Livro Brasil Seguranca- IPEA Celso Amorim

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    A Amrica do Sul vive um momento bastante especial. Com o encerramento de um longo ciclo de

    regimes autoritrios e a superao das principais hipteses de con ito entre os pases da regio,

    o subcontinente tem avanado decisivamente rumo consolidao democrtica, ao progresso so -

    cioeconmico e estabilidade institucional. Ainda que tal processo enfrente obstculos e, por vezes,aparentes recuos, no se vislumbra a possibilidade de inverso de tal tendncia.

    A existncia de instituies regionais e de espaos bilaterais de dilogo possibilita, por seu turno,que os desa os e as oportunidades comuns sejam pensados e trabalhados a partir de novas bases,que transcendem a esfera do interesse nacional estrito. O dilogo permanente , de fato, essencial

    para o desenvolvimento/manuteno da con ana, reduzindo a possibilidade de que percepes

    equivocadas levem a decises de poltica externa prejudiciais s naes sul-americanas.

    Relaes cooperativas na rea de defesa e segurana trazem, particularmente, diversas oportuni -dades, como: o aprimoramento tcnico; a participao em operaes de paz; o intercmbio de ideiase informaes; e o desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, se verdade que tais relaes sefortaleceram nas ltimas dcadas, elas ainda se encontram distantes do potencial. E o aproveitamentoefetivo deste potencial demanda maior compreenso das especi cidades histricas e institucionais,bem como das capacidades e necessidades de defesa, dos pases sul-americanos.

    tambm a partir da percepo do compartilhamento de oportunidades e desa os comuns que sedeve pensar a integrao no Atlntico Sul. O oceano que separa mas tambm une Brasil e frica trazpossibilidades em diversas reas. O intercmbio de bens e servios, a explorao de recursos martimos,

    a pesquisa cient ca conjunta e a cooperao em defesa e segurana so alguns dos campos em quea integrao entre o Brasil e naes africanas avana.

    No campo da defesa e segurana, particularmente, a cooperao entre os dois lados do Atlntico realidade h mais de duas dcadas. Entre as iniciativas, destacam-se: a cooperao naval entre

    Brasil e Nambia; a cooperao entre Brasil e frica do Sul no setor missilstico; e os exerccios militaresrealizados de forma conjunta com Argentina, Uruguai e frica do Sul.

    Tal cooperao revela-se essencial ao se considerar a importncia que a segurana no mar pos -sui para a manuteno da estabilidade econmica e social dos pases lindeiros. Assim como o Brasil,outros pases do Atlntico Sul so largamente dependentes da navegao martima no seu comrcioexterior, assim como das fontes energticas exploradas no mar.

    Cabe ainda aos pases sul-atlnticos zelar pela manuteno desta rea como um espao livre de armasnucleares, onde predomine um esprito de paz e cooperao. Novamente, o dilogo se faz fundamental paraa consecuo deste objetivo. Alm disso, a adoo de posies comuns em temas de paz e segurana essencial para que o Atlntico Sul no se torne palco de disputas extrarregionais, comprometendo o status

    pac co e cooperativo que, historicamente, tem caracterizado este espao.

    Essas so algumas das questes tratadas neste livro. A discusso dos temas ora apresentados sefaz fundamental para se pensar o desenvolvimento nacional, pois a estabilidade econmica e polticadestes espaos constitui, cada vez mais, uma condio essencial para a prpria estabilidade do Brasil.

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    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da RepblicaMinistro interino Marcelo Crtes Neri

    Fundao pblica vinculada Secretaria deAssuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,o Ipea fornece suporte tcnico e institucional saes governamentais possibilitando a formulaode inmeras polticas pblicas e programas dedesenvolvimento brasileiro e disponibiliza,para a sociedade, pesquisas e estudos realizadospor seus tcnicos.

    PresidenteMarcelo Crtes Neri

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicase Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado,das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisRafael Guerreiro Osorio

    Chefe de GabineteSergei Suarez Dillon Soares

    Assessor-chefe de Imprensae ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

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    Braslia, 2014

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    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2014

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, noexprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    O Brasil e a segurana no seu entorno estratgico : Amrica do Sul eAtlntico Sul / organizadores: Reginaldo Mattar Nasser, RodrigoFracalossi de Moraes. Braslia : Ipea, 2014.

    284 p. : grafs., mapas.

    Inclui Bibliograa. ISBN 978-85-7811-193-9

    1. Segurana Nacional. 2. Poltica de Defesa. 3. Criminalidade.4. Preveno ao Crime. 5. Cooperao Internacional. 6. Amricado Sul. 7. Brasil. I. Nasser, Reginaldo Mattar. II. Moraes, RodrigoFracalossi de. III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 355.45

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    SUMRIO

    PREFCIO .................................................................................................... 7

    APRESENTAO .......................................................................................... 9

    INTRODUO ............................................................................................ 11

    PARTE 1 O BRASIL E A SEGURANA SUL-AMERICANA ........................................... 1

    SEO 1 DEFESA E SEGURANA NA AMRICA DO SUL........................................ 19

    CAPTULO 1BREVE PANORAMA DE SEGURANA NA AMRICA DO SUL ..................Oscar Medeiros Filho

    CAPTULO 2ENTRE A SEGURANA DEMOCRTICA E A DEFESA INTEGRAL:UMA ANLISE DE DUAS DOUTRINAS MILITARES NO CANTONOROESTE DO SUBCONTINENTE SUL-AMERICANO ................................Adriana A. MarquesOscar Medeiros Filho

    CAPTULO 3PROPOSIO DE UM SISTEMA DE SEGURANA DE FRONTEIRAS

    BRASILEIRAS: UM ESFORO PARA TRANSFORMARO DESENHO DE FORA .....................................................................................Salvador Raza

    CAPTULO 4OPORTUNIDADES E LIMITES DO DILOGO SOBRE SEGURANAENTRE A UNIO EUROPEIA E A AMRICA LATINA ........................Anna Ayuso

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    SEO 2 CRIME E COMBATE AO CRIME NA AMRICA DO SUL ........................... 117

    CAPTULO 5TENDNCIAS E DESAFIOS DO CRIME ORGANIZADO NA AMRICA LAMarcelo Fabin SainNicols Rodriguez Games

    CAPTULO 6OS ESTADOS UNIDOS E O CRIME TRANSNACIONAL NA AMRICADO SUL: ASPECTOS HISTRICOS E CONTEMPORNEOS .........................Reginaldo Mattar Nasser

    CAPTULO 7COOPERAO INTERNACIONAL NO COMBATE CRIMINALIDADE:O CASO BRASILEIRO ....................................................................................... 1Almir de Oliveira JuniorEdison Benedito da Silva Filho

    PARTE 2 O BRASIL E A SEGURANA NO ATLNTICO SUL ...................................... 19

    CAPTULO 8O ATLNTICO SUL NA PERSPECTIVA DA SEGURANA E DA DEFESA Antonio Ruy de Almeida Silva

    CAPTULO 9O ATLNTICO SUL E A COOPERAO EM DEFESAENTRE O BRASIL E A FRICA .........................................................................Adriana Erthal AbdenurDanilo Marcondes de Souza Neto

    CAPTULO 10DOMARE LIBERUMAOMARE CLAUSUM: SOBERANIA MARTIMAE EXPLORAO ECONMICA DAS GUAS JURISDICIONAIS E DA RERodrigo Fracalossi de Moraes

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    PREFCIO

    Em boa hora, o Ipea edita este novo volume de estudos sobre a Defesa Nacionado Brasil no sculo XXI. Esta meritria iniciativa associa um dos principais centrode reexo do Estado a um assunto que vem merecendo cada vez mais ateno dsociedade brasileira.

    Nos ltimos anos, o debate pblico sobre a Defesa ganhou corpo no Brasil.Tem-se hoje um conjunto de documentos fundamentais, que orienta e esclarece aao do governo nessa rea: a Poltica Nacional de Defesa, a Estratgia Nacionade Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Estes documentos foram enviadopela presidenta Dilma Rousseff ao Congresso Nacional, que os promulgou em 26de setembro de 2013. Todos levam a marca do aprofundamento do dilogo entrea Defesa e a sociedade.

    Avano anlogo ocorre na imprensa e na academia, que demonstram uminteresse crescente pelo tema da proteo da soberania brasileira. Como j armoa presidenta Dilma Rousseff, defesa e democracia formam um crculo virtuoso nBrasil deste novo sculo.

    O Brasil um pas que vem crescendo, com incluso social e projeo internacionaem um contexto de plenas liberdades democrticas. Para fazer frente aos desaos externque o aguardam nessa etapa histrica, o Brasil deve se pautar por uma grande estratgia ,em que a poltica de defesa e a poltica externa se conjuguem para prover a paz.

    Na Amrica do Sul, de um lado, e no Atlntico Sul e na orla ocidental da frica, de outro, esse objetivo h de ser alcanado pela intensa cooperao com pases vizinhos. fundamental que o Brasil se cerque de um cinturo de paz e bovontade em todo seu entorno estratgico. Destaque-se, por exemplo, a necessriaproteo das fronteiras terrestres brasileiras, que tem sido orientada pelo PlanoEstratgico de Fronteiras, lanado em 2011, e reforada pelas aes da Operao gata, que, em 2013, atingiu sua stima edio.

    Ao mesmo tempo, o pas precisa estar pronto para se defender contra ameaasoriundas de outros quadrantes. Deve-se construir adequadas capacidades dissuasrino mar, em terra e no ar. Isto essencial para desestimular eventuais agresses soberania brasileira e, desta forma, respaldar a insero pacca do Brasil no mund

    O Brasil tem, ainda, um compromisso direto com a paz mundial, que temsido exercido por meio da participao em misses de paz das Naes UnidasEsta uma dimenso importante de uma grande estratgiavoltada para a construode um mundo mais estvel e justo.

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    8 O Brasil e a Segurana no seu Entorno Estratgico

    Esses objetivos requerem foras armadas aprestadas, modernas e integradasE exigem tambm uma reexo contnua e de qualidade sobre o papel do pas nomundo e sobre como a poltica de defesa brasileira pode ajudar nessa realizao esta a principal contribuio do volume que o leitor tem em mos.

