literatura e direitos humanos

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artigo sobre relação entre literatura e direitos humanos.

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  • LITERATURA E DIREITOS HUMANOS: NOTAS SOBRE UM CAMPO DE DEBATES

    Jaime Ginzburg

    Professor de Literatura Brasileira da Universidade de So Paulo

    Os debates sobre a fico brasileira do sculo XX tm envolvido questes que despertam

    ateno de disciplinas de cincias humanas, sendo constante a necessidade de interlocuo entre

    reas de conhecimento. Prioritrios no presente, os estudos de direitos humanos encontram nesses

    debates um campo produtivo de trabalho. Diversas obras despertam questes, algumas vezes

    desconcertantes, referentes ao exerccio desses direitos, a partir de problemas fundamentais de suas

    elaboraes, como a linguagem empregada, o ponto de vista escolhido, as construes de

    personagens, e as condies estabelecidas para a constituio do discurso da crtica literria.

    Graciliano Ramos, Clarice Lispector e Srgio Sant`anna esto entre os autores que

    despertam desafios interpretativos associados s dificuldades de exercer, no Brasil, a manifestao

    de direitos humanos. Suas produes motivam reflexes sobre o lugar do intelectual na sociedade, a

    caracterizao do letrado, suas responsabilidades e escolhas.

    1. A linguagem como condio de demanda dos direitos humanos

    Na obra do filsofo Ludwig Wittgenstein, encontramos reflexes sobre linguagem e dor.

    Para o pensador, em muitos campos da expresso da experincia, existe um grau elevado de chances

    de consenso, de entendimento de referncias comuns entre falantes; no o caso da dor. Nosso

    repertrio cotidiano de palavras tem pouco a oferecer em modulaes e em imagens precisas. H

    algo de insondvel no corpo: por mais que digamos a palavra dor, ela nunca coincidir com

    exatido com o que o outro interpreta sobre ela, exceto se no corpo do outro for inflingida dor

    idntica, de igual intensidade. Enquanto a dor do outro, e no minha, ou vice-versa, dispor das

    palavras no basta para haver partilha da experincia 1.

    Seres humanos vivem em comunidades lingsticas, mas elas no so livres de

    1 WITTGENSTEIN. Investigaes filosficas. So Paulo: Abril Cultural, 1975. (Os Pensadores, XLVI)

  • antagonismos, nada garante a inexistncia de mal-entendidos, de imprecises, equvocos. Mais

    ainda, de jogos, mentiras, polissemias. A partir das diferenas entre a linguagem do eu e a do outro

    podem nascer aprendizagens, encontros, e tambm conflitos.

    Na literatura constante encontrar personagens que tm necessidades, carncias,

    sofrimentos, e no encontram as palavras adequadas para formular o que precisam. Como se entre

    pensamento e linguagem ocorressem descontinuidades, abismos. Em pontos tensos podem surgir

    silncios, omisses, indeterminaes. O sujeito no pode falar tudo, nem ser entendido sempre, no

    entanto deve achar condies para expressar suas demandas.

    O problema da busca dos direitos humanos no se dissocia da dificuldade de enunciao dos

    mesmos. Tivemos oportunidade de discutir o assunto h alguns anos, em estudos da linguagem de

    vtimas de tortura no Brasil, para quem a dor corporal levou a um colapso das relaes

    convencionais com o uso da lngua. Para que possamos defender direitos, precisamos ter a

    capacidade de formul-los, estabelecendo as condies necessrias para sua inteligibilidade. Nisso

    h portanto uma exigncia formal: preciso haver um vocabulrio disponvel para referir aos

    problemas em pauta.

    Em muitas sociedades e lnguas, palavras e termos do vocabulrio de direitos s vezes

    inexistem, ou esto sendo inventados.2 A criao e circulao de palavras est associada a

    necessidades e interesses sociais. Em casos em que os interesses se direcionam excluso social,

    criar condies para que no se desenvolva uma linguagem propcia resistncia pode ser oportuno

    e conveniente para o controle conservador das relaes sociais.

    Existem importantes reflexes histricas voltadas para situaes de censura, em que

    instituies e legislaes controlam na imprensa, nos meios de comunicao, na literatura, a difuso

    de palavras e expresses, supondo seus efeitos sobre o pblico.3 Quando pensamos em liberdade de

    expresso no campo democrtico, muitas vezes subestimamos as necessidades de adequao aos

    princpios de uso de linguagem determinados pelas regras institucionais.

    As palavras podem ser consideradas perigosas por censores, muitas vezes, em razo de que

    nelas se encontram chaves para a conscincia de direitos sociais. A cada vez que uma palavra

    censurada, cabe perguntar a quem beneficia o corte feito, e como aquele termo poderia ser

    interpretado em pblico.

