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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA À LUZ DO NOVO CPC 1 INTRODUÇÃO O tema liquidação de sentença não é novo em nosso sistema processual civil. Em uma rápida abordagem histórica, se percebe que ele encontrou previsão nos arts. 906/917 do decreto-lei 1.608/1939 (CPC 1939); 603/611 e, posteriormente, 475-A/475-H da lei 5.869/1973 (CPC 1973) e, mais recentemente; 496/499 do projeto de novo CPC. O presente ensaio tem por escopo analisar o procedimento de liquidação de sentença sob a perspectiva do novo diploma processual sem, contudo, ignorar o amadurecimento do instituto ao longo dos anos, à luz dos dispositivos legais que já o regulavam em nosso processo civil. Com efeito, desde já se deve deixar claro que o tema não mereceu alterações verdadeiramente relevantes em relação ao que já se encontrava previsto. A fim de facilitar a visualização do quanto dito, um quadro com os dispositivos do CPC 1973 e do projeto de novo CPC é anexado ao presente texto. 1. CAUSAS A necessidade de liquidação da sentença judicial 2 encontra como causa a existência de sentença genérica, isto é, que restou omissa quanto ao valor efetivamente devido pelo condenado, quando o tema for pertinente à completa satisfação do pedido 1 MARIANI, Rômulo Greff. Liquidação de Sentença à Luz do Novo CPC. Acesso em: 25/02/2013. Disponível em: http://www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/369-artigos-set-2012/8819-liquidacao-de-sentenca-a-luz-do- novo-cpc. 2 Objeto da liquidação, prevista no art. 475-A, é o título judicial. Em relação ao título extrajudicial, ele ou é líquido, e, portanto, título, ou não é líquido, e, por isso, carece de eficácia executiva, sendo nula a sentença nele baseada (art. 618, I). ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 272 (Os dispositivos mencionados referem-se ao CPC 1973 e encontraram previsão nos arts. 496 e 760 do projeto de novo CPC, respectivamente). No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 615. Há quem sustente a existência de situações (em que a ausência de liquidez surge no curso do processo de execução, impondo-se a realização de liquidação mesmo que o título executivo originário seja extrajudicial. É o que ocorre quando frustrada a execução específica, hipótese em que esta se converte em execução genérica que terá por objeto o recebimento de indenização correspondente e, uma vez definido o valor a ser executado, seguir-se-á o procedimento previsto para execução por quantia certa...). WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil II: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 100-101. Da mesma opinião compartilha ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 388.

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA À LUZ DO NOVO CPC1

INTRODUÇÃO

O tema liquidação de sentença não é novo em nosso sistema processual civil. Em uma

rápida abordagem histórica, se percebe que ele encontrou previsão nos arts. 906/917

do decreto-lei 1.608/1939 (CPC 1939); 603/611 e, posteriormente, 475-A/475-H da lei

5.869/1973 (CPC 1973) e, mais recentemente; 496/499 do projeto de novo CPC.

O presente ensaio tem por escopo analisar o procedimento de liquidação de sentença

sob a perspectiva do novo diploma processual sem, contudo, ignorar o

amadurecimento do instituto ao longo dos anos, à luz dos dispositivos legais que já o

regulavam em nosso processo civil.

Com efeito, desde já se deve deixar claro que o tema não mereceu alterações

verdadeiramente relevantes em relação ao que já se encontrava previsto. A fim de

facilitar a visualização do quanto dito, um quadro com os dispositivos do CPC 1973 e

do projeto de novo CPC é anexado ao presente texto.

1. CAUSAS

A necessidade de liquidação da sentença judicial2 encontra como causa a existência de

sentença genérica, isto é, que restou omissa quanto ao valor efetivamente devido pelo

condenado, quando o tema for pertinente à completa satisfação do pedido

1 MARIANI, Rômulo Greff. Liquidação de Sentença à Luz do Novo CPC. Acesso em: 25/02/2013. Disponível em: http://www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/369-artigos-set-2012/8819-liquidacao-de-sentenca-a-luz-do-novo-cpc. 2 Objeto da liquidação, prevista no art. 475-A, é o título judicial. Em relação ao título extrajudicial, ele ou é líquido, e, portanto, título, ou não é líquido, e, por isso, carece de eficácia executiva, sendo nula a sentença nele baseada (art. 618, I). ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 272 (Os dispositivos mencionados referem-se ao CPC 1973 e encontraram previsão nos arts. 496 e 760 do projeto de novo CPC, respectivamente). No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 615. Há quem sustente a existência de situações (em que a ausência de liquidez surge no curso do processo de execução, impondo-se a realização de liquidação mesmo que o título executivo originário seja extrajudicial. É o que ocorre quando frustrada a execução específica, hipótese em que esta se converte em execução genérica que terá por objeto o recebimento de indenização correspondente e, uma vez definido o valor a ser executado, seguir-se-á o procedimento previsto para execução por quantia certa...). WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil II: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 100-101. Da mesma opinião compartilha ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 388.

concedido3. O tema encontra no projeto de novo CPC disposições dirigidas tanto ao

autor do pedido como ao juiz.

