39
Provas ENEM Português www.tenhoprovaamanha.com.br www.tenhoprovaamanha.com.br 1 LITERATURA- Arcadismo Soneto XCVIII Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra meu coração guerra tão rara Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano; Vós que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei: que Amor tirano Onde há mais resistência mais se apura. Claudio Manuel da Costa. Poemas escolhidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994. 1. (UnB-2º2012) Considerando o poema acima, o estilo de época em que ele se insere bem como a relação entre homem e natureza, assinale a opção correta. a) A despeito da forte carga emotiva evidenciada na revelação da natureza, não se verificam, nesse poema, elementos neoclássicos. b) Nesse poema, representativo do Arcadismo brasileiro, combinam-se elementos da convenção clássica e um lirismo revelador da relação tensa entre a subjetividade branda do eu lírico e a natureza dura das penhas. c) Nesse soneto, caracteristicamente árcade, a natureza é retratada como lugar místico e insólito, conhecido na tradição clássica como locus amoenus. d) Esse soneto, de forma tipicamente neoclássica, apresenta um forte pendor para a objetividade, recorrendo o poeta ao universalismo para evitar qualquer relação subjetiva entre homem e natureza. Texto I LXXIX 1 Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente, Que agora estão meus olhos contemplando, Parece que hoje o céu me vem pintando 4 A mágoa triste, que meu peito sente. Firmeza a nenhum deles se consente Ao doce respirar do vento brando; 7 O tronco a cada instante meneando, A fonte nunca firme, ou permanente. Na líquida porção, na vegetante 10 Cópia daquelas ramas se figura Outro rosto, outra imagem semelhante: Quem não sabe que a tua formosura 13 Sempre móvel está, sempre inconstante, Nunca fixa se viu, nunca segura? Cláudio Manoel da Costa. Apud Domício Proença Filho. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 85. Texto II O espelho O espelho: atra vés de seu líquido nada me des dobro. Ser quem me olha e olhar seus olhos nada de nada duplo mistério. Não amo o espelho: temo-o. Orides Fontela. Poesia reunida (19691996). São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7letras, 2006, p. 212. 2. (UnB-1º2012) Na atmosfera bucólica do soneto LXXIX, submetida às convenções da poesia pastoral, a natureza é apresentada como cenário estático e artificial, no qual o eu lírico não encontra espaço para manifestar, de forma mais profunda, as verdadeiras emoções humanas. 3. (UnB-1º2012) No soneto LXXIX, referências ao próprio ato de representação artística nas seguintes imagens poéticas: “Parece que hoje o céu me vem pintando” (v.3) e “Na líquida porção, na vegetante / Cópia daquelas ramas se figura” (v.9-10). 4. (UnB-1º2012) A adoção de formas clássicas europeias, tanto na lírica de Cláudio Manoel da Costa quanto nos épicos Uraguai, de

LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   1

LITERATURA- Arcadismo Soneto XCVIII Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra meu coração guerra tão rara Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano; Vós que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei: que Amor tirano Onde há mais resistência mais se apura. Claudio  Manuel  da  Costa.  Poemas  escolhidos.  Rio  de  Janeiro:  Ediouro,  1994.  

1. (UnB-2º2012) Considerando o poema acima, o estilo de época em que ele se insere bem como a relação entre homem e natureza, assinale a opção correta.

a) A despeito da forte carga emotiva evidenciada na revelação da natureza, não se verificam, nesse poema, elementos neoclássicos.

b) Nesse poema, representativo do Arcadismo brasileiro, combinam-se elementos da convenção clássica e um lirismo revelador da relação tensa entre a subjetividade branda do eu lírico e a natureza dura das penhas.

c) Nesse soneto, caracteristicamente árcade, a natureza é retratada como lugar místico e insólito, conhecido na tradição clássica como locus amoenus.

d) Esse soneto, de forma tipicamente neoclássica, apresenta um forte pendor para a objetividade, recorrendo o poeta ao universalismo para evitar qualquer relação subjetiva entre homem e natureza.

Texto I LXXIX 1 Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente, Que agora estão meus olhos contemplando, Parece que hoje o céu me vem pintando 4 A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente Ao doce respirar do vento brando; 7 O tronco a cada instante meneando, A fonte nunca firme, ou permanente. Na líquida porção, na vegetante 10 Cópia daquelas ramas se figura Outro rosto, outra imagem semelhante: Quem não sabe que a tua formosura 13 Sempre móvel está, sempre inconstante, Nunca fixa se viu, nunca segura? Cláudio  Manoel  da  Costa.  Apud  Domício  Proença  Filho.  A  poesia  dos  inconfidentes.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  2002,  p.  85.    

Texto II O espelho O espelho: atra vés de seu líquido nada me des dobro. Ser quem me olha e olhar seus olhos nada de nada duplo mistério. Não amo o espelho: temo-o. Orides  Fontela.  Poesia  reunida  (1969-­‐1996).  São  Paulo:  Cosac  Naify;  Rio  de  Janeiro:  7letras,  2006,  p.  212.    

2. (UnB-1º2012) Na atmosfera bucólica do soneto LXXIX, submetida às convenções da poesia pastoral, a natureza é apresentada como cenário estático e artificial, no qual o eu lírico não encontra espaço para manifestar, de forma mais profunda, as verdadeiras emoções humanas.

3. (UnB-1º2012) No soneto LXXIX, há referências ao próprio ato de representação artística nas seguintes imagens poéticas: “Parece que hoje o céu me vem pintando” (v.3) e “Na líquida porção, na vegetante / Cópia daquelas ramas se figura” (v.9-10).

4. (UnB-1º2012) A adoção de formas clássicas europeias, tanto na lírica de Cláudio Manoel da Costa quanto nos épicos Uraguai, de

Page 2: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   2

Basílio da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão, impediu que a realidade da Colônia fosse inserida na produção literária do Arcadismo brasileiro.

5. (UnB-1º2012) A temática lírico-amorosa do soneto LXXIX evoca o mito de Narciso, como evidenciam os versos em que o eu lírico mira sua imagem nas águas de uma fonte, o que se realiza, no entanto, de maneira renovada, uma vez que, no reflexo artístico produzido pelos versos, estão associados os conflitos do mundo interno do eu lírico à instabilidade do mundo.

GABARITO

1. B  2. E  3. C  4. E  5. C    

LITERATURA- Barroco Queixa-se o poeta em que o mundo vay errado, e querendo emendâlo o que tem por empreza difficultosa. 1 Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me as passadas, Que como ando por vias desusadas, 4 Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo. O remédio será seguir o imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, 7 Que as bestas andam juntas mais ornadas, Do que anda só o engenho mais profundo. Não é fácil viver entre os insanos, 10 Erra quem presumir que sabe tudo, Se o atalho não soube dos seus danos. O prudente varão há de ser mudo, 13 Que e melhor neste mundo mar de enganos Ser louco cos demais, que ser sisudo. Gregório  de  Matos.  Crônica  do  viver  baiano  seiscentista  –  obra  poética  completa  –  códice  James  Amado.  4.ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  Record,  V.  1  1999,  p.  347.  

1. (UnB-1º2013) A oração “seguir o

imundo/Caminho” (v.5-6) é aposto da expressão “O remédio” e evoca, no nível

semântico e interpretativo, a cura das dores de que o poeta se queixa.

2. (UnB-1º2013) Há elementos que permitem interpretar que, no poema, e proposta a valorização da prudência diante da insânia do mundo.

3. (UnB-1º2013) No poema apresentado, a sensibilidade barroca e caracterizada por um jogo de antíteses, fortemente marcado na oposição entre as imagens das “bestas” (v.7) e do “engenho” (v.8).

4. (UnB-1º2013) O tema do “desconcerto do mundo”, tão caro à estética clássica, esta representado no texto; no entanto, diferentemente da postura renascentista, Gregório de Matos, em seu poema, ironiza a solução para o mundo desventurado.

GABARITO

1. E 2. E 3. C 4. C

LITERATURA- Modernismo Barricada

1 Todos os passarinhos da Praça da Republica Voaram Todas as estudantes 4 Morreram de susto Nos uniformes de azul e branco As telefonistas tiveram uma sincope de fios 7 Só as arvores não desertam Quando a noite luz Oswald de Andrade. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 2006, p. 71.

1. (UnB-1º2013) Ao unir verso e desenho,

Oswald criou um espaço de interpretação da poesia em que associou matéria lírico-reflexiva a uma forma quase infantil de percepção da realidade.

2. (UnB-1º2013) Na poesia oswaldiana, a falta de pontuação, a predominância do uso de

Page 3: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   3

substantivo em detrimento do verbo e a justaposição de imagens confirmam o exercício critico da linguagem assumido pelo poeta.

3. (UnB-1º2013) A poesia de Oswald de Andrade exerceu forte influencia na formacao do movimento concretista brasileiro, como sugere a produção do poema Barricada, cujos versos são entrecortados por imagens.

4. (UnB-1º2013) A partir da representação de cenas do cotidiano, Oswald de Andrade construiu um lirismo amoroso fortemente marcado pela idealização de suas companheiras durante a vida.

5. (UnB-1º2013) A simplicidade dos versos do poema Barricada e característica contrastante com o restante da produção poética de Oswald de Andrade, em que predominam cortes elípticos.

Trecho 1: Nhenhem? Eu cacei onça, demais. (...) Eu não mato mais onça, mato não. Onça meu parente. Trecho 2: Eu sou onça... Eu-onça! (...) Mecê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais. Trecho 3: Hum, nhem? Cê fala que eu matei? Eu sou onça. Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe, tutira... Meus parentes! Meus parentes! Trecho 4: De repente, eh, eu oncei... Iá. (...) Levei pra o Papa — Gente. Papa gente, onça chefe, onço comeu jababora Gugué. Trecho 5: Mecê tá ouvindo, nhem? Tá aperceiando... Eu sou onça, não falei? Axi. Não falei — eu viro onça? Onça grande, tubixaba. Trecho 6: Mecê brinca não, vira esse revólver pra lá. (...) Ói: cê quer me matar, ui?

João  Guimarães  Rosa.  Meu  tio,  o  Iauaretê.  In:  Ficção  completa.  V.  II.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1994,  p.  825-­‐52.  

 6. (UnB-2º2012) A obra literária de João

Guimarães Rosa é uma das grandes realizações da literatura brasileira que tratam da urbanidade, sendo fortemente influenciada pelo recurso literário da ironia machadiana.

7. (UnB-2º2012) Guimarães Rosa, no trabalho metapoético com a materialidade da linguagem, uma das bases da construção de

sua ficção, rompe com os padrões morfossintáticos do português padrão.

Mapa Me colaram no tempo, me puseram uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo, a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação. (...) Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos. Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado, gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar, alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal. Murilo  Mendes.  Poesia  completa  e  prosa.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  2006.  

8. (UnB-2º2012) Depreende-se dos versos

apresentados que a representação do que seria propriamente humano no homem inclui, como limites, a erudição e a religiosidade.

9. (UnB-2º2012) Depreende-se da leitura do texto que a identidade assumida pelo eu lírico contrasta com a ideia de orientação convencionalmente atribuída à palavra mapa.

10. (UnB-2º2012) Um mapa — em geral, representação convencional da configuração da superfície da Terra — tem pontos cardeais como pontos de referência. No poema, essa representação é feita de forma inusitada, porque a configuração é o homem. Observe, nesse mapa, as informações sobre o sul — o que é o sul? — e compare-as com as do norte — o que é o norte? Segundo os ensinamentos da cartografia moderna, interpretar um mapa é ir além da pergunta “onde?”; na análise do poema, a interpretação recai, em especial, na configuração humana. Tendo como base essa representação, interprete, utilizando a modalidade padrão da língua portuguesa, os

Page 4: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   4

versos “(...) Estou/limitado ao norte pelos sentidos, ao sul/pelo medo”.

O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. São Paulo: Ática, p. 134.

11. (UnB-2º2012) Assim como alguns poemas de Manuel Bandeira, também a obra Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, é conhecida pelo registro poético do cotidiano da cidade, no âmbito do primeiro período do Modernismo brasileiro.

12. (UnB-2º2012) A integração entre homem e natureza, demonstrada tanto em O Bicho quanto no trecho apresentado do romance Iracema, de José de Alencar, apoia-se no mesmo pressuposto: o homem se animaliza quando vivencia uma situação de abandono e miséria.

13. (UnB-2º2012) O poema de Manuel Bandeira inclui elementos do mundo animal, propondo uma visão idealizada da relação que o homem moderno mantém com a natureza.

14. (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução poética desse fato por meio de uma linguagem burilada em formato clássico.

15. (UnB-2º2012) O poema está organizado, nas duas primeiras estrofes, como uma narrativa, em linguagem metafórica, do comportamento do homem, o que potencializa o espanto registrado pelo narrador no último verso.

Ao longo da história da literatura brasileira, foram inúmeros os autores que se expressaram

segundo as diretrizes de uma literatura regionalista. Uma das grandes estudiosas do fenômeno, Lígia Chiappini, caracteriza-o assim: “Na verdade, a história do regionalismo mostra que ele sempre surgiu e se desenvolveu em conflito com a modernização, a industrialização e a urbanização. Ele é, portanto, um fenômeno moderno e, paradoxalmente, urbano.”

Do  beco  ao  belo.  In:  Revista  de  Estudos  Históricos.  Rio  de  Janeiro,  vol.  8,  n.º  15,  1995,  p.  155.  

16. (UnB-2º2012) A partir da leitura do texto

acima, redija uma definição de regionalismo literário e indique, no mínimo, duas obras da literatura brasileira que o exemplifiquem.

Preste atenção por favor na história que vou contar ela explica o que é cordel

grande manifestação popular. Paulo Araújo. Internet: <www.bibceuguarapiranga.blogs.com>.

Manifestação popular caracterizada por poesias

escritas em folhetos, a literatura de cordel originou-se na Europa em meados do século XII. Em Portugal, escritores amadores usavam cordões para pendurarem e divulgarem suas produções em lugares públicos. Com a vinda dos portugueses ao Brasil, a tradição de contar histórias disseminou-se pela região Nordeste, tornando-se um dos símbolos da cultura e memória nordestina. No início, como a maioria das pessoas não sabia ler e escrever, as poesias eram apenas decoradas e recitadas em feiras e praças. Mais tarde, passaram a ser impressas em folhetos, cujas capas eram ilustradas em xilogravura, e afirmaram-se como manifestação artística e popular nas décadas 60 e 70 do século passado. A importância do cordel não se limita à literatura. O cordel se expande como registro histórico da cultura nordestina, reverberando nas manifestações artísticas, tais como teatro, dança, cinema, música e artes visuais.