    Na literatura brasileira, temos dois casos importantes de personagens que merecem ateno

    neste ponto. Fabiano, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, de 1938, constitudo em condies

    sociais que no permitem a ele o letramento. Suas dificuldades de expresso e interao motivam

    2 VIEIRA, Oscar Vilhena & DUPREE, A. Scott. Reflexes acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. Sur

    Revista Internacional de Direitos Humanos. So Paulo, 2004. ano 1, n.1. p.51. 3 Ver a esse respeito CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Minorias silenciadas. So Paulo: EDUSP / Imprensa Oficial do

    Estado, 2002.

  • conflitos, e fazem parte de um horizonte de existncia em que muito difcil pensar na superao de

    limites, em razo de que os recursos expressivos disponveis no so suficientes. Com Fabiano e

    sua famlia, percebemos que a grande parte da populao brasileira que no participa do mundo

    letrado tem dificuldades na interao com o mundo das leis, a ordem policial e o controle

    governamental, associadas a uma ausncia de condies de interveno em confronto com a

    hostilidade da realidade. particularmente importante, nesse sentido, a enorme diferena de

    linguagem entre o narrador e o protagonista. O narrador em terceira pessoa letrado, situado no

    tempo e no espao, dotado de capacidade de julgamento e rigor analtico ele tudo sabe, nas

    palavras de Alfredo Bosi4. Fabiano, por sua vez, tem condies expressivas muito limitadas.

    Havia muitas coisas. Ele no podia explic-las, mas havia. Fossem perguntar a seu Toms da

    bolandeira, que lia livros e sabia onde tinha as ventas. Seu Toms da bolandeira contaria aquela

    histria. Ele, Fabiano, um bruto, no contava nada. S queria voltar para junto de sinha Vitria,

    deitar-se na cama de varas. Porque vinham bulir com um homem que s queria descansar? Deviam

    bulir com outros.

    An!

    Estava tudo errado.

    An!

    Tinham l coragem? Imaginou o soldado amarelo atirando-se a um cangaceiro na catinga. Tinha

    graa.5

    A cena construda por Graciliano Ramos estabelece o contraste entre o discurso do

    protagonista, marcado com travesses, e a fluncia do narrador em terceira pessoa. Enquanto o

    primeiro tem sua fala restrita a rudimentos de linguagem, o segundo trabalha com vocabulrio culto

    e construes complexas. atravs da empatia do narrador com o protagonista que somos expostos

    a idias que interpretam o interior de Fabiano. O narrador age como um mediador, que permite ao

    pblico atribuir traos ao personagem.

    De acordo com o narrador, em Fabiano haveria um sentimento de contraste com Toms da

    bolandeira, homem letrado. A Toms cabe a capacidade de narrar: Seu Toms da bolandeira

    contaria aquela histria. Ele, Fabiano, um bruto, no contava nada. O trecho portanto evidencia

    dois campos de contraste: um entre Fabiano e Toms, outro entre Fabiano e o narrador.

    4 BOSI, Alfredo. Cu, inferno. In: ___. Cu, inferno. So Paulo: tica, 1988. p.15. 5 RAMOS, Graciliano. Vidas secas. So Paulo: Record, 1986. p.34.

  • A trajetria de Fabiano marcada, como no caso da sujeio ao poder abusivo, pela

    limitao de condies de defesa de si. Entre a misria econmica e a linguagem restrita, Fabiano

    no pode se estabelecer socialmente como sujeito com necessidades, crenas e valores. Ele

    constantemente ameaado por uma natureza hostil, na seca, e uma sociedade impessoal, em que o

    respeito ao direito vida do outro parece estar ausente.

    Em A hora da estrela, de Clarice Lispector, livro de 1977, encontramos Macaba. Fabiano

    acredita que a migrao para a cidade condio de uma vida melhor para seus filhos. Macaba faz

    parte de uma face posterior do processo de migrao. Nordestina na cidade grande, ela tenta

    estabelecer perspectivas para si, com o trabalho, com a rdio relgio, com a cartomante, e com o

    envolvimento com um rapaz. No entanto, para ela, segundo o narrador, pensar era to difcil, ela

    no sabia de que jeito se pensava.6 Rodrigo, narrador culto, articulado e sarcstico, trata com

    desdm a personagem feminina atuante no enredo. Diferentemente do narrador de Vidas secas, que

    tem empatia com Fabiano, Rodrigo entra em conflito direto com Macaba, ressaltando com ironia e

    crueldade limitaes da existncia da moa.

    Em certo ponto acompanhamos um dilogo da protagonista com Olmpico:

    Ela: - Falar ento de qu?

    Ele: - Por exemplo, de voc.

    Ela: - Eu?!

    Ele: - Por que esse espanto? Voc no gente? Gente fala de gente.

    Ela: - Desculpe mas no acho que sou muito gente.

    Ele: - Mas todo mundo gente, meu Deus!

    Ela: - que no me habituei.

    Ele: - No se habituou com qu?

