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[Livro de Arquivo]: as publicações da Fundação Casa de Rui Barbosa

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Esta monografia propõe-se a analisar as publicações oriundas de arquivos pessoais produzidas por instituições arquivísticas. Utilizando a metodologia de estudo de caso, tem como objeto de estudo a Fundação Casa de Rui Barbosa. Criada em 1930, no Rio de Janeiro, essa instituição possui 124 conjuntos documentais, entre fundos de arquivo e coleções, e um amplo catálogo com mais de mil títulos publicados. Para explicar o processo de transformação de documentos de arquivo em publicações, traça-se um paralelo entre a função do arquivista e a do editor, além de se descrever as etapas que compõem a produção editorial na Fundação. Destaca-se, ainda, a distinção entre publicações técnicas e publicações temáticas, na tentativa de sintetizar os diferentes propósitos de instrumentos de pesquisa e resultados de pesquisa, respectivamente. Finalmente, enfatiza-se o caráter alternativo desse nicho de produção editorial, que, assim como as editoras universitárias, atua à margem da lógica do mercado, visando à preservação da memória e ao fomento da pesquisa acadêmica.

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LIVIA AZEVEDO LIMA

[Livros de Arquivo]: as publicações da Fundação Casa de Rui Barbosa

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Produção Editorial em Multimeios da Universidade Anhembi Morumbi.

Orientadora: Maria Cristina de Almeida Rosa

São Paulo2010

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Para Pedro e Gabriel.

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Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer àqueles que concederam, com muita boa vontade, entrevistas formais a este trabalho: Gabriel Moore, do CEDOC – Pinacoteca, Eduardo Coelho e Raquel Valença, ambos da Fundação Casa de Rui Barbosa. E àqueles com quem conversei informalmente: Ângelo Venosa, também da Casa de Rui, Patrícia Artundo, da Fundación Espigas, Buenos Aires, Argentina, e Pedro Nery, amigo do peito, além de historiador e arquivista.

Em seguida, gostaria de agradecer a minha orientadora, a Profª Cristina de Almeida, pois somente ela, com sua combinação astral de aquário e escorpião, poderia colaborar tanto para este trabalho em originalidade e aprofundamento. E aos demais professores que me apoiaram nesta empreitada, em especial à coordenadora Maria José Rosolino que autorizou que eu fizesse uma monografia no lugar de um projeto voltado para o mercado editorial; Whaner Endo, que me situou sobre os estudos de editoração e me emprestou o livro sobre a Edusp, fundamental para este trabalho; e Paulo Vasconcelos, que desde o princípio apontou para a necessidade de indicar nesta pesquisa a crítica genética, que eu veria mais tarde ser realmente fundamental.

Minha reverência aos meus dois tutores intelectuais Rodrigo Naves e Lúcia Rosa, que me ensinaram, pelo exemplo, o que significa ter rigor acadêmico e artístico, respectivamente.

Meus agradecimentos também aos colegas de classe, que apoiaram minhas escolhas e me incentivaram nas horas de desânimo. Por falar em desânimo, agradeço imensamente ao Profº Roberto Ferreira da Silva, que no segundo período da graduação, quando pensei em abandonar o curso, me convenceu a permanecer; a minha “fiel escudeira”, Manuela Rodrigues, que me deu ouvidos, mesmo ocupada com a sua própria monografia sobre a crise financeira do Brasil, e a Dario Galvão, meu amado filósofo, que esteve ao meu lado pacientemente durante todo o tempo em que me dediquei a este trabalho.

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“Quando um arquivo público instala, alimenta, desenvolve e expande seus serviços

editoriais, culturais e educativos alinhando-os à sua função informacional administrativa e científica, ele preenche um lugar por direito e por conquista na comunidade. Esta deve ver no arquivo uma tribuna e um manancial de

direitos e deveres, um lugar de entretenimento e uma real fonte de cultura e saber.”

(BELLOTO, 2006, p.247)

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Resumo

Esta monografia propõe-se a analisar as publicações oriundas de arquivos pessoais produzidas por instituições arquivísticas. Utilizando a metodologia de estudo de caso, tem como objeto de estudo a Fundação Casa de Rui Barbosa. Criada em 1930, no Rio de Janeiro, essa instituição possui 124 conjuntos documentais, entre fundos de arquivo e coleções, e um amplo catálogo com mais de mil títulos publicados. Para explicar o processo de transformação de documentos de arquivo em publicações, traça-se um paralelo entre a função do arquivista e a do editor, além de se descrever as etapas que compõem a produção editorial na Fundação. Destaca-se, ainda, a distinção entre publicações técnicas e publicações temáticas, na tentativa de sintetizar os diferentes propósitos de instrumentos de pesquisa e resultados de pesquisa, respectivamente. Finalmente, enfatiza-se o caráter alternativo desse nicho de produção editorial, que, assim como as editoras universitárias, atua à margem da lógica do mercado, visando à preservação da memória e ao fomento da pesquisa acadêmica.

Palavras-chave: Arquivo pessoal. Edições de fontes. Instituições arquivísticas. Instrumentos de pesquisa. Publicações.

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Abstract

The objective of this work is to analyze personal records publications that are produced by archival institutions. The methodology used is case study and Fundação Casa de Rui Barbosa is the institution object of the analysis. Created in 1930, in Rio de Janeiro, this institution has 124 sets of documents, among founds and collections, and a broad catalog with more than a thousand of books published. To explain the process of turning the documents into publications, it is necessary to compare the archivist’s function with the editor’s, and to describe the steps of the editorial production. In addition, the distinction between technical and thematic publications is analyzed in an attempt to synthesize the different purposes of the finding aids and the research results, respectively. Finally, the work emphasizes the alternative character of this editorial production’s niche. Likewise university presses, it works in the margin of market logic concerned with memory preservation and promotion of academic research.

Keywords: Personal records. Documentary

publication. Archival institutions. Finding aids. Publications.

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Sumário

Introdução ..............................................................10

Parte 1- Os Arquivos ..............................................17

1.1 O conceito de arquivo pessoal: peculiaridades ..........16

1.2 As etapas do tratamento arquivístico ........................23

1.3 Elaboração de instrumentos de pesquisa ...................28

Parte 2- Os Livros...................................................34

2.1 As publicações e as linhas editoriais ..........................35

2.2 Publicações técnicas versus publicações temáticas .....38

2.3 O atrativo dos egodocumentos .................................39

2.4 As leis e os processos que regulam a publicação de documentos de arquivo ...................42

Parte 3- Os Livros de Arquivos ..............................45

3.1 Semelhanças e diferenças entre arquivista e editor ....46

3.2 Novas mídias, novos caminhos: o banco de dados e o livro digital .............................50

3.3 As vantagens de um setor de editoração em uma instituição arquivística ...............52

Parte 4- Estudo de Caso: Fundação Casa de Rui Barbosa ..............................57

4.1 Breve histórico da instituição ...................................58

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4.2 O setor de editoração dentro da política institucional ............................................64

4.3 A viabilidade das publicações ...................................68

4.3.1 Publicações com verbas públicas ..............................69

4.3.2 Publicações em parceria com editoras comerciais e universitárias ...........................73

4.4 Acervo e catálogo de publicações: dimensões publicadas ...............................................77

4.4.1 Dimensões publicáveis .............................................80

Conclusão ...............................................................84

Referências Bibliográficas ......................................90

Apêndice A: áudio das entrevistas .............................98

Apêndice B: entrevista com Gabriel Moore ..............99

Apêndice C: Entrevista com Eduardo Coelho ........122

Apêndice D: Entrevista com Raquel Valença ..........134

Apêndice E: Coleção Papéis Avulsos .......................146

Apêndice F: Coleção FCRB ...................................147

Anexo A: Organograma institucional .....................149

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[Introdução ]

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Durante toda a graduação, tive interesse por produções editoriais alternativas1. Por isso, desenvolvi um projeto de iniciação científica sobre um coletivo de arte que produz livros artesanais com papelão, o Dulcinéia Catadora. E também atuei como estagiária no Instituto de Arte Contemporânea, instituição privada com finalidade pública, que possui arquivos pessoais de dois importantes artistas do concretismo brasileiro: Sergio Camargo e Willys de Castro. Foi a partir dessas experiências que tomei gosto pela pesquisa e pela arquivologia, o que me levou a investigar as funções do arquivista e seu diálogo com a figura do editor.

Neste trabalho, procuro delimitar como arquivista e editor podem estabelecer cooperação em prol da pesquisa e da preservação da memória. Para isso, atenho-me à produção editorial vinculada aos fundos de arquivos pessoais sob guarda de instituições públicas, elegendo como objeto de estudo a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro.

1 Entenda-se alternativas como produções fora do mercado editorial tradicional.

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Introdução • 12

Essa instituição surgiu com o museu-biblioteca, instituído, em 1928, pelo presidente Washington Luís, para preservar e divulgar o acervo de seu titular, o literato Rui Barbosa. Para tal, a publicação das Obras Completas já constava como um dever em seu decreto de fundação. De 1942, data da publicação do primeiro livro da FCRB, até hoje foram mais de mil títulos publicados. Grande parte desses livros diz respeito à obra de Rui Barbosa e a sua fortuna crítica. Neste trabalho, estudaremos como se dá a produção editorial vinculada a arquivos pessoais, a partir de um mapeamento histórico do Setor de Editoração na instituição e da observação dos livros publicados a partir arquivo de Rui Barbosa, e, principalmente, os oriundos dos documentos presentes nos arquivos pessoais de literatos do Arquivo-museu de Literatura Brasileira, criado em 19722.

A Fundação Casa de Rui Barbosa possui, ao todo, 124 arquivos privados de escritores brasileiros, além de uma coleção de documentos avulsos. A pesquisa tem como recorte os arquivos que já passaram pelas etapas de classificação e já possuem inventários3 publicados – como é o caso dos arquivos de Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava, entre outros –,

2 Conforme a cronologia da instituição disponível no site: http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=73&VID_Materia=72, em 26/04/2010.

3 Segundo o Dicionário de Terminologia Arquivísitica (2005), inventários são instrumentos de pesquisa e, como tal, permitem identificar, localizar, resumir e muitas vezes transcrever os documentos do fundo arquivístico.

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Introdução • 13

concentrando-se nas publicações que dialogam com o fundo arquivístico tendo em vista seu conteúdo e as maneiras como este pode ser organizado em um produto editorial. Dessa forma, considera-se a distinção entre as publicações de instrumentos de pesquisa, como inventários e guias do acervo, e as aqui chamadas publicações temáticas4, que estão atreladas ao Centro de Pesquisa.

Esta pesquisa não prevê um mapeamento exaustivo dos livros publicados pela Edições Casa de Rui Barbosa, mas, sim, uma análise qualitativa para observar como se concebe e se opera a produção editorial, desde a criação do Setor de Editoração, sua relação com a política institucional, as verbas destinadas a essa atividade e as coedições até a escolha dos títulos, sua adequação e sua organização no catálogo.

O objetivo deste trabalho, portanto, é entender como se dá a produção editorial vinculada a uma instituição arquivística que guarda arquivos pessoais. Para alcançar esse objetivo, se faz necessário comentar o conceito de arquivos pessoais, contrapor a função do arquivista à do editor e descrever o processo de produção editorial no objeto de estudo eleito, a Fundação Casa de Rui Barbosa.

Tendo em vista esse objetivo, a metodologia

4 Essa distinção é crucial para entender as diferenças entre a preocupação do arquivista e a preocupação do editor. Enquanto o arquivista se detém na proveniência e funcionalidade dos documentos, tendo como objetivo classificar e preservar os documentos para disponibilizá-los para a pesquisa, o editor, normalmente, planeja selecionar e reagrupar conteúdos em produtos editoriais que despertem interesse em um público-alvo específico.

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Introdução • 14

se divide em duas frentes: pesquisa de fonte bibliográfica e estudo de caso. A primeira frente visa à formação do quadro referencial para a fundamentação teórica do trabalho. A segunda frente, o estudo de caso da Fundação Casa de Rui Barbosa, conta com o apoio de outros tipos de metodologia, como a pesquisa de fonte documental, para análise de documentos institucionais referentes à criação do Setor de Editoração na Fundação Casa de Rui Barbosa, e as técnicas de História Oral, para coletar depoimentos dos principais responsáveis por esse setor e de especialistas em arquivos pessoais.

A estrutura da pesquisa acompanha as duas frentes metodológicas, dividindo-se em quatro capítulos5. Os três primeiros, relativos à fundamentação teórica, necessária para a apresentação dos conceitos específicos da arquivologia e sua relação com as normas e técnicas da produção editorial.

O primeiro capítulo, “Os arquivos”, apresenta algumas peculiaridades do conceito de arquivo pessoal em relação ao arquivo institucional, amparando-s na opinião de duas especialistas no tema: Ana Maria de Almeida Camargo e Heloísa Liberalli Belloto. Aponta as etapas do tratamento arquivístico, da organização à descrição, e termina indicando os tipos mais comuns de instrumentos de pesquisa e como são elaborados.

5 Além disso, haverá apêndices com a transcrição das entrevistas realizadas durante a pesquisa e algumas imagens ilustrativas do logotipo da Edições Casa de Rui Barbosa e do projeto editorial das coleções Papéis Avulsos e Coleção FCRB e um anexo com o organograma institucional.

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Introdução • 15

O capítulo “Os livros” discorre sobre as publicações originárias de arquivos pessoais e as linhas editoriais, distinguindo as publicações técnicas das temáticas. Destaca, ainda, o atrativo dos egodocumentos6 e indica algumas leis e processos que regulam a publicação de documentos de arquivo.

No capítulo seguinte, “Os livros de arquivos”, a figura do arquivista e do editor são comparadas, a fim de observar semelhanças e diferenças. Da mesma forma, há uma pequena digressão7 comparativa entre banco de dados e livro digital, considerando que ambos são mídias recentes e seus usos apontam para novos caminhos, tanto na arquivologia quanto na editoração. Finalmente, destacam-se as vantagens de se manter um setor de editoração em uma instituição arquivística e como a visibilidade decorrente disso colabora para a manutenção das atividades finalísticas dessas instituições: a documentação e a pesquisa.

O quarto capítulo diz respeito ao estudo de caso da Fundação Casa de Rui Barbosa, propriamente dito e já apresentado anteriormente.

Nesta pesquisa, a fundamentação teórica se constitui no maior desafio, pela necessidade de sintetizar conceitos da área de arquivologia, tornando-os palatáveis aos leitores oriundos de outras áreas, e de enfrentar, com o apoio de longas

6 Termo cunhado pelo historiador holandês Jacques Presser para designar os documentos pessoais mais íntimos, como correspondências e diários.

7 Inspirada no texto “Fim do livro?” de Arlindo Machado (1994).

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Introdução • 16

entrevistas8, a escassez de bibliografia específica sobre o tema escolhido. Ao mesmo tempo, era preciso contemplar o ponto de vista prático da própria produção editorial. Igualmente, não encontramos bibliografia que defendesse uma normalização definitiva para a editoração desse tipo de livro, apenas obras que iniciam esse processo, como o título “Publicações de documentos históricos”, encomendado pelo Arquivo Nacional a Emanuel Araújo, em 1985. Para tentar dar conta dessas necessidades e colaborar minimamente para o estudo desse tema, foram consideradas três hipóteses simples, que procuro comprovar ao longo da pesquisa: 1) as publicações são uma ótima forma de difusão cultural para instituições arquivísticas; 2) o trabalho do arquivista se relaciona muito com o do editor e, em algumas esferas, ambos podem ser complementares e 3) as publicações de instituições arquivísticas são um novo nicho de mercado que deve ser explorado.

8 Os entrevistados são Gabriel Moore (CEDOC, Pinacoteca, SP), Eduardo Coelho (chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da FCRB, RJ) e Raquel Valença (chefe do Centro de Pesquisa da FCRB, RJ).

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[Parte 1:Os Arquivos]

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1.1 O conceito de arquivo pessoal: peculiaridades

Para compreender o processo de produção editorial das obras originadas de arquivos pessoais, é necessário conhecer alguns conceitos da arquivística e relacionar algumas discussões atuais sobre os arquivos pessoais propriamente ditos.

Documento, de maneira simplificada, é “qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico pelo qual o homem se expressa. (...) tudo o que seja produzido, por motivos funcionais, jurídicos, científicos, técnicos, culturais ou artísticos, pela atividade humana” (BELLOTO, 2006, p. 35).

Já os documentos de arquivo têm como natureza a acumulação natural ou orgânica, porque, diferentemente de outros documentos, como livros ou obras de arte, são representações de ações1. Os documentos de arquivo são, portanto, relacionais, comprovam ou atestam uma ação. Assim, tudo

1 Sobre as características do documento de arquivo ver DURANDI, Luciana. Registros documentais contemporâneos como provas de ação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p.49-64. Nesse texto, Durandi aponta como principais características do registro documental: imparcialidade, autenticidade, naturalidade, inter-relacionamento e unicidade.

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aquilo que uma pessoa ou instituição acumula e produz de documentos, ao longo de sua trajetória, necessariamente, reflete atividades que dependem de documentação para que se realizem.

Para que o documento de arquivo mantenha seu valor histórico, essa acumulação orgânica precisa ser respeitada. E é isso o que os arquivistas chamam de princípio de respeito à proveniência ou ao fundo. Por esse princípio, os arquivos originários de uma instituição ou de uma pessoa devem manter sua individualidade, não podendo ser misturados aos de origem diversa. Fundo, portanto, é uma unidade constituída pelo conjunto de documentos acumulados por uma entidade durante sua trajetória.

Existem dois tipos de arquivos permanentes: os arquivos públicos e os arquivos privados. São considerados arquivos públicos todos aqueles cuja existência é prevista pela constituição e seu acesso é um direito do cidadão2.

A idéia de que público é não só aquilo que é comum a todos – por afetar a todos –, mas igualmente o que é acessível ao conhecimento de todos, em contraposição ao privado, encarado como aquilo que é reservado e pessoal, é, no plano político, uma idéia ligada à democracia. (...) uma das acepções da democracia é a do exercício em público do poder comum, como tal concebida a obrigação dos governantes de tomarem decisões às claras, permitindo assim, aos governados verem como, onde e por que tais e quais decisões foram tomadas em função do interesse de todos (LAFER, 2004, p. 34-35).

2 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5-XIV e XXXIII.

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Arquivos privados são aqueles que, acumulados por uma empresa (econômicos), por uma organização social como clubes desportivos e sindicatos (sociais), ou uma pessoa (pessoais) podem ou não estar disponíveis à consulta pública. Quando estão, aproximam-se dos arquivos públicos, pois dividem com eles a mesma finalidade.

A Fundação Casa de Rui Barbosa é um exemplo de instituição pública que, além de seu arquivo institucional, guarda arquivos de origem privada. Estes, uma vez adquiridos pela instituição, são tratados tendo em vista sua finalidade pública de pesquisa.

Como o enfoque deste trabalho são os arquivos pessoais, daremos maior atenção a eles e destacaremos as publicações relacionadas ao fundo de arquivo de Rui Barbosa e aos demais fundos que integram o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira3. É preciso considerar, no entanto, que as principais diferenças no tocante ao tratamento arquivístico residem na distinção entre arquivos institucionais e arquivos pessoais, daí a relevância de se apresentar um comparativo no que diz respeito à formação desses arquivos.

No caso dos arquivos institucionais, o ciclo vital dos documentos compreende três idades: o arquivo corrente, o arquivo intermediário e o arquivo permanente. Na fase do arquivo administrativo, que dura de cinco a dez anos, os documentos têm

3 O AMLB tem características de um Centro de Documentação, de modo que, além de fundos, guarda coleções, como veremos adiante.

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valor primário4, ou seja, estão sendo usados para os trâmites administrativos. Pelo prazo aproximado de vinte anos5, esses documentos integram o arquivo intermediário e possuem valor de prova jurídica. Nesse período é feita uma avaliação: os documentos são submetidos a tabelas de temporalidade e há descartes que definem quando e o que será levado à terceira idade, quando o documento adquire valor secundário e passa a ser utilizado como fonte de pesquisa. Quando “ultrapassado seu uso primário, iniciam-se os usos científico, social e cultural dos documentos”. (BELLOTO, 2006, p. 27). Tratando-se, contudo, de arquivos pessoais, esse ciclo é reduzido a duas fases apenas:

Na fase do uso primário, como acumulação e utilização em vida, o arquivo pessoal serve eminentemente ao próprio titular, em suas atividades de trabalho e para comprovação de sua existência civil, deveres cívico, relacionamentos com pessoas e com instituições, dentro e fora da vida intelectual. Passando à fase de preservação, estabelece-se o uso secundário, cujo objetivo não é mais o jurídico ou profissional do próprio titular do arquivo e, sim, o da pesquisa científica, feita por terceiros. Aí a potencialidade dos documentos transfigura-se e multiplica-se. Pode alcançar um campo infinitamente mais vasto que a vida e a obra do produtor/ detentor dos papéis. Evidentemente, é nessa segunda idade, correspondente à terceira dos papéis públicos, que esse arquivo passa a ser do interesse do pesquisador (IBIDEM, p. 267-268).

4 Os conceitos de valor primário e valor secundário são apresentados por Schellenberg (2008).

5 Esse prazo varia de acordo com o tipo do documento.

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A historiadora especializada em arquivologia Ana Maria de Almeida Camargo (2009, p. 26) considera a designação “arquivos pessoais” equivocada, pois esse termo também evoca documentos pessoais em arquivos públicos e documentos identitários de pessoas. Camargo defende o uso da expressão “arquivos de pessoas”, ou, conforme a ocupação do titular, arquivos de estadistas, arquivos de literatos, arquivos de artistas e assim por diante etc.

Considerando-se essas ocupações, quais são as pessoas cuja vida é relevante o suficiente para que seus arquivos sejam recolhidos em entidades que se encarreguem de sua organização, preservação e guarda permanente? É o prestígio do titular do arquivo que determina sua aquisição e a possibilidade de estender o acervo, incluindo a biblioteca pessoal, objetos, móveis ou até mesmo construções arquitetônicas, como é o caso de Rui Barbosa6. Da mesma forma, os titulares que não possuem tanto prestígio, podem ter seus acervos reduzidos apenas ao que supostamente será usado para pesquisa ou substituídos por relatos coletados pela metodologia de História Oral, como é o caso do Museu da Pessoa.

Só se costuma atribuir valor permanente aos arquivos de pessoas que alcançaram alguma expressão ou proeminência no mundo da política, da ciência, das artes, do direito, da filosofia ou da literatura. Como

6 A Fundação Casa de Rui Barbosa está situada na antiga casa de Rui Barbosa e preserva um museu com sua biblioteca original, devidamente climatizada para fins de conservação, e seu mobiliário.

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evitar, nesse caso, escolhas pautadas pelos cânones vigentes, voltadas para nomes que desfrutam de visibilidade acadêmica ou social? Até que ponto tais escolhas, por mais que seus agentes admitam a transitoriedade dos valores em que se baseiam, limitam o campo de pesquisa que a instituição de custódia pretende cobrir? (CAMARGO, 2009, p. 27).

As respostas a essas indagações devem, segundo Camargo, nortear a política de aquisição de fundos em uma instituição arquivística. É fundamental que a instituição tenha em mente sua missão para adquirir acervos pertinentes a ela, evitando, assim, problemas futuros no tratamento dessa documentação.

1.2 As etapas do tratamento arquivístico

Em qualquer instituição de guarda de arquivo, o tratamento arquivístico se inicia com o recolhimento da documentação. Normalmente, os tipos de entrada variam entre acumulação natural, no caso de arquivos institucionais, e doação, compra e comodato, para arquivos de pessoas.

A Fundação Casa de Rui Barbosa admite apenas a doação, pois avalia o comodato como um regime instável, que oferece riscos e não condiz com a política da instituição. O comodato é um acordo de empréstimo, costumeiramente firmado com a família do titular do arquivo, que dá margem à revogação, sempre favorecendo os detentores do direito. Se esses, por exemplo, perderem o interesse

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pela permanência do acervo na instituição, podem retirá-lo, desintegrá-lo e vendê-lo separadamente para colecionadores particulares. No caso de escritores e artistas plásticos, é cada vez mais comum que seus projetos, rascunhos e esboços adquiram valor de obra e, por isso, sejam procurados como mercadorias. Esse problema afeta diretamente a unidade de um fundo de arquivo e deve ser evitado pelas instituições de guarda no momento do recolhimento via doação. Os arquivistas precisam impedir que haja uma “seleção” do que deve ser enviado pela família, informando-a de que, quanto mais completo for entregue o arquivo, melhor servirá como fonte de pesquisa.

O arquivista deve estar alerta, porque, depois da entrega definitiva, nada mais pode ser feito com esse material inútil senão guardá-lo. Por isso, quando do recolhimento de arquivos privados, entendimentos e atos notariais devem ser cuidadosamente realizados. Porque é preciso lembrar que, no caso dos arquivos privados, a instituição recolhedora não tem o direito de lavrar e aplicar tabelas de temporalidade. O descarte, nesta instância, é impossível (BELLOTO, 2006, p. 267).

Assim que o fundo de arquivo chega à instituição, deve passar por uma avaliação do seu estado de conservação, para certificar que os documentos não têm problemas, como presença de fungos, que afetariam os demais documentos em guarda no mesmo espaço. Depois desse procedimento, os documentos estão prontos para entrarem nas etapas do tratamento arquivístico,

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propriamente ditas. São duas as coordenadas dentro das quais se situam as atividades em um arquivo: arranjo e descrição.7

O roteiro para organização8, que culmina na realização do arranjo do acervo, prevê uma busca de informações gerais sobre o titular, a caracterização da organização original dos documentos e a construção de uma cronologia minuciosa do titular. Ao realizar essas três atividades, o arquivista estará munido de informações suficientes para cumprir a sua principal função, que é descrever o contexto de produção dos documentos, o qual, no caso dos arquivos pessoais, deve ser procurado nas áreas de atuação titular em vida, bem como em seus interesses pessoais. Graças a esse procedimento, o arquivista identificará com mais facilidade as relações entre documentos aparentemente díspares e o significado da presença de certos itens no arquivo, podendo delinear melhor o plano de classificação9.

No caso dos arquivos pessoais, a classificação se realiza pelo método funcional10. Isso significa que a

7 Aqui, tentaremos indicar simplificadamente um caminho para cumprir essas etapas, lembrando que cada acervo, em particular os arquivos de pessoas, requer a aplicação de metodologias específicas contemplar a descrição de todas as suas espécies.

8 Para maior detalhamento desse procedimento, ver a publicação técnica “Como organizar arquivos pessoais”, disponível no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/saesp_publicacoes.php.

9 Segundo o Dicionário de Terminologia Arquivística (2005), plano de classificação é o esquema pelo qual se processa a classificação de um arquivo.

10 A metodologia funcional é criada nos arquivos institucionais como uma proposta para encontrar soluções de organização dos documentos mais perenes do que as encontradas por meio da metodologia estrutural, que se ampara basicamente no organograma da instituição, mutável ao longo do tempo.

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definição de grupo, subgrupo e série documental11 é feita considerando-se as funções do titular do arquivo, e não as estruturas administrativas e hierárquicas da instituição, como ocorre quando se aplica o método estrutural.

Grupo, subgrupo e série são três unidades básicas para criação de um quadro de arranjo, pois já identificam as tipologias documentais. Além disso, os documentos devem ser nomeados adequadamente com base nos elementos que os distinguem um dos outros, como tipo, forma, formato, gênero e suporte12. Esse procedimento também é chamado de processamento técnico.

A notação, que nada mais é do que a atribuição de códigos de endereçamento às unidades do arquivo, costuma ser posterior ao processamento técnico, quando o plano de classificação coincide com o arranjo. Em algumas instituições, contudo, essa notação é efetuada levando em conta o armazeamento final do documento em mapotecas ou gavetas cujas condições de temperatura e umidade sejam adequadas à conservação do seu suporte material.

