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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU LITERATURA COMPARADA Editoração e Revisão: Editora Prominas e Organizadores Coordenação Pedagógica INSTITUTO PROMINAS MÓDULO – 4 Impressão e Editoração APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONVÊNIO FIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES E O INSTITUTO PROMINAS.

LITERATURA COMPARADA--MÓDULO 4

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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

LITERATURA COMPARADA

Editoração e Revisão: Editora Prominas e Organizadores

Coordenação Pedagógica INSTITUTO PROMINAS

MÓDULO – 4

Impressão e

Editoração

APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONVÊNIO FIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO..................................................................................................3

UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA...........................................................................4

UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA COMPARADA E OS ESTUDOS

CULTURAIS...........................................................................................................................21

UNIDADE 4 – LITERATURA COMPARADA E INTERDISCIPLINARIDADE.......................36

UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA...............................................................................42

UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARATIVA............................................................47

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................57

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UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO A disciplina “Literatura Comparada” adquiriu um funcionamento sistemático e

se tornou muito mais do que uma atividade acadêmica discreta e por vezes

marginal. Hoje, ela tem seu espaço próprio no mundo universitário de vários países,

sendo que as associações literárias como a Abralic e a AILC/ICLA tiveram um papel

fundamental para o seu reconhecimento institucional.

Assim sendo, na Unidade 1, traçaremos um panorama histórico em torno do

surgimento desta disciplina, focalizando o seu desenvolvimento no Brasil.

Procuraremos destacar o debate em torno dos estudos comparatistas, através da

posição crítica de alguns importantes estudiosos da área de literatura tais como

Antônio Cândido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago e Haroldo de Campos.

Na Unidade 2, discorreremos sobre a relação da Literatura Comparada com

os Estudos Culturais, pois, tendo-se em vista o impacto causado pela globalização e

pelas crescentes integrações supranacionais, torna-se premente pensar como são

atualmente construídas as localidades culturais. Assim sendo, reproduziremos as

principais discussões teóricas que tentam mapear um lócus de enunciação para a

América Latina na contemporaneidade. Intentaremos mostrar também que as novas

configurações mundiais têm levado a diferentes concepções de literatura universal,

que modificam, por sua vez, os conceitos de local, regional, marginal.

Já na Unidade 3, daremos destaque à “Interdisciplinaridade”, que é

característica marcante dos estudos em Literatura Comparada. Nesse sentido,

destacaremos as contribuições da teoria literária que levaram a uma ampliação do

conceito de texto e de sua produção, modificando, por conseguinte, nossa maneira

de considerar o literário e seus procedimentos de construção. Ao tratarmos do

diálogo existente entre os diferentes tipos de texto, sublinharemos a relação da

Literatura com o Cinema.

Por fim, na Unidade 4, faremos uma abordagem comparativa entre o livro

Lavoura Arcaica do escritor Raduan Nassar e o filme Lavour´Arcaica do diretor Luiz

Fernando Carvalho.

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UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA

2.1.Reflexões iniciais

Eduardo F. Coutinho (2006), em artigo publicado na Revista Brasileira de

Literatura Comparada, traça interessantes considerações em torno desta disciplina

acadêmica que, desde a sua configuração e consolidação, tem levado a que os

estudiosos se debatam quanto à sua definição. Alguns a veem como um simples

método de abordagem do fenômeno literário, outros a tomam, no sentido amplo,

como área do conhecimento.

Assim sendo, após analisar algumas tentativas de definição, o autor mostra

que inicialmente a Literatura Comparada designava uma forma de investigação que

abordava duas ou mais literaturas nacionais ou que confrontava produções literárias

em idiomas distintos. Por isso, nessa época, todas as definições acentuavam o seu

caráter internacional e a familiaridade que o estudioso deveria ter com mais de um

idioma.

Posteriormente, os estudos em Literatura Comparada passaram a abarcar

outras áreas, propondo, assim, um diálogo entre os diversos campos do

conhecimento e as diferentes manifestações artísticas. Então, o caráter

interdisciplinar da Literatura Comparada passou a ser enfatizado. De qualquer modo,

segundo Coutinho:

Surgida em contraposição aos estudos de literaturas nacionais ou produzidas em um mesmo idioma, a Literatura Comparada traz como marca fundamental, desde os seus primórdios, a noção da transversalidade, seja com relação às fronteiras entre nações ou idiomas, seja no que concerne aos limites entre as áreas do conhecimento. (COUTINHO, 2006, p.41).

Portanto, a transversalidade é o elemento fulcral dos estudos comparatistas.

Ou seja, a capacidade de atravessar fronteiras, seja entre nações ou idiomas, seja

entre diferentes áreas do conhecimento como a Psicologia, a Filosofia, a Sociologia,

seja entre outras formas de arte como a pintura, a fotografia, o cinema. Podemos

dizer que Literatura Comparada é uma forma específica de interrogar os textos

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literários na sua interação com outros textos literários e com outras formas de

expressão cultural e artística.

De acordo com esse ponto de vista, é a referência à

interdisciplinaridade da Literatura Comparada que norteia a definição de Henry

Remak, e que constitui um dos principais traços da chamada “Escola Americana”:

A Literatura Comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre a literatura, de um lado, e outras áreas do conhecimento e crença, como as artes, a filosofia, a história, as ciências sociais, a religião, etc., de outro. Em suma, é a comparação da literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana. (REMAK apud COUTINHO, 2006, p.44)

Por fim, Coutinho ressalta algumas transformações pelas quais sofreram os

métodos de abordagem comparatista a partir dos anos 70 para cá, como podemos

observar pelas seguintes palavras do autor:

Embora a maioria dos pressupostos da Escola Americana de Literatura Comparada tenham sido fortemente abalados após a década de 70, dando lugar a outras tendências distintas e diversas entre si, o veio interdisciplinar por ela amplamente estimulado é um traço que irá permanecer, ainda que com faces diferentes. Assim, em função de contribuições de correntes do pensamento contemporâneo como os Estudos Culturais e Pós-coloniais, a compartimentação do saber que ainda vigorava na época da Escola Americana, exigindo que um estudo comparatista sobre o tema do incesto ou da revolução, por exemplo, fosse abordado por um viés que enfatizasse o literário, e não o psicanalítico ou sociológico respectivamente - com o objetivo explícito de deixar clara a diferença entre as duas áreas - deixou de ser levada em conta. Do mesmo modo, a questão da adaptação de uma obra de uma esfera artística ou do conhecimento para outra também deixou de ser vista pela perspectiva binária tradicional, que considerava sempre a segunda como devedora da primeira, e passou a ser encarada como uma manifestação, uma tradução criativa da primeira, que com ela dialoga, mantendo a sua singularidade. (COUTINHO, 2006, p. 50).

O autor ressalta, dessa forma, a contribuição dada pelos estudos culturais e

pós-coloniais que possibilitaram uma descompartimentação do saber, fazendo com

que se abolisse a primazia do literário sobre as outras áreas do conhecimento.

Também as novas correntes do pensamento contemporâneo permitiram que se

visse a questão da adaptação por outro ângulo, segundo o qual a obra segunda

deixa de ser devedora da primeira e passa a ser encarada como uma tradução

criativa, que dialoga com a primeira, mas mantém a sua especificidade.

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2.2. Literatura Comparada no Brasil

Procuraremos, neste capítulo, traçar um panorama acerca da instituição dos

estudos comparatistas no Brasil. Para isso, inicialmente lançaremos mãos do livro

Literatura Comparada de Sandra Nitrini (NITRINI, 1997), no qual a autora esclarece

que:

Os anos 80 foram decisivos para o estatuto institucional da literatura comparada no Brasil. Em 1986, foi criada em Porto Alegre a Associação Brasileira de Literatura Comparada-Abralic, por ocasião do I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul acolheu também o I Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada, em 1988. Ainda nessa década, a Universidade Federal de Minas Gerais foi sede de dois simpósios de literatura comparada. Convém lembrar também a publicação do livro Literatura Comparada, de Tânia Franco Carvalhal, em 1986, numa coleção de divulgação, destinada a estudantes universitários. (NITRINI, 1997, p.184).

Entretanto, conforme pontua Nitrini, mesmo antes da introdução da

literatura comparada como disciplina nas universidades já havia, informalmente,

alguns estudos nesse campo. Podemos citar como exemplo de estudo comparatista,

a tese Origens e Evolução dos Temas da Primeira Geração de Poetas Românticos

Brasileiros de Antônio Sales Campos, apresentada em 1945. Neste trabalho, a partir

de eixos temáticos como o patriotismo, o indianismo, o lirismo, Campos refaz a

história da produção literária da primeira geração de poetas românticos, na

perspectiva do tradicional comparatismo francês, aliando a historiografia literária e a

busca das fontes e influências, sempre comprovadas por meio do cotejo de textos.

Também Fidelino Figueiredo publicou nos anos 40, na Revista USP, o artigo

Shakeaspeare e Garret direcionado pela ideia de que o desenvolvimento histórico e

episódico particular de cada literatura ocorre no contexto da “solidariedade geral”

que é a base da crítica comparativa e da literatura comparada. Apesar de outros

trabalhos de pesquisa terem sido feitos, a literatura comparada, como campo

específico de estudos acadêmicos, só tomou impulso nos anos 70 com a produção

universitária dos cursos de pós-graduação. No âmbito da crítica literária, a literatura

comparada também está presente no país há muito tempo como postura analítica.

Nitrini destaca que um dos mais antigos estudos de literatura comparada no Brasil é

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o ensaio “Traços de Literatura Comparada do Século XIX”, de Tobias Barreto,

publicado em 1887.

Por sua vez, o professor Antônio Cândido introduziu a literatura comparada na

Universidade de São Paulo, em 1962, quando propôs que a disciplina de Teoria

Literária se transformasse em Teoria Literária e Literatura Comparada, com o

objetivo de assegurar um espaço institucional a este domínio dos estudos literários.

Além disso, fundou e dirigiu um círculo de estudos de literatura comparada, de 1962

a 1964, orientando dissertações de mestrado e teses de doutoramento de literatura

comparada. No 1º Congresso da Abralic em Porto Alegre, Cândido se pronunciou:

Há mais de quarenta anos eu disse que “estudar literatura brasileira é estudar literatura comparada”, porque a nossa produção foi sempre vinculada aos exemplos externos que insensivelmente os estudiosos efetuavam as suas análises ou elaboravam seus juízos tomando-os como critérios de validade. Daí ter havido uma espécie de comparativismo difuso e espontâneo na filigrana do trabalho crítico desde o tempo do romantismo, quando os brasileiros afirmavam que a sua literatura era diferente da de Portugal. (CÂNDIDO apud SOUZA, 2002, p.39).

O perfil comparatista de Antônio Cândido extrapola às suas atividades

docentes, pois sua vasta obra crítica e histórica oferece reflexões e interpretações

que representam profundas contribuições não só para o pensamento comparatista

brasileiro, mas também para o latinoamericano. Assim sendo, destacaremos no

decorrer desta unidade alguns trabalhos de Antônio Cândido que foram importantes

para o desenvolvimento da abordagem comparatista no Brasil. Também

ressaltaremos as polêmicas e discussões que seus textos provocaram no meio

acadêmico. Assim sendo, traremos para o debate, as reflexões traçadas por Silviano

Santiago, Haroldo de Campos, Roberto Schwarz.

2.3. Debate em torno do método comparatista

Já no final da década de 50, Antônio Cândido havia publicado o livro

Formação da Literatura Brasileira (CÂNDIDO, 1969), marco seminal da nossa

historiografia literária e testemunho cabal de que a história da literatura brasileira,

em seu período de formação, acha-se vinculada a modelos estrangeiros. Nesse

livro, Cândido não escapa a uma aproximação comparatista do objeto literário.

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Essa obra interessa de modo particular pela explicitação de sua concepção de literatura como sistema, de seus pressupostos e dos conceitos instrumentalizados, permitindo delinear a particularidade de sua visão comparatista e pontuar seu importante papel como instaurador de uma tradição de estudos acadêmicos de literatura comparada que fogem às vulnerabilidades da literatura comparada tradicional. (NITRINI, 1997, p.192).

No prefácio da primeira edição de Formação da Literatura Brasileira, Cândido

teoriza o modo de tratar diferentes literaturas e o problema da questão do valor:

Cada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente, gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três para se constituir. A sua formação tem, assim, caracteres próprios e não pode ser estudada como as demais, mormente numa perspectiva histórica, como é o caso deste livro, que procura definir ao mesmo tempo o valor e a função das obras (CÂNDIDO apud NITRINI, 1997, p. 196).

O teor comparatista de Formação aparece expresso no prefácio, embora

Cândido não faça referência explícita à literatura comparada. Também no primeiro

parágrafo a visão comparatista impõe-se como uma das linhas de força do livro:

Este livro procura estudar a formação da literatura brasileira como síntese de tendências universalistas e particularistas. Embora elas não ocorram isoladas, mas se combinem de modo vário a cada passo desde as primeiras manifestações, aquelas parecem dominar nas concepções neoclássicas, estas nas românticas - o que convida, além de motivos expostos abaixo, a dar realce aos respectivos períodos. (CÂNDIDO apud NITRINI, 1997, p. 197).

Além disso, em Formação da Literatura Brasileira, Antônio Cândido

traça considerações acerca da questão da influência para bem explicitar o papel que

esta desempenha na sua concepção de literatura como um sistema integrado e

dinâmico de autores, obras e público. Como atesta Nitrini:

Ele [Cândido] se valeu desse conceito ao lado de outros como período, fase e geração etc., como técnica auxiliar, sem dogmatismo. Se, por um lado, esse conceito lhe é operatório na medida em que lhe permite estabelecer liames entre os escritores ‘contribuindo para formar a continuidade no tempo e para definir a fisionomia própria de cada momento’; por outro, ‘é preciso reconhecer que ele é talvez o instrumento o mais delicado, o mais falível de toda a crítica’ em vista da dificuldade de se estabelecer uma distinção entre coincidência, plágio e influência, como também em vista da ‘impossibilidade de verificar a parte da deliberação e do inconsciente’ no processo de criação. (NITRINI, 1997, p. 204).

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Cândido alerta ao leitor que a perspectiva correta para se estudar as

literaturas nacionais latino-americanas é a da literatura comparada. Após definir a

produção literária latino-americana como galho secundário da portuguesa, que, por

sua vez, é arbusto de segunda grandeza no jardim das musas, o autor acrescenta:

Há literaturas de que um homem não precisa sair para receber cultura e enriquecer a sensibilidade; outras, que só podem ocupar parte de sua vida de leitor, sob pena de lhe restringirem irremediavelmente o horizonte (...). Os que se nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e pela falta de senso de proporções. (...) Comparada às grandes, a nossa é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. (CÂNDIDO apud SANTIAGO, 1982, p.19).

