaço foi arrancado de minha alma e, com certeza, daquela família queri-

da.

Junto a ela, dois outros perderam a vida. Um novo professor e um outro amigo que-

rido. Meu soldado no GAC, meu laboratorista no campus e meu amigo para qualquer

parada. Tiraram ele de mim. Quem eu vou por no lugar em meu coração?

Esse cara me chamava pelo nome quando estava bem e de sargento quando estava

levando um esporro. Dividimos o marmitex muitas vezes na cantina, esticamos fio

telefônico juntos em manobras militares e sacaneamos muita gente com gozações

simples, pondo leite condensado nos capacetes dos recrutas. Tenho uma foto onde

esse amigo está amarrado numa maca e sendo descido num rapel, onde eu conduzo

a descida agarrando a corda. Isso é confiança mútua. Isso me foi tirado.

Como já perdi demais nessa vida, não consigo suportar a perda com serenidade. An-

do mal do coração, pois as lágrimas surgem diante desse fato. Sou homem e aprendi

que homem não chora. Mas, elas teimam e brotam aos montes.

Como estou longe de Rondonópolis a muitos anos, nada posso fazer aí. Não poderei

velar os amigos, não poderei consolar as famílias, não poderei disfarçar meu choro.

Nem mesmo poderei aplicar a lei de Talião nos responsáveis.

Só me restou despedir da Sorahia e do Luis Mauro.

Adeus amigos-irmãos.

(*) Professor da UFMT

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O fim do sonho democrático no Brasil Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2007)

Sem dúvida, o ano de 2006 é o marco que separa o sonho de uma nação democráti-

ca e a triste e cruel realidade político-administrativa do país. Os políticos consegui-

ram matar a esperança do brasileiro. Demorou, mas conseguiram.

Descrédito nas instituições, nas ditas “autoridades”, nas leis e na ordem. Olhar em

volta comprova o que escrevo. Chegamos ao fundo do poço da vergonha, nada mais

é impossível. Golpe não haverá, nem da esquerda (se é que ela existe no Brasil),

nem da direita tucano-petista. Quanto aos militares, nem eles querem mais essa a-

ventura. Só estaremos vivendo num país que foi capaz de matar a esperança de seu

povo.

Desobediência civil é coisa corriqueira em nosso dia-a-dia, logo estaremos rasgando

sentenças judiciais e esfregando no nariz do magistrado. Isso é insuportável para

gente como eu: legalista! Mas, vou aprendendo a conviver com a indignação e trans-

formando-a em “coisa normal”. Já viu governo pagar dívida judicial? Qualquer nível?

É prefeitura, estado e União protelando e descumprindo ordem de juiz, numa boa.

Por quê eu devo cumprir? Mau exemplo vem de cima.

No país do jeitinho, da lei do levar vantagem em tudo, o pelego-presidente faz tudo

para desacreditar o que é nacional: avião da Embraer nem pensar; filme só pirata;

uísque no lugar da boa cachaça; aluguel de deputados; esmola-família para criar o

maior curral eleitoral da República; gás boliviano no lugar do explorado na Bacia de

Santos. E por aí vai.

Eu não me surpreendo com esse cara, o Lulla, pois foi cria do General Golbery, algo

como o Cabo Anselmo da Década de 60. Oportunista, sempre esteve longe do traba-

lho e junto das mamatas. Ideologia? Nenhuma, nem sabe o que é isso. Desde que se

dê bem qualquer coisa vale. Aos poucos a máscara cai e o rosto é de um pelego, pu-

xa-saco de patrão. Não é direitista, não é liberal, não é democrata, não é socialista,

não é comunista. Mas, é amigo do Bush e do Fidel. O pior é que gente assim se cer-

ca de coisas piores que ele. E aí, tome de mensalão, sebraes, correios, gamecorp,

ongs do 13, sanguessugas e coisa e tal.

O congresso é um antro de facínoras, iguais os que mataram o Rubem Paiva. Matam

seu irmão sem atendimento médico na fila do hospital, seu pai sem remédios e o fu-

turo de seus filhos na “escola”. Agora matam também em aviões de carreira, com

risco de matar até parentes e apaniguados, numa estranha roleta-russa. Não discu-

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tem o que interessa para o Brasil e seu povo, mas gastam o tempo e muito dinheiro

em armações lucrativas e debates sobre porra-nenhuma, sessões comemorativas so-

bre nulidades, muita desonra e falta de decoro.

Algumas instituições de estado arranharam-se nos espinhos da desonra. Assim vimos

a Polícia Federal ser usada e abusada como polícia de governo, coisa de fascista. Até

o Ministério Público deu sinais de ter lado na fiscalização da lei. A OAB enfraqueceu a

tal ponto que parece não honrar a tradição de Sobral Pinto e ser a primeira em defe-

sa do estado de direito, democrático de verdade. O Banco do Brasil passou a ser o

operador de falcatruas financeiras e a Caixa Econômica Federal quebrou sigilo bancá-

rio, por meio de seu próprio presidente. Quem ganha com isso? O que ganha?

E 2007? Vai ser melhor? As coisas vão mudar? Claro que não! Os atores desse circo

não mudaram. Logo, nada vai mudar. Ou melhor, a democracia vai acabar.

Feliz Ano Novo.

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Seis anos Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 25 de agosto de 2009

Caro amigo.

Pois é, seis anos passaram e eu estava longe de Rondonópolis. O motivo é simples:

fui estudar. Mas, ao retornar em julho passado pude ver obras magníficas que foram

construídas em nossa querida cidade. Passei por bairros que não existiam a bem

pouco tempo atrás. Visitei amigos que moravam em ruas poeirentas e hoje possuem

asfalto na porta. Quantas novas empresas funcionam aqui. Prédios altos e muito bo-

nitos foram erguidos em área nobre e muita gente subiu na vida ao morar no 13º

andar. Outros conseguiram encastelar-se nos condomínios novos, bonitos e isolados

do mundo real. Até a UFMT que sempre andou em passos de tartaruga construiu no-

vos prédios. Tudo isso eu vi em uma semana de longos passeios diários.

Vi um incêndio destruir duas lojas antigas e vi os bombeiros com equipamentos ade-

quados combater o fogo. Vi policiais garantindo o patrimônio das lojas em chamas.

Assisti a benção aos caminhões na festa de São Cristovão. Soube até que o prefeito

é um ex-aluno nosso. Que bom ver e participar do crescimento material da cidade,

assistir sua dor material e participar do clamor religioso-cultural próprio dos profissio-

nais da estrada.

Agora é hora de vivenciar o tal dia-a-dia da cidade. Achar uma vaga para estacionar

no centro. Conseguir marcar uma consulta no médico do posto e ser bem atendido.

Orgulhar-me, quem sabe, do excelente desempenho da rede pública escolar aqui ins-

talada. Não encontrar desempregados vagueando pelas ruas em busca de emprego.

Descobrir que não há mais tráfico de drogas por aqui. Que as pessoas são mais im-

portantes que as obras materiais, isto é, governos e empresários priorizam o cida-

dão. Espero encontrar gente falando e compreendendo a nossa Língua Portuguesa e

nada de “ajuda nós”, “vou banhar” ou “meto-lhe os pé”. Motoristas e motociclistas

parando em faixa de pedestre para dar preferência à pessoa e não ao suposto tempo

perdido ao ser minimamente educado.

Claro que vou encontrar homem abrindo porta de carro para sua mulher entrar ou

sair. Adolescente auxiliando um idoso a atravessar a rua. Gente dizendo e desejando

bom-dia ao vizinho. Outros até sorrindo ao ser atendido numa loja. Nada de gente

arrogante, deseducada ou grosseira. Seis anos é tempo suficiente para mudar uma

cidade. Eu vi que Rondonópolis mudou, e muito. Também é suficiente para as pesso-

as tomarem consciência que estão no mundo com as outras. Oxalá uma coisa tenha

seguido outra!

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Linha do Tempo Página 107

Fui testado ao máximo nesses seis anos longe, velho amigo. Seja na vida familiar,

como na profissional ou social. Em lugar de enterro de amigos de meu pai comecei a

enterrar meus próprios amigos. Perdi a fé nos homens e mulheres que professam a

magistratura como profissão. Meu estômago fica embrulhado quando ouço um espe-

cialista em porra nenhuma dar palpites em qualquer assunto. E pior, ser ouvido! Des-

cobri que instituições chamadas de sérias possuem gente desonesta como naquelas

em que não mais acreditamos. Vivi muitas experiências dolorosas, mas superei essa

fase.

Aprendi a respeitar a sabedoria, muito mais que a instrução pura e simples. A ouvir

mais e falar menos. Até mesmo, que os brasileiros são iguais aos outros povos do

mundo. Nem melhor, nem pior. Que do nada pode surgir um “anjo” (logo eu que não

acredito em anjos) e colocá-lo de pé novamente na vida. Foram seis longos anos,

mas valeram à pena.

Prezado amigo, amadureci. Os cabelos grisalhos mostram isso pelo lado biológico,

mas por dentro, amadureci valores morais, idéias e preconceitos. Estou hoje mais

fortalecido contra a hipocrisia de gente que mora em casas onde havia o cerrado sel-

vagem, usa energia elétrica vinda de usinas cujas represas destruíram imensos siste-

mas biológicos e come frango turbinado com hormônio feminino para crescerem

mais rápido, mas defende o meio ambiente de forma radical, irresponsável e insen-

sata. Consigo ver a má-fé no coração daquela gente que discursa para a platéia e

nada faz em sua própria vida para mudar o mundo.

Companheiro de jornada, você não imagina o que a saudade provoca em nosso cor-

po e mente. Falta um pedaço de nós. Sabe aquela amiga nossa que morreu? Parece

que me falta um braço! Mesmo sabendo que outros estavam e estão vivos, à distân-

cia e o isolamento provocou um abismo que parece haver em nossas vidas em co-

mum. Um lapso de tempo que não volta mais.

Vou por a vida em dia. Começo a trabalhar num ambiente diferente, o que não signi-

fica coisa nova, pois permanece cheio de velhas cabeças, hábitos e costumes iguais

aos que aqui experimentei. Espero abraçá-lo em breve e matar as saudades presen-

ciais. Por enquanto, fico feliz em saber que você permanece firme e ainda tem o le-

me do navio em suas mãos.

Abraços fraternos e saudosos.

(*) morador de Rondonópolis desde 1º de Março 1982.

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Caro Amigo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 13 de setembro de 2009

Em nossa última correspondência falei do fato de estar acompanhando enterros de

amigos nossos. Incrível, uma semana depois o coração decidiu dar um basta na farra

tabagista que sempre protagonizei. Um ataque cardíaco em pleno domingo depois de

saborear aquele churrasquinho entre bons amigos me pegou de surpresa.

Como fumante inveterado sempre arrumei desculpas para manter o cigarro aceso. As

vezes desculpas tão sem-vergonha quanto minha própria sem-vergonhice para conti-

nuar “pitando” um cigarrinho. Uma das preferidas é a que minha mãe morreu de en-

fisema e nunca fumou na vida. Iguais a essa, sempre tive uma desculpa na ponta da

língua com a finalidade de acabar com esse papo careta.

Meus amigos, médicos em particular, sempre caíram matando nos 40 (quarenta) ci-

garros por dia, numa atitude burra e irresponsável. A esposa, mais prática, exige que

cada real gasto com cigarro o mesmo valor deve ir para a caderneta de poupança

dela.

Querido amigo, a dor começou em plena aula, numa quinta-feira. Macho como eu

respira fundo e vai em frente. Aguentei firme e brinquei com os alunos dizendo que

estava tendo um infarto. Eles riram, eu recuperei o controle da aula e fomos até o

fim.

No dia seguinte, sexta-feira, a coisa piorou e a cada cigarro fumado a dor no peito

aparecia. No sábado concluí um projeto de pesquisa entre o CTI/MCT e a UFMT, por

ironia o tema a ser investigado é a gestão hospitalar na microrregião de Rondonópo-

lis. Deixei o texto pronto para reunir-me com os professores dos cursos de Enferma-

gem e Informática na segunda-feira.

Acordei bem humorado no domingo e fui convidado pelos vizinhos do condomínio a

almoçar. Depois de comer um pedaço de carne com aquela graxa deliciosa e beber

uns copos de guaraná, fomos para casa. Como naquela hora faltava energia no bair-

ro (uma vergonha), eu e a esposa deitamos no piso frio.

Amigo, o peito explodiu de dor, tão insuportável que veio em seguida suores frios e

ânsia de vômito.

A esposa ao ver meu quadro desesperador, agiu como um corisco e pediu ajuda aos

vizinhos que ainda almoçavam. Foi uma revoada geral, carros enfileirados para so-

correr-me. Sob a direção de uma vizinha, a Srª. Paula, fui levado para a Materclin.

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Linha do Tempo Página 109

Lá, a coisa estava tão feia que o responsável sugeriu ir para a Santa Casa de Miseri-

córdia de Rondonópolis.

Prezado amigo, fui a pé entre o hospital e outro, amparado por amigos, tamanha a

dor que sentia e a pressa em ser atendido.

A novela estava só começando, pois o tal Infarto Agudo do Miocárdio precisa ser es-

tabilizado (ou você morre) e depois ser tratado. Foram cinco dias na UTI Cardiológica

da Santa Casa de Misericórdia. Nunca tomei tanto medicamento, foram copinhos

cheios de comprimidos, injeções intravenosas, subcutâneas, soro de todo tamanho,

como se fosse aqueles coquetéis vendidos na Exposul.

Quando chegou o quinto dia após o ataque cardíaco fui levado a uma excelente clíni-

ca, onde fiz um exame chamado ecocardiograma e vi o coração batendo feito um

bebê no útero materno. Confesso que ao vê-lo batendo bem ritmado, perdoei a dor

que o danado me causou.

Amigo, com isso pensei: vou ter alta, vou para casa, tomo uns remédios e pronto.

Que nada!!! Tem outro exame a ser feito, chamado cateterismo, onde uma vara

plástica é introduzida na veia femural, lá na virilha e é passada por essa veia até o

coração. Como não é feito em Rondonópolis fui removido para hospital em Cuiabá e

lá com a micro-câmera filmaram as artérias cheias de gorduras das picanhas e dos

torresmos que tanto gostamos.

No meu caso o cigarro fez um estrago enorme em duas artérias coronarianas e se

não der para abrir o peito e colocar outras veias no lugar delas, você vai ter que ir ao

meu “enterro”.

Moral da história: quando eu era um adolescente os astros do cinema fumaram para

mostrar que eram machos e poderosos. Eu assimilei essa propaganda subliminar as-

sistindo muitos e muitos filmes e anúncios na TV e no cinema.

Com a chegada da TV no Brasil eu aprendi que “brasileiro leva vantagem em tudo.

Certo! Então fuma Plaza”. No carro de fórmula 1 do Piquet estava escrito “Malboro”.

O do Senna também. Até o Lula queima uma cigarrilha.

A propaganda ajudou muito na expansão do tabagismo. Agora eu estou pensando

em processar o fabricante de cigarros e ver se arrumo dinheiro para pagar essas

contas e os remédios que terei de usar daqui para frente.

Amigo do peito vamos falar disso para essa molecada que traga um cigarrinho hoje

sem saber que a dor do infarto parece um maçarico de solda queimando teu cora-

ção, e pior, será que eles terão cobertura para pagar o estrago feito pelo cigarro, da-

qui a alguns anos?

OS: Se não te escrever em 15 dias, o cigarro e minha burrice me mataram.

(*) Professor do curso de Informática/CUR/UFMT

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Trilogia do retorno – parte final Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 30 de setembro de 2009

Caro amigo.

Você não imagina o quanto senti tua falta. Confesso meio envergonhado que a falta

da “A Tribuna” foi do mesmo tamanho. Os dias seguiram-se com pouco ou quase na-

da de informação externa. Assim, desde a última carta sou a única fonte de informa-

ções possível e de corpo presente para alimentar nossa prosa.

Estive nos últimos treze dias no Hospital Geral Universitário, em Cuiabá. Nada de no-

vo na chegada, pois saí da UTI da Santa Casa de Misericórdia de Rondonópolis e en-

trei direto na UTI do HGU. Claro que a cortesia, atenção, simpatia com que fui trata-

do aqui não chegou lá na mesma hora. O pessoal da UTI daqui é show de bola! Ain-

da escrevo um livro sobre eles.

Entrei no ambiente e vi mais leitos, mais gente ferrada como eu e um monte de pro-

fissionais sonolentos. Eram onze e meia da noite e eu dando o ar da graça, pedindo

água e papagaio (equipamento que serve para fazer xixi). Ligaram os doze eletrodos

no meu peito sem depilar os cabelos, acho que isso é vingança por você ter fumado,

pois na hora de tirar sai eletrodo e teu peito fica depilado em formato de rodelas de

tomate. Você não imagina quantas vezes isso aconteceu.

Os doze dias passados na UTI ficam por conta de fumar “um raro prazer”, nos últi-

mos trinta anos. Dali saia para o setor de Hemodinâmica. Amigão, Rondonópolis pre-

cisa de um trem desses! Já passou muito da hora de levar gente daqui para Cuiabá

para fazer exames de cateterismo e intervenções cardíacas. Nós merecemos uma u-

nidade de Hemodinâmica aqui nessa maravilhosa e rica cidade.

Foram três passagens pela Hemodinâmica, na primeira o negócio consistia em exa-

minar o estrago feito pelo cigarro no coração, veias e artérias. Os médicos explica-

ram que enfiariam um cateter (tipo um fio de luz bitola 3) em minha artéria femural

ou femoral, pela virilha e dali fariam um passeio até o coração. Logo na virilha! So-

mos heteros desde pequeninos e virilha para nós é local sagrado. Mas, que fazer?

Aceitei a idéia e deixei o cateter passear pelo abdômen e peito. Tudo filmado em

DVD, um luxo!

Uma hora depois me devolveram para a UTI e disseram que iam discutir o que viram

com os demais médicos da equipe e tomar a decisão sobre a melhor opção. Ou seja,

abrir teu peito na base da moto-serra, enfiar uns bobs de cabelo via novo cateteris-

mo ou deixar você morrer por conta daquele raro prazer e da lentidão burocrática.

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Linha do Tempo Página 111

Voltei alegre, esperançoso e comecei a ver que o pessoal especializado naquela UTI

era gente tão boa quanto ao de Rondonópolis. Meia noite não é hora de chegar à

casa de ninguém e eu cheguei por aí. Fui anotando nomes, observando atitudes,

gestos e cuidados que cada um daqueles profissionais, para pedir a coisa certa à

pessoa certa.

Os médicos logo chegaram à conclusão que o melhor seria realizar três procedimen-

tos num só: Angioplastia para desobstruir as artérias coronárias comprometidas por

placas de gorduras e um monte de micro-coágulo. Colocação de Stent coronário me-

dicamentoso que consiste na fixação de uma tela de aço inoxidável na parede inter-

na do vaso desobstruído durante a angioplastia, impedindo novo estrangulamento.

Uma angioplastia de saída por meio de um monte de balões infláveis, normalizando a

livre circulação do sangue nas artérias. Amigo, Rondonópolis precisa de um negócio

assim.

A burocracia quase me matou numa espera de seis dias. Recebido o sinal verde, par-

ti para outra visita ao setor de Hemodinâmica. Agora para tirar o mal causado pelos

30 anos de fumante burro que fui.

O procedimento começou sem problemas, até que abriram o primeiro stent (bob de

cabelo) na coronária em pior estado. A lama formada pela gordura e os coágulos i-

nundaram o átrio do coração e, de repente, do nada, surgiu um médico socando

meu peito e me mandando tossir. Como você vê tudo, pois não está sedado, olhei

para aquele monitor de vídeo que fica passando os batimentos do coração. Virou

quase uma linha reta!

Levando socos cada vez mais fortes e ritmados no peito, tossindo como se fosse um

pandeiro seguindo a bateria, a tal linha subia às vezes e depois teimava em se trans-

formar numa reta que te liga diretamente a Deus. Como são três médicos fazendo o

procedimento, o segundo enfiou um marca-passo no furo da virilha e pôs o coração

para tocar em ritmo de valsa. Aí a pancadaria cessou e eu pude ver o sinal de cada

batimento do coração aparecer no monitor.

Amigo, não vi túnel, nem voz divina ou coisa semelhante. Assisti o “piti” do coração

ao vivo e em cores. Só tive tempo de xingar um daqueles palavrões usados na hora

que a vaca foi pro brejo. Hoje ando preocupado em ter saudades dos socos cardía-

cos e ir a consultório para pedir: Doutor bate de novo. Sabe como é... Um tapinha

não dói... Mas, nós somos heteros convictos, pega mal não é?

Mais uns dias de UTI e refiz o procedimento sem nenhum problema. Estou com três

bobs de cabelo (stent) de aço inoxidável nas artérias coronarianas. Vou tomar remé-

dio até morrer de novo, proibido de comer tudo que tanto gostamos: feijoada, gali-

nhada, mocotó, rabada, chocolate e aperitivos como o torresmo frito e o salame. Be-

ber só água, dois litros no mínimo por dia. Cerveja e vinho estão longe.

Page 112: Linha do tempo

Linha do Tempo Página 112

Amigão, perdi a chance de saborear tudo que tanto gostamos por conta de um só

“raro prazer”: o cigarro. Não valeu a pena! Nem futebol posso jogar mais, embora

meus colegas de time fiquem feliz por isso. Sobrevivi os quinze dias. Vamos adiar

nosso encontro funerário para outra época. Agora, vou olhar mais a beleza do mun-

do e valorizar muito mais a prosa com os amigos.

Chega dessa conversa de doença. Burro é quem paga o maço de cigarro para ter

tanto sofrimento. Eu parei de fumar depois de tanta dor e burrice. Um forte abraço

de teu amigo equipado com coronárias de aço inox.

(*) morador de Rondonópolis

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Burrices e mistérios contemporâneos Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de outubro de 2009

Pessoas são chamadas de burras quando praticam atos desastrosos para si ou para

as instituições que representam. Alguns chamam de burro o pensamento que não vai

dar certo se for posto em ação. Uma maldade com o muar.

Em minha reclusão forçada em casa sigo lendo os “jornalões” brasileiros e as revistas

semanais conhecidas. Analisando as notícias venho colecionando uma lista de gente

burra que tenta a qualquer custo exercer funções para as quais não está preparada.

Olhando criticamente para a retenção da devolução do imposto de renda retido na

fonte pela receita federal, fico indignado com isso e ao mesmo tempo constatando o

quanto é burro quem deu tal ordem. Eu trabalho o ano inteiro e doei 4 meses desse

esforço pessoal ao governo, via imposto de renda, no ano seguinte descobri em mi-

nha declaração de renda que paguei mais imposto que devia. Ora, o lógico, o óbvio é

que a receita federal devolva imediatamente o meu dinheiro, ou no pior caso até o

final do ano em que entreguei a declaração. Caso a burocracia seja ineficaz para de-

volver o que é meu, então deve pagar juros e correção monetária, pelos meses que

reteve o meu dinheiro indevidamente.

Mas, se o atraso na devolução for uma decisão política aí é assinar o atestado de

burrice. O governo Lula toma uma decisão burra ao empurrar a devolução do impos-

to de renda para o ano seguinte, um ano de eleições. Ele economiza pouco e deixa

uma multidão de brasileiros p. da vida. Ninguém consegue explicar o porquê da re-

tenção da devolução do imposto. Se a arrecadação caiu não foi por culpa do contri-

buinte. Logo, fazer o cidadão pagar a conta é pura sacanagem do governo que em-

presta dinheiro para o FMI. Ou seja, com "mantega" enfio qualquer coisa goela abai-

xo do contribuinte.

Outra burrice é taxar de impostos a caderneta de poupança com depósitos acima de

50 mil Reais. Ora, um carro médio hoje custa mais do que isso, se você vendeu um

carro desses e pôs o dinheiro na poupança, vou desenhar para todos entenderem,

primeiro: você está garantindo recursos para programas governamentais mantidos

pelos poupadores brasileiros; segundo: a poupança no mundo todo é incentivada,

como forma de aumentar a riqueza do país; terceiro: ao poupar você realiza uma a-

ção econômica inteligente, pois quem poupa tem dinheiro para compras programa-

das em melhores condições ou para eventualidades como uma doença, um acidente

etc. Poupar é o caminho certo para a riqueza do indivíduo e da nação, diria Adam

Smith.

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Linha do Tempo Página 114

A caderneta de poupança dos ricos não tem 50 mil Reais de saldo! Só na cabeça de

um “burro” tal limite é sinal de riqueza. A taxação neste limite é um estupro na clas-

se média baixa. Exatamente aquele que só tem esse dinheiro na poupança porque

vendeu um bem qualquer ou recebeu uma grana extra (herança, loteria etc.). Um

cara como eu da classe média baixa para juntar 3 mil Reais por ano na poupança

tem que tirar um pouquinho todo mês do salário e depois de um ano talvez juntar

essa grana. Mas, se eu vender minha única casa própria talvez consiga depositar uns

50 mil Reais na poupança. Se taxarem esse meu patrimônio eu volto para o consumo

e detono essa grana em quinquilharias chinesas. Perde o Brasil, o governo e eu. Lo-

go, taxar a poupança é burrice das grandes.

Os ministros da fazenda do governo petista tiveram oito anos para enfiar a mão no

maior vespeiro de suas vidas: o sistema tributário nacional. Não moveram uma palha

para mudar a desigualdade com que trabalho e capital são tratados, por exemplo,

pelo imposto de renda. São dois pesos e duas medidas, o assalariado e a empresa

pagam aluguel, mas só a empresa desconta esse aluguel no imposto a pagar. Eu pa-

guei outros impostos (IPI, ICMS, IPTU etc.) no ano passado, as empresas também,

por que só elas podem deduzir aqueles impostos este ano e eu não? O pior é que eu

paguei o IPI e ICMS já embutido nos preços das coisas, mas quem deduz essa grana

é a empresa que vendeu e não pagou.

Uma empresa dá alimentação para seus empregados e eu dou alimentação para mi-

nha família. Por que só as empresas podem deduzir esse gasto? Antonio Palocci e

Guido Mantega nada fizeram, em oito anos, para mudar essa desigualdade entre ca-

pital e trabalho. Para quem se dizia socialista ou algo do gênero, ter o poder nas

mãos tanto tempo e não mexer na relação capital versus trabalho, equilibrando a tri-

butação em favor do trabalhador é burrice.

Ocorre que a crise de burrice que assola o país afeta também movimentos sociais.

Ora, um movimento social deixa de existir quando perde sua credibilidade na socie-

dade. Ao se afastar dos sonhos que lhe deram origem, ou seja, ultrapassar os limites

de seus objetivos ou não atingi-los, um movimento social adoece e morre. Essa é u-

ma forma coletiva de burrice.

Como a UNE – União Nacional de Estudantes que hoje está moribunda, distante de-

mais dos estudantes brasileiros e turbinada a milhões de Reais do governo federal.

Ou, como o MST – Movimento dos Sem-Terra tão afastado de sua causa. Hoje, não

mais aglutina os cidadãos que lutam pela reforma agrária. Perdeu totalmente sua

credibilidade. Qual a razão dessa perda? Para quem começou lutando contra latifun-

diários, invadir e furtar a casa de uma faxineira, levando até seus presentes de casa-

mento ainda dentro das caixas, chega a ser uma afronta às suas origens e sonhos.

Confesso que usei o MST como exemplo de burrice em movimento social, mas pen-

sando melhor a UNE é um movimento social estudantil legítimo, apesar de vendida

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ao governo federal por muita grana e inepta na representação dos interesses estu-

dantis. Já o MST não é! Explico, a UNE tem sede, estatuto registrado em cartório,

direção eleita seja lá como for. O MST legalmente é igual ao CV - Comando Vermelho

nas favelas cariocas ou o PCC – Primeiro Comando da Capital em São Paulo, uma or-

ganização paramilitar clandestina, sem personalidade jurídica e por isso, sem direção

eleita, sem representatividade.

A lógica pode ser aplicada nesse caso? Pode. Se o dito MST não tem existência legal

então: suas notas ou comunicados não têm valor algum; não pode ter membros for-

malmente inscritos, e pior, nem mesmo pode distinguir entre seus membros os infil-

trados; por não ter estatutos registrados, não se pode afirmar qual é seu objetivo e

como pretende atingi-lo.

Logo, quando quebra o patrimônio público o MST é igual ao PCC, composto de ecto-

plasmas anônimos. Quando destroem 7 mil pés de laranja são fantasmas como os

integrantes do CV. Doar dinheiro para organização que não existe é burrice. Mas, o

MST tem dinheiro para manter suas ações. Então de onde vem essa grana? Misté-

rio...

(*) Morador de Rondonópolis

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Você sabia... Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de dezembro de 2009

Dizem por aí que existe universidade pública e gratuita. Mentira! Pode até ser públi-

ca, mas de graça não é mesmo. Nós, capitalistas temos a mania de dourar a pílula

para quem será obrigado a tomá-la. Quanto custa a UFMT, por exemplo, para cada

cidadão brasileiro? Ou então, quanto custa para cada cidadão matogrossense a UNE-

MAT?

Se você não sabe então fique sabendo que o governo (federal, estadual e municipal)

enfia a mão no teu bolso para bancar essas universidades. Faz a mesma coisa para

ter um posto de saúde no teu bairro, ou a coleta de lixo na tua rua. Nada é de graça!

Não existe almoço grátis no capitalismo. Ainda bem!

Bom, o foco desse papo não é o teu bolso. Pois o governo enfia a mão no teu bolso,

seja você pobre ou rico, branco ou preto, azul ou encarnado e tira 36%, sem lhe dar

chance de chiar. Isso mesmo, a cada 100 paus que você sua para ganhar o governo

fica com 36. Sobre isso nem quero falar.

Ocorre que cada estudante de universidade pública é caro para burro. Por exemplo,

o custo médio do estudante brasileiro em universidade federal é de R$ 17.100,00 por

ano, um dos mais altos do mundo. Se comparado ao aluno do Ensino Fundamental

da rede pública do Rio de Janeiro que custa R$ 392,40 por ano, a disparidade é estu-

pidamente absurda, ou seja: para cada um aluno do superior eu posso bancar 43 no

fundamental, mais que uma turma inteira que no Rio é de 35 alunos em média.

Entretanto esse não é o foco que desejo dar ao texto. Quero falar de um roubo, de

um crime de lesa-pátria praticado no Brasil sem o menor constrangimento e nenhu-

ma punição: - o abandono de curso em universidade pública!

Um estudante universitário que abandona seu curso, digamos no terceiro ano, quei-

ma R$ 34.200,00 de todos nós. Isso mesmo joga no lixo quase 35 mil Reais, sem re-

torno algum para os pagantes (eu e você). Se você acha pouco, garanto que não é!

Se essa grana fosse usada para salvar três vidas humanas dependentes de uma an-

gioplastia no SUS, cujo custo médio por procedimento é de R$ 11.061,63, sobraria

mais de mil Reais para educar três crianças brasileiras num ano. É mole ou quer

mais!

O pior é que o estudante acredita ter o direito de abandonar o curso sem transfor-

mar-se num corrupto. Ou quem se apropria do dinheiro público não é corrupto? É

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sim, uma forma insidiosa de corrupção, sem nenhuma punição ou mesmo ressarci-

mento aos cofres públicos daquilo que foi gasto com o desistente.

É um absurdo, gastar dinheiro assim! Falta dinheiro para todas as políticas públicas

brasileiras e permite-se torrar essa grana per capita sem o menor constrangimento,

na maior cara de pau. Falta lei para regulamentar esse assunto? Falta! Nossos depu-

tados nunca têm tempo para pensar leis que façam o Brasil mudar para melhor. Os

caras preferem pensar em obras onde a comissão é enorme. Enquanto isso o gover-

no vai pondo na fogueira uma montanha de dinheiro, queimando e reclamando que

continua faltando.

Finalizando é preciso pensar também que o infeliz que abandona o curso superior

escamoteou outro brasileiro que perdeu a oportunidade de estudar na universidade

pública. Sou a favor de incluir na dívida ativa o brasileiro que abandona seus estudos

superiores. Quer abandonar, pague primeiro o que todos financiamos para você. E

quem termina o curso superior numa instituição pública, deve ou não ressarcir o po-

vo brasileiro que o financiou?

(*) Morador de Rondonópolis

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Rui Barbosa era um profeta Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 21 de fevereiro de 2010

No tempo que se amarrava cachorro com lingüiça, Rui Barbosa, um baiano baixinho,

feio pacas e inteligente como poucos no mundo, andava indignado com as safadezas

dos políticos de sua época. Orador-demolidor, seus discursos deixavam os demais no

chinelo. Tentou ser presidente do Brasil, mas perdeu para a política café-com-leite,

aquela que só dava paulista ou mineiro no poder.

Como senador foi brilhante, como embaixador foi hábil, como jurisconsulto foi subli-

me, nem tanto como ministro, Entretanto foi profético ao afirmar que “De tanto ver

triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injus-

tiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a

desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” Rui viu em

1914 o que está acontecendo hoje!

Uma mulher rouba um pote de manteiga e fica um ano na penitenciária, enquanto

isso a direção executiva de um partido político rouba 55 milhões de Reais da União e

ninguém entra em cana, nem algemas são postas nos safados. Claro que se o ladrão

é do partido de oposição o Ministério Público pede cadeia para o safado e a Polícia

Federal cria um espetáculo midiático. É o nazismo de volta! Cadeia para todos.

