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decisao Livro Hitler Rj
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PODER JUDICIRIO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
JUZO DE DIREITO DA 33 VARA CRIMINAL DA CAPITAL
Medida cautelar: 0030603-92.2016.8.19.0001 Alberto Salomo Junior Juiz de Direito 1
D E C I S O
Cuida-se de ao cautelar em que o Ministrio Pblico do Estado
do Rio de Janeiro, pleiteia a concesso de tutela com o fito de impedir a
comercializao do livro intitulado Minha Luta de autoria de Adolf Hitler.
Procedimento iniciado a partir de notcia crime formulada pelos
Advogados Ary Bergher, Raphael Mattos e Joo Bernardo Kappen perante
o Exmo. Procurador-Geral de Justia do Estado do Rio de Janeiro, s fls.
02/16, instruda com os documentos de fls. 18/33.
Despacho proferido Procurador-Geral de Justia s fls. 34/36,
oportunidade em que foi determinada a remessa dos autos 1 Promotoria
de Justia da 1 Central de Inquritos, para a formao de opinio delicti
pelo Promotor Natural.
O rgo ministerial com atribuio formulou requerimentos para
busca e apreenso dos exemplares do referido livro, com fundamento no
artigo 20 3, inciso I, da Lei n 7.716/89, a fim de evitar que sejam
praticados delitos de racismo, como se extrai de fls. 37/41.
Brevemente relatado, decido:
A questo trazida a este juzo possui grande relevncia jurdica e
social a demandar pronta interveno do Poder Judicirio, portanto,
presentes as condies para o exerccio da ao cautelar em tela. Alm
disso, por se tratar de matria afeta ao cometimento (em tese) de delito
previsto no artigo 20 3, inciso I, da Lei n 7.716/89, a competncia para
conhecer da causa do juzo criminal.
De fato, a notcia crime veiculada s fls. 02/16 exige ao
imediata da atividade estatal, sob pena de importar em omisso do poder
pblico sobre relevante tema de interesse difuso.
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A Repblica Federativa do Brasil, Estado Democrtico de
Direito, em sua Constituio, preceitua no artigo 1, inciso III, que um de
seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Adiante, no artigo 4,
incisos II e VIII a mesma clara ao positivar como objetivos fundamentais
a prevalncia dos direitos humanos e o repdio ao racismo e ao terrorismo.
O legislador infraconstitucional, desse modo, sensvel ao
comando emanado pelo legislador constituinte originrio, em defesa dos
direitos e garantias fundamentais explcitos e implcitos na Constituio da
Repblica, editou a Lei n 7.716/89, com a finalidade de evitar a ocorrncia
e punir penalmente eventuais violaes a direitos decorrentes da prtica de
discriminaes, em suas diversas vertentes, como se v do artigo 1 da
referida lei, com a redao dada pela Lei n 9.459/97.
No caso presente, verifico que a questo trazida ao conhecimento
deste juzo comporta imediata providncia do Poder Judicirio, com o fito
de tutelar a ordem pblica evitando a prtica de crime definido no artigo 20
3, inciso I, da Lei n 7.716/89.
A publicao que deu ensejo presente ao cautelar, tem o
condo de violar a lei penal, pois fomenta a prtica nefasta da intolerncia a
parcela determinvel de pessoas humanas. Neste particular, no se pode
olvidar, o que fato notrio e, portanto, independe de produo de prova
especfica sobre a existncia do fato, que o lder nazista, autor da obra
intitulada Minha Luta, pregava e incitava a prtica do dio contra judeus, negros, homossexuais, ciganos etc.
Diante do evidente conflito existente entre os fundamentos e
objetivos da Repblica Federativa do Brasil, especificamente, a defesa da
pessoa humana, evidenciado est que qualquer manifestao de
pensamento apto a ensejar o fomento a qualquer forma de discriminao
pessoa humana, contraria os mais basilares valores humanos e jurdicos
tutelados pela Repblica Federativa do Brasil.
Registre-se que a questo relevante a ser conhecida por este juzo
a proteo dos direitos humanos de pessoas que possam vir a ser vtimas
do nazismo, bem como a memria daqueles que j foram vitimados.
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Da, no h que se falar em conflito de direitos fundamentais, ou
seja, o direito informao sem o crivo da censura versus a dignidade da
pessoa humana. Isto porque, trata-se da proteo a bens diversos em
diferentes nveis de tutela jurdica e social. Assim, estes no se confundem.
Ademais, atualmente a hermenutica do ps-positivismo
soluciona a questo, pela harmonizao entre os direitos fundamentais
aparentemente em conflito. Aqui, no caso concreto, tenho que inexiste
conflito real a ser solucionado, pois, a publicao da obra comumente
chamada bblia do nazismo no est a tutelar o direito informao. Pelo contrrio, a obra em questo tem o condo de fomentar a lamentvel prtica
que a histria demonstrou ser responsvel pela morte de milhes de pessoas
inocentes, sobretudo, nos episdios ligados II Guerra Mundial e seus
horrores oriundos do nazismo preconizado por Adolf Hitler. Portanto,
contrria defesa dos direitos humanos.
Ainda que no se entenda assim, dvida inexiste que se houver
um confronto entre os interesses jurdicos em comento, vai prevalecer a
tutela dos direitos humanos, seja se utilizando da tcnica de soluo de
conflitos consistente na preponderncia de interesses, seja pela tcnica da
harmonizao entre os interesses em conflito. Esta afirmativa decorre da
prevalncia dos direitos humanos sobre qualquer outro v de encontro a
este.
importante destacar que o Supremo Tribunal Federal j se
pronunciou sobre o tema, oportunidades em que se posicionou pela tutela
das garantias das pessoas humanas em detrimento de atos discriminatrios
e incentivadores de dio e violncia.
