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Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo | Índice de Revistas | Normas para Publicação Literatura e Autoritarismo Dossiê “Escritas da Violência” Capa | Editorial | Sumário | Apresentação ISSN 1679849X Dossiê AS REPRESENTAÇÕES DA VIOLÊNCIA EM PARQUE INDUSTRIAL, DE PATRÍCIA GALVÃO Larissa Satico Ribeiro Higa 1 Resumo: Este trabalho pretende discutir as representações da violência no romance proletário Parque Industrial (1933), de Patrícia Galvão. Para tal leitura, será utilizado o livro Paixão Pagu – a autobiografia precoce de Patrícia Galvão (2005), que permite traçar paralelos entre a vida e a obra ficcional da autora. O artigo é dividido em três tópicos que remetem às principais violências que Pagu sofreu: a repressão policial, a opressão ao gênero feminino e as agressões cometidas pelo Partido Comunista Brasileiro. Palavraschave: Patrícia Galvão, autobiografia, violência, feminismo, Partido Comunista Brasileiro. Abstract: This paper intends to discuss the representations of violence in Patrícia Galvão´s Parque Industrial (1933). Thus, one will use the book Paixão Pagu – a autobiografia precoce de Patrícia Galvão (2005), which allow us to compare the real life with the fiction of this great author. The review is divided in three topics, representing the major kinds of violence in Pagu’s life: police repression, gender oppression and the Brazilian Communist Party’s violence. Keywords: Patrícia Galvão, autobiography, violence, feminism, Brazilian Communist Party. 1. Introdução Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, foi militante feminista e comunista, consciente de que a escrita poderia servir a um ideal, surgindo ou se dirigindo a um propósito sóciopolítico específico. Nesse contexto se situam suas duas principais obras literárias: Parque Industrial, escrita em 1933 sob o pseudônimo de Mara Lobo e que consiste em panfleto propaganda do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e A Famosa Revista (1945), ferrenha crítica à stalinização do PCB, escrita com Geraldo Ferraz. Além desses dois livros, foi publicado recentemente em 2005 pela editora Agir um texto de cunho memoralístico que Pagu finalizou no cárcere em 1940 e endereçou a seu então companheiro Geraldo Ferraz. Neste texto, percebese uma mulher que em meio à realidade fragmentária da Modernidade procurou incessantemente valores perenes para dar sentido à vida. A autora traça em suas memórias os primeiros momentos de devoção militante que culminaram na escrita de Parque Industrial até o que seria a maior decepção de sua vida: o conhecimento da política stalinizada do Partido, ao qual havia se doado por anos, física e moralmente de maneira extremada. O objetivo do texto confessional reside na ânsia que a autora tem de se revelar totalmente ao companheiro, sendo suas intenções nem autobiográficas propriamente ditas nem publicitárias. Se esse livro, intitulado PaixãoPagu – uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão explica seus porquês em sua própria narrativa, ele também se mostra revelador ao apresentar traços marcantes da concepção literária que moveu a escritora. Por isso, um movimento de leitura que se apresenta interessante é a análise de Parque Industrial não somente do ponto de vista da importância histórica do novo gênero que inaugurou “o romance proletário” – mas a partir das significações que muitas das

Literatura e Autoritarismo - Dossiê “Escritas Da Violência”

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  • GrupodePesquisaLiteraturaeAutoritarismo|ndicedeRevistas|NormasparaPublicao

    LiteraturaeAutoritarismoDossiEscritasdaViolncia

    Capa|Editorial|Sumrio|ApresentaoISSN1679849X Dossi

    ASREPRESENTAESDAVIOLNCIAEMPARQUEINDUSTRIAL,DEPATRCIAGALVO

    LarissaSaticoRibeiroHiga1

    Resumo:Este trabalhopretendediscutiras representaesdaviolnciano romanceproletrioParqueIndustrial(1933),dePatrciaGalvo.Paratalleitura,serutilizadoolivroPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvo(2005),quepermitetraarparalelosentreavidaeaobraficcionaldaautora.Oartigodivididoem trs tpicosque remetemsprincipaisviolnciasquePagusofreu:a repressopolicial,aopressoaognerofemininoeasagressescometidaspeloPartidoComunistaBrasileiro.