Um ministro viola direito individual de um cidadão brasileiro e não sai do ministério

algemado! O presidente da Caixa Econômica executa o crime e não vai para a peni-

tenciária da Papuda. Isso me enoja! Alugam-se votos de deputados, como se fossem

DVDs numa locadora, para aprovarem qualquer coisa que o presidente envie ao Con-

gresso. Assessores presidenciais cometem crimes contra o sistema financeiro, lava-

gem de dinheiro, difamação, calúnia e outros bichos e são chamados de meninos

que cometeram erros como as crianças erram. Não! São bandidos iguais aos ladrões

de carga que matam caminhoneiros, só que roubam de todos nós, inclusive a nossa

esperança num Brasil melhor. Se não fosse trágico, seria cômico e rir-se-ia da honra.

Rui profetizou tudo isso no início do século passado.

Na Educação, Rui Barbosa via a solução de todos os problemas brasileiros, já em

1883. Era um profeta do Brasil atual. Disse ele: “Uma democracia só se faz com cida-

dãos, não se fazem cidadãos senão com homens, não se fazem homens senão pela

educação”. Afinal, só o homem educado escolhe bem seus representantes políticos e

cobra dos agentes públicos o trabalho que tem a obrigação de prestar ao povo. E foi

mais além dizendo: “nosso ver, a chave misteriosa das desgraças que nos afligem, é

esta e só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria." Parece que

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Linha do Tempo Página 119

Rui Barbosa sabia do mau uso do bolsa-família há mais de 100 anos passados. Essa

esmola aviltante que cria currais eleitorais indecentes com a dignidade humana.

Esse homem baixinho, de estatura moral altíssima e saber incomensurável, afirmava

que “Nenhuma instituição é mais relevante, para o momento regular do mecanismo

administrativo e político de um povo, do que a lei orçamentária. Mas em nenhuma

também há maior facilidade aos mais graves e perigosos abusos”. Caramba! Ele pre-

viu a vinda dos atuais governantes, deputados e senadores sanguessugas com exati-

dão profética.

Bem, como somos ignorantes, não somos educados e nem instruídos, vamos colocar

essas quadrilhas de políticos de novo no poder. Pois, cada povo tem os políticos que

merece. Nós merecemos os mensaleiros, sanguessugas e corruptos, pois votamos

neles.

(*) professor e morador de Rondonópolis

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Pelo poder vale tudo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 24 de fevereiro de 2010

Um alemão chamado Paul Joseph Goebbels, considerado por muitos como o pai da

propaganda moderna, foi braço-direito de Adolf Hitler, com quem trabalhou desde

1926 até 1945, tanto no partido nazista alemão, como no governo hitlerista.

Goebbels sabia como mobilizar as massas, intoxicá-las e pô-las em ação a favor do

nazismo. É dele a máxima mercadológica: "uma mentira cem vezes dita, torna-se

verdade". Ele desprezava a modernidade, rejeitava o capitalismo e a democracia.

Uma coisa é certa, ele e Hitler suicidaram-se no mesmo lugar, ele um dia depois do

chefe. Os guardas da SS afirmaram que ele foi bonzinho, pois permitiu a sua mulher

matar os seus seis filhos pequenos, para em seguida cometerem juntos o suicídio.

Gente fina é outra coisa.

História serve para isso!

Para isso o quê? Dirá algum Mané esperto, mas burro feito uma porta. Para que eu

não precise passar pelo mesmo caminho que outro passou e se estrepou! Vou dese-

nhar: uma das funções da História é manter os registros sobre os fatos que ocorre-

ram no passado, descrevendo como se deram e às vezes até explicando por que a-

conteceram daquele jeito.

Claro que para o Zé Ruela a explicação ainda não fez cair à ficha. E ele pergunta: - E

o quê eu tenho com isso? O Hitler não foi o cara que quase conquistou o mundo na

Segunda Guerra Mundial? Ele não morreu? Então para que ficar lembrando-se desses

caras e das coisas que fizeram?

Pois bem, somos assim. Nós, os brasileiros, somos solidários com a dor alheia, doa-

mos até umas garrafas de água mineral para os “catarinas” e uns quilos de farinha

para os nordestinos. Mas, odiamos ter que enfrentar os problemas do Brasil e que,

bem ou mal, teremos que resolvê-los. Pode demorar, mas um dia vamos ter que pe-

gar o touro pelo chifre. O seguinte exposto é um desses.

Hoje assisti a um programa partidário na televisão. O infeliz dizia que o povo (eu e

você) sabe que no atual governo não houve aumento da corrupção, mas sim que o

governo está combatendo com firmeza essa meleca e aí o fedor exalado é sentido

por todos.

Ora, ora, ora. Olha aí o pau-mandado assumindo o papel de Goebbels! A corrupção

sempre existiu, mas hoje ela aparece porque somos honestos e a combatemos, aí

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Linha do Tempo Página 121

nossos companheiros e aliados são pegos com a mão na massa, com a boca na boti-

ja, com o dólar na cueca. Uau. Vai distorcer a realidade assim no inferno!

Sempre houve corrupção? Sim. Os governos do mundo convivem com isso? Sim. Só

que nos países sérios o corrupto quando é flagrado entra em cana. Diferente daqui

que o canalha pego vira mártir. Exemplo disso? Olhe os petistas e aliados do mensa-

lão lulista. Para o Presidente foi uma armação dos inimigos que plantaram o valério-

duto entre os santos da base aliada só para derrubar os companheiros que precisa-

vam de grana para pagar umas contas e aí enfiaram o pé na jaca. Acho que o ali ba-

bá dessa estória de quarenta ladrões ainda precisa ser indicado e preso.

Claro que distorcer os fatos pode funcionar para meia dúzia de idiotas, mas daí fun-

cionar para milhões de brasileiros é outra coisa. Quem lê jornal sabe que a corrupção

é uma constante do atual governo, e talvez, os que usam o jornal para limpar o

bumbum não tenham consciência disso. Mas a maioria de nós assiste televisão e ou-

ve rádio, então não dá para dizer “eu não sabia”. Os Goebbels da vida estão prolife-

rando em Brasília, inventando, distorcendo, desinformando, subvertendo o fato em

proveito da permanência de um grupo no poder.

Onde estava a CUT e a UNE quando foi instalada a CPI do Mensalão em 2005? Hoje

está nas ruas de Brasília pedindo a cabeça do corrupto Arruda. E por que não esteve

no Palácio do Planalto pedindo a cabeça do Lula que sabia do esquema de corrupção

engendrado na sala ao lado e cometeu o crime de responsabilidade ao não mandar

apurar nada? Quem disse isso foi o presidente do PTB, um dos partidos que gover-

nam o Brasil a convite de Lula.

Os alemães de tanto serem sacaneados pelas oligarquias e aristocracia germânicas,

aceitaram Hitler no governo e deixaram o cara fazer um monte de besteiras que cus-

taram à vida e o futuro de milhões de pessoas. Como leio muito a História dos po-

vos, e acredito na função educativa dessa Ciência, não posso ficar calado diante des-

sa orquestrada propaganda nazista que o governo federal vem fazendo. Daqui a

pouco o Francenildo, aquele caseiro de Brasília, vai ser considerado um criminoso por

permitir que o presidente da Caixa Econômica Federal, um companheiro petista, que-

brasse seu sigilo bancário. Ou ainda, que o dinheiro do mensalão foi doado por fiéis

de uma nova seita religiosa para financiar a campanha de seus santos bispos. Ou pi-

or, que a Telemar doou 5 milhões de Reais para a micro-empresa do filho do Lula

por que é política da empresa doar milhões aos ex-guias de zoológico que queiram

abrir um novo negócio.

Bem, a corrupção é um mal a ser combatido hoje e sempre. Ela leva o remédio que

tua mulher precisa tomar para não morrer. Leva o futuro de teu filho. Por isso é ne-

cessário enfiar em cana os corruptos e quem os protege, além de resgatar a grana

roubada. Em lugar de enviar mais um projeto de lei para o Congresso apreciar, o go-

verno Lula deveria incentivar seus aliados congressistas a votarem os 14 projetos so-

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Linha do Tempo Página 122

bre o mesmo assunto que estão parados há muito tempo, inclusive aquele popular

(que eu assinei em São Paulo) de que ficha suja não poder ser candidato nem a ban-

deirinha de pelada de várzea.

Um coisa é certa a propaganda ainda não pode apresentar certos personagens in-

cógnitos na vida brasileira, como: Alguém que foi entrevistado por instituto de pes-

quisa? Quem sabe em 2010, ano de eleições, surja algum “goebbelsinho” e dê fim a

esse mistério. Fica esperto!

(*) Professor e morador de Rondonópolis

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Dilson, oráculo ou gênio perspicaz? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 19 de março de 2010

Em 1989 eu era o diretor de tecnologia da informação (informática) de um tribunal

superior em Brasília. Ao meu lado trabalhava um analista de sistemas, chamado Díl-

son Modesto, que entre outras qualidades tinha a inteligência privilegiada. Eu, sem-

pre aproveitador das boas cabeças, conversava longamente com ele em nossos en-

contros sociais e principalmente, nas viagens regulares que fazíamos a Oracle do

Brasil em São Paulo onde estudávamos juntos sobre banco de dados.

Além de saber tudo de programação de computadores, Dílson adorava esportes, vida

e política. Nossos papos sempre duravam uma viagem de Brasília a São Paulo e dali

retomada no jantar, no hotel e no café da manhã. Nenhum assunto era proibido, até

fofocas de nossos ministros fazíamos como se fossemos adolescentes.

Ocorre que a insistência dele (em 1989) num tópico me incomodava e dava uma dis-

cussão danada: Educação pública no Brasil. Além de trabalhar no tribunal, também

trabalhava na UnB, como professor da pós-graduação em Análise de Sistemas e al-

guns dias pela manhã lecionavam nos cursos de Processamento de Dados e Sistemas

de Informações na UNEB, também em Brasília. Isso me dava o respaldo para divergir

dele e dizer das agruras da Educação brasileira com um monte de variáveis impedin-

do o sucesso das políticas públicas nessa área.

Ocorre que a maldita lógica do Dílson resumia-se numa só frase, repetida incessante-

mente em nossos debates: Meritocracia! Põe professor ganhando dois mil dólares

por mês nas escolas públicas e os problemas vão embora. Eu ficava roxo de raiva e

começava a citar os especialistas em educação que pesquisaram o fracasso escolar e

tinham mil outros problemas para justificar o insucesso. Ele desdenhava de todos e

voltava à cantilena: Meritocracia!

Claro que nunca perdemos a linha em nossos debates acalorados, pois ficávamos

sempre no campo das ideias. Depois atacávamos as pizzas paulistas e íamos dormir

felizes por resolver os problemas brasileiros numa mesa de pizzaria do elegante bair-

ro de Moema.

Vinte e um anos depois, ele permanece servidor do tribunal, agora merecidamente

elevado a cargo de direção. Desisti do mercado e decidi socializar o conhecimento

que amealhei na vida tornando-me professor em tempo integral. Coisas da vida. O-

corre que ao ler os resultados de uma pesquisa realizada por Eric Hanushek, líder de

um grupo de pesquisa em análise econômica de questões educacionais da Universi-

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dade Stanford, nos Estados Unidos, fiquei estarrecido ao ver a tese do Dílson ser

comprovada e sintetizada numa frase de Hanushek: “Sem meritocracia, não há como

atrair as melhores cabeças de um país para a docência”.

Uau! Só se atrai gente inteligente, capacitada e motivada pagando bem. O Dílson é

um oráculo, ou o cara é um gênio stanfordiano enrustido de analista de sistemas. A

lógica dele é simples demais: 1. Salário inicial de professor na rede pública fixado em

US$ 2,000.00; 2. Concurso público nacional para essas vagas, independente se a re-

de escolar é municipal, estadual ou federal; 3. Avaliação freqüente desses professo-

res e de seus alunos; 4. Se o desempenho de seus alunos cair, demissão sumária do

professor; 5. Se o desempenho do aluno melhorar, mais dinheiro no bolso do profes-

sor, algo como dobrar o salário em cinco anos. Fim.

A tese é simples, inovadora e acaba com o maldito corporativismo onde o mérito

nunca é julgado. E quando ocorre uma avaliação, não serve para nada, a não ser pa-

ra encher uma gaveta qualquer.

E os demais problemas levantados pelos pesquisadores especialistas? A violência, a

fome, a falta de material escolar, a pobreza, o desinteresse do aluno pela escola, a

omissão dos pais em relação à educação dos filhos, a corrupção que rouba quase

80% dos recursos destinados à escola, como ficam?

Não sei! Mas sei que o Dílson tinha razão em fixar o mérito do professor como algo

capaz de mudar ou até mesmo revolucionar o quadro educacional brasileiro. Ou, al-

guém acredita que algo vai mudar na Educação sem que o professor esteja na linha

de frente dessas mudanças?

Valeu Dílson Modesto, meu oráculo, o pessoal de Stanford comprovou tuas idéias.

Pena que você pensou nisso vinte anos antes e ninguém te deu ouvido.

(*) Professor da UFMT e morador em Rondonópolis.

Leia as pesquisas de Eric Hanushek, na Universidade de Stanford, no URL:

http://edpro.stanford.edu/hanushek/content.asp?contentId=49

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2010 – Ano de copa e de eleições Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 16 de junho de 2010

Será que vale a pena ser hexacampeão do mundo e eleger um novo presidente para

o Brasil se em 2012 o mundo vai acabar, conforme assisti no filme homônimo que

atribuía tal profecia aos Maias.

Sou cético, logo a chance de acreditar em profecia é menor que aceitar Papai Noel

como astro do Natal. Como não creio em Saci Pererê, nem em comunista democrata,

também não acredito que em 2012 a Terra vai virar um nada. Claro que eu posso

até não ver 2012 chegar, pelo simples fato que posso morrer hoje mesmo e aí 2012

já era.

Enquanto não morro vou escrevendo aqui e esperando que alguém leia do lado de

lá. E, este ano teremos duas efemérides de primeiro nível: a copa do mundo de fute-

bol e as eleições brasileiras. Numa vamos tentar ser hexacampeões de futebol. Claro

que nada vai mudar na minha ou na tua vida se isso acontecer. Ou seja, tanto faz se

os onze guerreiros destemidos do Dunga conquistarem o título ou não, a minha vida

continua a mesma.

Vou torcer, beber uns guaranás e se perder não estarei nem aí. Embora, prefira o

Brasil campeão em lugar dos hermanos argentinos. Só isso!

Entretanto, o outro importante acontecimento nacional, previsto para outubro, me

interessa demais da conta. Por quê? Simples, mexe no meu bolso, na minha cidada-

nia, no meu futuro e se bobear, na minha vida e na do Brasil. Esse sim me interessa

de perto. Tem homo corianthianus que acha o contrário, tem homo flamenguius que

acha tudo igual, mas sou homo sapiens e teimo em pensar na terra dos mentalmen-

te anestesiados.

Ao ver os postulantes lançados pelos partidos políticos fiquei triste. Dois petistas e

um tucano. Ou seja, ou me ferro ou me ferram. Com mais de 30 partidos políticos

registrados no Brasil só três lançam candidatos? Tem maracutaia aí! Claro gente, o

objetivo de todo partido político é chegar ao poder, mas sem candidato isso nunca

acontecerá. Logo, os partidos que não lançam candidatos não devem existir! Pois

não são partidos políticos, mas sim gente reunida para se dar bem com a atividade

política.

Coalizão se faz entre os partidos no segundo turno das eleições. Aí dois candidatos

polarizam o apoio dos demais que foram tiveram suas candidaturas derrotadas. Se o

ajuntamento se der ainda no primeiro turno a coalizão frauda o princípio da existên-

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Linha do Tempo Página 126

cia do sistema multipartidário. Como fraudar idéias é comum entre nós brasileiros,

não chega a espantar ninguém os partidos abrirem mão de chegarem ao poder pelo

voto direto do povo. Aí sobra os acertos dos safados da vida pública que montam

currais e os vendem a cada eleição, para quem der mais.

Pois é, a coisa começa fraudando idéias, princípios e daí desanda em mensalões e

corrupção como nunca se viu antes neste país. Melhor se tivéssemos 30 candidatos,

um de cada representação partidária e se não houvesse um que obtivesse a maioria

dos votos válidos, teríamos um segundo turno onde as coalizões aconteceriam de

forma ideológica. Mas, isso é sonhar no país do bolsa esmola, onde a maioria esma-

gadora do seus eleitores usa o jornal para limpar o olho e não para correr os olhos.

Então, vamos torcer pelo Brasil na Copa e refletir bastante sobre qual partido e can-

didato vamos eleger para governar nosso país até 2014.

(*) É professor da UFMT e não é eleitor em Rondonópolis

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Mais um adeus Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 18 de junho de 2010

Você já notou que a vida teima em nos pregar peças? Pois é. O passar do tempo é

inexorável e cada dia tem uma coisa diferente para somar ao nosso fardo de experi-

ências. Alguns chamam isso de envelhecer. Eu não. É a vida! Os poetas percebem

isso bem cedo e taí o exemplo do saudoso Gonzaguinha quando alertava: É um nada

no mundo. É uma gota, é um tempo. Que nem dá um segundo...

Nossa vida é um nada no mundo, pois sabemos que tudo continuará depois de nossa

morte. Os amigos voltarão a suas rotinas e haverá aquele que descansará a cabeça

no travesseiro e sentirá uma pitada de saudade. É uma gota nesse oceano de vidas

que povoam a Terra. Pode até parecer que a vida não tem importância, mas tem

sim. Do nada sempre surge uma pessoa e lastima a perda da convivência, a esses

chamamos amigos.

Que nem dá um segundo, um ano ou um século, não importa. A vida é ser um eter-

no aprendiz. No entanto, para existir o aprendiz é preciso que exista a professora,

porque é impossível alguém aprender sozinho. Professora como aquela que ensina

sobre a origem da vida e aproveita cada momento para mostrar o funcionamento da

Natureza.

Professora que mesmo no momento de lazer, quando todos os demais estão beberi-

cando uma e outras e falando mal dos outros, está na beirada do córrego, segurando

um monte de mãos pequeninas, ensinando o nome dos matinhos, peixinhos e bichi-

nhos que naquele micro mundo vivem. Pode parecer besteira, mas para os pequeni-

nos essa lição é lembrada trinta anos depois.

O dia a dia nos corredores da vida apresenta aquela professora sempre amiga, altiva,

de voz calma e pausada pronta para ensinar sobre a Biologia (Só entre nós, dizem

que é a Ciência que estuda a vida). Exige que o discípulo estude sobre a diversidade

de opiniões sobre de onde viemos nessa viagem terrestre. Até mesmo o colega pas-

tor protestante que apresenta a teoria evolucionista e depois faz sua autocrítica: -

Apesar de apresentar essa teoria eu creio na criação de Deus. Ela sorri e chama ou-

tro grupo, mas não fere os sentimentos do crente, pois escalou um ateu para apre-

sentar a teoria criacionista. Isso é sabedoria.

Professora que no Pantanal, de bota e chapéu, com água até a cintura lança a rede

para coletar uns exemplares de lambaris do rabo vermelho. Os aprendizes entram na

lagoa e se divertem como crianças. Pena que já estávamos na Universidade. Por si-

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Linha do Tempo Página 128

nal, uma professora fundadora do Campus de Rondonópolis da Universidade Federal

de Mato Grosso.

Professora que comprovou por triangulação ser educadora na escola e no lar. Hoje

convivo com sua filha professora nas mesmas salas onde tantas vezes aprendi com a

mãe coruja.

Eu parafraseando Gonzaguinha reafirmo que a vida é bonita, porque professora co-

mo a Dilceni Prietch passou por ela e muito ensinou para muitos. Talvez eu sinta

saudades, talvez eu chore sua falta. O certo é que dela guardarei sempre o exemplo

de como ser uma professora. Se alguém lembrar de mim daqui a trinta anos com o

mesmo carinho e respeito que sinto por ela, serei vitorioso. Senão, direi a colega: eu

tentei ser igual a você.

(*) aluno e professor da UFMT

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Avesso do avesso – Federal Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 17 de julho de 2010

Caetanear é um verbo que significa pensar à maneira desse maravilhoso tropicalista:

Caetano Veloso. Vou caetenear e vou enfiar uns dedos nas feridas que temos na ca-

beça e parece que ninguém liga, mas elas estão com bicheira e irá doer muito logo-

logo, então vamos mexer nelas e ver se dói mesmo. Inicio enfiando o dedo anular,

aquele que usamos para fazer sinal feio para o outro motorista no trânsito, bem no

meio da mais velha ferida aberta na cabeça do brasileiro: a Educação.

Desde o desgoverno do Sarney da Fundação, passando pelo Collor da Elba, pelo Ita-

mar do Topete, FHC (é pecado mortal pronunciar esse nome) e o Lulla Collor de Sar-

ney e Calheiros Jucá que o Brasil não debate Educação como política pública perma-

nente. Até se tentou no tempo da discussão da Lei de Diretrizes e Bases, mas como

sempre a corrupção falou muito mais alto e nada foi mudado. Isso é: os ditos avan-

ços daquela lei ainda nos colocam nos Anos 70 do Século passado, do Milênio passa-

do! Parece coisa de comunista daquele tempo.

A sociedade não discute a Educação de forma permanente. E esconjuro aqueles que

acreditam em fóruns nacionais governamentais para fazer isso. São os novos esper-

talhões do templo, e como Jesus, vamos surrar esse povinho safado. Eles marcam

um fórum nacional onde as mesmas carinhas representam ninguém, mas são ungi-

dos por eles mesmos como representantes e debatem o que querem, ou seja, nada.

Aprovam um monte de teses que costumam servir como prendedor de porta em Bra-

sília e mantém a Educação atrelada a uma ideologia política que já morreu tempos

passados.

O fórum constitucional desse debate deve estar no Congresso Nacional, onde repre-

sentantes do povo (deputados) e dos Estados Federados (senadores) tem que travar

debates, ouvir o povo, especialistas, professores, alunos e quem mais puder ajudar

na concepção dessa política pública nacional.

Você dirá: - Mas, com os atuais deputados e senadores só sai notícia de polícia, logo

não vai sair nada que preste. E, respondo curto e grosso: Vote melhor. Escolha gen-

te honesta e comprometida com o povo brasileiro. Não reeleja quem é ou já foi par-

lamentar. Ponha essa corja para fora do parlamento. Vote bem.

E se você acha que na Educação está tudo bem é melhor pensar sobre isso. O chefe

Lula diz ter criado mais universidades federais que qualquer outro. Como sempre,

mentiu. Vai ser mentiroso assim lá em Guaranhus! Ele decretou a criação de 5 que

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ainda não decolaram e ampliou ou federalizou 8 já existentes. Bem ao estilo desse

presidente: colocar pedra fundamental em terreno baldio e deixar o mato crescer.

Enquanto isso, as velhas universidades federais vão morrendo a míngua. Claro que

reitor ou reitora atual não vai abrir a boca para reclamar, pois em ano de eleição

prudência e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Como não sou candidato

a porra nenhuma, posso levantar a bola e ver se alguém chuta comigo.

Tem dia que olho o teto do banheiro da UFMT, onde trabalho, e fico calculando o

tempo que vai passar até serem consertados todos os buracos aéreos. Vai demorar

muito! Mas, ando por aí e vi a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma

das mais antigas, sofrendo com a falta de estrutura e da expansão desordenada, o

que detona a qualidade dos cursos. É só pousar na realidade e ver o que está haven-

do.

Planejar Educação para mandato presidencial é assassinar o futuro do Brasil. O in-

vestimento por aluno no ensino superior caiu em 3,76% de 2000 para 2008 (de R$

15.341,00 para R$ 14.763,00). Fora FHC-Lula!

O PIB cresce e o orçamento do MEC só cresce em termos absolutos. Mas, eu sou

chegado a Matemática e sei que o orçamento caiu em termos percentuais (desceu,

diminuiu, foi para o buraco, etc.)! A Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ),

com dados oficiais, mostra que a Educação vem perdendo dinheiro no orçamento pa-

ra a roubalheira e outras formas de corrupção desse desgoverno e anteriores.

Olhe só isso: o orçamento da Educação era 1,1% do PIB em 2003 despencou para

1,04% em 2009. Isso representa cerca de R$ 188.580.000.000,00 em sete anos. Ou

seja, o Brasil tirou R$ 26.940.000.000,00 (bilhões) por ano da Educação. Pense nis-

so: se o Presidente Lula Apedeuta da Silva colocasse esse dinheirão na Educação o

quanto poderia melhorar a vida de alunos, professores e de outros profissionais da

área? Para um orçamento de R$ 41, 5 bilhões um reforço de R$ 26, 9 bilhões ia aju-

dar pacas! Até os corruptos iam adorar essa medida. Fazer o quê, prioridade orça-

mentária é a pior das corrupções, pois mata a esperança e a chance de felicidade

dos mais pobres?

Sem tirar o dedo da ferida, vou enfiar outro dedo. Mas, deixa doer um pouquinho.

(*) É professor da UFMT desde 1995. Foi aluno da UFMT entre 1983 e 1985.

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Avesso do avesso – Local Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 18 de julho de 2010

Ainda na esfera federal trago o debate para Rondonópolis. Vou deixar a humildade

de lado e falar em primeira pessoa. Eu levantei a bandeira da autonomia para o CPR

(Centro Pedagógico de Rondonópolis), hoje CUR – Campus Universitário de Rondo-

nópolis, da UFMT, junto com outros professores e alunos no decorrer da campanha

para eleger o reitor no início dos Anos 80. Luís Scaloppe era o anti-candidato a reitor

e entre outras tinha essa bandeira de luta. Discordava dele em quase tudo e ainda

discordo, mas nessa questão fechei com o então candidato. Pena que ele aderiu ao

poder e transferiu-se para a calorosa cuiabania.

Só para se ter idéia da colônia que o CPR (CUR) é de Cuiabá, um pneu furado aqui

era levado até lá para ser remendado. É mole ou quer mais! Em 1983 a sede da co-

lônia cuiabana montou uma escola de lata aqui (igual aquela nova da Suplicy em

Sampa) que o povo da capital não deixou montar lá para ser estufa de planta. Eu

estudei na estufa de lata aqui, suava feito um infartado durante as aulas e vi o Poli-

zel usar toalha de rosto para secar o suor ao ensinar Cálculo. Isso é colonialismo bra-

bo. Coisa de gente atrasada mesmo. Hoje estão lá a prefeitura do campus e alguns

centros acadêmicos. Parece que a vergonha nunca será demolida. Afinal, para alber-

gar rondonopolitano pode!

Tempos depois fui aprovado em concurso público e me juntei ao amigo Tati na ingló-

ria luta de criar uma nova universidade federal em Rondonópolis. Desde a divisão do

Mato Grosso em dois estados que o Tati, entre tantos outros, briga pela criação des-

sa universidade. Ele, como eu, anda delirando teorias conspiratórias para explicar

essa luta sem fim. Acho que é macumba ou coisa pior.

Afinal, quando houve a divisão do estado, o nosso campus era parte da Universidade

Estadual de Mato grosso do Sul, com sede em Campo Grande, que simplesmente

não queria manter um campus em outro estado. Ao mesmo tempo, a UFMT, com se-

de em Cuiabá, não queria assumir um campus pertencente a outra universidade. O

CUR sempre foi um rejeitado. Ninguém queria e nem quer. E como explicar o motivo

de não nascer uma nova universidade naquele momento? Talvez, só talvez, o Tati

tenha razão e a CIA (agência de espionagem americana) esteja por trás disso, como

está por trás do narcotráfico internacional junto das FARC colombiana.

Os mineiros aproveitaram o mesmo período e criaram a UFOP, UFV, UFLA, UFU,

UFJF e a Unifal. Sem contar a expansão da grande UFMG em Belo Horizonte. O Mato

Grosso, com toda essa extensão territorial, permanece até hoje com uma única uni-

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versidade. Se todos dizem que são a favor da Universidade Federal de Rondonópolis,

por que ela não é criada? Até no Vale do Jequitinhonha, na região mais pobre de Mi-

nas Gerais nasceu uma universidade federal, então o que impede a criação da nos-

sa?

Se todos são a favor e por isso nada acontece. Então, a partir de agora eu sou con-

tra! Sou contra os conselhos superiores da UFMT em Cuiabá, sou contra a reitoria e

suas pró-reitorias, sou contra qualquer coisa acertada na capital. Sou contra a paz

entre rondonopolitanos e cuiabanos até a autonomia total do CUR. Quero a luta fer-

renha e feroz entre nós e eles. Quero a independência do CUR já.

Vamos recrutar os índios que ainda restam por aqui e vamos nos pintar para a guer-

ra. Vamos criar um novo movimento social, tipo Movimento dos Sem-Universidade –

MSU. Vamos fazer barricadas no trevão da BR163/364. Vamos fechar o espaço aéreo

e os corichos pantaneiros.

O Tati está com a cabeça branquinha e daqui uns tempos ele canta para subir sem

ao menos ver o sonho concretizado. A fila de pioneiros do CUR está andando. Eu,

infartado ultrapassei alguns mais velhos como Ubaldo, Jorge e Manoel na fila de su-

bida (ou descida) e pelo jeito não verei isso acontecer. Mas, agora sou do contra.

Contra o colonizador cuiabano. Sou a favor da UFR já e sei bem o quanto essa deci-

são é política. Claro que tem gente aqui dando para trás, mas vamos acabar desmas-

carando essas traíras que dizem ser a favor, mas puxam o barco para o barranco.

Vamos desconfiar daqueles e daquelas que dizem algo como: no ano que vem reto-

mamos esse tema.

Só vote em político que crie a UFR já. Quem sabe até as eleições de outubro o CUR

não vira UFR. Sonhar ainda é possível e permitido.

(*) É professor da UFMT desde 1995. Foi aluno da UFMT entre 1983 e 1985.

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Universidade Federal de Rondonópolis, A

Tribuna e o tempo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 25 de julho de 2010

Em Janeiro de 1995 cheguei à UFMT por meio de concurso público. Naquele ano, nos

corredores do CUR falava-se em separação de Cuiabá: autonomia era a palavra de

ordem. Os dois diretores dos institutos queriam autonomia para o campus de Rondo-

nópolis, ambos eram rotulados como esquerdistas e não conseguiam sintonizar o dis-

curso. O modelo de autonomia que um queria o outro derrubava e vice-versa. A bri-

ga era interminável, insuportável e burra! O “inimigo” estava na capital, mas a briga

doméstica impedia a reunião de esforços e forças para combatê-lo. A guerra não co-

meçava, pois os aliados não conseguiam se aliar em torno de uma idéia.

Discordando dos modelos de autonomia que defendiam, eu, amigo de ambos e mal-

dosamente rotulado por eles como direitista, abri meu coração sobre o que pensava

a respeito durante o discurso proferido como paraninfo das turmas de formando da-

quele ano. Embora tivesse preparado uma fala comportada, seguindo a tradição de

saudar os novos bacharéis e licenciados, perdi o texto quando foi ligado um ventila-

dor de pedestal colocado bem perto do púlpito que fez voar o discurso pela platéia e

fiz um improviso demolidor e acusador. A reitora queria me enforcar, os políticos pre-

sentes cavaram um buraco no palco do cinema e sumiram, o público pasmo com mi-

nha brutalidade verborrágica às vezes vaiava, outras vezes aplaudia de pé e o corpo

acadêmico trepados nas cadeiras apoiava gritando palavras de ordem.

Só para ter uma idéia da convulsão que a cerimônia de colação de grau se tornou

um amigo, Manoel Mota, trepado na cadeira do cinema urrava lá de longe: - bate

mais Ruy, baixa o cipó! A turma de formando de Contábeis, com sua maioria mascu-

lina, sentada bem a minha frente puxava o coro de Universidade Já, mais ao fundo a

voz feminina da massa de mulheres da Pedagogia respondia em uníssono o mesmo

refrão. Uma zona!

Qual o motivo daquela convulsão? Simples, cobrei dos presentes a criação da Univer-

sidade Federal de Rondonópolis. Coloquei uma saia justa naqueles espertalhões ao

mostrar o quanto a nossa colônia estava sufocada pelo colonizador cuiabano. As con-

dições políticas eram ideais para realizar a fundação da UFR, pois a cidade possuía

um senador e três deputados federais nativos. O momento não foi bom. Errei por

não respeitar os passos do processo, atropelando egos e interesses sempre escusos.

Mas abordei o assunto de forma pública e transparente. Isto é, coloquei a cara para

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apanhar.

Sabendo que nenhum aluno sensato vai me convidar para ser o paraninfo de uma

outra colação de grau quero agradecer ao jornal A Tribuna que tem sido o único es-

paço de debates e exposição de idéias possível nesses tempos de ostracismo mental

e moral. Caso um dia a Universidade Federal de Rondonópolis seja criada temos mui-

to a agradecer a coragem editorial desse veículo de comunicação ao difundir o justo

e belo sonho da UFR.

(*) Professor da UFMT

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Mania de mentir Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de agosto de 2010.

O desgoverno petista que se encerra este ano continua a utilizar a falta de verdade

como propaganda e plataforma eleitoral. Repetem tantas vezes a mentira que parece

coisa de nazista.

Agora é a publicação oficial do boletim “Economia Brasileira em Perspectiva”, divul-

gado dia 10 deste mês pelo Ministério da Fazenda, editado para inflar maldosamente

feitos do governo atual e fazer comparações com o desgoverno anterior.

O desgoverno atual faz loas de si mesmo e erra feio, tanto na análise como nas con-

tinhas de Matemática (essa turma fugiu da escola). Nem subtração sabem fazer, ex-

ceto aquelas denunciadas pelo Ministério Público que subtraia dinheiro público via

“Mensalão”, em 2005 e o Supremo não julgou até hoje.

O pior é que tem gente lendo e acreditando nesses dados como se fossem uma ver-

dade inconteste. Ao ler o boletim e os comentários dos economistas na mídia fica

claro que a divulgação do boletim não passa de um factóide criado para a campanha

eleitoral. Uso da máquina pública é crime eleitoral?

