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Livro Experimental Sangue

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Histórias e ilustrações originais baseadas nas obras de Egon Schiele para a matéria de Comunicação e Expressão.

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Prefácio "O sangue é um tecido conjuntivo líquido que circula pelo sistema vascular em ani-mais com sistemas circulatórios fechados; formado por uma porção celular de natu-reza diversificada – pelos elementos fi-gurados do sangue – que circula em suspensão em meio fluido, o plasma. Em animais vertebrados o sangue, tipicamente vermelho, é geralmente produzido na me-dula óssea.." Segundo o site Wikipedia.

Num hotel abandonado em uma área humilde de São Paulo o sangue corre solto. Diversos tipos de sangue, diversos tipos de violência. É um local assombrado, marcado pela maldade e por tudo o que existe de ruim no mundo. O sangue escorre como água de uma ca-choeira. Não há escapatória. Uma vez que se entra no hotel não há como não sair impuro de lá, mesmo possuindo a alma mais imacu-lada da terra. Os anjos tornam-se demônios, os demônios revelam sua verdadeira face. É o berço de deuses como Deimos do terror.

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Annabella, tão frágil, tão bela. Seus olhos rodavam o quarto vazio, as pupilas se movendo rapidamente para evitar fechar as pálpebras e

fazer as lágrimas escorrerem. Se via a tími-da luz do luar entrar de penetra e sorrateira pelas frestas do quarto abandonado, tocan-do o seu corpo nu e ensanguentado como uma carícia. A garota ainda tremia, com dúvida de ser por medo, pelo frio de estar sem roupas ou por causa da violência cau-sada pelo seu agressor. Ele havia saído faz razoáveis minuto, porém era como se sua alma corrida permanecesse naquele peque-no e fétido quarto de hotel abandonado, seu cheiro putrefato fosse causa dos seus pe-cados que remanesciam nos lençóis velhos e a escuridão graças a seus pensamentos obscuros. A garota ainda sentia seu corpo quente e pesado no dela, o fantasma invisível

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de seus movimentos a assombrando e se contorcendo invisível sobre sua pele macia e arrepiando seus pelos. Ela ainda conseguia ouvir suas ameaças, gritos e ofegos sobre seu pescoço, o som ritmado dos lençóis em movimento e o ranger das molas velhas do colchão estourando seus tímpanos e en-louquecendo seu cérebro. O agressor havia deixado o hotel, triunfante de mais uma vitó-ria, porém nunca deixaria sua pobre mente.

Annabella, tão jovem, tão bela. Pensava na sua pobre mãe, o que ela pensaria se sou-besse. Era mãe solteira, abandonou o ma-rido após ele chegar bêbado e fora de si como sempre e ameaça-la com uma garrafa de cerveja quebrada. Se tornaria uma mu-lher como sua mãe? Destinada a ter uma vida conturbada e amaldiçoada por homens violentos e abusivos? Aquilo não seria uma vida amorosa, de fato, nada disso era amor.

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Ou seria? Seria a animalidade carnal mesmo ente dois seres unidos pelo medo, repugno e agressão capaz de ser considerada afeto? Como o louva-a-deus fêmea que assassina o amado após a cópula, isso não seria amor? O que é o amor? Os seus olhos esbugalha-dos percorriam o chão imundo como se a madeira corroída fosse capaz de responder seus questionamentos. O vento uivava como um lobo pronto para a caça sobre as janelas velhas e pregadas, chamando a alcateia após sentir o cheiro da presa. O ranger do quar-to velho era como os gemidos de medo da pequena criatura ao visualizar o predador. O monstro estava lá fora, sussurrando e suspi-rando do outro lado da parede, convidando-se para entrar, enquanto a garota indefesa e frágil permanecia estática sobre a cama. Sangue. Ela fitou o seu próprio sangue so-bre a cama. Ela sentia como se estivesse nadando sobre um mar vermelho infindo,