17. (UnB-1º2012) No Brasil dos anos 20, os organizadores da Semana de Arte Moderna expressaram evidente paradoxo: ao mesmo tempo em que defendiam a arte livre das amarras de um passado cultural dissociado do Brasil real, apoiavam o regime político vigente,

Page 5: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   5

por considerá-lo democrático e socialmente justo.

O espelho Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma

aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja, na verdade — um espelho? Decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da ótica. Reporto-me ao transcendente, todavia...

O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente inalterado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os bons e maus, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade?

Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apoiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato, um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um

pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz brecha para rir-se da gente...

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra a terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos, deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse...

Sim, são para se ter medo, os espelhos... João Guimarães Rosa. O espelho. In: Primeiras estórias. Ficção completa. Rio

de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v. 2, p. 437-55 (com adaptações).

18. (UnB-1º2012) Em relação ao questionamento

“Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível?” (l.11), a argumentação levada a efeito pelo narrador acerca da imagem especular aproxima visão idealizante e crença, evocadas, no texto, a partir do aparato experimental da ciência.

19. (UnB-1º2012) Há, no trecho selecionado do conto de Guimarães Rosa, reflexão sobre o próprio gesto de representação literária, uma vez que a literatura produz um conhecimento do mundo que, muitas vezes, convulsiona a imagem da realidade refletida “nas superfícies de água quieta” (l.30).

20. (UnB-1º2012) A aproximação entre o discurso filosófico e o literário, proposta pelo narrador ao seu interlocutor, produz como efeito estético a composição de fechamento do texto em si mesmo, o que impede o leitor de mirar-se no espelho da narrativa.

21. (UnB-1º2012) No fragmento de texto apresentado, extraído de um conto de Guimarães Rosa, o estilo de composição diverge esteticamente do verificado na obra-prima do autor, Grande Sertão: Veredas, caracterizada pelo regionalismo pitoresco e folclórico, avesso a reflexões filosóficas, transcendentes ou existenciais.

Texto I LXXIX 1 Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente,

Page 6: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   6

Que agora estão meus olhos contemplando, Parece que hoje o céu me vem pintando 4 A mágoa triste, que meu peito sente. Firmeza a nenhum deles se consente Ao doce respirar do vento brando; 7 O tronco a cada instante meneando, A fonte nunca firme, ou permanente. Na líquida porção, na vegetante 10 Cópia daquelas ramas se figura Outro rosto, outra imagem semelhante: Quem não sabe que a tua formosura 13 Sempre móvel está, sempre inconstante, Nunca fixa se viu, nunca segura? Cláudio  Manoel  da  Costa.  Apud  Domício  Proença  Filho.  A  poesia  dos  inconfidentes.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  2002,  p.  85.    

Texto II O espelho O espelho: atra vés de seu líquido nada me des dobro. Ser quem me olha e olhar seus olhos nada de nada duplo mistério. Não amo o espelho: temo-o. Orides  Fontela.  Poesia  reunida  (1969-­‐1996).  São  Paulo:  Cosac  Naify;  Rio  de  Janeiro:  7letras,  2006,  p.  212.  

22. (UnB-1º2012) Os poemas LXXIX e O espelho

abordam tema semelhante de maneira bastante diferente. Considerando que o soneto de Cláudio Manoel da Costa foi escrito em 1768 e o poema de Orides Fontela, em 1986, redija um texto, na modalidade da língua escrita padrão, abordando as diferenças formais (verso, rima etc.) e temáticas (configuração do eu lírico diante do espelho) entre as duas obras.

Manifesto Antropófago

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.

Filosoficamente. (...) Tupy or not tupy, that is the question. (…) Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. (...) Contra

as elites vegetais. Em comunicação com o solo. (...) Antes

dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. A alegria é a

prova dos nove. (...) A peste dos chamados povos cultos e cristianizados. É contra ela que estamos

agindo. Oswald de Andrade

Ano 374 da deglutição do bispo Sardinha

Tarsila deu de presente de aniversário a Oswald um quadro poderoso, perturbador, onírico, ancestral. Oswald se transfigurou. “O que será isso?”, quis saber. Oswald achou que deveria tratar-se de um gigante e sugeriu que o batizassem com “um nome selvagem”. Tarsila arranjou, então, um dicionário de tupi e, nele, encontram “aba” (homem) e “poru” (que come). Nascia Abaporu, o Antropófago. Estava fundado um novo movimento: o Movimento Antropófago.

História  do  Brasil.  São  Paulo:  Publifolha,  1997,  p.  206  (com  adaptações).    

23. (UnB-2º2011) Redija um texto, na modalidade

padrão da língua portuguesa, relacionando o Movimento Antropófago à Semana de Arte Moderna de 1922 e esclarecendo a contribuição do principal fundamento desse movimento para a análise da cultura brasileira.

Não se sabe ao certo quando os primeiros escravos africanos foram trazidos para o Brasil. No entanto, é somente a partir do alvará de D. João III de 29 de março de 1549, que faculta o “resgate e recebimento de escravos da costa da Guiné e da ilha

Page 7: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   7

de São Tomé” para auxílio da cultura da cana e do trabalho dos engenhos, que a importação de escravos africanos para o Brasil cresce de forma vertiginosa. Já no final do século XVI, os africanos ocupavam majoritariamente a base da sociedade colonial brasileira, o que iria acentuar-se no século XVII. É possível que os primeiros escravos africanos tenham tido contato com a língua geral, mas, com a redução da presença indígena na zona açucareira, pode-se dizer que os escravos passaram a ter contato, desde cedo, com o português. Os escravos que eram incapazes de se comunicar nessa língua eram chamados de boçais, em oposição aos que demonstravam conhecer o português, que eram chamados de ladinos. No decorrer do século XVIII, com o ciclo do ouro, aumentou a onda migratória vinda de Portugal, e o tráfico negreiro também se orientou para as demandas cada vez maiores de mão de obra para a mineração, tendo aumentado, portanto, o acesso dos escravos africanos à língua portuguesa.

Dante  Lucchesi.  História  do  contato  entre  línguas  no  Brasil.  In:  Dante  Lucchesi,  Alan  Baxter  e  Ilza  Ribeiro  (Org.).  O  português  afro-­‐brasileiro.  

Salvador:  EDUFBA,  2009,  p.  47-­‐8  (com  adaptações).  

O gramático

Os negros discutiam Que o cavalo sipantou Mas o que mais sabia

Disse que era Sipantarrou.

Oswald  de  Andrade.  Poesias  reunidas.  5.aed.  Rio  de  Janeiro:  Civilização  Brasileira,  1978  

 

24. (UnB-2º2011) Considerando, de um lado, a questão linguística referida no texto e, de outro, as intenções propostas por Oswald de Andrade no Manifesto Pau-Brasil, pode-se apontar que, no poema, há tematização de aspectos relativos ao contato linguístico no Brasil colônia, como evidenciado na dicotomia “boçais”/“ladinos” (l.10-11).

25. (UnB-2º2011) Ainda que se desconheça o significado dos verbos que são objeto de comparação no poema de Oswald de Andrade ou, ainda, admitindo-se a hipótese de que tais vocábulos não pertençam ao léxico da língua portuguesa, é correto inferir que, na discussão a que o poema se refere, os interlocutores demonstram capacidade de aplicar elementos estruturais da morfologia da língua portuguesa.

Erro de português Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido O português

Oswald  de  Andrade.  Poesias  reunidas.  5.ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  Civilização  Brasileira,  1978.  

 

Quando aqui aportaram os portugueses, há mais de 500 anos, falavam-se, no país, mais de mil línguas indígenas; tal profusão linguística constitui-se numa situação semelhante à que ocorre, hoje, nas Filipinas (com 160 línguas), na Índia (com 391 línguas) ou, ainda, na Indonésia (com 663 línguas).

Gilvan  Müller  de  Oliveira.  Brasileiro  fala  português:  monolinguismo  e  preconceito  linguístico.  In:  Revista  

Linguagem.  Internet:  <www.letras.ufscar.br>  (com  adaptações).  

26. (UnB-2º2011) No poema, o par opositivo

vestir/despir representa metaforicamente a interação entre o colonizador português e o indígena.

27. (UnB-2º2011) No poema, Oswald de Andrade empregou a técnica modernista da colagem, como evidencia a transposição, para o formato de blague do poema-piada, de informações factuais presentes em textos da literatura quinhentista.

28. (UnB-2º2011) O emprego da redondilha menor, metrificação típica das formas literárias populares, estabelece proximidade formal e linguística do poema Erro de português com as modalidades coloquial e popular da língua portuguesa.

29. (UnB-2º2011) No título do poema, a expressão “de português” admite dupla interpretação, que se mantém nos versos.

GABARITO

1. C 2. C 3. C 4. E 5. E 6. E 7. C 8. E

Page 8: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   8

9. E 10. TIPO D 11. C 12. E 13. E 14. E 15. C 16. TIPO D 17. E 18. E 19. C 20. E 21. E 22. TIPO D 23. TIPO D 24. C 25. C 26. C 27. E 28. E 29. E

LITERATURA- Pós-modernismo

No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio. Manoel  de  Barros.  O  livro  das  ignorãças  –  poesia  completa.  São  Paulo:  Leya,  2010,  p.  301.

1. (UnB-1º2013) A poesia e definida no poema apresentado como uma linguagem em delírio, o que indica, portanto, que a invenção poética deve seguir as vias da loucura, e não as da razão.

2. (UnB-1º2013) No poema apresentado, Manoel de Barros usa de forma ambígua o vocábulo “verbo”, que tanto pode significar palavra

quanto designar uma das categorias gramaticais.

3. (UnB-1º2013) A relação entre “verbo” e “descomeço” guarda, de forma inversa, intertextualidade com a Bíblia, o que metaforicamente pode aludir a analogia entre o surgimento do mundo e o nascimento da poesia.

[...] 1 uma dança de espadas esta 4 escrita delirante lâminas cursivas 7 a lua entre dois dragões 10 com uma haste de bambu passar 13 por entre lianas sem desenreda-las Haroldo de Campos. Signância quase céu. Melhores poemas de Haroldo de Campos. Seleção de Inês Oseki Dépré. 3.ª ed. São Paulo: Global, 2000, p. 82.

4. (UnB-1º2013) Das associações presentes no

fragmento do poema, depreende-se que a “escrita delirante”, ou seja, a produção de um poema, requer minucioso cuidado.

In:  Haroldo  de  Campos  (Org.).  Ideograma:  lógica,  poesia,  linguagem.  4.ª  ed.  São  Paulo:  EDUSP,  2000,  p.  57.  

5. (UnB-1º2013) No poema acima, Haroldo de Campos, por meio da técnica ideogramática, busca aproximar-se da lógica metafórica dos ideogramas chineses. A união do ideograma que significa “coração” com o que significa “meio” resulta no sentido de “lealdade”. Considerando esse contexto, redija um texto,

Page 9: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   9

na modalidade padrão da língua, definindo metáfora. Apresente um exemplo extraído do trecho do poema contido na obra Signância quase céu, de Haroldo de Campos, seguido de interpretação.

[...] 1 o ar lapidado: veja como se junta esta palavra 4 a esta outra linguagem: minha consciência (um paralelogramo 7 de forcas não uma simples equação a uma única incógnita): esta linguagem se faz de ar 10 e corda vocal a mão que intrinca o fio da treliça o fôlego 13 que junta esta aquela voz: o ponto de torção 16 trabalho diáfano mas que se faz (perfaz?) com os cinco sentidos. Haroldo  de  Campos.  Educação  dos  cinco  sentidos.  Melhores  poemas  de  Haroldo  de  Campos  –  seleção  de  Inês  Oseki  Dépré.  3.a  ed.  São  Paulo:  Global,  2000,  p.  92.  

6. (UnB-1º2013) A referência à exclusão de uma das linguagens formais evoca a ideia de opção por uma composição poética em que se recusa o mistério e, assim, denuncia-se o esvaziamento da capacidade de comunicação.

7. (UnB-1º2013) No verso 17, a duvida do poeta quanto a pertinência do emprego da forma verbal “perfaz” deve-se a perda da função da linguagem no que se refere a junção das palavras no poema.

Agosto 1964 1  Entre lojas de flores e de sapatos, bares, mercados, butiques viajo 4  num ônibus Estrada de Ferro – Leblon Volto do trabalho, a noite em meio, fatigado de mentiras.

7  O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud, relógio de lilases, concretismo, neoconcretismo, ficções de juventude, adeus, 10  que a vida eu a compro à vista aos donos do mundo. Ao peso dos impostos, o verso sufoca, 13  a poesia agora responde a inquérito policial-militar. Digo adeus à ilusão mas não ao mundo. Mas não à vida, 16  meu reduto e meu reino. Do salário injusto, da punição injusta, 19  da humilhação, da tortura, do terror, retiramos algo e com ele construímos um artefato 22  um poema uma bandeira. Ferreira  Gullar.  Dentro  da  noite  veloz.  In:  Toda  poesia.  Rio  de  Janeiro:  José  Olympio,  2000.    

Depois de 21 anos de regime militar, o Brasil

finalmente teria um presidente civil. O político mineiro Tancredo Neves vencera Paulo Maluf no Colégio Eleitoral e assumiria o poder no dia 15 de março de 1985. No entanto, um dia antes da posse, com fortes dores abdominais, ele teve que ser internado no Hospital de Base, em Brasília. Após sete cirurgias, Tancredo morreu em 21 de abril, deixando a nação em choque.

Douglas  Attila  Marcelino.  A  despedida  de  um  mártir.  In:  Revista  de  História  da  Biblioteca  Nacional,  março/2010,  p.  58  (com  adaptações).  

8. (UnB-2º2011) Os elementos em que se baseia

a força lírica do poema podem ser, corretamente, esquematizados da seguinte forma:

9. (UnB-2º2011) Nos versos “que a vida/eu a

compro à vista aos donos do mundo” (v.10-11), o emprego de pleonasmo confere maior vigor ao que neles é expresso.

10. (UnB-2º2011) O tratamento lírico de evento histórico indica que o poema é representante de uma das tendências da literatura brasileira dos anos 1960 e 1970, o Neoconcretismo.

Page 10: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   10

11. (UnB-2º2011) Ao propor, nos dois últimos versos, relação de equivalência entre “poema” e “bandeira”, o poeta nega a possibilidade de a poesia apresentar-se como veículo de protesto contra as ignomínias referidas no poema.

