Livro comunicacao Interpessoal

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    Comunicao InterpessoalPragmtica das Relaes Humanas

    B. Aubrey Fisher & Katherine Adams

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    PREFCIOTraduo de:Jos FarinhaEsta a Segunda edio de Comunicao Interpessoal: Pragmtica das RelaesHumanas. Eu enfrentei a tarefa de rever este texto com uma mistura de sentimentos.Escrever um livro sobre este assunto com Aubrey Fisher, meu mentor e amigo foi umdos meus sonhos. Que estudante recm-formado no sonhou j com a possibilidade deum dia vir a trabalhar com o seu mentor? Mal eu sabia que os sonhos podem tornar-serealidades, mas nem sempre da maneira como foram sonhados. Aub1 faleceu sbita einesperadamente em 1986, mesmo antes da publicao da primeira edio deste livro.Por isso, eu acabei por escrever o meu texto de comunicao interpessoal mas, semAub. Mas, nem por isso a sua presena deixou de ser sentida durante todo o processodesta reviso. Eu imaginava-o muitas vezes comigo ali no meu buraco, discutindoalteraes no texto e argumentando a esse respeito. Para mim foi ao mesmo tempoexcitante e assustador por em causa algumas das suas ideias. De alguma forma, muito lno fundo, eu sei que ele provavelmente no concordaria com tudo o que eu fiz, masapesar disso, ficaria contente por eu o ter feito.

    O aspecto mais difcil desta reviso no teve concretamente a ver com areorganizao, actualizao, adio ou deleo de material. A tarefa mais difcil foi fundiras nossas duas vozes. Eu escolhi o pronome ns para me referir unicamente aosautores por razes de continuidade. Eu decidi igualmente manter a maior parte dosexemplos pessoais do Aub. A primeira edio deste texto era o manual mais pessoal doAub e, por isso, eu senti que omitir esses exemplos nesta reviso seria uma mudanademasiado radical. Assim, todos os exemplos pessoais no texto so apresentados comosendo do Aub ou da Kathy. Fundir os nossos dois estilos de pensamento e escrita no foifcil, mas penso que os leitores compreendero a razo de isso ter sido feito e quebeneficiaro das diferentes vozes presentes no texto.

    O TEMA PRINCIPAL DO LIVROExistem nossa volta muitos sinais de que a sociedade americana contempornea umasociedade relacionalmente doente. As relaes interpessoais esto cambaleantes. Astaxas de divrcio elevadas. Processos judiciais para obteno de penso de alimentosso bastante comuns. A letra de uma cano de msica country pergunta J ningumquer mais viver com outra pessoa? Podemos comprar um sofisticado computador pormenos de 20 dlares e que nos cabe na palma da mo. Podemos montar uma antenaparablica no quintal e ver no seu televisor programas emitidos por um satlite queorbita milhares de quilmetros acima da superfcie da terra. As pessoas vivem numagloriosa sociedade high-tech. Mas o ltimo grito em termos de rela~o humana

    1 N.T. Aub um diminutivo para Aubrey Fisher.

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    aquela que se rompe aps um breve perodo de tempo e que demasiadas vezesmarcada por violncia.

    Este livro sobre literacia literacia relacional. Por outras palavras, sobre as

    competncias bsicas da comunicao interpessoal. acerca do que as pessoas narealidade fazem quando comunicam umas com as outras em interaces face a face apragmtica das relaes humanas. Centra-se no processo evolutivo de criao derelaes humanas atravs da aco para com e com os outros. acerca de como aspessoas negoceiam as definies das suas relaes atravs do processo de comunicaointerpessoal. acerca dos processos de compreenso de como as relaes humanasevoluem e trata igualmente do desenvolvimento das competncias de comunicaointerpessoal que esto na base dessa compreenso.

    Uma premissa fundamental subjacente a este livro uma viso da comunicaointerpessoal como um padro de interaco que define a relao e liga as pessoas umass outras. Neste sentido, ento, a comunicao no tanto algo que ns fazemos, masmais algo em que participamos. Nenhum comunicador individual pode criar interacoou definir uma relao interpessoal. Um comunicador individual contribui para ainteraco. Em conjunto, dois (ou mais) indivduos podem criar um padro deinteraco e dessa maneira definirem a sua relao. Ento, importante que cadaparticipante na comunicao seja capaz de se adaptar outra pessoa, ao contexto, e aotipo particular de relao em que est envolvido.

    Quando contribumos para o padro de interaco, cada comunicador actua umcomportamento. Esse comportamento ter consequncias em termos dos seus efeitospotenciais no padro de interaco e, por isso, tambm na prpria relao. Por isso, nstrataremos cada comportamento contributivo para a interaco/relao como uma

    estratgia. Todas as estratgias em comunica~o interpessoal s~o uma tentativa deresolu~o de algum assunto ou tpico em quest~o que, quando resolvido, ajuda adefinir a relao interpessoal. Desenvolver as nossas competncias em comunicaointerpessoal significa usar estratgias relacionais que sejam apropriadas s questes emcausa na conversao. Quando usadas apropriadamente e eficazmente, as estratgiasresolvem problemas relacionais, gerem o conflito relacional, respondem a questesrelacionais e negoceiam definies relacionais. Todos os participantes em processos decomunicao interpessoal usam estratgias. O comunicador competente usa asestratgias de uma forma apropriada.

    A comunicao um processo. A relao um processo. medida que as pessoasavanam na comunicao, elas envolvem-se num processo de definio e redefinio dasua relao umas com as outras. Assim, ns dizemos que uma relao humana est numestado de constante devir de vir a ser algo diferente do que num dado momento. Defacto, tal como a vida um processo. medida que as pessoas crescem e ficam maisexperientes do ponto de vista relacional, elas mudam. O mesmo acontece com as suasrelaes.

    UMA PERSPECTIVA GLOBAL DO LIVROA comunicao interpessoal conceptualizada como uma dana entre parceirosrelacionais. Esta metfora da dana enquadra a matria desenvolvida na Parte Um eDois. A Parte Um uma introduo nossa perspectiva pragmtica da comunicao

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    interpessoal. Os Captulos 1 e 2 definem o enquadramento para o estudo dacomunicao interpessoal. Os princpios da teoria sistmica so explicados e depoisaplicados comunicao interpessoal. O modelo pragmtico da resultante

    apresentado e comparado s abordagens psicolgicas da comunicao interpessoal. Ostrs componentes do modelo, o indivduo, o contexto e a relao so introduzidos ediscutidos.

    As Partes Dois e Trs so compostas pelos Captulos 3 a 11. Cada um dos captuloscontm um desenvolvimento detalhado de todos os elementos principais dacomunicao interpessoal e relaes humanas. Alguns acadmicos referiram-se a trsdesses nveis, como nveis de compreens~o: o nvel psicolgico-individual, o nvelcultural-normativo, e o nvel interpessoal-comportamental. Todos estes nveis s~onecessrios para compreender as relaes humanas, ou seja a dana relacional. Podemser melhor compreendidos como trs crculos concntricos ou trs caixas de tamanhodescendente, embutidas umas nas outras.

    O nvel psicolgico-individual (Captulo 3) representa a caixa mais pequena e lidacom as percepes, auto-conceitos, esquemas e personalidades dos participantes quepodem influenciar as relaes interpessoais. Este nvel composto pelos danarinos. Onvel cultural-normativo do contexto fsico e social (Captulo 4) representado pelacaixa maior. Este nvel lida com as normas, papis, regras sociais, expectativas e ideaisque influenciam as relaes interpessoais. (LaGaipa, 1981, p. 72). Este nvel assemelhado ao piso onde decorre a dana. O principal foco de ateno da pragmtica o comportamento ou aces do indivduo porque elas so o elemento vital das relaes.As relaes humanas emergem desses comportamentos verbais e no-verbais (Captulo5). Esses comportamentos assemelham-se aos passos da dana a partir dos quais

    criada a dana em si. O nvel interpessoal-comportamental, ou seja, a prpria dana, representada pela caixa de tamanho intermdio embutida dentro do contexto e que porsua vez contm o indivduos que esto embutidos dentro de si. Este nvel relacionalinclui v|rios tipos de eventos interpessoais, particularmente em grupos de interacoface a face (LaGaipa, 1981, p. 72) e o nvel central da comunicao interpessoal(Captulos 6-11).

    NOVO NESTA EDIOVai encontrar vrias alteraes nesta edio. Esta edio est dividida em trs partes Introdu~o { Perspectiva Pragmtica da Comunica~o Interpessoal, O Indivduo, O

    Contexto e os Comportamentos Lingusticos e A Rela~o em vez de quatro. Osquinze captulos originais foram reduzidos para onze, numa tentativa de evitar algumaredundncia e salientar o nvel mais importante da comunicao interpessoal arelao.

    A Parte Um e Dois tiveram as revises mais extensas. A Parte Um inclui osCaptulos 1 e 2. O Captulo 1 original foi dividido em dois novos captulos. O Captulo 1contm uma nova apresentao da teoria sistmica e uma definio da comunicaointerpessoal. O Captulo 2 exclusivamente uma apresentao introdutria do modelopragmtico usado neste texto. Contm a maior parte dos materiais dos Captulos, 2, 6 e 9da primeira edio. Este arranjo vai permitir-lhe desenvolver uma compreenso maiscompleta da pragmtica antes de avanar para o resto do livro.

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    A Parte Dois composta pelos Captulos 3, 4 e 5. Os captulos sobre o self e ooutro da primeira edio foram condensados num novo Captulo Trs sobre oindivduo e a comunicao interpessoal. Este captulo inclui novo material sobre

    cognio social e auto-esquemas com informao actualizada sobre os processos deatribuio e percepo. Os captulos sobre o contexto da primeira edio foramigualmente condensados num novo Captulo 4 sobre o contexto e a comunicaointerpessoal. Este captulo inclui novo material sobre o contexto e a comunicao assimcomo uma apresentao revista sobre a actuao, espao e contextos relacionais. Ocaptulo sobre a linguagem foi revisto e actualizado num novo Captulo 5 sobre o uso dalinguagem em comunicao interpessoal. Este captulo inclui novo material sobre alinguagem e contexto, sobre a perspectiva do cdigo de Don Ellis assim comoapresentaes revistas sobre referencialidade, reflexividade e comportamentono-verbal.

    A Parte Trs mantm quase toda a organizao estrutural dos captulos originaissobre a relao, com uma excepo. A Parte Quatro da primeira edio foi omitida e umcaptulo revisto sobre competncia comunicativa foi movido para a Parte Trs enomeado Captulo 7. O material da Parte Trs foi, de forma variada, mudado, omitido,acrescentado ou actualizado. Por exemplo, a matria sobre auto-revelao edesenvolvimento relacional aparece toda no Captulo 9 onde se fala dos altos e baixosdas relaes. O material que foi acrescentado a esta parte inclui nova matria sobre olado negro da comunicao interpessoal, semelhanas e atraco, a abordagem do ciclovital, teorias da auto-revelao e da gesto das fronteiras, pontos de viragem, contasrelacionais, formas de jogo ntimo e questes de manuteno de relaes. O estudo dasrelaes pessoais teve um crescimento explosivo a partir de meados dos anos 80 e eu

    tentei incorporar alguma dessa nova pesquisa nesta edio. Para esse fim, encontrarcerca de 300 novas referncias que acrescentam e actualizam o material no livro.Todos os captulos terminam com um resumo e uma lista de termos chave. Um dos

    elementos mais solicitados pelos estudantes, um glossrio, foi adicionado ao livro. Maisainda, um manual do professor est disponvel pela primeira vez, com questes de teste,actividades, exerccios e questes para discusso. Estas so somente algumas dasalteraes feitas nesta edio.