Tanto para auxiliar o arranjo quanto a descrição, alguns arquivistas defendem que os tipos documentais devem ser identificados tendo como base os eventos a que se relacionam. Isso serviria para melhor apreender o arquivo pessoal

11 Divisões do arquivo: grupo é uma divisão do fundo; subgrupo é uma divisão de grupo e série é uma divisão de subgrupo que evidencia os tipos documentais.

12 Ver Dicionário de Terminologia Arquivística (2005).

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como um corpo orgânico, cujas parcelas só têm sentido se relacionadas àquilo que as originou. Os documentos que não puderem ser vinculados a uma função não deveriam ter o mesmo tipo de tratamento. Restaria àqueles que permanecessem descontextualizados uma descrição unitária, típica de bibliotecas e centros de documentação.

(...) no arquivo, em geral, o tratamento técnico é dispensado não à unidade, mas às séries documentais que formam agrupamentos lógicos e orgânicos dentro dos diferentes fundos. Já o centro de documentação adota um tratamento que varia segundo a natureza de seu material (BELLOTO, 2006, p. 39).

É na descrição de conteúdo – que nos arquivos é feita tendo como base a série – que se fornecem informações relativas à autoria, à função implícita, aos assuntos, às datas e à tipologia do documento, muitas vezes, já identificada durante o arranjo. Atualmente, todas essas informações são informatizadas em banco de dados que ao mesmo tempo como como ferramentas de gestão e instrumentos de pesquisa. Em algumas instituições, a digitalização completa dos documentos integra sua política de preservação – limitando o acesso aos suportes materiais que ficam acondicionados em reservas técnicas – e de segurança – atuando como backups para o caso de sinistros implicarem na perda completa do acervo ou de parte dele.

Apesar da descrição em arquivos, como já foi dito, voltar-se para conjuntos definidos pelos

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tipos documentais ou séries, alguns instrumentos de pesquisa adotam a descrição unitária, como é o caso dos catálogos. A estrutura e funcionamento da administração de um arquivo se concentram no tratamento do acervo, “entre receber, processar, guardar e recuperar”13. Os instrumentos de pesquisa atuarão como mediadores entre os arquivistas e os pesquisadores que não compreendem a fundo as etapas desse trabalho.

1.3 Elaboração de instrumentos de pesquisa

Uma das funções do arquivista é facilitar a pesquisa e o acesso aos documentos. Para tal, como foi dito anteriormente, são necessárias várias etapas, que culminam na elaboração de instrumentos de pesquisa.

A designação instrumentos de pesquisa vem do francês instruments de recherche (instrumentos de pesquisa), mas possui algumas derivações. Na França também se utiliza a expressão instruments de travail, (instrumentos de trabalho) com a mesma acepção dos instrumentos de trabajo (instrumentos de trabalho) ou instrumentos de descripción (instrumentos de descrição) espanhóis. Já Portugal segue a linha inglesa finding aids (ferramentas de busca) e adota o termo meios de busca. A variação de nomenclatura é relevante para compreender a serventia dessas ferramentas para a pesquisa e o trabalho do arquivista na descrição e recuperação de dados.

13 De acordo com entrevista com Gabriel Moore, disponível no Apêndice B

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Os instrumentos de pesquisa podem ter a forma de publicação, como no caso dos inventários e dos guias de acervo, ou podem ser ferramentas mais dinâmicas, como o banco de dados. Em ambos os casos, contudo, identificam, localizam, resumem ou transcrevem, em diferentes graus e amplitudes, fundos, grupos, séries e peças documentais existentes num arquivo permanente, com a finalidade de controle e de acesso ao acervo14.

Neste trabalho, concentraremos nossa atenção nos instrumentos de pesquisa extrovertidos via publicações – aqui chamadas de publicações técnicas – e especialmente nos inventários, cuja elaboração é uma prática sistematizada na Casa de Rui Barbosa. Além dos inventários – instrumento de pesquisa em que há uma descrição exaustiva ou parcial de um fundo ou de uma ou mais de suas subdivisões, tomando por unidade a série, respeitando ou não seu arranjo físico –, é necessário traçar um breve panorama dos demais tipos de instrumentos de pesquisa, esclarecendo para que se destinam.

Os guias do acervo servem como um mapa geral das fontes disponíveis em um arquivo e localizam fundos, grupos ou séries relativos a determinado tema. Toda instituição arquivística aberta para consulta pública deve somar esforços para produzir um guia do acervo e mantê-lo atualizado, pois o guia é a primeira forma de divulgação e promoção do arquivo em meios

14 Definição do Dicionário de Terminologia Arquivística (2005).

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escolares, administrativos e culturais em geral. Devido ao seu caráter genérico e globalizante, o guia deve ser o primeiro instrumento de pesquisa elaborado por essas instituições.

Quanto aos instrumentos de pesquisa por definição, aqueles destinados ao público como meio de acesso informacional ao acervo, eles devem constituir uma espécie de família hierárquica, na qual o guia ocupa o vértice. Tendo um guia geral, o arquivo poderá dispor do tempo necessário para ir efetivando, criteriosamente, seus trabalhos de descrição parcelada (BELLOTO, 2006, p. 181).

Os instrumentos de pesquisa de descrição parcelada são aqueles com maior nível de detalhamento, que tratam especificamente de uma parcela do acervo. Nesse grupo entram inventários, catálogos, catálogos seletivos, índices e também a publicação de documentos na íntegra, chamada de edição de fontes.

A principal diferença entre os inventários e os catálogos é a unidade do fundo tomada para descrição. Nos inventários, há descrição exaustiva ou parcial das séries documentais, enquanto os catálogos se dedicam à peça documental – daí a subdivisão catálogos seletivos, que descrevem documentos previamente selecionados, pertencentes a um ou mais fundos ou instituições arquivísticas, segundo um critério temático. Os índices também são organizados tendo em vista a recuperação posterior do conteúdo de documentos e informações. Produto da indexação, processo

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pelo qual se relacionam de forma sistemática descritores ou palavras-chave, os índices podem ser usados como instrumentos de pesquisa autônomos ou como complemento de outro.

De todas as possibilidades de instrumentos de pesquisa a serem elaborados por uma instituição arquivística, são as edições de fontes que motivam maiores debates sobre a maneira como serão produzidos e para que público se destinam. As edições de fontes consistem na transcrição e/ou reprodução de documentos e estão situadas no limite entre as publicações técnicas e o que chamamos, neste trabalho, de publicações temáticas, que são aquelas com maior alcance comercial, voltadas para um público mais abrangente do que o pesquisador.

Belloto (2006, p. 216) destaca que para se elaborar uma boa edição de fontes são necessários estudos básicos e práticas anteriores nos campos da paleografia, da diplomática, da ecdótica e da heurística. Da mesma forma que, para produção dos índices, deve-se recorrer à análise documentária.

A publicação de textos na íntegra tem duas finalidades. A primeira diz respeito à preservação dos documentos originais, ao evitar que sejam manuseados, e à facilidade de acesso ao texto completo, possibilitando que sejam realizadas pesquisas “a distância”. A segunda finalidade, de acordo com o especialista em edição Emanuel Araújo (1985, p. 7), relaciona-se “ao reconhecimento ou à legitimação da unidade e da memória nacionais”.

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Araújo situa o surgimento desse tipo de publicação na Europa, como uma iniciativa do movimento historicista do século XVIII, que, por sua vez, se baseou na técnica de edição de textos da Antiguidade Clássica. O primeiro exemplo notável de publicação integral foi o projeto editorial da coleção “Fontes históricas da Alemanha de 500 a 1500”, iniciado pela Sociedade para o Estudo da Antiga História da Alemanha em 1819 e em curso até hoje – um modelo que inspirou sociedades idênticas na França, Inglaterra, Holanda, Itália, Bélgica e Espanha.

Apesar da grande quantidade de fontes que a coleção alemã pretendia publicar, sua estrutura foi exemplarmente concebida como uma unidade coerente, tornando-se uma das referências para que, em meados da década de 1980, como supervisor das publicações do Arquivo Nacional, Emanuel Araújo empreendesse a tentativa de resolver um problema peculiar a todos os arquivos brasileiros: publicações desconectadas entre si, dependentes de critérios individuais de historiadores ou de editores de texto, sem qualquer normalização aplicável de modo uniforme por todos.

Dessa busca de solução nasceu o livro “Publicação de documentos históricos”, com o qual Araújo iniciou um trabalho de nrmalização que ainda precisa contar com a adesão das instituições e suas atualizações, de acordo com as necessidades.

Na obra, a função última do arquivo de fornecer subsídios históricos a todos os cidadãos,

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fica clara na variedade de formas de publicação, cada uma voltada para um público. Segundo Araújo (1985), são seis as possibilidades de edição de fontes: edição fac-símile, com reprodução absolutamente fiel do texto original; edição diplomática ou paleográfica, com transcrição do texto original; edição técnica, que consiste no texto fac-símile com sua respectiva transcrição; edição crítica, em que há interferência de um editor no texto, evidenciada nos sinais gráficos e notas que se somam ao texto original; edição popular, na qual o original se submete a uma leitura contemporânea e muitas vezes é seguido por comentários esclarecedores para torná-lo mais acessível; e ainda a edição escolar, em que há uma compilação de extratos de documentos para uso didático.

Todas as formas de publicação de documentos são oportunas e úteis, mas algumas são preferíveis a outras por apresentarem menor quantidade de erros: a edição técnica, considerada a forma mais perfeita de reprodução, embora destinada a um número reduzido de leitores por sua baixa inteligibilidade, e a edição crítica, que será discutida no próximo capítulo.

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[Parte 2:Os Livros]

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2.1 As publicações e as linhas editoriais

Ao delimitar o recorte desta pesquisa, a pesquisadora se defrontou não apenas com uma grande quantidade de arquivos pessoais sob guarda da FCRB, mas também com diversos livros publicados a partir desse acervo, além de pesquisas sobre ele.

A princípio, o AMLB despertou maior interesse por reunir arquivos pessoais de escritores brasileiros. No entanto, no decorrer da pesquisa, foi impossível desconsiderar a importância do arquivo histórico da FCRB, o arquivo pessoal de Rui Barbosa, central para todo o trabalho desenvolvido na instituição.

Com o auxílio dos documentos que compõem tal arquivo, que situa a história de vida e a obra de seu titular, são produzidas as edições das Obras Completas de Rui Barbosa. Foi para divulgar e tornar conhecido o trabalho do titular que a instituição se firmou, desde sua fundação, com missão publicadora. Até mesmo os setores de pesquisa que funcionam na FCRB foram criados para dar suporte à missão de difundir a obra de

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Rui Barbosa. Os primeiros setores de pesquisa criados na FCRB foram os de direito e filologia. Atualmente, é o Setor Ruiano que se responsabiliza pela elaboração das pesquisas no arquivo do titular e também desenvolve as edições críticas das Obras Completas dele.

As Obras completas de Rui Barbosa compõem um projeto editorial de grande proporção. São 170 tomos1, para cada um dos quais se realiza um trabalho de fixação do texto, tendo como método a crítica genética ou crítica textual, que prevê o cotejamento das inúmeras cópias existentes de um texto para o estabelecimento do texto definitivo.

Ao editor impõem-se, naturalmente, certas restrições, em particular quando se trata de texto literário, onde o autor é soberano para realizar fraturas na linguagem e na ortodoxia das regras gramaticais. Mesmo aqui, não obstante, distinguem-se o ‘estilo’ literário e o ‘estilo’ gráfico, visual, da apresentação e representação material dos originais – em última análise, do livro impresso. A fronteira entre ambos os ‘estilos’ nem sempre é muito nítida, mas ela existe e ao editor cumpre divisá-la com clareza em benefício da legibilidade e até da inteligibilidade do texto, neste último caso sobretudo na edição crítica (a mais difícil), quando seu trabalho se confunde quase por inteiro com o do filólogo. (ARAÚJO, 2008, p.35)

Esse trabalho exige apuro crítico, concentração e detalhamento da pesquisa,

1 Tomo, segundo o Dicionário Aurélio (2009), é uma unidade ideológica de uma obra, determinada pelo autor, e que pode coincidir ou não com divisão em volumes no trabalho editado.

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pois prevê o cotejamento de todas as versões, manuscritas e editadas, de um mesmo texto de Rui Barbosa. E, como a FCRB é um centro de excelência nesse assunto, o trabalho deve ser efetuado com o máximo de precisão e qualidade. Por isso, é natural imaginar que nesse setor atuam especialistas que, além das Obras Completas, produzem pesquisas inéditas sobre a vida e obra de Rui Barbosa, assim como sobre temas diretamente relacionados. Essas pesquisas muitas vezes resultam em publicações.

Da mesma forma, os outros setores de pesquisa da FCRB também têm livros como resultado de seus projetos. Mais tarde mostraremos que isso é crucial para que o Setor de Editoração esteja subordinado ao Centro de Pesquisa, mas, por ora, basta considerar esses dois tipos de publicações desenvolvidas na instituição: as publicações técnicas (guias do acervo, inventários, etc), apresentadas no capítulo anterior, e as publicações temáticas (grande parte resultado do trabalho de pesquisa), apresentadas aqui.

Compreender as características desses dois tipos de publicação nos permite compreender de como se construiu a linha editorial da FCRB. Essa linha reflete as atividades desenvolvidas por Rui Barbosa em vida – seus interesses como jurista, político, jornalista e literato – e, por paralelismo, está atrelada às atividades finalísticas da FCRB: as atividades de documentação e de pesquisa.

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2.2 Publicações técnicas versus publicações temáticas

As publicações técnicas resultam das atividades de documentação, enquanto as publicações temáticas são fruto das atividades de pesquisa.

Para entender melhor a diferença entre esses dois tipos de publicação, pode-se compará-las ao trabalho do arquivista e do pesquisador: as publicações técnicas vêm antes das temáticas, assim como o trabalho do arquivista antecede o do pesquisador, facilitando o acesso deste às fontes primárias.

Dessa forma, as publicações temáticas funcionam como um desdobramento das técnicas, o que as classifica, segundo Eduardo Coelho2, em publicações-fim e publicaões-meio, respectivamente. Ou seja, assim como o trabalho do arquivista, as publicações técnicas estão atreladas à função do documento, à atividade que motivou sua produção, enquanto as publicações temáticas se amparam no conteúdo, na informação presente no documento.

Até o momento, apresentamos as publicações temáticas como resultantes da pesquisa. Apesar de o grupo de publicações temáticas ser o mais relevante em número, é preciso ressaltar que, entre as publicações técnicas, existem algumas formas de edição que também têm como finalidade a difusão 2 Segundo Eduardo Coelho, em entrevista transcrita na íntegra no

Apêndice C.

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de conteúdo. São elas as edições de fontes, tipo de instrumento de pesquisa que publica documentos em reprodução e/ou transcrição, como foi exposto no capítulo anterior. Algumas edições de fontes contêm cartas e diários íntimos, para designar esse tipo de documentos o historiador holandês Jacques Presser propõe o termo egodocumentos.

2.3 O atrativo dos egodocumentos

As edições de fontes estão no limite entre as publicações técnicas e as temáticas porque são instrumentos de pesquisa que contém a reprodução ou transcrição dos documentos, e, ao mesmo tempo em que apresentam conteúdos no que diz respeito ao uso do documento histórico.

Muitas das atuais edições de fontes privilegiam os documentos relacionados ao processo criativo de seu autor ou às revelações de sua intimidade. É cada vez mais comum encontrar rascunhos de uma obra literária ou esboços e estudos de uma obra visual sendo vendidos em leilões. Da mesma forma, as correspondências e diários íntimos, quando vertidos em publicações, despertam o interesse de um público amplo, tornando-se até, em alguns casos, best-sellers.

Um exemplo de diário íntimo traduzido para diversos idiomas e considerado uma leitura para jovens, devido à idade de sua autora, é “O Diário de Anne Frank”, que retrata a situação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Esse diário

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foi descoberto pelo historiador holandês Jacques Presser, que escreveu um artigo recomendando-o à publicação e direcionou seus estudos de História para esse tipo de documento histórico, que ele denominou egodocumentos.

Para Presser (apud DECKKER, 2002), são considerados egodocumentos os documentos em que o autor delibera ou acidentalmente escreve sobre si mesmo, sobre seus atos, pensamentos e sentimentos, escondendo-se ou expondo-se. Ao registrar os fatos e suas impressões pessoais sobre eles – mesmo que esse registro seja uma construção parcial e subjetiva –, o autor revela o ponto de vista de um período e de uma classe social. Por isso, os egodocumentos se aproximam da micro-história3 e são considerados fontes históricas relevantes.

Entre os historiadores, muito se discute a respeito da falsificação deliberada do próprio passado que permeia os depoimentos pessoais, desabilitando-os, portanto, como fontes e tornando-os classificáveis apenas como anedotas. Nos estudos de ciências sociais e história econômica, ainda não há espaço para os egodocumentos, assim como a referência à teoria freudiana, cujo conceito de ego inspirou o termo, é praticamente uma exceção dentre os historiadores. Na linha de estudos da história das ideias, contudo, os egodocumentos obtiveram

3 Um bom exemplo de micro-história é o livro O queijo e os vermes do historiador italiano Carlo Ginzburg, editado no Brasil pela Companhia das Letras. Trata-se da história do moleiro italiano “herege”, condenado à fogueira porque achava que a Lua era um queijo que estava sendo devorado.

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status e são usados para debater, entre outros, o conceito da “autoidentidade”, que é flexível, dá margem a inúmeras interpretações e também é historicamente determinado.

Esse conceito desperta a discussão sobre os limites entre o público e o privado, o que, no âmbito das publicações, faz com que os egodocumentos sejam muito atraentes. Existe um fetiche que percorre toda a extensão do livro: do texto, que revela a experiência do outro, sua vida e seus pontos de vista, à apresentação visual, principalmente quando se trata de uma edição fac-símile de manuscritos, em que o indivíduo se revela ainda mais ao expor sua letra. Há, no Brasil, uma série de livros editados com essas características, alguns dos quais produzidos por instituições arquivísticas, como é o caso de duas publicações do Instituto Moreira Salles: “Poemas da Pasta Rosa”, organizado a partir do arquivo da poeta carioca Ana Cristina César, e a edição crítica de “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade4.

O desejo de conhecer a intimidade do outro, no entanto, é restringido por lei. O acesso a esses documentos é limitado por conta do sigilo (direito à privacidade), presente em documentos de arquivo público, e pelas leis de direito autoral que protegem as obras intelectuais, como é o caso das obras literárias aqui citadas.

4 A pesquisa para a produção deste livro foi feita no arquivo de Carlos Drummond de Andrade, que pertence ao Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da FCRB.

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2.4 As leis e os processos que regulam a publicação de documentos de arquivo

De acordo com a lei nº 8.1595, que dispõe sobre a política nacional em arquivos, quando os fundos de arquivos privados são identificados pelo poder público como de interesse público e social, não podem ser alienados com dispersão ou perda da unidade documental, nem transferidos para o exterior6. E o acesso aos documentos desses arquivos deve ser feito mediante autorização de seu proprietário ou possuidor; ou o arquivo pode ser doado ou depositado a título revogável, muitas vezes em regime de comodato, em instituições arquivísticas públicas.

Nos arquivos públicos, há leis que regulam o acesso e o sigilo dos documentos públicos. São considerados sigilosos os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

O acesso aos documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado é restrito por um prazo máximo de 30 anos, a contar da data de sua produção, podendo esse prazo ser prorrogado, por uma única vez, por igual período. Quando se

5 Lei assinada pelo então presidente Fernando Collor e publicada no Diário Oficial da União, de 09 janeiro de 1991, e publicada com retificação em 28 de janeiro de 1991.

6 Em caso de alienação, é assegurado ao Poder Público o direito de preferência, com o qual todos os bens de interesse público devem ser primeiramente oferecidos para compra à União.

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refere à honra e à imagem das pessoas, o acesso é restrito por um prazo máximo de cem anos, a contar da sua data de produção.

Também os documentos de arquivo privado que são obras intelectuais estão sujeitos ao prazo de 70 anos após a morte do autor para entrarem em domínio público. Até atingir esse prazo, a publicação desses documentos, a pretexto de anotá-los, comentá-los ou melhorá-los, está sujeita à autorização do autor, dos herdeiros ou detentores de direito.

O direito autoral é questão delicada e complexa, já que envolve vários interesses de, pelo menos, três partes importantes: editores, autores e tradutores. Ele parte do justo princípio de que nenhuma propriedade é tão pessoal quanto os produtos da mente humana (MARTINS FILHO; ROLLEMBERG, 2001, p. 81).

Na Fundação Casa de Rui Barbosa, a reprodução de documentos é analisada caso a caso, de acordo com o uso que será feito da reprodução. Para reproduzir um documento de arquivo em edição com fins comerciais, é necessário ter autorização dos herdeiros. Já para publicações com finalidade acadêmica, basta assinar um termo de responsabilidade assegurando que os herdeiros serão contatados no caso de a obra vir a ter caráter comercial.

Atualmente, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), define a política nacional de

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arquivos. Apesar disso, quase inexistem na legislação regrais gerais para a publicação de documentos de arquivos pessoais. E, como a arquivística se baseia em princípios gerais, não em normas, também não há qualquer regulamentação consensual do trabalho em arquivos pessoais como um todo.

A arquivística, no âmbito dos arquivos permanentes, não dispõe e nem pretende dispor de códigos e tabelas universais prestabelecidos de arranjo e descrição. Isto porque, ao contrário da biblioteconomia, ela não trabalha com documentos múltiplos e nem com tipologias uniformes, passíveis de se submeterem a uma estrita normalização de processamento técnico. No entanto, não se pode dizer que a arquivística não tenha doutrina e metodologias próprias; muito menos se pode taxá-la de isenta de princípios gerais que possibilitem o entendimento entre seus profissionais e entre estes e os usuários dos acervos a recolher, arranjar, descrever e divulgar (BELLOTO, 2006, p. 13).

Assim, tanto o trabalho do arquivista quanto o do editor dependem de contratos e acordos específicos entre as partes envolvidas. Esta é apenas uma das semelhanças entre essas duas atividades, que examinaremos mais detalhamente a seguir.

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[Parte 3:Os Livros de Arquivo]

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3.1 Semelhanças e diferenças entre arquivista e editor

Durante o desenvolvimento desta fundamentação teórica, foi possível reconhecer que a arquivística guarda muitas semelhanças com a editoração. As atividades do arquivista e do editor, já reconhecidas como complementares, se aproximam no que diz respeito às qualidades que o sujeito precisa ter para desempenhá-las com precisão.

“Cabe ao arquivista identificar, descrever, resumir e indexar. O historiador saberá selecionar, interpretar e ‘explicar’. Entretanto, para que isso se realize, faz-se necessário que o fluxo não seja interrompido” (BELLOTO, 2006, p. 26). A figura do historiador aqui apresentada pode ser transposta para a figura do editor, desde que se guarde a devida distinção entre editor e publisher, preservada na língua inglesa. Nessa língua, editor é aquele encarregado de organizar, isto é, selecionar, normalizar, revisar e supervisionar, para publicação, os originais de uma obra e, às vezes, prefaciar e anotar textos de um ou mais autores. Já o publisher

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é o responsável ou proprietário de uma empresa organizada para a publicação de livros. Aqui trataremos do editor, mais precisamente do editor de texto, “o profissional encarregado de conferir uniformidade global ao texto através de padrões formadores, conformadores e até informadores do livro” (ARAUJO, 2008, p. 55).

Tanto o arquivista como o editor têm a difusão cultural como um de seus principais objetivos. Isso implica, para o arquivista, garantir acesso aos documentos e, para o editor, asseguar, por meio de um suporte físico, que várias pessoas conheçam determinada informação. Seja para elaborar instrumentos de pesquisa ou para produzir edições críticas, o arquivista e o editor devem ter concentração, clareza, concisão, noção de contexto histórico e social e atenção aos detalhes.

Os programas de publicação e de instrumentos de busca de um arquivo estão intimamente ligados. Normalmente, os documentos devem estar descritos em instrumentos de busca antes de serem publicados. Tais instrumentos de busca facilitam o trabalho de seleção e preparo. Na elaboração desses instrumentos de busca em que se descrevem peças individuais, como, por exemplo, nas listas, o arquivista deve dar meticulosa atenção ao detalhe quanto um editor daria à publicação de tais peças. Resumindo, ambos os trabalhos requerem a mesma perícia (SCHELLENBERG, 2008, p. 340).

Apesar de apresentarem tantas semelhanças, arquivista e editor se diferenciam na maneira

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particular como enxergam um documento a que têm acesso. Estabelecendo um paralelismo com as publicações técnicas e as publicações temáticas, pode-se afirmar que o arquivista sempre se concentrará na função do documento – para qual atividade ele se presta –, enquanto o editor buscará o conteúdo desse documento – as informações que nele estão contidas.

Em ambos os pontos de vista está presente a noção de contexto: o arquivista apreende a relação do documento com seu fundo de arquivo e o editor identifica um diálogo dessa informação com outras de uma mesma temática. E essa diferença gera dois tipos de relação, divisadas pela ordem em que ocorrem: o arquivista organiza (atividade-meio) e então o editor pode fazer, a partir desse material organizado, uma seleção de conteúdo (atividade-fim).

A experiência de trabalho em arquivo pode colaborar para o trabalho do editor e vice-versa. Um exemplo disso é a trajetória profissional de Eduardo Coelho, atual chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da FCRB. Formado em Letras, Coelho trabalhou como estagiário na FCRB, onde teve seu primeiro contato com a pesquisa de fonte documental. Tornou-se professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde se formou e fez mestrado e doutorado sobre a obra de Manuel Bandeira. Trabalhou como editor-chefe da editora Língua Geral e, atualmente, além de chefe do AMLB

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(Arquivo-Museu de Literatura Brasileira), presta consultoria de serviços editoriais.

Em entrevista concedida especialmente para esta pesquisa, Eduardo Coelho reconhece o quanto o seu trabalho de arquivista foi enriquecido ao incorporar recursos da editoração. Ele aponta que a falta de unidade nos instrumentos de pesquisa ocorre pela arbitrariedade na eleição de termos durante a descrição arquivística. A definição pouco rigorosa de termos como comentário, consideração e análise, por exemplo, dificulta a especificação dos tipos de conteúdo. E foi justamente por isso que Coelho iniciou no AMLB oficinas de descrição com ênfase na elaboração de resumos e realizou o cotejamento das descrições já realizadas com seus respectivos documentos.

Outro procedimento que Coelho aproveitou diretamente de sua experiência como editor foi o planejamento a partir da elaboração e do cumprimento de cronogramas. O trabalho do editor é inteiramente atrelado a prazos, indispensáveis para atender às demandas comerciais de produção. Na arquivística, apesar de os prazos não serem determinantes, as atividades demandam uma produção de longo prazo, de modo que seguir um cronograma geral de trabalho é, provavelmente, a melhor forma de gerenciá-las.

As semelhanças entre as atividades do arquivista e do editor estendem-se, ainda, aos produtos que elas geram, como instrumentos de pesquisa/publicações temáticas e banco de dados/livro digital.

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3.2 Novas mídias, novos caminhos: o banco de dados e o livro digital

O banco de dados é um instrumento de pesquisa, uma ferramenta de gestão e, no caso do arquivo que já nasce digital, pode ser entendido como o arquivo em si1. Essas duas últimas definições para banco de dados evocam características que justificam sua comparação com o livro digital.

No artigo “Fim do livro?”, Arlindo Machado (1994) defende a tese de que, após ter contribuído para revolução do mundo moderno, o livro “parece hoje resumir-se a um acontecimento datado”, constrangido a justificar seu papel numa sociedade governada pela velocidade da comunicação digital. Daí a necessidade, segundo o autor, de reconceituar o livro como dispositivo de informação, de modo a oferecer-lhe a possibilidade de apresentar uma nova estrutura de organização do pensamento, capaz de ser penetrada de maneira não-linear, como ocorre com os chamados livros de referência (dicionários, manuais e enciclopédias). Ao permitirem a navegação por meio de dispositivos ágeis de pesquisa, os novos livros propiciariam o retorno da informação em diversos níveis de aprofundamento ou leituras, sendo interessantes tanto para um leigo, que pode apropriar-se das ideias gerais do texto, quanto para um especialista que destrinchará todos os subtemas e referências. Assim também ocorre com o banco de dados, 1 Segundo Gabriel Moore em entrevista concedida especialmente para este

trabalho, no Apêndice B.