No artigo “Literatura e Subdesenvolvimento”, publicado pela primeira vez em

1969, Antônio Cândido torna a discutir o problema das influências “à luz da

dependência causada pelo atraso cultural” (CÂNDIDO, 1989). Segundo o crítico, as

literaturas latino-americanas e norte-americanas constituem “galhos das literaturas

metropolitanas”. E ainda, no contexto apresentado, a influência revela-se inevitável,

“sociologicamente ligada à nossa dependência, desde a própria colonização e a

transplantação, às vezes, brutalmente forçada das culturas”:

Encaremos, portanto, serenamente o nosso vínculo placentário com as literaturas européias, pois ele não é uma opção, mas um fato quase natural. Jamais criamos quadros originais de expressão, nem técnicas expressivas básicas, no sentido em que o são o Romantismo, no plano das tendências; o romance psicológico, no plano dos gêneros; o estilo indireto livre, no da escrita. E embora tenhamos conseguido resultados originais no plano da realização expressiva, reconhecemos implicitamente a dependência. Tanto assim que nunca se viu os diversos nativismos contestarem o uso das formas importadas, pois seria o mesmo que se oporem ao uso dos idiomas europeus que falamos. O que requeriam era a escolha de temas novos, de sentimentos diferentes. (CÂNDIDO, 1989, p. 151-152).

Podemos observar pelo entrecho supracitado que o autor sugere uma

mudança de postura. Devemos aceitar que a influência é inevitável, procurando não

ficar angustiados com isso. Ou seja, primeiramente, devemos encarar de maneira

serena a nossa dependência, o nosso vínculo placentário com as literaturas

metropolitanas. Após esse verdadeiro desrecalque, conseguiremos superar o nosso

complexo de inferioridade e só, então, passaremos a perceber a interlocução criativa

existente entre as obras. Cândido desenvolve, dessa forma, o conceito de

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“fecundação criadora da dependência”, que seria o modo peculiar de nossos países

serem originais. Então, o autor cita a obra de Guimarães Rosa como tributária desse

modo transfigurador de tratar a realidade local.

Silviano Santiago no artigo “Apesar de dependente, universal” dialoga

com Antônio Cândido, sendo que, assim como o crítico paulista, também ele

assinala que a perspectiva correta para o estudo das literaturas latino-americanas é

a da literatura comparada:

Acreditar que possamos ter um pensamento autóctone auto suficiente, desprovido de qualquer contato “alienígena”, é devaneio verde-amarelo; a avaliação é justa: colocar o pensamento brasileiro comparativamente, isto é, dentro das contingências econômico-sociais e político-culturais que o constituíram é evitar qualquer traço do dispensável ufanismo. (SANTIAGO, 1982).

Porém, Silviano Santiago considera que os intelectuais insistem na utilização

de um método fundamentalmente etnocêntrico nos estudos comparativos entre a

literatura brasileira e a europeia:

Caso nos restrinjamos a uma apreciação da nossa literatura, por exemplo, com a européia, tomando como base os princípios etnocêntricos-fonte e influência-da literatura comparada, apenas insistiremos nos aspectos repetitivos e redundantes. O levantamento desses aspectos duplicadores (útil, sem dúvida, mas etnocêntrico) visa a sublinhar o percurso todo-poderoso da produção dominante nas áreas periféricas por ela definidas e configuradas; constituem-se no final do percurso dois produtos paralelos e semelhantes, mas apresentando entre eles duas decalagens capitais, responsáveis que serão pelo processo de hierarquização e rebaixamento do produto da cultura dominada. Duas decalagens capitais. Uma temporal (o atraso de uma cultura com relação a outra) e uma qualitativa (a falta de originalidade nos produtos da cultura dominada). (SANTIAGO, 1982, p.20).

Neste ensaio, Silviano Santiago dá continuidade a uma reflexão que já tinha

apresentado em “O entre-lugar do discurso americano”, ao indagar-se sobre a

atitude do crítico e do artista num país em evidente inferioridade econômica com

relação à cultura ocidental, à cultura da metrópole e à cultura do próprio país. O

autor critica o pensamento da época e assinala que, se somos dependentes

economicamente, não precisamos ser dependentes culturalmente.

Em seus ensaios, Santiago coloca em questão o papel do intelectual hoje. E

se pergunta como o crítico deve apresentar o complexo sistema de obras que vem

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sendo explicado pelo método tradicional baseado no estudo das fontes e influências.

Conforme atesta o entrecho acima, o autor argumenta que tal método insiste

somente nos aspectos em que as obras latino-americanas repetem os modelos

europeus, fazendo delas meras parasitas, que não acrescentam nada de próprio,

pois se encontram aprisionadas pelo prestígio das fontes. Santiago discorre, dessa

maneira, sobre a falência desse método e a necessidade de substituí-lo por outro:

um novo discurso crítico que negligencie a caça às fontes e às influências e

estabeleça como único valor crítico a diferença.

Vemos que o autor não nega que haja a dependência, pois, quando fala em

diferença, ele quer dizer a diferença em relação a um modelo. Contudo, a atitude de

Santiago não é tão serena quanto à de Cândido. Ao passo que este afirma que a

influência é inevitável, que devemos aceitá-la sem recalque, Santiago objetiva

negligenciá-la em prol da “diferença”, apontada como único valor crítico.

Não podemos nos esquecer que Cândido fala de uma “fecundação criadora

da dependência”, marcando, portanto, que a posição do escritor com relação à

influência deve ser crítica. Haveria, dessa maneira, uma interlocução criativa entre a

cultura dependente e a metrópole. Porém, Santiago avança seu pensamento nesse

sentido e afirma que, em vez de endossar o modelo retomado, os textos latino-

americanos devem romper com ele sutil ou abertamente. O posicionamento da cópia

em relação ao modelo, segundo Santiago, é de agressividade, como fica patente

pela seguinte explanação do autor:

O texto segundo se organiza a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto, e o leitor, transformado em autor, tenta surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com suas intenções, segundo sua própria direção ideológica, sua visão do tema apresentado de início pelo original. (SANTIAGO, 1978, p.22)

Acerca da proposta de Silviano Santiago sobre o discurso latino-americano,

Nitrini esclarece que:

O novo trabalho crítico propõe uma análise do “uso” feito pelo escritor de um texto ou de uma técnica literária durante seu movimento de agressão ao modelo, desmistificando-o como objeto único e de reprodução impossível. Silviano Santiago situa o “entre-lugar” do discurso latino-americano no interstício entre o momento da assimilação, apropriação, submissão e

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exercício da agressão, destruição e subversão da cultura imposta, distinguindo-se, assim, da outra e opondo-se ao conceito de unidade cultural.(NITRINI, 1997, p.213).

Marli Fantini Scarpelli também traz importantes contribuições no que concerne

à análise do ensaio de Silviano Santiago:

Visto que, segundo ele [Silviano Santiago], o continente não poder isolar-se da invasão estrangeira nem recuperar sua imaginária condição de paraíso, caberia ao escritor latino-americano – desde um entre-lugar atravessado astutamente pela dupla postura de assimilação e resistência – interferir no processo de transplante cultural, impondo uma transgressiva inversão do percurso empreendido pelos colonos, durante todos os séculos de ocupação da América Latina. Santiago sugere um conceito-imagem, o “entre-lugar do discurso latino-americano” para se operar com a permeabilização histórica, cultural e literária da América Latina, que, atravessada por várias etnias, vozes e línguas, é o espaço ambíguo onde se mesclam distintas histórias e temporalidades em confronto. É desse conflitivo e turvado lócus de enunciação que o escritor latino-americano deve, segundo ele, aprender a manejar a língua da metrópole para, em seguida, combatê-la. (SCARPELLI, 2001, p. 527).

Para Santiago nós latino-americanos fomos vítimas de um processo de

ocidentalização por meio da violência, o que nos levou a crer na supremacia do

dominador. Entretanto, em uma sociedade marcada pela mestiçagem, em que se

entrelaçam o elemento europeu e o elemento autóctone, o hibridismo reina.

A propósito do conceito de hibridismo, Nestor Garcia Canclini (CANCLINI,

2000) esclarece que o termo, embora remonte à antiguidade, ganhou um relevo

especial no final do século XX ao ser utilizado para analisar a cultura. Transportado

das ciências biológicas para as ciências sociais, esse conceito foi rejeitado por

alguns teóricos porque na biologia costuma acarretar o sentido de esterilidade.

Entretanto, Canclini salienta que tal argumento deve ser descartado já que nas

ciências sociais o conceito de hibridismo revelou-se fecundo, pois colocou em

evidência a produtividade e o poder inovador das misturas culturais, ajudando,

desse modo, a sair dos discursos essencialistas de identidade, autenticidade e

pureza cultural.

É de acordo com esse ponto de vista que Silviano Santiago (SANTIAGO,

1978) discorre sobre o papel da América Latina cuja heterogeneidade e hibridização

representa uma importante marca cultural junto à cultura ocidental. Silviano postula

o seguinte:

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A maior contribuição da América Latina para com a cultura ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e de pureza, estes dois conceitos perdem o contorno exato do seu significado, perdem seu peso esmagador, seu sinal de superioridade cultural, à medida que o trabalho dos latino-americanos se afirma, se mostra mais e mais eficaz. (SANTIAGO, 1978, p.18).

Podemos perceber uma mudança de foco, pois, se antes havia uma tentativa

por parte dos europeus de apagar as línguas e costumes que fugissem aos moldes

da Europa como, por exemplo, os costumes e tradições decorrentes da cultura

indígena, presenciamos hoje uma crescente valorização da heterogeneidade, que

aos poucos procura se infiltrar na cultura europeia, buscando transformar de forma

criativa esses discursos.

O autor articula, portanto, uma inversão de valores. Os conceitos de pureza e

unicidade perdem seu sinal de superioridade. A América Latina institui seu lugar no

mapa da civilização ocidental pelo desvio da norma, que transfigura os elementos

antes tidos como imutáveis.

Portanto, a atitude do artista deverá ser de assimilação e agressividade em

relação aos modelos europeus. Para Silviano Santiago, a infiltração do pensamento

selvagem no pensamento europeu poderá ser um caminho possível para que ocorra

a descolonização intelectual. Isto é, para que afinal a América Latina possa sair da

sua condição de dependência cultural. Vemos que, nesse ínterim, Santiago se

posiciona diferentemente de Antônio Cândido, já que este preconiza apenas que

devemos encarar serenamente a dependência, por ser este um fato quase natural.

Silviano Santiago, ao contrário, vai além, pois “pretende que os textos da

metrópole submetam-se também a uma apreciação a respeito de sua real

universalidade: a literatura metropolitana existe apenas no processo de expansão

em que respostas não etnocêntricas são dadas aos valores da metrópole.”

(SANTIAGO apud NITRINI, 1997, p. 214).

De acordo com esse ponto de vista, situa-se Haroldo de Campos, em “Da

Razão Antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira” (CAMPOS, 1983).

Campos defende a tese de que a literatura brasileira não está determinada nem

política, nem econômica e nem culturalmente a ser dependente das literaturas

metropolitanas. E ainda, tomando por base os trabalhos de Marx, Engels e Octavio

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Paz, o autor descarta a ideia de uma relação de causa e efeito entre prosperidade

econômica e excelência artística. “O motivo desse complexo de dependência estaria

na translação para as nossas latitudes tropicais de um episódio da metafísica

ocidental da presença, que é a historiografia ontológica”. (CAMPOS, 1983, p.47).

Segundo o autor, a historiografia ontológica ocidental procura reconstituir a

trajetória de uma literatura nacional desde suas origens até seu apogeu, no qual se

constituiria a unidade máxima de um legado comum, de uma tradição. Para

Campos, essa historiografia traz no seu bojo um problema: como definir um legado

comum, qual é o valor que lhe confere unidade, que orienta seu desenvolvimento?

Geralmente esse valor máximo central toma forma no conceito de “clássico”, porém

este conceito é passível de acepções diversas e conflitantes. O autor denuncia,

assim, o logocentrismo que ronda toda a historiografia ontológica.

A esta historiografia tão criticada, Haroldo de Campos contrapõe a “modal, diferencial”, por ele assim definida: “um gráfico sísmico da fragmentação eversiva”. Trata-se de uma historiografia fragmentária, cuja perspectiva não é a de mostrar um desenvolvimento evolutivo no sentido de um aprimoramento progressivo; ao contrário, ela admite períodos de altos e baixos numa trajetória sem origem nem fim. O único mecanismo motor corresponde ao da oposição, da ruptura, tanto diacrônica quanto sincrônica. (NITRINI, 1997, p. 216).

Haroldo de Campos postula a tese de que a negação, a ruptura, o diálogo

diferencial aparece como um movimento antigo e natural que proporcionaria o

questionamento da universalidade. Por isso, o autor alega a importância do barroco

para a literatura brasileira, já que ele representa a não-origem, porque é a não-

infância. Lembrando que o termo latino infans significa afásico, o autor conclui que o

barroco já nasceu pronto, falando. A maturidade e o cosmopolitismo do barroco

brasileiro se revelam na maneira como Gregório de Mattos e Padre Antônio Vieira,

através de suas obras, não só compartilharam como também parodiaram o código

artístico mais elaborado da época.

O autor reforça ainda esta ideia da não-origem ao afirmar que a literatura

brasileira de início “articulou-se como diferença em relação a esta panóplia de

universália, eis o nosso nascer” (CAMPOS, 1983, p.113). Ela se insere no código da

literatura universal por seu alto padrão técnico, por um lado, e, por outro, por seu

acentuado caráter diferencial desde Gregório de Matos, passando por Sousândrade,

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Oswald, Drummond, Murilo Mendes, João Cabral e incluindo, finalmente, a poesia

concreta. “A diferença passa agora a significar o nacional, o que caracteriza o

nacional em relação ao código universal”. (NITRINI, 1997, p. 216).

Vale lembrar que o debate sobre o barroco foi fomentado na década de 80

no Brasil com a grande polêmica que surgiu com a publicação do livro de Haroldo de

Campos O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso

Gregório de Mattos (CAMPOS, 1989) o qual criticou duramente o fato de Antônio

Cândido ter subtraído de seu livro Formação da Literatura Brasileira (CÂNDIDO,

1969) o estilo barroco, cujo principal argumento seria a ausência de um público leitor

satisfatório. Campos, por sua vez, condena o argumento de Candido dizendo:

A noção quantitativa de público rarefeito, à época da produção da obra, não parece ter aqui, no seu determinismo “objetivista”, suficiente peso de convencimento. Sobretudo quando, para além do período colonial, as relações entre escritor e “grande público” em nosso meio acabam sendo definidas, emblemática e paradoxalmente, em termos também de “ausência”. (CAMPOS, 1989, p. 50-51).

Campos combate a retirada de Gregório de Matos da formação da literatura

brasileira, em detrimento do argumento que considera exclusivamente o primeiro

público como a recepção da obra e advoga em favor da indiscutível originalidade e

brasilidade do poeta Gregório.

Vale lembrar que o barroco, estilo no qual compunha Gregório de Mattos, foi

trazido diretamente da Europa e adotado em um Brasil recém-nascido, um Brasil

criado com a chegada dos portugueses. Constituiu-se, dessa maneira, como o

primeiro registro cultural oriundo da aproximação entre a cultura lusitana e a

brasileira, sendo que mostrou uma capacidade surpreendente de representar as

misturas e os contrastes presentes no Novo Mundo.