Além de mentiroso, o malfadado boletim está eivado de má-intenção, como dolarizar

o salário mínimo em tempo de moeda americana em forte baixa. Isso dá a falsa im-

pressão que o salário mínimo está uma beleza. Não está! Viva com ele e diga se dá

para pagar as contas?

Igualmente a exposição do custo da máquina pública sem colocar o pagamento do

funcionalismo nessa conta. Ué? Se não é custo governamental, então quem está pa-

gando o meu salário? E as despesas em saúde, educação e transferência de renda,

quem banca isso? É muita burrice junta, pensar que somos um monte de mentecap-

tos, como essa gentalha. Tem um monte de erros e desinformação no boletim. Leia

e comprove.

Cada vez que leio um negócio mal feito desse mais me convenço que o Cazuza tinha

razão ao escrever a poesia da música “Ideologia”. Os inimigos do povo estão no po-

der. Enquanto isso vamos morrendo na BR-364 sem duplicação, vamos vendo a

transformação do CUR da UFMT em Universidade de Rondonópolis ser prometida e

não cumprida, vendo doente morrer por falta de tudo nos hospitais e vendo um futu-

ro incerto para nossas crianças diante da baixa qualidade da educação oferecida. E

haja mentira.

(*) Professor da UFMT e morador em Rondonópolis

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Paz? Subserviência? Ostracismo? Omis-

são? Burrice? Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 20 de agosto de 2010.

Estamos no terceiro milênio depois de Cristo. Século XXI. Era do Conhecimento. Pós-

Modernidade. Os cambaus a quatro! Quem está? Todos, muitos, alguns?

Os dias atuais exigem pessoas, gente de carne e osso, diferente daqueles que viviam

no tempo de Jesus. Naquele tempo, na Palestina, as pessoas divididas em castas so-

ciais, tribos, segregadas por gênero (mulher estava entre os homens e os animais),

uns poucos pensavam e o resto cumpria ordens.

Esse tempo se foi. O sutiã foi queimado em praça pública e o feminismo liberou a

mulher ocidental do jugo imposto pelo homem. Hoje somos iguais em quase tudo.

Ou deveria ser. Os fariseus estão confinados em Israel. As tribos judaicas se espalha-

ram pelo mundo na diáspora. A internet está aí. Para saber das coisas eu não preciso

ficar na dependência da família do Roberto Marinho.

Parafraseando o sociólogo francês Michel Maffesoli: hoje é preciso ouvir a grama

crescer! Pois é. O cara que babava na frente da televisão nas horas de lazer, confor-

me dizia Raul Seixas, já morreu. Hoje é preciso estar antenado com o mundo, ou co-

mo dizia Paulo Freire, entre uma dose de cachaça e outra: é necessário estar no

mundo!

Estar no mundo é mudar para o mundo mudar. É conhecer as coisas e produzir sa-

ber para os outros. Ë compartilhar a experiência em redes sociais. É viver respeitan-

do ao outro, independente da diversidade onde o outro está. No fundo, é amar ao

próximo incondicionalmente. Difícil pacas, mas não impossível!

Para estar no mundo é preciso olhar os estudantes universitários na cantina e ver

que eles não mais conversam frente a frente. Ali mesmo, juntos no lugar, sacam

seus netbook, notebook e celular incrementado para bater animados papos em tem-

po real, via Internet, com o colega ao lado! Eles querem mais tomadas de energia

elétrica no corredor e espaços públicos para ligarem seus equipamentos. Eles preci-

sam de rede wireless (WiFi) ou mesmo pontos de rede com fio em lugares públicos.

O professor precisa olhar esse aluno com outro olhar. Os pais precisam olhar seus

filhos com outro olhar. As autoridades precisam olhar para esses moços com outro

olhar. Nada de paz. Os hormônios da juventude não permitem viver em paz. Isso é

para nós da última idade. Lutas são formadoras de caráter. Quem não lutou por con-

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quistas não tem o direito de usufruir daquilo que não conquistou. Sempre fui e sem-

pre serei contra a herança. Jovem tem que lutar pelo espaço próprio, sob pena de

ser um adulto medíocre e subserviente no futuro.

A geração que veio depois da minha é apática e pensa pequeno, achando que o

mundo é assim mesmo e pronto! Não lutou como eu lutei. Não esperneou como nós

esperneamos no passado. Recebeu o mundo feito por nós, os caretas atrasados, e

estão satisfeitos com essa porcaria. Eu não usava preservativos porque no início dos

anos setenta a camisinha era importada e custava 20 dólares cada. Poucos conheci-

am ou tinham dinheiro para comprá-las.

Um exemplo dessa forma de pensar pequeno está no meu trabalho. Eu digo “A” e o

outro, já na defensiva, entende “a”. Fato ocorrido recentemente prova isso: uma vi-

deoconferência sobre o ENADE é realizada durante o turno matutino e todos os com-

putadores do campus ficam sem Internet! Você abre a boca para perguntar o que

deve mudar e o outro se defende dizendo que o ENADE é importante. Mentira. Im-

portante é minha aula com 20 alunos, é a pesquisa do grupo tal, é o acesso de tan-

tos outros acadêmicos que estão sendo privados disso porque ninguém pensou gran-

de e resolveu o problema.

Solução existe e custa dinheiro. Ora, eu penso pequeno e sou subserviente à colônia

cuiabana (nesse caso), só posso mesmo me defender. Entretanto, se penso grande

posso escrever um artigo para o jornal, denunciando essa pouca vergonha que se

arrasta a anos no CUR. Posso também fazer um ofício, protocolar e esperar que um

dia alguém diga que falta verba para tal solução.

Ao entrar pela manhã, nos corredores do campus fico sonhando com um movimento

estudantil ativo, exigindo direitos negados aos alunos, com os sindicatos de professo-

res e servidores técnico-administrativos promovendo debates sobre temas locais, re-

gionais e nacionais, lutando pelas classes que representam, fazendo o mato crescer

com barulho suficiente para que todos daqui ouçam. Parece que o sonho vai virar

pesadelo daqui a alguns tempos. Quem não escuta cuidado, mais tarde vai ouvir coi-

tado!

A minha geração está se apresentando a Jesus. Vários de nós já cantaram para subir

(ou descer). Uns de morte morrida, outros de morte matada. Mas, gostaríamos de

fecundar as gerações seguintes com o vírus da curiosidade, da indignação, do incon-

formismo, do livre pensar e do livre viver.

Uma coisa é certa, nós mudamos e mudamos o mundo. E os que vieram depois de

nós?

(*) Professor da UFMT e morador em Rondonópolis

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Aceitando o conselho de um amigo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 12 de setembro de 2010

Quem tem amigo nunca está só e para minha sorte tenho bons e velhos amigos.

Gente que basta um olhar para dizer muita coisa e evitar que um “mané” como eu

enfie o pé na jaca.

Às vezes o óbvio está na nossa cara e não vemos. Nesse caso um amigo é muito im-

portante para tirar a trave de nosso olho e obrigar-nos a enxergar um fato ou uma

idéia que está ali, mas não vemos.

Na fila do mercado encontrei um desses que tenho orgulho de chamá-lo amigo. Estu-

damos na mesma época na UFMT e lá passamos juntos bons e maus momentos. Ele

seguiu seu caminho e eu o meu, mas a amizade não esmoreceu e com ela o respeito

entre os dois só aumentou. Ali, no caixa, pagando as compras feitas ele me avisou: -

Tenho lido seus artigos e você só fala do Lula.

Como bom amigo, ouvi, remoí e estou pondo para fora o que penso sobre o alerta

recebido: - Ele tem toda a razão. Com tanta gente séria, honesta, eticamente corre-

ta, verdadeira e digna é perda de tempo falar de gente ao contrário disso tudo. A

começar por ele mesmo, que tanto estudou para exercer importantes cargos políticos

no Mato Grosso e tanto ajudou o desenvolvimento agropecuário daqui por conta do

esforço próprio. Meu amigo é e será um cara importante em Rondonópolis, pelo que

sabe e pelo que faz com o que sabe.

Assim vou falar de pessoas e de suas virtudes e não do Lula Collor Calheiros Sarney.

Vou me apoiar em Aristóteles, Sócrates e Platão. Só neles fui beber a água que mata

a sede de sabedoria na esperança de satisfazer o amigo e falar de gente que valha a

pena. Começo pela virtude da dignidade e seu exemplo na cidade.

Desde 1982 corto cabelo e faço barba com o João Maria. Homem simples, excelente

prosa e exemplo de dignidade. Veio para cá no final da Década de 70, criou seus fi-

lhos com o suor do rosto e a habilidade com a tesoura e a navalha. Barbeiro todo

esse tempo, nos brindou há pouco com uma filha formada em Medicina. Não vi e não

sei de uma só pessoa em Rondonópolis que possa manchar o nome do João Maria.

Dignidade é isso! É decência, compostura, excelência. Ele sim merece ser chamado

de excelência e não o cara que se encastelou no palácio em Brasília e acha normal a

Telemar doar a fundo perdido cinco milhões de reais a seu filho. Há um abismo entre

a decência de um e de outro. Fico com a do João Maria.

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E por falar em dignidade é preciso tocar noutra virtude irmã: a coragem. Bem mais

que uma virtude ela é um principio. Daí nasce o Valor, o Auto-sacrifнcio e a Honra.

Convivo com gente corajosa há muito tempo. E põe coragem nisso! Posso dizer que

a Cida, vendendo seus espetinhos toda noite é uma mulher corajosa, honrada e de

muito valor. Enfrentando um leão por dia essa mulher de fibra criou sua filha sozi-

nha, sem medo de encarar as adversidades que a vida impõe. Eu tenho muito orgu-

lho de ter amigos assim, corajosos. Claro que não dá para comparar com o infeliz

presidente que no primeiro grande escândalo (e foram muitos) de seu governo tirou

o seu da reta e saiu pela tangente como fazem os covardes, dizendo: “eu não sabia”.

Como estamos falando em virtudes é preciso apresentar a mãe de todas: a Verdade

que por sua importância é o principio de tudo. Da verdade se deriva a Honestidade,

Justiзa, Honra e Espiritualidade. Amar a verdade é um princípio filosófico, espiritual e

moral, tudo ao mesmo tempo. Quem pode se esquecer do Chico Xavier? Verdadeiro

por 92 anos seguidos, sem fugir um milímetro de sua verdade! Vivia e pregava a

mesma coisa.

Pena que a verdade não seja uma virtude cultuada pelo supremo mandatário do Bra-

sil. Ou alguém se esqueceu que o Roberto Jefferson o avisou sobre o mensalão do

PT meses antes do escândalo explodir e depois disso ele jurou de pé junto que nada

sabia, mentindo assim despudoradamente.

Como nossa prosa é sobre gente honrada, melhor dar exemplo de pessoa com hon-

ra. Gente que joga limpo, porque a honra й constituída pela verdade e pela coragem.

Verdade para admitir suas verdadeiras responsabilidades e coragem para assumi-las.

Como fez recentemente o general Augusto Heleno ao defender a integridade territo-

rial da Amazônia, se colocando contra a demarcação de terras indígenas continuadas

em faixa de fronteira, sua tese foi derrotada no STF, mas ele não mudou sua posição

em defesa de nossas fronteiras.

Muito diferente do ocupante da Presidência da República que acha que preso político

em greve de fome em Cuba é a mesma coisa que bandido do PCC amotinado em

São Paulo. Não admitindo a própria responsabilidade de chefe de estado democráti-

co, signatário da carta de direitos humanos da ONU, em pedir e exigir respeito aos

princípios básicos da dignidade humana em Cuba, ou em qualquer parte do mundo.

Como nossa intenção é dizer que há gente boa no Brasil e citar seus nomes para me-

lhor provar tal tese, prossigo com exemplos de virtudes e evoco a fidelidade ou leal-

dade, se preferirem. Fidelidade não apenas dar exclusividade ao seu cônjuge. Você

pode ser fiel a uma causa, pátria, pessoa ou religião. Amir Elias Donato é um bom

exemplo de fidelidade a uma causa: a filantropia. O homem é um dos fundadores da

APAE de Rondonópolis, onde foi presidente por oito anos, um dos fundadores do Lar

dos Idosos de Rondonópolis e do Rotary Clube. Em termos pessoais, o que o "homi"

de Brasília fundou ou criou?

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Se você vive no caos, nada fica estável, tudo muda o tempo todo. Ninguém quer vi-

ver assim. Por conta disso a disciplina é a próxima virtude que se apresenta para

nós, mortais. Se há liberdade demais temos o caos, se existe ordem demais temos a

estagnação (imobilidade). Mas, para qualquer desequilíbrio a destruição é certa (pela

entropia), eliminando os excessos dos dois lados. A natureza é assim! O equilíbrio

dessas três forças é a disciplina. Quando na sociedade uma pessoa invade a liberda-

de de outra é necessário restabelecer a ordem perdida e usando uma força discipli-

nar equilibrada estabelecer a harmonia e a justiça.

Quem estudou na Década de 80 na UFMT, como eu, há de lembrar a Professora Ve-

ra, ensinando Química. Pergunte a qualquer um desses velhos alunos sobre a maior

virtude daquela mestra e a resposta é uníssona: disciplina! E aí fica minha gratidão a

ela, até agora o que começo eu termino. Diferente do quase ex-presidente que inau-

gurou tanta pedra fundamental e nada terminou. Falta-lhe disciplina.

Dentre as virtudes uma delas é característica marcante do povo de Mato Grosso: a

hospitalidade. Nas margens das rodovias existe gente humilde que planta e colhe o

sustento. Essa mesma gente, que tem tão pouco para si, não deixa o próximo sentir

fome, frio ou sede. Ninguém precisa me avisar que existe uma família hospitaleira

em tal lugar. Eu convivo com essa gente há tanto tempo que hoje acho normal ser

tão hospitaleiro quanto eles. Os boxeadores cubanos que tentaram asilo político no

Brasil conheceram a hospitalidade do desgovernante federal. Presos, foram coloca-

dos em um avião particular e despachados para as masmorras de Fidel, sem dó, nem

piedade e muito menos hospitalidade.

Como é preciso ganhar a vida, a laboriosidade, ou seja, trabalhar é a próxima virtude

filosófica a entrar no texto. O oposto do labor é o parasitismo, quando um vive as

custas dos outros. Eu conheci um homem laborioso: João Moraes. A lembrança é co-

letiva em Rondonópolis e nada preciso acrescentar sobre a vida dele. Bem, não vou

tentar comparar esse com aquele ex-trabalhador metalúrgico. É maldade.

Ao longo da vida aprendi que antes de tudo é preciso ser independente. Não ter rabo

preso com ninguém. Assumir a responsabilidade dos erros e acertos. Não jogar nas

costas do diabo o meu problema. Nem clamar por Deus para resolvê-lo em meu lu-

gar. Nunca ser omisso de suas responsabilidades consigo próprio, com sua família e

com a sociedade.

A independência é a virtude seguinte. Para tê-la é necessário ter liberdade e não pa-

rasitar ninguém. Conheço gigante assim, gente que não engole sapo e nem se esco-

ra em outro. Rafael Branco foi ministro-presidente no tribunal superior onde eu tra-

balhei. Todos diziam que era louco por ter depositado milhares de libras esterlinas

recebidas como propina pela compra de submarinos no fundo de Marinha. Morreu

em Copacabana sem nunca sair da classe média. Imagino a cara dos sujeitos que

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contavam com aquela propina. Dá para pensar no atual presidente que compra filme

pirata fazer um negócio desses? É ruim!

A última das virtudes gregas é a perseverança e para exemplificar tal virtude vou

buscar um líder sindical que fundou o PT em 1980: Vicentinho. Nordestino, pobre,

preto, migrante para São Paulo, tornou-se líder sindical e presidiu a CUT. A trajetória

de vida do Vicentinho é muito parecida com a do quase ex-presidente Lula, a dife-

rença está na perseverança do potiguar que estudou e hoje é um bacharel em Direi-

to. Perseverança é uma virtude e com certeza o “Luisinho 51” não tem.

Pois é, querido e dileto amigo, falei de gente boa e de suas virtudes. Claro que não

poderia deixar de compará-los ao autoritário e perigoso aspirante a ditador que deixa

o governo como assassino da ética e da esperança em políticos. Afinal, o salafrário

acha normal quebrar sigilo bancário e fiscal dos brasileiros e reclama não ver estam-

pada nas manchetes dos jornais o produto do crime praticado. Pena que o Brasil não

é a Venezuela, pois se lá ele teria guarida, aqui ele só vai ser “ex” em Janeiro de

2011. Mas, de qualquer forma, agradeço o conselho.

(*) Morador em Rondonópolis e professor da UFMT.

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Democracia: utopia de poucos Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 28 de setembro de 2010

Revendo o livro “O futuro da democracia” de Norberto Bobbio, velhos sonhos da ju-

ventude distante me assaltaram o coração e o pensamento racional me fez por no

papel aquelas utopias sonhadas em minha adolescência. Quando o Brasil será uma

democracia?

Para entender a utopia é necessário compreender a qual democracia me refiro. Cer-

tamente não é a democracia direta onde o cidadão propõe, debate e vota tudo que

for do interesse da sociedade. Isso é burrice, impraticável e só os idiotas, com uma

imensa dose de má-fé são capazes de propor algo impossível em um pais do tama-

nho e complexidade como o Brasil. Em Atenas, na Grécia de Sócrates e Platão, onde

só os homens eram cidadãos e votavam, excluindo as mulheres, os escravos e os es-

trangeiros, o sistema direto podia até funcionar. Hoje é arma usada por ditadores do

tipo Hugo Chaves e Cia ltda.

Na outra ponta está a democracia representativa onde o cidadão vota num represen-

tante e fim. Isso é igual ou pior que a tal democracia direta, pois só há um momento

“democrático” quando o eleitor vota. Hoje o Brasil está nesse extremo. Um nome

vem do nada e você ou eu, cidadão, ou vota ou vota. Ponto final. Caramba, isso é

uma m...

Lógico que minha utopia não está em nenhuma das duas pontas. Entretanto, é pos-

sível misturar as duas e ter algo muito melhor como resultado. Sem contar as solu-

ções usadas em países democráticos e que funcionam muito bem.

Por exemplo: Referendos periódicos visando manter ou não o representante no po-

der. Assim, ao eleger o prefeito por quatro anos haveria um referendo no meio do

mandato para que o cidadão mantenha ou tire o representante em função dos dois

anos de exercício do mandato. Isso exige melhores escolhas pelos partidos políticos

de seus candidatos e a perda de tempo irrecuperável quando um representante fra-

cassa ou trai o programa de governo pelo qual foi eleito. Presidente e governadores

da mesma forma. Isso vale para câmara de vereadores, de deputados e senadores,

com uma pequena diferença, caem todos juntos no parlamento se não houver apro-

vação popular.

Outro pedaço de minha utopia está na representatividade dos parlamentares por dis-

trito eleitoral em lugar do nada que existe hoje. Explico: um vereador ou deputado

representa uma população que habita uma área geográfica. Hoje o vereador repre-

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senta o município todo, ou seja, não representa porra nenhuma. Da mesma forma o

deputado estadual ou federal nada representa, pois foi votado em todo o estado. O-

ra, um parlamentar, exceto o senador, representa o cidadão e como a votação se dá

no total do território, ninguém tem força para chamar o safado e exigir o cumpri-

mento do programa que o elegeu. Caso um vereador fosse eleito por distrito eleitoral

o cidadão daquele distrito fiscaliza um só vereador que o representa. O mesmo vale

para os deputados estaduais e federais. Desse jeito é mais fácil cobrar a conta dos

parlamentares.

Outra utopia é o fim da criação de oligarquias, proibindo essa nojeira em lei. Isso

significa que nunca haveria uma família dona de estados ou municípios ou currais,

como os “Sarneys”, “Bezerras”, “Campos”, “Genro”, etc. Somos 190 milhões e não há

necessidade de uma família se arvorar a ser a escolhida por Deus para governar e

dominar uma região qualquer. Oligarquia é cancro social, apodrecido, formada por

quadrilhas de parentes, cuja intenção é tornar o patrimônio público (o nosso) uma

extensão do patrimônio familiar (o deles). Outras formas de oligarquias vão se for-

mando no Brasil: religiosos, ruralistas, sindicalistas, etc. Olha a Erenice do Lula.

O assunto é empolgante e parece não ter fim. Importante pensar que há outras ma-

neiras de organizar o estado brasileiro. Diminuindo a falta de representação e melho-

rando a relação cidadão com seu político eleito. Claro que muitas outras questões

fazem parte desta minha acalentada utopia, mas o espaço é curto e a cabeça do bra-

sileiro prefere receber informações aos poucos, como as novelas da TV.

Voltarei ao tema no futuro. Mas, passou da hora de uma constituinte exclusiva, com

gente que nunca mais poderá ser candidato a coisa nenhuma. Outra utopia! Afinal,

deixar os políticos fazer a reforma política é entregar o galinheiro à raposa.

(*) Professor da UFMT

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O Rio e o resto Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 28 de novembro de 2010

Amigo, ao chegar do Rio de Janeiro não posso deixar de trazer notícias quentinhas

da minha terra. Afinal, carioca “sangue-bom” não acredita em notícia fabricada nos

centros de comunicação social dos órgãos públicos. O papo no botequim é muito

mais confiável que a notícia enlatada do jornal das oito na TV.

Sábado passado cheguei bem tarde ao aeroporto Santos Dumont que está muito bo-

nito. Claro que o péssimo atendimento e os atrasos continuam e matam a gente de

raiva, mas o prédio parece um castelo da realeza européia, lindo e vazio. Deve ter

rolado muita propina, pois usaram material de primeira.

Encarei um táxi e fui direto para o hotel, na Praça Tiradentes, bem no coração da

boemia carioca. Tendo a Lapa como vizinho, busquei logo um boteco para saber das

coisas e comecei a montar um mosaico dos fatos que estão literalmente fervilhando

na Cidade Maravilhosa.

Como o coração me sacaneou ano passado fui obrigado a beber muito guaraná para

acompanhar o noticiário que vai chegando pela boca de cada um que entra no bote-

quim e sem que nada lhe pergunte vai logo respondendo: - rapaz, sabe o que acon-

teceu na minha comunidade (novo nome das favelas) agora a pouco... E, lá vem no-

tícia quente, contada por quem estava no fato, fez parte dele, sem interpretar nada.

Pega uma notícia aqui, um boato ali, uma dica acolá e o quebra-cabeça vai sendo

montado. Como tive a madrugada de sábado e domingo o dia inteiro para papear foi

possível ter uma versão dos fatos que lá estão acontecendo agora. Usando sempre a

fonte direta, daqueles que vem do subúrbio para o Centro trazendo “a última”. Va-

mos lá contar essa estória que pode virar História.

Tudo começou antes das eleições, com os políticos e marqueteiros (propagandistas)

traçando a estratégia capaz de ganhar a eleição numa boa, sem ter que enfrentar os

tais problemas da vida real. Isso aconteceu em nível federal e estadual. Os caras de-

cidiram montar um “país das maravilhas” no imaginário dos eleitores, onde só existi-

am intrigas, fuxicos de dossiês e maledicências sobre a vida pessoal dos candidatos,

deixando de fora o tal mundo, também chamado de realidade.

Nas favelas e no asfalto (tudo o que não é favela é chamado de asfalto no Rio) o tiro

comia solto, o pó sendo vendido em toneladas e a maconha dominando qualquer es-

quina ou porta de escola. Os políticos, os sociólogos, os antropólogos, os especialis-

tas em segurança pública e lógico, os propagandistas só falavam do sucesso das Uni-

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dades de Polícia Pacificadora (UPP) instaladas em alguns morros do Rio. Até a presi-

denta eleita chamou essa encrenca de modelo de política pública para o Brasil e qui-

çá, para o mundo.

Uma mentira dita cem vezes vira verdade, já dizia Goebbels, o ministro do povo e da

propaganda de Hitler. Não foi diferente nessas eleições passadas. Mentira, encobri-

mento de fatos, distorções e muita safadeza ficaram embaixo do tapete dos palácios.

A propaganda vendeu um Rio de Janeiro, limpo, organizado, sem violência, sem ban-

didagem organizada, sem problemas de deslizamento de encostas. Uma Passárdaga,

de Manoel Bandeira, capaz de dar água na boca do paulista mais avesso ao carioca.

Ocorre meu amigo que a propaganda acabou e o que virou manchete de reportagem

é a tal realidade. E aí malandro, o “bicho pega”! Primeiro as UPP foram instaladas

sem precisar dar um só tiro de fuzil. Ué? Como bandido deixa a polícia ocupar a fave-

la sem espernear? Só porque é época de eleição? Aí tem treta. Por baixo desse angu

tem caroço. Ninguém sobre o morro sem autorização da bandidagem seja ela ligada

ao Comando Vermelho, Terceiro Comando ou aos Amigos dos Amigos, principalmen-

te a polícia.

Aí surge a notícia vinda pela boca de um de “dentro” que afirma ter acontecido um

acordo entre os políticos e os chefões das facções criminosas, para deixar as UPP se-

rem instaladas em troca de áreas de livre comércio para a bandidagem. O soldadinho

disse que na Vila Cruzeiro o pessoal fechou com o “cara do PAC”, para inaugurar u-

mas obras sem atropelos dentro do Complexo do Alemão.

Então começa a clarear. Até as eleições o acordo valeu. E, foi cumprido pelos dois

lados. O problema começou quando os “manés” dos bandidos acreditaram nos políti-

cos da terrinha. Levaram uma bolada nas costas. A UPP que foi instalada para dar

“segurança” ao pessoal das facções e dispensar a figura do “soldado do pó” que ga-

nhava em média R$ 150,00 por dia começou a cobrar “quinhentinho por PM”, o que

deixou os barões muito loucos. Em lugar de baratear os custos de distribuição dos

produtos as UPP inflacionaram o negócio.

No domingo, num barzinho da Cinelândia, meu colega de trabalho, um gaúcho de

Santa Maria que estava no Rio pela primeira vez, tomou uns chopps e caiu matando

em cima do pessoal da roda de samba querendo saber por que queimar carros nas

entradas do Rio. Um “Zé Ruela” deu a ele a explicação da malandragem: o pessoal

que trabalha nesse ramo está protestando contra o descumprimento do acordo, co-

mo qualquer outro movimento social organizado. Comentário do gaúcho: Bah! Até a

bandidagem do Rio é de esquerda.

Agora, os bandidos estão começando a perceber que entraram de gaiato no acordo.

O pessoal da facção tal cuja comunidade não possui UPP está vendendo seus produ-

tos a preços abaixo da concorrência e aí começa a morrer gente. Por dinheiro já se

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fizeram todas as guerras do mundo. Rompido unilateralmente o acordo os bandidos

protestam a lá VAR-PALMARES, via terrorismo urbano, e os políticos aproveitam para

mostrar que cada UPP instalada vai custar um monte de defuntos e milhões de Re-

ais. Vão faturam de montão.

Na segunda-feira fui para o batente e nada mudou no Centro do Rio. Gente demais,

carros demais, congestionamentos demais, camelôs demais e nenhum PM nas ruas.

Isso mesmo, os PM sumiram do Centro e estão conquistando favelas nos subúrbios

do PAC.

Na terça-feira o ascensorista do elevador do trabalho, morador do Complexo do Ale-

mão, foi logo noticiando aos quatro ventos e batendo no peito: O pessoal do CV

(Comando Vermelho) já avisou que se as milícias ou a PM for lá a bala vai chover. E

não é que está chovendo tiro para todo lado naquela pacata comunidade?

A televisão chama um especialista atrás do outro para explicar porque a UPP está

fracassando e ninguém fala sobre as perguntas que estão nas bocas dos populares

cariocas nas ruas. Vamos falar: UPP invade a comunidade e para onde o bandido

vai? Acertaram antes isso com eles? Qual soldadinho do pó vai largar a profissão pa-

ra ganhar um salário mínimo por mês como servente de pedreiro no PAC? Os barões

do crime estão dispostos a abrir falência em nome da paz social no Rio? A corrupção

policial acabou de uma hora para outra? As milícias foram desmobilizadas por livre e

espontânea vontade? A UPP no morro garante que acabou a facção e o tráfico? Cida-

des como Macaé, Cabo Frio, Petrópolis estão preparadas para receber a bandidagem

em fuga? Tem PM para todo o estado do Rio ou só para algumas comunidades? Será

que a bandidagem vai para São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo?

A lista de perguntas que ouvi é muito maior. Mas, respeito à cabeça dos leitores e

fico por aqui. Deixou uma nacional para pensar: as prisões federais de segurança

máxima são os novos escritórios centrais das facções criminosas brasileiras?

A que saudade do detetive Perpétuo e sua máxima: “Bandido bom é bandido morto”.

Seja ele vendedor de pó ou comprador de voto.

(*) Carioca perdido no Mato Grosso desde 1982

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Farinha do mesmo saco: FHC, Lula, Collor,

etc. Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT (2010)

Em 2002 escrevi um artigo, publicado aqui na Tribuna, baixando o cipó no FHC

(traidor do Brasil, a História ainda vai confirmar minha tese) por não usar o FUST

(Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) que acumulava, na

época, 5 bilhões de Reais e o traíra não sacava um centavo para fazer com esse di-

nheirão o que a lei determina: usar em favor dos brasileiros. Por exemplo, colocando

Banda Larga (xDSL) em todas as escolas do Brasil.

O tempo passa, os brasileiros esquecem rapidinho o problema, mas eu sou um chato

que guarda tudo em disco rígido (HD) e de vez em quando abro o passado para ver

se mudou no presente. Aí fico muito indignado quando nada mudou só o ocupante

da cadeira presidencial.

O suposto chefão do mensalão (já viram quadrilha de bandidos sem chefe?) passou

quase oito anos no Palácio do Planalto fazendo sei lá o quê, mas não tocou num só

centavo do FUST e do FISTEL (Fundo de Fiscalização dos Serviços de Telecomunica-

ções). Agora, na hora das eleições para substituí-lo um aloprado perigoso vaza uma

fala do presidente no Twitter sobre o emprego de dinheiro público para salvar em-

presa falida e re-estatizar o defunto da Telebrás. E o que ocorre? As ações daquela

empresa morta e em processo de falência dão um salto absurdo na bolsa de valores.

Caramba, o consultor da empresa coincidentemente é o número dois do mensalão e

unha e carne do Lula! Só mesmo na cabeça de um marginal como esse a verdade

não viria a tona e tudo seria feito na moita. Esse tempo já era. Não adianta falar que

vai censurar a imprensa e o Ministério Público, isso aqui não é Cuba, menos ainda

Venezuela. Tem muito fantoche por aqui, mas também tem gente que pensa e rea-

ge. Democraticamente é claro! Diferente dos bandidos que invadem terra, só para

dar prejuízo para o fazendeiro.

Sou um estudioso do emprego das tecnologias da informação e da comunicação des-

de 1996, tanto na UFMT como na Unicamp, sei do que estou falando. Onde está o

plano brasileiro de banda larga? Existe ou é mais um PAC 3.0 fumacê? Vale um pa-

rêntese, no Rio de janeiro PAC quer dizer Plano de Afogamento dos Cariocas. Quan-

do o cidadão poderá conhecer e debater esse plano que afeta todas as crianças bra-

sileiras e o meu futuro? Acha isso pouco importante? O desgoverno Lula usou do

FUST quase R$ 10 bilhões e do FISTEL mais de R$ 12 bilhões que já foram para o

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ralo são 22.000.000.000,00 de Reais jogados no lixo do superávit primário. Eu pa-

guei essa montanha de dinheiro na conta de telefone e no cartão do celular e quero

o serviço correspondente, previsto em lei.

Até parece que só eu tenho que cumprir a lei, pagando impostos e agradecendo a

Deus por estar desempregado (sabe quantos estão assim?). Mas, por culpa de nos-

sos governos, o Estado brasileiro tem sido omisso, frouxo e conivente com os maus

serviços. Ao meter a mão no meu bolso o governo tem que cumprir as normas legais

e usar esse dinheiro (FUST em especial) naquilo que melhora a vida das pessoas,

como exemplo a educação e a inclusão digital de nossos filhos e netos.

Depois de quase 16 anos de governos ruins será que vamos poder eleger alguém

sério, honesto, patriota, digno de nós? Será que vamos ver a continuidade afundar o

Brasil no conjunto das nações? Sabem como estamos em saúde, educação, corrup-

ção no ranking mundial? Pois é. São 16 anos de safadeza neoliberal onde uns poucos

enriquecem e muitos morrem nas filas dos hospitais, engolfados pela violência urba-

na, no trânsito caótico, entre outros que ainda morrem de fome (coitado do Betinho,

do Fome Zero que morreu e nada conseguiu mudar nesses dois desgovernos neoli-

berais).

O dinheiro desses fundos deveria fazer uma revolução nas comunicações de cunho

social, cidadã, com foco em governo eletrônico e educação. Mas, os quadrilheiros se

juntaram para manter o curral analfabeto, recebendo bolsa-esmola e votando no po-

deroso chefão e em seus asseclas, como os sarneys da vida, collor, renans, bovinos

e gente desse nível moral que frequentam o palácio como bons e velhos amigos.

Cadê o plano nacional de banda larga para os especialistas estudarem e debaterem

com o povo? Cadê a prestação de contas do uso dos fundos de telecomunicações?

Pois é, parece que a jogada era só fazer as ações de certa empresa explodir de lu-

cratividade, uns poucos ganharem milhões na bolsa e o resto é fumaça, conversa pa-

ra boi dormir.

(*) Professor de Computação da UFMT, pesquisador de Tecnologia da Informação e

Comunicação.

