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GrupodePesquisaLiteraturaeAutoritarismo|ndicedeRevistas|NormasparaPublicao
LiteraturaeAutoritarismoDossiEscritasdaViolncia
Capa|Editorial|Sumrio|ApresentaoISSN1679849X Dossi
ASREPRESENTAESDAVIOLNCIAEMPARQUEINDUSTRIAL,DEPATRCIAGALVO
LarissaSaticoRibeiroHiga1
Resumo:Este trabalhopretendediscutiras representaesdaviolnciano romanceproletrioParqueIndustrial(1933),dePatrciaGalvo.Paratalleitura,serutilizadoolivroPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvo(2005),quepermitetraarparalelosentreavidaeaobraficcionaldaautora.Oartigodivididoem trs tpicosque remetemsprincipaisviolnciasquePagusofreu:a repressopolicial,aopressoaognerofemininoeasagressescometidaspeloPartidoComunistaBrasileiro.
Palavraschave:PatrciaGalvo,autobiografia,violncia,feminismo,PartidoComunistaBrasileiro.
Abstract: This paper intends to discuss the representations of violence in Patrcia Galvos ParqueIndustrial(1933).Thus,onewillusethebookPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvo(2005),whichallowustocomparethereallifewiththefictionofthisgreatauthor.Thereviewisdividedinthreetopics,representingthemajorkindsofviolenceinPaguslife:policerepression,genderoppressionandtheBrazilianCommunistPartysviolence.
Keywords:PatrciaGalvo,autobiography,violence,feminism,BrazilianCommunistParty.
1.Introduo
PatrciaGalvo,maisconhecidacomoPagu,foimilitantefeministaecomunista,conscientedequea escrita poderia servir a um ideal, surgindo ou se dirigindo a um propsito sciopoltico especfico.Nessecontextosesituamsuasduasprincipaisobrasliterrias:ParqueIndustrial,escritaem1933sobopseudnimo de Mara Lobo e que consiste em panfleto propaganda do Partido Comunista Brasileiro(PCB),eAFamosaRevista(1945),ferrenhacrticastalinizaodoPCB,escritacomGeraldoFerraz.
Almdessesdoislivros,foipublicadorecentementeem2005pelaeditoraAgirumtextodecunhomemoralsticoquePagu finalizouno crcereem1940eendereoua seuento companheiroGeraldoFerraz. Neste texto, percebese uma mulher que em meio realidade fragmentria da Modernidadeprocurouincessantementevaloresperenesparadarsentidovida.AautoratraaemsuasmemriasosprimeirosmomentosdedevoomilitantequeculminaramnaescritadeParqueIndustrialatoqueseriaamaiordecepodesuavida:oconhecimentodapolticastalinizadadoPartido,aoqualhaviasedoadoporanos, fsicaemoralmentedemaneiraextremada.Oobjetivodo textoconfessional residenansiaqueaautora temdese revelar totalmenteaocompanheiro,sendosuas intenesnemautobiogrficaspropriamenteditasnempublicitrias.
Seesselivro,intituladoPaixoPaguumaautobiografiaprecocedePatrciaGalvoexplicaseusporqusemsuaprprianarrativa,ele tambmsemostra reveladoraoapresentar traosmarcantesdaconcepo literria que moveu a escritora. Por isso, um movimento de leitura que se apresentainteressanteaanlisedeParqueIndustrialnosomentedopontodevistadaimportnciahistricadonovo gnero que inaugurou o romance proletrio mas a partir das significaes quemuitas das
passagens do romance de 33 tiveram para a vida real de Patrcia. Vida estamarcada por violnciasfsicasepolticas.
Nesse sentido, se coma publicao dePaixoPagu reconhecemos pela primeira vez quantosepisdiosdoromancesaramdiretamentedavidadePatrcia(Jackson,2005,p.21),opresentetrabalhopretendeapresentaralgumaspassagensdeParqueIndustrialemqueh traosautobiogrficos.Serofocalizadasasviolnciasqueaprpriaautorasofrera:arepressopolicial,aopressorelativacondiosocialdamulhereasviolnciasexercidasconstantementepeloPartidoComunista.