    AGRADECIMENTOSA reviso completa deste texto assentou toda sobre os meus ombros. Contudo, alguns

    revisores retiraram algum tempo dos horrios j de si bastante preenchidos eforneceram numerosos e proveitosos comentrios assim como um feedback detalhadoacerca da forma como este livro poderia ser melhorado. Muitos lutaram para mantereste livro em circulao, o que um testemunho do impacto continuado do trabalho epensamento de Aubrey Fisher na comunicao interpessoal. Ofeedbacke apoio recebidodessas pessoas no pode ser contabilizado nem sequer eu sou capaz de lhes agradecersuficientemente. Em particular Eu gostaria de agradecer a Jerry L. Buley, daUniversidade do Estado do Arizona; Judith Dallinger, da Universidade de WesternIllinois; Don Ellis, da Universidade de Hartford; Ken Frandsen, da Universidade do NovoMxico; Edna Rogers, da Universidade do Utah; Teresa Thompson, da Universidade deDayton; Laura Stafford, da Universidade do Estado de Ohio; Edwina Stoll, da DeAnza

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    Community College; e Raymond Young do Valdosta State College. E ainda, eu nopoderia ter arranjado melhor editor que aquele que tive em Hilary Jackson daMcGraw-Hill Muito obrigado acho que n~o vai chegar. Tambm, agradecimentos para

    Scott Amerman, supervisor de edio e Denise Puryear, supervisora de produo, quefizeram um trabalho admirvel ao acompanharem o manuscrito at finalizao do livroencadernado.

    Kevin Cabral, um estudante de licenciatura, foi suficientemente gentil para fazeralgum do trabalho mais aborrecido no livro. Ele foi responsvel pelo glossrio,referncias, e ndices, e ainda ajudou na escrita do Manual do Professor. Ele merece umreconhecimento especial por ter tornado a minha vida um pouco mais fcil.

    Tenho tambm a felicidade de ter um crculo de amigos chegados que considerocomo famlia. Estas pessoas escutaram-me durante os momentos difceis eregozijaram-se comigo durante os momentos felizes muito simplesmente, eles estavaml| para me apoiarem. Ironicamente, este livro sobre relaes afastou-me de algumasdas relaes mais importantes na minha vida. Contudo, essas pessoas especiaisensinaram-me que algumas relaes podem durar acontea o que acontecer. Cindy,Gay e Kerry merecem todos um obrigado especial. Eles mantiveram-me a andar,ajudaram-me a manter-me nos carris, alimentaram-me, distraram-me, leram captulospara mim, discutiram questes comigo, forneceram numerosos exemplos para o livro eacima de tudo permaneceram ali comigo.

    No poderia finalizar estes agradecimentos sem mencionar o Aub. Ele ser sempreuma parte da minha vida porque ele foi mais do que meu mentor ele era meu amigo. Aescrita deste livro ajudou-me a finalmente dizer-lhe adeus e a seguir em frente. Euemergi desta experincia com um maior reconhecimento e amizade por este homem

    cujo significado para mim maior do que aquele que posso expressar. Aubrey sintoprofundamente a tua falta.Katherine L. Adams

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    Contedo

    INTRODUO PERSPECTIVA PRAGMTICA DA COMUNICAOINTERPESSOAL 1

    Uma Introduo Comunicao Interpessoal como Relao 3

    PERSPECTIVA PRAGMTICA DA COMUNICAO HUMANA 4PRINCPIOS CENTRAIS DA TEORIA SISTMICA 5APLICAO DA TEORIA SISTMICA AO ESTUDO DA COMUNICAO INTERPESSOAL 10

    SUMRIO 22

    TERMOS CHAVE 23

    Um Modelo Pragmtico da Comunicao Interpessoal 24

    UM MODELO PRAGMTICO 25OMODELO PRAGMTICO VS.MODELOS PSICOLGICOS 27OS SISTEMAS INTRAPESSOAIS -OS INDIVDUOS 29OSISTEMA INTERPESSOAL -ARELAO 32

    O Contexto da Comunicao Humana 36

    SUMRIO 43

    TERMOS CHAVE 44

    O INDIVDUO, O CONTEXTO E COMPORTAMENTOS LINGUSTICOS 45

    O Indivduo e a Comunicao Interpessoal 46

    A PERSPECTIVA INTRAPESSOAL 50UTILIZAR O LOCUSPSICOLGICO 51

    OS SELVES EXTERNO E INTERNO 52

    O SELF54

    OPROCESSO DE PERCEPO 56CONSCINCIA DO SELF64OSELFE O COMPORTAMENTO INTERPESSOAL 68

    O OUTRO 75PERCEPCIONANDO O OUTRO 75COMPORTAMENTO FACE AO OUTRO 86

    SUMRIO 91

    TERMOS CHAVE 93

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    O Contexto e a Comunicao Interpessoal 94

    ADAPTAO AO AMBIENTE 95

    RESPOSTAS PROACTIVAS E REACTIVAS 97O CONTEXTO FSICO 99

    CONTEXTO E COMPORTAMENTO 102FUNES COMUNICATIVAS DO ESPAO FSICO 104OIMPACTO SOCIAL DO ESPAO FSICO 110

    O CONTEXTO SOCIAL 116TIPOS DE CONTEXTO SOCIAL 117UTILIZANDO O CONTEXTO SOCIAL 121AINFLUNCIA DO CONTEXTO SOCIAL 124

    SUMRIO 130

    TERMOS CHAVE 133

    Utilizao da Linguagem na Comunicao Interpessoal 134

    LINGUAGEM-EM-USO 136LNGUA E FALA 136COMPETNCIA LINGUSTICA E DESEMPENHO 137

    LINGUAGEM-EM-USO E CONTEXTO 138ALINGUAGEM REFLECTE O CONTEXTO 140ALINGUAGEM BASEIA-SE NO CONTEXTO 140ALINGUAGEM SERVE DE MEDIAO AO CONTEXTO 142APERSPECTIVA DO CDIGO DE ELLIS 143

    O SENTIDO SOCIAL 145INDEXICALIDADE 147REFLEXIVIDADE 149MUDANA DE ESTILO 154ELEMENTOS NO-VERBAIS DA COMUNICAO 157COMPORTAMENTO NO-VERBAL VS.COMPORTAMENTO VERBAL 157COMPORTAMENTO NO-VERBAL NA INTERACO SOCIAL 162COMPORTAMENTO NO-VERBAL E COMUNICAO NO-VERBAL 163

    SUMRIO 166

    TERMOS CHAVE 167

    A RELAO 169

    Actuando Relaes: Estratgias e Padres Comunicativos 174

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    A QUALIDADE DA INTERACO 176CARACTERSTICAS PRIMRIAS 177CARACTERSTICAS SECUNDRIAS 181

    NEGOCIAO DAS RELAES INTERPESSOAIS 184ACOMUNICAO COMO UMA RELAO NEGOCIADA 184

    QUESTES DE BASE 188QUESTES INFORMACIONAIS 188QUESTES RELACIONAIS 189

    ESTRATGIAS 196ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA O SELF198ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA O OUTRO 200

    ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA A RELAO 206ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA A SITUAO 209ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA OBJECTIVOS 210ESTRATGIAS ORIENTADAS PARA TEMAS 212

    SUMRIO 214

    TERMOS CHAVE 215

    Competncia Comunicativa e Comunicao Interpessoal 216

    COMPETNCIA 216

    ALGUNS MITOS SOBRE COMPETNCIA COMUNICATIVA 217OMITO DA ABERTURA 218OMITO DA OBJECTIVIDADE 220OMITO DA TCNICAS DE AUDIO 221OMITO DAS FRMULAS DE RESPOSTA 223

    DEFININDO COMPETNCIA 224DIMENSES DA COMPETNCIA COMUNICATIVA 226

    O COMUNICADOR COMPETENTE 228ESTRATGIAS RELACIONAIS 228

    A RELAO COMPETENTE 231REGRAS DA RELAO 232CARACTERSTICAS 235

    ALGUMAS ORIENTAES PARA DESENVOLVER COMPETNCIASCOMUNICATIVAS 236

    SUMRIO 240

    TERMOS CHAVE 241

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    Parte 1Traduo de:

    Jos Farinha

    INTRODUO PERSPECTIVAPRAGMTICA DACOMUNICAO INTERPESSOAL

    Ns no nos relacionamos e depois falamos, mas relacionamo-nos quando

    falamos (Duncan, 1967, p. 249). A viso de Duncan acerca da natureza dacomunicao interpessoal e das relaes humanas uma descrio muitosucinta da perspectiva pragmtica da comunicao interpessoal. Apremissa subjacente a esta perspectiva assenta na nfase nos padres deinteraco a partir dos quais emergem as relaes humanas. Comunicaointerpessoal refere-se assim a um processo contnuo no qual os indivduoscriam em conjunto uma realidade social nica: a sua relao. As relaesinterpessoais emergem a partir dos padres de interaco que ocorrementre os interactuantes.

    Esta perspectiva da comunicao interpessoal provavelmente nova para

    muitos de vocs e pode at ser um pouco difcil de apreender ao princpio,tal como aprender uma coisa pela primeira vez, muitas vezes . EdnaRogers, uma estudiosa de primeira linha da perspectiva pragmtica dacomunicao, usa a metfora da dana para descrever esta perspectiva dacomunicao interpessoal e relaes humanas. As metforas podem ser,com efeito, instrumentos poderosos para nos ajudarem a apreender ocarcter de qualquer coisa nova pois permitem associar aquilo que novocom padres de algo que nos familiar (tal como a dana). Ela (EdnaRogers) apresentou os detalhes desta metfora na sua importantecomunicao dirigida ao XVI Annual Student Conference in

    Communication, na Universidade do Estado da Califrnia em Fresno, 1989.Apresentamos seguidamente a sua descrio na ntegra porque elacondensa muito bem a essncia da perspectiva pragmtica dacomunicao e das relaes humanas.

