Literatura e Pós-Modernidade

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Literatura e pós-modernidade

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  • 5/24/2018 Literatura e Ps-Modernidade

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    Unoesc & Cincia ACHS, Joaaba, v. 2, n. 2, p. 166-173, jul./dez. 2011 166

    Literatura e ps-modernidade: Os clssicos em crise

    na sociedade de consumo

    Edinaldo Enoque Silva Junior*

    Paulino Eidt**

    Resumo

    Sob a gide da teoria sociolgica ps-moderna e da sociedade de consumo este ensaio visou discutir

    as transformaes da atual sociedade. Pelo vis da produo literria, buscou-se compreender os

    processos de obteno de informao e conhecimento do indivduo contemporneo e entender

    o papel dos clssicos nessa construo. Discute a necessidade da manuteno das obras literrias

    clssicas como fonte de amadurecimento e autonomia e o papel muitas vezes negativo da atualproduo literria que inibe indiretamente a construo de uma intelectualidade positiva e

    questionadora que esto sujeitos muitos dos consumidores desses meios de informao.

    Palavras-chave: Literatura clssica. Sociedade de consumo. Ps-modernidade.

    1 INTRODUO

    Estamos passando por transformaes. O mundo muda, muda numa velocidade constante

    e assustadora. A iminncia de um novo paradigma que sustentar as relaes inter e intra-humanaj esto lanados, lanados no sentido de destituir os paradigmas passados; suas bases vindouras,

    entretanto, permanecem uma incgnita. As idias de verdade e os grandes discursos se ndam. O

    que vem agora? O que nos espera no m do tnel?

    No h motivos para alarmismos catastrcos como bem assinalam alguns autores; outros por

    hora, preferem aguardar as transformaes sem dar maiores informaes e teorizaes a respeito.

    Por conseguinte, alguns assinalam at o m da histria como norteador das prticas humanas

    calcadas em referenciais passados; o futuro parece andar incerto em velocidade alta e sem conhecer

    a estrada. Os intelectuais se silenciam, alguns otimistas como Michel Maffesoli (2006) recebe debraos abertos os novos tempos: o tempo das tribos.

    Em contraposio, encontramos outro grande terico, Zygmunt Bauman (2007a) que enxerga

    nesse novo Zeitgeist (esprito do tempo) algo de catico e inconcluso. Entre alarmistas e otimistas

    uma coisa certa, o crescimento massivo dos intermedirios culturais, aqueles que produzem bens

    de cultura e distribuem aos consumidores (todo mundo em potencial) por intermdio dos meios

    de comunicaes, aumenta consideravelmente:

    *Mestrando em Educao pela Universidade do Oeste de Santa Catarina; graduado em Histria, especialista em CinciasSociais; professor de Histria no Colgio Jesus Maria Jos, Rua La Salle, 2570 - SC 89900-000; [email protected];**Doutor em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo; professor da Rede Pblica de Ensino deSanta Catarina e do Programa de Mestrado em Educao da Universidade do Oeste de Santa Catarina; [email protected]

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    Segundo Bauman (2010b, p. 33):

    Se o mundo habitado por consumidores se transformou num grande maganize onde se vendetudo aquilo de que voc precisa e com que pode sonhar, a cultura parece ter se transformadoatualmente em mais um de seus departamentos. Como nos outros, suas prateleiras estolotadas de mercadorias renovadas diariamente, e as caixas esto decoradas com annciosde novas ofertas destinadas a desaparecer depressa, como as mercadorias que anunciam.Tanto as mercadorias quanto os anncios publicitrios so pensados para suscitar desejose sgar vontades, para o impacto mximo da obsolescncia instantnea. Os comerciantes e

    publicitrios responsveis conam no casamento entre poder de seduo das ofertas e oprofundo impulso de seus clientes potenciais de estar sempre um passo frente dos outrose de levar vantagem.

    Entre esses produtos distribudos pelos intermedirios culturais, encontram-se textos, livros,

    notcias e entretenimento. Consumimos esses produtos muitas vezes no nos dando ao trabalho de

    questionar veracidade, profundeza e conhecimento de causa das pessoas, meios e programas que

    nos informam ou deformam. As aspas em demasia resultado das incertezas contemporneas,

    pois como vimos com Maffesoli e Bauman, as posturas divergem em nmero e grau sobre o que

    somos ou o que temos.Efemeridade um termo usual para caracterizar o novo esprito do tempo. A solidez encontrada

    nas chamadas grandes narrativas como, por exemplo; marxismo, feminismo, cristianismo, o projeto

    iluminista de ordem e progresso, crescimento contnuo da humanidade mediante a distribuio

    igualitria dos resultados provenientes das descobertas cientcas no mostram hoje to promissora

    como antes.