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que retorna a informação pesquisada dentro do conjunto total que armazena em distintos níveis de acesso (administrador, usuário etc.).

Do mesmo modo que o banco de dados serve à pesquisa, também o livro digital possui uma estrutura que o torna perfeito para publicações acadêmicas. O historiador Robert Darnton (2010, p. 88) acredita que essa é a verdadeira vocação desse formato:

A melhor defesa que pode ser feita em relação aos e-books tem relação com a publicação acadêmica, não em todos os campos, mas num número considerável de áreas das ciências humanas e sociais onde se tornou proibitivamente caro produzir monografias convencionais. Essa dificuldade é tão severa que vem transformando o panorama do saber. Surgiu como resultado da convergência de três problemas, fazendo a monografia parecer uma espécie em risco de extinção.

A publicação acadêmica está passando atualmente por uma grande crise, caracterizada pelo excesso de produções de baixa qualidade. Por exigência do sistema de trabalho acadêmico, quanto mais o pesquisador publica, melhor para seu currículo e para sua carreira na universidade. Isso explica o inchaço da produção de publicações que, em grande parte, jamais serão lidas.

Quem denuncia essa situação é o editor da Harvard University Press, Lindsay Waters (2007), que propõe como saída a intervenção do editor,

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responsável por fazer uma seleção criteriosa do que deve ou não ser publicado.

Robert Darnton (2010) também enfatiza a relevância desse crivo, mesmo nas edições digitais, para que as publicações acadêmicas tenham a qualidade necessária ao cumprimento de seu objetivo científico. Defende também que, “para se tornar um livro, uma tese precisa ser reorganizada, perder trechos e ganhar outros, ser adaptada às necessidades de um leitor leigo e reescrita do início ao fim, de preferência sob a orientação de um editor experiente” (op. cit., p. 92).

O setor de editoração da Fundação Casa de Rui Barbosa atua nesse sentido ao selecionar, organizar e editar obras acadêmicas. Além das publicações dos trabalhos dos pesquisadores da Casa, ainda há o Prêmio Casa de Rui Barbosa, que escolhe e publica as melhores monografias cuja pesquisa utilizou os arquivos da instituição. É assim que, num contexto de excesso de informação e poucos veículos confiáveis, o setor de editoração desempenha uma função social ímpar, conferindo credibilidade e visibilidade à Fundação.

3.3 As vantagens de um setor de editoração em uma instituição arquivística

O setor de editoração da Fundação Casa de Rui Barbosa constitui uma exceção à regra das instituições públicas que guardam arquivos e até mesmo das organizações privadas com a mesma

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finalidade. Em geral, essas instituições não possuem profissionais especializados em editoração nem uma demanda de produção que justifique a contratação de editores e a manutenção de um departamento específico para esse fim.

Como a atividade de publicação é considerada uma maneira de extroverter as atividades realizadas pelo arquivo e os resultados das pesquisas, originalmente, o setor de editoração da FCRB pertencia à divisão de Difusão Cultural.

Os arquivos públicos existem com a função precípua de recolher, custodiar, preservar e organizar fundos documentais originados na área governamental, transferindo-lhes informações de modo a servir ao administrador, ao cidadão e ao historiador. Mas, para além dessa competência, que justifica e alimenta sua criação e desenvolvimento, cumpre-lhe ainda uma atividade que, embora secundária, é a que melhor pode desenhar os seus contornos sociais, dando-lhe projeção na comunidade, trazendo-lhe a necessária dimensão popular e cultural que reforça e mantém o seu objetivo primeiro. Trata-se de seus serviços editoriais, de difusão cultural e de assistência educativa (BELLOTO, 2006, p. 227).

As instituições com finalidade arquivística devem ter uma política de difusão cultural eficiente, pois, para elas, a visibilidade não é só uma questão de conceito público – de como a sociedade enxerga o papel que desempenha –, mas também de subsistência.

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Atualmente no Brasil, a produção cultural tem se amparado em leis de incentivo, como a Lei Rouanet2, que permitem abatimento ou isenção de impostos para as empresas que patrocinam iniciativas culturais previamente aprovadas pelo governo, tendo em vista sua relevância. Por isso, quanto melhor a visibilidade de determinada instituição, maiores as suas chances de ser bem recebida pela iniciativa privada e obter apoio via leis de incentivo ou até mesmo patrocínios diretos.

Para obtenção do apoio financeiro, não basta, no entanto, ter um conceito público positivo. É preciso também que a instituição proponha produtos interessantes aos possíveis investidores privados, sequiosos por vincular sua marca àquilo que agregará valor a ela (no caso, publicidade). Por isso, é muito mais fácil conseguir recursos para produtos e eventos do que para atividades técnicas de arquivo, fundamentais ao cumprimento da finalidade prioritária desse tipo de instituição. Para além do seu compromisso de difusão cultural, essas instituições precisam, portanto, propor muitas outras atividades culturais para obter recursos que ajudarão a manter as atividades de documentação e pesquisa.

Existem várias formas de divulgar uma instituição arquivística e de torná-la conhecida e próxima de seu público. Instituições cujo

2 Além da Lei Rouanet, Lei Federal n. 8.313, as outras leis de incentivo cultural em vigor em São Paulo são: a Lei de Incentivo a Cultura - LINC (Lei Estadual n. 8.819), a Lei do Audiovisual (Lei Federal n. 8.685) e a Lei Mendonça ( Lei Municipal n. 10.923).

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acervo dialoga com as artes visuais, por exemplo, costumam encontrar nas exposições um canal de extroversão compatível. Esse é o caso do CEDOC – Centro de Documentação da Pinacoteca do Estado de São Paulo – que guarda o arquivo institucional do museu e os arquivos pessoais de artistas, críticos e pesquisadores de artes tanto próprios como do Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo.3

As exposições trazem diversos benefícios às instituições: provocam a empatia no público, que pode ser de várias idades e diferentes níveis de formação, dão oportunidade de desenvolver trabalhos educativos sobre o acervo e, por serem geralmente temporárias, refletem o dinamismo da instituição. Em contrapartida, as publicações são muito mais perenes e podem circular, atingindo mais pessoas em mais lugares, o que constitui uma vantagem para o patrocinador que associa sua marca a elas.

No Brasil as instituições públicas são financiadas majoritariamente por órgãos públicos, sendo bastante escasso o aporte de verbas via patrocínio privado. Já em países como a Argentina, que não contam com o amparo de leis de incentivo para a produção cultural, esse patrocínio é muito comum, conforme evidenciam os logotipos das empresas estampados nas capas dos livros que financiam.

Sediada em Buenos Aires e conhecida internacionalmente pela coesão de sua linha 3 O IAC, que mantém duas salas de exposição, abriga, em regime de comodato,

os arquivos pessoais dos artistas Sergio Camargo e Willys de Castro.

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editorial, a Fundación Espigas4, que guarda fundos de arquivo relacionados à arte argentina, é um exemplo de instituição arquivística que estabelece parcerias com instituições congêneres e empresas em geral para viabilizar suas publicações.

O exemplo da Fundación Espigas é relevante também para entendermos por que a visibilidade é tão importante para a instituição arquivística pública como o é para a instituição privada. Ao contrário do que se possa imaginar, a necessidade de captar patrocínios da instituição privada não a torna mais dependente de visibilidade do que a instituição pública, financiada pelo estado. Isso ocorre porque, num regime democrático, cabe ao governo orientar suas políticas pelo pensamento e pelas necessidades da maioria. Daí a constatação de que, quanto mais a instituição pública for vista e reconhecida como fundamental para a sociedade, mais recursos ela poderá obter e, consequentemente, mais empreendimentos poderá fazer.

4 Para este trabalho, a autora realizou uma entrevista com a pesquisadora Patrícia Artundo, responsável pelas publicações da Fundación Espigas.

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[Parte 4:Estudo de Caso:

Fundação Casa de Rui Barbosa]

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4.1 Breve histórico da instituição

Rui Barbosa é conhecido por seu trabalho como advogado, legislador e literato. Colaborou com inúmeros jornais e revistas de sua época, defendendo a causa abolicionista. Apesar de ter se candidatado a presidente três vezes, ficou conhecido por seu trabalho como constitucionalista. Com sua morte, em 1923, resta a necessidade de preservar seu legado intelectual e difundir sua obra.

Em 1924, o presidente Artur Bernardes autoriza a aquisição do prédio onde vivia Rui Barbosa na então capital da república, Rio de Janeiro, bem como do mobiliário, da biblioteca, do arquivo e da propriedade intelectual da obra de Rui Barbosa, através do Decreto nº 4.789, 2/01/1924. Mas é somente em 1927 que o presidente Washington Luís inaugura o Museu Rui Barbosa, que em 1928 evolui para um museu biblioteca, passando a ser chamado de Casa de Rui Barbosa. A instituição é então inaugurada no dia 13 de agosto de 1930 pelo presidente Washington Luís. Em dezembro desse mesmo ano, por medida do Governo

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Provisório, a Casa é vinculada ao recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública.

Em 1934 os serviços da Casa de Rui Barbosa são reorganizados em função do objetivo ao qual a instituição se presta. De acordo com o Decreto nº 24.688, de 12/07/1934, a instituição é responsável não apenas pela conservação da biblioteca e do arquivo de Rui Barbosa, mas também pela publicação das suas obras e pela realização de cursos e conferências. Em 1938, a Casa é tombada pelo então Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O regimento interno é aprovado em 1941, na mesma ocasião em que é proposta a publicação das obras completas de Rui Barbosa. O Centro de Pesquisa, que mais tarde será responsável pela organização dessas obras completas, é criado em 1952, mas somente com a finalidade de dedicar-se ao estudo nas áreas de direito e filosofia.

Em relação à configuração administrativa, a Casa de Rui Barbosa vai aos poucos se aproximando do que é hoje. Em 1956, o presidente Nereu Ramos aprova o regimento que organiza a instituição em quatro seções: a Seção Técnica, compreendendo o Museu, a Biblioteca e o Arquivo Histórico (que diz respeito ao arquivo pessoal de Rui Barbosa); o Centro de Pesquisas, a Seção de Administração e a Zeladoria. Apenas em 1966 a Casa de Rui Barbosa é finalmente transformada em uma fundação pelo presidente Humberto Castelo Branco, através da Lei nº 4.943, de 06/04/1966, que lhe confere

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personalidade jurídica. Nesse mesmo ano, são aprovados os estatutos da Fundação Casa de Rui Barbosa. No artigo 4º da Lei nº 4.943, é oficializado o compromisso da instituição com a difusão cultural.

Art. 4º A Fundação terá como finalidade o desenvolvimento da cultura, da pesquisa e do ensino, cumprindo-lhe, especialmente, a divulgação e o culto da obra e vida de Rui Barbosa,devendo além de outras atividades:a) promover a publicação sistemática da obra de Rui Barbosa e de sua crítica e interpretação, assim como de estudos científicos, artísticos e literários;b) manter o museu e a biblioteca Rui Barbosa acessíveis ao uso e consulta públicos;c) promover estudos, conferências, reuniões ou prêmios que visem a difusão da cultura e da pesquisa;d) promover estudos e cursos sobre assuntos jurídicos, políticos, filológicos, ou de outros relacionados com a obra e a vida de Rui Barbosa;e) colaborar com instituições nacionais e estrangeiras, no âmbito de sua finalidade;f ) colaborar, quando solicitada, com o Governo da União ou dos Estados, podendo mediante convênio ou acordo, incumbir-se da prestação de serviços que forem pertinentes às suas atividades;g) cultuar, adequadamente, a 5 de novembro de cada ano, o “Dia de Rui Barbosa”.1

Nos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 4º de nº4, a lei esclarece como se promoverá efetivamente a publicação da obra de Rui Barbosa:1 A Lei nº4943 pode ser consultada na internet, no link http://www.cultura.

gov.br/site/wp-content/uploads/2007/11/lei-4943-de-1966.pdf.

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§ 1º Mediante convênio com o Governo Federal, a Fundação poderá incumbir-se da publicação oficial de coletâneas de leis ou documentos parlamentares.§ 2º O Departamento de Imprensa Nacional continuará a executar os serviços públicos gráficos prestados à Casa de Rui Barbosa, nos termos que vem fazendo até aqui.

Em 1970, para cumprir a prescrição do item “g” do artigo 4º – cultuar o dia de nascimento de Rui Barbosa – 5 de novembro é instituído como “Dia da Cultura e da Ciência” em homenagem a figuras representativas da das letras e das ciências do Brasil e do mundo.

Com o mesmo propósito de valorizar a memória da produção cultural e dos processos criativos que a originaram, Carlos Drummond de Andrade publicou em 11 de julho de 1972 uma crônica no Jornal do Brasil com o título “Museu Fantasia”. Nesse texto, Drummond (apud BASTOS e VASCONCELOS, 2005, p.1) manifesta um desejo, que ele mesmo questiona se é ou não uma fantasia.

Velha fantasia deste colunista – e digo fantasia porque continua dormindo no porão da irrealidade – é a criação de um museu de literatura. Temos museus de arte, história, ciências naturais, carpologia, caça e pesca, anatomia, patologia, imprensa, folclore, teatro, imagem e som, moedas, armas, índio, república... de literatura não temos.

Segundo Eduardo Coelho, atual chefe do

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Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, em entrevista concedida para este trabalho, quando escreveu essa crônica, Drummond era amigo dos diretores da Fundação Casa de Rui Barbosa. Naquela época, o advogado Plínio Doyle costumava promover encontros aos sábados, em sua biblioteca pessoal, nos quais reunia diversos intelectuais e artistas, entre eles, o próprio Drummond e Américo Lacombe, então presidente da Casa de Rui Barbosa. Foi assim que Lacombe conheceu e aderiu à proposta de Drummond de criar um museu de literatura, contando com o apoio de escritores como Paulo Mendes Campos, Murilo Araújo, Wilson Martins, Aurélio Buarque de Holanda, Alphonsus Guimaraens Filho, Pedro Nava, Afonso Arinos, Raul Bopp, Ciro dos Anjos e Peregrino Júnior. Meses depois o Arquivo-Museu de Literatura foi criado2.

Em 4 de janeiro de 1973, Drummond escreve outra crônica, com o título “Em São Clemente, 134” – endereço da Fundação Casa de Rui Barbosa –, na qual convoca todos aqueles que tenham alguma documentação ou objeto de escritor brasileiro a fazerem uma doação para o “o arquivo-museu menino, dirigido pelo espírito público de Plínio Doyle na Casa de Rui Barbosa”3

2 É importante salientar que o Arquivo-Museu teve outros nomes. Em 1987, quando recebe a biblioteca de Plínio Dolye, passa a se chamar Centro de Literatura Brasileira, que abrangia três setores: arquivo, biblioteca e museu. Mas, em 1995, esse nome é novamente substituído por Arquivo-Museu, agora com a designação “de Literatura Brasileira”, de acordo com os relatórios de atividades da FCRB de 1987 e 1995.

3 Apud BASTOS e VASCONCELOS, 2005, p.2.

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Drummond lega seu arquivo pessoal para o Arquivo-Museu e muitos outros se somaram ao dele. Atualmente são 124 arquivos, entre os quais, os de Clarice Lispector, Cruz e Sousa, Fernando Sabino, João Cabral de Melo Neto, José de Alencar, Manuel Bandeira, Pedro Nava, Rubem Braga e Vinicius de Moraes. Além dos arquivos pessoais, há mais de 600 coleções, como a de Guimarães Rosa, sob a denominação geral de Coleção AML, que foram acumuladas a partir do pedido de Drummond na crônica “Em São Clemente, 134”. O acervo Arquivo-Museu conta também com aproximadamente 1.200 peças, entre móveis, canetas, óculos, medalhas, caixas de música, esculturas e telas. Recentemente, o AMLB iniciou negociações para receber o primeiro arquivo inteiramente digital, do escritor Rodrigo de Souza Leão.

De 1966 até hoje, a Casa de Rui passou por muitas mudanças de estatuto. Em 1978, quando é inaugurado o edifício-sede pelo Presidente Ernesto Geisel, ocorrem reformulações e ajustes quanto às atividades desenvolvidas, aos cargos e aos projetos prioritários. Esse prédio atualmente abriga a administração geral, o Centro de Pesquisa, o Centro de Memória e Informação, o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira e também o auditório, construído em 1984, onde se realizam palestras e seminários. Em 2003, a Fundação Casa de Rui Barbosa é vinculada ao Ministério de Cultura e sofre mudanças para adequar-se às necessidades desse órgão, aprovando

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um novo estatuto e quadro de cargos, além de estabelecer uma missão:

A missão da Fundação Casa de Rui Barbosa é promover a preservação e a pesquisa da memória e da produção literária e humanística, bem como congregar iniciativas de reflexão e debate acerca da cultura brasileira.Desta forma, a instituição pode contribuir para o conhecimento de diversidade cultural e para o fortalecimento da cidadania, assegurando a implementação das demais políticas do Ministério da Cultura.4

Essa missão, na verdade, atualiza e reafirma o objetivo da Casa de Rui Barbosa na época da sua criação em 1930: assegurar a preservação e difusão da obra de Rui Barbosa. Agora, mais abrangente, esse compromisso estende-se do titular Rui Barbosa a toda a produção literária e humanística. No entanto, é possível observar que, desde o início, a publicação foi a principal forma apontada para difundir a produção intelectual e artística desses literatos e escritores.

4.2 O setor de editoração dentro da política institucional

A publicação de livros está prevista em todas as atas e decretos de criação da Fundação Casa de Rui Barbosa. Os livros são produzidos desde 1942, inicialmente como uma via para difusão das Obras

4 Disponível no site da FCRB: http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=10

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Completas de Rui Barbosa e logo depois para a extroversão do resultado das pesquisas. A tradição na produção livreira – o catálogo se aproxima de mil títulos –, no entanto, não indica que o Setor de Editoração da instituição tenha autonomia para determinar sua política editorial.

Durante muitos anos, até meados dos anos 1990, as publicações da Casa de Rui Barbosa permaneceram como um apêndice da pesquisa nos registros dos relatórios anuais de atividades. Esses documentos relacionam os setores dos Centros de Pesquisa e cada pesquisa que estava sendo desenvolvida neles, indicando qual foi publicada, qual estava em fase de preparação, qual foi publicada em coedição com editora privada (ou outra instituição) e qual não possui recursos para publicação.

Além do vínculo com a pesquisa, a história do Setor de Editoração está atrelada a uma profissional: Raquel Valença. Ela iniciou seu trabalho na Fundação Casa de Rui Barbosa como pesquisadora do Setor de Filologia, até que em 1995, por ter afinidade com tratamento de texto e com a produção editorial, foi convidada pelo presidente Mário Machado para coordenar a Divisão de Difusão Cultural, cargo que ocupou durante quatro anos e que incluía a responsabilidade de gerir a editora, pois ainda não havia o setor de editoração propriamente dito. A partir de 1995, a atividade editorial começa a apresentar o selo Edições Casa de Rui Barbosa, filia-se à Associação de Editoras Universitárias e à Liga Brasileira de Editoras, e passa a se preocupar mais com a distribuição das

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obras em âmbito nacional. Em 1999, Raquel Valença é transferida para o cargo de diretora do Centro de Pesquisa, mas permanece cuidando da editora e procurando meios para formalizar o setor.

Em 2003, quando a Fundação Casa de Rui Barbosa se torna uma instituição vinculada ao Ministério da Cultura, é reconhecida a necessidade de se instituir o Setor de Editoração, que tem como primeira chefe de direito Marielza Dalla Costa Fontes. Todavia, é ainda Raquel Valença quem exerce as funções de fato, o que mais uma vez transfere a subordinação desse setor da Divisão Cultural para o Centro de Pesquisa.

Em entrevista concedida especialmente para este trabalho, Raquel Valença5 reconhece que essa não é a estrutura ideal e que a editoração ocupa grande parte do seu tempo de diretora. Ainda assim, considera essa atividade fundamental para a visibilidade da Casa. Recentemente, o Ministério da Cultura solicitou uma reestruturação do organograma institucional e Raquel se manifestou a respeito do Setor de Editoração, sugerindo que voltasse a integrar a Difusão Cultural. Além disso, observou a necessidade de se criar uma estrutura interna, desmembrando editoração de eventos, para que a equipe, hoje muito reduzida6,

5 Ver transcrição da entrevista no Apêndice D.

6 A equipe do Setor de Editoração é muito reduzida, são dois programadores visuais Stela Kaz (chefe do Setor de Editoração e programadora visual) e Ângelo Venosa (programador visual e criador do logotipo da Edições Casa de Rui Barbosa) Benjamin Albagli Neto, Hildeval Araújo (preparadores de texto) e Raquel Valença, diretora do Centro de Pesquisa, que também colabora com a preparação de texto e exerce funções administrativas da editora.

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atenda a todas suas demandas.Nessa reestruturação, o setor de editoração,

vinculado à Difusão Cultural, divide-se em três sub-setores: o primeiro dedica-se à programação visual, à criação; o segundo, ao tratamento do texto e o último é a editora propriamente dita, que controla o estoque de livros.

Para compreender a dinâmica na qual o Setor de Editoração está inserido, é preciso percorrer todo organograma institucional7. A Fundação Casa de Rui Barbosa possui três grandes órgãos: I - Órgão colegiado, o Conselho Consultivo; II - Órgãos seccionais e III - Órgãos específicos singulares. Nos órgãos seccionais, estão os setores vinculados planejamento e administração e também o setor de informática. Nos órgãos específicos, encontram-se o Centro de Pesquisa8 e o Centro de Memória e Informação9. A Divisão de Difusão Cultural encontra-se subordinada somente ao presidente e ao diretor executivo, atuando como uma frente paralela, daí a designação “divisão”, que auxilia nas atribuições administrativas e de gestão.

De acordo com o Art. 15 do Decreto

7 Ver organograma institucional no ANEXO A.

8 Dentro do Centro de Pesquisa, estão os setores de pesquisa: Serviço de Pesquisa em Direito, Serviço de Pesquisa em Filologia, Serviço de Pesquisa Ruiana, Serviço de Pesquisa em História, Serviço de Pesquisa em Política Cultural e o Serviço de Editoração.

9 No Centro de Memória e Informação estão a Divisão Museu Casa de Rui Barbosa, a Divisão de Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, o Serviço de Biblioteca, o Serviço de Preservação e o Serviço de Arquivo Histórico e Institucional.

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nº 503910, que aprova o estatuto e o quadro demonstrativo dos cargos da Fundação Casa de Rui Barbosa, a Divisão de Difusão Cultural tem direito a um chefe que, da mesma forma que os Diretores dos Centros, o Procurador-Chefe e o Coordenador-Geral e demais dirigentes, se incumbe de planejar, dirigir, coordenar e orientar a execução das atividades afetas às suas respectivas unidades, bem como de exercer outras atribuições que lhes forem cometidas pelo Presidente ou pelo regimento interno. Em resumo, a Divisão de Difusão Cultural, que atualmente tem Mara Sueli Ribeiro Lima como chefe, é responsável pelo planejamento e organização de todos os eventos promovidos pela Casa, sendo o material gráfico necessário a esses eventos produzidos no Setor de Editoração, que integra o Centro de Pesquisa.

4.3 A viabilidade das publicações

Todo processo de produção editorial prevê a execução de uma série de etapas que são mais ou menos comuns a qualquer tipo de livro: seleção do título, elaboração de contrato de direitos autorais, preparação de texto, projeto gráfico, revisão de provas, divulgação e distribuição. Na Fundação Casa de Rui Barbosa, não é diferente. No entanto, no que diz respeito à viabilidade

10 Assinado pelo presidente da república Luis Inácio Lula da Silva em 07/04/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5039.htm

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das publicações, existem, basicamente, duas formas de proceder: publicar dentro da margem orçamentária da própria instituição ou publicar através de parcerias com outras instituições, como editoras comerciais, editoras universitárias, órgãos públicos e empresas privadas.

4.3.1 Publicações com verbas públicas

O trabalho do Setor de Editoração é orientado por um planejamento anual, o que demanda a escolha e a priorização dos títulos que serão publicados no ano seguinte para adequação orçamentária junto ao Ministério da Cultura. Essa etapa se dá mediante apresentação de propostas de cada um dos centros de pesquisa e avaliação delas pelo conselho consultivo11. Os integrantes do conselho, amparados pela diretoria do Centro de Pesquisa, identificam as propostas de publicação possíveis para aquele ano, considerando três fatores: adequação do título à linha editorial12, previsão de custo de produção e prazo. Como a maior parte das publicações desenvolvidas pela Edições Casa de Rui Barbosa resulta de pesquisa, é preponderante levar em conta o fator tempo, de modo a não incluir na lista de livros a serem publicados uma pesquisa recém-iniciada, enquanto outra, já concluída, aguarda verba para publicação.

11 Órgão colegiado formado por pessoas representativas na sociedade em cada área de atuação da Fundação Casa de Rui Barbosa.

12 Ver mais detalhes sobre a linha editorial da Fundação Casa de Rui Barbosa no item 4.4.

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A linha editorial da Casa de Rui Barbosa é essencialmente afinada com as linhas de pesquisa. Abarca das Obras Completas de Rui Barbosa a livros sobre as especialidades da Casa: direito, filologia, história, museologia, arquivologia e, recentemente, produção cultural. Além das dimensões temáticas, os livros são editados segundo dois princípios: excelência textual e acessibilidade. Alinhados com a finalidade da instituição, esses princípios agregam-lhe visibilidade, transformando-a em uma referência nos assuntos nos quais se especializou.

Como órgão público, a Casa de Rui Barbosa assume o compromisso de difundir conteúdo a preços acessíveis e de participar de políticas de doação de livros para bibliotecas públicas e universitárias no Brasil. Para manter o preço de capa abaixo do valor de mercado e impedir que sejam concedidos privilégios a empresas privadas prestadoras de serviços, o Ministério da Cultura exige que as terceirizações sejam feitas por licitação pública.

As etapas de preparação do texto, revisão ortográfica, projeto gráfico e diagramação são todas realizadas na FCRB, apenas a impressão gráfica é terceirizada. Eduardo Coelho e Raquel Valença salientaram em suas falas13 a dificuldade de realizar licitação para escolha de gráficas, pois, apesar desse processo contar com pré-requisitos sistemáticos, muitas vezes são aprovadas gráficas de outros estados, o que prejudica a qualidade do serviço prestado.13 Entrevistas concedidas especialmente para esta pesquisa e transcritas no

Apêndice C e no Apêndice D .

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Além da dificuldade com o serviço de impressão, outro desafio para a Edições Casa de Rui Barbosa é a distribuição dos livros. Problema não exclusivo de instituições públicas, a distribuição no Brasil enfrenta as barreiras geográficas, certamente, mas o ponto-chave diz respeito à autorregulação do mercado e à falta de logística acessível ao pequeno editor.

A distribuição é uma etapa subsequente à editoração, que é inteira perpassada por entraves e burocracias. Do ponto de vista dos livreiros, interessa ter em suas estantes os livros que vendem, e o público leitor tende a comprar aquilo que está em destaque nas livrarias. Isso gera um ciclo vicioso que privilegia, na distribuição, as editoras com maior produção e já conhecidas no mercado.

As empresas que se especializam em distribuição realizam transporte, contatos com centros de compra das livrarias e promoção dos produtos. Para tal, necessitam de uma estrutura de funcionamento arrojada, com muitos funcionários especializados, o que faz com que, cada vez mais, as editoras – pequenas e grandes – optem por contratar esse serviço. Mas é difícil optar por uma empresa distribuidora, pois, como relatam sobre a Edusp Plínio Martins Filho e Marcello Rollemberg (2001, p. 230):

(...) se a escolha recair sobre uma distribuidora grande, a editora pequena sem dúvida corre o risco

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de ver seu produto não distribuído, pois ao vendedor comissionado (distribuidor) é mais fácil colocar um best-seller que um livro de ensaio no mercado. Se, por outro lado, a escolha recair sobre uma distribuidora pequena, o livro não será bem distribuído, porque a distribuidora não tem estrutura suficiente para cobrir todas as livrarias de uma cidade ou Estado, quanto mais de todo o país.