    Ela: - Ah, no sei explicar.7

    Dois elementos chamam a ateno nas falas de Macaba. Um a imagem de ser menos que

    humana, no se considerar muito gente. Em vrios pontos do livro, a protagonista trata a si

    mesma como sujeito que no se constitui, como identidade que no se forma. O narrador refora

    essa percepo negativa na cena do encontro com a cartomante, em que Macaba, segundo ele, pela

    primeira vez atribui a si uma perspectiva de futuro. Outro elemento a dificuldade de explicar o que

    sente, de aceitar a si mesma como assunto de conversa, como se entre a linguagem verbal e a sua

    existncia houvesse descontinuidade, como se vida e fala estivessem desconectadas.

    6 LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.63. 7 LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.56-57.

  • Estudos de Bobby Chamberlain e Regina Dalcastagn examinaram o problema da relao

    entre narrador e protagonista em Vidas secas e A hora da estrela8. Seguindo os crticos, podemos

    observar que, nos dois casos, se configura um problema geral, sociologicamente fundamental para a

    reflexo sobre o Brasil. Os contrastes entre a linguagem culta do narrador e as limitaes dos

    personagens colocam o problema das relaes entre enunciao e experincia. Desenhados como

    nordestinos miserveis, Fabiano e Macaba tm suas trajetrias expostas por homens cultos,

    dotados de interesses por formas complexas de pensamento, anlise, sntese, abstrao, julgamento.

    Os dois livros, nesse sentido, esto constitudos a partir de dilemas articulados aos seus

    pontos de vista. Como seriam os livros, narrados por seus protagonistas? Se simulssemos a

    mudana de foco narrativo, o que aconteceria? Graciliano Ramos e Clarice Lispector nos

    provocaram a pensar em figuras humanas para as quais a relao com o uso da linguagem

    problemtica e tensa. Como notou Chamberlain, relevante a mudana de Ramos para Lispector.

    Se em Vidas secas o narrador estava dedicado a nos criar uma percepo de Fabiano, em A hora da

    estrela Rodrigo constantemente acentua sua distino com relao a Macaba: Ela forou dentro

    de mim sua existncia. (...) Era merc e crente como uma idiota (...) Havia toda uma sub-classe de

    gente mais perdida e com fome9.

    Fabiano e Macaba nos colocam diante do problema da possibilidade mesma de enunciao

    de direitos humanos. Os dois livros expem um contraste entre o domnio intelectual e a vivncia da

    misria. atravs do narrador intelectualizado que tomamos contato com o pobre de recursos. Do

    foco narrativo depende tudo. Se o narrador solidrio ao personagem, temos uma situao, se ele o

    despreza, temos outra.

    De acordo com os dois livros, no possvel aos excludos do letramento uma conscincia

    plena de sua prpria situao de excludos sociais. Percebemos em Fabiano e Macaba que falta a

    eles o exerccio da fala de reivindicao de condies ntegras de existncia. Eles no sabem como

    dizer o que falta a eles. E se soubessem, no temos como definir com clareza a quem se dirigiriam e

    o que conseguiriam.

    Os dois encarnam condies de existncia social em que indivduos no so ouvidos com a

    merecida clareza, no ganham para o outro imagem justa com suas necessidades. Ambos so

    tratados como inferiores, e esto desprovidos de condies para defender a si mesmos do

    sofrimento.

    O distanciamento com relao aos recursos lingusticos necessrios para firmar

    transformaes sociais um fato decisivo na sociedade brasileira. Aquilo que em alguns momentos

    8 CHAMBERLAIN, Bobby. Sob o limiar da fala. Linguagem e representao do subalterno em Vidas Secas e A hora

    da estrela. In: SANTOS, Luis Alberto & PEREIRA, Maria Antonieta, orgs. Trocas culturais na Amrica Latina.

    Belo Horizonte: FALE-UFMG, 2000. DALCASTAGN, Regina. O intelectual diante do espelho (sobre Osman Lins

    e Clarice Lispector). In: ___. Entre fronteiras e cercado de armadilhas. Braslia: Ed. UNB, 2005. 9 LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.37.

  • Macaba e Fabiano exibem de maneira extrema est difundido, historicamente, e

    contemporaneamente, no pas, em variados graus: a falta de condies de expresso da prpria dor.

    A responsabilidade de quem tem o exerccio da palavra, nesses casos, enorme. Sugere

    Rodrigo, em sua crueldade, que Macaba tem sua existncia condicionada a ele. Trata-se da idia de

    que, sem um suporte concedido pelo outro, os personagens no teriam o direito prpria narrao.

    No teriam, em suma, como contar o que viveram, delimitar o que so e pensam, caracterizao que

    remete ao livro Precarious life, de Judith Butler10.

    Isso pe em pauta o problema tico da posio do intelectual no Brasil. Aproximando os

    dois livros, podemos colocar a questo: o que predomina no campo intelectual brasileiro? A posio

    solidria do narrador de Vidas secas, que permite pensar a figura de Fabiano mantendo por ela uma

    perspectiva de considerao atenta, ou a concepo de Rodrigo, para quem Macaba um

    aborrecimento, e ocupar-se dela uma frustrao?