    Peo-vos que pensem por um momento na forma como vocs serelacionam com os outros e ao mesmo tempo tentem visualizar as danasque so actuadas2 nessas relaes. Como que a dana que voc e a sua

    2 A palavra actuadas aqui e ao longo desta obra, utilizada no sentido de actuao,/

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    me interpretam difere da forma como voc dana com o seu/sua melhoramigo(a), ou at com a pessoa com quem tem uma relao emocionalntima, ou a dana de voc com uma pessoa estranha? Que tipos de dana

    parecem exemplificar melhor os seus diferentes tipos de relao?Quando pensamos na metfora da dana, ns pensamos em

    movimento, ritmo, movimentos de aproximao, movimentos deafastamento; isto , pensamos precisamente nos mesmos padres que osparceiros de uma relao criam a partir da combinao dos seusmovimentos. Algumas parelhas relacionais movem-se livremente de formafluida, noutras as pessoas parecem grudar-se uma outra, noutras aspessoas passam o tempo pisando os calos, ou dando encontres uma outra, ou parecem completamente dessincronizadas. Algumas pessoasmovem-se com uma rigidez bem comportada, outras entram e saem daintimidade com uma sensualidade natural. Estes movimentos esto sempre

    inseridos num determinado contexto, que so, podemos dizer, osdiferentes sales de baile da vida. A dana influenciada pelosmovimentos e comportamento de cada parceiro mas, a dana, enquantopadro relacional, consiste na sua criao mtua.

    medida que imaginamos diferentes danas, como por exemplo otango, a valsa, o foxtrot, a salsa, o twist, etc., percebemos que so osdiferentes passos coordenados dos parceiros que constroem e definem oprprio estilo de dana e que permitem distinguir uns estilos de outros. Damesma maneira, os diferentes tipos de relaes sociais emergem e tomamforma a partir das interaces que temos uns com os outros.

    Uma abordagem pragmtica ao estudo da comunicao pode ser

    orientada pelo imaginrio relacionado com a metfora da dana. A formacomo nos movemos em relao uns aos outros atravs dos nossoscomportamentos comunicativos d forma aos padres que sustentam eidentificam as nossas relaes interpessoais. De forma anloga a passos dedana, os comportamentos mensagem combinam-se em sequnciaspadronizadas, interaces recorrentes, que caracterizam as diferentesrelaes.

    A Parte 1 composta pelos Captulos 1 e 2. Estes captulos introduzem oleitor perspectiva pragmtica da comunicao interpessoal e apresentamde forma pormenorizada um modelo do processo pragmtico nacomunicao interpessoal. Tente ter presente a metfora da dana

    medida que explora o carcter pragmtico da comunicao interpessoal.

    representao, interpretao,perfomance, no sentido em que um determinado padro, ou papel, concretizado em termos de um conjunto concreto de aces num determinado momento.

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    CAPTULO 1

    Bruno SantosCarina SousaDavid CavacoJlio Coutinho

    Uma Introduo

    Comunicao Interpessoalcomo Relao

    Existem dois tipos de amor: no primeiro, o corao bate mais rpido, no seconsegue comer, treme-se a cada encontro. o amor animal, o novo amor, o

    amor romntico. O segundo tipo o amor para o qual tem que se trabalhar: o

    amor forte e profundo entre adultos que por mais juntos que estejam sabem

    que estaro sempre separados enquanto seres. Quando o amor romntico

    desaparece, as pessoas no devem entrar em pnico porque ele volta. Em ondas

    ou ciclos. Como a febre.

    - Alan Alda

    Poucas pessoas vem Alan Alda como um especialista em teoria da comunicao. A

    maioria v-o (e ainda o v em emisses repetidas de M*A*S*H) como Hawkeye Pierce,bebedor de gin e mestre nas pequenas piadas com que conseguia fazer humor a partirdo drama e tragdia da guerra. Contudo, todos os que viram o filme Four Seasonsreceberam um curso acelerado de comunicao interpessoal. A preocupao central dofilme a comunicao interpessoal e as relaes a forma como crescem e mudam, sedesenvolvem, e como mudam os indivduos nas relaes e como elas persistem apesarde e por causa dos indivduos nelas envolvidos.

    O filme de Alda foca o carcter de vai e vem das nossas relaes. As relaeshumanas no so objectos tangveis e parados no tempo e inalterveis. Imaginem asvossas relaes enquanto organismos vivos que crescem e decaem e voltam a nascer.Ann Morrow Lindbergh no livro, Gift From the Sea, capta a dinmica tipo ritmo de danadas relaes humanas.

    A vida verdadeira das nossas emoes e das nossas relaes tambmintermitente. Quando se ama algum no se ama todo o tempo, sempre da mesmamaneira, de momento a momento. uma impossibilidade. mesmo uma mentirafingir que dessa forma. Mas no entanto precisamente isso aquilo que a maioria dens pretende. Temos to pouca confiana nas constantes variaes, nos altos ebaixos, da vida, do amor e das relaes. Ns saltamos quando a mar sobe etentamos em pnico fazer com que ela no baixe. Temos medo que nunca mais volte.Continuamos a insistir na durao e na continuidade, quando a nica continuidadepossvel, na vida e no amor, est no seu crescimento e na sua fluidez - na liberdade,

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    no sentido em que os danarinos so livres, algumas vezes mal se tocando a cadapasso, mas parceiros no mesmo padro (p. 108).

    As relaes humanas caracterizam-se pela estabilidade e mudana e pelo ritmo dosmovimentos padronizados. na e atravs da comunicao interpessoal que osindivduos so capazes de tecer tapearias de padres de mensagens, criando emconjunto relaes e assim ligando-se uns aos outros de forma, por vezes, mais profunda.

    O tema central deste livro a comunicao interpessoal e as relaes humanas.Acreditamos que a comunicao interpessoal composta por aces e comportamentosnuma srie interligada e coordenada de acontecimentos, reflectindo, por isso, uma visoparticular da comunicao humana, aperspectiva pragmtica.

    PERSPECTIVA PRAGMTICA DA COMUNICAO HUMANAUma premissa fundamental da Perspectiva Pragmtica da Comunicao Humana focalizar o seu interesse na identificao de comportamentos observveis. A comunicao um sistema social composto, no por indivduos, mas pelo fluxo contnuo dos seuscomportamentos. O comportamento humano muitas vezes tratado apenas como umindicador de processos psicolgicos internos. Na perspectiva pragmtica ocomportamento considerado importante enquanto tal. O comportamento vai para eatinge outras pessoas (ele simplesmente no se esfuma no ar). Liga as pessoas e a partirdessa ligao cria-se um novo fenmeno (Bavelas, 1998, p. 1).

    O termo pragmtica mais provavelmente associado semitica, ou teoria dossmbolos. Charles Morris (1946) dividia a semitica em 3 reas a sintaxe, a semntica e

    a pragmtica. O termo foi utilizado pela primeira vez, relacionado com a comunicaohumana, em 1967 com a publicao do livro Pragmatics of Human Communication: AStudy of Interactional Patterns,Pathologies and Paradoxes, escrito por Paul Watzlawick,Janet Beavin e Don Jackson. Por vezes conhecida como perspectiva interaccional dacomunicao humana (ver Fisher, 1981; Watzlawick e Weakland, 1977), a pragmticaest situada no enquadramento meta-terico da teoria dos sistemas abertos.Curiosamente, Ludwig Von Bertalanffy, considerado o pai da teoria sistmica,apresentou a sua teoria pela primeira vez em 1937 durante um dos seminrios defilosofia de Charles Morris (ver Von Bertalanffy, 1968).

    A teoria sistmicaconsiste num conjunto grosseiramente organizado e altamenteabstracto de princpios que servem para dirigir o nosso pensamento e a nossa reflexo(Fisher, 1978, p. 196) acerca dos processos comunicativos. A perspectiva pragmtica dacomunicao interpessoal desenvolvida neste livro uma aplicao de teoria sistmicaao estudo da comunicao humana. A perspectiva pragmtica, no sendo o mesmo que ateoria sistmica, aparece fortemente alinhada com os seus princpios fundamentais. Paramelhor perceber a perspectiva pragmtica iremos dar uma vista de olhos a essesprincpios.

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    Princpios Centrais da Teoria SistmicaUma maneira lgica de comear a an|lise da teoria sistmica a defini~o de sistema.

    Um sistema funciona como um todo atravs da interdependncia das suas partes(Rapoport, 1968, p. XVII). Existem diferentes tipos de sistemas. Por exemplo, umagalxia um tipo de sistema fsico, o corpo humano um sistema biolgico e a famlia umsistema social. Os sistemas fsicos no so caracterizados pelos seus elementos, nem ossistemas sociais so caracterizados pelos seus comportamentos individuais e isolados.Um sistema n~o pode ser adequadamente caracterizado por um inventrio dos seusconstituintes materiais, tais como molculas, como da mesma forma a vida numa cidadeno pode ser descrita atravs de da lista de nomes e nmeros retirados de uma listatelefnica (Weiss, 1968, p. 8). Por exemplo, a interdependncia das relaes entre oscomportamentos de um sistema social que lhe fornece o seu carcter prprio distintodos comportamentos individuais.

    Paul Weiss (1969) argumenta que os seres humanos tm como hbito dissecar osseus mundos internos e externos em elementos ou parte descontnuos e independentes.As pessoas talvez faam isso porque lhes pode trazer alguma vantagem numdeterminado momento centrar a ateno em coisas especficas tais como um inimigo,assim como alguns fenmenos muitas vezes chamam ateno devido ao seuaparecimento recorrente, numa forma relativamente constante e com uma certadura~o (p. 5), por exemplo, o canto de um pssaro, ou a cadncia de uma conversa. Elecontinua fazendo notar que embora as pessoas possam percepcionar uma parteindividual como separada do seu sistema, nenhuma parte totalmente independentedos outros elementos do seu sistema.

    Tome-se como exemplo cinco alunos do mesmo liceu que aparentam constituir umconjunto de pessoas que se comportam sem qualquer forma de interdependncia. Se ocomportamento desses mesmos cinco indivduos pudesse ser organizado em sequnciasde interaces dirias, semelhantes quelas interaces caractersticas de colegas deliceu, ele constituir uma unidade singular ou sistema perfeitamente identificvel: Ocomportamento de um elemento tem um certo impacto no comportamento dos outrosquatro e mesmo no do grupo como um todo. O sistema social, ou o grupo de amigos, ternascido do padro comunicativo de cada indivduo, com uma identidade prpria,separada, de cada um dos cinco elementos do grupo. A compreenso da dinmicainteraccional deste grupo conseguida atravs da focalizao nos padresinteraccionais dos seus membros, e no dos seus comportamentos ou aces individuais

    isoladas.So cinco as propriedades centrais que caracterizam um sistema: totalidade,

    no-somatividade, abertura, hierarquia e equifinalidade (Fisher, 1978; Trenholm,1991). Estas cinco propriedades so comuns a um conjunto variado de sistemas, (p. ex.biolgicos e sociais) e tomados em conjunto definem o conceito de sistema (Littlejohn,1992).

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    Estes quatro indivduos criaram conjuntamente o seu grupo de amigos atravs da sua comunicao e por isso ocomportamento de um deles influencia o comportamento dos outros trs e do grupo como um todo.

    Totalidade Totalidade, a primeira propriedade, foi j referida na discusso anterior.Dito de forma simples, afirma que um elemento de um sistema afecta todos os outroselementos (Hall & Fagen, 1968). Qualquer alterao, como por exemplo o nascimento deum beb, afecta a natureza interactiva de uma famlia e, por isso, afecta igualmente ocarcter interactivo nico do sistema familiar. Alguma vez pertenceste a um grupo dediscusso e notaste uma alterao na dinmica interactiva do grupo quando um membrofaltou ou surgiu um novo elemento? Tanto a ausncia como a presena de novoscomportamentos podem mudar os padres de interaco num sistema social, como umpequeno grupo. Esta mudana pode ser compreendida atravs da aplicao dapropriedade da totalidadeao sistema de grupal.