Além disso, o contrato de distribuição favorece o distribuidor. A editora envia cerca de 20 exemplares do livro com desconto de 50% a 60% em consignação, com um prazo de 60 a 90 dias para pagamento. Já o distribuidor repassa esses livros para as livrarias com desconto de 30% a 40%, também em consignação, com o prazo de 30 a 60 dias para receber. E a FCRB enfrenta também outro obstáculo: como instituição pública, não pode ter uma política efetiva nesse assunto, pois a comercialização não é atribuição do Estado. A Edições Casa de Rui Barbosa está diante de um paradoxo: é editora, portanto deveria vender seus livros para que o lucro fosse reinvestido em futuras edições, mas, como é pública, não pode ter um posicionamento incisivo a esse respeito, mesmo que a auditoria anual reclame que novos livros estão sendo publicados diante de poucas vendas e acúmulos no estoque. Segundo Raquel Valença, trata-se de “um questionamento dúbio: questiona porque vende, questiona porque não vende, então é complicado”14. Uma saída para esse dilema foi e tem sido a coedição.

14 Segundo Raquel Valença, Apêndice D.

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4.3.2 Publicações em parceria com editoras comerciais e universitárias

Além das publicações institucionais atreladas à pesquisa, a Fundação Casa de Rui Barbosa edita obras com interesse comercial e obras comemorativas por meio de parcerias.

A maior parte das coedições com editoras comerciais se utiliza dos arquivos da Casa, como o título “Correspondência de João Cabral e Drummond” em coedição com a Nova Fronteira. Durante muito tempo, houve parceria assídua com essa editora, mas, depois que o Ministério da Cultura regulamentou essas práticas na FCRB, a coedição precisou ser admitida via concorrência, para que nenhuma editora fosse privilegiada em detrimento de outra. Esses trâmites burocráticos dificultam o processo, pois poucas editoras estão dispostas a enfrentá-los para publicar um livro que, embora tenha importante conteúdo, dificilmente será um sucesso de vendas.

Uma das maneiras encontradas pela FCRB para continuar fazendo coedições sem tanta burocracia é pela via dos direitos autorais. A editora deve negociar com os familiares do titular do arquivo o direito exclusivo de publicação. Esse documento de cessão de direitos facilita também a produção editorial que será realizada quase que inteiramente pela Casa, com exceção da distribuição, da qual a editora deve se encarregar.

Ao lado da detenção dos direitos autorais

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de uma publicação, que permite reeditá-la e incluí-la no catálogo, é a distribuição que torna essa parceria uma grande vantagem para a Casa, segundo Eduardo Coelho:

É o que mais vale a pena, uma vez que as instituições públicas não têm capacidade de distribuição. Por mais que se perca a manifestação do valor da instituição, que é dividido com a editora, pelo menos se garante a distribuição do livro15.

Em contrapartida, a Casa oferece as fontes primárias, o trabalho de seus especialistas e toda a produção do livro, incluindo a diagramação. A editora normalmente faz mais uma revisão de texto, cria a capa e comercializa a obra, além de cuidar da assessoria de imprensa e da campanha de marketing.

Aparentemente essas são as condições mínimas para se estabelecer uma parceria, mas é preciso ter clareza em relação à política de coedição para não perder de vista a missão da instituição e sua linha editorial. Esta parceria em si, além do título publicado, deve ser vantajosa para ambas as editoras, fortalecendo-as e agregando valor aos seus catálogos. A Edusp, em seus primeiros contratos, é um exemplo de como essa relação é delicada e precisa ser sempre reavaliada tendo em vista seu propósito primordial:

(...) a universidade não é uma empresa editorial. Ela deve ser uma instituição em que a atividade editorial é uma entre as diversas atividades que desenvolve.

15 Segundo Eduardo Coelho, Apêndice C.

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Assim, ela não deve se dedicar – em princípio – à busca de autores, mas a estimular e promover o trabalho daqueles que integram a sua comunidade. Com certeza, sua atividade editorial resulta do trabalho a que naturalmente se dedica. Por isso, as publicações da Edusp estarão sempre sujeitas a avaliações e juízos que, se favoráveis ou desfavoráveis, não recairão apenas sobre o autor, mas também sobre a própria instituição que avalizou a obra, de modo que poderão prestigiá-la ou desprestigiá-la. Ou seja: o livro universitário deve representar, antes de mais nada, a imagem institucional, o trabalho dos professores e pesquisadores de uma instituição, de tal forma que seu crédito ou descrédito reflitam essa instituição. (MARTINS FILHO; ROLLEMBERG, 2001, p. 49)

Um aspecto curioso é por que a FCRB tem poucos livros em parceria com editoras de universidades públicas. Como a FCRB integra a ABEU – Associação Brasileira de Editoras Universitárias – por ter missão semelhante à dessas instituições e voltar-se ao mesmo público-alvo, seria de se esperar que os coedições fossem prática corrente. No entanto, conforme esclarece Raquel Valença, se para realizar uma coedição em parceria com editoras comerciais é necessário um processo de concorrência e a produção do livro é acompanhada por auditores, nos acordos com universidades públicas os entraves se multiplicam. A instituição universitária também seleciona seus parceiros e submete-se a auditores que fiscalizam

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integralmente o processo. Daí, a escassez de parcerias entre entidades tão semelhantes16.

A Edições Casa de Rui Barbosa, assim como as demais editoras de universidades públicas, precisou se renovar e ampliar sua área de alcance e de vendas. Para isso, além das dificuldades com distribuição, havia dificuldades de divulgação, pois os livros produzidos não chegavam nem mesmo ao conhecimento de interessados em potencial. Foi preciso criar novas estratégias, como participar de feiras e eventos periódicos, por exemplo a Bienal do Livro e a Primavera dos Livros; e se associar às instituições que regulam e apóiam as atividades editoriais. A Casa, que já participava das Bienais do Livro do Rio de Janeiro em estande compartilhado com a Funarte, passa a integrar a ABEU – Associação Brasileira de Editoras Universitárias, como foi dito, e a LIBRE – Liga Brasileira de Editoras e também a adotar outras políticas de divulgação e comercialização. Além dessas medidas, provavelmente o que mais colaborou para a difusão dessas publicações foi a divulgação e a disponibilização de algumas delas no site da instituição, que foi também renovado e ampliado a partir de 2003, quando a FCRB passa a ser uma instituição filiada ao Ministério da Cultura.

16 Apesar das dificuldades e em menor número do que gostaria, a Edições Casa de Rui Barbosa faz parcerias com editoras públicas. Exemplo disso é o título Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas: jurisprudência e doutrina, de autoria de Aurélio Wander Bastos, publicado em 1984 em coedição com a extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), do Rio de Janeiro, e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), de Belo Horizonte.

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4.4 Acervo e catálogo de publicações: dimensões publicadas

O Catálogo de Publicações da Casa de Rui Barbosa17 é organizado por coleções e por temas. Das coleções constam: Obras Completas de Rui Barbosa (divididas em dois blocos, por ordem alfabética A-H e E-Z); Textos de Trabalho; Papéis Avulsos e Coleção FCRB. E os temas abrangem: direito, documentação, história, infantojuvenis, língua e literatura, políticas culturais, museologia e Rui Barbosa.

Entre as coleções temáticas, cujo objetivo é criar vínculos com o público-alvo, a mais importante é Obras Completas de Rui Barbosa, projeto editorial com mais de 146 tomos, cuja publicação, como já foi dito, é uma das f inalidades da instituição.

A coleção Textos de Trabalho compreende alguns projetos de pesquisa produzidos pela na FCRB, como os títulos: Pensamento ou representação (1994) de Francisco Carlos da Fonseca Elia, Rui Barbosa abolicionista (1994), de Ledo Ivo, e Performance e história, (1994), de Antonio Herculano Lopes.

Merecem ainda destaque, considerando os propósitos desta monografia, as coleções Papéis Avulsos e Coleção FCRB, exemplos de projeto editorial muito bem resolvido e afinado com a linha editorial geral da Casa de Rui Barbosa.17 A última edição do Catálogo de Publicações foi impressa em 2002, mas no

site da FCRB é possível encontrar as publicações posteriores a esse período.

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Com projeto gráfico inspirado nos livros da editora francesa Gallimard18, os livros que integram a coleção Papéis Avulsos têm impressão simples, em formato A5, e encadernação grampeada. Não possuem mais do que cem páginas e reúnem os produtos parciais de pesquisas em andamento. Seu compromisso é difundir o trabalho de pesquisa desenvolvido na Casa para o maior número possível de interessados. Por isso, cada exemplar não custa mais do que R$ 10.

Para cumprir o propósito de ampliar o acesso ao público em geral, além de produtos de pesquisa, a Papéis Avulsos publica parte dos conteúdos de outras publicações que possuem um preço de capa mais elevado. Esse é o caso do título Cabral - Bandeira - Drummond: alguma correspondência19, organizado por Flora Süssekind.

A criação da Coleção FCRB foi sugerida por Flora Süssekind, em uma reunião do Centro de Pesquisa realizada em 1999, para dar maior unidade às publicações que estavam muito esparsas. Foram criadas quatro séries para compor a coleção: Estudos, Documentos, Aconteceu e Manuscritos. Cada uma delas destina-se a tipos específicos de publicações, mas todas são identificadas pelo mesmo projeto gráfico, do designer Ângelo Venosa20, que lhes confere unidade.

18 Ver imagens comparativas no Apêndice E.

19 Esse título é parte do que está disponível no livro Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond, também organizado por Flora Sussenkind e produzido em coedição com a Nova Fronteira.

20 Ângelo Venosa também é o responsável pelo logotipo da Edições Casa de Rui Barbosa. Ver imagens do projeto gráfico da Coleção FCRB e do logotipo no Apêndice F.

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A série Estudos publica o resultado das pesquisas realizadas na Casa e também engloba as monografias provenientes do prêmio Casa de Rui Barbosa, que, recebem um selo para se diferenciarem das demais publicações.

Tanto a série Manuscritos como a série Documentos são vinculadas aos documentos de arquivo. A Manuscritos contempla os estudos de crítica genética, desenvolvidos no setor de filologia principalmente pelo pesquisador Júlio Castañon Guimarães, que organizou o único título dessa série publicado até o momento: Cartas de Murilo Mendes e Roberto Assumpção. Já a Documentos tem um caráter mais amplo e engloba roteiros e obras literárias inéditas, além de livros com tiragem esgotada cuja temática é relevante para os estudos na Casa. Entre esses últimos, pode-se citar Uma voz contra a injustiça – Rui Barbosa e o caso Dreyfus, de Homero Senna, com organização e notas de Laura do Carmo e Marta de Senna.

Finalmente, a Série Aconteceu divulga os anais dos seminários realizados na Fundação Casa de Rui Barbosa. A designação “anais” foi substituída por “aconteceu”, termo considerado mais empático e interessante ao leitor, que atualmente não possui mais o hábito de ler anais de seminário. Na elaboração desses títulos, procura-se manter os textos originais e os palestrantes assinam previamente uma autorização de cessão de direitos. Esses livros21 refletem o dinamismo dos seminários

21 A série Aconteceu é a que possui mais títulos publicados na Coleção FCRB.

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promovidos pela Casa e chegam às mãos de muitos pesquisadores e interessados que não puderam estar presente aos eventos.

4.4.1 Dimensões publicáveis

Observando a linha editorial da Fundação Casa de Rui Barbosa, foi possível identificar alguns temas carentes de publicações e outros para os quais poderia ser dedicada maior atenção. As publicações temáticas são encaradas como um cartão de visita da instituição, pois apresentam seus objetos de pesquisa. No entanto, a pesquisa na FCRB possui um diferencial que deve ser evidenciado: ela se dá majoritariamente a partir de fontes documentais em guarda na própria instituição, daí a necessidade de divulgar esses acervos e o trabalho dos técnicos em arquivologia, museologia e conservação.

No que diz respeito às publicações técnicas, Eduardo Coelho defende a importância de publicações de instrumentos de pesquisa mais amplos, como o guia do acervo, e informa que há um projeto para realizá-lo em versão ilustrada, ideal para contemplar a diversidade de suportes presentes no acervo do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira. Também sobre esse tipo de publicação, Raquel Valença destacou a necessidade de produzir mais publicações de arquivologia, museologia e conservação. Tais obras são muito procuradas, pois o trabalho desses setores é uma referência internacional, assim como a FCRB é como Museu-

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Casa. O escopo do trabalho, aplicado e muito pragmático, foi apontado por Raquel como uma possível razão para pouca quantidade de títulos publicados por esses setores, em comparação com os setores de pesquisa.

A Casa tem duas grandes áreas finalísticas: pesquisa e documentação, que deveriam estar igualmente contempladas nas publicações. No entanto, acaba-se publicando preferencialmente a área de pesquisa não apenas porque produz mais, mas principalmente porque produz de uma forma mais acabada, mais amigável para a editoração.22

Além disso, a Casa de Rui deveria aproveitar seu setor de editoração para desenvolver materiais educativos. Tanto Schellenberg (1956) quanto Bellotto (2006) afirmam que a função do arquivista só é completamente cumprida quando há difusão cultural do acervo sob sua guarda. A publicação é apontada por ambos os autores como a maneira mais permanente e eficaz para essa difusão. Belloto sugere, inclusive, como o trabalho editorial pode se aliar a um projeto pedagógico em arquivos, o que, de maneira interdisciplinar, faria com que a instituição atingisse todos os seus objetivos, atuando diretamente na formação de novos pesquisadores.

Entre suas diversas recomendações pontuais, Bellotto (2006, p. 239) destaca um tipo de publicação que considera fundamental para o desenvolvimento desse processo:

22 Segundo Raquel Valença, Apêndice D.

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Se for possível contar com uma publicação do tipo Guia de recursos pedagógicos para o ensino da história em cada um dos arquivos que prestam assistência educativa, o trabalho dos pedagogos e arquivistas seria facilitado. A cada etapa da história nacional e local já corresponderiam os documentos assinalados, o que não impediria a renovação de exemplos para novas abordagens.

Observando todas as publicações produzidas pela Casa, as Obras Completas de Rui Barbosa, os diversos títulos resultantes de pesquisa, os instrumentos de pesquisa, como inventários, a revista Escritos, que está em seu terceiro número e reúne ensaios, a coleção Papéis Avulsos e as Edições FCRB, com destaque para a série Aconteceu, fica evidente o engajamento da Casa com projetos educativos. O que não há, de fato, é uma série de publicações que dê suporte aos educadores e amplie as possibilidades de uso educativo dos arquivos em dinâmicas com crianças, como o que já é realizado no museu da Casa de Rui e na biblioteca especializada em literatura infantil, que promovem visitas e oficinas, respectivamente.

Além de fomentar a elaboração de instrumentos de pesquisa, a produção de títulos no Centro de Memória e Informação e a criação de materiais educativos, constata-se, por fim, que FCRB deveria explorar as vantagens propiciadas pelos recursos digitais. Nesse sentido, já houve um projeto de pesquisa, com o apoio do CNPq e da FAPERJ, em que a pesquisadora Marta de Senna

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re-editou em hiperlink diversos livros de Machado de Assis23 e criou um banco de dados on-line24 para alocar uma compilação de alusões e aforismos presentes na obra desse autor.

Os recursos digitais são uma tendência e devem ser aproveitados por instituições culturais como a FCRB. Além de minimizarem os custos de produção do livro, ao eliminar os custos da gráfica, proporcionam dinamismo e rapidez. A plataforma digital oferece a possibilidade de compartilhamento de conteúdos com diversas pessoas, sem os limites geográficos, permitindo disponibilizar livros para download gratuito e estabelecer com pesquisadores e leitores um canal de comunicação direta.

Essa iniciativa somada ao fomento à elaboração de publicações técnicas e de materiais educativos complementa a missão editorial da Casa de Rui. Amplia sua visibilidade e solidifica sua linha editorial, que já é extremamente coerente e fundamental para a pesquisa da ciência e cultura brasileiras.

23 Foram re-editados “Ressurreição”, “A mão e a luva”, “Helena”, “Iaiá Garcia”, “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”. Disponíveis em: http://www.machadodeassis.net/hiperTx_romances/index.asp

24 Disponível em: http://www.machadodeassis.net/.

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[Conclusão ]

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A Fundação Casa de Rui Barbosa é uma entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura, cujo trabalho editorial é apenas uma das atividades que permite que a sua finalidade institucional seja cumprida.

O principal legado desta monografia é justamente revelar a produção editorial assume outros processos quando está fora do mercado tradicional das editoras comerciais. Foi preciso um amplo trabalho de pesquisa para comprovar-se o que já se sabia desde o início: trata-se de uma via alternativa para as publicações e isso implica em muitas diferenças.

O conceito de linha editorial, por exemplo. A princípio, considerou-se desconexo o catálogo da FCRB e a maneira como os títulos estavam arranjados em coleções. A Coleção FCRB, criada em 2003, foi encarada como uma tentativa de ordenação, pois editorialmente fazia mais sentido dividir as publicações nas séries “Estudos”, “Documentos”, “Aconteceu” e “Manuscrito”. Em conversa com Patrícia Artundo, curadora e

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Conclusão • 86

pesquisadora da Fundación Espigas1, ficou claro que o que afeta a linha editorial de uma instituição com esse perfil são suas atividades finalísticas – a documentação e a pesquisa – e a dificuldade para viabilizar economicamente as publicações. A Fundación Espigas tinha sido tomada como um exemplo de instituição arquivística que possuía uma clareza editorial, mas Patrícia nos fez ver que essa clareza, anterior à editoração, nascia de um escopo de trabalho bem definido. A Fundación é uma organização sem fins lucrativos, de capital privado, criada para fomentar a pesquisa sobre artes visuais argentina no mundo e artes visuais do mundo na Argentina. Esse posicionamento prévio e o fato de a entidade ser expoente da iniciativa privada sempre favoreceram a instituição que, em comparação com a FCRB parece sim ser mais coesa. Ocorre que a Casa de Rui é uma instituição muito mais antiga, nascida com um acervo híbrido – como Museu-Casa –, maior – possui mais de 124 fundos de arquivo – e pública.

O fato de a FCRB ser uma instituição pública é decisivo para compreender a maneira como desenvolve seu trabalho. A malha burocrática e a existência de cargos políticos criam diferenças entre as funções de direito e as de fato. Isso explica, por exemplo, por que o Setor de Editoração segue atrelado ao Centro de Pesquisa, estrutura que faz sentido se considerarmos que grande parte dos projetos de pesquisa geram publicações. Além

1 Conversa com Patrícia Artundo realizada no dia 23/07/2010.

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Conclusão • 87

dos projetos de pesquisa, há títulos que advêm do trabalho arquivístico, como os inventários, dos seminários realizados na Casa – a série Aconteceu – e de alguns projetos especiais em parcerias com editoras comerciais e/ou universitárias.

Os livros da Edições Casa de Rui Barbosa são conhecidos entre os acadêmicos e interessados nos temas de pesquisa da Casa, como Rui Barbosa, filologia, história, direito etc. A contribuição dessas obras para a visibilidade da Fundação só não é maior do que a proporcionada pelo site institucional, o que, dadas as devidas proporções, confirma a primeira hipótese de que as publicações são uma ótima forma de difusão cultural para instituições arquivísticas.

Pensando nas esferas da documentação e da pesquisa, que podem ser extrovertidas via publicação, acredita-se que, em paralelismo, as figuras do arquivista e do editor se relacionam e são complementares, como defendemos na segunda hipótese. É importante ressaltar, no entanto, que a figura do editor deve sempre caminhar no sentido da valorização e manutenção da figura do arquivista, e não ao contrário. Explico: o arquivista tem a função de organizar, garantir o retorno da informação e o acesso do pesquisador aos documentos históricos. Se o editor passa a ocupar a função de pesquisador, mesmo que temporariamente, para execução de um projeto especial, deve assumir as motivações daquele e efetivamente realizar uma pesquisa, em vez de obedecer ao imediatismo mercadológico.

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Conclusão • 88

O editor, nesse caso, se aproxima do filólogo e escava no arquivo as diversas versões de um mesmo texto, que serão cotejadas, uma a uma, para fixação de um texto definitivo. Atualmente é cada vez mais raro encontrar editores aptos a desempenhar esse papel, daí o diferencial da própria FCRB, que possui especialistas em crítica genética coordenando parte considerável das edições. Os cursos de editoração e produção editorial oferecem ao estudante um leque de procedimentos que devem ser internalizados para eficiência no mercado de trabalho, mas não o auxiliam a desenvolver seu senso crítico. Poucos cursos ainda são privilegiados nesse sentido, em especial os de humanidades de universidades públicas, porque, além da tradição acadêmica, possuem amparo financeiro do governo, o que lhes permite oferecer programas essencialmente teóricos.

Como terceira hipótese, defendemos a existência de um nicho específico de mercado para publicações em instituições arquivísticas. Apesar de confirmada a sua existência, esse nicho enfrenta duas barreiras de ordem prática para se desenvolver. A primeira, diz respeito à formação acadêmica do profissional que irá atuar nele. Há duas opções de formação que poderiam atender a essa demanda, mas todas as duas são, em parte, ineficientes. Ou se escolhe a produção editorial, carente de repertório técnico e teórico, ou a arquivologia/história, dotadas de repertório técnico e teórico, mas pouco envolvidas na escala de produção do livro.

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Conclusão • 89

Essa falta de profissionalização gera a segunda barreira: não se constitui como procedimento a contratação de editores para realização de trabalhos em instituições museológicas e arquivísticas. Seja para a produção de um catálogo de exposição ou para a produção de resultados de pesquisas em um determinado acervo, são outros profissionais que costumam assumir essa função, como os próprios curadores da exposição, no primeiro caso, e os arquivistas, no segundo. Portanto, não existe, de maneira reconhecida, um profissional especializado em editoração vinculada às instituições culturais atuando no Brasil. Talvez decorra disso a escassez de pesquisas sobre esse tema. O que nos leva a concluir que o nicho de mercado deve ser explorado, e também este tema deve ser levado à academia.

Como possíveis desdobramentos desta monografia, vislumbram-se uma formação pessoal para atender a demanda do mercado e a continuação da pesquisa que a originou em um projeto de mestrado sobre a edição fac-similar de egodocumentos.

Apesar da dificuldade para sintetizar e tornar inteligíveis conceitos que não dizem respeito à área de comunicação social, espero ter conseguido seguir os passos de Emanuel Araújo, filólogo e editor a quem o Arquivo Nacional solicitou a elaboração do livro “Publicações de documentos históricos”, em 1985, contribuindo com o debate desse tema tão fundamental para preservação da memória e difusão cultural.

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[Apêndices ]

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APÊNDICE A

DVD com áudio integral das entrevistas realizadas especialmente para este trabalho:

A – Entrevista com Gabriel Moore, gestor do acervo do CEDOC- Pinacoteca. São Paulo, CEDOC-Pinacoteca, 26/05/2010.

B – Entrevista com Eduardo Coelho, chefe do Arquivo Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 15/06/2010.

C – Entrevista com Raquel Valença, chefe do Centro de Pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 16/06/2010.

D – Conversa com Patrícia Artundo, acessora de projetos especiais da Fundación Espigas. Argentina, Buenos Aires, Fundación Espigas, 22/07/2010.

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Apêndices • 99

APÊNDICE B

Transcrição de entrevista com Gabriel Moore, gestor do acervo do CEDOC- Pinacoteca. São Paulo, CEDOC-Pinacoteca, 26/05/2010.

Livia Lima: Como você poderia definir o conceito de arquivo pessoal?

Gabriel Moore: O arquivo pessoal é um tema um pouco controverso ainda dentro da própria arquivística. Tem uma série de teóricos que ainda vêem com uma certa dificuldade, encaixam com uma certa dificuldade os arquivos pessoais no hall de conceitos e métodos tradicionalmente existentes nos arquivos. Mas o princípio pra você definir é mais ou menos o mesmo do arquivo institucional: é a forma como esses documentos são acumulados. Então seriam os documentos que foram acumulados no decorrer da vida do titular daquele arquivo. Então tudo aquilo que tem função de provar uma atividade, então, esse é o documento de arquivo por excelência. Os diários, as contas, tudo isso é documento de arquivo porque representa ou prova alguma atividade promovida pelo titular no decorrer da sua vida. E aí nesse caso é muito parecido com a questão dos arquivos institucionais que é o mesmo caso, né, você tem uma atividade, ela gera documento, esses documentos são acumulados naturalmente, naturalmente, esse termo natural é meio controverso também, não no meio arquivístico, mas principalmente quando o historiador tá envolvido no assunto, eu falo isso porque eu também sou historiador, então, eu sei que essa coisa do natural sempre deixa o historiador um pouco confuso, né, porque tudo tá impregnado de discurso, tensão, aquela coisa meio que tá na moda, a leitura do Foucault, na moda hoje faz uns vinte anos, né. Então tudo é impregnado de discurso então você não teria nenhuma naturalidade, né, mas o que a gente defende no arquivo é que esses documentos eles não foram criados para ser fonte de história, para serem documentos interessantes, eles foram criados para provar alguma coisa, uma atividade gerou estes documentos, não teve uma intencionalidade da empresa em gerar aquilo com uso posterior, né, eles são criados como ferramenta administrativa. Ferramenta talvez não seja o mas adequado, mas são instrumentos administrativos, né. Então, você gera um balancete porque você tem que coligir a informação financeira da instituição e isso vai ter que ser apresentado para uma diretoria, para um conselho e até

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para fora, né, pros acionistas, pros clientes da instituição, da empresa, e não porque aquilo um dia pode ser usado por um historiador pra falar da história do empreendedorismo em São Paulo, na década de 1950, não, aquilo tem uma função administrativa primeiro e é isso que a gente costuma levar em conta no arquivo tanto na questão dos métodos utilizados, que visam justamente preservar esse tipo de contexto informativo, desses documentos, e o próprio princípio da arquivística: garantir a preservação dessa relação entre os documentos, que é uma relação de caráter funcional e não tem a ver com o conteúdo, essa coisa que é muito complexa e no arquivo pessoal ela vai ser mais complexa ainda. Essa relação entre conteúdo e função, o foco das ferramentas e do método que a gente utiliza nunca são conteúdo, é sempre a função e o contexto de origem, a proveniência dos documentos, então é sempre uma visão de conjunto e sempre focada na função que o documento tem e não no conteúdo que ele pode extroverter e na informação que ele pode conter, então isso seria uma qualidade dele que seria usada posteriormente. O arquivo histórico, né, esse tipo de demanda acaba surgindo no arquivo histórico, uma demanda mais de conteúdo, mas tudo que se faz no arquivo durante o seu ciclo vital que a gente chama, é tudo sempre focado na questão da função.

LL: Sobre essa questão do conteúdo que eu acho que é mais uma coisa do editor, enquanto que a função é uma coisa mais do arquivista. Então a ideia do trabalho é tentar combinar isso de uma maneira que ajude principalmente o arquivista e não o editor, né. Eu acho que essa é a ordem de subordinação. E eu queria perguntar para você o que você considera relevante pra um editor ou pra própria instituição arquivística publicar a partir de acervos pessoais?