Desde o início, portanto, o barroco representou uma fonte de resistência ao

hegemônico, tendo em vista o fato de marcar o início da produção literária brasileira

em meio a um ambiente cultural de predominância portuguesa, trazendo um

discurso mestiço diferente e discordante ao que vinha sendo produzido no Brasil

pelos intelectuais portugueses. O estilo seiscentista caracterizou, dessa forma, o

início da produção literária brasileira, registrando as primeiras questões que

envolveram a nossa formação mestiça, de forma que deve ser tomado como um

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período fundamental para a compreensão da construção identitária e cultural

brasileira. Por tudo isso, segundo Haroldo de Campos, ele não pode ser descartado

da nossa historiografia literária como o fez Antônio Cândido.

E ainda, concernente com seus ideais de pregar uma visão crítica da história,

Campos retoma o conceito de “antropofagia” de Oswald de Andrade e assinala:

A Antropofagia oswaldiana(...) não envolve uma submissão (uma catequese), mas uma transculturação; melhor ainda, uma “transvaloração”: uma visão crítica da história como função negativa (no sentido de Nietzche), capaz tanto de apropriação como expropriação; desierarquização, desconstrução. Todo passado que nos é o “outro” merece ser negado. Vale dizer: merece ser comido, devorado. (CAMPOS, 1983, p.234).

Acerca desse processo de desierarquização da cultura universal, apregoado

por Campos, Sandra Nitrini argumenta que:

Para que a desierarquização da cultura universal também seja universal, e para que deixe de ser somente uma reivindicação teórica e se torne uma prática, é preciso que as culturas tradicionalmente tidas como fontes abdiquem de seu etnocentrismo cultural, buscando, por sua vez, suas fontes nas produções periféricas. (NITRINI, 1997, p. 217).

A autora observa, portanto, a necessidade de que as trocas entre as

produções dos países tradicionalmente tidos como fontes e dos países periféricos

sejam de “mão dupla”. Para que isso ocorra é preciso que os primeiros abdiquem de

seu etnocentrismo. Nitrini alega que somente dessa forma a aclamada

desierarquização atingirá a universalidade. Ou seja, será válida e praticada por

todos, não ficando restrita ao plano da argumentação teórica.

Vale ainda destacar as palavras da crítica Eneida Maria de Souza, autora do

livro Crítica Cult, no qual traça um panorama em torno do pensamento e da crítica

literária e cultural brasileira. A autora destaca os pontos comuns apresentados nos

trabalhos de Santiago e Campos:

Em ambos, a retomada da antropofagia como conceito operatório, por se revelar ainda eficaz no processo de desconstrução das culturas estrangeiras, coloca a literatura nacional em posição de igualdade na concorrência com a estrangeira, pela confiança no aspecto positivo e alegre da transculturação. Aproximam-se, também, pelo tratamento desconstrutor conferido às noções filosóficas de original, cópia e simulacro, invertendo o

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processo causal de interpretação do discurso histórico. (SOUZA, 2002, p.54)

Apesar de alguns pontos em comum, podemos observar que Silviano

Santiago e Haroldo de Campos priorizam ângulos diferentes para tratar do mesmo

problema. Santiago parte do sistema de colonização dos países subdesenvolvidos.

Para ele fomos vítimas de um processo de ocidentalização forçado. Isto é, por meio

da violência e de uma ideologia de superioridade fomos levados a crer na

supremacia do dominador. Segundo o crítico, isso talvez explique o fato de o ponto

central de nossa cultura ter sido sempre a busca da semelhança com o modelo.

Campos, por sua vez, enfatiza a questão da transmissão do legado cultural que

permite identificar o “novo” mesmo nas condições de uma economia

subdesenvolvida. Ele expõe como ocorreu esta transmissão e intercomunicação no

barroco e na poesia concreta, demonstrando assim que os países subdesenvolvidos

dialogaram entre si mesmos e com os países desenvolvidos.

À propósito dos estudos empreendidos por Haroldo de Campos, Eneida Maria

de Souza afirma que:

A atuação do poeta, crítico e tradutor, pauta-se pela apropriação entre tradução e antropofagia, decorrente da associação com a intertextualidade e com vistas a uma perspectiva sincrônica em relação à tradição cultural brasileira. (...) A necessidade de incorporar a produção artística dentro de um movimento internacional implica, por um lado, a conscientização da nossa dívida para com as culturas dominantes e, por outro, a superação desse débito por meio da devoração antropofágica do legado cultural estrangeiro. (SOUZA, 2002, p.42).

Já Sandra Nitrini, após analisar os postulados de Campos e Santiago, levanta

a seguinte indagação:

A proposta de modelos fundados na teoria desconstrutivista surge com uma arma para uma tomada de posição contra esse estado de coisas. Mas até que ponto esta sugestão de estratégia discursiva também não se confunde com um recurso ideológico que poderá vir a escamotear uma dependência cultural, pelo menos, em determinados momentos da história da literatura-latino-americana?(NITRINI, 1997, p. 218).

Nitrini observa que as proposições de Santiago e Campos têm como

aparato a teoria desconstrutivista cujas premissas se encontram nos trabalhos do

estudioso francês Jacques Derrida. Então, sem negar que essa teoria possa servir

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como arma para uma transformação na maneira de encararmos a nossa cultura, a

nossa história, bem como os estudos de literatura, a autora questiona se o uso

dessa estratégia discursiva não acabaria por revelar que continuamos até certo

ponto dependentes culturalmente.

Por sua vez, Roberto Schwarz, a partir da leitura da obra de Machado

de Assis, cunhou o conceito de “As ideias fora do lugar” (SCHWARZ, 1977).

Baseando-se na ideologia sociológica marxista, Schwarz se volta para o

questionamento das contradições provocadas pela modernização nos países

periféricos:

Expressões como “descompasso”, “mal-estar” e “torcicolo cultural”, traduzem a preocupação de Schwarz em apontar a defasagem entre as idéias importadas e a sua recepção num contexto diferenciado do europeu. Enquanto a modernização européia se baseava na autonomia do indivíduo, na universalização da lei e na ética do trabalho, no Brasil, a cultura do favor, antimoderna como a escravidão, prega a dependência pessoal, a exceção à regra e a remuneração de serviços pessoais. O “homem livre” continuava preso a uma estrutura social que não se desvinculava de princípios arcaicos de privilégio e de clientelismo, obstáculos para a constituição de um Estado Moderno. (SOUZA, 2002, p.52).

No artigo intitulado “Nacional por Subtração” (SCHWARZ, 1987), Roberto

Schwarz reacende a polêmica entre o seu pensamento teórico e o de Santiago e

Haroldo de Campos, ao se posicionar de forma distinta quanto às redefinições dos

conceitos de nacionalidade e de dependência cultural. Nesse texto, conforme

constata Sandra Nitrini, “Embora não se refira aos termos fonte e influência,

Schwarz vale-se dos conceitos de imitação e cópia que, tanto quanto os anteriores,

são abominados por críticos que se alinham na teoria desconstrutivista e por

comparatistas que renegam as tendências tradicionais da literatura comparada.”

(NITRINI, 1997, p.219).

Neste ensaio, Schwarz alega que as ideias desconstrutivistas servem

para alimentar o nosso ego, nosso amor próprio:

Tais idéias que fundamentam a possibilidade de passarmos de atrasados a adiantados, de desvio a paradigma, de inferiores a superiores serão muito bem recebidas e cultivadas nos países que vivem na humilhação da cópia explícita e inevitável porque estão mais preparados que a metrópole para abrir mão de origem primeira (ainda que a lebre tenha sido levantada lá e não aqui). (SCHWARZ apud NITRINI, 1997, p. 220).

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Podemos perceber pelo entrecho acima que Schwarz alega que as teorias

desconstrutivistas, embora criadas nos países metropolitanos, serão bem mais

aceitas nos países periféricos, porque para os países centrais é difícil abrir mão da

origem primeira. O crítico alerta que nossas produções literárias manifestam a

“diferença”, mas o discurso crítico continua dependente. O autor demonstra

inquietação diante da importação de modelos estrangeiros sem que se faça a devida

contextualização, nem uma reflexão aprofundada:

Duas atitudes contrárias ilustram o quadro do sentimento de inadequação cultural dos brasileiros: de um lado, a importação indiscriminada e sem motivação própria de tendências estrangeiras; de outro, a rejeição nacionalista de todo o imperialismo metropolitano. No primeiro caso, Roberto Schwarz mostra como diversas tendências da crítica literária internacional são importadas e se sucedem em ritmo acelerado, por exemplo, nos anos 60 e 70 deste século, sem que uma reflexão aprofundada justifique a troca de uma pela outra. (SCHARZ apud NITRINI, 1997, p.221).

Conforme assinala Sandra Nitrini:

‘Nacional por subtração’ se constrói com base na crítica a essas várias visões, mostrando sua ineficácia, uma vez que nenhuma delas trabalha, no entender do autor, com a questão principal: a estrutura social desuniforme do país, responsável pela segregação dos pobres, fazendo que a cultura se encontre sempre numa posição insustentável e contraditória. Em suma, para Schwarz, o problema da imitação vem articulando uma série de constrangimentos históricos ligados aos próprio desenvolvimento da história contemporânea da qual o Brasil faz parte. (NITRINI, 1997, p.224-225).

Portanto, para Schwarz, o tema definidor da cultura brasileira se desenvolve

em torno da dualidade nacional/estrangeiro, onde o nacional é sempre por

subtração. Isto é, tirando as ideias e modelos importados, sobra pouca coisa, mas o

que sobra é o nacional. Também Paulo Emílio Sales Gomes já havia exposto esse

problema com clareza: “Não somos europeus ou americanos do norte, mas,

destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa

construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e ser

o outro”. (GOMES, 1986, p. 88).

Conforme destaca Maria Elisa Cevasco (2003), um passo central para

o obra de Roberto Schwarz foi desatar esse nó da dualidade no debate sobre a

cultura nacional, em permanente oscilação entre um falso cosmopolitismo e um

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igualmente falso nacionalismo. Ele demonstra que o debate sobre o caráter imitativo

da cultura nacional é em si mesmo ideológico: o problema central nunca foi escolher

entre imitar o estrangeiro ou defender posições nacionalistas. Esse falso problema

dá notícia da distância entre as elites brasileiras e o resto do país, como atesta a

seguinte assertiva do crítico: “Por sua lógica, o argumento oculta o essencial, pois

concentra a crítica na relação entre elite e modelo, quando o ponto decisivo está na

segregação dos pobres, excluídos do universo da crítica contemporânea.

(SCHWARZ, 1987, p.47).

Além disso, conforme explicita Sandra Nitrini:

(...) Roberto Schwarz se insere na tradição crítica instaurada por Antônio Cândido. Ambos conferem importância à continuidade do trabalho intelectual. Para Roberto Schwarz, uma das falhas dos países subdesenvolvidos consiste no desinteresse pelo trabalho da geração anterior, fazendo que o antigo seja relegado e o presente não se articule com o passado, gerando todo um processo de descontinuidade, no qual o pensamento do país se perde na incerteza das novidades vindas do estrangeiro. (NITRINI, 1997, p.226).

Vemos, dessa forma, a posição crítica de alguns de nossos mais

importantes pensadores que são Antônio Cândido, Silviano Santiago, Haroldo de

Campos e Roberto Schwarz. Tais autores inserem-se no debate com

argumentações ora coincidentes, ora conflitantes. Entretanto, ambos demonstram

que “(...) a inadequação e o mal-estar na cultura brasileira causados pelo confronto

entre a recepção e a atualização dos empréstimos estrangeiros constituem,

inegavelmente, um dos pontos cruciais da problemática transcultural”. (SOUZA,

2002, p.52). Assim sendo, por suas pertinentes reflexões, o conhecimento dos

trabalhos de tais autores são imprescindíveis para qualquer crítico que ouse se

aventurar nas trilhas abertas pela Literatura Comparada.

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UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA

COMPARADA E OS ESTUDOS CULTURAIS

3.1. Literatura Comparada = Estudos Culturais?

No campo dos Estudos Literários, várias mudanças ocorreram a partir do

surgimento dos chamados “Estudos Culturais”, que fizeram com que estudar

Literatura passasse a ter um enfoque mais amplo e cultural, aliado ao interesse pela

pesquisa de temas ligados às minorias.

Segundo Yudice (1993), os Estudos culturais se originaram na

Inglaterra no final dos anos 50 e começo dos anos 60. Sua institucionalização

começou em um pequeno departamento de inglês em Birmingham com a criação do

Birmingham Center of Contemporany Cultural Studies. O motivo imediato da

fundação do centro foi a legitimação acadêmica de um ethos democratizador a

respeito das classes operárias na Inglaterra do pós-guerra que começou a sentir a

ruptura dos valores tradicionais e o impacto das novas formas de riqueza e

consumismo das hierarquias.

Os fundadores vieram, dessa forma, de uma tradição totalmente marginal a

dos centros da vida acadêmica inglesa. Eram professores em programas de

educação em centros para operários e procuraram reivindicar o valor dos operários

numa luta intelectual e cultural, deslocando o sentido de cultura da sua tradição

relacionada às elites para as práticas cotidianas. Assim sendo, o conceito de cultura

ganhou um tom antropológico, deixando de ser posse de uma elite restrita para ser

encarada como um modo de vida.

Raymond Willhiams é um dos fundadores dos Estudos Culturais. Seu projeto

privilegia a inter-relação entre os fenômenos culturais e socioeconômicos e o ímpeto

da luta como agente transformador. Sob esse prisma, a crítica se sobrepõe a

criação.

Embora tenham diferentes pontos de vista políticos, os fundadores dos

Estudos Culturais formulam um discurso de crítica à nova sociedade industrial.

Conforme foi dito anteriormente, eles se caracterizam por serem pensadores vindos

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das classes operárias e que têm como objeto de estudo as manifestações culturais

que a elite rotula como cultura popular.

Raymond Williams argumenta que a cultura era posse de uma minoria,

portanto se fazia necessário difundi-la por meio da educação. Williams vê a cultura

como algo que pertence a todos, cuja tarefa é a criação de significados e valores,

como é o caso da linguagem. Ele não despreza o cânone, mas acredita que a

cultura é muito mais abrangente. Então, afirma que é preciso se apropriar da

herança da elite através dos meios de produção cultural. Williams distingue ainda

cultura da classe trabalhadora da cultura popular (jornais, revistas, entretenimento,

etc), sendo que aponta esta última como tipicamente capitalista. Podemos dizer que

sua maior contribuição para o debate cultural advém da sua percepção materialista

de cultura, que vê os bens materiais como resultados da posse dos meios de

produção.

Os Estudos Culturais surgiram, portanto, como uma reação aos

problemas e bloqueios da disciplina do inglês, sendo que os fundadores do centro

passaram a estudar a resistência de determinadas classes pela leitura de seus

textos, ou seja, “escutando suas vozes”. Segundo Cevasco (2003), muitos creditam

o surgimento dos Estudos Culturais à atuação dos professores da Workers

Educational Association (WEA) que passaram a ensinar para trabalhadores arte e

literatura relacionando-as à história e a sociedade contemporânea, ostentando uma

intervenção política.

