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Retrato sobre a formação policial militar vista sob a ótica sociológica e humanizada.
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1CONTINNCIA HUMANIZADA
Socializao e Relaes de Poder na Formao
Policial Militar
Fbio Gomes de Frana
2 minha saudosa irm Elizabeth, que passou a existirem outras paragens e que deixou um vazioimpreenchvel em minha alma e em meu corao.
Dedico (in memoriam).
3AGRADECIMENTOS
A gratido constitui uma ponte ideal que a almaatravessa uma e outra vez, por assim dizer, e mais leve sugesto para lanar uma nova ponte outra pessoa, a usa para chegar mais pertodela. Georg Simmel
Esta obra, aps sofrer as modificaes necessrias, surgiu a partir da minha pesquisa
de mestrado defendida no ano de 2012 pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia da
Universidade Federal da Paraba, a qual foi orientada pela professora Dr. Simone Magalhes
Brito.
Por essa referncia, destaco que nenhum trabalho pode nutrir-se apenas da solido
cientfica de seu autor, pois, na empreitada das horas e dias dispendidos para realizar-se uma
reflexo desta profundidade, necessrio apoio, companheirismo e grandes amizades. Assim,
agradeo primeiramente a Simone Magalhes Brito por ter orientado os meus passos com
esmero, ateno, dedicao e carinho, alm de ter enriquecido este trabalho com sua reviso.
Aos professores Rogrio de Souza Medeiros e Adriano de Lon, ambos da
Universidade Federal da Paraba, por terem contribudo enormemente nas bancas de
qualificao e defesa por ocasio do mestrado, e ao professor Alexandro Silva de Jesus da
Universidade Federal de Pernambuco por suas fecundas observaes quando membro da
banca de defesa da Dissertao.
s pessoas que sempre estiveram comigo em pensamento por terem sido o acalento
que me nutriram para que estas pginas no fossem um trabalho escrito de forma solitria, ou
seja, Vernica, Jonas do Monte, Dona Conceio, Wilta e Lenlson, as quais tambm so
meus referenciais nos momentos mais difceis.
minha me, minha irm Helena e meu irmo Hlio e sua esposa Elane. A todos os
meus sobrinhos e sobrinhas. Destaco que, sem eles, eu no teria tido as bases necessrias para
chegar at aqui, tanto nos bons como nos maus momentos e, em especial a minha irm
Elizabeth (in memoriam), por ter se desdobrado no papel de me-irm e ter sido uma pessoa
fundamental para que eu pudesse entender o significado do que educao e superao.
memria de meu pai que, mesmo sem entender, no deixava de me dar quando
FULDQoDDTXHOHOLYURTXHPHGHVSHUWDYDSDUDRPXQGRIDQWiVWLFRGDOHLWXUD&RPRHXTXHULD
4que hoje ele aqui estivesse para ver que me ajudou na construo de um homem que pensa
sobre o mundo, mas tambm que sente sua ausncia quando a saudade invade o corao.
A Fernandes Abel pela possibilidade criada de encontrarmos de forma recproca um
novo mundo a ser descoberto com amizade, carinho e respeito.
A Rubens Elias que, talvez sem saber, me serviu de cone desde a minha infncia em
querer desbravar as portas abertas do conhecimento. Alm de amigo, ele exemplo imparcial
de humanidade. Sua alegria contagia meu esprito e estar ao seu lado mais que um prazer,
um grande presente.
Nancy, pela dedicao e forma atenciosa que nos acolhe quando investida de seu
papel de nos orientar enquanto secretria do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da
UFPB.
Rosenilda Carvalho, Sandra, Surhana e Jose, as quais partilharam comigo do seio
acadmico quando do incio de minha trajetria e que, por terem construdo comigo uma
relao sincera de proximidade, deixaram as marcas da saudade em meu ser, j que a vida
forou-nos a seguirmos trilhas distintas na busca por auto-realizao.
Aos meus amigos policiais militares que constroem comigo uma equipe de trabalho
mais que profissional e a todos os meus alunos policiais militares que so um dos motivos
pelos quais eu luto para instig-los na busca pelo conhecimento, que pode ser a grande arma
para mostr-los qual tipo de profissionais devem ser para termos uma sociedade melhor. Em
especial aos meus ex-alunos Hellena e Ponciano por serem sujeitos de ruptura e resistncia na
luta por um mundo e uma Polcia Militar melhores.
A todos os policiais militares que, numa profisso to rdua, oscilam entre
circunstncias diversas que os colocam ora como herois, viles ou vtimas, mas que no os
retira a obrigao de agir em cumprimento do dever pela paz social. Espero pelo dia que a
instituimR SRVVD GHVSHUWDU SDUD FRPSUHHQGHU DV HQJUHQDJHQV RFXOWDV TXH OKH VXVWHQWD Hpara que assim, possamos sonhar com uma Segurana Pblica que trabalhe efetivamente para
a sociedade e no para sustentar as faces de um poder que alimenta a si mesmo atravs das
relaes que os homens estabelecem entre si.
5Era o ano de 2004 e estava iniciando-se o Curso de
Formao de Oficiais pelo Centro de Ensino da Polcia
Militar do Estado da Paraba. A turma era formada por
20 alunos, dos quais cinco eram mulheres. Os alunos
saram para a sede do 1 Batalho de Polcia Militar
para terem uma aula, que no seio militar chamada de
instruo, sobre doutrina de policiamento de choque. O
instrutor, que era um tenente, aguardava os alunos com
entusiasmo, pois eram recm-egressos no curso. A
instruo versava sobre atuar e comandar um peloto de
homens que fosse utilizado para controlar distrbios
civis - situaes de conflito envolvendo uma grande
quantidade de pessoas. No se sabe bem como o assunto
foi suscitado pelo instrutor, mas o mesmo abordou algo
que no fazia nenhum tipo de discurso em favor dos
Direitos Humanos na instituio, assunto esse que, no
meio policial militar cria muitos debates entre defensores
e crticos. Os crticos dizem que essa busca por um
policiamento mais humanizado serve apenas para
proteger bandidos e delinquentes. Assim tambm o
instrutor posicionou-se. E levando-se em considerao
uma matria como o policiamento de choque, bandido
era mesmo para apanhar. Um dos alunos, que era muito
polmico exatamente por ser contrrio a uma polcia
repressiva e truculenta, que defendia os Direitos
Humanos por ser de seu carter a preocupao com os
outros, o que era deixado transparecer diretamente a que
tipo de policial queria ser, defendeu esses princpios
humanitrios de frente ao instrutor, o que foi suficiente
SDUD TXH R LQVWUXWRU R IL]HVVH SDJDU IOH[}HV oconhecido exerccio fsico que muitos chamam de
marinheiro numa linguagem mais popular at aexausto, de modo que ele se convencesse de que estava
errado porqueFRPRXPSROLFLDOFKRTXLDQRHOHWHULD
6de ser contra essa balela de Direitos Humanos. Aquela
situao constrangeu a todos, mas o aluno relutou e
preferiu fazer as flexes todas as vezes que o instrutor
mandou, que foram vrias, gritando o nome de Direitos
Humanos at ficar extasiado, do que se curvar ao que
estava sendo exposto. Hoje, ele no mais policial.
Passados oito anos, hoje ele saiu do Brasil e mora no
Canad.
O autor
7SUMRIO
Introduo-------------------------------------------------------------------------------------------------8
1. A HISTRIA DA FORMAO PROFISSIONAL DO POLICIAL MILITAR ---------
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------26
1.1 Exrcito, Polcia, Disciplina e Ordem Social ---------------------------------------------------26
1.2 Polcia e Militarismo: uma construo histrica------------------------------------------------30
1.3 Os Direitos Humanos e a Formao Policial Militar-------------------------------------------33
2. O CENTRO DE FORMAO POLICIAL MILITAR-------------------------------------44
2.1. A Histria do Centro de Ensino -----------------------------------------------------------------44
2.1.1.A Histria contada --------------------------------------------------------------------------------45
2.1.2. O Momento atual --------------------------------------------------------------------------------49
2.2. O Disciplinamento como Modelo FRUPDWLYRGR%RP3ROLFLDO -------------------------- 51 2.3. A Pedagogia do Controle e a Prxis da Vigilncia no Corpo Social ------------------------59
2.4. A Construo Simblica da Identidade Policial ------------------------------------------------62
3. DISCIPLINA E PODER ---------------------------------------------------------------------------66
3.1. A Disciplina na Antiguidade ----------------------------------------------------------------------66
3.2. $'LVFLSOLQDQR0XQGRGH'HXV---------------------------------------------------------------683.3. Disciplina, Corpo e Poder -------------------------------------------------------------------------73
3.4. O Mecanismo de Controle ------------------------------------------------------------------------81
3.5. Socializao, Disciplina e Educao Militar ---------------------------------------------------84
4. ENTRE O DITO E O OCULTO: O PROCESSO HUMANIZADOR DA
FORMAO POLICIAL ---------------------------------------------------------------------------90
4.1. A Humanizao Policial como Estratgia de Controle e Vigilncia ------------------------90
4.2. Os Princpios Humanizadores e os Currculos de Formao -------------------------------109
Concluses----------------------------------------------------------------------------------------------117
Referncias ---------------------------------------------------------------------------------------------122
Anexos --------------------------------------------------------------------------------------------------128
8INTRODUO
Foi enquanto aluno dos cursos policiais militares na Paraba que eu pude despertar as
primeiras observaes e reflexes sobre a ideia da pesquisa que originou esta obra, j que
fazer parte do mundo institucional da formao policial militar, onde a hierarquia e a
disciplina so pilares primordiais do modelo de organizao, um campo aberto para
inmeras possibilidades do fazer sociolgico.
Assim, as minhas impresses iniciais como nativo da Polcia Militar do Estado da
Paraba (PMPB) levaram-se a perceber que a PM1 passou a adotar polticas educacionais que
IRUPDVVHPSROLFLDLVPDLVKXPDQL]DGRVHPLQKDLQTXLHWDomRVHEDVHDYDQDFRQWUDGLomRTXHexistia durante a formao discente, que se pautava prioritariamente pelos fundamentos da
tica militarista e sua praxis. No entanto, um primeiro olhar me levava a crer que a
preocupao central da PM paraibana era afastar a imagem de modelos antigos que
guardavam resqucios do regime ditatorial no Brasil. Nesse contexto, comecei a notar um
distanciamento entre a teoria (discurso humanizador) e a prtica (formao disciplinar) e,
meus questionamentos aumentaram quando ingressei no Curso de Formao de Oficiais
(CFO) no ano de 2004, mediante prestao do Concurso Vestibular pela Coperve.2 Esse curso
se trata de um Bacharelado em Segurana Pblica que ocorre durante um perodo de trs anos
em tempo integral.3
Para melhor entender a problemtica que aqui analiso passo a rememorar o caminho
que percorri para tornar as minhas inquietudes em um objeto sociologicamente apreensvel, o
que primeiramente segue a cronologia de minhas experincias no Centro de Ensino da Polcia
Militar do Estado da Paraba (CE)4 como aluno, e finaliza no prprio processo de pesquisa na
relao que foi estabelecida entre o policial e o pesquisador.
1 De acordo com o contexto, PM pode referir-se tanto instituio policial militar mas nesse caso sendoempregada como um substantivo feminino quanto ao profissional policial militar. 2 Comisso Permanente do Concurso Vestibular. rgo conveniado Universidade Federal da Paraba e que responsvel pela organizao e aplicao dos exames vestibulares no Estado anualmente. Atualmente, a Coperveno mais organiza a forma de ingresso nos Cursos da UFPB bem como o do CFO, pois o processo utilizadopassou a ser o do Enem (Exame Nacional do Ensino Mdio). 3 Nos ltimos anos, a concorrncia para ingressar nesse curso vem sendo uma das maiores do vestibular, havendo alternncia entre o CFO e o curso de medicina como sendo o mais concorrido. Ver:.4 Local principal de formao dos policiais paraibanos. Tambm ocorrem cursos de formao em outras cidadesdo Estado da Paraba, mas que carecem de toda a estrutura daqueles que acontecem no Centro de Ensino. Importante frisar que esses cursos so apenas de formao de soldados, no se estendendo aos cursos dashierarquias superiores da Polcia Militar, que s so realizados no CE.
