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Eduardo de Araújo Carneiro – Amazônia, limites & fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru) Uma história revisada da nacionalização DO ACRE Três países disputaram o território que hoje compreende o Estado do Acre, a saber: Brasil, Bolívia e Peru. Esse livro é uma tentativa de explicar o processo histórico que resultou no abrasileiramento desse território. O seu caráter revisionista tem a ver com a crítica que faz ao conteúdo epopeico contido na versão oficial acreano- brasileira, cuja missão foi inventar um passado inaugural glorioso capaz de legitimar a nacionalização dessas terras e despertar orgulho nos acrianos. Portanto, essa obra não tem qualquer compromisso de preservar as tradições, os abusos da história, muito menos as políticas simbólicas que sustentam o discurso da acrEanidade. É licenciado em História (UFAC) e bacharel em Economia (UFAC). É mestre em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP). É aluno do curso de graduação em Letras/Francês (UFAC) e do Doutorado em Estudos Linguísticos (UNESP). É Professor da UFAC desde 2008. DO MESMO AUTOR: ISBN 978-85-919549-6-4 EAC Editor EAC Editor Eduardo de Araújo Carneiro PRÓXIMOS LANÇAMENTOS Edição Especial do livro “A Fundação do Acre” EAC Editor [email protected]

LIVRO Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre (Eduardo Carneiro)

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Livro conta a história do Acre de maneira mais sincera, contrária a versão épica divulgada pela história oficial..

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Três países disputaram o território que hoje

compreende o Estado do Acre, a saber:

Brasil, Bolívia e Peru. Esse livro é uma

tentativa de explicar o processo histórico

que resultou no abrasileiramento desse

território. O seu caráter revisionista tem a

ver com a crítica que faz ao conteúdo

epopeico contido na versão oficial acreano-

brasileira, cuja missão foi inventar um

passado inaugural glorioso capaz de

legitimar a nacionalização dessas terras e

despertar orgulho nos acrianos. Portanto,

essa obra não tem qualquer compromisso

de preservar as tradições, os abusos da

história, muito menos as políticas simbólicas

que sustentam o discurso da acrEanidade.

É licenciado em História

(UFAC) e bacharel em

Economia (UFAC). É mestre em

Linguagem e Identidade (UFAC)

e doutor em História Social

(USP). É aluno do curso de

graduação em Letras/Francês

(UFAC) e do Doutorado em

Estudos Linguísticos (UNESP). É

Professor da UFAC desde 2008.

DO MESMO AUTOR:

ISBN 978-85-919549-6-4

EAC Editor

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Eduardo de Araújo Carneiro

PRÓXIMOS

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Edição Especial do livro “A Fundação do Acre” EAC

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Eduardo de Araújo Carneiro

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AMAZÔNIA, LIMITES & FRONTEIRAS

(Brasil, Bolívia e Peru):

uma história revisada da nacionalização do Acre

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EAC Editor

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C289a

Todos os direitos dessa edição pertencem a Eduardo de Araújo Carneiro. Nenhuma parte desse livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou

forma sem a autorização prévia do autor pelo e-mail [email protected].

Editor Geral

Eduardo de Araújo Carneiro

Capa, Diagramação, Preparação do Texto, Ilustração, Projeto Gráfico, Revisão e Arte Final

Eduardo de Araújo Carneiro

ISBN 978-85-919549-6-4

Edição Especial do Livro “A Fundação do Acre”

Janeiro de 2016

Carneiro, Eduardo de Araújo.

Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionaliza-ção do Acre. /Eduardo de Araújo Carneiro. Rio Bran-co: EAC Editor, 2016, 154p. : il.

I. História; II. Acre; III. Amazônia; IV. Revolu-

ção Acriana; V. Tratado de Petrópolis; VI. Bolívia; VII Peru; Título.

CDD 981.12

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Essa é uma edição revisada do livro A Fundação do Acre: uma história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar e fase diplomática). Ela será destinada às bibliotecas de diversas Universidades Federais. Como esse livro foi uma versão melhorada do quarto capítulo de minha Tese de Doutorado, dedico essa edição aos gestores e participantes do DINTER em História Social firmado entre a UFAC e USP (2011-2014).

Coordenador do DINTER/USP – Prof. Dr. Marcos Silva

Coordenador do DINTER/UFAC – Prof. Dr. Sávio Maia

Minha Orientadora – Profa. Dra. Raquel Glezer (USP)

Membro da minha banca de Qualificação – Prof. Dr. Lincoln Secco (USP)

Membro da minha Banca de defesa – Profa. Dra. Maria Capelato (USP)

Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Valdir Calixto (UFAC)

Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Francisco Pinheiro (UFAC)

TURMA DO DINTER

Carlos Estevão Castelo

Cássio Melo

Daniel Klein

Eduardo Carneiro

Elisandra Lira

Euzébio Monte

Francielle Modesto

Francisco Pereira

Geórgia Lima

Hélio Moreira

Marcelo Murilo

Nedy Bianca Albuquerque

Sérgio Roberto Souza

Valmir Araújo

Wlisses da Silva

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 05

1. A FASE INVASIVA 09 1.1 A conjuntura internacional 10 1.2 A invasão 15 2. A FASE MILITAR 20 2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana” 24 2.2 A história revisada da “Revolução” 38 3. A FASE DIPLOMÁTICA 64 3.1 A Questão do Acre e os EUA 69 3.2 O Bolivian Syndicate 76 3.3 O Tratado de Petrópolis 99 3.4 O Tratado Brasil-Peru 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS 144 REFERÊNCIAS 147

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INTRODUÇÃO

O revisionismo era e ainda é necessário. A história era muito oficial, defendia sempre os vencedores e vivia submersa no triunfalismo [...] a história vinha sendo confundida com tradição. Esta tem sempre o propósito de controlar indivíduos, sociedade e inspirar classes. É um conceito intei-ramente corrompido e usado para fins de manu-tenção dos privilégios da classe dominante. (RODRIGUES, 1986, p. 142/3, grifo nosso).

Esse livro é uma tentativa de explicar o processo histórico que resul-tou na nacionalização do território que hoje compreende o Estado do Acre. O caráter revisionista dele tem a ver com a crítica que faz ao conteúdo epo-peico1 da narrativa histórica oficial, que inventou um passado inaugural glori-oso para o Acre com o fim de despertar orgulho, otimismo e comunhão entre os acrianos2. Sendo assim, essa obra não tem qualquer compromisso

1 Narrativa que representa a origem do Acre como fantástica, repleta de atos memoráveis - bravura, heroísmo e patriotismo – que supostamente fizeram desse Estado o único “brasileiro por opção”. 2 O Novo Acordo Ortográfico brasileiro (Decreto Federal Nº 6.583, de 29 de setembro de 2008) prevê o uso da grafia “acriano”. Apesar de ratificada e promulgada, as mudanças ortográficas previstas ainda não entraram em vigor, pois o início de sua obrigatoriedade foi adiado de janeiro de 2013 para janeiro de 2016 (Cf. Decreto Nº 7875/2012). Nessa fase de transição, as novas regras já estão em uso em caráter experimental. Portanto, como as duas normas coexistem, as duas grafias “acreano” e “acriano” estão corretas. Optamos pela segunda porque o gentílico “acreano” já está centenariamente saturado por um sentido identitário megalomaníaco, que aponta para uma grandeza que não existe historicamente. O termo silencia inúmeras expressões de pertencimento e de gentílicos de comunidades nativas que moravam na região e que foram exterminadas durante o processo de invenção do Acre(ano). Por isso, o termo “acriano” é estrategicamente empregado aqui como uma ação de resistência ao culturicídio inscrito na grafia “Acre(ano)”, e todo o seu conteúdo “romântico” naturalizado pelas tradições, dentre elas aquela que diz que o “acreano” é o “único brasileiro por opção”. O termo “acriano” indica aqui o “acreano real”, aquele sujeito despido das tradições que o inventaram como modelo de brasilidade. É o “acreano” desmistificado de sua epopeia, desencantado de seus feitos supostamente “grandiosos” e patriótico. O “acriano” é aquele migrante de “carne e osso” que invadiu terras não pertencentes ao Brasil, que praticou o descaminho de borracha, que assassinou indígena e bolivianos por causa da ganância do “ouro preto” e tantas outras patologias sociais já listadas por Carneiro (2015). Portanto, a utilização do termo “acriano” nada tem a ver com o debate linguístico normativo, apenas representa mais uma forma de provocar fissuras na rede discursiva que sustenta o “acrEanismo”. O “acreano” é o “acriano higienizado”.

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em preservar as tradições, as políticas simbólicas e os abusos da história que para sustentam o discurso da acrEanidade3.

A revisão historiográfica defendida aqui foi pautada pela análise acurada das fontes, pela busca da veracidade dos fatos, e pelo estilo anti-comemorativo4 e antiepisódico5 de escrita da história. Ela tem como obje-tivo a produção de um conhecimento histórico mais sincero e honesto da formação histórica do Acre. Para tanto, foi preciso abandonar completa-mente a “visão romântica” que explica a nacionalização do Acre em fun-ção da liderança de Plácido de Castro e do heroísmo e patriotismo supostamente manifestados pelos protagonistas da chamada “Revolução Acriana”.

Defendo aqui um ponto de vista multifocal da formação da frontei-ra sul ocidental da amazônia brasileira. Uma espécie de divisão tridimensi-onal, a saber: fase invasiva, fase militar e fase diplomática. Essas fases não são acontecimentos cronologicamente sequenciados no sentido de uma “evolução histórica”. A segunda fase não é uma continuação da primeira, e a terceira não é a da segunda. Cada etapa é entendida como um “proces-so” diferenciado, com duração, espacialidade e ritmo próprios. No entan-to, elas guardam certas relações mútuas de superposição, de simultaneidade e de influência, o que dificulta a percepção do neófito da singularidade de cada uma delas.

A duração da primeira é mais longa que a das outras duas fases, uma vez que a região continuou atraindo migrantes até o fim do surto da borracha (por volta de 1914, Cf. Carneiro, 2015). A duração da segunda fase também não coincide com a da terceira, uma vez que os conflitos armados entre peruanos e brasileiros continuaram, mesmo após a assina-tura do Tratado de Petrópolis (1903). Já o início da terceira fase é anterior ao das duas primeiras, visto que as negociações sobre as fronteiras amazô-nicas iniciaram ainda na primeira metade do século XIX, tão logo foram as independências do Brasil, do Peru e da Bolívia foram proclamadas.

3 A “acreanidade” é entendida aqui como uma espécie de “discurso politicamente correto” que manipula o imaginário social dos acrianos para causar neles uma sensação de comunhão e de excepcionalidade. Não devemos esquecer que a linguagem é uma forma privilegiada por onde a ideologia se materializa. 4 Aquele que não tem compromisso prévio em promover o ufanismo. 5 Não analisa o acontecimento por ele mesmo, mas procura explicá-lo a partir das forças conjunturais e estruturais que lhe deram origem.

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As três fases também se diferenciam no plano geográfico. A histó-ria da primeira não pode ser contada sem referência aos Estados que hoje compõem o atual nordeste brasileiro, principalmente o Ceará, de onde partiram a maior parte daqueles que se tornariam os “primeiros acrianos”. A história da segunda está vinculada à Manaus, pois de lá saíam os incen-tivos e financiamentos da Questão Acriana. Já a história da terceira tem a ver com o Rio de Janeiro, sede do Itamarati, e então capital do Brasil, pois foi ali que os tratados internacionais e os acordos para a aquisição legal do Acre foram planejados. Por conta desse enfoque “tridimensional”, cada fase é tratada em um capítulo à parte. O primeiro estuda a penetração brasileira em terras localizadas abaixo da linha Javari-Madeira no último quartel do século XIX. Esse processo foi chamado de “fase invasiva” porque os “bandei-rantes” nordestinos colonizaram um território que não pertencia legal-mente ao Brasil, pois era dos herdeiros do Vice-Reino espanhol do Peru (Bolívia e Peru). Também é chamada de “invasiva” porque o território já era habitado por inúmeras nações indígenas. Portanto, do ponto de vista do “não-acriano”, houve sim uma invasão. O segundo capítulo trata da fase militar. Ela é caracterizada pelos conflitos armados protagonizados por brasileiros às margens dos afluentes dos rios Purus e Juruá. Foi a fase de duração mais curta e, ao nosso enten-der, a de menor importância, no entanto, a mais destacada pelos historia-dores acomodados com a superficialidade dos "eventos" e amantes do “ídolo das origens” (BLOCH, 2001, p. 56). Coloco o conceito de “fase militar” como uma alternativa para o da “Revolução Acriana”, que sempre será mencionado aqui com o auxílio das aspas, pois o consideramos ina-propriado. Primeiro, porque o que aconteceu não foi uma revolução. Segundo, porque não foi necessariamente “acriano”, no máximo foi puru-ense, já que se limitou à parte oriental do atual território do Estado do Acre6.

6 A “Revolução Acriana” significava tão somente uma “revolução” cujos principais eventos ocorreram às margens do rio Acre. O formato territorial do Acre “brasileiro” foi um fenômeno dado a posteriori da dita “Revolução”, portanto, adjetivá-la como “acreana” no sentido identitário que o termo assume hoje é puro anacronismo. Além do mais, o território do Acre brasileiro tem inúmeros rios, a maioria deles “ocupada” por nordestinos. A história inaugural dessa unidade federativa não pode ficar refém do que aconteceu em apenas um dos rios. Acaso não houve história às margens dos outros rios? A história da formação histórica do Acre é, na verdade, uma história puruense, ou seja, a história das ações protagonizadas pela elite que morava às margens dos afluentes do rio Purus. O

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O terceiro capítulo analisa os acordos que o governo brasileiro fir-mou com os EUA, com o Bolivian Syndicate, com a Bolívia e com o Peru para resolver pacificamente a Questão do Acre. Caso o Brasil não tivesse negociado com eles, de nada adiantaria a vitória militar acriana contra as tropas bolivianas. Exemplo disso é o caso dos EUA, que por causa do envolvimento de muitos financistas norte-americanos com o Bolivian Syndi-cate e por causa da indiferença do Brasil perante a Doutrina Monroe, se mostravam sensíveis aos reclames bolivianos. Foi preciso uma hábil enge-nharia política do Itamarati para obter a neutralidade estadunidense, pois naquela conjuntura, o Acre tenderia a ser de quem os ianques apoiassem, o Brasil não tinha como resisti-los por muito tempo. Enfim, a minha ingrata missão nesse livro foi “profanar” a história “sacralizada” da origem do Acre, fonte de todo ufanismo acriano. Como Agamben (2007, p. 66), creio que há “um tocar que desencanta e devolve ao uso aquilo que o sagrado havia separado e petrificado”. Acredito que a mai-or contribuição desse livro talvez seja a de “tocar” na história da anexação do Acre, pois quando os eventos fundadores do Acre são retirados do “altar” da oficialidade, a natureza “pecadora” deles aparecem, evidenciando os “vícios” da primeira geração de acrianos. Por isso, a revisão histórica que fizemos nesse livro é como se fosse uma “profanação do sagrado”. Antes que a cúpula “eclesiástica” defensora do “acrEanismo” convo-que esse jovem autor para a “inquisição”, antecipo-me em pedir clemência, uma vez que esse trabalho não pretende esgotar o assunto. Caso o intento persista e ele seja condenado à “fogueira”, que ateie a primeira centelha de fogo aquele que tenha lido ao menos a metade das obras indicadas na bibli-ografia desse livro. Aos inquisidores, o meu último pedido: que faça constar no epitáfio desse autor o seguinte dizer: “[Aqui jaz um herege que só] quis mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa his-tória, os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefí-cio se faz a história oficial” (PRADO JUNIOR, 1997, p. 8).

BOA LEITURA!

maior desafio da historiografia acriana sé recontar o processo de nacionalização do território do atual Estado do Acre levando em consideração também o “olhar” daqueles que viveram às margens dos afluentes do Juruá em fins do século XIX.

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CAPÍTULO 1

A FASE INVASIVA

Antes da epopeia da borracha e da chegada dos seringueiros, a região acreana é tida como não tendo história [...] Para a história oficial, o povo acreano se formou a partir da chegada dos serin-gueiros, cuja tarefa foi domesticar a natureza e os índios que faziam parte dela. A região apre-senta-se como uma "terra virgem", um "deserto" onde o imaginário do inferno verde se mistura às esperanças do Eldorado; a "última página, ainda a escrever-se, do Gênese" nas palavras de Eucli-des da Cunha [...] Como se pode ver, até antes das incursões de Serafim da Silva Salgado e de Manuel Urbano da Encarnação pelas terras hoje acreanas, o Acre não existia para a sociedade civilizada. Muitos são os pensadores da Amazô-nia que ao longo do século XX explicaram o Acre como uma obra fundamental dos cearen-ses. (CAVALCANTE, 2014, p. 11 e 26).

A fase invasiva representa o período em que o território que hoje compreende o Estado do Acre foi “ocupado” por brasileiros. Tal região não pertencia legalmente ao Brasil, pois as terras ao sul da linha Javari-Madeira (Mapa 8 e 17) eram originalmente do Vice-Reino espa-nhol do Peru, do qual se originaram os países Peru e Bolívia. Tão logo obtiveram suas respectivas independências, esses dois países passaram a disputar entre si aquele território, que acabou figurando no mapa dessas repúblicas por quase toda a metade do século XIX. No da Bolí-

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via, por exemplo, ele foi cartografado em 1894 pelo engenheiro Edu-ardo Idiáquez com o nome “Apolobamba” (Mapa 3, p. 101).

O processo de “colonização” do Acre pelos brasileiros. Uma “obra ruinosa de ocupação destrutiva da região” (LIMA, 1975, p. 74), marcada por violência, culturicídio e corrupção. Como já explicamos em livro anterior (CARNEIRO, 2015), a “invasão” foi incentivada pelas empresas gomíferas que, por sua vez, eram “financiadas” pelo capital internacional, por meio de créditos obtidos em bancos ingleses e em Casas Exportadoras. Por isso, começaremos o capítulo falando um pouco sobre a conjuntura internacional da época.

Antes de mais nada, é bom lembrar que os verdadeiros donos dessas terras eram os nativos. As inúmeras nações indígenas detinham a posse centenária da região que hoje figura no mapa do Estado do Acre. Portanto, independente do ângulo da análise, o brasileiro sempre aparecerá como invasor, quer seja do território boliviano e/ou perua-no, quer seja do território pertencente às tribos indígenas. Por isso, o título “Fase Invasiva”.

1.1 A Conjuntura Internacional

O Acre é a realização brasileira do Século XIX. Últimos anos do século. Decorreu de um processo econômico-social desencadeado pela borracha. Sem borracha, é quase certo, não haveria Acre. As fronteiras entre o Brasil e Bolívia, nessa região, ficariam indefinidas, até que um ajuste e demarcação, de rotina, viesse dar o reconhecimento político jurídico dos limites entre as duas nações [...] a motiva-ção econômica estimulou aos brasileiros a explorar esse produto. (TOCANTINS, 1984, p. 37, grifo nosso).

A incorporação econômica do Acre é produto da expansão da demanda internacional da bor-racha [...] o capital monopolista que vai finan-ciar o deslocamento da mão de obra

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nordestina para o Acre e que vai assegurar o funcionamento do sistema de aviamento [...] o sistema fora estruturado, posto em funciona-mento e mantido sob a égide do capital monopolista internacional e funcionava com base no crédito. (SILVA, 1982, p. 2-3)

Na segunda metade do século XIX, o interesse internacional pela borracha cresceu bastante por conta de sua utilização como maté-ria-prima nas indústrias automobilísticas. Ela saiu de uma condição de mera “droga do sertão” para se transformar em uma commodity funda-mental para a economia dos países desenvolvidos. Essa mudança de status só foi possível graças à invenção da técnica de vulcanização por Charles Goodyear (1800-1860) em 1839, que tornou a borracha mais resistente às variações do nível de calor ambiental. Na época, a região amazônica possuía o maior reservatório natu-ral de seringueiras do mundo. Apesar da crescente demanda internaci-onal, o governo brasileiro não se mostrou interessado em estimular a produção com a abertura de linhas de crédito. Os empresários nacio-nais também não quiseram investir, pois o empreendimento parecia muito arriscado. Diante do impasse, a Inglaterra, centro dinâmico da Economia-Mundo Capitalista até então, foi quem se empenhou em cri-ar condições para que a produção da borracha na Amazônia aumentas-se. Vários bancos ingleses e Casas Exportadoras se instalaram em Belém e em Manaus e passaram a oferecer facilidades de créditos para aqueles que pretendessem abrir seringais. O capital internacional financiou a emigração de quase meio milhão de nordestinos para a Amazônia. Com a grave seca iniciada no nordeste brasileiro em 1877, não foi difícil convencer os flagelados ao êxodo. A essas vítimas do engodo eram oferecidos transportes, ins-trumentos de trabalho, alimentação e certa quantidade em dinheiro e, é claro, a promessa do enriquecimento fácil. O nordestino se fez serin-gueiro por meio do endividamento e dessa condição ele raramente conseguia sair, uma vez que se tornava uma espécie “escravidão por dívida”. Manipulações contábeis eram feitas para “preservar esse vín-culo de sujeição”. Por isso, é que Teixeira (2009, p. 40) afirma que no

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seringal acontecia uma “das formas mais odiosas formas de exploração do trabalho”.

Segundo Samuel Benchimol, os recursos iniciais para o desenvolvimento da empresa seringueira estavam nas mãos de estrangeiros, ingleses e por-tugueses. Roberto Santos, com melhor precisão, admite que o capital inicial para dinamizar o empreendimento gomífero foi de origem inglesa e americana, trazido para cá através de agentes comerciais interessados na compra da borracha [...] sendo assim, o controle do processo de produção esteve essencialmente nas mãos dos centros industriais situados na Inglaterra e Estados Unidos que, através das praças impor-tadoras de Liverpool e New York, determinavam os cursos da economia extrativista da borracha. (SOBRINHO, 1992, p. 26, grifo nosso).

O sistema de crédito que possibilitou a produção da borracha ficou conhecido como “sistema de aviamento”. Nele, o seringueiro comprava fiado aquilo que precisava e, ao final, pagava a dívida com pélas de borracha. O objetivo de toda essa rede comercial era garantir a oferta de borracha às indústrias capitalistas e a reprodução do capital estrangeiro investido na Amazônia.

A extração da borracha inicialmente aconteceu de forma preda-tória, de modo que as seringueiras rapidamente se tornavam inutilizá-veis, obrigando o seringueiro a migrar para áreas mais férteis. E foi assim que os nordestinos ultrapassaram a fronteira do Brasil e invadi-ram território estrangeiro. Foi em consequência disso que surgiu a Questão do Acre, que ao nosso ver, nada mais foi do que um resultado da inserção da região na rede comercial capitalista.

O “Esquema 1”, logo ao lado, sintetiza nossa explicação. Desne-cessário dizer que é apenas uma abstração, uma espécie de retrato em “preto e branco” da realidade histórica, que é um fenômeno dinâmico por natureza. Através se pode ver claramente que a Questão do Acre está genealogicamente ligada à expansão mundial do capitalismo. As

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“raízes do Acre” não estão na migração dos nordestinos e sim no capi-tal internacional que financiou tal transumância.

Esquema 1 – A expansão do Economia-Mundo Capitalista e a anexação do Acre ao Brasil.

Fonte: elaboração do autor.

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O sistema de aviamento interligava a região acriana ao centro dinâmico da economia mundial. Para os economistas “circulacionis-tas”7, isso era o bastante para qualificar a economia gomífera como capitalista. O fato de existir no seringal uma relação de trabalho basea-da na “escravidão por dívida” (CUNHA, 200; FIGUEIRA, 2004; GOMES, 2008), não descaracteriza o caráter capitalista da economia, uma vez que a escravidão estava a serviço da valorização do capital internacional. Mas esse debate pouco nos interessa aqui, visto que não afeta o teor de nossas conclusões. O que vale é perceber que o surto da borracha teve início com o ingresso do capital internacional na Ama-zônia, e o seu fim com a fuga dele.

Como a Questão do Acre foi um subproduto do surto gomífero, é indispensável relacioná-la com a expansão capitalista na Amazônia. Os lucros das elites gomíferas do Brasil, da Bolívia e do Peru eram oriundos das “sobras” da volumosa quantidade de riquezas que eram exportados para o centro dinâmico capitalista em formas de pélas de borracha. A disputa pelo direito ao território acriano representava a luta pelo monopólio das “sobras” de tais riquezas.

A nacionalidade do Acre pouco importava para o capital inter-nacional, pois independentemente de quem o administrasse – se Bolí-via, Brasil, Peru ou Bolivian Syndicate – as Casas Exportadoras continuariam operando como uma “bomba de sucção” de matérias-primas. Os maiores rendimentos continuariam com destino certo: o centro da economia-mundo capitalista. Afinal, “um hino e uma bandei-ra nunca foram verdadeiros obstáculos ao controle econômico exter-no” (LOPEZ, 2000, p. 50).

Qualquer que seja a escolha do acontecimento fundador do Acre (Estado Independente - 1899, Revolução Acriana - 1902, Tratado de Petrópolis - 1903, etc.), ele sempre dependerá da “colonização” prévia da região que, por sua vez, estará sujeita às linhas de crédito lastreadas

7 Como o próprio nome já aponta, tais economistas defendem que a esfera da economia que caracteriza o sistema capitalista não é o da produção e sim o da circulação de mercadorias. Eles enfatizam o comércio e, consequentemente, o capital mercantil, e não tomam a “revolução industrial” ou o trabalho assalariado como identificadores do surgimento do capitalismo, como fazem os marxistas.

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em capitais estrangeiros. Por isso é que a conjuntura internacional da época se faz importante na explicação da Questão do Acre.

O desbravamento da selva para a formação e manutenção dos seringais exigia a mobilização de capitais necessários às despesas de transporte, pessoal, abastecimento e colocação posterior do que fosse obtido com a produção. Ao iniciar-se a empresa gomífera não havia capitais na Amazônia, mas logo que a borracha se mostrou um empreendimento rendo-so, capitais estrangeiros para aí se mobilizaram. Dessa for-ma, as casas aviadoras, contando a maior parte, com capital estrangeiro, tiveram também a função de finan-ciar a borracha. (PRADO e CAPELATO, 1989, p. 293, grifo nosso).

Como se pode constatar na citação acima, os interesses econô-micos pela región de la goma atuaram como “motivações fundadoras” da Questão do Acre. No entanto, a narrativa epopeica secundariza as ambições dos “revolucionários” e eleva o suposto patriotismo deles como a razão de ser da anexação. O certo é que a sociedade acriana pouco se beneficiou do surto da borracha. “Os maiores lucros sobre a produção gomífera eram auferidos pelo mercado externo” (COÊLHO, 1982, p. 31). Os poucos seringalistas bem-sucedidos, em vez de investi-rem no “fim do mundo” (JACKSON, 2011), preferiam desfrutar da belle époque amazonense e “acender charuto cubano com notas de qui-nhentos mil réis” (BENCHIMOL, 1999, p. 142) nos cabarés de Manaus.

1.2 A invasão

Pronto las desguarnecidas regiones del nordeste de Bolivia fueron invadidas por esos brasileros del Es-tado de Ceará que, después de afianzar su asenta-miento en las barracas caucheras en territorio boliviano, se resistieron a pagar impuestos al go-bierno y terminaron desconociendo la soberanía de Bolivia en esos territorios. Así nació el conflicto del Acre, por el descubrimiento de una nueva riqueza y la ambición de poseerla.

(ACHA, 1980, p. 24 e 25, grifo nosso).

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A busca do látex tornou-se um frenesi. A floresta foi devassada na procura de novas árvores produto-ras. O espaço territorial foi dilatado, não se res-peitando os limites estabelecidos entre nações vizinhas [...] A marcha para o oeste, o chamado deserto ocidental, na busca da seringueira, extrapo-lou os limites territoriais, implicando uma guerra não declarada entre o Brasil e a vizinha república da Bolívia.

(SOBRINHO, 1992, p. 22 e 24).

A história da presença humana no território que hoje compreen-de o Estado do Acre não começou com a chegada dos migrantes nor-destinos. Até a primeira metade do século XIX, quase 50 nações indígenas moravam naquela região. Alguns povos, ao que tudo indica, mantinham vínculos culturais milenares naquele território. Ali, a histó-ria de inúmeras nações indígenas terminou quando a dos brasileiros começou. A “colonização” praticada pela primeira geração de acrianos foi dramática para com os nativos. A fixação do homem branco nas terras do Acre significou o extermínio dos índios.

A partir da segunda metade do século XIX, o fluxo migratório para a Amazônia teve um aumento considerável. Nas décadas de 1850 e 1860, como afirma Cavalcante (2014, p.15), ocorreram as primeiras expedições de reconhecimento das terras que, anos depois, fariam parte do Estado do Acre. Elas eram guiadas por “diretores ou encarregados de índios” nomeados pelo governo da Província do Amazonas e tinham como objetivo velado a obtenção de informações sobre a quantidade de seringueiras, de índios e de bolivianos naquelas plagas. Após con-firmada a ausência de bolivianos e o potencial gomífero da região, ope-rou-se um intenso processo de invasão8 na década de 1870.

Foi preciso que o governo amazonense desejasse descobrir uma passagem livre das cachoeiras e menos extensa para os povoados da Bolívia, para que, então se iniciasse a fase de descobrimento da terra considerada a mais moça do

8 Vários fatores favoreceram a invasão: a) o território era rico em seringueiras; b) os bolivianos não protegiam as suas fronteiras; c) os brasileiros tinham facilidades creditícias para expandir a produção gomífera para além das fronteiras; etc.

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Brasil. Chefiaram essas missões o pernambucano Serafim da Silva Salgado, o mulato amazonense Manuel Urbano da Encarnação, seguidos do explorador maranhense Antônio Rodrigues Pereira Lebre e do primeiro-tenente da armada nacional Augusto José Soares de Andréa, além de outros, como o geografo inglês Willian Chandless e o norte-americano A. I. Piper, sem esquecer João da Cunha Corrêa, o desvendador do Alto Juruá e de parte do Purus, anterior a todos os descobridores da acreânia. (BRANCO, 1950, p. 19).

O explorador João Rodrigues Cametá9 saiu de Manaus em dire-ção ao sul amazônico em março de 1852 e se tornou o primeiro brasi-leiro a explorar o Purus. Entretanto, pelo que tudo indica, não chegou até o rio Acre. No mesmo ano, a Província do Amazonas10 contratou o nordestino Serafim da Silva Salgado para chefiar uma expedição rumo à Bolívia que, segundo consta, tinha por finalidade “descobrir uma comunicação com a república vizinha” (BRANCO, 1950, p. 21) e “transportar gado para baratear a subsistência da população da capital amazonense” (RIBEIRO, 2009, p. 19). É sabido que ele explorou o rio Purus até 10º 25’ de latitude sul, ou seja, ultrapassou o paralelo que, mais tarde, com o Tratado de Ayacucho (1867), definiria a fronteira do Brasil com a Bolívia.

Em 1858, o diretor de índio João da Cunha Correia atingiu o Alto Juruá. Quando voltou, passou pelos rios Tarauacá, Envira e Purus. Em 1861, o governo do Amazonas voltou a contratar pessoas para invadir o território boliviano. Desta feita, o chefe da expedição foi o amazonense Manoel Urbano da Encarnação11, que subiu o rio Purus e alcançou o atual rio Acre e também o Xapuri. Ele é considerado por muitos como o “descobridor do Acre”, pois de acordo com a tradição inventada por Castello Branco (1950), ele teria sido o primeiro a identi-ficar seringueiras na região do Purus.

9 “Pacificador de índio” nomeado pelo governo do Amazonas desde 1848. 10 Foi neste ano que o Amazonas se desmembrou do Grão-Pará e foi elevado à categoria de província. 11 Era um negro com certos traços indígenas. Pela proximidade que ele tinha com os nativos, o mesmo já havia sido contratado pelo governo da Província do Amazonas como “diretor de índios” em 1853.

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Em 1862, Manuel Urbano serviu de guia para que o engenheiro João Coutinho pesquisasse um atalho entre as regiões do Juruá e do Purus. Nos anos 1860, o próprio manauara e o seu filho Braz da Encarnação orientaram a expedição científica do inglês William Chan-dless, conhecida como a quinta a explorar a bacia do Purus. O cientista provavelmente foi, dentre outros, espionar as riquezas potencialmente comercializáveis da região.

No início da segunda metade do século XIX, com o objetivo de facilitar a instalação de futuros colonos na região do Purus, para conhecer os rios e amansar os índios, e ainda objetivando a comunicação e o transporte de gado entre o Brasil e a Bolívia, o presidente da Província do Amazonas patrocinou expedições à região do Purus. (CAVALCANTE, 2014, p. 16).

Apesar da importância de Manoel Urbano, quem de fato ficou consagrado como “fundador do Acre” foi o cearense João Gabriel de Carvalho e Melo. Segundo a tradição, foi ele quem primeiro “coloni-zou” uma parte do território que hoje pertence ao Estado do Acre. Em 1857, ele colonizou a região próxima da foz do rio Purus, no Estado do Amazonas, fundando nela os seus primeiros seringais. Enriquecido, continuou alimentando sua ganância, só que desta feita, por meio da invasão deliberada de território estrangeiro. Em 1877/78 (?), ele con-duziu a primeira leva de “invasores” para a extração clandestina de borracha no interior do território até então considerado estrangeiro. Com isso, além de “fundador do Acre”, também se tornou um dos maiores praticantes do crime de descaminho de mercadorias da Ama-zônia.

A partir dele, a emigração de nordestinos para os afluentes do rio Purus aumentou. Sabe-se que somente em 1878, desembarcaram mais de 11 mil cearenses nas margens do rio Acre, quase todos arregi-mentados por firmas comerciais de Belém e Manaus tomadoras de empréstimos em bancos estrangeiros e em Casas Exportadoras. “Em poucos anos, o rio Acre estava todo ocupado, e assim também o Purus, até onde existia a seringueira, ou seja, até onde é a atual frontei-ra com a República do Peru” (MELO, 1968, p. 105). No final do sécu-lo XIX, o território já possuía uma população estimada de 25.000 (Cf.

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BRAGA, 2002, p.15 e CABRAL, 1986, p.35) a 50.000 (MESSUTI, 1997, p. 54)12. Com tantos brasileiros, a soberania boliviana ficou com-prometida, uma vez que o exército andino no Purus não ultrapassava a ordem dos 900 soldados, que mais pareciam “um amontoado de famin-tos” (CHIAVENATO, 1981, p. 46).