    Palavraschave:PatrciaGalvo,autobiografia,violncia,feminismo,PartidoComunistaBrasileiro.

    Abstract: This paper intends to discuss the representations of violence in Patrcia Galvos ParqueIndustrial(1933).Thus,onewillusethebookPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvo(2005),whichallowustocomparethereallifewiththefictionofthisgreatauthor.Thereviewisdividedinthreetopics,representingthemajorkindsofviolenceinPaguslife:policerepression,genderoppressionandtheBrazilianCommunistPartysviolence.

    Keywords:PatrciaGalvo,autobiography,violence,feminism,BrazilianCommunistParty.

    1.Introduo

    PatrciaGalvo,maisconhecidacomoPagu,foimilitantefeministaecomunista,conscientedequea escrita poderia servir a um ideal, surgindo ou se dirigindo a um propsito sciopoltico especfico.Nessecontextosesituamsuasduasprincipaisobrasliterrias:ParqueIndustrial,escritaem1933sobopseudnimo de Mara Lobo e que consiste em panfleto propaganda do Partido Comunista Brasileiro(PCB),eAFamosaRevista(1945),ferrenhacrticastalinizaodoPCB,escritacomGeraldoFerraz.

    Almdessesdoislivros,foipublicadorecentementeem2005pelaeditoraAgirumtextodecunhomemoralsticoquePagu finalizouno crcereem1940eendereoua seuento companheiroGeraldoFerraz. Neste texto, percebese uma mulher que em meio realidade fragmentria da Modernidadeprocurouincessantementevaloresperenesparadarsentidovida.AautoratraaemsuasmemriasosprimeirosmomentosdedevoomilitantequeculminaramnaescritadeParqueIndustrialatoqueseriaamaiordecepodesuavida:oconhecimentodapolticastalinizadadoPartido,aoqualhaviasedoadoporanos, fsicaemoralmentedemaneiraextremada.Oobjetivodo textoconfessional residenansiaqueaautora temdese revelar totalmenteaocompanheiro,sendosuas intenesnemautobiogrficaspropriamenteditasnempublicitrias.

    Seesselivro,intituladoPaixoPaguumaautobiografiaprecocedePatrciaGalvoexplicaseusporqusemsuaprprianarrativa,ele tambmsemostra reveladoraoapresentar traosmarcantesdaconcepo literria que moveu a escritora. Por isso, um movimento de leitura que se apresentainteressanteaanlisedeParqueIndustrialnosomentedopontodevistadaimportnciahistricadonovo gnero que inaugurou o romance proletrio mas a partir das significaes quemuitas das

  • passagens do romance de 33 tiveram para a vida real de Patrcia. Vida estamarcada por violnciasfsicasepolticas.

    Nesse sentido, se coma publicao dePaixoPagu reconhecemos pela primeira vez quantosepisdiosdoromancesaramdiretamentedavidadePatrcia(Jackson,2005,p.21),opresentetrabalhopretendeapresentaralgumaspassagensdeParqueIndustrialemqueh traosautobiogrficos.Serofocalizadasasviolnciasqueaprpriaautorasofrera:arepressopolicial,aopressorelativacondiosocialdamulhereasviolnciasexercidasconstantementepeloPartidoComunista.

    2.Arepressopolicial

    Durantetodaatrajetriadesuamilitnciacomunista,PatrciaGalvoseenvolveuemvriosatosemanifestaes anticapitalistas e, por diversas vezes, sofreu a represlia policial caracterstica dosgovernos autoritrios. Assim, Pagu acabou conhecida como a primeira mulher brasileira presa pormotivos polticos. Esse encarceramento decorreu da participao na greve dos trabalhadores daConstruo Civil em Santos, e a violncia que ela e seus companheiros sofreram na ocasio ficoumarcadanasmemrias,sendoassimnarradaemPaixoPagu:

    Ocupeimedemaiscomocompanheiro,vtimadeespancamentobrutalemminhapresena.Arevoltaeareaocontraessaatitudedapolciaimpedirammedepensaremminhasituao.Aosmeusprotestos,respondeucombrutalidadeodelegadodeplantoSalesPacheco,oquefoiesbofeteadopormimnessemomentodeindignao.Contramim,nohouvereaofsica(Galvo,2005,p.84).