12. (UnB-2º2011) Diante dos fatos que relata, o eu lírico do poema manifesta otimismo, que não o deixa abandonar os sonhos e a poesia.

GABARITO 1. E 2. C 3. C 4. C 5. TIPO D 6. E 7. E 8. E 9. C 10. E 11. E 12. E

LITERATURA- Realismo,

Naturalismo e Parnasianismo. Conto de escola

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia ― uma segunda-feira, do mês de maio ―, deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manha. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Santana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. [...]

Raimundo recuou a mão dele e deu a boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida, propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com

medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...

Tive uma sensação esquisita. Não e que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não e também que não fosse fácil empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, da cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, a toa, sem poder dizer nada.

Machado  de  Assis.  Conto  de  escola.  Internet:<www.dominiopublico.org>.  

1. (UnB-1º2013) No fragmento apresentado, é

relatada uma situação que corresponde a um processo de incorporação de um valor social que gera conflito no narrador-personagem. Esse valor social é a liberdade de troca entre indivíduos.

Razão contra Sandice

Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava a casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:

— La maison est a moi, c’est a vous d’en sortir. Mas e sestro antigo da Sandice criar amor as

casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. E sestro; não se tira dai; ha muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso numero de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina e o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio a porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.

— Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer e passar mansamente do sótão a sala de jantar, dai a de visitas e ao resto.

— Esta bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...

— Que mistério? — De dois, emendou a Sandice: o da vida e o

da morte; peco-lhe só uns dez minutos. A Razão pôs-se a rir.

Page 11: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   11

— Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa.

E, dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas suplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  São  Paulo:  Ateliê,  2001,  p.84-­‐5.  

2. (UnB-1º2013) A estrutura frasal do enunciado “Já o leitor compreendeu” (l.1) permite que o conteúdo seja interpretado como um pedido de informação que o narrador-autor dirige ao interlocutor, no sentido de chamar a atenção para fatos anteriores e, então, continuar o relato.

3. (UnB-2º2013) Com base no capitulo apresentado da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e em relação às características da produção literária brasileira do século XIX, assinale a opção correta. a) A disputa alegórica entre a Razão e a

Sandice representa um dos motivos temáticos do estilo machadiano, em que se evidencia a preferência pelos sãos, em detrimento dos loucos.

b) A ironia, presente no fragmento apresentado, revela a preocupação do narrador-personagem em, entre a Razão e a Sandice, sobrevalorizar a Razão, o que constitui uma característica tipicamente machadiana.

c) A escrita alegórica, característica típica do Realismo, evidencia a critica social, muito presente nos textos de Machado de Assis.

d) A escrita irônica de Machado de Assis, expressa, no fragmento apresentado, pela alegoria Razão e Sandice, revela a postura critica do narrador-personagem, que convoca o leitor a se inteirar do destino da Sandice.

O emplasto

Um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cambalhotas. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.

Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.

Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem e, consequentemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  Obra  completa,  v.  I.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1992,  p.  514-­‐5  (com  adaptações).  

4. (UnB-1º2012) O compromisso do narrador

com a verdade dos fatos, honestidade decorrente da vida além-túmulo, e o seu interesse pela ciência e pela filosofia aproximam a narrativa de Memórias Póstumas de Brás Cubas da forma de narrar do

Page 12: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   12

Naturalismo, ou seja, da descrição objetiva da realidade.

5. (UnB-1º2012) As “arrojadas cambalhotas” (l.3) da ideia inventiva de Brás Cubas relacionam-se à forma como Machado de Assis compôs esse romance, no qual o narrador intercala a narrativa de suas memórias com divagações acerca de temas diversos, o que produz constante vaivém na condução do enredo.

6. (UnB-1º2012) A narrativa das diferentes faces de uma mesma ideia expressa a singularidade do realismo machadiano, que ultrapassa as convenções realistas — focadas em desvelar as razões econômicas das causas humanitárias — e alcança dimensão mais profunda: a de desnudar o cinismo com que filantropia e lucro são reduzidos a caprichos do defunto autor em sua “sede de nomeada” (l.17).

7. (UnB-1º2012) A partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o conjunto da obra machadiana divide-se em duas fases: a primeira é constituída por obras em que o foco narrativo é em terceira pessoa e o tema revela interesse pela sorte dos pobres, como em Helena, por exemplo; a segunda é formada de obras construídas a partir da perspectiva do narrador-personagem associado à classe dominante local, a exemplo de Dom Casmurro.

Vaso grego Esta, de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira

Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. Alberto  de  Oliveira.  Poesias  completas.  In:  Crítica.  Marco  Aurélio  de  Mello  Reis.  Rio  de  Janeiro:  EDUERJ,  197,  p.144.    

8. (UnB-1º2012) No período em que o Parnasianismo se destacou, o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, vivia forte influxo de modernização tardia em relação aos centros europeus, o que incentivou o consumo de mercadorias culturais luxuosas, mas desligadas da realidade local. Assim, verifica-se que a recorrência a temas advindos da Antiguidade Clássica era a correspondência estética dessa tendência manifestada na objetividade social brasileira.

9. (UnB-1º2012) O refinamento da linguagem e as formas labirínticas dos versos do soneto Vaso grego atestam o quanto a poesia parnasiana no Brasil, país de desigualdade social, asseverou a distância entre a língua falada e a escrita.

10. (UnB-1º2012) A temática abordada no soneto Vaso grego é representativa da tendência atribuída pela crítica literária ao Parnasianismo no Brasil: a descrição apaixonada de objetos antigos, por meio da qual se expressava, de forma evidente, a subjetividade do eu lírico.

11. (UnB-1º2012) A partir da leitura do soneto Vaso grego, assinale a opção correta a respeito do tratamento estético conferido aos mitos antigos pela poética parnasiana. a) A recorrência a temas mitológicos atraía o

leitor comum e amenizava os efeitos de distanciamento impostos a ele pelo rebuscamento da linguagem parnasiana.

b) Os mitos antigos são atualizados na poesia parnasiana e recebem um significado poético novo, que promove a ruptura efetiva com o passado e a tradição mítica.

c) O tratamento estético dos mitos gregos na poesia parnasiana aproxima o antigo mundo mitológico dos problemas

Page 13: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   13

imediatos e concretos da vida social brasileira.

d) A presença de elementos da arte e da mitologia gregas no soneto apresentado está de acordo com uma máxima do Parnasianismo: a arte pela arte.

10 de abril

Grande novidade! O motivo da vinda do barão é consultar o desembargador sobre a alforria coletiva e imediata dos escravos de Santa-Pia. Acabo de sabê-lo, e mais isto, que a principal razão da consulta é apenas a redação do ato. Não parecendo ao irmão que este seja acertado, perguntou-lhe o que é que o impelia a isso, uma vez que condenava a ideia atribuída ao governo de decretar a abolição, e obteve esta resposta, não sei se sutil, se profunda, se ambas as coisas ou nada:

— Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma espoliação, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso.

Será a certeza da abolição que impele Santa-Pia a praticar esse ato, anterior de algumas semanas ou meses ao outro? A alguém que lhe fez tal pergunta respondeu Campos que não. “Não, disse ele, meu irmão crê na tentativa do governo, mas não no resultado, a não ser o desmantelo que vai lançar às fazendas. O ato que ele resolveu fazer exprime apenas a sinceridade das suas convicções e o seu gênio violento. Ele é capaz de propor a todos os senhores a alforria dos escravos já, e no dia seguinte propor a queda do governo que tentar fazê-lo por lei.”

Campos teve uma ideia. Lembrou ao irmão que, com a alforria imediata, ele prejudica a filha, herdeira sua. Santa-Pia franziu o sobrolho. Não era a ideia de negar o direito eventual da filha aos escravos; podia ser o desgosto de ver que, ainda em tal situação, e com todo o poder que tinha de dispor dos seus bens,vinha Fidélia perturbar-lhe a ação. Depois de alguns instantes, respirou largo, e respondeu que, antes de morto, o que era seu era somente seu. Não podendo dissuadi-lo, o desembargador cedeu ao pedido do irmão, e redigiram ambos a carta de alforria. Retendo o papel, Santa-Pia disse:

— Estou certo que poucos deles deixarão a fazenda; a maior parte ficará comigo, ganhando o

salário que lhes vou marcar, e alguns até sem nada —, pelo gosto de morrer onde nasceram.

Machado  de  Assis.  Memorial  de  Aires.  In:  Obra  completa.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  2007.  

 

12. (UnB-2º2011) A forma como a narrativa se desenrola no trecho apresentado demonstra claramente que o romance Memorial de Aires integra a fase romântica da obra de Machado de Assis.

13. (UnB-2º2011) O personagem narrador mostra-se simpático à ideia de Santa-Pia libertar os escravos antes que o Governo o fizesse.

14. (UnB-2º2011) Por meio da apresentação de um debate entre irmãos relatado por uma terceira pessoa, a narrativa dá forma a uma contradição básica da formação da sociedade brasileira: a dominância dos interesses privados nos assuntos públicos.

15. (UnB-2º2011) No trecho apresentado, está clara a intenção de Machado de Assis de estabelecer intertextualidade com a obra romântica de José de Alencar, especialmente com o romance Senhora, cuja intriga central gira em torno da abolição dos escravos.

16. (UnB-2º2011) A expressividade literária do texto deve-se, em parte, à combinação das vozes dos personagens (em discurso direto) com os comentários sutis do narrador, na discussão de um tema grave, como é o da escravidão no Brasil.

17. (UnB-2º2011) De acordo com o narrador, o personagem Santa-Pia a) está certo de que os escravos deixarão a

sua propriedade rapidamente, a fim de procurarem melhor condição de vida na cidade.

b) considera a abolição um ato do governo cuja legalidade é inquestionável.

c) está decidido a libertar os escravos e consulta o desembargador, seu irmão, apenas para aperfeiçoar a redação do ato de libertação dos escravos.

d) tem como principal propósito prejudicar a própria filha, deixando-a sem propriedades.

GABARITO

1. C 2. E

Page 14: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   14

3. D 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C 9. C 10. E 11. D 12. E 13. E 14. C 15. E 16. C 17. C

LITERATURA- Romantismo

Iracema Além, muito além daquela serra, que ainda

azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha

os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.

Enquanto repousa, empluma das penas do guará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara

com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.

Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.

O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém, a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.

A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

O guerreiro falou: — Quebras comigo a flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a

linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?

— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.

— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

José  de  Alencar.  Iracema.  São  Paulo:  Ed.  Ática,  1991,  p.  23.  

1. (UnB-2º2012) Nesse fragmento, mecanismos

de descrição consagrados pelo Romantismo representam simbolicamente o encontro entre índio americano e explorador europeu.

2. (UnB-2º2012) A personagem Iracema é revelada pelo narrador como um ser totalmente integrado ao ambiente selvagem, que, por sua vez, é estetizado como fonte de harmonia.

Page 15: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   15

3. (UnB-2º2012) A figura do índio apresentada por José de Alencar em Iracema e a criada por Mário de Andrade em Macunaíma são semelhantes e fortemente influenciadas pelo conceito do bom selvagem, formulado por Rousseau.

4. (UnB-2º2012) O narrador descreve Iracema estabelecendo, do segundo ao quarto parágrafos do texto, comparações entre suas características e elementos da fauna e da flora brasileiras.

5. (UnB-2º2012) No Romantismo brasileiro, a natureza tropical é caracterizada literariamente como expressão da nacionalidade, o que se verifica no romance Iracema.

É somente nos meados do século XIX, com

Varnhagen, que a língua do Brasil assume contornos de problema de interesse nacional e, concomitantemente, passa a constituir objeto de cogitação, para registro de uma realidade já consistente e documentável. Varnhagen afirma a unidade de língua nos dois domínios — o que, a seu ver, justificava o estudo dos clássicos e a impossibilidade de separação das duas literaturas —, mas ressalta, todavia, a diversificação da língua falada, notadamente na prosódia e no léxico, o que atribui ao acastelhanamento do português na América. A caracterização da língua do Brasil como um português diferenciado — esboçada em Varnhagen — representa, entre outros aspectos, uma das posições que delimitarão os debates em torno da língua até o final do século XIX.

Edith  Pimentel  Pinto  (Org.).  O  português  do  Brasil  –  textos  críticos  e  teóricos  –  1820-­‐1920:  fontes  para  a  teoria  e  a  história.  Rio  de  Janeiro:  Livros  Técnicos  e  Científicos;  São  Paulo:  Editora  da  

Universidade  de  São  Paulo,  1978,  p.  XVI-­‐XIX  (com  adaptações).    

6. (UnB-2º2011) A caracterização linguística advogada pelos românticos ficcionistas da segunda geração corresponde ao que propõe Varnhagen a respeito da vigência de uma variante brasileira da fala que se assemelha à língua portuguesa do período clássico.

Ainda que aparentemente movida apenas pelo sentimento geral de lusofobia, característico da época, a geração romântica, fundamentada nas concepções evolucionistas da linguística da época, segundo as quais as línguas se comportavam como seres vivos e, portanto, nasciam, cresciam, envelheciam e morriam, aspirou a uma língua própria, a chamada língua brasileira, instalando uma polêmica, que será retomada, de forma mais radical, pela primeira geração modernista, a da Semana de Arte Moderna, de 1922. Enquanto os românticos — apesar de acreditarem que o nascimento da chamada língua brasileira era fato contra o qual não se poderiam insurgir — não reivindicavam mais que o direito a certa originalidade, os escritores modernistas serão os que, de fato, buscarão, na realidade linguística brasileira, as formas que constituirão a sua expressão.

Tânia  C.  F.  Lobo.  Variantes  nacionais  do  português:  sobre  a  questão  da  definição  do  português  do  Brasil.  In:  Revista  Internacional  de  Língua  Portuguesa.  Lisboa,  

dez./1994,  p.  9-­‐15.  Internet:  <www.aulp.org>  (com  adaptações).  

7. (UnB-2º2011) O anseio por uma língua própria

foi representado no romance Iracema, obra em que José de Alencar inseriu vocábulos e expressões indígenas, a fim de distinguir o português literário do Brasil daquele utilizado em Portugal.

GABARITO

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E 7. C

GRAMÁTICA- Colocação pronominal.

Esta história começa numa noite de março tão

escura quanto é a noite enquanto se dorme. O modo como, tranquilo, o tempo decorria era a lua altíssima passando pelo céu.