    No-Somatividade A totalidade e no-somatividade, a segunda propriedade, estointerligadas. A no-somatividade refere-se capacidade do sistema adoptar umaidentidade prpria diferente da identidade dos seus componentes. O todo, por via dainterdependncia das duas partes, emerge como algo diferenciado que est para almdessas partes. Qualquer sistema mais do que a soma das contribuies individuais dosseus componentes (Von Bertalanffly, 1979). Os parceiros de uma relao muitas vezesreferem-se uns aos outros e { rela~o, tendo muitas vezes a sensa~o desta terceiraidentidade que algo que est para alm de cada um deles. Quantas vezes j ouvimosum ou mais indivduos dizer algo como as tuas mentiras magoam-me a mim, a ti eacima de tudo a ns. A n~o-somatividaderefere-se ao ns. Tome-se ainda o exemplo

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    de um bolo (Infante, Rancer e Womack, 1990). Um bolo um produto no-somativo devrios ingredientes. Os ingredientes so combinados e aps cozedura num forno, surgeum bolo a partir das reaces qumicas que transformaram esses ingredientes num

    bolo. Depois de cozinhado, porque o bolo mais do que a soma das suas partes, a farinhaou qualquer dos outros ingredientes no podem mais ser recuperados a partir do bolo.

    A no-somatividadeno implica que o sistema mais que as partes, em termos dequalquer quantidade mensurvel (como, por exemplo, o aumento do nmero de pessoasnum grupo ou do nmero de ovos num bolo). Quando lhe perguntam como poderiareferir de outra maneira a propriedade da no-somatividade, Weiss 1969) afirmou queA informa~o sobre o todo, sobre o o colectivo, mais vasta que a soma da informaoacerca das partes (pag.43). O sistema assume uma qualidade que diferente doscomponentes individuais e que no pode ser descrita unicamente a partir da informaosobre as partes.

    Abertura Os sistemas podem ser classificados de acordo com o seu grau de abertura. Ossistemas no existem isolados, mas sim integrados num ambiente (Hall & Fagen, 1968),e variam no grau em que trocam a informao e energia com os seus ambientes. Umsistema aberto caracterizado por um alto grau de troca contnua de informao ou deenergia com o seu ambiente porque as suas fronteiras so permeveis, permitindo umconsidervel nvel trocas com o ambiente. Von Bertalanffy (1975) expressou isto deforma simples quando explicou que o nosso sistema biolgico (por exemplo, o nossocorpo) retira alimentos e oxignio do ambiente e expele desperdcio para o mesmo.Paralelamente, um sistema social, como por exemplo dois colegas de trabalho, recebeinformao do ambiente, sempre que um memorando lido, que um relatrio

    recebido, ou um telefonema atendido, e d algo de volta a esse mesmo ambiente, naforma de um qualquer produto, seja um bem ou um servio.Nos sistemas fechados no h qualquer troca com o ambiente e estes so

    normalmente associados a sistemas fsicos, como por exemplo, as estrelas (Littlejohn,1992). Os sistemas fechados evoluem para um estado de crescente entropia, ou seja umafora ou tendncia irreversvel dentro de um sistema para um decrscimo da suaordem, ou organizao, ao longo do tempo (Fisher, 1978, p. 201) at eventualmenteterminar num determinado momento. As estrelas, por exemplo, no possuem asqualidades que permitam sustentar a sua vida (Littlejohn, 1992). Em comparao,sistemas com maior abertura so capazes de se auto-regularem, ou seja, funcionaremcom base no princpio da correc~o da sua performance baseando-se no que se passa

    (Rapoport, 1968, p. xix). Os sistemas abertos caracterizam-se por uma renovaocontnua ou seja morrer e ressurgir (Von Bertanlanffy, 1975).

    EquifinalidadeA totalidade, a no-somatividade e a abertura tm implcitas a quartapropriedade geral dos sistemas: a equifinalidade. Os sistemas abertos so inerentementeequifinais. Isto , os outputs de um sistema aberto so diferentes dos inputs iniciais dosistema, enquanto que o estado final de um sistema fechado determinado pelo seuestado inicial (Von Bertanlanffy, 1968). Emmert e Donaghy (1981) do uma excelentedescrio de equifinalidade:

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    Dois pequenos grupos podem querer resolver o problema da poluio. Eles podemcomear por pontos diferentes na sua anlise. Um pode comear pelo problema daemisso de fumo dos automveis. O outro pode comear por considerar o problema

    do smog nas grandes cidades. Ambos podem atingir o objectivo de resolver oproblema da poluio, embora tenham comeado de pontos diferentes. (p. 39)

    Assume-se aqui que os inputs iniciais deste sistema social aberto no determinam ocarcter dos seus outputs.

    Hierarquia A quinta propriedade geral dos sistemas implcita na discusso anterior ahierarquia. Os sistemas no esto apenas inseridos em ambientes mas fazem tambmparte de outros sistemas. Existem dois tipos diferentes de hierarquia: - a hierarquiavertical e hierarquia em rede.A primeira pode ser comparada a uma escada vertical. Ahierarquia de uma universidade, por exemplo, funciona em nveis administrativos, tal

    como uma escada o reitor no topo e (por ordem decrescente) o vice-reitor, opresidente do conselho directivo das faculdades, os docentes e os alunos na base.Embora este exemplo coloque o aluno na base da escada fique descansado que o seuprofessor no est muito acima! Mas quando se discutem sistemas sociais, tais comouma dade, um grupo ou uma organizao referimo-nos mais a uma hierarquia em redee no a uma hierarquia vertical tipo escada. Em comparao, imagine um copoextensvel daqueles que se poderiam usar no campismo (ver imagem seguinte).

    Conjunto de copos extensveis

    Estes copos so compostos por crculos de alumnio interligados que podem serestendidos para formar um copo, ou achatados para mais fcil arrumo. Estes crculos dealumnio interligados, cada um pouco mais pequeno que o outro, est~o embebidos unsnos outros

    Os sistemas complexos so compostos por qualquer nmero de nveis hierrquicosou subsistemas. Koestler (1978) utiliza o corpo humano para ilustrar esta propriedade.O corpo enquanto totalidade inclui, por exemplo, o sistema digestivo constituindo porsua vez este sistema uma sub-totalidade ou holon. O sistema digestivo, por sua vez,

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    composto por rgos, e esses, compostos por clulas, e assim sucessivamente. Os holonsso caracterizados por duas tendncias opostas. Koestler descreve esta dualidade detendncias ao compar-la com a divindade romana Janus, conhecido como o deus das

    duas faces. A face virada para cima, para nveis mais elevados, representa adependncia face a algo superior; a face virada para baixo, para os seus prpriosconstituintes, representa uma total e assinalvel auto-suficincia (1978, p. 27). Os sereshumanos so assim, ao mesmo tempo, nicos e parte integrante de estruturas sociais (p.ex.: grupos e dades) e essas estruturas sociais so por sua vez parte de uma estruturasocial mais alargada (p. ex.: sociedades).

    Imagem do deus Janus numa moeda romana

    No admira por isso que Koestler considerasse a tenso entre a predisposio individualpara a auto-assertividade e a ligao com outros, uma caracterstica universal dos seresvivos.

    A totalidade, a no-somatividade, a abertura, a equifinalidade e a hierarquia noso uma lista exaustiva das propriedades dos sistemas. So, no entanto discutidas emexplicaes gerais da teoria sistmica. Da mesma forma, neste texto uma compreensogeral dessas propriedades e de como elas se relacionam ir permitir uma melhor

    compreenso da perspectiva pragmtica da comunicao interpessoal. Cinco princpiosgerais da pragmtica (Fisher 1985) e uma definio de comunicao interpessoal iroser discutidas na prxima seco deste livro que serviro para guiar a nossacompreenso do processo pragmtico da comunicao interpessoal ao longo do livro. Osprincpios gerais e respectivas definies so fortemente baseados na obra deWatzlawick, Beavin e Jackson (1967).

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    Aplicao da Teoria Sistmica ao Estudo da ComunicaoInterpessoal

    No centro da perspectiva pragmtica da comunicao interpessoal est aconceptualizao da mesma enquanto sistema social. Os sistemas sociais surgem sempreque as aces dos indivduos se tornam interligadas (veja p. ex. Parsons, 1951). Umsistema social pode ser to pequeno como um agrupamento de duas pessoas, ou seja,uma dade (ver Simmel, 1902), ou to vasto como uma sociedade inteira. Pode incluirum pequeno grupo, como por exemplo um jri composto por doze pessoas que numtribunal tem a tarefa de decidir a culpa ou inocncia de uma pessoa que est a serjulgada. Um sistema social pode igualmente incluir uma organizao inteira como porexemplo a sua Universidade ou Escola, com os seus diversos membros empenhados emactividades ligadas ao ensino, servio de apoio, manuteno e investigao. A

    comunicao interpessoal enquanto sistema est integrada numa hierarquia desistemas.

    Hierarquia de Sistemas Integrados O sistema da comunicao interpessoal estintegrado numa hierarquia de sistemas (ver figura 1-1). Cada crculo representa umsistema. O sistema mais pequeno o ser humano individualmente, ou seja o sistemaintrapessoal. Este sistema no um sistema social porque no composto porindivduos ligados atravs de processos comunicacionais. O crculo seguinte umsistema socialporque envolve pelo menos duas pessoas num processo de comunicao.A perspectiva pragm|tica focaliza a sua aten~o nas propriedades da comunica~o queexistem apenas ao nvel do sistema didico; as variveis relacionais no operam no

    interior das pessoas em interac~o, mas sim entre essas pessoas (Rogers & Farace,1975, p. 222).O nmero de pessoas e a medida em que essas pessoas tm conhecimento umas

    das outras varia de sistema para sistema. Ateno, dever ter o cuidado de nuncaconfundir o sistema intrapessoal com o sistema social da comunicao interpessoal.Enquanto parte do sistema, o indivduo pode afectar e ser afectado pela comunicaointerpessoal. Mas, o indivduo no e no deve nunca ser considerado a mesma coisaque o sistema da comunicao interpessoal. Saber tudo aquilo que h a saber acerca dosindivduos participantes no nos permitir definir um determinado sistema social decomunicao interpessoal (no-somatividade).

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    Figura 1-1 Hierarquia integrada de sistemas comunicacionais

    Uma compreens~o do sistema de comunica~o interpessoal n~o pode ser reduzidaa, nem prevista a partir de, um nvel inferior (Koestler, 1978, p. 32). Inversamente, ossistemas mais vastos podem afectar e ser afectados pela comunicao interpessoal, mas

    no definem nem podem definir o sistema social da comunicao interpessoal. Acomunicao interpessoal uma relao entre seres humanos individuais e , nummaior ou menor grau, diferente dos indivduos que nela participam e dos sistemas maisvastos nos quais se inclui.