    O enfrentamento policial e a crtica represso tambm so marcas de Parque Industrial. Aviolnciavemexpostaprincipalmentenascenasemquehmanifestaesgrevistas,comonocaptuloHabitaoColetiva, em que As espadas dos cavalarianos gargalham nas costas e nas cabeas dostrabalhadoresirados(Galvo,2006,p.87).Assim,apolciaretratadacomorepresentantedoaparelhoestatalburguseassassinaos trabalhadoresorganizados talcomohaviaexterminadoanteriormentearevolucionriaRosaLuxemburgo.

    Almdosembates fsicosdiretos,outroaspectoda repressoaquePagu fazalusoemambosescritosaquestodadeportaoedodesterro.DeacordocomPinheiro(1991),aprticadodesterro(odeslocamentodecidadossubversivosouperigososparacolniaslongnquas)foiiniciadanoBrasilcom a represso Revolta da Vacina (1904). Ao longo do tempo o desterro foi se legitimando e nogovernodeArthurBernardes(19231926)apunio jnoeraexercidanopasapenasemEstadodeStio.Almdodesterroparaosbrasileiros, tambmaprticadadeportaose intensificounogovernoVargas, uma vez que os trabalhadores estrangeiros foram responsabilizados pela introduo noBrasildasidiasprogressistasqueincendiaramocenriopolticodaprimeirametadedosculoXX.

    TaisprticasforamobservadasdepertoporPaguepodemserconstatadasquandoaautorarelataemPaixoPagu a repressoocorridaapsumcomcio doComandoVermelho: Soubeentoqueoscompanheirospresosnoestavamnaimigrao,masespalhadosemdiversasdelegacias,esperandoserdeportados, como j tinham sido outros, para Montevidu. (Galvo, 2005, p. 92). J em ParqueIndustrial,essetipoderepresliapolicialretratadotantoquandoOtviaexiladaparaacolniadeDoisRios, quanto quandoRosinha Litunia, aps ser delatada porPepe, mandadade volta Europa.Opice da violncia policial emParque Industrial reside, no entanto, no assassinato do militante negroAlexandre:

  • Umatropeloderecuo.Umagarotatrgicadesabaemvertigenshistricas.Opelotodivideecerca lentamente a massa inquieta. Mas os investigadores policiais invisveis penetram namultidoeseaproximamdogigantenegroquese incita luta,docoretocentral,acamisasemmangas. Ao seu lado, um proletrio que tem no peito cicatrizes de chibata, detm abandeiravermelha.Soldados,noatiremcontraseusirmos!VoltemasarmascontraosoficiaisDetonaramcincovezes.Corremegritam.Ogigantecaiaoladodabandeiraereta.Ocorpoenormeestdeitado.Levantasemalparagritarrolandoaescada.Gritaalgumacoisaqueningumouvemasque todosentendem.Queprecisocontinuaraluta.Caiaquemcair,morraquemmorrer(Galvo,2006,p.114).

    ApassagemnosremeteparticipaodePagunamanifestaoemtributoaSaccoeVanzetti2,em que morto seu admirvel amigo e militante partidrio Herculano. As semelhanas entre a cenafictciaea real sedo tambmpelaexistnciaemambasdopedidoaospoliciaisparano investiremcontraos trabalhadoresemParque Industrial: Soldados,noatiremsobreseus irmos!Voltemasarmascontraosoficiais!(Galvo,2006,p.114)eemPaixoPagu:FoiMariaquemfalouaossoldados,tomagnificamente,queosmilitaresrecusaramseaagircontraostrabalhadores(Galvo,2005,p.89)edapresenados filhosdeHerculanoeAlexandre.AmortedeHerculano, o responsvelpelaprontaadeso[dePagu]aopartido(Freire,2008,p.82),foicenamarcanteenarradanaAutobiografia:

    Maltinhacomeado,quandoseouviramosprimeirostiros.Nopodendooutemendorompera autodefesa para impedir o discurso, a polcia atirava na multido, para que ela sedispersasse.Victor,umdoselementosdaautodefesa,foiatingido.Viquecambaleava,ferido.Depois, nadamais seentendeu.Algunspoliciais estavamvestidos comooperrios.Eunomaisdistinguiaosindivduosdapolcia,anoserpelasarmasdisparando.OinvestigadorquenosteriaatingidocaiusobopesodeHerculano.Ficouali, largado.Hoje,empregadohonorriodapolcia,aindacarregaobraointileoombroretorcido.Senti depois a mo de Herculano me arrastar violentamente. Depois o colosso negrotombando:levaraumtironascostas.Poucagente,ento,napraa.Oltimopolicialsumindonaesquina.Herculanocomacabeaemmeusjoelhos.Depois,sentouse,olhoumedizendo:Agoraestcomeandoadoerumpouquinho....Depois,assuasltimaspalavras:Continueocomcio! Continue o comcio! Andou at o automvel, no havia mais Herculano. EcontinuamosoComcio(Galvo,2005,p.8889).

    Almdeterperdidooestimadocompanheiro,PagufoipresaereprimidaverbalmentepeloprprioPCBque,considerandosuasatitudesindividualistasepequenoburguesas,afezassinarumdocumentocontra sua prpria imagem, em que se declarava uma agitadora individual, sensacionalista einexperiente.EssaseriaaprimeiradecepodePagucomoPartidoComunista(Freire,2008,p.96).

    3.Aopressodegnero

    Seoperododeembatecomapolciaconsistiuprincipalmentenosanosemquemilitouativamenteno Partido, Pagu sofreu, por toda vida, a opresso social relativa ao gnero feminino. O combate aomachismosempre foi, portanto, bandeiradesuamilitncia.Assim, sendocomunista,Pagudeuparaofeminismoumrecorteclassista,fazendoocrticoRisrio(1987,p.20)afirmarque:Paguquervincularasreivindicaes feministas a uma postura transformadoramais global. Que eu saiba, a primeira vez,entrens,queumamulher criticao feminismoemnomedomaterialismohistrico....Nessesentidoacritica s feministas burguesas aparece emParque Industrial no captulo Paredes Isolantes, em quePaguseposicionacontraassufragistasquereivindicamdireitodevotosmulheresalfabetizadas.

    No entanto, a forma mais sutil de machismo por ela delatada em Parque Industrial a

  • hierarquizaoeadivisosexualdotrabalhonasfbricas,jquesegundoDaniel(1994,p.99),nearlyallthe loomand finishingworkersat the factoryarewomen,while thesupervisorsand themechanicsaremen o que permitia que muitas mulheres fossem humilhadas e abusadas sexualmente por seussupervisores: Acabam deme despedir da Fbrica, sem uma explicao, sem ummotivo. Porquemerecusei a ir ao quarto do chefe. (Galvo, 2006, p. 105). Essa passagem, que ilustra no romanceproletrio um acontecimento com a personagem Matilde, uma realidade daquela poca que Paguconheciamuitobem,umavezqueduranteseuprocessodeproletarizao,exigidopeloPCB,compsasfileirasdeproduodealgumasfbricas.

    Noromanceproletrio,oabusosexualnosed,porm,apenasnaesferadoambientefabril,mastambmforadele,jqueosburguesesdeautomvelvoparaoBrsparaseduzirasmoasdaclassetrabalhadora e com elas manterem relaes sexuais. Nesse processo, Pagu deixa evidente suaproclamaocontraacoisificaodamulher.Opese,assim,condionaqualelaprpriamostraterestado,poisdurantetodaaautobiografiarelatatersidoabordadacominvestidassexuaismasculinas.TalfatolevaseuamigoCiriloalheafirmar:Quandovocpassanarua,todososhomenstedesejam.Vocnuncadespertarumsentimentopuro.(Galvo,2006,p.59).