9O mundo da formao policial militar
Em 2004, dois anos depois de minha entrada na PM paraibana, o processo de
mudanas j estava em curso no tocante formao dos profissionais PMs: disseminava-se odiscurso de que policiais mais humanizados estavam sendo formados. Desse modo, podemos
afirmar que no ano de 1990 foi criado o Curso de Formao de Oficiais (CFO), que passava
ento a ser realizado no CE e no mais em outro Estado como era at a criao do CE. No ano
de 1999, aconteceu o primeiro concurso pblico para soldado com a exigncia do ensino
mdio, pois at ento o ensino fundamental era a obrigatoriedade necessria para o ingresso
na PMPB, isso mediante convite, por muitas das vezes, para os recrutas recm
desincorporados das fileiras das Foras Armadas.5 Comisses externas tambm passaram a
organizar os concursos para os policiais militares, com o fim de mostrar a idoneidade da
Corporao que no mais deveria se pautar em modelos antigos presos a favorecimentos
pessoais.
As mudanas englobaram a formao dos policiais militares tanto na classe6 dos
Oficiais quanto na dos Praas e, no tocante aos novos contedos ministrados, novas
disciplinas surgiram nos ensinamentos pedaggicos policiais militares no incio da dcada de
90, como a de Direitos Humanos. Outras disciplinas ganharam novas denominaes para se
tornarem mais direcionadas para o processo humanizador de ensino. Enfim, deveria-se
mostrar sociedade que as mudanas eram positivas.
Quando entrei na carreira policial militar em 2002, por meio do curso preparatrio
para soldados, IRLXPDIDVHGHFKRTXHSDUDPLPSRLVRFKRTXHpDLQGDPDLV DFHQWXDGRquando o protagonista um novato, na mais SXUDDFHSomR.7 Uma cadete do 1 Ano tambmPHFRQIHVVRXVXDSHUFHSomRDRGL]HUTXHFoi to chocante pra mim [sic] entrar na polcia
5 At 1986, o ingresso no Curso de Formao de Soldados se fazia mediante a exigncia do antigo 1 grau, o quemudou a partir de 1989 quando a exigncia passou a ser a do antigo 2 grau. 1999 o ano em que uma instituioexterna, especializada, passou a organizar a entrada nos cursos de formao policiais militares, no nvel desoldado, mediante concurso pblico. Em relao ao Curso de Formao de Oficiais, at 1972 se exigia o 1 grau, o que passou a ser o 2 grau em 1973. At 1989 era a prpria Polcia Militar que organizava o processo deseleo e, a partir de 1990, ficou a cargo da COPERVE a realizao do concurso de ingresso. Ver em:PARABA (Estado). Diretoria de ensino. Curso de Formao de Soldados. Tcnico em polcia preventiva:manual. [s.n.]. Cajazeiras, PB, 2007. p. 109. 6 A utilizao do termo classe adquire neste sentido um emprego que no corresponde ao modo pelo qual Marxcaracteriza os grupos antagnicos que so prprios das sociedades capitalistas. Para a relao de conflito que seestabelece entre grupos nas instituies modernas, o termo webHULDQRJUXSRGHstatusSDUHFHPDLVDGHTXDGRpara explicar a oposio entre agentes sociais que se encontram em lados opostos. Ver em: COLLINS, Randall.Quatro tradies sociolgicas, 2009, p. 81. 7 SILVA, Robson Rodrigues da. Entre a caserna e a rua: RGLOHPDGRSDWRXPDDQiOLVHDQWURSROyJLFDGDinstituio policial militar a partir da Academia de Polcia Militar D. Joo VI, 2011, p. 75.
10
militar que nos primeiros dias todos os dias eu tinha dor de cabea porque eu pedia
permisso pra falar e a permisso era negada. Isso me deixava em pnico porque eu nunca
tinha passado por um processo de limitao, de liberdade dessa formaCadete D.). Quandome vi imerso no mundo do disciplinamento com todos os exerccios realizados em sincronia
com os outros alunos e com um sargento a todo instante nos cobrando perfeio para que tudo
sempre estivesse adequado e uniformizado, foi uma experincia angustiante. Ao mesmo
WHPSRRVFRRUGHQDGRUHVGL]LDPTXHVHQmRDJXHQWDUHPSHoDPSUDVDLURTXHGHVSHUWDYDem mim e nos outros alunos soldados um posicionamento contrrio ao de ser covarde para
desistir do curso, o que me fez suport-lo. Mesmo assim, na segunda semana do curso, eu
OHYDQWHLPLQKDPmRQRPHLRGDWURSDGHDOXQRVHIDOHLSDUDRVDUJHQWRTXHHXTXHULDSHGLUEDL[DTXHQRPXQGRSROLFLDOPLOLWDUVLJQLILFDTXHUHUGHVLVWLU6yTXHPLQKDGHVLVWrQFLDQmRse realizou, pois coloquei como prioridade questes de necessidades pessoais.8
Depois desse episdio, o cotidiano baseado no disciplinamento constante comeou a
VHQDWXUDOL]DU. Eu j era capaz de perceber que minha vida civil estava ficando para trs e, para usar uma ideia de Goffman (2007)DPRUWLILFDomRGRHXMiHVWDYDRFRUUHQGR3DVVHLDadotar comportamentos regrados pelo medo de no ser punido a todo instante. Atrasos,
posturas corporais, asseios pessoais (barba, cabelos, roupas), no questionar a nada apenas
tendo que me submeter a expressar-VHFRP6LP6HQKRUH1mR6HQKRU$OpPGLVVRRmedo tambm advinha de outras situaes como evitar ir a certos locais dentro do quartel para
no ser interpelado pelos superiores e no saber se expressar corretamente ou cometer atos
que fossem contra a disciplina; evitar exposio ou destacar-me negativamente entre os outros
alunos, o que poderia me tornar conhecido como SHL[H,9 ou seja, aquele que fez algo quedespertou a ateno dos superiores e que passa a se tornar negativamente popular entre os
alunos.
8 Essa experincia do policial-pesquisador que, por motivos relacionados ao mercado de trabalho, teve querecorrer carreira profissional policial militar tambm relatada por Souza (2012) em seus estudos sobre asrepresentaes sociais dos policiais militares e a reproduo da violncia na Polcia Militar de Sergipe. Segundoo autor, ao relembrar sua experincia pessoal-SURILVVLRQDO DQWHULRU j SHVTXLVD HOH QRV GL] TXH WHUPLQDGD Dgraduao o desemprego me acenava. Incentivado por familiares e outros colegas da universidade que tambmtentariam o concurso, inscrevi-me para o cargo de soldado da Polcia Militar do Estado de Sergipe nos primeirosmeses de 2002. Nessa poca, a exemplo de outros colegas que tambm haviam feito a inscrio, a expectativa deingressar na PM residia basicamente na possibilidade de conquistar um emprego no servio pblico e assimburlar DDQJ~VWLDGHSRUWDUXPGLSORPDHHQJURVVDUDILODGRGHVHPSUHJR,Q628=$0DUFRV6DQWDQDGHAviolncia da ordem: polcia e representaes sociais, 2012. p. 26. 9 Este termo utilizado pelos cadetes e pelos policiais militares em seu cotidiano tem o mesmo significado usadopor Goffman em sua obra Manicmios, prises e conventos. Contrariamente, o termo tambm pode assumir umsentido positivo quando no mundo social policial militar algum subordinado passa a ser beneficiado nas relaescotidianas pelo fato de conhecer algum superior desenvolvendo relaes amistosas com ele ou ainda por ser umamigo mais prximo, o que evita as punies do superior para com o subordinado devido a essas relaesLQIRUPDLV3DUDRHQWHQGLPHQWRGHVVH VHJXQGRVLJQLILFDGRGDH[SUHVVmRSHL[HYHU$OEXTXHUTXH0DFKDGR(2001).
11
Nesse espao social onde as prescries disciplinares funcionam com base em
regulamentaes internas, a hierarquia tambm est presente. Quando avistei uma cadete
entrando na sala em que eu estava (onde s tinham alunos soldados), indaguei aos meus
colegas de quem se tratava e eles responderam-me que se tratava de uma cadete. E depois de
explicado como o cadete estava posicionado na hierarquia policial militar passei a entender
melhor o significado do que ser cadete. A farda usada pelo cadete, os smbolos nos ombros,
o prestgio perante superiores e subordinados e toda a carga emotiva e identitria me
despertaram o desejo de ser um cadete. Aps ter passado por um segundo curso interno no
ano de 2003 para tornar-me sargento, tornei-me cadete no ano de 2004 depois de submeter-me
aos exames vestibulares. Nesse perodo, entrei na Academia de Formao com certa
experincia adquirida no cotidiano da formao policial militar por conta dos cursos
anteriores.
A partir da vivncia dessas prticas cotidianas agucei o meu olhar para novas questes
TXH FRPHoDUDP D VXUJLU QR GLVSRVLWLYR GR TXDUWHO )RUDP FRQVWUXtGRV SRU WRGR R TXDUWHOmosaicos, painis, frases, enfim, um conjunto de elementos discursivos que exercia uma
forma peculiar de coero social.10 Com efeito, passa a lembrar aos policiais militares em
formao que o processo de mudana organizacional exige que uma nova polcia deva ser
implementada e internalizada pelo corpo policial. Ao observar os discursos dos superiores nas
solenidades oficiais, percebi que novas palavras at ento estranhas no cotidiano do quartel
comearam a ganhar nfase. Cidadania, democracia, respeito dignidade humana, enfim,
passei a notar que existia um processo de mudanas, mas at ento no entendia o que estava
realmente acontecendo. Estranhava o fato de se disseminar o discurso humanizador na
instituio que prezava estritamente pelo disciplinamento na formao de seus alunos. Passei
a questionar se existe algum problema quando se disseminam discursos humanizadores em
instituies de formao militar como a PM.
Nesse sentido, destaco dois tipos de policiais militares que surgem na formao
policial militar: o policial disciplinado e o policial humanizado. Entendo que esses dois
conceitos tpico ideais11 SRGHP VHU H[SOLFDGRV SHOR TXH :HEHU GHQRPLQD GH pWLFD GDUHVSRQVDELOLGDGHHpWLFDGDV~OWLPDVILQDOLGDGHV2SROLFLDOTXHFKDPRGHGLVFLSOLQDGRpRque est imerso no mundo das tcnicas disciplinares e naturaliza esse mundo por introjetar o
ethos militar sem preocupao em question-lo j que a submisso s regras institucionais,
10 DURKHEIM, 1978. 11 WEBER, 2001a.
12
para ele, uma deciso que partiu de si mesmo de forma voluntria.12 Ainda mais que, noBrasil, esse modelo de policial foi o que atuou de forma efetiva para a manuteno do regime
militar. De acordo com a formao militarizada, esse tipo de policial deve agir conforme a
pWLFDGDUHVSRQVDELOLGDGHSRLVHVVDWUDGX]RPHLRespecfico de legitimar a violncia na modas associaes humanas, que determina a peculiaridade de todos os problemas ticos da
SROtWLFD.13 Assumir essa postura tica p REHGHFHU jV DXWRULGDGHV14 $ pWLFD GDresponsabilidade simplesmente a que se preocupa com a eficcia, e se define pela escolha
dos meios ajXVWDGRV DR ILPTXH VH SUHWHQGH15 Assim, esse modelo tico obtm xito peladespersonalizao e rotinizao, em suma, a proletarizao psquica, no interesse da
GLVFLSOLQD16 Por outro lado, o policial humanizado o que aproxima seus atos da tica das ltimas
ILQDOLGDGHVTXHVHFDUDFWHUL]DHPID]HUTXHDFKDPDGDVLQWHQo}HVSXUDVQmRVHMDVXIRFDGDSRUH[HPSORDFKDPDGRSURWHVWRFRQWUDDLQMXVWLoDGDRUGHPVRFLDO17 A tica da convico aquelD TXH LQFLWD D DJLU GH DFRUGR FRPQRVVRV VHQWLPHQWRV VHP UHIHUrQFLD H[SOtFLWD RXLPSOtFLWD jV FRQVHTrQFLDV18 Sobre a formao policial militar, o que precisa serproblematizado que tipo de policial humanizado est sendo formado pela PM paraibana. De
que forma esse processo humanizador se estabeleceu? Como a formao do policial militar
pode ser entendida de acordo com esses dois modelos que, se vistos por objetivos
LQVWLWXFLRQDLVVLJQLILFDTXHVmRHVIHUDVGHVLJQLILFDomRVRFLDOTXHID]HPPDLVGRTXe separarcontextos e atitudes. O comportamento esperado no uma conduta nica, mas um
comportamento diferenciado de acordo com o ponto de vista de cada uma dessas esferas de
VLJQLILFDomR.19 O fato que o policial humanizado tambm tem que ser formado no modelodisciplinar de acordo com a cultura institucional policial militar.