    2. O mundo letrado e a responsabilidade de escolha

    O crescimento dos movimentos sociais de direitos humanos no Brasil est diretamente

    associado ao desenvolvimento das condies de expresso de grupos interessados em

    transformaes. a possibilidade de encontrar em instituies e em meios de comunicao

    condies concretas de formulao de problemas, estabelecendo visibilidade e espao concreto para

    o debate, que permite aos grupos delimitar suas preocupaes e especificidades.

    Nesse sentido, podemos formular duas questes:

    - em termos ticos, que papel cabe aos intelectuais, ao campo acadmico, na manifestao de

    direitos de pessoas que esto excludas do mundo formal do letramento? Sua posio , em

    princpio, de defesa de direitos humanos, exerccio de responsabilidade para com o outro,

    solidariedade com os excludos?

    - no que se refere aos movimentos sociais em andamento hoje, possvel definir se a linguagem por

    eles utilizada, em suas manifestaes pblicas, corresponde a uma forma efetiva de obteno de

    impacto junto sociedade? Os grupos esto preparados para interagirem, inclusive, de modo

    conflitivo, com outros grupos? Em termos jurdicos e institucionais, cabem ainda mais perguntas.

    Em que medida, seria preciso conhecer e dominar a linguagem do inimigo, para ter idias aceitas e

    respeitadas? Em que medida precisamos conhecer a linguagem do poder dominante para, de dentro

    dela, implodir criticamente seus pressupostos?

    10 BUTLER, Judith. Precarious life. London: Verso, 2004.

  • No que se refere primeira questo, a bibliografia recente tem evidenciado campos de

    contradies nas relaes entre os intelectuais e os compromissos ticos, tendo em vista o profundo

    lastro conservador da vida intelectual brasileira11. Seria ingenuidade supor que a preocupao tica

    (quando no demaggica ou puramente retrica) impregna genericamente a produo intelectual

    brasileira. Pelo contrrio, tratar de direitos humanos, excluso social e movimentos transformadores

    visto freqentemente como sujar as mos, rebaixar-se com relao nobre tarefa de discutir temas

    cannicos da tradio.

    No filme Cronicamente invivel, de Srgio Bianchi, acompanhamos a trajetria de um

    intelectual, autor de um livro sobre o Brasil, por diversas regies do pas. Em certo ponto, em uma

    praia no Nordeste, o personagem est meditando sobre violncia, calado em sua cadeira. sua

    frente, um indgena olha para o mar. Dois policiais se aproximam, e comeam a espancar o rapaz. A

    cmara alterna as duas imagens: a agresso por parte dos policiais, e a reflexo por parte do

    intelectual. A sintaxe narrativa enfatiza, com eloqncia, a ausncia de qualquer comportamento

    reativo, seja do intelectual, ou das outras pessoas em torno da cena. Essa renncia ao envolvimento

    com a dor do outro, como forma de auto-preservao, coloca um problema fundamental a

    ausncia de um senso de reciprocidade. De acordo com Oscar Vilhena Vieira e A. Scott Dupree,

    Reciprocidade significa que no posso aceitar certas coisas para os outros, a menos que as aceite

    para mim mesmo. 12 A contemplao no corresponde a nenhuma interveno. Isto , o

    espancamento apresentado como algo que acontece com o outro, sobre o qual o intelectual pode

    refletir, mas no algo em que ele deva intervir de modo transformador13. A perspectiva de Bianchi

    prope uma imagem muito precria do intelectual, impotente, incompreendido e economicamente

    falido, centrado na prpria apatia.

    No que se refere segunda questo, ocorrem problemas referentes s chamadas culturas de

    gueto. O que vale para um grupo no necessariamente vlido para o outro. A cultura conservadora

    dominante gosta, muitas vezes, de adotar uma perspectiva de universalismo, como se todos os

    seres humanos fossem iguais, e tivessem as mesmas necessidades. Movimentos sociais de direitos

    humanos questionam essa premissa, evidenciando que diferenas esto na base de problemas de

    conflitos sociais. Aos seres humanos, que vivem em tempos e espaos, no so dadas condies

    11 Uma percepo da amplitude desse debate pode ser obtida com consulta a quatro volumes: RIDENTI, Marcelo,

    BASTOS, Elide & ROLLAND, Denis, orgs. Intelectuais e Estado. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. MARGATO,

    Izabel & GOMES, Renato Cordeiro, orgs. O papel do intelectual hoje. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

    DOMINGUES, Ivan, PINTO, Paulo & DUARTE, Rodrigo, orgs. tica, poltica e cultura. Belo Horizonte: Ed.

    UFMG, 2002. MIRANDA, Danilo Santos, org. tica e cultura. So Paulo: SESC / Perspectiva, 2004. 12 VIEIRA, Oscar Vilhena & DUPREE, A. Scott. Reflexes acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. Sur

    Revista Internacional de Direitos Humanos. So Paulo, 2004. ano 1, n.1. p.54. 13 BIANCHI, Sergio. Cronicamente invivel. Europa Filmes / Videolar, 2001.