Nada obstante deva o autor formular pedido certo e determinado, por aplicação do

art. 297 do projeto de novo CPC, algumas exceções são previstas no próprio

dispositivo. Assim, poderá o demandante formular pedido genérico quando: (I.) nas

ações universais, não puder individuar na petição os bens demandados; (ii.) não for

possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato ilícito; e (iii.) a

determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser

praticado pelo réu.

Essas são hipóteses em que, por iniciativa do próprio demandante, o juiz poderá ser

levado a, ao mesmo tempo em que condena o devedor, determinar a liquidação do

julgado4.

Na mesma esteira o projeto de novo CPC, agora se dirigindo ao juiz, permite que a

sentença deixe de definir a “extensão da obrigação” quando (art. 478): não for possível

determinar, de modo definitivo, o montante devido, assim como quando a apuração

do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou

excessivamente dispendiosa. Nessas hipóteses, as partes serão remetidas à liquidação

de sentença, conforme § 1º do mesmo dispositivo5.

3 Parte da doutrina entende que seria mais correto falar em liquidação do direito representado na sentença, e não da sentença propriamente, conforme se lê em CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 237. 4 O Código de Defesa do Consumidor também possui previsão de sentença genérica em ações coletivas: Art. 95 -

Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. José Maria Rosa Tesheiner leciona que (Isso ocorre especialmente nos casos de danos individuais de pequeno valor, sendo grande apenas o da respectiva soma). Um exemplo, apontado por Cerdeira, é o de uma padaria que vende pães cujo peso é menor que o devido. O dano sofrido pelo consumidor é mínimo, sendo provável que sequer haja liquidação individual. Contudo, o dano analisado de forma global, considerados todos os lesados, pode ser enorme. TESHEINER, José Maria Rosa. Liquidação e execução coletivas relativas a valores não cobrados pelos titulares de direitos individuais homogêneos (código do consumidor, artigo 100). In: TESHEINER, José Maria Rosa da; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. Temas de direito e processos coletivos. Porto Alegre: HS Editora, 2010. p. 101. 5 O projeto de novo CPC não reproduziu o quanto exposto no parágrafo único do art. 459 do CPC 1973, que dispunha: “Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida.” Ao que nos parece, a redação do projeto de novo CPC atendeu às necessidades do procedimento em tela, o que já era apontado pela doutrina ao tempo do CPC 1973: “Portanto, o enunciado do artigo 459, parágrafo único, leio assim: sendo possível proferir uma sentença líquida, não deve o juiz proferi-la ilíquida.” ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 384-385.

Trata-se de instituto que possibilita às partes a ao juiz uma tramitação menos

burocrática do processo, em atenção aos casos em que a apuração de eventual

quantum devido seria por demais dispendiosa, nada obstante, por exemplo, a

incerteza do próprio direito posto em causa.

Assim, durante a fase de conhecimento a atenção dos envolvidos, principalmente no

que tange à instrução probatória, residirá na procedência ou não do pedido posto em

causa. Somente num segundo momento, e acaso concedido o pedido da parte, o valor

– matéria que também poderá ensejar grande controvérsia – será discutido.

A liquidação de sentença também encontrará salutar aplicação diante de situações de

ordem prática que impeçam o autor de quantificar o seu pedido. Nessa hipótese,

inviável negar a ele a propositura da demanda, possibilitando a formulação de pedido

genérico que, acaso concedido, será depois quantificado, sem que daqui decorra a

violação de qualquer garantia ao réu.

2. CABIMENTO

Nos termos do art. 496, a liquidação terá lugar quando “a sentença condenar ao

pagamento de quantia ilíquida”. Ou seja, pela literal aplicação do dispositivo, quando a

posterior execução tiver por objeto prestações pecuniárias, visando à dívidas em

dinheiro.