GM: Eu acho que o recorte para a publicação ele vai passar de certa forma pelo conteúdo a não ser que você esteja publicando as ferramentas de acesso ao arquivo, né. Então você vai publicar o guia, um inventário, um catálogo, você não tá falando de conteúdo, você tá falando da organização, do arranjo que se deu em termos de função para esse conjunto documental, aí acho que a gente tá falando de outra coisa, mas eu imagino que você esteja falando de uma política de publicação, uma política editorial, no sentido de extroverter a informação contida naqueles conjuntos, né, então é uma coisa realmente ligada aos possíveis conteúdos que podem ser explorados naquele conjunto. Então acho que vale a pena eu recolocar a questão do conteúdo porque não é, apesar do nosso foco ser sempre a questão da função e do uso administrativo pra instituição que aquele documento teve ou tem, acho que vale a pena recolocar ela pra entender que o

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conteúdo é uma demanda também. Então mesmo dentro da instituição essas ferramentas que a gente tem na área de arquivo não dão conta de atender demandas as vezes até internas da instituição que passam pela questão do conteúdo. Vou te dar um exemplo: a Pinacoteca é um museu, então a pesquisa é uma das principais atividades na instituição e a pesquisa é um setor e atividade que mais recorre aqui ao centro de documentação e ao arquivo da Pinacoteca, então o tipo de demanda que eles tem vai ser mais ou menos por assunto, por conteúdo, então pra eles interessa menos saber da série completa de recibos ou de relatórios, eles querem saber informação sobre um artista, sobre uma obra, sobre um evento que aconteceu aqui. Na nossa ferramenta, no banco de dados, a gente tem que dar conta disso daí também. Então eu acho que a coisa vai um pouco além, acho que não dá pra prescindir das ferramentas tradicionais de arquivo, o arranjo, o plano de classificação, trabalhar com os documentos de forma seriada, né, a partir da tipologia documental, né, isso não dá pra abrir mão, mas depois a gente tem que agregar outras do banco de dados, no caso que a gente elegeu como sistema, hoje inclusive não tem outra saída, porque a coisa ficou mais complexa, as demandas são mais dinâmicas, então tem que ser um banco de dados mesmo pra dar conta disso. Então é muito comum você agregar outras ferramentas, você pode trabalhar com descritores de assuntos que são coisas mais do campo da biblioteconomia, por que não agregar isso no seu banco de dados se isso é uma demanda de informação? Não é o nosso foco de atenção principal, mas como eu encaro o arquivo como um serviço dentro da instituição, então tem que atender essas demandas da própria instituição, além das demandas externas, mas o foco prioritário são as demandas internas. Então se ele demanda esse tipo de coisa, eu tenho que criar uma ferramenta que dê conta disso. Aí eu acho que a questão no arquivo pessoal já passando pro arranjo, a questão da função, do conteúdo, no arquivo pessoal, a coisa se dá de outra forma, a questão conjuntos menos estruturados, né. A instituição tem todo uma burocracia, que gera um trâmite, que produz os documentos, vários documentos são formatados, são baseados em formulários, então você consegue identificar a função, o formato, a espécie pelo próprio documento... no arquivo pessoal isso também acontece, mas menos, é um arquivo menos estruturado. Então por exemplo, se você vai fazer tipologia de correspondência institucional, você tem basicamente alguns tipos de espécies características, você tem ofício, carta, não sei o que, e os tipos específicos na instituição que são muito pautados nas atividades... na função que o documento tem. No arquivo pessoal, a correspondência é uma coisa muito mais ampla, você pode ter uma carta que trata de oito, nove, dez assuntos e como é que você vai eleger o prioritário pra fazer uma tipologia daquele tipo de correspondência, né? É complicado. Então a coisa fica até um

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pouco mais nebulosa o que torna até bastante desafiador o arranjo de arquivos pessoais, como você bem sabe, né. Então às vezes quando toda o ferramental toda a metodologia foi criada pro arquivo institucional a gente tenta transplantar isso pra realidade do arquivo pessoal, às vezes é muito difícil, né, a questão da tipologia, estabelecer a tipologia de alguns documentos de arquivo pessoal é muito complicado porque você é obrigado a fazer uma eleição que é artificial, por mais objetivo que você tenha que ser, no final ela vai ser um recorte artificial. Por isso eu acho que é interessante a experiência do Instituto Fernando Henrique Cardoso, com o que a professora Ana Maria de Almeida Camargo desenvolveu lá, porque tenta dar conta disso daí de outra forma, focando nos eventos mais do que nessa questão de se prender a uma tipologia estrita. Trabalha com tipologia também, mas o foco é nos eventos que deram origem aos documentos aí eu acho que a gente tem uma maior tranqüilidade na hora de definir e de descrever esses documentos. Eu acho também que é uma opção metodológica que é baseada no banco de dados, uma ferramenta tradicional de descrição de arquivo não daria conta dessa complexidade.

A questão do editor, aqui a gente não tem esse trabalho específico de edição, aqui isso acontece mais quando a gente faz um trabalho de pesquisa dentro do arquivo, né. Porque aí isso tem que ser extrovertido de alguma forma, né, as melhores, as formas mais permanentes são em forma de publicação. Aí aquilo que a gente tava falando, passa pelo recorte de conteúdo, né, isso é difícil a relação entre pesquisador/editor, tô colocando o editor no mesmo, né, junto do pesquisador porque é o uso da informação que vai se dá aqui, né, lógico que a política editorial num arquivo... aí a coisa passa por outra instância, mas falando especificamente do uso. Eu acho que essa relação é complexa porque nosso foco não é conteúdo, apesar do arquivo ser procurado prioritariamente por causa do conteúdo que ele guarda. Então na hora de fazer esses recortes, a interferência do arquivista é menor, até ajuda porque a gente conhece muito bem o acervo então é fácil de identificar os assuntos, os eixos temáticos demandados pelo pesquisador, mas acho que tem grandes temas que é possível delinear, aí é que eu acho que a política editorial deve caminhar. Por exemplo, a Pinacoteca é um museu de arte, então apesar do arquivo da Pinacoteca que tá aqui guardado representar uma as atividades do museu, que tem a ver com a atividade fim que é a exposição, a ação educativa, tem um monte de coisa que não tem nada a ver com isso que são as atividades meios que suportam, que proporcionam essa todas as atividades do museu, então tem recursos humanos, administração predial, isso tudo vai tá registrado no arquivo. Para o recorte editorial, certamente o que vai interessar mais é o que tá ligado à atividade fim da instituição, ou seja, o que a instituição faz de diferente e de único o que define ela como museu que a coisa do

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acervo de arte, da exposição de arte e dos eventos ligados a área de arte. Então eu acho que é um recorte possível e acho que é por aí, ninguém vai se concentrar em fazer uma linha sobre os recursos humanos em museus ou coisa parecida. Então a partir daí já dá pra gente traçar alguns pontos de acesso comuns. Então tudo vai girar em torno do artista, da obra e do evento expositivo, basicamente isso vai compor, se bem que às vezes em recortes muito mais específicos e pontuais, mas os grandes temas vão sempre passar por essas três entradas, o artista, a obra, o acervo, obras que passaram pela instituição em exposições temporárias e os próprios eventos expositivos e eventos científicos que tem a ver com a produção cultural, eventos científicos de cultura e de artes, então acho que o recorte passaria por aí. Agora tem a coisa da história institucional, né. Porque talvez o maior mérito do arquivo seja ser por essência a fonte da história institucional pelos documentos que foram gerados, pelas atividades que fazem parte do arquivo, ele é a fonte por excelência disso daí. Isso acho que é, uma opinião minha, cada vez mais mal utilizado pelos historiadores. O enfoque não passa por toda a complexidade, por tudo aquilo que o arquivo pode oferecer de informações sobre a instituição, quase ninguém se interessa por isso, geralmente é uma coisa muito pontual quero saber como é a Pinacoteca na gestão de tal diretor com as exposições de gênero, então é uma coisa muito recortada. Então o arquivo dá conta disso também, mas ele tem muito mais informação em relação a experiência da instituição, de sua trajetória. Acho que deve passar pelos dois lados, mas acho que vai variar, por exemplo, hoje aqui nos somos um centro de documentação que além do arquivo da Pinacoteca, do arquivo do museu, a gente tem fundos de artistas. Então tem os arquivos pessoais dos artistas também. Então aí você tem um outro hall de interesses de recortes para essa política editorial. Também é uma coisa interessante, porque os arquivos se fossem completos, porque a maior parte dos arquivos de artistas não são, né, porque geralmente ou eles são doados ainda em vida pelo artista o que não é não é muito adequado porque o arquivo vai ser sempre incompleto até o passamento (sic) do titular. Ele sempre acaba vindo pra cá recortado, por que ele foi recolhido, e o interesse em torno dele é porque o titular é um artista, e o nosso eixo temático, eu falo que o CEDOC coleciona arquivos de artista, Ana Maria não gosta muito disso porque entra na coisa da coleção que é artificial, mas não deixa de ser porque a gente tem um interesse temático que é as artes visuais em São Paulo, então você vai recolher arquivos que tem esse valor para esse enfoque temático. Então são artistas que ou trabalharam em São Paulo, tem alguma ligação com a Pinacoteca, então esse eixo comum ele permanece, ne, esse enfoque de interesse, mas as possibilidades de uso disso são vastíssimas, apesar disso se concentrar na atividade do artista, e o arquivo deveria se mais que isso, deveria envolver documentos

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familiares, outros interesses e atividades que não são artísticos e não tem a ver com o que ele produziu nesse sentido, mas geralmente já vem uma coisa recortada e às vezes é até difícil enxergar o arquivo, porque essa incompletude, às vezes o arquivo vem muito retalhado, a viúva separou só o que ela achava importante, então tem dois recortes ou ela vai separar o que é da carreira artística do cara, você só tá pegando um pedacinho do arquivo e depois ela vai separar o que ela acha importante desse outro recorte, já tem o recorte do recorte e é isso que muitas vezes vem parar e acaba sendo o que vai permanecer como arquivo do artista porque é o que vai sobrar porque entrou na instituição de guarda permanente, é interessante isso também. Mas aí acho que a coisa acaba se expandindo porque você tem o circuito, como você tem o arquivo do museu, arquivo até de outras instituições, por exemplo aqui a gente tem o arquivo da Coleção Brasiliana, né que administrava uma coleção de arte brasiliana no século XVII, XVIII, XIX, e hoje foi incorporado ao arquivo do museu e o arquivo veio pra cá, então também é uma outra possibilidade. Você tem arquivos de críticos de arte também. Então na verdade o grande eixo vira a questão da arte, né, da produção artística, da circulação da obra de arte. E eu acho que a tendência é mais ou menos o que aconteceu na Fundação Espigas, né, as publicações, a linha editorial sempre vai caminhar pra esse hall de interesses, né. Então, o papel das galerias, os grandes colecionadores, que lá eles vão um pouco além daqui, né, tem arquivo das galerias, dos colecionadores... mas tudo gira em torno disso.

LL: Se você conseguisse subdividir esse hall de interesses em temas menores seria fundamental pra definir linhas editoriais? Porque por exemplo a FCRB tem vários arquivos, mas eu acho que eles não conseguem fazer uma subdivisão específica dos temas relacionados aos arquivos, por exemplo, misturar os inventários com correspondência publicada em co-edição com editora comercial...

GM: Eu acho que é fundamental reconhecer primeiro a diferença dos instrumentos que você tá publicando e dos trabalhos que são pesquisas com recorte de conteúdo e de assunto específico oriundo daquele arquivo. Às vezes, até, publicar as cartas, dependendo da forma como você publica, tem menos a ver com a ferramenta de acesso e mais com uma coisa de extroversão de conteúdo, de pensar a relação. Os recortes são muito pontuais, né, você pode pegar a troca de correspondência do arquivo do Rui Barbosa com o Barão do Rio Branco, e é uma coisa específica, é uma coisa pontual dentro do arquivo, é uma das relações que lê mantinha e a partir disso você faz uma coligação que de certa forma tá ligada a documentação do próprio arquivo. (pausa) Mas eu não sei, acho que é difícil mesmo estabelecer

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recortes muito específicos porque quando você parte do conteúdo eles são muito variados, é uma infinidade de possibilidades. Por mais que você tenha um grande tema, na Casa de Rui você pode falar da literatura e a história do Brasil num período, mas isso são coisas enormes, né, aí você pode achar tudo, fazer uma tese sobre Rui Barbosa e a questão do gênero, Rui Barbosa e a política externa, Rui Barbosa e a literatura, a questão da genealogia, tem milhões de abordagens, né. Mas geralmente gira em torno da figura do titular, no caso do Rui Barbosa, porque o grande trunfo do arquivo é esse...

LL: Isso eu achei bacana porque eles separaram tudo relacionado ao Rui Barbosa, dentro das publicações da FCRB, então o primeiro grande bloco diz respeito ao titular.

GM: Isso é interessante. É uma coisa engraçada pensar nisso, porque na verdade, o assunto é o titular, diferente do que tá presente no arquivo, que são as atividades do titular que tão representadas ali por meio de documentos. O titular como assunto também é uma coisa de possibilidades enormes, né, em termos de recortes de conteúdo, de temas, mas acho que é interessante, porque é a aproximação mais óbvia, né, gira em torno do titular. Aqui na Pinacoteca você tem livros produzidos sobre a instituição, sobre a coleção, aí é mais próximo do fato do tipo de informação que você vai encontrar no arquivo, que vai tá disponível, focado na trajetória da instituição, do que recortes mais amplos que podem envolver a Pinacoteca de forma superficial, subjetiva. A gente tem muita pesquisa aqui que fala, por exemplo, dos espaços expositivos do começo do século XX, então a Pinacoteca entra como uma das referências, né, um dos espaços. Mas também não deixa de ser um eixo temático interessante que também vai tá presente no conjunto em termos de conteúdo. Mas eu acho que você tem razão, é complicada essa separação, talvez ela seja até perigosa no sentido de enquadrar muito as coisas.

LL: Acho que a única coisa que daria pra fazer é separar essa questão das publicações técnicas, dos instrumentos de pesquisa, das temáticas, né. Você concorda com essa separação?

GM: Eu concordo, eu não sou um grande entendedor da área editorial, mas eu imagino que a abordagem vai variar de acordo com a tipologia, com o tipo do material, o conteúdo do material que você vai publicar, a função que ele vai ter, então no caso, uma tese de doutorado é bastante diversa de um inventário.

LL: Outra coisa que eu queria perguntar pra você é o

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que você acha dessa coisa das correspondências e dos diários, se transformarem em um fetiche por conta das edições fac-similares. Se você concorda que isso deve ser feito em co-edições com editoras comerciais que possam financiar esse tipo de trabalho e distribuir adequadamente, porque é uma coisa que as pessoas têm interesse de compra, né.

GM: Eu acho isso interessante. Se não envolver nenhum tipo de interferência na qualidade ou na hora de você transcrever essas coisas, se for sempre com um alto grau de fidelidade, eu não vejo nenhum problema, aliás, tem que ser buscado, né. Quanto mais alcance tiver, melhor. Se é uma editora que tem condições de distribuir no Brasil inteiro contra uma editora minúscula que distribui só em São Paulo, só no Rio, por que não apostar, né. É lógico que tem que ser interessante pra instituição, contratualmente, e nas outras coisas que isso envolve.

LL: As questões de direito...

GM: É, de direito também. Porque de preferência parte dos direitos, é lógico que os direitos de propriedade intelectual são do autor, os direitos de propriedade do titular acabam se estendendo pros familiares, pros descendentes, alguns nem tem mais porque já venceu, mas acho que os créditos, parte dos direitos tem que ser da instituição de guarda, né, alguma coisa tem que trazer de retorno pra instituição.

LL: Mais que visibilidade, né.

GM: Não só visibilidade. Acho que a visibilidade é importante porque traz tudo, né, traz facilidade na hora de captar recursos, a visibilidade é muito importante. Mas tem que ficar muito claro que aquilo só foi possível devido a essa atividade de preservar esses materiais únicos, né, que são arquivos pessoais, esses conjuntos... uma das maiores qualidades do arquivo é que ele é único, né. Muitas vezes tem até alguns documentos do arquivo que podem existir em outros lugares, mas a relação que eles mantém entre si é única, então isso também torna, mesmo os documentos que podem estar em outros lugares, únicos, dependendo desse contexto, né. Mesmo assim, a grande maioria só existe lá, como os diários e as cartas que só vai ter no arquivo, pode até ter alguma cópia em outro lugar, mas o original só vai tá num lugar. Então eu acho que isso tem que ser aproveitado de certa forma pra reconhecer esse papel, que nem sempre é bem entendido pela sociedade, né. Você investir em eventos é muito fácil pra conseguir recursos. Pra fazer uma publicação, é muito fácil pra você conseguir recurso, primeiro porque ela pode ter um retorno financeiro, você pode vender aquilo e

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aquilo pode ser um sucesso, pode trazer um retorno pra editora e pode interessar a editora só por isso, além do valor histórico que isso possa ter. Agora a preservação desse tipo de material que é muito custosa, envolve uma metodologia muito específica, equipamentos caros, um corpo técnico muito bem treinado, por conseqüência bastante caro, é mais difícil de você convencer o financiador, porque é uma coisa sempre a médio, longo prazo. Você captar 200 mil reais pra uma exposição, pra uma publicação, é uma coisa, você captar 200 mil por ano pra fazer a manutenção de um grande arquivo, de um grande acervo, é outra coisa. Então acho que essas coisas têm sempre que caminhar juntas, pra essa extroversão editorial, em forma de publicação, facilitar a captação de recursos pra manutenção permanente do arquivo. É por isso que invariavelmente esses arquivos acabam caindo na mão do Estado, porque na iniciativa privada quando você tem uma pessoa que quer manter a instituição ela perdura, mas quando essa pessoa não tiver mais interesse ou não tiver mais lá, quem que vai garantir os 100 mil reais por ano pra fazer aquela coisa se manter em pé. Aí acaba indo tudo pro Estado. A gente tem inúmeros casos de fundações que falem e o acervo vai pro Estado e o Estado também não quer mais isso, porque vira uma coisa muito onerosa também. Eu acho que é um problema muito constante e o recorte editorial, como a publicação é feita a partir do arquivo, isso pode ajudar muito nessa situação de trazer visibilidade. De certa forma... aí acho que é um trabalho específico, como você exterioriza essa realidade. Você pode publicar inúmeras coisas sobre o arquivo do titular, falar das cartas... e não falar nada a respeito do arquivo. Então eu acho que essa realidade tem que tá sempre presente, porque a sociedade tem que tá ciente que esse trabalho é muito custoso e muito importante, (...) então quanto mais essas publicações puderem enfatizar isso daí, trazer atenção pra essa questão, melhor.

LL: E tem um outro lado, né, um limite para não ficar uma coisa panfletária. Acho que é um cuidado que tem que ser tomado para que não fique uma coisa para a visibilidade. É que nem você falou, eu acho que tem que ser um serviço e daí o serviço é que traz a visibilidade. Você faz um aglomerado temático que fomente a pesquisa e daí isso vai ser relevante.

GM: É, esse vínculo com a universidade é uma outra coisa muito interessante pra esse veio editorial. Porque se você tem um grupo de pesquisa da Fapesp, da Faperj associado à instituição, pesquisa naquele tema baseado nos conjuntos documentais preservados de cunho arquivístico, é super interessante, isso também gera conhecimento, recursos... Na verdade quanto mais você utilizar o arquivo, seja pelas informações, por sua capacidade de prova, melhor, mais atenção você

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presta pra ele e mais reconhecimento do seu valor. Eu imagino que tem outras formas de extroverter isso, mas a publicação é a forma mais duradoura e mais... (pausa) quando fala em termos de valor é complicado, mas por exemplo, eu valorizo mais uma publicação, uma pesquisa bem feita, do que um evento passageiro. É lógico que você tem exposições que são muito bem feitas, né. Mas a exposição ela tá circunscrita num... tá, ela pode ser muito bem documentada, pode ter um catálogo e aí sim é muito interessante, mas ela tá circunscrita a um evento. E como o foco da gente que trabalha com acervo é sempre essa coisa da permanência, das informações, dos documentos, então a publicação ela cumpre mais esse papel de ter um valor permanente mais intrínseco nesse sentido. Ela não é uma coisa que começa e acaba como uma exposição, ela perdura.

LL: Lá na Casa de Rui, o setor de editoração cuida tanto das publicações quanto das exposições, dos eventos, do material promocional. Queria te perguntar se tem vantagem pra uma instituição de grande porte manter um setor desse feitio?

GM: Eu acho fundamental. Acho até uma pena que isso não seja entendido como uma necessidade. Geralmente a política editorial é uma coisa improvisada nas instituições. Na própria Pinacoteca. Aqui se produz 40 exposições por ano, dessas 40 se produz o catálogo de umas 20, tirando as outras publicações que não tem a ver com exposição. Tem uma produção grande, mas a gente não tem um setor que pense isso devidamente. Seria ótimo pra Pinacoteca, porque as coisas acabam saindo, primeiro que você não tem um padrão, né. E tem coisas específicas no fazer editorial. A produção de uma publicação ela pode ser muito complexa, ainda mais quando tá ligada a um evento. E eu acho que a gente perde não tendo isso, essa especialidade. A tendência é sempre tercerizar hoje, mas eu não sei até que ponto. As instituições tem foco e víeis muito específicos, né. Então você pega uma grande produtora de publicação e ele atende você como ele atende o banco... e talvez, talvez não, eu tenho quase certeza que o tipo de publicação que se produz num museu público com acervo representativo de tal período, ela vai caminhar pruma especificidade em termos de forma também, não só do texto, mas visualmente, plasticamente... então acho que é muito interessante ter isso.

LL: Você conhece os livros da Casa de Rui?

GM: Eu conheço algum, eu não lembro o título agora, mas eu tenho algumas coisas em casa, eu tenho mais as ferramentas...

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LL: E nessa questão da forma você poderia apontar alguma coisa que você ache interessante?

GM: Visualmente assim eu não lembro...

LL: Porque essa é uma dificuldade. Eu tenho visto assim o IEB, o CEDIC daqui de São Paulo e até os do Rio de modo geral. Toda vez que é vinculado a uma instituição de arquivo eu vejo que tem um tratamento muito bom no conteúdo, assim tudo tá sempre muito bem organizado, muito bem apresentado, mas a questão da forma às vezes é muito deficiente até nas coisas básicas da impressão.

GM: O que prejudica muito a própria circulação desse material.

LL: Pois é. Porque as pessoas têm preconceito, o livro é feio, não é agradável...

GM: Então, mas eu acho que aí tem a ver com aquilo que a gente tava discutindo antes, que arquivos importantes, grandes centros de pesquisa, não têm esse setor que pensa essas coisas, então as coisas não têm padrão nenhum. Então você consegue publicar o catálogo do arquivo da Pinacoteca, conseguiu uma grana da... não é uma política institucional, depende de um projeto, aí sai uma grana da Fapesp, aí eu faço isso com um profissional, com essa equipe que tá aqui e tal. Aí depois, pra fazer uma outra publicação, é um outro projeto, é difícil você ter uma política editorial entrelaçando essas coisas. Por isso que as coisas são tão fora de padrão, editorialmente não tem consistência, porque são coisas que não deveriam ser tão pontuais, mas acabam sendo, então não tão interelacionadas como essa coisa de uma série de publicações da instituição. Porque se tivesse um padrão, uma marca, se você reconhecesse aquela publicação, por exemplo, essa aqui é uma publicação do Arquivo Nacional. Se você for ver o que o Arquivo Nacional produz ele produz bastante coisa, mas o material publicado, é complicado, é tudo super simples, umas cartilhas, às vezes não tem padrão, as vezes se repete, uma coisa que se você precisa fazer uma re-edição você repete com aquele formato, com aquele padrão da década de 1970, 1980, fica uma coisa até anacrônica visualmente que não tem tanto atrativo pro público leitor, pro usuário. Fica complicado isso, mas tem a ver com a coisa do recurso, também. Eu digo até que é a coisa do segredo Tostines. Você não sabe da onde vem o problema. Se o problema existe porque não existe essa perspectiva editorial e você não produz uma identidade editorial pra instituição ou se é culpa da pré-produção. Uma coisa tá ligada à outra.

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LL: E você não consegue sair disso, né?

GM: É, vira um ciclo vicioso. Mas a gente sempre acaba caindo na questão do recurso. Alguém tem que investir nisso. Criar um setor editorial envolve recursos, né. Se bem que eu diria hoje, pras grandes instituições, porque as pequenas e médias têm outras dificuldades, que é mais uma questão de prioridade de investimento de recursos do que de falta de recursos. Então aí a gente tem uma questão complicada, não é que você não tem recurso, é que isso não é prioridade pra instituição.

LL: As vezes o Circo de Soleil é mais relevante...(risos)

GM: É, as vezes o Circo de Soleil é mais relevante, as vezes uma mega exposição... é porque a forma de financiamento dos grandes eventos e dos projetos dos arquivos, dos museus, também é complicada. Porque quando ela passa pela lei Rouanet, por exemplo, ela vai envolver a visualidade que o patrocinador quer ter no evento ou no projeto. E é incomparável, né, o tipo de inserção que o cara vai ter dando patrocínio pra uma exposição como Andy Warhol aqui na Pinacoteca ou que ele vai patrocinar uma troca de acondicionamento do acervo de parte do arquivo da Pinacoteca, entendeu? Que interesse que isso tem? Como é que você vai divulgar a marca do cara em relação a isso? São outras coisas... então você fica muito preso à coisa do evento. A publicação é interessante porque ela também tem essa alta capacidade de associar a marca do patrocinador, coisa que essas outras atividades do arquivo não tem. Acho que até por isso que deve ser uma coisa muito pensada proximamente, porque ela traz isso pro arquivo também.

LL: Acho que seria a melhor forma de gerar produto. Porque o maior entendimento das pessoas pra poder investir é que tenha alguma coisa palpável.

GM: É, você tem razão. Tudo bem, é um arquivo importante e você tá guardando ele há sessenta, setenta anos, mas o que foi produzido a partir desse arquivo?

LL: É, as pessoas precisam de números...

GM: Tem essa coisa pragmática de dar um retorno. Aqui a gente atende vários pesquisadores, nem todos geram publicação, mas quando gera, em termos de visibilidade, é muito mais interessante. (pausa). Aqui essa coisa também é um cuidado, né, como publicar quando não são iniciativas da instituição. As vezes vem um pesquisador de fora que elege alguns documentos e quer publicar num livro que ele fez

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sobre um recorte temático específico. Essas regras, esse padrão também é importante e talvez o olhar do editor contribua pra isso. Agora todos os documentos que forem publicados em qualquer livro que seja tem que ter o padrão tal. Então se o cara quiser publicar uma carta do arquivo ele tem que seguir as normativas que eu fiz junto com o setor de editoração. Tem que ter um tamanho mínimo, não pode ser usado como tumbneail que desvaloriza o documento, tem que ser usado com a referência correta, a questão dos créditos, da cor, do tipo de papel, se vai usar pra fotografia, são coisas bem específicas, mas que tem um retorno se você faz muito bem feito isso. Acho que seria até outro papel pra existência de um setor com essa especialidade.

LL: Agora num roteiro mais específico, eu queria que você falasse um pouco de você, da sua trajetória, como foi sua formação e como você começou a trabalhar com arquivo e a questão do CEDOC na sua vida. O que você tem no CEDOC, o que você queria fazer com o CEDOC.