    Entretanto, o que fazer? O mundo gira, a vida urge por respostas a perguntas que no sabemos

    formular com percia e eccia, acontecendo, assim, um paradoxo de perguntas sem respostas,

    respostas sem perguntas, como se estivssemos numa caverna platnica onde no vemos, mas

    falamos e os ecos se confundem entre o que se pergunta e o que se responde.

    Muitos acreditam que as mudanas do mundo so boas. Alguns frankfurtianos como Adorno

    e Horkheimer (2000) no encaram como boas essas transformaes, ainda mais quando se trata do

    conhecimento popular em lugar do erudito.

    O pastiche e o kitschassumem grandes contornos. Mozart surge mixado com baterias de

    escolas de samba, replicas de Van Gogh e Manet so reproduzidas aos borbotes. A aura to

    valorizada por esses intelectuais sucumbem massicao da obra de arte. Que m levar o artista,

    o observador e a arte?

    Na batida dessa mudana, a literatura sofre, e para muitos, funestas transformaes como nosoutros campos da arte erudita. A pop-arte chega estratosfera e decreta arte erudita, o mesmo

    m que Nietzsche fez com Deus, a morte.

    Benjamin (2000) v com bons olhos a massicao da arte. O povo tem, pode e deve ter

    acesso aos bens simblicos dos grandes artistas da humanidade, nem que para isso seja mediante

    uma rplica chinesa. Talvez, por ver um El Greco falsicado, o cidado comum possa se interessar

    por arte erudita e se tornar um conhecedor autodidata. O problema para os pensadores contrrios

    ao acesso da plebe arte erudita justamente esse autodidatismo, problema esse devido falta de

    uma iniciao adequada.E o que dizer dos livros? Enquanto realmente difcil ter acesso ao Louvre, ao Prado, Museu

    britnico entre outros, os livros no perdem tanto assim a sua aura, mas o que aconteceu com

    os clssicos? Tendo em mente os conceitos que agregam o chamado ps-modernismo como:

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    efemeridade, relativismo, liquidez, presentismo, entre outros, como ca os chamados livros clssicos

    da cultura universal que possuem a ideia de durabilidade, solides e permanncia?

    Pesquisando na internet podemos encontrar uns cem nmeros de pginas com centenas de

    livros clssicos, de Homero a Dostoivski, passando por Goethe e Shakespeare .Mas a pergunta ;

    quem os acessa? Qual a quantidade de livros baixados e lidos? Como se d a relao do indivduo,

    tido ps-moderno, com a literatura clssica da cultura universal?

    2LITERATURA CLSSICA E COMERCIAL NA SOCIEDADE DE CONSUMO

    Quando batizado de literatura universal esses livros tinham em comum o que realmente

    universal no homem para a concepo da poca, ou seja, os anseios, medos, paixes, dios, amores

    eternos, relaes humanas religiosas, metafsicas, entre outros.

    Embora esses sentimentos do mostra de continuidade entre a humanidade presente, parece

    que no so mais to universais e iguais assim. Logo a ideia ps-moderna que vem romper com

    tudo que se diz universal rompe tambm com a ideia de cultura e literatura universal. Em relao aos

    sentimentos, atualmente, nem to universais assim. Habermas arma que a eugenia gentica liberal

    poder em um brevssimo perodo eliminar genes e atribuies genticas indesejveis:

    Quando se considera que os outsiders da medicina j esto trabalhando em clones reprodutoresde organismos humanos, impem-se a perspectiva de que em pouco tempo a espcie humanatalvez possa controlar ela mesma sua evoluo biolgica. Protagonistas da evoluo ou atbrincar de Deus so as metforas para uma autotransformao da espcie, que pareceiminente. [...] com a introducao da fertilizao articial, deu-se um passo importante nessaquesto e que seria irrealista acreditar que nossa sociedade pudesse, num contexto em que

    j foram tomadas as decises relativas ao direito vida do embrio retroceder ao status quoante. Enquanto prognostico sociolgico isso at pode ser comprovado como verdadeiro.

    (HABERMAS, 2004, p. 29).