Contudo, a doutrina acertadamente traz hipóteses em que obrigações não pecuniárias

necessitarão de liquidação, como na condenação à construção de um muro, onde será

necessário estipular como, onde e quando fazê-lo6. Sempre que for necessário

quantificar as unidades devidas, também se poderá falar em liquidação, mesmo que se

trate de bem de natureza diversa da prestação pecuniária7.

6 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 271. 7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 615.

No tocante às obrigações para a entrega de coisa incerta, cumpre ao credor ou

devedor individualizar o bem, o que não se confunde com o procedimento de

liquidação de sentença8.

3. ESPÉCIES

O projeto de novo CPC prevê a liquidação por arbitramento (art. 496, I) e pelo

procedimento comum (art. 496, II)9.

Por expressa previsão legal, a liquidação por arbitramento terá lugar quando

determinado pela sentença ou exigido pela natureza do objeto da liquidação. Exemplo

corriqueiro é a fixação de aluguéis pelo uso de bem de propriedade alheia. O

proprietário que restou alijado do uso da coisa, ao demandar em face daquele que

está a fazer uso do bem, receberá indenização na forma de aluguéis, como forma de

indenização pelo uso da coisa.

Esse valor será arbitrado por um perito, que com base nas características do bem,

localização, mercado imobiliário etc, irá aferir o valor do aluguel10. Pode-se dizer, por

conta disso, que arbitrar é “avaliar”11.

A liquidação pelo procedimento comum se faz pertinente quando houver a

necessidade de alegar ou provar fato novo, em hipótese de cabimento que muito se

assemelha à antiga liquidação por artigos (art. 475-C do CPC 1973). Conforme ensina a

8 Art. 485 do projeto de novo CPC: Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. Assim, da doutrina se depreende: A individuação do objeto da obrigação diz respeito ao requisito da certeza, não ao da liquidez, sendo, pois estranha à finalidade da liquidação. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 621. Também nesse sentido: SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 65. Apontando à possibilidade de uma liquidação por artigos para individualizar os “bens demandados”: ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. 9 Não houve previsão expressa de apresentação de cálculo aritmético como forma de liquidação de sentença, que encontrava previsão no CPC 1973 (art. 475-B). Antes disso, o art. 496, § 2º do projeto de novo CPC dispõe que “Quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença.” Ao que parece, o novo dispositivo atende a reclames de parte da doutrina, segundo a qual “A liquidação é necessária quando falta mais do que meros cálculos...”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 618. 10 Nesse sentido: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.° 70038416087. Relator: Nelson José Gonzaga. Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2011. 11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 622.

doutrina, esse “fato novo” é o fato pertinente à apuração do valor devido, mas sobre o

qual não se pronunciou o juiz, independentemente do momento em que o fato

efetivamente ocorreu12. Trata-se de fato “que precisa ser provado” com vistas à

apuração do valor devido13.

Exemplo se encontra na hipótese de condenação à reparação de danos por uma

intervenção cirúrgica, dano que pode mesmo ocorrer após o ajuizamento da ação ou

prolação da sentença14.

Parece que é justamente nesse “ônus”, inerente à liquidação por artigos, que reside

um traço a partir do qual a sua diferenciação em relação ao arbitramento fica mais

clara.

Voltamos ao exemplo do arbitramento de alugueis: o uso da coisa inequivocamente

gera dano ao seu proprietário. Contudo, “prova” efetiva do seu valor não há. Ele terá

de ser “arbitrado” num montante que, no entender do juiz e muito provavelmente

baseado em prova pericial, é razoável a título de remuneração pelo uso da coisa.

Diferente é o âmbito da liquidação pelo procedimento comum: aqui, o dano terá de

ser provado por quem o alega, pois a prova cabal do quantum devido de fato existe e o

valor não necessita de arbitramento para se fazer presente, como ocorre nos já

mencionados danos por conta de intervenção cirúrgica15.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 621. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 128. 13 ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento da sentença. Curitiba: Juruá, 2006. p. 52. 14 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.° 70031438112. Relator: Umberto Guaspari Sudbrack. Porto Alegre, 13 de outubro de 2010. Outro exemplo é trazido por Araken de Assis: a necessidade de provar os valores pagos pela diária do aluguel de um veículo, na indenização por lucros cessantes. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 292. 15

Faltando somente atribuir valor a algum bem ou serviço, essa atribuição se faz mediante o auxílio de uma pessoa que arbitrará esse valor; daí a liquidação por arbitramento, que o Código de Processo Civil disciplina nos arts. 606 e 607 (infra, n. 1.718). Em outras situações mais complexas que essas, sendo necessário investigar fatos ainda não considerados na sentença genérica, essa investigação se faz mediante as atividades instrutórias contidas na liquidação por artigos (CPC, arts. 608-609 – infra, n. 1.737). Cada uma dessas espécies de liquidação tem, portanto, sua razão de ser na espécie de dificuldade existente para, partindo do que consta da sentença condenatória genérica, revelar-se o valor da obrigação a cumprir. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 618.