A WEA acreditava que uma nova sociedade só poderia ser criada de

baixo para cima, com a troca de ideias entre trabalhadores e intelectuais.

Privilegiava o experimentalismo, a interdisciplinaridade e o envolvimento político.

A revolução social dos anos 60 posteriormente cede lugar a um

endurecimento de relações entre as diferentes classes sociais e a diminuição da

resistência de instituições como as universidades. A política da Guerra Fria, por

temer o comunismo, passou a reprimir os movimentos operários. Assim, a WEA

perdeu a sua significação política e muitos dos seus professores acabaram sendo

absorvidos pelas universidades, o que levou a que os Estudos Culturais fossem

institucionalizados como disciplina universitária.

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Para seus opositores, os Estudos Culturais vieram para “destruir” o

valor da literatura, excluindo a dita Alta Literatura. Já seus defensores alegam que

eles apenas deselitizam a cultura, antes restrita a uma minoria, e celebram o

popular, apoiados em um antiintelectualismo de longa tradição na Inglaterra.

Para Raymond Williams a cultura em comum é aquela continuamente

redefinida pela prática de todos os seus membros e não uma na qual a que tem

valor cultural é aquela produzida por poucos e vivida passivamente pela maioria. Os

Estudos Culturais remetem, dessa forma, a uma noção inseparável entre cultura e

mudança radical. Williams condena ainda a separação ente cultura alta e popular,

pois acredita que uma complementa a outra.

Esse interesse pela cultura geral, e não apenas pela alta cultura,

expandiu o campo dos Estudos Literários e potencializaram o aspecto do

conhecimento social da crítica cultural. Também podemos destacar como ponto

positivo travado na relação estabelecida entre estudos culturais e literários a forma

como o materialismo cultural estuda a literatura.

De acordo com esse método, o conceito de literatura varia de acordo com o

tempo e com as condições de produção. O materialismo não considera os produtos

da cultura como “objetos”, mas sim como práticas sociais. Seu objetivo é desvendar

as condições dessa prática e não meramente elucidar os componentes de uma obra.

Ao fazer análise literária, os Estudos Culturais vão indagar as condições de

possibilidades históricas e sociais dessas obras que as fizeram serem concebidas

como literatura.

Podemos ainda afirmar que o momento presente é de expansão da

disciplina, sendo que atualmente é nos Estados Unidos, centro do novo império

mundial, que acontece uma enorme explosão dos Estudos Culturais.

No que concerne ao Brasil, podemos dizer que assim como em muitos outros

países, ele teve formas de Estudos Culturais antes de a disciplina se transformar em

grife acadêmica. Mas, a data oficial de seu reconhecimento institucional no país é

1998, ano em que a Abralic escolheu como tema “Literatura Comparada = Estudos

Culturais?”.

Assim como na Literatura Comparada, uma característica

preponderante da nova disciplina é a abordagem diversificada e multidisciplinar.

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Contudo, os estudiosos que fazem Estudos Culturais se interessam por uma forma

de ler oposta àquela de uma Literatura absoluta, eterna e atemporal, distante do

social. Portanto, a noção de cultura é deslocada, deixando de ser um termo

associado a produções da elite para se tornar um termo abrangente, que abarca as

produções dos diferentes agentes sociais. Como desilitizar é desmistificar, os

Estudos Culturais provocam uma desauratização em torno do objeto literário,

procurando levar as discussões às classes excluídas para que estas se tornem

agentes ativos da sua prática social. Ou seja, a inclusão social passa a ser também

cultural.

Do mesmo modo, o cânone torna-se mais flexível, abrindo-se para as

literaturas marginais. Os textos são vistos como práticas discursivas, dentre outras.

Noções como a de imitação, cópia, perdem o sentido depreciativo, pois o segundo

texto passa a ser encarado como revitalizador do primeiro.

De acordo com esse ponto de vista, o valor da literatura brasileira, por

exemplo, assim como o de outras literaturas latino-americanas estaria em como elas

se apropriam das formas europeias.

Todavia, a chegada dos Estudos Culturais provocou uma cisão no meio

acadêmico entre aqueles que defendem os Estudos Literários e os partidários dos

Estudos Culturais. Os representantes dos primeiros mostram-se inconformados com

a perigosa diluição do objeto de análise e a presumida ausência de rigor teórico e

sistematização metodológica. Essa situação teria sido motivada pelas teorias da

multiplicidade, da desconstrução, da descontinuidade pós-estruturalista de Deleuze,

Derrida, Focault. Mais a grande vilã da história se concentra na figura informe da

interdisciplinaridade, praticada, segundo seus detratores, sem a observância de leis

ou de controle.

Luís Costa Lima (LIMA, 1997), por exemplo, advoga a favor de um resgate da

prática teórica como forma de controle do “armazém de secos e molhados” que se

tornou a prática interdisciplinar. Também entre os defensores dos Estudos Literários,

podemos apontar, dentre outros, a crítica Leyla Perrone-Moisés.

Autora de Altas Literaturas (PERRONE-MOISÈS,1998), Leyla Perrone afirma

que o amor pela literatura está em declínio, justamente entre aqueles que seriam

supostamente seus estudiosos e divulgadores, os professores universitários. Em seu

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livro, ela traça um panorama do desinteresse pela literatura, que cada vez mais cede

lugar aos departamentos de Estudos Culturais nas universidades. Nestes, segundo

a autora, a literatura importa menos por suas qualidades do que por ser expressão

de uma determinada minoria sexual, étnica, etc (literatura feminista, gay, afro-

americana, etc). Ela critica a diluição das fronteiras e afirma que é preciso ter critério

ao se fazer comparações. O cânone representa, dessa forma, um juízo reflexivo que

é necessário, como podemos observar pelas seguintes palavras da autora:

O “cânone ocidental” é um patrimônio nosso, europeu e americano; pertence à nossa memória histórica; e, segundo os princípios iluministas ocidentais, é um patrimônio cultural da humanidade. Em nome de velhos rancores coloniais e de recentes libertações sexuais, não devemos jogá-lo fora, negando às novas gerações o direito de conhecê-lo e a liberdade de avaliá-lo. Valorizar o cânone ocidental não é fechá-lo; é apenas não o esquecer nem censurar, sob o pretexto de que não gostamos de nossa história passada, logocêntrica, machista, colonialista, etc. (PERRONE-MOISÈS, 1998, p. 202).

A autora afirma ainda que os mais fortes inimigos do cânone ocidental e do

que ele representa não são os universitários culturalistas, mas sim a lógica

mercadológica que impera na sociedade contemporânea. Ou seja, escreve-se tendo

em mente a passagem direta para veículos de comunicação de massa. Segundo

Leyla, o problema é que a cultura de massa tornou-se industrial em escala planetária

e, como tal, fornecedora de produtos padronizados segundo uma demanda de

produtos de baixa qualidade estética, que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz:

Enquanto, nos Campi universitários, os teóricos acadêmicos modernos discutem com os acadêmicos pós-modernos, os literários com os culturalistas, os machistas com as feministas, o vale-tudo ideológico e estético prospera e aufere lucros, indiferente a qualquer teorização ou crítica”. (PERRONE-MOISÈS,1998, p.203).

Portanto, a autora não quer um cânone rígido, mas assegura que é preciso

preservar esse patrimônio cultural e histórico, pois não podemos entrar numa

espécie de vale-tudo. Assim sendo, ela conclui que:

(...) a desconstrução, quando bem entendida, deve ser permanentemente recomeçada. Propostas como a da morte do autor (Focault), do descentramento (Derrida), da escritura (Barthes, Sollers) tiveram efeitos

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positivos. Elas puseram em xeque as autoridades opressoras, abriram caminho para novas formas de escrita, para as literaturas emergentes e não-canônicas. Mas essas propostas, mal compreendidas ou aplicadas de modo literal, tiveram efeitos perversos na criação, na crítica e nos ensinos literários: foram assimiladas como criatividade espontânea, como dispensa de qualquer competência ou formação, como irresponsabilidade autoral, como desprezo pela tradição e pela alta cultura, como valorização ideológica automática de qualquer produto “marginal”. Além disso, a generalização anônima do texto, a indiferenciação dos gêneros e a abolição dos critérios estéticos foram postos a serviço da informática e da industrialização cultural, que oferecem ao consumidor produtos transnacionais padronizados, uma espécie de “moda mix” na cultura e nas artes. Será que, ao efetuarmos a liquidação sumária da estética, do cânone e da crítica literária, não jogamos fora, como a água do banho, uma criança que se chamava literatura? (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 214).

Por sua vez, os Estudos Culturas são praticados, dentre outras universidades

do país, na Universidade Federal de Minas Gerais. Assim, entre os seus defensores,

podemos apontar a professora e crítica literária Eneida Maria de Souza. Assim, ao

tratar a respeito da importação de teorias estrangeiras, a autora dialoga com

Roberto Schwarz se posicionando contrariamente ao crítico, como podemos

perceber pelo seguinte entrecho:

O olhar unívoco em direção a uma determinada tradição carece de malícia; a visão excludente de tradições teóricas revitaliza a já gasta polêmica das “idéias fora do lugar”. Na ausência deliberada de um porto seguro para as idéias, o importante é enfatizar o descentramento de lugares de origem, supostamente produtores de saber. De maneira curiosa, o verbo comparar vai sofrendo, ao longo do tempo, modificações que tendem a abalar as posições universalistas-principalmente ditadas pela cultura européia – e das limitações de ordem nacionalista – ligadas a um pensamento redutor. (SOUZA, 2002, p.43).

Eneida propõe que haja um intercâmbio entre a literatura com outras

tradições e fontes de saber. Ou seja, não se deve passar de um extremo a outro.

Assim, a literatura aparece como tendo um lugar de destaque, mas não tendo um

lugar hegemônico sobre os estudos culturais. Por isso Eneida fala de o “não-lugar da

literatura”, enfatizando, dessa maneira, o caráter nômade e processual do saber:

Infelizmente, torna-se tarefa impossível conservar, na atualidade, posições radicais contra os desmandos da teoria e o descontrole dos paradigmas de referência. O mundo mudou, nos últimos dez anos, de forma assustadora (para o bem e para o mal), e porque motivo as concepções artísticas, teóricas e políticas não deveriam trocar o caminho tranquilizador do reconhecimento pelo do saber sempre em processo? Enfrentar esse desafio é uma das formas de continuar a mover o debate teórico, para que este não se transforme em consenso de grupos ou na apatia acadêmica, provocada

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por um certo tipo de mal-estar, que não incita a curiosidade, mas, ao contrário, alimenta o conservadorismo. (SOUZA, 2002, p. 78).

A autora acredita em um saber processual, fragmentário e

nômade. Portanto, que carece de ser construído e reformulado constantemente. Por

isso, é fundamental o exercício crítico, uma vez que este proporciona a

movimentação do debate teórico. Eneida considera prejudicial o consenso de grupos

e pontua que o “mal estar” propagado por aqueles que se posicionam contra a

importação de teorias só levam a uma crescente apatia e ao conservadorismo. Mais

uma vez ela contesta Roberto Schwarz como podemos observar pela assertiva: “A

aceitação da sina de país periférico e a resistência que impulsiona a busca da

diferença e das inserções residuais de nossa cultura frente às demais colocam em

xeque o preconceito de estarem as idéias fora do lugar de origem.” (SOUZA, 2002,

p.108).

Por fim, achamos prudente salientar algumas críticas que são feitas aos

Estudos Culturais. A principal delas reside no fato de a retórica continuar sendo

muito sofisticada, haja vista que quem fazia estudos literários foi quem passou a

fazer estudos culturais. Assim sendo, corre-se o risco de ocorrer a manutenção do

status quo, já que se teoriza sobre as minorias, mas estas muitas vezes não só não

depreendem como também não participam da teorização.

Além disso, conforme já foi dito anteriormente, embora as minorias sejam

valorizadas pelos novos discursos críticos, elas tendem a serem absorvidas pelo

mercado, tornando-se apenas mais um entre os produtos standartizados. Por

exemplo, parece que atualmente virou “moda” estudar as literaturas marginalizadas.

O problema disso é quando tais estudos trazem meras análises superficiais, sem

que consigam engendrar uma visão profícua em torno nas novas negociações

identitárias que se faz necessária em tempos pós-modernos, marcados pela

globalização e pela transnacionalização do capital.

Logo, faz-se necessário uma reflexão profunda sobre todas essas questões

para que se fomente um debate que seja realmente crítico, alheio aos modismos e a

importação indiscriminada dos estrangeirismos.

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3.2. O lócus de enunciação da América Latina

A implantação dos estudos culturais no Brasil e na América latina foi feita a

fim de se juntar a uma concepção teórica fluente que vinha se desenvolvendo na

academia em diversos lugares do mundo, e assim, procurou-se adicionar as nossas

peculiaridades latino-americanas ao coro pluralista que tenta mapear um lugar de

onde se possa falar em um mundo globalizado.

Nesse sentido, insere-se o ensaio de Ricardo Piglia, escritor e crítico

argentino, “Una propuesta para el nuevo milênio” (PIGLIA, 2001), no qual elege o

“deslocamento” como uma qualidade para a literatura do próximo milênio. Piglia

completa as propostas que Ítalo Calvino, escritor italiano, havia elencado para a

literatura do futuro: visibilidade, leveza, rapidez, exatidão e multiplicidade. A sexta

proposta, Calvino não escreveu. Então, Piglia acrescenta o deslocamento, o que

significa “Sair do centro, deixar que a linguagem fale também da borda, no que ouve,

no que chega de outro”. (PIGLIA, 2001).1 É interessante que Piglia está deslocando

o próprio debate, de Harvard, lócus de enunciação de Calvino, para a periferia,

Buenos Aires:

Como nós poderíamos considerar esse problema a partir da Hispanoamérica, a partir da Argentina, a partir de Buenos Aires, a partir de um subúrbio do mundo? Como nós veríamos o problema do futuro da literatura e sua função? Não como alguém que o vê de um país central com uma grande tradição cultural. Nós colocamos esse problema a partir da margem, a partir das bordas das tradições centrais, mirando “al sesgo”. E este mirar “al sesgo” nos dá uma percepção, quiçá, diferente, específica. (PIGLIA, 2001).2

Piglia procura mostrar as vantagens concernentes à posição do intelectual

periférico, pois o intelectual do centro só conhece o centro, mas o intelectual

periférico circula tanto pelo centro quanto pela periferia. Por isso, seu olhar é

diferente. Ele mira “al sesgo”, ou seja, olha de viés, de soslaio.