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Coisas do cotidiano Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 13 de janeiro de 2011

Quem ainda não viu acontecer coisas banais em suas vidas? Todos vemos e nem da-

mos bola para os fatos que ocorrem ao nosso redor dia após dia. Alguns são tão ba-

nais que damos de ombro e seguimos em frente. Outros, ainda que insignificantes,

chamam nossa atenção.

Hoje, no supermercado vi três adolescentes furando a fila enquanto duas mulheres

falavam pelos cotovelos na fila do caixa. Se para as duas fofoqueiras o fato passou

batido, para mim ainda causa espécie. Minha vontade foi puxar os espertos pelas o-

relhas e colocá-los no fim da fila. Mas, o coração anda falhando e agora o bom senso

me manda contar até cem.

Falando em comércio você já entrou em loja que o vendedor aparece do nada per-

guntando: Posso ajudar? Calma, deixa eu olhar e se algo me interessar chamo um

vendedor. Não precisa realizar essa abordagem de venda agressiva no varejo. Assus-

ta, incomoda e tira a liberdade do cliente de olhar os produtos.

Na Praça Brasil, estacionei o carro e fui atravessar na faixa de pedestre. Um casal de

meia idade que também ia atravessar a Av. Cuiabá preferiu seguir pela rua e comen-

tando desairosamente o fato de eu ir até a faixa. Escuto mal, mas acredito ter ouvido

o cara me chamar de otário. Caramba, atravessar a rua pela faixa de pedestre é coi-

sa de Mané. Total inversão de valores.

Domingo passado, durante o almoço no restaurante, entra um professor universitário

pega a marmita, cumprimenta um casal ao meu lado, anota o celular deles, olha pa-

ra mim de relance, se despede do casal e vai embora. Nem “oi cachorro” o educador

me deu. Fiquei olhando para outra colega presente e por lá ele também não cumpri-

mentou. Como posso educar sem dar o exemplo? Valor moral se exercita no cotidia-

no e de nada adianta fazer lindas preleções sobre honra, honestidade, urbanidade,

etecetera e tal. Quem não vive os valores morais não está apto a ensinar porra ne-

nhuma.

Fui ao dentista, pois a velhice está fazendo meus dentes caírem da boca como bêba-

do cai da bicicleta, estava chovendo e vi uma mulher se aproximar da entrada. Como

de hábito, aguardei sua chegada e mantive a porta aberta para ela entrar o mais

breve possível. Pasmem! A vaca foi incapaz de agradecer, dizer obrigado ou mesmo

sorrir com tal intenção. Palavras mágicas como obrigado e por favor estão morrendo

por falta de uso.

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Quem ainda não viu um motoqueiro ultrapassar pela direita? Puxa vida, isso é arris-

cado demais. Será que o piloto da moto não pensa o perigo desse ato banal? É proi-

bido no código de trânsito, dá multa e as pessoas burlam a lei numa boa, como se

estivessem colocando minhoca no anzol. Fazem isso na cara da polícia militar (que

teoricamente é responsável pelo trânsito) e ainda não vi um PM parar o motociclista

e multá-lo na forma da lei.

Por falar em polícia, tenho uma dúvida: os amarelinhos do trânsito possuem o poder

de polícia para vistoriar um veículo, o motorista e a documentação do auto? Será que

há uma nova polícia na área e eu nem sabia? Daqui a pouco até vigilante de banco

vai me encostar na parede e me dar um “jabaculê”.

Será que o sucesso da interdição ao trânsito de veículos das avenidas do centro da

cidade durante a semana do Natal fará uma autoridade propor o calçadão? Afinal,

até eu notei a melhora nas vendas quanto mais os comerciantes. Calçadão é shop-

ping ao céu aberto. Embeleza e dá vida ao que antes só passava carros e motos.

Essas coisas do cotidiano ainda me incomodam. Pode ser que minha idade esteja pe-

sando no julgamento dos fatos do dia a dia. Pode ser. Mas, abrir a porta do carro

para ela entrar, puxar a cadeira para ela sentar, fazer um comentário gracioso sobre

ela, sorrir ao encontrar um amigo, colega, conhecido ou até mesmo, para um desco-

nhecido, ainda fazem parte do meu imaginário de um cavalheiro ou simplesmente de

um homem educado.

Ser gentil nos relacionamentos com o outro pode ser entendido até como amor ao

próximo. Ou não? Se for verdade, a modernidade está matando a urbanidade e isso

é ruim. Pode ser diferente, basta eu mudar que o mundo muda.

(*) morador de Rondonópolis

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Universidade e livre pensar Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 15 de janeiro de 2011

Em minha prática pedagógica é comum eu baixar o cipó na tentativa das religiões de

entrarem no campus da universidade para fazer o velho conhecido proselitismo reli-

gioso. Normalmente surgem fervorosos defensores dessa ou daquela igreja para di-

zer que o apostolado de suas denominações faz assim ou assado a pregação religio-

sa na academia. Mas, o diabo (se é que isso existe) é que os novéis estudantes não

caem no laço lançado e descambam para a defesa irracional de um credo religioso.

Entra semestre, sai semestre e os zés ruelinhas não buscam na fonte do saber que a

História nos coloca a disposição para entender o que tento dizer. Quando pego vete-

ranos colando grau para orientá-los e digo: - Não agradeça a Deus em tua monogra-

fia. O manézinho sem pensar emburra e põe a dedicatória a Deus só para me contra-

riar. Pois é, assim terminam o curso sem descobrir (fim da educação é a descoberta

do conhecimento) porque a academia se livrou da religião, em especial da Igreja Ca-

tólica Romana, lá pelos Séculos XII a XIV.

Olha que estamos no Século XXI e os que governarão o Brasil amanhã não sabem as

origens da universidade, da idéia de formação da elite de uma nação, de livres pen-

sadores, de gente capaz de ousar dentro de um limite ético que nada tem a ver com

a pregação moral religiosa, baseada em revelações e interpretações.

Na academia, ou seja na universidade, enfrentamos inúmeros problemas de várias

ordens e implicações no trato com nosso objeto de trabalho: o conhecimento científi-

co, artístico, tecnológico e cultural.

A implicação primeira é de ordem epistemológica e diz respeito aos processos de cri-

ação e transmissão de conhecimentos, sejam eles clássicos ou de ponta. Afinal, co-

mo fazer isso para formar os quadros superiores da sociedade in totum com as limi-

tações impostas por esse ou aquele credo religioso. Por exemplo, colocamos em fun-

cionamento um acelerador de partículas que custa milhões de reais e como é sába-

do, vamos desligar tudo por conta da proibição judaica de trabalhar nesse dia da se-

mana. Mas, essa implicação também está sujeita a outras formas de intolerância e

de preconceito de ordem política, racial, sexual, etc.

Outra implicação no processo de criação e transmissão do conhecimento na universi-

dade é de ordem econômica. Como manter a academia autônoma sem depender de

dinheiro carimbado por grupos sociais, religiosos ou congêneres. Como criar e distri-

buir conhecimentos, orientar seu consumo e a troca de bens simbólicos sem precisar

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Linha do Tempo Página 152

de dinheiro? Por isso as universidades transformaram-se em instituições estatais, ca-

pazes de funcionar com o dinheiro público.

Entretanto, por conta desse atrelamento ao poder público surge a próxima implica-

ção para o processo de produção e difusão do saber: as alianças que a universidade

estabelece com as classes dirigentes. O primeiro impacto disso está na redução da

universidade a um tipo de aparelho ideológico do Governo. Em seguida vem o alinha-

mento incondicional ao mandatário sem mais criticar sua atuação. É um terreno mo-

vediço e perigoso, pois a academia passa a criar o que o dono do poder deseja e não

o que a sociedade necessita.

Por fim, a última implicação está no campo cultural, pois cabe a universidade preser-

var o saber, inovar na fronteira do conhecimento e de fazer imparcialmente a crítica

das mais variadas formas de expressão cultural ou simbólica. Como fazer isso se a

academia estiver atrelada a uma religião, a um partido político, a um grupo ou classe

social?

Para evitar que os formados permaneçam na ignorância sobre o por quê da veemên-

cia com que defendo a separação da academia das religiões, dos partidos políticos e

dos governantes de plantão escrevi esse texto. E da próxima vez que alguém pensar

em fazer um culto religioso no campus de uma universidade lembre-se que está co-

locando em risco o livre pensar dos homens e mulheres que habitam a academia.

(*) Professor dos cursos de Licenciatura em Informática e Bacharelado em Sistemas

de Informação da UFMT

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A vergonha de ser fluminense hoje Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 19 de janeiro de 2011

Há mais de cinquenta anos passados nasci na Região Serrana do Rio de Janeiro, cli-

ma ameno, frio no inverno, flores na primavera e gente boa às pencas. Lugar de cu-

rar doenças, de passar férias, de fazer visitas turísticas, terra bonita e acolhedora. De

Itatiaia até Nova Friburgo existe um monte de lugares maravilhosos para se viver. E

isso não passou despercebido por levas de migrantes.

Mineiros e nordestinos em especial, mas também muita gente estrangeira se fixou na

região montanhosa. Gente que veio passear e nunca mais foi embora. Gente que fu-

giu do horror das guerras na Europa e lá se fixaram em paz e harmonia. Dos finlan-

deses de Penedo aos alemães de Friburgo, passando pelo “minerim de juzdefora” ao

baiano porreta as serras do Rio de Janeiro souberam acolher todos, sem preconcei-

tos, possibilitando a miscigenação enunciada por Darcy Ribeiro como a raça brasileira

ou povo brasileiro.

As cidades cresceram nesse meio-século e os problemas se multiplicaram. Os políti-

cos pioraram em termos éticos e a competência sumiu do mapa, já não existe mais

um administrador público, daqueles que morreram com os mesmos bens que possuí-

am antes de tornarem-se políticos. Gente como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek

e João Goulart, só para citar inimigos políticos também. Ou seja, não é o fato de es-

tar à direita ou à esquerda que obriga um governante a ser honesto e competente

ao mesmo tempo. Isso é coisa pessoal, do indivíduo. Faz parte daquela educação

que se aprende em casa.

Infelizmente o Rio de Janeiro vem sendo governado por levas de canalhas a muito

tempo, tanto em nível estadual como nos municípios. É gente desqualificada moral-

mente para todo lado. Vereador que comanda milícia, prefeito chefe de quadrilha de

traficantes, deputados federais quadrilheiros do mensalão petista e estaduais sendo

processados por escravidão e por ai vai. Nas mãos desses bandidos o estado vai lite-

ralmente por água abaixo.

O covarde do governador Sérgio Cabral embarca de férias em Janeiro, some em Pa-

ris, na França. Caramba, logo ele que como eu nasceu no Rio e sabe que de Janeiro

até Março as águas vão rolar e o governo tem que estar presente, solidário e eficaz

diante das catástrofes que ocorrerão. É um moleque que devia vestir saia e tornar-se

a primeira dama da presidenta.

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Se no passado os safados e safadas podiam dizer que desde a colônia o clima castiga

o Sudeste brasileiro, depois de quase nove anos governando, isso mesmo, a presi-

denta é cria da herança maldita do lulismo irracional e responsável por não realizar o

mínimo previsto no orçamento da União, para prevenir desastres. Os cretinos e creti-

nas dizem que gastaram tanto milhões em obras, mas não explicam como essa mer-

reca foi usada.

No caso do Rio de Janeiro foram 80 milhões em ajuda aos desgraçados em 2009/-

2010 e 8 milhões em prevenção. Só gente com uma má-fé infernal faz um negócio

assim. Gasta dez vezes mais em cesta básica para desabrigado do que em contenção

de encostas e remoção de favelas. Olha que a Bahia recebeu cinco vezes mais di-

nheiro que o Rio. Quantas mortes ocorreram lá em 2009, como consequência de fe-

nômenos climáticos? Nenhum. Pois é, mas o candidato a governador de lá foi minis-

tro do interior no governo da continuidade e carreou a grana para seu estado natal.

É uma pouca vergonha.

A Folha de São Paulo publicou um estudo encomendado pelo governador Sérgio Ca-

bral, em 2008, que afirmava cientificamente que a região hoje devastada era a bola

da vez para um desastre climático. O que foi feito? O defensor dos maconheiros e

secretário de ambiente do Rio, o Carlos Minc disse que sabia do estudo e que só fal-

tou tirar as pessoas de lá. Pois é, eles são responsáveis por mais de 600 mortos! Afi-

nal, só faltou tirá-los de lá antes da desgraça.

Mas, meus conterrâneos também são culpados, pois elegeram e re-elegeram essa

corja de aproveitadores oportunistas, tipo urubu que olha a criança morrendo de fo-

me, pois ali está seu próximo almoço. Esse é preço do voto burro, do voto vendido.

A dor é imensa, pois falamos de mais de seiscentos mortos encontrados e os que a-

inda estão desaparecidos (23 horas de 15/01). Votar é coisa séria e não comporta

eleger um Cabrazinho ou um Tiririca ou Romário, senão dá nisso.

A presidenta segue o estilo do chefe e joga a culpa em Dom Pedro I, mas não assu-

me a responsabilidade de ser até ontem, a chefe da casa civil do cara pouco chegado

ao trabalho, logo a maior responsável pela execução dos programas governamentais,

inclusive na prevenção de desastres. É que ela está aquecendo as turbinas e vai lon-

ge, quando o motor pegar talvez vá para a Bulgária.

São quase nove anos de desgoverno, com ela como maestrina do PAC (Plano de Afo-

gamento de Cariocas) e mais de seis do Sérgio Cabral. Se o estudo é de 2008, então

deu tempo de colocar os recursos no orçamento de 2009 e também no de 2010. Por

que não está lá o dinheiro necessário às obras de prevenção? Dá votos visitar zona

destruída, apertar mãos de desgraçados pela catástrofe, anunciar que vai liberar mi-

lhões para ajudar os infelizes da vez, mas fazer algo para resolver o problema, nem

morto!

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Linha do Tempo Página 155

Cumprindo o vaticínio de Rui Barbosa, hoje eu tenho vergonha de ser fluminense. De

ser governado por gente desse tipo. Meu estômago dá voltas quando ouço ou vejo

um desses cretinos dando entrevistas. As palavras de condolências saem de suas bo-

cas, mas em seus olhares há uma alegria horripilante, cuja causa é saber que os

desgraçados de hoje vão precisar estender as mãos e pedir esmolas aos governantes

incapazes de fazer o que a lei determina por si mesmo, mas ávidos pelos votos da

próxima eleição.

(*) Nascido em Vassouras, região serrana do Rio de Janeiro e criado em Paracambi,

na Baixada Fluminense.

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Saiba por que as eleições já passaram Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 06 de fevereiro de 2011

Fui a Cuiabá dirigindo meu carro e no caminho fui percebendo que o Brasil fantásti-

co, maravilhoso, endinheirado e de juros baixos, cantado em prosa e verso no perío-

do eleitoral, acabou. Você notou isso? Não? Duvido que um negócio desses, tão im-

portante para a tua vida, tenha passado em brancas nuvens. Ah, você estava ligado

nas negociações do passe do Ronaldinho. Será você o maior babaca da Terra? Aque-

le que na música do Raul Seixas babava diante da TV esperando a morte chegar?

As placas informando que ali existia uma obra do governo federal ainda estão lá,

mas as obras e as empresas construtoras sumiram. Nem mesmo na serra vi gente

trabalhando, olhe que a obra do trecho da serra de São Vicente começou no século

passado e sempre tem um empreiteiro faturando por ali. Pode acreditar! Em 1999,

os noticiários já mostravam uma briga desgraçada pela tal duplicação da BR-364 no

trecho da serra. Era uma sopa de letrinhas de gente contra e a favor: FEMA, Conse-

ma, DNER, MPF, os cambaus, brigando por conta da destruição no meio ambiente

que a pista de descida iria causar.

Ali já teve placa dizendo que a obra na serra estaria concluída em outubro 2007.

Lembra dessa? Não? Para com isso, assim vou acabar acreditando que o William

Bonner, da Globo, ao te chamar de Homer Simpson, por ser preguiçoso e ignorante,

estava certo. Acredito que todo mundo já inaugurou aquela obra e deu prazo para

que a gente passasse de carro por lá. Bando de mentirosos, entre outras coisas.

Só para relembrar, coletei pela Internet nos jornais do Mato Grosso algumas notícias

tratando da duplicação da rodovia BR-364 na serra de São Vicente: Em 17/12/2001 o

senador Carlos Bezerra anunciava milhões para a duplicação da BR364; Em 18/-

04/2006 Laércio Coelho Pina (DNER) dizia que as obras estavam estimadas em R$ 30

milhões. Em 04/07/2006, Luiz Munhoz, afirmava que o DNER já havia empenhado 14

milhões para a obra, num total de R$ 20 milhões previstos. Em 01/05/2008 o valor

da obra subiu para R$ 26,8 milhões conforme notícia do TCU.

Em 14/04/2009, a obra termina em um ano afirma Rui Barbosa Egual (DNER). Nilton

de Britto (DNER) e Moisés Sachetti (PR-MT) afirmam em 24/08/2009 que a obra fica

pronta em 120dias. Na mesma data, Luiz Antonio Pagot disse que a cobrança da

conclusão da obra é dor de cotovelo do senador Jaime Campos. Alfredo Nascimento

afirma que a expectativa é que até 2009 todas as rodovias federais em Mato Grosso

estejam em boas condições de trafegabilidade, anunciou também a abertura de con-

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corrência para as obras da serra de São Vicente, de mais de R$ 39,9 milhões.

Em 13/03/2010, Silval Barbosa e Luiz Antonio Pagot inauguram a obra. Pagot afirma

que em Junho 2010 a pista de descida estará pronta e funcionando. O investimento

chega a R$ 80 milhões em 2011, para uma obra orçada em R$ 20 milhões. Terminar

uma mamata dessas só se for um idiota de carteirinha. Essa obra vai acabar na Copa

do Mundo. Até lá haja dinheiro e mortos na serra.

Chegando ao aeroporto comecei a olhar as coisas, enquanto esperava a neta chegar,

e ao olhar para cima fiquei pasmo. As placas do forro do teto do aeroporto estão ca-

indo e a obra foi inaugurada em 2008. Ali também as coisas andam a passos de cá-

gado, pois aquelas obras começaram em 1999 e foram inauguradas em dezembro de

2008.

Novamente usei a Internet para pesquisar os jornais do Mato Grosso que noticiavam

alguma coisa daquela obra: Em 04/06/2002, dizia que o Aeroporto estava passando

por reformas e ampliação e que seriam investidos R$ 18 milhões na obra. Em 29-

/12/2005, a notícia dizia que o aeroporto estava em reforma há cinco anos e corria

sérios riscos de desabamento. Em 14/03/2006, Erasmo Aimone Pinto (INFRAERO),

anunciava que a primeira etapa da ampliação do aeroporto seria concluída em junho

de 2006. Para o término de toda ampliação foi previsto um orçamento de R$ 34 mi-

lhões. Para a conclusão do Bloco C foi assinado um contrato emergencial de R$ 14

milhões. Existe uma estimativa de que a Infraero já tenha gasto R$ 29 milhões na

obra. Somou?

Em 24/04/2006, um deputado federal afirmava que graças ao seu esforço pessoal a

INFRAERO liberou mais R$ 32 milhões para o término da obra. Em 23/4/2008 a notí-

cia era de que as obras previstas para entrega em 28/05/2008 não serão concluídas

no prazo. Em 25/02/2010, outro deputado federal afirma que a previsão de término

da expansão do terminal vai até julho de 2013, e o investimento é da ordem de R$

85,26 milhões. Mas, a Infraero prevê mais investimentos em torno de R$ 87,5 mi-

lhões para o aeroporto até 2014. Poço sem fundo! Soma esses valores e construa

dois outros aeroportos.

Notei que entre 2003 e 2011 as obras federais no estado foram inflacionadas, pena

que o dinheiro é meu, teu, nosso e pelo que sei nada vai mudar até 2014. Então só

tem um jeito – votar melhor. Se os partidos políticos continuarem apresentando can-

didatos com o mesmo padrão dos anteriores, tipo tiririca com amendoim, só boico-

tando as próximas eleições.

(*) Contribuinte e morador em Rondonópolis.

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As múltiplas formas da intolerância Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 16 de fevereiro de 2011

Tolerância é uma palavra bem safadinha. Vem do Latim tolerare, tolerantia e na ori-

gem quer dizer suportar, aguentar, sustentar uma dor física ou moral, conviver com

outro de opinião contrária, seja ela cultural, moral, religiosa, civil. Traduzindo: tolerar

é sustentar o cunhado só para não perder a esposa.

As pessoas não são tolerantes de nascença, ao contrário, observe as crianças bem

pequenas e perceba o quanto elas exigem que o mundo gire em torno delas. É um

negócio chamado egocentrismo, que muitas vezes agarra a alma do sujeito e o torna

um chato de galocha que inferniza os demais até sua morte.

Na primeira infância a família educa a criança, mostrando que é preciso viver com os

outros, em outras palavras, socializa o pequeno. Isso é continuado na escola e en-

quanto estuda análise sintática, dia do fico, numerais romanos e outras babaquices

que não servem para nada na vida, também aprendem a conviver com o outro, a to-

lerar o próximo que senta na carteira ao lado.

Às vezes o outro tem a cor da pele diferente, o formato dos olhos puxadinhos, não

tem sapato para calçar ou comida para comer, os cabelos são lisos ou crespos de-

mais. E por aí vai aparecendo diferenças mil que surgem na escola e na vida. Aos

poucos a molecada vai aprendendo a ser tolerante. A ver o outro como diferente,

mas isso não tem nenhuma importância para a convivência. Pelo menos a maioria

vive esse processo.

Ocorre que a metade menos um é minoria e isso pode ser gente que não acaba

mais. E, tem infeliz que não aceita bem essa coisa de tolerância e parte para a briga

em várias frentes de luta, modos de guerra e campos de batalha. São os chamados

intolerantes. Gente que não possui a capacidade ou a habilidade ou a vontade de

respeitar as diferenças. Dureza!

Não falo da intolerância da esposa em não deixar o marido ter muitas sogras, como

os mulçumanos possuem. Afinal, tem coisa melhor que sogra? Também, não falo de

corintianos exasperados contra a falta de títulos do “timinho”. A preocupação que me

faz escrever é a intolerância que fica visível ao menor ato de exercício democrático,

ou de liberdade, ou mesmo de livre-arbítrio de um cara qualquer e surge uma multi-

dão para linchar o “mané” que ousou falar o que pensa ou acredita.

Aceito viver com qualquer pessoa no trabalho, desde que ele seja um vascaíno como

eu. Ora, isso é uma demonstração inequívoca de intolerância futebolística. Ou pior,

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Linha do Tempo Página 159

só me caso se o cônjuge for de tal raça. A intolerância é a mãe do preconceito, do

racismo e da perseguição que vem a reboque dessas indesejáveis atitudes morais e

culturais.

Andei pelo Brasil todo e vi muita intolerância velada ou aberta. Em certa cidade de

Santa Catarina riram da minha pele morena, da minha bermuda surrada, do meu

Português bem carioca, demonstrando que só os descendentes deles mesmos são

pessoas integrais. Se não fosse a minha carteira de dinheiro certamente os arianos

tropicais me colocariam dali para fora.

Em Recife, Pernambuco, a coisa foi diferente. Ao dizer que estava hospedado no ho-

tel tal, a pessoa que me recebia no trabalho mandou seu motorista buscar minhas

coisas, pois só gente sem vergonha vivia na naquela rua de perdição. Perdi uma o-

portunidade de ouro de me perder por lá. Pura intolerância da chefa.

Aqui mesmo em Mato Grosso, me chamaram de “pau-rodado”. Nem gostando de Cu-

ruru, do Siriri, de chupar manga, comer pacu assado e beber guaraná o adjetivo vai

embora. Parece que fui marcado como boi. Minha vingança é que pelo andar da car-

ruagem daqui uns vinte anos só os índios serão mato-grossenses de “chapa-e-cruz”,

como quer à cuiabania.

Até mesmo na Medicina a intolerância é indesejada. Bebê intolerante ao leite dá um

trabalho danado. Tem gente que não pode ser picado por abelha, outro nem pode

pensar em beber uma pinga, pois são intolerantes a alguma daquelas substâncias.

Coisa ruim é ser intolerante.

Respeitar as diferenças de crenças e opiniões é difícil para aquela minoria que ou fo-

ram criados cheios de tabus, ou foram criados de maneira preconceituosa, ou decidi-

ram ser intolerantes apesar da educação em casa e na escola dizer que isso é uma

droga. É o cara que quebra a lâmpada florescente na cara do outro por que a orien-

tação sexual daquele é diferente da sua. O mesmo que atira na cara da moça que

está manifestando sua opinião contrária à tirania do fundamentalismo religioso esta-

tal. Ou ainda, que diz ser igual a greve de fome de libertários cubanos e bandidos do

PCC paulista em motim.

Ocorre que mesmo entre nós, os chamados acadêmicos, gente que tem a obrigação

moral de ser tolerante, a intolerância aparece a cada momento. Um voto negado por

conta da filiação partidária diferente, um parecer desfavorável por conta da diferença

de opinião política, um ataque veemente contra a idéia do outro que sugere caminho

científico novo e ponha em risco o conforto intelectual burro e indolente, um ataque

velado ao outro que defende posições divergentes em campos distantes da universi-

dade, mas que espanta do campus influências nocivas do preconceito, da persegui-

ção e da maldade. A lista não tem fim.

Claro que não devia ser assim entre pessoas educadas exatamente para serem tole-

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Linha do Tempo Página 160

rantes com a opinião contrária. O fim da educação é formar cidadãos para a socieda-

de, isto é civilizar as pessoas. Lógico que sabedores que a verdade é provisória e

temporária jamais poderiam ser intolerantes em nome de outras verdades nascidas

longe da academia.

A Ciência é laica, não se submete ao poder do estado, não se imiscuí com o conheci-

mento advindo do senso comum, da religião ou da filosofia. A Ciência é exercida por

seres humanos livres, no exercício do livre pensar e do livre-arbítrio. Sem isso não há

como produzir o tipo de conhecimento chamado científico. Com sua organização, sis-

tematização, observação, medições e erros a Ciência caminha com o objetivo de me-

lhorar a vida das pessoas.

Quando no Século XIII nasceram às universidades, lá pelos idos de 1.170, a busca

da autonomia foi à primeira luta de seus membros. Deveria ser a luta dos seus atuais

membros. Pena que não é. Tem ideologia atrapalhando, tem religião atrapalhando,

tem submissão ao governo atrapalhando, tem preconceito de vários matizes atrapa-

lhando, todos com a intolerância que lhes são peculiares. Como diria o ateu brasilei-

ro: - Oh meu Deus!

O desafio maior de cada membro da academia, e a universidade é seu lugar privilegi-

ado, está em conviver com o diferente e dessa convivência produzir algo bom para a

sociedade. Eu, particularmente, não gosto de flamenguista, entretanto nunca per-

guntei a um estudante, no momento da defesa de uma tese qualquer, para qual time

ele torcia. É irrelevante se o colega de academia é baixo, mediano, alto, homem,

mulher, heterossexual, homossexual, transexual, rico ou pobre. O que interessa é o

que ele sabe e o que ele faz com o que sabe.

Se assim não for, vamos devolver a universidade à sua antecessora no domínio do

saber, a Igreja Católica, e deixar que ela produza subjetivamente milagres para curar

um infarto como ao que eu sobrevivi em lugar de técnicas médicas e medicamentos

farmacêuticos capazes de objetivamente salvar vidas.

Sinto-me bem na universidade porque respiro o saber dos outros, burilo pedra brutas

cujo interior possuem altíssimos potenciais de brilho e ouço a grama crescer junto ao

conhecimento humano civilizatório. Saio de lá e vou ao templo, agradecer a Deus por

me permitir conviver com a razão, com o sentimento e com a moral, itens tão neces-

sários para ser tolerante o bastante para amar o próximo. Inclusive o próximo intole-

rante.

(*) É professor da UFMT

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Viajar no Brasil é uma aula de vida Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 23 de março de 2011

Se existe algo que gosto de fazer é por o “pé-na-estrada” e sair pelo Brasil afora via-

jando e conhecendo lugares e pessoas. Mas, além do prazer, viajar tem sido uma

escola de vida. Às vezes aprendo coisas boas para por em prática na hora. Outras

vezes as lições ensinam o que não se deve fazer na vida.

De Rondonópolis até Goiânia só encontrei coisa ruim na estrada. Em Jataí - GO fui

multado por um policial rodoviário federal. Até aí nada de mais, pois eu ultrapassei

em local com faixa central contínua. Vamos aos motivos que tornaram o fato negati-

vo. Primeiro, as péssimas condições da estrada não permitem enxergar a pintura da

faixa central. A buraqueira transformou a faixa contínua em intermitente. Segundo, e

pior motivo de minha indignação e repúdio, o policial federal estava escondido para

flagrar motoristas desavisados e infratores como eu. Aí é uma vergonha!

Explico: um agente policial preparar uma emboscada para autuar cidadãos-

motoristas em infrações de trânsito demonstram o despreparo moral desse agente

para o exercício da função policial. Um policial não prepara armadilhas para o cida-

dão. Ou ele deixa de ser policial e torna-se um bandido. Parece filme americano, on-

de o carro patrulha fica escondido para abordar os motoristas. Isso é coisa de cine-

ma, não da vida real.

Mas, entreguei a carteira de habilitação e o documento do carro nas mãos do des-

preparado agente e ouvi que receberei em casa a notificação. Estranho isso, pois

quero assinar o talão de multa e registrar meu desagrado pela atitude canalha do

PRF. Como passei dos cinquenta anos, sei que é besteira buscar ouvidoria, correge-

doria e coisas do tipo, pois colegas sempre são parcimoniosos com iguais. Afinal eu

ultrapassei em local proibido e deve pagar a multa sem chiar.

Chegando a Goiânia. Já com noite alta, enfrento um sério e velho problema daquela

capital: a sinalização é uma porcaria. Sem saber onde estava, pois nenhuma placa

dizia minha atual localização, não conseguia encontrar outra que me dissesse para

onde estava indo. Nem os goianos sabiam me informar para onde eu devia ir. Depois

os caras ficam chateados quando sofrem a gozação de possuírem a melhor universi-

dade do mundo, por ser capaz de formar um goiano.

Matei minha saudade das netas, do filho e nora. Segui adiante para Minas Gerais.

Chuva terrível, estragos aqui e ali no caminho. Fui dormir em Congonhas, ao lado da

maravilhosa obra do Aleijadinho. Olhando as gigantescas estátuas em pedra aprendi

o quanto o artista foi mau: todos os demônios têm cara de inimigos políticos e religi-

osos do autor. Ao passo que os profetas possuem rostos de amigos.

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Linha do Tempo Página 162

No dia seguinte andei pouco e parei em Santos Dumont. Rever velhos amigos não

tem preço e fiz isso cheio de alegria. Haja coração. A acolhida mineira é algo incrível,

você é tratado como um da família. Melhor impossível.

Já no quinto dia de viagem ultrapassei a divisa com o Rio de Janeiro. Minha terra.

Parei depois da ponte e pisei descalço naquela terra. Visitei o lugar onde nasci: Vas-

souras, terra do príncipe e dos barões da Monarquia. Minha neta ficou babando nos

palácios, casarões, solares e praças daquela cidade imperial. Eu fiz questão de almo-

çar, pois era sábado, dia de feijoada. Pena que minha dieta não permitiu saborear o

torresmo, o paio, a pinga com limão.

Dali fomos pela rodovia Rio-Bahia até Barra Mansa e de lá, desci a Serra do Mar até

Angra dos Reis. Que vista! Como é linda a paisagem da Mata Atlântica e do oceano

lá embaixo. No quilombo de Serra d’água tem doce caseiro de tudo quanto é jeito e

sabor. Vale à pena ganhar um quilinho extra. Chegando ao Frade, dobrei a direita

em direção a minha casinha em Ubatuba, vizinha de Paraty e trezentos anos de His-

tória do Brasil. Caminho do Ouro, de índios Tupis, Tamoios e Tapuias, dos quilombo-

las de Pedra Azul e Camburi.

Em Paraty, andando no pé-de-moleque que calça as ruas, pode-se comer um quebra

-queixo delicioso, ou um cuscuz com leite condensado capaz de revigorar o viajante

cansado. Isso sem contar o bolinho de bacalhau em Lídice. Depois de um pastel de

camarão com caldo-de-cana a viagem prossegue pela via Rio-Santos. Quem puder

vá. Não existe lugar mais bonito nesse planeta do que o trecho de litoral denominado

Costa Verde. Só vendo é possível entender isso, pois os túneis naturais de flores for-

mados pelo Manacá-da-Serra explodindo de cores são exuberantes.

Orquídeas floridas, Maria sem vergonha para todo lado, gengibre do mato, bananeira

de jardim, flores que não acaba mais, formam um tapete ao lado da estrada. Sem

contar as paisagens cinematográficas de Tarituba, Praia da Fazenda e tantas outras

pequenas localidades caiçaras.

Ao chegar a casa, na linda Praia do Tenório, em Ubatuba, os olhos se enchem de lá-

grimas. Os netos que faltavam estão lá. Aperta aqui, abraça ali, beija acolá, e o pas-

seio a pé apresenta dois gigantescos navios transatlânticos ancorados na Baia do Ita-

guá, despejando turistas em terra. É uma bonita visão.

Pois é, como sempre viajar mostra vários lados de um polígono de surpresas, chama-

do vida. Tem gente burra, safada, inteligente, honesta, lugares ruins e outros mara-

vilhosos. O negócio é aproveitar o que a experiência oferece e aprender a viver. A

volta foi rápida, pois o batente chamava.