Em ambos os casos todos os meios de prova devem ser admitidos16. Contudo, a

natureza do procedimento não poderá ser ignorada. Em caso de prova pericial, por

exemplo, tem-se que: (I.) na liquidação por arbitramento, o laudo trará ao juiz valores

“arbitrados” pelo perito, com base em elementos inerentes à mensuração do dano;

(II.) já na liquidação pelo procedimento comum, o perito deverá se ater aos fatos

novos efetivamente trazidos à colação pelas partes, e deles não poderá se distanciar.

Assim, e novamente fazendo uso dos exemplos acima trazidos, o aluguel será arbitrado

com base em elementos que o perito entende pertinentes ao cálculo, como questões

mercadológicas; já o valor da indenização pela intervenção cirúrgica deverá ser

calculado com base em notas fiscais, recibos etc., ou seja, “fatos novos” efetivamente

provados pelo credor e que permitam ao expert aferir e calcular o valor devido, se esse

cálculo for a ele solicitado pelo juiz.

4. PROCEDIMENTO E QUESTÕES AFINS

A liquidação de sentença deve ser tratada como continuação da fase de conhecimento,

com o objetivo de dar efetividade ao processo, reduzindo atos processuais durante

aquela fase17.

Não se formará nova e independente relação processual/processo, mas apenas “a

reunião de duas ações sucessivas (existindo trânsito em julgado) ou simultâneas (na

execução provisória, consoante o art. 475-A, § 2º) no mesmo processo18”, podendo-se

afirmar que parcela do mérito posto em causa será decidida em sede de liquidação.

A exceção se encontra nos casos de liquidação de sentença penal condenatória,

arbitral e sentença estrangeira homologada pelo STJ19, onde inevitavelmente teremos

novo processo, que nascerá com a natureza liquidatória20.

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SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 69. 17 SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 65-66. 18 ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 106. 19 Previstos como objeto de cumprimento no art. 502 do projeto de novo CPC. Diga-se que, excepcionalmente, a autonomia da liquidação ocorre nos casos de procedimento liquidatório antecedente à execução no cível da sentença penal condenatória (art. 465-N, II); haverá, então, a necessidade de citação do réu para acompanhar a

Assim, não pode haver maiores formalidades no seu requerimento, razão pela qual a

propositura de liquidação de sentença, independentemente do nome que se dê ao

“requerimento”, pode se dar nos mesmos autos da fase de cognição, ou mesmo em

autos apartados, se isso colaborar para o melhor trâmite do procedimento.

O procedimento das liquidações por arbitramento e pelo procedimento comum

encontra algumas diferenças, conforme arts. 497 e 498 do projeto de novo CPC. A

matéria não é regulada de forma pormenorizada, mas pode-se extrair dos dispositivos

que (I.) ao passo que na liquidação por arbitramento ambas as partes serão intimadas

a apresentar “parecer ou documentos elucidativos”, podendo o juiz nomear perito

judicial para lhe auxiliar; (II.) na liquidação pelo procedimento comum o credor deve

apresentar a sua manifestação, onde certamente trará à colação os meios de prova do

fato novo, para que somente então o devedor seja chamado a apresentar defesa, no

prazo de quinze dias, aplicando-se, no que couber, o disposto no livro I do Código21.

Percebe-se, assim, que mesmo no procedimento comum poucas alterações teremos

em relação ao CPC 1973. O rito sempre garantiu ao demandado a ampla defesa e,

mesmo sob a égide do antigo diploma, também já previa a aplicação, no que couber,

daquilo que o CPC 1973 entendia por “procedimento comum”22. Já que no que diz

respeito à liquidação por arbitramento, a iniciativa das partes em desde o início

apresentar “pareceres e documentos elucidativos”, novidade em relação ao CPC 1973,