1 Texto original: Salir del centro, dejar que el lenguaje hable también en el borde, en lo que oye, en lo

que llega de otro. 2 Texto original: ¿Cómo podríamos nosotros considerar ese problema desde Hispanoamérica, desde

la Argentina, desde Buenos Aires, desde un suburbio del mundo? ¿Cómo veríamos nosotros, el problema del futuro de la literatura y su función? No cómo lo ve alguien en un país central con una gran tradición cultural. Nos planteamos entonces ese problema desde el margen, desde el borde de las tradiciones centrales, mirando al sesgo. Y este mirar al sesgo nos da una percepción, quizás, diferente, específica.

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Uma vez dotado desse olhar levemente marginal, o intelectual cede espaço a

outras vozes. Vozes nativas recalcadas, vozes desarmoniosas e contraditórias. Ele

se abre a novas possibilidades de construção da linguagem, permitindo que a fala

que vem do outro o ajude a narrar, sobretudo nos momentos de horror e violência,

quando as palavras parecem atingir um limite ao qual não parece ser possível

transgredir:

Há um ponto extremo, um lugar – digamos – ao qual parece impossível aproximar-se com a linguagem. Como se a linguagem tivesse uma borda, como se a linguagem fosse um território com uma fronteira, depois de qual está o silêncio. Como narrar o horror? Como transmitir a experiência do horror e não só informar sobre ele? (PIGLIA, 2001). 3

O distanciamento é, então, necessário, segundo Piglia, porque a narração

direta não alcança a abrangência do dilaceramento que experiências tais como o

horror e a violência imprimem no sujeito. Por isso, é preciso chamar o outro à fala,

para que ele as possa transmitir de forma vívida e convincente. Isto é, a fala do outro

ajuda a contar sobre aquilo que a linguagem própria, na sua precariedade, não é

suficiente para expressar. Piglia requer, dessa maneira, o deslocamento da

observação direta para reivindicar uma visão mediada por outro. E assim, por meio

dessa outra voz que emerge na narrativa, novas imagens, que contrapõem e

contestam as ficções oficiais, podem ser formuladas.

Ricardo Piglia está, dessa maneira, discutindo o lugar do intelectual

contemporâneo, que já não se enclausura no centro hegemônico, mas que caminha

em direção às margens, produzindo uma enunciação diferenciada, que articula

espaços e culturas diversas, sem perder, no entanto, a sua função crítica e

questionadora do discurso hegemônico.

Walter Mignolo (MIGNOLO, 2003) por sua vez fala de “descolonização

intelectual”. Segundo o autor, o projeto colonial, atrelado ao ocidentalismo, foi

responsável pela subalternização de diversas formas de conhecimento como, por

exemplo, as cosmologias dos ameríndios, suas memórias e tradições. No entanto,

segundo o autor, atualmente os lugares que foram considerados margens dos

3 Texto original: Hay un punto extremo, un lugar-digamos- al que parece imposible acercarse con el

lenguaje. Como si el lenguaje tuviera un borde, como si el lenguaje fuera un territorio con una frontera, después de cual esta el silencio. ¿Cómo narrar el horror? ¿Cómo transmitir la experiencia del horror y no solo informar sobre él?

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impérios coloniais estão reivindicando a sua condição de centros alternativos de

enunciação e têm colaborado para “dessubalternizar saberes e expandir o horizonte

do conhecimento além da academia e além da concepção ocidental de

conhecimento e racionalidade”. (MIGNOLO, 2003, p.29).

E ainda, Mignolo acresecenta: “Margens, ao contrário de ‘fronteiras’, não são

mais as linhas onde se encontram e dividem a civilização e a barbárie, mas o local

onde uma nova consciência, uma gnose liminar, emerge da repressão acarretada

pela missão civilizadora.” (MIGNOLO, 2003, p.404). Essa nova consciência a que

Mignolo chama de “dupla” produz um pensamento liminar, isto é, que se insere nas

bordas do pensamento hegemônico, sem pretensões totalizantes e que traz à tona

saberes subalternizados como, por exemplo, a cosmovisão das populações nativas

das Américas. O pensamento liminar propiciaria, dessa forma, a “descolonização

intelectual” (MIGNOLO, 2003, p.76), já que possibilitaria um desentrelaçamento da

rede de conceitos e preconceitos que a colonização europeia levou aos povos

americanos.

Do mesmo modo que a Europa levou várias técnicas e invenções aos povos presos em sua rede de dominação... ela também os familiarizou com seu equipamento de conceitos, preconceitos e idiossincrasias, referentes simultaneamente à própria Europa e aos povos coloniais. Os colonizados, privados de sua riqueza e do fruto de seu trabalho sob a dominação colonial, sofreram, ademais, a degradação de assumir como sua a imagem que era um simples reflexo da cosmovisão européia, que considerava os povos coloniais racialmente inferiores porque eram negros, ameríndios ou ‘mestizos’. (RIBEIRO apud MIGNOLO, 2003, p. 36).

Quando temos em mente uma nova possibilidade de enunciação teórica e

crítica, estamos também considerando a prática literária. Nesse sentido, Mignolo

acrescenta que a sua discussão visa criar, através do pensamento liminar:

Um arcabouço no qual a prática literária não seja concebida como objeto de estudo (estético, lingüístico ou sociológico), mas como produção de conhecimento teórico; não como representação de algo, sociedade ou idéias, mas como reflexão à sua própria moda sobre problemas de interesse humano e histórico. (MIGNOLO, 2003, p. 305).

A literatura deixa de ser mero objeto de estudo e passa ser um lugar de

produção teórica, que problematiza de maneira peculiar as questões que têm

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aguçado o pensamento intelectual contemporâneo. Na prática literária estão

presentes os conflitos que o intelectual atravessa ao se inserir em meio a uma

cultura diversificada e ter que escolher uma língua na qual possa se expressar. E

ainda, na tessitura textual podem se encontrar entrelaçadas múltiplas cosmovisões,

que não raro se chocam, além de constituir um lugar propício para irrupção da fala

do subalterno que contribui para uma revisão da História e desmistificação das

ficções oficiais engendradas pelo Poder.

Nesse sentido, também Stuart Hall, em Da Diáspora – Identidades e

mediações culturais, discorre sobre a colonização europeia no Caribe, apontando

para a questão da violência promulgada pelo projeto colonizador que devastou as

populações nativas do continente. Hall afirma que os povos que sofreram esse tipo

de interferência não são vazios, mas foram esvaziados por meio de rupturas

violentas e abruptas. Nas palavras de Hall:

Nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. Suas origens não são únicas, mas diversas. Aqueles aos quais originalmente a terra pertencia, em geral, pereceram há muito tempo – dizimados pelo trabalho pesado e pela doença. A terra não pode ser sagrada, pois foi violada – não vazia, mas esvaziada. Todos que aqui estão pertenciam originalmente a outro lugar. Longe de constituir uma continuidade com os nossos passados, nossa relação com a história está marcada pelas rupturas mais aterradoras, violentas e abruptas. (HALL, 2003, p.30).

Tais comentários de Hall sobre o Caribe podem ser aplicados ao território

latino-americano em geral, pois também se encontra inserido nessa história de

violência promovida pela colonização europeia. Hall comenta sobre a pluralidade da

nossa origem, já que o nosso território foi invadido e, ademais, recebeu levas de

imigrantes ao longo do tempo. Podemos falar de um espaço-palimpsesto, em que

estão superpostas diferentes civilizações e distintas tradições culturais. Segundo

Gérard Genette “Um palimpseto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada

para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por

transparência, o antigo sob o novo.” (GENETTE, 2005, p.5). A civilização antiga,

nativa do território americano, embora tenha sofrido atos de violência, no qual se

intentou apagar suas memórias e tradições, sobreviveu de forma marginal tal qual a

primeira inscrição traçada no pergaminho.

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Essa tradição silenciada hoje se irrompe não como um objeto de estudo, mas

como um lugar de enunciação a partir do qual promulga-se um questionamento do

discurso ocidental hegemônico. Nesse sentido, Roberto Fernández Retamar, a partir

do lócus caribenho, fala da sedução de Caliban:

Nosso símbolo não é, pois, Ariel... mas sim Caliban. Isso é algo que nós, os habitantes mestizos destas ilhas onde morou Caliban, vemos com especial clareza: Próspero invadiu as ilhas, matou nossos antepassados, escravizou Caliban, e ensinou-lhe sua língua para se fazer compreender. Que mais poderia Caliban fazer se não usar essa mesma língua-hoje ele não tem outra-para amaldiçoá-lo, para desejar que a “peste vermelha” caísse sobre ele? Não conheço outra metáfora mais expressiva de nossa situação cultural, nossa realidade...Que é nossa história, se não a história e cultura de Caliban? (RETAMAR apud MIGNOLO, 2003, p. 213).

Aprendemos a língua do europeu e a usamos para desestruturá-la.

Manchamos a pureza dessa língua e introduzimos um discurso mais nuançado, que

permite movimento, mobilidade, fluidez, sem perder, contudo, a sua força.

Ana Pizarro, estudiosa chilena latino-americanista, também comenta que o

nosso discurso tradicional se apresenta fraturado devido às sucessivas rupturas que

sofreu. Então, ela argumenta:

(...) constituímos culturas que, cindidas por uma parte e tensionadas por imposições externas por outra, vão transformando seu desgarramento em vibração estética, consolidando em beleza sua irresolução, experimentando deste modo com dor o parto de si mesmas. (PIZARRO, 2005, p.129). 4

Embora constituímos culturas que vivem e sobrevivem na tensão, que

possuem uma fratura advinda da violência colonizadora, temos feito da irresolução e

da precariedade pontos de vibração estética. Ao desmontarmos os conceitos de

pureza temos imprimido as nossas marcas na cultura ocidental. Nossa experiência

passa sim pela dor, mas essa dor é capaz de gerar um fruto novo.

Ao refletir sobre a mistura cultural latino-americana e sobre a violação na

nossa origem que faz com que nossas tradições tenham que ser constantemente

repensadas e reiventadas, M. A. Pereira assinala:

4 Texto original: “(...) constituimos culturas que, escindidas por una parte y tensionadas por

imposiciones externas por otra, van transformando su desgarramiento en vibración estética, consolidando en belleza su irresolución, experimentado de este modo con dolor el parto de sí mesmas”. (PIZARRO, 2005, p.129).

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Se não podemos escapar da cultura européia, pois foi ela que nos constituiu como nação de uma modernidade que chegou nas caravelas, também não podemos escapar da mãe negra e índia. Mas certamente podemos ressignificar esse passado e enfrentar o resultado de uma violência histórica da qual não temos culpa, mas que nos persegue e acabrunha nesses 500 anos de existência (PEREIRA, 2002).

Encarar serenamente que fazemos parte da cultura europeia, sem esquecer

nossa porção indígena, negra, árabe, talvez seja uma premissa para os intelectuais

da contemporaneidade. E assim, o ato de se debruçar sobre o passado de dor e

violência, o relendo e atribuindo novas significações, assume o caráter de uma

potencial resistência perante novas tentativas de apagamento da memória

tradicional indígena ou africana, além de propiciar a insurreição de saberes que

outrora foram subalternizados, bem como o reflorescimento de tradições recalcadas.

Cumpre destacar, por conseguinte, o ensaio “Necessidade e solidariedade

nos Estudos de Literatura Comparada” de Benjamin Abdala Junior (ABDALA JR,

2003), no qual o crítico discorre sob as novas perspectivas para os estudos em

literatura comparada na América Latina e nos países Ibero-americanos. Em primeiro

lugar, Abdala pontua que a mestiçagem à maneira latino-americana envolve as

culturas ameríndias, africanas e europeias, o que nos traz o estatuto da

“crioulidade”. Essa mestiçagem essencial não é sintética, mas sim uma forma plural

de nos imaginarmos como repertório de várias culturas.

O autor assinala ainda que também Portugal e Espanha são povos marcados

pelo hibridismo cultural de suas ex-colônias. Portanto, a “crioulidade” é um laço

comum que nos une. Assim, poderíamos pensar em um marcro-sistema, formado

pela comunidade cultural ibero-afro-americana.

Para tecer suas reflexões, Abdala se vale da peça “A Tempestade” de William

Shakespeare, especialmente da imagem de “Próspero” como representante do

colonizador europeu e de “Caliban” como uma figura positiva, signo do colonizado

capaz de subverter a cultura do colonizador. Então, afirma que não há motivos para

que a nossa comunidade Ibero-afro-americana se projete como imagem de

Próspero, negando, dessa maneira, a nossa condição mestiça. Pelo contrário, a

nossa perspectiva deve ser a de Calibã, isto é, a do colonizado capaz de “morder” a

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cultura ocidental e europeia de Próspero e afirmar por meio desse ato as nossas

raízes ameríndias e africanas.

Essa perspectiva descentrada remete a uma teoria literária descolonizada.

Assim, a literatura comparada emerge a partir de um conceito muito mais amplo que

o geográfico, pautando-se pelo sociocultural, como podemos observar pela seguinte

assertiva do autor:

Esse descentramento solicita uma teoria literária descolonizada, com critérios próprios de valor. Em termos de literatura comparada, o mesmo impulso nos leva a enfatizar estudos pelos paralelos – um conceito mais amplo que o geográfico e que envolve simetrias socioculturais. Assim, os países ibéricos situam-se em paralelo equivalente ao de suas ex-colônias. Em lugar de um comparativismo da necessidade que vem da circulação norte/sul, vamos promover, pois, o comparativismo da solidariedade, buscando o que existe de próprio e de comum em nossas culturas. (ABDALA JUNIOR, 2003, p.67).

Por “comparativismo da solidariedade”, podemos depreender que o autor

assegura a necessidade de se firmarem laços fraternos entre as comunidades

culturais, não laços caracterizados pela competição e pela dependência. Assim, o

comparativismo solidário irá permitir uma circulação mais intensa de nossos

repertórios culturais. O autor afirma ainda que é a nossa identidade crioula que nos

permite sonhar com tal comunidade Ibero-afro-americana:

(...) entendemos que o momento solicita a marcação de nosso solo crioulo com a universalidade de sua maneira de ser. Essa mesma maneira de ser, aberta, sem xenofobismo, convida os outros, ao norte do Equador, a descobrirem o que em nós existe como marcas de suas identidades – uma identidade historicamente também modelada a partir desses centros. Enfatizamos nosso descentramento de perspectivas – descentramento equivalente ao reivindicado pelos grupos de resistência à estandartização dos países periféricos – convidando-os também a se imaginarem, de forma equivalente, dentro da universalidade crioula – uma universalidade que se faz para a frente, enlaçando carências, mais do que por referência exclusiva ao passado. (ABDALA JUNIOR, 2003, p.76).

Podemos observar pelas palavras do autor que as novas alianças culturais,

pautadas na solidariedade, têm como marcas a universalidade de ser, pois são

abertas às diferenças, não se deixando levar pelos xenofobismos ao mesmo tempo

em que se projetam para o futuro.