2.Arepressopolicial
Durantetodaatrajetriadesuamilitnciacomunista,PatrciaGalvoseenvolveuemvriosatosemanifestaes anticapitalistas e, por diversas vezes, sofreu a represlia policial caracterstica dosgovernos autoritrios. Assim, Pagu acabou conhecida como a primeira mulher brasileira presa pormotivos polticos. Esse encarceramento decorreu da participao na greve dos trabalhadores daConstruo Civil em Santos, e a violncia que ela e seus companheiros sofreram na ocasio ficoumarcadanasmemrias,sendoassimnarradaemPaixoPagu:
Ocupeimedemaiscomocompanheiro,vtimadeespancamentobrutalemminhapresena.Arevoltaeareaocontraessaatitudedapolciaimpedirammedepensaremminhasituao.Aosmeusprotestos,respondeucombrutalidadeodelegadodeplantoSalesPacheco,oquefoiesbofeteadopormimnessemomentodeindignao.Contramim,nohouvereaofsica(Galvo,2005,p.84).
O enfrentamento policial e a crtica represso tambm so marcas de Parque Industrial. Aviolnciavemexpostaprincipalmentenascenasemquehmanifestaesgrevistas,comonocaptuloHabitaoColetiva, em que As espadas dos cavalarianos gargalham nas costas e nas cabeas dostrabalhadoresirados(Galvo,2006,p.87).Assim,apolciaretratadacomorepresentantedoaparelhoestatalburguseassassinaos trabalhadoresorganizados talcomohaviaexterminadoanteriormentearevolucionriaRosaLuxemburgo.
Almdosembates fsicosdiretos,outroaspectoda repressoaquePagu fazalusoemambosescritosaquestodadeportaoedodesterro.DeacordocomPinheiro(1991),aprticadodesterro(odeslocamentodecidadossubversivosouperigososparacolniaslongnquas)foiiniciadanoBrasilcom a represso Revolta da Vacina (1904). Ao longo do tempo o desterro foi se legitimando e nogovernodeArthurBernardes(19231926)apunio jnoeraexercidanopasapenasemEstadodeStio.Almdodesterroparaosbrasileiros, tambmaprticadadeportaose intensificounogovernoVargas, uma vez que os trabalhadores estrangeiros foram responsabilizados pela introduo noBrasildasidiasprogressistasqueincendiaramocenriopolticodaprimeirametadedosculoXX.
TaisprticasforamobservadasdepertoporPaguepodemserconstatadasquandoaautorarelataemPaixoPagu a repressoocorridaapsumcomcio doComandoVermelho: Soubeentoqueoscompanheirospresosnoestavamnaimigrao,masespalhadosemdiversasdelegacias,esperandoserdeportados, como j tinham sido outros, para Montevidu. (Galvo, 2005, p. 92). J em ParqueIndustrial,essetipoderepresliapolicialretratadotantoquandoOtviaexiladaparaacolniadeDoisRios, quanto quandoRosinha Litunia, aps ser delatada porPepe, mandadade volta Europa.Opice da violncia policial emParque Industrial reside, no entanto, no assassinato do militante negroAlexandre:
Umatropeloderecuo.Umagarotatrgicadesabaemvertigenshistricas.Opelotodivideecerca lentamente a massa inquieta. Mas os investigadores policiais invisveis penetram namultidoeseaproximamdogigantenegroquese incita luta,docoretocentral,acamisasemmangas. Ao seu lado, um proletrio que tem no peito cicatrizes de chibata, detm abandeiravermelha.Soldados,noatiremcontraseusirmos!VoltemasarmascontraosoficiaisDetonaramcincovezes.Corremegritam.Ogigantecaiaoladodabandeiraereta.Ocorpoenormeestdeitado.Levantasemalparagritarrolandoaescada.Gritaalgumacoisaqueningumouvemasque todosentendem.Queprecisocontinuaraluta.Caiaquemcair,morraquemmorrer(Galvo,2006,p.114).