Em síntese, a formação da sociedade acriana foi um resultado da produção da borracha que, por sua vez, geopoliticamente acomodou o Acre na periferia do Sistema Mundo Capitalista. Os nordestinos que fundaram o Acre foram também quem serviram à reprodução amplia-da do capital estrangeiro exportado para aquela região. Portanto, para-fraseando o que afirmou Darcy Ribeiro com relação ao Brasil, o Acre “passou a existir para servir a reclamos alheios” (1995, p. 46), era um “moinho de gastar gentes” (1995a, p. 106). As primeiras vítimas foram as diversas nações indígenas que habitavam naquelas florestas. Depois foi a vez dos seringueiros, “gastos” no processo de produção da borra-cha por meio de um regime de trabalho semiescravo. Com a crise da economia gomífera, foi a vez da maioria dos seringalistas passar pelo “moinho”.

12 Craveiro Costa (2005) estima que havia 40 mil e Pedro Sobrinho (1992) diz que havia 20 mil.

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CAPÍTULO 2

A FASE MILITAR

Todo el conflicto giraba en torno a estos facto-res: Bolivia quería tomar las riendas del territo-rio del Acre, que por derecho le pertenecía, y el Estado del Amazonas perjudicado en sus re-caudaciones fiscales se oponía tenazmente, pe-ro entre bastidores, al funcionamiento de la aduana de Puerto Alonso.

(RIBERA, 1997, p. 53).

O sangue generoso derramado de ambos os lados constitui mais uma sombra no cenário da história mundial da borracha.

(SANTOS, 1980, p. 204).

A guerra do Acre foi uma luta tipicamente de fronteiras, posses de terras, anexação territorial [...] representa também uma paisagem do êxo-do nacional atrás de riquezas, não dentro do território brasileiro, mas fora dele.

(BASTOS, 1968, p. 82)

A narrativa epopeica elevou a “Revolução Acriana” ao status de acontecimento fundador do Acre13. No entanto, esse marco é arbitrá-

13 Enquanto comunidade de acrianos, o Acre é um processo perpetuamente inacabado, uma vez que a identidade coletiva é um fenômeno mantido por meio de políticas simbólicas. Enquanto território brasileiro, ele só apareceu oficialmente nos mapas a partir do Tratado de Petrópolis (1903). No entanto, o tratado é corriqueiramente entendido Oficialmente o Acre como um mero

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rio. Ele enfatiza os fatos desconectados do processo14, inflando a importância de episódios e personagens. Esse tipo de história, como já alertou Braudel (1976, p. 12), é uma “narração precipitada, dramática, e de pouco fôlego”, pois “atenta para o tempo breve, para o indivíduo e para o acontecimento” (idem, ibidem).

Os nordestinos ultrapassaram as fronteiras brasileiras na segunda metade do século XIX e “povoaram” território estrangeiro por causa da crescente valorização da borracha no mercado internacional. A região era farta em seringueiras e a economia gomífera prometia riqueza rápida aos exploradores. Invadir território estrangeiro e nele explorar e comer-cializar riquezas naturais de forma clandestina, constituíram, juntamente com o extermínio de nativos, nos principais crimes inaugurais da forma-ção histórica do Acre brasileiro.

O governo boliviano, tão logo soube da ação criminosa dos brasi-leiros (Cf. ZAMBRANA, 1904, p. 28), se manifestou sobre o caso perante o Itamarati e exigiu do governo brasileiro céleres providências para equacionar a questão. Mesmo procedimento foi adotado pelo governo do Peru, já que também se dizia dono do Acre. A soberania boliviana ou peruana em terras acrianas representava uma afronta aos interesses econômicos dos seringalistas brasileiros e do Estado do Ama-zonas. O último perderia em impostos sobre a exportação da borracha e os primeiros corriam o risco de terem os seus títulos fundiários anula-dos.

A decisão por iniciar a resistência armada não foi democrática, pois, como afirma Bastos (1969, p. 65), a Junta Revolucionária era for-mada apenas pelos “brasileiros prestigiosos da região”. Os seringueiros não foram consultados, até porque eles sequer tinham a liberdade de aderir ao movimento sem o consentimento prévio do patrão. Além do mais, nem todos os seringalistas apoiavam a causa, na verdade, a maio-ria nem sequer se envolveram diretamente nela. A “revolução” não foi um projeto popular.

“registro de nascimento”, já que o nascimento propriamente só teria ocorrido na “Revolução Acriana”. 14 Barbara Weinstein (1993) não debate o impacto do capital estrangeiro na economia gomífera amazônica porque analisa os fatos do ponto de vista social e local.

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Houve dissidentes - aqueles que apoiavam o governo boliviano; opositores – aqueles que esperavam a inter-venção direta do governo brasileiro na questão; indife-rentes – aqueles que, mesmo sabendo da insurreição, preferiram não fazer parte dela; e desinformados, aqueles que nem ao menos tomaram conhecimento da revolução. (Cf. CARNEIRO, 2008, p. 54-56).

Além do mais, os movimentos de contestação à soberania boli-viana refletiam um projeto esquartejado, já que a desunião entre os brasileiros era reinante. José Carvalho não concordava com Galvez; Plácido de Castro não apoiava Orlando Lopes; Souza Braga mantinha rixas com Joaquim Victor; Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto acusavam-se mutuamente, etc. Sem dizer da “luta de classe” no interior do seringal, que também alimentava o espírito de desunião entre os acrianos15.

Para se ter uma ideia da artificialidade dos relacionamentos ali existentes, basta dizer que Plácido de Castro foi provavelmente assas-sinado por um dos principais oficiais da “Revolução” do Alto Acre (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 525), o coronel Alexandrino José da Silva. Outros membros da Junta Revolucionária também foram acu-sados como cúmplices do crime16 (Cf. CASTRO, 2002).

15 Segundo Abguar Bastos (1969, p. 81), Alexandrino da Silva assassinou um rapaz por apelido de “doutor”, a mando de Plácido de Castro, pelo simples fato de o mesmo ter provocado uma insubordinação entre os soldados acrianos. Se isso for verdade, provado está que a “comunhão” dos soldados era mantida pelo poder “patriótico” da espingarda e não pelo sentimento de pertença ao Brasil. 16 É o caso de Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto. O primeiro foi nomeado por Plácido de Castro ao cargo de Diretor de Fazenda do Estado Independente do Acre logo após a derrota dos bolivianos em Porto Acre (1903). Mas a “amizade” durou pouco, pois Plácido de Castro o desqualifica como um sujeito "afeminado" e "o mais medroso que tenho conhecido" (apud CASTRO, p. 61, 2002). Quando o Gabino Besouro, inimigo aberto de Plácido de Castro assumiu como prefeito Departamento do Alto Acre (janeiro/1908 a novembro de 1909), Rodrigo de Carvalho tratou logo de apoiá-lo, por isso recebeu um cargo de confiança na prefeitura. Já o segundo, Gentil Norberto, foi promovido à patente de coronel do exército acriano em 13 de maio de 1903, último ato oficial de Plácido de Castro como governador do Acre Meridional. Mas tão logo Plácido de

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A fase militar pode ser dividida em duas17, a saber: a) aquela con-tra os bolivianos; b) aquela contra os peruanos. Infelizmente os confli-tos armados ocorridos no Juruá entre brasileiros e peruanos não serão abordados aqui, não porque eles sejam desprovidos de importância, pelo contrário, é porque merecem uma pesquisa mais apurada, coisa que pretendemos fazer em um livro a parte, quando conseguirmos ter acesso às fontes primárias. Mas, desde já, podemos afirmar que a escri-ta da história do Acre reflete a hegemonia política e econômica do “Purus” sobre o “Juruá”, pois enfatiza tanto os conflitos ocorridos às margens do rio Acre que tornou aqueles do Juruá "invisíveis".

A própria Lei Nº 380/1948, que concedeu pensão especial aos veteranos da “Revolução Acriana”, não levou em consideração os combatentes juruaenses, uma vez que, para ela a “Revolução” foi ape-nas aquela liderada por Plácido de Castro18. Abaixo, transcrevemos um trecho de uma matéria publicada no jornal O Rebate, de Cruzeiro do Sul, em 29 de março de 1964, Cruzeiro do Sul, p. 1, cujo título é “Cru-zeiro do Sul não é Acre?”.

A dita Revolução Acreana foi feita por brasileiros que desbravaram os altos rios Purus e Juruá e seus afluen-tes, regiões contestadas por bolivianos e peruanos. O Tratado de Petrópolis pôs fim a contenda com os boli-vianos, o mesmo não acontecendo com os peruanos, na bacia do Alto Juruá, onde o último combate entre peruanos, seringueiros e um pequeno contingente do 15 Batalhão de Fronteiras, desferiu-se a 4 e 5 de novembro de 1904. Combatentes daqueles dias, veem-

Castro prosperou, Norberto o acusou de ter enriquecido às custas da “Revolução” (Cf. CASTRO, 2002, p. 364). Tão logo Plácido de Castro foi nomeado prefeito do Departamento do Alto Acre (julho/1906 - março/1907), ele fez questão de cancelar o contrato de prestação de serviços que Gentil Norberto mantinha com a prefeitura. Resumindo: os “companheiros de revolução” se tornaram desafetos por questões pecuniárias. 17 “O drama acreano desdobrou-se em duas fases: a primeira, no rio Acre [...] a segunda fase caracteriza-se pelos conflitos entre brasileiros e peruanos no Alto Purus e no Alto Juruá” (BARROS, 1993, p. 4). 18 O governo da Frente Popular do Acre (1999-2003) também não incluiu os eventos militares do Juruá na programação do Centenário da “Revolução Acriana”.

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se pelas ruas de Cruzeiro do Sul e ainda nos seringais, velhos e oitenta anos de idade, arrastando-se na penú-ria, na miséria, na indigência [...] sabedores de que a Revolução Acreana não terminara com o Tratado de Petrópolis, visto que o mesmo referiu-se tão somente ao caso com a Bolívia. Em verdade, ela só terminou depois daquele combate e com o tratado com o Peru [...] Será que os homens de hoje ignoram que o sangue brasileiro correu nas barrancas do Juruá, desde o estirão dos Naus até o Amônes. A revolução no Juruá seria acreana, ou seria mexicana, indiana ou japonesa? (grifo nosso)

Em síntese, podemos afirmar que a fase militar foi caracterizada pelo uso da violência19. Um punhado de migrantes resolveu defender a soberania brasileira no Acre (o maior reservatório natural de seringuei-ras do mundo) e expulsar os bolivianos “à bala”. Tudo por causa do $patriotismo$ daquela elite acriana que mantinha contato com o governo do amazonas. É bom que se diga que o Brasil não teve acrés-cimo de um palmo sequer de terra durante essa fase militar. Os confli-tos armados, quando muito, resultaram em um Estado Independente alheio ao Brasil. Apesar da importância do resultado advindo das trin-cheiras, a anexação do Acre não dependia apenas dele, pois de nada adiantaria a vitória militar sem o sucesso diplomático.

2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana”

A revolução acreana não teve o mesmo significado para cada segmento social envolvido nela [...] a Questão Acreana era sustentada por múltiplos interesses. O Governo do Amazonas queria manter a arrecadação dos impostos. Os seringalistas queriam garantir suas propriedades privadas e

19 O conceito de violência empregado aqui está associado ao uso da agressão físi-ca ou da ameaça do emprego da força para obrigar alguém a se submeter a uma vontade alheia. Com o fim de justificar os acrianos, há quem diga que a violência empregada pelos brasileiros fora uma ação autodefensiva, leia: “os seringueiros armados com a ajuda dos seringalistas e treinados por Plácido de Castro enfren-taram e revidaram as provocações do exército boliviano” (PESSOA, 2007, p. 117, grifo nosso).

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a manutenção do lucro gumífero. Os profissionais liberais sonhavam em assumir importantes cargos públicos. E os seringueiros pretendiam quitar suas dívidas e, quem sabe, ter saldo para comprar o seu próprio seringal ou voltar à sua terra natal. (CARNEIRO, 2008, p. 57).

Bolivian men who resisted were killed by refined torture, and their wives and daughters raped mercilessly. (STOKES, 1974, p. 373).

Cuando los brasileños ocuparon el Acre por estar colonizado por connacionales tras dos rebeliones que recibieron el nombre de Revolución Acreana, por parte de quienes la hicieron, el de Guerra del Acre, para los observadores regionales, y de Guerra del Caucho para los observadores externos al conflicto. (VERA, 2009, p. 112).

]Inicialmente é bom reforçar que preferimos não empregar o termo Revolução Acriana a não ser com o auxílio das “aspas”. Primei-ro, porque ele induz o pesquisador iniciante a um julgamento precon-cebido inconsistente dos acontecimentos. Segundo, porque a classificação do conflito armado como “revolução” não faz dele uma revolução. Terceiro, porque o termo “acriano” dessa suposta “revolu-ção” induz o leitor a crer que os eventos se deram em toda extensão territorial anexada pelo Brasil20. E, por último, porque o nome Revolu-ção Acriana já está tão sacralizado que qualquer crítica que se faça a ele pode ser compreendida como uma afronta ao povo acriano.

Usualmente o termo “Revolução Acriana” é utilizado para se referir à resistência armada ao governo boliviano liderada por Plácido de Castro nos meses de agosto de 1902 a janeiro de 190321. Acontece

20 Também não ficou limitada à região banhada pelo rio Acre, pois é sabido que as tropas

de Plácido de Castro atuaram também às margens do rio Tauamanu (localizados hoje na Bolívia) e em outras localidades. No entanto, a narrativa dos “grandes eventos” imortalizaram essa versão, a saber: "quando se diz rio Acre é o mesmo que falar no palco da revolução, porque foi sobre o seu dorso que se desenrolaram os fatos capitais desse movimento" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 101). 21 Segundo Costa (2005, p. 176), ela "encerrava a fase militar da revolução". Esse ponto de

vista está limitado às desavenças entre brasileiros e bolivianos, não incluindo aquelas com os peruanos. Mesmo assim, difere-se daqueles que defendem que a "revolução" só acabou mesmo em dia 13 de abril de 1903, quando o General do Exército brasileiro Olímpio da Silveira desorganizou as tropas “revolucionárias” acrianas. O próprio General é quem diz

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que o governo boliviano não se fez presente em toda faixa territorial onde hoje figura o Estado do Acre. Além do mais, as campanhas mili-tares ocorridos no Vale do Juruá não foram lideradas por Plácido de Castro, muito menos tiveram como alvo de combate as autoridades bolivianas. Tal interpretação também atribui importância secundária aos movimentos de resistência ao governo boliviano anteriores ao de Plácido de Castro, como por exemplo, aqueles liderados por José Car-valho (1899), Luiz Galvez (1899), Orlando Lopes e Rodrigo de Carva-lho (1900), etc.

Muitas outras interpretações e designações são possíveis, a seguir, identificaremos algumas. “Los historiadores bolivianos prefie-ren la expresíon Campaña del Acre” (SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 2001, p. 176). Azcui (1925, p. 21, p.45) fala de “una insurrección filibustera” e “una conflagración separatista”. Goycochêa (2007, P. 50) e Maga-lhães (1941) afirmam a existência de “quatro revoluções acreanas”. Sotomayor (2013) enumera cinco revoluções. Craveiro Costa (2005) ora diz que a Revolução teve início com José Carvalho (idem, ibidem, p. 118), ora com Galvez (p. 120), e ora com Plácido de Castro (p. 121 e 144). Calixto (1985) defende a inexistência de revoluções no Acre. Magnoli (1997, p. 183) ajuíza que tudo não passou de uma “revolta” contra as autoridades bolivianas.

O insurgente José Carvalho22, um dos líderes da causa acriana, publicou um livreto em 1904 chamado de A primeira insurreição Acreana (1904), onde tentou provar que o primeiro movimento de contestação à soberania estrangeira no Acre fora aquele liderado por ele. Qualificou o movimento de “insurreição”. Já Luiz Galvez e seus apoiadores defenderam o caráter “nobre” e “patriótico” da proclamação da Repú-blica do Acre (Cf. Braga, 2002) e tipificaram o acontecimento de “revolução”. Rodrigo de Carvalho também significou os feitos prota-gonizados pela expedição Floriano Peixoto (1900) como “Revolução Acriana” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152).

que: "em nome do governo da União: terminada está a revolução acriana" (apud CASTRO, 2002, p. 135). Até hoje no Vale do Juruá há quem defenda que a “Revolução Acriana” só tenha terminado de fato com o Tratado Brasil-Peru (1909). 22 A “Revolução” não recebeu o apoio dos grandes comerciantes e políticos do Pará. Gentil Norberto deixou isso claro em uma carta enviada ao governador do Amazonas Silvério Nery em 16 de abril de 1901 (OURIQUE, 1907, p. 169- 168).

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O escritor Ferreira Reis (1937) compreende a “Revolução” como um conjunto de ofensivas à soberania boliviana. A primeira foi aquela liderada por José Carvalho; a segunda, a liderada por Luiz Gal-vez; a terceira, a liderada por Orlando Lopes e Rodrigo de Carvalho; e por último, aquela liderada por Plácido, também qualificada como a “Grande Revolução”. Já o escritor Bastos (1969, p. 64, grifo nosso) diz que “a revolução da borracha passou por três etapas bem definidas: a deposição das autoridades bolivianas por José Carvalho; a proclama-ção da República do Acre por Luis Galvez, e a retomada da ação com a vitória de Plácido de Castro sobre as tropas bolivianas”.

No início do século XXI, o governo da Frente Popular do Acre (1999-2006) tratou a “Revolução Acriana” como um conjunto de iniciativas patrióticas realizadas com o fim de projetar um Acre brasileiro cada vez mais política e economicamente emancipado. Durante o Centenário do Acre, a expressão “Revolução Acriana” foi atribuída ao Estado Independente protagonizado por Galvez e também à autonomia obtida por meio da aprovação do Projeto de Lei de autoria do parlamentar Guiomard Santos. É como se os feitos de Galvez, de Plácido de Castro, de Guiomard Santos e de tantos outros fossem graus diferenciados de uma mesma luta, etapas de uma mesma saga.

Assim sendo, o termo “Revolução Acriana” não foi considerado um “monopólio” do processo de anexação do Acre ao Brasil. Nesse sentido, lutar para tornar o Acre mais brasileiro (por meio da inserção dele em uma posição geopolítica mais privilegiada) também é considerada parte da “Revolução Acriana”. É como se a trajetória do povo acriano fosse constituída de “revoluções” esporádicas que atualizassem a “Revolução” enquanto mito fundador do Acre(ano)23.

23 A “Revolução Acriana” liderada por Plácido de Castro teve um fim concreto datável. No entanto, como o evento foi transformado em um “lugar de memória”, ganhando sentido imaterial, passou-se a dizer que os ideais que mobilizaram a “Revolução” de Plácido de Castro não se concretizaram plenamente com a anexação do Acre. E que, portanto, o “espírito revolucionário” do acriano, do qual Plácido de Castro foi significado como o maior portador (mas não o único), permanece na história, fazendo da “Revolução Acriana” um fenômeno atualizável, em graus e dimensões diferenciados.

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Uma prova do que estamos falando aqui é o vídeo “100 anos Em Revolução”24, editado pelo governo do Estado do Acre em 2003, que tinha como objetivo contar a história do Acre. Como podemos perceber, o próprio título já transmite a ideia de revolução permanente. O vídeo inicia a narrativa pela migração dos nordestinos, depois passa para a “Revolução Acriana”, o movimento autonomista, a transformação do Acre em Estado, os movimentos sociais dos anos 1970 e 1980 e termina enfatizando a vitória da Frente Popular nas eleições para o governo do Estado em 1998.

Tudo nos leva a crer que os idealizadores do vídeo quiseram produzir um efeito de sentido capaz de inserir a vitória eleitoral da Frente Popular do Acre na memória discursiva da “Revolução Acriana”. Dizer que a chegada do PT ao governo do Estado faz parte da “Revolução Acriana” é o mesmo que dizer que os líderes desse partido deviam ser venerados como os novos heróis do Acre.

Imagem 1 – Reprodução da capa do DVD “100 anos Em Revolução”.

Fonte: Arquivo pessoal.

Essa manipulação da memória histórica induziu o telespectador a crer que a Frente Popular era a legítima herdeira e representante dos heróis no novo milênio. Logo abaixo transcrevemos alguns trechos da

24 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=T8adka-Ii4A&safe =active> acessado em janeiro de 2014.

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narrativa exibida no vídeo. Como não podia deixar de ser, ela reforça o mito do patriotismo acriano e, não bastando esse abuso da história, ainda intentou “beatificar” a causa petista do “desenvolvimento sustentável” aproximando-a de fatos históricos já consagrados no imaginário social acriano.

O Tratado de Petrópolis é o reconhecimento da pátria a um povo que foi à guerra pelo direito de ser brasileiro [...] Como nos tempos da Revolução Acriana a opressão ameaça a esperança do Acre [...] Chico exprime a evolução da cidadania acriana que vivida na plenitude da nossa cultura, na conformidade do nosso tempo e na interação com o nosso ambiente, chamamos de Florestania. Cem anos de luta impõem à presente geração o dever de continuar esse processo revolucionário HOJE evidente na causa do desenvolvimento sustentável. (GOVERNO DO ESTADO DO ACRE. CEM anos Em Revolução. Rio Branco: Assessoria de Imprensa/DPHAC, 2003. Edição eletrônica, (8 min.), Trechos escolhidos, grifo nosso).

Como já foi falado, os movimentos de resistência ao domínio estrangeiro no Acre não formam uma série de acontecimentos conec-tados ou interligados entre si25. Não eram etapas de um mesmo projeto insurrecional26. O movimento liderado por Plácido de Castro não foi a

25 Nesse aspecto, discordamos do historiador Marcos Vinícius que defende exatamente o contrário, a saber: “o que temos dito, ao longo deste trabalho de valorização da Revolução Acreana como mito de origem de nossa identidade e cidadania, é que precisamos superar a visão ultrapassada de que ocorrem quatro diferentes movimentos revolucionários estanques e separados [...] como se esses episódios não possuíssem uma conexão interna e não fossem parte de um único movimento revolucionário” (O Acre é cem. In: jornal A Gazeta, de Rio Branco, em 06 de agosto de 1999, grifo nosso). 26 A "primeira" insurreição liderada por José Carvalho não teve como objetivo a criação de um Estado Independente, nem a nacionalização do território. Além do mais, apesar de a maioria dos levantes contra as autoridades bolivianas ter recebido ajuda financeira do governo do Amazonas, é bom lembrar que Silvério Nery, governador do Amazonas nos anos de 1900 a 1904, foi um crítico de seu antecessor Ramalho Júnior, que governou o Estado nos anos 1898 a 1900. O último financiou as "revoluções" de José de Carvalho e de Luiz Galvez. O primeiro financiou as "revoluções” dos “poetas” e a de Plácido de Castro. Pelo

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conclusão de um processo iniciado por José Carvalho. A Expedição dos Poetas não foi um efeito do Estado Independente proclamado por Luiz Galvez. Todos eles foram tentativas autônomas e singulares de impedir o exercício da soberania boliviana na região banhada pelo rio Purus.

O processo de anexação do Acre foi fruto de um projeto “quar-tejado”, pois não havia união nem entre os acrianos e nem entre os seus próprios líderes. Não seria coerente defender que o Estado Inde-pendente do Acre presidido por Luiz Galvez foi a materialização das ideias de José Carvalho ou a continuação da manifestação cívica lidera-da por ele contra os bolivianos. O último foi um dos maiores críticos do primeiro. Da mesma forma, não dá para dizer que os combates lide-rados por Plácido de Castro foi a continuação daqueles liderados por Orlando Lopes. O primeiro nunca concordou com a campanha militar chefiada pelo segundo.

São bem eloquentes as provas que deixamos arquivadas do estado de indisciplina e balburdia em que se agitavam, então, no seio das revoluções acrianas, toda a sorte de ambições e outras degradantes paixões, que tudo abastar-davam, desuniam e dificultavam, enquanto nós, cá de lon-ge, julgávamos os seus elementos unidos, patrióticos e fortes como deviam ser. (OURIQUE, 1907, p. 160).

Em geral, parece que a escrita da história da anexação do Acre seguiu a mesma “gramática narrativa”27 (Cf. TODOROV, 1969) dos textos históricos que significaram a fundação dos diversos Estados Nacionais ocidentais. Muda-se o cenário e os personagens, mas o rotei-ro permanece o mesmo. A história de ambos aparece como uma narra-tiva da comunhão: indivíduos dispersos se unem em favor de uma causa aparentemente comum e nobre e, sob o comando de um herói, protagonizam uma saga de sacrifícios e atos de bravura.

que se sabe, os conflitos armados com os peruanos no Juruá não sofreram influência direta do governo do Amazonas. 27 A narratologia é o estudo das narrativas ficcionais e não ficcionais. A finalidade dela é criar uma “gramática” dos textos narrativos por meio da análise comparativa. Quem introduziu o termo pela primeira vez foi Tzetan Todorov em seu livro Gramática do Decameron (1969).

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Como no caso do Acre, os Estados Nacionais também têm suas genealogias pontuadas em feitos “memoráveis” ligados a operações militares: guerras, batalhas, revoluções, inconfidências, etc. Por isso, o ensino de história é corriqueiramente voltado para a fomentação do patriotismo e do ufanismo. Ensina-se a criança a sentir orgulho das origens de seu país, mesmo que ela esteja vinculada ao genocídio; ensi-na-se a nutrir admiração pelos “heróis da Pátria”, mesmo que eles sejam assassinos.

Esse tipo de operação semiológica é conceituado por Barthes (1993) como “significação mítica”, pois o historiador28 manipula o sen-tido do fato histórico de tal modo que ele ganha um significado irreal – uma falsa evidência que fica a serviço de um dado grupo social. O sen-tido da ação histórica é esvaziado e outro lhe é incorporado. O signo conserva a aparência do significante, mas se torna semanticamente outro. Dessa forma, a função do “mito” em Barthes não seria a de ocultar, por exemplo, o fato violento, mas o de revalorizá-lo ao ponto de fazê-lo digno de aprovação. Cabe ao historiador adotar uma posição crítica diante das fontes e recuperar o processo de manipulação simbó-lica que resultou no abuso da história.

A narrativa da “Revolução Acriana” também está saturada de significações míticas. A primeira delas é a de que os acrianos, indepen-dente dos seus respectivos grupos de interesse, tenham se unido29 em favor de um Acre brasileiro. A segunda é a de que o movimento arma-

28 Trouxemos o debate de Barthes para a história, mas o debate original dele está no campo da linguística. 29 A sociedade gomífera era altamente desagregadora. “A condição de isolamento dos homens, acarretada por uma grande extensão territorial, afrouxa, senão desata os laços de solidariedade humana” (LIMA, 1975, p. 79). Os seringueiros “definhavam no isolamento, degradavam-se como ser humano, eram mais um vegetal do extrativismo” (SOUZA, 1977, p. 101). Por isso que o extrator foi qualificado por Oliveira Viana como “o mais apolítico dos brasileiros” (apud COSTA, 2005, p. 221). A relação entre seringueiros e seringalistas era hierárquica e violenta, impossibilitando a ideia de comunhão. E não havia consenso entre os seringalistas sobre a “Revolução”, muitos como Leite Barbosa preferiram apoiar o governo boliviano (Cf. CALIXTO, 2003, p. 162).

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do tenha sido “revolucionário”30. A terceira é a de que os acrianos tenham lutado “para serem brasileiros”31. A quarta é a de que a “Revo-lução” tenha sido a responsável direta pela anexação do Acre. A quinta é a de que a “Revolução” de Plácido de Castro tenha sido de fato “acriana”, uma vez que foi no máximo “puruense”. A sexta é quando se afirma que a união em torno da Questão do Acre definiu o apareci-mento do acrianismo32. A sétima é aquela que inocenta os “revolucio-nários” do extermínio indígena, etc.

Os revolucionários não pegaram em armas em defesa da nacionalidade brasileira, e sim pelos direitos advindos

30 “A revolução foi estritamente reacionária. O objetivo dela era conservar a ordem contra quaisquer mudanças vindas de um governo boliviano na região. O emprego do signo revolução não revela o caráter revolucionário do movimento, e sim um diálogo interdiscursivo que os letrados que apoiavam o movimento mantinham com o discurso liberal europeu” (CARNEIRO, 2008, p. 74). 31 "A maioria dos patrões, proprietário dos seringais, é constituída de homens analfabetos e rudes, exclusivamente dominados por interesses de ordem individual" (LIMA, 1998, p. 88, grifo nosso). Aquelas pessoas que se envolveram na “Revolução”, estavam “extasiadas de ambição, defendiam seu patrimônio” (MEIRA, 1974, p. 48). E entre os letrados que defendiam a causa, Rodrigo de Carvalho dizia: "patriotas como Gentil Norberto são em grande número e tem como pátria o dinheiro" (apud OURIQUE, 1907, p. 177). A forma mais tradicional utilizada para convencer os seringalistas a virarem “patriotas” foi dando-lhes patente de oficial. Segundo Alfredo Cabral (1984, p. 53), “Plácido de Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de seringal que conduzissem pelo menos vinte homens” [grifo nosso]. Além do mais, o Estado brasileiro só desenvolveu ações concretas e planejadas para a formação da nação no início do século XX. Em fins do século XIX, inexistia um sentimento de identidade coletiva no Brasil (CARVALHO, 1990, p. 32). O desenvolvimento da “religião cívica” entre os brasileiros foi dificultado pelos regionalismos, pelos resquícios da escravidão, pelas constantes imigrações estrangeiras e pelos movimentos separatistas, dentre outros. 32 Rodrigo de Carvalho em uma carta enviada ao governador do Amazonas em 4 de março de 1901, explica ao mesmo que para os seringalistas locais pouco importava se o Acre seria um país autônomo ou um município do Amazonas, pois estavam preocupados mesmos era em assegurar o lucro gomífero. “Posso asseverar a V. Ex. que a ambição dos aviadores e comandantes - é o contrabando de mercadorias e a borracha” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152).

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dela. Ser brasileiro era estar debaixo das leis brasileiras. Não se pode esquecer que, na época, havia um grande temor de que o governo boliviano aumentasse os impostos, invalidasse os títulos fundiários expedidos pelo governo amazonense e impusesse restrições quanto ao corte da seringueira. Devido a isso, a maior parte da elite gomífera preferiu ficar sob a jurisdição brasileira. É bom que se diga que os migrantes teriam sua nacio-nalidade brasileira garantida caso a Bolívia exer-cesse sua soberania naquela região, o que mudaria é que ali, estariam na condição de estrangeiros. (CAR-NEIRO, 2008, p. 73, grifo nosso).

A nacionalização do Acre não foi o resultado de um “destino manifesto”. Ninguém migrou para o extremo ocidente amazônico em fins do século XIX para nacionalizar o Acre, pois ali era “uma terra para ganhar dinheiro e não para fundar um lar” e “uma terra para ganhar dinheiro e enriquecer não pode inspirar compaixão” como afirma Benchimol (1977, p. 186, 216). O discurso patriota dos líderes da “Revolução” dissimula a “desmedida ambição” (idem, ibidem, p. 216) que tinham "por interesses econômicos ligados à extração do látex” (CAR-DOSO, 1977, p. 25).

Los que se atreven a sostener que la revolución del Acre fue un movimiento espontáneo de los pobladores, que deseaban independizarse de Bolivia y acogerse al pabellón brasilero, faltan a la verdad. Allí no hubo más que el sórdido interés del Gobernador de Amazonas por apoderarse de aquellas rentas y el de un cierto número de aventureros, adeptos su-yos, dispuestos a medrar en esa empresa. (ARAMAYO, 1903, p. 55).

Só importava o bem presente, como as perspectivas imedi-atas de lucro certo, do dinheiro e do crédito fácil. A mira-gem da riqueza célere e a volta à terra de origem compunham o binômio psicológico do seringueiro, a ideia-força que o animava ao sacrifício na floresta. (TOCAN-TINS, 2001, Vol. I, p. 255, grifo nosso).

As mitificações operadas pela historiografia acriana são da mes-ma “gramática” daquelas praticadas pelas histórias oficiais da Guerra

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do Paraguai e da Revolução Francesa. Em ambos os casos houve uma tentativa de esvaziar a brutalidade dos acontecimentos por meio de jus-tificativas “nobres”. Em relação ao primeiro, muitos livros já denuncia-ram o “terror” e a “política da guilhotina”, como foi o caso de Le livre noir de la Révolution Française, organizado por Escande. Em relação ao segundo, dentre muitos, podemos citar Genocídio Americano, de Chiave-nato. Esse último diz que a Guerra do Paraguai não teve nada de lou-vável, pois foi “uma guerra de interesses econômicos” (CHIAVENATO, 1979, p.11) ligada ao imperialismo inglês. Portanto, desmascara a “fantasia nacionalista com episódios heroicos e militaris-tas [...] o patriotismo e a bravura dos nossos soldados encobrem a vila-nia dos motivos” (idem, ibidem, p.11 e 10).

Será que há situações em que o emprego da violência se torna moralmente aceitável? Em que circunstâncias é oportuna a promoção de uma guerra? Não entraremos nesse debate, mas tratamos aqui o fenômeno bélico como uma patologia social. Toda violência é uma forma de agressão a outrem, independente dos motivos. E esse com-portamento, é o que mais aproxima o homem do reino animal ou da vida selvagem. A guerra é incompatível com o grau de civilidade alcan-çado pela humanidade. Portanto, não há razão para defendermos o caráter pretensamente benéfico de uma guerra ou de uma revolução.

Inúmeros são os exemplos de narrativas que heroificam o guer-reiro e monumentalizam os feitos bélicos. Não apenas justificam a vio-lência, mas também exigem das gerações presentes e futuras uma admiração por ela. Na Grécia Antiga, por exemplo, os gregos aparecem como aqueles que combatiam em nome da virtude. Já durante a forma-ção dos Estados Nacionais, a força ideológica justificadora da violência foi o patriotismo. No século XX, os líderes dos movimentos socialistas diziam que a “ditadura do proletariado” era uma forma de combater a desigualdade social.

Todos tentam prestar contas de suas ações recorrendo direta ou indiretamente à noção de “guerra justa”. O termo foi criado por Agos-tinho de Hipona (354 - 430) e faz menção a situações em que o empre-go das armas pode se tornar um mal necessário33. Em geral, se diz que

33 O holandês Hugo Grócio (1583-1645), considerado o pai da filosofia do direito, em sua obra De Jure Belli ac Pacis (O Direito da Guerra e da Paz, 1625),

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a guerra é “justa” quando motivada por sentimentos “nobres”, quando os objetivos delas são “legítimos” e quando o agressor é um agente “legal”. Para Maquiavel (2006), toda guerra se mostra justa, desde que necessária. Muitos outros filósofos também se manifestaram a favor do uso da violência em dadas circunstâncias, tais como Hobbes, Nietzs-che, Hegel, Marx e Marcuse.