  • iguais para oportunizar a existncia. Apesar de que grupos sociais freqentemente utilizam

    linguagens com peculiaridades, marcando processos identitrios, se no ocorressem especificidades,

    o impacto das demandas desses grupos se diluiriam, na retrica universalista conservadora14.

    3. Ser culto no o mesmo que ser tico

    Se a fico nos leva a pensar que precisamos do letramento para expressar nossos direitos,

    poderamos derivar da a inferncia de que fazer parte do mundo letrado facultaria maiores

    condies de convivncia. Isso no confirmado pelo processo histrico. No filme Elefante, de

    Gus Van Sant (2003), que aborda os estudantes responsveis pelo massacre na escola de Columbine,

    nos Estados Unidos, somos apresentados caracterizao dos assassinos gradativamente. Alm da

    frieza e do calculismo, chama a ateno a inclinao de um dos rapazes para o piano. Ele se dedica

    longamente a uma sonata de Beethoven15.

    Essa associao existia em Laranja Mecnica, de Stanley Kubrick (1971), em que o jovem

    Alex integrava uma disposio para a destruio dos outros com um encantamento pela msica de

    Beethoven, o que foi explorado no plano de ajuste social desenvolvido no crcere16. De acordo com

    esses filmes, no existe nenhuma garantia de que algum, por ser culto ou letrado, seja moralmente

    responsvel ou eticamente dedicado ao outro.

    No campo da literatura brasileira, Srgio Sant`anna explorou essa questo de maneira

    extraordinria no relato do professor de filosofia que sentia prazer em estuprar e matar. Construdo

    ambiguamente como investigao jornalstica, o conto O monstro apresenta os argumentos sutis,

    estratgicos e auto-afirmativos do protagonista, interessado em apresentar a sua verso dos fatos,

    como sendo a mais legtima. Aquilo que poderia passar como crime brutal se torna, na linguagem

    do professor, uma srie de episdios articulada por desafios, em que os sentimentos motivam

    conhecimento e prazer17.

    Podemos elaborar interpretaes desse conto, com base em sua polissemia e na diversidade

    dos temas nele explorados, em pelo menos duas direes. A primeira, como desmistificao da

    imagem estereotipada do intelectual como homem de bem, apontando para uma conexo funda

    entre o clculo destrutivo e o pensamento complexo. Nesse sentido, trata-se de um relato que

    dissocia inteligncia e tica, e nos faz ver o intelecto sendo usado como uma fora potencialmente

    14

    Tomo como base SULEIMAN, Susan. Authoritarian fictions. New Jersey: Princeton University, 1983.; FAYE,

    Jean Pierre. Introduction aux langages totalitaires. Paris: Hermann, 2003.

    15 VAN SANT, Gus. Elefante HBO Films, 2005. Dvd. 16 KUBRICK, Stanley. Laranja Mecnica. Warnervideo, 2001. Dvd. 17 SANT`ANNA, Sergio. O monstro. In: ___. Contos e novelas reunidos. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.

  • ameaadora.

    A segunda, em perspectiva alegrica, consiste em pensar o professor de filosofia como

    imagem associada ao Estado militar no Brasil, no perodo ditatorial, ou de modo mais amplo, s

    instituies modernas de controle disciplinar. Trata-se de observar, nesses casos, que a autoridade

    investida na figura de um intelectual tem ligao com os princpios de legitimidade da violncia

    institucional. Quem tem o poder da palavra pode apresentar a verso dos acontecimentos tratada

    como a mais plausvel, por mais que ela seja apenas uma construo retrica que esvazia e reifica o

    outro como objeto de destruio. A moa estuprada no tem oportunidade de apresentar seu ponto

    de vista. Sobre o seu direito vida nada ficamos sabendo, pois o foco narrativo prioriza o professor.

    As vtimas no encontram, em sociedades violentas e repressivas, condies de enunciao

    de seu sofrimento. O verdadeiro estado de sofrimento e dor desses indivduos no partilhado

    pelos includos. Embora existam enquanto fora coletiva (economicamente, utilizados na produo;

    e politicamente como sujeitos a serem governados), eles tm pouca voz e poucos meios diretos para

    mobilizar ou constranger aqueles que se encontram no topo. 18

    A importncia de um texto como O monstro est, entre outros fatores, no fato de que o foco

    narrativo marcado, de modo continuado, pela visibilidade do assassino, que se vale de recursos

    complexos de expresso para justificar a si mesmo. Fica invisvel a expresso da vtima o que ela

    pensou, sentiu, como foi a dor que viveu. A entrevista ficcionalizada por Sant`anna, como muito do

    que ocorre nos meios de comunicao contemporneos, remove dos acontecimentos seu impacto

    traumtico. O que mais surpreende nesses cenrios a banalidade das mortes. O relato minudente

    de cada fato deixa entrever, aqui igualmente, certa gratuidade, como se a vida fosse energia que

    brotasse aqui e acol, despida do valor que lhe atribumos em nossa cultura ocidental moderna e,