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flutuando em um navio precário de madei-ra enquanto observava as pequenas ondas provocadas pelo movimento se quebrarem cada vez que ela avançava sobre suas águas tranquilas. O sentimento de culpa queimava sua alma, corroía seus ossos e desintegrava sua sanidade aos poucos. Se seu agressor sentiu algum tipo de atração por ela, seria sua culpa? Tentava limpar o sangue secando dos lençóis, apertando os olhos para tentar enxergar melhor em meio das lágrimas que lutavam para sair. Algumas fugitivas conse-guiram escapar da prisão branca e castanha que era seus olhos, escorrendo pela pele macia das suas bochechas. Lembrou-se de como foi ingênua a confiar em um estranho. Ele parecia ser alguém completamente nor-mal, simpático, bondoso, com vontade de ajuda-la. Ofereceu uma carona para o metrô mais próximo ao vê-la sozinha no ponto de ônibus. Anabella não aceitaria normalmente,

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o dia estava ficando escuro e ela precisa-va voltar para casa após uma tarde na casa da avó no canto mais humilde de São Paulo. O perigo maior aconteceu quando ela pro-curou evitar o perigo. Não entendia como pôde acreditar nele, naqueles olhos casta-nhos brilhantes. Analisando a cena com um caráter mais analítico ela pôde perceber suas segundas intenções. Talvez o brilho nos olhos fosse por causa do desejo, o sorriso não de bondade e sim de malícia. A garota contorceu-se na cama, gritando alto graças a sua burrice. Como pôde? Como pôde? Tão burra, tão burra... Os irmãos Deimos e Fobos sorriam ao vê-la naquela situação, espalhando seu terror, pânico e melancolia sobre a mente angustiada da pobre jovem.

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Annabella, tão jovem, tão bela. Sentia frio, desejava desesperadamente levantar-se para vestir suas roupas e ir embora daquele local assombrado de péssimas lembranças. Porém seu corpo não se mexia, seus mús-culos amedrontados, enrijecidos e trêmulos recusavam-se a obedecê-la traumatizados pelo recente abuso. Como viveria depois dis-so? Nunca mais confiaria em nenhum outro homem, são todos iguais. Todos os huma-nos eram seres repugnantes. Ela era jovem demais para a carnalidade, para os desejos pelos prazeres do corpo. Fitou com os olhos fixos o próprio sangue secando na cama e chorou. Gritava, esperneava, sem se importar em ser ouvida. Não fazia ideia de onde es-

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tava ou de como voltaria para casa. Talvez nem quisesse voltar para casa depois disso, se entregaria para os braços de Hades e dei-taria no colo de Thanatos. Seu rosto inchava, as lágrimas borrando o resto de maquia-gem que havia remanescido em seu rosto. Levantou-se com dificuldade, arrastando-se pela sujeira do chão, as lágrimas escorrendo lentamente pelo peito nu dolorido e criando pequenos mares de tristeza sobre a madeira. Cada centímetro do seu corpo doía e ela implorava a morte. Vestiu sua saia e camisa que jaziam jogadas perto da porta quebra-da. Sentia-se culpada por ter escolhido essa peça de roupas justo hoje. Sentia-se suja e corroída por ter realmente sentido prazer por alguns segundos, mesmo que mistura-do com pânico, loucura e ódio. Não conhe-cia o homem, não gostava nem um pouco dele, mas sentiu prazer. Tentou esconder com um esforço extremo seus momentos de desejo, o que transformou o ato muito mais horrível, claustrofóbico, angustiante e terrível do que ele já parece. Sentia-se can-sada, exausta, mal tinha energia para manter a respiração em um ritmo constante. Sen-tia-se azarada. Era o castigo dos deuses, o ataque final de Deimos, sua lança afiada remexendo seus ventres e cutucando sua lucidez até o sangue escorrer pelos olhos.

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C arla sorria levemente ao observar a janela do pequeno quarto de hotel abandonado. O céu estava clareando em um lindo e misterioso amanhecer,

as nuvens cor de rosa azuis e laranja pare-ciam ter sido pintadas por Apolo apaixonado com aquarela sobre um papel branco e infini-to, enfumaçando e contrastando belamente entre si como se o grande senhor dos céus sorrisse pra ela e lhe entregrava esta obra de arte como agradecimento. Ela sorria. Pássa-ros voavam e pousavam em silêncio sobre fios elétricos que flutuavam negros e imper-ceptíveis sobre as calçadas. Tudo lá fora es-tava em paz e ela podia ouvir uma orquestra retumbando e soando levemente em seus ouvidos. Ela fechou os olhos negros para tentar ouví-la melhor em meio ao silencio barulhento da cidade grande ao anoitecer. A adaga afiada era uma ocupação para as mãos sujas de sangue, e ela batia as unhas compridas, recém pintadas de turquesa, em um barulho ritmado sobre a empunhadura, sujando a madeira com o vermelho de seus