    Princpio 1: Os comportamentos (aces humanas) so o fenmeno necessriopara compreender a comunicao humana. Subjacente a este princpio est ahiptese de que numa situa~o interaccional... n~o se pode n~o comunicar(Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967, pp. 48-49). Mesmo que o leitor ainda no tenhafrequentado um curso de comunicao anteriormente a este, poder j ter ouvido referiresta hiptese. Esta hiptese no significa que todos os comportamentos socomunicao (ver Bavelas, 1990; Motley, 1990), como alguns podem pensar. Em vezdisso, esta hiptese foca a sua ateno nos comportamentos concretos (mais do que nosselves3 intrapessoais dos comunicadores) como sendo centrais na comunicaointerpessoal. Dentro de uma perspectiva pragmtica da comunicao interpessoal oscomportamentos observveis tornam-se o fenmeno de interesse. Ento, a comunicao

    3 N.T. selves o plural de self que o termo geralmente utilizado no original ingls paradesignar a noo que o indivduo tem de si prprio. um conceito prximo mas, no confundvelcom o conceito de identidade.

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    agora conceptualizada enquanto comportamento, e o comportamento no tem oposto(Walztawick, Beavin & Jackson; 1967). impossvel uma pessoa no tercomportamentos; mesmo estar parado e no mexer sequer um msculo uma forma de

    comportamento. O comportamento (ao contrrio das emoes, sentimentos, crenas, eoutros elementos do sistema intrapessoal) est acessvel s outras pessoas. Ns nopodemos saber o que se est a passar dentro de uma pessoa, mas podemos sempre ver eouvir (e algumas vezes sentir, cheirar e saborear) os comportamentos das outraspessoas.

    Dentro da perspectiva pragmtica toda a comunicao comportamento; contudoa afirmao de que todos os comportamentos so comunicao ainda problemtica.Bavelas (1990) argumentou que nem todo o comportamento comunicativo, masmuito provavelmente ns no podemos evitar comunicar quando nos encontramosnuma situa~o social (p. 593). A quest~o saber se existem episdios n~o-interactivosem situaes interaccionais, e os dados cientficos a este respeito no permitem aindachegar a uma concluso.

    Quando nos envolvemos num processo de comunicao com outra pessoaprovavelmente pensamos que importante descobrir os sentimentos e as emoes dosistema intrapessoal da outra pessoa; mas, na realidade, o que absolutamentenecessrio conhecer so os comportamentos da outra pessoa para que possamos chegara uma ainda que mnima compreenso da comunicao humana e do sistemaintrapessoal. No esquecer que os sistemas esto integrados hierarquicamente uns comos outros. Os sentimentos, motivaes, emoes, etc., da outra pessoa porque elesvariam na medida em que afectam a relao - podem ser ou no ser importantes para anossa compreenso da, e participao na comunicao humana. Mas os comportamentos

    ou aces, tanto os nossos como os do nosso parceiro, so absolutamente essenciaispara a nossa compreenso das dinmicas do sistema intrapessoal.Um comportamento um acontecimento. Porque um acontecimento ocorre num

    determinado espao temporal, no se podendo voltar a trs. Se se atingir uma pessoa naface partindo-lhe o nariz, o acontecimento (e as suas consequncias), ocorreram, e nsno podemos fazer o relgio andar para trs e fingir que nada aconteceu. O mais que sepode fazer adicionar um comportamento, como por exemplo, dizer Peo desculpa, foium acidente. Este novo acontecimento comportamental (pedido de desculpa) naverdade no altera o acontecimento comportamental anterior (murro no nariz). Em vezdisso, introduz um acontecimento adicional na sequncia de acontecimentos em curso.Torna-se, por isso, parte da sequncia de acontecimentos permitindo redefinir oacontecimento anterior para que possa vir a ter um novo significado. Isto , nspodemos alterar a realidade sem}ntica (o nosso prprio sentido intrapessoal) de umcomportamento atravs de comportamentos subsequentes, mas ns no podemosalterar a realidade pragmtica (os seus efeitos ou consequncias dentro do sistemainterpessoal) desse comportamento. Ns podemos pedir todas as desculpas quequisermos, mas o nariz no deixa de estar partido.

    Outro exemplo pode ainda servir para ilustrar este ponto acerca da conexo entreintenes (sistema intrapessoal) e comportamentos (sistema interpessoal). O Jos, numesforo para sossegar a sua mulher, diz-lhe Em vinte anos, ainda n~o encontrei outramulher com quem preferisse ter casado em vez de ti. A sua mulher pode interpretar

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    negativamente este coment|rio e responde, Queres dizer que tens andado { procura deoutra mulher durante estes vinte anos? O significado que o Jos deu ao seu coment|rio somente um determinado significado; pertence-lhe a ele. O significado que a sua

    mulher atribui a esse coment|rio outro significado; pertence-lhe a ela. Se estesfossem os nicos significados, a comunicao interpessoal tornar-se-ia num simplesprocesso de continuar a trocar mensagens para que o meu significado se aproxime doteu significado. Claro que os dois significados nunca chegar~o a uma concord}nciaperfeita. O melhor que podemos esperar obter algum grau de sobreposi~o designificados.

    Consideremos agora esse mesmo significado numa perspectiva pragmtica. Alocuo (comportamento) ocorreu. Apesar da inteno do Jos (parte do seu sistemaintrapessoal) que precedeu a locuo e da interpretao que a sua mulher fez (tambmintrapessoal) dessa locuo, nenhum deles pode negar o facto de que a locuo do Josna realidade ocorreu. E, porque ocorreu, ter consequncias na interaco futura, assimcomo a locuo da mulher. Uma perspectiva pragmtica aceita as diferenas perceptivascomo um elemento perfeitamente normal do processo de comunicao interpessoal.Mas, desentendimentos, confuso, ou simplesmente diferentes significadosintrapessoais, no so realmente o assunto da relao interpessoal. Dada a realidadeinegvel de que as percepes intrapessoais sero sempre de alguma forma diferentes,passemos ao segundo princpio da pragmtica da comunicao interpessoal.

    Princpio 2: A interpretao ou definio dos comportamentos comunicativos pode serencontrada nos padres interaccionais a partir dos quais esses comportamentos seligam uns com os outros. As interaces so sequncias de comportamentos que ligam

    os indivduos participantes num determinado sistema interpessoal (ver Fisher, 1978,p. 225; Lilttejohn, 1992, p. 55). Bateson (1979, p. 13) refere-se a um padro comosendo uma dana de partes em interac~o. Existem duas implicaes para esteprincpio. Primeiro, a perspectiva pragm|tica d| uma import}ncia primordial ao estudodas interaces e no aos actos separados (Rogers, 1989, p. 2) porque a comunicaointerpessoal conceptualizada como um todo sistemtico ou entidade indivisvel(totalidade e no-somatividade). Esta concepo holstica da comunicao, comparadacom outras concepes de carcter mais individualista, sugere que nenhuma entidadeindividual do sistema possui significado em si prpria. Um antigo colega do co-autordeste livro costumava deleitar-se em de forma intencional interpretar mal as questesque normalmente aparecem em questionrios demogrficos. Por exemplo, na resposta

    habitual quest~o acerca do estado civil, ele costumava responder Tremido!. Elerespondeu uma vez num question|rio para um emprego { quest~o Sal|rio mnimoaceit|vel? com um decisivo N~o!. A ideia simplesmente esta: Nenhumcomportamento elementar isolado da corrente de acontecimentos interaccionais podeser interpretada ou definida sem o perigo de cairmos em concluses grosseiras eprovavelmente incorrectas. Mas, se enquadrarmos esse comportamento na respectivacorrente interaccional o seu significado torna-se muito mais claro. As relaes entre oselementos ou acontecimentos, a configurao, o padro, so aquilo de que andamos procura (Scheflen, 1968, p. 10). (Podemos imaginar quem ter lido aqueles comentrios

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    despropositados nos questionrios e que concluses teriam sido tiradas acerca dapessoa que os preencheu.)

    Segundo, os padres, em si, podem ser interpretados de forma diferente uma vez

    que tambm podem ser ordenados de forma diferente. A pontuaorefere-se ordemimposta numa sequncia de comportamentos (Walztawick, 1976; Walztawick, Beavin &Jackson; 1967). Diferentes pontuaes, ou ordenamento das sequncias decomportamentos, podem criar diferentes realidades para os intervenientes. Arealidade n~o uma realidade objectiva, algures l| fora para os humanosdescobrirem mas sim uma criao humana (Fisher, 1978, 1985). A pontuao a formacomo os humanos ordenam ou dividem o fluxo de comportamentos em padressignificativos (Leeds-Hurwitz, 1992).

    Um excelente exemplo do segundo princpio da pragmtica da comunicao aconhecida cena cmica Whos on first?4 protagonizada por Bud Abbott e Lou Costello5.Se voc for uma dessas raras pessoas que ainda no tiveram a felicidade de ouvir estacena, eis aqui alguns elementos introdutrios. Toda a piada do dilogo gira volta dosnomes pouco usuais dos jogadores de uma equipa de baseball: - a alcunha do jogador naprimeira base QUEM/Who, o jogador da segunda base chama-se O QU/What, e ojogador da terceira base chama-se NO SEI/I Dont Know. Abbott est par disso mas,Costello no. Logo, a frase de Abbott QUEM est| na primeira uma afirma~o, umadeclarao que identifica o jogador da primeira base pelo seu nome, mas, para Costello, amesma frase representa uma questo, uma interrogao acerca do nome do mesmojogador. Claro que o humor deste dilogo requer uma terceira interpretao, que resultada pontuao desta interaco como constituindo uma comdia. A audincia est cienteda interpretao do Abbott, da confus~o do Costello e ainda da terceira interpreta~o

    (comdia), que necessariamente incorpora ambas as interpretaes individuais, mas mais do que a sua soma.L para o final do dilogo, Costello faz um desesperado esforo final para descobrir

    o nome do jogador da primeira base. Ele cria uma situao hipottica na qual ele ocatcher6num jogo:

    COSTELLO:Valentino levanta-se e toca a bola para mim. Logo, quando ele me toca abola, sendo um bom catcher, vou pr Valentino fora com um lanamento paraa primeira base. Ento agarro a bola e lano-a para QUEM?

    ABBOTT: Agora sim, pela primeira vez disseste algo correcto.

    COSTELLO:Eu nem sequer sei do que estou a falar!ABBOTT: s isso que precisas fazer.

    COSTELLO:S tenho que a lanar para a primeira base. Agora, QUEM est l?

    4Quem est| na primeira? no original.5 N.T. Nome original da dupla de actores cmicos que em Portugal ficaram conhecidos porBucha e Estica.6Pode ser traduzido directamente por apanhador, refere-se ao jogador de baseballque tentaapanhar as bolas lanadas pelo lanador (pitcher).

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    ABBOTT: Naturalmente

    COSTELLO: Se eu a lanar para a primeira base, algum tem que a apanhar. Agora,QUEM est l?

    ABBOTT: Naturalmente.

    COSTELLO:QUEM est l?

    ABBOTT: Naturalmente.

    COSTELLO:Naturalmente? Ento, eu agarro a bola e lano-a para Naturalmente.

    ABBOTT: No! No! Tu mandas a bola para a primeira base, para QUEM a apanhar.

    COSTELLO:Naturalmente.

    ABBOTT: Est certo.

    COSTELLO:Ento eu agarro a bola e lano-a para Naturalmente.

    ABBOTT: No! No fazes isso!COSTELLO:Eu lano-a para QUEM?

    ABBOTT: Naturalmente.