    Celso AmorimMinistro da Defesa

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    APRESENTAO

    Uma das maiores conquistas da Amrica do Sul nas ltimas dcadas foi o m dpossibilidade de um conito armado entre os pases do Cone Sul, alcanada a partide um processo de reaproximao poltica ocorrido ao longo da dcada de 1980Tal processo, marcado pela reaproximao Brasil-Argentina e Argentina-Chilepermitiu o incio da efetiva integrao desta poro do subcontinente sul-americanoObservou-se, a partir de ento, uma crescente expanso nos intercmbioseconmicos, polticos e culturais entre os pases da sub-regio, amparados pelo fa

    de que a importncia atribuda estabilidade regional tornou-se parte daculturaestratgica de seus governos nacionais.Fenmeno mais recente o estreitamento dos intercmbios entre as pores

    norte e sul do subcontinente sul-americano. Com relaes caracterizadas, historicamente, pelo baixo grau de contato, os pases das duas sub-regies tm fortalecidsuas relaes em diversos campos e percebem, crescentemente, os benefcios qua integrao pode lhes propiciar.

    A baixa propenso ao conito entre os Estados sul-americanos, sobretudo

    no Cone Sul, um verdadeiro patrimnio regional. Recursos que, em outraspartes do globo, so alocados para o possvel enfrentamento dos pases vizinhodirecionam-se, aqui, para polticas voltadas promoo do bem-estar das sociedadlocais. Contudo, a preservao deste patrimnio para as prximas geraes dependo desenvolvimento e aprimoramento de mecanismos regionais de conana,coordenao e integrao.

    Ao mesmo tempo, a Amrica do Sul atravessa um perodo preocupante noque diz respeito criminalidade transnacional. A expanso da produo e do trc

    de drogas, bem como de diversos delitos conexos, traz consigo o crescimento dviolncia e de diversos problemas de sade pblica, afetando milhares de vidas drenando recursos pblicos j escassos.

    nesse contexto que a segurana na Amrica do Sul deve ser pensada. Por umlado, as ameaas interestatais no possuem grande relevncia e, nos casos em quse mantm, possvel minimizar a possibilidade de escalada de tenses a partir dmecanismos regionais. Por outro lado, a violncia est presente de forma acentuadno subcontinente: taxas de homicdio mantm-se elevadas (sobretudo no Brasil e

    na poro norte da Amrica do Sul), e a criminalidade organizada transnacionaparece um problema cuja soluo no se vislumbra no curto prazo.

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    10 O Brasil e a Segurana no seu Entorno Estratgico

    Nesse sentido, o Brasil desempenha papel essencial, possuindo condieseconmicas, polticas, demogrcas e territoriais que lhe capacitam a fornecealguns dos bens pblicos essenciais regio. Tais condies so favorecidas pelo fde que a estabilidade dos demais pases sul-americanos se consolidou na polticexterna brasileira como elemento central ao desenvolvimento e estabilidade doBrasil: o pas s pode avanar em compasso com os seus vizinhos, do que decora perspectiva presente nos documentos de defesa nacionais de que a Amrica dSul parte doentorno estratgico brasileiro.

    Em paralelo, o Brasil considera tambm o Atlntico Sul como parte integrantede seu entorno estratgico. Assim como h relao direta entre a estabilidadesul-americana e a estabilidade brasileira, a paz no Atlntico Sul condio

    essencial para a manuteno da segurana do Brasil. pelo oceano que transitaa maior parte do comrcio internacional do nosso pas e nele que se encontraparte substancial de nossas fontes energticas. Os problemas do Atlntico Sulso, portanto, problemas do Brasil.

    Deve-se considerar, ainda, que a estabilidade sul-atlntica depende, funda-mentalmente, de processos ocorridos na costa ocidental africana. Por esta razoo entorno estratgico brasileiro se estende at a outra margem do Atlntico. E este um dos motivos pelos quais o Brasil busca contribuir para o desenvolvimento

    destes pases lindeiros, em reas to diversas como sade, educao, agriculturasegurana pblica. nesse contexto que os trabalhos deste livro foram pensados. Apresentam-se

    aqui, textos escritos a partir de diferentes perspectivas, elaborados por autores comdistintas formaes prossionais e liaes tericas, todos compartilhando doobjetivo de ampliar a compreenso sobre alguns dos principais processos presentnoentorno estratgico brasileiro.

    As dinmicas sul-americanas e sul-atlnticas no campo da segurana e dadefesa no apenas afetam o Brasil, mas so tambm afetadas por polticas brasileirEntender este processo implica compreender os fatores que conduzem estabilidadregional, condicionante essencial para o desenvolvimento do pas.

    Marcelo Crtes NeriMinistro da Secretaria de Assuntos Estratgicos

    da Presidncia da Repblica (SAE/PR)Presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea)

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    INTRODUO

    Ainda que alguns pases sul-americanos tenham ampliado seus gastos militareem perodo recente, o subcontinente permanece como a regio de menor gastomilitar no mundo, no representando, ainda, qualquer tipo de ameaa estabi-lidade internacional. Entretanto, embora se possa armar que a regio seja umazona de paz, em que os conitos interestatais esto praticamente ausentes e emque inexistem quaisquer tipos de armas de destruio em massa, vrias ameaasurgiram e/ou se intensicaram ao longo da ltima dcada, com destaque para o

    narcotrco e o crime organizado.Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, as invases militares ao

    Afeganisto e ao Iraque, bem como a guerra contra o terror, liderada pelos EstadoUnidos, reintroduziram os temas de segurana entre as questes prioritrias naregio. A nfase, no entanto, estendeu-se para alm das relaes entre Estadosenvolvendo, necessariamente, a sociedade civil, na medida em que a percepacerca da fonte das novas ameaas se encontra precisamente no mbito desta.

    Frente s tendncias de securitizao de diversas agendas por parte dos Estados

    Unidos, a opo dos pases da Amrica do Sul poderia residir na fragmentaodas aes, em que cada pas almejasse obter vantagens pontuais, ou na construode mecanismos efetivos de dilogo que abordassem temas de interesse comum.Neste sentido, ao longo da ltima dcada, os pases do subcontinente e suasrespectivas sociedades dedicaram-se a um processo de progressiva reformulaodos conceitos de segurana e redenio das ameaas. Em tal processo, foramincludas no rol de ameaas as de natureza domstica ou transnacional, aindaque considerando os fatores militares tradicionais, que, no entanto, passaram ater um novo signicado neste contexto.

    Os riscos e vulnerabilidades que afetam a segurana das naes na Amricdo Sul evidenciam a necessidade de se denir uma nova agenda de segurana, quleve em considerao as relaes entre as dimenses global, nacional e a das pessoNeste sentido, um dos principais desaos estabelecer uma concatenao conceituque incorpore desde a segurana humana at a segurana internacional, passandopela segurana estatal. Os contextos especcos indicaro a maneira como se estbelecero as relaes entre essas trs dimenses e qual delas teria mais importnc

    Muito embora os nexos entre sociedade civil e atores polticos em relaoaos temas de segurana e defesa ainda sejam tnues, na medida em que avanamos processos de consolidao democrtica, nota-se tendncia a uma participaomais ativa por parte de organizaes da sociedade civil nos processos de formula

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    13Introduo

    O livro possui duas partes. A primeira aborda algumas das principaisdinmicas securitrias da Amrica do Sul , dividindo-se em duas subpartes, queanalisam questes relativas, respectivamente, defesa nacional e aos desaos pao enfrentamento da criminalidade organizada transnacional. A segunda parte temcomo objeto o Atlntico Sul , buscando contribuir para o debate acerca dos inte-resses brasileiros neste espao e de como o pas pode cooperar para a manutende sua estabilidade.

    No captulo de abertura, Oscar Medeiros Filho explora o sentido de se consi-derar a Amrica do Sul como uma unidade de anlise do ponto de vista dos estudoem segurana regional. Para tanto, a teoria dos complexos regionais de seguranaaplicada e adaptada ao contexto sul-americano. O autor separa o subcontinenteem duas partes, denominadas de arco da estabilidade e arco da instabilidadeanalisando ainda o Conselho de Defesa Sul-Americano e os principais desaos dsegurana para o subcontinente. Em seguida, no captulo 2, o mesmo autor, OscarMedeiros Filho, em conjunto com Adriana Marques, discute os aspectos centrais dapolticas de defesa e segurana da Colmbia e da Venezuela. Os autores destacam qestes dois vizinhos, muito embora vivam momentos polticos distintos, atravessamprocessos que guardam semelhana: ambos no apenas tm expandido as suas forarmadas, mas tm atribudo crescente prioridade s questes de defesa externa.

    Salvador Raza, no captulo 3, prope um sistema de segurana de frontei-ras para o Brasil. Tal sistema criaria verdadeiras muralhas nas fronteiras tantterrestres como martimas. Contudo, em razo da multiplicidade de uxos e atorepresentes em regies de fronteira, fundamental que o referido sistema possuacapacidade de articular as aes de diversos rgos de Estado. O autor ainda exploos possveis custos nanceiros deste sistema, destacando seu montante reduzidfrente aos possveis benefcios advindos de sua implementao.

    A pesquisadora Anna Ayuso aborda, no captulo 4, assunto ainda pouco

    explorado, a cooperao na rea de segurana entre Amrica Latina e Europa.Se, por um lado, esta tem encontrado diculdades para avanar, deve-se destacar,por outro, a existncia de um elemento comum nas perspectivas dos pases deambas as regies, isto , a importncia atribuda chamada agenda de seguranaampliada, com nfase na segurana humana. Tal perspectiva pode ser refernciaimportante para a cooperao e o dilogo inter-regional, alm de possibilitar aadoo de posies comuns no mbito multilateral.

    Muito embora a paz interestatal seja uma caracterstica marcante do subcon-

    tinente, h um grau elevado de violncia em diversos pases da Amrica do SuE, ainda que esta seja fruto de diversos fatores, a criminalidade transnacional sem dvida, um dos mais importantes. Neste sentido, trs captulos neste livroabordam a questo.