Page 16: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   16

Fora para o lado do mar que aquele homem pretendera ir, antes mesmo de ter encontrado por feliz acaso o hotel. Mas — sem mapa, conhecimento ou bússola — embrenhara-se terra adentro.

“Hoje deve ser domingo” — chegou mesmo a pensar com certa glória, e domingo seria o grande coroamento de sua isenção. Tratava-se de seu primeiro pensamento claro, desde que deixara o hotel. Na verdade, desde que fugira, era o primeiro pensamento que não tinha mera utilidade de defesa. De início, aliás, Martim até não soube o que fazer com ele. Apenas agitou-se à novidade, e coçou-se voraz sem parar de andar.

Foi mais além que estacou diante do primeiro passarinho. O passarinho negro estava pousado num ramo baixo, à altura de seus olhos; com mão pesada e potente, o homem pegou-o sem machucá-lo, com a bondade física que tem uma mão pesada.

Com o leve peso a carregar, o homem continuou sua marcha entre pedras.

— Não sei mais falar, disse, então, para o passarinho, evitando olhá-lo...

Só depois pareceu entender o que dissera, e então olhou face a face o sol. “Perdi a linguagem dos outros”, repetiu, então, bem devagar, como se as palavras fossem mais obscuras do que eram, e de algum modo muito lisonjeiras.

Alguma coisa estava lhe acontecendo. E era alguma coisa com um significado, embora não houvesse um sinônimo para essa coisa que estava acontecendo. E não havia sinônimo para nenhuma coisa...

Aquele homem rejeitara a linguagem dos outros e não tinha sequer começo de linguagem própria. E, no entanto, oco, mudo, rejubilava-se. Assim, ao remexer agora com fascínio ainda cauteloso na linguagem morta, ele tentou, por pura experiência, dar o título antigamente tão familiar de “crime” a essa coisa tão sem nome que lhe sucedera.

Clarice  Lispector.  A  maçã  no  escuro.  Rio  de  Janeiro:  Rocco,  1998  (com  adaptações).  

1. (UnB-2º2012) Admite-se como forma variante

de colocação pronominal no trecho “Alguma coisa estava lhe acontecendo” (l.19) a posição proclítica do pronome ao verbo auxiliar.

GABARITO

1. C 2. E 3. E

GRAMÁTICA- Concordância No processo da Revolução Francesa, quando

destruíram os últimos resquícios do feudalismo na eufórica noite de 4 de agosto de 1789, os deputados concordaram em manter o dízimo da Igreja, em vez de simplesmente aboli-lo sem qualquer compensação. Mas, desde então, houve sinais de que a promessa seria abandonada. “Eles desejam ser livres, mas não sabem ser justos”, reclamou o abade de Seyès, referindo-se a alguns colegas da Assembleia. Robespierre não era nem antipadres nem anticlerical; é difícil determinar sua posição quanto ao futuro da Igreja na Revolução. Às vezes, era veemente crítico e, em outras vezes, retornava à interpretação da doutrina cristã, pois, a seu ver, o cristianismo era a religião dos pobres e daqueles de coração puro — riqueza chamativa e luxo não deveriam fazer parte dele. Os pobres, segundo ele, eram oprimidos não apenas pela fome, mas também pelo espetáculo escandaloso de clérigos autoindulgentes, que esbanjavam insensivelmente o que pertencia aos pobres por direito.

Ruth  Scurr.  Pureza  fatal:  Robespierre  e  a  Revolução  Francesa.  Rio  de  Janeiro/São  Paulo:  Record,  2009,  p.  140-­‐1  (com  adaptações).  

2. (UnB-1º2012) A estrutura “pertencia aos

pobres por direito” (l.12-13) pode ser substituída corretamente por era um direito dos pobres.

A crise da Europa é hoje o maior risco para a

economia mundial, disse o secretário do Tesouro dos Estados Unidos da América, referindo-se à tensão entre os bancos e os governos endividados. Disse, ainda, que a China e outros países emergentes com superávit nas contas têm espaço bastante para estimular o consumo interno, aumentar as importações e compensar a fraca demanda nas economias desenvolvidas. Para isso, os governos desses países deveriam deixar suas moedas valorizar-se. Em outras palavras, o câmbio subvalorizado da China resulta em

Page 17: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   17

valorização real das moedas de outros países emergentes, torna seus produtos mais caros e diminui seu poder de competição no comércio internacional.

Rolf  Kuntz.  O  Estado  de  S.Paulo,  25/9/2011.    

3. (UnB-1º2012) No que se refere a aspectos

semânticos e morfossintáticos, “bastante” (l.4) equivale ao adjetivo suficiente e concorda com o substantivo que o antecede, ainda que apenas em número.

Texto I

Não só os índios foram vítimas da política linguística dos Estados lusitano e brasileiro. Os imigrantes — que chegaram a partir de 1824 — e, principalmente, seus descendentes também sofreram com ela. O Estado Novo, de Getúlio Vargas, por meio do chamado processo de nacionalização do ensino, marcou o ponto alto da repressão a línguas de imigrantes — línguas alotóctones —, a qual teve repercussão direta na região Sul do país, em virtude da presença das comunidades alemã e italiana, que falavam sua língua materna.

Gilvan  Müller  de  Oliveira.  Brasileiro  fala  português:  monolinguismo  e  preconceito  linguístico.  In:  Revista  

Linguagem.  Internet:  <www.letras.ufscar.br>  (com  adaptações). Texto II

A Declaração Universal da Diversidade Cultural, recentemente assinada pelo Brasil, reconhece o povo brasileiro como plural e diverso e, ainda, a pluralidade linguística. É essa visão acerca de questões linguísticas que está expressa na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, em tramitação na Organização das Nações Unidas (ONU) e que havia orientado, em 2008, o Ano Internacional das Línguas, proposto pela UNESCO, cuja ação pretendeu chamar a atenção dos governos e das sociedades para os perigos do desaparecimento acelerado da riqueza linguística do mundo e para os direitos linguísticos das comunidades constitutivas dos Estados Nacionais.

Idem,  ibidem.

4. (UnB-2º2011) No segmento “política linguística dos Estados lusitano e brasileiro” (texto I; l.1), os dois últimos adjetivos poderiam, corretamente, estar flexionados no plural.

Nenhum dos integrantes do BRIC aparece entre os 70 países com a melhor infraestrutura do mundo. O ranking leva em conta dados quantitativos — como o número de linhas telefônicas em relação ao total da população e de cargas transportadas nos portos — e opiniões de 13.000 empresários de todo o mundo. Exemplos recentes comprovam que nem a impressionante taxa de investimento chinesa, equivalente a 44% do PIB, tem livrado o país de gargalos estarrecedores. Na Índia, a lista de problemas é infindável. O país foi protagonista do maior apagão da história, quando, em 2001, mais de 225 milhões de pessoas ficaram no escuro por mais de 12 horas no norte do país e na capital.

F.  A.  Carneiro.  Corrida  do  BRIC.  In:  Anuário  Exame  Infraestrutura.  São  Paulo:  Ed.  Abril,  dez./2010,  p.  35  (com  adaptações).  

5. (UnB-2º2011) O particípio “transportadas” (l.3)

poderia ser substituído por transportado, visto que a concordância com o núcleo nominal “total” (l.3) atende ao que prescreve a gramática normativa.

GABARITO

1. E  2. C  3. E    4. E    

GRAMÁTICA- Interpretação de texto

  Manuelzinho  Salustiano.  Estandartes  de  Maracatu.  

O maracatu era preconceituosamente chamado “coisa de negro”. Hoje, virou inspiração de

Page 18: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   18

compositores brasileiros, de compositores do mundo todo, de bandas de rock, de artistas plásticos e de escritores. E tema de tese de mestrado e de doutorado.

Chega-se a falar em diáspora do maracatu, já que existem tantos grupos imitando o maracatu pelo mundo todo.

Eu acredito que essa migração do maracatu deve-se a muitos fatores: a difusão através da imprensa, as políticas publicas, aos artistas famosos e também a disposição dos próprios grupos de sair em busca de novos espaços.

No entanto, a gente não pode confundir maracatu com grupo de percussão. Maracatu e um complexo cultural que envolve religião, envolve comunidades, envolve séculos de tradição. E preciso distinguir o maracatu tradicional dos grupos de percussão.

Depoimento  de  Climério  de  Oliveira  (com  adaptações).  

1. (UnB-1º2013) Para sintetizar informações

mencionadas no 1.o e 2.o parágrafos, o autor do depoimento emprega, no inicio do 3.o parágrafo, a expressão “essa migração do maracatu” (l.6), mecanismo coesivo que possibilita inferir que o sentido de “diáspora” (l.4) esta associado à dispersão, disseminação.

Por volta de 12 mil anos atrás, quando

começaram a cultivar a terra e a domesticar os animais, os seres humanos assumiram o controle. Começaram o que hoje se denomina “seleção artificial”. Em vez de a natureza escolher e disseminar os espécimes mais bem-sucedidos no ambiente natural, os seres humanos começaram a escolher, produzir e criar aqueles que melhor lhes servissem.

Christopher  Lloyd.  O  que  aconteceu  na  Terra?  A  história  do  planeta,  da  vida  e  das  civilizações,  do  

big-­‐bang  até  hoje.  Rio  de  Janeiro:  Intrínseca,  2011,  p.  111.  

2. (UnB-1º2013) O autor do texto interpreta um

processo histórico, com base nos princípios do darwinismo social.

A história das chamadas relações entre sociedade e natureza e, em todos os lugares habitados, a da substituição de um meio natural, dado a uma determinada sociedade, por um meio cada vez

mais artificializado, isto e, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade.

Milton  Santos.  A  natureza  do  espaço:  técnica  e  tempo,  razão  e  emoção.  São  Paulo:  EDUSP,  2008,  p.  233-­‐4  (com  adaptações).  

3. (UnB-1º2013) Assinale a opção que sintetiza, de forma mais adequada, o fragmento de texto apresentado. a) As circunstâncias de desenvolvimento

de uma sociedade são determinadas pelas condições naturais do território que ela habita.

b) Atualmente, ainda existem lugares desabitados e desconhecidos pelo homem, como o Ártico e o Deserto do Saara.

c) Estados Unidos da América, China, Índia, Rússia e Japão são países industrializados que, por terem adotado política de preservação do meio ambiente, tem abandonado as fontes de energia suja, como petróleo e carvão mineral.

d) As grandes cidades são lugares onde o meio artificial predomina, pois são ambientes construídos pelo homem no espaço geográfico, no transcorrer do tempo histórico.

Razão contra Sandice Já o leitor compreendeu que era a Razão que

voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:

— La maison est a moi, c’est a vous d’en sortir. Mas e sestro antigo da Sandice criar amor às

casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. E sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio a porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.

— Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e

Page 19: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   19

experimentada, o que você quer e passar mansamente do sótão a sala de jantar, daí a de visitas e ao resto.

— Esta bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...

— Que mistério? — De dois, emendou a Sandice: o da vida e o

da morte; peco-lhe só uns dez minutos. A Razão pôs-se a rir. — Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre

a mesma coisa... sempre a mesma coisa. E, dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e

arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  São  Paulo:  Ateliê,  2001,  p.84-­‐5.  

4. (UnB-1º2013) Considerando-se a estrutura

sintática do trecho “e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo” (l.1-2), verifica-se que a Razão empreendeu grande esforço para convencer a Sandice a deixar a casa repetindo as palavras de Tartufo.

[...] 1 uma dança de espadas esta 4 escrita delirante lâminas cursivas 7 a lua entre dois dragões 10 com uma haste de bambu passar 13 por entre lianas sem desenreda-las Haroldo de Campos. Signância quase céu. Melhores poemas de Haroldo de Campos. Seleção de Inês Oseki Dépré. 3.ª ed. São Paulo: Global, 2000, p. 82.

5. (UnB-1º2013) Considerados sob o ponto de

vista de propriedades gerais dos infinitivos, os versos “passar/por entre lianas/sem desenredá-las” (v.12-14) conservam analogia com sentenças de texto de gênero instrucional, em que a estrutura “sem desenreda-las” representaria, no nível semântico, uma condição para a realização da ação aí indicada.

6. (UnB-1º2013) No trecho “passar/por entre lianas” (v.12-13), “por” indica movimento, e “entre”, a ideia de limite.

Barricada

1 Todos os passarinhos da Praça da Republica Voaram Todas as estudantes 4 Morreram de susto Nos uniformes de azul e branco As telefonistas tiveram uma sincope de fios 7 Só as arvores não desertam Quando a noite luz Oswald de Andrade. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 2006, p. 71.

7. (UnB-1º2013) No que se refere a elementos da estruturação linguística e sua relação com elementos discursivos, o contraste semântico estabelecido por meio de formas verbais que indicam movimento e estado garante, no que se refere à praça, uma linha divisória dentro/fora.

O conto Meu Tio, o Iauaretê — publicado, em 1961, na revista Senhor, e republicado, em 1969, em Estas Histórias — representa, a nosso ver, o estágio mais avançado do experimento de Guimarães Rosa com a prosa. O conto é um longo monólogo-diálogo (o diálogo é pressuposto, pois um só protagonista pergunta e responde) de um onceiro, perdido na solidão dos gerais, que recebe, em seu rancho, a visita inesperada de um viajante. Filho de pai branco e de mãe índia, o onceiro, que fora contratado por um proprietário de terras para ‘desonçar’ suas propriedades, arrependido de ter matado ‘seus parentes’, passa a matar gente. A fala do onceiro é tematizada por um ‘Nhem?’ intercorrente, que é, antes,

Page 20: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   20

um ‘Nhennhem’ — do tupi, Nhehê ou nheeng —, que significa, simplesmente, ‘falar’. Rosa cria também o verbo ‘nheengar’, de pura aclimatação tupi, e, juntando a ‘jaguaretê’ — tupinismo para onça verdadeira — a terminação nhennhém, ou nhem, como se fora uma desinência verbal, forma outras palavras, para exprimir o linguajar das onças. O texto fica, por assim dizer, mosqueado de nheengatu, e esses rastros que nele aparecem preparam e anunciam o momento da metamorfose (...): o tigreiro, em seu rancho encravado na “jaguaretama”, enquanto conta para seu hóspede os ‘causos’ de caçada e morte, está também falando uma linguagem de onça. À medida que a história flui, tudo vai convergindo para o clímax metamórfico. Este não é apresentado, mas presentificado pelo texto: o onceiro acaba, arrastado por sua narrativa, transformando-se em onça, diante dos olhos do interlocutor (e dos leitores). A transfiguração se dá no momento em que a linguagem se desarticula, quebra-se em resíduos fônicos, que soam como um rugido ou um estertor, pois o interlocutor virtual, tomando consciência da metamorfose, dispara contra o homem-iauaretê o revólver que mantivera engatilhado durante toda a conversa. Neste Iaueretê, não é a história que cede o primeiro plano à palavra, mas a palavra, que, ao irromper em primeiro plano, configura a personagem e a ação, desenvolvendo a história.