Nessa relao, as categorias soFLROyJLFDVGDFDVDHGD UXD20 ajudam a explicar arealidade da formao policial militar baseada nos dois modelos policiais.21 Pode-se entender
que o policial humanizado, construdo atravs do discurso policial militar, est mais prximo
12 FOUCAULT, 1987; WEBER, 2010. 13 WEBER, Max. Ensaios de sociologia, 2010, p. 86. 14 Ibidem, p. 86. 15 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociolgico, 2008. p. 765. 16 Ibidem, p. 87. 17 Ibidem, p. 84. 18 Op. cit., p. 768. 19 DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espao, cidadania, mulher e morte no Brasil, 1981. p. 41. 20 Idem, 1981.21 Silva em seus estudos tambm criou categorias scio-antropolgicas baseadas nas descritas por Da Matta, asTXDLV R DXWRU GHQRPLQRX GH D FDVHUQD H D UXD SDUD UHDOL]DU SHVTXLVD VREUH D IRUPDomR QD $FDGHPLD GHPolcia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ver Silva (2011).
13
GDFDWHJRULDUXDe garante a imagem institucional da Polcia Militar. O modelo disciplinadoHVWiPDLVSUy[LPRGDFDWHJRULDFDVDSRLVDVUHJUDVLQVWLWXFLRQDLV no so modificadas parareceber o novo processo humanizador; esse tem que ser adaptado. Desse modo, o policial
KXPDQL]DGRHRGLVFLSOLQDGRSRGHPVHUYLVWRVFRPRHQWLGDGHVPRUDLVHVIHUDVGHDomRVRFLDOprovncias ticas dotadas de positividade, domnios culturais institucionalizados e, por causa
disso, capazes de despertar emoes, reaes e imagens esteticamente emolduradas e
LQVSLUDGDV22
O resultado um discurso onde a pessoa, a casa e suas simpatias constituem amoldura de todo o sistema, criando uma iluso de presena, honestidade depropsitos e, sobretudo de bondade, generosidade e compromisso com o povo. Diriaque quando a casa englobada pela rua vivemos freqentemente situaes crticas eem geral autoritrias. Situaes onde momentaneamente se faz um rompimento coma teia de relaes que amacia um sistema cujo conjunto legal no parte da prticasocial, mas feito visando justamente corrigi-la ou at mesmo instaurar novoshbitos sociais.23
Dessa forma, por mais que se veicule o discurso humanizador na formao dos
cadetes, as mesmas regras que observei em 2002 ainda se faziam presentes no cotidiano dos
alunos em 2004, que ento passavam a enfrentar, segundo minha tica, o conflito de oscilar
entre ser o policial disciplinado e o policial humanizado. Por essa observao, eu no destaco
como problema a utilizao de regras para nortear prticas institucionais, mas sim os efeitos
que surgem quando prticas institucionais se desenvolvem em meio a mecanismos que
engendram formas de dominao entre os agentes sociais.
Os dados da anlise e a metodologia empregada
A partir deste ponto, o olhar em destaque o que se revela nesta obra. O olhar do
policial que se tornou pesquisador e que passou a observar um problema sociolgico a ser
desvendado, pois, como entender as aparentes contradies entre o disciplinamento e a
humanizao no processo da formao policial militar? Assim, tracei os passos que
possibilitaram levantar os dados satisfatrios para discutir o problema presente nas indagaes
surgidas. primeira vista, mostrou-se necessrio analisar os elementos ditos e ocultos dos
discursos e supostos paradoxos entre a mentalidade disciplinadora (oculta) e o iderio
humanizador (dito e visvel) no jogo do poder expresso na formao dos policiais paraibanos
22 Ibidem, p.12. 23 Op. cit., p. 14-15.
14
e, principalmente, questionar porque novos saberes humanizados passaram a ser utilizados
nessa formao e no outros em seus lugares.24
Nesse percurso, meu primeiro propsito foi escolher o CFO como fonte de coleta dos
dados, pois, no universo de formao que engloba vrios cursos como o CE, o CFO o
nico que se trata de Graduao realizada no perodo de trs anos em tempo integral, o que
me possibilitou acompanhar cadetes dos trs anos distintos de formao. Outros cursos como
o de soldados e sargentos, por exemplo, no respeitam a uma regularidade peridica. O local
da pesquisa no se resumiu Academia de formao dos cadetes, pois as observaes foram
realizadas em todo o CE, mas quanto formao, fiz um recorte voltado apenas para o CFO e
para os cadetes. Depois disso, coloquei como foco pesquisar como se deu a entrada dos
Direitos Humanos na PM paraibana para descobrir se realmente existia contradio no
processo pedaggico humanizador e o disciplinamento na formao policial militar. Dois
caminhos surgiram para que eu pudesse trabalhar com fontes seguras de dados: percebi que
era preciso conseguir fontes documentais e tambm que seria fundamental causar um certo
HVWUDQKDPHQWRDPLPPHVPRTXHFRPRQDWLYRSUHFLVDYDGHVQDWXUDOL]DUWXGRRTXHHXj sabia acerca do CFO e de toda dinmica que circunda os alunos e a formao. O meu
interesse no estava voltado para os ritos e cerimnias dos quais os cadetes participam, mas
sobre como as tcnicas disciplinares se manifestam no cotidiano do CFO e como os alunos,
que esto imersos nesse mundo de disciplina so obrigados a aprender o suposto discurso que
os direciona para novas prticas, agora com vis humanizador.
Outros estudos tambm j evidenciaram questes contraditrias presentes no mundo
LQVWLWXFLRQDOSROLFLDOPLOLWDU(PVXDREUD(QWUHDFDVHUQDH DUXDRGLOHPDGRSDWR, Silva(2011) analisa o paradoxo existente no dilema dos agentes policiais militares oscilarem entre
VHU XP SROLFLDO H VHU XP PLOLWDU 'HYLGR D FRQGLo}HV KLVWyULFDV HVWDEHOHFLGDV R DXWRUmostra, a partir da anlise etnogrfica do CFO da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro,
que a caserna seria o local do disciplinamento e do controle, enquanto a rua seria a escola real
do mundo das prticas policiais militares e que estaria mais prxima da possibilidade de
SURPRYHU XPD SROtFLD PDLV FLGDGm 1HVVD DPELJXLGDGH GH SULQFtSLRV GHYLGR DRVmecanismos de poder e controle engendrados na caserna atravs de modos prprios de
socializao presentes nesse ambiente, as polticas de resistncia suscitadas pelos alunos
24 Ao tratar do conceito e utilizao de enunciados em sua forma de anlise, Foucault assevera que precisoquestionar-VHFRPRDSDUHFHXXPGHWHUPLQDGRHQXQFLDGRHQmRRXWURHPVHX OXJDU"TXHVLQJXOar existncia esta que vem tona no que se diz e em nenhuma outra parte? In: FOUCAULT, Michel. A arqueologia dosaber, 2009a, p. 30-31.
15
acabam por fortalecer o sistema militar de formao, visto que no existem espaos de luta
para mudanas, e sim a busca por direitos que j fazem parte da cultura militarizada da
formao discente e que apenas reproduzem as relaes de poder existentes. A partir dessa
realidade, constata-se TXH RV SROLFLDLV PLOLWDUHV VmR R SDWLQKR IHLR TXDQGR ROKDGRV FRPdesconfiana tanto por policiais TXDQWR SRU PLOLWDUHV,25 o que, nesse caso, denota aineficincia dos policiais militares nas duas esferas: a policial e a militar. Na primeira, pelo
fato de no se exercer o ciclo policial completo, que vai da priso at a entrega dos presos
justia; na segunda, pelo distanciamento ao poder nacional, pela forma de se executar os ritos
militares, os quais destoam dos legtimos militares e pela aproximao com o mundo civil
SHMRUDWLYDGRGHPXQGRGRSDLVDQRRTXHVHWRUQDLQFRQFHEtYHOSDUDDSRVWXUDPLOLWar. Muniz (1999) tambm estudou a Polcia Militar, no caso, a do Rio de Janeiro. Nesses
estudos a autora destaca a contradio estabelecida entre a PM, que passou a atuar de acordo
com as demandas democrticas ps-regime militar e as tradies militaristas deixadas pelo
Exrcito na cultura institucional baseadas em elementos como a hierarquia e a disciplina.
Segundo Muniz, H[LVWHR MDUJmRTXHGL]TXHQD30QDGDVHFULDH WXGRVHFRSLD,26 o queVHULDXPDFODUDDOXVmRjDGRomRLQWHJUDOGRPRGHORRUJDQL]DFional e burocrtico do Exrcitobrasileiro, e ao discreto espao concedido s idiossincrasias individuais, criatividade e
WDOHQWRGRVPHPEURVGDRUJDQL]DomR27 O ponto a ser ressaltado nos estudos de Muniz que, acerca da Polcia Militar e a ideologia militarista, Fertos estmulos autoritrios possam terprosperado em um ambiente de restries de direitos, produzindo efeitos danosos dentro e
fora da organizao. Isto fica mais evidente nos expedientes de socializao no interior dos
quartis e nos procedimentos de LQWHUDomRFRPRVFLGDGmRV.28Os estudos realizados por Silva e Muniz serviram-me de referncia para este trabalho,
s que o meu interesse, alm do vis sociolgico, centrou-se no ocultamento que se estabelece
na formao PM atravs do qual, por meio das relaes sociais entre os policiais militares em
formao, as estratgias de poder so disfaradas atravs do discurso humanizador promovido
pela PM paraibana. Desse modo, evidencia-se no a contradio entre disciplinamento e
humanizao, mas o primeiro sendo legitimado pela segunda atravs de estratgias e
mecanismos especficos de poder.