GM: Então, eu comecei em 1999, como estagiário do arquivo do IGC, do Instituto Geográfico Cartográfico, que fica dentro da USP, mas é ligado à Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo. Então eu comecei trabalhando nesse arquivo, foi quando eu tive acesso às primeiras leituras sobre o tema, eu nem sabia que existia uma coisa chamada arquivística. Então foi meu primeiro contato com a coisa, eu tava no primeiro ano de História, então foi muito interessante, eu desconhecia completamente, então foi o primeiro contato mesmo. E lá pude mexer com um acervo muito interessante porque o IGC tinha parte dos arquivos da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, que fez o levantamento dos rios no século XIX, então tinha agendas dos engenheiros, Teodoro Sampaio, os relatórios de estudo de campo, uma documentação muito bacana. E eu pude me aproximar dessa outra vertente do trabalho do historiador que é lidar diretamente com os documentos. Acho que não é muito interessante misturar as duas coisas porque são coisas muito diferentes o uso que o historiador faz do documento com a gestão de acervos que contém esses documentos. Apesar de eu ser historiador, a gente tem que fazer um esforço muito grande pra manter essa separação porque são perspectivas muito diversas. Bom, depois de lá, eu fiquei dois anos lá, depois fui fazer outras coisas, fui trabalhar com pesquisa mais na área de história, pra conteúdo de livro, essas coisas, e aí acabei voltando pra questão do arquivo só em 2004, quando eu fui trabalhar com o arquivo pessoal de um empresário do interior de São Paulo, de uma usina de açúcar, aí foi o primeiro contato com a questão dos arquivos pessoais. E aí que eu comecei de fato a estudar a coisa, fiz vários cursos e tal, aí eu acho que

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o interesse, eu fui fisgado de forma mais forte, né, no começo foi uma apresentação, digamos assim, eu fui apresentado ao arquivo, fiz umas leituras, mas a entrada mesmo no mundo profissional foi com esse trabalho de 2004 que perdurou até 2008. E aí, logo na seqüência, em 2005, eu já vim trabalhar na Pinacoteca, no final de 2005, na organização do Centro de Documentação e Memória que, na verdade, surgiu a partir da organização do arquivo histórico do museu, não era o acervo do Centro de Documentação e Memória, era o arquivo permanente da Pinacoteca. Mas como tem essa questão que é até uma coisa interessante de se falar, que a própria professora Ana Maria ressalta com muito importância, é que o arquivo não tem sex appeal. Trabalhar em museu é chique, né, tem obra de arte e tal, até a biblioteca tem mais atrativo nesse sentido do que o arquivo, né. Então tem até uma tendência pra você não chamar o arquivo de arquivo, porque o arquivo é um termo pejorativo, aquela coisa velha que ninguém usa, o arquivo morto, então você tá começando algo novo que você quer que tenha importância então pra que você vai chamar de arquivo? Então aqui virou o Centro de Documentação e Memória. Hoje de fato a gente se aproxima de ser um Centro de Documentação mesmo porque tem outros conjuntos arquivísticos e não-arquivísticos girando em torno de um tema que é o tema das artes visuais em São Paulo, então de fato a gente é um Centro de Documentação hoje, mas antes de fato era só o arquivo do museu. E aí participei do meu primeiro congresso, apresentei trabalho em 2004, mas aí eu ainda não tava aqui, tava no Memorial Resende Barbosa que é esse Centro de Documentação que a gente organizou pra guardar o arquivo do fundador da empresa. Aí eu acabei entrando na área, fui me interessando por essas coisas. Entrei aqui em 2005 pra cuidar da alimentação do banco de dados, pra participar da alimentação, tinha um outro consultor que desenhou a ferramenta, estipulou os procedimentos e ia ter alguém pra participar da alimentação, aí acho que surgiu interesse por essa coisa da ferramenta informatizada que depois acabou me levando pro tema do... tanto do trabalho de final de curso da especialização do IEB que eu fiz em 2007, quanto do mestrado que eu defendi agora esse ano. Sempre passando pela coisa do banco de dados, da ferramenta informatizada como a solução pra gestão desses grandes conjuntos de documentos arquivísticos.

LL: Sobre essa questão do banco de dados, que é o seu tema de mestrado, eu queria que você apontasse a importância do banco de dados tanto pra essa coisa da preservação quanto da gestão do acervo.

GM: A questão da gestão é muito complexa no arquivo. Eu inclusive participei de algumas discussões... Então o que acontece no

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arquivo? Como ele tem isso que a gente chama de ciclo vital, então ele tem uma parte que tá ligada à função administrativa que foi o que gerou o documento, então não tem nada a ver com cultura, nada a ver com história... então esse documento existe pra representar uma atividade, pra provar alguma coisa, tem um papel, uma função administrativa dentro da instituição que o gerou. Então ele vai ter essa coisa do valor histórico atribuído, mas isso vai ser depois, quando ele perder esse uso administrativo. Então o que acontece, tem vários países do mundo, tem várias escolas que separam, até são profissionais diferentes que lidam com essas duas questões. Nos Estados Unidos, é assim: você tem os records que são os documentos que a gente chama de correntes, de intermediários aqui, que são ligados à coisa administrativa que tem um profissional formado pra cuidar disso e você tem os archives que são os arquivos que é o que a gente tem aqui como arquivo permanente. Então essas duas fases tão divididas até... é lógico que elas tem procedimentos diferentes, mas nesse caso, nos Estados Unidos, é até comum você ter profissionais absolutamente diferentes tratando dessas duas etapas do ciclo de vida do arquivo. Então, eu tendo a entender a coisa como ela mais integrada, então eu acho que não dá pra você abrir mão do que acontece na fase administrativa pra entender o arquivo histórico e até pra definir, né, aliás até a ferramenta de avaliação dos arquivos que define os trânsitos de um arquivo pro outro, de uma fase pra outra, ela tem que ser feita com essa visão de perspectiva geral. É difícil você separar de forma estanque, não aqui eu só cuido do corrente, mas se você não tem uma ideia do que ele vai ser, pra onde você vai depois, então você tem uma coisa muito complicada, principalmente a coisa da conservação envolvida. Então tem uma resistência muito grande em relação a isso de se enxergar essas coisas separadas. Então o termo gestão, por exemplo, que eu uso muito no mestrado, não é recorrente pra todas as pessoas que tratam do assunto, mas que lidam com o arquivo histórico permanente, aliás tem vários dicionários que tratam do termo gestão e só utilizam ele para o arquivo corrente, então você só faz gestão no arquivo corrente. E a gestão não envolve preservação, justamente ela tá ligada à essa primeira fase, então tem muita gente que caminha por aí, eu não concordo com essa visão, pra mim a gente tem que falar de gestão do processo como um todo, que pensa tudo, desde o protocolo da formatação dos documentos até sua guarda final de cunho permanente. Então, lógico que é uma coisa complicada, aqui a nossa própria experiência de Centro de Documentação também partiu de um arquivo que era permanente então supostamente já devia ter sido avaliado e sofrido os descartes dos documentos que não eram de guarda permanente, mas não é bem assim, você pega os conjuntos que na verdade nunca foram tratados, quase nunca alguém fez uma tabela de temporalidade, obedeceu a uma lógica para descarte ou para

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classificação desses documentos... então hoje por exemplo a gente tem uma coisa que eu defendo muito no procedimento de organização dos arquivos é que é quando você for pensar na questão da informatização, você tem que ver de que lugar que você tá falando quando você propõe isso, uma coisa é você falar do Arquivo Nacional, outra coisa é você falar da Pinacoteca ou de uma instituição menor, com uma outra realidade jurídica, administrativa, com um outro alcance em termos de atividade... então a tendência nas instituições menores é você não ter essa coisa separada: eu tenho o arquivo corrente, o intermediário e depois eu vou ter o arquivo histórico. Pra que vai gastar três espaços e três equipes de funcionários diferentes? A tendência é que essa coisa se aglutine, então aqui hoje o CEDOC é responsável pela gestão integral dos documentos da Pinacoteca, a aplicação da tabela de temporalidade da Secretaria de Cultura, o plano de aplicação, tudo quem faz é a gente aqui, apesar de ser só um arquivo histórico. E o que acontece também é que quando você tem ferramentas, tá tudo informatizado e a recuperação é muito rápida, as pessoas começam a mandar os documentos antes do prazo pra cá, então essa própria distinção dos ciclos vai sendo um pouco esfacelada, né? Então, o cara tem um contrato super importante lá, invés de deixar na gaveta dele, ele manda pra cá que é um lugar onde todo mundo vai ter acesso, não só ele, mas o diretor se quiser ver o contrato tem aqui. Então antes de vencer o contrato, dele deixar de ter um valor de prova pra atividade que o gerou, as vezes ele já tá aqui. A coisa fica mais embolada, no sentido de tratar de forma integral o arquivo, sem essas coisas estanques. Eu acho que o banco de dados é a única solução pra isso. Nosso banco de dados surgiu como um banco de referência de documentos, dos documentos históricos que tavam aqui, hoje, nessa última base, já estamos inserindo ferramentas de gestão de temporalidade, então tem que saber se ele tá aqui quando é corrente, quando é intermediário, quando deixa de ser, quando ele pode ir pra consulta pública, se ele é restrito, se não é... a atividade de gestão tem que ser integrada e a ferramenta pra isso é o banco de dados. Foi essa a visão que propus no meu mestrado, mas nem todo mundo entende dessa forma, inclusive grandes especialistas da área, alguns que eu me baseio, tem outra visão da ferramenta do que é o banco de dados. Pra mim, a gente tá começando a vislumbrar o que isso pode ser, a importância deste tipo de ferramenta. Uma questão que eu coloco lá e que pra mim não tem resposta ainda, mas de certa forma eu questiono o que foi apontado por um dos grandes projetos que pensa a questão da preservação do arquivo digital, documento contemporâneo, que é o projeto Enterpares, que um projeto internacional, mas sediado na Universidade de Columbia no Canadá, e que eles entenderam quando fizeram uma primeira avaliação em 1998, 1999, que o banco de dados pode ser encarado como um documento de arquivo, ou

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como o próprio arquivo em si, porque tem essa questão da preservação envolvida com como você faz o recorte, o que é histórico dentro de um banco de dados, como é que você recorta pra tirar a informação, porque essa coisa da separação do documento histórico, do documento administrativo, é uma coisa que sempre foi um marco muito importante na arquivística, tem que ser uma coisa bem delimitada, ficar em locais separados, os procedimentos são separados. Mas hoje, você pode cada vez mais aproximar isso, a ferramenta permite que você tenha vários procedimentos, alguns até contraditórios, você consegue até compor isso na ferramenta, você não é obrigado a optar por um ou por outro procedimento, você pode ter todos inseridos, então você faz uma coisa bem desenhada, bem integrada, isso é possível. Uma das coisas que eu coloco lá é que algumas empresas privadas de grande porte já tem nos seus sistemas informatizados que são três bancos de dados, onde o documento é produzido, tramitado e arquivado dentro do próprio sistema, aí eu faço uma comparação que esse sistema é o próprio arquivo. Porque guardar separadamente, extrair o documento deste sistema não é um grande negócio, porque vai sair do contexto e as vezes tem códigos, regras de tramitação intricado ao sistema, então você tem que criar uma ferramenta muito complexa pra fazer isso e manter nesse sistema toda essa relação de informações... então foi isso que eu apontei, pra mim o banco de dados tem uma outra qualidade nesse sentido. Eu acho que ele pode ser, é a tendência de que ele vá virar o próprio arquivo da instituição. Tudo vai ser feito via sistema informatizado, então você não vai conseguir nem separar as coisas do sistema e o seu sistema vai ter que dar conta disso.

LL: Acho que as pessoas ficam muito inseguras diante da tecnologia.

GM: É, eu também fico, né, porque papel... a gente viveu isso recentemente aqui com as fotografias. A gente sofreu uma certa pressão pra passar todos os registros fotográficos do museu, exposição, abertura de exposição, eventos, serem todos digitais. Eu tenho resistido à isso porque, parece até um contra-senso, mas pra questão da preservação a gente não tem muitas respostas ainda (...) porque a preservação de documentos digitais envolve um monte de coisas, não é só você salvar o documento. Tem formato de arquivo, extensão, programa que usa pra ler, o drive, a mídia, é um negócio muito complexo. (...) Tem coisa aqui que eu não leio mais. Eu recebi um disquete zip, eu não tenho nem drive pra isso, uma coisa que não tem nem dez anos. Então o que vai ser isso daí? Não sei. Por isso é que tem essa resistência muito grande. O papel é uma coisa auto referente, você consegue identificar o que ele diz, qual que é o formato. O arquivo digital você precisa do

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computador, você precisa conseguir ler o programa. O papel não, você largou no canto ali, daqui dez anos, se nenhum bicho comeu, se não choveu, você consegue ler o que tá escrito nele, assim como a foto, o negativo. O digital não, tem uma série de ações que intermedeiam esse acesso a ele, então é complicado mesmo. Eu entendo essa resistência e também tenho muita resistência em relação a isso, mas é um troço muito complexo. (...) Mas essa coisa do digital, uma hora a coisa vem e você não tem como resistir.

LL: Uma digressão sobre isso. Tem um texto do Arlindo Machado, que chama “Fim do livro?” em que ele compara a navegação do banco de dados com o livro digital. Queria te perguntar como você vê essa questão do livro digital vinculado ao livro acadêmico e o que poderia ser feito a partir do acervo, você acha que teria uma relação entre um banco de dados...

GM: Eu acho que tem muita gente que quer chamar atenção com essa coisa do fim da história, do fim do livro, mas a coisa é muito mais complexa, tanto é que se provou que a indústria editorial até cresceu em termos de produção nos últimos dez anos. Pro livro, tem muitas questões envolvidas. É muito simplista você achar que é só uma questão de produção e circulação. Tem o fetiche pelo livro... quem compra livro não vai deixar de comprar pra baixar o negócio. Eu coleciono livro, pra mim não faz nenhum sentido substituir o livro papel pelo digital. Eu posso até ser um cara retrógrado, mas eu não sei se é isso, as livrarias tão aí pra provar isso. A Livraria Cultura há dez anos atrás tinha uma loja, hoje tem oito. O Brasil, você pode falar o que quiser, é um país subdesenvolvido, mas cresceu o consumo, é o negócio do fetiche, o mercado do livro, mas é o livro, né. Eu acho que a coisa da publicação digital tem que ser pensada criticamente. Se você me falar para publicar em papel uma ferramenta de acesso ao arquivo, talvez eu ache que o formato digital seja melhor, pela facilidade de circulação e pela facilidade de você dinamizar ele, se você conseguiu completar a discrição de uma série, você atualiza. Quando você vai ter dinheiro pra fazer outra publicação? Nesse sentido, a publicação em papel é limitada, e o digital traz essa outra possibilidade. Agora, pras coisas acabadas, no caso de uma tese, eu acho que a publicação em papel ainda é a melhor forma inclusive de garantir a permanência desse troço, então não é só uma questão de dar acesso à informação, é de fazer com que ela perdure. (...)

(Conversa sobre publicação universitária digital e auto-publicação, não transcrita pois não se trata do foco desta entrevista).

LL: Voltando para a questão do arquivo: a gestão também

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é uma maneira de se posicionar politicamente. Por exemplo, a questão da aquisição de novos acervos, como você entende isso, que critérios que você utiliza e como você se posiciona diante disso em relação à instituição?

GM: Essa coisa da definição do papel do gestor varia muito de instituição pra instituição. Aqui na Pinacoteca, o meu papel é mais de avaliar [um fundo de arquivo] e fornecer um parecer pro conselho da Pinacoteca e pra direção, pra eles tomarem uma decisão se isso vai ser incorporado ou não. Então, da parte técnica, cuido eu. Eu vejo se tem a gente tem condições técnicas, se está em condição de conservação, posso até fazer uma pesquisa pra ver se ele tem uma importância histórica dentro do tema que a gente escolheu como central aqui no Centro de Documentação, mas a decisão mesmo não passa pelo CEDOC, na hora de incorporar, passa pela diretoria, pelo conselho da Pinacoteca. Então, nosso papel nesse sentido aqui é mais fornecer subsídios para uma tomada de decisão em outra instância. O ideal seria que o gestor participasse também, tivesse pelo menos um voto na hora de... até que, no parecer, vão perguntar minha opinião de alguma forma, mas eu acho que poderia ser oficialmente esse papel do gestor na hora de definir a entrada dos acervos nos nossos conjuntos deveria ser mais reconhecida. Eu não sei como funciona em outros lugares, mas eu imagino que a coisa sempre caminhe para outros níveis que não o do gestor do acervo.

LL: Eu tinha uma pergunta sobre a função do arquivista. Mas agora que você falou sobre o gestor, acho que é importante comparar gestor e arquivista, se tem diferença, qual a função?

GM: O gestor de um acervo arquivístico, o ideal é que ele tivesse alguma formação na área. Ideal não, acho fundamental até. O arquivista em si é um troço complicado porque se a gente tá falando de profissão, tem aquela coisa no Brasil de que é regulamentada, então, eu não sou arquivista, eu não tenho carteirinha, eu não tenho diploma, então eu não posso ser arquivista, mas eu trabalho com isso e tenho experiência. Então, é um troço complicado aqui no Brasil porque é uma profissão que em vários países no mundo não é regulamentada em termos de demandar uma graduação específica pra exercer a mesma e aqui tem esse caminho que às vezes até complica a própria profissão aqui. Em São Paulo, a maioria das pessoas que fazem gestão de acervo são historiadores, não são arquivistas de formação, até porque quase não tem curso de formação em arquivo no Brasil. Em São Paulo tem uma graduação em Marília. Então, é muito complicado... eu acho também, sendo bastante sincero com você, eu acho que o arquivista perdeu o bonde da história, no sentido de que vários profissionais

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foram ocupando essa função, ou partes dessa função, e hoje, nas grandes empresas, quem que contrata um arquivista? Você tem um administrador, o você tem o cara técnico do almoxarifado que ao mesmo tempo cuida do arquivo, a secretária que faz o protocolo, então é uma coisa que... onde tá o arquivista? Será que só tem lugar pra ele no Arquivo Nacional? Então, eu acho que é uma profissão que por não ter se organizado com uma dinâmica suficiente, acabou perdendo um pouco dessa capacidade de se adaptar ao que... falar mercado é meio deprimente, mas de fato é isso, né, é o que o mercado manda.

LL: Mas em termos ideais, pra que serve o arquivista?

GM: Em termos ideais, pra trabalhar com esse tipo de conjunto que tem uma qualidade específica e que demanda procedimentos específicos pra ser mantido com as mesmas qualidades. A forma de organizar o arquivo é diferente da biblioteca, do museu, passa mais pela função do que pelo conteúdo. Então, aplicar essas ferramentas, o arquivista é que faria esse papel. Mas a questão passa também pelo aquilo que eu tava falando de experiência, você aprender a metodologia e conhecer bem um acervo que você quer aplicar um ferramental adequado pra garantir a preservação e o uso desses documentos, não necessariamente passa por você ter uma carteirinha de arquivista. Aliás, diga-se de passagem, quem produz conhecimento na área de arquivo no Brasil, a maioria não é arquivista, é historiador ou da biblioteconomia. Então, é uma situação meio estranha, mas eu diria que é isso, pensando no ofício, mas no ofício que na produção, eu diria que a importância é essa: saber lidar com esse tipo de material que é muito específico. Os acervos arquivísticos demandam muitas pesquisas em relação a outros tipos de acervo, aí que entraria a figura do arquivista, um profissional que domine essas ferramentas, não necessariamente que tenha um canudinho, uma carteirinha do sindicato não sei do que. Isso, de certa forma, acho que é até um retrocesso no Brasil. Pra mim, a regulamentação às vezes não é a melhor saída nem pros profissionais da área. É o que aconteceu com a biblioteconomia, o negócio fica estagnado, se não fosse por isso, talvez a profissão fosse muito diferente do que é hoje se não passasse por essa coisa meio burocrática, sindicalizante, não importa se você é bom, importa se você tem carteirinha, isso é contraproducente, sabe? Lógico que tem outras coisas envolvidas, o reconhecimento da profissão, regulamentar tudo proporciona melhores condições de trabalho, mas nesse sentido a biblioteconomia que tem um conselho organizado, não ganhou muita coisa também. O cara é mal remunerado, mal reconhecido, muitas vezes só ocupa espaço porque é obrigatório, é parecido com a questão do arquivo, a questão do museólogo também passa por aí, todas as três tem essa discussão.

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LL: Mas você acha que muda muito ser uma instituição pública ou privada?

GM: Muda bastante. Se isso aqui fosse uma instituição pública, ela é pública, no sentido de que a Pinacoteca é do Estado, mas quem administra é uma organização privada sem fins lucrativos e eu sou contratado por CLT. Talvez se fosse via concurso, eu não estaria por aqui, porque eu não sou arquivista, eu não poderia nem prestar o concurso. Pra ser arquivista tem que ter diploma, eu posso ter mestrado o raio que o parta, mas eu não sou. Então, nas públicas tem uma tendência pra ter dificuldade de lidar com essa compartimentalização do mercado de trabalho profissional. (...) As públicas tem menos condições de lidar com isso de forma flexível, numa empresa o cara contrata quem ele quiser.

LL: Sobre essa coisa de procedimento, eu queria que você falasse um pouco da rotina diária das etapas de organização, conservação...

GM: Aqui no CEDOC deve ser parecido com qualquer instituição de guarda de arquivo, a gente basicamente faz o recolhimento, que pode ter vários tipos de entrada, pode ser feito por doação, por acumulação natural, os setores da Pinacoteca enviam periodicamente pra gente os documentos. Aí, chegando, primeiro a gente faz uma avaliação do estado de conservação, vê se não tem nada que possa causar um problema ao ser trazido pra mesma sala de guarda do arquivo permanente, faz uma avaliação, depois a questão da identificação do material, o cotejamento dele com o plano de classificação e avaliação, então a gente faz a classificação e avaliação dos documentos, tem a parte de higienização de preparação do material para ser arquivado permanentemente, desmetaliza, faz a limpeza, substitui o grampo por linha de algodão, põe nas pastinhas de material de qualidade arquivística, depois vem a informatização que normalmente é feita antes do acondicionamento final, pra facilitar o trabalho. Depois de classificado e avaliado, você insere as informações no banco de dados, digitaliza se for o caso, quando tem demanda pra digitalização, depois ele vai ser acondicionado e vai pro acondicionamento final. É mais ou menos esse trâmite. Aí tem a outra parte que é o atendimento aos pesquisadores, recebimento de consultas. Essa é a parte de tratamento da documentação, depois tem essa parte de atendimento dos consulentes e dos pesquisadores, tanto internos quanto externos. Entre outras atividades que envolvem a captação de recursos, fazer projetos conjuntos de extroversão do acervo, agora a gente tem uma exposição

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que a gente vai fazer junto com a curadoria da Pinacoteca, baseada no uso do arquivo... tem publicações, a gente já fez aqui o livro da história do museu, que partiu aqui do CEDOC. Tem esses outros projetos, mas eu diria que 80% do nosso trabalho é em torno do tratamento do acervo entre receber, processar, guardar e recuperar.

LL: Então as publicações estariam nessa parte de projetos.

GM: Entrariam nos projetos. A organização é fundamental pra você dar esse outro passo, se não tiver organizado, você não consegue nem acessar os documentos de forma racional, então como você vai conseguir transformar aquilo em fonte de pesquisa? Acho que a organização realmente é um trabalho anterior.

LL: Queria te pedir pra comparar arquivo pessoal de artista e arquivo de escritor.

GM: Acho que são duas coisas muito similares, tem tipologias próximas, mas uma coisa que vai fazer diferença é que a grande produção do titular literato vai ser de caráter textual e no caso do artista não. Aí temos coisas complicadas, tanto de um lado quanto de outro, no sentido de confundir o que é documento de arquivo, o que é documento final. Aqui tem uma tendência muito grande, no arquivo de artista, de você as vezes ter uma atribuição de sentido, considerar obra de arte aquilo que não é obra de arte, aquelas coisas do valor, tanto cultural, quanto do mercado, a obra de arte tem um status diferenciado em relação ao trabalho de arquivo, então essa diferenciação é complicada aqui no arquivo de artista. (...) Que é uma coisa que eu acho que acontece menos nos arquivos de literatos, apesar de ter essa relação do texto original de um grande romance antes da publicação, ela vai ser considerado obra ou ele vai continuar no arquivo, acho que ele acaba ficando no arquivo porque não iria pruma biblioteca, só se fosse uma biblioteca especializada. Acho que essas questões vão variar de acordo com a atividade do titular e com a forma como ele tá inserido na sociedade. (...) As formas de extroversão acho que variam também. Não que você não possa fazer extroversão com o arquivo do literato, exposição é uma forma muito pungente de extroverter conteúdo, é muito participativa, dinâmica, agora aqui (no CEDOC) é mais óbvio, então sempre que houver uma exposição do artista que envolva sua obra, você pode fazer uso do arquivo, é mais natural que isso aconteça no arquivo de artista do que no arquivo do literato.

LL: Se você tivesse uma pessoa trabalhando com você que correspondesse à figura do editor você já teria projetos a partir do seu acervo?

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GM: Eu nunca pensei nisso, porque o arquivo é muito pequeno, mas eu já pensei na questão da Pinacoteca ter uma figura do editor, não eu ter um no arquivo aqui junto comigo. Nesse outro caso eu já pensei, tenho vários projetos, e as coisas teriam outra condução se tivesse essa figura, porque você acaba assumindo de forma improvisada esse papel, quando essa figura teria uma função importante. Mas, essa não é uma demanda só minha, vários profissionais acham que a Pinacoteca deveria ter essa figura da produção editorial que pensasse as publicações da Pinacoteca como um todo, num sentido mais amplo de criar uma identidade visual, uma identidade editorial, que eu acho que é muito importante. Como a função editorial é recorrente em parte das principais seções da instituição, é fundamental pensar isso. Acho que vinte publicações por ano, teria que ter essa figura.

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APÊNDICE C

Transcrição da entrevista com Eduardo Coelho, chefe do Arquivo Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 15/06/2010.

(Livia Lima explica do que se trata sua pesquisa: as publicações da Casa de Rui Barbosa vinculadas ao AMLB)

Eduardo Coelho: Os inventários analíticos dos Arquivos de Escritores Brasileiros são publicados pela Casa de Rui Barbosa. A gente não tem ainda um trabalho de publicação da parte museológica, como fotografias, porque também aqui tem um sério problema, porque quase todos os arquivos aqui do Arquivo-Museu ainda não caíram em domínio público. Então se a gente quiser usar uma carta do Manuel Bandeira, a gente vai precisar pedir autorização aos familiares. A gente até está organizando agora um guia de fundos ilustrado pra divulgar o acervo, porque a gente tem 124 arquivos e quase todo mundo conhece cinco, seis, então a ideia foi fazer esse guia porque assim a gente consegue divulgar mais esses outros que ficam meio à margem, mas a gente vai precisar entrar em contato com os familiares, menos Machado de Assis, Cruz e Souza que já caíram em domínio público, né.

LL: A questão dos arquivos pessoais tem as pessoas que são citadas também e que podem processar se quiserem.

EC: Também. Então por exemplo, uma carta de Manuel Bandeira ao Drummond, a gente vai precisar da autorização dos herdeiros de Manuel Bandeira e dos herdeiros de Drummond. Então todo documento vai precisar de uma autorização duplicada, o que duplica o nosso trabalho consequentemente. Até agora a gente só fez inventários, no inventário a relação com o editor é uma coisa muito simples, mas tem com muita freqüência pesquisadores e editores que vêm aqui pra recolher material pra fazer seus livros. Agora por exemplo o IMS tem vindo aqui com muita freqüência porque eles têm lá um setor de editoração. Eles têm arquivos pessoais também, mas eles têm com a função quase de fazer livros, é quase o arquivo como um pretexto pra fazer livro. Então eles conseguem estabelecer essa relação entre o arquivista, o pesquisador e o editor é muito mais estreita.

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Porque na verdade o arquivista quando começa a organizar ele já sabe que possivelmente vai ter um livro sobre aquele arquivo, então ele já encontra alguma coisa bacana...

LL: Já tem um viés de conteúdo, né?

EC: É. Aqui a gente tem um trabalho mais de atividade meio. Então você organiza pra que os outros depois façam essa seleção de conteúdo. Agora eles (IMS) vêm muito aqui, por exemplo nos últimos seis meses, saiu aquela edição de “Alguma poesia” em fac-símile, quase tudo, a não ser o livro, foi copiado, reproduzido daqui, as cartas, manuscritos. E aí eles perguntam coisas pra gente...

LL: E como funciona a questão dos direitos, eles têm que pagar pelo uso de imagem?