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    14 O Brasil e a Segurana no seu Entorno Estratgico

    Ao examinarem algumas das tendncias e desaos advindos da criminalidadorganizada transnacional na Amrica Latina, Marcelo Fabin Sain e Nicols RodriguGames, no captulo 5, introduzem avaliaes crticas sobre as formas de enfrentamento de tal ameaa, bem como propostas para aprimor-las. Os autores destacamque o crime organizado , primordialmente, uma atividade econmica, ressaltandoainda, os tipos de relaes que este estabelece com o poder pblico e a sociedade civ

    Compreender a forma pela qual os Estados Unidos lidam com os temas desegurana no entorno brasileiro fundamental para o entendimento das principaisdinmicas polticas do subcontinente e para se pensar as formas mais adequadas denfrentamento do problema. Neste sentido, Reginaldo Nasser explora, no captulo 6os principais aspectos da poltica norte-americana de enfrentamento da crimina-lidade organizada na Amrica do Sul, particularmente de grupos narcotracantesO autor destaca a expanso dos recursos pblicos nos Estados Unidos alocados paro combate ao problema das drogas, particularmente por meio do Plano Colmbia,ao mesmo tempo em que discute a militarizao e o alcance limitado destas ae

    O captulo 7, de autoria de Almir de Oliveira Junior e Edison Benedito daSilva Filho, apresenta alguns dos principais desaos para a promoo da seguranregional na Amrica do Sul, destacando o papel da cooperao internacional nocombate ao trco de drogas e armas, bem como de outros ilcitos transfronteirios

    A partir da literatura sobre os mecanismos de provimento de bens pblicosglobais e regionais, os autores discutem a efetividade da cooperao brasileircom os pases vizinhos no campo da segurana pblica e os obstculos para coordenao das aes de instituies civis e militares engajadas nas regies dfronteira do pas.

    Em seguida, trs captulos examinam o Atlntico Sul e a costa ocidentalafricana. Este espao tem ganhado crescente projeo na poltica externa e de defedo Brasil em perodo recente, no bojo da expanso das atividades de instituie

    brasileiras na frica e das descobertas das reservas de hidrocarbonetos do pr-sTorna-se essencial, portanto, reetir sobre as formas pelas quais o Brasil inuenciae inuenciado por este espao

    O capitulo 8, de Antonio Ruy de Almeida Silva, faz uma sntese dosprincipais aspectos estratgicos relativos ao Atlntico Sul, destacando o papedas relaes Brasil-Argentina como elemento de estabilidade deste espaoO autor aponta, ainda, a percepo do governo brasileiro de que a manutenodo Atlntico Sul como uma rea pacca e de cooperao requer que disputas

    extrarregionais no se manifestem neste espao. Contudo, tal perspectiva implicque os pases do Atlntico Sul devam ser efetivamente capazes de garantir, poseus prprios meios, tal condio.

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    15Introduo

    No captulo 9, Adriana Abdenur e Danilo Marcondes analisam tema impe-rioso para a manuteno da paz e da segurana no Atlntico Sul, qual seja, o dacooperao em defesa entre Brasil e frica. Os autores destacam, inicialmente, como governo brasileiro tem buscado desenvolver uma identidade atlntica comumcom os demais pases do Atlntico Sul, para, em seguida, explorarem as conexentre poltica de defesa e poltica externa que emergem neste processo. Examinampor m, a prtica da cooperao em defesa Brasil-frica.

    O ltimo captulo, de Rodrigo Fracalossi de Moraes, examina as formas pelasquais diversos Estados tm buscado, desde o nal da Segunda Guerra Mundialestender suas jurisdies sobre extensas reas martimas: o antigo princpio domareliberum parece ceder espao, progressivamente, ao domare clausum. Analisam-se,ainda, as vantagens que possuem os pases com ilhas ocenicas e/ou territrioultramarinos, particularmente as possibilidades em termos de explorao derecursos naturais.

    Agradecemos os autores pelas valiosas contribuies para este livro, bemcomo o apoio de Andr de Mello e Souza, Edison Benedito da Silva Filho, JooDiogo Ramos Soub de Seixas Brites, Marcelo Colus Sumi e Renato Baumannpor meio de crticas, sugestes e revises, tanto da estrutura do livro como dotextos nele contidos.

    Espera-se que o trabalho possa ser til para militares, servidores civis,parlamentares, acadmicos, estudantes, empresrios, integrantes de organizaeda sociedade civil e outros interessados no tema.

    Em razo de a estabilidade da Amrica do Sul e do Atlntico Sul ser degrande interesse para o Brasil, cabe ao Estado e sociedade civil debater as suprincipais tendncias e as formas pelas quais o Brasil pode e deve contribuipara a consolidao destes espaos como reas de paz e cooperao.

    Reginaldo Mattar NasserRodrigo Fracalossi de Moraes

    Organizadores

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    PARTE 1O BRASIL E A SEGURANA SUL-AM

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    Seo 1

    Defesa e Segurana na Amrica do Sul

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    CAPTULO 1

    BREVE PANORAMA DE SEGURANA NA AMRICA DO SULOscar Medeiros Filho*1

    1 INTRODUOEste captulo apresenta um panorama de defesa e segurana na Amrica do SulPartindo de uma abordagem terica que privilegia o nvel regional dos estudossobre segurana internacional, buscar-se- situar o subcontinente como um peculiacomplexo regional de segurana , marcado por um paradoxo central: a ausncia deguerras formais, de um lado, e o elevado nvel de violncia social, de outro.

    Sero analisados, na segunda seo, os aspectos tericos que envolvem atemtica, com destaque para os conceitos de complexo regional de segurana CR(Escola de Copenhague) e comunidade de segurana (perspectiva construtivista)Para tanto, sero considerados fatores estruturais e aspectos histricos que tm

    contribudo para moldar o comportamento dos Estados na regio. Na terceiraseo, sero descritas as principais caractersticas da geograa poltica sul-americasugerindo um modelo de diviso regional com base no grau de integrao ecooperao entre os pases. Alm disso, ser brevemente abordada a estrutura ddefesa dos pases da Amrica do Sul. Na quarta seo, sero analisados os aspectgeopolticos, em especial o processo de integrao regional, desde a conteno danos 1970 at o perodo de institucionalizao observado na dcada atual. Ademaisero consideradas algumas agendas de defesa para o subcontinente, tendo comopano de fundo o processo de consolidao do Conselho de Defesa Sul-American(CDS), criado em 2008. Na ltima seo, sero apresentados alguns desaos aoaprofundamento do processo de integrao regional.

    2 POR UMA ESCALA SUL-AMERICANA DE ANLISE REGIONAL A utilizao da escala regional para a anlise de questes de segurana internacioncoincide com a chamada nova onda do regionalismo, iniciada em meados dadcada de 1980 e ampliada com o m da Guerra Fria. Nesse perodo, a intensica

    * Ocial do Exrcito Brasileiro. Mestre em geograa humana e doutor em cincia poltica pela Universidade dPaulo (USP). professor e pesquisador do Programa de Ps-graduao em Cincias Militares da Escola de Come Estado-Maior do Exrcito (ECEME).

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    22 O Brasil e a Segurana no seu Entorno Estratgico

    das relaes entre pases de uma mesma regio expunha a necessidade de arranjde governana para a gesto de uxos que transpunham as fronteiras nacionais.

    A escala regional situa-se em um ponto intermedirio entre perspectivasestritamente nacionais, de um lado, e globais, de outro. Nesta escala, a importnciadada aos entornos territoriais se deve ao fato de que, apesar da ideia de uidedos territrios, que ganhou fora com o processo de globalizao, os territrios doEstados so entes geogracamente localizados, e a contiguidade territorial continutendo peso nas questes de segurana. Desta forma, o fato de os Estados serempermanentemente localizados torna-se um imperativo geopoltico. Tal carterimpe aos Estados preocupaes territoriais, excluindo de seu leque de estratgiaa possibilidade de mudana domiciliar com relao a vizinhos indesejveis.

    De forma geral,regio tem sido compreendida nos estudos de seguranainternacional como um grupo de Estados interdependentes que, por imperativosgeogrcos de proximidade ou vizinhana, compartilha ameaas e preocupaemilitares, independentemente de seus interesses (Buzan, 1991). Cabe destacar queno caso aqui estudado, a escala regional a sul-americana e no a latino-american A opo por este recorte , antes de tudo, uma construo subjetiva que obedecea fatores histricos, geogrcos, culturais e polticos. Em relao ao constructlatino-americano, h os seguintes aspectos: a sua criao exgena, como refernc

    de separao dos pases anglo-saxnicos dos demais pases americanos; a presenade fragmentos territoriais (ilhas caribenhas) e culturais (mosaico de lnguas);e a maior proximidade de parte da regio em relao ao poder hegemnico norte-americano, a qual contribui para, em termos de segurana internacional, tornara Amrica Latina uma espcie de iluso cartogrca. Desta forma, especialmenta partir da dcada de 1990, tm se tornado cada vez mais corriqueiras as referncias Amrica do Sul como unidade regional, com vocao comunitria e que compartilhentre seus membros uma identidade comum, tanto de carter quanto de destino.

    2.1 O Complexo Regional Sul-Americano

    2.1.1 PeculiaridadesDo ponto de vista das questes de defesa e segurana , a situao sul-americana paradoxal: se, de um lado, a regio se destaca pela ausncia de guerras formaipor outro, enfrenta srios problemas relativos fragilidade do imprio da lei e aalto grau de violncia social.

    O cenrio decorrente de tal paradoxo sugere uma interessante situao emque a lgica do dilema de segurana de John Herz1 estaria invertida. Ou seja, no

    1. Para o autor, os esforos de ampliao de segurana de um Estado conduzem maior insegurana de seu vizin(Herz, 1950, traduo nossa).

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    caso sul-americano, as maiores ameaas teriam origem no em polticas de podeadotadas por Estados, mas na incapacidade destes de adotarem polticas pblicas nenfrentamento de suas vulnerabilidades sociais. Neste caso, os principais problemno seriam de fronteira questo de defesa , mas estariam na fronteira questo de segurana. Sob tal inverso, a ameaa passaria a ser o vizinho fracincapaz de controlar seu prprio territrio, e no o vizinho forte (Villa e MedeirosFilho, 2007, p. 8).