ApassagemnosremeteparticipaodePagunamanifestaoemtributoaSaccoeVanzetti2,em que morto seu admirvel amigo e militante partidrio Herculano. As semelhanas entre a cenafictciaea real sedo tambmpelaexistnciaemambasdopedidoaospoliciaisparano investiremcontraos trabalhadoresemParque Industrial: Soldados,noatiremsobreseus irmos!Voltemasarmascontraosoficiais!(Galvo,2006,p.114)eemPaixoPagu:FoiMariaquemfalouaossoldados,tomagnificamente,queosmilitaresrecusaramseaagircontraostrabalhadores(Galvo,2005,p.89)edapresenados filhosdeHerculanoeAlexandre.AmortedeHerculano, o responsvelpelaprontaadeso[dePagu]aopartido(Freire,2008,p.82),foicenamarcanteenarradanaAutobiografia:
Maltinhacomeado,quandoseouviramosprimeirostiros.Nopodendooutemendorompera autodefesa para impedir o discurso, a polcia atirava na multido, para que ela sedispersasse.Victor,umdoselementosdaautodefesa,foiatingido.Viquecambaleava,ferido.Depois, nadamais seentendeu.Algunspoliciais estavamvestidos comooperrios.Eunomaisdistinguiaosindivduosdapolcia,anoserpelasarmasdisparando.OinvestigadorquenosteriaatingidocaiusobopesodeHerculano.Ficouali, largado.Hoje,empregadohonorriodapolcia,aindacarregaobraointileoombroretorcido.Senti depois a mo de Herculano me arrastar violentamente. Depois o colosso negrotombando:levaraumtironascostas.Poucagente,ento,napraa.Oltimopolicialsumindonaesquina.Herculanocomacabeaemmeusjoelhos.Depois,sentouse,olhoumedizendo:Agoraestcomeandoadoerumpouquinho....Depois,assuasltimaspalavras:Continueocomcio! Continue o comcio! Andou at o automvel, no havia mais Herculano. EcontinuamosoComcio(Galvo,2005,p.8889).
Almdeterperdidooestimadocompanheiro,PagufoipresaereprimidaverbalmentepeloprprioPCBque,considerandosuasatitudesindividualistasepequenoburguesas,afezassinarumdocumentocontra sua prpria imagem, em que se declarava uma agitadora individual, sensacionalista einexperiente.EssaseriaaprimeiradecepodePagucomoPartidoComunista(Freire,2008,p.96).
3.Aopressodegnero
Seoperododeembatecomapolciaconsistiuprincipalmentenosanosemquemilitouativamenteno Partido, Pagu sofreu, por toda vida, a opresso social relativa ao gnero feminino. O combate aomachismosempre foi, portanto, bandeiradesuamilitncia.Assim, sendocomunista,Pagudeuparaofeminismoumrecorteclassista,fazendoocrticoRisrio(1987,p.20)afirmarque:Paguquervincularasreivindicaes feministas a uma postura transformadoramais global. Que eu saiba, a primeira vez,entrens,queumamulher criticao feminismoemnomedomaterialismohistrico....Nessesentidoacritica s feministas burguesas aparece emParque Industrial no captulo Paredes Isolantes, em quePaguseposicionacontraassufragistasquereivindicamdireitodevotosmulheresalfabetizadas.
No entanto, a forma mais sutil de machismo por ela delatada em Parque Industrial a
hierarquizaoeadivisosexualdotrabalhonasfbricas,jquesegundoDaniel(1994,p.99),nearlyallthe loomand finishingworkersat the factoryarewomen,while thesupervisorsand themechanicsaremen o que permitia que muitas mulheres fossem humilhadas e abusadas sexualmente por seussupervisores: Acabam deme despedir da Fbrica, sem uma explicao, sem ummotivo. Porquemerecusei a ir ao quarto do chefe. (Galvo, 2006, p. 105). Essa passagem, que ilustra no romanceproletrio um acontecimento com a personagem Matilde, uma realidade daquela poca que Paguconheciamuitobem,umavezqueduranteseuprocessodeproletarizao,exigidopeloPCB,compsasfileirasdeproduodealgumasfbricas.
Noromanceproletrio,oabusosexualnosed,porm,apenasnaesferadoambientefabril,mastambmforadele,jqueosburguesesdeautomvelvoparaoBrsparaseduzirasmoasdaclassetrabalhadora e com elas manterem relaes sexuais. Nesse processo, Pagu deixa evidente suaproclamaocontraacoisificaodamulher.Opese,assim,condionaqualelaprpriamostraterestado,poisdurantetodaaautobiografiarelatatersidoabordadacominvestidassexuaismasculinas.TalfatolevaseuamigoCiriloalheafirmar:Quandovocpassanarua,todososhomenstedesejam.Vocnuncadespertarumsentimentopuro.(Galvo,2006,p.59).