(*) Morador de Rondonópolis

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Até homem chora Ruy Ferreira(*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 14 de abril de 2011

Como eu gostaria de escrever o que realmente sinto agora em minha alma. Mas, fal-

ta inteligência, criatividade e talento para isso, sem contar na barreira que a vida me

ensinou a levantar diante das emoções: homem não chora!

Entretanto, existem momentos que o terremoto das emoções nos joga no chão e

sem piso seguro nossas pernas fraquejam, tremulam e despencamos feito castelo de

cartas. E, parece que nos dias de hoje ao fim de um sismo sempre há um ou mais

tsunamis para destruir a fortaleza que desde tenra idade nos ensinaram a esconder

dentro.

Nem bem uma dor esmaece e já vem outra igual ou maior provocar as defesas do

macho incapaz de demonstrar sua dor, sua fraqueza, sua fragilidade, diante do mun-

do e suas tragédias.

O que há conosco? Será que os pregadores da Era de Aquarius estavam certos? Um

novo tempo é chegado e o amor será colhido por todos, na marra. Uns pelo prazer,

outros pela dor, aqueles pela dedicação ao próximo, esses pela impossibilidade de

reagir aos acontecimentos. Início dos tempos? Sei lá.

Se não bastasse a dureza dos efeitos terríveis das catástrofes naturais, aquelas que

seguindo leis da Natureza (para muitos, de Deus) destroem sonhos, esperanças e

vidas, as criações humanas não resistem a tais impactos e aumentam, ampliando ne-

gativamente os efeitos nefastos da Natureza, ceifando mais vidas ainda, condenando

gente a doenças e sofrimento imensuráveis.

Um terremoto danifica uma usina nuclear, o tsunami que se segue ao sismo traga

milhares de vidas para o mar, os que sobrevivem as duas catástrofes, sem que hou-

vesse tempo de erguer a fronte, descobrem-se no centro de um gravíssimo acidente

nuclear. Nada de bomba atômica, isso é sensacionalismo do jornalismo burro brasi-

leiro. Nada de explosão que mata instantaneamente. A radiação que vaza do reator é

invisível aos olhos, não é possível escutá-la, sentir seu gosto, nem mesmo tocá-la

com os dedos. Mas, ela está lá, impregnando ar, água e solo e preparando o terreno

para matar sem dó nem piedade.

Os efeitos da radiação podem demorar anos para surgir, pode ser até que o primeiro

-ministro japonês seja outro quando os efeitos tornarem-se patentes. Os japoneses

sabem que o território onde o arquipélago está vai virar outra Atlântica, isto é, vai

sumir do mapa-múndi. Vai demorar, mas as leis naturais não contam o tempo em

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Linha do Tempo Página 164

anos e em uma era do futuro o pessoal da arqueologia vai encontrar uma civilização

extinta, de olhinhos puxados e com uma cultura maravilhosa.

No Brasil estamos longe desse tipo de catástrofe. Entretanto as chuvas causam aqui

a mesma quantidade de mortes que os terremotos causam por lá. Só que as chuvas

têm como se prevenir, terremoto não. Nosso problema é corromper até sonhos, pois

aqui as tragédias se repetem com data marcada e nada se faz para mudar isso. Eu

mesmo vivi a destruição da Serra da Araras, em 1967. Tirei nadando crianças de te-

lhado de casa em bacias de banho, lá na Guarajuba em Paracambi-RJ, em 1972, vi e

vivi ano a ano meus pais e vizinhos perderem seus bens materiais por conta de en-

chentes cíclicas e previsíveis. Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, favelas cariocas

desabando por conta das chuvas de verão, isso é notícia requentada.

Talvez, só talvez, devêssemos oferecer nosso território para o povo japonês fixar sua

amada nação junto à nossa, em troca nos ensinariam a enfrentar a Natureza com

dignidade e preparação rigorosa. Além de nos ensinar outras virtudes de sua cultura.

Ocorre que ainda contando os milhares de mortos do Oriente, o homem, que muitos

insistem ser a imagem e semelhança de Deus, decide matar, machucar, dilacerar a

carne de crianças e adolescentes em plena sala de aula. Não, a humanidade do ho-

mem não é isso. Isso é doença. Isso é bestialidade. Isso nada tem a ver com civiliza-

ção.

Deixando de lado a atitude do pai que joga fora o sofá ao encontrar a filha e o na-

morado transando nele e está resolvido o problema, pois sem o sofá a honra da mo-

ça está salva. Discordo que este seja momento para acender o debate sobre porte

de arma por cidadão brasileiro. O momento é de dor, de consternação. Fora abutres.

É a segunda vez que um crime dessa natureza é cometido no Brasil, o primeiro em

2003 e agora outro. É para ficar perplexo. O queixo tem que cair. As autoridades po-

liciais têm dois casos para estudar em suas academias. A crueza do fato é tão brutal

que ninguém tem o direito de explorar a dor e a perda daquelas famílias.

Falar em falta de segurança na entrada da escola é uma piada de mau gosto. A

UFMT tem guarda armada e nem por isso impediram que os ladrões queimassem e

destruíssem um caixa eletrônico de banco no seu pavilhão principal. Sem contar o

fato que no Rio o assassino era ex-aluno dali e não possuía qualquer antecedente

criminal que impedisse seu acesso à escola, à igreja, ao fórum, ao hospital ou ao

shopping.

Respeito o direito da autoridade se expressar, mas não se pode aceitar o uso da dor

do outro para se autopromover. Somos latinos e respeitamos a perda do outro com

solidariedade. Claro que também não aprovo o descontrole desesperado com que

pessoas demonstraram diante do quadro de terror em Realengo. Mas, repito, somos

latinos e nossa dor brota incontrolavelmente quando a sentimos. Os desmaios, a gri-

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Linha do Tempo Página 165

taria faz parte da manifestação da dor. Que fazer. Berramos em restaurantes e no

consultório do dentista, quanto mais diante do desastre.

Vi gente que ouviu dizer e foi para frente das câmeras darem detalhes que não vi-

ram. Pior, repórteres despreparados ouviam o requentamento da notícia ao vivo e

em cores. Gente que em lugar de socorrer as crianças preferiu ficar olhando o desfe-

cho trágico e anunciado de toda ação similar: a morte do agressor. Parece que a hu-

manidade do homem se compraz com a visão do cadáver do assassino sendo trazido

no saco preto.

Com a internet as imagens se multiplicaram e os vídeos postados na internet foram

usados pela televisão. Isso é novo. A televisão está sendo ultrapassada por outro

meio de comunicação e acho bom a TV ser engolida pela Internet. Entretanto, cuida-

do, pois tem gente má e irresponsável postando mensagem do assassino em nome

de terceiros. Isso é uma infâmia, um total desrespeito com as vítimas. Onde está a

humanidade desses crápulas digitais?

Por fim, sucumbi à tragédia no Rio. Talvez o fato de ter sofrido alguns ataques cardí-

acos tenha me deixado diferente. Pois, não foi possível impedir que os olhos mare-

jassem de lágrimas diante da enorme tragédia moral que teima em enlutar todos

nós. O forte, a fortaleza ruiu. E, pior, com ela se foi um pedaço de minha própria hu-

manidade.

Vou fingir que isso não me afetou e tentarei passar um fim de semana igual a tantos

outros. Pode ser que na segunda-feira eu sorria diante de uma coisa engraçada, mas

por dentro, eu ainda vou chorar. E depois disso, tentarei esquecer o acontecido, dei-

xando o fato junto a tantas outras tragédias que a vida colocou em meu caminho.

Brasileiros, meus pêsames.

(*) carioca perdido no Mato Grosso desde 1982.

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Fora Dilma! Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 02 de junho de 2011

Quando o Sarney era presidente da república o Partido dos Trabalhadores (PT) fez

inúmeros movimentos políticos para apear o coronel maranhense do poder. Era o

“Fora Sarney”. Com uma inflação maior que 2.500% ao ano, falar mal daquele

“cabra da peste” era moleza, tanto assim que o deputado Lula chamou Sarney de

“um grande ladrão” em discurso feito no dia 6 de setembro de 1987, em Aracaju.

Entrou o Collor em lugar do Sarney e o PT, até então o guardião da ética e da mora-

lidade, entrou de cabeça no movimento estudantil que pedia “Fora Collor”, em 1992.

Afinal, o alagoano era acusado pela oposição de enriquecimento ilícito com dinheiro

arrecadado via campanha eleitoral por PC Farias, parece sacanagem, mas é exata-

mente a mesma coisa que acontece agora com a dupla Dilma/Palocci. O presidente

da UNE, Lindenberg Faria (hoje senador do PT), capitaneou o grito de indignação e

as ruas ficaram cheias de estudantes com suas caras pintadas pedindo o fim das rou-

balheiras do governo.

O Collor cai por não dividir o poder e o STF diz que o homem é limpo feito gaze este-

rilizada, absolvido com louvores pela mais alta corte de justiça (?). Hoje é um aliado

imprescindível de Dilma, a rainha muda do castelo da alvorada. Assim caminha a hu-

manidade.

Mas, o tempo passa e o substituto de Collor é Itamar Franco, considerado por muitos

como um democrata honesto, mas na visão do PT ele não passa de um vendilhão do

templo que vai a banquete no FMI. Então em 1993 o partido dos socialistas impolu-

tos lança nova campanha difamatória contra o “topete do planalto”: É hora do Fora

Itamar e FMI. Ué? O homem que tem peito para afastar um ministro acusado pela

imprensa de corrupção, para que o ministro se defenda sem macular o cargo é consi-

derado um traidor pelo petismo irresponsável. E agora?

Ocorre que o povo brasileiro novamente usou as urnas para dizer ao partido que a

moralidade é individual e só se torna coletiva quando todos são moralmente corre-

tos. Perde o PT pela segunda vez a candidatura à presidência da república. Sem op-

ção decente em 1994 o povo escolhe o menos pior: FHC.

Um marxista presidente. Homem estudado, ateu convicto, chamado de maconheiro

por Jânio Quadros em 1985, auto-exilado, filho de três gerações de generais, sena-

dor sem um voto sequer, perdedor da candidatura a prefeito de São Paulo para Jânio

e a senador em 1978, ou seja, um acadêmico ruim de voto. Tem fotos dele e do Lula

distribuindo panfletos nas ruas, juntinhos, em plena demonstração de amor eterno.

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Outra vez, capitaneado por Lula, o volúvel, o Partido dos Trabalhadores entrincheira-

do na moral e na ética lança uma campanha moderna: Fora FHC. Demonstrando u-

ma imensa criatividade o PT agora quer apear FHC, o traidor do Brasil, da presidên-

cia da república. O motivo? As acusações de compra de parlamentares para aprova-

ção da reeleição (Mensalinho do FHC) e de falcatruas nas privatizações das empresas

estatais com o Banco Opportunity. Tinha gente do governo levando por fora para fa-

zer ou deixar de fazer coisas. Algo parecido com a Erenice da Dilma.

As reformas do FHC foram atacadas pelo PT e o próprio Lula junto à aguerrida sena-

dora petista Heloisa Helena baixaram o pau no lombo do traidor do povo que criou a

tal idade mínima para aposentadoria. Lula discursou na Câmara dizendo que o es-

querdopata queria “criar o limite de idade para que a classe trabalhadora morra an-

tes de se aposentar”. O mesmo Lula que em 2003 ampliou o estrago de FHC na Pre-

vidência, aumentando ainda mais a idade e expulsou a chata da Heloisa Helena do

PT.

Dois mandatos (um comprado e pago) para o vendedor de coisas alheias FHC foram

suficientes para o povo dizer chega. E, então, num passe de mágica do criador de

galos de briga Duda Mendonça, aquele que recebeu 10 milhões por fora do PT em

contas localizadas em paraísos fiscais, o Lula é ungido pela propaganda e vira o

“lulinha paz e amor”. Detona o esquerdinha sanguessuga Serra e vence a eleição pa-

ra presidência da república. Agora vai! Diria um cuiabano.

E foi mesmo, tanto é que em 2004 o Waldomiro Diniz é pego achacando um bicheiro

do Rio de janeiro para arrecadar dinheiro para a campanha do PT. Olhe que o Wal-

domiro é assessor de José Dirceu, outro arrecadador e distribuidor da república em-

bananada. Como guardião da ética, da moral, dos bons costumes e das minorias da

avenida paulista, Lula demite Waldomiro e chama Sarney para aconselhá-lo. Nasce

uma nova amizade colorida: Lula se apaixona por Sarney.

Junto ao impoluto Sarney, vem a tropa de choque formada por líderes guerreiros fi-

éis: Renan Calheiros, Romero Jucá, Fernando Collor e outros da mesma estirpe. Ago-

ra o governo petista é a elite do Brasil. Só os melhores estão no poder. A ministra

Dilma do apagão elétrico é chamada ao palácio do hômi. José Dirceu caiu em des-

graça e foi pego com a boca na botija pela Procuradoria Geral da República: estou-

rou o mensalão do Lula. Caramba, o cara mais inteligente do PT comanda a esqua-

drilha de parlamentares, empresários e dirigentes partidários que saqueiam os cofres

públicos? E a História vai se repetindo.

Roberto Jeferson avisa ao Lula que estão alugando deputados para votar de acordo

com o governo. O mecânico 171 responde que é uma evolução: FHC comprou depu-

tados, ele estava alugando. Mas, o Dirceu foi cassado e Lula colocou Dilma a “dama

de ferro” em seu lugar no palácio, com a Erenice à tiracolo.

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Claro que houve muitos outros escândalos no governo do petista Lula: Correios; Bin-

gos; a morte de Celso Daniel; a morte de Toninho do PT; Daniel Dantas do Banco

Opportunity com o filho de Lula que de vigia de zoológico torna-se mega-empresário

e do financiamento do mensalão em 2008. Lula inova e cria o “Deputado pré-pago”,

parlamentar que recebeu tantos mil reais e vota em qualquer coisa que o PT desejar.

Lúcia Hipólito, em 2005, denunciou isso e os petistas abafaram sua voz.

Ai a desgraça se abate sobre o queridinho do Lula: Palocci é acusado de quebrar o

sigilo bancário de um trabalhador doméstico. É um ministro atacando covardemente

um simples trabalhador. Estoura mais uma escândalo petista e cai outro ministro a-

migo do hômi. Gente que na oposição queria o fim do superávit primário e quando

ministro da fazendo juntou uma bolada que daria para pagar até a dívida externa,

mas é claro não pagou. Gente incoerente essa. Só mesmo banqueiro gosta deles

Sai Palocci entra o Mantega, mentiroso que só, aquele que disse que a gasolina não

aumentaria até o fim do ano e aqui passou dos três reais. Lembra disso? E o governo

Lula chega ao fim, igualzinho o de Sarney, Collor e FHC.

Podia ao menos parecer com o de Itamar Franco na moralidade, mas não, preferiu o

caminho da corrupção, do encobrimento e do “eu não sabia”. As desculpas acabaram

e ai inventou a explicação enviesada: se fulano já fez isso por que eu não posso fa-

zer? Ou seja, em lugar de explicar o crime, arranja outro criminoso igual para justifi-

car o fato.

Dilma é o Lula de batom, palavras dela. Dilma é companheira de armas do Dirceu,

palavras dele. Dilma a chefe da Erenice. Dilma a que escolheu Palocci para chefiar o

governo e parece estar refém do PMDB por conta das denúncias de tráfico de influ-

ência. Na primeira crise de governo chama o babalorixá Lula para coordenar, ou se-

ja, entrega o poder a outro não eleito. Como Lula virou refém do Sarney e camara-

das, Dilma tornou-se refém de Lula e companheiros. Já vi esse filme e odiei o final.

Fora Dilma!

(*) morador em Rondonópolis

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Centro de Apoio à Agricultura Familiar Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 16 de junho de 2011

O bom da democracia é que o meu pensamento pode discordar das opiniões e ações

de meu maior amigo. E mais, com a liberdade de expressão qualquer um pode exter-

nar o que pensa, sem que isso se constitua crime. Nessas horas tenho pena dos cu-

banos, venezuelanos e argentinos.

Pois bem, li no jornal “A Tribuna” que a Secretaria Municipal de Agricultura e Pecuá-

ria daqui de Rondonópolis vai implantar uma central de abastecimento no conjunto

de prédios em final de construção ao lado da UFMT.

Que bom a prefeitura retomar a obra. Eu mesmo, pessoalmente, pedi isso ao prefei-

to em dezembro do ano que passou. Obra parada é dinheiro jogado fora e isso é ina-

ceitável em qualquer lugar do mundo.

Ocorre que a notícia traz algo estranho em seu bojo. A autoridade entrevistada fala

na UFMT e em laboratórios, auditórios e salas de aulas sem citar o fato gerador da-

quela obra. É, parece que o objetivo principal daquela obra ter sido construída foi

relegada a outro plano pela administração municipal.

Nos prédios onde se fala em armazenar bananas ou ovos também está previsto a-

contecer pesquisas, experimentos, aulas, palestras e extensão universitária como

parte do projeto, possuidor de uma dimensão inédita e inovadora no Brasil: certifica-

ção da qualidade dos produtos agropecuários desde o plantio até a comercialização,

voltados prioritariamente para a agricultura familiar.

Uau! Professor Doutor Libério e colegas arrebentaram a boca do balão ao planejar

isso. Um lugar onde se faz pesquisa de ponta sobre qualidade de alimentos e ao

mesmo tempo se entrega os resultados obtidos ao pequeno produtor rural, parceiro

do projeto. O nome disso é inovação, e o time que planejou isso sabe do que está

falando, eles convenceram com fatos o prefeito da época em que o projeto nasceu

da necessidade e importância disso.

Alinhavaram acordos entre município, estado e governo federal para viabilizar a coi-

sa. Envolveram a sociedade civil nisso, tendo até terra doada para o projeto. E, a

coisa começou. Obra lenta, problemas jurídicos adiando a construção, até que o pre-

feito seguinte deu o pontapé na terraplanagem e começou a sair do chão os prédios

que hoje quase estão prontos.

Aquele time de cientistas da UFMT foi escalado pelas autoridades municipais e esta-

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duais como responsáveis para a compra dos equipamentos dos laboratórios. Coisas

difíceis de serem compradas pela universidade, mas que recebendo emendas parla-

mentares de deputados estaduais está comprado e pronto para ser colocado em uso.

A obra civil foi construída com dinheiro da União, oriundo de emenda de um deputa-

do federal daqui. Ou seja, é um projeto coletivo, unindo todos os níveis de governo.

Eu diria: uma obra de arte daquela equipe e seus parceiros.

Pelo lado científico o projeto prevê o envolvimento de acadêmicos de Ciências Bioló-

gicas, Engenharia Agrícola e Ambiental, Geografia e Sistemas de Informação, tanto

na pesquisa necessária à criação de conhecimentos, como na capacitação do homem

do campo, do produtor. Sem contar na real possibilidade de criação de um curso de

engenharia de alimentos, tão pertinente ao agronegócio aqui florescente.

Sem dúvida, a implantação do Centro de Apoio à Agricultura Familiar é um desafio

para Rondonópolis e nossos políticos. Espera-se que a visão dos administradores mu-

nicipais permaneça enxergando grandes horizontes. Pois, a grandeza do projeto inici-

al é muito maior que uma distribuidora de produtos.

Transformar tudo isso em um depósito temporário de alimentos, como uma central

de abastecimento, é uma temeridade política aliada a um banho de água fria no so-

nho de uma universidade sul-mato-grossense.

(*) Professor da UFMT

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Técnicos da UFMT em greve: uma luta de-

sigual Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 19 de junho de 2011

Aqueles que convivem comigo sabem que sou plenamente a favor de uma máquina

pública enxuta, profissional e valorizada. Ou seja, aparelhamento estatal é uma for-

ma vil de destruir a oferta de um serviço público de qualidade, minimamente com-

pensador frente aos enormes volumes de impostos que pagamos.

Tem isso como norte, é necessário refletir sobre o movimento deflagrado pelos servi-

dores técnico-administrativos da UFMT, como parte da luta de seus membros por al-

go que consideram justo. A greve de funcionários atingiu ontem (13/06) 27 universi-

dades federais, inclusive a nossa universidade.

A greve, organizada pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores em Educação

das Universidades Brasileiras (Fasubra), teve início no último dia 6 de junho e tem

como pauta principal a destinação de mais recursos para a recomposição salarial da

categoria. Além disso, reivindicam mudanças no incentivo à qualificação, na racionali-

zação dos cargos, o reposicionamento dos aposentados, isonomia salarial e de bene-

fícios e a revogação da Lei nº 9.632/98, que prevê a extinção de cargos no funciona-

lismo público, que implica na terceirização nas universidades.

Partindo de baixo para cima, sinto que é meu dever denunciar essa “maracutaia” ini-

ciada no desgoverno do FHC e ampliada fortemente no desgoverno do Lula: a tercei-

rização de serviços públicos.

Quando se fala em empresa privada, com dono identificado, a maneira de adminis-

trar só interessa a ele e a seus integrantes. Mas, quando se trata da coisa pública, a

gestão é problema de todos os cidadãos-contribuintes. Pois eu posso não comprar o

papel higiênico de tal marca e escolher outro nas compras. Enquanto no serviço pú-

blico isso não acontece, pois eu vou a delegacia de polícia registrar um boletim de

ocorrência e só ali, na delegacia, isso pode ser feito.

Quando teu filho, tua esposa ou você mesmo entra em um curso na universidade fe-

deral a expectativa é de que ali haverá gente muito bem qualificada para formar um

novo profissional, seja enfermeiro ou engenheiro. O estado brasileiro está ofertando

um serviço importante e custoso aos brasileiros que obtiveram sucesso nos proces-

sos seletivos para o ingresso na academia. O teu imposto garante. Isso é serviço pú-

blico!

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Linha do Tempo Página 172

Ora, se o governo, malandramente, tira o dele da reta e contrata gente sem nenhu-

ma efetividade ou perfil profissional para exercer as funções necessárias a formação

do contribuinte ou seu beneficiário, está lesando a pátria e desvirtuando o bom uso

do dinheiro público. Afinal, no Brasil existe algo mais importante que os próprios bra-

sileiros?

A Dilma, o Lula e o FHC agem em conluio nesse assunto. Os governistas atuais têm

uma culpa maior, pois além de bater duro nessa porcaria de terceirização de serviços

públicos quando era oposição, agora nem querem discutir esse assunto com os sindi-

catos. É uma vergonha.

Ao assistir a uma assembléia dos servidores hoje no campus vi o quanto o movimen-

to sindical foi enfraquecido pelos últimos governos. Sem contar o fato de que os con-

cursados serem hoje uma minoria entre os funcionários públicos. Ao ver a cabeça

branca do Valeriano participando do movimento fico pensando com meus botões:

será que temos outros trinta anos para formar um farmacêutico ou bioquímico como

ele, para garantir a qualidade necessária às aulas de laboratório?

Por fim, vejo essa luta dos servidores das universidades como análoga a covardia

descrita na Bíblia quando o gigante Golias (o governo) enfrentou o pequeno Davi

(servidores). Tomara que o resultado de hoje seja o mesmo daquele embate históri-

co e o Davi ponha o Golias nos trilhos.

(*) Professor da UFMT desde 1995

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Morreu mais um professor Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 30 de junho de 2011

Desta vez não foi aqui do campus de Rondonópolis. O morto foi reitor da Unicamp,

em Campinas-SP. Gaúcho de nascimento, o porto-alegrense Paulo Renato de Souza

frente o Ministério da Educação por oito anos fez acontecer coisas boas e ruins.

Discordo dele demais da conta. Acho-o um tremendo entreguista. Ou seja, nunca fui

com a cara dele. Mas, jamais negaria sua obra, como faz os atuais governantes do

vermelho. Negar um fato é uma burrice colossal, eu não me incluo no time dos ideo-

logicamente boçais. Então vamos falar de uns fatos e de um só “causo”.

Como professor de Economia, Paulo Renato não foi brilhante. Foi um Ruy da vida,

um medíocre. Como reitor da Unicamp deixou a Moradia Estudantil da Universidade

como grande legado aos estudantes. Em sua gestão foram criadas as pró-reitorias

hoje existentes e o Conselho Universitário, realizando a reforma institucional.

Inaugurou o Hospital de Clínicas e o Centro de Saúde da Comunidade. Adquiriu em

sua gestão um importante centro de pesquisas privado e o transformou no atual

Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas. Foi sob a batuta

dele que a Unicamp deu um salto em direção à pós-graduação de alta qualidade. Ho-

je estudam 17.000 na graduação e 20.000 na pós-graduação, pesquisando a Ciência

de ponta. Eu mesmo sou produto dessa política, pois tenho muito orgulho de ser um

doutor pela Unicamp.

Como ministro do traíra FHC foi de um lado um “boi de presépio” dos organismos

internacionais de financiamento, como todos do desgoverno do FHC. Entretanto, de

outro lado a frente do MEC fez uma mudança radical naquele antro de coisa ruim.

Umas coisas para melhor, outras para pior.

Por exemplo, criou o bolsa-escola federal onde a família ganhava uma compensação

por manter o filho estudando. Claro que é uma estupidez pagar para um pai para

manter o filho na escola, pois isso é obrigação legal de qualquer pai. Porém, diante

da evasão monstruosa que temos até hoje a bolsa-escola era um atrativo para a fa-

mília manter as crianças estudando. O quadrilheiro Lula mudou o nome do programa

social criado por Paulo Renato para bolsa-família e assumiu o maior curral eleitoral

da República.

O ministro criou o ENEM, contra a corrente dos que faturavam bilhões com o vestibu-

lar, contra os sindicatos de professores do Ensino Médio, pois o ENEM media o

“produto final” dos três anos do segundo grau. Pena que nunca usaram os resulta-

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dos do ENEM para revolucionar o Ensino Médio. Mas, usaram para acesso ao Ensino

Superior e mataram a valiosa indústria do vestibular, que Deus a tenha.

Criou no MEC e em seus penduricalhos vários mecanismos de análise e de gestão,

como a definição de parâmetros quantitativos e qualitativos para mensurar a educa-

ção brasileira, substituindo a política rasteira que hoje voltou à cena, pela eficiência.

Implantou um bom sistema avaliativo no Ensino Superior, inclusive na Pós-

graduação, via CAPES. Fez a merenda, o transporte e o livro chegarem à escola. Isso

eu nunca vou negar. Ele fez isso.

Enfrentou o terrorismo vermelho das longas greves, que por um passe de mágica

sumiram no desgoverno petista. Bateu de frente com a histórica independência dos

estados e municípios para subverter política pública educacional, nesse aspecto apa-

nhou mais que bateu. Afinal as verbas da Educação são as mais visadas pelos la-

drões estaduais e municipais.

O Professor Paulo Renato conseguiu universalizar o Ensino Fundamental, e isso, por

si só, é um passo imenso. Para isso criou o FUNDEF que redistribuía verbas entre os

entes federados, o Fundo Escola que faz o dinheiro vir direto da União para a escola,

implantou o Programa Nacional do Livro Didático e impôs um currículo nacional único

e assim garantiu a universalização do Ensino Fundamental. Tiro o chapéu para isso.

Mas, quase nada investiu na Educação Infantil e na Educação Especial. Pau nele.

Paulo Renato é culpado pela precarização da formação de professores, em especial

dos professores das séries iniciais. Nunca quis discutir uma carreira e um piso nacio-

nal salarial para os professores. Oito anos perdidos em termos de carreira profissio-

nal docente. Se o currículo é federalizado, a merenda é federalizada, se o livro é fe-

deralizado, se o “laboratório de informática” é federalizado, por que o professor não

é? Errou feio.

Com certeza o trabalho de Paulo Renato frente ao MEC fincou as bases para o futu-

ro, deixou um MEC com recursos próprios e com instrumentos para avaliar a educa-

ção. Pena que nos nove anos seguintes Cristovam, Genro e Haddad retrocederam

cem anos em termos de gestão, voltando ao clientelismo barato, abrindo espaço pa-

ra as empresas particulares nadarem de braçada no dinheiro da Educação como nun-

ca antes se viu neste país.

Mas, faltou contar o “causo”? Encerro com ele: - Em 1998 fui designado pelo reitor

da UFMT para representar a Universidade na criação de um consórcio de Universida-

des Virtuais Públicas, regionais e federal. Em 1999 o consórcio Unirede foi fundado

oficialmente e houve uma sessão solene no auditório do INEP/MEC com a presença

do ministro da Ciência e Tecnologia e do ministro da Educação. Falou a Dóris (UnB)

em nome da Unirede, depois o ministro Ronaldo Sardenberg e por último o Paulo Re-

nato.

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Em lugar do infeliz falar dos esforços das dezoito universidades federais que constru-

íram o consórcio interuniversitário, dando-lhe o nome de Universidade Virtual Pública

do Brasil – Unirede, ou mesmo, das realizações fruto do esforço nacional na modali-

dade da Educação à Distância, o pelego tingido fez um baita discurso enaltecendo a

Open University, da Inglaterra. Na cara da gente! Fiquei p. da vida.

Esperei o macanudo descer as escadinhas do palco e me postei no seu caminho. Ele

sorriu abertamente e pensou que eu fosse beijar a mão dele. Tadinho. Enfiei o dedo

em riste no peito do “cabra da peste” e fiz ele lembrar que aqui no Mato Grosso havi-

a um time de professores da UFMT fazendo melhor que a Open lá dos quintos dos

infernos, desde 1994. Ele ficou vermelho feito pimentão. Engoliu em seco. Parou do

sorrir. E, para a sorte dele, um bando de bajuladores nos separou como se separa

briga de moleque a rua. A turma do deixa-disso.

Hoje, eu e ele passamos por um ataque cardíaco. Ele se foi. Eu peço desculpas pela

peitada. Afinal, os mesmos que defendi naquele dois de dezembro foram os que em

janeiro do ano seguinte mataram o projeto de pesquisa da UFMT Virtual, ao serem

eleitos para o reitorado de nossa Universidade.

De qualquer forma, até os adversários merecem nosso respeito pelo que fizeram.

Que Deus te julgue Paulo Renato. Mais um professor que se foi.

(*) Fundador da Unirede. Doutor pela Unicamp. Professor da UFMT.

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O fim de um ciclo Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 30 de agosto de 2011

O Brasil como qualquer outro país do mundo vive ciclos, uns econômicos, outros so-

ciais, e outros de vergonha na cara. O ciclo de pessoas com vergonha na cara está

encerrado. O poder é agora exercido por um novo tipo de gente: os “sem-ética” e

alguns até “sem-estética”. Ou seja, por gente desonesta.

Os fatos mostram isso com uma clareza tal que só gente muito safada é capaz de se

calar e se omitir diante deles poderiam fazer vista grossa. Agora até a imprensa a-

mestrada entrou no esquema, além dos tradicionais marronzinhos. É tanta safadeza

que não cabe embaixo do tapete. E pior, ocorre em qualquer nível de poder, da che-

fia do departamento o supremo.

O último fato é esclarecedor até para os “manés” que ainda não entenderam sobre o

que falo: - a greve dos professores das universidades federais. Em princípio os pro-

fessores, doutores e mestres, deveriam ser éticos até embaixo d’água, afinal essa

gente forma o Brasil de amanhã, pelo menos em teoria deveriam fazer isso.

Ocorre que o movimento dos trabalhadores foi minado por pelegos e hoje se colhe

frutos ruins dessa gentalha que tiranicamente conduz o sindicato nacional dos pro-

fessores. Primeiro essa corja de assassinos da liberdade assinou um acordo com o

pelego-mor, o Lula (aquele que não desencarna) para que não houvesse greve de

2007 a 2010 no movimento docente brasileiro. Ora essa, num passe de mágica a

“pelegada” resolveu todos os seculares problemas da carreira docente e das condi-

ções de trabalho dos professores do Brasil. Bastou um acordo espúrio e desonesto.

Em 2011, fim daquele acordo lesa categoria, as bases sindicais existentes nas univer-

sidades federais brasileiras se manifestaram pela abertura de negociações e, clara-

mente apontou a greve como legitimo instrumento de luta para essa parada. Ou se-

ja, as bases querem sentar a mesa e negociar com a patroa (poste do Lula que não

desencarna).

Quatro meses depois da proposta legitima dos professores chegar ao governo da Dil-

ma a resposta é uma piada de mau gosto para aqueles que sabem um pouco de Ma-

temática e vão ao mercado comprar comida. Ocorre que desgraça pouca é bobagem

e surgiu o famigerado PROIFES (braço político do governo nas universidades) com

uma pseudo-votação onde 3.900 associados resolveram aceitar a proposta do gover-

no em nome dos mais de 219.947 professores do ensino superior. Para piorar, os

vinte e poucos delegados do ANDES, sindicato nacional, também ratificaram a apro-

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vação da proposta indecorosa.

Como carioca vou logo dizendo: “Tá dominado. Tá tudo dominado”. A ditadura do

proletariado é isso, uma meia dúzia de gatos pingados decide por centenas de milha-

res e fica o dito pelo não dito. Como fiz greve contra os malditos neoliberais do pas-

sado quero fazer greve contra os novéis neoliberais que hoje estão ocupando o Palá-

cio do Planalto. A turma mudou, mas a pouca vergonha continua a mesma.

Sou afeito a ditados populares, pois eles nos fazem pensar. Dois deles valem para

essa hora triste onde o governo, mancomunado com os dirigentes sindicais

(pelegos), apresenta e aprovam proposta tão indecente e imoral quanto a que foi

aprovada na sexta-feira passada. O primeiro é: “Quando as coisas estão muito ruins

é porque está perto de melhorar”, pensando sobre isso afirmo que no Brasil quando

a coisa está ruim é possível alguém piorar ainda mais as coisas.