Haroldo  de  Campos.  A  linguagem  do  Iauaretê.  Metalinguagem  &  outras  metas:  ensaios  de  teoria  e  crítica  literária.  4.ª  ed.  São  Paulo:  Perspectiva,  2010,  p.  57-­‐64  (com  

adaptações).    

8. (UnB-2º2012) Depreende-se do texto que a estrutura do conto Meu Tio, o Iauaretê, que representa, na visão do crítico Haroldo Campos, a fase rosiana de experimentação linguística do tupi, aproxima-se da narrativa das fábulas.

9. (UnB-2º2012) Por meio do emprego da expressão “um só”, na oração “pois um só protagonista pergunta e responde” (l.4), o crítico ratifica o traço de “monólogo” identificado no conto.

10. (UnB-2º2012) A partir da oposição estabelecida em “Este não é apresentado, mas presentificado pelo texto” (l.16-17), o crítico literário realça a qualidade narrativa da obra analisada, sugerindo a possibilidade de aceitação do clímax do conto narrado (transformação do onceiro em onça) como fato ocorrido.

Iracema

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.

Enquanto repousa, empluma das penas do guará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.

Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro

Page 21: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   21

aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.

O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém, a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.

A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

O guerreiro falou: — Quebras comigo a flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a

linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?

— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.

— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

José  de  Alencar.  Iracema.  São  Paulo:  Ed.  Ática,  1991,  p.  23.    

11. (UnB-2º2012) No trecho “Tem nas faces o

branco das areias que bordam o mar” (l.25), o emprego do verbo ter (“Tem”) justifica-se para exprimir o caráter transitório da característica relativa à cor das faces do guerreiro.

Esta história começa numa noite de março tão escura quanto é a noite enquanto se dorme. O modo como, tranquilo, o tempo decorria era a lua altíssima passando pelo céu.

Fora para o lado do mar que aquele homem pretendera ir, antes mesmo de ter encontrado por feliz acaso o hotel. Mas — sem mapa, conhecimento ou bússola — embrenhara-se terra adentro.

“Hoje deve ser domingo” — chegou mesmo a pensar com certa glória, e domingo seria o grande coroamento de sua isenção. Tratava-se de seu primeiro pensamento claro, desde que deixara o hotel. Na verdade, desde que fugira, era o primeiro pensamento que não tinha mera utilidade de defesa. De início, aliás, Martim até não soube o que fazer com ele. Apenas agitou-se à novidade, e coçou-se voraz sem parar de andar.

Foi mais além que estacou diante do primeiro passarinho. O passarinho negro estava pousado num ramo baixo, à altura de seus olhos; com mão pesada e potente, o homem pegou-o sem machucá-lo, com a bondade física que tem uma mão pesada.

Com o leve peso a carregar, o homem continuou sua marcha entre pedras.

— Não sei mais falar, disse, então, para o passarinho, evitando olhá-lo...

Só depois pareceu entender o que dissera, e então olhou face a face o sol. “Perdi a linguagem dos outros”, repetiu, então, bem devagar, como se as palavras fossem mais obscuras do que eram, e de algum modo muito lisonjeiras.

Alguma coisa estava lhe acontecendo. E era alguma coisa com um significado, embora não houvesse um sinônimo para essa coisa que estava acontecendo. E não havia sinônimo para nenhuma coisa...

Aquele homem rejeitara a linguagem dos outros e não tinha sequer começo de linguagem própria. E, no entanto, oco, mudo, rejubilava-se. Assim, ao remexer agora com fascínio ainda cauteloso na linguagem morta, ele tentou, por pura experiência, dar o título antigamente tão familiar de “crime” a essa coisa tão sem nome que lhe sucedera.

Clarice  Lispector.  A  maçã  no  escuro.  Rio  de  Janeiro:  Rocco,  1998  (com  adaptações).  

12. (UnB-2º2012) O parágrafo iniciado à linha

16 contém um esclarecimento a respeito do conteúdo do trecho “Não sei mais falar” (l.15).

13. (UnB-2º2012) Depreende-se do texto que o exercício de nomear algo “tão sem nome” (l.25) resultou de um processo de deslumbramento vivenciado pelo personagem diante da possibilidade de retomada da linguagem que julgava ter perdido.

No processo da Revolução Francesa, quando destruíram os últimos resquícios do feudalismo na eufórica noite de 4 de agosto de 1789, os deputados concordaram em manter o dízimo da Igreja, em vez de simplesmente aboli-lo sem qualquer compensação. Mas, desde então, houve sinais de que a promessa seria abandonada. “Eles desejam ser livres, mas não sabem ser justos”, reclamou o abade de Seyès,

Page 22: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   22

referindo-se a alguns colegas da Assembleia. Robespierre não era nem antipadres nem anticlerical; é difícil determinar sua posição quanto ao futuro da Igreja na Revolução. Às vezes, era veemente crítico e, em outras vezes, retornava à interpretação da doutrina cristã, pois, a seu ver, o cristianismo era a religião dos pobres e daqueles de coração puro — riqueza chamativa e luxo não deveriam fazer parte dele. Os pobres, segundo ele, eram oprimidos não apenas pela fome, mas também pelo espetáculo escandaloso de clérigos autoindulgentes, que esbanjavam insensivelmente o que pertencia aos pobres por direito.

Ruth  Scurr.  Pureza  fatal:  Robespierre  e  a  Revolução  Francesa.  Rio  de  Janeiro/São  Paulo:  Record,  2009,  p.  140-­‐1  (com  adaptações).  

14. (UnB-1º2012) A forma como a autora do texto refere-se ao abade de Seyès e a Robespierre permite compreender a convivência, no auge dos acontecimentos da Revolução Francesa, de duas perspectivas, a tradicional e a moderna, assumidas, inclusive, por um mesmo indivíduo.

O emplasto Um dia de manhã, estando a passear na

chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cambalhotas. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.

Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os

modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.

Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem e, consequentemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  Obra  completa,  v.  I.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1992,  p.  514-­‐5  (com  adaptações).  

 

15. (UnB-1º2012) Se considerada a noção de signo linguístico no trecho “até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te” (l.5), observa-se uma relação não arbitrária entre o significado de “X” e o seu significante, assim como acontece com o signo “ideia” no trecho “a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas” (l.16).

16. (UnB-1º2012) A frase “Decifra-me ou devoro-te” remete ao enigma da esfinge, consagrado na tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles. A formulação de um enigma envolve jogos de palavras e associações semânticas ambíguas e paradoxais, que parecem conduzir a respostas impossíveis ou absurdas. A decifração de um enigma está associada, portanto, a grande capacidade de raciocínio e de reflexão e, não menos, a domínio das palavras e da língua. Assim, quem decifra um enigma será considerado um ser superior, de saber excepcional, cujas palavras serão respeitadas e seguidas. Com relação às questões envolvidas na decifração de um enigma e ao tema a que o texto de Machado de Assis se reporta, assinale a opção correta. a) A resolução, pelo narrador, da situação

enigmática demandou o processo de uma ideia em evolução e, assim, a resposta, ou seja, a invenção do emplasto Brás Cubas, não encerra

Page 23: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   23

ambiguidade nem paradoxo, ao contrário do que ocorre com os demais enigmas.

b) O poder intelectual do narrador evidencia-se em ações de relevância humanitária, o que, como enfatiza o próprio narrador, alcança reconhecimento em instâncias de representação política.

c) A reação do narrador a comentários dos tios sinaliza que o embate entre tipos e âmbitos de poder é resolvido pelo saber.

d) O episódio da resolução do enigma evoca um momento vitorioso de Brás Cubas no que se refere à sua capacidade de admitir sentimentos passionais por meio de argumentação racional.

O espelho Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma

aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja, na verdade — um espelho? Decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da ótica. Reporto-me ao transcendente, todavia...

O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente inalterado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os bons e maus, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade?

Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apoiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato, um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo,

para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz brecha para rir-se da gente...

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra a terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos, deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse...

Sim, são para se ter medo, os espelhos... João Guimarães Rosa. O espelho. In: Primeiras estórias. Ficção completa. Rio

de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v. 2, p. 437-55 (com adaptações).

17. (UnB-1º2012) Levando em consideração o

texto em seu nível semântico e, ainda, o que o narrador postula acerca da reflexão de imagens em espelho plano, os vocábulos “fotografias” (l.12), “lentes” (l.12), “olhos” (l.22 e 23), bem como a expressão “superfícies de água quieta” (R.44) e os correlatos, formariam um conjunto lexical e semântico cujo traço unificador evidenciaria, na ótica do narrador, uma simplificação da realidade operada pela visão e pelo cérebro.

18. (UnB-1º2012) As estruturas “Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando” (l.16-17) e Não se esqueça, estamos tratando de fenômenos sutis são análogas no que se refere aos

Page 24: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   24

constituintes sintáticos, mas se distinguem quanto a efeitos discursivos: a primeira, mas não a segunda, evidencia efeitos obtidos pela focalização de complemento verbal.

Em A Câmara Clara: Nota sobre a Fotografia, Roland Barthes investiga, como espectador e não como fotógrafo, a estrutura da fotografia como sistema, como código: a linguagem fotográfica, portanto. E aponta um paradoxo: a imagem fotográfica é uma cópia do real e uma ficção. No que se refere à “emoção” de sujeito olhado e de sujeito que olha uma foto-retrato, o autor argumenta: “diante da objetiva, faço pose; então, sou, ao mesmo tempo, aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte. Assim, a fotografia é o advento de mim mesmo como outro, uma dissociação astuciosa da consciência de identidade; a fotografia transforma o sujeito em objeto.”

Roland  Barthes.  A  câmara  clara:  nota  sobre  a  fotografia.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Fronteira,  p.  22-­‐3  (com  adaptações).  

 

19. (UnB-1º2012) Com base no que está proposto acerca de retrato/fotografia no trecho acima, redija um texto, na modalidade padrão da língua portuguesa, apresentando sua visão sobre a seguinte questão: um rosto na foto-retrato — realidade ou ficção?

É somente nos meados do século XIX, com Varnhagen, que a língua do Brasil assume contornos de problema de interesse nacional e, concomitantemente, passa a constituir objeto de cogitação, para registro de uma realidade já consistente e documentável. Varnhagen afirma a unidade de língua nos dois domínios — o que, a seu ver, justificava o estudo dos clássicos e a impossibilidade de separação das duas literaturas —, mas ressalta, todavia, a diversificação da língua falada, notadamente na prosódia e no léxico, o que atribui ao acastelhanamento do português na América. A caracterização da língua do Brasil como um português diferenciado — esboçada em Varnhagen — representa, entre outros aspectos, uma das posições

que delimitarão os debates em torno da língua até o final do século XIX.

Edith  Pimentel  Pinto  (Org.).  O  português  do  Brasil  –  textos  críticos  e  teóricos  –  1820-­‐1920:  fontes  para  a  teoria  e  a  história.  Rio  de  Janeiro:  Livros  Técnicos  e  Científicos;  São  Paulo:  Editora  da  

Universidade  de  São  Paulo,  1978,  p.  XVI-­‐XIX  (com  adaptações).  

20. (UnB-2º2011) Haveria perda dos elementos

de ênfase empregados, mas seriam mantidas a correção gramatical e a interpretação semântica original, caso o primeiro período do texto fosse assim reescrito: A língua do Brasil assume contornos de problema de interesse nacional que, concomitantemente, passam a constituir objeto de cogitação, para o registro de uma realidade já consistente e documentável, somente nos meados do século XIX, com Varnhagen.

21. (UnB-2º2011) No trecho “Varnhagen afirma a unidade de língua nos dois domínios” (R.3-4), a palavra “unidade” denota o reconhecimento de uma língua da nação brasileira.

Texto I

Não só os índios foram vítimas da política linguística dos Estados lusitano e brasileiro. Os imigrantes — que chegaram a partir de 1824 — e, principalmente, seus descendentes também sofreram com ela. O Estado Novo, de Getúlio Vargas, por meio do chamado processo de nacionalização do ensino, marcou o ponto alto da repressão a línguas de imigrantes — línguas alotóctones —, a qual teve repercussão direta na região Sul do país, em virtude da presença das comunidades alemã e italiana, que falavam sua língua materna.

Gilvan  Müller  de  Oliveira.  Brasileiro  fala  português:  monolinguismo  e  preconceito  linguístico.  In:  Revista  

Linguagem.  Internet:  <www.letras.ufscar.br>  (com  adaptações). Texto II

A Declaração Universal da Diversidade Cultural, recentemente assinada pelo Brasil, reconhece o povo brasileiro como plural e diverso e, ainda, a pluralidade linguística. É essa visão acerca de questões linguísticas que está expressa na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, em tramitação na Organização das Nações Unidas (ONU) e que havia orientado, em 2008, o Ano Internacional das Línguas, proposto pela UNESCO, cuja ação pretendeu chamar

Page 25: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   25

a atenção dos governos e das sociedades para os perigos do desaparecimento acelerado da riqueza linguística do mundo e para os direitos linguísticos das comunidades constitutivas dos Estados Nacionais.

Idem,  ibidem.

22. (UnB-2º2011) Da comparação entre os textos I e II, depreende-se, no que se refere a propostas de homogeneização linguística em determinada nação, que a implementação de políticas linguísticas semelhantes às mencionadas no texto I contrasta, em essência, com o enfoque linguístico relatado no texto II.

23. (UnB-2º2011) A partir dos textos I e II e considerando-se, em especial, o contexto brasileiro, é correto afirmar que discussões sobre propriedades linguísticas centradas na relação entre língua e nação — discussões essas inauguradas, na via da literatura, em período pós-independência — alcançaram matérias legais e garantiram soluções acerca da unidade linguística.

24. (UnB-2º2011) O texto II sinaliza a intenção da UNESCO de sensibilizar governos e sociedades relativamente à pluralidade linguística, sem indicar, no entanto, se tal intenção se concretizou.

Ode Triunfal 1   À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica  Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, 4   Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 7  Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 10  Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 13  De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Fernando  Pessoa:  Obra  poética.  Rio  de  Janeiro:  Aguilar,  1972,  p.  306.  