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Vemos, dessa forma, que os estudos críticos em literatura comparada

buscam refletir sobre questões tais como dependência cultural, importação de

teorias estrangeiras, descolonização intelectual. Ao traçarem aproximações entre os

múltiplos textos, os críticos procuram observar como os escritores brasileiros se

posicionam dentro do debate contemporâneo, a partir de um lócus de enunciação

marginal: a América Latina. Assim, procuram analisar como é estabelecido o diálogo

entre as obras brasileiras e as obras das metrópoles. Então, valendo-se da metáfora

antropofágica, eles observam se as nossas obras mordem, devoram os textos

alheios. Vale lembrar que a “devoração antropofágica” compreende etapas que

envolvem as ações de experimentar, degustar, absorver, e, posteriormente,

selecionar, devolver, inovar. Portanto, a atitude proposta pelos críticos

contemporâneos, dentro da ótica das teorias desconstrucionistas, é que a

apropriação de textos alheios deve envolver um processo ativo, no qual o sujeito age

sobre, fala contra e modifica os dados recebidos.

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UNIDADE 4 – LITERATURA COMPARADA E

INTERDISCIPLINARIDADE

4.1. As novas perspectivas da crítica contemporânea

O dialogismo, a intertextualidade, a estética da recepção, a crítica genética

têm reorientado os estudos de literatura comparada. A crítica contemporânea

desvencilha-se da obsessão exclusiva com o “texto” no seu sentido estrito, voltando-

se também para os seus “arredores”, trazendo à frente da cena os rascunhos, as

anotações, as sublinhas, a correspondência do autor, as fotos, enfim, a marginalia.

Ou seja, os arredores que acontecem à margem do texto, hoje avultam em

importância como determinantes da produção da escrita e da interpretação de seus

significados.

Além do mais, o conceito hoje amplificado de texto envolve a noção de que

toda escrita é leitura e vice-versa. Tal prática questiona o sentido primacial em

fontes primárias como raízes exclusivas de aplicação do texto: a velha discussão de

quem vem primeiro já não cabe mais. A marca do olhar do crítico estudioso da

marginália é o descentramento:

Optar por escrever a partir da margem é desterritorializar a significação: a margem ganharia o poder de gerar uma significação, de produzir uma nova paisagem. Nessa perspectiva, o jogo das linhas com as entrelinhas obriga à opção por uma prática de linguagem centrada na origem ponto relacional. Nesse sentido, olhar não só o passado conserva o seu poder de iluminar o presente, mas exige ser reescrito/ reelido. (CURY, 2000, p.166).

A fim de enfatizar o olhar descentrado do crítico contemporâneo e o processo

de releitura que ele faz da tradição, Ricardo Piglia escreve o texto “Memoria y

tradición”. Neste ensaio, Piglia coloca em debate a complexidade da relação

estabelecida pelo intelectual com a tradição. O escritor e crítico argentino ressalta

que “Para um escritor a memória é a tradição”. (PIGLIA, 1991, p. 60).5 Isto é, o que

constitui a tradição do escritor é a sua memória permeada de citações, leituras

anteriores, que são apreendidas pelo escritor e tomam forma de memória pessoal.

5 Texto original: “Para un escritor la memoria es la tradición”.

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Piglia descarta, dessa forma, o tradicional vínculo entre inspiração e escrita e

concebe o ato criador como entrecruzamento de textos. Por isso, ele argumenta que

“Em literatura, os roubos são como as recordações: nunca de todo deliberados,

nunca demasiado inocentes”. (PIGLIA, 1991, p. 60).6

Uma vez que os textos estão em constante diálogo, o ato de escrever se

relaciona, portanto, ao da apropriação. Contudo, as apropriações feitas por um

determinado autor não são totalmente deliberadas e nem totalmente inocentes, pois

ao lidar com a memória, o escritor é assaltado também pelo esquecimento e, sendo

assim, os fragmentos de outras escrituras podem voltar como “(...) recordações

pessoais. Com mais nitidez às vezes, que as recordações vividas”. (PIGLIA, 1991, p.

60).7

Se na própria ideia de memória cabe a ideia de arquivamento, podemos dizer

que a tradição do escritor é formada por arquivos de experiência vivida e de

experiência de leituras, compreendendo também os desvãos, os esquecimentos,

enfim, as falências da memória. Logo, uma memória pessoal, assim construída e

compartilhada, para Piglia, tomaria a forma de sonho, de restos perdidos que

reaparecem, tendo, por conseguinte, um efeito de memória falsa.

Nesse sentido também, Jorge Luis Borges, no famoso texto “O escritor

argentino e a tradição” (BORGES, 1953), argumenta que o escritor não deve se

limitar a uns poucos temas nacionalistas, mas deve estar ciente de que o seu

“patrimônio é o universo”, podendo lançar mão do que melhor lhe aprouver. Borges,

ao pensar, sobretudo, na interação promovida pelos escritores latino-americanos

entre a cultura nativa e a europeia, acrescenta que eles podem tirar consequências

afortunadas dessa condição, pois “(...) agir dentro de uma cultura, e, ao mesmo

tempo, não se sentir ligado a ela por uma devoção especial, torna mais fácil à

inovação.” (BORGES, 1953, p. 288). Logo, um certo distanciamento permite uma

maior ‘irreverência’ no trato com a tradição.

Portanto, o escritor deve ser, sobretudo, um leitor, ou seja, deve conhecer a

tradição, para melhor combatê-la. Podemos dizer, portanto, que a atitude dos 6 Texto original: “En literatura los robos son como recuerdos: nunca de todo deliberados,

nunca demasiado inocentes”. 7 Texto original: “(...) recuerdos personales. Con más nitidez a veces, que los recuerdos vividos”.

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escritores é de agressão ao modelo, como postula Silviano Santiago em “O entre-

lugar do discurso latino-americano”:

O texto segundo se organiza a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto, e o leitor, transformado em autor, tenta surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com suas intenções (...) (SANTIAGO, 1978, p. 22).

Santiago compara o trabalho do escritor latino-americano com aquele

desempenhado pelo tradutor/traidor, que abdica da fidelidade ao original em prol de

uma tradução criativa. De acordo com essa perspectiva, a tradução não é vista

como mera cópia. Pelo contrário, é compreendida como a unidade capaz de

acrescentar novas leituras ao original, garantindo, dessa forma, a sua sobrevivência.

Essa concepção de tradução decorre do pensamento de Walter Benjamin

(BENJAMIN, 1992) que chama de “relação de vida” o tipo de ligação estabelecida

entre a obra original e a tradução. Ele salienta ainda que “na tradução o original

evolui, cresce, alçando-se a uma atmosfera por assim dizer mais elevada e mais

pura da língua (...)”. (BENJAMIN, 1992, p. 201). Logo, a tradução é despojada de

sua condição inferior para ser encarada em caráter de suplementariedade em

relação à obra original.

Por sua vez, Ricardo Piglia (1991) articula também o conceito de “má

tradução” para se referir à tradição argentina na qual, assim como em outros países

latino-americanos, os escritores mantêm simultaneamente um olho voltado para a

sua própria cultura e o outro voltado para a cultura da metrópole, constituindo a

famosa “mirada estrábica”. Nesse sentido, Piglia afirma que “A tradição argentina

tem a forma de uma tradução. De uma má tradução temos que dizer, uma tradução

falsa, que desvia e disfarça e finge que há uma só língua”. (PIGLIA, 1991, p. 62).8

Portanto, o papel do escritor latino-americano é comparado ao do tradutor, porém

não ao de um tradutor qualquer, mas daquele que assume a condição de traidor, isto

é, aquele que trai, que desvia o original e que, por conseguinte, o enriquece.

8 Texto Original: La tradición argentina tiene la forma de uma traducción. De una mala

traducción hay que decir, una traducción falsa, que desvia y disfraza y finge que hay una sola lengua.

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Sendo assim, não podemos dizer que a tradição é algo inerte e imutável. Pelo

contrário, ela é também mudança, sinônimo de um quadro dinâmico longamente

entretecido e desde sempre aberto à incorporação de elementos novos, que

alimentam o antigo e estabelecem a necessária ponte entre o velho e o novo.

O crítico argentino argumenta ainda que o intelectual se encontra na fronteira,

levado ou trazido a ela pela força, pois, por um lado, existe todo um arcabouço

tradicional anterior do qual ele não pode se alijar e, por outro, existe o inevitável

contato com a cultura estrangeira. Portanto, a relação do intelectual com a tradição

envolveria momentos de saída e de retorno inevitável, configurando o que Piglia

chama de “ex-tradição”. Em sintonia com a crítica contemporânea que não visa ao

fechamento dos conceitos, Ricardo Piglia deixa o conceito de ex-tradição em aberto.

Sendo assim, M.L.Scher retoma esse conceito errático de Piglia, expandindo o seu

sentido:

O sentido geral de “extradição” é o da deportação do estrangeiro, ele estando fora é forçado a voltar para seu país. Jogando com a separação do prefixo, Piglia reiventa o termo e amplia seu sentido para propor a idéia de que um escritor sempre trabalha com a ex-tradição: num sentido, trabalha com os rastros de uma tradição perdida, quase olvidada; em outro, com a obrigação de cruzar a fronteira, levado ou trazido a ela, sempre pela força. (...) O intelectual ou o escritor por formação asila-se na alta-cultura, na cidade letrada, mas como não pode jamais romper com a sua tradição, volta sempre à casa. De volta a ela, não pode mais alienar-se da sua formação letrada, e é com ela que transita no seu próprio espaço para reconhecê-lo, sendo para sempre então um ser deslocado, um estrangeiro nos dois lugares (SCHER, 2005, p. 248).

O intelectual retorna inevitavelmente à sua casa. Entendemos por “casa” uma

noção mais abrangente que envolve não só o espaço do aconchego do lar, bem

como o tempo da infância e as relações familiares, mas de um modo geral, toda uma

tradição da qual o intelectual parte e para a qual se vê compelido a voltar.

Podemos dizer, dessa forma, que o trato com a tradição, o deslocamento em

direção às margens, a busca por reinserir saberes e formas de pensamento outrora

subalternizados têm se constituído como condição para o intelectual

contemporâneo.

A relação projetada pelo intelectual com a tradição literária revela-nos o

caráter dialógico existente entre os textos, pois conforme pontua Paulino et al

(1997):

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As produções humanas, embora aparentemente desconexas, encontram-se em constante inter-relação. Na verdade, constrói-se uma grande rede, com o trabalho de indivíduos e grupos, onde os fios são formados pelos bens culturais. Se se considerar toda e qualquer produção humana como um texto a ser lido, reconstruído por nós, a sociedade pode ser vista como uma grande rede intertextual, em constante movimento. O espaço da cultura é, pois, intertextual. Essa idéia não implica harmonia como característica definidora da cultura mesmo porque não existe um, mas vários grupos culturais dentro de uma mesma sociedade. (PAULINO et al, 1997, p.12).

Assim sendo, os estudos em literatura comparada ganham destaque na

contemporaneidade, pois como vimos a Literatura Comparada é uma forma

específica de interrogar os textos literários na sua interação com outros textos

literários ou não, e outras formas de expressão cultural e artística. A área foi

redefinida e tornou-se mais abrangente, abarcando, por exemplo, outros códigos

culturais como, por exemplo, a pintura, a fotografia, o cinema.

Conforme já foi dito anteriormente o veio interdisciplinar da literatura

comparada é a sua tônica desde o início, mas este traço foi novamente reforçado

diante dos avanços propiciados pelas novas teorias textuais, desconstrucionistas e

culturais.

No que tange à interdisciplinaridade, Maria Luiza Ramos (RAMOS, 1994)

pontua que, como os estudos literários irão se confrontar com outras áreas das

ciências humanas, a condição fundamental para que esse trabalho seja levado a

efeito com sucesso é conhecimento das disciplinas em questão. Sendo assim, “(...) é

no próprio espaço das Letras que os estudantes vão receber esse conhecimento,

mediatizado pelos professores que devem, eles próprios, adquiri-los por iniciativa

própria, independentemente de uma formação sistemática (RAMOS, 1994, p.21).

A autora afirma ainda que outra dificuldade dos estudos interdisciplinares é

que nem sempre é fácil se fazer um recorte dos aspectos mais pertinentes às

questões literárias, sem que as lacunas provoquem distorções. Por tudo isso,

segundo Ramos:

(...) a formação em outras áreas que não os estudos literários fica sujeita às circunstâncias da história pessoal de cada um: gosto por determinada matéria, cumprimento de compromissos acadêmicos, acesso à bibliografia, oportunidades de estudo orientado, ainda que fora de programações curriculares. (RAMOS, 1994, p.22).

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Como podemos perceber pelas palavras da autora, os estudos em que

buscam fazer comparações entre a literatura e as outras áreas acadêmicas vai

depender em grande parte da história pessoal de cada um.

Assim sendo, dentre as muitas possibilidades, optamos por detalhar o diálogo

estabelecido pela literatura com o cinema como uma forma de ilustrar o caráter

interdisciplinar dos estudos em literatura comparada.

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UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA

5.1. Reflexões iniciais

Em seu contínuo transformar através dos tempos, a literatura sempre

manteve diálogo com outras manifestações artísticas. Podemos dizer que as

relações com o cinema remontam aos primórdios da invenção desta que seria

denominada “sétima arte”. Entretanto, é necessário pontuar que essas relações nem

sempre foram bem vistas por parte de alguns teóricos e cineastas como, por

exemplo, Igmar Bergman que chegou a afirmar que “o cinema não tem coisa alguma

a ver com a literatura” (BERGMAN apud CARDOSO, 2003, p.61). Contudo, apesar

das opiniões controversas, é inegável que há uma contaminação de diferentes

matizes entre a linguagem literária e a linguagem cinematográfica.

A semelhança existente entre o cinema e a literatura se situa no fato de que

ambos são formas de narrar, formas de expressão, principalmente enquanto

narrativas. A diferença básica entre a literatura e o cinema é que uma faz parte da

comunicação verbal e a outra da visual.

A literatura é um sistema de signos que usa principalmente as palavras

impressas e as imagens mentais criadas a partir delas, para concretizar seu texto,

de modo que possa ser lido e compreendido. O cinema também é um sistema de

signos que usa uma aparelhagem capaz de criar imagens visíveis e concretas para

concretizar seu texto (fílmico) de modo que possa ser lido e compreendido.

A linguagem verbal (da palavra) emprega vocábulos que representam algo

abstrato e cria uma imagem mental na mente do leitor. Já a imagem do cinema é

entendida como material, concreta, visível. O cinema é ainda considerado uma arte

impura, pois mescla fotografia, teatro, música, dança, pintura e literatura criando, por

conseguinte, a sua própria linguagem, que está em constante transformação, como

qualquer outra linguagem.

A adaptação fílmica de um texto literário pode ser considerada como uma

tradução intersemiótica, porque se trata de um processo que converte uma

linguagem em outra, que transporta algo de um sistema semiótico para outro

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sistema. As traduções podem ser de dois tipos diferentes: aquelas que reproduzem

a história e aquelas que recriam a história.

Em ambos os tipos, a mimese e a fidelidade deixaram de ser objetivo da

tradução sendo que existe hoje a consciência de que há sempre um

autor/cineasta/dramaturgo/tradutor intermediário entre o autor e o leitor/espectador.