    COSTELLO:Isso o que eu estava a dizer.

    ABBOTT: Tu no estavas a dizer isso.

    COSTELLO:Eu disse que lanava a bola para Naturalmente.

    ABBOTT: Tu lanas a bola para QUEM.

    COSTELLO:Naturalmente.

    ABBOTT: Ento diz isso.

    COSTELLO: isso que eu estou a dizer. Eu lano a bola para Naturalmente.ABBOTT: No lanas!

    COSTELLO:Eu lano-a para QUEM?

    ABBOTT: Naturalmente.

    COSTELLO:Eu estou a dizer o mesmo que tu! Eu lano-a para QUEM?

    ABBOTT: Naturalmente.

    COSTELLO:Okay, eu lano-a para Naturalmente.

    ABBOTT: No lanas.

    COSTELLO:Eu lancei-a para QUEM?

    Abbott: QUEM.COSTELLO:Naturalmente.

    ABBOTT: isso mesmo.

    A angustiada declara~o de Costello Eu estou a dizer o mesmo que tu! est| correcta doponto de vista da sua definio da realidade. Ele interpreta naturalmente como umaresposta { sua quest~o quem? pontuando assim a sequncia de uma determinadaforma. Ele no se d conta da pontuao alternativa do padro concretizandonaturalmente como uma declara~o constituindo uma resposta apropriada afirma~o de que quem estava a jogar na primeira base. A interpreta~o do Abbott no

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    mais correcta do que a de Costello. Efectivamente a terceira interpretao dasequncia define-a como uma comdia e no uma conversa sobre uma qualquer equipade baseball. Claro que numa conversa real esta confuso de significados individuais

    dentro dos sistemas interpessoais seria sem dvida rapidamente clarificada, mas, nessecaso o dilogo no seria engraado. Significativamente, o terceiro significado do dilogo bastante independente dos significados percebidos de ambos os indivduos. E issoleva-nos ao terceiro princpio da perspectiva pragmtica da comunicao.

    Princpio 3: O sentido ou significado dos padres de comunicao so apreendidos apartir do reconhecimento de que esto enquadrados num contexto. Gregory Batesonafirmou uma vez que nada tem significado se no for contextualizado. (citado emLeeds-Hurwitz, 1992, p. 71). O contexto no simplesmente um lugar onde asinteraces ocorrem. Dito de forma geral, contexto toda e qualquer coisa que precisade ser tido em conta para se chegar { compreens~o (Leeds -Hurwitz, 1992, p. 77) dosignificado de comportamentos e padres de comportamento. Padres decomportamento, tal como comportamentos elementares no ocorrem num vazio, estoinseridos em mltiplos contextos.

    Face a isto, o terceiro princpio parece bvio. Est provavelmente ciente doproblema que tentar citar fora do contexto. Frequentemente, contudo, as pessoastendem a confundir contextos. Alguns fs de novelas da TV so conhecidos pela suafuriosa identifica~o com as personagens fictcias e por atacarem fisicamente os vilesquando os vem na vida real. Da mesma forma, aps a morte trgica de Natalie Wood, aCBS recebeu centenas de cartas de espectadores perguntando a razo porque RobertWagner e Stephanie Powers no se casaram. Isto porque eles obviamente se amavam

    um ao outro, como os intrpretes de Jonathan e Jennifer Hart na srie da CBS (agoravendida a outras estaes) Hart to Harttestemunhavam. Naturalmente, estes exemplosparecem extremos na medida em que aqui existe, por parte das pessoas, uma confusoentre a realidade e aquilo que obviamente fico. Podemos supor que nenhuma pessoanormal, com uma inteligncia normal, poderia alguma vez pensar ou fazer algosemelhante. Mas confundir contextos e atravs disso criarem diferentes significados no sempre t~o obviamente anormal!

    Aubrey Fisher, o falecido co-autor deste livro, tinha a reputao de ser uma pessoaque frequentemente (at mesmo habitualmente) adoptava comportamentos de tipoinsultuoso e conflituoso. A sua interaco com os seus amigos mais chegadosfrequentemente envolvia a existncia de insultos mtuos e recprocos assim como

    ardentes discusses. Esse tipo de interaco era uma forma de conversa recreativa nocontexto da relao de amizade.

    Algumas vezes, porm, Aub dava consigo a insultar algum que ele no conheciamuito bem. Ele percebia que tinha arranjado problemas quando a pessoa no o insultavaem resposta e a conversa ou terminava abruptamente ou se tornava exageradamentepolida. Ele muitas vezes ficava com uma memria residual do embarao. Aub confundiao contexto relacional de amigo com o de conhecido, e assim o seu comportamentoera definido, dentro desse padro interaccional como sendo um comportamento rude(para um conhecido) em vez de ser definido como participao numa pardia ritualizada(com um amigo). Por outras palavras, o significado de qualquer padro interaccional

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    varia de acordo com o contexto relacional em que ocorre. Um padro (p. ex. Comoest|s? Tudo bem.) que n~o tem significado especial num determinado contexto (doisconhecidos que se encontram na rua), pode ter um sentido altamente significativo em

    outro contexto (depois de uma pessoa ter cado de uma altura de 3 metros).

    Princpio 4: Compreender a comunicao dar retrospectivamente um sentido aospadres de comunicao (depois de terem ocorrido). A nossa cultura ocidentalcondicionou-nos a pensar de uma forma prospectiva (passado, presente e futuro). Aspessoas gostam de pensar em termos, por exemplo de causa e efeito. Normalmente, aspessoas no ficam satisfeitas at encontrarem as causas dos seus prprioscomportamentos assim como as causas dos comportamentos dos outros. O que me levoua agir daquela maneira? Porque que eu disse aquilo? Porque que ele disse aquiloacerca de mim? O que posso fazer para ganhar mais dinheiro? As pessoas gostam depensar e at so recompensadas por acreditar que o pensamento precede aco, masisso no assim (Weick, 1979). Apesar da tendncia para procurar causas para oporqu de algo acontecer, as pessoas tendem a pontuar a maioria (se n~o a totalidade)dos seus comportamentos depois dos factos, depois de ocorrerem, numa espcie defaz-sentido retrospectivo.

    Este princpio no implica que os significados ou definies de comunicao sejamnecessariamente mais correctos quando ocorrem depois do facto, mas sim que ofaz-sentido retrospectivo aquilo que tipicamente fazemos para definir os nossoscomportamentos e, logo, as nossas relaes. A nica forma da pessoa ter conscincia docarcter separado da experincia colocando-se fora daquilo que constitui a corrente dasua experincia pessoal e dirigir a sua ateno para aquilo que est| a presenciar.

    (Weick, 1979, p. 194). A afirma~o Como que eu sei aquilo que penso antes de ouviraquilo que tenho para dizer?, captura o fenmeno do faz-sentido retrospectivo (Fisher,1985).

    Algumas pessoas podero fazer pouco desta noo de faz-sentido retrospectivo eapontar para aces que esto directamente orientadas para algum objectivo a atingirno futuro. Tal comportamento, argumentaro essas pessoas, dirigido por algumpropsito predeterminado atingir o objectivo. O atleta treina para competir nasOlimpadas. O estudante trabalha para um dia ser advogado. O vendedor treina olanamento para conseguir efectuar a venda. Agora n~o nos interprete mal: n~oestamos a negar o facto que a maioria dos comportamentos humanos possam ter umobjectivo em vista. Mas o sentido que as pessoas finalmente atribuem ao seu

    comportamento orientado para um objectivo resultar eventualmente da definioretrospectiva desses comportamentos, dando um determinado significado aos padresde acontecimentos depois de eles terem ocorrido. Se a pessoa atingir o seu objectivo, elair| retrospectivamente dar sentido a esse modo de agir, talvez dizendo Vs, valeu apena. Consegui. Ela, desta forma, confirma a sua defini~o original. Se, por outro lado, apessoa no atingiu o seu objectivo, ela ir ainda assim iniciar alguma forma defaz-sentido retrospectivo, talvez dizendo Que perda de tempo ou redefinindo o seuobjectivo Na verdade n~o era isso que eu queria fazer.

    Alguns anos atrs Aub era o orientador de um estudante que tinha decidido desdemuito novo vir a ser um engenheiro. Ele fez todas as disciplinas de matemtica que era

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    possvel fazer no ensino secundrio e dirigiu todas as suas actividades para esteobjectivo. Depois de ter apanhado um D (nota insuficiente) na sua primeira disciplina dematemtica na faculdade, ele subitamente descobriu que na verdade ele afinal no

    queria ser engenheiro. Ele redefiniu os seus objectivos e acabou por estudarcomunicao e parecia bastante satisfeito quando, depois de formado, ele entrou numcurso de formao em gesto numa firma de servio pblico. O objectivo, da mesmaforma que qualquer definio que faamos de um padro de acontecimentos, estigualmente sujeito a ser redefinido atravs do faz-sentido retrospectivo. Se osacontecimentos mudam, os objectivos podem igualmente mudar.

    Especificamente, em termos da comunicao interpessoal, perspectiva pragmticasugere que as pessoas olhem retrospectivamente para trs, para as suas interaces comoutras pessoas e assim definem a relao. As definies das nossas relaes com osoutros so derivadas retrospectivamente e continuamente. Porque os interactuantescontinuam a atribuir sentido interaco mesmo depois de ter ocorrido, o significado, adefinio, das suas relaes est constantemente sujeita a mudar e muitas vezes mudam.E, medida que a interaco contnua, os acontecimentos da relao acumulam-se econtinuam a alterar-se. Mas, a mudana a essncia do processo. A Comunicao definitivamente um processo e, na medida em que a mudana est a ocorrerconstantemente, pode dizer-se que est em constante processamento. A naturezaprocessual da comunica~o interpessoal ir| ser discutida mais { frente aquando dadefinio de comunicao interpessoal.

    Princpio 5: Uma perspectiva pragmtica da comunicao humana envolve a colocaode diferentes questes no sentido de obter conhecimento ou compreenso. Qual a

    questo que, de um ponto de vista pragmtico, se deve colocar sobre o significado decomportamento? Ser que a quest~o O que significa este comportamento? apropriada? Neste ponto da discusso j deve ser claro que esta questo no a maiscorrecta a ser colocada, sob um ponto de vista pragmtico da comunicao humana.Pragmaticamente, no h maneira de se poder interpretar o significado de um dadocomportamento at ser considerado num padro ou sequncia de interaco (totalidadee no-somatividade). Comportamento, para ter um significado interpessoal, envolvedescobrir como que este comportamento se interliga com outros comportamentosnuma sequncia interaccional. E, mesmo a definio do padro de interaco no ficaclara, at ao momento em que toda a interaco contextualizada.