    Essa peculiaridade regional, marcada pelo contraste paradoxal entre instabi-lidade e/ou violncia domstica e relativa paz nas relaes internacionais, parecter origem no perodo ps-independncia, ainda no nal do sculo XIX, tendo seconsolidado nas primeiras dcadas do sculo XX. De fato, com o m da Guerrado Chaco (1932-1935), a regio passou a gurar como um ambiente internacionallivre2 de conitos blicos. A explicao para tal fenmeno complexa e distantede ser consensual. Certamente, no resulta de uma estratgia regional deliberadamas, antes, fruto de uma combinao de fatores que envolvem aspectos polticoshistricos e geogrcos.

    Cinco fatores podem ser apontados como possveis causas do padro anmaloda Amrica do Sul no sistema internacional ao longo do ltimo sculo. O primeirodiz respeito localizao perifrica da regio em relao aos grandes conito

    mundiais. O fato de os pases da regio registrarem os menores ndices de gastos dedefesa do mundo parece ter relao com a posio perifrica no s geogrcaque a regio ocupa em relao aos interesses de poder das grandes potnciasTal posio amenizaria a sensao de insegurana internacional e reduziria, consequentemente, os investimentos militares, tornando menos belicosas as relaeentre os Estados da regio.

    O segundo fator, oriundo do primeiro, refere-se ao poder blico relativamentepequeno dos pases da regio. O problema maior seria o custo de se fazer a guerr

    por demais conhecido entre os estrategistas militares a noo de que muitomenos oneroso defender que atacar. A incapacidade logstica seria apenas uma dalimitaes para o uso de instrumentos militares em operaes de carter ofensivoNeste caso, a ausncia de guerras na regio se daria no pela eccia dissuasiva dexrcitos nacionais, mas pela incapacidade ofensiva dos oponentes.

    O terceiro fator corresponde presena hegemnica dos Estados Unidos comoelemento de estabilidade regional. Sob tal perspectiva, os Estados Unidos teriam capacidade de constranger qualquer tentativa de aventura blica entre os pases d

    regio. Alm disso, em vrios momentos do sculo XX, foi possvel perceber esfor2. Ocorreram alguns conitos entre pases sul-americanos no perodo aqui considerado. O mais grave, envolvePeru e Equador, ocorreu em 1995. Foram dezenove dias de combate e morreram aproximadamente cem equatoriae quatrocentos peruanos.

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    Com base no padro de relacionamento entre unidades de uma regio, possvelidenticar diferentes tipos decomplexos regionais , variando entre ambientes conituosos,em que a possibilidade de guerra iminente, de um lado, e ambientes de relativa paz,de outro. Dependendo das caractersticas de relacionamento entre os pases da regio padro de amizade e/ou inimizade , os CRS so classicados em trs diferentes tipos:i) formaes conitivas;ii) regimes de segurana; eiii) comunidades de segurana(Buzan e Wver, 2003).

    Para Buzan e Wver (2003), as relaes entre os pases da Amrica do Suestariam situadas em um padro de amizade/inimizade intermedirio regime desegurana. A falta de um padro homogneo no subcontinente, porm, percebidapelos autores.

    Uma segunda perspectiva de anlise de segurana no nvel regional diz respeitao conceito de comunidade de segurana, desenvolvido inicialmente na dcada d1950 por Karl Deutsch, e recentemente adotado pela perspectiva construtivista(Adler e Barnett, 1998). Uma comunidade de segurana se estabelece quandodeterminada regio passa a controlar os conitos no seu interior. Neste sentido, aregies tendem a constituir unidades supranacionais, colocando-se entre o nacionae o global. Para Deutsch (1966), uma comunidade de segurana aquela na quaexiste a convico real de que os membros da comunidade no combateriam entre s

    (1966, p. 25, traduo nossa). Diferentemente de outros CRS, o surgimento deuma comunidade de segurana pressupe, necessariamente, que os pases-membrocompartilhem identidades positivas. Neste caso, no h comunidade de seguranaindependente do interesse das unidades que a compem. Ela s existe pela vontaddeliberada de seus membros em construir um ambiente de paz. justamente aideia de vontade poltica nas relaes internacionais que imprime originalidad proposta de Deutsch. Nela, os conceitos desegurana ecomunidade em ambienteinternacional so aproximados por meio da identicao de valores.

    Sob a perspectiva construtivista, possvel identicar sinais de surgimentode uma possvel comunidade de segurana na Amrica do Sul, mesmo que frace limitada. Isto, porm, mais evidente entre os pases situados no Cone Sul, omesmo no podendo ser dito sobre outras partes da Amrica do Sul (Hurrell, 1998)

    3 A GEOGRAFIA POLTICA SUL-AMERICANA: ASPECTOS GERAISLocalizado em uma das periferias do globo, o subcontinente sul-americanoestende-se por uma rea de quase 18 milhes de km, o que equivale a cerca

    de 12% da superfcie terrestre do planeta e a 42% do continente americano. Apresenta vasta riqueza natural e abriga a maior diversidade fsica, biolgice climtica de todos os continentes, abrangendo de desertos ridos e orestastropicais midas a geleiras. Alm da maior biodiversidade e da maior orest

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    tropical do planeta, a Amrica do Sul possui grande parte das terras potencialmentagricultveis do mundo. Tal riqueza natural, porm, contrasta com os sriosproblemas socioeconmicos de sua populao. Com quase 400 milhes de ha-bitantes, os pases da Amrica do Sul apresentam ndices de desenvolvimentohumano (IDHs) relativamente baixos.

    3.1 Subdivises regionaisEm termos siogrcos, a Amrica do Sul se divide em trs grandes vertentesi) andina;ii) platina; eiii) amaznica. Para ns de uma anlise espacial que con-temple os diferentes nveis de integrao regional na Amrica do Sul e, consequentemente, os aspectos de defesa e segurana aqui analisados, prope-se neste text

    a diviso da regio em cinco grandes pores que, mesmo sobrepostas, ajudam compreender as diferentes dinmicas regionais. Conforme o mapa 1, as poressub-regionais sugeridas so: Amaznia, Cone Sul, Andes, Brasil e Guianas.

    MAPA 1Pores regionais da Amrica do Sul

    Fonte: Medeiros Filho (2010).

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    O padro de relacionamento entre os Estados-membros das pores regionaispode ser resumido da seguinte forma.

    3.1.1 AmazniaEnvolve os pases pertencentes Organizao do Tratado de Cooperao Amaznic(OTCA). Geopoliticamente, destaca-se como potencial espao de articulao subcontinental, podendo vir a se constituir em um dos pivs da integrao sul-americanaMais que em qualquer outro lugar do subcontinente, na Amaznia onde aschamadasnovas ameaas mais se misturam noo dedefesa nacional , gerando umcomplexo de insegurana. A prpria geograa do lugar impe barreiras a processcooperativos mais ambiciosos. De uma forma geral, a regio ocupada por grand

    vazios demogrcos e por escassa presena dos Estados. A riqueza natural deporo, porm, constitui importante aspecto para a formao de uma identidaderegional na medida em que se compartilha, mutuamente, a percepo de cobiainternacional sobre os recursos naturais da Amaznia. Neste caso, a ameaa deixde ser o vizinho e passa a ser o interesse estratgico de grandes potncias exterio regio. Para ns da anlise deste texto, consideram-se pases amaznicos: BolvBrasil, Colmbia, Equador, Peru e Venezuela.

    3.1.2 Cone SulCorresponde aproximadamente ao espao regional em que teve origem o MercadComum do Sul (Mercosul) e marcado pelo relativo xito dos processos cooperativoonde h sinais de superao de uma geopoltica tradicional de orientaohobbesiana ,notadamente no que se refere relao entre seus pases-chave: Brasil-Argentine Argentina-Chile. A transformao ocorrida no padro de relacionamento deseus atores centrais aproxima a poro sub-regional do modelo de comunidadede segurana. Assim, medidas como a adoo de polticas de controle de armamentos e a realizao de exerccios militares conjuntos entre seus pases tm con

    tribudo para reduzir a percepo de rivalidade e ameaa mtua que dominava oambiente sub-regional. Isto no quer dizer, contudo, que a sub-regio esteja livrede conitos. Problemas recentes envolvendo comrcio internacional e uso de fonteenergticas tm levado a questionamentos a respeito da capacidade da sub-regide aprofundar seu processo de integrao. Fazem parte do Cone Sul: ArgentinaBrasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

    3.1.3 AndesEnvolve uma sub-regio com fraca tradio integracionista, em boa medida motivadpela permanncia de desconanas, como aquelas reveladas, nos ltimos anos, noseguintes pares de pases: Chile e Peru; Chile e Bolvia; Peru e Equador; EquadorColmbia; Colmbia e Venezuela. Para Hurrell (1998), se a relao entre os pase

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    do Cone Sul d sinais do surgimento de uma possvel comunidade de seguranao mesmo no pode ser dito em relao poro andina. Compem os Andes:Bolvia, Chile, Colmbia, Equador, Peru e Venezuela.

    3.1.4 Brasil A dimenso continental, a herana imperial e lusitana, a lngua portuguesa, oalto grau de miscigenao cultural, alm do relativo dinamismo industrial e daassimtrica produo interna, fazem do Brasil um pas com caractersticas prpriano subcontinente. Contribui para isto, tambm, o papel de destaque que o pastem desempenhado na geopoltica sul-americana, em parte pela prpria condiogeogrca, a qual lhe confere importncia estratgica para a integrao regiona

    alm do peso poltico que exerce nas decises do continente, o que lhe permiteagir com relativa liderana e capacidade de apresentar iniciativas cooperativacomo o CDS.

    3.1.5 GuianasEnvolve pases com pouca expresso no tema defesa e segurana regional. Algufatores contribuem para isto. Primeiro, o fato de estes pases terem permanecidocomo colnias at a segunda metade do sculo XX, sendo que a Guiana Francespermanece como territrio ultramarino francs. Segundo, a barreira natural que osseparam dos demais pases sul-americanos a maioria das fronteiras guianenses encontra em pores amaznicas. Terceiro, a forte barreira cultural, representadem primeiro lugar pelas diferentes lnguas ociais, que no encontram semelhanacom os demais pases da regio. Compem esta poro regional a Guiana, oSuriname e a Guiana Francesa.