Eles podem pertencer à mesma cultura ou a cultura diferentes e são, além disso,

indivíduos diferentes. Por esse motivo, a tradução deixou de preocupar-se com os

aspectos da imitação e de respeito pela obra original para transformar-se em algo

muito mais criativo, que depende muito da intenção de quem traduz, seja a de

aproximar o produto final da audiência ou de conservá-lo mais próximo de sua

origem. Essas duas intenções, muitas vezes inerentes ao processo de traduzir,

resultam em produtos realmente diferentes. Além disso, devemos observar que

várias leituras de um mesmo texto podem revelar mensagens subjacentes, muitas

vezes em oposição ao sentido aparente.

Todavia, as relações entre o cinema e a literatura não se circunscrevem

apenas ao trabalho de adaptação fílmica de obras literárias como comumente se

costuma pensar. Por um lado, o cinema materializou potencialidades que já haviam

sido realizadas na ficção como, por exemplo, o flashback que, apesar de ter sido

explorado em obras literárias antes mesmo do surgimento do cinema, foi aprimorado

por este veículo, tornando-se um recurso claro e amplamente utilizado. Por outro

lado, a literatura se apropriou de temas e estratégias narrativas oriundas do discurso

cinematográfico, formando, dessa maneira, o que César Guimarães chamou de um

“circuito de mão dupla”:

(...) literatura e cinema mantiveram entre si, ao longo do tempo um conjunto de relações sob a forma de um circuito de mão dupla. Se nos seus primeiros tempos o cinema encontrou na literatura um certo modelo narrativo que lhe permitiu contar histórias através de imagens, mais tarde a poesia e a ficção (...) assimilarão, por meio da analogia, procedimentos e temas característicos do cinema. (GUIMARÃES, 1997, p.109).

Um dos quesitos fundamentais, entretanto, quando se trata do procedimento

cinematográfico é o fato deste se articular em uma constante tensão entre realidade

e ficção. Assim sendo, é oportuno ressaltar as palavras de Marília da Silva Franco,

que constam no ensaio “Uma invenção dos diabos”:

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Definidas as características técnicas básicas da fotografia, por volta de 1850, cientistas, principalmente os ligados aos estudos biológicos, desenvolveram engenhos capazes de dar movimento às imagens fotograficamente fixadas. A fidelidade ao real dessas imagens era um ganho inestimável para o estudo científico. Era o registro mais absolutamente confiável e comprovável. O reconhecimento e a aceitação dessa relação visceral entre cinema e realidade desempenhará um papel fundamental na evolução técnica e artística desse meio de comunicação de massa. (FRANCO, 1984, p. 116)

Vemos, portanto, que o cinema nasceu dentro de uma visão cientificista e

positivista, marcado por uma forte tendência documental. Vale lembrar que as

primeiras imagens feitas por Lumière registravam hábitos do cotidiano como, por

exemplo, empregados saindo das fábricas e um trem chegando à estação.

Entretanto, ao lado desta corrente teórica que vê o cinema na sua vocação

essencialmente realista, existem outras correntes que concebem o cinema como

“um discurso feito de imagens, totalmente manipulável e calculável, um artifício que

transtorna os modos tradicionais de representação e percepção” (FURTADO, 1999).

Vale salientar, por conseguinte, a figura do diretor que, ao constituir um filme,

seleciona enquadramentos, locações, luzes, etc. Geralmente, os adeptos dessa

corrente têm George Mélies como precursor, uma vez que este viu o cinema como

um meio de dar prosseguimento às suas experiências de ilusionismo.

Porém, por maior que sejam os artifícios empregados pelo diretor, a matéria-

prima do cinema, que pode ser considerada a sua maior arma ou o seu maior

obstáculo, é a impressão de realidade criada pela imagem cinematográfica. É a esse

propósito que se manifesta Marcel Martin:

A imagem cinematográfica é marcada por uma ambivalência profunda: resulta da atividade técnica capaz de reproduzir exata e objetivamente a realidade que lhe é apresentada, mas ao mesmo tempo essa atividade se orienta no sentido preciso desejado pelo realizador. (MARTIN, 2003, p. 21).

E ainda, a essência da linguagem cinematográfica é a capacidade de alterar e

caminhar em múltiplos sentidos no tempo e espaço. Por exemplo, com apenas um

corte move-se de um espaço a outro, às vezes separados por quilômetros. Além

disso, no cinema o tempo é manipulado livremente. Como afirma Jean-Claude

Carriére “Lidar com o tempo, quer seja para acelerá-lo, realentá-lo, cortá-lo ou

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emendá-lo, dissecá-lo ou até esquecê-lo, é um componente orgânico da linguagem

do cinema, uma parte de sua sintaxe, do seu vocabulário”. (CARRIERE, 1994,

p.124). Os movimentos se tornam mais lentos ou mais rápidos, de acordo com as

necessidades dramáticas. E ainda, pode-se misturar o imaginado com o vivido,

mover-se para o futuro ou para o passado, tudo em questão de segundos, de forma

que o cinema chega mesmo a “alterar (e, por vezes, maltratar) nossos aparelhos de

representação e percepção”. (FURTADO, 2001).

Tais mudanças de tempo e espaço propiciadas pela montagem

cinematográfica possibilitaram que o cinema criasse uma linguagem que poucos

espectadores podiam absorver sem esforço ou ajuda. Carrière (1994) esclarece que

nos primórdios do cinema havia a figura do explicador que de posse de um bastão

apontava os personagens esclarecendo dados da trama.

Entretanto, rapidamente os espectadores foram se adaptando às inovações

trazidas pelo cinema. Por conseguinte, os filmes têm-se tornado com o passar do

tempo cada vez mais rápidos e menos descritivos. De forma que se pode dizer que

só mesmo uma habilidade advinda do hábito de ver filmes nos torna capazes de

ordenar esse aparente caos. Pode-se dizer também que as inovações trazidas pela

linguagem cinematográfica foram contaminando a escrita literária, tornado-a mais

ágil e sintética, afeita à percepção de detalhes e despida de linearidade.

No que tange a relação entre cinema e literatura vale ainda salientar as

seguintes palavras do diretor Jorge Furtado na palestra “A adaptação literária para

cinema e televisão” (FURTADO, 2003):

O cinema sempre aprendeu com a literatura, não só filmando suas histórias, mas também reproduzindo seus procedimentos narrativos. Usando como guia o livro Mimesis de Erich Auebarch, poderíamos fazer um paralelo entre os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. De Homero o cinema aprendeu o flash-back e a idéia de que cronologia é vício. De Petrônio, o poder dramático da prosódia e a subjetividade do discurso. De Dante, a vertigem dos acontecimentos, a rapidez para mudar de assunto. De Boccaccio, a idéia da fábula como entretenimento. De Rabelais, os delírios visuais e a certeza de que a arte é tudo que a natureza não é. De Montaigne, o esforço para registrar a condição humana. De Shakespare, Cervantes (e também Giotto) a corporalidade do personagem e o poder da tragédia. Da Comédia de Moliére o cinema aprende que a história é uma máquina. Voltaire ensinou a decupagem, a técnica do holofote e o humor como forma avançada da filosofia. De Goethe o cinema e também a televisão aprendem o prazer do sofrimento alheio. De Stendhal e Balzac vem o realismo, a narração off e o autor como personagem. De Flaubert vem a dramática e o roteiro como tentativa de literatura. Brecht é o

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pai do cinema-teatro e a idéia de que o realismo tem hora. (FURTADO, 2003).

Vemos, dessa maneira, que desde primórdios houve uma espécie de conexão

entre a literatura e o cinema, sendo que uma linguagem contaminou a outra,

ampliando com isso as possibilidades de interação. Assim sendo, nosso trabalho

enquanto críticos é o de averiguar o diálogo estabelecido. Ao fazermos nossas

análises devemos levar em conta e ter sempre em mente todas as circunstâncias

dentro das quais um texto é produzido/traduzido, sejam elas de que tipo for. Embora

essas circunstâncias envolvam o tradutor, o crítico, como um re-escritor, também ele

está igualmente sujeito a elas. Isto é, quando ele analisa os filmes/traduções está

produzindo um texto para alguém num dado momento, sofre, por conseguinte, as

constrições do seu tempo, da sua leitura, da sua história, do seu eu, enfim.

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UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARATIVA

6.1.Lavoura Arcaica: do livro ao filme

No final de 1975, em plena ditadura militar, a editora José Olympio lançou, no

Rio de Janeiro, um pequeno livro de um autor praticamente desconhecido e com o

curioso título de Lavoura Arcaica. O romance foi logo prestigiado pela crítica literária,

tendo sido recomendado por Tristão de Athayde para o prêmio Coelho Neto da

Academia Brasileira de Letras.

Lavoura Arcaica, romance de estreia de Raduan Nassar, é uma versão ao

avesso da parábola do filho pródigo. A estória se inicia quando Pedro, o primogênito

de um clã de imigrantes libaneses, vai buscar André, o filho desgarrado, em uma

pensão na qual ele havia se refugiado. Para Pedro, a família é o que há de mais

sagrado e, por isso, André deve ser persuadido a voltar para casa. Do diálogo entre

os dois irmãos e dos assomos de memória do protagonista começa a emergir o

passado de André: seu tormento com os longos sermões morais do pai, sua

afinidade com o ramo materno da família e sua catastrófica obsessão pela irmã Ana.

Por meio de suas lembranças, tomamos conhecimento das causas de sua

fuga. De um lado, a severa lei paterna e do outro, o sufocamento provocado pela

ternura materna. Ao contrário dos sermões do pai, ele afirma a vida, o sexo e a

liberdade. Seu corpo oprimido reclama direitos e André exerce-os contra todas as

leis, apaixonando-se por sua bela irmã Ana e cometendo incesto. Contudo, o filho

pródigo cede aos apelos do irmão e regressa de volta ao lar, o que deflagra uma

crise que provoca a quebra definitiva dos alicerces da família.

Raduan Nassar pertence à linhagem dos naradores-poetas, tendo escrito

essa estória torrencialmente, em parágrafos, que ocupam capítulos inteiros e com

uma insólita pontuação. O autor joga com as sonoridades das palavras, cria efeitos

de claro e escuro que apontam para um certo barroquismo presente na narrativa.

E ainda, todos os personagens encontram-se submetidos ao tempo, à

fatalidade, ao eterno retorno. Por meio de uma linguagem densa, de uma dicção

convulsionada, o autor traça uma sondagem introspectiva, em que a experiência

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interior do personagem André, enquanto percorre os intricados labirintos da

memória, é exacerbada. A esse propósito, Florentino assinala:

Nesse romance, tudo o que vem tocado pela doença, pela epilepsia – a memória, a família, o corpo, a sexualidade, o sagrado –, tudo isso já vem seriamente enfermo no bojo da linguagem do narrador-personagem André, e constituirá a matéria que faz com que a dicção assuma uma aparência doente, convulsiva. (FLORENTINO, 2001, p.294).

Mesmo naqueles críticos, que demonstraram um imediato entusiasmo pelo

romance de Nassar, podemos vislumbrar um certo desamparo e desorientação

perante a incomensurabilidade do livro, pois Lavoura Arcaica não se insere em

nenhuma corrente literária e não se enquadra em nenhum tipo de definição ou

classificação oferecidas pela crítica, teoria literária ou corrente ideológica.

De acordo com esse prisma, Sabrina Sedlmayer Pinto, no livro Ao lado

esquerdo do pai, em que analisa o romance nassariano, considera Lavoura

Arcaica como um bloco errático. A autora afirma:

Apesar de Lavoura Arcaica resgatar muitos textos alheios, o romance traz uma linguagem tão convulsionada e percorre um trajeto tão singular na literatura brasileira que, ao tentarmos contextualizá-lo, percebemos que este é um romance solitário [...] um iceberg: um bloco que se desprendeu de uma massa maior que vaga errante. (PINTO, 1995, p.21).

Podemos notar, dessa maneira, que o romance de Nassar apresenta uma

certa alteridade com relação ao conjunto da produção literária brasileira de 70

para cá, sendo que o autor chega a afirmar em entrevista: “Fiz meus dois

textinhos sem levar em conta a zoeira aí fora, fiz lirismo quando o lirismo estava

fora de moda”. (NASSAR apud JABOR, 1992).

Esta explanação do autor nos instiga a uma reflexão sobre o momento em

que Lavoura surgiu no cenário literário. Assim sendo, vamos recorrer ao ensaio

de Silviano Santiago “Prosa literária atual no Brasil” inserido no livro Nas malhas

da letra para nos servir de apoio nessa reflexão.

Santiago observa que, apesar de uma certa anarquia formal dominar o

cenário da prosa no Brasil dos anos 70 e 80, é possível assinalar uma tendência

ao memorialismo. Segundo o autor, nos primeiros anos da chamada “abertura”

duas linhas foram dominantes. Como uma primeira e camuflada resposta da

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literatura às imposições de censura e repressão feitas pelo regime militar, surgiu a

prosa de intriga fantástica e estilo onírico, em que o intricado jogo de metáforas e

símbolos transmitia uma crítica radical das estruturas de poder no Brasil. Depois

apareceu o romance-reportagem em que se denunciavam os arbítrios da violência

militar e policial nos anos duros do AI-5. E, com o retorno dos exilados políticos,

impõe-se a narrativa do tipo autobiográfico.

Lavoura rompe, portanto, com a produção literária brasileira dos anos 70 e

80, na qual uma herança realista é preservada, haja vista o naturalismo

marcadamente presente nos romances-reportagem. Se alguma ressonância do

momento político, ou mesmo da relação entre ordem e poder, por ventura possam

ocorrer na narrativa, podemos dizer que a originalidade do autor está em optar

por “(...) um engajamento político mais amplo do que o recurso direto aos temas

de um momento preciso”. (PERRONE-MOISÉS, 1996, p.69)

Lavoura Arcaica é, sobretudo, uma obra lírica, que fala de uma maneira

poética sobre sentimentos, que esmiúça a complexidade das relações humanas,

abordando de forma magistral a relação entre a tradição e a liberdade, o sagrado

e o profano, focalizando a efervescência contraditória e conflitante do despertar

da paixão em um ambiente austero e repressivo. Nesse sentido, destacamos as

seguintes palavras do autor:

(...) certos escritores vinham a tempos chupando o sangue das palavras, queriam a qualquer custo acabar com os sentimentos na literatura. (...) Em literatura quando você lê um texto que não toca o coração é que alguma coisa está indo pras cucuias. Na minha opinião. (NASSAR, 1996, p.28)

O romance de Nassar se distingui também das narrativas que

convencionalmente chamamos de pós-modernas. Isto é, narrativas citadinas,

dotadas de uma linguagem fragmentada e centradas em um cenário urbano

saturado por imagens tecnológicas e produtos da mídia.

O escritor e crítico Milton Hatoum, em texto elaborado para os Cadernos de

Literatura Brasileira, discorre sobre suas impressões acerca da obra nassariana,

afirmando o seguinte:

Li Lavoura Arcaica em 1976, numa época em que muitos livros de ficção pretendiam denunciar a brutalidade da vida política brasileira (...) o toque

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militar de recolher parecia impor um tema a alguns escritores que queriam escrever sobre o tempo presente, esse tempo que para literatura parece ser um contratempo. L.A fugia do factual, do circunstancial e aderia a algo que penso ser importante numa obra literária: a linguagem muito elaborada que invoca um conteúdo de verdade, uma dimensão humana profunda e complexa. (HATOUM, 1996, p.19-20).