A SDUWLUGHVVDSUREOHPDWL]DomR FRPHFHL D LU D FDPSRSDUD LQLFLDURV WUDEDOKRVGHpesquisa e de coleta dos dados, pois D SHVTXLVD GH FDPSR FRUUHVSRQGH coleta direta de
25 Ibidem, p. 32. 26 Ibidem, p. 102. 27 Ibidem, p. 102. 28 Ibidem, p. 116.
16
informao no local em que acontecem os fenmenos. aquela que se realiza no prprio
terreno das RFRUUrQFLDV29 Como a minha inteno principal, a prioriHUDGHVQDWXUDOL]DUDVverdades que eu havia assumido para mim no ambiente institucional do CE, tive que construir
XPDLPDJHPPDLVFRPSOHWDHPDLVUHDOGRVIDWRVTXHWHQGHPDFDUDFWHUL]DURSURElema queHVWiVHQGRSHVTXLVDGR30
Nesse caminho, a observao direta e participante foram as ferramentas metodolgicas
que escolhi para desenvolver o meu olhar de pesquisador nativo. Destaco que as minhas
REVHUYDo}HV GLUHWDV HVWDYDP YROWDGDV SDUD DSUHHQVmR GH WUrV HOHPHQWRV SULQFLSDLV RVsujeitos, o ceQiULRHRFRPSRUWDPHQWRVRFLDO31 Sobre esses trs elementos citados e quanto aser um observador participante, destaco que algo me despertou o olhar de imediato. Observei
que a forma que os cadetes saam correndo, sincronizados e perfilados cantando canes que
chamavam a ateno de todos que paravam para ver, tanto no CE como nas ruas, ainda era
realidade muito presente na formao. Desse modo, as canes se transformaram em
elemento importante para minha anlise, pois foi a partir delas que eu pude notar como os
FDGHWHV FULDYDP UHVLVWrQFLDV DRV QRYRV SULQFtSLRV KXPDQL]DGRUHV Mi TXH DV OHWUDVmostravam que tipo de identidade e de comportamento social era simbolicamente adotado e
LQWURMHWDGR SHORV DOXQRV $ REVHUYDomR GR FHQiULR IRL IDFLOLWDGD SHOR PHX DFHVVR DRVambientes do CE, pois, alm de policial militar, sou instrutor de diversos cursos de formao,
o que me fez utilizar a observao como a tcnica SHOD TXDO R SHVTXLVDGRU LQWHJUD-se eparticipa na vida de um grupo para compreender-lKHRVHQWLGRGHGHQWUR.32
Nessas condies, eu assumia a funo de Tenente-instrutor, mas quando eu estava
com os cadetes pelos ambientes do CE, eu procurava criar situaes cordiais para, em meio ao
peso das posies hierrquicas que sempre me colocava como superior dos alunos, tratar a
todos de forma a que pudssemos conversar informalmente. Nessas conversas, que foram
importantes para eu entender as situaes que os cadetes viviam pelo CE, colhi informaes
que me revelaram como os cadetes veem seus direitos desrespeitados. Nas conversas com
instrutores militares superiores a mim o que eu devia observar era sempre a cautela sobre o
que eu conversava para no despertar inconvenientes. Com os professores civis as conversas
aconteciam de forma tranquila. Sobre a identidade dos entrevistados, todas foram
preservadas. Quanto aos alunos, identifiquei-os por uma letra do alfabeto em maisculo. Para
29 FERRARI, Alfonso Trujillo. Metodologia da pesquisa cientfica, 1982, p. 228-229.30 Ibidem, p. 225. 31 GIL, Antnio Carlos. Mtodos e tcnicas de pesquisa social, 1987, p. 107. 32 LAVILLE, Christian e DIONNE, Jean. A construo do saber: manual de metodologia da pesquisa emcincias humanas, 1999, p. 178.
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diferenciar os alunos das alunas usei a expresso FEM para designar feminino, alm dessa
abreviao ser um termo prprio do mundo institucional policial militar.Os instrutores foram
citados pela funo que ocupam distinguindo-se apenas se so do sexo masculino ou
feminino.
$VVLP QHVVDV FRQYHUVDV LQIRUPDLV R PRPHQWR PDLV DGHTXDGR SDUD R UHJLVWUR pindiscutivelmente, o da prpria ocorrncia do fenmeno. Em muitas situaes a naturalidade
da observao pode ser perturbada pela desconfiana GDVSHVVRDVREVHUYDGDV33 Esse tipo deLQVWUXPHQWR SRGH JHUDU R LQFRQYHQLHQWH GH TXH D SUHVHQoD GR SHVTXLVDGRU SRGH SURYRFDUalteraes no comportamento dos observados, destruinGR D HVSRQWDQHLGDGH GRVPHVPRV34Por esse foco, surgiram algumas dificuldades, pois alguns cadetes perguntavam qual era o
propsito da pesquisa, o que era explicado de forma sinttica, e geralmente eu respondia que
estava pesquisando a entrada dos Direitos Humanos na PMPB. A partir dessas indagaes os
cadetes passavam a me indicar outros alunos que passaram por situaes de humilhao e
desrespeito dentro dos muros do quartel. Em certa situao, um cadete do 3 Ano que estava
comigo, numa conversa informal, desconfiou do caderno de anotaes e, a todo cadete que se
aproximava ele dizia: FXLGDGR TXH R WHQHQWH HVWi DQRWDQGR WXGR, como se algumainformao que eles prestassem pudesse se voltar contra eles caso os coordenadores
descobrissem. Em entrevista realizada com outro cadete do 3 Ano, ao se reportar ao processo
de mudanas que ocorre na formao, ele sempre falava que DV SHVVRDV eram ou noresistentes, quando creio que na verdade ele estava se referindo equipe de coordenadores.
Nas primeiras visitas, quando do encontro com o Coronel que era o ento Comandante do CE,
o mesmo, depois de saber que se tratava de pesquisa atrelada observao dos cadetes, fez
expresso de espanto e logo falou que era necessrio, j que se tratava do CFO, que se
providenciasse ofcio de apresentao. Nesse caso, tratava-se tanto da autorizao para o
pesquisador como para o Tenente da Polcia Militar.
Concomitante s observaes que eu realizava no CE e aos cadetes, resolvi tambm
realizar entrevistas para colher dados mais abrangentes, os quais s poderiam ser revelados
pelas falas dos cadetes, instrutores militares e professores civis. Nessas condies, as
entrevistas seriam o modo formal de recolher os dados. Optei ento por entrevistas semi-
estruturadas. Para mim, a entrevista destacou-VHFRPRDWpFQLFDGHFROHWDGHGDGRVEDVWDQWHadequada para a obteno de informaes acerca do que as pessoas sabem, fazem ou fizeram,
33 Ibidem, p. 107. 34 Ibidem, p. 105.
18
bem como acerca das suas explicaes ou razes a respeito das coisas precedentes.35 Alm
GLVVRHVFROKLDHQWUHYLVWDSRUTXHHODQmRpVLPSOHVFRQYHUVDeFRQYHUVDRULHQWDGDSDUDXPobjetivo definido: recolher, atravs do interrogatrio do infRUPDQWHGDGRVSDUDDSHVTXLVD.36Nesse contexto, escolhi tambm a entrevista pelo fato de que, como policial militar, era
SRVVtYHODWUDYpVGHODFULDUDFDSDFLGDGHSDUDREVHUYDUXPDVLWXDomRHQTXDQWRVHHQYROYHQDPHVPD,37 H PH SUHRFXSHL HP GHVHQYROYHU D FDSDFLGDGH SDUD FULDU SDUD VL XP SDSHOprofissional que sejDFRPSUHHQVtYHOSDUDDVSHVVRDVTXHHVWiHVWXGDQGR38
As entrevistas realizadas foram divididas em duas etapas: a primeira ocorreu quase
toda no CE ao longo do ano de 2011 em consonncia com as observaes que eu fazia no
FDPSR GH SHVTXLVD$ VHJXQGD HWDpa das entrevistas ocorreu no ms de janeiro de 2012apenas com alunos. Entrevistei alguns fora do quartel de formao nas Unidades Operacionais
(Batalhes e Companhias) que se localizam em Joo Pessoa e nas cidades de Santa Rita e
Bayeux, que fazem parte da regio metropolitana de Joo Pessoa. Contatei-os e marquei as
entrevistas atravs de ligao telefnica. Essas entrevistas assim ocorreram devido ao fato dos
cadetes estarem no perodo de estgio que acontece durante o recesso escolar no incio de
cada ano, mas os cadetes do 1 Ano foram entrevistados no prprio CE, pois o estgio para
eles ainda no havia comeado. Entrevistei ainda duas cadetes do 2 Ano em suas residncias.
Em relao aos alunos do 3 Ano, em janeiro de 2012 eles tinham acabado de terminar
o CFO, cuja formatura realizou-se no ms de dezembro de 2011 e se tornaram Aspirantes a
Oficial, s que, para mim, importava as experincias da formao, e essas ainda estavam
presentes em suas vivncias, o que me possibilitou a coleta de dados importantes para a
anlise. 1HVVHVHQWLGRRTXHRH[-internado conserva de sua experincia institucional nos dizPXLWD FRLVD D UHVSHLWR GDV LQVWLWXLo}HV WRWDLV39 Quanto s entrevistas com os instrutoresmilitares e os professores civis, tiveram que ser realizadas tambm no prprio CE por
questes de disponibilidade dos entrevistados. Realizei apenas uma entrevista externa com um
instrutor da disciplina de Direitos Humanos no Batalho no qual ele trabalha.
A escolha dos entrevistados, quanto aos alunos, ocorreu de forma aleatria. Quanto
aos instrutores, me direcionei para aqueles que lecionam especificamente disciplinas
humansticas com outros que lecionam disciplinas especificamente de doutrinas militares. A
inteno das entrevistas baseou-se na busca da constatao de caractersticas comuns entre os
35 SELLTIZ et al. apud GIL, 1987, p. 113. 36 CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia cientfica, 1983, p. 157. 37 RICHARDSON apud SANTOS, 2011, p. 258. 38 Ibidem, p. 258. 39 GOFFMAN, Erving. Manicmios, prises e conventos, 2007, p. 68.
19
entrevistados como a viso que todos tm sobre a implantao das disciplinas humansticas na
formao policial militar. Alm disso, como essa pedagogia humanizadora influencia
diretamente o comportamento do policial militar durante a formao e em seu servio
ordinrio nas ruas e no tratamento com as pessoas em sociedade. Destaco tambm como os
entrevistados veem a importncia do disciplinamento no processo de formao policial
militar. Todas as condies citadas serviram como objetivos para se entender a relao entre
humanizao e disciplinamento na formao dos alunos policiais.
No plano das dificuldades tive que realizar entrevistas para historiar como aconteceu a
implementao e construo do CE, isso porque essa recente histria carece de bibliografias
que possam nortear esse processo institucional. As informaes iniciais resumiam-se a ver o
CE como o quartel de uma instituio militarizada, de regime fechado em suas nuances, e que
carecia de fontes institucionais que descortinassem fatos comprobatrios sobre a criao deste
Centro de Formao pedaggica policial militar. Aps a busca de documentos, leis, decretos,
reportagens e bibliografias que remetessem compreenso histrica da existncia do local,
descobri que existe apenas o ato governamental lanado no Dirio Oficial do Estado da
Paraba n 8.516, datado do dia 25 de abril de 1990. Nesse Decreto, sancionou-se a Lei n
5.264, de 18 de abril de 1990, que passou a regimentar o Sistema de Ensino da Polcia Militar
do Estado da Paraba. Percebi, dessa forma, que as fontes histricas eram escassas para se
traar o percurso histrico no que tange a fatos e acontecimentos prprios sobre a formao
do CE, que, nesse caso, interessava os propsitos e objetivos que foram articulados para a
criao do Centro.