O segundo, dito e re-dito pelo meu velho pai é “A vida é um buraco. Pior fica quando

começam a jogar terra por cima”. Esse sim reflete a minha indignação contra o go-

verno neoliberal petista e contra a pelegada que tomou conta do sindicalismo brasi-

leiro. Essa gentalha está jogando terra por cima de minha vida e me sufocando até a

morte. Os nossos aposentados ganham em média 30% a menos que eu (na ativa),

eles estão sendo enterrados vivos e nenhum sindicato os defende. Lembrai-vos da-

queles que criaram o sindicato debaixo de muita pancada.

Como professor universitário, logo um ser pensante obrigatoriamente, voltarei às au-

las na UFMT de cabeça baixa, ajoelhado diante da sociedade pedindo respeito. Mas,

diante dessa corja de pelegos que se autodenominam sindicalistas e desse governo

neoliberal, autoritário e dissimulado prefiro me aposentar que curvar minhas costas

para eles. Sou homem de outro ciclo, fui aluno forjado nas lutas estudantis, fui mili-

tar urdido no duro treinamento e professor que entrou pela porta da frente da Uni-

versidade. Tenho orgulho de ser honesto. Para eles afirmo: não estou à venda!

Volto na segunda-feira à sala de aula, esperando receber a solidariedade dos estu-

dantes e invejoso dos servidores técnico-administrativos que permanecem firmes na

greve por melhores condições de vida e de trabalho. Tiraram-me quase tudo, mas

permaneço firme na integridade moral. Enquanto eles, os dirigentes, bem a História

vai julgá-los como parceiros de Joaquim Silvério dos Reis, traidor do ciclo anterior ao

meu.

(*) Professor Adjunto da UFMT

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Voltei do Porto Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 08 de dezembro de 2011

Amigo, como sempre após uma longa viagem é hora de escrever umas linhas para

contar as peripécias vividas. Desta vez, fui longe: Portugal, passando pela Espanha.

Meu destino foi à cidade invicta: o Porto. Portugal nasceu ali, daquele Portus cale ro-

mano fundada duzentos anos antes de Cristo. Haja História!

Sai do nosso aeroporto sob o som imaginário do sax do querido Maestro Marinho em

direção a Guarulhos, com uma aterragem horrorosa em Araçatuba. Eu depois beber

uma dúzia de doses de pinga pouso melhor um avião que a dupla que nos levou até

São Paulo. O bicho pousou numa roda só, emborcado para o lado como se fosse

passear no gramado. Depois disso aguardei em Guarulhos por seis longas horas até

embarcar com os espanhóis em um gigante de quatro reatores e duzentos e sessen-

ta lugares.

Rapaz, você pode achar que estou inventando, mas é a pura verdade: todos aplaudi-

ram o pouso do gigante no Aeroporto de Bajaras, em Madrid, na Espanha. A tripula-

ção deu um show de bola. Mas, ao descer naquele monstro de aeroporto a gente fica

mais perdido que cego em tiroteio. Parece o Mato Grosso antes da divisão: gigantes-

co. Saímos do terminal 4S para o 4 de metrô! Vinte minutos depois cheguei ao local

para embarcar para Portugal. A Alfândega espanhola foi curta e grossa, vá de meias

novas pois eles mandam tiras os sapatos e botas. Sem contar que os caras adoram

passar a mão na gente. Sei não?

Embarcado em um vôo regional para o Porto nada demais ocorreu. Pois a paisagem

parecia o interior paulista, cidades aqui e ali e muita plantação de não sei o quê. No

final o comandante avisa que vai se aproximar do aeroporto e dá uma canja no visu-

al para todos a bordo. Vai até o oceano e volta pelo Rio D`Ouro. Uma vista linda!

Terra firme e malas nas mãos. Dois dias de viagem, um cansaço danado e a tempe-

ratura assustando, 11º C fora do prédio do aeroporto ao meio-dia. Sou carioca, ado-

ro o calor e o frio é inimigo.

Metrô do aeroporto até o centro da cidade, um euro e setenta centavos o que cor-

responde a três reais. Nem São Paulo capital tem isso. Comecei a me sentir outro

tipo de cidadão era o efeito Europa. Hotel e cama. Fim da tarde, refeito, passeio pelo

centro histórico da cidade. Casaco de lã, cachecol e suéter foram necessários. Ruas

limpas, sem lixo no chão. As pessoas não sujam a cidade por educação e são portu-

gueses, aqueles das piadas, lembra? Pois é. Entro em um dos muitos shoppings da

cidade de 245.000 habitantes (parecida com Rondonópolis) e a decoração de Natal

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está em todo canto. Primeira refeição no continente europeu e ataco de bacalhau

grelhado. Valeu a pena, fico até com água na boca ao lembrar a posta generosa e

deliciosa que lá inaugurei a comilança.

Olhar lojas, ver preços e comparar é claro faz parte desse primeiro contato como

consumidor. Você pode achar que estou te sacaneando, mas eles têm um só imposto

(IVA) que varia de acordo com o produto, enquanto aqui são mais de cinquenta. As

novidades de lá ainda demoram a chegar aqui. Dá vontade de comprar aqueles so-

bretudos de lã mesmo sem poder usar aqui em caldeirão.

Na manhã seguinte, segunda-feira, fui à outra linha de metrô para a Faculdade de

Medicina da Universidade do Porto. Quando vi uma estação chamada Pólo Universitá-

rio estiquei o pescoço para ver o que estava ali reunido. Caramba homem! Um mon-

te de universidades, centro e institutos de pesquisa, hospitais universitários e institui-

ções de apoio, como banco de sangue, hotéis, shopping, campo de futebol, prédio

de apartamentos para moradia e um comércio razoável. Ou seja, uma cidade dentro

de outra. Eles se orgulham de chamar aquilo de Cidade da Ciência.

Fotografei o estacionamento e o jardim em frente ao hospital universitário. Parecia

um palácio medieval com trato de rei. Os carros de nossos sonhos estacionados em

vagas destinadas a professores me fez refletir o quanto somos desvalorizados pelo

governo brasileiro. Aqui se paga 20 mil reais para um fiscal da receita e sete mil para

um pós-doutor na universidade. Lá a coisa é diferente. Temos que mudar isso.

Ao ver os alunos universitários chegando uniformizados parei para assistir algo novo

para mim. A capa e batina preta com a fita na cor do curso parecia uma nuvem ne-

gra se aproximando. Lindo de se ver. Entrei com eles pelo térreo e vi a troca da bati-

na pelo jaleco branco. Hospital muito grande e eu perdido entre os estudantes, até

que consegui chegar ao local do colóquio. A pompa e o calor humano nos esperavam

de braços abertos.

Sobre o evento lhe digo que é coisa chata científica, mas sobre os detalhes é diferen-

te. Por exemplo: um só banheiro para todos os participantes. Ai a fila crescia e havia

uma ante-sala de espera pela vez de ir a “casa de banho”. Ao chegar a minha vez li o

cartaz que dizia: “não jogue lixo na sanita”. Pois é! Nos almoços na Faculdade de

Medicina o vinho do Porto correu solto e eu feliz feito pinto no lixo, afinal infartado

fica contente em viver em hospital.

Três dias de palestras, debates e aqueles jargões do tipo discordo frontalmente do

colega, findo os quais dois dias me sobravam para conhecer Lisboa. No entanto, po-

bre tem uma maldição que na hora da diversão algo acontece e babau. Pois bem, na

quinta-feira Portugal parou em uma greve geral. Os patrícios não querem perder di-

reitos trabalhistas e sociais por conta da roubalheira de seus políticos e do mau uso

do dinheiro público. Aí ficamos iguais.

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Os portugueses têm três anos de salário-desemprego, aqui eram seis meses e os pe-

tistas tiraram um mês e ninguém se aborreceu com isso. Agora somos diferentes de-

les. Tudo parado, exceto as lojas cujos donos abriram seus estabelecimentos, então

o jeito foi passear por perto e fui até Vila Nova de Gaia, situada no outro lado do Rio

D`Ouro, separada por uma linda ponte. No cais do porto de Gaia estão localizadas as

caves de vinho do Porto. Rapaz aquilo é uma tentação. Vinho de quarenta anos é

maldade com quem gosta de bebericar um Porto após o jantar. Só o preço me segu-

rou.

A cidade tem um belo cais que atraca navios de vários calados, nacionalidades e u-

sos, e é um entra e sai de gente danada. Dali sai o bacalhau e o vinho do Porto que

degustamos aqui no Natal, pagos em suaves parcelas. Um funicular sobe o morro

para a volta ao centro do Porto já no cair da noite de quinta. Na sexta-feira fiz uma

visita a um cientista da Educação, português respeitado no mundo, José Alberto Cor-

reia parecia um adolescente feliz em falar sobre o Brasil que ele tanto ama. Aqui fo-

mos iguais.

Os nomes das coisas são diferentes lá, por exemplo: talho é açougue, bicha é fila,

autocarro é ônibus, comboio é trem, PSP é polícia, paragem é ponto de ônibus. Mas,

todos os taxis são “mercedinhas” de verdade, com tudo que elas têm direito. Outra

coisa importante que vi por lá é que em cada esquina tem uma livraria, em lugar das

nossas farmácias. Além disso, em lugar de pipoqueiro tem castanheiros vendendo

castanhas portuguesas assadas na brasa. Comi bem.

Depois de muitos e muitos tipos de pratos do bacalhau, regados a óleo de oliva

(conheci uma oliveira carregadinha de azeitonas e uma pereira com peras maduras),

encerramos nossa estada no Porto. No sábado e no domingo a viagem de volta co-

meçou cedo e terminou tarde. Saímos dos 5º C de lá para os 34º C daqui. Um fuso

horário diferente em quatro horas quase não mexeu com o sono.

Posso te assegurar que brasileiros são bem tratados pelos mais educados e maduros

daquela cidade (os jovens são outra estória) e eles dizem cheio de orgulho que D.

Pedro I doou seu coração à cidade que lá se encontra enterrado para sempre. Como

quem quer dizer com isso, doe você também amor pelo Porto, cidade invicta. Aqui

fico igual a D. Pedro. Amei o Porto.

(*) morador de Rondonópolis e endividado pela viagem

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Boas Festas Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 29 de dezembro de 2011

Lá se vai mais um ano e um monte de coisas ficou só na promessa. Como sempre, a

gente espalha votos de felicidades para todo lado e deseja a paz mundial até para os

inimigos. Esse espírito natalino, hoje reforçado pelo Papai Noel, nos transforma em

gente cordeira e feliz por alguma coisa que não sabemos bem o que é.

Exatamente nessa época os orçamentos públicos são votados, normalmente na cala-

da da noite, ferrando o ano vindouro em áreas como educação, saúde e segurança

pública. Mas, é Natal e dane-se o tal de orçamento. Em maio vou levar minha avó ao

médico e não vai ter especialista, aí um pediatra atende a boa velhinha. Receita um

remédio que eu não posso comprar, mas pelo menos eu sei a doença que ela tem.

Se ela morrer, tudo bem o “curingão” é campeão

A cidade era a rainha do algodão quando aqui aportei na Década de 1980, hoje é a

rainha do quebra-molas. Os responsáveis pelo trânsito adoram um obstáculo na pista

de rolamento. Para eles trânsito fluindo é coisa ultrapassada, bom mesmo é ultrapas-

sar obstáculos para todo lado. Acorda Zé!

Indo e vindo diariamente da UFMT para casa, nos últimos 16 anos notei que a MT-

270, a Rondonópolis - Guiratinga virou um moedor de gente. Ou na ida, ou na volta

tinha que ver um defunto ou um futuro aleijado na pista. Fecharam as passagens de

níveis e não vi mais gente morta no trecho. Mas, um bando de idiotas motorizados

move os bloqueios de concreto e passam entre eles com suas poderosas motos 125

cilindradas. E, de novo lá vem a SAMU berrando e levando essas bestas estiradas na

estrada. Como é fim de ano, melhor deixar essas coisas para resolver depois do car-

naval, quando o Brasil voltar a funcionar.

Até lá vamos reclamar e continuar a fazer besteira no trânsito, como as ultrapassa-

gens pela direita e os avanços de sinal. Antigamente, existia um negócio chamado

Policia Militar, era um pessoal que andava com a mesma roupa, uns blocos de papel

na mão e distribuía uma coisa chamada multa de trânsito para os infratores. Hoje,

eles deixaram disso e andam com muitas roupas coloridas, chapéus bonitos e não

fazem mais porra nenhuma pela fiscalização do trânsito. Agora o negócio deles é o-

lhar documentos. Embora, constitucionalmente, seja obrigação daqueles caras fiscali-

zarem. Mas, é fim de ano e isso acaba virando uma confraternização entre PM e mo-

toqueiro abusado.

No governo do Mato Grosso o negócio é fazer carreata para pedir, pasmem, que o

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governo estadual asfalte estradas. Só mesmo alguém sem compromisso com essa

terra querida faz uma sacanagem dessa. E o pior, acabam levando um monte de

gente decente a acreditar que isso é certo. Certo é incluir no orçamento e fazer. To-

ma vergonha governador.

E a Câmara de Vereadores? Maravilha, sensacional, o melhor uso de dinheiro público

que conheço. Claro que no meu tempo de rapaz essa gente nada recebia para traba-

lhar pelo bem público. Até hoje, em Portugal os parlamentares ganham um salário

mínimo. Mas, aqui tudo muda e ser vereador deixou de ser para homens públicos e

se tornou uma profissão. Até mesmo a principal função do legislativo foi esquecida

por esses profissionais nos três níveis de governo: fiscalizar o uso do dinheiro públi-

co. Agora todos estão no mesmo barco e como dizia o Stanislaw Ponte Preta: “Ou

restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”.

A “poste do Lula” anda se arvorando de faxineira moral. Não é e nunca foi. Quem

nomeou essa quadrilha de ministros suspeitos de corrupção foi a caneta dela. Logo,

ela é a chefona dessa camarilha que ataca os cofres públicos ou você colocaria o teu

dinheiro nas mãos do ladrão para ele tomar conta? Acorda Zé Ruela! Se 2012 não

acabar conforme os idiotas americanos propagam em nome dos Maias, vai haver e-

leição e você deve deixar de lado o espírito natalino. Vote em quem nunca foi políti-

co. Radical, né? Vamos encher o legislativo de tiriricas.

O crédito está expandindo e você pode comprar o que não precisa em até 60 vezes.

Bom. Não para você, mas para as financeiras que vivem dos juros, essa excrescência

nacional. 147% ao ano! E a inflação batendo os 7% ao ano, sobram 140% de lucro

ao ano. Isso sim é paraíso petista na Terra. Aproveite e compre uma vaga em facul-

dade particular e arrume um PROUNI para você. O jeito petista de garantir a Educa-

ção pública, gratuita e de qualidade é encher os bolsos dos empresários da Educa-

ção. Uma vergonha. Uma safadeza. Onde estão às tais universidades públicas?

O ENEM é fraudado, mas tudo bem é fim de ano e em janeiro os suspeitos farão a

matrícula por meio dessa porcaria chamada de SISU. Um sistema nacional, que de-

pois do ENEM ninguém sabe se há honestidade por trás dele, sistema que matricula

gente de longe em nosso campus e que os reitores e reitoras de joelhos diante do

MEC engoliram em troca de uns favorzinhos aqui e ali. Claro que eles vão embora

assim que podem. Claro que eles não ficam aqui depois de formados. Claro que os

m. do MEC sabem disso, mas dane-se a região, dane-se o Mato Grosso.

E o sonho de uma universidade federal por aqui? Vejo o tremendo esforço de meus

colegas professores em escrever um belo projeto. Justificarem em detalhes o que se

quer como se faz e onde se deseja chegar. Mas, o ignóbil ministro da educação diz

um sonoro não. Caramba, essa mesma besta quadrada criou um monte de

“universidades federais” sem ter porra nenhuma! Eu fui avaliar a Universidade Fede-

ral do Vale do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais. Um monte de salas espalha-

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Linha do Tempo Página 183

das de Diamantina até Teófilo Otoni. Nada de nada! E, pasmem irmãos rondonopoli-

tanos de coração, aquela droga foi transformada em universidade federal por que o

Lula quis.

Gentalha! Como diz o Kiko amigo do Chaves. Isso mesmo: gentalha. Aqui tem que

cumprir o ritual do capeta para criar uma universidade federal onde há 38 anos fun-

ciona um campus universitário. Mas, no ABC paulista, na cidade onde o ali babá do

mensalão petista reside, outra universidade surgiu do nada. Ele, o Lula quis e pronto.

Aqui nessa terra de trabalhadores, de gente que ainda tem vergonha na cara, a cria-

ção de uma universidade federal é negada sistematicamente, com ajuda de um mon-

te de gente da UFMT, de políticos mato-grossenses e de burocratas do MEC.

Como é Natal, dou de presente a todos meu acalentado sonho de criar a Universida-

de Federal do Pantanal ou, como chamávamos antigamente, Universidade Federal do

Vale do São Lourenço. É tudo que me restou nesse assunto.

Vai chegando a hora de iniciar as comemorações de fim de ano. No Natal nado con-

tra a corrente e quero mais que papai Noel se ferre. Prefiro o outro, aquele cujo na-

talício se comemora: Jesus, de Nazaré. Gente boa sabia por chapa quente para todos

dançarem o amor ao próximo, a solidariedade. Usava o exemplo como meio de ensi-

no. Foi professor, foi médico, foi carpinteiro e principalmente, a meu ver, deixou a

mensagem mais importante para a civilização ocidental: amar ao próximo como a si

mesmo. Esse é o cara!

Feliz Natal. Parabéns Jesus por seu aniversário.

(*) Carioca perdido no Mato Grosso, cristão e professor.

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Variando o tema para: Educação Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 04 de abril de 2012

No início da Década de 1960 fui levado a um grupo escolar para fazer um teste e

ver em que série eu deveria ser matriculado, havia completado 6 anos em dezem-

bro e já estava alfabetizado, fazia as quatro operações aritméticas, escrevia peque-

nos ditados, lia com facilidade. A diretora, uma senhora com quase 60 anos dizia a

toda hora: - “esse garoto tem que fazer sete anos para entrar na escola”. Minha

madrinha rebatia a cada investida da matrona – Ele está pronto para a 3ª série, eu

mesma o preparei em casa nesses últimos anos.

Prova aplicada e fui matriculado na segunda série do curso primário. Com dez anos

fiz o exame de madureza para o ginasial, fui aprovado e outra guerra com o diretor

do CNEG local: “ele é uma criança e não pode fazer o ginasial”, dizia o velho e car-

comido professor. Aí entrou o argumento do meu pai, forte pacas: - ou matricula o

moleque ou o senhor vai apanhar. Claro, fui matriculado e terminei muito cedo o

ginásio e o científico.

Isso mostra o quanto às cabeças dos gestores educacionais estavam presas ao tem-

po em que foram formados na primeira metade do século passado. Ou seja, os ca-

ras estavam 30 anos atrasados em relação ao mundo em que viviam. A vida é as-

sim, a gente amealha um pouco de conhecimento na graduação e usa isso o resto

do tempo até a morte. Conheço médico que nunca foi a um congresso de medicina.

Isso vale para todas as profissões com formação acadêmica.

Ocorre que nós professores, e aqui não interessa se da Educação Infantil, Básica,

Tecnológica ou do Ensino Superior, exercemos uma profissão sócio-técnica e isso

exige permanente formação. Somos um tipo de profissional em eterna formação,

nunca ficamos prontos e acabados. Se pararmos de estudar estaremos mortos.

E isso se reflete em nosso ambiente de trabalho. A escola ou universidade é reflexo

de seu corpo docente. Isso é certo como o Vasco da Gama foi vice-campeão do

Campeonato Brasileiro de Futebol de 2011. Professor qualificado, motivado e valori-

zado é garantia de qualidade na Educação. Ai surge o assunto que este texto quer

tratar: motivação.

Vou puxar a conversa para a universidade pública, onde trabalho há 17 anos, via

concurso público de provas e títulos. Com esse tempo de serviço era de se esperar

que a geração que pertenço estivesse exercendo o poder. Afinal, essa é a geração

pós-ditadura militar, chegou à academia sem medo de censura, demissão injusta,

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perseguição política e coisas que a ditadura praticava. Nossa geração chegou depois

da Constituição de 1988.

É uma geração que lutou pela liberdade como estudante e venceu pelo voto como

cidadão. A democracia veio pela via parlamentar e nela os integrantes da minha ge-

ração assumiram os postos mais baixos na carreira docente. Aqui no Mato Grosso,

longe do eixo Rio-São Paulo, chegávamos especialistas quando muito. Anos depois

cursávamos o mestrado e bem depois o doutorado. Provavelmente somos a gera-

ção que mais se desenvolveu em atividade.

Lideramos pesquisas e grupos de pesquisas, coordenamos projetos extensionistas,

lecionamos na graduação e na pós-graduação, somos requisitados para proferir pa-

lestras em outras universidades e escolas, o poder público nos convoca como peri-

tos e especialistas para realizar laudos e perícias, fazemos as coisas acontecer nos

corredores da academia, nossos projetos dão origem a prédios e programas gover-

namentais, permanecemos inquietos intelectualmente, insatisfeitos com o marasmo

governamental, e por ai vai.

Nossos velhos mestres foram luzes e exemplos seguidos com destemor. Para a nos-

sa felicidade, hoje a maioria deles está aposentada e infelizmente outros já deixa-

ram essa vida. A eles somos agradecidos e sabemos o quanto foram importantes ao

seu tempo e para nos preparar para a vida. O merecido descanso é o mínimo que a

nação pode lhes dar. Cuidam de seus netos e bisnetos e deixam a academia para a

geração seguinte: a minha. Eles já cumpriram a missão, agora é nossa vez.

Vamos nos candidatar aos postos acadêmico-administrativos e mostrar aos nossos

velhos mestres que aprendemos a lição. É hora de novas mentalidades, novos sabe-

res, novas tecnologias (saber fazer com) na universidade e nas escolas. Estamos

prontos para assumir nosso papel na História e mostrar ao Brasil o que somos capa-

zes de fazer. Fazer de maneira diferente, sem submissão a ideologias roídas pelo

tempo, sem interferências de partidos políticos ou oligarquias, pois sabemos que a

Ciência não se subordina à política partidária ou mesmo a governos.

Fazer valer o direito que conquistamos nas lutas do dia a dia, desde os tempos de

estudante, exigindo do governante de plantão, seja ele ou ela quem for que respei-

te o preceito constitucional e tire as mãos da autonomia universitária. Que se res-

peitem as conquistas trabalhistas e que se inverta a lógica perversa deste governo

neoliberal em gerar superávit primário para pagar banqueiros no lugar de educar

nossa gente, pondo esse dinheiro no maior e melhor investimento de uma nação:

em seu povo. Pois, como lembra o maior pensador capitalista Adam Smith, “a rique-

za de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos príncipes”.

Colocando um ponto quase final nesse escrito, afirmo que pessoas como as que

convivo no cotidiano de nosso campus universitário estão preparada e à altura do

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desafio de fazer melhor e muito diferente daqueles que nos antecederam, pois além

de tudo aprendemos com os erros deles. Gente como o Mauro, Eni, Simone, Flávio,

Elza, Almir, Ivanildo, Laci, Sérgio, Clarisa, Jeater, Plínio, Adenilce, Cida, Wilse, Pau-

lo, Luís, Ivanete, Ademar, Aloísio, Libério, Edileusa, César, Jorge Adolfo, Leida e até

mesmo eu, entre tantos outros mais novos, estão prontos para disputarem vagas

na administração superior da UFMT.

Que venham as eleições, pois já estamos maduros e preparados.

(*) Professor dos cursos de Licenciatura em Informática e bacharelado em Sistemas

de Informação, no CUR/UFMT, desde 1995.

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O tempo passou e nada mudou

Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 23 de maio de 2012

Em 9 de maio de 1996 escrevi um artigo, publicado aqui em A Tribuna,

com o título Reformas do Estado. Encerrava aquela reflexão com a frase: “Desliguei

a televisão e fui para a Universidade. Lá decidimos entrar em greve contra as refor-

mas do FHC e pela reposição salarial, já que a inflação do ano passado não foi re-

posta como manda a lei e desde janeiro eu deveria ter tido um reajuste no mesmo

valor da inflação passada”.

Hoje, passados exatos 16 anos, repito a mesma cantilena: decidimos en-

trar em greve por reposição salarial. Mas, há um fato novo a ser considerado –

quem governa hoje é quem conduzia aquela greve em 1996. Os militantes sindica-

listas de ontem estão no governo hoje e para minha tristeza nada mais parecido

que um governo neoliberal tucano que um petista no poder. Nada mudou! Para nós

é claro.

Hoje querem empurrar uma forma de remuneração baseada em projetos,

já repelida quando da criação da classe de Professor Associado. Essa gentalha assu-

miu de vez o capitalismo selvagem e querem ferrar a vida do magistério superior de

qualquer maneira. As propostas do governo vermelho destrói a dedicação exclusiva

e sugere avaliação de níveis com critérios diferentes, Ferindo o princípio da isonomi-

a. Isso é inconstitucional, pois fere a autonomia e a indissociabilidade do ensino/

pesquisa/extensão.

Sobre a reposição salarial é triste dizer e constatar que estou ganhando

menos que ganhava em 1998. Isso mesmo. O “traíra” do FHC (vendedor do Brasil)

pagava cerca de 3% a mais que a “poste do Lula” paga hoje. E se fiz greve porque

o salário era um horror no tempo do FHC o que dizer de hoje após nove anos de

governo Lula/poste ganhando menos ainda?

Eu não sou militante partidário, não tenho rédeas ideológicas travando

minha opinião, me considero uma pessoa resolvida em termos políticos e sei fazer

contas com facilidade. Como explicar o seguinte: eu e um pesquisador do IPEA ou

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do MCT fomos nomeados no mesmo dia, fazemos tarefas similares, temos o mesmo

título de doutor, então porque ele ganha na média 3 mil a mais que eu, professor

da UFMT?

Será que um petista acha normal que seus políticos no governo pague a

um escrivão da Polícia Federal quase 12 mil reais enquanto o vencimento básico de

um professor com doutorado e dedicação exclusiva (DE) é de R$ 2.318,71? Logo,

eu não vou ficar quieto, levando porrada dessa gentalha que aparelha o governo e

financia lucros astronômicos para banqueiros a troco de “mensalão” e muita corrup-

ção.

Estou em greve por melhores salários, por carreira decente, por regras

isonômicas e constitucionais, por respeito à profissão docente. Sou independente,

crítico e tenho horror a militante sindical que se deixa levar pela filiação partidária,

cometendo as maiores barbaridades contra os colegas de profissão em nome de um

ideal partidário. A luta de classes é suprapartidária e dispensa filiações partidárias

para ser travada.

Queremos reajuste salarial de 22%, com reposição da inflação de 2010 e

2011. E, principalmente, reestruturação de nossa carreira, criada em 1987 quando

eu ainda tinha cabelos castanhos. Junto com outras 44 universidades e institutos

federais em greve queremos solução e não embromação. É uma vergonha a remu-

neração bruta de um professor federal ser R$ 1.536,46 (auxiliar, primeiro nível,

20h).

Aos alunos e a sociedade que nos paga eu peço desculpas pelo incomodo

e atropelos, mas o tempo passou e só a greve é ouvida no Planalto. Ao ministro A-

luizio Mercadante deixo um recado: se você não sabe o motivo da greve é porque

viaja demais e trabalha de menos. Repetindo o slogan que aqui publiquei em 06/-

02/2011: Fora Dilma! Pois, estou indo na contramão buscar o que é meu.

(*) Professor concursado da UFMT desde 1995

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Cara ou coroa: toda moeda tem dois lados

Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Tribuna”, Rondonópolis-MT: p. A2, 03 de julho de 2012

Ao ler a extensa matéria publicada em A TRIBUNA, de 06/06/2012, cuja chamada é

“Cidade conquista curso de medicina”, fiquei com o coração novamente apertado. De um

lado a resposta de uma reivindicação que fiz aqui mesmo em A TRIBUNA por meio de um

artigo irônico com o título de: O Brasil não precisa de mais Faculdades de Medicina, em 17

de abril de 1997, (há quinze anos atrás) em que eu esperneava contra o Conselho Federal de

Medicina (CFM) que se intrometia na autonomia universitária e tentava limitar a abertura de

cursos de medicina nas universidades. A turma do “jaleco branco brasiliense” forçava a bar-

ra com o Ministro da Educação para que se fizesse (e foi feita) portaria proibindo novos cur-

sos sem o aval do CFM. Eu encerrava assim aquele texto: “[...] isso é mais sensato que cas-

trar a autonomia universitária por portaria ministerial!”, falando ali que o certo seria discu-

tir isso abertamente, em audiências públicas, nos fóruns e conselhos adequados na Universi-

dade.

Sobre a notícia recente, o coração fica feliz por que sei muito bem o quanto a Medicina é

importante para cada um de nós. Logo, formar médicos foi, é e será uma necessidade para a

sociedade. Viva o curso de medicina!

Claro que existem outras questões por debaixo dos panos que nem tento puxar o assunto a-

gora, como o ti-ti-ti que rola nos corredores do campus sobre financiar hospital para faculda-

de particular com dinheiro público e outras coisas do gênero. Isso é assunto para outra ocasi-

ão. O tema de hoje é muito mais nobre e mantém minha firme postura diante do descalabro.

Vou repetir e divulgar o que penso. Vou até desenhar se for preciso. Mas, as pessoas vão en-

tender o que está em jogo nessa estória muito estranha e desencontrada. E, aviso logo, é algo

super, hiper, importante. De plano, de imediato, jogo no lixo as declarações oportunistas co-

mo as feitas por políticos em meios de comunicação do Mato Grosso, não vou tratar delas.

Ou seja, nesse assunto o que disse o governador, o deputado, o vereador é irrelevante e não

interessa aqui.

O que realmente interessa está nos discursos do ministro, da reitora, da pró-reitora do cam-

pus de Rondonópolis. Ai mora o perigo. Sobre isso o meu outro lado vai se expor ao crivo da

sociedade e dos colegas acadêmicos. Vou tratar de autonomia universitária, ou seja, de um

preceito constitucional.

Em primeiro lugar esclareço ao leitor que a universidade é uma instituição do Brasil e não do

governo. Afinal, passam-se os governantes e universidade permanece, pois como instituição

estatal cabe a ela o papel de gerar o saber constituído como poder social e que tem a inteli-

gência da nação como instituição livre, democrática e autônoma. Explico melhor: como reú-

ne (ou deveria reunir) a elite da inteligência brasileira a universidade tem a missão de produ-

zir conhecimento, tecnologia, arte e saber para o país. Isso só é possível se o ambiente uni-

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versitário for democrático, se houver liberdade de pensamento e de expressão, ou seja, tem

que haver autonomia.

E isso vem de um passado muito distante, para ser mais preciso vem desde o ano 859 dC,

isso mesmo, com a criação da Universidade de Karueein, em Fez - Marrocos. São mais de

mil anos de tradição e serviços prestados à humanidade. Não nos confundam com governos e

políticos que possuem 4 anos de mandato. Há mil anos passados consagrou-se a liberdade de

aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte, a técnica e o saber,

como um princípio basilar da universidade.

A universidade e seus institutos e faculdades desfrutam de liberdade de ação consagrada pela

autonomia universitária. Os constituintes determinaram no Artigo 207 da Constituição de

1988 que: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e

de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade en-

tre ensino, pesquisa e extensão”. Está na Constituição! Isso não é brincadeira. Isso é muito

sério. Muito importante.

E na visão de nossos mais altos tribunais e pensadores do Direito basta a Constituição para

que isso tome força de lei. Então, a autonomia universitária deve ser desempenhada de acor-

do com a Constituição e não nos termos da lei ou de algo menor ainda como uma portaria

ministerial. Disse isso em 1997 e repito hoje! Logo, nem mesmo a vontade do Presidente da

República, supremo mandatário eleito do executivo, interfere na autonomia das universida-

des. Isso quer dizer que a autonomia universitária é tão importante para a nação brasileira

que seus limites devem ser estabelecidos e exercidos nos limites constitucionais, longe de

leis ordinárias e de vontades de membros de governo ou de outros poderes republicanos.

Como a universidade não é a “casa da mãe Joana” é claro que há de existir normas internas

que estabeleçam limites e regras que todos seus membros devam cumprir. Assim seus estatu-

tos e regimentos constituem as normas fundamentadoras da vida autônoma da academia, isso

feito pelos seus conselhos democraticamente.

Os órgãos deliberativos superiores como o Conselho Universitário (CONSUNI), o Conselho

de Ensino Pesquisa e Extensão (CONSEPE) e as Congregações dos Institutos e Faculdades

formam o corpo de representantes e, somente ali, os membros da academia exercem seu po-

der de normatizar a autonomia. Fora deles tudo mais é inconstitucional na universidade.

Quando os conselhos deliberam a criação de novos cursos, com base em propostas pedagógi-

cas fundamentadas na realidade, exercita-se a autonomia didática e científica prevista na

Constituição. Mas, afinal qual o outro lado da moeda?

Está na subserviência da Reitora, que representa a Universidade, aos caprichos de um minis-

tro causando um sério ferimento à autonomia universitária e desafiando a determinação

constitucional que a institui. Estamos perdendo a capacidade de selecionar e recrutar estu-

dantes, transferindo-a para os “descolados” burocratas do MEC. Deixando agora o governo

determinar quais cursos serão criados na universidade, melhor então declarar nossa incompe

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tência dos acadêmicos de exercer a autonomia, por sermos incapazes de ao menos criar e

aprovar um projeto de curso. Isso é o fim da picada.

Estamos ajoelhando diante do santo errado. Quem sabe ainda não descobrimos que antes do

ano mil depois de Cristo os árabes criaram a universidade para fazer florescer a arte, a cultu-

ra, a ciência e a tecnologia, autônoma da religião, do poder governamental, ideológico e

partidário?