As “guerras justas” geralmente são representadas como uma ação militar do bem contra o mal. No entanto, os critérios que definem o bem e o mal são ideologicamente marcados34 e isso torna o discurso da aceitação da guerra um recurso meramente retórico. Hannah Arendt (1998 e 1994) julgava como criminosos os praticantes da “violência revolucionária”, chegou inclusive a comparar os crimes de guerra aos do genocídio. Em qualquer que seja a situação, a história das guerras sempre será “a história do gênio humano aplicado à destruição” (MAGNOLI, 2013, p. 16).

A própria representação hegemônica da identidade acriana está saturada de significações míticas. Isso tem a ver com a opção pela nar-rativa histórica maniqueísta em que os sujeitos ou os grupos sociais aparecem tipificados em figuras opostas: vítimas e algozes, heróis e bandidos. Inicialmente, o mal foi associado à figura do estrangeiro. Depois, aos seringalistas exploradores de seringueiros e também a todos aqueles que não apoiavam a causa da autonomia acriana. Em seguida, foi a vez do fazendeiro “sulista” ser estigmatizado. O mal sempre está corporificado no “outro”, e é dessa forma que o “eu” acri-ano foi inventado como figura do “bem”.

A construção do “outro” nada mais foi do que uma tentativa de livrar o “eu” acriano dos seus traços históricos indesejáveis. Pois, se dado acriano não assumir a causa do grupo dominante é logo desquali-ficado como “aquele que não ama o Acre”. Mas o “eu” e o “outro”

também autoriza o uso da violência em determinadas circunstancias. Essa obra influenciou o Direito Internacional, que tem sua origem na doutrina da Guerra Justa. 34 Sou da opinião de More (1995, p.114), que diz que “na realidade nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro que se possa prever, foi justa”.

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estão indissociavelmente ligados, eles formam o “mesmo” da socieda-de acriana, pois nela a figura do “herói” e do “bandido” se misturam.

O Acre do seringueiro “patriota” foi o mesmo do seringueiro assassino de índios. O Acre do seringalista benfeitor da “Revolução Acriana” foi o mesmo do seringalista promotor de correrias contra nati-vos e corrupção contábeis contra o seringueiro. O Acre de Galvez foi o mesmo de Neutel Maia35, e o Galvez que proclamou o Estado Inde-pendente do Acre foi o mesmo que ganhou dinheiro como cafetão em Manaus. O Acre de Plácido de Castro foi o mesmo de Gabino Besou-ro36, e o Plácido de Castro que “libertou” o Acre foi o mesmo que semiescravizava seringueiros em seus latifúndios. O Acre de Guiomard Santos37 foi o mesmo de Oscar Passos38, e o mesmo Guiomard Santos autor do projeto que elevou o Acre à categoria de Estado foi o mesmo simpatizante pelo fascismo italiano que militou na Ação Integralista Brasileira (AIB) nos anos 193039. Ou será que o Acre de Chico Mendes foi diferente do Acre de Darly Alves40?

Finalizo esse tópico com algumas perguntas: os acontecimentos militares ligados à Questão do Acre teriam realmente sido uma revolu-ção? Não teria sido uma guerra? Ou uma confederação? Uma revolta? Um levante? Um motim? Um ajuntamento? Uma amotinação? Uma conjuração? Uma assuada? Uma intentona? Uma sublevação? Uma sedição? Uma rebelião? Uma subversão? Uma resistência? Uma insur-reição? Quem dá mais? Tantas são as possibilidades, por que batizaram os feitos como “Revolução”? Uma coisa é certa, um movimento arma-

35 Dono do seringal Volta Empresa, que viria a se tornar a atual cidade de Rio Branco. Ele era muito influente na época, no entanto, se posicionou contra as ações políticas de Galvez, sendo, inclusive preso por isso. 36 Político acusado de mandar matar Plácido de Castro. 37 Político filiado ao PSD, grande defensor da autonomia acriana nos anos 1950. 38 Ex-governador do Território do Acre, político filiado ao PTB de grande expressão regional. Ele era contra a elevação do Acre à categoria de Estado, por isso foi estigmatizado pela historiografia marcadamente autonomista. 39 Cf. Revista Anauê!, Rio de Janeiro, ano I, n.2, maio de 1935, p. 15. 40 Condenado pela justiça como mandante do assassinato de Chico Mendes.

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do não se torna “revolucionário” só porque foi assim chamado pelos seus promotores41.

A adoção de uma abordagem jurídico-penal poderia lançar luz a essas perguntas. O fato bélico acriano poderia estudado conforme o tipo criminal existente na legislação penal brasileira em vigor da épo-ca42. Aliás, assim foi feito com Luiz Galvez e José Carvalho, pois ambos tiveram problemas com a justiça brasileira por causa da “Revo-lução”. O primeiro por ser estrangeiro foi praticamente expulso do país e o segundo foi processado pelo crime de lesa pátria, além de ter sido proibido de manter residência fixa no Estado do Amazonas.

A resistência a essa abordagem seria óbvia, pois os "heróis acria-nos" acabariam enquadrados em algum tipo criminal43. Talvez algum dia os juristas sejam mais perspicazes que os historiadores e fomentem o debate sobre essa dimensão criminal da “revolução”. Afinal, os “revolucionários” acrianos promoveram a desobediência aos tratados e acordos internacionais firmados pelo Brasil de forma deliberada, rom-peram com o monopólio estatal do uso da força, praticaram comércio clandestino de borracha e de outras mercadorias nas fronteiras amazô-nicas, opuseram-se à execução de ordens legais, impediram funcionário público nomeado de exercer suas atribuições, cometeram assassinatos e lesões corporais a outrem, dificultaram a arrecadação de tributo legiti-mamente instituído, e provocaram uma nação estrangeira a hostilizar e quase declarar guerra ao Brasil. Muitas dessas práticas assinaladas já eram tipificadas como crime no Código Penal brasileiro de 1890.

41 Do ponto de vista do governo boliviano foi uma guerra. Do ponto de vista de José de Carvalho (2002), uma insurreição. Do ponto de vista dos próprios protagonistas dos acontecimentos, uma revolução. Do ponto de vista do governo federal brasileiro, um movimento separatista. Segundo Eugene Seeger, cônsul-geral dos EUA, “um ato de pirataria moderna” (apud BANDEIRA, 1978, p. 161). Zambrana (1904, p. 26) informa que Puerto Alonso estava sendo bloqueada por “piratas y aventureros”. 42 Esse foi o procedimento utilizado por Dantas (2011) em situação analítica semelhante. 43 Pelas leis bolivianas eram criminosos, pois exerciam atividade econômica de forma clandestina, algo próximo do crime de descaminho de mercadoria no atual código penal brasileiro.

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O discurso patriótico tentou justificar toda essa gama de com-portamentos socialmente patológicos, reinventando o “crime” como prática digna de comemoração. “Lutar por amor ao Brasil” foi um “fetiche” empregado para inocentar os primeiros acrianos de suas prá-ticas penalmente imputáveis. Certamente não assassinavam indígenas por “patriotismo”. Quem sabe um dia alguém promova, ao menos simbolicamente, o julgamento póstumo daqueles acrianos à luz do Código Penal da época.

Mas qualquer leitor de Hobsbawm (2010), sendo ele boliviano ou não, tipificaria os acrianos ao menos como “bandidos sociais” - criminosos que se consideram “portadores de justiça (idem, ibidem, p. 9) por lutarem “contra governos injustos” (idem, ibidem, p. 32). Eles justifi-cam a prática de atos proibidos por lei por meio de argumentos “humanitários”. Esse tipo de bandido “desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm ou aspi-ram ter o poder, a lei e o controle dos recursos (no caso, os bolivia-nos)” (idem, ibidem, p. 21). Em nome de uma causa, eles se negam a obedecer as autoridades legalmente constituídas. Hobsbawm (2010, p. 27) lembra que “a recusa de pagar impostos é um delito sujeito às penas da lei, e a recusa de obedecer à lei é punida com o cárcere”. Então, seriam os “heróis” acrianos “bandidos sociais”?

2.2 A história revisada da “Revolução”

Eugene Seeger, Cônsul-Geral dos Estados Unidos, qualificava a insurreição de Plácido de Castro como ato de pirataria moderna, dirigido pelos polí-ticos e especuladores de Manaus e executado pela mais vil espécie de aventureiros e facínoras, com a assistência do Governo do Brasil. Os ladrões de bor-racha do Amazonas, em sua opinião, apresentavam com a vestimenta do patriotismo ultrajado e acusavam a Bolívia de estar vendida aos ianques, cuja política expansionista ameaçava o Brasil e o resto da América do Sul. (BANDEIRA, 1978, p. 161, grifo nosso).

Mercenarios recolectados en los antros del vicio y la miseria, trabajadores obligados por sus patrones a ba-tirse y perder la vida por una causa ignorada por ellos, lógicamente, debían perder la moral ante indivi-

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duos patriotas que abandonaron las fruiciones del ho-gar por acudir en amparo de nuestra integridad terri-torial. (AZCUI, 1925, p. 97, grifo nosso).

Los representantes de esa revolución que bajo el man-to del patriotismo practicaron las mayores infamias avergonzando la diplomacia brasilera […] levantando en alto falso patriotismo que encubre fines inconfesa-

bles. (ZAMBRANA, 1904, p. 86 e 94).

As terras banhadas pelos rios Purus e Juruá figuravam oficial-mente nos mapas bolivianos desde a assinatura do Tratado de Ayacu-cho (1867), no entanto, não foram imediatamente ocupadas. O governo boliviano preferiu concentrar a mão de obra do país nas minas de prata, que eram o principal motor da economia andina naquele momento. A Bolívia só se preocupou com a região pelos idos de 1894, quando o coronel José Manuel Pando denunciou a invasão brasileira. Por conta disso, este coronel ganhou tanta notoriedade em seu país que acabou se tornando presidente nos anos 1899-1904.

O impacto da denúncia deu origem a uma série de reuniões diplomáticas entre os governos do Brasil e o da Bolívia. Em 19 de fevereiro de 1895, houve a assinatura de um Protocolo que previa a demarcação definitiva dos limites entre os dois países. Segundo Corrêa (1899, p. 47), tal Protocolo estava em "flagrante desacordo com o Tra-tado de 1867", pois defendia uma "linha geodésica oblíqua" como fronteira entre os dois países. Fato é que o governo brasileiro reconhe-cia o território como sendo estrangeiro, tanto é que autorizou a instala-ção de um posto aduaneiro boliviano em Puerto Alonso44 em 22 de outubro de 1898. Como o próprio Abguar Bastos (1969, p. 64) diz, os acrianos provocaram a “transformação do Acre boliviano em Acre brasileiro”.

O governo do Amazonas procurava estimular um “clima de ten-são e revolta” (CABRAL, 1986, p. 37) na região, espalhando boatos con-

44 O nome Puerto Alonso foi uma homenagem dada ao presidente boliviano Severo Alonso. A inauguração do posto aconteceu em 03 de janeiro de 1899 e teve muita repercussão no Brasil, principalmente nas praças de Belém e Manaus, onde, até então, eram recolhidos os impostos sobre a exportação de toda borracha oriunda do Acre. Os bolivianos já haviam tentado construir uma alfândega em 23 de setembro de 1898, mas sem sucesso (Cf. REIS, 1937, p. 17).

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tra os bolivianos. Os seringalistas também faziam sua parte, dizendo que sofreriam castigos por trabalharem em terras estrangeiras. “Nada mais falso, tudo não passou de fantasia destinada a levantar a opinião nacio-nal contra a ocupação do Acre” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 248).

Muitos brasileiros passaram a ter o boliviano José Paravicini “não como o representante legítimo de um país que, sob os resguardos dos tratados internacionais se empossava do território acreano; e sim como o algoz dos brasileiros, o usurpador de rendas nacionais” (idem, ibidem, p. 248). Três eram os principais receios da elite gomífera acriana com relação à consolidação da soberania boliviana na região, a saber: a) invalidação dos títulos fundiários expedidos pelo governo amazonense; b) o aumento arbitrário do valor dos impostos; c) a imposição de nor-mas para o corte da seringueira.

Atingidas em seus interesses, as classes dominantes ama-zonenses insuflaram, por toda parte, a ideia de uma suble-vação contra a missão boliviana. Nos jornais, nos seringais, no parlamento e até nos bares procurava-se incutir a ideia de que a pátria havia sido lesada pela adoção da medida de permitir a posse da Bolívia no Alto-Acre. Não se dizia, porém, que, subjacente a isso, estavam os interesses econômicos profundamente afetados [...] a campanha objetivara sacudir a opinião pública. (CALIX-TO, 1985, p. 111, grifo nosso).

Al estallar la conflagración separatista, el Acre contaba con más de treinta mil habitantes, mostrándose case la to-talidad indiferente a lo que ocurría, de tal modo que los promotores de la revuelta, para hacer consentir en su po-pularidad expedían despachos de coroneles a granel, sin que por ello lograsen el concurso de los agraciados, porque el ideal de los acreanos era el de continuar como hasta en-tonces, sin freno a sus desmanes ni autoridades que los go-bernase, imperando entre ellos los de mayor fuerza física y los instintos sanguinarios más depravadas. (AZCUI, 1925, p. 45, grifo nosso).

A República brasileira não podia realizar uma guerra contra a Bolívia em favor dos acrianos. Isso poderia ser interpretado como uma ação imperialista brasileira, além do mais, seria um desrespeito aos Tra-tados e Acordos Internacionais anteriormente firmados. Os governos do

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Amazonas e do Pará também não podiam assumir oficialmente uma postura contrária às decisões do governo federal, que reconhecia aquele território como estrangeiro. Mesmo assim, nos bastidores, as autoridades amazonenses confabulavam contra os bolivianos, afinal o comércio da borracha havia elevado a receita pública daquele Estado de 3.710 (três mil, setecentos e dez) contos de réis em 1890 para 33.081 (trinta e três mil, oitenta e um) contos de réis em 1900 (Cf. CORRÊA, 1899, p. 160). E foi esse fato $patriótico$ que conduziu inúmeras lideranças à “Revo-lução” no Acre.

Todo el conflicto giraba en torno a estos factores: Bolivia quería tomar las riendas del territorio del Acre, que por dere-cho le pertenecía, y el Estado del Amazonas perjudicado en sus recaudaciones fiscales se oponía tenazmente, pero entre bastidores, al funcionamiento de la aduana de Puerto Alon-so. Para efectuar esa oposición contaba con la adhesión de los seringueros, los empleados públicos, los empleados loca-les y los comerciantes del Pará e Manaos, un complejo de in-tereses que se movían para oponerse a los cabios de una situación que les estaba produciendo riquezas y poder políti-co. (RIBERA, 1997, p. 53).

Foram necessários apenas vinte e dois dias do estabelecimento do Posto Aduaneiro boliviano para que uma Junta Revolucionária fosse organizada com o fim de derrubá-lo. E no dia primeiro de maio do mesmo ano, José Carvalho - advogado cearense e secretário do superin-tendente da comarca do município amazonense de Floriano Peixoto, do qual o Acre arbitrariamente fazia parte – exigiu a saída do delegado boli-viano Moisés Santivanez e de toda sua comitiva de Puerto Alonso. O advogado foi confrontá-lo com apenas oito pessoas (CARVALHO, 2002, p. 27), dentre eles, um dos seringalistas mais importante da região, o Dr. Joaquim Victor. Por conta da legislação da época, a intimação não podia ser um ato oficial do governo do Amazonas, devido a isso, José Carvalho estrategicamente recolher a assinatura de 57 seringalistas em um manifesto contra a delegação boliviana.

As autoridades bolivianas resolveram deixar a região de forma pacífica, mas a expulsão teve rápida repercussão, e antes mesmo de o mês encerrar, no dia 24 de maio, José Carvalho já havia sido processado por crime de lesa-pátria e proibido de residir no Estado do Amazonas.

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Talvez isso possa ser explicado pelo fato de José Carvalho ser funcioná-rio público e o governo do Amazonas temer ser acusado de envolvimen-to na “insurreição”. Depois desses acontecimentos, a região do atual Acre foi novamente entregue para a administração boliviana. Os cin-quenta dias, que sucederam ao 24 de maio, foram de muitas especula-ções e articulações políticas entre os seringalistas e os políticos de Manaus sobre o destino do Acre. Os “patriotas” não podiam deixar a questão de lado, pois sabiam que, com a coleta dos impostos, os bolivia-nos haviam faturado “uma fortuna com a espoliação da borracha” (CARVALHO, 2002, p. 20).

O governador Ramalho Júnior (Amazonas), ao lado de outras providências, tentava, junto ao Presidente da Repúbli-ca Campos Sales, conseguir uma solução para o caso acrea-no: propunha contrair o Amazonas um empréstimo de um milhão de libras para indenizar a Bolívia, a fim de que ela desistisse de suas pretensões. (REIS, 1937, p. 18).

O governador do Amazonas Ramalho Júnior aproveitou o impas-se diplomático entre os dois países para contratar secretamente um espanhol, “dono de casa de jogos e prostituição” em Manaus (CARVA-LHO, 2002, p. 45) para liderar a “aventura infeliz e criminosa” (idem, ibi-dem) de tornar o Acre um país independente. Segundo Azcui (1925, p. 20), o governador havia prometido a Galvez “20% de lo que se recauda-ra por impuesto sobre la goma”. Tocantins (2001, Vol. I, p. 440) trata Ramalho Júnior como "idealizador e sustentáculo da República do Acre".

Em oposição às cautelas da diplomacia, o governador Ramalho Junior agia em desconexão com o pensamento do governo federal, de onde surgiram rumores de intervenção no Estado, efeitos em seguida, após longo relatório, minucioso e ao mesmo tempo energético, do governador ao presidente [...] A imprensa do Rio, ainda que não enfaticamente, fazia coro com o noticiário passional que vinha do Amazonas. (BASTOS, 1969, p. 64)

Sobre Galvez, as opiniões são muitas, a maioria o tem como um "oportunista" e "fanfarrão" (SOUZA, 1983; BARROS, 1993; RIBERA,

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1997). Mas há quem o interprete como um grande intelectual e diploma-ta (DANTAS, 2012)45. O certo é que além dele o governador do Ama-zonas também contratou "vinte homens, todos veteranos da guerra de Cuba" (idem, ibidem, p. 23). É bom que se diga que não há nada de estra-nho nessa prática, pois a contratação de mercenários faz parte da cultura militar ocidental há milênios. Segundo Bruyère-Ostells (2012), a Revolu-ção Francesa tentou quebrar essa tradição por meio do alistamento mili-tar voluntário. No entanto, “eles sempre constituíram a espinha dorsal dos exércitos europeus” (idem, ibidem, p. 8).

Ahora hace su entrada en el escenario de la historia del Acre un personaje que parece sacado de una novela, Luiz Galves Rodríguez de Arias, español, ex funcionario de la Embaja-da de España el la Argentina, soldado de fortuna, mercena-rio, ex estudiante de derecho, dicen que también trató de seguir la carrera de las armas pero fue expulsado por inmo-ral. (RIBERA, 1997, p. 67, grifo nosso).

Abro aqui um parêntese para dizer que o próprio Plácido de Cas-tro também foi acusado de mercenarismo por ter enriquecido com a “revolução” (CASTRO, 2002, p. 364). Após o Tratado de Petrópolis, ele se tornou dono de terras no Acre (idem, ibidem, p. 363), no Amazonas (idem, ibidem, p. 30), no Rio Grande do Norte (idem, ibidem, p. 365) e na Bolívia (idem, ibidem, p. 32). Também dizia-se que ele era dono do jornal Correio da Noite (Cf. idem, ibidem, p. 222). Embora Genesco Castro (2002) tenha explicado que o patrimônio deixado por Plácido de Castro fora comprado a crédito (desculpa utilizada até hoje por políticos de má fé), a desconfiança permanece. Até mesmo Cláudio Lima (1998, p. 227), um dos grandes admiradores do “herói”, confirma que ele “enriqueceu com espantosa rapidez”.

45 Por conta dessa mesma interpretação que a Assembleia Legislativa (ALEAC) do Estado do Acre o homenageou com uma estátua posta em frente ao prédio da ALEAC em 26 de novembro de 2008. Nela, Galvez foi imortalizado como o "primeiro legislador do Acre" (Fonte: <http://www.aleac.net> acessado em fevereiro de 2013). Vale ressaltar que Galvez nunca convocou uma única assembleia de seringalistas para deliberar sobre o teor das dezenas de decretos assinados por ele.

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O próprio líder da Revolução afirma que “entrando o Território do Acre para a comunhão brasileira, recolhi-me à vida industrial e comercial que absorve quase toda a minha atividade” (Plácido de Castro – julho de 1908 apud CASTRO, 2002, p. 269). É sabido que Plácido de Castro antes da Revolução trabalhava em Manaus como agrimensor, por isso, enquanto uma pesquisa apurada não responder os motivos que levaram o “herói” a mudar de profissão após a “Revolução”, a dúvida vai persistir. Ele mesmo tentou explicar sua prosperidade dizendo que “si alguém nesta terra entrou pela porta da honra e do sacrifício esse alguém, desculpa-me a falta de modéstia, fui eu” (idem, ibidem).

Constitui fato notório o recebimento de Luiz Galvez Rodrigues de Arias, da importância de Cr$ 440.000,00 do Estado do Amazonas, por sua chefia no movimento revolucionário no Acre que culminou com a fundação de uma república independente. A negociação do preço dos trabalhos revolucionários começou com a chagada ao Acre do Tenente BURLAMAQUI [...] Galvez apresentou sua proposta para a rendição, isto é, para dar por terminada sua tarefa: custariam 800 contos, logo reduzido para 440 contos [...] E Plácido de Castro, teria também sido indenizado por seu trabalho bélico no Acre? A respos-ta é afirmativa. Segundo notícia publicada no Jornal LA UNIÓN, que se editava em Manaus [...] com efeito, o n° 34 do referido Jornal, do dia 8 de abril de 1904, pode-se ler o seguinte: un telegrama del Pará de fecha 5, dice que el Gobierno federal expidió orden a la Delegacia Fiscal para entregar a Plácido de Castro, o a su orden, la mitad del producto recaudado de impuesto del Acre, hasta la fecha em que si firme el tratado de Petrópolis. O arti-culista não esclarece quanto teria recebido Plácido de Cas-tro, nem mesmo afirmou que tivesse ele recebido a importância que lhe era autorizado entregar pelo governo federal. (LEITE, Romeu César. Os Chefes da Revolução Acreana teriam sido mercenários? In: jornal O Rio Bran-co, de Rio Branco, em 22 de janeiro de 1976, Nº 207, p. 7, grifo nosso).

Outro indício de mercenarismo é a considerável quantidade de estrangeiros nas tropas acrianas. Fato comprovado pela lista dos vetera-nos da “Revolução Acriana” produzida durante a feitura do Projeto de Lei que pretendia conceder pensão aos ex-combatentes (Lei Nº 380, de

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10 de setembro de 1948). Fica difícil acreditar que esses estrangeiros, que mal haviam chegado ao Brasil, tenham empunhado armas para tornar o Acre o único Estado “brasileiro por opção”.

Em uma carta de 18 de junho de 1902, portanto, antes do início da “Revolução” iniciada em 6 de agosto, Rodrigo de Carvalho diz: “bal-deamos a carga da Maria Thereza, a bordo dela vem o Dr. Gentil com armamento e um capitão com vinte e tantos soldados, commissio-nados pelo governador para fazer a revolução” (apud OURIQUE, 1907, p. 223, grifo nosso). Se levarmos em consideração que o próprio Plácido de Castro afirmou ter iniciado o combate contra os bolivianos em 6 de agosto de 1902 com apenas 33 homens (Cf. CASTRO, 2002, p. 56), fica fácil deduzirmos que o episódio inaugural da “Revolução Acria-na” ou da “Grande Revolução” também foi protagonizado por merce-nários.

Esse debate era inútil na época, pois para os “barões da borra-cha”, “pouco lhes importa a procedência do herói. A sua origem. Ou sua moral. O que é preciso, e se impõe desesperadamente é salvar o Acre” (LIMA, 1998, p. 50). Zambrana (1904, p. 162) diz que “los revoluciona-rios del Acre, comandados por Plácido de Castro [...] se hallaban situa-dos en Caquetá [...] tenían bajo sus órdenes fuera de las tropas revolucionarias, unos cincuenta o sesenta hombres de la guarnición estadoal de Manaos” [grifo nosso]. Parece ser inegável que havia pes-soas comissionadas nas tropas revolucionárias, ou seja, que ali estavam sem qualquer motivação patriótica ou compromisso ideológico.

Fechemos o parêntese e prossigamos dizendo que "Luiz Galvez, com dinheiro e armas do governo do Amazonas, seguiu para o Acre" (REIS, 1937, p. 19). Lá chegando, em 14 de julho de 1899, “simuló la convocatoria de un comício popular del que resultó proclamado Presi-dente de la República Independente del Acre” (ZAMBRANA, 1904, p. 59). Segundo Ribeira (1997, p. 69), tudo não passou de “un plan larga-mente estudiado por Ramallo Junior (gobernador do Amazonas) para ir moldeando la opinión pública brasileña en contra de la posesión del ter-ritorio de Acre por Bolivia”.

O governo do espanhol não foi unanimidade, pois desde os pri-meiros meses de seu governo teve que combater “todos os focos de agi-tação” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p.349). Vários grupos se insurgiram: o liderado pelo coronel Neutel Maia, do seringal Empresa; o do Capitão

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Leite Barbosa, de Humaitá; e o da Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, do Alto Acre. Além do mais, segundo Tocantins, “as pessoas de maior destaque (de Xapuri) não haviam aderido ao Estado Indepen-dente” (idem, ibidem, p. 350). Isso sem dizer do Juruá, que nem sequer tomou conhecimento dos decretos expedidos por Galvez.

De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Seguran-ça Pública pela vontade soberana do povo, comunican-do que, no alto Acre, a população resolvia não aderir a essa revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasi-leiro [...] Somava-se a este movimento dissidente do Alto Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas as formas, minar o governo provisório. No baixo Acre, para completar, havia, ainda, a propaganda anti-governo provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa e pelo Capitão Leite Barbosa, do seringal Humaitá, este último outrora ativo colaborador na administração Paravi-cini. (CALIXTO, 2003, p. 162, grifo nosso).

Em fins de 1899, Galvez proibiu a exportação da borracha em represália às Casas Exportadoras de Manaus e de Belém que se negavam a reconhecer os atos fiscais do Estado Independente do Acre. Essa ação desagradou vários seringalistas que antes o apoiavam, dentre eles, Souza Braga, dono dos seringais Benfica, Riozinho e Niterói. Galvez também perdeu o apoio de Rodrigo de Carvalho, um dos principais membros da Junta Revolucionária, e de Alberto Moreira, um jornalista que represen-tava os interesses do novo país em território brasileiro.

Em 28 de dezembro de 1899, “apoiado por um pequeno grupo de descontentes” (AGUIAR, 2000, p. 88), Souza Braga foi aclamado Presi-dente do Estado Livre do Acre. O primeiro decreto expedido foi o banimento de Galvez; o segundo foi a declaração de livre comércio nos rios e o consequente restabelecimento da ordem comercial. Souza Braga chegou a dizer que “entre o governo de Paravicini e o de Galvez não há grande diferença, assemelha-se na forma e no fundo, deprimir o caráter nacional brasileiro e arruinar a nossa fortuna” (apud TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 389, grifo nosso).

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Uma comitiva boliviana foi a Puerto Alonso, por essa mesma época, com o fim de cobrar os impostos que consideravam devidos ao tesouro nacional andino. O chefe da expedição, Ladislau Ibarra, logo que chegou, decretou estado de sítio, suspendendo todas as garantias consti-tucionais da população. A região virou uma espécie de “torre de babel”, pois ninguém sabia ao certo quem de fato tinha o direito de receber os impostos. A situação se tornou tão delicada que Souza Braga foi força-do a renunciar.

O Estado Independente do Acre ficou sob a responsabilidade de uma Junta Revolucionária Governativa por cinco dias. Diante das crescen-tes dificuldades, os membros logo "llamaron otra vez a Luiz Galvez" (DOMINGOS, 2003, p. 322), que volta ao poder no dia 30 de janeiro de 1900. O próprio governador do Amazonas Ramalho Júnior julgou que o movimento separatista havia ido longe demais, ele "sentía que aquel español se le había ido de las manos" (DOMINGOS, 2003, p. 334).

Em 15 de março, Galvez assinou a ata de rendição, não sem antes negociar uma indenização de 440 contos de reis (Cf. TOCAN-TINS, 2001, Vol. I, p. 415; DOMINGOS, 2003, p. 353). E para não ter que responder processo no Brasil, foi banido para a Europa. Com o fim da “República do Acre”, como afirma Goycochêa (2007, p. 41), virava-se uma "página negra dos episódios da convulsão acreana". No entanto, conforme trechos dos jornais abaixo, Galvez voltou à região litigiosa dois anos depois para servir como “voluntário” aos bolivianos.

O famoso aventureiro Luiz Galvez esteve em Manáos em agosto do anno findo alegando que vinha tratar de negócios particulares. A polícia, porém, descobriu que ele estava a serviço dos bolivianos e pretendia organizar uma expedição no nosso território [...] Galvez jurou, protes-tou, escreveu que era o homem mais innocente do mun-do. Dirigiu-se até à nacion de Buenos Aires, um determinado telegrama dizendo: o governador do Amazonas mandou-me prender [...] motivou tal violência o eu recusar servi-lhe de instrumento para ir revolucionar o Acre boliviano; como não aceitei, mandou o dr. Gentil Norberto acompanhado por soldados de polícia de Manaos, ajudar Rodrigues de Carvalho a revolucionar o Acre. O inocente Galvez assim mentindo nunca sup-poz que pudessem cahir em mãos estranha os documen-

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tos que os seus agentes na Europa lhe enviavam. Por esses documentos se vê que Luiz Galvez veio a Manáos com a intenção de ir revolucionar o Acre contra os brasi-leiros e tentar firmar o domínio de um grupo de aventu-reiros como ele, que se preparavam para explorar aquella região. (Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em 13 de abril de 1903, p. 1). Nunca mais vimos Luiz Galvez. Deram-no como morto em Madri. Mas, meses passados, apareceu no Brasil. Quis dirigir-se novamente para o Acre, na ocasião em que Plá-cido de Castro chefiava os voluntários acreanos. O caci-que Silvério Neri, com uma barbaridade inqualificável, prendeu-o e mandou lança-lo às feras do Alto Rio Bran-co. Mas Galvez não se deixou quebrantar. Atravessou toda a Guiana Inglesa, e dali transportou-se para o Méxi-co, onde faleceu. (jornal O Cruzeiro do Sul, de Cruzeiro do Sul, em 29 de julho de 1906, p. 2).

Depois dos acontecimentos liderados por Galvez, o Acre pas-sou novamente para a jurisdição boliviana. No entanto, muitas foram as dificuldades encontradas para a consecução da soberania andina naquelas plagas. Afinal, a Bolívia era um país arrasado em fins do século XIX e ainda estava se reerguendo da derrota que sofrera na guerra contra o Chile (1879-1882), quando perdeu todo o seu litoral. Sem dizer que nos anos de 1876 a 1879, o país sofreu uma de suas maiores secas, ficando “completamente sem alimentos” (CHIAVENATO, 1981, p. 42).

Entre os anos de 1871 a 1895, a economia andina se enfraque-ceu ainda mais com a queda do preço da prata, que era o seu principal produto de exportação na época. “Toda essa calamidade foi precedi-da por um terremoto em 1877, seguido de uma peste, provocando milhares de vítimas” (idem, ibidem, p. 42). O exército boliviano era “fraco e desorganizado” (LIMA, 1981, p. 23) e tinha que percorrer “uma caminhada de mais de 2 mil km pela selva” (idem, ibidem, p. 191) até chegar ao Acre.

A situação de calamidade pública foi resumida por Lima (1981, p. 6) da seguinte forma: “tem-se a impressão de uma Bolívia incapaz até mesmo de se defender das investidas de qualquer uma das mais frágeis nações do contexto latino-americano”. Era um Estado fraco,

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desorganizado, sem unidade, de “economia de subsistência” (idem, ibidem, p. 8). A instabilidade política foi tão grande que “entre 1839 y 1879 se sucedieron 17 presidentes, y 11 de ellos tomaron el poder por la fuerza” (SOTOMAYOR, 2013, p. 55).

Mapa 1 – Resultado da ação imperialista de países

latino-americanos no território boliviano.

Fonte: Disponível em <http://www.outraspalavras.net/2012/08/09/e-se-a-bolivia-

pudesse-ver-o-mar> Acessado em março de 2013.

Os políticos e liberais de Manaus tinham conhecimento dessas fragilidades46. Tanto é que Gentil Norberto, um dos líderes da “Revolu-ção Acriana”, em diálogo com o governador do Amazonas Silvério Nery, assim se referiu a Bolívia: "não haveis de querer recuar diante de uma fraca nação [...] os semibárbaros da América do Sul" (apud OURI-QUE, 1907, p. 167). Por causa dessa situação, o governo boliviano ten-tava salvaguardar os seus direitos por meio do discurso jurídico dos acordos e tratados internacionais, porquanto, militarmente não tinha a mínima condição de disputar o território com o Brasil. Basta lembrar que mesmo após a rendição de Luiz Galvez, ocorrida na metade do mês

46 Para se ter uma noção da fragilidade militar dos bolivianos no Acre, basta dizer que a primeira insurreição acriana liderada por José Carvalho fora feita com apenas oito pessoas e a insurreição vitoriosa de Plácido de Castro no dia 6 de agosto de 1902 com apenas trinta e três soldados (CASTRO, 2002, p. 56).

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de março de 1900, os bolivianos só vieram a reestabelecer-se na região seis meses depois47.

Em julho de 1900, o novo governador do Amazonas Silvério Nery toma posse. Ele adotou a mesma política de seu antecessor com relação à Questão do Acre. Em novembro de 1900, financiou uma expedição militar de libertação do Acre nominada “Floriano Peixoto”, que também ficou conhecida como "Expedição dos Poetas", pela quan-tidade de intelectuais - “voluntários da pátria” sedentos de enriqueci-mento fácil.