25. (UnB-2º2011) No trecho “beleza disto totalmente desconhecida dos antigos” (v.4), Fernando Pessoa está sugerindo que, anteriormente à Revolução Industrial, as sociedades humanas não dispunham de máquinas, iluminação e meios de transporte.

GABARITO

1. C 2. E 3. D 4. E 5. C 6. C 7. C 8. E 9. C 10. C 11. E 12. C 13. C 14. C 15. E 16. C 17. C 18. C 19. TIPO D 20. E 21. E 22. C 23. E 24. E 25. E

GRAMÁTICA- Morfologia.

Queixa-se o poeta em que o mundo vay errado, e querendo emendâlo o que tem por empreza difficultosa. 1 Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me as passadas, Que como ando por vias desusadas, 4 Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo. O remédio será seguir o imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, 7 Que as bestas andam juntas mais ornadas, Do que anda só o engenho mais profundo. Não é fácil viver entre os insanos, 10 Erra quem presumir que sabe tudo,

Page 26: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   26

Se o atalho não soube dos seus danos. O prudente varão há de ser mudo, 13 Que e melhor neste mundo mar de enganos Ser louco cos demais, que ser sisudo. Gregório  de  Matos.  Crônica  do  viver  baiano  seiscentista  –  obra  poética  completa  –  códice  James  Amado.  4.ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  Record,  V.  1  1999,  p.  347.  

1. (UnB-1º2013) No verso 11, a inversão de

termos tem como efeito, entre outros, a descontinuidade do sintagma cujo núcleo e o vocábulo “atalho”.

[...] 1 o ar lapidado: veja como se junta esta palavra 4 a esta outra linguagem: minha consciência (um paralelogramo 7 de forcas não uma simples equação a uma única incógnita): esta linguagem se faz de ar 10 e corda vocal a mão que intrinca o fio da treliça o fôlego 13 que junta esta aquela voz: o ponto de torção 16 trabalho diáfano mas que se faz (perfaz?) com os cinco sentidos. Haroldo  de  Campos.  Educação  dos  cinco  sentidos.  Melhores  poemas  de  Haroldo  de  Campos  –  seleção  de  Inês  Oseki  Dépré.  3.a  ed.  São  Paulo:  Global,  2000,  p.  92.  

2. (UnB-1º2013) Depreende-se do poema que o vocábulo “voz” (v.14) é empregado em analogia à fala e, assim, remete a acepção de produção de sons da comunicação humana.

3. (UnB-1º2013) Usado em relação a fatos da linguagem matemática, o vocábulo “incógnita” (v.8) conserva, em seu conceito, ou definição, o sentido do radical presente no verbo conhecer.

O conto Meu Tio, o Iauaretê — publicado, em

1961, na revista Senhor, e republicado, em 1969, em Estas Histórias — representa, a nosso ver, o estágio mais avançado do experimento de Guimarães Rosa

com a prosa. O conto é um longo monólogo-diálogo (o diálogo é pressuposto, pois um só protagonista pergunta e responde) de um onceiro, perdido na solidão dos gerais, que recebe, em seu rancho, a visita inesperada de um viajante. Filho de pai branco e de mãe índia, o onceiro, que fora contratado por um proprietário de terras para ‘desonçar’ suas propriedades, arrependido de ter matado ‘seus parentes’, passa a matar gente. A fala do onceiro é tematizada por um ‘Nhem?’ intercorrente, que é, antes, um ‘Nhennhem’ — do tupi, Nhehê ou nheeng —, que significa, simplesmente, ‘falar’. Rosa cria também o verbo ‘nheengar’, de pura aclimatação tupi, e, juntando a ‘jaguaretê’ — tupinismo para onça verdadeira — a terminação nhennhém, ou nhem, como se fora uma desinência verbal, forma outras palavras, para exprimir o linguajar das onças. O texto fica, por assim dizer, mosqueado de nheengatu, e esses rastros que nele aparecem preparam e anunciam o momento da metamorfose (...): o tigreiro, em seu rancho encravado na “jaguaretama”, enquanto conta para seu hóspede os ‘causos’ de caçada e morte, está também falando uma linguagem de onça. À medida que a história flui, tudo vai convergindo para o clímax metamórfico. Este não é apresentado, mas presentificado pelo texto: o onceiro acaba, arrastado por sua narrativa, transformando-se em onça, diante dos olhos do interlocutor (e dos leitores). A transfiguração se dá no momento em que a linguagem se desarticula, quebra-se em resíduos fônicos, que soam como um rugido ou um estertor, pois o interlocutor virtual, tomando consciência da metamorfose, dispara contra o homem-iauaretê o revólver que mantivera engatilhado durante toda a conversa. Neste Iaueretê, não é a história que cede o primeiro plano à palavra, mas a palavra, que, ao irromper em primeiro plano, configura a personagem e a ação, desenvolvendo a história.

Haroldo  de  Campos.  A  linguagem  do  Iauaretê.  Metalinguagem  &  outras  metas:  ensaios  de  teoria  e  crítica  literária.  4.ª  ed.  São  Paulo:  Perspectiva,  2010,  p.  57-­‐64  (com  

adaptações).  

4. (UnB-2º2012) Segundo o crítico Haroldo de

Campos, o verbo que representa o linguajar das onças, formado do elemento tupi “nhennhém” ou “nhem”, equivale, no que se refere ao léxico da língua portuguesa, a um verbo que denota estado.

5. (UnB-2º2012) Caso o verbo “nheengar” (l.9), criado por Guimarães Rosa, fosse incorporado ao vocabulário da língua portuguesa, ele se

Page 27: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   27

encaixaria entre os verbos que se flexionam como os da primeira conjugação.

Quando ficou claro que a designação de Homo

sapiens não era tão adequada à nossa espécie como se havia acreditado — porque, afinal, não somos tão razoáveis como se acreditava no século XVIII, em seu otimismo ingênuo —, acrescentaram-lhe a de Homo faber (homem que fabrica). Entretanto, a expressão Homo ludens (homem que joga) evoca uma função tão essencial quanto a de fabricar e merece, portanto, ocupar seu lugar junto à de Homo faber.

Johan  Huizinga.  Homo  ludens.  Madri:  Alianza,  2001,  p.  7  (com  adaptações).  

6. (UnB-1º2012) Nos trechos “não era tão

adequada à nossa espécie como” (R.2) e “não somos tão razoáveis como” (R.3), o emprego de adjetivos em estruturas comparativas atenua o valor das propriedades negativas atribuídas à humanidade.

7. (UnB-1º2012) Levando-se em consideração que o léxico da língua portuguesa passou por transformações ao longo dos processos históricos, pode-se justificar a coexistência de itens lexicais do mesmo campo semântico, como “sapiência” e “sabedoria”, do latim, e “filosofia” e “sofista”, do grego.

O emplasto

Um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cambalhotas. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.

Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão

profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.

Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem e, consequentemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  Obra  completa,  v.  I.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1992,  p.  514-­‐5  (com  adaptações).  

 

8. (UnB-1º2012) Em “hão de reconhecer” (l.15), o verbo auxiliar denota tempo futuro e de obrigatoriedade de ação, o que ratifica, no nível estrutural, a oposição postulada pelo autor entre “modestos” (l.14) e “hábeis” (l.15).

Nenhum dos integrantes do BRIC aparece entre

os 70 países com a melhor infraestrutura do mundo. O ranking leva em conta dados quantitativos — como o número de linhas telefônicas em relação ao total da população e de cargas transportadas nos portos — e opiniões de 13.000 empresários de todo o mundo. Exemplos recentes comprovam que nem a impressionante taxa de investimento chinesa, equivalente a 44% do PIB, tem livrado o país de gargalos estarrecedores. Na Índia, a lista de problemas é infindável. O país foi protagonista do maior apagão da história, quando, em 2001, mais de 225 milhões de pessoas ficaram no escuro por mais de 12 horas no norte do país e na capital.

F.  A.  Carneiro.  Corrida  do  BRIC.  In:  Anuário  Exame  Infraestrutura.  São  Paulo:  Ed.  Abril,  dez./2010,  p.  35  (com  adaptações).  

Page 28: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   28

9. (UnB-2º2011) As siglas “BRIC” (l.1) e “PIB” (l.5) representam itens lexicais que, criados a partir da redução de estruturas nominais complexas, passam a incorporar o vocabulário da língua como substantivos que não poderam receber outros elementos da flexão morfológica da língua.

GABARITO

1. C 2. C 3. C 4. E 5. C 6. E 7. C 8. E 9. E

GRAMÁTICA- Sintaxe Conto de escola

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia ― uma segunda-feira, do mês de maio ―, deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manha. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Santana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola.

[...] Raimundo recuou a mão dele e deu a boca um

gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida, propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...

Tive uma sensação esquisita. Não e que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não e também que não fosse fácil empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca,

positiva, toma lá, da cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, a toa, sem poder dizer nada.

Machado  de  Assis.  Conto  de  escola.  Internet:<www.dominiopublico.org>.  

1. (UnB-1º2013) No 3º período do texto, para

apresentar detalhe relativo ao tempo da narrativa, Machado de Assis utiliza estrutura sintática de aposto explicativo, que corresponde ao trecho entre travessões.

Queixa-se o poeta em que o mundo vay errado, e querendo emendâlo o que tem por empreza difficultosa. 1 Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me as passadas, Que como ando por vias desusadas, 4 Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo. O remédio será seguir o imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, 7 Que as bestas andam juntas mais ornadas, Do que anda só o engenho mais profundo. Não é fácil viver entre os insanos, 10 Erra quem presumir que sabe tudo, Se o atalho não soube dos seus danos. O prudente varão há de ser mudo, 13 Que e melhor neste mundo mar de enganos Ser louco cos demais, que ser sisudo. Gregório  de  Matos.  Crônica  do  viver  baiano  seiscentista  –  obra  poética  completa  –  códice  James  Amado.  4.ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  Record,  V.  1  1999,  p.  347.  

2. (UnB-1º2013) No verso 10, verifica-se ordem

indireta, visto que o sujeito da oração – “quem” – esta posposto ao verbo – “Erra”.

3. (UnB-1º2013) No verso 11, a inversão de termos tem como efeito, entre outros, a descontinuidade do sintagma cujo núcleo e o vocábulo “atalho”.

4. (UnB-1º2013) Na oração “que ser sisudo” (v.14), observa-se elipse da forma comparativa sintética do adjetivo bom, a qual esta expressa no verso anterior.

5. (UnB-1º2013) O termo “Carregado de mim” (v.1), que exerce função adverbial, indica o modo como o eu lírico anda no mundo.

Razão contra Sandice

Page 29: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   29

Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava a casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:

— La maison est a moi, c’est a vous d’en sortir. Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às

casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. E sestro; não se tira dai; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio a porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.

— Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer e passar mansamente do sótão a sala de jantar, dai a de visitas e ao resto.

— Esta bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...

— Que mistério? — De dois, emendou a Sandice: o da vida e o

da morte; peco-lhe só uns dez minutos. A Razão pôs-se a rir. — Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre

a mesma coisa... sempre a mesma coisa. E, dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e

arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas suplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  São  Paulo:  Ateliê,  2001,  p.84-­‐5.  

6. (UnB-1º2013) No trecho “De dois, emendou a Sandice: o da vida e o da morte” (l.16) está implícito o substantivo mistérios, que é o elemento de referencia do aposto.

7. (UnB-1º2013) No processo de coesão textual, as expressões “esta amável peregrina” (l.7) e “a adventícia” (l.9) retomam o vocábulo “Sandice” (l.1 e 4).

8. (UnB-1º2013) No período que se inicia na linha 8, verifica-se uma relação de causa e efeito.

9. (UnB-1º2013) No trecho “dificilmente lha farão despejar” (l.5), a flexão do verbo em terceira pessoa do plural e recurso empregado para indeterminar o sujeito da oração.

10. (UnB-1º2013) A oração “criar amor às casas alheias” (l.4) exerce função de sujeito da oração que a antecede, o que implica dizer que “sestro antigo da Sandice” (l.4) é predicativo desse sujeito.

[...] 1 uma dança de espadas esta 4 escrita delirante lâminas cursivas 7 a lua entre dois dragões 10 com uma haste de bambu passar 13 por entre lianas sem desenredá-las Haroldo de Campos. Signância quase céu. Melhores poemas de Haroldo de Campos. Seleção de Inês Oseki Dépré. 3.ª ed. São Paulo: Global, 2000, p. 82.

11. (UnB-1º2013) Os versos “uma dança/de

espadas” (v.1-2) antecipam a relação de predicação entre esse termo e o dos versos “esta/escrita/delirante” (v.3-5).

[...] 1 o ar lapidado: veja como se junta esta palavra 4 a esta outra linguagem: minha consciência (um paralelogramo 7 de forcas não uma simples equação a uma única incógnita): esta linguagem se faz de ar 10 e corda vocal a mão que intrinca o fio da treliça o fôlego 13 que junta esta aquela

Page 30: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   30

voz: o ponto de torção 16 trabalho diáfano mas que se faz (perfaz?) com os cinco sentidos. Haroldo  de  Campos.  Educação  dos  cinco  sentidos.  Melhores  poemas  de  Haroldo  de  Campos  –  seleção  de  Inês  Oseki  Dépré.  3.a  ed.  São  Paulo:  Global,  2000,  p.  92.  

12. (UnB-1º2013) No trecho entre os versos 11 e 15, o emprego de orações adjetivas restritivas que especificam o sentido dos núcleos nominais “mão” e “fôlego” evidencia a construção meticulosa realizada “com os cinco/sentidos” (v. 17-18).

Barricada

1 Todos os passarinhos da Praça da Republica Voaram Todas as estudantes 4 Morreram de susto Nos uniformes de azul e branco As telefonistas tiveram uma sincope de fios 7 Só as arvores não desertam Quando a noite luz Oswald de Andrade. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 2006, p. 71.

13. (UnB-1º2013) No primeiro verso do poema, a

expressão “da Praça da República” é um modificador que estabelece, com o núcleo nominal “passarinhos” e com os núcleos “estudantes” (v.3), “telefonistas” (v.6) e “arvores” (v.7), uma relação de posse, o que explica ter havido elipse desse sintagma nos demais versos do poema.