‘ação’ de liquidação (nestes casos inexiste o processo ‘sincrético’). Assim também quando, excepcionalmente, a sentença arbitral ou a sentença estrangeira exequendas contiverem condenação ilíquida. CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 32. No mesmo sentido: SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 68. 20 Diga-se que, excepcionalmente, a autonomia da liquidação ocorre nos casos de procedimento liquidatório antecedente à execução no cível da sentença penal condenatória (art. 465-N, II); haverá, então, a necessidade de citação do réu para acompanhar a ‘ação’ de liquidação (nestes casos inexiste o processo ‘sincrético’). Assim também quando, excepcionalmente, a sentença arbitral ou a sentença estrangeira exequendas contiverem condenação ilíquida.” CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 32. No mesmo sentido: SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 68. Saliente-se, contudo, que a sentença arbitral via de regra será liquidada perante o próprio tribunal arbitral, exceto se as partes dispuserem de forma contrária. 21 O livro I trata da “parte geral” do Código. 22 Observará a ação incidental de liquidação, por motivo de simetria com o da ação condenatória, o procedimento comum (art. 272, caput), ou seja, sumário ou ordinário, ‘no que couber’, consoante dispõe o art. 475-F. Iniciará, portanto, através de petição inicial, e seu procedimento se distinguirá, nas linhas fundamentais, da forma incidental da liquidação por arbitramento.” ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 128. Assim, também DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 622.

em raras oportunidades deve fazer com que o juiz prescinda da ajuda de um perito

judicial, à exemplo do que já era praticado no antigo Código.

A par de pequenas alterações, trata-se de manter a parte mais substancial de uma

prática que, em se tratando de liquidação de sentença, é mantida há anos e dessa

forma vem cumprindo a contento com a sua finalidade23.

Posto isso, algumas questões de ordem prática, pertinentes a ambas as espécies de

liquidação, devem ser pontuadas.

Primeiramente, não se tem dúvida de que a relação processual contará com credor no

polo ativo e devedor no passivo. Contudo, a iniciativa em promover a liquidação pode

ser de qualquer um deles, mesmo do devedor, que também pode ter interesse em

adimplir o devido24.

Segundo: por aplicação dos arts. 497 e 498, pode-se concluir que, o chamamento da

parte contrária se dará na forma de intimação25 na pessoa do advogado26. O ponto

reforça o fato de estarmos dentro do mesmo processo e, em já estando as partes

23 Em 1577, a lei de 18 de novembro de deu origem à liquidação por artigos, que se somou à modalidade da liquidação por arbitramento, única então existente. Essas normas foram reproduzidas nas Ordenações de D. Filipe, em 1603, e também no distante Regulamento 737, datado do ano de 1850. É curioso observar que desde então quase nada se modificou na estrutura básica da liquidação de sentença, que tem ultrapassado todos esses longos anos mantendo as mesmas características procedimentais. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 55. 24 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 620. A lição é acolhida com ressalvas por Teori Albino Zavascki: Essa afirmação não pode ser acolhida de modo absoluto. Ela é correta quando, para individuar o objeto ou determinar o valor devido, for suficiente um cálculo aritmético (no que é expresso o Código, em seu art. 604) ou a produção de prova pericial ou documental. Porém, quando não estiver definida a natureza dos danos, ou quando o montante da dívida ou a identidade do seu credor depender de alegação e prova de fato novo (CPC, art. 608), a ação liquidatória fica subordinada necessariamente ao princípio da demanda. Ao credor, e não ao devedor, caberá a iniciativa de alegar fato novo e assumir os respectivos ônus probatórios. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 395. 25 A terminologia utilizada colabora para afastar ilações como a de Carreira Alvim, que sob a perspectiva do CPC 1973, antes da reforma pela qual passou o tema mais recentemente, sustentava: A citação do réu, na pessoa do seu advogado, é determinada ex vi legis, o que dispensa poderes especiais para recebê-la. No entanto, como se trata de citação e não mais de mera intimação, não pode ser feita nos termos do art. 236, não se aplicando também o disposto no art. 322. Pode (e deve), no entanto, ser realizada por via postal, nos termos do art. 222 (Lei nº 8.710/93), por não estar a liquidação compreendida na ressalva da sua alínea d, quando a citação seria, necessariamente, por mandado.” ALVIM, J. E. Carreira. Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 254. 26 Esse o entendimento da doutrina majoritária, desde antes da vigência do projeto de novo CPC, conforme se lê, exemplificativamente, em SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 68. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 273.

presentes na relação processual desde o seu início, o chamamento à fase de liquidação

pode se dar na pessoa do advogado27.