Naobraficcional,aviolnciacontraamulherchegaanveismaisextremosdebarbrie,havendoinvestidas fsicas contra as mulheres, sejam elas de espancamento (quando Florino agridecostumeiramente a me de Corina) ou de estupro, cujo ato apresentado no livro duas vezes: nomomento em que Alfredo tira a virgindade de sua noiva Eleonora e quando, no captulo ParedesIsolantes,umburgussegabaparaooutrodaviolnciacometida:
Poisolhe,eu tiveumaaventurinhaessasemana.Umasgarotasquensacompanhamos,sbadodetarde.Lembra?Adiabanoqueriasaber.Nemautomvel,nemdinheiro.DenoitechameioZezefomosassaltaracasaanaruadoArouche.Elamoracomadonadoatelier.Asduassozinhas...Foiumsustodosdiabos.Pensaramqueeragatuno.TambmoZezfezumacenade faroeste, revlver, lenopreto...Euagarreiapequenanacama...Virgenzinhaemfolha...(Galvo,2006,p.74)
Uma outra questo feminista discutida nas duas obras o aborto. Em Paixo Pagu, a autoraexplicita ter passado por essa situao por duas vezes, primeiro quando estava grvida de OlympioGuilherme (um homem casado que a abandonara) e o segundo, involuntrio, do filho que teria comOswald.Oprimeiroabortocontmenormecargadramtica:Oladrilhopegajosonoslbios.Oquefazerdetantosangue?Todoocorposedeformando.Sedesfazendonaangstia.Osangueostensivoentreosdedos, cabelos, olhos, os cogulos monstruosos entupindo tudo. Como livrar a vida dessa noite?(Galvo,2005,p.55).Osegundo,aperturbadorapresenadeumbeb j formado:Quandoconseguisairdorio,jnoite,todoomalestavafeito.Aindaacaminhadaatemcasa,asdores,aroupamolhada.Fuiparaamaternidade.Todososbrinquedosquejhaviacomprado.Ocadaverzinho.(Galvo,2005,p.61).
AsexperinciasdePaguparecemconvergirparaacriaodoabortodapersonagemCorina,namaischocantecenadoromancede33:
Lnofundodaspernasumburacoseavolumadescomunalmente.Serasga,negro.Aumenta.Comoumagoela.Paravomitarderepenteumacoisaviva,vermelha.A enfermeira recua. A parteira recua. O mdico permanece. Um levantamento desobrancelhas denuncia a surpresa. Examina a massa ensangentada que grita sujando acolcha.DoisbraosmagrosreclamamacrianaNodeixever!
ummonstro,sempeleeestvivo.Estamulherestpodre.Corinareclamaofilhoconstantemente.Temosolhosvedados,ochorinhodomonstropertodela...(Galvo,2006,p.6465)
OfilhodeCorinanascevivo,massempele,fatoquelevaameaseracusadadeassassinatoepriso.AquestodaculpatambmestpresenteclaramenteemPaixoPagu,quandoPatrciaafirma:umdiamateiacriancinha(Galvo,2005,p.61).
Temse,porfim,comomostradacondiosocialaqueasmulherestmdesesubmeteremnossasociedade,aquestodaprostituio.Noromance,avida levadaporCorinaeosmomentosemqueapersonagemvagapelacidadedeestmagovazioexplicitamaviolnciaquemuitasmulheressofrememnossopasdecapitalismoperifrico.EmPaixoPaguaquestodaprostituiovivenciadapelaautoramaiscomplexaeentranombitodasviolnciasimpostaspeloPCB.Nessesentido,antesdeabordarmosmaisafundoessaquesto,vlidaaexplicaogeraldaconturbadarelaodamilitantecomoPartidoComunistaBrasileiro.
4.AviolnciadoPartidoComunistaBrasileiro
DeacordocomosrelatosfeitosemPaixoPagu,PatrciaGalvo,apesardetermoradonoBrspor 16 anos, s teve sua ateno voltada causa dos trabalhadores quando, aos 20, viajou para aArgentinaetevecontatocomasidiasmarxistas.Depoisdemuitoestudar,PagusentiuanecessidadedamilitnciaorgnicaeencontrounoPartidoumimportantemeioparatal.Porm,jnadcadade30alinhapolticageraldoPCBeraadeStline,senumprimeiromomentoaautorafeztudooquepdeparaser aceita naOrganizao, uma vez que estava iludida com ela, nummomento posterior ir criticarseveramenteapolticastalinista.