    De uma forma geral, a irregularidade espacial do processo de integraoregional na Amrica do Sul aponta para nveis de estabilidade/instabilidade tambmespacialmente irregulares. Enquanto o Cone Sul apresenta considervel xito, apores Amaznia e Andes apresentam nveis de integrao bem mais modesto exatamente nestas pores, onde o processo de integrao mais escasso, quse localizam reas de potenciais conitos territoriais, entre as quais se destacamas fronteiras entre Chile, Peru e Bolvia a situao mediterrnea da Bolvia sconstitui hoje na maior ameaa latente de conito territorial no subcontinente ,as cercanias do lago Maracaibo (Colmbia-Venezuela) e a regio de Essequib(Venezuela-Guiana).

    Apesar de, em todas as pores analisadas, coexistirem simultaneamentemovimentos de integrao e de fragmentao, pode-se, de forma geral, dividira regio segundo dois grandes arcos: oda estabilidade e oda instabilidade .3

    3. Originalmente, essa ideia aparece em Saint-Pierre ([s.d.]).

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    Enquanto o primeiro corresponde faixa atlntica Mercosul estendido ,o segundo se refere poro onde persistem zonas potenciais de conitosarmados, notadamente Amaznia e Andes.

    MAPA 2Arcos daestabilidade e da instabilidade na Amrica do Sul

    Fonte: Medeiros Filho (2009).

    De forma simplicada, os nveis deintegrao geopoltica na Amrica do Sulparecem obedecer a uma linha de gradao crescente entre a vertenteatlntica maior nvel de integrao/estabilidade e a vertente pacca integrao compro-metida e instabilidade regional.

    Pode-se, do ponto de vista das perspectivas tericas utilizadas, situar a sub--regio Cone Sul em um padro intermedirio de integrao regional regime desegurana , a caminho de uma pretensacomunidade de segurana . As sub-regies Amaznia, Andes e Guianas, por sua vez, enquadrar-se-iam em um modelo menoavanado, mantendo traos de uma formao conitiva.

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    3.2 A geograa poltica sul-americana: estruturas de defesa

    3.2.1 Gastos militares na Amrica do Sul

    De acordo com dados do Stockholm International Peace Research Institute (Sipri),a Amrica do Sul continua sendo a regio com os menores gastos com defesa nmundo, representando em torno de 4% do total mundial em relao ao seuproduto interno bruto (PIB), no so mais que 2%, em mdia.

    Apesar da ideia propalada por alguns setores sociais e polticos nos ltimosanos de que estaria havendo uma corrida armamentista no subcontinente, observa-se nas duas ltimas dcadas uma tendncia reduo dos gastos mdios comdefesa na regio. Diversos fatores tm contribudo para esta tendncia. Entre os d

    carter sistmico, trs merecem destaque:i) m da Guerra Fria;ii) m de governosmilitares; eiii) forte conteno de gastos pblicos provocada pela implementaodas chamadas reformas neoliberais (Villa, 2008, p. 48-49). No caso especcodo Cone Sul, a diminuio dos gastos com defesa sugere uma relao direta como processo de transio democrtica, no qual o controle civil sobre as estruturamilitares envolvia no apenas a reduo dos oramentos militares, mas tambm enxugamento de suas atribuies polticas (Sotomayor, 2004).

    A tabela 1 apresenta a porcentagem mdia de gasto com defesa em relao

    ao PIB de cada pas da regio.TABELA 1Gastos com defesa na regio (1988-2008)(Em % do PIB)

    Pas 1988 2008 Gasto mdio

    Argentina 1,5 0,8 1,3

    Bolvia 1,7 1,5 2,1

    Brasil 2,1 1,5 1,7

    Chile 5,0 3,5 3,7Colmbia 2,4 3,7 3,1

    Equador 2,0 2,8 2,1

    Paraguai 1,3 0,8 1,2

    Peru 0,2 1,1 1,4

    Uruguai 2,6 1,3 2,0

    Venezuela 1,8 1,4 1,6

    Fonte: Stockholm International Peace Research Institute(Sipri). Disponvel em: .Elaborao do autor.

    Os dados revelam que a variao de gastos com defesa entre os pases daregio tem se comportado de forma distinta entre as pores regionais. Enquanto

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    Argentina, Chile e Uruguai apresentaram as maiores redues, os pases andinoscom destaque para Colmbia e Equador, registraram crescimentos expressivosconforme se observa no grco 1.

    GRFICO 1Gastos com defesa na regio (1988-2008)(Em % do PIB)

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    1988 1998 2008

    ArgentinaChile Colmbia Equador Uruguai

    Fonte: Sipri.Elaborao do autor.

    Em comparao s mdias mundiais, os gastos dos pases da regio somodestos. Apenas dois mantm gastos superiores a 3% do seu PIB: Colmbiae Chile. O primeiro pode ser explicado pelo estado de guerra interna vividonos ltimos anos, o que tem levado as Foras Armadas colombianas a seremempregadas em conitos de baixa intensidade (low intensity conicts ). O casodo Chile, em boa medida, explicado pela permanncia da Ley Reservada deCobre, que estabelece que 10% do valor das exportaes de cobre devem serdestinados s Foras Armadas.

    3.2.2 Papel das Foras Armadas na Amrica do SulCom relao misso das Foras Armadas, alm do emprego tradicional contr

    ataques militares clssicos, os militares tm sido empregados: no enfrentamentoa delitos transnacionais; em misses de paz da Organizao das Naes Unida(ONU); como instrumento de desenvolvimento nacional misses subsidirias;e no apoio segurana pblica em caso de carncia policial.

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    Dos temas anteriores, as novas ameaas especialmente a simbiose entrcrime organizado e aes terroristas so as que tm provocado mais impacto sobas reestruturaes doutrinrias e a destinao dos aparatos militares. A natureztransnacional destas ameaas complica a situao. Diante de tal realidade, resta aogovernos nacionais uma difcil escolha: ou investem em estruturas clssicas de defedestinando seus militares misso exclusiva de defesa externa, ou reestruturam seaparatos militares, adaptando-os para o emprego em misses de natureza policial

    Diante das diculdades oramentrias e do carter episdico de difcil pre-viso das novas ameaas, torna-se impraticvel pensar na criao de agnciespeccas para o tratamento desses ilcitos. Assim, os governos tm, de formcada vez mais recorrente, envolvido os militares em misses de segurana pblic

    O envolvimento das Foras Armadas em misses internas, porm, bastante controverso. Os argumentos contrrios so diversos, variando desde oreceio de contaminao do instrumento militar pelo crime organizado, passandopelo risco de ampliao da autonomia militar, at o perigo de se estar obedecendoa uma suposta cartilha norte-americana, que pregaria a transformao dos exrcitolatino-americanos em gendarmarias na luta contra o narcoterrorismo.

    A compreenso do quadro que caracteriza a geograa poltica sul-americanasugere uma anlise do processo histrico que envolve as relaes geopolticas nregio, assunto discutido na seo seguinte.

    4 GEOPOLTICA SUL-AMERICANA: UM BREVE PERCURSOSero analisados nesta seo alguns aspectos geopolticos que envolvem a relaentre os pases sul-americanos e o processo de aproximao entre dois atores centrais na regio: Argentina e Brasil. De forma geral, o percurso pode ser divididem quatro fases:i) conteno dcada de 1970;ii) inexo incio da dcada de1980;iii) cooperao acentuada na dcada de 1990; eiv) mais institucionalizao dcada passada.

    Pode-se dizer que, at a dcada de 1970, as relaes entre Estados na Amricdo Sul ocorriam sob o pano de fundo de uma geopoltica de conteno, caracterizadpela desconana mtua entre vizinhos vistos como ameaas latentes e inimigoem potencial e pela percepo de fronteiras enquanto instrumentos de separao (Medeiros Filho, 2005). Este clima de desconana mtua contribuiu para odistanciamento entre os pases sul-americanos, representado pelo baixo volumde comrcio intrarregional e, consequentemente, a escassa integrao regional.

    A relao entre pases-chave, como Brasil e Argentina, era dominada pelapercepo de vizinho-ameaa. Podia-se ver, em todos os gestos do vizinhointenes pouco amistosas ou conveis. Analisando-se textos de geopoltic

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    produzidos no Brasil e na Argentina, percebe-se que eles eram marcados por posturagressivas/defensivas de ambas as partes (Miyamoto, 1999, p. 4). EmGeopolticado Brasil , por exemplo, o general Golbery do Couto e Silva defendia a tese de queo Brasil, em relao ao seu permetro continental, e fronteira com a Argentinaem particular, deveria adotar uma geoestratgia de conteno, em grande partepreventiva (Silva, 1981, p. 171).

    O perodo entre o m da dcada de 1970 e o incio dos anos 1980 registrouuma srie de eventos que acabaram por constituir um ponto de inexo nas relaegeopolticas sul-americanas. Alguns destes esto relacionados a iniciativas coopetivas elaboradas pelo Brasil, ator central na regio, na tentativa de desconstruir oimaginrio oriundo da geopoltica de conteno (Villa, 2006). Entre estes eventospodem ser citados: a criao do Tratado de Cooperao Amaznica, em 1978;a assinatura do acordo junto Argentina e ao Paraguai pondo m ao impasse queenvolvia a questo de Itaipu-Corpus marco histrico da parceria estratgica qud incio ao Mercosul; alm do comportamento do Brasil durante a Guerra dasMalvinas, no incio dos anos 1980, fundamental para diluir o dilema de seguranaargentino-brasileiro (Russell e Tokatlian, 2003).