    por conseguinte, passvel de ser consumida como bem aprouver a cada um. Da que, na leitura fria

    dos processos penais, as mortes no parecem comover ningum. 19

    Se no h incompatibilidade entre apreciar Beethoven e exercitar a violncia, como indicam

    os protagonistas de O elefante e Laranja Mecnica, possvel supor que no h incompatibilidade,

    de modo mais amplo e genrico, entre a formao culta e a disposio para a destruio. Ao

    contrrio, Basta dizer que algumas das maiores violaes aos direitos humanos na histria

    moderna foram perpetradas por sociedades com alto grau de instruo. 20

    18 VIEIRA, Oscar Vilhena & DUPREE, A. Scott. Reflexes acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. Sur

    Revista Internacional de Direitos Humanos. So Paulo, 2004. ano 1, n.1. p.56. 19 ADORNO, Srgio & CARDIA, Nancy. Dilemas do controle democrtico da violncia: execues sumrias e grupos

    de extermnio. So Paulo (Brasil), 1980-1989. In: SANTOS, Jos Vicente Tavares dos, org. Violncia em tempo de

    globalizao. So Paulo: Hucitec, 1999. p.73. 20 VIEIRA, Oscar Vilhena & DUPREE, A. Scott. Reflexes acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. Sur

    Revista Internacional de Direitos Humanos. So Paulo, 2004. ano 1, n.1. p.52.

  • Se estar excludo do mundo letrado pode constituir dificuldades de exercitar direitos sociais,

    isso no exclui o fato de que participantes do universo das letras podem eventualmente defender

    preconceitos e princpios excludentes. Capacidade intelectual e disposio tica no so

    caractersticas que andem sempre juntas. Em uma polmica e enftica afirmao a esse respeito,

    George Steiner observou que as universidades podem conviver lado a lado com campos de

    concentrao 21. Sabemos que campos de extermnio so construdos com reflexes racionais, que

    amparam a solidez tecnolgica do desenvolvimento blico. Instrumentos de tortura so criados a

    partir da dedicao do intelecto cincia, mecnica, qumica22. A crtica da razo instrumental

    proposta por Theodor Adorno e Max Horkheimer envolve a percepo de que a razo no tica

    em si mesma, de que o intelecto no sustenta em si, necessariamente, o respeito ao outro23.

    Causou muito espanto a Georg Lukcs que uma fora destrutiva como o nazismo tenha

    surgido num ambiente to culto quanto a Alemanha em que aflorou a Repblica de Weimar. Ele

    escreveu um longo volume, A destruio da razo24 , tentando encontrar na histria do pensamento

    as bases para as idias de Adolf Hitler. A polmica intuio do autor sugeria que as violaes aos

    direitos humanos que hoje atribumos a campos de extermnio seriam resultantes, em princpio, de

    formas de pensar inadequadas, pensamentos complexos calcados em categorias obtusas e

    argumentos invlidos.

    O campo intelectual , nesse sentido, um tenso campo de contradies. Nele podem ser

    encontradas vozes solidrias aos direitos humanos, interessadas em encontrar condies para o

    exerccio desses direitos. Podem ser encontradas vozes apticas, indiferentes. E h o amplo espao

    da intelectualidade conservadora (e ultraconservadora), interessada em utilizar recursos de

    inteligncia para preservar, defender e reforar a excluso.

    4. As histrias no contadas: debates contemporneos

    Tivemos oportunidade de organizar, em 2000, como nmero de uma revista acadmica da

    Universidade Federal de Santa Maria, um volume sobre literatura, violncia e direitos humanos,

    21 STEINER, George. No castelo de Barba Azul. So Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.87. 22

    Ver a esse respeito descries apresentadas em : VRIOS. Brasil nunca mais. Petrpolis: Vozes, 1996.;

    BAFFA, Ayrton. Nos pores do SNI. Rio de Janeiro: Objetiva, 1989. 23

    Conforme BENJAMIN, Walter et alii. Textos selecionados. So Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os

    Pensadores) 24 LUKACS, Georg. The destruction of reason. London: The Merlin Press, 1980

  • reunindo diversos pesquisadores. No ttulo de um dos ensaios, est uma sntese de muitas das

    preocupaes ali formuladas: Em busca da histria no contada ou: o que acontece quando o

    objeto comea a falar?25 Em larga medida, o problema das relaes entre literatura e direitos

    humanos tem ligao com omisses, lacunas e silenciamentos em discursos institucionais, jurdicos

    e cientficos. Segmentos sociais excludos por foras repressoras, muitas vezes, tiveram suas

    vivncias relatadas por discursos oficiais de modos distorcidos, restritivos ou manipulados. Grupos

    reificados pela escravido, por preconceitos e por violncia institucional, muitas vezes, no tiveram

    a devida oportunidade de apresentar seus pontos de vista sobre as transformaes histricas.