Visitei a Diviso de Ensino, rgo que se localiza dentro das delimitaes fsicas do
CE e que responsvel pela implementao das polticas pedaggicas concernentes
formao dos policiais militares em todos os nveis, mas o nico documento existente
resumia-se ao Decreto que sedimentou a Lei n 5.264. Visitei tambm os arquivos do
Comando Geral da Polcia Militar, local esse que tambm no dispe de fontes documentais
sobre a criao do CE. Dessa forma, busquei ento quais personagens teriam participado
diretamente da organizao e construo para que o CE pudesse ter sido criado. Isto se deveu
ao fato de que meu propsito era obter informaes histricas vinculadas aos motivos pelos
quais o CE passou a existir no perodo histrico voltado insero da pedagogia
humanizadora. Para isso, descobri quem tinha sido o primeiro comandante e gestor do CE, o
qual tambm foi o principal articulador na construo do Centro. Alm disso, por meio de
20
contatos, cheguei ao Cabo40, que poca era soldado, e que trabalhou diretamente nas
construes do CE acompanhando todo o processo. Esse Cabo trabalhou no CE at o ano de
2005. Ento, dentro dos limites da pesquisa, esses dois personagens centrais foram
entrevistados. A escolha por ambos tambm serviu como suporte para se estabelecer um
dilogo entre pessoas hierarquicamente localizadas nas extremidades opostas do quadro
funcional da instituio, o que destaca a viso de ambos na tentativa de historiar como
ocorreu o surgimento do Centro, e para assim localizarem-se pontos de consonncia e
dissonncia nos relatos.
Quanto forma que busquei para analisar os dados coletados que foram colhidos com
a observao direta e participante, inclusive as entrevistas, destaco as contribuies de
Goffman (2007) e seus estudos sobre as instituies totais. Como as minhas observaes
centraram-se no cotidiano do CE e em particular do CFO e nas falas de docentes e alunos, e
por considerar que o CE apresenta caractersticas semelhantes s teorizadas por Goffman.
Assim, foram observadas as regras institucionais, SRLV Wais regras especificam a austerarotina diria do internado. Os processos de admisso, que tiram do novato os seus apoios
anteriores, podem ser vistos como a forma de a instituio prepar-lo para comear a viver de
acordo com as regras da casa.41Sobre a anlise documental, o primeiro ponto a ser observado que tratei os mosaicos,
painis e frases espalhadas pelo CE como documentos, pois segundo Foucault (2009a), na
apreciao documental deve-VH EXVFDU D DQiOLVH TXH VH EDVHLH QD XWLOL]DomR GH XPDmaterialidade documental (livros, textos, narraes, registros, atas, edifcios, instituies,
regulamentos, tcnicas, objetos, costumes etc.) que apresenta sempre e em toda parte, formas
de permannciDV.42 Para tanto, fotografei os mosaicos, painis, frases, inclusive cenas docotidiano da formao policial militar para registr-los como arquivos. Alm desses
elementos, tambm fiz o levantamento das grades curriculares do CFO e de Normas
Educacionais, que so documentos que prescrevem normas de ao pedaggica por parte de
instrutores, professores e alunos. Nesse conjunto de elementos variados em forma de arquivo,
a perspectiva foucaultiana de anlise foi adotada, j que os elementos fotografados juntamente
com os currculos e Normas Educacionais so provas de que existe XP DFRQWHFLPHQWRGLVFXUVLYR43 para determinar prticas humanizadoras. Dessa forma, trata-se de considerar
40 Graduao dentro do quadro hierrquico da PMPB que se localiza abaixo de um terceiro sargento e acima deum soldado. 41 Op. cit., p. 50. 42 Ibidem, p. 7-8.43 FOUCAULT, 2005.
21
uma srie de acontecimentos, de estabelecer e descrever as relaes que esses acontecimentos
mantm com outros acontecimentos TXHSHUWHQFHPjVLQVWLWXLo}HV.44Por esse parmetro, deve-VH HQWHQGHU SRU DUTXLYR R FRQMXQWR GH GLVFXrsos
HIHWLYDPHQWH SURQXQFLDGRV,45 o que me levou a buscar, atravs da anlise do arquivo, GHILQLU UHODo}HVTXH HVWmRQDSUySULD VXSHUItFLHGRVGLVFXUVRV46 HDVVLPWRUQDUYLVtYHORTXH Vy p LQYLVtYHO SRU HVWDUPXLWR QD VXSHUItFLH GDV FRLVDV.47 Analisei, ento, os arquivosdocumentais que continham os saberes humanizadores que chamei de paradigmas
HGXFDFLRQDLVDWUDYpVGHXPDSRSXODomRGHDFRQWHFLPHQWRVGLVSHUVRV48 para descobrir quaisregras foram estabelecidas para fomentar as prticas humanizadoras.
O ltimo ponto da anlise dos documentos foi verificar qual seria a inteno real da
utilizao dos novos paradigmas educacionais, ou melhor, que tipo de estratgia estaria
montada para se fazer crer que existe mudana paradigmtica nas prticas discursivas
educacionais policiais militares. $FHUFDGRTXH)RXFDXOWFRQFHLWXDSRUHVWUDWpJLDRPHVPRUHVVDOWDTXHXPDIRUPDomRGLVFXUVLYDVHUiLQGLYLGXDOL]DGDVHVHSXGHUGHILQLURVLVWHPDGHformao das diferentes estratgias que nela se desenrolam; em outros termos, se se puder
mostrar como todas derivam de um mesmo jogo de rHODo}HV.49 Assim, a anlise documentalcentrou-se na relao entre enunciado-discurso-estratgia, e por parmetros sociolgicos, o
enunciado seria a menor unidade que forma o discurso, mas que no se esgota na anlise da
lngua e no se localiza na inteno do sujeito falanteSRLVR regime de materialidade dosenunciados da ordem da instituio, isso leva o pesquisador a considerar a relao entre
prtica discursiva e instituio, a conceber o discurso no como signos, mas como prtica
discursiva que abarca regras determinadas historicamente.50Para exemplificar a anlise que utilizei sigo os passos de Foucault (2005, 1988,
2009a) de forma que, uma disciplina curricular do CFO funciona como enunciado, enquanto
o conjunto das disciplinas humansticas do mesmo currculo formam o discurso. Em
consonncia com os outros vrios elementos discursivos como o conjunto dos mosaicos tem-
se os saberes humanizadores (paradigmas educacionais) que foram tratados como arquivos51
44 FOUCAULT, Michel. Ditos & escritos IV: estratgia poder-saber, 2010, p. 255-256. 45 Ibidem, p. 145. 46 Ibidem, p. 146. 47 Ibidem, p. 146. 48 Op. cit., p.24. 49 Op. cit., p.76. 50 NAVARRO, Pedro. Anlise do discurso ao lado da lngua. In: BARONAS, Roberto Leiser; MIOTELLO,Valdemir (orgs.). Anlise de discurso: teorizaes e mtodos. 2011, p. 139. 51 6HJXQGR /pRQ WUDEDOKDU FRP WH[WRV discursos vivos significa buscar nestes um fundamento daorganizao da sociedade que produziu e foi produzida por este campo de saberes. Significa inverter a tradiointelectual de pensar um sujeito constituindo um saber: o saber que constitui os sujeitos. A anlise dos dados da
22
e, a partir das regras institucionais baseadas nesses novos saberes e impostas para serem
seguidas, de acordo com Goffman (2007), podem-se observar as prticas institucionais.
Dessa maneira, esse conjunto de categorias analticas me levou a verificar que, nesse jogo de
mltiplos saberes ou, em especfico, de paradigmas educacionais, novas relaes de poder
surgiram e outras formas de controle e vigilncia foram detectadas por meio de novas
estratgias baseadas no ideal humanizador.
Sobre a coleta documental, destaco a referente aos currculos do Curso de Formao
de Oficiais a partir de dois pontos: o primeiro que no foi possvel conseguir currculos do
CFO anteriores dcada de 1990 porque os alunos paraibanos at esse ano eram formados
em Academias de outros Estados da Federao. O segundo que, a partir do momento que a
formao passou a acontecer no CE no ano de 1990, tive acesso a todos os currculos sem
dificuldades por meio dos policiais militares que trabalham na Diviso de Ensino, que se
localiza dentro do CE. As Normas Educacionais tambm foram conseguidas sem dificuldades
j que so encontradas no Boletim Interno (BI) n0076 datado de 13 de outubro de 2009 do
Comando Geral da PMPB, lanado pela internet no site da PM paraibana. Qualquer policial
militar pode acessar esses Boletins Internos ao usar a matrcula funcional e sua data de
nascimento, o que fica restrito a outras pessoas se no tiver essas informaes.
Realizei a anlise dos dados coletados entrecruzando mosaicos, frases, entrevistas,
Normas Educacionais, fotos e canes militares e as falas apreendidas nas observaes. Em
outro momento, analisei os currculos e as entrevistas realizadas. Com base em todos os
documentos considerados, em consonncia com os elementos observados em campo e
FROHWDGRV FRPDVHQWUHYLVWDVSRVVRDILUPDUTXH DPLQKDDQiOLVH WHYHFRPRREMHWLYRID]HUemergir uma forma de controle quase invisvel, camuflada pelo cunho educativo, e que s
pode ser revelada se observada a distncia, coPDVDUPDVWHyULFDVDGHTXDGDV.52 Alm disso, busquei
No estar procura de um sujeito fundador, mas o que aconteceu que permitiu quea polcia fosse inventada. Quais, enfim, as condies de possibilidade que permitemque o discurso hegemnico do policial seja de um jeito, e no de outro. Localizarque discurso este: percebendo como no sendo natural e problematiz-lo.
pesquisa no quer dizer a compreenso total do contedo destes textos, mas antes de tudo, a relao que h naproduo de cada um dos conjuntos escolhidos para a anlise. O descontnuo na formao dos discursos significaperseguir a emergncia de fatos e saberes que se agregam a este discurso que parece estar uniformementecolorido. Disto decorre a suspenso de noes como evoluo retilnea, de progresso. O uso de todos estesconceitos em si pode mascarar um panorama social. este corolrio que permite ao pesquisador enxergar emGLIHUHQWHVWH[WRVLGpLDVVHPHOKDQWHVPDVUHYHVWLGDVSRUXPHVWDWXWRGHSRGHU,Q',1,=$ULRVYDOGRGD6LOYDet al (org.). Cartografias das novas investigaes em sociologia, 2005, p. 83-108.52 SALIBA, Maurcio Gonalves. O olho do poder, 2006, p. 133, grifo do autor.
23
Examinar o campo onde as foras se articulam, onde as relaes de poder eresistncia se atravessam em um dado momento.53
De policial a pesquisador
Nas observaes levantadas sobre o problema, por ser Oficial da Polcia Militar da
Paraba, e por estar incluso nesse processo de humanizao como disciplinamento, surgiu a
necessidade de entender melhor o que estava acontecendo com todas essas mudanas. Corria-
se o risco de uma interpretao distorcida e confundida com minhas idiossincrasias, pois,
nesse processo, durante a presena em campo, vrias lembranas foram recobradas da poca
na qual participei dos cursos de formao. A minha principal preocupao era sobre como me
distanciar dessas vivncias no regime intramuros depois de ter sido aluno de diversos cursos
policiais militares e posteriormente ter me tornado instrutor de vrias disciplinas tanto no
curso para soldados como no curso para Oficiais. Nesse embate, o processo institucional
parecia descortinar-se devido ao acmulo de experincias. Mas, novas perspectivas de
entendimento surgiram por meio de uma literatura apropriada para o tema e passei a estudar o
problema tentando enxerg-lo com carter mais objetivo, afastando as prenoes para melhor
observar esse fato social.54 Ento, nesse sentido,
O papel do pesquisador justamente o de servir como veculo inteligente e ativoentre esse conhecimento acumulado na rea e as novas evidncias que seroestabelecidas a partir da pesquisa. pelo seu trabalho como pesquisador que oconhecimento especfico do assunto vai crescer, mas esse trabalho vem carregado ecomprometido com todas as peculiaridades do pesquisador, inclusive principalmentecom as suas definies polticas.55
Assim, a experincia acumulada, ao invs de obscurecer o entendimento do problema,
possibilitou-me ampliar os caminhos a serem percorridos e, assim como o percurso adotado
por Silva (2011), em estudo realizado no CFO da Polcia Militar do Rio de Janeiro tornei-me
XPSHVTXLVDGRUQDWLYRTXHVHGLVS{VDHVWXGDUVXDSUySULDLQVWLWXLomRSURILVVLRQDOSRLVHXMiparticipava da cultura profissional que agora, como pesquisador, deveria observar. No
SUHFLVHLYLUDUXPQDWLYRSRUTXDQWRHX MiRHUD56 Dessa forma, ao aguar o meu olhar depesquisador passei a perceber que a relao entre humanizao e disciplinamento que eu
53 BICALHO, Pedro Paulo Gastalho de. Subjetividade e abordagem policial: por uma concepo de direitoshumanos onde caibam mais humanos, 2005, p. 22. 54 DURKHEIM, 1978. 55 LDKE apud LUIZ, 1986, p. 5. 56 Ibidem, p. 21.