    Por ora, resta questionar; os clssicos morreram? Na lista de Best Sellers do The Times,

    American Post, Revista Veja, por exemplo, entre as revistas especializadas em literatura, no h lugar

    para os clssicos: receitas culinrias sim.Como estar-se em forma e comer bem, guia de viagens, guias

    exotricose romances onde paixes giram entre humanos, vampiros e lobisomens esto no topo.

    A instantaneidade do mundo efmero contemporneo, a velocidade e escassez de tempo, o

    zappingdo controle remoto frentico na mo do indivduo contemporneo com pressa, do mostras

    de que o tempo preciso e precioso para ler com a devida calma e compenetrao que requer um

    Faustono so mais possveis. Linguagem simples, frases curtas, sem oreios, sem despertar muito

    os sentidos e questionamentos so mais procurados:

    Mas quem jogar com essas cartas pode estar certo de que perder tudo quanto possuir; e,quanto plvora, ela tem a propriedade de fazer com que o fuzil estoure em seu prpriorosto. (Hugo, 2007, p. 433)

    Victor Hugo, num dos clssicos da literatura universal, escreveu esse trecho em um dos dilogos de

    Os Miserveis, mas ele signicativo e pressagiador se pensarmos na literatura como algo aos cuidados dos

    intermedirios culturais. Parece que h nessas palavras algo de conservador, retrogrado e antiquado inda

    mais se for lido por um escritor ps-moderno, conhecedor do novo Zeitgeist e dos meios de encantamento

    simblico, miditico e econmico, consciente das transformaes juvenis e de seus desejos, ou dos desejos

    que esto imbudos nas mensagens de consumo, escritores assim rechaaro a citao improvisada de Hugo

    alardeando a liberdade de escrita, mas no para esses a idia de plvora e fuzil na cara.

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    Muito se tem falado de educao ambiental, educao para o trnsito, educao sexual, educao

    religiosa e educao literria?

    Parece um consenso entre educadores que ler no necessariamente est relacionado com aprender. Muitos

    jovens e adultospassam o tempolendo. Por esse motivo, procurasse mais e mais livros entusiasmantes fceis

    e superciais, dilogos infecundos e enredos pobres, a ideia no pensar, entreter.

    Entretendo, se passa tempo, passando tempo um livro lido. Se um lanche estiver acompanhando a

    leitura estar armado o po e circo, muito ecaz a Roma Antiga em seus tempos de crise. Mas no estamos

    em crise, e nem somos escravos diro muitos. Realmente no, no estamos em crise; nunca tivemos tantos

    hipertensos, nem diabticos, nem obesos, nem deprimidos, nem somos escravos do tempo, nem das contas,

    nem dos anncios, nem da moda e nem da mdia; no somos escravos nem de ns mesmos, talvez um pouco

    pelo que os outros pensam de mim. Ai est o resultado do manejo incorreto do fuzil e da plvora.

    A literatura inuencia nisso? Ttulos do tipo: Coma de tudo e no engorde,Dieta do abacaxi,Dieta

    da sopa, Dez maneiras deseduzir um homem,Seja feliz com o seu cachorro,Por que os homensamam asmulheres poderosas,Quem pensa enriquece,S garotos,Dicas de quase tudo, O que toda mulher inteligente

    deve fazer, Tudo o que vocpensa, pense ao contrrio, Homensgostam de mulheres que gostam desi mesmo,

    Como conquistar possas,Dieta nota dez,Dieta do Abdmen,Dez leis paraser feliz, No faa tempestade em

    copo dgua, No acredite em tudo que voc pensa,Dieta do corredor,Faa da alimentao sua aliada,

    Treinando a emoo para ser feliz,Como fazer amigos einfuenciar pessoas, podem dizer algo?

    A literatura parece inuenciar muito mesmo. Os ttulos so atrativos. Quem no quer ter

    poder, amor, riqueza, ser magro, feliz e jovem? A presena de verbos e de imperativos assustador

    e mostra a grande presso e inuncia dos maiores interessados, quais so: autores, intermedirios

    culturais, editoras, mercado, moda, etc. na procura de uma maneira eciente de vender muito e

    inuenciar sorrateiramente.

    Adultos, jovens e velhos inseridos nesse mundo em mutao encontram na literatura comercial

    (chamei-a assim em aluso a chamada msica comercial tambm muito consumida por sua balada

    empolgante e letra fcil) entretenimento e no conhecimento, adere aos mandos e desmandos de

    autores de como se deve fazer as coisas, ser ricos e felizes, magros e comedores de tudo, poderosas

    e sedutoras.