Outra coisa não era senão uma grande ladroeira mui-to bem planejada; toda a borracha que depois de prepa-rada bem para o terreiro dos barracões seria embarcada diretamente para o Pará, onde se faria a distribuição dos resultados. A Carvalho [Rodrigo] caberia à soma de 500:000$000 e mais o seringal denominado Amélia; a Gentil Norberto igual soma, e assim por diante as partes de todas as pessoas que tinham entrado na combina-ção". Declaração dos influentes seringalistas Joaquim Vitor e Joaquim Domingos Carneiro ao Cônsul Carnei-ro de Mendonça. (apud TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 104, grifo nosso).

Em 2 de dezembro de 1900, antes mesmo de chegarem ao local do combate e esperarem o resultado do mesmo, o Acre era mais uma vez declarado um Estado Independente. Rodrigo de Carvalho foi acla-mado presidente do novo país. Mas a falta de unidade entre os "poetas" era grande e "a desordem laborava na expedição [...] todos mandavam" (COSTA, 2005, p. 128). O combate em Puerto Alonso se deu em 29 de dezembro do corrente. Leiamos abaixo alguns comentários sobre o fato.

[...] cada um tinha seu plano, que julgava perfeito. Não chegavam a um acordo quanto à data do ataque. A certa altura, Rodrigo de Carvalho renunciou a todos os seus cargos e honrarias, e propôs uma Junta a ser constituída por Gentil Norberto e Joaquim Vitor, cabendo aos acre-

47 Nessas condições, é possível questionarmos o valor do heroísmo acriano, uma vez que para pisar em um “cão morto” não é preciso tanta coragem assim.

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anos escolher o terceiro membro. Finalmente, a renúncia de Rodrigo não foi aceita, e ele continuou desempenhan-do as funções de presidente. (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 507).

São bem eloquentes as provas que deixamos arquivadas do estado de indisciplina e balburdia em que se agitavam, então, no seio das revoluções acrianas, toda a sorte de ambições e outras degradantes paixões, que tudo abastardavam, desuniam e dificultavam, enquanto nós, cá de longe, julgávamos os seus elementos unidos, patrióticos e fortes como deviam ser. (OURIQUE, 1907, p. 160, grifo nosso).

A expedição Floriano Peixoto foi um fracasso. Apesar de os “assaltantes” (ZAMBRANA, 1904, p. 89) estarem bem equipados com uma canhoneira e inúmeras metralhadoras fornecidas pelo governo amazonense, foram derrotados em poucas horas. Quando trataram de fugir, deixaram no campo de combate até mesmo as metralhadoras e o canhão. Mesmo assim, os líderes acrianos ainda intentaram prosseguir com o Estado Independente por alguns dias, porém as disputas internas entre eles era muito grande.

Ainda no término da Expedição dos Poetas, os seus membros de maior destaque inculpavam-se pela imprensa [...] Gentil Norberto era acusado de ambicioso, desleal e crian-çola. Rodrigo de Carvalho, de não dispor de nenhum prestígio entre os acreanos. Souza Braga, pintavam-no como seringueiro bronco, sem iniciativa e sem altivez. Hipólito Moreira e Ale-xandrino José da Silva, poços de vaidade e ambição, destituídos de inteligência. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 112).

Os fatos repercutiram muito mal e o próprio governador do Amazo-

nas perdeu temporariamente o ânimo com a Questão do Acre. Tanto Gentil Norberto quanto Rodrigo de Carvalho tiveram que convencê-lo a apoiar a causa acriana novamente. Prova disso são as cartas enviadas pelos membros da Junta Revolucionária ao governador, maioria delas publicadas por Ouri-que (1907). Por conta dessa provisória indiferença política do Amazonas, o ano de 1901 foi de relativa tranquilidade para os bolivianos.

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A situação mudou no ano seguinte, pois em abril de 1902, o Dr. Romero, representante do governo boliviano, chegou à região acriana a fim de preparar a entrega dela aos emissários do Bolivian Syndicate. Em conse-quência disso, em julho de 1902, a Junta Revolucionária voltou a se reunir. Queriam dificultar a administração boliviana na região até que o Brasil mudasse de postura com relação a Questão do Acre. A “cúpula” era forma-da por Rodrigo de Carvalho, Joaquim Vitor, José Galdino e Plácido de Cas-tro. Todos os membros já haviam participado diretamente de algum ato de resistência contra as autoridades bolivianas, com exceção do último.

Reunida a Junta Revolucionária e vários cidadãos acreanos de reais merecimentos, em um do corrente, ficou por ela deliberado, por unanimidade, o seguinte: nomear o concida-dão José Plácido de Castro para dirigir as operações militares como comandante em chefe das forças [...] finda a guerra ele nos chamará a formarmos um governo, elegendo ou aclamando um governador. (Rodrigo de Carva-lho apud OURIQUE, 1907, p. 220, grifo nosso).

O "novato" foi escolhido a dedo. Ele cumpriria um papel fundamen-tal na unidade do grupo, pois devido às muitas discórdias entre os vetera-nos, "nenhum deles seria capaz de exercer o comando sem provocar suscetibilidades, críticas, desavenças no grupo" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 112). Somente alguém neutro aos interesses que solapavam aqueles “coronéis de barranco” conseguiria uni-los. Plácido de Castro cumpriu esse papel, até porque prometia executar sumariamente qualquer um que o desobedecesse após o início da “Revolução” (Cf. LIMA, 1998, p. 89).

Os homens que haviam tomado parte nas revoluções fra-cassadas se reuniram para tratar das providências a tomar. Os maiores proprietários do Acre, em decisão unânime, decidiram-se pela resistência armada, em decisão que só a eles caberia, eis que eram os únicos capazes de financiar um movimento revolucionário. Seria feita a revolução, restava apenas encontrar o chefe capaz de levá-la a bom termo, e logo todos se lembraram de voltar a falar a Plá-cido de Castro, a fim de conseguir que aceitasse a missão. (CABRAL, 1986, p. 47).

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O "novato" era um experiente militar, franco-atirador maragato da “Revolução Federalista” do Rio Grande do Sul. Portanto, tinha um perfil adequado para liderar a ofensiva militar. Até que a vitória nas trin-cheiras fosse obtida, a Junta delegou a Plácido de Castro poderes ilimita-dos. Depois da derrota dos bolivianos, o poder de decisão voltaria para a Junta Revolucionaria, momento em que os veteranos disputariam a lide-rança entre si e deliberariam sobre o destino do Acre.

O escritor Jacques Ourique em A obra O Amazonas e o Acre publi-cou várias cartas enviadas por Rodrigo de Carvalho, Gentil Norberto e Plácido de Castro48 ao governador do Amazonas Silvério Nery; e tantas outras que este enviou àqueles. Os primeiros pediam armas, munições, lanchas, comidas, etc. O último certificava-se do andamento do conflito e mantinha “viva” a missão de incorporar o território ao Estado do Amazonas depois da vitória. Uma das cartas consta que o governador do Amazonas havia despachado armas e outros mantimentos para a “Revo-lução”, sob a responsabilidade de Gentil Norberto (apud OURIQUE, 1907, p. 223). No entanto, o mesmo havia se recusado a encaminhá-las aos combatentes por conta de discussões com Rodrigo de Carvalho (idem, ibidem, 1907, p. 224). A exemplo do que aconteceu na Expedição Floriano Peixoto, os revolucionários queriam repartir os “despojos” antes da vitória. Leia:

Por mais agradável que queira ser V. Ex. não posso sê-lo, ao ponto que o Dr. Gentil me disse para procurar com que os acreanos o façam Presidente [...] antes da vitória não se tratará de Governo, ficará a Junta Revolucionária até que se vença; vencedores os coronéis Joaquim Victor e José Galdino, que dis-putem quem será o chefe, se Victor ou Gentil: eu deixo o cam-po livre, pois nunca ambicionei a chefia (Carta de Rodrigo de Carvalho ao Governador do Amazonas datada em 24 de julho de 1902. In: OURIQUE, 1907, p. 227).

48 As cartas trocadas entre Plácido de Castro e Silvério Nery foram poucas comparadas com a intensa comunicação que Carvalho e Norberto mantinham com o governador. Essa situação reforça a suspeita de que Plácido de Castro tenha sido um “prestador de serviços” da estirpe de Galvez. É bom que se diga que a história popularizada por Lima (1998, p. 89) de que Plácido de Castro havia dito que somente aceitaria o comando militar da “revolução” caso o governo do Amazonas não interferisse nela, não procede, uma vez que nem mesmo aparece nos apontamentos do próprio Plácido de Castro, sendo, portanto, duvidosa.

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Em 19 de janeiro de 1903, quase às vésperas da rendição incondi-cional do exército boliviano, Rodrigo de Carvalho envia uma carta ao governador do Amazonas alertando-o que havia uma "grande quantida-de de pretendentes a governador do Acre e a cousa acabaria em briga grossa" (idem, ibidem, 1907, p. 416). Isso é um forte indício de que Plácido de Castro realmente não era o líder político da “Revolução” e sim um militar a serviço da causa acriana. Se dado estava que o “novato” fosse o “mentor” da “Revolução”, como explicar a disputa que se deu entre os “veteranos” pela governança do futuro Poder Executivo acriano?

Imagem 2 – A “trindade” da “Revolução Acriana”.

Fonte: MEIRA, Sílvio Augusto de Bastos.

A Epopeia do Acre. Rio de Janeiro, 1964, p. 59. (adaptado)

Para os líderes bolivianos, Plácido de Castro nunca figurou como o líder da Revolução. Ele era tido como um mero coadjuvante49, assim

49 Segundo Enock Pessoa (2007, p. 117), a “Revolução” teve início por uma decisão de Plácido de Castro, que “resolveu procurar os seringalistas da região”. Essa “visão romântica” está lastreada nos livros de literatura regional que ressaltam o heroísmo de Plácido de Castro. A “Revolução” não foi uma iniciativa dele, pelo contrário, ele foi convidado (contratado?) por aqueles que tinham interesse na Questão do Acre.

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como os outros membros da Junta Revolucionária. O verdadeiro res-ponsável pela “Revolução” era o poder executivo amazonense. Segundo Zambrana (1904, p. 163), cónsul boliviano no Pará, “Silverio Nery, Go-bernador de Amazonas, autor responsable y sostenedor de la revolución del Acre [...] Plácido de Castro, Rodrigo de Carvalho, Gentil Norberto y demás coautores de la citada revolución”.

Antes mesmo da vitória contra os bolivianos, dois grupos de inte-resse disputavam o governo do Acre50: o dos grandes seringalistas e o dos liberais. O governo do Amazonas apoiava a causa acriana, porém temia o fortalecimento político dos seringalistas locais. Eles podiam resistir à incorporação do Acre ao Estado do Amazonas. É por isso que o governador preferia os liberais como Gentil Norberto e Rodrigo de Carvalho e com eles mantinha contato. Ambos mantinham vínculos com os comerciantes e políticos de Manaus, tanto é que faziam rotinei-ras viagens à Manaus.

É relevante lembrar que a própria aclamação de Plácido de Castro como governador do Estado Independente do Acre só aconteceu por causa da bem-sucedida articulação que Rodrigo de Carvalho fez entre os seringalistas locais e o governador do Amazonas. Experiente como era na política, Silvério Nery já havia desconfiado das pretensões políticas de Plácido de Castro, tanto é que teve que ser convencido por Rodrigo de Carvalho de que o “novato” não resistiria ao plano de incorporar o Acre ao Amazonas, vejamos:

Plácido é indiferente que isso (o território do Acre) seja do Amazonas. A mim (Rodrigo de Carvalho) ele (Plácido de Castro) diz sempre: isso (o Acre) não pode ser esta-do; há de ser do Amazonas; já vê Vossa Excelência (Nery) que ele é amigo [...] Combinei com os oficiais em aclamarmos o Plácido governador [...] por isso, no dia da tomada de Porto Acre o Dr. Pimenta em nome dos

50 O governo do Amazonas praticava a mesma estratégia que os EUA fizeram com relação ao Texas, então território mexicano. Primeiro pregava o separatismo, e depois de proclamada a independência, anexava a região. Os migrantes norte-americanos que colonizaram a região do Texas organizaram uma resistência armada contra o governo mexicano em 1836, que resultou na proclamação da República do Texas. Em 1845, os EUA anexaram o Texas.

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acreanos vai aclamá-lo. Só assim teremos o Acre do Brasil e com certeza do Amazonas. (Rodrigo de Car-valho ao governador do Amazonas apud OURIQUE, 1907, p. 417, grifo nosso).

Esse documento é mais um forte indício de que Plácido de Castro não era o líder político da causa acriana, mas que o sucesso militar e a conveniência política o fizeram governador do Acre. O apoio político de Rodrigo de Carvalho não era gratuito, ele queria minar as pretensões que Gentil Norberto nutria de ser governador do Acre. Com Plácido de Cas-tro no poder, Dr. Rodrigo julgava que conseguiria influenciar as decisões governamentais. Mas tão logo alcançou prestígio nacional, Plácido de Castro recusou a tutela do veterano. Foi a partir de então que o último se tornou um desafeto do primeiro. Carvalho foi, inclusive, apontado como cúmplice do assassinato de Plácido de Castro ocorrido em 1908 (Cf. CASTRO, 2002).

O confronto entre as tropas de Plácido de Castro e a milícia boli-viana ocorreu de 06 de agosto de 1902 a 24 de janeiro de 1903. O con-flito era assimétrico em força bélica, portanto, já tinha um resultado previsível. O exército boliviano não ultrapassou a ordem dos 700 sol-dados51. Além de ser minoria, ainda carecia de munições. Já as tropas acrianas cresciam em número na medida em que os seringalistas aderi-am a “revolução”. Ferreira Lima (1981, p. 85) afirma que Plácido de Castro chegou a dispor de um exército de 1.470 homens e "com muni-ções fornecidas pelo Estado do Amazonas". Júlio Rocha (1903, p. 10 e 59) diz que "o número de insurgentes era de aproximadamente 2.000". A assimetria do combate também pode ser comprovada pelo potencial bélico à disposição dos “revolucionários”. Confira:

Caquetá, 12 de novembro de 1901. Excelentíssimo Senhor Doutor Silvério José Nery [...] Se V. Ex. ainda pensa como quando daí vim, em junho vindouro

51 Em 30 de abril de 1902, o próprio Rodrigo de Carvalho menciona que "em Porto Acre, entre oficiais e soldados (bolivianos), há 150 homens, destes 80 doen-tes" (Carta enviada ao governador do Amazonas em 30 de abril de 1902, in: OURIQUE, 1907). E segundo Azcui (1925, p. 211), a guarnição boliviana em Puerto Alonso era de 240 soldados.

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limparei o Acre de bolivianos. Necessito que V. Ex., em abril, arranje uma lancha de confiança e me mande alimentação para 150 homens em 30 dias, 60 Mannlincher (rifles) com 15.000 tiros e 120 rifles de cano comprido com 30.000 tiros [...] com muita estima e consideração - Rodrigo de Carvalho. (apud OURIQUE, 1907, p. 171, grifo nosso).

Caquetá, 18 de junho de 1902 - Exm. Sr. Dr. Silverio José Nery, respeitável amigo e senhor [...] basta-me 180 armas, 60 sem fumaça e 120 rifles com as competentes munições [...] Rodrigo de Carvalho. (apud OURIQUE, 1907, p. 171).

Caquetá, 18 de julho de 1902 - Exm. Sr. Dr. Silverio José Nery, respeitável amigo e senhor [...] se pudermos obter 120 rifles e 40.000 tiros faremos o assalto [...] com muita estima e consideração - Rodrigo de Carvalho. (apud OURIQUE, 1907, p. 217).

Boca do Acre, 14 de Setembro de 1902 - Exm. Sr. Dr. Silverio Nery [...] com as balas que eu trouxe, pudemos arranjar umas 50.000 balas, o que é pouco. Graças à intervenção do Sr. Coronel Custodio, já arranjei umas 10.000 e espero obter mais 20.000 [...] os bolivianos têm em Porto Acre 180 soldados regulares e uns 40 civis que provavelmente não pegarão em armas. Estão muito desanimados [...] Queira V. Ex. aceitar meus protestos de alta estima e consideração - Gentil Norberto. (apud OURIQUE, 1907, p. 300-301, grifo nosso).

Acampamento da Liberdade, 25 de setembro de 1902 - Carvalho [...] armo 400 homens e para municiá-los todos tenho que dar 60 tiros a cada um para com esta munição fazer toda a guerra [...] como sabes, recebemos de baixo somente 26.000 tiros, isto se gasta em um pequeno combate [...] nos dê um ajutório capaz de influir na balança da guerra? Apenas 250 rifles ou de preferência armas de calibre reduzido e pólvora sem fumaça e uns 100 mil tiros [...] tenho esperança que seremos servidos, pois as rendas desta região são tão grande [...] teu amigo - Plácido de Castro (apud OURIQUE, 1907, p. 338 e 340, grifo nosso).

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Antimary, 24 de outubro de 1902 - Exm. Sr. Dr. Silverio José Nery [...] para tomar Porto Acre é necessário um canhão e uma metralhadora [...] comunico a V. Ex. que as combalis vieram sem munição [...] necessitamos de 60.000 rifles [...] necessitamos de 10.000 tiros [...] Rodrigo de Carvalho. (apud OURIQUE, 1907, p. 385 e 385).

Después de dos horas de reñido fuego de una y otra parte, y en el que los revolucionarios gastaron treinta mil tiros y los bolivianos solo mil quinientos. (ZAMBRANA, 1904, p. 101).

As operações militares serviram para mostrar ao governo brasi-leiro que os latifundiários da borracha estavam dispostos a resistir ao domínio boliviano caso o mesmo não interviesse. A rendição da bolivi-ana em Puerto Alonso não significou a definitiva derrota militar dos bolivianos. Como afirma Freitas (1949, p. 15): "as vitórias obtidas, sem grandes dificuldades, dadas as situações desvantajosas do adversário (Bolívia) [...] não lhe garantiam, em definitivo, a conquista e a detenção permanente de sua acariciada presa".

Três são os argumentos que colaboram para considerar a vitória militar contra os bolivianos como algo efêmero. Primeiro, porque luta-ram contra o adversário "errado", as terras acrianas já estavam arren-dadas ao sindicato internacional e é óbvio que os financistas não aceitariam qualquer prejuízo52. Segundo, porque o próprio Presidente da Bolívia, o general Pando, havia organizado uma megaoperação mili-tar de libertação e estava se dirigindo pessoalmente à região para a des-

52 Vale ressaltar que o termo sindicato não tinha o mesmo significado que damos hoje no Brasil. Ele se referia à união de várias empresas privadas independentes com o fim de realizar um empreendimento comercial ou alguma operação financeira. O contrato da Bolívia com o Bolívian Syndicate previa a utilização da força armada para salvaguardar os direitos de seus acionistas em caso de resistência brasileira, portanto, nada estava decidido.

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forra53. Terceiro, porque havia a possibilidade de os EUA intervirem na questão para salvaguardar os interesses dos capitalistas ianques54.

La verdadera razón es la siguiente. Organizada como es-taba la revolución, ella sola habría podido vencer á las fuerzas bolivianas, si no hubiese marchado el Presidente General Pando con una regular expedición. Coa el viaje de éste, el fracaso de la revolución era casi seguro y la República del Acre que debía pasar á manos del Brasil, de las de los revoltosos, volvería al dominio de su dueño. (MEDINA, 1903, p. 39).

A “desforra” só não aconteceu por conta da intervenção diplo-mática do Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, que procurou entrar em acordo com o governo boliviano até que um tratado fosse assinado para resolver definitivamente a questão. Uma provável chacina de brasileiros radicados em território boliviano pelas tropas do General Pando comoveria a opinião pública de tal maneira que um mal pior poderia acontecer na jovem república. Tudo isso foi evitado com a assinatura do Modus Vivendi.

O militar boliviano Arthur Posnansky, testemunha dos fatos, chegou a dizer que os líderes da “Revolução Acriana” tinham consci-ência da impossibilidade de manter o Acre Independente por muito tempo. Sabiam que não tinham condições de resistirem aos interesses do Bolivian Syndicate. No entanto, combatiam os bolivianos porque recebiam incentivos financeiros do governo do Amazonas para tal. Afinal, na pior das hipóteses, poderiam pleitear dinheiro do Bolivina Syndicate para uma rendição pacífica ou até mesmo exigir indenizações do Brasil, como bem fizera Galvez.

En Caquetá estaban reunidos los jefes revolucionarios Plácido de Castro, Rodrigo de Carvalho, Gentíl Norber-

53 "A respeito dela nada nos permite afirmar que os acreanos seriam forçosamente vencedores." (ministro Barão do Rio Branco, apud BRASIL, 2003, p. 62). 54 Para que isso não ocorresse, o Brasil teve que primeiro se comprometer com a filosofia “Monroe” e depois compensar os financistas envolvidos no Bolivian Syndicate pelos prováveis prejuízos que teriam com a renúncia do direito de explorar o Acre.

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to, Alejandrino da Silva, Rivas y otros, esperando á los representantes del Bolivian Sindícate para conferenciar con ellos, y proponerles una transacción, pidiéndo-les algunos miles de libras, para deponer las armas y entregarles pacíficamente el Acre. He allí como esos aventureros que decantaban patriotismo, se ren-dían ante la expectativa de unas libras! Y he allí có-mo, si el Sindicato hubiese sido medianamente serio, hubiese podido fácilmente, con unas pocas esterlinas, tomar posesión del Acre! (POSNANSKY, 1904, p. 32, grifo nosso).

O militar brasileiro Freitas Dias, que participou da coluna expe-dicionária de ocupação do Acre Setentrional liderada pelo general bra-sileiro Olímpio da Silveira em abril de 1903, afirma que o suposto combate entre Pando e Plácido de Castro foi um grande mito. Explica que são falsas as narrativas que dizem ter "Plácido de Castro sitiado o exército boliviano sob o comando pessoal do General Don José Manoel Pando, em um lugar denominado Puerto Rico" (FREITAS, 1949, p. 6). Essa argumentação também foi defendida por Azcui (1925).

O historiador Leandro Tocantins (2001, Vol. II, p. 206) diz que "não existe nenhuma palavra daquele general confessando o cerco irremediável da praça. É lícito, pois, concluir que estava ainda lon-ge de ser decidido o combate de Puerto Rico" [grifo nosso]. Segundo Goes (1991, p. 165): "não houve choque entre os exércitos". O combate entre o exército do general Pando e as tropas acrianas foi "uma lenda gerada por Plácido de Castro e outros interessados em aumentar-lhe o renome e os seus feitos" (FREITAS, 1949, p. 34). Caso realmente a disputa militar tivesse acontecido, "os revolucionários acreanos seriam inevitavelmente destroçados" (FREITAS, 1949, p. 10). O autor boliviano Zambrana (1904, p. 191) afirma que a situação de Plácido de Castro diante do avanço do exército boliviano era “insoste-nible”, o que explicaria “la buena voluntad con que acogió el modus vivendi”. Sobre esse possível confronto, ele diz:

Cuál habría sido en tales condiciones el resultado de un en-cuentro decisivo? Las diferencias anotadas y la opinión unánime de cuantos conocieron el terreno y la respectiva

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organización de los contendientes, me dan la certidumbre de que la victoria habría sido nuestra. (ZAMBRANA, 1904, p. 192).

Diante desses fatos, a política adotada pelo Itamarati foi funda-mental. O destino dos acrianos e do próprio Acre foram traçados em gabinetes ministeriais e não em campanhas militares. Sem a renúncia do Bolivian Syndicate assinada em 26 de janeiro de 1903 e sem a assinatu-ra do modus-vivendi em 21 de março de 1903, o desfecho da Questão do Acre seria uma incógnita. Lembrando que pelo modus-vivendi, ambos os países aceitaram as discordâncias de opinião sobre o Acre de modo pacífico, até que as negociações diplomáticas fossem concluídas. E isso, segundo Freitas (1949), evitou o massacre dos brasileiros pelas tropas do general Pando.

El Barón de Río Branco, ha tomado pié en ese contrato y en la salida del Presidente señor Pando sobre el Acre, para dirigir su célebre circular diplomática, en la que de-clara, por sí, litigioso aquel territorio […] Para declarar litigioso el Acre, ha bastado, a juicio del Exmo., señor de Río Branco, una circular telegráfica a sus Ministros acreditado ante las demás potencias. Este acto de im-portancia capital en las relaciones de dos pueblos libres y respetables, no ha sido siquiera precedido de los trá-mites comunes entre cancillerías, lío hay, según sabe-mos, un Memorándum que funde y explique la declaración lanzada, una gestión previa que tienda a es-tablecer un modus vivendi, ni un antecedente rigurosamen-te oficial que dé a conocer a Bolivia los propósitos. (MEDINA, 1903, p. 40)

É bom que se diga que não houve nada de revolucionário na “Revolução Acriana”, ao contrário, os objetivos dela eram conservado-res. Lutava-se para manter a sociedade econômica como estava, já que aquela (des)ordem garantia os ganhos da elite gomífera local e do gover-no amazonense. Os seringalistas não liberaram parte dos seus semiescra-vos para as trincheiras por amor ao Brasil. Não! Eles assim fizeram para salvaguardarem as suas propriedades e as suas rendas, pois o que estava em jogo não era a nacionalidade deles e sim a dos seus seringais, a das

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suas borrachas e a dos seus impostos. Portanto, a defesa de um “Acre brasileiro” não foi um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar objetivos reacionários, qual seja, o da conservação do status quo55.

Só para lembrar, o primeiro decreto do Estado Independente sancionado por Plácido de Castro foi sobre a validação dos títulos fun-diários dos seringalistas. Isso expressa bem as reais preocupações do “herói” e de todos os “revolucionários”. Vejamos: "serão validos os títulos de propriedades definitivos ou provisórios até o presente expe-dido pela Bolívia ou pelo Estado do Amazonas, antes da ocupação do Acre por esta República" (CASTRO, 2002, p. 123). O primeiro prefei-to do Departamento do Alto Acre, antes mesmo de completar vinte dias no exercício do cargo, fez publicar o Decreto Nº 5, de 1 de setembro de 1904, que regulamentava as terras do departamento.

Consta ainda no relatório de governo do referido prefeito, que Plácido de Castro quando foi governador do Acre Meridional distri-buiu lotes de terras “a várias pessoas de sua amizade, sem maior exi-gência que um simples requerimento” (MATTOS, 1904, In: TJAC, 2003, p. 102). Afirmou ainda que Plácido de Castro era um mentiroso, pois havia escondido os registros fundiários com os autos de medição e demarcação das terras daquela região e depois espalhou o blefe de que os mesmos haviam sido perdidos “em consequência de haver incendiado o cartório de Porto Acre” (idem, ibidem, p. 102).

A Hyppolito Moreira56 narrei o que acima disse, mas ele que suspeitava que os documentos pretendidos se acha-vam em poder de Plácido de Castro, empregou o estra-tagema e a este dirigir-se pessoalmente e por meio brandos e argutos pedir os documentos que dizem Moreira e Pegentino ter o valor muito maior de duzen-tos contos. O ardil empregado por Hyppolito Moreira produziu ótimo resultado, porque Plácido de Castro em sua própria casa de residência em

55 Expressão de origem latina que significa “no mesmo estado que antes” ou “no mesmo estado em que as coisas estavam antes de um conflito ou guerra”. A “revolução” não foi ao encontro dos seringueiros que, ao final, continuaram trabalhando para se escravizar. 56 Um dos oficiais das tropas “revolucionárias” de Plácido de Castro.

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Capatará fez-lhe a entrega dos documentos tão ansiosamente procurados, pedindo, porém, a Hyppo-lito Moreira que guardasse sigilo [...] Mas de um indicio veemente me fazem crer que Plácido de Castro, tendo em seu poder o arquivo que guardava os mais importan-tes documentos sobre propriedade e outros interesses alheios abriu criminosamente a mala em que se acha-vam encerrados esses documentos e os possui, não podendo eu atinar qual o fim que tem em vista o viola-dor. Seja como for, porém, a verdade há de aparecer mais tarde ou mais ou menos cedo e as máscaras serão desafiveladas dos rostos de mais de meia dúzia de especuladores. (MATTOS, 1904, In: TJAC, 2003, p. 102, grifo nosso).

Termino esse capítulo afirmando que a fase militar no Purus che-gou ao fim sem que nada fosse resolvido concretamente. O Brasil não havia nacionalizado o Acre com a “Revolução”, pois o máximo que os “revolucionários” conseguiram fazer foi declará-lo um país independen-te, que nem sequer teve o devido reconhecimento internacional. Portan-to, o Acre ainda constava como território estrangeiro, mesmo após a vitória parcial de Plácido de Castro sobre o minguado exército boliviano em Porto Acre. O discurso patriótico empregado durante as campanhas militares provavelmente fez parte de uma estratégia retórica que preten-deu mobilizar a opinião pública nacional em favor dos acrianos, além de forçar a intervenção do governo brasileiro em favor da “revolução reaci-onária”. Tornar brasileiro aquele território era uma precondição para que os “heróis” não fossem submetidos ao ordenamento jurídico boliviano e enquadrados, consequentemente, às tipificações penais daquele país pre-vistas na época, tais como: assassinato, descaminho (de borracha), inva-são de território, sonegação fiscal, motins, desobediência a autoridade legalmente constituída, dentre outros.

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CAPÍTULO 3

A FASE DIPLOMÁTICA

Sou levado a declarar, desde já, que a anexação ao território do Brasil da faixa de terras do Acre Meridional ou Acre boliviano, deveu-se à atitude patriótica do Governo da República, em con-sequência de sua oportuna intervenção.

(FREITAS, 1949, p. 5, grifo nosso).

The final phase of the Acre Revolution was char-acterized by the vigorous intervention of the heads of state of both Bolivia and Brazil, together with their foreign ministers and ambassadors, overshadowing the revolutionaries and local offi-cials who previously played the major roles. The end result was arrived at more by the strong inter-action of the respective heads of state and foreign ministers rather than the accomplishments of a single individual […] A careful study of the poli-tics of both contesting nations, however, reveals the importance of the actions of the heads of state which secured the final agreement and far over-shadowed the energetic supporting roles of their subordinates.

(STOKES, 1974, p. 400).

A fase militar acabou sem que a Questão do Acre chegasse a ter-mo. Até a assinatura do Tratado de Petrópolis, o território do Acre ainda não figurava nos mapas do Brasil. Em fins de dezembro de 1903, o pre-sidente brasileiro convocou o Congresso Nacional para analisar o referi-

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do Tratado, que só veio a ser aprovado em janeiro de 1904. Logo em seguida, em 25 de fevereiro do mesmo ano, foi sancionado o Decreto Federal Nº 1.181, que autorizava o Presidente da República a adminis-trar diretamente o Acre em caráter provisório.

Foi na fase diplomática que a incorporação legal do território do Acre aconteceu. No entanto, contraditoriamente, essa é a fase menos prestigiada pela historiografia oficial, já que, segundo defende, o grande responsável pela "libertação do Acre"57 foi o coronel Plácido de Castro. Mas como já foi visto, caso a diplomacia brasileira não interviesse, os resultados obtidos nas “trincheiras” de nada adiantariam. Afinal, a situ-ação também envolvia outra nação além da Bolívia, e também um sin-dicato internacional. Foi, portanto, o corpo diplomático brasileiro quem pôs fim à Questão do Acre, negociando com os EUA, o Bolivian Syndicate, a Bolívia e o Peru.

A fase militar pode ter sido relevante, mas não foi determinante. Até porque todos os chefes revolucionários, de Galvez ao próprio Plá-cido de Castro, se limitaram a tornar o Acre um país independente58. E não há nada que comprove que eles, a posteriori, promoveriam a incorporação da República do Acre ao Brasil. Portanto, não se pode fazer afirmações a partir de especulações.

Autores ufanistas manipulam a narrativa para tornar a fase diplomática uma mera consecução da fase militar, para isso, privilegiam uma análise regional e de curta duração59. Por conta desse abuso da história, a compreensão que a maioria dos acrianos tem do processo de definição, delimitação e demarcação das fronteiras do Acre está apoia-da em uma versão episódica dos fatos. Um exemplo dessa “manobra”

57 Como afirma a Lei Federal N° 10.444, de 2 de maio de 2002, que inscreve o nome de Plácido de Castro “o libertador do Acre” no Livro dos Heróis da Pátria. 58 O fato de eles terem declarado o Acre um país independente, não fez do Acre um país independente, naquela época, assim como hoje, era preciso o reconhecimento internacional. O único país que assinalou uma predisposição para tal foi a Argentina, e isso por questões políticas. 59 "Os antecedentes do estabelecimento da fronteira na Amazônia Ocidental podem ser considerados como um evento de longa duração na história do Brasil, pois remontam ao período colonial" (VERGARA, 2010, p. 347).

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pode ser constatado na seguinte citação: "Plácido de Castro, herói da grande Revolução Acriana, fincou, no Acre, a magnífica tocha de patrio-tismo e estabeleceu, através do Tratado de Petrópolis, a posse do Acre boliviano e Acre Peruano ao Território brasileiro" (ROMANO, 2007, p. 7).

É bom que se diga que os protagonistas da fase militar sequer tiveram poder de influenciar a decisão sobre o formato administrativo que o Acre se submeteria após a incorporação ao Brasil. Na verdade, sequer foram consultados60. Mas o Itamarati tinha pleno conhecimento de que os seringalistas desejavam a emancipação imediata do Acre à categoria de Estado, e que os liberais e políticos de Manaus queriam a incorporação dele ao Estado do Amazonas. Mas tais interesses não foram levados em consideração na hora da decisão final.

O certo é que a última fronteira sul ocidental amazônica foi nacionalizada na condição de território administrado diretamente pela presidência da República. Esse plano de "rebaixar" o Acre a uma cate-goria inferior ao do Estado foi idealizado, ao que tudo indica, pelo Barão do Rio Branco61 e por Assis Brasil. Com isso, eles pretendiam resolver dois problemas: a) saldar as obrigações que a União havia con-traído com a assinatura do Tratado de 190362; b) evitar problemas com

60 Até 21 de novembro de 1903, como bem afirma Tocantins (2001, Vol. II, p. 360), Plácido de Castro nem sequer sabia da assinatura do Tratado de Petrópolis. 61 Mas isso em nada afetou o prestígio deles perante a comunidade acriana (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 364). O governo federal realizou uma farta promoção do Barão, atribuindo a ele o nome de “pai do Acre”, colocando, inclusive, o nome dele na capital acriana. Isso ocorreu em 3 de outubro de 1912, e pode ser explicado de duas maneiras: a) foi uma homenagem ao Barão do Rio Banco, que havia falecido naquele mesmo ano, em 10 de fevereiro de 1912; b) o governo federal almejava desestimular o regionalismo e fomentar o sentimento nacional nos acrianos e, por isso, resolveu elevar o nome do Barão do Rio Branco acima do de Plácido de Castro. Afinal, defendia-se que a anexação fora mais uma dádiva da atuação diplomática e nacional do que da ação militar e local. 62 Na condição de Território, os impostos colhidos na região passariam a ser totalmente debitados nos cofres do Tesouro Nacional.