24
observei estava imersa por relaes de poder que so estabelecidas pelos prprios indivduos
nas instituies sem que os mesmos tenham conscincia dessas relaes, visto que as mesmas
HVWmRQDWXUDOL]DGDVGHYLGRjVUHJUDVLPSRVWDVao mundo institucional. Decorre desse fato queDVSHVVRDs sabem aquilo que fazem; freqentemente sabem por que fazem o que fazem; mas oque ignoram o efeito pURGX]LGRSRUDTXLORTXHID]HP.57 Nessa apreciao, a forma que asrelaes de poder so estabelecidas na formao policial militar tornou-se fator central no
objeto estudado, visto que as mesmas so disseminadas atravs do disciplinamento.58
Por esse escopo, a pesquisa foi implementada para se entender de forma mais ampla o
processo de normalizao que ocorre no Centro de Ensino por meio dos novos paradigmaseducacionais humanizadores. Essa conjuntura foi construda atravs da discusso sobre o
poder e sua relao com a disciplina. As principais concepes tericas da pesquisa basearam-
se nas contribuies de Michel Foucault, Max Weber, Norbert Elias e Erving Goffman, o que
me possibilitou tratar a problemtica levantada dentro do universo sociolgico. Destaco ainda
que as discusses tericas utilizadas no se fecham num hermetismo apologtico, pelo
contrrio, elas esto abertas a novas consideraes e apreciaes prprias sociologia, que
como uma cincia humana, o conceito de verdade no pode ser visto nem aceito como um
dado em si, mas como uma possibilidade permanente de construo.
Esta obra configura-se, portanto, em quatro captulos. No primeiro (A Histria da
Formao Profissional do Policial Militar), mostro o contexto histrico da criao do Exrcito
no perodo de formao do Estado moderno e, nesse processo, como os organismos policiais
surgiram como embrio daquela instituio, inclusive no Brasil. Quanto histria da polcia
paraibana, exponho no captulo segundo (O Centro de Formao Policial Militar) como
ocorreu a fundao do Centro de Ensino, exatamente aps o fim da ditadura militar, o que
acontece concomitante chegada dos Direitos Humanos na formao do policial militar. O
funcionamento do CFO ser o ltimo ponto abordado como forma de constatar a realidade
atual desse curso, j que o mesmo serviu para a coleta dos dados no que concerne formao
profissional policial militar. No captulo terceiro (Disciplina e Poder), fao FXUWDgenealogiada disciplina em que destaco como a mesma, enquanto tcnica, teve os seus desdobramentos
atrelados ao poder nas instituies modernas. Alm disso, como nessa relao entre disciplina
e poder surge um modo prprio de socializao que se descortina com base no militarismo e
57 FOUCAULT apud DREYFUS & RABINOW, 2010, p. 246. 58 FOUCAULT, 1987.
25
no disciplinamento,59 o que, no contexto abordado nesta obra mostra que o processo
proliferado na PM paraibana trata-se de uma humanizao disciplinada, enquanto estratgias
de poder legitimadas pela disciplina. Por fim, no captulo quarto (Entre o Dito e o Oculto:
Anlise do Processo Humanizador da Formao Policial), analiso o material coletado de
forma a mostrarem-se as concluses alcanadas sobre a problemtica levantada.
59 Nesse sentido, entendamos o militarismo como a forma de organizao que ocorre nas instituies quebaseiam suas doutrinas em ritos e tcnicas especficas, geralmente destacadas por smbolos prprios que soPDUFDVLQGHOpYHLVGRVHUPLOLWDUFRPRVHSRGe perceber nas Foras Armadas e nas Polcias Militares no Brasil. Alm disso, essas instituies so formalmente representantes legtimas do poder estatal. Quanto aodisciplinamento, trata-se de tcnica utilizada de forma destacada pelas instituies militares, mas tambmobservada em outros lugares como as escolas, conventos, prises (FOUCAULT, 1987).
26
1
A HISTRIA DA FORMAO PROFISSIONAL DO POLICIAL MILITAR60
1.1 Exrcito, Polcia, Disciplina e Ordem Social
O exrcito desenvolveu-se como aparelho estatal de monoplio da fora tornando-se o
protetor legtimo do Estado, pois D consolidao de exrcitos efetivos permanentes eprofissionalizados foi um dos aspectos mais diferenciadores do processo de concentrao deSRGHUQR(VWDGRDEVROXWLVWD.61 O papel do exrcito cresceu principalmente depois da relaoque se estabeleceu com a coleta de impostos, pois, jPHGLGDTXHFUHVFLDPDVRSRUWXQLGDGHVfinanceiras abertas funo central, o mesmo aconteFLDFRPVHXSRWHQFLDOPLOLWDU.62
Os soberanos criavam as condies para contratar os guerreiros do perodo absolutista
e esse processo que relacionava coleta de impostos e criao de exrcitos estatais
PLOLWDUL]DGRVFRPHoRXPXLWRFHGRPDVVyDRVSRXFRVFXOPLQRXQDIRUPDo de instituiesGHILQLGDV.63 O aparelho burocrtico e as instituies judiciais foram somados ao exrcito paracriar um aparato que deveria ser mantido para a promoo do bem pblico e para a
arrecadao de impostos. O no pagamento de impostos por parte da populao deveria ser
punido por meio da esfera jurdica e quando essa no resolvesse, urgia o auxlio das foras
estatais para garantir a legitimidade da coero aos delitos cometidos contra o soberano. As
FRQILVFDo}HV GRV EHQV VmR SDUD DV PRQDUTXLDV QDVFHQWHV XP GRV JUDQGHV PHLRV GHenriquecer e alargar suas propriedades. As monarquias ocidentais foram fundadas sobre a
apropriao da justia, que lhes permitia a aplicao desVHVPHFDQLVPRVGHFRQILVFDomR.64 Com a passagem do Absolutismo para o Estado-nao passou incumbncia do
ltimo o provimento da ordem pblica. Os indivduos relegaram ao Estado Moderno a
obrigao de garantir segurana a todos num territrio delimitado. E nessa conjuntura, o
Estado criou foras pblicas que fizeram com que os exrcitos estatais passassem a ter
funes especficas.
A noo de segurana interna acabou por distinguir-se da noo de seguranaexterna. O Estado passa a incumbir-se da vigilncia das atividades de rotina degrande parte da populao atravs de rgos especializados, separados da estruturadas Foras Armadas, como o caso das organizaes policiais. Ocorre, portanto, a
60 Partes deste captulo e do captulo quarto desta obra foram originalmente publicadas, com as devidasadaptaes, na revista Estudos de Sociologia, v. 17, n 33, da Editora Unesp. 61 SAPORI, Lus Flvio. Segurana pblica no Brasil, 2007, p. 27. 62 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: formao do estado e civilizao, 1993, v. 2, p. 20. 63 Ibidem, p. 20. 64 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas, 2003, p. 67.
27
retirada da participao direta dos militares das Foras Armadas em assuntosinternos do Estado, desincumbindo-se da misso da pacificao interna.65
Desenvolveram-se, atravs da transformao das condies econmicas, polticas e
sociais, RV RUJDQLVPRV SROLFLDLV $ HVWUXWXUDomR GRV VLVWHPDV SROLFLDLV PRGHUQRV p Dexpresso mais marcante do papel decisivo assumido pelo Estado na garantia da ordem
LQWHUQD.66 'HVVD IRUPD DV SROcias militares so a expresso institucional mais visvel daconstruo do Estado-nao. Se por um lado mantm vnculos formais com os exrcitos
nacionais, por outro os desobrigam da repUHVVmRjVFODVVHVSHULJRVDV.67Quanto ao surgimento, a palavra polcia tem sua origem na palavra grega politeia e na
latina politia. Ambas remetem ao vocbulo grego polis que quer dizer cidade. No mundo
grego antigo a expresso denotava a organizao poltica da cidade, a forma pela qual os
gregos encontravam para expresVDU FRPR GHYHULD VH RUJDQL]DU GHPRFUDWLFDPHQWH VXDVcidades-Estado. Com o tempo, ainda entre os gregos, a compreenso do termo polcia se
estende e passa a significar tambm os guardies e mantenedores da ordem pblica no mundo
helnico. Na Idade Mdia, em lugares como a Frana e a Alemanha, o termo polcia passou a
designar o direito que o soberano tinha sobre seus sditos, oferecendo-lhes proteo e abrigo.
Aps adquirir amplitude, a palavra polcia passou a definir toda ao da administrao
pblica no tocante manuteno das garantias institudas nas lutas pelos direitos civis
individuais e coletivos. Polcia passou a expressar no s o direito por segurana, mas
tambm por outros princpios voltados para valores econmicos e sociais. Foi assim que, em
1791, aps a Revoluo Francesa, a Assembleia Nacional da Frana passou a delimitar o
VHQWLGRGDPLVVmRGDSROtFLDRX VHMDSDVVDQGR D VHU considerada em suas relaes com asegurana pblica, a polcia deve preceder a ao da justia; a vigilncia deve ser o seu
principal carter; e a sociedade considerada em massa, o objeto essencial de sua solicitude.68Para se entender como ocorreu o processo histrico que determinou o surgimento dos
organismos policiais a partir do mundo europeu, necessrio se debruar sobre as mudanas
ocorridas na Europa entre os sculos XVII e XVIII que ensejaram na consolidao do Estado-
moderno.
Por essa observao, com o desenvolvimento das instituies disciplinares69, os
sistemas policiais se estatizaram adquirindo as caractersticas disciplinares advindas do
65 Ibidem, p. 20. 66 Ibidem, p. 28. 67 Ibidem, p. 31. 68 VIEIRA apud FARIAS, 2003, p. 44, grifo do autor. 69 FOUCAULT, 2003.