    A questo mais apropriada a colocar-se, se quisermos focalizar o sistema

    intrapessoal, ser| O que que as pessoas querem dizer com os seus comportamentos?Esta pergunta importante e pode ser at muito significativa. Infelizmente, , emprimeiro lugar, importante para o sistema intrapessoal. No contexto do sistemaintrapessoal da comunicao humana, no sempre a apropriada. Para descobrir osignificado que as pessoas do aos seus comportamentos, necessrio colocar umaquesto adequada exclusivamente aos nveis de anlise individual e intrapessoal. Ossignificados que as pessoas atribuem aos seus prprios comportamentos esto nointerior das suas cabeas. Outra pessoa pode interpretar esses comportamentos, mas sna base de alguma inferncia (preenchendo os espaos vazios). Lembremos os exemplosde Jos e a sua esposa e de Abbott e Costello. A resposta pergunta acerca do que que

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    as pessoas querem dizer com determinado comportamento tem um significado vital aonvel intrapessoal mas, pouco informativa se o nosso objectivo estiver focalizado nacompreenso do sistema da comunicao interpessoal e das relaes humanas.

    A questo pragmtica que nos informa sobre o sistema da comunicaointerpessoal n~o se refere ao o qu mas, o como dos significados comportamentais,ou seja Como o comportamento tem significado?. Albert Scheflen, num seu livro de1974 provocatoriamente intitulado Como o comportamento significa, sugere que aspessoas deviam deixar de perguntar que que as pessoas querem dizer com este ouaquele comportamento. Esta uma questo de focus; focalizamos a nossa ateno naspessoas ou nas formas comportamentais? (p. 204). Os comportamentos encaixam-seuns nos outros de forma a constiturem um padro de interaco familiar: estainteraco colocada num contexto relacional serve para definir aquela relao. Seobservarmos uma pessoa dar uma palmada com fora no ombro de outra e a outraresponder da mesma forma, e em seguida ambas rirem e abraarem-se, estaremos emcondies de responder { quest~o como este tipo de comportamento de dar umapalmada adquire significado nessa relao. Poderemos chegar concluso(retrospectivamente) de que este comportamento bater no ombro serve de ritual desauda~o entre estes dois grandes amigos. Colocar a quest~o do como focaliza a nossaprocura em obter a resposta de como este comportamento se insere no padro maisvasto de comportamentos, e desta forma acaba por adquirir um significado.

    Podemos at ir mais longe e perguntar a uma das pessoas que bateu na outra,porque que lhe bateu, e a resposta provvel ser| Eu n~o sei. Simplesmente fazemosisso quando n~o nos vemos durante algum tempo. Se perguntarmos Como que estaforma de sauda~o surgiu? a reposta ser| N~o tenho a certeza, aconteceu. Temos feito

    sempre isso a partir da. De lembrar a forma como Weiss (1969) redefiniuno-somatividade A informa~o acerca do todo, do colectivo, maior do que a soma dainforma~o sobre as partes (p. 43). A descrio de um comportamento no dinformao sobre o sistema interpessoal (o todo); essa informao providenciada pelaforma como os comportamentos esto integrados com outros comportamentos de modoa criarem o todo. Ele sugeriu que os dois processos focalizao nas partes oufocalizao no todo pode ser comparado, de alguma forma, com duas pessoas a olharpara o mesmo objecto por um telescpio, mas um de um lado e outro do outro (p. 11).Como demonstraremos em posteriores captulos, o conhecimento de como funciona osistema de comunicao intrapessoal, assim como de como funciona o sistema decomunicao interpessoal providenciar uma compreenso ainda mais profunda dasrelaes humanas apreciando ambos os lados do telescpio ou a naturezahierarquicamente integrada dos sistemas.

    Definio de comunicao interpessoal Estes cinco princpios permitem capturar anatureza essencial da perspectiva pragmtica da comunicao humana. A assumpo deque as relaes sociais emergem em e atravs de processos de comunicao interpessoal central para a perspectiva pragmtica. A comunicao interpessoal tem sidofrequentemente mencionada mas, como pode ela ser definida sumariamente? Acomunicao interpessoal o processo de criao de relaes sociais entre pelo menosduas pessoas que agem de forma concertada uma com a outra. Quais so as ideias

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    representadas nesta definio? A resposta a esta questo ajud-lo- a rever ascaractersticas nucleares da perspectiva pragmtica abordada neste captulo.

    Interaco e processo so duas ideias importantes representadas nesta definio.

    Em primeiro lugar, as relaes humanas emergem atravs de e ocorrem nas aces deambos os membros que intervm na relao, atravs da comunicao interpessoal, dasinteraces. Em outras definies, a relao humana tm sido o contexto (Gamble &Gamble, 1984, p. 4), o produto ou resultado (Phillips & Wood, 1983, p. 83), a funo(Ruben, 1984, p. 249), e um intercmbio econmico de comunicao interpessoal(Roloff, 1981), entre outras coisas. A nossa definio de comunicao interpessoalassume que ela no nada mais nem nada menos que a relao. Comunicaointerpessoal relao; as ocorrncias da aco de cada um dos parceiros para e com ooutro. Lembre-se Ns n~o nos relacionamos e depois falamos, mas relacionamo-nosatravs da fala (Duncan, 1967, p. 249).

    As nossas aces representam a nossa definio da relao interpessoal(Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967, p. 121). Desta forma, a comunicao interpessoal,mais do que poder ser considerada uma coisa, algo que acontece. Por outras palavras, acomunicao interpessoal um evento (ou uma srie de eventos) que ocorre duranteum determinado perodo de tempo. Como qualquer acontecimento que ocorre duranteum perodo de tempo, tambm acaba quando o acontecimento termina. A nica coisaque fica desse evento pragmtico, uma recordao na nossa memria e na da outrapessoa.

    Mas a comunicao interpessoal no consiste somente nas nossas aces, ou seja,naquilo que fazemos para criar uma relao. Tambm no somente o que a outrapessoa faz durante o evento comunicativo. A comunicao interpessoal no se limita s

    nossas aces face a outras pessoas; consiste na interaco criada conjuntamente pelasnossas aces e pelas aces concertadas da outra pessoa. Ray Birdwhistell (1959), umreconhecido especialista em kinesics7 sintetizou esta noo muito bem:

    Um indivduo no comunica; ele envolve-se em ou toma parte da comunicao. Elepode fazer movimentos ou provocar rudos mas, ele n~o comunica. De um modoparalelo, ele pode ver, ele pode ouvir, cheirar, saborear ou sentir mas, ele nocomunica. Por outras palavras, ele no produz comunicao; ele participa nela(p. 104).

    A relao que temos com outra pessoa est de tal forma emaranhada com a comunicao

    interpessoal que temos uns com os outros, que os dois conceitos so virtualmentesinnimos.

    7 NT: Kinesics rea da comunicao no-verbal que estuda os movimentos do corpo.

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    As relaes humanas so como uma dana de interaces situadas no tempo e caracterizadas pela:

    constante alterao, fluidez e movimento.

    Em segundo lugar, a comunicao interpessoal ocorre no tempo; um processo.Enquanto sistema social a comunicao interpessoal um sistema aberto e holsticoconstitudo por componentes interdependentes envolvidos em trocas constantes com oseu ambiente, justificando a sua natureza de morte e renova~o. um processodin}mico, progressivo, sempre em muta~o, contnuo (Berlo, 1960, p. 24).Referindo-nos ainda metfora da dana, algumas danas que comeam com os mesmospassos podem tornar-se gradualmente diferentes, enquanto outras que comeam deforma diferente podem evoluir para formas bastante similares (equifinalidade). Adana das interaces situa-se no tempo e denota uma mudana constante, fluidez,movimento, emergncia, no tendo comeo nem fim. A beleza do tango s pode serencontrada no processo da dana; na progressiva interligao dos passos entre osparceiros da dana. A comunicao interpessoal est constante mente num processo demorte e renova~o assim como as nossas danas (as nossas relaes).

    A Comunicao interpessoal em si prpria engloba aces, comportamentos, ouacontecimentos que, em conjunto, formam a interaco. A comunicao interpessoalenquanto relao est to intimamente ligada interaco humana que a distino entreuma e outra tornou-se bastante arbitrria (Hinde, 1979) podendo uma ser utilizada nolugar da outra.

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    SUMRIOA perspectiva pragmtica aqui utilizada como sendo a perspectiva central para

    perceber a comunica~o interpessoal. Apesar de o termo pragm|tica ter tido as suasorigens na semitica, os princpios da perspectiva pragmtica no tm qualquer relaoespecial com a teoria semitica. Em vez disso, a sua base metaterica pode serencontrada na teoria sistmica e nos seus princpios fundamentais: totalidade,no-somatividade, abertura, equifinalidade e hierarquia. A pragmtica foi pela primeiravez aplicada comunicao interpessoal em 1967 por Paul Watzlawick, Janet Beavin eDon Jackson na sua, agora clssica, obra Pragmtica da Comunicao Humana.

    A comunicao interpessoal pragmaticamente definida como sendo oprocesso dacriao de relaes sociais entre pelo menos duas pessoas atravs da aco concertada

    entre elas. A comunicao interpessoal um sistema social de comportamentosinter-relacionados que ligam indivduos entre si. Enquanto sistema social no pode ser

    reduzido aos seus componentes e tem uma identidade que est para alm da mera somadas partes. Est integrado hierarquicamente com outros sistemas e a compreenso dasua dinmica deve ser procurada pelo menos ao nvel didico (interpessoal) e no aonvel individual (intrapessoal). Enquanto processo pode ser comparado ao fluidomovimento de vai e vem de uma dana.

    Cinco princpios gerais servem para guiar a nossa compreenso pragmtica dacomunicao interpessoal. Primeiro, os comportamentos (aco humana) so osfenmenos necessrios para entender a comunicao humana. Segundo, a interpretaoou definio dos comportamentos comunicativos pode ser encontrada nos padresatravs dos quais esses comportamentos esto interligados uns com os outros. Terceiro,

    o sentido ou significado dos padres de comportamento encontrado atravs doreconhecimento de que eles se inserem num determinado contexto. Quarto, perceber acomunica~o significa dar sentido aos padres comunicativos retrospectivamente, isto, depois de eles terem ocorrido. Quinto, uma perspectiva pragmtica da comunicaohumana envolve a colocao de diferentes questes para adquirir conhecimento paramelhor entender este tipo de comunicao. A comunicao interpessoal inclui nosomente as nossas aces e as aces da outra pessoa envolvida, durante o processocomunicativo. a interaco criada conjuntamente por ambos os intervenientes agindode forma concertada, tal como a essncia de uma dana criada pelo conjunto,interligao, dos comportamentos dos dois danarinos. A perspectiva pragmticadesloca o estudo da comunicao humana do processo intrapessoal do indivduo para a

    sequncia dos comportamentos entre pessoas (o sistema interpessoal). Comunicaointerpessoal, interaco, e relao so termos to interligados que podem ser utilizadosno lugar uns dos outros.

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    TERMOS CHAVE8

    Perspectiva pragmtica Abertura

    Sistema intrapessoal Holon

    Teoria sistmica Entropia

    Sistema social Comunicao interpessoal

    Totalidade Equifinalidade

    Pontuao Processo

    No-somatividade Dade

    Hierarquia

    8 Os termos chave so listados pela ordem em que aprecem no captulo. P. F. verifique o textopara a respectiva definio.

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    CAPTULO 2

    Traduo de:Carina SousaJlio Coutinho

    Reviso de:Jos Farinha

    Um Modelo Pragmtico da

    Comunicao Interpessoal

    Um modelo fornece ao cientista da comunicao uma das mais simples e muitas

    vezes mais teis vias para desbravar alguma da enorme complexidade dainteraco humana. Um modelo , na sua essncia, uma analogia, uma

    replicao de relaes que supostamente determinam a natureza de um dado

    evento. A lgica que est por detrs do uso de tais modelos a de que eles so

    capazes de reduzir um evento complexo a uma forma simblica, abstracta e

    mais manejvel.