OprimeirofocodetensoentrePagueoPartidofoiaorigempequenoburguesadamilitante.Napoca, o PCB era regido pela ttica stalinista de classe contra classe, que havia ganhado o VICongresso da Internacional Comunista e que exigia a proletarizao dos militantes intelectuais, nopodendo estes possuir nenhuma ligao com a burguesia, por ela representar vnculo poltico com adireitareacionria(Pinheiro,1991).Nessecontexto,adireodoPCBexigiuquePaguseproletarizasseevetouqueduranteamilitnciaescrevesseparaos jornais AgnciaBrasileirae DiriodaNoite.AOrganizaoalegava:Nadadejornal,nadadetrabalhointelectual.SequisertrabalharpeloPartido,terdeassumirsuaproletarizao(Galvo,2005,p.96).
Para provar a sinceridade da militncia aos olhos da direo partidria, Patrcia foi procurartrabalhonumaagncia,emqueosfuturospatresiamescolheromelhorescravo(Galvo,2005,p.96),ocasioemquePagurelataApesarde todomeuquerer,sentimeterrivelmentehumilhada... (Galvo,2005, p. 96). Finalmente, conseguiu um posto na indstria metalrgica, onde ficou por trs dias, osuficiente para agradar a Direo e ser convocada para a Conferncia Nacional do mesmo. Nesseevento,ahumilhaoexplicitadanovamente,poisao invsdepoderassistirConferncia,Pagu foidesignada para o posto de sentinela: Eu me sentia humilhada pelo meu abatimento fsico e faziaesforosmedonhosparanodeixartranspareceromeucansao(Galvo,2005,p.102).
AlmdessadesconfianaqueadireodoPartidotinhadasorigenssociaisdePagu,amilitantesofreu tambm quando a Organizao desconfiou da conduta poltica de Oswald de Andrade edeterminou,nofinalde1931oafastamentodeseuentocompanheiro.Aviolnciadaseparaoforada
intensificadaquandoPagu temdeseseparar tambmdeseu filhoRud,oqueassimnarradoemPaixoPagu:
Exigiam minha separao definitiva de Oswald. Isto significava deixar meu filho. AOrganizaodeterminavaaproletarizaodetodososmembros.EunoeraaindamembrodoPartidoComunista.Opreodissoeraomeusacrifciodeme.Aindahaviacondiesmaisacentuadas. Oswald era considerado elemento suspeito por suas ligaes com certosburgueses, e eu teria que prescindir de toda e qualquer comunicao comele e, portanto,resignarmefaltadenotciasdemeufilho(Galvo,2005,p.95).
Interessante notar que em Parque Industrial, o mesmo ocorre com a personagem Otvia, querompe com o companheiro Alfredo, acusado de ser burgus trotskista infiltrado na Organizao dostrabalhadores.DeacordocomJackson(1987,p.288),AlfredoRocha,onicopersonagemmasculinodescrito no romance a partir deOswald deAndrade e talvez a nica viso ficcional desse importanteescritormodernista.AsacusaestecidasaessepersonagemeoposteriortrminoderelacionamentocomOtviasoassimnarrados:
Otviaestgelada.Osacusadoresapontamfatosinflexveis.Desvios.Personalismos.Erros.Todosa fitamdiantedasprovasconcretizadas.verdade.Alfredosedeixaraarrastarpelavanguarda da burguesia que se dissimula sob o nome de oposio de esquerda nasorganizaesproletrias.um trotskista.Pactuae complota com traidoresmais cnicosdaRevoluosocialTodos os camaradas sabem que ele o meu companheiro. Mas se um traidor, eu odeixarei(Galvo,2006,p.112).