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a elite econômica acriana, uma vez o Estado do Amazonas exigia a incorporação do Acre Setentrional.

O “rebaixamento” feriu expressamente os interesses do Estado do Amazonas que tanto investiu na “Revolução Acriana”. Mas os polí-ticos desse Estado não se conformaram, e decidiram disputar contra a União o direito sobre o Acre por meio de ações políticas e jurídicas. A primeira tentativa oficial se deu em dezembro de 1905, quando o sena-dor Jonatas Pedrosa apresentou um Projeto de Lei ao Congresso Naci-onal visando a anexação do Território do Acre ao Estado do Amazonas. A segunda tentativa aconteceu no mesmo mês quando o Estado do Amazonas contratou o renomado jurista Rui Barbosa para atuar como advogado em uma Ação Civil Originária (Nº 9) aberta no Supremo Tribunal Federal contra a União. A defesa foi argumentada em duas grandes obras: A transação do Acre no Tratado de Petrópolis (1906) e O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional (1910). Apesar de o parece-rista ter dado ganho de causa ao Estado do Amazonas, a Ação Civil nunca foi julgada pelo Supremo.

A Constituição de 1934, em suas Disposições Transitórias, mais precisamente em seu artigo 5º, afirmava que a União indenizaria o Estado do Amazonas pelos prejuízos que teve pela perda do Acre. Subtende-se, com isso, que de fato o Acre havia assumido o formato de “Território” de maneira ilegal e que toda ou parte de sua extensão geográfica deveria pertencer ao Estado do Amazonas, caso contrário, não haveria necessidade de indenização, que veio a ser paga em 1950.

As tentativas de acordo entre as partes em litígio não haviam dado resultado, até que os constituintes de 1934 resolveram colocar um ponto final no problema [...] O Amazonas nenhum direito tem mais sobre o Acre; tem-no à indenização. (LEME, 1978, p. 33).

Abaixo, uma charge que mostra Ruy Barbosa conferenciando com o Barão do Rio Branco sobre o destino do território do Acre. O primeiro defende a incorporação do Acre ao Estado do Amazonas e, para tanto, faz uso de argumentos jurídicos. No entanto, o segundo leva a discussão para o campo político e econômico e nega o pleito. Nela fica claro que o motivo pelo qual o Acre foi “rebaixado” teve a

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ver com questões financeiras. O governo federal quis recuperar o dinheiro que gastou com a solução “pacífica” da Questão do Acre. Vejamos:

Imagem 3 – Disputa pelo Acre: “União entalada com o Amazonas”

Fonte: jornal O Malho, do Rio de Janeiro, em 11 de junho de 1904, p. 17.

Muitas foram às propostas de solução para a Questão do Acre. Uma delas era a de que o Brasil pleiteasse apenas o Acre Setentrional, já que o Meridional se mostrava incontestavelmente boliviano. Outra proposta foi a do arbitramento, defendida inicialmente por Rui Barbo-sa, mas tal proposta além de atrasar o resultado da pendenga em pelo

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menos três anos, ainda tornaria o Brasil refém de um veredito incerto, mais propenso a Bolívia. Diante da situação, o Itamarati precisou tomar quatro iniciativas para anexar definitivamente o Acre. Primeiro, sinalizar o alinhamento da política externa brasileira aos interesses nor-te-americanos. Segundo, “subornar” os financistas internacionais liga-dos ao Bolivian Syndicate, para que desistissem do Acre. Terceiro, forçar a Bolívia a vender o Acre. Quarto, formalizar um tratado com o Peru, de modo que legitimasse a soberania brasileira na região disputada. E é exatamente isso que veremos nesse capítulo.

3.1 A Questão do Acre e os EUA

A compreensão da Questão do Acre não pode partir do direito brasileiro ou do direito bolivi-ano. A tomada de posição por qualquer um desses direitos implica em reduzir o significado da problemática abordada. Os discursos presi-denciais e de diplomatas fizeram exatamente isso [...] procuraram, a todo custo, transformar uma questão altamente complexa em mero lití-gio fronteiriço, resolvido por um simples tra-tado que incorporou o Acre ao Brasil [...] o Acre na mira do capitalismo internacional, por-tanto, deve ser o ponto de partida. (TONEL-LI, 1989, p. 178). A aproximação com Washington realizada por Rio Branco consolidou o padrão que seria seguido por seus sucessores nas relações com os Estados Unidos ao longo do século XX. Pode-se afirmar que esta foi a vertente nortea-dora da política externa brasileira neste século e daí seu significado fundamental [...] reconhe-cia as mudanças ocorridas na geopolítica mun-dial. (HENRICH, 2010, p. 28).

Passou a temer o Brasil uma ingerência da Inglaterra e dos Estados Unidos nas futuras

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negociações fronteiriças com a Bolívia. (BAS-TOS, 1969, p. 72).

É necessário ter bem claro que a Questão do Acre não era uma simples disputa territorial entre dois países sul-americanos. A região era alvo de uma disputa imperialista entre EUA e Inglaterra. Ambos queri-am dominar o mercado latino-americano transformando-o em parte de suas respectivas “áreas de influência”. Os EUA eram os maiores importadores de borracha do mundo, em contrapartida, a Inglaterra era a maior fornecedora, pois monopolizava o comércio internacional do produto.

A indústria manufatureira de borracha norte-americana era totalmente dependente da importação dessa matéria-prima. Para se ter uma ideia, os EUA compravam 46% da produção mundial da borra-cha, quase toda produzida na Amazônia. Mas os EUA não compravam a borracha diretamente dos produtores amazônicos, porque estes, de acordo com o sistema de aviamento, vendiam o produto com exclusi-vidade para as Casas Exportadores sediadas em Belém e em Manaus. E esses estabelecimentos pertenciam a empresários ingleses que, por sua vez, revendiam a borracha no mercado internacional a preço de monopólio (Cf. TONELLI, 1989, p. 129). Foi assim que “Liverpool se constituiu, no início do século XX, no principal porto importador da goma, porém, só um terço da mercadoria importada ficava na Inglater-ra; o restante, este país redistribuía à Europa e aos Estados Unidos” (idem, ibidem, p. 128).

A absoluta supremacia marítima e comercial britâ-nica, a estabilidade política inglesa sob o reinado da rainha vitória (1837-1901), o dinamismo de seu parque industrial e os interesses ingleses no Brasil se associaram de modo que a Amazônia acabou por se tornar numa região privilegiada para a atuação da Inglaterra, tanto foi que os serviços urbanos de gás, navegação, porto, açúcar e comércio do Pará e do Amazonas eram praticamente um monopólio inglês. (idem, ibidem, p. 130).

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A situação era constrangedora para os EUA, pois desde 1823, ainda quando o presidente James Monroe lançou o projeto “América para os americanos”, já havia uma clara intenção de incluir o Brasil no “espaço vital” ianque. Mas o Brasil ainda estava “preso” à Europa e resistia à Doutrina Monroe. Desde a independência em 1822, a Ingla-terra era a principal parceira comercial do Brasil. O Brasil sofria pres-são para adotar políticas tributárias diferenciadas para os EUA. Mas, como afirma Santos (2004, p. 115), a postura do Brasil na Conferência Pan-Americana de 1889 foi “refratária aos objetivos da reunião e ao avanço do espírito interamericanista”.

A supremacia inglesa no Brasil não se restringiu à Amazônia. Deu-se, também, no financiamento de estradas de ferro e diferentes obras públicas e se manifestou de modo nítido na presença de bancos e na exportação de manufaturados devido aos inúme-ros tratados comerciais que garantiam privilégios à Inglaterra na economia brasileira desde o período colonial. (TONELLI, 1989, p. 133).

Foi nesse contexto que os EUA resolveram avizinhar-se da

Bolívia, que tinha uma das maiores reservas de seringueiras do mundo, o “Apolobamba” (nome dado ao Acre pelos bolivianos, ver Mapa 3). O país andino denunciou a invasão e o imperialismo brasileiro perante os diplomatas norte-americanos. Foi assim que o governo dos EUA apoiou de forma velada a criação do Bolivian Syndicate que, a princípio, seria um empreendimento de caráter privado responsável pela adminis-tração e proteção militar do território boliviano invadido por brasilei-ros. A presença de alguns dos mais importantes capitalistas britânicos como acionista do sindicato também serviu para tornar a opinião pública inglesa favorável ao empreendimento.

Abaixo, uma charge sobre o assunto publicada no Jornal do Brasil. Ela demonstra um ambiente escolar autoritário onde o professor (EUA) usava métodos violentos (palmatória) para inculcar a lição (sobre quem era o dono do Acre) a uma aluna (Bolívia). Como mostra a legenda, a aluna deveria repetir a mesma resposta em voz alta a fim de que o Brasil escutasse: “estou farta de dizer, o Acre é de vossa

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senhoria, senhor mestre”. Ou seja, o destino do Acre deveria ser deci-dido pelos EUA, que virava um árbitro não oficial da disputa. Nos bas-tidores, eram eles quem influenciariam a decisão final.

Imagem 4 – Charge “Os EUA, Brasil e o Acre”.

Fonte: Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, 15 de julho de 1901, Nº 196, capa.

Os EUA já haviam mostrado como a defesa de sua “área de influência” era tratada. Eles já haviam anexado a metade do México, incluindo o Texas em 1845 e a Califórnia em 1846. Em 1898, foi a vez do Havaí. Anos antes, já tinham invadido a Nicarágua em 1855, Cuba em 1891 e Caribe em 1898. O Panamá, por influência ianque, estava prestes a proclamar a independência. O “destino manifesto” já era pra-ticado nas Américas, subordinando as soberanias nacionais latino-americanas aos interesses ianques.

O Brasil resistia ao alinhamento requerido pela Doutrina Monroe. Não por patriotismo, mas porque dava preferência às relações comerciais com os britânicos. O Brasil era um dos poucos países do continente com o qual os EUA apresentavam déficit na balança comercial. Dois eram o motivos: a) o Brasil insistia em importar a

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maioria dos seus produtos manufaturados da Inglaterra; b) os EUA eram o maior importador de café do Brasil no final do século XIX63.

Sendo assim, não haveria motivos para os EUA apoiarem o Brasil ou ficarem neutro no que diz respeito à Questão do Acre, a não ser que o Brasil fizesse concessões. Para os EUA, pouco importava com qual país latino-americano ficaria o Acre, contanto que a Doutrina Monroe prevalecesse naquela região. O Barão do Rio Branco entendeu o recado e “abraçou fervorosamente a Doutrina Monroe” (BANDEIRA, 1978, p. 168). Segundo Henrich (2010, p. 89), houve uma “reorientação da política externa brasileira da Europa para os Estados Unidos”. E isso tornou “o tema da americanização da política externa brasileira recorrente entre intelectuais, políticos e diplomatas, que buscavam apontar qual seria o melhor caminho a seguir” (HENRICH, 2010, p. 88).

Mesmo que tais negociações não tenham deixado rastros documentais, é possível auferir a historicidade delas por meio das políticas liberais adotadas pelo governo brasileiro em benefício dos EUA após a renúncia do Bolivian Syndicate. Em 1904, o presidente Rodrigues Alves decretou uma redução tarifária de 20% para vários produtos norte-americanos (idem, ibidem, p. 182), como leite condensado, borracha manufaturada, farinha de trigo, relógios, etc.

Em 1906, a United States Rubber construiu um porto em Belém. Ela era uma empresa norte-americana que rapidamente se tornou a “responsável por cerca da metade das compras de borracha realizada na Amazônia em 1907 [...] o qual organizou e implantou um sistema de compras da matéria-prima diretamente aos aviadores” (SANTOS, 1980, p. 129). Isso foi um duro golpe aos empresários inglês, que até então detinham o monopólio comercial da borracha.

O Barão do Rio Branco também “elevou a representação do Brasil em Washington à categoria de Embaixada” (BANDEIRA, 1978, p. 169). Dentre outras, foi uma iniciativa de “estreitar as relações com os Estados Unidos” (idem, ibidem, p. 169). O resultado concreto de

63

Produto responsável por 64,5% das exportações nacionais brasileiras no período 1890-1900 (Cf. PRADO e CAPELATO, p. 299, In: FAUSTO, 1985).

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tudo isso foi que “em 1915, pela primeira vez, os EUA tomaram a liderança de todo o comércio exterior brasileiro” (idem, ibidem, p. 191).

Como podemos perceber, a Questão do Acre contribuiu para acelerar o alinhamento do Brasil à Doutrina Monroe. A mudança de postura dos EUA perante o Bolivian Syndicate também pode ter sido influenciada pelo fato de o país estar às vésperas de adotar o Big Stick como política de Estado. Como afirma Garcia (2005, p. 170): “a orientação expansionista anterior estava sendo substituída por uma nova orientação”. Continua dizendo que:

A mudança da posição do governo norte-americano frente ao Bolivian Syndicate não foi uma decisão isolada, nem uma deferência especial ao governo brasileiro e sim a expressão de uma mudança mais ampla, nos métodos de aplicação da política externa dos Estados Unidos para a América Latina [...] Ao indenizar os acionistas do Bolivian Syndicate, o Brasil cumpriu de fato a única exigência que passava a importar para o governo norte-americano: garantir os interesses de seus cidadãos e de suas empresas no continente e evitar a interferência direta de outras potências na região. (GAR-CIA, 2005, p. 170 e 174).

Em resumo, a anexação do Acre ao Brasil só aconteceu porque foi conveniente aos interesses das grandes potências mundiais. Como um país periférico, o Brasil era economicamente dependente e politicamente subordinado aos interesses externos. Caso não entrasse em acordo com o “grande capital”, provavelmente sofreria represálias, como intervenções militares, bloqueios comerciais, corte na oferta de créditos, etc. O Brasil não estava preparado para isso, além do mais, dependendo da animosidade dos capitalistas ingleses, uma intervenção norte-americana na “Questão do Acre” poderia causar atritos com a Inglaterra, uma vez que esse país salvaguardaria seus interesses econômicos naquela região amazônica. Afinal, a complexa rede comercial e creditícia conhecida como “sistema de aviamento”, que possibilitou o surto da borracha, foi quase toda montada com capitais ingleses.

Além do mais, uma guerra entre os países sul-americanos não seria vantajosa para nenhuma das duas potências mundiais. Primeiro, porque o abastecimento mundial da borracha seria afetado, causando

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problemas tanto para ingleses, quanto para norte-americanos. Segundo, porque os EUA colocariam em risco a relação comercial com o Brasil, que tanto desejava aprofundar. Terceiro, o enfraquecimento inglês favoreceria a ascensão da Alemanha na Europa. Sem dizer que em âmbito interno, o presidente Theodore Roosevelt (EUA) combatia a formação de trustes, e o apoio ao Bolivian Syndicate poderia não repercutir tão bem para a sua imagem pública.

A Inglaterra, por sua vez, arriscaria todo o investimento feito na cadeia produtiva gomífera. Mesmo obtendo uma provável vitória, os créditos ofertados para o aviamento não seriam pagos nos prazos previstos, além do que o próprio Brasil poderia reivindicar o adiamento da quitação de parcelas da dívida externa. A Questão do Acre contribuiu para definir a trajetória da política externa brasileira, pois a solução foi pautada pela divisão internacional dos mercados. A Inglaterra continuaria com o monopólio da comercialização da borracha, no entanto, progressivamente entregaria o mercado brasileiro à hegemonia norte-americana. A produção de borracha da Malásia haveria de suprir as necessidades comerciais britânicas.

Imagem 5 – “A Quase Interminável Questão do Acre”.

Fonte: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1902.

(Cf. PORTO, 2012).

Acima, uma charge do Barão do Rio Branco negociando o Acre com o Tio Sam (EUA). Notem que a data da publicação da charge é anterior à tomada de Puerto Alonso pelas tropas de Plácido de Castro.

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Isso pode significar que a Bolívia já havia perdido o Acre antes mesmo do resultado advindo das trincheiras. O Brasil tinha superioridade bélica inquestionável com relação a Bolívia, no entanto, o país andino se confiava nos EUA. Qualquer vitória militar contra a Bolívia seria provisória, pois o Brasil não teria condições políticas e militares para resistir aos interesses ianques. Resumindo, sem a neutralidade norte-americana o Acre dificilmente teria sido anexado pelo Brasil.

3.2 O Bolivian Syndicate

El criterio fundamental con que hay que juzgar el con-trato es el siguiente […] ¿Puede Bolivia conservar y administrar por acción directa los territorios del No-roeste? La experiencia hasta hoy recogida da un no-venta por ciento de probabilidades por la negativa […] ¿Cuál es el medio de retener esos valiosísimos territo-rios que quizá encierran un grandioso porvenir? Por el momento no hay otro que el ideado por el Poder Eje-cutivo y formulado en el contrato que examinamos.

(Informe da Comissão de Fazenda e Indústria do Congresso Nacional Boliviano. La Paz, 1901.

In: ARAMAYO, 1903, p. 143).

Alguns proprietários, encorajados pelas negociatas e favores obtidos na Delegação (boliviana), inclinavam-se para uma aceitação tácita do regime boliviano.

(TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 104).

Si somos dueños de ese territorio, claro es que no tiene por qué intervenir el Brasil, en la manera cómo lo ad-ministramos […] Pero, he aquí que el Brasil toma pre-texto en el tal contrato, para fomentar una nueva rebelión y apoderarse después, de nuestro suelo.

(MEDINA, 1903, p. 37 e 38).

Uma clara compreensão sobre o que foi o Bolivian Syndicate é fun-damental para qualquer estudioso do processo de nacionalização do Acre. Foi ele quem deu notoriedade nacional à Questão do Acre, colo-cando o assunto nas principais páginas dos jornais do país (Cf. ANTI-BAS, 2002). Na fase militar, o Bolivian Syndicate foi usado para mobilizar a opinião pública nacional em favor dos acrianos; e na fase diplomática,

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ele foi a "prova de fogo" pela qual o Itamarati teve que passar para ane-xar o Acre de forma pacífica.

O protocolo firmado entre o Brasil e a Bolívia em 1898 consagra-va a soberania andina no território acriano. Em consequência disso, em 02 de janeiro de 1899, foi construído um Posto Aduaneiro boliviano em Puerto Alonso, "onde se cobrava elevado imposto sobre a borracha" (CORRÊA, 1899, p. 127), causando a "indignação de todos os brasileiros" (CARVALHO, 2002, p. 21). Foi então que no dia 01 de maio aconteceu a "primeira insurreição acreana" (idem, ibidem, p. 21). Ela se opunha a "invasão indébita, extemporânea, criminosa, do estrangeiro sequioso nos sagrados domínios de nossa pátria" (idem, ibidem, p. 18).

Sr. Paravicini invadiu, ocupou e oprimiu. Evidenciado que o primeiro ato do governo da Bolívia - o estabele-cimento da alfândega de Porto Alonso - é puramente: um ato de força, não precisamos de nos estender muito para provar que todos os seus consequentes não encon-tram apoio ou justificação no direito [...] se essa região não estava demarcada, como se poderia saber onde começava o território boliviano, no qual tal alfândega seria construída! (CORRÊA, 1899, p. 200 e 202).

A resistência feita por um grupo de “brasileiros do Acre” e a con-sequente expulsão da delegação boliviana de Puerto Alonso tiveram uma repercussão rápida. A omissão do governo brasileiro diante dos fatos contribuiu para que o presidente da Bolívia se decidisse pela busca de ajuda externa para garantir a soberania andina em “Apolobamba” (Acre). A borracha já representava nada menos que 22% de toda a exportação boliviana entre os anos de 1899 a 1903 (Cf. TONELLI, 1989, p. 146). Consciente da inferioridade bélica boliviana, o Ministro Plenipotenciário José Paravicini foi, como faria qualquer outro em seu lugar, procurar a proteção de um país mais forte.

A Bolívia receberia o auxílio dos EUA para conservar sua soberania nos territórios do Acre, Purus e Iaco, mediante concessões aduaneiras e territoriais. As con-versações já se encontravam adiantadas e na noite daquele mesmo dia o Ministro Paravicini tinha encon-tro aprazado com o cônsul norte-americano, para

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ultimar os detalhes da proposta que, em nome da Bolívia, ele ia encaminhar ao Presidente dos EUA Mac Kinley. (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 304).

A notícia de uma provável intervenção militar norte-americana no Acre chegou ao público brasileiro por meio de uma denúncia feita por um espanhol chamado Luiz Galvez, que foi publicada no jornal A Pro-víncia do Pará, de Belém, em 03 de junho de 1899, e depois em Commércio do Amazonas, de Manaus, em 09 do mesmo mês. Na matéria, ele traduz o acordo bolívio-americano, no qual os EUA claramente se posicionariam em favor da Bolívia em um provável conflito armado entre os dois paí-ses sul-americanos. Leia abaixo:

Acordo bolívio-americano (Minuta de Paravicini). Pro-posta para o accordo entre os EUA e a república da Bolivia: 1) Os EUA questionarão por via diplomáti-ca, da República Brazileira, os direitos da Bolívia aos territórios do Acre, Purús e Yaco, hoje acupados de accordo com os limites estabelecidos pelos Tratados de 1867; 2) Os EUA se compromettem a fornecer o numerário e material bellicos necessários em caso de uma guerra com o Brasil; 3) Os EUA exigirão que o Bra-sil nomeie dentro do primeiro anno, uma commissão que, de accordo com a Bolívia, deslinde as fronterias definitivas no Juruá e Javary; 4) O Brazil deverá conce-der a livre navegação nos afluentes do Amazonas, aos barcos de propriedade boliviana, assim como o livre transito pelas alfândegas do Pará e Manaos as mercado-rias destinadas aos portos bolivianos; 5) Em recompensa de seus bons officios a Bolívia concederá aos EUA o abatimento de 50% sobre os direitos de importação em todas as mercadorias norte-americanas e 25% sobre os direitos de exportação da borracha destinada a qualquer porto da dita república; este abatimento será pelo prazo de dez (10) annos; 6) No caso de se ter que appelar para a guerra, a Bolívia denunciará o Tratado de 1867, sendo então a linha limitrofe da Bolívia a bocca do Purús e Acre, e entregará os territorios restantes nas zonas comprehendidas entre as bocca do Purus, Acre e o Cratto, aos EUA em livre posse; 7) Os gastos que se occasionar em caso de guerra serão pagos aos EUA, recebendo em hypotheca os direitos da alfândegas boli-

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vianas. (jornal O Commércio, de Manaus, em 9 de junho de 1899, p. 1, grifo nosso).

A obtenção das informações sobre o “arrendamento” do Acre aconteceu da seguinte forma: no início do primeiro semestre de 1899, o espanhol Luiz Galvez já havia firmado compromisso com a Junta Revo-lucionária acriana e com políticos de Manaus para prejudicar as autori-dades bolivianas no Acre (idem, ibidem, p. 302). Sendo assim, com sutileza, conseguiu se infiltrar no Consulado boliviano no Brasil, obten-do ali um emprego, pois era poliglota. A partir de então, teve acesso pri-vilegiado a informações sobre o Acre que, quando obtidas, eram vendidas a preço de "ouro" aos jornais de Belém e Manaus (Cf. idem, ibi-dem, p. 308). A mais importante notícia interceptada, sem dúvida, foi a minuta do Acordo bolívio-americano.

Mas ele também denunciou um caso inusitado de uma canhoneira norte-americana chamada “Wilmington” (navio de guerra) que havia subido o rio Amazonas em abril de 1899 sem autorização prévia do governo brasileiro. Houve suspeitas de que o comandante do navio ian-que Chapman Todd tivesse ido se encontrar com o diplomata boliviano Paravicini para acertarem a redação final do contrato sobre o arrenda-mento do Acre (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. 1, p. 313). O governo boliviano e norte-americano negaram a veracidade da denúncia. O comandante da canhoneira, inclusive, foi posteriormente demitido pelo governo norte-americano (Cf. BANDEIRA, 1978, p. 153 e 154).

Imagem 6 - Canhoneira Wilmington antes

de adentrar território brasileiro.

Fonte: SOTOMAYOR, 2013, p. 153.

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As denúncias deram a Galvez grande prestígio em Manaus, ao ponto de ser convidado para participar de várias reuniões com o gover-nador do Amazonas sobre a situação do Acre. Como o governo brasilei-ro não demonstrava apreço à causa, em uma dessas reuniões, eles decidiram tornar o Acre um Estado independente. Para o intento, além do espanhol também foram contratados "vinte homens, todos veteranos da guerra de Cuba" (DANTAS, 2012, p. 23), a contratação dos mercená-rios teve como objetivo dissimular o envolvimento de políticos e comer-ciantes do Amazonas.

A República do Acre foi proclamada por Galvez em 14 de julho de 1899. No entanto, ela não teve vida longa, por motivos que já foram explicados em tópico anterior, o espanhol assinou um termo de rendição em 15 de março de 1900 e, depois de indenizado, foi deportado para a Espanha. Diante da situação, a Junta Revolucionária deu legitimidade política para que o Vice-Presidente Joaquim Vitor assumisse o Estado Independente do Acre. Mas o governo boliviano tentou enfraquecer a Junta Revolucionária por meio da compra dos principais seringais da região. Não obtendo sucesso, em 12 de março de 1900, arrendou a alfândega de Puerto Alonso para um brasileiro chamado Joaquim Cin-tra64, um bem-sucedido capitalista pernambucano que exercia o cargo de cônsul andino no Rio de Janeiro. Ele criou um Sindicato brasileiro que defendia a soberania boliviana no Acre.

A história oficial é muito crítica com o Bolivian Syndicate, um Sindi-cato anglo-americano, porém, não faz menção alguma da iniciativa do empresário brasileiro que teve objetivos similares. A decisão de Cintra foi influenciada por Alberto Moreira Júnior, um jornalista português naturalizado brasileiro que apoiara Galvez no início do Estado Indepen-dente do Acre. Moreira Junior havia sido redator-chefe do jornal O Commercio, de Manaus, quando o espanhol conseguiu o emprego de repórter no periódico em 1899.

64 Era filho do português Arsénio Fortunato da Silva, um armador e inventor de carros e de guindastes. Desde 1851, ele era um concessionário do governo imperial brasileiro na área de fabricação de carros e guindastes. Faleceu em Pernambuco em janeiro de 1854.

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A proposta seduziu o capitalista. Se a renda líquida do posto aduaneiro, no rio Acre, em três meses e vinte e três dias da administração Paravicini, ascendera à fortuna de 2.824:053$000, quem resistiria ao atrativo desta cifra. O Ministro Plenipotenciário da Bolívia, D. Salinas Vega, perce-beu na proposta um meio hábil de pacificar o território acre-ano por intermédio dos próprios brasileiros. O seu raciocí-raciocínio era conclusivo: onde fala o ouro cala a razão. (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 449).

O arrendatário obteria o poder de cobrar os impostos na região sobre a importação e exportação de mercadorias e, do total bruto arre-cadado, ficaria com 33%. Em contrapartida, se responsabilizaria por manter a ordem em toda a região banhada pelo rio Acre. Nessas condi-ções, os “revolucionários” teriam que ser dispersos, caso contrário, o contrato perderia a validade. Por conta da exigência boliviana, no dia 16 de março Joaquim Cintra contratou o próprio Alberto Moreira para pacificar. Em troca, Moreira teria o direito a 20% de todos os lucros advindos do arrendamento. Um valor condizente com a árdua missão de "erigir fundamentos de uma civilização na selva" (TOCANTINS, 2002, Vol. 1, p. 253).

Após Alberto Moreira explicar o contrato e oferecer dividendos, o seringalista Joaquim Vitor, presidente em exercício da República do Acre, logo passou a apoiá-lo. O "ardor patriótico" dos “revolucionários” era proporcional aos ganhos e às boas oportunidades de negócio que poderiam ser feitos com o Acre65. Em 25 de abril, o “revolucionário” assinou um documento que declarava estar o Acre pacificado. A seguir, um trecho do referido documento:

Ficou ajustado entre os dois que se poria fim de modo defi-nitivo a revolução, comprometendo-se o senhor Joaquim Vitor da Silva a fazer cessar o atual movimento, usando dos poderes que lhe foram outorgados pelo Congresso Revolu-cionário, permitindo que funcione a alfândega boliviana e também as autoridades legais desse país, desde que a Bolívia

65 É bom lembrar que o coronel Joaquim Vitor era o maior entusiasta seringalista da causa acriana. Ele era dono do seringal Bom Destino que, durante muito tempo, foi uma espécie de quartel-general das tropas revolucionárias.

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garantisse os direitos de propriedade individual e de locomoção [...] E por assim haverem acordado lavrou-se a presente ata que está assinada pelas partes contratantes. (apud TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 256, grifo nosso).

Em 22 de agosto de 1900, o Delegado Nacional boliviano André Munõz e sua comitiva chegaram ao seringal Capatará. Em seguida, foram ao seringal Riozinho, onde foi recebido por Alberto Moreira, e alguns membros da Junta Revolucionária. Moreira entregou o Acre paci-ficado ao delegado, conforme o contrato estabelecia (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 459). No entanto, quando assumiu o governo na região, o delegado se “esqueceu” de cumprir a sua parte no acordo. Em 22 de setembro, o mesmo desembarcou em Puerto Alonso e declarou o fim do estado de sítio, reabriu o posto aduaneiro e reafirmou a soberania boliviana. O tempo passou e os representantes da empresa criada por Cintra não foram empossados como arrendatários da alfândega em Puerto Alonso. Sendo assim, o contrato acabou caducando sem a efetiva concretização do mesmo.

É possível que tudo isso não tenha passado de uma encenação para que os bolivianos ganhassem tempo e aproveitasse o período de pacificação para negociar o Acre com os capitalistas anglo-americanos. O Sindicato Cintra66 abriu um processo contra o governo boliviano soli-citando indenização por quebra de contrato, mas para o governo bolivi-ano era melhor pagar a indenização do que levar adiante o arrendamento, visto que o Acre já estava pacificado. Entretanto, a inde-nização nunca aconteceu, pois o presidente boliviano alegou que Salinas havia negociado a questão em nome próprio, sem autorização legal.

Diante da situação, os membros da Junta Revolucionária acriana trataram logo de organizar novos motins. E em outubro de 1900, Gentil Norberto foi aclamado como o novo Presidente da República do Acre. Para tanto, recebeu o apoio do governo do Amazonas e do seringalista Antônio de Souza Braga - membro da Junta Revolucionária que por ocasião da deposição de Luiz Galvez, já havia ocupado o mesmo cargo entre os dias 28 de dezembro de 1899 e 25 de janeiro de 1900.

66 Joaquim Cintra havia fundado a firma Rogério & Cia e transferido para ela os direitos obtidos com o contrato Salinas-Cintra.

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O Vice-Presidente boliviano Perez Velasco e o seu Ministro de Guerra Ismael Montes chegaram ao Acre no mesmo mês. Entretanto, em 19 de outubro, foram presos por uma guarnição de Gentil Norberto quando se dirigiam a Puerto Alonso. Temendo as consequências de manter em cativeiro pessoas tão importantes, Norberto resolveu libertá-los. Dias depois, foram os soldados bolivianos que prenderam Gentil Norberto, que só fora solto depois de ter assinado um documento dizendo ter renunciado à “revolução”.

O Acre mais uma vez passava para a jurisdição boliviana. Porém, Gentil Norberto e seus apoiadores insistiam em defender a manutenção do Estado Independente. Mas a ideia não teve vida longa, pois Rodrigo de Carvalho, um dos principais da Junta Revolucionária, passou a criticá-los, pois temia a projeção do seu desafeto. Em dezembro de 1900, alguns intelectuais de Manaus resolveram tomar Puerto Alonso pela via armada. Por não terem experiência militar, facilmente foram derrotados. No entanto, o episódio serviu para mostrar mais uma vez ao governo boliviano que a manutenção da soberania estrangeira naquele território não aconteceria sem o constante emprego da força armada.

O governo boliviano não dispunha de condições militares para resistir a outras insurreições. A pacificação da região dependia muito mais da colaboração dos principais latifundiários e do governo brasileiro do que da minguada tropa boliviana que protegia a fronteira. Diante das dificuldades em manter a soberania andina no Acre, o Ministro Plenipo-tenciário Felix Avelino Aramayo voltou a defender a proposta de entre-gar a administração daquele território à iniciativa privada.

Si el tratado de 1896 hubiese sido aprobado oportunamente, no habría sido preciso recurrir a medios extraordinarios; pe-ro careciendo, como Bolivia carece, de rentas suficientes pa-ra mantener un estado de guerra continuo y de continuo vigilar contra las asechanzas del Gobierno de Amazonas, ha tenido que optar por la formación de poderosa compañía ex-tranjera que proporcione los arbitrios fiscales para el desa-rrollo material de la colonia á la sombra de una paz duradera. (ARAMAYO, 1903, p. 14).

Até que um dia, no Rio de Janeiro, o Ministro da Inglaterra, com a autoridade e o entendimento no assunto que os títu-los de seu país conferiam, lembrou a fórmula mágica: por

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que a Bolívia não arrenda as alfândegas do Acre e do Purus a um sindicato internacional? A proposição, partida do repre-sentante da Grã-Bretanha [...] foi logo acatada pelo Ministro Salinas Vega e transmitida a Felix Aramayo. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 32).

Como se pode perceber, essa proposta era diferente daquela denunciada por Luiz Galvez em junho de 1899. O acordo boliviano-americano de 1899 seria, conforme os termos da denúncia, uma negoci-ação direta entre o governo boliviano e o norte-americano. O último ficava responsável em apoiar diplomaticamente e militarmente o primei-ro, caso o Brasil interviesse. Nesse, o governo dos EUA não toma parte no contrato. Em 15 de março de 1900, Aramayo conseguiu uma autori-zação do presidente da Bolívia para formar uma Sociedade Anônima composta por acionista de vários países, tais como: Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica, França, Alemanha e do próprio Brasil. No geral, o objetivo da "Campañia boliviana" (ARAMAYO, 1903, p. 129) era tornar o empreendimento um negócio multinacional, de modo a inibir qualquer tentativa de intervenção brasileira. Leiamos:

Instrucciones y bases para la organización de una compañía encargada de la explotación, administración y colonización de las regiones del N.O. de Bolivia, entre los ríos Yavarí y Madera […] Los fines principales de la Compañía serán los siguientes: 1°) Adquirir en propiedad y amparar la posesión de todos los terrenos y estradas gomeras que el Gobierno le adjudicará con preferencia en aquellas regiones, à título gratui-to.2º) Adquirir en compra y con el apoyo del Goberino las adjudicaciones, barracas y otras estradas gomeras de propie-dad particular actualmente […] 5º) Explotar la zona y otras riquezas de estas regiones, ó rescatar la que se explota por los particulares y otras empresas. 6°) Administrar las Adua-nas y recaudar las rentas fiscales […] Una parte de las accio-nes será suscrita por las casas principales del Pará y comercio del Amazonas, y alguna parte también se ofrecerá en Bolivia […] El Gobierno, de su parte, se obliga á prestar su apoyo a La dicha Compañía, promulgando los Reglamentos que se proyecten y nombrando autoridades competentes. (ARA-MAYO, 1903, p. 129).