EC: Pra Casa não. Eles pagam pros herdeiros. Primeiro eles pedem autorização dos herdeiros e precisam vir pra cá já com autorização. Ou então eles podem reproduzir, mas precisam assinar um termo de responsabilidade dizendo que aquilo só tem finalidade acadêmica e caso venham a produzir algo com fins comerciais eles garantem à Fundação que entram em contato com os familiares. Então é esse tipo de relação que se estabelece. Aí eles vêm aqui, nesse caso a gente facilita a consulta (...). Da Companhia das Letras também acaba tendo uma relação estreita em relação ao acervo de Vinícius de Moraes porque eles começaram a reeditar, de uns anos pra cá, toda obra. Eles fizeram uma fortuna crítica reunindo artigos que foram publicados na época em que o livro foi publicado, então eles terminam vindo aqui pra ver recortes de jornal e tem um caderno de imagens no início que também é a partir do nosso acervo.

LL: Essa questão da coleção e dos arquivos. Eu vi que vocês têm os dois. Como vocês fazem uma distinção do que pertence a um e a outro?

EC: É. O Arquivo foi criado em 1972, em função de uma sugestão que o Drummond deu em uma crônica que é “Museu Fantasia” em que ele diz que pensa há tantos anos em criar um arquivo-museu, que era um sonho que ele tinha, do escritor brasileiro, mas que a tanto tempo que ele pensava fantasia. Então ele se questionava se era ou não uma fantasia. Como os diretores da Fundação na época eram todos amigos do Drummond, eles entraram em contato com ele e falaram “olha, a gente pode fazer um arquivo-museu aqui”, aí em pouco menos de um mês eles criaram, na época só Arquivo-Museu de Literatura, não tinha

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ainda de Literatura Brasileira. Aí o Drummond escreve uma crônica logo em seguida que chama “São Clemente 134”, que é o endereço daqui, então ele diz que foi criado o arquivo-museu e que todo mundo que tiver um documento, um manuscrito, datiloscrito, ou um objeto de um escritor brasileiro, pra mandar pra cá. Então começou a chegar muita coisa pelo correio ou então as pessoas deixavam aqui. A partir desse material, entregue pela sugestão original do Drummond, é que se formaram as coleções, foi, sobretudo, a partir daí. Então você tem, por exemplo, a coleção João Gumarães Rosa que tem doação da filha, do Plínio Doyle, do primo, então aquele acervo não se constitui como um arquivo porque foram várias pessoas acumulando aqueles documentos e a gente separa como arquivo o acervo que foi acumulado por uma única pessoa que vem a ser o titular do arquivo. (...)

LL: E tem um certo recorte?

EC: A gente divide em séries. Tem os documentos pessoais, correspondência pessoal, correspondência de terceiros, produção intelectual, documentos diversos, iconografia, tem toda essa separação, que pra gente tem um fato mais complexo que é você ter arquivo e museu misturados, que são coisas muito distintas. (...)

LL: Mas para os objetos vocês atribuem valor de museu ou chamam de documento tridimensional?

EC: Não, a gente chama de tridimensional. É... tem também um outro aspecto quando o objeto acaba ganhando um status de texto. Não de texto em si, mas ele participa do processo de criação, ou seja, tem certos objetos que terminam tendo uma aderência histórica. O Bandeira por exemplo, tem um poema chamado gesso sobre esse gesso (aponta para estátua) que caiu no chão e quebrou a parte de trás. Então até que ponto esse gesso não vale também como um documento textual que revela parte de um processo? É um objeto museológico, mas ele é mais do que isso por estar em um arquivo museu. (...)

(Digressão sobre o trabalho do IMS, o arquivo de Ana Cristina César e a publicação de “Alguma Poesia”)

EC: Quase todo mundo que vem ao Arquivo-Museu tem um estudo na área de ou de teoria da criação, ou da área de filologia, de crítica textual ou crítica genética e algumas pessoas procuram porque querem publicar livros, então procuram aquela carta que trata de um momento específico da criação porque isso também pode ser muito revelador.

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LL: Vou passar pro roteiro de perguntas. A princípio eu queria que você falasse um pouco de você, da sua trajetória, porque pelo que eu vi no seu currículo você teve uma formação toda em literatura e daí depois você teve uma experiência grande como editor da Língua Geral e daí eu queria que você falasse um pouco relacionando essas atividades de arquivista e editor.

EC: É engraçado porque a atividade de editor termina sendo tão importante quanto a de pesquisador. Porque quando você faz um inventário analítico tem mais de uma pessoa trabalhando naquilo. Então quando você lê os resumos, eles apresentam características diferentes. Então eu vejo com muita freqüência em diversas instituições, você pega um inventário e ele não tem uma unidade. Se usa com uma certa arbitrariedade comentário, consideração, análise, não há uma especificação pra cada tipo de conteúdo. Então a primeira coisa que eu fiz quando eu cheguei aqui foi pegar o inventário e cotejar a descrição com cada documento, que foi no arquivo do Carlos Castelo Branco, eu fiz isso um a um e a partir disso fui levantando o que me carecia problemas na criação do inventário analítico, então comecei a sentar com a equipe e a gente passou a fazer oficina de descrição, sobretudo voltada ao resumo (...). A gente tem que interferir o mínimo possível no documento, por isso a gente tentou criar critérios mais precisos: quando você usa comentário, quando usa consideração, então a gente passou a fazer um manual descrevendo todo esse processo. E também procuramos evitar lugares comuns da arquivologia, por exemplo, no resumo de cartas é comum você encontrar a frase “envio de notícias”, mas toda carta é envio de notícias, você não precisa acrescentar isso no resumo. Ao mesmo tempo em que o resumo tem muitas imprecisões, ele tem certas precisões que são muito necessárias, então a gente passou a fazer esse trabalho cotidianamente, que na verdade é um trabalho de edição. (...) E quando o pessoal da Casa me chamou pra trabalhar aqui, eles pensaram justamente nesse meu lado de editor que poderia favorecer o arquivo, eles achavam que eu podia criar alguns modos de trabalho novos.

LL: E não no Setor de Editoração?

EC: É, mas pensar livros pro Arquivo-Museu também. Tem o fato também de que em livro você trabalha com produção e geralmente com produção em larga escala, então pra coordenação de trabalho de arquivo é um pouco parecido, você tem que seguir cronogramas, você tem que estabelecer prazos. Então, assim que eu cheguei a gente fez um cronograma pra terminar tudo o que estava em aberto, foi um

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cronograma de 4 anos e três meses. É um procedimento de editor, porque editor não trabalha sem cronograma, porque marca viagem do autor, tem evento, tem a FLIP, tem Ouro Preto, tem Porto de Galinhas, então se você não trabalhar com um cronograma muito ajustado, você perde essas datas de venda mais intensa, dias das mães, natal...

(Eduardo conta que na verdade começou a trabalhar em um arquivo, na própria FCRB como bolsista de iniciação científica sobre o Manuel Bandeira, auxiliando o trabalho do pesquisador Julio Castanho, cuja especialidade é crítica genética e crítica textual)

Então na verdade eu aprendi a ser editor com o Julio, aqui dentro. E o trabalho que eu fiz com ele foi estabelecer o texto dos dez primeiros livros de poemas de Drummond praquela Archive, que é uma coleção da Unesco, que por fim parou de ser publicada. Então, o meu papel era vir pro arquivo e procurar os poemas de “Alguma Poesia” ou “A Rosa do Povo” ou “Sentimento do Mundo” que foram publicados em periódicos. Então eu pegava jornais de 1920 a 1930 e começava a procurar a primeira publicação em jornal daqueles poemas. Então se fazia um levantamento de todas as vezes que aquele poema tinha sido publicado e depois se fazia um levantamento de todas as alterações que o poema sofreu, isso quem fazia era o Julio, meu papel era de pesquisa bibliográfica, mas eu comecei a pesquisar em arquivo. Aí teve um período que o Julio me chamou pra fazer a pesquisa de um livro de crônicas do Gonzaga Duque, que foi o primeiro crítico de artes plásticas no Brasil que começou a freqüentar ateliê, porque até então os críticos não faziam isso, eles iam até a exposição, viam e ponto final (...) e tinha uma informação de que ele tinha escrito crônicas pro jornal O País durante onze anos. Daí eu fui pra biblioteca pesquisar esse jornal durante onze anos, eu fiquei um ano e pouco fazendo isso porque era um jornal diário e na verdade ele só publicou um texto. Mas era um pouco chato, porque você nunca encontrava o seu objeto de estudo, daí eu ficava lendo o jornal. Era muito freqüente eles intercalarem uma matéria da outra com notícias de suicídios que eram muito ficcionalizadas, você percebia que eram histórias que não podiam ter acontecido de fato numa cidade como o Rio de Janeiro, aí eu comecei a pensar em fazer a dissertação usando essas notícias de jornal, por causa do “Poema tirado de notícia de jornal”, do Bandeira, então termina se cruzando um pouco o trabalho de arquivo com o trabalho editorial e de crítica da literatura, eu tive uma formação meio atípica por ter passado por aqui. Então eu aprendi a ser editor aqui, eu aprendi a editar um livro aqui, depois eu fui professor da UFRJ por dois anos, daí eu fui editor e depois eu voltei pra cá, então se eu contabilizar o tempo que eu passei ou trabalhando ou prestando serviço

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aqui pra Casa Rui tem 12 anos, eu comecei aos 18 e vim até agora. Então pra mim foi fundamental essa experiência na Filologia. Isso de saber qual livro pra reproduzir, qual a reprodução correta, isso de saber fazer cotejamento, que é uma coisa que quase nenhum editor faz e por outro lado esse estudo de arquivo, eu ficava vendo muita emenda, e eu acabei aprendendo a fazer emenda porque eu ficava olhando o que tinha sido escrito e alterado, daí eu falava isso melhorou mesmo ou aqui parecia correto e ele consertou pra isso e aí era gramática... Esse estudo de original me serviu muito pro editor que faz um trabalho interventivo no texto, um trabalho de preparação... E como a Língua Geral publicou muitos autores jovens, esse trabalho de intervenção era fundamental, era tudo autor publicando o primeiro livro, o segundo livro, com uma série de problemas, então havia esse trabalho de edição com muitas sugestões de emenda, sempre tentando destacar o máximo possível o próprio estilo do autor, porque autor jovem tem muito disso, quando você pega obra deles tem certos problemas que são problemas justamente porque eles não destacam aquilo que é mais característico deles. Na verdade ele já tem uma característica, mas ele deixa de aproveitar essa característica com mais intensidade porque ele ainda não se percebeu de todo, porque não teve recepção crítica ainda. Isso faz muita diferença. Porque um autor de cinqüenta anos que já publicou cinco, seis livros, ele já tem experiência de receber crítica quase todo ano, já tem dissertação de mestrado, tese de doutorado sobre ele, o jovem autor só tem o amigo pra fazer comentário, então ele termina mesmo tendo menos consciência do processo de escritura e das características fundamentais da obra dele.

LL: A gente falou um pouco das políticas de aquisição...

EC: É. A gente busca, mas a gente não paga. É política da Casa.

(Cita o exemplo do arquivo do escritor Rodrigo de Souza Leão)

Acho que tem um grande problema o Comodato. Porque a pessoa deixa o arquivo aqui, daí você restaura, você organiza, você higieniza e depois a pessoa quer o arquivo de volta. É mais ou menos como você doar pra União uma lata velha, daí a União substitui todas as peças, recauchuta o carro inteiro e depois você quer de volta. Aí eu acho melhor não aceitar por comodato. Porque ou dá ou não dá, essa coisa de deixar emprestado, isso não existe. A questão é que a obra ganha valor a longo prazo ou perde valor, e se ela perder valor, ele vai ter interesse de deixar aqui, mas se ela ganhar valor ele não vai mais ter interesse, porque as pessoas vendem hoje acervo.

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LL: Como obra até...

EC: Como obra. As pessoas fazem leilão dos manuscritos, cartas, originais, o que antigamente isso não tinha o mínimo valor, então chegava o Arquivo-Museu e perguntava “a gente pode levar pra lá e cuidar disso”, e era muito bom. Depois isso foi ganhando valor comercial, você tem original hoje que se compra por quatro mil reais, ele vai querer mandar pra cá ou vai querer vender? (...)

LL: Sobre essa questão de ganhar valor, tem uma corrente que estuda egodocuments, que são as cartas, os diários íntimos. Eu observei que aqui na Casa de Rui quando vocês fazem edições fac-similares vocês costumam fazer em parceria com editoras comerciais. Você acha que vale a pena?

EC: Acho que é o que mais vale a pena porque as instituições públicas não têm capacidade de distribuição. Então por mais que você perca a manifestação do valor da instituição, porque você tá dividindo valor, o valor que você tem agregado a uma obra publicada só pela Casa Rui e uma obra publicada pela Casa Rui e pela Nova Fronteira, você tá dividindo valor, o valor da importância da obra. Agora não adianta você também ter o valor por inteiro se você não distribui o livro. Eu acho reacionário isso, tem que botar o livro na rua.

LL: Principalmente os que têm interesse comercial...

EC: Tem interesse comercial, sobretudo voltado à academia. Quem quer comprar isso é o cara que estuda na universidade de Fortaleza, de Salvador, de São Paulo, no Rio Grande do Sul, de Porto Alegre... Então não adianta você ter mil exemplares só da Casa Rui dentro de um galpão sem força de distribuição. É melhor você dividir mil pra Casa Rui e mil pra editora e a editora põe o livro na rua. (...) Eu acho que a co-edição é uma beleza pra editora porque na verdade ela já recebe o livro produzido, até diagramado, a Casa quando faz co-edição ela faz todo o trabalho e entrega o livro pronto praticamente. A editora faz mais uma revisão, faz a capa, comercializa, assessoria de imprensa, marketing... agora o trabalho pesado de edição quem faz é a Casa.

LL: O que eu observei é que as publicações feitas a partir de um arquivo se dividem em dois blocos: publicações técnicas (guia de acervo, inventário, banco de dados) e as publicações temáticas que seriam essas de correspondência, pesquisa sobre o acervo, etc. Você concorda com essa divisão?

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EC: É. Bem, são coisas de natureza distintas. Uma publicação na verdade é meio, a outra publicação é fim. De certa forma, uma publicação se dá muito em função da outra, é um desdobramento (...). E tem outra coisa: essa publicação em forma de guia ou de inventário ela não é capaz de reavaliar historicamente a obra de um autor, já a outra é. Ou seja, uma não tem a capacidade, a força ou a natureza de alterar conceitos sobre uma obra, mas já o que vai ser realizado a partir dela, que é essa de conteúdo, tem. Então são efeitos distintos. Eu acho que é válida a separação, não é incorreta não.

LL: Você acredita que é possível criar uma linha editorial afinada com o acervo e com a instituição?

EC: Totalmente.

(Livia cita o exemplo da Fundación Espigas, na Argentina)

EC: Na verdade aqui a gente tem um problema na instituição porque você tem um setor que quase não tem funcionários, tem dificuldades pra estabelecer parcerias. (...) Mas é difícil... a Casa já teve até um número de publicações muito maior, muito mais regular. E edições importantes como aquela da correspondência Manuel Bandeira, João Cabral e Drummond, o próprio trabalho da Raquel Valença que é a chefe do Centro de Pesquisa e do Julio com edição crítico genética dos primeiros três livros do Bandeira, então a Casa tinha um trabalho regular nesse sentido. Mas eu acho que nessa inviabilidade de se fazer pela Casa, aí eu acho que se justifica mais ainda se fazer co-edição. (...) Mas na verdade tem muita coisa o que se fazer ainda. Se você pegar quantos livros dá pra fazer com o acervo da Casa, você faz mais de mil.

LL: Essa é uma pergunta que eu tenho pra você. Sobre o Manuel Bandeira e o arquivo. O que você publicaria?

EC: Olha, as correspondências do Bandeira são deliciosas. A correspondência dele ao Ribeiro Couto, por exemplo, eu acho que é uma das coisas mais valiosas a se publicar do Bandeira. Porque o Bandeira se correspondeu com dois autores muito importantes: o Ribeiro Couto e o Mário de Andrade. Com o Mário de Andrade ele só discutia questões profissionais e com o Ribeiro Couto ele praticamente só discutia o cotidiano. Se você pegar a correspondência que ele fez com o Mário e a que ele fez com o Ribeiro Couto, você faz uma biografia do Bandeira, porque você tem o registro do lado profissional e tem o registro do lado biográfico.

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(Eduardo continua explicando a relevância dessa correspondência e comenta fatos da vida e da obra de Manuel Bandeira)

É interessante porque por meio da correspondência você pode analisar a manipulação do biográfico e a construção do poético. Então, publicar cartas do Bandeira que se revela tanto do seu processo criativo é uma maravilha.

LL: Minhas duas últimas perguntas são sobre o setor de editoração. Eu queria saber se vocês desenvolvem projetos juntos e como funciona, se você apresenta projetos pra eles, como é essa dinâmica?

EC: Não temos projeto juntos, mas os inventários terminam sendo projetos em comum. Porque depois que o inventário fica pronto aqui, a gente manda pro centro de pesquisa, aí a Raquel recebe e manda pra editoração. Então vai ter uma revisão lá de cima (refere-se à localização física dos setores no prédio). E às vezes o professor Cury que é um grande professor de língua portuguesa que trabalha no setor de filologia e adora fazer revisão, então antes mesmo de mandar pra lá, a gente manda às vezes pro professor Cury que comenta. Dúvidas que nós temos, a gente acessa os pesquisadores. O Julio, por exemplo, conhece pra caramba o arquivo do Bandeira, se tem alguma duvida em relação ao Bandeira em outro arquivo, a gente consulta o Julio. (..) Então não é um projeto comum, o que em parte é um problema que a instituição tem.

LL: Pelo o que eu entendi o setor de editoração acaba ficando meio restrito à produção, inclusive das exposições e dos eventos?

EC: É fica restrito à produção. Ele faz a divulgação dos eventos, folder, etc, e ele fica responsável por produzir os livros, as pesquisas dos pesquisadores do centro de pesquisa e também coisas da biblioteca como um guia da biblioteca, um inventário da biblioteca ou então alguma coisa do arquivo, além de publicações que às vezes tem de pessoas de fora, porque a Casa também publica pesquisas de fora quando tem a ver com o acervo da Casa.

LL: Não existe uma autonomia criativa de pensar uma linha editorial? Isso é mais feito aqui e na pesquisa?

EC: É, mas sobretudo na pesquisa. O setor de editoração está submetido ao Centro de Pesquisa.

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(Eduardo sugere uma entrevista a Raquel Valença, chefe do Centro de Pesquisa. Informa que é ela quem faz revisão e provavelmente quem aprova os títulos de pesquisadores de fora, etc)

Na verdade eu acho que as editoras se aproveitam pouco do Arquivo-Museu, porque tem tanta coisa pra publicar... Assim, não é nada de muita força comercial, é coisa na verdade pra estudioso.

LL: Mas acho que hoje com essa questão do livro digital existe a possibilidade de você fazer um marketing mais voltado pra nicho que dá chance de você fazer umas coisas que não se faziam.

EC: É, a natureza do conteúdo...

LL: E editoras universitárias? Não ocorre a parceria?

EC: Às vezes ocorre. Existe um caso ou outro de UFMG que houve procuração, mas não é uma coisa muito freqüente porque aí a burocracia pega pesado, aí você vai ter dois procuradores federais: um da Fundação, outro da universidade. Daí pra você chegar a um consenso... porque antes as parcerias eram muito na boca, ah vamos fazer uma parceria com Casa Rui, fazia na boca, hoje em dia você não pode mais fazer na boca. Então o processo pra você estabelecer uma co-edição entre dois institutos ou duas fundações ou uma fundação e uma universidade é pesado.

LL: E o que você acha dos livros daqui? Você acha que é vantajoso pra instituição em termos de visibilidade, pra extroverter o trabalho que é feito aqui?

EC: Eu acho que poderia ser mais se houvesse distribuição. Eu acho fundamental porque na verdade você está levando ao público a produção científica da instituição. Porque sem o livro as pessoas não sabem o que está sendo feito aqui, vira uma coisa abstrata. Assim, eu não sei o que as pessoas estão fazendo aqui. Se você me perguntar do Centro de Pesquisas quantos trabalhos de pesquisadores eu conheço... eu conheço de uns sete ou oito. Agora se a Casa tivesse uma publicação regular destas pesquisas... se eu não sei, imagina as pessoas de fora.

LL: Isso poderia até motivar alguns eventos, né?

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EC: Antes tinha mais disso, se fazia um evento, fazia publicação, também era mais regular. Era mais fácil também você publicar. Hoje você tem a licitação e é muito complicado. Licitação é uma porcaria porque em gráfica, a lógica é a seguinte: quanto mais caro melhor. Não tem como contornar. Se você quiser fazer o melhor livro do Brasil você tem que procurar a gráfica mais cara. Porque um bom livro é aquele que vai usar um bom acabamento, que é caro, uma boa máquina de impressão, que é cara, e bons profissionais que são mais caros. Então você faz licitação, vai fazer porcaria. Aí o livro vem mal costurado, vem mal cortado, com o vinco torto.

LL: Daí não dá nem pra falar em design, né?

EC: Eu acho a licitação no que diz respeito a setores de editoração em qualquer instituição, eu acho que é um crime porque você tem todo um trabalho de pesquisa de anos, você tem todo um trabalho de revisão, trabalho gráfico e no fim aquilo fica uma porcaria. Fica mal impresso, o papel, por fim não é um papel de boa qualidade, a cola... porque burla também, por mais que você fiscalize o cara burla. Como você sabe se a cola é de má qualidade? Você só sabe um ano depois que o livro ficou pronto e ele começa a descolar. Porque cola você tem vários tipos de cola. Você pode comprar cola baratinha e pode comprar cola cara. Quando é pro governo, compra a baratinha. (...) Essas burocracias foram aumentando demais, não é a toa que reduziu. Reduziu por falta de dinheiro, reduziu por excesso de burocracia, reduziu pela própria dificuldade de distribuição, acho que isso termina arrefecendo um pouco o mercado, a produção, pra que você vai fazer um livro se você não vai distribuir? Por fim vira um produto cult, né?

LL: Volta pra questão do fetiche...

EC: Exatamente, um fetiche. E a Casa já publicou coisas muito interessantes. A obra reunida do Araripe Junior, que do ponto de vista da literatura é fundamental... antigamente as exposições que eram feitas aqui sempre tinham um livretinho que era excelente, que já não se faz mais hoje, a obra de Nestor Victor, que é um poeta simbolista... do ponto de vista da história da literatura essa é uma obra que tava perdida e que só uma instituição pública vai publicar a obra do Nestor Victor, ou é a Academia Brasileira de Letras ou é a Casa Rui, se nenhuma das duas publicar, ninguém vai publicar o Nestor Victor, ninguém vai publicar o Araripe Junior, são coisas fora do mercado, essa coisa sem valor comercial, que você precisa criar esse valor comercial, mas na verdade o que você precisa criar é

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uma revalorização intelectual daquilo, consequentemente você volta a agregar um valor comercial também, mas isso é uma das coisas publicadas pela Casa.

(Eduardo mostra o catálogo de livros publicados e indica alguns títulos interessantes. Comenta também a particularidade da coleção Papéis Avulsos que é uma linha editorial de baixíssimo custo).

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APÊNDICE D

Transcrição da conversa com Raquel Valença, chefe do Centro de Pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 16/06/2010.

Raquel Valença: Eu trabalho aqui desde 1977 no setor de Filologia, como pesquisadora. Em 1995 eu fui convidada pelo presidente Mário Machado, que tava chegando na Casa na época, pra ser coordenadora da área de Difusão Cultural e a editora Casa de Rui Barbosa estava subordinada à área de Difusão Cultural. Então durante quatro anos eu fiquei como diretora aqui da Difusão Cultural e já cuidando da editora. Em 1999 eu vim para este cargo, diretora do Centro de Pesquisa, já tava aposentada como pesquisadora, mas fiquei com o cargo de diretora do Centro de Pesquisa. E o presidente, Mário Machado, resolveu trazer a editora para o Centro de Pesquisa para que continuasse comigo. Então hoje a Edições Casa de Rui Barbosa é subordinada ao Centro de Pesquisa o que não é ideal, o lugar mesmo dela seria na divisão de Difusão Cultural, mas como o Dr. Mário achava que eu já tava cuidando, que tava tudo certo, ele deixou aqui comigo.

As Edições Casa de Rui Barbosa elas surgiram, quer dizer, a Casa publica livros desde 1942, o que por lei, há uma lei federal antiga de 1941 que dá à Casa de Rui Barbosa a atribuição de publicar as obras completas de Rui Barbosa. O Rui escreveu muito, foi muito produtivo como intelectual, como jurista, político, enfim. Ele deixou um arquivo muito completo, o arquivo histórico aqui da Casa era o arquivo de Rui Barbosa, mas as publicações ele não deixou organizadas, ele deixou uma montanha de discursos, uma coleção de pareceres jurídicos, discursos parlamentares, enfim, o que houver naquele ano. Então, eu considero o maior projeto editorial do Brasil porque são 137 tomos já publicados até hoje e estamos publicando quatro esse ano, vai a 141 e são na verdade 170 tomos. Eu não conheço nenhum outro projeto editorial tão grande quanto esse. Então, basicamente a editora Casa de Rui Barbosa tem como objetivo publicar as obras completas de Rui, mas isso não é tão simples porque a preparação das obras completas é demorada, é lenta, é na verdade uma pesquisa, ele é o nosso autor número um, assim como nos temos os escritores, nos temos nosso autor número um que é o Rui. E por que tem que ser muito bem publicado? Porque nós temos elementos aqui pra isso, nos temos os originais no arquivo, então a gente não pode errar, a gente não pode publicar edições que não sejam absolutamente fidedignas. Então, às vezes o que tá no manuscrito nos

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parece estranho, então a gente vai no jornal da época pra ver se era aquilo mesmo, a gente vai usar anais da câmara, os anais do senado... é uma coisa muito trabalhosa e a gente sofreu, como todos os órgãos públicos, um esvaziamento de pessoal. Os pesquisadores antigos que começaram com esse projeto tão se aposentando, aí não houve imediata renovação, só viemos a ter concurso em 2002 aí entraram três pesquisadores no Setor Ruiano pra trabalhar com as obras completas, foi aí que a gente conseguiu acelerar pra preencher uma lacuna porque durante algum tempo ficou muito caído, muito sem pessoal. Afora isso, as Edições Casa de Rui Barbosa publicam coisas referentes ao acervo e pesquisas produzidas aqui. Então nós temos, no tocante ao AMLB, uma série inventário de arquivo que já tá, se não me engano, no número nove, em que a gente publica para os estudiosos da área um inventário dos acervos que tem aqui. O primeiro foi o do Dr. Thiers Martins Moreira que foi o primeiro diretor do Centro de Pesquisa, o criador do Centro de Pesquisa, e ele deixou o arquivo pessoal dele aqui, então foi o primeiro inventário publicado. Depois fizemos Clarice Lispector, fizemos Manuel Bandeira e tal e o primeiro que foi mais trabalhoso, o primeiro dos grandes, foi o do Drummond, que já teve uma segunda edição porque entre a primeira e a segunda edição do inventário houve mais doações, os netos deixaram mais coisas aqui, então a gente fez uma versão atualizada do inventário do arquivo do Drummond. Essas publicações são muito importantes pros pesquisadores porque nós publicamos o inventário de como é dividido o arquivo, cartas pessoais, documentos pessoais, originais... então o pesquisador, digamos, uma pessoa de fora do Rio que está pesquisando a obra do Pedro Nava, de posse desse, como a gente dá um resumo de cada documento, o pesquisador já vem sabendo o que vai interessar a ele. A gente fez uma distribuição muito ampla nas bibliotecas das faculdades de Letras, bibliotecas públicas das principais cidades, porque é um livro de trabalho, não é um livro de leitura, é um livro de trabalho. E assim, dentre outras coisas, a gente publica... nós temos o Prêmio Casa de Rui Barbosa que todo ano é feito o concurso de monografia sobre temas pesquisados aqui, quer dizer, pessoas que utilizaram os acervos da Casa, isso é uma forma da gente estimular a pesquisa dos acervos porque trabalhar aqui é consideravelmente mais simples do que trabalhar em qualquer outra instituição de pesquisa ou de acervo no Brasil. Por exemplo, na Biblioteca Nacional você tem uma série de regras, de limitações, aqui o acesso ao material é bem mais simples. Já foi até mais simples do que é hoje, mas infelizmente houve problemas como em outras instituições de roubo, de danificação do material, então hoje há muito mais regras, mas ainda é muito simples. Pra estimular a produção de trabalhos relacionados aos acervos daqui, a gente faz esse concurso de monografia que aceita indistintamente monografias

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sobre o arquivo histórico, o arquivo do Rui (cita exemplos), sobre o acervo museológico, mas basicamente a maior parte das monografias é sempre sobre literatura porque nós temos quase cem arquivos pessoais, dos mais variados, desde escritores muito conceituados, muito visíveis, muito conhecidos, como Drummond e Pedro Nava e Clarice Lispector, até escritores quase desconhecidos ou novatos, como é o caso do Cacaso, mas que é um arquivo muito importante que a gente se orgulha muito de ter aqui e tem gerado também boas monografias. Então a gente publica também os vencedores do Prêmio Casa de Rui Barbosa porque é uma forma de estimular. De uns anos pra cá, é uma editora muito antiga que vem desde 1941 ela tem atualmente quase 1000 títulos publicados, uma grande parte é esgotada e a gente tem sempre uma demanda de reedições, mas como as nossas dimensões de trabalho são ínfimas, às vezes eu fico envergonhada em contato com as pequenas editoras comerciais, ditas pequenas editoras, como a Casa da Palavra, Dantes, que são nossas parceiras na LIBRE, que é a liga de pequenas editoras, eu fico envergonhada porque eles têm assim seis programadores visuais, dez revisores, nós aqui contratamos revisores, porque trabalhamos como uma equipe reduzida.