    Naobraficcional,aviolnciacontraamulherchegaanveismaisextremosdebarbrie,havendoinvestidas fsicas contra as mulheres, sejam elas de espancamento (quando Florino agridecostumeiramente a me de Corina) ou de estupro, cujo ato apresentado no livro duas vezes: nomomento em que Alfredo tira a virgindade de sua noiva Eleonora e quando, no captulo ParedesIsolantes,umburgussegabaparaooutrodaviolnciacometida:

    Poisolhe,eu tiveumaaventurinhaessasemana.Umasgarotasquensacompanhamos,sbadodetarde.Lembra?Adiabanoqueriasaber.Nemautomvel,nemdinheiro.DenoitechameioZezefomosassaltaracasaanaruadoArouche.Elamoracomadonadoatelier.Asduassozinhas...Foiumsustodosdiabos.Pensaramqueeragatuno.TambmoZezfezumacenade faroeste, revlver, lenopreto...Euagarreiapequenanacama...Virgenzinhaemfolha...(Galvo,2006,p.74)

    Uma outra questo feminista discutida nas duas obras o aborto. Em Paixo Pagu, a autoraexplicita ter passado por essa situao por duas vezes, primeiro quando estava grvida de OlympioGuilherme (um homem casado que a abandonara) e o segundo, involuntrio, do filho que teria comOswald.Oprimeiroabortocontmenormecargadramtica:Oladrilhopegajosonoslbios.Oquefazerdetantosangue?Todoocorposedeformando.Sedesfazendonaangstia.Osangueostensivoentreosdedos, cabelos, olhos, os cogulos monstruosos entupindo tudo. Como livrar a vida dessa noite?(Galvo,2005,p.55).Osegundo,aperturbadorapresenadeumbeb j formado:Quandoconseguisairdorio,jnoite,todoomalestavafeito.Aindaacaminhadaatemcasa,asdores,aroupamolhada.Fuiparaamaternidade.Todososbrinquedosquejhaviacomprado.Ocadaverzinho.(Galvo,2005,p.61).

    AsexperinciasdePaguparecemconvergirparaacriaodoabortodapersonagemCorina,namaischocantecenadoromancede33:

    Lnofundodaspernasumburacoseavolumadescomunalmente.Serasga,negro.Aumenta.Comoumagoela.Paravomitarderepenteumacoisaviva,vermelha.A enfermeira recua. A parteira recua. O mdico permanece. Um levantamento desobrancelhas denuncia a surpresa. Examina a massa ensangentada que grita sujando acolcha.DoisbraosmagrosreclamamacrianaNodeixever!

  • ummonstro,sempeleeestvivo.Estamulherestpodre.Corinareclamaofilhoconstantemente.Temosolhosvedados,ochorinhodomonstropertodela...(Galvo,2006,p.6465)

    OfilhodeCorinanascevivo,massempele,fatoquelevaameaseracusadadeassassinatoepriso.AquestodaculpatambmestpresenteclaramenteemPaixoPagu,quandoPatrciaafirma:umdiamateiacriancinha(Galvo,2005,p.61).

    Temse,porfim,comomostradacondiosocialaqueasmulherestmdesesubmeteremnossasociedade,aquestodaprostituio.Noromance,avida levadaporCorinaeosmomentosemqueapersonagemvagapelacidadedeestmagovazioexplicitamaviolnciaquemuitasmulheressofrememnossopasdecapitalismoperifrico.EmPaixoPaguaquestodaprostituiovivenciadapelaautoramaiscomplexaeentranombitodasviolnciasimpostaspeloPCB.Nessesentido,antesdeabordarmosmaisafundoessaquesto,vlidaaexplicaogeraldaconturbadarelaodamilitantecomoPartidoComunistaBrasileiro.

    4.AviolnciadoPartidoComunistaBrasileiro

    DeacordocomosrelatosfeitosemPaixoPagu,PatrciaGalvo,apesardetermoradonoBrspor 16 anos, s teve sua ateno voltada causa dos trabalhadores quando, aos 20, viajou para aArgentinaetevecontatocomasidiasmarxistas.Depoisdemuitoestudar,PagusentiuanecessidadedamilitnciaorgnicaeencontrounoPartidoumimportantemeioparatal.Porm,jnadcadade30alinhapolticageraldoPCBeraadeStline,senumprimeiromomentoaautorafeztudooquepdeparaser aceita naOrganizao, uma vez que estava iludida com ela, nummomento posterior ir criticarseveramenteapolticastalinista.