Como ex-conselheiro da Congregação do ICEN nos últimos dois anos fico me perguntando,

sem respostas: Onde e quando aprovei o projeto de curso de medicina no Instituto de Ciên-

cias Exatas e Naturais? Ou, o curso nascerá dos dois outros Institutos aqui existentes? Medi-

cina agora é Ciência Humana? É Engenharia? Que raio de projeto secreto aprovado pelo mi-

nistro é esse? Sem respostas, não se pode aceitar em nome de uma causa nobre que se esbor-

doe a Constituição. Como dizia o saudoso Presidente Dutra: “Se não está no livrinho

(Constituição) nada feito”.

Concluo afirmando que quero sim o curso de Medicina em Rondonópolis. Mas, que se cum-

pra a Constituição para isso acontecer. O perigo ao abrir exceções na lei foi que levou o na-

zismo ao poder na Alemanha do III Reich. Como este ano tem eleições, a dúvida cresce ex-

ponencialmente. Tomara que os colegas da Enfermagem (que vão fazer o novo projeto tra-

mitar) não estejam sendo usados para outros interesses subterrâneos.

(*) Professor da UFMT, incomodado com esse fato como um siri na lata.

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Artigos publica-

dos em outros

meios de comu-

nicação

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Parabéns aos noivos Publicado em jornal extinto. Rondonópolis-MT (1996).

Sábado último, dia 4 de maio, saí para dar uma voltinha pela cidade. Grandes sur-

presas me aguardavam, algumas felizes outras nem tanto.

Subindo a Av. Fernando C. da Costa, em direção ao aeroporto, deparei com um con-

gestionamento, costurei para lá e para cá, e fui passando. O que está havendo?

Ah! Minha esposa lembrou: Casamento da filha do Senador Bezerra. Parabéns aos

noivos!

Continuei o passeio e pasmem: - Havia, às 22h00min, policiais (civis e militares) con-

trolando o trânsito, na periferia do Clube Caiçara. Isto é: Polícia nas ruas. Primeira

surpresa agradável. Parabéns aos noivos!

Ao passar da entrada do Sanatório Paulo de Tarso, ainda na Fernando C. da Costa,

outra surpresa agradável, o trecho até o aeroporto estava um verdadeiro tapete, as-

falto novinho, meio-fio e acostamento. Pedi a Deus proteção para o idealizador da

obra. Mas, alguém no carro fez-me ver a realidade: Este é o caminho onde as autori-

dades passaram ao vir do aeroporto para o casamento. Parabéns aos noivos!

Chegando ao aeroporto percebi vários tipos de aviões: jatinhos fretados, bimotores

potentes e uma aeronave de transporte da Força Aérea Brasileira. Mostrei ao meu

filho aquele avião, dizendo: - Esta é uma aeronave da FAB, comprada e mantida com

o dinheiro do povo, só é usada em missão de combate ou de transporte de militares

em serviço. Aí, perguntei a um soldado do Exército Brasileiro que guardava as insta-

lações do aeroporto: Qual a missão da FAB aqui em nossa cidade? Eu não devia ter

perguntado, qual a minha decepção. O avião trouxe autoridades de Brasília para as-

sistirem o casamento em Rondonópolis. Tapei os ouvidos de meu filho para que ele

não descobrisse a real missão da FAB naquele sábado. Terceira surpresa, já não mui-

to agradável. Parabéns aos Noivos!

Voltando do passeio, pensei: Dos convidados, principalmente os que exercem cargos

públicos, quantos estão pagando com seu precioso dinheirinho a viagem e estada em

nossa agradável cidade? E, se não estão pagando, quem está? Eu!

De qualquer forma. Parabéns aos noivos!

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O texto científico e o prazer da leitura Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Gazeta”, Cuiabá-MT (1999)

Parece que os cientistas, pesquisadores, investigadores em Ciências criaram um novo

mundo, micro-mundo ou macro-mundo, não sei ao certo. O que sei é que a lingua-

gem da ciência tornou-se tão dissociada do linguajar da humanidade que hoje os ci-

entistas correm o risco de falarem para si mesmo.

Como numa conversa informal, a ciência deveria ser comunicada ao ser humano não

-ungido pelo bálsamo da democratização do conhecimento. Isso em qualquer área

do saber, independente de quão complexa se queira tornar os saberes nelas inclusos

ou do nível absurdo de especialização científica que chegamos.

Quando se lê um artigo científico, apresentado num congresso importante, tem-se a

impressão que o autor é o ponto final de uma cadeia de fofoqueiros. Isto é, fulano

disse, cicrano afirma que fulano estudou, conforme beltrano, citado por cicrano, e a

cadeia parece não ter fim. E pior, só os iniciados naquele ramo específico são capa-

zes de compreender aquilo que foi comunicado. Ora, o saber é universal e sua divul-

gação é tão importante quanto a sua investigação, e um aspecto em particular salta

aos olhos do leitor de textos científicos atuais: ausência de emoção na mensagem.

Com raríssimas e honrosas exceções, os hipertextos disponíveis na Internet padecem

da mesma carência. É olhar “com olhos de pessoa comum” e constatar essa realida-

de.

No ambiente familiar, onde a linguagem é mais solta, desinibida, sem subterfúgios,

os assuntos tendem a ser debatidos com ares democráticos e de fácil compreensão.

Exemplo disso cito a recente divulgação da clonagem da ovelha Dolly, na Inglaterra.

Discutiram-se em torno da mesa de jantar quais implicações científicas, morais e es-

pirituais, estariam ocorrendo quando aquele fato científico estiver à disposição de

todos nós, simples pessoas humanas.

A notícia da clonagem foi amplamente divulgada nos meios de comunicações brasi-

leiro, e baseada no Jornalismo, as discussões familiares acenderam prós e contras a

nova técnica disponível na manipulação genética dos seres vivos. Preocupado em a-

profundar tais discussões, sorrateiramente coloquei em pontos estratégicos da casa,

alguns artigos jornalísticos e outros científicos tratando do mesmo tema. Na expecta-

tiva de leitura de ambas as fontes e consequente mudança de atitudes diante de me-

lhor aparato sobre tal fato.

Para minha surpresa os científicos (papers) foram manuseados por toda a família

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(esposa e três filhos adultos e universitários), mas nenhum foi lido além do resumo

(abstract). Enquanto os recortes de revistas e jornais foram lidos exaustivamente por

todos, e citados nas conversas posteriores.

Ora, o tema é polêmico, atual e empolgante, por que os textos científicos não des-

pertaram a devida atenção num público constituído por pessoas instruídas acima da

média brasileira? Se o assunto era motivo de debates no almoço ou jantar, e cada

um dos participantes tinha uma posição dissonante dos demais, num ou noutro pon-

to, por que não foram buscar argumentos em fontes ditas puramente científicas? Por

que preferiram os textos jornalísticos?

Vale a pena investigar tais respostas. Buscar tais razões e propor algo que re-

estabeleça a comunicabilidade entre o “mundo científico” e o mundo real. Particular-

mente, vejo a frieza literária no texto científico como um aspecto a ser considerado,

a falta de emoção no corpo textual. E nesse aspecto vou buscar suporte em textos

científicos que revolucionaram a humanidade, provocaram revoluções e mudanças de

paradigmas, como bem diz Thomas Khun, exemplos não faltam: Philosophiae Natu-

ralis Principia Mathematica de Newton, onde o autor se expõe de corpo e alma à so-

ciedade em geral, incluindo os cientistas; Sidereus Nuncius de Galileu, obra prima do

perseguido por suas idéias explicitamente colocadas num trabalho cientifico desbra-

vador e carregado de emoções, de sentimento atualizado para a época em que vivia.

A lista poderia crescer indefinidamente, fugindo do objetivo inicial.

Até que ponto a assepsia hospitalar tem garantido uma menor taxa de infecção na-

quele lócus (o hospital)?

Até que ponto a divulgação científica deve seguir os padrões hospitalares onde o iso-

lamento do paciente é levado a extremos, logicamente visando sua saúde, mas au-

mentando o leque de infecções resistentes aos tratamentos convencionais?

Os escritos científicos possuem muitos objetivos, um deles certamente é a educação

científica da humanidade, e isso deve estar claro para qualquer autor de obras com

cunho científico. Afinal, se escrevemos somente para um público que compartilha um

mesmo paradigma, na esperança de fazer evoluir esse paradigma, existe a possibili-

dade de passado algum tempo estarmos escrevendo para si próprio. A divulgação

deve permitir a transcendência do paradigma, baseado em sua estrutura contextual

original, permitindo ajustar-se a novas situações que permitam evoluir e dar formas

aos paradigmas científicos do futuro.

Como escrevi um texto propositivo, sugiro a volta da emoção no corpo textual de es-

critos científicos, como Galileu, deslumbrado com suas maravilhosas descobertas e

ao mesmo tempo, comunicando cientificamente quais eram suas idéias. Vale a pena

tentar escrever para todos, educando, comunicando e construindo a ciência, ao mes-

mo tempo expondo os prazeres e temores causados pela experimentação ou investi-

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gação que originou aquele conhecimento.

Insípida, indolor e inodora deve ser a água, o texto em suas múltiplas formas de a-

presentação deve sim, provocar curiosidade, anseio, gozo, esperança, ilusão ou desi-

lusão, ou tudo ao mesmo tempo.

A isso chamamos: prazer da leitura, e deve ser proporcionado pelo autor ao leitor.

(*) Professor de Computação da UFMT, Administrador de Sistemas de Informações

e mestrando em Educação Pública

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Estabilidade à brasileira: nada muda! Ruy Ferreira (*)

Jornal “A Gazeta”, Cuiabá-MT (1999)

Fui uma criança de sorte, pois vivi o início dos anos sessenta numa pequena cidade

do Rio de Janeiro. Lá, como em todo Brasil, havia um posto do SAPS (COBAL) onde a

população comprava alimentos e outros produtos para o lar. Estávamos no final do

governo de Juscelino e o país havia crescido para alguns, mas para a massa perma-

necia uma colônia escravocrata. Minha saudosa mãe acordava às quatro da manhã,

preparava o almoço e partia para uma jornada de dez horas de trabalho, como tece-

lã numa companhia de tecidos. Meu pai, um privilegiado, saía às seis horas para en-

frentar o batente como pedreiro daquela mesma fábrica. Eu, garoto de oito ou nove

anos, acordava com minha mãe e partia para uma atividade comum naquela época:

a fila do SAPS para comprar feijão, gordura de coco e outras iguarias do cardápio

dos pobres.

Anos depois, ao conhecer a realidade da ex-União Soviética, fiquei feliz ao ver o fim

daquela ditadura execrável. Lá os problemas eram parecidos com os daqui. Estranho,

pois faltavam capitalistas na ditadura stalinista. E, naquela ocasião havia um monte

de brasileiros pregando o fim da fila capitalista, para em seu lugar colocar a co-irmã

socialista.

Voltando a infância longínqua, vejo o Jango assumir no lugar dum “Jânio, louco”, e

nada mudou. Piorou, e muito. Os anos estavam passando e fui morar em Nova Igua-

çu. Lá, participei de uma organização estudantil secundarista que volta e meia fazia

manifestações em favor da escola pública, de melhor ensino e da valorização da Edu-

cação. Às vezes levávamos porradas da polícia fluminense, outras “saqueávamos” as

pastelarias dos chineses. Sempre apareciam uns caras desconhecidos nas passeatas,

alguns para incitar o movimento e outros para observar nossa atuação (fomos cobai-

as para o recém-criado SNI).

Meu pai, udenista convicto, ficava uma fera quando eu chegava em casa com a rou-

pa rasgada ou o nariz sangrando, trunfos das manifestações estudantis em 1963.

Mais tarde em 1967/68, os universitários botavam prá quebrar na cidade do Rio de

Janeiro, e nós começamos a participar também. Chorei com o gás lacrimogêneo, mas

vinguei-me à altura, jogando bolinhas de gude no asfalto e assistindo o tombo dos

cavalos da polícia. Que saudade daqueles tempos de juventude!

Os anos passaram e senti na própria pele o que é ser usado como massa de mano-

bra política. Enquanto eu levava cacetada, os políticos-safados se encastelavam em

Nova Iorque, Lisboa, Paris, Moscou, Santiago e Havana, fugindo como ratos dos

“gorilas”. Claro que uns poucos eram idealistas, mas a maioria era (e são) grandes

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oportunistas.

Trabalhei na preparação do Censo de 70, andando pela Baixada Fluminense onde

gastei um monte de sandálias franciscanas (era só o que eu podia usar). Dali fui para

uma Siderúrgica, onde permaneci até incorporar no Exército como soldado. Lá per-

maneci até 1995, vivendo grande parte da ditadura militar dentro de quartéis, e às

vezes nas ruas, protegendo o Sarney das manifestações, como o badernaço de 1996,

em Brasília. Desse tempo guardo bons e maus ensinamentos como cultuar a verdade

e também, como matar com eficácia e eficiência.

Apesar de tudo, jamais perdi de vista o ideário construído em família: Mudança co-

meça por si próprio!

Hoje em dia, quarentão muito mudado, sinto-me à vontade para opinar e participar

da vida brasileira, não perdendo de vista que atualmente colhemos o fruto do plantio

daquelas épocas. Vejo falta seriedade, caráter e espírito público em nossos políticos,

mas também era assim nos anos 60/70. Sinto que o país pouco mudou politicamen-

te, apesar dum marxista declarado estar no Palácio do Planalto. Quem manda é a

“direitona”, com os mesmos banqueiros, cardeais e bispos, industriais, senhores feu-

dais da mídia, fazendeiros e, novos e velhos político-safados.

Partido político hoje é sinônimo de falcatrua, onde caciques mantêm o poder com

“candidaturas naturais”, quando sabemos que natural é o ciclo biológico da vida.

Chavões são usados sem a menor criatividade, tanto pela direita como pela esquer-

da, substituindo o pensar pelo copiar. A União manda apurar quem são os responsá-

veis pelos saques no Nordeste, e ninguém manda apurar a ineficiência do FHC diante

da causa desse problema. E, esse infeliz sabia do El Ninõ a um ano atrás. Um ex-

Reitor de universidade pública é ministro da Educação e só pensa em privatizar o que

não construiu, em cortar recursos e arrochar salários. Ora, nenhum país do mundo

pode prescindir de engenheiros, médicos, advogados, enfermeiros, professores do

ensino básico, jornalistas e principalmente de cientistas. Sem as universidades públi-

cas seremos capazes de criar uma “linha de produção” onde serão fabricados mon-

tões de profissionais. Mas, onde construiremos os cientistas? Sem laboratórios, sem

dinheiro para pesquisas muitas vezes demoradas, sem salário decente para os que

formam “doutores”, vamos importar Ciência e Tecnologia eternamente? Sem a uni-

versidade pública seremos eternos consumidores finais!

É muito provável que minha mãe esteja organizando uma manifestação de repúdio

contra as barbaridades que vivemos hoje na Educação, Saúde e Segurança Pública.

Provavelmente, ela (anarquista de coração) estará “peitando” São Pedro. Exigindo

que Deus corte três dedos das mãos do FHC, cada um desses dedos correspondendo

a incompetência do (des)governo federal diante dos problemas brasileiros que estão

se eternizando em benefício de uns poucos, em prejuízo de milhões.

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Em Brasília assisto a polícia baixar o sarrafo, mas não vejo a explicação do governa-

dor do Distrito Federal sobre tal providência. Afinal o cara é esquerdista-roxo, entre-

tanto bota o “bloco azulino” na rua para sufocar manifestações populares legítimas.

Ah! Quantas saudades do “Pacotão”, nosso bloco carnavalesco que apanhava, mas

se divertia nas ruas da capital brasileira cantando enredos que sacaneavam até espo-

sas de presidentes.

Se trouxermos o foco para o Mato Grosso, a coisa vai ficar pior. Afinal é aqui onde

vou ser enterrado e quero o melhor para nossos filhos e netos. Falta energia, mas

estamos construindo uma termo-elétrica e importaremos gás natural da Bolívia.

Quem está construindo a termo-elétrica? O Estado ou a iniciativa privada? Quem irá

trazer o gás boliviano, o governo estadual? Pô! Tá na hora de parar com propaganda

enganosa e realizar investimentos nessa terra. Todo mundo sabe que boi e soja não

dão emprego. A não ser que a industrialização de seus derivados ocorra na região,

assim como a fabricação de insumos agro-pecuários.

Da mesma forma, os pelegos-sindicalistas precisam ser reciclados, através da volta

aos postos de trabalho, onde produzirão e ganharão o pão-nosso através do suor e

não via conchavos em gabinetes refrigerados. Faz três anos que os professores esta-

duais estão sem reajuste salarial, mas a “categoria” está feliz e quietinha. Por quê?

Masoquismo?

Sem-Terra, sem-teto, sem-educação, sem-cidadania, sem-esperança, todos produtos

de desgovernos que vi e vivi nos últimos trinta anos. É hora de mudar nossa postura

diante disso tudo, com uma boa dose de vergonha na cara de cada um e uma arma

eficiente: o voto. Seja para eleger o presidente, governador, parlamentar, síndico,

presidente-de-bairro, diretoria de sindicato, de clube ou de escola. Já é hora de votar

em promotor, juiz, desembargador e ministro de tribunal superior, pois isso “agilizará

a morosidade da Justiça”. Não importa onde, temos que exercer o direito de votar e

até de ser votado. Exigindo daqueles que governarão nossos destinos a antecipação

dos nomes de seus ministros, secretários, diretores e até mesmo dos “puxas-sacos”,

pois assim teremos a oportunidade de escolher que tipo de cidadão estará conduzin-

do a vida pública nos próximos anos.

Depois de tanto tempo crescendo o bolo para só dividi-lo no futuro, corremos o risco

da longa espera levar os “sem” a tomarem atitudes radicais de impaciência que obvi-

amente ninguém deseja. Quando os coquetéis-molotov (invenção comunista), as car-

tas-bombas (invenção capitalista), os atentados sangrentos, os saques, as manifesta-

ções violentas começarem, aí será tarde demais para “pensar e viver no Brasil mais

justo e igualitário”. Nessa hora o que resta é o famoso: - “Chame o Pires!”. Traduzin-

do para os mais novos, ditadura militar.

(*) Ruy Ferreira é cidadão brasileiro e morador em Cuiabá

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E a Economia, como vai? Ruy Ferreira *

Jornal “A Gazeta”, Cuiabá-MT (1999)

Bem, dirá um capitalista árabe, vendendo petróleo a preço de ouro. Mais ou menos,

responderia um multimilionário judeu, acionista majoritário de um banco suíço. Exce-

lente, seria a resposta de um aposentado americano do norte, ao conferir a carteira

de investimentos de seu fundo de pensão. Enquanto isso, a resposta seria no outros

extremos se perguntassem a mesma coisa a um cidadão comum, habitante de um

país do Terceiro Mundo, como é o Brasil, por exemplo.

Como é possível conviver num planetinha tão pequeno, e ao mesmo tempo, tão desi-

gual em inúmeros aspectos? Ora, muito simples responder: somos individualidades.

Criados, educados e adestrados para acreditar nessa mentira deslavada. Nossa indi-

vidualidade termina onde começa o interesse da família, da comunidade, da nação,

do meio ambiente e até mesmo da sociedade mundial, mas não há escola que ensine

esse pormenor. A dicotomia social imposta atualmente é : ou somos integrados à so-

ciedade e ao ambiente onde vivemos ou somos ilhas-consumistas, explorando tudo o

que existe à nossa volta e nada retribuindo, lavando às mãos diante dos problemas

dos outros, sejam eles graves ou não.

O rico costuma cercar-se de muros altos, segurança armada e passaporte pronto pa-

ra deixar o barco, ao menor sinal de naufrágio. A classe média, sempre aspirou a

mesma coisa e trilha o mesmo caminho. Ao pobre resta pagar a conta dos privilegia-

dos de algumas raças, credos e ideologias. Este é o lado amoral do capitalismo, do

neoliberalismo, do comunismo, enfim de todas as teorias político-econômicas que

necessitam de uma minoria capaz de planejar e garantir a “felicidade” da maioria.

Tempos atrás, um privilegiado aluno me colocou na parede, afirmando: -

“Democracia de verdade, só na Grécia Antiga!”. Matutei um pouco e repliquei: - Você

perguntou aos escravos dos cidadãos gregos o que eles achavam a respeito daquela

democracia? Hoje, pouco mudou no contexto democrático do concerto das nações e,

consequentemente, das economias agora globalizadas.

Alguns líderes mundiais são pressionados durante uma partidinha de golfe à garanti-

rem mais e novos mercados para o capital especulativo ou não. E, tomam as provi-

dências cabíveis, chamando seus assessores (membros da corte), determinando:

“nossa inflação será 4% ao ano, para garantir todo o poder ao nosso capital e vocês

devem escolher um pato para pagar essa conta".

Bem, aí o Joseph Stiglitz, vice-presidente do Banco Mundial reúne a turma da Econo-

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mia e juntos, estabelecem receitas a serem seguidas pelos escravos pós-modernos,

ou seja, pelos países emergentes. E tome de privatização, controle da inflação, esta-

do mínimo e liberalização do comércio.

Durante a década de 90, essa dieta foi imposta a nós outros, povo do Terceiro Mun-

do, como cardápio capaz de alimentar o capital internacional (afinal dinheiro nunca

teve pátria) e ao mesmo tempo, manter uma estrutura mínima de mercado consumi-

dor, por aqui. Mas, esse tratamento clínico está fazendo o doente morrer, quando a

intenção era mantê-lo faminto, adoentado, ignorante, mas comprando batatas-fritas,

rádio-de-pilhas, supercomputadores capazes de lançar satélites na órbita de Júpiter,

equipamentos hospitalares de moderníssima tecnologia para diagnosticar a senilida-

de antes dos 90 anos, quando as doenças que matam por aqui são diarréia, saram-

po, fome, bem antes de a criança atingir a adolescência.

No mês de janeiro, em Helsinque, esse economista brilhante, proferiu uma palestra

onde abriu seu apertado coração e emocionado admitiu o fato que a mais de dez a-

nos vem impondo uma política econômica aos países emergentes, cheia de equívo-

cos e incompleta. Ele chama essa política de “Consenso de Washington”, nome su-

gestivo, né?

Como exemplo de incompletude, Stiglitz cita “... o governo deve garantir uma regula-

ção financeira confiável, políticas pró-competição, políticas para facilitar a transferên-

cia de tecnologias, transparência nas informações...”. Parece até o Mao Tse Tung fa-

lando de planificação da economia. Vade retro!

Para destruir nossa esperança, ele afirma em sua palestra que a China é um bom e-

xemplo de crescimento sustentado de dois dígitos, após ampliar a abrangência da

competição, sem privatizar as estatais. Epa! Estamos vendendo as nossas últimas e

vocês só avisam agora. Falha de comunicação ou má fé dos nossos governantes que

sabiam dessa abalizada informação e ainda assim continuaram a leiloar nosso patri-

mônio? E ao terminar esse trecho da conferência, Stiglitz afirma que “... Tem sido

difícil administrar a privatização sem gerar corrupção e outros problemas”. Só se for

na França, pois isso será muito difícil de acontecer no Brasil, afinal corrupção é algo

fora da realidade do brasileiro, cristão de carteirinha.

Ao encerrar sua palestra, o economista concluiu que a questão atual não é mais dis-

cutir se o Estado deve ou não intervir na economia, mas sim, de que forma intervir.

Certeza mesmo, o Consenso de Washington, indica uma pista para o Terceiro Mun-

do: “É fundamental tentar conseguir um enfoque melhor nas questões fundamentais

– as políticas econômicas, a educação básica, a saúde, sistema viário, segurança,

proteção ambiental. Não sendo um governo minimalista...”.

Colocando tudo o que o homem falou na máquina de moer carne e levando em con-

ta quem ele representa, começo a entender a falta de norte do governo Fernando

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Linha do Tempo Página 202

Henrique, e as maquiagens que estão sendo feitas no ajuste fiscal. Afinal, a cartilha

estava errada e agora só resta esperar que a próxima fique pronta, para aí sim esta-

belecer a nossa política econômica, justa, auto-sustentável e soberana.

(*) Ruy Ferreira - Professor de Computação da UFMT, Administrador de Sistemas de

Informações e mestrando em Educação Pública

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Tecnologia Educacional Ruy Ferreira (*)

Jornal “O Diário” — Primavera do Leste, MT. 1999.

O emprego de modernas tecnologias nas escolas brasileiras é recente e ainda muito

acanhado. Embora, a algum tempo venha se realizando estudos e experiências con-

troladas nas universidades públicas. No ensino superior pode-se encontrar exemplos

na UFRGS, UnB, Unicamp e USP. Na pós-graduação esse instrumental é utilizado no

mestrado de Engenharia Operacional da UFSC e na PUC-SP, onde são oferecidos cur-

sos de especialização à distância.

Se para nós, brasileiros, o emprego de tecnologias de ponta é novidade, o mesmo

não se dá no primeiro mundo. Canadá, Austrália, Estados Unidos da América (EUA) e

Inglaterra, usam e abusam dessas tecnologias. Com características diferenciadas,

esses países utilizam novas tecnologias em seus sistemas escolares. Os EUA entupi-

ram suas escolas com computadores isolados, durante a década passada, colhendo

um fracasso monumental como resultado do investimento realizado. Ao mesmo tem-

po, nas universidades americanas desenvolviam-se programas mais consistentes que

hoje estão estabelecidos e rentáveis.

Enquanto isso o vizinho Canadá, implantava um forte programa governamental de

emprego da tecnologia computacional em suas universidades que daí irradiaram pelo

país, com sucesso e resultados políticos positivos. Até mesmo, o pequeno Israel saiu

na frente em pesquisas de emprego das novas tecnologias educacionais, hoje é ex-

portador de soluções, respeitado no mundo.

Mas o que vem a ser essas tecnologias? Como devem ser utilizadas? Onde devem

ser usadas? Para responder tais perguntas é preciso criar o cenário da atual sala de

aula e daí, montar um novo ambiente. Nossas escolas utilizam como instrumento de

ensino o livro didático, descontextualizados, desatualizados muitas vezes e cheios de

erros absurdos. Os professores se apóiam nesses livros para planejar e aplicar suas

aulas, obviamente o ensino despenca em qualidade, apresentando resultados negati-

vos. No jargão do professorado, hoje a aula é dada na base do “cuspe e giz”, onde o

professor dita o conteúdo do livro e os alunos decoram o que lhes são empurrados

pelos ouvidos. Fracasso escolar, evasão, desinteresse pela escola são produtos dessa

forma indecente de fazer escola. A escola perdeu o glamour, o lugar interessante foi

substituído pelo local chato e de freqüência obrigatória. A criança e, principalmente,

o adolescente vai a escola obrigado pelos pais. Pois lá o que se ensina nada tem com

a realidade que se vive.

Ora, a escola é lugar de aprendizagem, de formação de cidadãos produtivos e cons-

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cientes. Pelo menos deveria ser! A realidade é bem diferente, havendo até uma i-

mensa parcela de estudantes que só aparecem na escola por conta da merenda es-

colar. O lugar onde o aluno desenvolve a criatividade, a cidadania, a consciência do

valor da vida, ficou perdido num desvão do tempo.

Diante desse cenário o computador, a televisão, o vídeo, o rádio e outras tecnologias

passam a exercer um importante papel: O de reverter o quadro atual. Obviamente

que não basta comprar equipamentos e entulhar nas escolas, os EUA assim procede-

ram e quebraram a cara. Aqui mesmo, no Mato Grosso, há aproximadamente dez

anos atrás foram comprados computadores que nunca foram utilizados nas escolas,

numa atitude irresponsável dos dirigentes daquela época. O EEMOP em Rondonópo-

lis tem um pequeno laboratório de informática, adquirido pela SEDUC e que ninguém

utilizou até hoje. Não é esse o caminho da modernidade, o nome de atitudes como

essa é demagogia.

O computador é um equipamento versátil que bem utilizado pode se transformar

num importante instrumental para o professor e para o aluno. Casando o computa-

dor com a telefonia é possível obter-se ambientes globalizados, interativos e facilita-

dor da criatividade, liberando o potencial do aluno na criação de seu próprio saber.

Essa caixa de ferramentas pode transformar a escola num lugar desejado pelos alu-

nos, onde é prazeiroso lá estar. Claro que isso não acontece num passe de mágica.

Primeiro a tecnologia chega na formação universitária, depois na sala do professor

em atividade nos Ensinos Fundamental e Médio, para em seguida, entrar na sala de

aula. Nessa ordem é possível vislumbrar o sucesso do emprego dessas tecnologias.

Os especialistas dividem suas opiniões quando se trata de aplicação do computador

na sala de aula, uns afirmam que criar um laboratório de informática, cheio de jogos

“educativos” e colocar a criança nesse ambiente, nada mudará na qualidade do ensi-

no. A imensa maioria das escolas particulares fazem esse jogo de cena: oferecendo

tecnologia, cobrando valores absurdos de mensalidade, sem nenhum projeto peda-

gógico. O uso das máquinas é um embuste. Outros pesquisadores apontam a

“Informática Educativa” como solução para o ensino, mas a idéia por trás é substituir

o livro didático por outro meio de comunicação e logicamente, nada mudará. Afinal

está-se substituindo o roto pelo rasgado!

Por fim, um crescente grupo de educadores vem empregando o computador como

instrumento de libertação do poder criativo do estudante e obtendo resultados sur-

preendentes. Esses desistiram de achar uma “máquina de ensinar” que substituísse o

professor e passaram a pesquisar uma máquina que permite ao aluno aprender atra-

vés dela.

Em Primavera do Leste a Secretaria de Educação em parceria com a UFMT vem de-

senvolvendo um projeto inédito no estado, onde a máquina entra pela “sala do pro-

fessor” e chegará até o aluno, numa segunda etapa. Nesse projeto a integração do

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professor com a universidade se dá à distância, sem que haja necessidade de pre-

sença física na atualização profissional. O professor é atualizado em serviço, sem a-

fastamento integral de suas atividades e ao mesmo tempo, entra em contato com

modernas tecnologias educacionais. Num estado com dimensões de país o projeto

tende a ser uma solução viável e exeqüível para quebrar o isolamento cultural dos

professores e conseqüentemente, melhorar a qualidade do ensino de 1º e 2º graus.

O professor de Primavera do Leste terá conhecimento do potencial do computador

na produção de material textual e gráfico, do uso de softwares educativos para fixa-

ção de conteúdos dados em sala de aula e se integrará na grande rede mundial de

computadores, a INTERNET. A informação estará na ponta do dedo, a um clicar do

mouse. Uma visita ao mar, à floresta ou à montanha será simples como brincar no

pátio da escola. É o fim da barreira criada pela distância física! Claro que isso exigirá

novos paradigmas no educador, afinal o conhecimento está no mundo e não mais na

cabeça do professor. O aluno ganha a liberdade de pesquisar, criar seu próprio saber

e o professor a obrigação de se atualizar constantemente. Isso é Educação!

Recentemente, em reuniões realizadas no UNICEF e na UNESCO, onde o projeto foi

apresentado e debatido, a empolgação dos consultores daqueles organismos interna-

cionais indica que a idéia caminha por estrada segura. A vontade política dos dirigen-

tes municipais garante a continuidade do projeto até o ano 2000. Daí em diante, o

projeto passa a ser institucional e caminhará por meios próprios, sem o auxílio da

Universidade.

Mundo globalizado e escola isolada só apontam para desemprego, defasagem indus-

trial, ignorância e atraso. Até mesmo para consumir, hoje é necessário um mínimo

de conhecimento de tecnologia, exemplo disso está ao redor de qualquer um: o con-

trole remoto da televisão é usado para ligar e desligar, no máximo para mudar de

canal. Todos os demais botões são ignorados pelos “analfabetos tecnológicos” de ho-

je.

Com a promulgação da LDB, o poder público passa a ter responsabilidade direta na

atualização profissional de professores, exigindo o investimento na capacitação do-

cente e a respectiva contrapartida dos mestres, através do estudo constante e per-

manente busca de conhecimentos. Para implantar um programa sério e eficaz de

atualização profissional nos municípios desse enorme estado brasileiro é necessário

buscar alternativas viáveis. O MEC, através da Secretaria de Ensino à Distância, vem

incentivando o emprego dessa modalidade de ensino como forma de minimizar o

problema da defasagem em que se encontra o professorado brasileiro. O Ensino à

Distância é usado em todos os países do primeiro mundo, sem nenhum preconceito

e com grande vantagem sobre o ensino presencial. Hoje é possível fazer cursos de

bacharelado em Direito, Administração, Economia e outros mais, sem sair de casa. A

universidade chega onde o aluno estiver. No Canadá o ensino de 1º grau para De-

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partamentos (Estados) distantes é oferecido através da televisão educativa, do rádio

e de redes de computadores. A Austrália é outro exemplo de sucesso, onde até con-

sultas médicas são realizadas através dessas modernas tecnologias.

Atualização, treinamento, extensão, especialização e outras formas de capacitação

podem e devem estar apoiadas no Ensino à Distância através de redes de computa-

dores, levando o conhecimento onde o aluno estiver. Adaptando experiências inter-

nacionais à realidade do Mato Grosso é possível melhorar a qualidade do ensino, pre-

parar o professorado para a nova realidade mundial, e garantir a formação do futuro

cidadão, sintonizado com questões éticas, ambientais e que valorizem a vida humana

acima de tudo.

(*) Ruy Ferreira é professor de Computação do ICEN-UFMT e mestrando em Educa-

ção no IE-UFMT. Idealizador e um dos coordenadores do Projeto Infovia da Educa-

ção (em fase de implantação no endereço eletrônico: nt.networld.com.br/primavera)

que cria a extensão universitária à distância, apoiada na Internet, no Mato Grosso.