Livia Lima: E tudo é feito aqui?

RV: Tudo é feito aqui, menos a impressão, a gente só terceiriza a impressão. E uma coisa que a gente se orgulha muito é a qualidade das publicações, ou seja, a qualidade gráfica, porque o nosso principal programador visual é um artista plástico, o Ângelo Venosa, que é um escultor famoso, um artista plástico internacionalmente conhecido, mas que trabalha aqui desde 1981 como programador visual, então o Ângelo realmente faz coisas de bom gosto de qualidade, então a gente tem esse viés, a Stela (kaz) que também é programadora visual, que atualmente é a chefe da editoração, também é uma pessoa nessa linha. Por outro lado, a gente zela muito pela qualidade do texto, porque seria uma coisa assim no mínimo vergonhosa na Casa de Rui Barbosa a gente deixar as coisas saírem com erro.

(Raquel comenta que ela sempre revisa tudo antes de entregar a diagramação. Comenta que inclusive quando terceiriza ela relê. Comenta a edição de “Meu Caro Rui, Meu Caro Nabuco).

RV: A editora publica pouco, nós publicamos de dez a doze livros por ano, mas para equipe que a gente tem, pros recursos que a gente tem, a gente faz milagre. Por exemplo, nunca fazemos livros luxuosos, temos um ou dois livros de luxo no nosso catálogo, mas são livros resultantes de co-edições, por exemplo nós fizemos com a

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Secretaria de Cultura do Pará um livro muito bonito sobre o Dalcir de Jurandir que é um escritor paraense cujo acervo está aqui (...). Nós entramos com o trabalho e eles entraram com o pagamento da impressão, então é um livro de capa dura, ilustrado, mas mesmo assim quando veio de lá na prova houve coisas que eu achei horríveis, então eu disse isso aqui não está de acordo com o nosso padrão editorial, porque o nosso padrão editorial é um padrão discreto. Esse mesmo Dr. Mário, antes de ser presidente daqui ele tinha sido diretor executivo da Funarte, então ele tinha muito apreço pelas coisas da Funarte, e eu também tenho, a Funarte é uma co-irmã do Ministério da Cultura, mas a Funarte tem outros objetivos, tem outro perfil. E aí o Mario Machado chegou aqui um dia com um livro do Jacob do Bandolim, o livro é todo colorido com umas letras douradas, daí o Mário Machado disse assim “eu queria saber quando é que nós vamos ter um livro desse tipo”, aí eu falei “enquanto eu estiver aqui nós não vamos ter esse tipo de livro”. Aí ele ficou vermelho, ele tinha atacas de raiva às vezes, era muito bom dirigente, mas tinha ataques. “Por que?”, ele falou, “porque eu acho esse livro... ele tem os seus méritos, suas qualidades, mas pra Jacob do Bandolim, não para as coisas que nós fazemos aqui, porque nós temos um padrão, a cara da nossa editora é outra.

LL: Um compromisso inclusive com o custo, né?

RV: Pois é, se nós formos botar letras douradas nós fazemos um livro por ano, letras douradas em relevo tem um preço que a gente não tem, não tá acostumado.

De uns anos pra cá, acho que foi em 1999, numa reunião com os pesquisadores, porque eu já era do Centro de Pesquisa, surgiu da Flora Sursekinsk uma sugestão, ela disse, “sabe Raquel o que eu acho, que as nossas publicações ficam assim muito esparsas, a gente devia ter uma coleção, uma coisa como era antigamente”. Porque muito antigamente aqui na Casa a gente tinha a coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos que era de textos históricos, e depois houve um momento em que ficou tudo muito solto, então a Flora deu essa sugestão e nós criamos a coleção FCRB que tem quatro séries: estudos, porque a maior parte do que a gente publica aqui é trabalho de pesquisa, o pesquisador conclui um trabalho e ele publica pela Casa...

LL: Eu percebi que mais pesquisa do que arquivo propriamente...

RV: Então a gente tem a série estudos e quando são estudos provenientes do prêmio Casa de Rui Barbosa recebe um selinho “Prêmio Casa de Rui Barbosa”, aí temos a série Manuscritos,

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que aí sim é documento de arquivo, o Julio Castanhõn publicou a correspondência do Ribeiro Couto com Roberto Assunção, enfim, são coisas de arquivo, temos a série documentos que também é um pouco ligada a arquivo, mas pode não ser, uma coisa que não era um manuscrito, mas é documento, nós publicamos, por exemplo, os originais de uma rádio-novela “Herança de ódio” que foi resultante de um trabalho de uma pesquisadora que escreveu um ensaio sobre o rádio e de uma outra que editou uma rádio-novela, então saiu em estudos e a outra em documentos, e temos a série Aconteceu que fica sendo a mais trabalhosa porque são anais de seminários. Aí a gente tirou o nome anais porque ninguém lê anais de seminários, porque é uma coisa que ficou muito datada, ficou velha. Então quando a gente faz eventos aqui, a gente procura manter os textos, as pessoas assinam uma autorização e a gente publica na série aconteceu coisas muito interessantes, muito várias. (Cita alguns tipos de evento).

(Dá à pesquisadora uma cópia do Catálogo de Publicações, editado em 2002)

LL: Quando o setor de editoração foi criado?

RV: Pois é, o setor de editoração na verdade ele nunca existiu, a Casa publicava... houve há muitos anos uma tentativa, foi em oitenta e poucos, uma tentativa de estruturar o setor de editoração, eu era pesquisadora na época, mas eu colaborei porque eu sempre fui muito ligada, eu adoro livros, então o diretor da época, o Dr. Homero Serrano, me nomeou representante da Casa na comissão de editoração da ABNT. Então era elaboração de normas, discussão de normas, as editoras privadas fazendo muito lobby contra as normas ABNT e havia um grupo da área pública que defendia os interesses gerais... Então no início da década de 1980 teve uma tentativa de organizar o setor de editoração e o diretor executivo da época, o presidente ainda era o Dr. Marcon, o diretor executivo conversou comigo, perguntou se eu queria chefiar o setor, mas o Dr. Homero não aceitou porque eu era pesquisadora e eu ia fazer falta. Aí em 1995, quando houve essa tentativa, o setor de editoração não era um setor ainda, ele era dentro da Difusão Cultural, que eu era coordenadora, e tudo acontecia ali exposições... e nessa época a Difusão Cultural era muito mais atuante porque ela tinha muito mais recursos, tinha um programa orçamentário, não era grande coisa, mas a gente fazia exposições, cursos, todo tipo de coisa, havia um planejamento: qual é a programação da difusão cultural? (Cita exemplos de eventos) E aí a editoração funcionava aí dentro, e na verdade a editoração serve à Difusão Cultural, todo material gráfico pra eventos sai também da editoração, então eu dizia assim “ninguém aqui

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liga pra livros, é o tempo todo esses eventos!”, já havia esse conflito, quando a gente passou para o Centro de Pesquisa, aí eu reivindiquei ao Mário Machado “a gente precisa ter um setor de editoração”, aí não tinha a função gratificada pro chefe, “vamos pedir em Brasília”, mas não tem, aquelas coisas que o governo Fernando Henrique foi muito contido pra dinheiro mas mesmo assim nós começamos o setor, tinha uma chefe que era da área administrativa que eu chamei e disse assim “você aceita ser chefe da editoração?”, ela não entendia nada de livros, inclusive ela era uma pessoa que até falava errado, mas ela era uma boa administradora e eu precisava aquilo com prazos, com cronogramas e ela foi espetacular e sem BAS, ela não tinha gratificação, mas ela aceitou esse desafio. Quando foi criado o BAS ela ficou com o BAS até se aposentar.

LL: E quando foi criado?

RV: O BAS foi criado em 2003.

LL: Aí se instituiu o setor...

RV: É, aí se instituiu o setor oficialmente. Agora nos fizemos um plano de reestruturação da Casa, porque o Ministério da Cultura estava pedindo, e eu fui a primeira a reconhecer que o lugar da editoração não é no centro de pesquisa, é na Difusão Cultural, mesmo que isso signifique que eu, se ficar aqui, mas vou ficar sem a editoração. Eu acho que quando você organiza uma instituição você não pode pensar em pessoas, você tem que pensar na estrutura, então a Difusão Cultural é que tem que ter a editoração, porque a editoração na verdade tem duas grandes frentes de trabalho que são eventos e livros. A produção dos livros ela fica sempre prejudicada porque o evento é uma coisa pra semana que vem, o programador visual larga o que tá fazendo pra fazer um folder, aí depois volta pro livro, não tem continuidade porque a equipe é pequena, eu acho que isso atrapalha muito. E por outro lado, há uma frente da editoração que não é técnica porque a editoração tem a área de texto, tanto que nessa reestruturação eu criei um setor de editoração ligado a Difusão Cultural, a coordenação de Difusão Cultural tem um setor de editoração e um setor de eventos; no setor de editoração você tem três sub-setores, que a parte de programação visual, de criação, a parte de texto e a terceira que é a editora, que controla o estoque de livros e todo ano tem que ter um inventário porque nós somos um órgão público, eu tinha 200 livros, vendi 100, doei 50, eu tenho que ter 50 no estoque e todo ano eu tenho que provar isso, isso é uma trabalheira, então tudo isso faz parte. Na movimentação da editora a gente atende pedidos de compra pela internet, a gente tem a

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venda presencial agora recentemente e a gente tem doações e isso é a parte que eu mais adoro porque a gente recebe cartas manuscritas em folhas de caderno de pessoas do Brasil inteiro pedindo obras de Rui Barbosa, então a gente manda um kit que é a cronologia da vida e da obra do Rui, aí a gente manda “Orações aos moços”, a gente manda um tomo das obras completas, e tem os colecionadores de obras completas ( Raquel comenta que eles tem uma reserva de livros de Rui Barbosa usados, recebidos por doação, que eles doam a esses colecionadores)

Eu brinco que a editoração consome metade do meu tempo e todos os setores de pesquisa consomem a outra metade, porque os setores de pesquisa são solidamente estruturados com chefes que estão aqui há anos, os pesquisadores são muito bons, eles às vezes dão algum trabalhinho pra mim, alguma função administrativa, a discussão do que vai ser pesquisado, da programação de eventos, de pesquisa, é uma coisa muito leve pra mim, é uma alegria, são pessoas que estão aqui há muitos anos, que não me dão trabalho, agora a editoração é uma trabalheira. Apesar dessa trabalheira, eu fico triste de perder para a Difusão Cultural se eu for ficar aqui, porque é uma coisa muito envolvente, porque tem as co-edições...

LL: É isso que eu ia te perguntar como funciona esse processo de co-edições com editoras universitárias?

RV: Antigamente era muito simples fazer uma co-edição, como essa que a gente fez com a Universidade Federal do Pará, fizemos uma coleção com a Nova Fronteira, de um tempo pra cá os auditores começaram a levantar uma questão como se fazia uma co-edição com a Nova Fronteira dando vantagem a uma editora, então a Nova Fronteira vai co-editar com a Casa de Rui e pega o livro pronto e paga a publicação, por que a Nova Fronteira e não a Record e não a outra? Eu até escrevi um parecer me defendendo da auditoria...

LL: Isso tá no arquivo institucional?

RV: Deve tá, mas eu tenho aqui no meu computador também. É engraçado porque eu digo a eles talvez se a gente editasse Paulo Coelho invés de Rui Barbosa, porque Paulo Coelho vende milhões, mas eu não ofereço, quando uma editora me liga querendo fazer uma co-edição eu fico tão feliz, porque nós não temos livros altamente vendáveis, e a co-edição interessa pra nós por causa da distribuição, porque a nossa distribuição é muito precária, porque a gente vende fazendo co-edição. Nós somos uma editora sem fins lucrativos, nós não vivemos dos lucros que os livros nos dão, a gente não tem prejuízo, mas lucro também a gente não corre atrás. Agora o problema é que quando você faz uma

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co-edição do livro x do pesquisador tal aquele livro esgota porque ele tá na livraria Siciliano, porque ele tá na Saraiva, na Travessa, então as pessoas vêem e compram porque ele tem qualidade, quando a gente não faz co-edição, a pessoa tem que comprar ali com o Antonio Carlos naquela lojinha e é muito complicado, o livro custa a vender e aí o auditor também implica com o fundo editorial “por que vocês tem esses encalhes de livros, não houve planejamento?”, é um questionamento dúbio: questiona porque vende, questiona porque não vende, então é complicado.

A gente faz o convênio com editoras públicas, é muito trabalhoso, mas a gente consegue fazer, já fizemos com a UFMG, estamos fazendo uma com a Universidade Federal de Juiz de Fora (...). Montar o processo é trabalhosíssimo, até o CPF e a identidade do reitor a gente tem que pedir, mas enfim, faz-se isso, mas agora com as editoras particulares é mais complicado porque entra essa questão de dar vantagem à editora. Recentemente começamos a fazer uma co-edição com a Cosac Naify, um trabalho do Julio Castañon que é a edição crítica da poesia de Drummond, um trabalho monumental porque a gente cotejou toda a poesia de Drummond e esse trabalho tava aqui toda a poesia do Drummond mais notas e aparato crítico e a Casa não publicava porque publicar aquilo significaria publicar só aquilo em um ano, então veio a Cosac Naify querendo publicar com a gente e por que nós conseguimos? Porque a Cosac Naify apresentou um documento com os netos do Drummond dando a ela o direito de publicação dessa edição, então nós não tínhamos escolha. Nós temos a edição pronta feita na Casa, nos temos uma editora detentora dos direitos, então faz-se porque não existe nenhuma editora que tem essa autorização, e a gente pode fazer com a Cosac Naify.

(Comenta as futuras co-edições com a editora Dantes)

A editoração ocupa 80% do meu tempo de diretora, mas eu acho que é uma coisa muito boa porque é o que dá visibilidade à Casa. Por exemplo, nós participamos das Bienais do Livro, sempre no estande da ABEU – Associação de Brasileira de Editoras Universitárias que nós somos filiados, e participamos da Primavera dos Livros que acontece em São Paulo e no Rio. Na Primavera, é sempre da editora ter um corpo a corpo com o leitor, não é assim de você colocar lá um empregado lá vendendo, não, o próprio editor ou dono da editora vai, pela Casa sempre quem vai sou eu ou o chefe da editoração. Eu saio da Primavera dos Livros, que é sempre num fim de semana e chego aqui na segunda-feira me sentindo maravilhosa, porque lá você vê o conceito que a Casa de Rui Barbosa, as pessoas interessadas nesses livros que te dão o maior trabalho pra fazer que você se aborrece, chora e se desespera, mas aí você

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vê a pessoa pegando o livro, querendo informação, querendo conhecer os autores, então isso é uma coisa muito boa, que me deixa muito feliz.

Agora, a vinda do Eduardo pro AMLB foi ótima, porque a Eliane, chefe anterior, tinha um perfil de pesquisadora, então ela era ótima chefe, mas não do ponto de vista editorial, daí com a vinda do Eduardo, que é egresso do mercado editorial, ele foi editor de uma editora, a Língua Geral. Então o Eduardo já teve várias ideias de aproveitamento, eu sempre achei que o AMLB tinha que ter um livro, os arquivos importantes tem que ter um livro sobre eles.

LL: Um guia, né?

RV: Um guia. E tem que ser um livro bonito, a gente pode conseguir dinheiro na Fapesp, porque a Fapesp tem uma linha pra editoras, a gente pode conseguir fazer um livro caro, bonito, com imagens... então ele tem ideias e tem gás pra isso, a Eliane, ótima chefe pra outras coisas, mas isso ela não tinha essa motivação. Aí tem outros inventários de arquivo que estão sendo preparados, o último que a gente publicou foi o do Antonio Salles...

(Conta a história da revisão do inventário de Vinicíus de Morais que ela fez por conta própria durante suas férias de verão)

A nossa equipe aqui é mínima. Temos dois programadores visuais, na área de texto só temos um preparador que é o Benjamim. E o trabalho de fazer um livro é artesanal, as tarefas foram muito facilitadas pelo computador, mas não tudo. A gente fica entre a necessidade de cumprir os prazos e a necessidade de ter qualidade.

LL: E a escolha dos títulos, como se dá?

RV: Se dá da seguinte maneira, mais ou menos em outubro os pesquisadores e a área de documentação, eles fazem a programação do ano seguinte. No caso dos pesquisadores tem as pesquisas, os eventos programados e as publicações. Mas eles confundem tudo, porque estão começando a pesquisa e já botam pra publicação, daí eu consolido aquela programação e tem trinta coisas para serem publicadas, mas disso, só oito tem concretude. Então eu olho a programação e levo pra diretoria, a diretoria da Casa funciona também como conselho editorial, não é o meu sonho, meu sonho é que a editora tivesse um conselho editorial, eu luto por isso desde 1995, mas, por exemplo, o Dr. Mário Machado era inteiramente contra isso “o dinheiro é meu e agora vem um sujeito vindo dizer o que eu devo publicar”, no fundo, no fundo é a diretoria que quer manter essa prerrogativa de escolher os

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títulos. Aí tem as prioridades, o ano passado nós fizemos um seminário sobre o centenário da campanha civilista, este ano a gente tem que publicar os anais desse seminário, aí tem um álbum sobre a campanha civilista, isso se impõe como o principal assunto desse ano, só que nós estamos no dia 16 de junho e o livro não me foi entregue ainda. Além disso nós temos quatro obras completas de Rui Barbosa, tem quatro tomos inteiramente prontos, aí notas de rodapé, os pesquisadores me entregaram, aí quando eu fui mandar pras indexadoras de índice de assuntos, eu fui olhar os textos e não me satisfizeram, aí eu passei três semanas ajeitando esses tomos das obras completas... esse ano então fica mais ou menos pré-definido. Aí tem um seminário de uma pesquisadora que tem que publicar esse ano, tem esse aí que é do aniversário do museu, que tá em cima, é dia 13 de agosto, vai ter que ir pra gráfica já, são coisas assim que mais ou menos se impõem.

LL: Então antes de ir pra gráfica é aprovado pelo conselho?

RV: Antes de ir pra gráfica não. O conselho define assim “o que vai ser publicado esse ano?”, aí a gente começa a trabalhar neles. Antes de ir pra gráfica só eu que aprovo. Eu não acho esse sistema ideal, eu gostaria de ter no Centro de Pesquisa um comitê externo pra avaliar as propostas dos pesquisadores, porque eu acho que uma instituição pública tem que ter um vínculo com a sociedade. Não só a editoração, mas por exemplo, quando os pesquisadores apresentam suas pesquisas eu gostaria de consolidar aquilo e dizer “a proposta do Centro de Pesquisa para 2011 é tal assim assim” e ter por exemplo uma Heloísa Buarque de Holanda, pessoas da academia de fora da Casa que dissessem “isso aqui não tem a menor importância”. Porque fica pra mim uma carga muito grande, nós temos, por exemplo, a área de direito, eu não sou especialista em direito, então há coisas que obviamente eu percebo que tem relevância, por exemplo o atual projeto deles eu acho interessantíssimo, que é a elaboração de um dicionário do pensamento jurídico brasileiro, eu acho que é o papel da Casa de Rui Babosa fazer isso, ou então coisas de história constitucional porque Rui Barbosa foi um constitucionalista, foi o autor da primeira constituição no Brasil, mas às vezes vem propostas que não tem nenhuma relevância. Uma vez um pesquisador do setor de história sugeriu uma pesquisa sobre o Zen. Isso não tem nada a ver com as nossas linhas de pesquisa. Aí, eu tenho um ótimo relacionamento com os pesquisadores, sou colega deles, mas aí fica uma coisa pessoal, fica “a Raquel não quer o Zen”. Não é que eu não queira o Zen, é que não tem sentido aqui nesse contexto. Eu ficaria mais tranqüila se a aprovação disso viesse de um conselho, de um board, um representante da sociedade, pessoas que são nossas parceiras e que tem uma clareza do papel da Casa de Rui Barbosa. Porque nós

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somos uma das poucas instituições de pesquisa independente, porque a pesquisa hoje é vinculada à universidade, então uma instituição de pesquisa que não é uma instituição de ensino, ela tem a meu ver um papel de vanguarda. É o que eu digo a eles quando eles reclamam, “vou arrumar uns alunos aqui pra vocês”, porque o que eles estão fazendo, só pesquisar, no Brasil é um privilégio maravilhoso, então não faz sentido perder tempo com coisas que não tenham muita importância e da mesma forma as publicações.

LL: Nesse sentido você concorda que os livros são divididos entre os técnicos que auxiliam o acervo, como inventários, etc, e os temáticos das pesquisas?

RV: Acho que sim. Porque na verdade, a Casa tem duas grandes áreas finalísticas: pesquisa e documentação, então as duas deveriam estar igualmente contempladas nas publicações. E se não é assim, é porque a área de documentação não tem produzido o suficiente, quer dizer, nós temos três livros do arquivo, um Guia do Arquivo, uma [Tabela] de Temporalidade e o Thesaurus que é bem antigo, tem um que é “Repensando a arquivística contemporânea”, que é da série papéis avulsos... mas a área de documentação aqui é conhecidíssima...

LL: Relevância nacional e internacional...

RV: Pois é. Eu gostaria de ter muito mais material da área de documentação pra publicar, porque vende como pão quente, é uma coisa impressionante, sai tudo... mas eles não produzem. Dá pra entender porque, são pessoas voltadas para um trabalho muito pragmático, daí as publicações...

(Conta a história da antiga chefe da restauração que enviou um livro para publicar que já havia sido publicado)

Eu acho que é uma lacuna e a gente acaba publicando preferencialmente a área de pesquisa porque produz mais e principalmente porque produz de uma forma mais acabada, mas amigável pra editoração.

(Conta o exemplo de um curso da restauração de uma cubana Milagros, que até hoje não foi publicado)

Eu fico triste porque, por exemplo, a série de museus-casa que nos fizemos aqui é das mais procuradas, até pessoas no exterior querem, porque é um assunto novo, é um segmento da museologia,

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e a museologia é muito carente de bibliografia, como a arquivística também, então você tem uma demanda impressionante, mas eu não tenho material pra publicar, fico triste.

LL: Só para fechar, Raquel, eu gostaria de te perguntar sobre livro digital. Eu vi no site que vocês tem hipertextos do Machado de Assis que é um projeto novo e como que tá isso dentro do setor?

RV: Isso na verdade é um projeto de uma pesquisadora da Casa que é machadiana, a Marta de Senna, que ela fez um site de citações e alusões de Machado de Assis que foi um projeto dela de pesquisa aqui na Casa, ela conta com a ajuda do Eduardo, que é o técnico de informática aqui do setor, aí depois que ela terminou esse projeto de alusão e citação ela resolveu fazer Machado de Assis com hipertexto. Já tem quatro publicados e ela agora recebeu uma proposta de uma editora, tá na pauta do procurador, e a editora Azougue quer publicar porque considerou que a edição dela é o melhor texto de Machado de Assis disponível no momento, então eles querem publicar os quatro que já tem prontos, em um livro. Então a gente tá engatinhando nessa questão, o portal da Casa ele nos daria muito mais recursos do que o que a gente utiliza. Agora eu acho que o Centro de Pesquisa deveria ter uma pessoa que você cabeça, que tivesse totalmente voltada pra informática, mas que conhecesse também o universo da pesquisa para nos abrir essas possibilidades, porque os pesquisadores são pessoas como eu, ligadas ao papel, então pra gente dar esse salto leva um tempo. Agora a gente conseguiu, a Casa tava atrasada nesse aspecto da tecnologia da informação, agora o Ministério Público nos ofereceu uma acessoria, ele pagou uma consultoria à Casa pra fazer o nosso plano de tecnologia da informação para o ano que vem. Isso ajudou muito e foi criado um comitê, e nos pusemos nesse comitê o Ângelo Venosa que é nosso programador visual, mas que na verdade o Ângelo foi a pessoa que introduziu na Casa de Rui Barbosa o primeiro computador, porque a área de programação visual foi uma das primeiras a absorver a tecnologia. (...) E com isso eu tô esperançada que a gente avance muito nessa área porque as possibilidades são enormes.

LL: Mais dinâmicas e baratas, né?

RV: Mais dinâmicas, mais baratas... é. Por exemplo, há muitos textos hoje em dia que a gente não pensa mais em publicar em livro, por exemplo, a coleção Papéis Avulsos, que são livros pequenos, hoje estão disponíveis na internet, no portal da Casa, e a pessoa baixa gratuitamente, não tem problema. Então a gente tenta contemplar com livro, com o impresso, aquilo que fica, que tem uma permanência, que não é meramente um texto de trabalho. Mas esse caminho tá, pra nós, começando.

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APÊNDICE E

Projeto Gráfico da Coleção Papéis Avulsos

O projeto gráfico da coleção Papéis Avulsos foi inspirado no projeto gráfico da editora francesa Gallimard. Capa em papel cartão bege, com poucos elementos, somente aqueles fundamentais à apresentação do livro – título, autor, editor – escritos em vermelho. Abaixo imagem da capa do livro “Lettres à Madeleine” de Guillaume Apollinaire, lançado pela Gallimard em 2005 e o número 26 da coleção Papéis Avulsos da FCRB, “Cabral. Bandeira. Drummond – Alguma Correspondência” de Flora Süssekind (1996).

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APÊNDICE F

Projeto Gráfico da Coleção FCRB

Projeto gráfico do designer Ângelo Venosa para a Coleção FCRB. Como exemplos, foram usados, respectivamente, os livros “Alusão e Zombaria: citações e referências na ficção de Machado de Assis”, de Marta de Senna, título seis da série Estudos, lançado em 2008; e “Imprensa, história e literatura”, organizado por Isabel Lustosa, título quatro da série Aconteceu, publicado também em 2008.

Capa dos livros. Destaque para a cor do fundo – que varia em cada título – e para o selo, seguido de um número que identifica a série à qual o livro pertence (“e” usado para a série Estudos e “a”, para Aconteceu) e informa qual o número do título dentro da série.

Lombada do livro. Destaque para o ícone do logotipo da Edições Casa de Rui Barbosa, que também foi criado pelo designer Ângelo Venosa.

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Imagem da quarta capa, que contém uma apresentação da Coleção FCRB (em destaque), uma sinopse do livro, os contatos da FCRB, o logotipo do Ministério da Cultura e o código de barras do livro.

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[Anexo ]

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ANEXO A

Organograma da Fundação Casa de Rui Barbosa:

Organograma institucional retirado do Relatório de Atividades da Fundação Casa de Rui Barbosa de 2008, p. 12.