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Após a autorização, o ministro boliviano viajou por vários países em busca de acionistas. Por conta disso, os diplomatas brasileiros Joa-quim Nabuco, Assis Brasil e Barão do Rio Branco trataram logo de difamar o cartel perante os investidores europeus e norte-americanos. Afirmavam que o empreendimento era de alto risco, visto que se tratava de um território disputado por outros dois países. Por conta disso, os capitalistas belgas e alemães se recusaram a aderir à proposta, no entan-to, outros a aceitaram. Em 11 de julho de 1901, o milionário norte-americano Frederick Wallingford Whitridge, presidente da empresa fer-roviária Third Avenue Railway Company, representou um grupo de investidores anglo-americanos na cerimônia de assinatura do contrato de criação do Bolivian Syndicate.

Esta sociedad estaba formada por los banqueros más pode-rosos de Nueva York, teles como Twombly & Whitridge que manejaban la fortuna de los Vanderbilt, Roosevelt & Sons, compañía de la familia del Presidente Teodoro Roose-velt, Rockefeller & Co. y muchos otros. (RIBERA, 1997, p. 124).

Vale lembrar que o Bolivian Syndicate teria até doze meses para constituir uma companhia responsável pela administração fiscal, explo-ração econômica, colonização e segurança interna do território do Acre. O prazo começaria a ser contado da aprovação do contrato pelo Con-gresso Nacional boliviano e sua devida notividação. As atribuições da Companhia seriam as seguintes:

(…) administrar, ejercer, ejecutar, poner en fuerza, vigilar y poseer, dentro de los límites del expresado territorio y con sujeción á las leyes del Estado, todos aquellos negocios, ac-tos, funciones, obligaciones, derechos, poderes y privilegios de cualquiera descripción que sean, que por ahora corres-ponden ó que en adelante, á su tiempo, corresponderían al Gobierno ó que pertenezcan ó sean poseídas ó ejercitadas por el Gobierno. (Anexo 3. In: ARAMAYO, 1903, p. 142).

É possível perceber que a primeira intenção de Aramayo realmen-te era arrendar o Acre. A Companhia assumiria muitas das funções do Poder Executivo no território, de modo que era muito similar as chartered

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companies praticadas na África e na Ásia pelos países colonialistas euro-peus. "Subsistiendo su redacción actual, despierta legítimos temores de que podría ocasionar graves desacuerdos" (Anexo 3. In: ARAMAYO, p. 143). A chartered company era uma tendência mundial de dominação da época, conforme vemos em

crescente ônus representado pelas operações militares para a conquista de matérias-primas e mercados fez com que os países imperialistas buscasse já na última década do século XIX outras formas de dominação que não o domínio terri-torial puro, preferindo tratados e contratos que concedessem privilégios, monopólios ou prioridades na exploração de recursos naturais e dos mercados consumidores, em especial, em relação aos países latino-americanos que apresentavam maior desenvolvimento e Estados Nacionais já consolida-dos. (SZMRECSÁNYI, 1986, p. 87-88).

O teor do contrato foi duramente criticado pela opinião pública boliviana e por parlamentares, pois a maioria era contra a perca da sobe-rania boliviana naquela região, mesmo que temporariamente. Aramayo alegava que a negociação não feria a carta magna pois o “Acre” tinha um status de "território de colônia" em que alguns princípios constitucionais podiam ser, excepcionalmente, ignorados. Mas para evitar maiores pro-blemas, o texto inicial foi modificado de modo a garantir a subordinação do território ao governo boliviano e "á las leis de la República" (Anexo 4. In: ARAMAYO, 1903, p. 148).

Algumas mudanças merecem destaque, como a que aconteceu na introdução do texto, que em vez de "el Gobierno está deseoso de trans-ferir el gobierno civil y la administración de dicho territorio", ficou "el Gobierno está dispusto á confiar la administración económica" (Anexo 4. In: ARAMAYO, 1903, p. 144). Na primeira cláusula, em vez de cons-tar que "asumir el gobierno civil e la administración" era um dos objeti-vos da Companhia, foi sugerido "que tenga por objeto la administración rentística" (ídem, ibídem).

No texto oficial sancionado pelo presidente boliviano em 20 de dezembro de 1901, o Bolívian Syndicate não figurava como uma Chartered Company, já que a soberania andina na região foi preservada. Portanto, o Acre não estava sendo arrendamento, pois o sindicato não figurava como um governo civil paralelo. O que de fato o Sindicato conquistava

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era o direito à administração fiscal, à exploração econômica e à coloniza-ção territorial, além de outras vantagens. Abaixo, alguns trechos do con-trato sancionado:

Apruébase el convenio celebrado el día 11 de julio de 1901 entre el Poder Ejecutivo y The Bolivian Syndicate para la ad-ministración fiscal de los territorios del Noroeste […] el Go-bierno está dispuesto á confiar por un período de años, á una compañía que se organice debidamente en Inglaterra ó en los Estados Unidos de Norte América ó en uno de di-chos Estados ó en cualquier otro país extranjero, la adminis-tración fiscal de dicho Territorio y el cobro de las cargas, impuestos, derechos de Aduana, contribuciones, regalías, rentas de tierras del Estado […]el Sindicato es un Sindicato de capitalistas, que ha sido formado en los Estados Unidos de Norte América, con el objeto de constituir y organizar una Compañía de las condiciones arriba expuestas […] una Compañía que tenga por objeto la administración fiscal del territorio arriba descrito, en conformidad con las leyes del país y las prescripciones de este contrato […] y el producto total que se cobre ó que sea sujeto á cuenta, pertenecerá en la proporción del 60% al Gobierno y el 40 % restante á la Compañía […] La condición de la Compañía, en virtud de la concesión últimamente mencionada, será la de un Adminis-trador Fiscal encargado de la recaudación de todas las rentas nacionales, con poderes amplios y suficientes para ello y con sujeción á las leyes de la República […] La Compañía respe-tará todos los contratos existentes entre el Gobierno y los actuales legítimos poseedores de tierras dentro de los límites del expresado territorio, y exigirá que dichos poseedores re-gistren debidamente sus títulos, en conformidad con las le-yes del Estado (Anexo 5. In: ARAMAYO, 1903, p. 149-160).

Mesmo tendo conhecimento do texto original do contrato, muitos historiadores brasileiros reproduzem propositalmente a ideia de que o Bolivian Syndicate arrendaria o Acre e que ela era uma empresa da natureza da Chartered Company existente na África. Essa falsa ideia foi utilizada politicamente na época para justificar a “Revolução Acriana” (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 59). Por conta do “terror imperialista”, a Questão do Acre figurou durante muito tempo na primeira página dos principais jornais brasileiro (Cf. ANTIBAS, 2002). O diplomata Assis Brasil chegou a dizer que "o Congresso boliviano pretendeu reformar o

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contrato primitivo feito em Londres, mas só o fez para mudar algumas palavras, a essência permanece a mesma" (apud TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 81).

O contrato no es arrendamiento. Bolivia conserva soberanía, encomendando solo recaudación impuestos. Compañía carácter industrial, hállase sujeta leyes República. No se asemeja conce-siones África, que tienen por objeto organizar colonia […] El contrato sobre el Acre, no es un arrendamiento ni desmedra la soberanía de Bolivia, ni es, como se ha dicho, una amenaza para los demás Estados […] El contrato del Acre es de simple admi-nistración fiscal y de concesión de tierras […] En ningún caso pudo equipararse el contrato, á las concesiones obtenidas por las compañías colonizadoras del África. El hecho de que en el Acre residen y trabajan muchos brasileros, no justifica la oposición al contrato, dadas las razones que acabamos de con-signar. Menos aún puede ser motivo para declarar litigiosa la zona que nos ocupa. (MEDINA, 1903, p. 2, 39, 40 e 51, grifo nosso).

Em 3 de abril de 1902, uma comitiva boliviana liderada pelo Dr. Lino Romero chegou ao Alto Acre para preparar a entrega do território ao sindicato (Cf. LIMA, 1998, p. 91). A notícia causou um alvoroço entre os membros da elite gomífera, ainda mais quando se espalhou um boato de que os EUA dariam suporte militar à Bolívia caso o Brasil decidisse intervir. Por conta da situação, em abril de 1902, Rodrigo de Carvalho enviou uma carta ao governador do Amazonas Silvério Nery dizendo que "o Acre está em verdadeiro vulcão. Pois a nova delegação já avisou que todos os proprietários do Acre terão o prazo improrrogável de seis meses para legalizarem a posse de seus barracões" (apud OURI-QUE, 1907, p. 176).

O Itamarati procurou saber o posicionamento oficial do governo norte-americano sobre o Bolivian Syndicate. Em 15 de maio de 1902, Assis Brasil participa de uma reunião com o Secretário dos Estados Unidos John Hay que, em outro momento, já havia se posicionado favoravel-mente à constituição do Sindicato. Entretanto, na presença do diplomata brasileiro, foi categórico em afirmar que os EUA jamais apoiariam qual-quer iniciativa colonialista na América.

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Entre los documentos que se publicaron en La Paz, había una car-ta de recomendación dirigida por el Secretario de Estado, Mr. Hay, al Ministro norteamericano en La Paz, carta que tenía por único objeto establecer que las personas que formaban el Sindica-to eran respetables y de alta posición en el mundo de las finanzas [...] el Gobierno de los EE. UU. no toma parte en cualquiera peti-ción que estos caballeros puedan hacer al Gobierno de Bolivia. Solo deseo dar testimonio de la alta posición de estos señores cu-yos nombres he dado […] El Gobierno del Brasil se valió de ese documento como prueba de que tras del Sindicato estaba el Go-bierno de los EUA. (ARAMAYO, 1903, p. 21).

O discurso do secretário norte-americano não convenceu o Ita-marati, já que um parente do próprio presidente Roosevelt figurava na lista dos acionistas do sindicato. Além do mais, os EUA poderiam inter-vir militarmente no Acre para proteger os acionistas Ianques de eventu-ais prejuízos. Os sócios do Sindicato eram "verdadeiros testas-de-ferro de gente muito mais importante" (SOARES, 1975, p. 143). E o "Bolivian Syndicate, a mais explícita das tentativas do imperialismo em terras sul-americanas desde as façanhas de Portugal e Espanha no passado remo-to” (SANTOS, 1980, p. 205).

Imagem 7 – Tio Sam protege a Bolívia.

Legenda “Os arreganhos da Bolívia denotam que ella tem as costas quentes”.

Fonte: jornal O Malho, do Rio de Janeiro, dia 24 de janeiro de 1903. (Cf. PORTO, 2012).

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É bom que se diga que desde 1895 os belgas também atuaram na Amazônia com claras pretensões imperialistas, entretanto, sem receber qualquer resistência brasileira. Segundo Garcia (2005, p. 10), no oeste brasileiro, entre 1895 e 1910, “empresas e capitalistas belgas desenvolve-ram uma ação de envergadura, carregada de significados e consequências [...] procuraremos mostrar que existia uma pressão colonizadora que poderia surtir efeito a qualquer momento”. Continua dizendo que “os belgas estavam se posicionando de forma a estarem no melhor lugar possível, para aproveitar uma eventual oportunidade para repetirem na América a sua experiência colonial na África” (idem, ibidem, p. 11).

A própria Bélgica parece ter se dedicado mais à exploração direta da borracha no Brasil (que os EUA), fundando em 1898, a Cie. Des Caoutchouc du Mato Grosso e a La Brésilienne, que operava no mes-mo Estado com investimento total de 2.200.000 francos belgas. (TONELLI, 1989, p. 132).

O certo é que muitos foram contra a “Revolução” de Plácido de Castro por que temiam a intervenção norte-americana e uma provável guerra entre o Brasil e os EUA. Logo abaixo, citamos um trecho de um jornal da época que demonstra esse temor. O autor do texto deixa claro que a “Revolução Acriana” era mantida pelo governo do Amazonas.

A formação de uma Junta Revolucionária no Acre, sob a presidência do Sr. Rodrigo de Carvalho, temos, pois, nova flibustagem, organizada em ter-ritório brasileiro com a tolerância, senão estímulo, das autoridades do Amazonas e que, em vez de favorecer os interesses nacionais, vai nos prejudi-car, apressando a intervenção americana. Se se tratasse de um movimento exclusivamente popular contra a jurisdição boliviana, nada teríamos a ver com isso [...] a sublevação contra os bolivianos é, porém, inspirada pelo Governo do Amazo-nas como tem sido até hoje todos os obstáculos criados à jurisdição que eles pretendem ali manter [...] Nos faz temer pelas consequências, à vista do

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caráter melindroso que a questão assumiu com o apoio manifesto dos EUA aos interesses e aos direitos do Bolivian Syndicate. Não é em nome da civilização e do bem-estar da humanidade que o Governo de Washington interviria, mas em nome dos direitos dos seus compatriotas, membros de um sindicato que arrendou da Bolívia um território de que um grupo de amotinados ocupa e consi-dera de sua propriedade [...] já se sabe que não se pode constituir no Acre, arrendado a uma empresa americana, governos de espécie alguma [...] o Governo de Washington recla-mará junto ao nosso contra esse estado de coi-sas [...] A anunciada Junta Revolucionária constitui, portanto, em um tremendo perigo para nós, pelo pretexto que fornece aos EUA para uma ação enérgica na região acriana. (Jornal O Paiz. Rio de Janeiro, 8 de setembro de 1902, Nº 6544, p. 1. Acervo digital da Biblioteca Nacional, grifo nosso).

O Brasil não tinha força política para contestar qualquer ação dos EUA, porém, não ficou indiferente à situação. Em julho de 1902, o Pre-sidente Campos Salles tomou duas atitudes, a primeira foi solicitar ao Congresso Nacional que retirasse da pauta de votação o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação firmado com a Bolívia em 31 de julho de 1896. A segunda foi decretar a interdição do rio Amazonas ao tráfego comercial de embarcações provenientes da Bolívia ou com destino a ela. Isso porque o sucesso do Bolivian Syndicate dependia do livre trânsito do rio Amazonas.

O fechamento do rio Amazonas ao trânsito de navios oriundos ou destinados à Bolívia era uma decisão grave porque se chocava com dispositivos em vigor desde o Congresso de Viena (1815) sobre a livre navegação nos rios europeus, bem como com dispositivos da Conferência de Berlim, reali-zada em 1885, que reafirmava as decisões daquele congresso e regulava a navegação nos grandes rios

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da África. O fechamento do rio Amazonas se transformava, dessa forma, em mais uma fonte de pressões sobre o Brasil, por parte das grandes potências. (GARCIA, 2005, p. 168).

Tão logo souberam do ocorrido, os investidores do Bolivian Syndi-cate ameaçaram requerer indenização do governo boliviano pela impossi-bilidade da execução do contrato. Por conta disso, o governo andino não teve outra solução senão apelar para o governo norte-americano. Em 17 de julho, o Secretário de Estado John Hay conferenciou com o diplomata Assis Brasil que os interesses dos investidores não poderiam ser frustrados, pois eles haviam entrado no negócio sem se darem conta da resistência formal do governo brasileiro. "Segundo a prática interna-cional do século XIX, era dever das grandes potências proteger a vida e propriedade dos seus cidadãos no estrangeiro" (GARCIA, 2005, p. 171).

Os incorporadores do Bolivian Syndicate se volta-ram para o Governo dos Estados Unidos na espe-rança de que, havendo participação financeira de cidadãos americanos no negócio, seria de esperar uma proteção oficial desse país. E pleiteavam a intervenção diplomática junto ao Brasil de modo que este modificasse sua atitude contrária ao sindi-cato. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 79).

Os obstáculos para o Bolivian Syndicate assumir a administração do Acre só aumentaram com o tempo. As tropas de Plácido de Castro tomaram o posto aduaneiro de Puerto Alonso em janeiro de 1903 e o Acre mais uma vez foi declarado um Estado Independente. Além do mais, o Barão do Rio Branco, que assumira o Itamarati em dezembro de 1902, passou a tratar o Acre como um território litigioso. Sem falar dos diplomatas peruanos que também reivindicavam o Acre.

O governo boliviano não tinha condição financeira de indenizar o sindicato. Em contrapartida, o governo norte-americano já havia dito de forma velada que não aceitaria que seus compatriotas tivessem prejuízos (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 87). Sendo assim, o Itamarati pro-pôs que o governo brasileiro assumisse os custos da indenização e ado-tasse políticas comerciais mais “alinhadas” aos EUA.

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A data final para que o Bolivian Syndicate organizasse uma Compa-nhia para administrar o Acre terminava em 6 de março de 1903. Devido ao pouco tempo restante, muitos diziam que o contrato firmado com a Bolívia acabaria nulo, visto que a região ainda carecia de pacificação, e o Sindicato ainda não tinha formado a dita Companhia. Analisando por esse prisma, não haveria qualquer necessidade de indenização brasileira, pois o contrato firmado com a Bolívia iria caducar por si mesmo. No entanto, além da pressão norte-americana, outros fatores colaboraram para que o Brasil “pagasse a conta boliviana”.

O governo brasileiro recorria constantemente a linhas de créditos em bancos estrangeiros e muitos banqueiros se tornaram sócios do Boli-vian Syndicate. Qualquer radicalismo do Brasil contra o sindicato poderia repercutir também na relação que o país mantinha com os seus credores internacionais. Para não causar austeridade, o Brasil se fez representar nas negociações com o Bolivian Syndicate, pelo britânico Nathan Mayer Rothschild67 (Cf. BANDEIRA, 2000), diretor da Casa Rothschild, a ins-tituição financeira inglesa mais próspera da Europa.

Nos EUA, outro banqueiro foi contratado para “defender” a cau-sa brasileira perante os acionistas do Bolivian Syndicate, trata-se de August Belmont, um dos principais acionistas do próprio sindicato e também diretor da casa bancária August Belmont & Co, uma espécie de filial da Casa Rothschild nos EUA. A ajuda que os capitalistas Rothschild e Bel-mont prestaram ao Brasil não foi gratuita. Ao primeiro, foi garantida a preferência à Casa Rothschild na solicitação do crédito para pagar a indenização e os eventuais custos com a negociação do Bolivian Syndicate.

67 Neto do banqueiro de mesmo nome Nathan Mayer Rothschild, que por sua vez era descendente de Mayer Amschel Rothschild (23 de fevereiro de 1744 - 19 de setembro 1812), um judeo-alemão, fundador da dinastia de banqueiros Rothschild, uma das famílias mais ricas na história da humanidade. Maiores informações consultar o livro A Dinastia Rothschild de Herbert R. Lottman, publicado em língua portuguesa pela editora LP&M em 2011. Há anos o Brasil mantinha relações creditícias com o banco inglês e, por isso, solicitou ao seu representante que negociasse a desistência do sindicato e estipulasse o valor da indenização.

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Ao segundo, o Brasil prometeu pagar um “suborno” de £ 3.000 (três mil libras).

Toda essa operação se mostrou muito suspeita, pois a defesa dos interesses nacionais brasileiros estava nas mãos de banqueiros estrangei-ros, um dos quais sócios do próprio sindicato (Cf. BANDEIRA, 2000, p. 160). Mas o resultado esperado foi obtido, pois o Bolivian Syndicate abdicou do seu suposto direito sobre Acre em 26 de fevereiro de 1903. Os custos da negociação foram pagos no dia 10 de março68, um valor na ordem de £ 110.000 (cento e dez mil libras) ao sindicato, £ 1.000 (mil libras) a advogados, e £ 3.000 (três mil libras) a August Belmont.

Quem negociou com o Bolivian Syndicate, por trás dos bastidores, foi Rothschild, através de seu agente (filho bastardo, quiçá), também sócio do mesmo Bolivian Syn-dicate. Em outras palavras, o verdadeiro representante do Brasil nas negociações, Rothschild, era, ao mesmo tempo, acionista do Bolivian Syndicate, através de August Belmont, que se encarregara dos entendimentos em torno da indenização e tinha obviamente interesse em que ela fosse a mais alta possível, a fim de ganhar dinheiro dos dois lados - além de sua parte na indeniza-ção, como sócio, mais £ 3.000, como intermediário das negociações [...] o ex-chanceler Olinto de Magalhães criticou-o, por considerar que o Brasil comprara por mais de £ 100.000 uma concessão praticamente caduca, quando o Bolivian Syndicate, àquela altura, já não mais tinham condições de organizar. (BANDEI-RA, 2000, p. 160, grifo nosso).

O resultado das negociações foi uma coincidência de interesses: de um lado, os investidores do Bolivian Syndicate ansiosos por uma inde-nização; de outro, o Brasil, empenhado por fazê-lo desistir de explorar economicamente o Acre. Ao final, os acionistas do Bolivian Syndicate foram os grandes vencedores, isso por vários motivos: primeiro porque o contrato estava caducando; segundo porque em uma eventual desis-tência dos acionistas, os mesmos perderiam apenas o valor de £ 5.000

68 Quatro dias depois de ter caducado o contrato que o Bolivian Syndicate mantinha com a Bolívia.

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(cinco mil libras) que haviam depositado na conta do governo boliviano como garantia; terceiro porque o Brasil, que nem sequer tinha parte no contrato, ofereceu gratuitamente o valor de £ 110.000 (cento e dez mil libras) para que os mesmos desistissem de um contrato em vias de cadu-car. Veja a imagem abaixo:

Imagem 8 – Charge “Bolivian Syndicate”.

Fonte: Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em 25 de fevereiro de 1903, Nº 56, p. 1.

A charge retrata um banqueiro carregando quatro sacas de dinhei-ro em seus braços. Nelas estão escritas: “indenizações do Brasil” e “indenizações da Bolívia”. No rodapé diz: “O Bolivian Syndicate – como é perfeita a obra do criador! Como é admirável a posição geográfica do Acre!”. A curiosa expressão latina tertius gaudet significa “quando dois brigam, um terceiro tira proveito”. O Barão do Rio Branco explicou à opinião pública nacional que o pagamento não fora feito com o fim de obter os direitos que o Bolivian Syndicate tinha perante a Bolívia. "O que o governo brasileiro então obte-ve foi a renúncia pura e simples da concessão havida pelo Sindicato, para

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assim eliminar um elemento perturbador das negociações" (KENT apud BRASIL, 2003, p. 299). Em resumo: o Brasil pagou para que o Bolivian Syndicate propositalmente não fundasse a Companhia responsável pela administração do Acre no prazo estabelecido pelo contrato, tornando o contrato nulo.

Estando para vencerse el término estipulado, se figuró talvez que se exponía á perder dinero y esperanzas; mi-diendo la situación por los consejos de su interés más inmediato, aceptó la oferta del Brasil y se quedó pas-mado de su generosidad. Como es fácil de explicarse, el Sindicato no se preocupó de analizar los motivos que inducían al Brasil á proceder como procedía en aquellos momentos ni se detuvo á meditar en que á costa de £110,000, se libertaba ese país del dogal del Sindicato, obteniendo de este modo carta blanca para presionar á Bolivia hasta arrebatarle un territorio que de pronto puede producir al Erario brasileño una suma igual, por mes". (ARAMAYO, 1903, p. 27-28, grifo nosso).

Lástima grande fue que os medios legales no nos hubie-ran suministrado un recurso eficaz para impedir que la graciosa donación del Brasil aprovechara á los represen-tantes del Sindicato. Si es cierto que ninguna obligación jurídica les mandaba persistir en la defensa y el amparo de sus propios derechos, no lo es menos, que asintiendo á las pérfidas sugestiones del Brasil faltaron á las leyes del honor y de la probidad que les imponía el deber de mos-trarse leales y consecuentes con el país y el Gobierno que las confiaron sus más caros intereses. (ZAMBRANA, 1904, p. 166).

A título de curiosidade, anos depois, em 30 de setembro de 1927, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará concedeu uma área de 14.568 km² ao empresário norte-americano Henry Ford, para que o mesmo criasse uma empresa de látex nos moldes do capitalismo indus-trial. Apesar de ter algumas pretensões similares ao do Bolivian Syndicate, a ação não foi interpretada como “imperialismo”. A Fordilândia, como a unidade produtiva ficou conhecida, era, na verdade, uma verdadeira cidade, com habitações, hospitais e até cinema. No entanto, por vários

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motivos que são analisados por Grandin (2010) a “cidade” não prospe-rou e suas portas foram “fechadas” em 1945.

Enfim, por tudo quanto foi visto nesse tópico, podemos chegar à conclusão de que a “Revolução Acriana” não fora um levante contra o imperialismo ou contra a internacionalização da Amazônia, como afir-mam autores como Lima (1998) e Ramos (1986). O imperialismo já era manifesto na Amazônia por meio do próprio sistema de aviamento. Através dele, a Inglaterra monopolizava o comércio mundial da borracha e impunha à elite gomífera brasileira a dependência e a subordinação de seus interesses aos do capital internacional (MARQUES e LOPES, 2000, p. 12). A elite gomífera acriana sempre compactuou com as “trocas desi-guais” (AMIN et al., 1981), pois era por meio delas que essa elite se reproduzia e ainda conseguia ter acesso aos produtos importados.

O Bolivian Syndicate foi uma das muitas formas com as quais o imperialismo se manifestava na Amazônia, a mais agressiva por sinal, pois se aproximava do modelo neocolonialista praticado na África. Mas o imperialismo não se resume ao neocolonialismo. Como afirma Cohen (1976, p. 16), há “formas mais complexas de penetração econômica e de domínio de mercados, fontes de abastecimento e oportunidades de investimentos”. E mesmo que o conceito de imperialismo fosse conside-rado sinônimo de neocolonialismo, o fim último da “Revolução” não foi o de impedir o colonialismo na Amazônia.

O que os “barões da borracha” realmente queriam era salvaguar-dar os lucros advindos dos seus respectivos seringais, cujos títulos pode-riam ser anulados pelo governo boliviano. Não se pode modificar a lógica dos fatos, tratando os fins como se fossem meios e os meios como se fossem os fins. Dizer que a “Revolução Acriana” e as várias proclamações de independência do Acre foram manifestações militares e políticas de seringueiros em defesa da América Latina que sofria de uma eminente intervenção imperialista anglo-americano é, em nossa opinião, uma grosseira manipulação da escrita da história69.

69 A epopeia do Acre é sustentada por meio dessas manipulações, leia um exem-plo disso: “Plácido de Castro não arregimentou os humildes seringueiros numa guerra de conquista territorial [...] Ao contrário, travou-se a luta armada contra o imperialismo estrangeiro” (RAMOS, 1986, p. 7)

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Além do mais, essa análise omite vários fatores, a saber: a) o início das articulações brasileiras contra a soberania boliviana no Acre foi ante-rior ao surgimento do Bolivian Syndicate; b) o preço e a comercialização mundial da borracha já estavam sob o controle imperialista; c) a América do Sul como um todo já era alvo de disputa imperialista entre ingleses e norte-americanos; c) a “Revolução Acriana” em nada alterou o monopó-lio inglês da comercialização da borracha. Como acreditar que aqueles trabalhadores semiescravos e analfabetos, isolados uns dos outros, con-seguiram desenvolver uma consciência patriótica e anti-imperialista?

[Quanto aos seringueiros] fazer com que se empol-guem pela ideia de que precisam defender a sobe-rania de uma pátria é, para eles, palavra tão vazia quanto ameaçá-lo de, em vez de viverem sob a tirania de patrícios seus, passarem a escravos de tiranos que falam uma língua parecida. Pouco lhe importava, na verdade, que um sindicato capitalista vá assenhorear-se do Acre. Se não sabem ao menos como se escreve a palavra sindicato”. (LIMA, 1998, p. 88).

A estratégia até que conseguiu mobilizar a opinião pública latino-americana em favor dos acrianos, mas nem de longe explica o jogo de interesse que estava por trás das resistências que os acrianos faziam à soberania boliviana no Acre. O fato é que a “Revolução Acriana” não foi, como afirma Garcia (2005, p. 175), a responsável “pelo bloqueio da ação do Bolivian Syndicate". A vitória de Plácido de Castro de nada valeria caso os interesses dos países imperialistas e de seus respectivos investi-dores não fossem salvaguardados. Primeiro os da Inglaterra, pois além de dominar o comércio mundial da borracha era o principal credor externo tanto do Brasil, quanto da Bolívia. Em segundo, os dos Estados Unidos, maiores consumidores de borracha do mundo e sede das prin-cipais empresas envolvidas no Bolivian Syndicate, significada por Lima (1998, p. 19) como “as insidiosas forças do mal”. É bom que fique claro que a Amazônia continuou sendo “saqueada” mesmo após a “Revolu-ção”.

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3.3 O Tratado de Petrópolis

Parece-me que a Bolívia exige muito [...] Eu preferi-ria então o arbitramento.

(BARBOSA, Rui. Exposição de Motivos.1904. In: BRASIL, 2003, p. 245).

Verdadeiramente é uma compra mal disfarçada.

(Barão do Rio Branco em carta ao Presidente da República, datada em 10/11/1903. In: TOCAN-

TINS, 2001, Vol. II, p. 320). Nuestra Patria quedó mutilada por [...] la interven-ción final de un astuto diplomático brasileño llama-do Barón de Rio Branco.

(ACHA, 1980, p. 25)

Com o Tratado de Petrópolis, o barão de Rio Bran-co – levando em conta a Real Politik – anulou a ação comum peruano–boliviana e, além disso, con-verteu a Bolívia em aliada do Brasil nessa causa e, em consequência, em rival do Peru.

(NOVAK, 2013, p. 33)

Os inúmeros tratados internacionais anteriores ao de Petrópolis atestavam contra as pretensões do Brasil sobre as terras acrianas. Como já foi visto, no período colonial, aquelas terras eram atribuídas à Espanha pela Bula Papal Inter Coetera (1493), pelo Tratado de Tordesi-lhas (1494), pelo Tratado de Madri (1750), pelo Tratado de El Pardo (1761), pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777) e pelo Tratado de Badajós (1801). E mesmo depois da independência, o Acre continuou sendo qualificado como estrangeiro pelo Tratado de Ayacucho (1867) e pelas Comissões Demarcadoras de 1897 e 1901.

Os Tratados de Madri (1750) e o de Santo Ildefonso (1777) mencionavam o rio Javari como linha divisória entre os territórios da Espanha e os de Portugal. Era um marco natural de separação entre as colônias dos dois países. O Tratado de Ayachucho (1867) seguiu o exemplo deles mencionando-o como um dos pontos limítrofes entre os dois países. O segundo artigo que trata da fronteira entre o Brasil e a Bolívia diz o seguinte:

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Deste rio [o Madeira] para oeste, seguirá a frontei-ra por uma paralela, tirada da sua margem esquer-da na latitude sul de 10º 20' a encontrar o rio Javari. Se o Javari tiver as suas nascentes ao norte daquela linha leste-oeste, seguirá a fronteira desde a mesma latitude por uma reta a buscar a origem principal do dito Java-ri. (Disponível em <http://pt.wikisource.orgw iki/ Tratado_de_Ayacucho> acessado em feverei-ro de 2013, grifo nosso).

Os limites fronteiriços entre os dois países já estavam definidos, bastava demarcá-los. Para isso, uma comissão composta por brasileiros e bolivianos começou a trabalhar em 1870. Os representantes brasilei-ros foram os militares Antônio Cláudio Soido (1822-1889) e Rufino Enéas Gustavo Galvão (1831-1909), conhecido também como Vis-conde de Maracaju. A partir de então, aconteceram mais de dez reuni-ões, contudo, não chegaram a um consenso sobre à localização da cabeceira do rio Javari, o lado oeste da linha divisória, e isso retardou a finalização dos trabalhos. Quanto ao lado leste, a nascente do rio Madeira foi demarcada na latitude 10º 20'.

Em 1878, houve uma última tentativa de encerrar a demarcação, no entanto, sem maiores sucessos. O líder brasileiro dessa vez foi o militar Francisco Xavier Lopes de Araújo, o Barão de Parima, que substituiu o Visconde de Maracaju, que havia adoecido. Foi a derradei-ra, porque as negociações só seriam retomadas em 1895, com o surto da borracha. Fato confirmado por Azevedo (1901, p. 105) que diz: "de 1878 a 1894, estiveram suspensos os trabalhos".

A conclusão da demarcação dependia da localização da nascente do Rio Javari. Na época da assinatura do Tratado de Ayacucho, a dele-gação brasileira julgava que a nascente estivesse na mesma paralela lati-tudinal do Rio Madeira. Mas, com o tempo, a suposição não foi confirmada. A chancelaria boliviana já suspeitava disso, tanto é que fez constar no segundo artigo do Tratado a hipótese de a cabeceira do Javari estar acima da paralela 10º 20'.

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Mapa 2 – Parte do atual território do Acre sendo representado com o nome “Apolobamba” em um mapa boliviano de 1894.

Fonte: IDIÁQUEZ, Eduardo. Mapa elemental de Bolívia. 1894. Disponível em

<http://www.mirabolivia.com/> acessado em maio de 2015. Em 1895, já em pleno surto gomífero, o Brasil e a Bolívia firma-

ram um Protocolo a respeito de suas fronteiras, ele tinha dois objeti-vos: o primeiro era instituir uma comissão que demarcasse os limites fronteiriços estabelecidos no Tratado de Ayacucho. Fizeram parte da comissão o boliviano Juan Manoel Pando e o brasileiro Gregório Thaumaturgo de Azevedo. O segundo era deixar claro que não era preciso "verificar a posição da nascente principal do Javari porque os

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governos do Brasil e da Bolívia adotariam os mesmos cálculos utiliza-dos na demarcação dos limites entre o Brasil e o Peru" (VERGARA, 2010, p. 350).

Mapa 3 – Configuração territorial da Bolívia após o Tratado de Ayacucho.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: Boli-

via_antes_de_la_guerra_del_Acre.png> acessado em 09/2012.