    - Ken Sereno & David Mortensen

    Virtualmente todos os livros escritos at hoje acerca da temtica da comunicao

    interpessoal incluem um modelo, tradicionalmente um diagrama, representando aforma como a comunicao acontece. Este livro no excepo. Para que no se penseque estamos a brincar com os modelos de comunicao em si, vamos divergir um poucoe explicar a nossa atitude relativamente a eles. Imagine por um momento que tinha sidoencarregado de construir um modelo original da comunica~o. N~o tem problema!Diz voc? Suponhamos ainda que lhe disseram que no era permitido usar nenhumassetas! Frustrado, voc e os seus colegas tentam construir modelos usando todo ouqualquer substituto para as setas. Por exemplo, alguns poderiam usar um sistema decordas e roldanas, outros, lagartas de caterplar, correias de transmisso, equaesmatemticas enfim, qualquer coisa que pudesse substituir a noo linear de transmitir

    e receber mensagens.A lio que se pode retirar deste exerccio a de que para se representar ummodelo de comunicao em forma de diagrama em duas dimenses numa folha de papelsignifica submeter-nos s limitaes impostas por essas duas fronteiras geomtricasdefinidas pelo comprimento e largura. Pedirem-nos para desenhar um modelo numafolha de papel a duas dimenses sem usar setas uma tentativa para nos fazer pensarsobre a comunicao para l dessas duas dimenses. Como ilustrar outras dimensescomo profundidade ou tempo num desenho? Como capturar a natureza,chamemos-lhe assim, danarina da comunica~o interpessoal num desenho a duasdimenses? Pode tentar se quiser.

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    Ns preferimos um modelo verbal da comunicao que no envolva umarepresentao diagramtica. Onde est escrito que os modelos de comunicao tmnecessariamente que ser um desenho visual? No fim de contas, um modelo somente

    uma analogia ou uma met|fora que representa algo real. E as met|foras podem serexpressas tanto por palavras como atravs de diagramas. Neste sentido, econtrariamente ao popular clich, algumas palavras valem mais que mil imagens.

    Apesar de preferirmos um modelo verbal, ns inclumos um diagrama com o nossomodelo verbal para aqueles que preferem ver aquilo que esto a aprender e aparaaqueles que ficaram curiosos acerca da forma como ns poderamos representar numdiagrama a dana das relaes. Lembre-se, contudo, que o diagrama seguinte estlargamente simplificado porque se restringe s duas dimenses e que na realidade elerepresenta um processo muito mais complexo particularmente este modelo omissono que se refere ao facto da comunicao envolver acontecimentos e ocorrer ao longo dotempo. O modelo verbal de comunicao (que na realidade o que resta deste captulo edeste livro) acompanhar o diagrama e ilustrar essa complexidade.

    UM MODELO PRAGMTICOA maioria dos modelos de comunicao interpessoal tm por base uma dade, porque mais fcil representar o processo de comunicao se somente duas pessoas estiveremnele envolvidas. Trs pessoas (ou quatro ou cinco ou mais) so perfeitamente capazesde se envolverem num processo de comunicao interpessoal, ou de ter uma relao.Contudo, quando o nmero de pessoas envolvidas aumenta, a complexidade do processoaumenta substancialmente tornando-o mais difcil de representar num diagrama. Onosso modelo utiliza uma dade e, para facilitar a discusso, personaliza os componenteshumanos atravs de nomes humanos - Simon e Megan. O modelo completo possui trselementos: indivduos ( Simon e Megan), relao e contexto (Ver figura 2-1).

    O nosso diagrama de comunicao interpessoal tenta ilustrar a integraohierrquica j abordada no captulo 1. Fazemos isso atravs da utilizao de uma espiral(ou hlice) para representar a relao que liga o Simon e a Megan. Optmos pelo o usoda forma em espiral pelas mesmas razes dadas por Frank Dance (1970) quando este ausou para representar o processo comunicativo. Ele explica-nos que:

    Agora e sempre a hlice demonstra geometricamente o conceito de que acomunicao enquanto se desenvolve/expande est ao mesmo tempo a voltar paratrs/retroceder para si mesma, sendo afectada pelo seu comportamento passado.Assim, a prxima volta da hlice ser afectada fundamentalmente pela volta da qualemergiu. No entanto, ainda que lentamente, a hlice pode libertar-se gradualmentedas suas distores de baixo nvel... O processo comunicativo semelhana da hliceest constantemente em movimento ascendente, todavia est sempre em algumgrau dependente do seu passado, o qual informa o presente e o futuro.

    A comunicao interpessoal, como se deve lembrar, um processo dinmico e fludosem princpio nem fim. Mais, podemos dizer que os indivduos se envolvem ou soparticipantes de uma relao de comunicao, em vez de dizer que a comunicao algoque os indivduosfazem uns aos outros.

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    O Modelo Pragmtico vs. Modelos PsicolgicosO nosso modelo representa uma mudana de focalizao relativamente maneira de ver

    a comunicao interpessoal por parte dos modelos mais tradicionais. Maisespecificamente, o nosso modelo est em directo contraste com os modelos fundadosnuma viso psicolgica da comunicao. At recentemente estes modelos psicolgicos decomunicao tm servido de base para a maior parte das investigaes sobrecomunicao interpessoal (Trenholm, 1991), e inversamente a interac~o social temsido o fenmeno mais falado e menos estudado nas cincias sociais (Millar & Rogers,1987, p. 117).

    Quando ler acerca das diferenas entre estes modelos, queremos que imagine aesta nossa mudana de focalizao da ateno como uma alternncia numa relaofigura-fundo (Rogers, 1989). O locus psicolgico da comunicao interpessoal implicaver a rela~o do ponto de vista de cada um dos comunicadores: A rela~o serve de

    fundo para o indivduo, o qual a figura. O ponto de vista de cada pessoa acerca darelao (o fundo) baseado no self da cada indivduo (a figura). Nesta perspectivapsicolgica, o ponto central para compreender a comunicao e as relaes, est naexplorao e explicao dos processos pessoais e cognitivos: isto , o que se est apassar no interior do indivduo durante a comunicao (Fisher, 1978). Fisher refere-se aestes processos psicolgicos como filtros conceptuais. Eles so os estados internos doindivduo que podem ser descritos como crenas, atitudes, imagens, autoconceitos,motivos, necessidades, cognies, personalidades, etc..

    A comunicao interpessoal, segundo uma orientao psicolgica, uma misturade semelhanas e diferenas individuais. A palavra comunicar deriva do infinitivo

    latino communicare que em sentido literal significa pr em comum. Segundo o locuspsicolgico, a comunicao interpessoal envolve duas ou mais pessoas cujos filtrosconceptuais internos tm algo em comum. Para Symon conseguir comunicar com aMegan os filtros conceptuais dele tm de ter algo em comum (isto , serem semelhantes)com os filtros da Megan.. A figura 2-2 ilustra esta sobreposio ou comunho entre osfiltros conceptuais de Symon e de Megan. Quando o Symon e a Megan comunicam, elesexpandem-se a si prprios num acto de comunicao, atravs do seu pensamento,percepo e crenas - resumindo, atravs dos seus filtros conceptuais.

    Figura 2-2 Os processos psicolgicos da comunicao humana

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    A rea sombreada da figura 2-2 indica a poro de filtros conceptuais do Symonque similar (ou comum) aos filtros da Megan que ocorrem simultaneamente. Pode-seespecular que a comunicao entre o Symon e a Megan ser tanto mais efectiva quanto

    mais a sobreposio aumentar. Pelo menos uma maior quantidade de sobreposiosugere sempre um maior grau de semelhana psicolgica entre o Symon e a Megan.Quanto maior a sobreposio maior a quantidade de coisas que tm em comum um como outro.

    As pessoas muitas vezes usam a palavra partilhar para referirem este factorcomum dos comunicadores. Duas pessoas partilham as suas experincias uma com aoutra; eles partilham os nossos significados uma com a outra (Fisher, 1978; Trenholm,1991, p. 37). Partilhar uma palavra altamente respeitada na linguagem quotidiana daspessoas sobre comunicao interpessoal. Contudo, embora a palavra seja muito popularpode ser tambm algo enganadora. O Symon e a Megan no podem partilhar os mesmosprocessos psicolgicos no sentido em que tm os mesmos processos psicolgicos - querdizer como se existisse somente um nico processo psicolgico. Teremos sempre doisprocessos psicolgicos distintos em aco durante a sua comunicao, ainda que algunspensamentos, crenas, etc. possam ser similares aos pensamentos, crenas etc.

    Partilhar uma opinio, no significa ter a mesma opinio mas, sim ter duasopinies distintas e individuais que tm algumas caractersticas em comum. Essacaracterstica comum surge da coincidncia de duas opinies diferentes em outrosaspectos. A coincidncia representa a medida em que as duas opinies se sobrepemmas, no , nem nunca poder ser a mesma opinio. A comunicao psicolgica assimuma coincidncia de dois diferentes filtros conceptuais e no podem ser consideradoscomo um nico.

    A comunicao interpessoal, considerada a partir do ponto de vista da orientaopsicolgica, uma mistura entre semelhanas e diferenas; as relaes sociais segundo omodelo psicolgico so compreendidas do ponto de vista do indivduo. Se quisermoscompreender o carcter de uma relao, temos que ir junto de um ou mais indivduosparticipantes na relao e solicitar informao acerca da relao. Partindo dessainformao recolhida junto de cada participante que se podem fazer inferncias acercada relao. Isto reflecte a quest~o O que que as pessoas querem dizer com o seucomportamento? introduzida na nossa discuss~o sobre o princpio 5. As respostasindividuais a esta questo tornam-se a base para a compreenso das relaes.

    Em comparao, o nosso modelo pragmtico transfere a anlise do individual(intrapessoal) para os padres de comportamento entre as pessoas (o interpessoal),vendo esta como base para a compreenso das relaes sociais. A perspectivapragmtica assume o ponto de vista de que as relaes interpessoais s~o padresemergentes; que estes so redundantes, ciclos interligados de mensagens, negociadoscontinuamente e co-definidos em vez de causados unilateralmente por qualidadespessoais e/ou prescries de papis sociais. (Millar & Rogers, 1987, p. 118). Invertamosagora a figura/fundo que introduzimos anteriormente. No nosso modelo a relao afigura adquirindo um realce face ao indivduo, que agora o fundo. A questo queorienta a pesquisa em comunica~o interpessoal como que os comportamentossignificam? (Princpio 5). A comunicao interpessoal no a sobreposio coincidentede dois filtros conceptuais mas sim o processo de criao de relaes sociais entre pelo

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    menos duas pessoas agindo de forma concertada uma com a outra. O locus dacomunicao encontra-se no dentro da cabea das pessoas mas c fora, entre aspessoas em padres comportamentais.

    Para que no corramos o risco de sermos mal compreendidos, isto no quer dizerque o nosso modelo pragmtico se