28
exrcito. Nesse perodo de estruturao do Estado moderno e do sistema capitalista, a
disciplina foi um instrumento importante para a organizao dos homens que se
profissionalizaram para combater os delitos sociais que se desenvolveram com caractersticas
especficas ao mundo burgus e industrial. A polcia do sculo XVIII, a seu papel deauxiliar de justia na busca dos criminosos e de instrumentos para o controle poltico dos
FRPSO{VGRVPRYLPHQWRVGHRSRVLomRRXGDVUHYROWDVDFUHVFHQWDXPDIXQomRGLVFLSOLQDU.70Ocorre, dessa forma, o acrscimo das organizaes policiais sociedade disciplinar
anunciada por Foucault (1987), pois, R soberano, com uma polcia disciplinada, acostuma oSRYR j RUGHP H j REHGLrQFLD.71 A estatizao das instituies que surgem com o Estadomoderno acontece como o processo que enxerga a polcia como o elemento essencial para a
manuteno desse novo sistema poltico-social, poiVDRUJDQL]DomRGRDSDUHOKRSROLFLDOQRsculo XVIII sanciona uma generalizao das disciplinas que alcana as dimenses do
(VWDGR.72 As polcias, por esse parmetro, foram organizadas como o ente pblico que tem afuno de regular as condutas individualizadas para o provimento de uma organizao
coletiva entre os indivduos que passaram a conviver no mesmo territrio. Essa conjuntura foi
influenciada em grande medida pelas ideias iluministas que se consolidaram no ideal do
contrato social, que passou a reger a vida dos indivduos em sociedade e regulao dos seus
direitos. Mas, na verdade, esse contrato social fez valer queRVGLUHLWRVGRKRPHP ou osdireitos gerais assegurados pelo Estado - no definem uma igualdade que se deva realizar na
sociedade. Antes pelo contrrio, pressupem a desigualdade na economia e QDVRFLHGDGH.73Nesse sentido, com o aumento da populao urbana vinda do campo para trabalhar nas
indstrias e a utilizao da priso como modelo jurdico de punioRVFRQWUROHVVRFLDLVVHexercem por baixo e por intermdio do sistema de lettre-de-cachet74 sobre a populao
RSHUiULDTXHHVWiVXUJLQGR75 Na Frana, a lettre-de-cachet surge como uma prtica que darorigem priso e ela passa a ser XWLOL]DGDSHORUHLSDUDOHJLWLPDURFRQWUROHVRFLDO(ssa idiade uma penalidade que procura corrigir aprisionando uma idia policial, nascida
paralelamente justia, fora da justia, em uma prtica dos controles sociais ou em um
sistema de trocas entre a demanda do grupo e o exerccio do poder.76
70 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria das violncias nas prises, 1987, p. 177. 71 Ibidem, p. 177.72 Ibidem, p. 177. 73 WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clssicos da poltica, 2006. v. 2, p. 239-240. 74 6HJXQGR)RXFDXOWDlettre-de-cachet no era uma lei ou decreto, mas uma ordem do rei que concernia a umapessoa, individualmente, obrigando-a a fazer alguma coisD,Q)28&$8/70LFKHOA verdade e as formasjurdicas, 2003, p. 95. 75 Ibidem, p. 98. 76 Ibidem, p. 99.
29
Nessa relao de acontecimentos, depois que o pedido das lettre-de-cachet enquanto
forma de punio perde seu monoplio de origem popular e regimenta-se exclusivamente pelo
soberano, o controle social sobre as pessoas socialmente excludas VH HVWDEHOHFH SRLV Dmudana de alvo da ilegalidade popular, na segunda metade do sculo XVIII, passa a ameaar
os considerados direitos de propriedade de parte da burguesia, fosse essa propriedade
imobiliiULD FRPHUFLDO RX LQGXVWULDO.77 $OpP GLVVR HQTXDQWR D LOHJDOLGDGH GRV EHQV p GHcerta forma mais aplicada s camadas populares, a dos direitos ficar reservada para a
EXUJXHVLD.78 1HVVHSDUDGR[RGDV LOHJDOLGDGHV FKHJD-se, assim, constatao de um apelomtuo entre o crescimento de uma economia capitalista e um mecanismo de poder
GLVFLSOLQDU.79
A revoluo burguesa provocava a necessidade de controlar os novos ilegalismosque emergiam enquanto atentado ao direito de propriedade e ameaa construo doregime disciplinar do capitalismo industrial. As cidades comeavam a ter suapopulao adensada, potencialmente conformando-VH HQTXDQWR FODVVHVSHULJRVDV.80
Nessa realidade, a polcia efetivou R VHX SDSHO QR (VWDGRPRGHUQR SRLV Xma veztivesse o monoplio da fora fsica passado a autoridades centrais, isto passava a ser
reservado aqueles poucos legitimados (como, por exemplo, a polcia contra criminosos) na
luta socialmente legitimada contra inimigos internos81 Dessa forma, nesse modelo poltico-social, DPRQRSROL]DomRGDIRUoDItVLFDWHYHFRPRVXSRVWRTXHDVLQVWLWXLo}HVFRPPDQGDWRpara manter a ordem no interior do Estado-nao passaram a se distanciar do mundo social e a
constituir XPDJUXSDPHQWRHVSHFLDOL]DGR.82 A polcia, nesse sentido, destacou-se FRPRumainstituio disciplinada e disciplinar, com a finalidade de mDQWHUDRUGHPVRFLDO LQWHULRU.83De acordo com esse desenvolvimento dos organismos policiais, muitos autores afirmam84 que
dois modelos principais das instituies policiais europeias (o ingls e o francs)
influenciaram a constituio do modelo policial brasileiro. certo que historicamente tivemos
influncia direta do modelo de polcia portugus devido colonizao, mas falamos aqui dos
princpios contraditrios que regem os modelos francs e ingls de polcia que, se buscados
77 FONSECA, Mrcio Alves da. Michel Foucault e a constituio do sujeito, 2003, p. 46. 78 Ibidem, p. 46. 79 Ibidem, p. 50. 80 TAVARES DOS SANTOS, Jos Vicente. A arma e a flor: formao da organizao policial, consenso eviolncia. Tempo social; Rev. Sociol. USP, 1997, p. 159. 81 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma histria dos costumes, 1994. v. 1., p. 199. 82 BOURDIEU apud TAVARES DOS SANTOS, 1997, p. 158. 83 Ibidem, p. 158. 84 Ver Muniz (1999), Rodrigues (2010).
30
no caso atual das Polcias Militares brasileiras sero facilmente detectados, pois, como o
prprio nome indica, a matriz polcia remete ao modelo comunitrio ingls e a designao
militar herda as caractersticas prprias do modo francs de organizar sua fora pblica.
1.2 Polcia e Militarismo: uma construo histrica
O modelo francs de polcia surgiu por meio de princpios autoritrios e coercitivos.
Ao contrrio, o modelo de polcia ingls caminhou na direo oposta ao desenvolver seu
policiamento de forma comunitria. No caso brasileiro, mesmo sendo o nosso pas colonizado
por Portugal, foram esses dois modelos que influenciaram os nossos organismos policiais
responsveis pelo provimento da ordem interna. Como dito, muitos autores revelam que da
polcia francesa herdou-se o modelo coercitivo de manuteno da ordem pblica, j que nesse
pas, a evoluo do organismo policial se deu em parte em confluncia com o Exrcito. Foram
criadas a Marchausse, que patrulhava as reas rurais e se configurava como um regimento
de elite do Exrcito, de origem militarizada, e a Tenncia de Polcia, que tinha sede em Paris.
A Marchausse foi rebatizada de Gendarmerie em 1791 e perdeu o seu vnculo com o
([pUFLWR)DWRUFRPXPjVGXDVIRUPDVGHSROtFLDQD)UDQoDpDGLUHomRGRJRYHUQRFHQWUDO2monarca tanto comandava a Marchausse quanto definia as indicaes dos tenentes de
SROtFLD.85 A police francesa nasceu com uma vocao totalitria. Descende de um arranjoque buscava a hegemonia de Paris sobre o territrio francs. Embutia tarefas que eram
exclusivas das Foras Armadas, dividindo com elas a responsabilidade de defesa nacional em
sua expresso territorial.86Em contraposio, a polcia inglesa foi criada FRPR XPD RUJDQL]DomR SROLFLDO
profissionalizada, trabalhando full time e concebida em termos civis, distanciando-se do
modelo francs da gendarmerie.87 Com filosofia de cunho comunitrio, esse padro depoliciamento foi idealizado na Inglaterra por Robert Peel em 1829 e tinha carter
descentralizado, apesar de manter o seu gerenciamento pelo governo. Assim, a Fora Policial
inglesa foi direcionada contra o modelo repressivo da Frana, tanto que foi negativamente
H[SUHVVRLQ~PHUDVYH]HVQRVGHEDWHVGDpSRFDGHVHDGRWDURSUySULRWHUPRpolice, de origemIUDQFHVD.88
85 SAPORI, op. cit., p. 29. 86 MUNIZ, Jacqueline de Oliveira. 6HU SROLFLDO p VREUHWXGR XPD UD]mR GH VHU cultura e cotidiano daPolcia Militar do Estado do Rio de Janeiro, 1999, p. 24-25. 87 Ibidem, p. 29. 88 ERICSON apud MUNIZ, 1999, p. 27.
31
Os ingleses queriam uma organizao que sustentasse a ordem pblica, fizessecumprir a lei e mantivesse a paz nas cidades. Esta organizao no poderia intervirnas lutas polticas, questionar as conquistas civis, nem violar a privacidade dossditos. Seria uma polcia sem papel paramilitar, exclusivamente orientada paraatender as demandas citadinas.89
Foram influenciadas por esse processo histrico que as organizaes policiais
brasileiras desenvolveram-se principalmente aps o perodo colonial. Antes, porm, durante a
colonizao portuguesa, o Brasil teve formas outras de atuao de uma fora policial. De
acordo com Lima (2000), quando da chegada de Tom de Souza, que era governador-geral, ao
nosso territrio em 1549, veio com ele uma tropa de linha com 600 homens, sendo todos
portugueses, para assim defender os interesses de Portugal sobre as terras brasileiras e manter
a segurana territorial. Por conta do tamanho de nossas terras, o governador-geral deixou a
cargo dos senhores de engenho, mediante lei, a defesa do territrio contra os indgenas, o que
originou uma polcia nacional, as milcias, que passaram a auxiliar as tropas de linha. Em
paralelo s milcias, surgiram as Ordenanas, de cunho no remunerado e que serviam para
proteger de forma particular as comunidades. Essas primeiras formas de atuao policial
herdaram as caractersticas militares do Exrcito portugus e, no perodo colonial, as funes
policiais baseavam-se na conquista de territrios em nome do soberano.
Luiz (2003) ressalta queDSDUWLUGDV2UGHQDQoDVVXUJLUDPHPDV7URSDV3DJDVH GHVWDV VH RULJLQDUDP DV &RPSDQKLDV GH'UDJ}HV HP $ FKHJDGD GD Famlia Real3RUWXJXHVDHPHQVHMDDFULDomRSRU'-RmR9,GD'LYiso Militar de Guarda Real dePolcia da CorteHPGHPDLRGH. Apenas em 1831, quando o Brasil estava sob operodo regencial do padre Antnio Feij, que as polcias passaram a ter as caractersticas
que hoje possuem. Atravs de decreto, ficou a cargo das provncias criarem seus prprios
organismos policiais, visto que as tropas de 1 linha (Exrcito) no estavam conseguindo
conter os levantes sociais da poca.
No Brasil-Imprio, tem incio a diviso das vertentes militar-combatente (paradefender a Ptria) e o militar-policial (para defender o indivduo e a comunidade), com o Corpo de Guardas Municipais Permanentes. No Brasil-Repblica, com aBrigada Policial, que tambm passou a ser FKDPDGDGH)RUoDV3~EOLFDVHPTXHVHconfiguram foras federais, sob as ordens do Presidente da Repblica, e forasestaduais, sob as ordens dos ento Presidentes dos Estados.90
89 Ibidem, p. 27-28. 90 LUIZ, Ronlson de Souza. O currculo de formao de soldados da polcia militar frente s demandasdemocrticas, 2003, p. 29.
32
V-se que no Brasil tambm ocorreu uma ciso entre as foras estatais que passaram a
trabalhar para manter a ordem pblica e as que se incumbiram da proteo externa do
territrio nacional. Desse modo, na fase republicana, a Constituio de 1934 serve de marco
SDUD TXH DV )RUoDV 3~EOLFDV SDVVHP D DGRWDU D QoPHQFODWXUD GH 3ROtFLD0LOLWDU H HP1946, a Carta Constitucional promulgada nessa data estabelece que as Polcias Militares
passavam a se responsabilizar pela segurana interna e a manuteno da ordem nos Estados,
Territrios e Distrito Federal, como foras auxiliares e reserva do Exrcito.