Terceiro: a falta de apresentação de defesa não importa revelia na liquidação por

arbitramento, na medida em que esse procedimento não está fundado em fato novo,

pressupondo-se que o trabalho do perito em apurar o valor possa ser desenvolvido

com os fatos alegado e discutidos na fase de conhecimento28. Já na liquidação por

artigos os efeitos da revelia irão operar, pois é ônus do demandado contestar os fatos

novos trazidos à colação29.

Quarto: em havendo impugnação, e considerando o caráter litigioso que o

procedimento trará às partes nessa hipótese, a jurisprudência admite a condenação

em novos honorários advocatícios específicos para a fase de liquidação30.

Quinto: questão interessante diz respeito ao manejo de recursos na liquidação de

sentença. Para decisões interlocutórias, não há dúvidas de que cabe agravo de

instrumento, com base no art. 969, parágrafo único, do projeto de novo CPC.

A dúvida surge no que diz respeito ao recurso cabível contra a decisão que

efetivamente deliberar, em caráter final, sobre o quantum devido, seja em sede de

27 Comentando o CPC 1973 após a reforma da lei n. 11.232/2005, Athos Gusmão Carneiro já lecionava: O procedimento destinado à liquidação de sentença, nestes termos, perdeu sua natureza de ‘ação’, passando a constituir uma fase suplementar na entrega (quando das atividades processuais de conhecimento) da integral prestação jurisdicional; assim, necessariamente cumpria fosse prevista a substituição da ‘citação’ – que é o chamamento para se defender (art. 213), pela simples ‘intimação’ do réu, na pessoa de seu advogado (e, se não o tiver, pessoalmente), e isso pela singela razão de que já foi ele citado ao início do processo (sempre ‘o mesmo’ processo). CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 30-31. 28

SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 69) ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 291. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 423. 29

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 622. SICA, Heitor Vitor Mendonça. A nova liquidação de sentença e suas velhas questões. In: Aspectos polêmicos da nova execução. v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 220. Teori Albino Zavascki aceita a assertiva com ressalvas: No que se refere à revelia, uma particularidade é digna de nota. Considerando que o réu é citado na pessoa do advogado constituído nos autos, a eventual falta de contestação acarreta a confissão ficta, de que trata o art. 319, mas não o efeito da revelia previsto no art. 322. Mesmo que não tenha contestado o feito, o advogado, que já está constituído nos autos, deve ser intimado regularmente dos demais atos do processo. A regra ali estabelecida, segundo a qual ‘contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação’, somente se aplica quando o réu, por falta de advogado, tiver sido citado pessoalmente na liquidação e, mesmo assim, continuar sem representante no processo. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 30 Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n.° 1195446. Relator: Aldir Passarinho Júnior. Brasília, 24 de fevereiro de 2011.

arbitramento, ou procedimento comum. Na sistemática do CPC 1973, o recurso a ser

manejado, mesmo nessa hipótese, era o agravo de instrumento, por expressa

disposição legal (art. 475-H).

A doutrina em geral se manifestava pela inadequação do agravo31, ressaltando a

natureza do provimento que decide a liquidação32.

Entende-se que a falta de disposição expressa nos artigos que tratam da liquidação de

sentença, determinando o manejo do agravo de instrumento contra a decisão que põe

termo à liquidação, não altera o recurso cabível, que continuará sendo o agravo de

instrumento.

Isso na medida em que: (I.) o provimento não se enquadra no conceito de sentença do

projeto de novo CPC33 e (II.) por se considerar que aqui há decisão interlocutória que

decide parcela do mérito da ação (art. 969, II do projeto de novo CPC)34. À luz dessas

premissas, o recurso cabível será o agravo de instrumento.

Por fim, resta evidente que em sede de liquidação não se poderá discutir e muito

menos modificar o quanto decidido na fase de conhecimento (art. 496, § 6º do projeto

31

A ação de liquidação por artigos se encerra através de ‘decisão’ (art. 475-H). Por força do conteúdo, há sentença (art. 162, § 1.º, c/c arts. 267 e 269), por sua vez sujeita a apelação (art. 513), doravante dotada de duplo efeito. Só o tempo ministrará subsídios maiores à questão. Parece preferível o agravo, que não trancaria o ajuizamento da execução (art. 497), salvo a concessão de efeito suspensivo (art. 558, caput), mas admiti-lo contra o provimento final de pretensão que se submete ao rito comum infringe aquelas disposições. Em outras palavras, o ato tem conteúdo de sentença, e, portanto, desafia apelação. Nesses termos, a execução iniciará após o julgamento definitivo da liquidação. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 293. Seguindo a mesma linha: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 626. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 406. 32 A orientação dominante é no sentido de que este provimento judicial será ‘substancialmente’ uma sentença, pelo seu conteúdo de integração, de complementação plena da sentença proferida na etapa de conhecimento, conferindo liquidez à condenação. CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 39. No mesmo sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil II: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 132. 33