    A parceria Brasil-Argentina se aprofunda com a assinatura daDeclaraodo Iguau,tratando de temas nucleares (entre outros), em 1985, e do Tratado de

    Assuno, criando o Mercosul, em 1991. A partir do incio dos anos 1990, j com a presena de governos civis eleito

    diretamente em toda a regio, as tratativas de cooperao regional ganham novoimpulsos, alterando, em alguma medida, a percepo mtua entre os vizinhos.O argumento de que a democracia possa gerar a paz controverso. O argumentoinverso, porm, de que a paz estabilidade geopoltica possa ser um fator importante para a manuteno da democracia na regio parece plausvel.4 Algumasmedidas tomadas pelos governos democrticos tm contribudo para possibilitar

    um clima de paz na regio, incluindo-se o controle civil do aparelho militarpor meio dos ministrios de defesa e a publicao de livros brancos.Contudo, mesmo aps o fim da Guerra Fria, no havia entre os pases

    sul-americanos propostas de poltica de segurana para o subcontinente. Estevcuo de iniciativas contribua para que persistisse na regio a ideia de umaarquitetura hemisfrica a partir de iniciativas norte-americanas (Villa, 2007, p. 22) Ao longo da dcada de 1990, as experincias de integrao regional se restringiamquase que exclusivamente a aspectos econmicos, tendo como carro-chefe a

    ampliao do comrcio regional. Isto no impedia que os temas de defesa e segurana4. No mbito do Mercosul, merece destaque a chamada clusula democrtica, institucionalizada pelo ProtocoloUshuaia sobre o Compromisso Democrtico no Mercosul, em 1998, que considera a plena vigncia das instituidemocrticas condio essencial para o desenvolvimento dos processos de integrao entre os Estados-membros do b

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    fossem pensados e discutidos pelos militares da regio; porm, os acordos assinadtinham carter basicamente bilateral.

    O incio do sculo XXI, porm, registra uma srie de acontecimentos queparecem indicar a direo de uma arquitetura poltico-estratgica e acabampor desaguar na proposta de institucionalizao de um arranjo propriamentesul-americano, representado pelo CDS. Tal postura parece romper com uma longatradio pan-americana, revestindo-se de um interessante ineditismo geopolticona Amrica do Sul.

    Nas subsees seguintes, sero apresentadas as principais discusses ocorrida respeito de uma arquitetura exclusivamente regional para o tratamento de temasde defesa e segurana.

    4.1 Agendas para a integrao regional de defesaPropostas de uma arquitetura de defesa em escala subcontinental de carterautctone comearam a aparecer a partir dos anos 1990, em um contexto marcadopelo m da Guerra Fria e o incio de um novo perodo unipolar. Elas tm origem,portanto, em um contraponto regional ao projeto de globalizao liderado pelosEstados Unidos. Estas propostas, entretanto, obedeceram a interesses e preferncianem sempre consensuais. Para ns de anlise, podem-se identicar trs diferenteagendas de integrao regional:i) amercosulina ; ii) abolivariana ; eiii) abrasileira .

    4.1.1 Agenda mercosulinaDenomina-se aqui de agendamercosulina as propostas de construo de um organismosul-americano, sob uma perspectiva liberal, como parte da ampliao natural dintegrao regional a partir do Mercosul. A nalidade da integrao regional sobesta perspectiva est geralmente relacionada ampliao do grau de integraregional, atingindo a esfera poltica. Neste caso, o objetivo de uma arquitetura de

    defesa estaria relacionado necessidade de estabilidade regional, entendida comprecondio para a manuteno dos regimes democrticos na regio. Para tanto,a adoo de polticas pblicas transparentes de defesa e segurana, sob o controlcivil, passa a ser uma meta central.

    4.1.2 Agenda bolivarianaEsta agenda resgata a necessidade de se fazer frente a ameaas externas podhegemnico, potncias extrarregionais que podem pr em xeque a capacidadeautnoma dos pases do subcontinente, retomando o pensamento de SimonBolvar. De carter nitidamente ideolgico para o qual o socialismo do sculo XXI idealizado por Hugo Chvez a sua melhor expresso , ela se caracterizpor mesclar tendncias socialistas, populistas e nacionalistas. Sua retrica

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    notadamente antiamericanista, sendo os Estados Unidos citados entre as principaiameaas externas regio. Em termos de propostas, a agenda bolivariana contempa possibilidade de uma integrao militar sul-americana, sugerindo, inclusivea criao de um organismo militar regional, com estratgia prpria.5

    4.1.3 Agenda brasileiraTradicionalmente, a postura brasileira era contrria ao surgimento de qualquerarquitetura de defesa sub-regional. Os primeiros sinais favorveis ao desenvolvimeto de um sistema de defesa sul-americano comearam a vir tona com a criado Ministrio da Defesa, em 1999, quando o ento ministro Geraldo Quintodefendeu uma estratgia regional sul-americana, capaz de promover no a forma

    de alianas militares no sentido clssico, mas o dilogo sobre polticas de defesna regio (Martins Filho, 2006, p. 21). Estes sinais se tornaram mais explcitosna gesto do ministro Jos Viegas Filho (2003-2004), que se mostrava favorveao avano da cooperao militar na Amrica do Sul, especialmente por meio daintegrao das indstrias de defesa.6 Foi, porm, na gesto do ministro Nelson Jobim (2007-2011) que se consolidou a proposta, por ele encampada, em relao criao do CDS. Tal postura tem conferido ao pas lugar de destaque na geopo-ltica regional, sugerindo uma agenda brasileira de defesa para a Amrica do Su

    4.2 O CDS: origem e consolidao A primeira reunio presidencial a tratar do projeto de uma arquitetura regionalde defesa contou com a participao de trs presidentes, cada um representandouma das agendas aqui consideradas.

    A proposta para a criao do CDS foi apresentada durante encontro entreos ento presidentes Lula, Hugo Chvez e Nstor Kirchner, realizado em 19 de janeiro de 2006, na Granja do Torto, em Braslia. Segundo o presidente brasileiroo objetivo da proposta seria a promoo do desenvolvimento tecnolgico regionano setor de defesa, alm de um carter mais institucional s reunies peridicados ministros de Defesa da Amrica do Sul. Na ocasio, a opinio do presidentevenezuelano, entretanto, era a de que o projeto seria uma espcie de Otan doSul, com clara tendncia antiamericana.

    Passados alguns meses aps os debates iniciais, a proposta parecia condenadao engavetamento. O tema foi retomado, porm, em outubro de 2007, quandoNelson Jobim assumiu o cargo de ministro da Defesa. Jobim resolveu percorrer, partir do incio de 2008, todos os pases vizinhos, em uma misso que ele mesmo

    5. Em 4 de julho de 2006, aps a reunio de presidentes do Mercosul, que aprovaram a entrada da Venezuela no bloo presidente venezuelano Hugo Chvez declarou que o Mercosul deber tener algn da una organizacin de defensaconjunta, una estrategia propia para proteger la soberana de sus pases (Elias, 2006).6. Ver Viegas Filho (2003).

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    36 O Brasil e a Segurana no seu Entorno Estratgico

    intitulou dediplomacia militar . Dois objetivos principais eram apresentados em seusdiscursos: a construo de uma identidade regional de defesa; e a criao de umindstria blica sul-americana. No primeiro semestre de 2008, dois acontecimentoderam relevncia discusso do tema: o conito envolvendo Colmbia, Equadoe Venezuela; e a reativao da Quarta Frota norte-americana. Tais acontecimentoimpulsionaram o debate e promoveram uma rodada de negociaes entre autoridadede defesa dos pases da regio. Finalmente, em 16 de dezembro de 2008, durantea reunio extraordinria de chefes de Estado da Unio de Naes Sul-Americana(Unasul), realizada em Costa do Saupe (Bahia, Brasil), o CDS foi criado comouma instncia de consulta, cooperao e coordenao em matria de defesa.

    4.3 Segurana coletiva ou segurana cooperativa: qual a vocao do Conselhode Defesa Sul-Americano?

    Cabe uma ltima discusso a respeito da arquitetura de defesa regional em gestana Amrica do Sul. Qual deve ser sua vocao? A formao de blocos regionade defesa sugere dois tipos que, de certa forma, esto na base do que Deutsch(1982, p. 269) chama de comunidade de segurana pluralstica e comunidade desegurana amalgamada: um constructo de segurana cooperativa e de segurancoletiva, respectivamente. Enquanto a primeira visa manuteno da paz entre opases-membros, a segunda sugere, para alm da segurana cooperativa, a formade uma comunidade poltica, com identidade funcional comum e a gerao depoder, cujo objetivo principal seria a legtima defesa contra um inimigo comum

    A denio do modelo que se pretende para o arranjo de defesa regional cooperativo ou coletivo mostra-se de grande importncia, pois desta denioque derivam os mecanismos a serem empregados.

    Se o modelo adotado for o dasegurana cooperativa , os mecanismos decooperao esperados devem se restringir construo de conana entre Estadoobjetivando um ambiente regional marcado pela paz e estabilidade. Em termosprticos, os mecanismos de confiana mtua podem ser representados poratitudes como: noticao de manobras militares, troca de informaes sobregastos com defesa, intercmbio entre estabelecimentos de formao militar etcUma estratgia adequada para este m pode vir a ser o desarmamento mtuo daspartes, como sugeriu o ento presidente peruano Alan Garca.7

    Se o modelo for o desegurana coletiva , entretanto, visto que, neste caso,a regio deve ser entendida como uma comunidade poltica, a estratgia a seradotada sugere maior grau de integrao, apontando inclusive para elementos de

    7. O ento presidente peruano Alan Garca props a assinatura de um protocolo dePaz, segurana e cooperao entre ospases sul-americanos. Segundo o que foi noticiado, Garcia fez um clculo de que se reduzissem em 3% os gastos j existem na Amrica do Sul em armamento nos prximos cinco anos e em 15% os gastos em novas armas, permliberar recursos para que 10 milhes de sul-americanos saiam da pobreza (Vaz, 2009).

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    37Breve Panorama de Segurana na Amrica do Sul

    supranacionalidade. A prpria noo de ameaa comum como princpio fundantedos interesses compartilhados constituiria o elemento motivacional da formao didentidade regional. Nos moldes aqui expostos, a adoo do modelo de segurancoletiva provocaria uma alterao radical na forma como a concepo estratgicde dissuaso tem sido empregada: se, tradicionalmente, ela tem sido aplicada emtermos regionais, com foco no entorno de cada pas, o modelo de segurana coletivsugere pens-la em termos extrarregionais. Em um cenrio hipottico de plenaintegrao poltica da Amrica do Sul, portanto, a importncia dada dissuasode mbito estritamente regional cederia lugar, paulatinamente, necessidade poruma dissuaso de amplitude extrarregional (Nascimento, 2008, p. 7).