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dedos. Carla sorria, os olhos ainda fechados. Virou-se graciosamente como uma bailarina em uma apresentação de ballet, no ritmo da orquestra em sua cabeça, deixando a janela e voltando-se para o quarto. Este era seu mo-mento favorito. O cadáver jazia morto sobre a cama, completamente nu e encoberto de sangue, porém sua morte era recente o que não o fazia soltar o cheiro horível de carne putrefada que ela odiava. Não. Carla gostava deles ainda frescos, quase ruborizados, como se o sangue ainda pulsasse em seus rostos e dormissem em um sono profundo e calmo.

O homem tinha um nome desconhecido. Ela nao sabia se tinha família, mulher, filhos, emprego, nem nada. Os dois se conhece-ram no dia anterior, em uma boate no centro de São Paulo enquanto ele bebia sua quarta dose de vodka da noite. Sorrateira e oportu-nista como uma pantera ela se aproximou com seu charme, enroscando os dedos sobre os cabelos negros e ondulados, mor-dendos os lábios rubros e fazendo a risada mais sedutora possível. No final da noite a mulher puxou o homem pelo colarinho da camisa e sussurrou em seu ouvido, a voz mais macia que veludo, ameaças sutis. O homem sorriu maliciosamente. Havia levado

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na brincadeira. Carla riu da pobre ingenuida-de dele enquanto ajeitava suas meias 3/4 e pedia mais uma dose de conhaque. Ele a achava elegante, sensual e misteriosa. Exa-tamente como ela esperava. Um copo de vodka depois e ele já estava em suas mãos, vestindo sua coleira numerada pronto para o abate. Carla sorriu. Indicou um bom hotel num canto da cidade para passarem noite. O homem estava excitado, aceitou sem he-sitar, dividindo um taxi e chegando lá. Aquele não era seu primeiro homem e não seria o último, se dependesse dos desejos de Carla.

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Ela amava tudo aquilo, amava brincar com a comida, usá-los como seus brinquedos antes do fim, era seu hobby, sua diversão. Tama-nha era a líbido do homem que não notou que o hotel estava abandonado, caindo aos pedaços e cheirando a perigo. Ela se des-piu e o jogou na cama, vestindo nada além da sua meia 3/4. Tirou as suas roupas e lhe deu um único beijo no pescoço sussurrando “quais sãos as suas últimas palavras, que-rido?“. Confuso, ele deu um olhar de sur-presa e soltou um resmungo, sem ver que ela tirava uma adaga das meias e perfurava sem coração. O olhar de surpresa ia desa-parecendo enquanto sumia o brilho de seus olhos. Carla retirou a adaga ensanguentada e deixou os pingos cairem nos lençóis velhos, sentindo-se uma artista moderna pintando um quadro em branco. Ela saiu rodopiando, suja de sangue, e pôs-se a admirar a janela.

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Minutos depois ela estava novamente sobre o corpo, sorrindo para o homem imóvel e sem expressão sobre a cama, desenhando cora-ções sobre o peito nu com sangue. Ouviu gritos de choro do que parecia ser uma jo-vem em prantos. Ela saiu correndo, assustada, temendo ser vista na cena do crime. Refletiu um pouco e analisou a situação externamen-te. A menina não devia ser uma ameaça. O hotel era abandonado, talvez estivesse na mesma situação que o homem a alguns mi-nutos atrás. Aquele hotel era local das maio-res escórias possíveis da cidade, assassinos, usuários, estupradores e ladrões. Carla se sentia em casa. Limpou o gume nas calças do homem e cheirou sua camisa. Tinha um cheiro terrível de álcool e cigarro, típico de suas presas. Aconchegou-se ao seu amante estático, olhando com malícia para seus olhos fixos no teto. Adormeceu assim por algumas poucas horas, quando o sol já estava a pino, os raios brilhando pela janela. Ela levantou-se, guardou a adaga de volta na meia 3/4, vestiu o resto da roupa e saiu do quarto, deixan-do o cadáver estirado sobre a cama, assim como outros iguais nos quartos ao lado.

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Christine Chieregato

Simas

Design 3A

Escola superior de propaganda e marketing

22/05/2014

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