Constatada a coincidência entre a latitude da nascente do Rio

Madeira com a da cabeceira do rio Javari, a linha divisória “leste-oeste” entre os dois países seria uma reta na paralela de 10º 20' como mostra o mapa abaixo. Neste caso, o território que compreende o atual Estado do Acre estaria dividido em dois: o Acre setentrional, ao norte da linha, que seria brasileiro; e o Acre meridional, ao sul da linha, que seria boli-viano.

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Mapa 4 - Acre Setentrional e a Latitudinal 10º 20'.

Fonte: CAMPOS, 2004, p. 62. (Adaptado pelo autor)

Após estudos, Thaumaturgo de Azevedo constatou que a cabe-ceira do rio Javari realmente ficava ao norte da paralela 10º 20'. Isso significava que a linha divisória entre os dois países seria uma “oblí-qua" entre a nascente dos dois rios - uma geodésica "leste-oeste”. No mapa abaixo a referida linha seria a hipotenusa do triângulo retângulo que representa o território até então incontestavelmente boliviano.

Mapa 5 - Linha oblíqua.

Fonte: TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 420.

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Uma fronteira baseada em uma linha paralela "leste-oeste", tra-çada na latitude 10º 20', já dava grandes prejuízos aos brasileiros. Com uma oblíqua, a situação piorava ainda mais, pois tornava bolivianos tanto o Acre meridional, quanto o setentrional. A fim de defender os interesses econômicos dos brasileiros, Thaumaturgo de Azevedo advo-gou que os cálculos sobre a nascente do rio Javari feitos pelo Barão de Tefé em 1874 deveriam ser alvos de uma revisão.

O Ministro das Relações Exteriores do Brasil Carlos Augusto de Carvalho até que demonstrou simpatia pelas petições de Thaumaturgo de Azevedo. No entanto, fora substituído pelo militar Dionísio Cer-queira no início do mês de setembro de 1896. O novo ministro se posicionou a favor da soberania boliviana na região acriana. Thauma-turgo de Azevedo não concordando com a conduta do ministro, pas-sou a fazer-lhe severas críticas. Dizia que não faria demarcações contra o Brasil (Cf. AZEVEDO, 1901).

Enquanto chefe da comissão demarcatória do Brasil, a missão de Thaumaturgo de Azevedo era a de demarcar as fronteiras já delimita-das pelo Tratado de Ayacucho e ratificadas pelo Protocolo de 1895. Como afirma Calixto (1985, p. 100), o chefe da comissão "deveria res-tringir-se ao reconhecimento e estabelecimento de um ponto limite entre o Brasil e a Bolívia”. No entanto, influenciado pelo $patriotismo$ dos “barões da borracha”, Thaumaturgo passou a denunciar os prová-veis prejuízos econômicos que o “Brasil” poderia ter em decorrência da linha oblíqua. O resultado foi que Dionísio Cerqueira o exonerou do cargo no início de 1897.

Em março de 1897, Thaumaturgo de Azevedo divulgou um rela-tório sobre as possíveis consequências à economia amazonense, caso o território acriano ficasse sob a jurisdição boliviana. Dizia que se a "linha oblíqua" do Protocolo "Carvalho-Medina" de 1895 prevalecesse, o Estado do Amazonas perderia até 69% de sua renda obtida com a produção e comercialização da borracha (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 213).

Os pontos “ABC” do triângulo do mapa abaixo representam a provável “perda” territorial que o Brasil sofreria, uma extensão avaliada na época em 5.870 (cinco mil, oitocentos e setenta) léguas quadradas. A reta AB seria a linha reivindicada pela Bolívia e aceita pelo ministro das relações exteriores do Brasil Carlos de Carvalho e pelo seu sucessor

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Dionísio de Cerqueira. As linhas BC e CA formariam a “linha quebra-da” defendida por Rui Barbosa.

Mapa 6 - Cartografia da fronteira do Amazonas conforme os trabalhos do

Dr. Taumaturgo de Azevedo, Chefe da Comissão.

Fonte: jornal A Província do Pará, de Belém, em 18.05.1899.

(Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas).

Para que não houvesse qualquer dúvida com relação à demarca-ção das fronteiras, o ministro Dionísio Cerqueira solicitou ao Capitão-Tenente Cunha Gomes que realizasse uma nova exploração do rio Javari em maio de 1897. O resultado da expedição foi publicado em um relatório datado em 11 de janeiro de 1898. Nele, Cunha Gomes afirma ter percebido uma pequena diferença70 na localização da nas-cente do rio Javari aferida nas expedições anteriores. A descoberta pouco coisa mudou "a situação dos territórios da borracha [...] com o leve recuo da linha para o sul" (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 215). A notícia "ruíra a esperança de o rio nascer pelo menos próximo ao para-lelo 10º 20" (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 215).

70 Vergara (2010, p. 353) diz: "Cunha Gomes corrigiu as coordenadas do Barão de Tefé verificando uma diferença de quase quatro segundos". Já Magalhães (1899, p. 3) potencializa o ganho dizendo: "Houve nisso, como já se explicou, engano que prejudica o Estado do Amazonas em 242 léguas quadradas de valioso território. O Capitão-Tenente Cunha Gomes, mandado expressamente ao Javary chegou a sua nascente na latitude por elle determinada de 7° 11' 48",10 Sul".

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Mapa 7 - Território boliviano limitado ao norte pela linha "obliqua".

Fonte: GISBERT, 2003. In: REYES, 2009, p. 173. [adaptado pelo autor].

Em virtude dos resultados expostos no relatório de Cunha Gomes, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil solicitou à chan-celaria boliviana que revisasse as coordenadas geográficas da nascente do rio Javari. Como a mudança não era tão expressiva, não houve mai-ores questionamentos. Em 23 de setembro de 1898, um novo Protoco-lo foi assinado já com os dados geográficos atualizados. Não havendo mais como questionar a titularidade boliviana sobre a região, em fins do mês seguinte, o Itamarati autorizou a instalação de um posto alfan-degário andino no rio Acre. A autorização foi lembrada anos depois por Medina (1903, p. 18) como prova incontestável de que o território nunca foi litigioso. Ele diz: "la Aduana del Acre, en territorio incues-tionablemente boliviano, se ha fundado de acuerdo con el Brasil, quien lejos de argüir reparo alguno, ha confirmado el derecho de Bolivia. ¿Podría llamarse litigioso ese territorio?".

Em outubro de 1898 a população do rio Acre é abalada por notícias ameaçadoras. Constava que o governo do Amazonas recebera instruções do Poder Central no sen-tido de reconhecer como bolivianas todas as terras que

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ficavam além da linha traçada do rio Madeira ao Javari, na latitude 10° 20', fixada pelo Capitão-Tenente Cunha Gomes, linha essa que passaria à História com o nome daquele oficial. Reconhecia o governo brasileiro como limite entre as terras brasileiras e as bolivianas a chama-da linha Cunha Gomes. Que significava isso? Simples-mente que todos os nordestinos localizados no rio Acre e adjacências estariam pisando em solo estrangeiro, explorando terra estrangeira, devassando áreas estran-geiras. Haviam ultrapassado os horizontes da Pátria. (MEIRA, 1964, p. 25).

Em 15 de novembro de 1898, Olinto de Magalhães substitui Dionísio Cerqueira no Ministério das Relações Exteriores. Pressionado pela opinião pública e pelos políticos de Manaus, o novo ministro assi-na um novo Protocolo com a Bolívia em 30 de outubro de 1899. Nele se previa uma nova expedição para constatar a nascente do rio Javari. Para frustração dos brasileiros, mais uma vez, o resultado não alterou por demais os cálculos anteriores.

Não havendo mais como questionar o fato de que a nascente do rio Javari se encontrava ao norte da paralela 10º 20', o Deputado Fede-ral Serzedello Corrêia71, o senador Rui Barbosa e o ex-chefe da comis-são demarcatória brasileira Thaumaturgo de Azevedo passaram a dizer que o Itamaraty dava interpretação errônea ao Tratado de Ayacucho. Independente do lugar onde estivesse a nascente do Javari, bastaria tra-çar um meridiano a partir dela até chegar a paralela 10º 20’. O ponto de encontro dessas duas retas perpendiculares, a chama “linha quebrada”,

71 Serzedello Corrêa (1858-1932) foi um político do Estado do Pará muito ligado aos "barões da borracha". Talvez fosse o político da região norte mais influente do Brasil. Foi Deputado Federal, governador do Paraná, ministro da agricultura e da justiça e prefeito do Distrito Federal, na época a cidade do Rio de Janeiro (Cf. Http://pt.wikipedia.org/wiki/ Serzedelo_Correia). Foi ele um dos primeiros a dar uma interpretação alternativa ao segundo artigo do Tratado de Ayacucho (1867). Em seu livro O Rio Acre (1899), ele afirma que o primeiro a interpretar como "linha oblíqua" a "linha paralela" foi o Ministro da Relação Exterior do Peru em fins dos anos 1867, quando o mesmo publicou uma nota de repúdio ao Tratado de Ayacucho. (Cf. CORRÊA, 1899, p. 41 e 42).

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serviria de marco final da linha divisória iniciada no rio Madeira. Confi-ra nos mapas abaixo:

Mapa 8 - Fronteira do Brasil com a Bolívia baseada

em duas linhas divisórias (as pontilhadas).

Fonte: CORRÊA, 1899, p. 35.

Mapa 9 - "Linha quebrada" defendida

pelos “patriotas” brasileiros.

Fonte: TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 421.

O então senador Rui Barbosa defendeu a hipótese da "linha quebrada" como fronteira do Brasil com a Bolívia. Argumentou sobre algo que Corrêa (1899, p. 37) já alertara o Brasil: "os negociadores do

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tratado e o governo brasileiro na época nunca tiveram dúvida a respei-to: a fronteira corria no paralelo 10°'20'".

O tratado de 1867, na hipótese de serem as nascentes do Javari setentrionais ao paralelo 10º 20' em sua seção do Madeira para o ocidente, baliza a fronteira, já vimos, por uma quebrada, um dos segmentos da qual é essa linha les-te-oeste, outro da reta (forçosamente perpendicular) daquelas nascentes a dita linha. O protocolo de 1895, porém, empalmou a linha leste-oeste, para correr direta-mente a fronteira por uma só reta obliquada entre os dois pontos extremos. (BARBOSA, Rui. In: BRASIL, 2003, p. 260).

A redação ambígua do artigo segundo deu ensejo a que surgisse nova corrente interpretativa de seu espírito. A primeira, como se viu, inspirada pelo Itamarati baseava-se na tradição: uma vez que o Javari não alcançasse o paralelo de 10º 20', sul, tirar-se-ia uma reta, do mesmo ponto (foz do Beni), a buscar a origem principal daquele rio, linha que os adversários dessa interpretação acusaram de oblíqua, reta inclinada. Tal lineamento, diziam, não constava no ajuste de Ayacucho, apesar de sua variedade de expressões geométricas. (TOCAN-TINS, 2001, Vol. I, p. 210).

Essa "nova" interpretação foi amplamente criticada como opor-tunista pelas autoridades bolivianas. O advogado e político Medina (1903, p. 16) chegou a dizer que "no fue pues, una razón legal, de recta interpretación, la que inspiró este pensamiento, sino un motivo de pura conveniencia. Se había notado que los territorios que quedaban al Sud de la línea estipulada, eran valiosos y que habían allí muchos estableci-mientos brasileros". Anos depois da assinatura do Tratado de Petrópo-lis (1903), o Ministro das Relações Exteriores que antecedeu ao Barão do Rio Branco explicou os motivos pelos quais o Brasil até então con-cordava com a soberania boliviana no Acre.

A terra ocupada por aventureiros, que dela se apossaram pela violência, ou usurpação é diferente daquela que é, por direito escrito e convencional, a propriedade mansamente consentida e ocupada. Os povos que respeitam os alheios

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direitos, sob dogmas morais criados pela cultura e pela civi-lização, são dignos de respeito. Era esta a mentalidade rei-nante no Brasil ao tempo do governo Campos Sales [...] Teríamos o direito de repudiar os compromissos de honra assumidos em tratados pela nação? [...] não era, pois, naci-onal o território ao sul da linha obliqua, no consenso de todos os estadistas do Império e da República até novem-bro de 1902 [...] Este litígio, no seu sentido clássico, nunca existiu juridicamente, entre as duas nações e a prova disso aí está no fato, hoje confirmado de que o úni-co ministro brasileiro, o eminente Sr. Barão do Rio Branco, que nisso dissentiu, transitoriamente da opinião de todos os seus predecessores na pasta das Relações Exteriores, acabou por adotar, como solução final, a aquisição onerosa daquele território, comprando-o da Bolívia. (MAGALHÃES, 1941, p. 10, 11, 32 e 169, grifo nosso).

Os defensores dessa "nova" interpretação não se davam conta que mesmo a linha divisória sendo uma reta perpendicular à latitude 10º 20', inúmeros brasileiros do Acre Meridional continuariam em ter-ritório boliviano. Ou seja, "o território sul desse paralelo, que é bolivi-ano e como tal reconhecido pelo Brasil, continuará invadido por bandos armados" (CARVALHO, 1903, p. 11). A preocupação não era com os brasileiros em si, mas com a repercussão que a bolivianiza-ção daquele imenso reservatório natural de hevea brasiliensis poderiam causar na economia amazônica. Os líderes da “Revolução” não esta-vam preocupados com desumana situação vivida pelos seringueiros.

Em 15 de novembro de 1902, o advogado Rodrigues Alves assumiu a Presidência da República brasileira. Após se inteirar sobre a Questão do Acre, nomeou o diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, como Ministro das Relações Exterio-res. Logo após tomar posse em 03 de dezembro, Paranhos elegeu a solução pacífica da Questão do Acre como prioridade.

Naquele momento, a “Revolução Acriana” liderada por Plácido de Castro já estava em pleno andamento. Ela havia sido deflagrada há pouco menos de três meses. Ao todo, a “Revolução” liderada por Plá-cido de Castro durou 170 dias e, ao final dela, o Acre mais uma vez

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fora declarado um Estado Independente. Era a oitava vez em menos de quatro anos que tal status fora confirmado72.

Imagem 9 - Brasão do Estado Independente do Acre de Plácido de Castro.

Fonte: Acervo digital do Memorial dos Autonomistas

O Itamaraty foi obrigado a tomar várias iniciativas para revolver essa questão. Em dezembro de 1902, propôs a compra do território do Acre ao governo boliviano. Não obtendo sucesso, tentou negociar uma permuta desigual de território mediante a cessão de algumas compen-sações. Mas o Presidente da Bolívia, o General Pando, já havia decidi-do liderar pessoalmente o exército andino contra os acrianos. Sabendo disso, o Brasil se apressou em garantir a neutralidade ianque.

Em 26 de janeiro de 1903, o Bolivian Syndicate foi convencido a renunciar, mediante pagamento de indenização, os seus direitos eco-nômicos sobre o Acre. Em 21 de março de 1903, o Brasil firma um modus vivendi com o governo boliviano. E para evitar o extermínio de "brasileiros do Acre" diante do exército do general Pando, o Itamarati solicita ao Presidente Rodrigues Alves a autorização para enviar tropas do exército brasileiro à região do litígio.

Diferentemente dos três ministros que o antecederam - Carlos de Carvalho (1895), Dionísio de Cerqueira (1898) e Olinto de Maga-

72 1) Galvez em 1899; 2) Souza Braga em 1899/1900; 3) Junta Governativa em 1900; 4) Galvez em 1900; 5) Joaquim Vitor em 1900; 6) Gentil Norberto em 1900; 7) Rodrigo de Carvalho em 1900; 8) Plácido de Castro em 1902. (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 195).

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lhães73 (1899) - o Barão do Rio Branco passou a questionar a soberania boliviana ao norte da paralela 10º 20'. Aderiu à defesa da “linha que-brada” em detrimento da "linha oblíqua" como divisória entre os dois países. Segundo o Barão do Rio Branco, era possível também interpre-tar o Tratado de 1867 "como mandando, que a divisa siga pelo paralelo de 10º 20' e depois pelo meridiano que passa pela origem do Javari. Em outras palavras, em vez de seguir pela hipotenusa de um triângulo retângulo, a divisa seguiria seus dois lados" (GOES, 1991, p. 160), ou seja, a linha podia ser uma "reta quebrada".

O Barão do Rio Branco defendeu essa interpretação a fim de conseguir uma justificativa para tornar o Acre Setentrional uma área litigioso e ter legitimidade para ocupá-la militarmente, o que de fato aconteceu em 3 de abril de 1903, pelas tropas do exército brasileiro comandadas pelo General Olímpio da Silveira. Tal decisão só fora tomada porque o Bolivian Syndicate já havia sido indenizado e não havia mais qualquer perigo de uma possível intervenção norte-americana em favor dos bolivianos.

O Brasil fez uso de sua superioridade bélica para resolver a ques-tão. Medina denunciou a iniciativa brasileira como "un acto de fuerza que no podrá crear derechos" (MEDINA, 1903, p. 52). Mas a lei tende a dizer o que o mais forte quer ouvir. A Bolívia não teve outra alterna-tiva a não ser aceitar o modus vivendi proposto pelo Brasil e posterior-mente desistir do Acre.

A decisão rendeu muitas críticas ao ministro brasileiro. Mas a adoção da "linha paralela ou quebrada" foi a forma encontrada para explicar como "de um momento para outro, o território até então reconhecido como boliviano tornava-se litigioso" (GOES, 1991, p. 165). O diplomata boliviano Aramayo (1903, p. 39) foi um dos primei-ros a protestar, dizia que "ese funesto modus vivendi es el acto más deplorable que registran los anales de nuestra penosa historia diplomá-tica".

73 Na quarta página do relatório do Ministro das Relações Exteriores Olinto de Magalhães enviado ao Presidente da República em 23 de maio de 1899 diz em claro que a região do Acre era boliviana.

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Treinta y seis años pasan desde el día en que se per-feccionó el tratado de 1867 y, hasta hoy, ninguno de los gobiernos ha pretendido dar otra interpretación á aquella cláusula. No puede presentarse prueba más elocuente de la uniforme intención de las altas partes contratantes. (MEDINA, 1903, p. 11).

Estamos em 1903, e os Estados Unidos do Brasil parecem reconhecer o direito de bandos armados, que se organizaram em seu território, levando uma bandeira de guerra e invadiram a Bolívia por enten-der-se agora no Brasil que o direito das gentes natural e pelo moderno é nos apoderarmos da navegação de todo o rio Acre, das riquezas naturais deste Valle como patrimônio comum a sua bandeira e a do Esta-do Independente do Acre. (CARVALHO, 1903, p. 6, grifo nosso).

As autoridades bolivianas foram iludidas a achar que o Brasil concordaria em levar a questão para o arbitramento. Mas isso teria sido mais um engodo da equipe do Itamarati. Por conta disso, o diplomata boliviano Félix Aramayo disse: "¿Puede el Gobierno confiar en que el Brasil, que ha tenido enredándonos con su política insidiosa, ha de ha-cernos proposiciones aceptables después de ocupar el territorio?" (ARAMAYO, 1903, p. 87).

Interessante é saber que nos anos 1860, por ocasião da elabora-ção do Tratado de Ayacucho, os diplomatas Duarte Ribeiro (Brasil) e Isaltino Carvalho (Bolívia) prepararam um mapa para expressar as reais intenções dos negociadores. O mapa da "linha verde", como ficou conhecido, comprovava que em 1867, caso a nascente do rio Javari não estivesse na mesma paralela em que a do rio Madeira, a linha oblíqua seria uma possibilidade. O nome do mapa tem a ver com as três linhas oblíquas desenhadas sobre ele, cartografando três hipóteses de frontei-ras.

Uma das linhas era da cor verde e era a que causava mais apre-ensão aos brasileiros, pois era a mais longa das geodésicas, e apontava a nascente do rio Javari na paralela 5º 36'. O temor dos barões da eco-nomia gomífera era justificado, pois caso a dita linha fosse comprova-

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da, não apenas o Acre seria considerado boliviano, mas também boa parte do Estado do Amazonas. Confira isso no referido mapa abaixo.

Mapa 10 - A “Linha Verde” e a Questão do Acre.

Fonte: CARVALHO, 1995, p. 190. [Adaptado pelo autor].

O mapa seria uma prova irrefutável do oportunismo da diplo-

macia brasileira encabeçada pelo Barão do Rio Branco, pois deixava claro que o território considerado litigioso pelo Brasil era, de fato boli-viano, e que a ocupação militar brasileira se constituía em uma invasão imperialista. Como diz Aramayo (1903, p. 40): "era preciso hacer pre-valecer la fuerza, la superioridad brutal, ya que no era posible arrancar a Bolivia el Acre por medios legítimos". Durante o período em que se deram as negociações, o Ministro Barão do Rio Branco alegou desco-nhecer o Mapa "Linha-Verde". Nada mais falso, pois todos sabiam que o Barão era um esmerado pesquisador.

Em uma carta endereçada ao Dr. Olinto de Magalhães, datada em 22 de julho de 1911, ele explica que: "esse mapa, com as assinaturas autografadas do Conselheiro Duarte da Ponte Ribeiro e do Major Isal-tino de Carvalho, existe neste Ministério. Pude verificar isso em janeiro de 1904, depois de publicada a Exposição de Motivos que acompa-nhou o Tratado de Petrópolis" (apud CARVALHO, 1995, p. 191).

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Mesmo que alguns biógrafos de Barão do Rio Branco tentem assegurar a inocência dele, não dá para desconsiderar a hipótese de que o ministro tenha estrategicamente declarado o desconhecimento do mapa. Afinal, o mapa poderia ter mudado a redação do Tratado de Petrópolis, uma vez que tornariam injustificados tanto a declaração daquele território como litigioso, quanto a proposição do modus vivendis. Sem dizer que era muito suspeito o fato de o mapa ter supostamente “aparecido” algumas semanas depois de a Bolívia assinar o Tratado com o Brasil.

Após a descoberta, o Barão do Rio Branco disse que "o exame deste mapa convence-me inteiramente de que na mente do governo do Brasil, desde 1860, a fronteira deveria ser formada por uma linha oblí-qua, se a nascente do Javary fosse achada ao norte do paralelo 10º 20”74. E se justificou dizendo que "não pareceu conveniente, durante a agitação daqueles dias, tornar imediatamente pública a minha retifica-ção ou retratação" (apud CARVALHO, 1995, p. 191). O ministro recomendou que,

[...] não fosse feita publicidade, que, no momento, só pode-ria ser prejudicial ao Brasil. Os nossos homens públicos souberam respeitar esse pedido. O Ministro Olinto de Magalhães só oito anos depois retoma o assunto, escre-vendo a referida carta ao Barão e somente 38 anos depois publica o seu livro a respeito. (apud CARVALHO, 1995, p. 194)

O próprio fato de ele ter adotado uma negociação bilateral de trocas de territórios mediante compensações, já demonstrav que nem mesmo o Itamarati confiava no poder de convencimento que a "nova" interpretação dada ao Tratado de 1867 tinha. Por isso, nunca deixou o caso ser resolvido por meio do arbitramento. Até que uma solução definitiva fosse alcançada pelos diplomatas brasileiros e bolivianos, a região que ficava ao sul da paralela passou a ser governada pelo Cel. Plácido de Castro e a que ficava ao norte pelo General do exército bra-sileiro Olímpio da Silveira, veterano da Guerra do Paraguai e da cam-

74 Em uma carta enviada ao Deputado Gastão Cunha em 11 de janeiro de 1904 (In: MAGALHÃES, 1941).

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panha de Canudos. "Ambas as administrações recolhiam impostos" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 361).

Todos queriam auferir dividendos, tributos e taxas com a borra-cha. Não foi em vão que aquele território acabou sediando quatro pos-tos aduaneiros, a saber: “um em Caquetá, por conta do Estado do Amazonas; outro em Porto Acre, por conta do governo federal; o ter-ceiro em Paraíso, por conta da Bolívia; e finalmente um quarto em Capatará por conta dos acreanos”. (CARVALHO, 1903, p. 11). Naquela ocasião, o Cel. Plácido de Castro já havia declarado o territó-rio do Acre um país independente, separado tanto do Brasil, quanto da Bolívia. E o modus vivendi afetou a configuração territorial da República do Acre delimitada por Plácido de Castro (Decreto Nº 03 de 28 de janeiro de 1903). Abaixo, que mostra a divisão do território após a assinatura do modus vivendi.

Mapa 11 – Divisão do Acre durante o Modus Vivendis.

Fonte: Revista Nossa História, Ano 3, Nº 25,

Novembro de 2005, p. 21. [Adaptado pelo autor].

O general Olímpio da Silveira assumiu o governo do Acre Seten-trional no dia 3 de abril de 1903. Porém, a fim de dar cumprimento a missão de pacificar a região, após um mês e dez dias, fez avançar suas tropas sobre o Acre Meridional. Ali chegando, saqueou os armazéns acrianos, se apoderou da artilharia existente e desfez as guarnições de Plácido de Castro. Foi ele quem pôs fim a epopeia, quando diz: "em

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nome do Governo da União: terminada está a Revolução Acreana chefiada pelo coronel Plácido de Castro, ficando este território sob a jurisdição única deste governo" (SILVEIRA, Olímpio. Proclamação. In: CASTRO, 2002, p. 135, grifo nosso). Em resposta ao ocorrido, Plácido de Castro faz o seguinte comentário:

Resolvi sair do Acre por Iracema por que não estava dispos-to a ser desarmado como um bandido depois de tanto haver compartilhado dos sofrimentos dos meus leais companheiros de luta, oficiais e soldados [...] como vedes, fieis soldados, aquilo que o inimigo não conseguiu fazer pelas armas, o General brasileiro alcançou pela traição [...] confiscados os nossos elementos de guerra, nada mais podemos fazer nem na defesa dos nossos próprios lares; só nos resta um cami-nho: sofrermos resignados a prepotência do mandatário do Governo da nossa Pátria, em nossas casas, si tal ainda nos for permitido" (CASTRO, Plácido. Ordem do Dia Nº 2. In: CASTRO, 2002, p. 141).

Tudo indica que o desarmamento do exército acriano foi uma exigência do governo boliviano para que as negociações fossem reto-madas. Estava previsto no modus vivendi (21 de março) que as tropas brasileiras deveriam deixar o Acre Meridional até o prazo de quatro meses após a assinatura do mesmo. O governo boliviano fez pressão política em defesa do seu direito de administrar o Acre Meridional e provavelmente o governo brasileiro solicitou ao general que debandas-se as tropas acrianas. Obviamente que o Itamarati e a própria presidên-cia da República desmentiram o fato, afirmando que a decisão foi unicamente do general, que aceitou o agravo, supostamente mediante compensações.

No auge do conflito criado entre as forças federais, que que-riam o controle de vastas zonas, o general Olímpio da Silvei-ra mandou, de início, prender alguns chefes da rebelião e culminou o seu rigor ao dar ordens para a prisão de Plácido, missão não cumprida porque o tenente encarregado da dili-gência, com poucos soldados, encontrou Plácido à frente de 300 homens armados [...] Ia inaugurar-se uma nova fase da revolução: a que prepararia o Acre para receber sua incorpo-ração ao Brasil e a que iria tragar, no vórtice das paixões, os

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principais líderes da revolução acreana. (BASTOS, 1969, p. 77 e 80).

A ocupação militar do Acre Setentrional até que era aceitável, já que ele havia sido declarado litigioso. Mas o Acre Meridional era inquestionavelmente boliviano, não havia argumentos para deixá-lo sob o domínio político e militar dos acrianos. Tocantins (2011) afirma que o general Olímpio tomou uma decisão pessoal quando confrontou as tropas acrianas. Já o historiador boliviano Azcui (1925) afirma que o general estava cumprindo ordens do governo brasileiro.

Após a pacificação do Acre, o governo boliviano voltou a defender o arbitramento internacional para solucionar a pendenga, já que o governo do Peru também reivindicava o Acre. Rui Barbosa em sua Exposição de Motivos do Plenipotenciário Vencido (1904) explica que essa proposta foi uma forma de tornar o pleito ainda mais acirrado e, com isso, garantir maiores compensações do Brasil. O Barão do Rio Branco recusou a proposta boliviana, possivelmente por saber que a argumen-tação jurídica pesasse contra o Brasil. A estratégia adotada pelo Itama-rati foi a dos acordos bilaterais, inicialmente com a Bolívia e depois com o Peru. Os diplomatas bolivianos não tiveram outra escolha a não ser aceitar, pois a região já estava dominada militarmente pelos brasilei-ros. E foi nesse “democrático ambiente” que os bolivianos assinaram o Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.

O ministro brasileiro fez questão de deixar claro que o Brasil não estava comprando o Acre, muito menos ganhando-o como um “pre-sente” andino, mas adquirido por meio de "permuta de territórios e outras compensações". Permuta, porque a Bolívia trocava o território do Acre75 com 191.000 KM² por outro no sul do Estado do Mato Grosso com 2.296 KM². Compensações, porque o território recebido pelo Brasil era oitenta e três vezes maior do que aquele recebido pela Bolívia, era preciso tornar a transação mais justa. Devido à troca ser desigual, o Brasil garantiu à Bolívia o direito de trânsito livre nos rios

75 "Em troca de 142.900 quilômetros quadrados de terra que lhe disputávamos e de 48.100 de terra que era reconhecidamente sua, isto é, em troca de 191.000 quilômetros quadrados". Barão do Rio Branco. Exposição de Motivos. 3 de dezembro de 1903. (In: BRASIL, 2003, p. 57).

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acrianos, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré76, o recebimento de £ 2.000.000 (dois milhões de libras esterlinas), dentre outros.

A negociação feita por Rio Branco rendeu-lhe inúmeras críticas. Alegavam que os cofres da União haviam sido onerados por causa do Acre, território que litigioso que também era reivindicado pelo Peru. O Tratado de Petrópolis foi denunciado como um “mal disfarçado” con-trato de compra e venda. Até hoje o caso divide opiniões, como comen-ta um ex-professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Acre:

Os doutrinadores, e mesmo aqui no Acre, costumam dizer que o Acre foi comprado da Bolívia. Não houve compra porque nações não adquirem território por compra. O que aconteceu foi uma compensação financeira porque, na hora em que a Bolívia foi ceder a região abaixo da linha Cunha Gomes, havia uma permuta de território envolvendo terras no Mato Grosso. Não havia equivalência de territórios e então o Brasil fez uma indenização para que a Bolívia ficasse no mesmo status de permuta de território. Na verdade, o Brasil indenizou algo indevidamente porque a região já era brasileira. Fomos condescendentes demais com os bolivia-nos, pois o território era nosso pelo princípio uti possidetis [...] A Bolívia nos deu um golpe na época como se fosse grileira de terras, pois negociou terras que na verdade pertenci-am ao Peru. Os brasileiros pagaram aos bolivianos por terras que na verdade pertenciam aos peruanos. Plácido de Castro e os líderes das revoltas que o antecederam queri-am incorporar a terra acreana ao Brasil sem qualquer paga-mento, baseados no princípio uti possidetis. (CARBONE, Antônio Carlos. Entrevista. In: jornal Página 20, de Rio Bran-co, em 25 de março de 2003, grifo nosso).

76 Uma ferrovia de 350 km construída por 30 mil trabalhadores, que também ficou conhecida como “Ferrovia da Morte, pelo fato de quase seis mil trabalhadores terem morrido na construção dela. Ela teve importância econômica efêmera, pois somente foi concluída em 1912, momento em que o Sudeste Asiático já despontava como o novo centro produtor que desbancava a borracha brasileira. Mais tarde, a própria Bolívia perderia seu interesse pela ferrovia, pois uma estrada de ferro construída pelo Chile passou a ligá-la ao Oceano Pacífico de forma rápida e mais barata.

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Abaixo, uma charge publicada quatro dias depois da assinatura do Tratado de Petrópolis. Na legenda, continha o seguinte dizer: “descalçou o par de botas, mas nos custou muito caro”. Uma crítica ao fato de a "transação" ter saído onerosa demais aos cofres públicos. A Bolívia havia recebido muito mais do que realmente lhe era devido, quer seja pelo fato de "as botas" não valerem tanto, quer seja pelo fato dela não ter direitos plenamente aceitos sobre elas.

Imagem 10 - Charge sobre o Tratado de Petrópolis.

Fonte: jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1903.

(Cf. PORTO, 2012).

É sabido que o governo federal mantém alguns dos mais impor-tantes documentos sobre a negociação do Tratado de Petrópolis em sigi-lo de Estado. Quando o acesso aos documentos for liberado, muitas dúvidas serão esclarecidas. Podemos adiantar que as informações manti-das em sigilo não servirão para endossar uma visão ufanista do processo de anexação do Acre, pois se assim o fosse, não haveria motivos para mantê-las em segredo. A jornalista da Folha de São Paulo Eliane Canta-nhêde diz que “um dos principais temores do Itamaraty e da Defesa, que capitaneiam no Executivo o movimento a favor do sigilo eterno de determinados documentos de governo, é com o vazamento de detalhes técnicos e ultrassecretos”, dentre os quais aqueles “que relatam práticas ilegais e até imorais do país na definição das fronteiras, especialmente na compra do Acre à Bolívia”.

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Ela explica isso porque “a compra do Acre poderia expor o Brasil internacionalmente sob dois aspectos: afetar a imagem do Barão do Rio Branco, o ícone das Relações Exteriores, e até gerar questionamentos jurídicos sobre as fronteiras”77. Abaixo, uma charge que revela o quanto o ministro ansiava pelo desfecho das negociações com a Bolívia. Em seguida, vemos sua imagem estampada em uma cédula de cinco mil réis, evidenciando o prestígio que o mesmo conquistou pelo “sucesso” de sua atuação diplomática.

Imagem 11 - Representação do Barão do Rio Branco após a assinatura do Tratado de Petrópolis.

Legenda: “Finalmente!”

Fonte: jornal A Avenida, do Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1903. (Cf. PORTO, 2012).

77 Fonte: jornal Folha de S. Paulo, de São Paulo, em 18 de junho de 2011, disponível em <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/poder/po1806201110.htm> acessado em novembro de 2012.

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Imagem 12 - Cédula de 5.000 (cinco mil) Réis (1925).

Fonte: Disponível em <http://www.google.com.br/> acessado em maio de 2014.

Para finalizar, é bom que se diga que não seria impossível o Bra-sil chegar a uma configuração de suas fronteiras amazônicas próxima da atual apenas com as fases invasiva e militar. Para tanto, precisaria apenas o Itamarati ter dado continuidade à estratégia diplomática inau-gurada por Duarte da Ponte Ribeiro78 em 1851, quando o mesmo defendeu os acordos binacionais e o uti possidetis. Se tal tradição fosse mantida, a fase militar seria dispensável. Na verdade, a solução da Questão do Acre deveu-se ao fato de o Barão do Rio Branco ter reto-mado tal estratégia.