    3 A EDUCAO NA CONSTITUIO DO INDIVDUO CONTEMPORNEO

    O entretenimento que cava em revistas, novelas, programas televisivos invadem o mundo

    dos livros e rompe com o pensamento crtico. A estetizao da vida, a imagem e o smbolo acelerao processo de individuao e de supercialidade dos indivduos consigo mesmo e com os outros.

    O eu ca atordoado com tantas imagens e dicas de como ser e como no ser que a segurana

    ontolgica de que nos fala Giddens (1991, p. 78) que impraticvel:

    A segurana ontolgica uma forma, mas uma forma muito importante, de sentimentosde segurana no sentido amplo [...] a expresso se refere crena que a maioria dos sereshumanos tm na continuidade de sua auto-identidade e na constncia dos ambientes de aosocial e material circundantes. Uma sensao da dedignidade de pessoas e coisas, to central noo de conana, bsica nos sentimentos de segurana ontolgica; da os dois serem

    relacionados psicologicamente de forma intima.

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    E continua:

    E assim a arte est por toda a parte, uma vez que o artifcio jaz no prprio corao darealidade. E assim a arte est morta, no somente por sua transcendncia crtica est perdida,mas porque a prpria realidade, totalmente impregnada por uma esttica inseparvel de suaprpria estrutura, vem se confundindo com sua prpria imagem. (GIDDENS, 1991, p. 79).

    Como pensar na Segurana Ontolgica assinalada por Giddens se a insegurana estinstitucionalizada? Como pensar na maioridade e no esclarecimento humano kantiano se insistimos

    na menoridade? Como pensar num possvel bermenschnietzschiano se vivemos como rebanho,

    como pensar em emancipao freiriana se insistimos em copiar?

    Como vimos acima, Antony Giddens v no indivduo algo a mant-lo unido consigo mesmo e

    com o outro. Ele o chama de segurana ontolgica e deve ser incutida e cultivada na criana desde a

    tenra idade pelos pais e tutores para que o indivduo depois de adulto possa ter a segurana de si e

    de relacionar-se com o outro sem perder-se completamente por inuncias externas perigosas. Essa

    ideia de identidade ontolgica permite, por exemplo, a formao e manuteno da personalidade

    individual. Entretanto, com a liquefao das identidades, a ideia de seguir as tendncias da moda

    e da temporada faz do homem contemporneo incapaz de manter qualquer tipo de identidade

    duradoura.

    Segundo Harvey (2000, p. 63):

    [...] a mais problemtica faceta do ps-modernismo e seus pressupostos psicolgicos quanto personalidade, motivao e o comportamento. A preocupao com a fragmentao einstabilidade da linguagem e dos discursos leva diretamente, por exemplo, a certa concepoda personalidade. Encapsulada, essa concepo se concentra na esquizofrenia em vez dena alienao e na parania. Se a identidade pessoal forjada por meio de certa unicao

    temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de mim os efeitos da ps-modernidade mostra a incapacidade de unicar o passado, o presente e o futuro na formaoda nossa experincia bibliogrca.

    Para Kant, todo indivduo tem como caracterstica intrnseca de seu desenvolvimento intelectual

    a menoridade. Esta a incapacidade do individuo pensar por si s sem a ajuda de outrem, nesse caso,

    seus tutores. A menoridade deveria ser para Kant, provisria e passageira, pois com o aprofundamento

    e amadurecimento intelectual, busca por respostas de perguntas individuais, os indivduos iriam

    naturalmente buscar sua prpria verdade e assim atingir a maioridade, consequentemente, o

    esclarecimento. Mas as coisas no so bem assim. Kant nos explica que sempre haver aquelesque permanecero indenidamente menores por toda a vida. Curiosamente, a produo literria

    corrobora para a manuteno da menoridade quando lemos ttulos agradveis ensinando a arte da

    vida e explicando tudo de quase tudo um pouco. Os tutores ou pretendentes a s-lo no parecem

    preocupados com o alcance da maioridade, esclarecimento e autonomia, a menoridade rende mais.