No caso paraibano, o qual aqui analisado, a instituio da polcia se fez com a
denominao de Guarda Municipal Permanente da Paraba em 03 de fevereiro de 1832. Esse
fato ocorreu concomitante criao das Guardas Permanentes dos outros Estados por conta
dos movimentos revolucionrios que aconteciam no pas no perodo regencial. Segundo Lima
(2000), no dia 2 de junho de 1835, atravs da Lei n 09, o Corpo de Guardas Municipais
Permanentes recebeu a denominao de Fora Policial. Essa denominao perdurou at 1892,
ano em que a nomenclatura mudou para Corpo Policial. Ao longo do tempo, a polcia
paraibana ainda foi denominada de Corpo de Segurana, Batalho de Segurana, Batalho
Policial, Regimento Policial, Fora Policial, por trs vezes, e Fora Pblica duas vezes. Em
1947, o nome Polcia Militar da Paraba foi institudo mediante um instrumento
constitucional.
De volta contextualizao histrica da polcia em nosso pas, com a deflagrao do
golpe militar de 1964 e com a Constituio de 1967, o atrelamento das Polcias Militares
brasileiras ao Exrcito torna-se mais forte, conjuntamente com o modelo disciplinar de
organizao, e as instituies estaduais se consolidam como foras auxiliares e reservas do
Exrcito. Assim, segundo Silva (2003), as Polcias Militares no Brasil passaram a
desempenhar o policiamento ostensivo fardado a partir de 1967, de acordo com o Decreto-Lei
n 317, de 18 de maro. Conforme esse Decreto foi criada a Inspetoria Geral das Polcias
Militares (IGPM) e, com a mesma, o controle do Exrcito sobre as PMs foi ampliado. Antesdessas mudanas quem desenvolvia o policiamento nos Estados eram foras policiais
especficas, j que as PMs eram aquarteladas. Com a nova funo atribuda s PMs e acolocao de seus homens nas ruas, tem-VHTXHD constituio de 1967 inverte a prioridade eIDODHPPDQXWHQomRGDRUGHPHVHJXUDQoDLQWHUQDQRV(VWDGRV(DHPHQGD&RQVWLWXFLRQDOn 1, de 17.10.69, exclui do te[WRDH[SUHVVmRVHJXUDQoDLQWHUQD,91 o que deixa a cargo dasPMs o estrito cumprimento da misso de manter a ordem pblica.
91 SILVA, Jorge da. Controle da criminalidade e segurana pblica na nova ordem constitucional., 2003, p. 184-185, grifos do autor.
33
O papel de manter a ordem pblica no excluiu as caractersticas militares e
disciplinares do Exrcito. Pelo contrrio, essas caractersticas se estenderam de modo at que
foram mantidas na atual Constituio Brasileira, promulgada em 1988,92 onde as Polcias
Militares permaneceram como foras auxiliares do Exrcito, e a hierarquia e a disciplina
foram ratificados como princpios fundamentais de organizao institucional e como
desdobramento histrico do modelo formativo prprio ao Exrcito e s Foras Armadas.
Preveno e represso passaram a contextualizar a misso das Polcias Militares brasileiras.
Sobre a formao dos profissionais policiais militares, desde o golpe militar de 1964 o
HQVLQRSROLFLDOPLOLWDUSDVVRXDVHUSDGURQL]DGRHPQRVVRSDtVHFRPXPFRPSRQHQWHQRYRo do inimigo interno, o do subversivo comunista, na linha ideolgica da doutrina de segurana
nacional, repassada pelo National War College americano DRVSDtVHVGD$PpULFD/DWLQD.93No regime ditatorial a manuteno da ordem passou a ser mais importante que a segurana
S~EOLFD e D pSRFD GD SUROLIHUDomR GDV EDWLGDV SROLFLDLV GDV blitzen, e das operaespoliciais, com o emprego maximizado da fora.94 As palavras de um Capito instrutor do
CFO dD3DUDtEDLOXVWUDRHQVLQRSUySULRjpSRFDGLWDWRULDONa minha poca, quando eu meformei tinha uma matria de guerrilha chamada ODITE95 que ensinava alguns
procedimentos referente [sic] a obter informaes de pessoas capturadas. Hoje vimos que
no existe mais. Com o advento desse novo Direitos Humanos existe mais a polcia
comunitria HP IDYRU GD YLGD GD FRPXQLGDGH Em meio ao regime ditatorial, tornou-sereferncia o contexto das lutas pelos Direitos Humanos e como esses passaram a influenciar o
ensino policial militar com a abertura poltico-democrtica.
1.3 Os Direitos Humanos e a Formao Policial Militar
A partir de 1964, a histria das Polcias Militares em nosso pas ficou marcada pela
deflagrao do golpe militar que destituiu o regime democrtico vigente (1945-1964) e
implantou uma ditadura. As Polcias Militares foram atores participantes desse processo
ditatorial juntamente com as Foras Armadas. Como constata Teles et al. (2010), a ditadura
brasileira baseou-se principalmente na brutal represso aos seus opositores. Houve a
92 Para as atribuies das foras policiais no Brasil ver o artigo 144 da Carta Constitucional de 1988. No quetange especificamente Polcia Militar paraibana, ver na Constituio Estadual de 1989, Captulo IV (DaSegurana Pblica), Seo III (Da Polcia Militar). 93 Ibidem, p. 182. 94 Ibidem, p. 182. 95 Operaes de Defesa Interna e Territorial.
34
promulgao de uma nova Constituio (a de 1967), a qual instituiu a cassao dos direitos
civis e polticos e, a censura foi estabelecida como forma de conter as opinies contrrias ao
regime. Essa situao substituiu as instituies democrticas vigentes at ento pelo ideal
autoritrio da Doutrina de Segurana Nacional.
Esse perodo ditatorial ensejou o modelo poltico de governo que incidiu diretamente
sobre o no-respeito aos direitos humanitrios em nossa sociedade. Como observa Rique et al.
(2003), esse quadro se refletiu diretamente para que se organizassem as primeiras lutas e
movimentos tanto no Brasil como na Amrica Latina no que concerne defesa pelos Direitos
Humanos. So experincias que conduzem reconquista da democracia.
Historicamente, foi a partir do movimento que deu origem ecloso da Revoluo
Francesa em 1789 que os Direitos Humanos ganharam fora como princpios de reivindicao
e atribuio dos valores humanos primordiais 3DUD LVVR HP D )UDQoD YRWD QD VXDAssemblia Nacional Constituinte uma Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado,
estabelecendo como direitos naturais e imprescritveis do homem a liberdade, a propriedade e
a igualdade GLDQWH GD OHL.96 Nesse contexto, as teorias filosficas vigentes poca daRevoluo Francesa serviram de base para a construo do pensamento sobre os Direitos
+XPDQRVSRLVWDLV WUDQVIRUPDo}HVHVWmRGLUHWDPHQWHUHODFLRQDGDVj ,OXVWUDomRPRYLPHQWRintelectual e cultural que, a partir da Frana, sacudiu a Europa entre os sculos XVII e
;9,,,.97 Sobre os pensadores ligados Ilustrao sintetiza-se que:
Cada jusnaturalista vai fornecer as bases dos direitos humanos contemporneos apartir de sua concepo de direitos naturais anteriores criao do Estado e, portanto, inalienveis e imutveis bem como a aplicao destes direitos e de suastransformaes na sociedade civil mediante o estabelecimento do contrato social.Cada um destes tericos concebia de maneira diversa o direito natural: para Hobbestratava-se do direito vida, para Locke do direito propriedade e para Rousseau dodireito liberdade.98
No sculo XX, aps as duas grandes guerras mundiais, os princpios norteadores dos
Direitos Humanos ganharam mais fora com a criao das Organizaes das Naes Unidas
(ONU) em 1945 e, com a proclamao, por essa entidade, da Declarao Universal dos
Direitos Humanos, assinada como um dos primeiros atos da Assembleia Geral da ONU, em
10 de dezembro de 1948 onde se pode HQFRQWUDU HP VHX SULPHLUR DUWLJR TXH 7RGDV DV
96 SANTOS apud RIQUE et al., 2004, p. 117. 97 CAVALCANTI apud TOSI et al., 2005, p. 59. 98 Ibidem, p. 66.
35
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. So dotadas de razo e de
conscincia e devem agir em relao umas s outras com esprito de fraternidade99Sobre os direitos prprios pessoa humana, pode-se dizer que a Declarao da ONU
UHDILUPD R FRQMXQWR GH GLUHLWRV GDV UHYROXo}HV EXUJXHVDV100 e, entre eles, a seguranadestaca-se como direito primordial. No mbito de funcionamento do Estado moderno, na
configurao prpria poca do regime ditatorial brasileiro, caberia polcia a promoo
GHVVHEHPSRLVDVHJXUDQoDpXPGRVGLUHLWRVKXPDQRVPDLVIXQGDPHQWDLVHDSROtFLDpXPDinstituio com atribuio histrica, desde a Declarao Universal dos Direitos do Homem e
do Cidado de 1789 com a responsabilidade de promov-OD101 Desse modo, ao retomarmos ocontexto do perodo ditatorial brasileiro em que a polcia deveria ter sido o rgo institucional
para a promoo da segurana pblica em sociedade, a histria mostra que o Estado
brasileiro, atravs de seus rgos de segurana como as Polcias Militares, caminhou de forma
contrria aos princpios humanitrios acordados em diversos pactos internacionais dos quais o
Brasil se props a participar.102
A partir dos acordos que serviram para legalizar os princpios elencados com base nos
Direitos Humanos, destacamos a afirmao de que DH[LVWrQFLDGR(VWDGRHVWiUHODFLRQDGDjmanuteno dos direitos individuais, sendo garantido aos cidados o direito de resistncia
quando o governo institudo passar a atentar contUD RV PHVPRV.103 Por esse escopo, aretomada pela democracia no Brasil tornou-se a realidade a ser alcanada e, com o fim da
ditadura militar em 1985, a sociedade brasileira passou por um perodo de grandes mudanas,
que culminou com a aprovao da nova Constituio do pas em 1988. $VVLPR processoConstituinte e a Constituio Federal (de 1988) constituem-se num marco de convergncia da
resistncia poltica para a afirmao dos direitos humanos, seja pelo que o texto constitucional
consagra, seja pelo processo de que foi convergncia.104
99 TOSI, Giuseppe (org.). Direitos humanos: histria, teoria e prtica, 2005, p. 19, grifos do autor. 100 Ibidem, p. 20. 101 RIQUE, Clia et al.Os direitos humanos nas representaes sociais dos policiais, 2004, p. 12-13.102 Conforme Carbonari, o Brasil teve participao significativa no processo de debate e de consolidao daCarta das Naes Unidas, na qual esto contidas as bases dos direitos humanos, assim como esteve presentetambm em vrios processos nos quais resultaram declaraes, pactos e convenes de direitos humanos. Todavia, esta presena nem sempre espelhou a poltica interna e a incorporao desses instrumentos dinmicado Pas. Mais concretamente, por exemplo, enquanto boa parte das naes do mundo, atravs das NaesUnidas, construa os desdobramentos principais de sua Carta, os dois principais Pactos Pacto Internacional dosDireitos Civis e Polticos e Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais -, o Brasil vivia aditadura militar e, quase coincidentemente, o seu maior endurecimento. Ver em: BITTAR, Eduardo C. B.; TOSI, Giuseppe (orgs.). Democracia e educao em direitos humanos numa poca de insegurana, 2008, p. 17. 103 CAVALCANTI apud TOSI et al., 2005, p. 61. 104 CARBONARI apud BITTAR et al., 2008, p. 18.
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A Carta Constitucional de 1988 nesse processo passou a ser conhecida como
&RQVWLWXLomR&LGDGmSRLVQD&RQVWLWXLomRDQWHULRUGHR~QLFRDUWLJRTXHVHUHSRUWDYDa qualquer princpio humanitrio encontrava-se apenas no Ttulo III que versava sobre a
Ordem Econmica e Social. Nesse Ttulo, o artigo 157, inciso II destacava a valorizao do
trabalho como condio da dignidade humana. Ao contrrio, a Carta Constitucional de 1988
baseia-se num conjunto de princpios que mostra