Art. 170, § 1º: Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução. A propósito, de se destacar que o “procedimento comum” de que fala o dispositivo é aquele regulado no livro II, título I do projeto de novo CPC, e não se confunde com a liquidação pelo procedimento comum, de que tratamos aqui. Os procedimentos especiais, por sua vez, são aqueles previstos no título III. 34 Art. 969. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II – o mérito da causa; (...)

de novo CPC). Da mesma forma, a matéria decidida se tornará indiscutível no futuro,

não podendo ser objeto de impugnação na fase posterior de cumprimento de

sentença35.

5. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA E VALOR IGUAL A ZERO

Tema caro à doutrina diz respeito à possibilidade de, em fase de liquidação, o quantum

apurado não indicar qualquer crédito em favor do litigante vencedor, hipótese que não

foi expressamente regulada no projeto de novo CPC. O ponto encontra pertinência em

duas hipóteses: (I.) o expert (e, posteriormente, o juiz) chega à conclusão de que o

ilícito não gerou dano, hipótese que parece encontrar vida na liquidação por

arbitramento ou (II.) a prova do dano não tiver sido produzida ou indicar a inexistência

de dano (em verdade, um dano igual a zero), possibilidade mais afeita à liquidação

pelo procedimento comum.

Na primeira hipótese, podemos considerar que a condenação existiu com base em um

ilícito – devidamente aferido em fase de conhecimento – que provavelmente tenha

causado dano ao ofendido. Essa a opinião de Luiz Wambier, ao falar num “juízo

hipotético” acerca do dano, suficiente a uma condenação que, a rigor, não resultará

em qualquer ressarcimento ao vencedor na fase de conhecimento36.

35 Aparentemente, Araken de Assis admite a alteração da decisão em casos excepcionais: o princípio da segurança jurídica, tutelado pela coisa julgada, cede passo a outros valores constitucionais, da mesma hierarquia. É o caso da modificação do valor da desapropriação, que se tornou iníquo pelo transcurso do tempo, ou ultrapassa todos os parâmetros imagináveis, outorgando ao credor importância muito superior ao valor de mercado do bem e ao melhor investimento financeiro, se o desapropriado tivesse feito, alienando o bem voluntariamente, à época do apossamento. Neste delicado assunto, impõe-se distinguir as relações protelatórias da Fazenda Pública, interessada em postergar o cumprimento da obrigação, em virtude de suas dificuldades financeiras conjunturais, e as consequências naturais do seu atraso. E isso porque o pagamento da justa e prévia indenização, assegurado no art. 5.º, XXIV, da CF/1988, impediria o nascimento de quaisquer distorções. Como quer que seja, o assunto passará sob o crivo do órgão judiciário, reconhecendo ou não a eficácia de coisa julgada; em caso negativo, rejeitará a controvérsia promovida pelas partes. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 277-278. 36 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 164. De forma mais tímida, Cândido Rangel Dinamarco aponta que A solução dessa elegante questão seria mais fácil e segura se contasse com aceitação geral a tese de que a sentença genérica não contém mais do que a declaração da potencialidade danosa do fato, não a declaração da concreta existência de um dano (supra, n. 900); mas, como essa tese jamais chegou a convencer por inteiro a doutrina, ela não serve de critério decisivo para o tema do valor zero... DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 627.

A lição não convence, sendo flagrante a possibilidade de estarmos, em verdade, diante

de “sentença condicional”, que até o presente momento não encontrou espaço em

nosso sistema processual37.

Em verdade, ao remeter as partes à liquidação de sentença por arbitramento, a prova

do dano deve ser efetiva. Voltamos ao exemplo do arbitramento de aluguéis: ao restar

indevidamente alijado da utilização de bem de sua propriedade, o dano é inequívoco e

restou provado ao longo da fase de conhecimento.

Basta ao perito arbitrar o valor devido. Essa a razão pela qual em caso de liquidação

por arbitramento que não apura qualquer dano em favor do sedizente credor, a

sentença condenatória, verdadeiramente, se mostrou “hipotética” ou “condicional”. O

efeito prático será a inexistência de qualquer desembolso por parte do condenado.