    Kant apresenta razes individuais e sociais para a perptua menoridade. No mbito individual:

    A preguia e a covardia so as causas pelas quais uma to grande parte dos homens, depoisque a natureza de h muito os libertou de uma direo estranha (naturaliter maiorennes),

    continuem, no entanto de bom grado menores a toda a vida. So tambm as causas queexplicam por que to fcil que os outros se constituam tutores deles. to cmodo sermenor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que pormim tem conscincia, um mtodo que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., entono preciso de esforar-me eu mesmo. (KANT, 2008, p. 54).

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    No mbito social:

    (Os tutores) Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado domstico e preservadocuidadosamente estas tranqilas criaturas a m de no ousarem dar um passo fora docarrinho para aprender a andar, no qual a encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo queas ameaa se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade no to grande, poisaprenderiam muito bem a andar nalmente, depois de algumas quedas. (Idem, p. 55).

    Palavras duras. Ora, se na poca de Kant (os tutores) seriam o que hoje a ps-modernidadecondena como os grandes narradores como a Igreja, a famlia, a escola, entre outros, perguntamos:

    Hoje quais so os tutores dos menores? Quem est guiando e controlando as dvidas dos que no

    alcanaram a maioridade e o esclarecimento? Ser que esses tutores tm a pretenso de tornar

    maiores seus discpulos? Qual a vantagem para tanto?

    O ciclo se fecha, as respostas parecem claras. Quando lamos os clssicos tnhamos mais

    perguntas que respostas, hoje os livros, as revistas, as novelas e os produtos dos mass mediado

    mais respostas que perguntas. Tais respostas so massicadas como se no houvesse outra possvel.

    Como toda mercadoria, essa forma de informao e os meios de acesso ela tem um produtor

    que lucra mais, na medida em que consumida por maior nmero de fregueses (leitores) que

    pagam por esse consumo, incluindo os aparelhos receptores (rdio, TV, multimdia, computadores,

    internet, TV a cabo, livros). Eles tornaram-se bens de uso necessrios, at fontes geradoras de

    informao como as redes de transmisso, os servidores e provedores da internet. Todos vendem

    uma mercadoria ou um servio. Tudo produzido para que, no circuito da comunicao, todos

    lucrem. As grandes empresas, das telefonias e dos circuitos de telemtica, lucram com o aumento

    do uxo de informaes. A utilizao de um impulso eltrico por um perodo mnimo de tempo gera

    um pagamento creditado nas contam dos intermedirios. Maior quantidade de livros, maiores lucros

    s editoras, livrarias e escritores. Estabelece-se relaes de troca entre proprietrios de informaes,dos canais, das redes, dos servidores-provedores, dos distribuidores e o proprietrio da necessidade

    dessa comunicao, o consumidor:

    As novas tecnologias, entretanto, poderiam diminuir sua importncia ao oferecer um avalanchede informaes supruas e efmeras, elaboradas apenas para o divertimento e para oconsumo imediatos, tirando com isso o espao para os conhecimento clssicos, longamenteelaborados, no trajeto secular das formaes sociais. Conhecimento registrado e transmitidode gerao em gerao que, embora incompleto e segmentado, encontra-se carregado devida nas aparentes letras mortas das bibliotecas. (FEATHERSTONE, 1990, p. 101).

    A preocupao de Featherstone para o cuidado de no se entreter mais que educar positivo.As teorias pedaggicas cansam de enunciar: tem-se que transformar a informao do aluno em

    conhecimento! Segundo essa sentena o aluno hoje vem recheado de informao e de suma

    importncia que o professor ajude a transformar esse aglutinado de informaes esparsas e efmeras

    em conhecimento. De onde os alunos tiram essas informaes? Ou melhor, que tipo de informaes

    esses alunos trazem para a escola em sua maioria? Qual o meio disponvel de informao desses

    alunos? Anal como o professor est de conhecimento?

    Se o professor tambm estiver mergulhado no informacionismo ser tambm um informador.

    O discurso lindo, mas o professor est na maioridade? Est realmente esclarecido? Quando chegaem casa, qual sua catarse televisiva? Projeta-se no personagem da novela, identica-se com o ator

    do lme, os Olimpianos como explica Morin (1998)? Vai para a internet saber dos tititis, l manuais

    do deve-se como diz Nieztche (2005) ou esclarecesse e maiorizasse?