3.4 O Tratado Brasil-Peru

Estavam as coisas neste pé - a Bolívia acertando

medidas com o Brasil para firmar-se no Acre, os seringueiros acreanos insurgindo-se contra essa nova posse - quando o Peru dispôs-se a reavivar a sua ques-tão de limites. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 359).

A tese peruana era de que o Brasil estava acertando um acordo sobre terras que ainda eram litigiosas entre o Peru e a Bolívia. (BASTOS, 1969, p. 83).

Na República, nosso maior problema de limites na Amazônia pela extensão de território envolvido, foi

78 Um bom resumo da atuação diplomática de Duarte Ponte Ribeiro pode ser encontrado em Sotomayor (2013).

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com o Peru, não com a Bolívia, como se poderia pen-sar pela gravidade que chegou a assumir a questão acriana. (GOES, 1991, p, 170).

La política del Brasil es anexadora, valiéndose de pre-texto que non debemos calificar. (SOLDAN, 1863, p. 4).

[O Tratado Brasil-Peru] implicou a renúncia a certas expectativas legítimas que o Peru mantinha baseado no Tratado de San Ildefonso. (NOVAK, 2013, p. 39)

O antepenúltimo artigo do Tratado de Petrópolis (1903) dizia que "a República dos Estados Unidos do Brasil declara que ventilará diretamente com a do Peru a questão de fronteiras relativas ao territó-rio compreendido [...] procurando chegar a uma solução amigável do litígio sem responsabilidade para a Bolívia" (BRASIL, 2003, p. 79). Portanto, era sabido que o Peru também pleiteava o Acre, e que as pre-tensões dele eram bem maiores do que as da Bolívia, uma vez que rei-vindicava uma parte bem maior da amazônia brasileira (Mapa 23). Como será visto aqui, as exigências peruanas não surgiram por causa do surto da borracha, pois foram anteriores a ele; muito menos foi uma consequência do Tratado de Petrópolis.

O Brasil, o Peru e a Bolívia são países vizinhos cujas fronteiras se tocam mutuamente. Tão logo conquistaram a independência na primeira metade da década de 1820, ambos procuraram definir os seus limites territoriais. O governo do Peru foi quem mais defendeu a ela-boração de um acordo tríplice. Desde a assinatura do Tratado de Aya-cucho (1867), ele denunciava a Bolívia por ter negociado território peruano, o mesmo aconteceu quando da assinatura do Tratado de Petrópolis (1903).

O Brasil foi o único país da América do Sul a ser colônia de Por-tugal, todos os outros foram explorados pela Espanha. Bolívia e Peru tinham certas tradições culturais em comum, sendo a língua castelhana uma das principais. Devido a essa condição de proximidade, o Itamara-ti adotou a política maquiavélica do "dividir para governar". O Brasil não esperou que os dois países “coirmãos” decidissem qual deles era o verdadeiro dono do “Acre” para depois negociá-lo com o suposto legí-timo herdeiro espanhol. Pelo contrário, tomou a iniciativa de firmar

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tratados com um deles para suscitar discórdia entre os “hermanos” e impedir, com isso, uma possível aliança Peru-Bolívia contra os interes-ses brasileiros.

O temor era devido, pois os dois países já haviam se coligado em duas ocasiões anteriores: a primeira, entre os anos de 1836 a 1839, quando formaram uma Confederação; a segunda, nos anos de 1879 a 1883, por ocasião da Guerra do Pacífico contra o Chile. Isso sem dizer que dispunham dos mesmos documentos e títulos oriundos de tratados ibéricos sobre aquela região amazônica na qual o Brasil reivindicava.

No âmbito jurídico, não havia argumentos sólidos a favor do Brasil, a não ser o do uti possidetis. Por isso, o Itamarati nunca aceitou levar o pleito ao arbitramento, de acordo com os Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), que impunham a linha "Javari-Madeira"como fronteira entre as colônias portuguesa e espanholas, o “Acre” era território estrangeiro ao Brasil. Era natural, portanto, que a disputa pelo “Acre” acontecesse somente entre os herdeiros do vice-reino espanhol, ou seja, entre a Bolívia e Peru.

Mapa 12 - Evolução territorial do Brasil.

Fonte: www.pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3o_territorial_ do_Brasil>

acessado em março de 2013. [Adaptado pelo autor]

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O drama a delimitação territorial na região amazônica entre

esses dois países fica mais bem compreendido se levado em conside-

ração o fato de que o território boliviano, no período colonial (1543 a

1776), pertencia ao Vice-Reino Espanhol do Peru. A partir de então,

o Alto Peru ou a Audiência de Charcas79, como também era conheci-

da, passou a ser administrada pelo recém-criado Vice-Reino Espanhol

de La Plata (1776).

En 1776 se creó el Virreinato del Río de la

Plata, o Buenos Aires, y Charcas pasó a de-

pender de esta nueva unidad administrativa

y política. La jurisdicción de la Audiencia de

Charcas se dividió entonces en 4 intenden-

cias, subdivididas cada una en partidos, re-

emplazando así a los corregimientos. En

1782 se crearon las intendencias de La Plata,

Potosí, Cochabamba (que incluía Santa Cruz

de la Sierra y las gobernaciones de Mojos y

Chiquitos) y La Paz. En 1784, se creó la In-

tendencia de Puno (Chucuito, Puno, Lampa,

Azángaro y Carabaya) que en 1796 pasó a

depender del Virreinato del Perú y de la

Audiencia del Cuzco. Tarija, en cambio,

formó parte inicialmente de la Intendencia

de Potosí pasando en 1806 a Salta. (BAR-

RAGÁN, Rossana. Introdução Bolívia.

Disponível em <http://lanic. ute-

as.edu/project/tavera/bolivia/intro.html>

acessado em março de 2013).

79 Era o mais alto tribunal da Coroa espanhola no Alto Perú. O Charcas também ficou conhecido no Vice Reino de La Plata como Intendência de Chuquisaca (fundada em 1782). Depois da independência boliviana ocorrida em 1825, a Audiência passou a se chamar de Sucre (a partir de 1839).

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Mapa 13 - Colônias espanholas na América do Sul no século XVIII.

Fonte: DUBY, 1987, p. 282. [Adaptado pelo autor].

Mapa 14 – A “linha oblíqua” em um mapa do Brasil do século XVIII.

Fonte: BRASIL, 1977, p. 30. [Adaptado pelo autor].

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Abaixo, temos o mapa da Audiência de Charcas no período em

que ela ficou sob o domínio do Vice-Reino de La Plata, antes do Trata-

do de Santo Ildefonso entrar em vigor. Na estrutura administrativa das

colônias espanholas, a Audiência representava "a instituição política mais

importante e poderosa" (DOZER, 1974, p. 113). Na ausência do Vice-

Rei, além do Poder Judiciário, ela exercia também o Executivo. Perce-

bam que a região do atual Estado do Acre figurava como pertencente ao

Vice Reino do Peru.

Mapa 15 - Real Audiência de Charcas em 1776.

Fonte: Disponível em <http://www.payer.de/bolivien2/ bolivien0207.htm>

acessado em Março de 2013, adaptado pelo autor.

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O início do processo de independência do Vice-Reino de La Plata ocorrido em maio 1810 desencadeou na região um período de intensas turbulências. Por conta disso, entre julho e agosto de 1810, o Charcas foi anexado novamente pelo Vice-Reino do Peru. Mas, tão logo a Junta Governativa se estabeleceu na “futura Argentina” (Província Unida do Rio da Prata), os “patriotas” intentaram reincorporá-lo por meios milita-res, fato conseguido em novembro de 1810. Mas em junho de 1811, as tropas “patriotas” foram derrotadas, voltando a Audiência a ficar sob o comando dos espanhóis do Vice-Reino do Peru. Em maio de 1813, as tropas “argentinas” tomaram novamente Charcas e para enfraquecer o poder real espanhol na região, os líderes de Rio da Prata extinguiram a denominação “Audiência Real” do tribunal de Charcas. A partir de então houve uma alternância de governos “realistas” (apoiadores do Vice Reino do Peru) e os “patriotas” (seguidores do movimento de independência do Rio da Prata) em Charcas. Em julho de 1816, acontece a independência da Argentina (União das Províncias da América do Sul) e os seus líderes logo intentam restaurar o território do antigo Vice-Reino de La Plata, do qual o Alto Peru fez parte. No entan-to, em novembro de 1816, as tropas “argentinas” são derrotadas pelas espanholas e a Audiência de Charcas foi mantida sob controlada do Vice Reino do Peru. Como pudemos perceber, por pouco o território que hoje repre-senta o Estado do Acre não se tornava argentino. O próprio Peru (o Baixo Peru do Vice-Reino espanhol – Mapa 18) só conquistou a sua independência em 1821 por conta da iniciativa das tropas argentinas lideradas por San Martín. O governo argentino somente desistiu de ane-xar o Alto Peru em 1825, quando aquele território já estava completa-mente dominado pelas tropas do Marechal Sucre. Impossibilitado de eleger representantes para a Constituinte ocorrida naquele mesmo ano, a Argentina preferiu desistir do pleito. A República do Peru também não teve condições militares para manter a soberania no Alto Peru, pois preferiu concentrar suas forças bélicas nas ações contrarrevolucionárias encabeçadas pelos espanhóis, como no caso da Batalha de Ayacucho em 1824. A Espanha só reco-nheceu a independência do Peru em 1879. Abaixo, três mapas que ser-vem para ilustrar o que explicamos.

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Mapa 16 – Vice-Reino do Peru e Vice-Reino da Plata (1543-1816).

Fonte: Disponível em <http://www.1000dias.com/rodrigo/a-mae-de-todas-contrabandistas-

e-o-cao/> acessado em maio de 2015.

Mapa 17 - Vice-Reino do Peru: Baixo Peru (verde) e Alto Peru (amarelo) em 1810.

Fonte: Extraído do mapa de Eduardo Ydiaquez. Disponível em

<http://www.mirabolivia.com> acessado em março de 2013. [Adaptado pelo autor].

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MAPA 18 – Províncias Unidas do Rio da Prata em 1811.

Fonte: Disponível em <https://es.wikipedia.org/> acessado em maio de 2015.

Resumindo, tanto o território atual da Bolívia quanto o do Acre pertenceram ao Vice-Reino do Peru sob o nome de Alto Peru, que esta-va sob a jurisdição da Audiência Real de Charcas80. A Audiência de Charcas estava dividida em intendências: La Paz, Potosi, Cochabamba, La Plata e Charcas. Além de duas governanças: Mojos (Moxos) e Chiqui-tos, que eram espécies de prefeituras que respondiam pelo rei. O Peru reconheceu a independência da Bolívia em fevereiro de 1826, no entan-to, passou a reivindicar todas as áreas ainda inexploradas, as chamadas "tierras non descobiertas" nas quais as do Acre estavam incluídas.

80 O mais elevado Tribunal da Coroa Espanhola no Alto Peru.

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O acordo gerou protestos do Peru que, arrependido do tratado firmado anteriormente e não mais acei-tando o princípio do uti possidetis, julgava-se com direitos sobre terras concedidas a Bolívia. Neste país, ele também foi mal recebido em círculos importantes, chegando a ser considerado, exagera-damente, um desastre completo. (MAGNOLI, 1997, p. 183).

O Peru e a Bolívia se uniram politicamente em uma confederação durante os anos de 1836 a 1839, esse fato dificultou ainda mais a demar-cação das fronteiras. O governo boliviano se aproveitou da instabilidade política pela qual o Peru passava e da constante ameaça militar que sofria da argentina para propor a união. O Peru foi dividido administrativa-mente em dois: norte e sul (Mapa 19). A região que compreende o atual Estado do Acre também foi dividida - a região banhada pelos afluentes do rio Juruá ficou com Peru do Norte, e a banhada pelo rio Purus com o Peru do Sul, veja no mapa abaixo.

Mapa 19 - Confederação Peru-Bolívia (1836-39).

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Abaixo temos dois mapas peruanos da primeira metade do século XIX. Um deles quando o Peru ainda se encontrava na condição de colônia espanhola, o outro quando já gozava da independência política. Em ambos os casos podemos constatar que as terras banhadas pelos rios Juruá e Purus já eram imaginadas como peruanas bem antes da emer-gência da Questão do Acre. Portanto, o território que hoje conhecemos como Acre figurava na cartografia do Vice-Reino do Peru e na da Repú-blica do Peru antes mesmo de o Brasil assinar o Tratado de Ayacucho (1867) com a Bolívia.

Mapa 20 - Comparação dos territórios do Vice-Reino do Peru com o da República do Peru.

Fonte: MUZZO, Gustavo Pons. Las fronteras del Perú.

Lima: Iberia, 196, p. 47, adaptado pelo autor.

Os dois países tentaram definir suas fronteiras amazônicas logo após a fragmentação da Confederação. Acontece que ambos pleiteavam as mesmas terras e por meio dos mesmos títulos espanhóis. Aos títulos eram dados diversas interpretações, pois eram "derivadas da imprecisão dos títulos coloniais que delimitavam, no interior do Vice-Reinado, a Audiência de Charcas". (GOES, 1991, p. 121). Por conta da indefinição,

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era comum encontrarmos o território abaixo da linha Javari-Madeira nos mapas de ambos os países. Apesar da discussão, ambos foram impru-dentes por não se preocuparem em colonizar a região. O que favoreceu o Brasil que, extraoficialmente, intensificou o desbravamento do mesmo a partir da segunda metade do século XIX. O Brasil de forma sorrateira firmou com a Bolívia o Tratado de Ayacucho em 1867. Aproveitou que as fronteiras amazônicas entre a Bolívia e o Peru ainda não estavam plenamente regulamentadas, para acirrar a discórdia entre os dois países. A Bolívia abria mão dos limites estabelecidos pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777) - a linha Javari-Madeira – e o Brasil, em compensação, confirmava à Bolívia todas as terras abaixo da linha que ia da confluência do rio Beni com o rio Mamoré, onde começa o rio Madeira, à altura da latitude 10º 20', até a nascente do rio Javari (Mapas 2 e 10).

A importância desse acordo era que versava sobre as regiões peruanas que haviam ficado sem delimitar no tra-tado de 1851 (Convenção fluvial entre o Brasil e o Peru). A Bolívia assumia indevidamente sua soberania sobre o território situado a oeste do rio Javari e ao sul da possível linha reta do rio Madeira até o Leste, afetando desse modo a posição do Peru frente ao Brasil [...] a Bolívia cedia territórios sobre os quais não tinha título algum. (NOVAK, 2013, p. 29 e 30)

O Brasil já havia assinado com o Peru dois tratados, entretanto, nenhum deles versava sobre a região sul da linha Madeira-Javari. O pri-meiro foi o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação em 08 de julho de 1841, que "não tivera por objeto principal a questão de divisas" (BRA-SIL, 2009, p. 74), apenas afiançava o compromisso de fazê-lo de forma pacífica e baseado no uti possidetis tomando como data base o ano de 182181. O segundo foi assinado em 23 de outubro de 1851, intitulado Tratado de Comércio, Navegação, Limites e Extradição. Nele a República do Peru concordava em desconsiderar os tratados internacionais sobre a região amazônica firmados na época colonial e em adotar o uti possidetis como princípio de demarcação da fronteira.

81 O tratado não foi aprovado pelo governo brasileiro.

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A população portuguesa que vivia na colônia lusitana na América invadiu, por inúmeras vezes, territórios considerados espanhóis. A Ques-tão do Acre não deve ser analisada fora desse contexto. Como explica Sotomayor (2013, p. 121), “el avance brasileño obedecía a una tradición portuguesa que amplió territorios antes la despreocupación española, du-rante el período colonial […] esa cultura de ocupación de territorios en la amplia frontera se encontraba en plena vigencia a fines del siglo XIX en el Acre”.

Os bandeirantes, como ficaram conhecidos, expandiram o territó-rio colonial português por meio da posse ilegal de terras. Por isso é que o Brasil se negava a tratar de suas fronteiras com base nos tratados e acor-dos coloniais assinados por Portugal e Espanha. As negociações com os países vizinhos deveriam partir do “zero”, sem considerar o legado jurí-dico colonial. A estratégia sempre foi a de apelar para os acordos binaci-onais e para o uti possidetis. E o Brasil conseguiu se impor, ditando as regras da negociação, porque possuía um poder bélico superior aos seus vizinhos. Como afirma Goes (1991, p. 125): "a utilização do princípio do uti possidetis, tal como entendido pela nossa diplomacia, foi sem dúvida uma vantagem para o Brasil, nação de mais dinamismo na ocupação do território do que seus vizinhos amazônicos".

A diplomacia brasileira soube explorar bem essa inexatidão da redação dos tratados para defender o uti possidetis como princípio regula-dor das fronteiras. Segundo o uti possidetis, o dono da terra era aquele que usufruía da posse efetiva dela, e não aquele que detinha o título legal da mesma. Obviamente que essa proposta se mostrou muito mais vantajosa ao Brasil, visto que a maior parte dos territórios disputados já estavam plenamente ocupadas por brasileiros, como são os casos das regiões do Juruá e do Purus.

O Ministro Hernán Velarde dizia que o Peru reclamava da Bolívia todo o território compreendido entre a nascente do Javari e a confluência do Beni - a totalidade do atual terri-tório do Acre - área incluída na zona litigiosa e sujeita à arbitragem do Tratado Peru-Bolívia, de 30 de dezembro de 1902. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 433).

Os países castelhanos disputavam entre si vários territórios. A Bolívia negociou terras litigiosas com o Brasil em 1867, da mesma forma

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como o Peru havia feito em 1851. A linha reta meridional que vai de "Tabatinga" ao rio Japurá, na Foz do Apáporis, marcada no mapa abaixo pela seta horizontal, foi recebida como uma afronta aos interesses da Colômbia. Ao sul do "Tabatinga", o tratado dizia que a fronteira entre Peru e Brasil seguiria o curso natural do rio Javari até a sua nascente, como mostra a seta vertical no mapa abaixo. E foi pelo fato do Tratado não julgar a situação das terras ao leste do Javari, que a Bolívia se apro-veitou da omissão para fazê-lo com o Brasil em 1867. O Tratado de Ayacucho estabeleceu as fronteiras norte e sul da Bolívia.

Mapa 21 - Fronteira estabelecida entre o Brasil e o Peru pelo Tratado de 1851.

Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br> março de 2013.

O Tratado de 1851 definiu a fronteira oeste do Brasil com o Peru,

mas deixou em aberto a região ao sul da linha Madeira-Javari. Competia ao Peru e à Bolívia decidir quem realmente detinha o direito sobre essas terras. Posteriormente, a diplomacia brasileira disse que a região abaixo da linha estabelecida pelo Tratado de 1777 não se tornou alvo de discus-

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são porque "o Peru nada possuía ao oriente do Javari e que era com a Bolívia que o Brasil se devia entender no tocante às regiões do Juruá e do Purus" (BRASIL, 2009, p. 78). Mas a Bolívia também não havia ocu-pado a região até o final do século XIX, o que de certa forma facilitava a ação diplomática brasileira.

A publicação póstuma da obra Geografia del Peru82 em 1863, do pesquisador Mateo Paz Soldan, contribuiu para o acirramento da disputa territorial. Uma das muitas conclusões do autor exposta no livro de mais de setecentas páginas foi a de que o Acre e parte do Estado do Amazo-nas pertenciam ao Peru. Afirma que por questões jurídicas e históricas, a linha Javari-Madeira do Tratado de 1777 deveria prevalecer como demarcadora da fronteira entre o Peru e o Brasil.

Os limites com o Brasil são, segundo o Tratado de 23 de outubro de 1851 [...] de Tabatinga ao sul do rio Javari [...] dali uma paralela próxima aos 10º de latitude [...] o con-fim oriental do Peru está mal definido, com perda de ter-ritório. (SOLDAN, 1863, p. 4, Tradução livre).

Em 1865, Felipe Soldan, o irmão de Mateo Soldan, publicou o Atlas Geográfico do Peru, o primeiro da República. Ele mostra que o Peru, desde a independência, havia perdido território para os países vizinhos. Dois anos antes da assinatura do Tratado de Ayacucho (1867), ele repre-senta a fronteira amazônica do território peruano com a linha leste-oeste do Tratado de Santo Ildefonso (1777). O rio Purus foi colocado como divisor natural entre o Peru e a Bolívia, consequentemente, a parte orien-tal do atual Estado do Acre se tornava boliviana; e a parte ocidental, peruana. Confira isso no mapa abaixo.

82 Livro que foi organizado e aumentado pelo irmão do autor - Mariano Felipe Paz Soldan, que foi ministro das relações exteriores do Peru (1857) e ministro da justiça e instrução (1869-1870 e 1878-1879). Mateo Soldan foi um advogado de grande cultura, poliglota, ocupou vários cargos políticos, dentre eles, o de secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Escreveu livros sobre astronomia, matemática, física e política. Em Geografia del Peru, logo na primeira página, é dito que "los limites del Perú se arreglan al uti possidetis del ano de 1810".

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Mapa 22 - Peru em 1865 por Felipe Soldan.

Fonte: Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:PERU _MAPA_1865.JPG> acessado em março de 2013. [adaptado pelo autor].

Isso prova que o pleito peruano era anterior ao surto da borra-cha. O próprio Barão do Rio Branco afirmara que "o nosso litígio sobre fronteiras com o Peru surgiu, assim, em 1863. Não foi, portanto, uma consequência do Tratado que se chamou de Petrópolis" (In: BRASIL, 2009, p. 32). O Peru sempre exigiu a criação de uma comis-são trinacional para resolver a questão dos limites amazônicos. Chega-ram ao Itamaraty propostas oficiais do governo peruano em 1868, 1870, 1874, 1903, no entanto, todas elas foram rejeitadas pelo governo brasileiro.

Como o governo brasileiro não lhe “dava ouvidos”, políticos peruanos incentivavam a discórdia entre os caucheiros peruanos e os seringueiros brasileiros no Juruá. Vários foram os conflitos armados na fronteira entre esses países, o primeiro deles foi dois anos antes da revolta do Purus contra os bolivianos. Ou seja, os conflitos no Juruá não foram resultados da influência de Plácido de Castro. Como afirma o próprio Rio Branco (1909. In: BRASIL, 2009, p. 46)., "[em 1897] já

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se tinha dado conflitos no Juruá-Mirim [...] peruanos que ali tentaram estabelecer-se".

Imagem 13 - Charge “Galinheiro Internacional”.

Legenda: “E o Peru também quer milho?”

Fonte: jornal A Avenida, RJ, 23 de abril de 1904. (Cf. PORTO, 2012). A primeira tentativa oficial do governo do Peru em tomar posse

das terras do Juruá aconteceu em outubro de 190283, concomitante com a “Revolução Acriana” liderada por Plácido de Castro. O fato se deu em frente à boca do rio Amônea, localizado próximo ao atual município acriano de Porto Walter, no Juruá. "O governo peruano fez ocupar administrativamente e militarmente o Alto Juruá desde as suas cabeceiras até à boca do Amônia" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 469). Como diz o próprio ministro Rio Branco (apud BRASIL, 2009, p. 47), "em 15 de novembro do mesmo ano, instalou um posto militar e

83 Peru e Bolívia estavam em pleno processo de negociação que culminou com a aceitação do arbitramento por ambos os países em dezembro de 1902.

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aduaneiro junto ao barracão denominado Minas Gerais, à margem esquerda da boca do Amônea". Antes da assinatura do Tratado de Petrópolis, em 22 de junho de 1903, o Peru também tentou ocupar as terras no Alto Purus, no início do rio Chandless. Foi uma tentativa de forçar o governo brasileiro a abrir negociações multilaterais, em vez de negociar somente com a Bolívia. O brasileiro José Ferreira de Araújo, dono do seringal Liber-dade, foi quem organizou a resistência. O comissário peruano e os cau-cheiros foram derrotados no dia 6 de setembro do mesmo ano.

Enquanto isso, o General Luís Antônio de Medeiros, coman-dante do Primeiro Distrito Militar em Manaus, cumprindo ordens do Ministério da Guerra, organizava dois destacamen-tos com o objetivo de fazê-los seguir para o Alto Juruá e Alto Purus e nessas regiões manter a soberania brasileira. Como o posto aduaneiro do Peru, na foz do Chandless, fora suprimido desde setembro de 1903 pela ação pessoal dos seringueiros, o destacamento do Alto Juruá revestia-se de maior importância político-militar, pois os peruanos continuavam na foz do Amônia, a praticar atos de administração policial-alfandegária. (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 442).

Em março de 1904, houve nova tentativa de reconquista do Chandless. Duzentos e trinta peruanos armados "por surpresa, e sem resistência alguma, que não era possível, apoderaram-se de Sobral, Funil e Cruzeiro" (Barão do Rio Branco, apud BRASIL, 2009, p. 47). Mas antes mesmo de o mês terminar, os peruanos foram derrotados. Abaixo, duas citações a respeito do evento:

A região do Alto Juruá encontrava-se em situação litigiosa em consequência da invasão de caucheiros peruanos, baseados nas reivindicações do Peru sobre o direito de posse das terras. Depois de fortes combates armados entre peruanos e brasilei-ros, sendo o mais forte na foz do rio Amônia, a 5 de novem-bro de 1904, foram sendo expulsos os peruanos da região. (LIMA, 1982, p. 98). O governo de Lima despachou tropas para o Departamento de Loreto e novos excessos, praticados pelos caucheiros e seus [...] índios, ocorreram na fronteira entre os dois países [...] o Brasil resolveu interditar todo o trânsito de armas e outros petrechos de guerra, com destino ao Peru, pela via do Ama-zonas, e denunciou o tratado de comércio existente entre os

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dois países [...] As dificuldades entre o Brasil e o Peru então recresceram e a crise assumiu, sob certos aspectos, dimensão mais grave do que com a Bolívia. O Congresso do Peru auto-rizou o governo a tomar um empréstimo de 12.000 contos para a compra de armamentos. (MUNIZ, 2000, p. 162).

Na charge “O Peru em ponta da faca”, logo abaixo, consta a seguinte legenda: “- O Malho: Vê, excelentíssimo, o que têm sido as invasões peruanas? Saques, trucidação de brasileiros, esposas e donze-las violentadas, o diabo a quatro! – Rodrigues Alves: Sim; mas o Rio Branco [...] – O Malho: Qual! Contra infâmias dessa ordem a melhor diplomacia é a faca no bicho”.

Imagem 14 – Charge “O Peru em Ponta de Faca”.

Fonte: jornal O Malho, Rio de Janeiro, 11 de julho de 1904. (Cf. PORTO, 2012).

Assinado o Tratado de Petrópolis, o Ministro Barão do Rio

Branco retomou a negociação com os diplomatas peruanos. Com a Bolívia, a disputa foi resolvida em menos de um ano, já com o Peru demorou longos seis anos. As ambições peruanas eram bem maiores do que as bolivianas, pois exigia do Brasil nada menos que 442.000 km² (191.000 km² do território do Acre e 251.000 km² de outras regi-ões amazônicas). Confira isso nos mapas abaixo, em ambos a linha “cunha gomes” aparece, o que facilita a comparação entre as preten-sões bolivianas e peruanas.

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Mapa 23 - Pretensões amazônicas do Peru.

Fonte: Euclides da Cunha. Mapa "Território Contestado Peruvio-Boliviano", 1909, [adap-

tado pelo autor]. Disponível em <http://euclidesite.wordpress.com/mapas-e-croquis/mapaperubolivia1/> visto em março de 2013.

Mapa 24 – Comparação entre as pretensões bolivianas e peruanas

Fonte: MUZZO, Gustavo Pons. Las fronteras del Peru. Lima: Iberia, 1961, p. 168.

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Em 12 de junho de 1904, o Barão do Rio Branco conseguiu convencer o governo do Peru a assinar um modus vivendi e retirar as tro-pas de caucheiros do Juruá e do Purus. Iniciadas as negociações, a diplomacia brasileira tentou mostrar que o Brasil não havia comprado o Acre da Bolívia, e sim resgatado "mediante indenização, o título por-tuguês, ou brasileiro, que cedêramos à mesma Bolívia pelo Tratado de 1867 [...] o Tratado de Petrópolis tem o efeito de uma sentença anula-tória" (BRASIL, 2009, p. 142). Claro que os peruanos não aceitaram o argumento, pois ninguém pagaria indenização para resgatar os próprios direitos.

A "lei do mais forte" prevaleceu mais uma vez. O governo peru-ano teve que se curvar às exigências brasileiras. O Tratado foi assinado em 8 de setembro de 1909. Dos 442.000 km² pretendidos pelo Peru, somente 39.000 km² foram concedidos pelo Brasil. Isso comprova cer-ta irregularidade no Tratado de Petrópolis, uma vez que bolivianos e brasileiros negociaram território comprovadamente peruano, pois o Brasil teve que devolvê-lo ao legítimo dono depois. O mapa abaixo mostra que o Peru considerava de fato o Acre como parte de seu terri-tório nacional e declara que o mesmo foi perdido para o Brasil.

Mapa 25 - Territórios perdidos pelo Peru.

Fonte: Disponível em <http://pt.slideshare.net/PASARC/delimitacin-de-las-fronteras-

del-per> acessado em março de 2013.

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O território acriano que havia sido definido pelo Tratado de Petrópolis (1903) em 190.000 km², depois da assinatura do Tratado Brasil-Peru (1909), ficou reduzido a 152.000 km². A "linha" geodésica imaginária criada pelo Tratado de Ayacucho em 1867 para marcar as fronteiras do Brasil com a Bolívia, depois da assinatura do Tratado de 1903, passou a separar o Território do Acre, do Estado do Amazonas e depois o de Rondônia. O mapa abaixo destaca a região que constava como sendo do Acre, mas que em 1909 foi incorporada ao território do Peru.

Mapa 26 – Região do Acre definitivamente incorporado

pelo Peru em amarelo (1909).

Fonte: Mapa dos três Departamentos do Território Federal do Acre: Alto Juruá, Alto Purus e Alto Acre (adaptado pelo autor). In: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas (M.16).

Em resumo, as fronteiras amazônicas entre o Peru e a Bolívia só foram definitivamente resolvidas com a assinatura do Tratado de Reti-ficação de Fronteiras, que se deu em 17 de setembro de 1909, portan-to, muito depois de a Bolívia ter “vendido” o Acre para o Brasil. O Tratado foi um resultado do arbitramento acordado pelos dois países em dezembro de 1902, cuja sentença só foi pronunciada em 09 de julho de 1909. A Argentina, constituída como árbitro, optou por dar ganho de causa ao Peru em certas regiões do noroeste boliviano, o que

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não afetou o Tratado Peru-Bolívia não prejudicou o Brasil, pois não afetou as áreas negociadas com a Bolívia. Portanto, a nacionalização do Acre foi muito mais um resultado da habilidade diplomática do Itama-rati do que efetivamente da capacidade mortífera dos acrianos em assassinar bolivianos. Abaixo, uma síntese didática do processo de incorporação do território que compreende o atual Estado do Acre ao Brasil.

Esquema 2 – Divisão didática do processo de anexação do Acre.

Fonte: próprio do autor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse livro foi elaborado com o objetivo de oferecer uma versão mais sincera da nacionalização do território do Acre pelo Brasil. É pos-sível que a história contada aqui não tenha agradado a todos, mas foi como a visualizei quando retirei dela o “véu mítico” da narrativa epo-peica. A história “politicamente correta” engrandece acontecimentos e cerca de glória personalidades, no entanto, a magnificência deles só é plenamente percebida por aqueles que sofrem de megalomania, miopia do senso comum ou embriaguez de acrianidade.

A história do Acre, da maneira como vem sendo contada, mais parece um mito fundador, porquanto, não tem o menor compromisso com a verdade. É uma história “espetáculo”, que embeleza o “sangue” e o “lodo” (CARNEIRO, 2015) constituintes da sociedade acriana e os transforma em fonte de orgulho coletivo. A invenção do ufanismo acriano tem raízes em um “abuso da história” (CARNEIRO, 2015b), que falsifica o passado inaugural como glorioso.

A história que chegou até nós foi escrita por aqueles que vence-ram a “Revolução”. Era de se esperar que ela se tornasse um instru-mento de auto-louvação. O custoso é deparar com a ingenuidade daqueles que defendem o caráter apoteótico da anexação, sem ao menos perceberem que estão apenas reproduzindo o discurso daqueles que almejavam lucrar com a nacionalização do Acre, a saber: os “coro-néis de barranco”, os membros da Junta Revolucionária, os profissio-nais liberais e políticos de Manaus ligados à economia gomífera.

Não há nada de elogiável em uma ofensiva militar. Ainda mais se sabendo que ela esteve a serviço de interesses espúrios de uma elite regional. Não dá para aceitar que o ato de tirar intencionalmente a vida de outrem seja objeto de aplausos e comemorações. Em vez de apreci-armos o fenômeno bélico, deveríamos apontar a essência desventurosa dele. O acriano assassino de índios, de bolivianos e de peruanos não deveria servir como arquétipo de heroísmo, pois “a sensibilidade con-temporânea torna repugnante à evocação da violência” (GARCIA, 2000, p. 136, tradução minha).

O ethos patriótico e heroico constitutivo do discurso identitário acriano não condiz com os acontecimentos propriamente ditos, ele é apenas uma versão desejava do acriano. Daí a necessidade da revisão

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historiográfica que, em parte, propomos nesse livro. A história do Acre não pode mais ficar refém do testemunho que a memória coletiva tem do passado, pois ela é um produto de manipulações simbólicas. É por isso que Assmann (2011, p. 71) diz que “as recordações estão entre as coisas menos confiáveis que um ser humano possui”.

Segundo Ricoeur (2007, p. 452), há três tipos de “abusos da memória”: a memória impedida, a memória manipulada e a memória obrigada. Em relação ao Acre, podemos dizer que o massacre indígena é uma “memória impedida”; os reais motivos da “revolução”, uma “memória manipulada”; e o lutar para ser brasileiro, uma “memória obrigada”. Até hoje o acriano é vítima de uma política simbólica que o faz interiorizar a memória de um passado que não existiu. E eu acredi-to que “o historiador não pode apagar ou reescrever o passado a fim de torná-lo mais agradável” (LANDES, 1998, p. 4).

Espero que a leitura tenha sido agradável e elucidativa,

A todos um forte abraço.

Rio Branco, janeiro de 2016.

Eduardo de Araújo Carneiro

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