Mesmodepoisdoafastamentodafamliaedoadoecimentoemdecorrnciadosexigidostrabalhosbraais,Pagununca[foi]reconhecidacomoumaverdadeiracomunista(Freire,2008,p.74).Provadissofoi queem1932, comapolticadedepuraoeexpulsodosburguesesdedentrodoPCB,Pagu foiafastada.Nessemomento,resolvemilitarintelectualmentemargemeescreveParqueIndustrial.Apesarde tercondenadoaobra literria,oPCBvoltouaconvocarPagupara ingressarnoserviosecretodoComitFantasma,umorganismoda InternacionalComunistanoBrasil.duranteesseestgioqueseintensifica sua desiluso com a Organizao. Fazendo um trabalho que no podia ser divulgado emantendo contato com o Partido apenas atravs de um mediador, CM11, Pagu exposta maiorbarbriecometidaporsuadireo:opedidodesuaprostituio.Paraconseguir informaessecretas,CM11 insinuaquePagumantenha relaessexuais comodetentordasmesmas: Vocnopareceinteligente...e,depoisumsilncio.Nacama,eledirtudoevocteroquequiser!(Galvo,2005,p.126).
Apesardeapresentar inicial resistncia,Paguacabouseconvencendomaisumavezdequeascausas do Partido estavam acima de qualquer coisa, e sucumbiu aos apelos da direo. A situaoagonizanteassimnarradaemPaixoPagu:
Eutinhaconscinciasimdequeestavameprostituindoepareciamequenoeraobrigadaaisso.Umapalavrasetudoterminariaali.Maseumedeixavalevarsemcoragemparareagir.Qualquer coisa me imobilizava e sentia que me deixava arrastar pela impotncia. Gritavamentalmentecontraminhainutilidadeeminhafaltaderesistncia.Ridicularizeiintimamenteoque queria fazer passar por fatalidade. Eu me deixava arrastar estupidamente e continuei(Galvo,2005,p.113).
Aps essa mxima violncia da direo do PCB, Patrcia ainda no conseguiu se desligar daOrganizao,poisaprendiaaidiadequealutacomunistaestavacomeandonoBrasilequesuaajudaseria necessria nesse processo. Pagu pediu, no entanto, desligamento do Comit Fantasma e sua
incorporao a uma clula de trabalho. O pedido foi ento recusado, pois CM11 julgou que Patrciaestava doente e precisava de uma viagempara descansar.Durante essa viagem, visitou aChina e aUnioSovitica, entreoutros lugares, e teve tempodepensarmais claramente sobre suamilitnciaeperceberascontradiesqueenvolviamofuncionamentodoPartido.OltimopargrafodePaixoPagu sintomtico das crticas que Pagu tecer contra Stlin num momento posterior. Enquanto est naRssia,presenciaumamanifestaostalinistaecomentaironicamente,aoreconheclo:ladiante,natribuna,noseioda juventudeemdesfile,o ldersupremodaRevoluo.Stlin,onossoguia.Onossochefe(Galvo,2005p.150).
5.Concluso
ApublicaodolivroPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvodeunovoflegoaosestudos literrios sobre essa escritora brasileira. Alm de fornecer mais subsdios para resignificar aimagemdamusamodernistaemilitanteaguerrida,aautobiografiaoferecedadoshistricosepessoaisquepermitemareleituradasobrasficcionaisdePagu,oquereforaaidiadequeparaaartistavidaeobraeraminseparveis.
Desse modo, pudemos constatar algumas passagens da vida de Pagu presentes em ParqueIndustrial. Tais momentos, marcados pela violncia, so decorrentes do que Teresa Freire chama deprimeiracompanheiradePagu:asolido,nosentidodequeaautorafoiincompreendidapelosdiversosseguimentos sociais de que fez parte. Como militante comunista, sofreu abusos das forasconservadoras estatais. Como feminista, foi recusada e sofreu agresses do Partido ComunistaBrasileiro.EssasconstataesnosreiteramaidiadequePagueraumamulherfrentedeseutempotantopolticaquantoartisticamenteeque,porisso,sofreuasconseqnciasdesuaousadia.
NovosestudossobrePagu,comoodaprpriaFreire,estosendofeitossobaperspectivaquenostraz a autobiografia, e preciso que esse caminho continue sendo traado. necessrio concretizarPaguemnossamemriahistricoliterrianosparafazerjustiaasuaimportncia,masparaquenosinspiremos,nsmesmos,emsuacoragem.
RefernciasBibliogrficas
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1BacharelemLetraspelaUniversidadeEstadualdeCampinas.Email:[email protected]
2NiccolaSaccoeBartolomeuVanzettiforamdoisimigrantesitalianospresosecondenadosamortenosEUAaoseremacusadosdeumcrimequeelesnocometeram.Aculpadelesresidianofatodeseremanarquistas.
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