O romance Lavoura Arcaica foi levado à tela grande em 2001 pelo

diretor Luiz Fernando Carvalho. Como já foi dito anteriormente, podemos discutir a

questão da adaptação literária por múltiplas dimensões, no entanto o debate que

outrora se concentrava em torno de uma maior ou menor fidelidade do filme em

relação ao livro perde terreno atualmente para uma discussão que engloba a ideia

de “diálogo”. Conforme aponta Ismail Xavier:

A interação entre as mídias tornou mais difícil recusar o direito do cineasta à interpretação livre do romance ou peça de teatro, e admite-se até que ele pode inverter determinados efeitos, propor outra forma de entender certas passagens, alterar a hierarquia dos valores e redefinir o sentido da experiência das personagens. A fidelidade ao original deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova experiência que deve ter a sua forma, e o sentido nela implicados, julgados em seu próprio direito.” (XAVIER, 2003, p.61-62)

O filme Lavour‘Arcaica tornou-se de imediato um grande sucesso de crítica,

tendo acumulado prêmios nos festivas de Montreal, Biarritz, Havana, Cartagena,

Rotterdam e Brasília. A boa acolhida que teve o filme perante a maior parte da

crítica especializada, que aplaudiu e reverenciou o filme dirigido por Carvalho, não

impediu, contudo, que alguns críticos levantassem o seguinte questionamento: Até

que ponto a transposição quase integral de um texto literário significa “adaptação”?

Carvalho não só filmou sem roteiro, mas também usou as indicações de luz e o

encadeamento original do livro. Na fala das personagens, encontramos passagens e

trechos inteiros da obra de Raduan Nassar.

Adaptar um texto implica passar uma linguagem para outra, pois a linguagem

cinematográfica possui suas próprias peculiaridades e se difere da linguagem

literária no que concerne aos recursos que utiliza. Enquanto a ferramenta do escritor

é a palavra, o texto escrito, o cineasta se vale fundamentalmente da imagem.

Segundo assinala J. E. Romão:

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O romance, como qualquer outra obra literária, descreve a realidade, desenvolve a trama e analisa sentimentos através das palavras, cujo grau de abstração e de generalização exige do leitor a utilização de sua experiência de vida, de sua cultura e de suas disposições no momento para recriação, na imaginação, do que é narrado. Só o cinema tem condições de ‘reproduzir’ o real, porque mesmo num filme de ficção, estaremos diante de imagens em movimento e sonoras. (ROMÃO, 1981, p.13).

O cinema, como toda linguagem, possui sua gramática própria, isto é, sua

sintaxe, seus sinais de pontuação, suas metáforas, seu vocabulário. Por isso, ao nos

referirmos à transposição de um texto literário para o meio cinematográfico, falamos

em tradução inter-semiótica. Além disso, a transposição de uma linguagem para

outra deflagra inevitáveis transformações, já que implica determinadas escolhas que

o diretor deverá tomar durante o processo de construção do filme.

No ato da leitura, cada leitor constrói um filme em sua mente, o qual

fatalmente acaba não coincidindo com aquele imaginado pelo diretor, o que leva a

que comumente ouçamos do espectador a frase “gostei mais do livro” perante às

adaptações. Podemos dizer, dessa forma, que toda filmagem de uma obra literária é

apenas uma possível leitura desta, entre as milhares outras que poderia ter.

As considerações referentes à fidelidade que Carvalho mantém com relação

ao livro de Raduan Nassar, o que segundo alguns faz com que seu filme fuja do

conceito de “adaptação”, encontram respaldo no pensamento do próprio diretor que

rejeita terminantemente tal termo para se referir ao seu trabalho e afirma ter agido

como se estivesse em “diálogo” com o livro de Nassar. (CARVALHO, 2002, p.34).

Por isso talvez, boa parte da crítica, conforme assegura Ismail Xavier, “identificaram

o filme como tradução9 e consideraram a busca de equivalências bem sucedida”.

(XAVIER, 2003, p.63).

Conquanto, o assombro diante do filme decorre, sobretudo, da originalidade

do diretor que apresenta inovadores experimentos narrativos, além de utilizar

recursos como metáforas, jogos de luzes e sombras, incorporando, dessa forma, o

que o texto literário oferecia de visualidade e não se restringindo ao que concerne ao

enredo. A esse propósito, Carlos Alberto Mattos comenta: “A soma de admiração,

perplexidade e objeções angariada à época do lançamento reflete o diálogo oblíquo

9 Grifo meu.

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do filme com a cultura brasileira, sua posição singular de objeto sagrado em meio ao

trânsito de produtos.” (MATTOS apud CARVALHO, 2002, p.7).

Assim como o romance de Raduan Nassar segue como um “bloco errático”

dentro do panorama literário, o filme de Carvalho também foge às principais

tendências que parecem ir assumindo o cinema nacional, pois vai contra a narrativa

contida e o naturalismo típicos do cinema contemporâneo. Podemos dizer que o

diretor buscou no plano audiovisual uma operação poética análoga à do livro. Nas

palavras de Carvalho:

(...) aquela poética é de uma riqueza visual impressionante, então eu entendi a escolha daquelas palavras que, para além de seus significados, me propiciavam um resgate, respondiam à minha necessidade de elevar a palavra a novas possibilidades, alçando novos significados, novas imagens. Tentei criar um diálogo entre imagens das palavras com as imagens do filme. Palavras enquanto imagens. (CARVALHO, 2002, p.35).

O diretor não só abriu mão do naturalismo, mas também recorreu a um

conjunto de outras linguagens as quais o cinema pode abarcar: da fotografia à

música, da fala à dança, da narração às artes plásticas. Podemos vislumbrar no

filme referências a pintura tenebrista espanhola, os dourados que dialogam com

Rembrandt, as figuras alongadas de El Greco, passando por Caravaggio e pelos

Cristos de Velásquez, dentre outras evocações.

Assim sendo, ao rastrearmos as escolhas e os métodos tomados por

Carvalho, podemos perceber os índices de um “cinema de poesia” em que a aposta

na força visual e plástica da literatura permite que haja um novo tipo de

entrelaçamento entre a arte literária e a cinematográfica.

Maciel no artigo “Para além da adaptação: formas alternativas de articulação

entre literatura e cinema” (MACIEL, 2003), aponta que a constituição de um “cinema

de poesia” data do início do século XX, sobretudo através das experiências de

Eisenstein que inaugurou uma outra linhagem, refratária aos princípios de

continuidade e verossimilhança legitimados pelo diretor americano David Griffith.

Segundo a autora, Einsestein buscou não no romance realista do século anterior,

como fizera Griffith com os romances de Charles Dickens, mas sim baseou suas

formulações na poesia de várias tradições (inclusive a oriental) e nos experimentos

narrativos de James Joyce. Maciel esclarece ainda que o cerne da diferença entre

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essas duas correntes estéticas está na montagem, já que Eisenstein não buscava os

efeitos griffithiano de tempo, e sim uma montagem guiada pela expressividade.

Além de Eisenstein, vários foram os cineastas que se deram a tarefa de

explorar e teorizar as manifestações e incidências da linguagem poética no cinema.

Dentre eles, podemos citar Luís Buñuel e Píer Paolo Pasolini. Como explica Maciel,

Buñuel chegou a defender, em uma conferência proferida no México, em 1958, a

prática de um cinema que se configurasse como instrumento de poesia.10 “Um

cinema no qual o jogo de fusões e escurecimento das imagens, os espaços flexíveis,

os desvios da ordem cronológica, as irrupções metafóricas, a sintaxe dos sonhos e o

exercício insólito pudessem se viabilizar plenamente.” (MACIEL, 2003, p.114).

Já Pasolini, no manifesto “O cinema de poesia”11, utilizou a terminologia da

semiótica para tratar da linguagem cinematográfica que, segundo ele, é

fundamentalmente língua da poesia. Além disso, o cineasta italiano tomou

emprestado à teoria literária a noção de discurso indireto livre e criou o termo

“subjetiva indireta livre”. Conforme esclarece Ismail Xavier:

Pela subjetiva indireta livre durante o filme inteiro estaremos vivenciando uma instabilidade, uma oscilação entre objetivo e subjetivo, na qual o movimento próprio das coisas se mescla a movimento da interioridade, um contaminando o outro com seu estilo. Isso possibilita ao espectador uma visão mais compreensiva, interna, da experiência da personagem e o obriga a constante cotejo entre a imagem que lhe é dada e a noção que ele tem do mundo, já que o filme não afirma uma realidade estável que emoldure e explique os movimentos da personagem. (XAVIER, 1993, p.108).

Maciel aponta também como características de um cinema de poesia o uso

do primeiro plano, as subdivisões sutis do enquadramento, os contrastes

expressionistas de luz e sombra, à presença estrutural da música, as modulações

líricas dos personagens e da paisagem. Assim, o poético seria “revelado

cinematograficamente através do poder transfigurador do ‘olhar da câmera’ que,

para isso, dependeria de recursos como a velocidade ou à lentidão dos movimentos,

as proximidades íntimas dos primeiros planos, as variações de luminosidade, dentre

outros.” (MACIEL, 2003 p.116-117).

10 Cf. BUÑUEL (1991), p.333-337. 11 Cf. PASOLINI (1985), p.21-51.

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Érika Savernini (SAVERNINI, 2004), por sua vez, persegue os índices de um

cinema de poesia nos seguintes diretores: Buñuel, Pasolini e Krzysztof. Após

analisar as considerações teóricas bem como os filmes feitos por esses cineastas, a

autora observa que o cinema de poesia não se opõe ao cinema clássico, mas sim

propõe a potencialização de recursos outros com o intuito de relativizar o

funcionalismo narrativo. Ou seja, embora a objetividade e a subjetividade convivam

pontecialmente em todo filme, o cinema de poesia procura enfatizar a ambiguidade.

Além disso, o olhar da câmera procura transcender a aparência naturalista das

relações cotidianas para poder revelar mecanismos mais sutis e profundos. Nas

palavras da autora:

Os filmes em que se pode observar uma tendência para um cinema de poesia caracaterizam-se pela existência de uma personagem central que domina a narrativa de tal forma que esta parece representar a sua subjetividade (ainda que, tecnicamente, o filme não se apresente com uma câmera subjetiva constante) (...) O sistema significativo e perceptivo da personagem não interfere apenas no desenvolvimento narrativo, mas também em sua visualidade, na articulação dos planos, enfim, na estrutura.(SAVERNINI, 2004, p.47-48).

No filme Lavour‘Arcaica de Luiz Fernando Carvalho, encontramos tais

índices de um cinema de poesia. Nele, o cineasta opta por tomadas amplas e

panorâmicas de cores poderosas. Além de jogar constantemente com as luzes, pois

o contraste entre claro e escuro estruturam todo o filme. E ainda, durante a

montagem o diretor procurou tornar invisíveis os cortes por meio das modulações

musicais.

Além disso, Carvalho usa constantemente o primeiro plano e o plano de

detalhe. A personagem André, por exemplo, é exibida muitas vezes em close-ups,

nos fazendo pensar em seu desajuste em relação aos espaços em que se encontra.

De acordo com as pulsões interiores do protagonista, a iluminação pode ser plácida,

translúcida ou sombriamente expressionista a ponto de desfigurar a matéria. Assim,

podemos observar que Carvalho utiliza a “subjetiva indireta livre” como figura de

linguagem fundamental. O filme, como o livro de Raduan Nassar, contamina-se da

subjetividade de André e é por meio dela que nos leva à releitura trágica da fábula

do filho pródigo. Podemos notar a câmera funcionando como um olho. Isto é, um

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olho reflexivo, voltado para dentro, explorando o que Carvalho denominou de

“Cartografia da alma” (CARVALHO, 2001).

O diretor afirma que se guiou pelo norte da expressão e não da descrição. Por

exemplo, Raduan Nassar não descreve pontualmente, mas deixa indícios no texto

que permite que reconheçamos que a estória se passa no círculo de uma família de

imigrantes libaneses residentes no interior do Brasil. Também Carvalho preferiu que

a constituição de época e de costumes no filme não fosse representada de forma

didática, explicativa, já que a preocupação principal era trazer o mundo interno da

personagem para o primeiro plano. Dessa forma, ele comenta que seu objetivo no

filme foi “promover um encontro entre a alma brasileira e a mediterrânica, gostaria

que contivesse um sopro, como diz Alceu Amoroso Lima, ‘um sopro da tradição

clássica mediterrânica’” (CARVALHO, 2002: 77).

Carvalho também usa a montagem com intuito de tecer analogias, criar

metáforas como, por exemplo, ocorre na sequência em que vemos, em ações

paralelas, o André-criança capturar uma pomba, enquanto o André adolescente

consuma sua obsessão por Ana, o que ocorre em um aposento cujas janelas são

bloqueadas por grades, sendo que o cineasta conclui a representação deste ato

sexual proibido com a forte imagem de um arado cortando impetuosamente a terra,

numa belíssima metáfora da comunhão de André com a natureza.

E assim, por meio das belas imagens criadas no filme Lavour‘Arcaica, nós

espectadores somos convidados a estabelecer uma reflexão fundamental sobre a

“Dor do tempo” (CARVALHO, 2002, p.65). Isto é, a dor subjacente a qualquer

tentativa de resgatar um passado que é irrecuperável, que ficou para trás, perdido

para sempre nas intrincadas paredes do tempo, entrelaçado pelas malhas frágeis da

memória. Sempre deslizante, sempre em fragmentos que escapam das afoitas

tentativas que almejam depositá-lo em um unidade sólida.

Percebemos, dessa maneira, o compromisso do cineasta com a poesia, com

o lirismo. Ao ser questionado por um jornalista sobre a sua opinião no que concerne

aos filmes de ação, de estética videoclipesca tão comuns no cinema de hoje,

Carvalho responde:

O exercício dessa linguagem fragmentada ao extremo para criar uma outra linguagem me interessa muito, contanto que se aproxime da vida, contanto

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que isso tudo que a gente esteja falando aqui dê uma volta de 360 graus e, pá, toque na pele. Porque se não der essa volta é um exercício formalista inócuo, cego. (CARVALHO, 2001).

Para Carvalho o filme tem que tocar na pele, assim como a literatura para

Nassar tem que tocar o coração, ou seja, ambos se preocupam com que seus

respectivos trabalhos sejam capazes de provocar emoções, de despertar

sentimentos, de fazer palpitar a vida. Podemos dizer que tanto o escritor quanto o

diretor foram muito bem sucedidos em seus experimentos. Em um mundo

massificado, dominado pelas diretrizes do mercado consumista, filme e livro

destacam-se dessa corrente cujo valor é medido pela capacidade de venda como

produto, pois ambos sobressaem-se pela qualidade artística e pela beleza e riqueza

advindas de um profundo lirismo.

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