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    Logo a escola tem um papel enorme sobre suas costas, de educar para a maioridade. E os

    outros tutores do aluno, os pais. O que tem feito? E os modernos tutores, o So Google, como assim

    chamam os jovens, a internet e os meios de comunicao o que tem oferecido? Eis a questo:

    Espera-se que a escola no renuncie a riqueza intelectual do passado por entrar na ondainformtica, do divertimento e das informaes rpidas sem a sedimentao necessriapara a gerao dos conhecimentos necessrios formao dos cidados do mundo,compromissados com sua democratizao e a superao das desigualdades e excluses que

    recentes revolues vm aprofundando. Nesse sentido, vale a pena velar pela qualidade dasinformaes, pelos registros da produo material e cultural da humanidade, [...] tarefa queexige aproveitamento maximizado dos recursos oferecidos pelas novas tecnologias, mesmosabendo de suas limitaes e das controvrsias geradas em torno de seus desdobramentos naatual sociedade mercadolgica e consumista. (GAMBOA, 2001, p 85).

    Logo, a escola continua com um cargo enorme sobre seus ombros como provedora de

    conhecimento, esclarecimento, maioridade e autonomia. A diculdade aumenta quando a prpria

    instituio escolar desacreditada pela sociedade que a julga incapaz de atender as novas demandas

    dos alunos. Mas essas demandas so ecazes para a melhoria e o contnuo amadurecimento e

    humanizao de jovens e adultos? Ser que possvel ainda acreditar numa educao emancipadora

    e libertadora? E os clssicos ser que um dia voltaro para as mos de leitores vidos no maisem entreter-se, mas sim em conhecer a cultura universal da arte potica e prosaica dos autores

    passados? Infelizmente no sabemos. Como vimos temos mais perguntas que respostas.

    O pensar, ato essencial e frgil, no se partilha enfatiza Michel Schneider (1990). Conforme

    Arendt (2006, p. 27) necessrio um juzo comum sobre o que valioso e digno de ser salvo do

    esquecimento. Mas, e o que digno de ser salvo do esquecimento?

    Talvez tenhamos que salvar do conjunto das turbulncias e das mudanas a ideia de que a

    crescente razo da cincia e das mquinas pode ocultar as conquistas do passado e, entre elas, a

    literatura clssica. A exemplo dos clssicos, somos peregrinos na terra e esta vai durar para alm daextenso de uma vida humana.

    4CONCLUSO

    Com os tericos ps-modernos entendemos que quilo que norteava a caminhada humana

    parece no mais interessar profundamente o indivduo contemporneo. Idias de verdade, de

    solidez e autonomia do lugar a conceitos mais volteis como liquidez, efemeridade e inconcluso.

    Assim os chamados clssicos universais da humanidade que entram indiretamente nas chamadas

    grandes narrativas pela ps-modernidade tem seu m decretado. A produo literria tende a seguir

    as ideias de transformao contnua do ser humano sem a ideia de projeto nal, de concluso e

    nitude. Receitas do como viver bem, imperativos do dever ser, dever fazer, dever sentir, circula no

    topo dos ttulos mais vendidos no mundo. A informao entra como substituto do conhecimento e

    a efemeridade dessa informao parecem ser to passageiros quanto s dietas e amores.

    A concluso do sujeito sujeitado pelos intermediadores culturais ca perdida nos oreios

    superciais de relacionamentos entre lobisomens e vampiros. Ideias de autonomia, maioridade,

    liberdade, segurana ontolgica parecem discursos conservadores e retrgrados frente as mil

    possibilidades dos homens e mulheres do mundo atual. A educao continua sendo uma das nicas sadas frente a relativizao total do homem,

    mas por ser humano, o prprio professor ca a merc das mensagens e linhas sedutoras de livros e

    programas. Os pais encantados com a possibilidade da eterna juventude e de dietas mirabolantes

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    claudicam na educao de seus lhos estimulando a eterna menoridade to clara a Kant. Como

    vimos, as perguntas so maiores que as respostas, precisamos olhar para fora da caverna com

    olhares questionares para vislumbrar um possvel esclarecimento.

    Abstract

    Under the aegis of sociological theory and postmodern consumer society that trialaimed to discuss

    the transformation of present society. The bias of literary production, we sought to understand theprocesses of obtaining information and knowledge of contemporany individual and understand the

    role of the classics in this construction. Discusses the need for maintenance of a literary classic as

    a source of maturity and autonomy and often negative role of the current literature that indirectly

    inhibits the construction of a positive and inquisitive intellect whoare subject of many consume media.

    Keywords: Classical literature. Consumer society. Post-modernity.

    REFERNCIAS

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