Contudo, outros efeitos também poderão decorrer da sentença originariamente

condenatória: pagamento de custas, honorários etc. Para evitar a condenação que, ao

fim e ao cabo se demonstrou antijurídica – haja vista que carente de um de seus

pressupostos básicos (o dano) – restará ao condenado a via da ação rescisória, quando

em tese poderá sustentar a violação da “norma jurídica” (art. 919, V do projeto de

novo CPC).

A segunda hipótese é mais factível e pode encontrar alguma aplicação prática. Resta

claro que na liquidação pelo procedimento comum a uma das partes incumbe o ônus

de provar fato novo: justamente o valor do dano que sofreu. Não se pode falar

propriamente num “juízo de probabilidade”, mas num ônus que é efetiva e

deliberadamente postergado para fase ulterior.

Em não havendo prova efetiva do valor (que ao fim e ao cabo caracterizará a existência

do próprio dano) ou, com base no substrato probatório por ambas os litigantes

37 Sentença que firmasse juízo condenatório à base de um dano incerto seria sentença condicional, e, consequentemente, nula. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 402.

produzido, sendo a conclusão de que dano não houve, pois o seu valor é igual a zero, a

condenação sofrida na fase de conhecimento será reduzida a nada38.

Trata-se de um ônus do qual a parte não se desincumbiu, e não propriamente de uma

“sentença condicional” ou “hipotética” (premissa que afasta a possibilidade de

rescindir o julgado).

Contudo, mesmo nessa hipótese remanesceriam outros efeitos da sentença

condenatória, como custas e honorários39. Esse é um típico caso em que a distribuição

dos ônus sucumbenciais deveria ser postergada para a fase de liquidação40.

Para dificultar as coisas, pense-se num caso onde há pleitos de parte a parte e ambos

serão liquidados pelo procedimento comum: é muito difícil ou mesmo impossível

saber qual o grau de sucumbência de cada um antes de instruir e julgar a fase de

liquidação.

Pensa-se que nessa espécie de liquidação, como forma de dirimir eventuais injustiças,

a distribuição dos ônus sucumbenciais da fase de conhecimento deva necessariamente

se dar em proporção ao valor efetivamente encontrado na liquidação. Se ele for igual a

zero, não haverá condenação aos ônus sucumbenciais da fase de conhecimento contra

a parte que nela decaiu e, ainda, o advogado do suposto devedor receberá honorários

pela sua atuação na fase de liquidação.

38 Pense-se nessas hipóteses, todavia, de condenação à reparação de danos materiais, cujos valores restem improvados no processo de liquidação, por que o autor não se tenha desincumbido satisfatoriamente da necessidade de provar satisfatoriamente da necessidade de provar a efetiva existência do dano ou naquela outra situação em que, exaurida a atividade instrutória, efetivamente se conclua que o prejuízo a ser reparado é igual a zero.” WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. Revista dos Tribunais, 2006. P. 165. 39 O risco ocorre tanto em sede de liquidação pelo procedimento comum, como por artigos, como já dito. Essa a razão pela qual não pode entender que a solução para o problema se encontra em, tão somente, “deixar o provimento sem execução”, conforme ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 275. 40 Essa forma de proceder é desde há muito comum em procedimentos arbitrais, mas no projeto de novo CPC não encontra previsão.

CONCLUSÕES

Uma rápida abordagem histórica demonstra a ampla utilização e aceitação da

liquidação de sentença, como forma de postergar a uma fase posterior a discussão do

quantum devido pelo condenado na fase de conhecimento. A prática inegavelmente

implica em maior celeridade e economia de custos em alguns casos.

A disciplina da matéria no projeto de novo CPC é suficiente apenas em sua parte mais

substancial. Como visto, algumas situações pontuais não encontram previsão,

dependendo de soluções trazidas pela doutrina e, principalmente, do bom senso do

juiz.

Algumas foram as inovações, visando a atender em parte as sugestões que a doutrina

desde há muito formulava. Contudo, as bases daquilo que o CPC 1973 entendia por

liquidação de sentença, assim como o procedimento a ser adotado, foram mantidas, e

daqui se extraí uma importante conclusão: ao se tratar de liquidação de sentença, é

imperativa que a observância das novas disposições se dê à luz de toda a prática já

consagrada ao longo do tempo.

De forma subsidiária, e agora fazendo um cotejo entre os diplomas (antigo e novo),

também se pode concluir que pelo acerto do projeto de novo CPC na disciplina da

matéria: manteve dispositivos pertinentes e inovou de forma pontual quando

necessário.

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