O conto Meu Tio, o Iauaretê — publicado, em 1961, na revista Senhor, e republicado, em 1969, em Estas Histórias — representa, a nosso ver, o estágio mais avançado do experimento de Guimarães Rosa com a prosa. O conto é um longo monólogo-diálogo (o diálogo é pressuposto, pois um só protagonista pergunta e responde) de um onceiro, perdido na solidão dos gerais, que recebe, em seu rancho, a visita inesperada de um viajante. Filho de pai branco e de mãe índia, o onceiro, que fora contratado por um

proprietário de terras para ‘desonçar’ suas propriedades, arrependido de ter matado ‘seus parentes’, passa a matar gente. A fala do onceiro é tematizada por um ‘Nhem?’ intercorrente, que é, antes, um ‘Nhennhem’ — do tupi, Nhehê ou nheeng —, que significa, simplesmente, ‘falar’. Rosa cria também o verbo ‘nheengar’, de pura aclimatação tupi, e, juntando a ‘jaguaretê’ — tupinismo para onça verdadeira — a terminação nhennhém, ou nhem, como se fora uma desinência verbal, forma outras palavras, para exprimir o linguajar das onças. O texto fica, por assim dizer, mosqueado de nheengatu, e esses rastros que nele aparecem preparam e anunciam o momento da metamorfose (...): o tigreiro, em seu rancho encravado na “jaguaretama”, enquanto conta para seu hóspede os ‘causos’ de caçada e morte, está também falando uma linguagem de onça. À medida que a história flui, tudo vai convergindo para o clímax metamórfico. Este não é apresentado, mas presentificado pelo texto: o onceiro acaba, arrastado por sua narrativa, transformando-se em onça, diante dos olhos do interlocutor (e dos leitores). A transfiguração se dá no momento em que a linguagem se desarticula, quebra-se em resíduos fônicos, que soam como um rugido ou um estertor, pois o interlocutor virtual, tomando consciência da metamorfose, dispara contra o homem-iauaretê o revólver que mantivera engatilhado durante toda a conversa. Neste Iaueretê, não é a história que cede o primeiro plano à palavra, mas a palavra, que, ao irromper em primeiro plano, configura a personagem e a ação, desenvolvendo a história.

Haroldo  de  Campos.  A  linguagem  do  Iauaretê.  Metalinguagem  &  outras  metas:  ensaios  de  teoria  e  crítica  literária.  4.ª  ed.  São  Paulo:  Perspectiva,  2010,  p.  57-­‐64  (com  

adaptações).  

14. (UnB-2º2012) No período “À medida que a

história flui, tudo vai convergindo para o clímax metamórfico” (l.15 e 16), a correlação entre as formas verbais permaneceria gramaticalmente correta, se a expressão verbal da oração principal fosse substituída por convergirá.

15. (UnB-2º2012) No período “não é a história que cede o primeiro plano à palavra, mas a palavra, que, ao irromper em primeiro plano, configura a personagem e a ação” (l.21 e 22), a oposição conceitual entre “história” e “palavra” é realçada no nível sintático.

Page 31: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   31

Trecho 1: Nhenhem? Eu cacei onça, demais. (...) Eu não mato mais onça, mato não. Onça meu parente. Trecho 2: Eu sou onça... Eu-onça! (...) Mecê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais. Trecho 3: Hum, nhem? Cê fala que eu matei? Eu sou onça. Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe, tutira... Meus parentes! Meus parentes! Trecho 4: De repente, eh, eu oncei... Iá. (...) Levei pra o Papa — Gente. Papa gente, onça chefe, onço comeu jababora Gugué. Trecho 5: Mecê tá ouvindo, nhem? Tá aperceiando... Eu sou onça, não falei? Axi. Não falei — eu viro onça? Onça grande, tubixaba. Trecho 6: Mecê brinca não, vira esse revólver pra lá. (...) Ói: cê quer me matar, ui?

João  Guimarães  Rosa.  Meu  tio,  o  Iauaretê.  In:  Ficção  completa.  V.  II.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1994,  p.  825-­‐52.  

16. (UnB-2º2012) Em “De repente, eh, eu oncei...”

(trecho 4), o verbo, criado a partir do substantivo designativo de animal, remete a formas compatíveis com a morfologia flexional do português e equivale, no que diz respeito ao sentido, à estrutura eu sou onça.

17. (UnB-2º2012) O trecho “Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe” (trecho 3) mostra que o pronome possessivo, em função adjetiva, comporta-se, no português, como o adjetivo, que pode estar antes ou depois do substantivo, sem que haja alteração de sentido, como em um simples homem / um homem simples.

18. (UnB-2º2012) A oração inicial do período “Mecê brinca não, vira esse revólver pra lá.” (trecho 6) seria também aceitável na língua portuguesa se a palavra “não” fosse retirada da posição em que se encontra e colocada antes de “brinca”, ou se a oração, além do “não” já existente, recebesse outro não antes de “brinca”.

Iracema

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.

Enquanto repousa, empluma das penas do guará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.

Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.

Page 32: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   32

O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém, a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.

A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

O guerreiro falou: — Quebras comigo a flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a

linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?

— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.

— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

José  de  Alencar.  Iracema.  São  Paulo:  Ed.  Ática,  1991,  p.  23.    

19. (UnB-2º2012) O trecho “o aljôfar d’água ainda

a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva” (l.13 e 14) poderia ser reescrito, recuperando-se o verbo elíptico, da seguinte forma: o aljôfar d’água ainda a roreja, como ele roreja a doce mangaba que corou em manhã de chuva.

20. (UnB-2º2012) Mantém-se a correção gramatical do trecho “Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema” (l.27), caso ele seja reescrito do seguinte modo: Foi rápido o gesto, como o olhar, de Iracema.

21. (UnB-2º2012) No trecho “onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara” (l.7), “tribo” e “nação” evocam associação metonímica, desempenhando a expressão “da grande nação tabajara” função sintática de aposto.

22. (UnB-2º2012) No período “Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.” (l.23-24), a dúvida acerca da identidade do jovem que contempla Iracema encontra-se justificada, no trecho, por meio do adjetivo “estranho”.

23. (UnB-2º2012) Em “O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor” (l.29-30) o verbo aprender, empregado como intransitivo, tem o sentido de receber instrução ou educação.

24. (UnB-2º2012) No período iniciado à linha 32, mantêm-se a correção gramatical e a interpretação semântica da estrutura coordenada, caso o trecho iniciado com a forma de particípio seja colocado, entre vírgulas, logo após a conjunção “e” que antecede a forma verbal “correu”: (...) e, sentida da mágoa que causara, correu para o guerreiro.

25. (UnB-2º2012) No período “Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.” (l.42-43), o pronome relativo “que” — elíptico na oração coordenada — exerce a função de adjunto, na primeira oração em que aparece, e de complemento verbal, na coordenada.

Esta história começa numa noite de março tão

escura quanto é a noite enquanto se dorme. O modo como, tranquilo, o tempo decorria era a lua altíssima passando pelo céu.

Fora para o lado do mar que aquele homem pretendera ir, antes mesmo de ter encontrado por feliz acaso o hotel. Mas — sem mapa, conhecimento ou bússola — embrenhara-se terra adentro.

“Hoje deve ser domingo” — chegou mesmo a pensar com certa glória, e domingo seria o grande coroamento de sua isenção. Tratava-se de seu primeiro pensamento claro, desde que deixara o hotel. Na verdade, desde que fugira, era o primeiro pensamento que não tinha mera utilidade de defesa. De início, aliás, Martim até não soube o que fazer com ele. Apenas agitou-se à novidade, e coçou-se voraz sem parar de andar.

Foi mais além que estacou diante do primeiro passarinho. O passarinho negro estava pousado num ramo baixo, à altura de seus olhos; com mão pesada e potente, o homem pegou-o sem machucá-lo, com a bondade física que tem uma mão pesada.

Com o leve peso a carregar, o homem continuou sua marcha entre pedras.

Page 33: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   33

— Não sei mais falar, disse, então, para o passarinho, evitando olhá-lo...

Só depois pareceu entender o que dissera, e então olhou face a face o sol. “Perdi a linguagem dos outros”, repetiu, então, bem devagar, como se as palavras fossem mais obscuras do que eram, e de algum modo muito lisonjeiras.

Alguma coisa estava lhe acontecendo. E era alguma coisa com um significado, embora não houvesse um sinônimo para essa coisa que estava acontecendo. E não havia sinônimo para nenhuma coisa...

Aquele homem rejeitara a linguagem dos outros e não tinha sequer começo de linguagem própria. E, no entanto, oco, mudo, rejubilava-se. Assim, ao remexer agora com fascínio ainda cauteloso na linguagem morta, ele tentou, por pura experiência, dar o título antigamente tão familiar de “crime” a essa coisa tão sem nome que lhe sucedera.

Clarice  Lispector.  A  maçã  no  escuro.  Rio  de  Janeiro:  Rocco,  1998  (com  adaptações).  

26. (UnB-2º2012) Em “De início, aliás, Martim até

não soube o que fazer com ele” (l.9), seriam mantidas a correção gramatical e a interpretação, caso a expressão de retificação, “aliás”, fosse intercalada entre “fazer” e “com ele”.

27. (UnB-2º2012) No período “O modo como, tranquilo, o tempo decorria era a lua altíssima passando pelo céu.” (l.2), o sentido, a correção gramatical e a coerência permaneceriam inalterados caso se colocasse o sujeito “o tempo” entre “como” e a vírgula.

Quando ficou claro que a designação de Homo

sapiens não era tão adequada à nossa espécie como se havia acreditado — porque, afinal, não somos tão razoáveis como se acreditava no século XVIII, em seu otimismo ingênuo —, acrescentaram-lhe a de Homo faber (homem que fabrica). Entretanto, a expressão Homo ludens (homem que joga) evoca uma função tão essencial quanto a de fabricar e merece, portanto, ocupar seu lugar junto à de Homo faber.

Johan  Huizinga.  Homo  ludens.  Madri:  Alianza,  2001,  p.  7  (com  adaptações).  

28. (UnB-1º2012) No primeiro período do texto,

encontra-se formulada sintaticamente a causa

da relativa adequação da designação Homo sapiens à espécie humana, mas não, a referência ao valor temporal do elemento “Quando” (l.1).

Muita gente considera o catch um esporte

ignóbil. O catch não é um esporte, é um espetáculo, e é tão ignóbil assistir a uma representação da dor, no catch, como ao sofrimento de Arnolfo ou de Andrômaca. Existe, no entanto, um falso catch, pomposo, com a aparência inútil de um esporte regular; mas esse não tem qualquer interesse. O verdadeiro — impropriamente chamado catch amador — realiza-se em salas de segunda classe, onde o público adere espontaneamente à natureza espetacular do combate, como o público de um cinema de bairro. Ao público pouco importa que o combate seja falseado ou não; o futuro racional do combate não lhe interessa: o catch é uma soma de espetáculos, sem que um só seja uma função: cada momento impõe o conhecimento total de uma paixão que surge, sem jamais se estender em direção a um resultado que a coroe.

Assim, a função do lutador não é ganhar, mas executar exatamente os gestos que se esperam dele. O catch propõe gestos excessivos, explorados até o paroxismo da sua significação. Esta função de ênfase é a mesma do teatro antigo, cuja força — língua — e cujos acessórios — máscaras e coturnos — concorriam para fornecer a explicação exageradamente visível de uma necessidade. O gesto de um lutador vencido, significando uma derrota que não se oculta, mas se acentua, corresponde à máscara antiga, encarregada de significar o tom trágico do espetáculo. O lutador prolonga exageradamente a sua posição de derrota, caído, impondo ao público o espetáculo intolerável da sua impotência. No catch, como nos teatros antigos, não se tem vergonha da dor, sabe-se chorar, saboreiam-se as lágrimas.

Roland Barthes. Mitologias. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010, p. 15-26 (com adaptações).

29. (UnB-1º2012) Na oração concessiva “sem que

um só seja uma função” (l.8), há elipse do núcleo nominal do sujeito da oração.

30. (UnB-1º2012) Seriam mantidas a correção gramatical e a interpretação original do texto,

Page 34: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   34

se o trecho “os gestos que se esperam dele” (l.11-12) fosse reescrito como os gestos lhe são esperados.

31. (UnB-1º2012) Os dois primeiros períodos do texto continuariam corretos e coerentes com o texto se fossem parafraseados do seguinte modo: Embora seja considerado um esporte ignóbil, o catch é um espetáculo tanto quanto outros em que há representação da dor, o que invalida característica que muitos lhe atribuem.

No processo da Revolução Francesa, quando destruíram os últimos resquícios do feudalismo na eufórica noite de 4 de agosto de 1789, os deputados concordaram em manter o dízimo da Igreja, em vez de simplesmente aboli-lo sem qualquer compensação. Mas, desde então, houve sinais de que a promessa seria abandonada. “Eles desejam ser livres, mas não sabem ser justos”, reclamou o abade de Seyès, referindo-se a alguns colegas da Assembleia. Robespierre não era nem antipadres nem anticlerical; é difícil determinar sua posição quanto ao futuro da Igreja na Revolução. Às vezes, era veemente crítico e, em outras vezes, retornava à interpretação da doutrina cristã, pois, a seu ver, o cristianismo era a religião dos pobres e daqueles de coração puro — riqueza chamativa e luxo não deveriam fazer parte dele. Os pobres, segundo ele, eram oprimidos não apenas pela fome, mas também pelo espetáculo escandaloso de clérigos autoindulgentes, que esbanjavam insensivelmente o que pertencia aos pobres por direito.

Ruth  Scurr.  Pureza  fatal:  Robespierre  e  a  Revolução  Francesa.  Rio  de  Janeiro/São  Paulo:  Record,  2009,  p.  140-­‐1  (com  adaptações).  

32. (UnB-1º2012) No trecho “houve sinais de que

a promessa seria abandonada” (l.3-4), o substantivo “promessa” tem como referente o trecho “em vez de simplesmente aboli-lo sem qualquer compensação” (l.3).

33. (UnB-1º2012) No trecho “que esbanjavam insensivelmente o que pertencia aos pobres por direito” (l.11-12), o complemento direto de “esbanjavam” é modificado por uma oração adjetiva.

1 Ajustou, na medida, umas talas de cálamo exatas, E, do dorso através e da pele, enfiou no quelônio E, conforme pensava, uma pele de boi esticou 4 E dois braços extremos dispôs, por travessa ajuntados. Sete cordas de tripa de ovelha estendeu harmoniosas. Ao depois de fazê-lo, tomou do amorável brinquedo 7 E co’um plectro uma a uma provou cada corda, aos seus dedos Ressoava tremenda. Homero. Hinos homéricos. Hino a Hermes, v. 44-53. Introdução e tradução de Jair Gramacho. Brasília: UnB, 2003.