    Tratados como objetos do conhecimento oficial, muitas vezes foram reduzidos a resduos de si

    mesmos, tendo suas vivncias ocultadas ou esquecidas, pelas narrativas contada em linguagem

    autoritria por governos repressores e instituies disciplinares hostis.

    Nesse volume, por exemplo, encontramos indicaes de problemas referentes a abuso

    policial, pena de morte, menores de rua, represses por machismo, anti-semitismo, racismo,

    preconceito de orientao sexual, e violncia autoritria do Estado no Brasil, na Argentina e na

    Alemanha26. Se essas questes dizem respeito a disciplinas como Histria, Sociologia e Cincia

    Poltica, no h dvida de que elas participam do campo dos Estudos Literrios.

    Ainda que de modo muito breve, portanto sem exaustividade e sem inteno de totalidade,

    cabe fazer referncia a alguns caminhos em que, na rea de literatura, a reflexo sobre os direitos

    humanos se faz necessria.

    Contemporaneamente, existe uma discusso abrangente sobre o problema do testemunho.

    Primo Levi, sobrevivente de campos de concentrao; Rigoberta Mench, perseguida na

    Guatemala; Pepetela, pensador do impacto colonial portugus na frica; Luiz Alberto Mendes, que

    esteve encarcerado no Brasil; so figuras que tm sido estudadas como autores de testemunhos. Em

    seus textos, h uma combinao de elementos confessionais, referentes violncia histrica, e

    estruturas narrativas que remetem a um conhecimento de tradies literrias. Nesses trabalhos,

    estamos fora de um campo convencional de mimese, e nos situamos em uma perspectiva em que a

    posio de enunciao decisiva. Os textos falam de processos histricos sob pontos de vista que

    os discursos institucionais oficiais no contemplaram. Nesse sentido, as histrias que no tinham

    sido contadas tm sido estudadas por pesquisadores de literatura, de modo a estabelecer paradigmas

    inovadores em poltica e tica do discurso. Para estudar autores como esses, a reivindicao de uma

    25 Trata-se de ttulo de ensaio de Rita Terezinha Schmidt. 26 Letras. Santa Maria, 2000. n.16. Publicao do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal de

    Santa Maria. Dossi Literatura, violncia e direitos humanos.

  • escuta que leve em conta suas posies histricas de excludos exige reinveno de modelos e

    categorias no campo da esttica e da teoria literria27.

    O tema dos preconceitos sociais fundamental para tericos ligados ao multiculturalismo e

    s teorias do subalterno. Para estes, o cnone literrio nacionalista freqentemente est associado a

    interesses conservadores, e a pesquisa literria deve dosar memria e esquecimento na compreenso

    das tradies28. Relativizando os princpios de definio de valor esttico, trata-se de saber por que

    certos escritores foram privilegiados pela tradio acadmica em detrimento de outros29. Alguns

    grupos de pesquisa, por exemplo, procuram associar cnones e tradies patriarcais, em diversos

    contextos geopolticos. Essa ligao traz tona o silenciamento de vozes de escritores que, por

    diversas razes, incluindo serem mulheres ou negros, ou escreverem em idiomas pouco favorecidos

    pelo mercado capitalista, foram desconsiderados pela crtica acadmica ou pela imprensa

    especializada. Em alguns casos, o debate acadmico e a militncia poltica se tangenciam. Na crtica

    norte-americana, uma voz conservadora que se manifestou frontalmente contra esse contato foi a de

    Harold Bloom30. O debate est aberto, e a multiplicidade de posicionamentos est distante de um

    consenso.

    A prpria noo de literatura est em questo, dentro do debate sobre direitos humanos.

    Nesse sentido, importante o recente artigo de Marcos Piason Natali Alm da literatura..

    Refletindo sobre o modo como o conceito de literatura est discutido em um ensaio de Antonio

    Candido, O direito literatura, Natali prope questes fundamentais, articuladas com discusses

    contemporneas sobre direitos humanos.

    O ensaio de Antonio Candido equaciona literatura e direitos humanos, e foi apresentado no

    mbito da SBPC, em 1988. Candido escreve, nesse ensaio, que a literatura aparece claramente

    como manifestao universal de todos os homens em todos os tempos. No h povo e no h

    27

    Conforme SELIGMANN-SILVA, Mrcio. O testemunho: entre a fico e o real. In: ___, org. Histria,

    memria, literatura. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. ; PENNA, Joo Camillo. Este corpo, esta dor, esta fome: notas

    sobre o testemunho hispano-americano. In: SELIGMANN-SILVA, Mrcio, org. Histria, memria, literatura.

    Campinas: Ed. Unicamp, 2003. ; CROSARIOL, Isabelita Maria. O testemunho na literatura angolana: uma reescrita da

    histria em tempos de violncia. Gandara. Rio de Janeiro, 2007.;GARCA, Gustavo V. La literatura testimonial

    latinoamericana. Madrid: Pliegos, 2003.;HATLEY, James. Suffering witness. New York: State University of New

    York, 2000.