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Cotas e políticas afirmativas Ruy Ferreira

Jornal “O Estado de São Paulo”, São Paulo-SP. 26 de dezembro de 2001.

"O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". De tanto ouvir essa as-

neira muita gente passa a acreditar que isso é uma verdade incontestável. As ações

ou políticas afirmativas, aplicadas nos últimos tempos nos EUA é fruto de um movi-

mento cívico que dura mais de trinta anos. São resultados de muita luta e conscienti-

zação do negro americano do norte, nascido e criado numa sociedade racista e que

precisa abrir espaço na marra, pois se assim não for permanecem às margens da so-

ciedade.

Aí o time do FHC, aqui no Brasil tropical, cisma de adotar o modelo americano do

norte sem retoques. Será que o ano 2002 terá algo especial no País? Qual motivo

despertou a atenção dos tecnocratas em Brasília? Seria a possibilidade de perder as

eleições por nada fazer a respeito nos últimos sete anos? Claro que eu, mestiço, gos-

taria muito de ver muitos generais, almirantes e brigadeiros negros e mulatos. Gos-

taria de ver a mestiçagem em todos os níveis de governo, no parlamento e no judici-

ário. Só um racista disfarçado seria contra isso. Mas daí criar cotas para negros na

segurança e faxina do Ministério da Justiça, colocar duas assessoras no Ministério da

Reforma Agrária, destinar um percentual de vagas das Universidades Públicas aos

negros é no mínimo uma sacanagem com todos os brasileiros, aqueles chamados de

"cidadãos".

O pior é que ainda não ouvi o "rugido" dos defensores da Cultura Afro-Brasileira. Se-

rá que estão mancomunados com esses burocratas? Será que estão nomeando pa-

rentes? Isso cheira a maracutaia. Vai ver alguma ONG está levando grana para calar

a boca? Viagens, passagens, turismo oficial e coisa e tal, são meios de comprometer

dirigentes. Cair no canto da sereia não é privilégio de branco. Só em ouvir essas notí-

cias fico pensando num baita complô para esconder qualquer outra sujeira nos três

poderes da República. Ou pior, na falta de competência para fazer o que deve ser

feito, e mais, já deveria estar pronto após sete anos de (des)governo.

O pessoal de Brasília deve desconhecer que 17,2% dos brasileiros são analfabetos e

que para eles não há política afirmativa coisa nenhuma. Em uma década seria possí-

vel conciliar crescimento sustentado com redução da desigualdade social. A base de

sustentação do governo é a mesma desde o Sarney (que Deus o tenha) e pouco ou

nada foi feito para erradicar analfabetismo, trabalho infantil e prostituição infantil,

entre outras vergonhas de nossa sociedade. Essas violências afetam brancos, ne-

gros, índios, amarelos, roxos, etc. e tal.

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Fico pensando em minhas netas, cursando uma escola básica de péssima qualidade,

com professores mal pagos, por isso desqualificados para o magistério, defasados

com a realidade que os cerca e na imensa maioria, entrando pela janela no serviço

público, como interinos quase permanentes. Mestiços como eu não são 100% bran-

cos, nem 100% negros ou índios, logo estão fora de qualquer ação afirmativa gover-

namental. Mérito é besteira! Basta ficar na escola para chegar ao final do Ensino

Fundamental. Ler, escrever e compreender o mundo é babaquice ou privilégio de al-

guns escolhidos por lei.

Como seria o ingresso de um negro no curso de Computação da UFMT? Faria um e-

xame de DNA para provar sua origem 100% africana? Apresentaria um atestado de

nascimento em pais negros por três gerações, como fazem os judeus em Israel? Se-

ria indicação de um senador? Claro que distribuir renda é assunto proibido para os

atuais detentores do poder. Claro que criar escolas em tempo integral é sonho de

gente retrógrada. Claro que ensinar Filosofia, Tecnologia e Sociologia é baboseira,

incluo por minha conta Economia, afinal para quem vai ser faxineiro, camelô ou se-

gurança de supermercado não tem necessidade de entender o mundo e exercer seu

livre arbítrio. Democracia é isso? Cotas para negros, para índios e o resto que se da-

nem!

Vamos parar de demagogia. Vamos parar de ser “macaquito”. Vamos assumir nossa

mestiçagem e criar uma identidade própria para nós brasileiros (Ave Darci Ribeiro).

Samba, cachaça e mulata não são frutos proibidos ou vergonhosos. Educação para

poucos, sim, é uma vergonha. Concentração de renda para pouquíssimos é vergonha

maior ainda. Se preciso vamos votar em outros caras que ainda não fizeram tantas

besteiras como os FHC, Collor e Sarney da vida. Sei lá qual partido ou que nome,

mas o que importa é programa de governo registrado em cartório, reforma tributária

profunda, fomento à produção em lugar dos bancos, escolas dignas de educar brasi-

leiros, Universidades que produzam conhecimento tupiniquim para nós e para o

mundo, além de transmitir o estocado nos livros.

Por fim uma dose cavalar de vergonha na cara em todos nós, eleitores e políticos.

Vamos escolher bons nomes para concorrer nas próximas eleições, sem essa de can-

didato natural (parece coisa da monarquia), vamos votar em gente conhecida e pró-

xima de nós mesmos. Campanha eleitoral com limite nos gastos, doações identifica-

das de pessoas físicas, proibição de pessoas jurídicas doarem dinheiro aos candida-

tos, cadeia para quem descumprir a lei eleitoral, com perda de mandato daqueles

que a infringirem. Vamos colocar o orçamento do executivo nas mãos do povo. Che-

ga de emendas de parlamentares, essa nunca foi função do legislativo. Chega de or-

çar e não cumprir. Dinheiro público não pode ser distribuído para ONG, faculdades

particulares, empresários socialistas no risco e capitalistas no lucro.

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E, aí o sistema de cotas para negros, índios, portadores de necessidades especiais

(ex-deficientes), mulheres, gays, militares, jogadores de futebol, prostitutas, parente

de políticos e de juízes deixa de ser necessária. Para quê cotas, se todos receberam

a mesma educação com seriedade, em escolas cujas verbas são fiscalizadas pelo Mi-

nistério Público e APM´s nas escolas e conselhos comunitários nas Universidades pú-

blicas. Sonho? Não. Respeito à dignidade de ser Brasileiro!

Professor de Computação da Universidade Federal do Mato Grosso/UFMT

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Universidade e mercado artigo de Ruy Ferreira

O autor é professor da UFMT.

Artigo enviado pelo autor ao "JC E-Mail" e publicado em:

Jornal da Ciência (JC E-Mail) – 6 de agosto de 2001 – Nº 1846 - Noticias de C&T -

Serviço da SBPC

Afinal o que é sociedade? E, mercado? Onde entra a Universidade no contexto da

sociedade e do mercado?

Os discursos que tenho lido na mídia nacional criam na opinião publica a ideia que a

sociedade é um ente jurídico como são as empresas, onde existe meta a ser cumpri-

da e objetivos a serem atingidos, representantes legais etc. e tal. Idêntica postura

quando se trata do mercado. Pura balela!

O concerto continua no mesmo diapasão determinando que a Universidade deve

submeter-se a lógica do mercado. Isto é, com a carência de financiamento a fundo

perdido, as Universidades devem transformar-se em grandes incubadoras de tecnolo-

gia.

Pouco se vê na mídia o contra-ponto, isto é, a Universidade deve impulsionar a ciên-

cia, deixando para as empresas o empreendedorismo no campo da tecnologia.

Afinal a ciência é pública, universal e não admite patente (apesar de meia-dúzia de

pessoas acharem que não), enquanto a tecnologia vive disso.

Se a lógica que move a Universidade é o avanço da ciência, então deveríamos repen-

sar nossas academias sob tal ótica.

E ai, uma grande massa de experiências poderiam ser absorvidas por todas as insti-

tuições universitárias, visando atingir novos objetivos, como: formação de pesquisa-

dores de alto nível (gente que sabe resolver problemas complexos); absorção de co-

nhecimentos do mercado e da sociedade, através da renovação de quadros experien-

tes (por exemplo, só admitir: doutores com mais de cinco anos de experiência em

funções empresariais afins ao doutoramento; não-doutores com mais de dez anos de

experiência no mercado, dentro do campo especifico que trabalhará na Universida-

de); fomento a pesquisa básica como prioridade absoluta dos recursos financeiros

que de alguma fonte aportem nas instituições; incentivo a parcerias com empresas

para desenvolvimento tecnológico em áreas de interesse nacional (petróleo, energia,

telecomunicações, informática, genética, medicina, etc.), cujos resultados fortaleçam

o país em áreas criticas do conhecimento.

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Vejo o modelo atual de nossas Universidades como "torres de marfim" (imposto pela

mídia), onde acadêmicos que nunca foram ao mercado resolver problemas, ensinam

como resolvê-los aos futuros profissionais do mercado. Contra senso!

Vejo também, uma imensa massa de profissionais, altamente qualificados, que nunca

retornaram à Universidade para contribuir para a universalização dos saberes que

acumularam. Outro contra-senso!

Perdemos assim a oportunidade de absorção de anos e anos de experiências bem-

sucedida. Muitos deles formados com recursos públicos, e por uma questão de cida-

dania deveriam ser compartilhados por muitos.

Por fim, acredito que as novas responsabilidades impostas às Universidades deveri-

am vir com a devida contrapartida de recursos financeiros, humanos e materiais, pois

não é possível aumentar a oferta de vagas, formar novos pesquisadores, implantar

novas áreas de pesquisa, desenvolver tecnologia para empresas, manter estudos vi-

sando o desenvolvimento da pesquisa básica, desenvolver programas extensionistas,

apoiar o desenvolvimento da Cultura, atender ao ensino e administrar tudo isso, sem

a devida contra-partida daqueles que exigem essa nova atuação universitária.

Se algo não for pensado, daqui a algum tempo estaremos com muitas fundações de

apoio (sem nenhum controle ou coordenação) gerindo os destinos da Universidade,

com a desculpa que a sociedade e o mercado assim exigem.

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Sonhei que ... Ruy Ferreira(*)

Jornal A Gazeta — Cuiabá-MT. (2001)

Como qualquer “papa-goiaba” sempre acreditei que minha terra natal tem um enor-

me potencial humano, capaz de mobiliar empresas, academias, governos e todas as

demais áreas da vida em sociedade no estado e no Brasil.

Por outro lado os vizinhos “cariocas”, herdeiros naturais das benesses advindas do

status de capital por tanto tempo, sempre buscaram controlar a situação, de tal for-

ma que o pensante nasce na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a mão-de-obra que

realiza suas idéias vem do grande quintal fluminense.

Parece que já absorvemos tal ideologia e a colocamos como inexorável. Balela! O Rio

de Janeiro tem potencial para pensar, bastando para isso que possamos exercer tal

atividade habitualmente. Onde isso seria possível? Nas escolas e universidades, em

especial, nas fábricas, nas empresas de prestação de serviços, nos teatros, na músi-

ca, na arte em geral e também, na vida cotidiana.

Como romper o status quo da dominação cultural e da “inteligência” carioca sobre o

estado “papa-goiaba”? Bem, muitas maneiras são possíveis, todas dependentes de

vontade política e de desprendimento bairrista.

Nasci e me criei na Baixada Fluminense, e sobre uma pequena fatia dessa região so-

nhei um sonho. Que tal sonhar esse sonho junto comigo!

Viajando na velocidade do pensamento desloquei-me do Mato Grosso, onde moro

atualmente, e flutuei sobre Paracambi, minha terra natal, pequenina e graciosa entre

a baixada e as montanhas, vizinha de lugares importantes e esquecida por todos.

Ah! Quantas saudades! Cada cantinho traz uma recordação diferente, são coisas ínti-

mas e gostosas de serem lembradas. Primeiros amigos, primeira escola, primeira na-

morada, primeiro emprego com carteira assinada, primeira briga, o amor pelo Espor-

te Clube Brasil Industrial. O vermelho da camisa dos jogadores do Brasil Industrial

me hipnotizava e me faz sentir orgulho dos ídolos como Eli do Amparo, Romeiro

(UCA) e meu pai, craques de uma época que não volta mais.

A vida ali era calma, organizada e previsível. Se houvesse uma discussão entre os

torcedores, com certeza a causa seria o ímpeto da Norma, do Seu Nozinho, e seu

descontrolado amor pelo vermelho do Brasil Industrial. Se a coisa descambasse para

briga, certamente o Aderbal estaria ali.

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Quantas saudades! Ainda sinto o cheiro da camisa vermelha que vestia aos domin-

gos para jogar no infantil do Brasil Industrial, sob a batuta do Itamar. Ipojucan, Feli-

pe, Pintinho, só para citar atacantes, meninos-craques que defendiam o vermelho

por meio da arte de jogar futebol. E se o adversário fosse o Tupy do Baltazar? Guer-

ra! Na preleção o Itamar, gago e nervoso, dizia: vamos lá ganhar deles e pronto, ali

estavam todas as instruções necessárias para jogar um futebol-arte que não se prati-

ca mais.

Ui! Saudade dói, e muito, ainda mais quando o calor do corpo das meninas se apro-

ximavam do meu corpo enquanto dançávamos no Clube Brasil Industrial, o

“Cassino”, sob o som das vitrolas nas domingueiras. Terra de mulher bonita e de

gente romântica, Paracambi, viveu grandes amores, duradouros e felizes. Na saída

do turno da fábrica de tecidos a Avenida dos Operários transformava-se em imensa

passarela da beleza. Mãos dadas ou na garupa das bicicletas, quantos casais por ali

desfilaram.

Emprego para todos, inclusive para os vizinhos de outras cidades. Tínhamos duas

fábricas de tecidos, uma siderúrgica, uma fábrica de arame, uma olaria, grande pro-

dução de bananas e laranjas e um quartel do Exército, para uma pequena popula-

ção. Hoje só restou o quartel e um inchaço populacional.

Voltando ao sonho, vi a antiga fábrica de tecidos Brasil Industrial funcionando a ple-

no vapor, fervilhando de gente. Dois detalhes, jovens em profusão e as chaminés

não produziam fumaça.

Fui chegando mais próximo e vi o portal da fábrica onde se lia: “Fábrica de Conheci-

mento”. Comecei a ficar intrigado com o nome, ultrapassei o pórtico de entrada e só

não cai sentado porque estava sonhando, as instalações da extinta fábrica dera lugar

a uma moderna universidade tecnológica!

Jovens doutores, ex-desempregados, trabalhavam feitos cientistas-loucos em labora-

tórios espaçosos e abertos; salas de aulas repletas de estudantes assistiam videocon-

ferências, num auditório a platéia assistia atenta a palestra de um filósofo francês

pós-moderno, noutro um grupo de professores da Educação Básica discutia um pro-

grama de implantação de Tecnologias da Informação e Comunicação nos currículos

escolares.

Subi um andar e pasmem: - uma grande multinacional da telefonia havia montado

sua universidade corporativa naquele ambiente e seus funcionários freqüentavam a

Fábrica de Conhecimento regularmente e recebiam aulas, ali produzidas, por meio da

Internet de Alta Velocidade que conectava a Fábrica aos vários pontos de presença

da empresa no estado.

Nanotecnologia, Bioinformática, Telecomunicações, Sistemas Digitais, eram coisas

comuns naquele lugar. Uma fábrica não-poluente gerava oportunidades e novas

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frentes de trabalho para seus egressos. Nada ali era definitivo, nada secular, nenhum

corporativismo, bairrismo, os interesses eram coletivos, negociados e amplamente

debatidos e divulgados entre a comunidade, pois todos estavam plugados na “net”.

A Fábrica de Conhecimento aproveitava a energia elétrica gerada por antigos, mas

eficazes geradores hidroelétricos ali instalados no início do Século XX. O prédio era

todo aproveitado, nada era desperdiçado, qualquer cantinho estava ocupado com

uma atividade acadêmica ou instrucional. O ar estava impregnado com o perfume da

cidadania, todos respiravam direitos e deveres sociais, intelectuais e morais. Não ha-

via estrelismos, a ideologia dominante não era discriminatória, nem sectária. Parecia

uma volta aos tempos gregos de Platão, Pitágoras e outras feras do Conhecimento.

Espantado e feliz procurei saber como havia nascido tal empreendimento e literal-

mente “babei” com a resposta: As lideranças políticas e da sociedade civil das cida-

des de Paracambi, Japerí, Engenheiro Pedreira, Queimados, Comendador Soares, No-

va Iguaçu, Seropédica, Itaguaí, Piraí, Paulo de Frontin e Mendes haviam se unido

num ideal comum, preocupados com seus jovens, com o desemprego, com o distan-

ciamento da população local do saber atual, com a defasagem tecnológica de seus

parques industriais, e obtiveram o apoio irrestrito do governo do estado, da assem-

bléia legislativa e da bancada federal no congresso, além das representações do

mercado produtivo e dos trabalhadores, que juntos acamparam por dois meses em

Brasília, e de lá saíram com o projeto aprovado e recursos garantidos no orçamento

federal, afinal ensino superior é obrigação da União.

Ao mesmo tempo, foi criado um consórcio das prefeituras cujo objeto foi criar e

manter a Fábrica do Conhecimento. O governo do estado sofreu pressões das univer-

sidades cariocas, e até mesmo da Rural, mas manteve o apoio incondicional à idéia,

garantindo recursos para sua viabilização.

Por fim, os empresários coçaram o bolso e colocaram dinheiro na Fábrica de Conhe-

cimento, além de firmar vários convênios de ensino e pesquisa. As centrais sindicais,

os sindicatos e outros órgãos de representação dos trabalhadores, também entraram

de cabeça e carrearam recursos, via convênios, para formação profissional de seus

filiados com a Fábrica de Conhecimento. Órgãos representativos da sociedade civil,

como a ABI, OAB, associações de moradores, ONGs diversas e muitos outros traba-

lharam na construção do projeto e orientaram sua implantação.

Um jornal carioca, mais vendido no estado que na cidade do Rio, estampava uma

notícia diferente: “Fábrica do Conhecimento forma seu primeiro milhão de egressos”.

Confesso que fui às lágrimas ao ler tal notícia.

O despertador tocou, acordei e descubri que sonhei um sonho. Mas que é um sonho

possível, ninguém pode negar!

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(*) Ruy Ferreira, 47, paracambiense, professor da UFMT e morador em Cuiabá-MT.

PS: O governo do Rio de Janeiro implantou a fábrica do conhecimento—Centro Uni-

versitário Tecnológico de Paracambi - CEUTEP (O espaço foi transformado em um

complexo educacional e abriga quatro pólos de ensino superior e profissionalizante; a

Escola de Música Villa-Lobos; o Planetário e a Brinquedoteca Viva. No local, também

estão sendo construídos uma Biblioteca Regional, o Museu da Ciência e a nova sede

da Escola Villa-Lobos)

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Professor propõe plano para acesso dos

negros às Universidades Públicas Ruy Ferreira

Jornal da Ciência (JC E-Mail), de 20 de Fevereiro de 2002. - Edição 1976 - Notícias

de C&T - Serviço da SBPC

Tenho acompanhado no JC e-mail e noutros meios de comunicação a profícua dis-

cussão sobre adoção de ações afirmativas por parte do Ministério da Educação, Uni-

versidades e instituições interessadas no assunto. As pessoas estão discutindo o te-

ma abertamente e isso é ótimo.

Afinal, não existia racismo no Brasil, agora há! Como mestiço (neto de português

com negra) ainda não sei como ficará a defesa dessa 'nova raça', 'brasileiros da ter-

ra', como certa vez ouvi Darci Ribeiro denominar. Como tenho a pele clara, sofri um

único ato de discriminação em 48 anos de vida. Mas sofri! E dói muito!

Pois bem, após observar o muito que se tem escrito e proposto pelo governo e ongs,

gostaria de acrescentar uma proposta ao tema em debate.

Assunto: - acesso dos negros às universidades públicas. Proposta: oferta de curso

pré-vestibular. Condições de ingresso no programa: alunos comprovadamente po-

bres; matriculados na 3ª série de qualquer escola pública; cliente de escola pública

nos últimos três anos.

Seleção por meio de apuração do rendimento escolar das duas séries iniciais do ensi-

no médio, realizado pela secretaria da escola pública e encaminhadas oficialmente à

coordenação do programa.

Distribuição de vagas: metade para negros (fácil de identificar) e metade para par-

dos e brancos. O programa será oferecido pelas Universidades públicas, em substitui-

ção a atual Prática de Ensino realizada nas licenciaturas (300 horas-aulas). Sob a co-

ordenação dos professores responsáveis por essas disciplinas.

Aulas ministradas pelos estudantes matriculados nessas disciplinas (normalmente

formandos), respeitando a área de cada um.

Justificativa: Nossos alunos das licenciaturas realizam a prática de ensino em escolas

públicas, atendendo o público-alvo do programa. Grande parte dos matriculados em

licenciaturas (pelo menos na UFMT) advém das faixas mais pobres da população.

Tais estudantes estão muito mais próximos do problema de acesso que muitos de

nós professores. A oferta do serviço público permanecerá e irá atender um problema

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social grave e imediato. Os professores das disciplinas que constituem a Prática de

Ensino podem, com facilidade, planejar os cursos pré-vestibulares, pois detém o co-

nhecimento sobre o tema. As Universidades podem usar espaços ociosos ou ocupar

salas de aulas no próprio colégio da rede pública.

Custos: Como o MEC pretende pagar os donos dos cursinhos pré-vestibulares (Di Gê-

nio e cia limitada) para que viabilizem suas políticas afirmativas, haverá dinheiro para

tal. Minha proposta é de que tal montante seja canalizado para programas implanta-

dos nas IPES e se dê por meio de bolsas (R$ 241,00) aos participantes, como moti-

vação à participação e saudável ressarcimento do tempo e suor dado ao programa.

Bem, esta aí a síntese da proposta, que usa estudantes das licenciaturas, sob a coor-

denação de professores qualificados, para executar uma política pública proposta pe-

lo MEC. Atende a negros, pardos e brancos.

Privilegia o pobre, onde está a maior quantidade de negros e pardos. Presta um ser-

viço inestimável à sociedade que nos paga e começa mais cedo a engajar a socieda-

de na vida universitária. É isso!

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Democratizando o acesso ao conhecimen-

to científico Ruy Ferreira (*)

Jornal “Folha de São Paulo”, São Paulo-SP: 23 de fevereiro de 2003

Muito se tem estudado sobre as possibilidades de armazenagem da informação em

meios digitais. Desde a simples cópia da imagem de um documento até a publicação

de periódicos, há um enorme acervo publicado, em diversas mídias, sobre teorias,

métodos e técnicas tratando do tema.

As bibliotecas digitais, baseadas em dispositivos de armazenagem óticos ou não, são

uma realidade nas instituições de ensino superior e de pesquisa. O primeiro proble-

ma está na lógica que estrutura tais acervos digitalizados, pois mantém o modelo de

armazenagem de rígidos banco de dados, com seus campos e palavras-chaves como

forma de busca.

Com a massificação do acesso à Internet entre os estudantes do ensino superior e

pesquisadores, fica difícil entender o por quê de tal visão. Se o arquivo foi armazena-

do em meio digital e publicado na Internet, então não há necessidade de busca por

campo. Os atuais mecanismos de busca (ou motores de busca) são capazes de recu-

perar qualquer palavra nesses arquivos. Basta planejá-los para isso!

E por que não fazê-lo?

Os periódicos são um bom exemplo para esta discussão. Em sua imensa maioria des-

tinam-se a difundir o conhecimento científico para a sociedade, com foco especial na

comunidade científica. Em mídia impressa, custam caro e não atingem a totalidade

das instituições a que se destinam. Uma correção (errata) exige a espera da publica-

ção do próximo número da revista, prejudicando o leitor, autor e editores do periódi-

co. A mídia impressa não é democrática, custa caro e elitiza o conhecimento produzi-

do.

E por que não fazê-lo na Internet?

Transpor do meio impresso para o digital exige um investimento financeiro razoável,

mas os benefícios superam em muito, os custos iniciais. Se a filosofia que mantém os

periódicos em circulação é a difusão do conhecimento humano, produzido na acade-

mia, então quanto maior for o público leitor, maior será a eficácia da publicação.

E mais, se não é a intenção primeira ganhar dinheiro com a venda dessas publica-

ções, então a Internet é o espaço virtual mais adequado à difusão da Ciência. Mes-

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Linha do Tempo Página 219

mo se o periódico for auto-sustentável em termos financeiros, a sua veiculação na

Internet não impede o lucro (ou superávit).

Digitalizar o conhecimento, publicando-o na Internet, preferencialmente garantindo

acesso público e gratuito, é uma política inteligente de difusão científica. Se o conte-

údo estiver em Língua Portuguesa, melhor ainda. Afinal, nem todos nossos acadêmi-

cos dominam a leitura em outros idiomas. Aumentando a presença do Português na

Internet estamos afirmando nossa identidade e estreitando laços com países que fa-

lam nossa língua.

O físico João Magueijo, em recente entrevista, quando fala de periódicos acadêmicos

é taxativo:

“Acho que eles não têm futuro. São uma perda de tempo. Não leio um periódico des-

ses há anos. O futuro está na internet. Os arquivos da internet não fazem uma filtra-

gem para excluir as coisas boas, e as coisas que não prestam também estão lá, as-

sim como estão nos periódicos. No futuro, as pessoas publicarão seus artigos apenas

em arquivos da internet”

Como estamos numa era de escassez de recursos financeiros, a publicação de perió-

dicos na Internet passa a ser algo interessante também do ponto de vista econômi-

co. Pois, não há como negar o barateamento de custo, quando se transpõe uma pu-

blicação em papel para o hipertexto da Internet.

A estrutura editorial não precisa mudar. Comissões ou comitês editoriais podem jul-

gar o que deve ou não ser incluído em suas publicações. Arbitragem (referees) pode

ser empregado, sem que nada mude na qualidade do que se publica. Logo, o julga-

mento dos pares permanece como forma de seleção para a publicação.

O que muda realmente, quando se faz a publicação digital, é o acesso. Se antes, um

periódico possuía um pequeno número de leitores, na Internet, esse número é im-

previsível. E mais, as características desse leitor deixa de ser o restrito público dos

freqüentadores de biblioteca acadêmicas, para se ampliar a qualquer leitor que tenha

interesse num determinado tema. O aumento da quantidade de leitores pode ser vis-

to como forma eficaz de democratização do conhecimento produzido na academia.

Por fim, constata-se a contradição entre os acadêmicos da nova Sociedade da Infor-

mação e do Conhecimento, defensores arraigados de uma mídia criada na Era Medie-

val. Haja conservadorismo!

(*) Doutorando da UNICAMP

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Se eu fosse a reencarnação de Charles

Darwin – Parte I Jornal “Agito Ubatuba”, Ubatuba-SP: 25 de maio de 2007

Renasci 125 anos depois e fiquei muito feliz ao constatar que acertei em tudo o que

formulei. Minha teoria da evolução das espécies não sofreu uma só correção nesse

período, a seleção natural é aceita sem restrição pela Ciência como uma verdade ci-

entífica. E eu passei 21 anos com o livro pronto, sem publicar, por saber o impacto

terrível que teria até em minha própria família.

Ah, como é bom saber que tirei o véu da ignorância e da superstição que cobria os

olhos da humanidade. Só os religiosos resistem a aceitar minhas teorias, mas um

motivo justifica esse medo: ao aceitar a teoria eles perderão seus empregos, mordo-

mias e principalmente o poder. No fundo resistem seguindo minha teoria de seleção

natural.

Minhas cinco teorias ficaram mais fortalecidas desde minha última morte. A teoria da

evolução está ajudando os cientistas a entender porque o vírus da gripe entrou em

mutação e no lugar de matar 50 milhões de pessoas de uma tacada só (gripe espa-

nhola no Século XIX), agora mata pouco mas garante sua sobrevivência na Terra, ao

manter o hospedeiro vivo.

Da mesma forma, a teoria do ancestral comum é irrefutável. Nascemos todos da a-

meba original há mais de 4 bilhões de anos atrás, não importa se um rato, um ele-

fante, uma galinha, um baiacu ou eu próprio.

Minha teoria da multiplicação das espécies foi explicada com o descobrimento do

DNA há 50 anos e hoje serve até para provar que fulano é pai biológico de cicrano. A

Natureza sábia seleciona as mutações mais oportunas e descarta as menos adequa-

das à vida nesse Planeta Azul.

Ainda estou triste com a permanência do pior sentimento do ser humano – o racis-

mo. Gerações já se passaram e não conseguem enxergar que a teoria do gradualis-

mo é inexorável. Vamos ficar mais diferente do que éramos há mil anos e isso é bom

e natural. Já passou da hora de aceitar a diversidade como algo natural.

Entretanto, minha teoria da seleção natural é aceita sem restrições pela Ciência. Até

cientistas religiosos admitem que Deus escolheu esse caminho com sabedoria. Eu só

vi o caminho traçado por Ele. Hoje sabemos que a girafa mutou e uma geração lá

trás ganhou pescoço comprido, esse fato mostrou que no período de seca elas podi-

am comer folhas verdes do alto das árvores e descartou as de pescoço curto. Viva a

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Natureza e suas leis divinas.

Por fim, quero lembrar que nunca disse ou escrevi que o homem descende do maca-

co. Isso é intriga de meus adversários de idéias. Afinal eu só tirei o homem da linha-

gem dos anjos e coloquei no mundo natural e isso incomodou muita gente em 1859.

E, parece incomodar até hoje.

Ruy Ferreira — Professor

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Se eu fosse a reencarnação de Charles

Darwin – Parte II Jornal “Agito Ubatuba”, Ubatuba-SP: 26 de maio de 2007

Lembra que eu renasci 125 anos depois de morrer? Pois é, para minha desgraça nas-

ci no Brasil. Na última vida fui inglês, cavalheiro da rainha e cientista. Dessa vez te-

nho que me contentar em ser professor universitário, porque aqui não existe ambi-

ente, nem dinheiro, para pesquisa científica. Ah, que saudade da Inglaterra de 200

anos atrás!

Naquela vez pude fazer uma viagem de navio que durou cinco anos. Conheci o Brasil

de Dom Pedro II, moleque de sete anos e já imperador no trono em 1832. Minha im-

pressão não foi das melhores. Em meu livro diário anotei muitas coisas sobre o Brasil

e hoje vou comparar o que vi naquela época e o que acontece hoje, 150 anos de-

pois.

É bom lembrar que visitei Fernando de Noronha, Salvador, Rio de Janeiro, durante

cinco meses. No retorno parei em Recife por quase dois meses. Visitei cidades do

interior do Rio de Janeiro, onde se plantava café. Ao chegar a Salvador, por coinci-

dência, começaram os festejos de carnaval. Adorei a alegria dos foliões, mas repudiei

a falta de educação com que jogavam bolas de ceras nas pessoas que assistiam a

folia. Hoje, vendo o carnaval de Salvador vejo que nada mudou, pois a alegria é a

mesma, assim como a falta de educação dos foliões. Outra anotação que fiz na Bahia

foi a indolência do povo baiano, como gostam da vagabundagem. Naquela época es-

crevi que devia ser o forte calor. Hoje com ventilador e ar condicionado nada mudou

logo os caras são preguiçosos mesmo.

No Rio de Janeiro passei mais tempo em terra. Ali eu entrei em contato com a má-

quina burocrática do governo. Anotei em meu diário: - sem suborno as autoridades

governamentais não funcionam. Caramba, nada mudou! Sem corrupção os governos

brasileiros não funcionam. De José Bonifácio até hoje a corrupção é marca indelével

da máquina pública no Brasil.

Outra coisa que escrevi naquela época foi: - Se um crime foi cometido por um rico,

nada lhe acontecerá. Polícia e juiz podem ser subornados com migalhas. De novo o

brasileiro resiste à teoria da evolução e não muda. Hoje mesmo a polícia federal está

enfiando em cana um monte de juízes, desembargadores, ministros e advogados que

compram e vendem sentenças. Quanto milionários estão nas penitenciárias? Naquele

tempo só negro e pobre ficavam nas cadeias, hoje mudou o quê? Já passou da hora

de dar um basta nessa injustiça social.

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Fiquei horrorizado com a escravidão no Brasil, tanto assim que prometi nunca mais

visitar uns país escravocrata. Mas, para minha tristeza, Deus me fez renascer no Bra-

sil e a escravidão ainda não acabou. Assim como a falta de educação. Escrevi isso na

Bahia e no Rio de Janeiro, em 1832. Em 2006 um candidato a presidente do Brasil

fez sua campanha com tema único: Educação. Até nisso eu estava certo a 150 anos

passados.

Bem, vou viver não sei quantos anos nessa encarnação brasileira. Espero que a sele-

ção natural, o gradualismo e a seleção natural comece a funcionar na sociedade bra-

sileira. Porque se isso não acontecer logo, a Natureza é inflexível e irão descartar os

brasileiros como seres que não deram certo.

Ruy Ferreira - Professor

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Conclusão

Depois de mais de duzentas páginas fica difícil falar em conclusão. Talvez, nem de-

va existir uma conclusão possível. Então, melhor é deixar o leitor concluir sobre o

que leu.

Espero, sinceramente, que a leitura tenha sido agradável e útil. Também, agradeço

o tempo que o leitor dedicou a essa obra, pois ela representa quinze anos de arti-

gos de opinião escritos no calor das notícias, representando meu estado de espírito

naqueles momentos.

Se houve momento de revolta e crítica, também busquei apresentar momentos de

ironia e bom humor.

Um abraço fraterno e até a próxima.

Contatos:

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