    Diferentemente do modelo mais modesto de segurana cooperativa, que sugereinclusive o desarmamento como soluo para a segurana, a noo de segurancoletiva tende a apontar em sentido contrrio, em que a ideia de fortalecimentodos mecanismos de defesa reestruturao das Foras Armadas, revitalizao odesenvolvimento de uma indstria blica regional etc. tende a ser invocada.

    5 SEGURANA REGIONAL SUL-AMERICANA: DESAFIOS INTEGRAOPassada a euforia sobre o sucesso do processo de cooperao regional observado dcada de 1990, constatam-se alguns bices limitadores do avano da integrao

    regional, nos campos da defesa e segurana, na Amrica do Sul.1) Um primeiro aspecto, decorrente em boa medida da geopoltica de

    conteno que predominou at a dcada de 1980, diz respeito fr gilinfraestrutura fsica de circulao e escassa complementaridadeeconmica entre os pases sul-americanos. De fato, diferentementedo processo que ocorreu na poro norte do continente americano Estados Unidos e Canad , na Amrica do Sul, os pases se desenvolve-ram de costas uns para os outros. Um exemplo disto a diculdade de

    integrao ferroviria no Mercosul em virtude da diversidade de bitolasusadas entre os pases do bloco, herana de um cenrio geopoltico emque os vizinhos se enxergavam mutuamente como ameaas e adotavambitolas ociais prprias com o objetivo de retardar uma eventual invasomilitar (Camargo, 1999). Esta fragilidade regional afeta, em primeirolugar, o avano da cooperao econmica. Eis a questo a ser respondida: possvel avanar no campo da integrao poltica quando os nveis decooperao econmica so ainda claudicantes?

    2) Um segundo bice decorre da fragilidade da agenda democrtica nocontinente. A principal limitao parece recair sobre as condiespolticas em que se desenvolvem as democracias regionais. O baixo grauda continuidade e institucionalizao das chamadas regras do jogo em

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    vrios pases da regio impossibilita um mnimo de congruncia entrea racionalidade formal e a prtica efetiva da democracia (Villa, 2006).Sem estabilidade democrtica no h conana poltica; sem esta, dicil-mente os arranjos regionais avanaro para alm de acordos entre governos

    3) Um terceiro bice diz respeito fragilidade das instituies regio-nais e ausncia de instituies supranacionais. A diculdade em seavanar em arranjos supranacionais parece estar relacionada ao receio dosprprios Estados-membros de que a adoo de instituies regionaisfortes implique cesso de soberania e, em ltima instncia, cesso departe de suas liberdades e de seu poder de deciso. Como consequncia,os acordos entre os pases da regio exigem, necessariamente, o consensoo que acaba por gerar paralisia quando da necessidade de discusso detemas mais complexos, como geralmente so os de defesa e segurana.

    4) O quarto e, talvez, o mais relevante dos bices, diz respeito manutenona regio de um considervel estoque de desconana mtua. Apesar docenrio de ausncia de guerras clssicas, e em que pesem as mudanasocorridas a partir do processo de democratizao iniciado nos anos 1980,persistem na regio velhas desconanas envolvendo questes com poten-cial de se desdobrar em conito armado. Trs aspectos podem ser aponta-

    dos. O primeiro se refere a questes territoriais ainda no resolvidas, sendoa mais importante a da sada boliviana para o mar. O segundo aspecto,no obstante o esmaecimento do pan-americanismo na regio, refere-se forte inuncia dos Estados Unidos, gerando um quadro de amor edio no qual as ideologias nacionais se fundam. Atualmente, este aspectorepresenta a maior ameaa de uma possvel fragmentao regional.O ltimo aspecto se relaciona s supostas posturas imperialistas de seuprincipal lder. Acontecimentos recentes envolvendo o Brasil e pases daregio (Bolvia, Equador e Paraguai) apontam neste sentido e mostramque as elites destes pases continuam muito sensveis a discursos e imagendo passado sobre as intenes expansionistas do Brasil (Villa, 2006).

    O fato de o CDS ter tido como principal propagador um poltico brasileirocontribuiu para que se levantassem suspeitas sobre a possibilidade de o Conselhreetir um projeto estratgico brasileiro de liderana do subcontinente. Nessesentido, o CDS poderia ser entendido como uma espcie de plataforma para aexportao dos planos militares do Brasil. Sendo assim, a proposta apenas reetira estratgia de sul-americanizao do Brasil, segundo a qual o pas tenderia maximizar seus ganhos, ampliando suas relaes com a Amrica do Sul. Sob taperspectiva, a construo de uma comunidade sul-americana para o Brasil poderiser no um m em si mesma, mas um meio para a sua projeo.

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    39Breve Panorama de Segurana na Amrica do Sul

    Alm das questes geopolticas clssicas, contribuem para a manuteno dessestoque de desconana um conjunto de problemas que possui origens difusas e podestar relacionado s vulnerabilidades sociais e fraqueza institucional dos Estadda regio, somados proliferao de grupos criminosos de natureza transnaciona

    6 CONCLUSO A geografia poltica sul-americana possui dinmicas muito particulares queenvolvem, concomitantemente:i ) elementos de conito e cooperao;ii ) ausnciade guerras; eiii ) elevados ndices de violncia social. Tais condies, porm, nose espalham de forma homognea no espao sul-americano. Algumas reas smarcadas pela instabilidade regional, no s no que diz respeito s antigas desconanas territoriais, mas tambm a fortes vulnerabilidades sociais que colocam emrisco a prpria manuteno do estado de direito, como o caso nos pases andinosOutras pores do subcontinente tm apresentado transformaes radicais nas suarelaes externas e se conguram como candidatas formao de uma comunidadde segurana pluralstica, como o caso dos pases do Cone Sul.

    Um dado interessante o diferente comportamento observado entre aspores regionais do subcontinente no que diz respeito porcentagem de gastoscom defesa em relao ao PIB ao longo das ltimas duas dcadas (tabela 1)

    Enquanto a porcentagem dos pases que compem o Cone Sul manteve umatendncia decrescente, a porcentagem entre os pases que compem a Amaznie os Andes manteve tendncia crescente ao longo do perodo considerado. Estadiferenas tm relao com as caractersticas geopolticas predominantes nestapores. Na primeira Cone Sul , a regio vive um cenrio de relativa estabilidade poltica e aproximao estratgica entre seus atores centrais: Brasil-Argentie Argentina-Chile. As demais Andes e Amaznia constituem o chamado arcda instabilidade, onde coexistem ameaas tradicionais e novas. A combinaentre a permanncia de antigas tenses geopolticas, a inuncia norte-americannaquela rea, a necessidade de superar o obsoleto estoque de material blico e anovas percepes de ameaas tm contribudo para a ampliao da desconande alguns daqueles pases. Sob tais condies, o avano no processo de integratorna-se menos provvel.

    Independentemente de como se possa classic-la, deve-se destacar o fatode que a Amrica do Sul hoje uma regio que, no obstante a permanncia depotencial conitivo, possui um conjunto de caractersticas que a qualica comouma das regies mais estveis do mundo: apresenta gastos com defesa relativamente muito baixos; uma regio livre de armas qumicas e nucleares; e noregistra guerras convencionais em seu territrio h quase um sculo. A discusssobre quais seriam os fatores determinantes de tal situao parece controversa

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    H quem defenda explicaes de ordem material: periferia regional e presendo poder hegemnico norte-americano; baixa capacidade de poder militar dospases da regio; e prioridade dada ao inimigo interno. Outros autores apostamem elementos ideacionais, como a possibilidade de se pensar a regio como umsociedade de Estados, em que determinadas normas seriam compartilhadas emnome de objetivos comuns a todos os pases da regio. Aparentemente, a melhoexplicao no deve ser buscada em um fator determinante, mas em uma engenhoscombinao de fatores que tem proporcionado regio a relativa paz.

    Do ponto de vista das relaes internacionais, resta questionar se os aspectosanalisados anteriormente apontam para a consolidao de uma comunidade desegurana na Amrica do Sul ou se este constructo regional no passa de mais umiluso cartogrca.

    REFERNCIAS

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    CAPTULO 2

    ENTRE A SEGURANA DEMOCRTICA E A DEFESA INTEGRUMA ANLISE DE DUAS DOUTRINAS MILITARES NO CANTONOROESTE DO SUBCONTINENTE SUL-AMERICANO

    Adriana A. Marques*Oscar Medeiros Filho**

    Entre as polticas de defesa que esto sendo implementadas nos pases sul-amercanos nos ltimos anos, duas em particular vm chamando a ateno de analistapor conta dos diferentes projetos polticos que representam: aPoltica de Defesa eSegurana Democrtica da Colmbia e a doutrina de Defesa Integral da Nao, ado-tada recentemente pela Venezuela. Este captulo analisar os casos colombiano venezuelano de forma comparada, buscando identicar algumas percepes sobri) relaes internacionais;ii) entorno regional;iii) concepes de segurana e defesa;iv) postura estratgica;v) relaes entre civis e militares; evi) congurao das

    Foras Armadas. A identicao destas percepes nos permitir apreender alguelementos das culturas estratgicas venezuelana e colombiana.

    1 CULTURA ESTRATGICAUtilizado pela primeira vez no nal dos anos 1970 para analisar a doutrinasovitica de guerra nuclear limitada, o termocultura estratgica,cunhado por JackSnyder, vem, ao longo das ltimas dcadas, ganhando visibilidade na comunidadacadmica. Snyder usou o termo para se referir a um conjunto de atitudes e crena

    que guiam e circunscrevem o pensamento sobre questes estratgicas, inuenciama maneira como estas so formuladas e articulam o vocabulrio e os parmetroperceptuais do debate estratgico (Marques, 2009).