34. (UnB-1º2012) No verso “Ao depois de fazê-lo, tomou do amorável brinquedo” (v.6), o emprego do complemento iniciado por preposição exemplifica recurso estilístico que não altera a transitividade da forma verbal “tomou”.

A crise da Europa é hoje o maior risco para a

economia mundial, disse o secretário do Tesouro dos Estados Unidos da América, referindo-se à tensão entre os bancos e os governos endividados. Disse, ainda, que a China e outros países emergentes com superávit nas contas têm espaço bastante para estimular o consumo interno, aumentar as importações e compensar a fraca demanda nas economias desenvolvidas. Para isso, os governos desses países deveriam deixar suas moedas valorizar-se. Em outras palavras, o câmbio subvalorizado da China resulta em valorização real das moedas de outros países emergentes, torna seus produtos mais caros e diminui seu poder de competição no comércio internacional.

Rolf  Kuntz.  O  Estado  de  S.Paulo,  25/9/2011.  

35. (UnB-1º2012) No segundo período do texto,

as estruturas oracionais com as formas infinitivas “estimular”, (l.4) “aumentar” (l.4) e “compensar” (l.4) estão associadas à possibilidade de não se realizar foneticamente o sujeito das respectivas orações, o que assegura, portanto, interpretação ligada à referência indeterminada do sujeito das orações que têm como núcleo do predicado essas formas verbais.

Page 35: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   35

O emplasto

Um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cambalhotas. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.

Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.

Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem e, consequentemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

Machado  de  Assis.  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas.  Obra  completa,  v.  I.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  1992,  p.  514-­‐5  (com  adaptações).  

36. (UnB-1º2012) No trecho “pendurou-se-me

uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro” (l.1-2), a combinação dos pronomes “se” e “me” exemplifica a variante padrão da língua portuguesa à época do texto. No que se refere

ao português contemporâneo, uma estrutura equivalente que manteria a ênfase no sujeito da oração e a correção gramatical seria a seguinte: uma ideia pendurou-se no trapézio que eu tinha em meu cérebro.

37. (UnB-1º2012) No trecho “Na petição de privilégio que então redigi” (l.8), o pronome tem a função de complemento do verbo.

38. (UnB-1º2012) O termo “tudo” (l.11) especifica e resume as ideias evocadas na estrutura após o sinal de dois-pontos.

39. (UnB-1º2012) O termo “estas três palavras” (l.13) é complemento direto de “ver” (l.12) e sintetiza o termo coordenado que antecede essa expressão.

40. (UnB-1º2012) No trecho “Ao que retorquia outro tio, oficial” (l.20), observa-se oração adjetiva como elemento modificador do aposto, que inicia o período.

O espelho

Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja, na verdade — um espelho? Decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da ótica. Reporto-me ao transcendente, todavia...

O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente inalterado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os bons e maus, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade?

Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apoiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato, um após outro, os

Page 36: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   36

retratos sempre serão entre si muito diferentes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz brecha para rir-se da gente...

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra a terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos, deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse...

Sim, são para se ter medo, os espelhos... João Guimarães Rosa. O espelho. In: Primeiras estórias. Ficção completa. Rio

de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v. 2, p. 437-55 (com adaptações).

41. (UnB-1º2012) Na estrutura “do qual lhe dão

imagem fiel” (l.8), a expressão “imagem fiel”, em termos semânticos, é a informação nova do período, tendo em vista que os elementos “do qual”, “lhe” e “dão” retomam, respectivamente, referência em constituintes sintáticos anteriores, a saber: “aspecto próprio e praticamente inalterado” (l.8); “o senhor” (l.7); e “todos” (l.7), sujeito da oração.

Texto I LXXIX 1 Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente,

Que agora estão meus olhos contemplando, Parece que hoje o céu me vem pintando 4 A mágoa triste, que meu peito sente. Firmeza a nenhum deles se consente Ao doce respirar do vento brando; 7 O tronco a cada instante meneando, A fonte nunca firme, ou permanente. Na líquida porção, na vegetante 10 Cópia daquelas ramas se figura Outro rosto, outra imagem semelhante: Quem não sabe que a tua formosura 13 Sempre móvel está, sempre inconstante, Nunca fixa se viu, nunca segura? Cláudio  Manoel  da  Costa.  Apud  Domício  Proença  Filho.  A  poesia  dos  inconfidentes.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Aguilar,  2002,  p.  85.    

Texto II O espelho O espelho: atra vés de seu líquido nada me des dobro. Ser quem me olha e olhar seus olhos nada de nada duplo mistério. Não amo o espelho: temo-o. Orides  Fontela.  Poesia  reunida  (1969-­‐1996).  São  Paulo:  Cosac  Naify;  Rio  de  Janeiro:  7letras,  2006,  p.  212.  

42. (UnB-1º2012) Na última estrofe do poema O espelho, nos versos “Não amo o espelho: temo-o”, o pronome átono exemplifica uma substituição pronominal caracterizada, na gramática normativa, como objeto direto pleonástico.

43. (UnB-1º2012) No poema O espelho, nos versos “Ser quem me / olha / e olhar seus / olhos”, o possessivo “seus” tem como referente à estrutura predicativa “quem me / olha”.

Page 37: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   37

É somente nos meados do século XIX, com Varnhagen, que a língua do Brasil assume contornos de problema de interesse nacional e, concomitantemente, passa a constituir objeto de cogitação, para registro de uma realidade já consistente e documentável. Varnhagen afirma a unidade de língua nos dois domínios — o que, a seu ver, justificava o estudo dos clássicos e a impossibilidade de separação das duas literaturas —, mas ressalta, todavia, a diversificação da língua falada, notadamente na prosódia e no léxico, o que atribui ao acastelhanamento do português na América. A caracterização da língua do Brasil como um português diferenciado — esboçada em Varnhagen — representa, entre outros aspectos, uma das posições que delimitarão os debates em torno da língua até o final do século XIX.

Edith  Pimentel  Pinto  (Org.).  O  português  do  Brasil  –  textos  críticos  e  teóricos  –  1820-­‐1920:  fontes  para  a  teoria  e  a  história.  Rio  de  Janeiro:  Livros  Técnicos  e  Científicos;  São  Paulo:  Editora  da  

Universidade  de  São  Paulo,  1978,  p.  XVI-­‐XIX  (com  adaptações).  

44. (UnB-2º2011) Na linha 6, o pronome “que” é

complemento da forma verbal “atribui”. 45. (UnB-2º2011) A estrutura “de separação das

duas literaturas” (l.5), que é complemento do núcleo nominal “impossibilidade” (l.5), pode ser substituída, com correção gramatical e sem prejuízo semântico, por de que separe as duas literaturas.

Ainda que aparentemente movida apenas pelo sentimento geral de lusofobia, característico da época, a geração romântica, fundamentada nas concepções evolucionistas da linguística da época, segundo as quais as línguas se comportavam como seres vivos e, portanto, nasciam, cresciam, envelheciam e morriam, aspirou a uma língua própria, a chamada língua brasileira, instalando uma polêmica, que será retomada, de forma mais radical, pela primeira geração modernista, a da Semana de Arte Moderna, de 1922. Enquanto os românticos — apesar de acreditarem que o nascimento da chamada língua brasileira era fato contra o qual não se poderiam insurgir — não reivindicavam mais que o direito a certa originalidade, os escritores modernistas serão os que, de fato, buscarão, na realidade linguística brasileira, as formas que constituirão a sua expressão.

Tânia  C.  F.  Lobo.  Variantes  nacionais  do  português:  sobre  a  questão  da  definição  

do  português  do  Brasil.  In:  Revista  Internacional  de  Língua  Portuguesa.  Lisboa,  dez./1994,  p.  9-­‐15.  Internet:  <www.aulp.org>  (com  adaptações).  

46. (UnB-2º2011) A estrutura “apesar de

acreditarem que o nascimento da chamada língua brasileira era fato contra o qual não se poderiam insurgir” (l.6-8) pode ser reescrita, sem prejuízo semântico, como apesar de darem crédito ao fato irreprimível do descobrimento da língua de origem brasileira.

47. (UnB-2º2011) No primeiro período do texto, as formas “movida” (l.1), “fundamentada” (l.2) e “aspirou” (l.4), que se caracterizam como estruturas sintáticas distintas, estão ligadas, semanticamente, ao mesmo elemento referencial.

Não se sabe ao certo quando os primeiros

escravos africanos foram trazidos para o Brasil. No entanto, é somente a partir do alvará de D. João III de 29 de março de 1549, que faculta o “resgate e recebimento de escravos da costa da Guiné e da ilha de São Tomé” para auxílio da cultura da cana e do trabalho dos engenhos, que a importação de escravos africanos para o Brasil cresce de forma vertiginosa. Já no final do século XVI, os africanos ocupavam majoritariamente a base da sociedade colonial brasileira, o que iria acentuar-se no século XVII. É possível que os primeiros escravos africanos tenham tido contato com a língua geral, mas, com a redução da presença indígena na zona açucareira, pode-se dizer que os escravos passaram a ter contato, desde cedo, com o português. Os escravos que eram incapazes de se comunicar nessa língua eram chamados de boçais, em oposição aos que demonstravam conhecer o português, que eram chamados de ladinos. No decorrer do século XVIII, com o ciclo do ouro, aumentou a onda migratória vinda de Portugal, e o tráfico negreiro também se orientou para as demandas cada vez maiores de mão de obra para a mineração, tendo aumentado, portanto, o acesso dos escravos africanos à língua portuguesa.

Dante  Lucchesi.  História  do  contato  entre  línguas  no  Brasil.  In:  Dante  Lucchesi,  Alan  Baxter  e  Ilza  Ribeiro  (Org.).  O  português  afro-­‐brasileiro.  

Salvador:  EDUFBA,  2009,  p.  47-­‐8  (com  adaptações).  

O gramático

Os negros discutiam

Page 38: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   38

Que o cavalo sipantou Mas o que mais sabia

Disse que era Sipantarrou.

Oswald  de  Andrade.  Poesias  reunidas.  5.aed.  Rio  de  Janeiro:  Civilização  Brasileira,  1978  

48. (UnB-2º2011) No primeiro período do texto, a

locução “ao certo” (l.1) está ligada, no nível semântico, à negação observada na oração principal e reforça a ideia expressa na oração adverbial temporal, iniciada pela conjunção “quando” (l.1).

49. (UnB-2º2011) A estrutura do trecho “faculta o ‘resgate e recebimento de escravos da costa da Guiné e da ilha de São Tomé’ para auxílio da cultura da cana e do trabalho dos engenhos” (l.3-5) está centrada em nominalizações, que — se consideradas as formas verbais cognatas — correspondem a estruturas verbais na voz passiva sem agente explícito.

Erro de português

Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido O português

Oswald  de  Andrade.  Poesias  reunidas.  5.ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  Civilização  Brasileira,  1978.  

 

Quando aqui aportaram os portugueses, há mais de 500 anos, falavam-se, no país, mais de mil línguas indígenas; tal profusão linguística constitui-se numa situação semelhante à que ocorre, hoje, nas Filipinas (com 160 línguas), na Índia (com 391 línguas) ou, ainda, na Indonésia (com 663 línguas).

Gilvan  Müller  de  Oliveira.  Brasileiro  fala  português:  monolinguismo  e  preconceito  linguístico.  In:  Revista  

Linguagem.  Internet:  <www.letras.ufscar.br>  (com  adaptações).  

50. (UnB-2º2011) No trecho “numa situação

semelhante à que ocorre” (l.2-3), a locução pronominal poderia, corretamente, ser substituída por à qual.

Os representantes do povo francês, reunidos

em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental, resolveram apresentar, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem.

Declaração  dos  direitos  do  homem  e  do  cidadão  [1789].  In:  Lynn  Hunt.  A  invenção  dos  direitos  humanos:  uma  história.  São  Paulo:  Companhia  das  Letras,  p.  225  (com  adaptações).  

Parece que me encontro diante de uma grande crise, não apenas francesa, mas europeia e, talvez, mais que europeia. Considerando-se bem as circunstâncias, a Revolução Francesa é a mais extraordinária que o mundo já viu. Os resultados mais surpreendentes se deram e, em mais de um caso, produzidos pelos meios mais ridículos e absurdos, da maneira mais ridícula e, aparentemente, pelos mais vis instrumentos. Tudo parece fora do normal neste estranho caos de leviandade e ferocidade, em que todos os crimes aparecem ao lado de todas as loucuras.

Edmond  Burke.  Reflexões  sobre  a  Revolução  em  França.  Brasília:  Ed.  UnB,  1982,  p.  52  (com  adaptações).  

     

É com pesar que pronuncio a verdade fatal: Luís deve morrer para que a pátria viva.

Maximilien  de  Robespierre.  Discurso  à  Convenção  Nacional,  3/12/1792.  

51. (UnB-2º2011) Seria mantida a correção

gramatical, se a sentença proferida por Robespierre tivesse sido traduzida como: É pesaroso que a verdade fatal é pronunciada por mim: é preciso Luís morrer para a pátria viver.

52. (UnB-2º2011) No primeiro período do segundo texto, a ideia de incerteza quanto a aspectos enunciados pelo autor seria mantida, com correção gramatical, se o trecho fosse reescrito como Talvez me encontro diante de uma grande crise, não francesa, mas europeia e, mais que europeia, parece.

53. (UnB-2º2011) Na linha 2 do primeiro texto, a conjunção “ou”, dada a sua natureza semântica de elemento codificador de exclusão, indica que o sintagma “dos direitos

Page 39: LITERATURA- Arcadismo · (UnB-2º2012) Representativo do Modernismo brasileiro, esse poema chama a atenção para o fato cotidiano e para o esforço de tradução

                                                                                                                                                                                             Provas ENEM

Português www.tenhoprovaamanha.com.br

www.tenhoprovaamanha.com.br   39

do homem” refere-se apenas ao núcleo nominal “menosprezo”.

GABARITO 1. C 2. E 3. C 4. E 5. E 6. C 7. C 8. C 9. C 10. C 11. C 12. C 13. E 14. C 15. C 16. E 17. E 18. C 19. C 20. C 21. E 22. C 23. C 24. C 25. E 26. E 27. C 28. C 29. C 30. E 31. C 32. E 33. C 34. C 35. E 36. C 37. C 38. E 39. E 40. C 41. C 42. E 43. C 44. C 45. E 46. E 47. C 48. E 49. E 50. E 51. E 52. E 53. E