    OprimeirofocodetensoentrePagueoPartidofoiaorigempequenoburguesadamilitante.Napoca, o PCB era regido pela ttica stalinista de classe contra classe, que havia ganhado o VICongresso da Internacional Comunista e que exigia a proletarizao dos militantes intelectuais, nopodendo estes possuir nenhuma ligao com a burguesia, por ela representar vnculo poltico com adireitareacionria(Pinheiro,1991).Nessecontexto,adireodoPCBexigiuquePaguseproletarizasseevetouqueduranteamilitnciaescrevesseparaos jornais AgnciaBrasileirae DiriodaNoite.AOrganizaoalegava:Nadadejornal,nadadetrabalhointelectual.SequisertrabalharpeloPartido,terdeassumirsuaproletarizao(Galvo,2005,p.96).

    Para provar a sinceridade da militncia aos olhos da direo partidria, Patrcia foi procurartrabalhonumaagncia,emqueosfuturospatresiamescolheromelhorescravo(Galvo,2005,p.96),ocasioemquePagurelataApesarde todomeuquerer,sentimeterrivelmentehumilhada... (Galvo,2005, p. 96). Finalmente, conseguiu um posto na indstria metalrgica, onde ficou por trs dias, osuficiente para agradar a Direo e ser convocada para a Conferncia Nacional do mesmo. Nesseevento,ahumilhaoexplicitadanovamente,poisao invsdepoderassistirConferncia,Pagu foidesignada para o posto de sentinela: Eu me sentia humilhada pelo meu abatimento fsico e faziaesforosmedonhosparanodeixartranspareceromeucansao(Galvo,2005,p.102).

    AlmdessadesconfianaqueadireodoPartidotinhadasorigenssociaisdePagu,amilitantesofreu tambm quando a Organizao desconfiou da conduta poltica de Oswald de Andrade edeterminou,nofinalde1931oafastamentodeseuentocompanheiro.Aviolnciadaseparaoforada

  • intensificadaquandoPagu temdeseseparar tambmdeseu filhoRud,oqueassimnarradoemPaixoPagu:

    Exigiam minha separao definitiva de Oswald. Isto significava deixar meu filho. AOrganizaodeterminavaaproletarizaodetodososmembros.EunoeraaindamembrodoPartidoComunista.Opreodissoeraomeusacrifciodeme.Aindahaviacondiesmaisacentuadas. Oswald era considerado elemento suspeito por suas ligaes com certosburgueses, e eu teria que prescindir de toda e qualquer comunicao comele e, portanto,resignarmefaltadenotciasdemeufilho(Galvo,2005,p.95).

    Interessante notar que em Parque Industrial, o mesmo ocorre com a personagem Otvia, querompe com o companheiro Alfredo, acusado de ser burgus trotskista infiltrado na Organizao dostrabalhadores.DeacordocomJackson(1987,p.288),AlfredoRocha,onicopersonagemmasculinodescrito no romance a partir deOswald deAndrade e talvez a nica viso ficcional desse importanteescritormodernista.AsacusaestecidasaessepersonagemeoposteriortrminoderelacionamentocomOtviasoassimnarrados:

    Otviaestgelada.Osacusadoresapontamfatosinflexveis.Desvios.Personalismos.Erros.Todosa fitamdiantedasprovasconcretizadas.verdade.Alfredosedeixaraarrastarpelavanguarda da burguesia que se dissimula sob o nome de oposio de esquerda nasorganizaesproletrias.um trotskista.Pactuae complota com traidoresmais cnicosdaRevoluosocialTodos os camaradas sabem que ele o meu companheiro. Mas se um traidor, eu odeixarei(Galvo,2006,p.112).

    Mesmodepoisdoafastamentodafamliaedoadoecimentoemdecorrnciadosexigidostrabalhosbraais,Pagununca[foi]reconhecidacomoumaverdadeiracomunista(Freire,2008,p.74).Provadissofoi queem1932, comapolticadedepuraoeexpulsodosburguesesdedentrodoPCB,Pagu foiafastada.Nessemomento,resolvemilitarintelectualmentemargemeescreveParqueIndustrial.Apesarde tercondenadoaobra literria,oPCBvoltouaconvocarPagupara ingressarnoserviosecretodoComitFantasma,umorganismoda InternacionalComunistanoBrasil.duranteesseestgioqueseintensifica sua desiluso com a Organizao. Fazendo um trabalho que no podia ser divulgado emantendo contato com o Partido apenas atravs de um mediador, CM11, Pagu exposta maiorbarbriecometidaporsuadireo:opedidodesuaprostituio.Paraconseguir informaessecretas,CM11 insinuaquePagumantenha relaessexuais comodetentordasmesmas: Vocnopareceinteligente...e,depoisumsilncio.Nacama,eledirtudoevocteroquequiser!(Galvo,2005,p.126).