    Dos primeiros trabalhos, produzidos durante a Guerra Fria e centrados napossibilidade de utilizao de armamentos nucleares pelas grandes potnciass anlises mais recentes, que discutem a pertinncia de se ampliar a agenda dpesquisa sobre cultura estratgica, incorporando o estudo de grupos armados no

    * Mestre em cincia poltica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutora em cincia polticUniversidade de So Paulo (USP). Atualmente professora e pesquisadora do Programa de Ps-graduao em CiMilitares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito (ECEME).** Ocial do Exrcito Brasileiro. Mestre em geograa humana e doutor em cincia poltica pela USP. profespesquisador do Programa de Ps-graduao em Cincias Militares da ECEME.

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    45Entre a Segurana Democrtica e a Defesa Integral: uma anlise de duas doutrinasmilitares no canto noroeste do subcontinente sul-americano

    O cenrio resultante do nal da Guerra Fria colocou em xeque o mo-delo analtico tradicional baseado na ideia de segurana-sensao e defesa-ao.Em um contexto marcado pela indenio e transnacionalizao das ameaas, epela diculdade em se separar questes internas de externas, percebe-se, atualmentuma tendncia ao uso funcional dos termos defesa e segurana: a separao entrameaas de carter militar (questes de defesa) e de carter policial (questes dsegurana), conforme o esquema a seguir:

    QUADRO 1Uso dos termos defesa e segurana

    Termo Origem ou natureza Agentes Ambiente

    Defesa Conito ou guerra Foras militares Externo

    Segurana Desordem ou delito Foras policiais Interno

    Fonte: Medeiros Filho (2010, p. 44).

    Os termos adotados no quadro 1 remetem s ideias dedefesa nacional (queenvolvem preponderantemente aes das Foras Armadas) esegurana pblica (campode ao das foras policiais). Assim, enquanto o termodefesa empregado para sereferir s atividades das Foras Armadas na garantia da independncia, soberaniaintegridade territorial de um pas, o termosegurana refere-se ao mbito de atuao

    dos aparatos policiais no combate a ilcitos e crimes de toda ordem.Tais denies apresentam, porm, algumas limitaes. A linha que separa

    questes de segurana interna e externa torna-se cada vez mais imprecisa, edistino entre misses de carter policial (combate ao crime) e militar (conduda guerra) torna-se cada vez mais complicada. At que ponto possvel estabeleca diferena entre ameaas de natureza militar e policial? O combate a gruposarmados no estatais que protegem laboratrios de reno de cocana no interior d Amaznia por soldados do Exrcito, por exemplo, constitui uma ao na esfera

    da defesa nacional ou da segurana pblica?Neste sentido, pode-se entender defesa como combate em guerra e seguran-

    a como combate ao crime. A guerra seria, ento, a violncia promovida pelaunidades polticas entre si, enquanto o crime seria o produto de uma desordemsocial: A violncia s guerra quando exercida em nome de uma unidade poltic(...) a violncia empregada pelo estado para executar criminosos e eliminar piratano se qualica como tal, porque tem por alvo indivduos (Bull, 2002, p. 211).

    2.2 Por um conceito de segurana multidimensionalNo nal do sculo XX, um conjunto de novas ameaas, no necessariamentemilitares, com capacidade de cruzar fronteiras e potencial para colocar em risca integridade poltica e social das sociedades, comea a ganhar destaque. Por se

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    carter plurissetorial e transnacional, estas novas ameaas passaram a representsrios desaos segurana dos Estados. Em 1994, a Organizao das NaeUnidas (ONU) apresentou uma proposta de mudana no conceito de segurana,transferindo o foco, tradicionalmente centrado nos Estados, para os indivduos.De um conceito de carter exclusivamente territorial, baseado em armamentos,procurou-se transitar para um conceito mais voltado para a segurana da populaobaseado no desenvolvimento humano (PNUD, 1994, p. 28).

    Considerando a ideia de ampliao (broadening ) e de aprofundamento(deepening ) do conceito de segurana (Krause e Williams, 1996, p. 230), estetrabalho sugere um esquema terico que prope a subdiviso da ampliao doconceito de segurana segundo dois eixos: vertical e horizontal. O eixo vertical drespeito ideia de segurana segundo nveis de anlise:

    nvel individual (segurana humana a referncia a pessoa); nvel estatal (segurana nacional a referncia o Estado-Nao); e nvel transnacional (segurana internacional a referncia transpe fronteiras)O eixo horizontal segue a proposta de Barry Buzan (1991), segundo a qual

    a segurana, no ps-Guerra Fria, deixa de ser monopolizada pelo setor poltico-militar (viso tradicional e estreita centrada no Estado) e passa a abarcar outrosetores como o ambiental, o societal, o econmico etc.

    FIGURA 1Esquema de ampliao do conceito de segurana

    Segurana internacional

    Segurana societal

    Segurana econmica

    Segurana ambiental

    Segurana energtica

    Segurana humana

    Segurana nacional

    Segurana militar

    Segurana poltica

    Elaborao dos autores.

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    47Entre a Segurana Democrtica e a Defesa Integral: uma anlise de duas doutrinasmilitares no canto noroeste do subcontinente sul-americano

    Este captulo buscar, adiante, situar no grco a situao das polticas dedefesa e de segurana dos pases aqui estudados.

    3 CULTURA ESTRATGICA: OS CASOS COLOMBIANO E VENEZUELANOSero apresentados a seguir alguns tpicos acerca das preocupaes de defesasegurana relativos ao canto noroeste do subcontinente, notadamente Colmbiae Venezuela, que inuenciam a cultura estratgica destes pases e por ela soinuenciados.

    3.1 ColmbiaO envolvimento da Colmbia em conitos internos h mais de quatro dcadasgerou uma particularidade em sua orientao estratgica que a torna diferente dademais na regio: se, como as demais polticas de defesa sul-americanas, a poltide defesa colombiana defensiva no plano externo, em relao s suas ameaainternas, ela ofensiva.

    Especialmente a partir de 2001, com a ajuda nanceira norte-americana parao combate ao narcotrco (Plano Colmbia), iniciou-se uma reestruturao dosaparatos militares para o emprego em misses internas. Durante os anos de 2002a 2006, o governo colombiano ps em prtica aPoltica de Defesa e SeguranaDemocrtica. Entre os principais objetivos estratgicos desta poltica destacaram-se:a consolidao do controle territorial; o combate s atividades do narcotrcoe a diminuio dos ndices de criminalidade nos centros urbanos (Colombia,2007). Neste documento, a maior preocupao o combate aos grupos armadosilegais, caracterizados pela simbiose entre as organizaes guerrilheiras (tambchamadas de terroristas) e os narcotracantes. Esta ameaa tem-se denominadonarcoguerrilha ounarcoterrorismo. No perodo entre 2006 e 2010, a poltica dedefesa passou a ser denominadaPoltica de Consolidao da Segurana Democrtica .Em termos substanciais no houve alterao. O foco continuou sendo a inse-gurana interna. As ameaas territoriais (convencionais) no apareciam entre aprincipais preocupaes colombianas.

    Entretanto, o incidente envolvendo o ataque colombiano contra guerrilheirosdas Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC) em territrio equatorianoem maro de 2008, e os discursos belicistas do governo venezuelano parecem tealterado o quadro de percepes de ameaas na Colmbia.

    Em 2011, o governo do presidente Juan Manuel Santos apresentou uma nova

    poltica de defesa e segurana, intituladaPoltica Integral de Segurana e Defesa para a Prosperidade (PISDP), que dene uma srie de objetivos e estratgias parao enfrentamento das ameaas segurana nacional e para a consolidao da pazSegundo o documento, para o governo nacional, consolidar a paz signica garant

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    a prevalncia do Estado de Direito, a segurana, a plena observncia dos direitohumanos e o funcionamento ecaz da justia em todo o territrio nacional(Colombia, 2011, p. 11, traduo nossa). Em uma primeira anlise, esta polticarepresenta uma continuao e atualizao de polticas anteriores, tais como aPolticade Segurana Democrtica(2002-2006) e aPoltica de Consolidao da SeguranaDemocrtica (2006-2010). Mas percebe-se neste novo documento uma preocupaomaior com o ambiente internacional, que passa a ser considerado um dos quatrofatores de risco principais, alm dos grupos armados margem da lei (GAML), dodelitos contra cidados e dos desastres naturais. Estes quatro fatores de risco sapresentados obedecendo a uma sequncia de ampliao da escala de abrangncidos atores envolvidos no enfrentamento destas ameaas. Assim, de acordo com

    o documento, o setor de defesa exerce papel de protagonismo no enfrentamentodas ameaas que pem em risco a segurana e a consolidao da paz. Entretanto, medida que as ameaas se aproximam dos cidados, so necessrias aes integradenvolvendo outras instituies do Estado e a comunidade (Colombia, 2011,p. 21). Esta ideia aparece representada na gura 2.

    FIGURA 2Ameaas e atores envolvidos

    Plano EstratgicoSetorial

    Executivo

    Judicirio

    Legislativo

    Organizao de Controle

    Outros

    Ministrio Defesa NacionalForas Armadas

    Governo (nacional e regional)

    Ministrio Interior e JustiaMinistrio Relaes InternacionaisMinistrio FazendaDep. Nac. Planejamento Delitos contra

    os cidados

    Ameaas porcatstrofes

    Ameaas de grupos armados margem da lei

    Fonte: Colombia (2011, p. 22).Adaptao dos autores.

    Para neutralizar quaisquer ameaas provenientes desses quatro fatores de riscoa PISDP dene seis objetivos estratgicos, conforme esquema a seguir:

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    hemisfrico, bem como a implementao de programas de cibersegurana e ciberdefesa (Colombia, 2011. p. 36).

    3.1.1 O modelo de fora adotado A recuperao do controle do Estado sobre grande parte do territrio nacionaltem sido o foco principal da poltica de defesa implantada nos ltimos anos naColmbia. Para tal, priorizou-se o fortalecimento da chamada Fora Pblica (ForaMilitares e Polcia Nacional).1 Com apoio nanceiro e tecnolgico dos EstadosUnidos e com o aumento expressivo dos gastos com defesa a porcentagem doproduto interno bruto (PIB) gasto com defesa passou de 2%, no nal dos anos1980, para 4% nos ltimos anos , a Colmbia aumentou consideravelmente o

    nmero de unidades militares e policiais. S entre os anos de 2002 e 2006, esteaumento chegou a 32%. Em nmero de militares, o Exrcito Col