    28 Conforme SCARPELLI, Marli Fantini & DUARTE, Eduardo Assis, orgs. Poticas da diversidade. Belo Horizonte:

    FALE-UFMG, 2002. MARQUES, Reinaldo & BITTENCOURT, Gilda, orgs. Limiares crticos. Belo Horizonte:

    Autntica, 1998. 29

    Conforme REIS, Roberto. Cnon. Ih: JOBIM, Jos Luis, org. Palavras da crtica. Rio de Janeiro:

    Imago, 1992.; COUTINHO, Eduardo. Literatura comparada, literaturas nacionais e o questionamento do

    cnone. Revista brasileira de literatura comparada. Rio de Janeiro: Abralic, 1996. n.3.

    30

    BLOOM, Harold. O cnone ocidental. So Paulo: Objetiva, 1995.

  • homem que possa viver sem ela 31. Seu artigo desenvolve a tese de que todos os seres humanos

    precisam da literatura como um componente humanizador, que contribui para elementos como o

    exerccio da reflexo, a aquisio do saber e o senso da beleza 32. Diz ainda que ela corresponde

    a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade 33 Com

    base na interpretao deste ensaio, Natali nos leva a refletir sobre pontos como os seguintes.

    A utilizao da categoria do universal traz em si a percepo de que os seres humanos tm

    traos essenciais, que constituem suas necessidades. Esses traos se conjugam com valores. No

    entanto, o discurso dos direitos humanos precisa administrar a tenso entre o universalismo de suas

    propostas, baseadas em um humanismo liberal, e o reconhecimento, cada vez mais difcil de evitar,

    da diversidade cultural do mundo 34. Essa segunda face, a diversidade cultural, no compatvel

    com a idia de que todos os homens tenham os mesmos interesses e valores. Um conceito

    universalista de literatura tem implicaes como submeter a parmetros homogneos produes

    diversificadas. Isso leva a integrar, no discurso crtico e historiogrfico, fenmenos culturais que,

    originariamente, em suas condies de produo, no foram construdos de modo a atender

    expectativas cognitivas ou expressivas idnticas s da fico europia cannica. Produes que

    esto articuladas a diversidades culturais profundas, ligadas a formas de religio, conhecimento e

    expresso distantes do chamado cnone ocidental so ento integradas, s vezes fora,

    categoria de literatura universal, que funciona como mquina de traduo35 do outro ao mesmo.

    A necessidade de pensar contemporaneamente nos direitos de sociedades e grupos excludos pela

    violncia histrica leva a colocar a pergunta primria o que entendemos por literatura no mbito

    do questionamento de paradigmas civilizatrios. Como Natali observa, celebrar uma identidade

    universal pode significar celebrar um processo de imperialismo colonial empreendido sob ameaa

    de morte36, em que a diversidade cultural foi danificada por numerosos genocdios, ainda hoje

    insuficientemente compreendidos.

    Observaes finais

    31

    CANDIDO, Antonio. O direito literatura. In: ___. Vrios escritos. So Paulo: Duas Cidades, 1995. 3 ed.

    revista e ampliada. P.242.

    32 CANDIDO, Antonio. O direito literatura. op cit. p.249.

    33 CANDIDO, Antonio. O direito literatura. op.cit.. P.256.

    34 NATALI, Marcos Piason. Alm da literatura. Literatura e sociedade, n.9, 2006, p.33-34. 35 NATALI, Marcos Piason. Alm da literatura. op.cit., p.36. 36 NATALI, Marcos Piason. Alm da literatura. op.cit., p.40.

  • luz de Wittgenstein, a dificuldade de admitir a dor do outro como relevante e as limitaes

    em condies de manifestao de expressar dor apontam para um risco constante de impasse nos

    relacionamentos humanos: enquanto a dor do outro no reconhecida como idntica minha, ela

    pode no receber a considerao necessria. Desigualdade social e injustia na distribuio de

    direitos andam juntas com dificuldades de interao, associadas a diferenciaes nos modos de

    emprego de linguagem.

    Se admitimos a hiptese iluminista de que importante dispor de recursos lingusticos para

    a resoluo de problemas, no podemos fazer isso ingenuamente. Temos de imediatamente

    visualizar um contraponto argumentativo, avaliando que muitos dos responsveis pela excluso e

    violao de direitos so homens cultos, dotados de slida formao escolar e amplo domnio da

    linguagem. Observamos a ausncia de coincidncia entre formao letrada e atitude tica

    responsvel, o que exige clareza com relao s escolhas de cada um em seu modo de abordar o

    outro.

    Podemos formular, com base nesses elementos, uma hiptese de encaminhamento concreto,

    com vistas ao exerccio de direitos humanos. Cabe a elaborao de uma concepo pedaggica de

    formao do leitor, voltada ao contato com a literatura na escola e na universidade, que inclua

    reflexes sobre os aspectos indicados: relaes entre o emprego da linguagem e a interao com o

    outro, incluindo a a dor do outro; diferenciaes entre a idia de ser culto e ser tico; elos entre

    mudanas sociais, diversidade cultural e valores literrios.

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