    Apesardeapresentar inicial resistncia,Paguacabouseconvencendomaisumavezdequeascausas do Partido estavam acima de qualquer coisa, e sucumbiu aos apelos da direo. A situaoagonizanteassimnarradaemPaixoPagu:

    Eutinhaconscinciasimdequeestavameprostituindoepareciamequenoeraobrigadaaisso.Umapalavrasetudoterminariaali.Maseumedeixavalevarsemcoragemparareagir.Qualquer coisa me imobilizava e sentia que me deixava arrastar pela impotncia. Gritavamentalmentecontraminhainutilidadeeminhafaltaderesistncia.Ridicularizeiintimamenteoque queria fazer passar por fatalidade. Eu me deixava arrastar estupidamente e continuei(Galvo,2005,p.113).

    Aps essa mxima violncia da direo do PCB, Patrcia ainda no conseguiu se desligar daOrganizao,poisaprendiaaidiadequealutacomunistaestavacomeandonoBrasilequesuaajudaseria necessria nesse processo. Pagu pediu, no entanto, desligamento do Comit Fantasma e sua

  • incorporao a uma clula de trabalho. O pedido foi ento recusado, pois CM11 julgou que Patrciaestava doente e precisava de uma viagempara descansar.Durante essa viagem, visitou aChina e aUnioSovitica, entreoutros lugares, e teve tempodepensarmais claramente sobre suamilitnciaeperceberascontradiesqueenvolviamofuncionamentodoPartido.OltimopargrafodePaixoPagu sintomtico das crticas que Pagu tecer contra Stlin num momento posterior. Enquanto est naRssia,presenciaumamanifestaostalinistaecomentaironicamente,aoreconheclo:ladiante,natribuna,noseioda juventudeemdesfile,o ldersupremodaRevoluo.Stlin,onossoguia.Onossochefe(Galvo,2005p.150).

    5.Concluso

    ApublicaodolivroPaixoPaguaautobiografiaprecocedePatrciaGalvodeunovoflegoaosestudos literrios sobre essa escritora brasileira. Alm de fornecer mais subsdios para resignificar aimagemdamusamodernistaemilitanteaguerrida,aautobiografiaoferecedadoshistricosepessoaisquepermitemareleituradasobrasficcionaisdePagu,oquereforaaidiadequeparaaartistavidaeobraeraminseparveis.

    Desse modo, pudemos constatar algumas passagens da vida de Pagu presentes em ParqueIndustrial. Tais momentos, marcados pela violncia, so decorrentes do que Teresa Freire chama deprimeiracompanheiradePagu:asolido,nosentidodequeaautorafoiincompreendidapelosdiversosseguimentos sociais de que fez parte. Como militante comunista, sofreu abusos das forasconservadoras estatais. Como feminista, foi recusada e sofreu agresses do Partido ComunistaBrasileiro.EssasconstataesnosreiteramaidiadequePagueraumamulherfrentedeseutempotantopolticaquantoartisticamenteeque,porisso,sofreuasconseqnciasdesuaousadia.

    NovosestudossobrePagu,comoodaprpriaFreire,estosendofeitossobaperspectivaquenostraz a autobiografia, e preciso que esse caminho continue sendo traado. necessrio concretizarPaguemnossamemriahistricoliterrianosparafazerjustiaasuaimportncia,masparaquenosinspiremos,nsmesmos,emsuacoragem.

    RefernciasBibliogrficas

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  • 1BacharelemLetraspelaUniversidadeEstadualdeCampinas.Email:[email protected]

    2NiccolaSaccoeBartolomeuVanzettiforamdoisimigrantesitalianospresosecondenadosamortenosEUAaoseremacusadosdeumcrimequeelesnocometeram.Aculpadelesresidianofatodeseremanarquistas.

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