Apenas a ttulo de ilustrao, consulte-se a ementa abaixo
transcrita, oportunidade em que a Corte Constitucional positivou seu
entendimento acerca do tema, quando negou ordem de habeas corpus a
paciente condenado por publicar obra literria contrria tutela penal
conferida pela Lei n 7.716/89. Assim vejamos:
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HC 82424 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Relator(a) p/ Acrdo: Min. MAURCIO CORRA Julgamento: 17/09/2003 rgo Julgador: Tribunal Pleno
Publicao
DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524
Parte(s)
PACTE. : SIEGFRIED ELLWANGER
IMPTES. : WERNER CANTALCIO JOO BECKER
COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA
Ementa HABEAS-CORPUS. PUBLICAO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITVEL. CONCEITUAO. ABRANGNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idias preconceituosas e discriminatrias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redao dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito s clusulas de inafianabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5, XLII). 2. Aplicao do princpio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus no so uma raa, segue-se que contra eles no pode haver discriminao capaz de ensejar a exceo constitucional de imprescritibilidade. Inconsistncia da premissa. 3. Raa humana. Subdiviso. Inexistncia. Com a definio e o mapeamento do genoma humano, cientificamente no existem distines entre os homens, seja pela segmentao da pele, formato dos olhos, altura, plos ou por quaisquer outras caractersticas fsicas, visto que todos se qualificam como espcie humana. No h diferenas biolgicas entre os seres humanos. Na essncia so todos iguais. 4. Raa e racismo. A diviso dos seres humanos em raas resulta de um processo de contedo meramente poltico-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminao e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do ncleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raas distintas. Os primeiros seriam raa inferior, nefasta e infecta, caractersticas suficientes para justificar a segregao e o extermnio: inconciabilidade com os padres ticos e morais definidos na Carta Poltica do Brasil e do mundo contemporneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrtico. Estigmas que por si s evidenciam crime de racismo. Concepo atentatria dos princpios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacfica convivncia no meio social. Condutas e evocaes aticas e imorais que implicam repulsiva ao estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do Pas. 6. Adeso do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminaes raciais, a compreendidas as distines entre os homens por restries ou preferncias oriundas de raa, cor, credo, descendncia ou origem nacional ou tnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que so exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituio Federal de 1988 imps aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a clusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repdio e a abjeo da sociedade nacional sua prtica. 8. Racismo. Abrangncia. Compatibilizao dos conceitos etimolgicos, etnolgicos, sociolgicos, antropolgicos ou biolgicos, de modo a construir a definio jurdico-constitucional do termo. Interpretao teleolgica e sistmica da Constituio Federal, conjugando fatores e circunstncias histricas, polticas e sociais que regeram sua formao e aplicao, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislaes de pases organizados sob a gide do estado moderno de direito democrtico igualmente adotam em seu ordenamento legal punies para delitos que estimulem e propaguem segregao racial. Manifestaes da Suprema Corte Norte-Americana, da Cmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelao da Califrnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanes queles que transgridem as regras de boa convivncia social com grupos humanos que simbolizem a prtica de racismo. 10. A edio e publicao de obras escritas veiculando idias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade concepo racial definida
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pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos histricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificao do povo judeu, equivalem incitao ao discrmen com acentuado contedo racista, reforadas pelas conseqncias histricas dos atos em que se baseiam. 11. Explcita conduta do agente responsvel pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus no s so uma raa, mas, mais do que isso, um segmento racial atvica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminao que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilcito de prtica de racismo, com as conseqncias gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expresso. Garantia constitucional que no se tem como absoluta. Limites morais e jurdicos. O direito livre expresso no pode abrigar, em sua abrangncia, manifestaes de contedo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades pblicas no so incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmnica, observados os limites definidos na prpria Constituio Federal (CF, artigo 5, 2, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expresso no consagra o "direito incitao ao racismo", dado que um direito individual no pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilcitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalncia dos princpios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurdica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurdico que se escoa sem encontrar termo, e a memria, apelo do passado disposio dos vivos, triunfo da lembrana sobre o esquecimento". No estado de direito democrtico devem ser intransigentemente respeitados os princpios que garantem a prevalncia dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memria dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o dio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominvel. 16. A ausncia de prescrio nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as geraes de hoje e de amanh, para que se impea a reinstaurao de velhos e ultrapassados conceitos que a conscincia jurdica e histrica no mais admitem. Ordem denegada.
No caso em tela, tenho que razo assiste ao Parquet ao postular o
deferimento da tutela inibitria. Como de conhecimento comum, a tutela
mais efetiva no aquela que repara ou compensa a ocorrncia de um
dano. A tutela que melhor se coaduna com a expresso da palavra a que
evita a ocorrncia do dano. Alm disso, em se tratando de dano ao
ordenamento jurdico, na espcie infrao penal, a preveno ao dano
consiste em verdadeira medida cautelar assecuratria da manuteno da
ordem pblica.
Destaco que a venda de livros que veiculam ideias e ideais
nazistas ferem gravemente a ordem pblica, pois afronta a norma penal
insculpida no artigo 20 2, da Lei n 77168/89.
Dessa forma, esto demonstrados o fumus boni iuris e o
periculum in mora. O primeiro na prpria demonstrao da existncia da
obra que apregoa o nazismo; o segundo, considerando a urgncia em evitar
a disseminao do livro com ideias contrrias aos direitos humanos, que
fundamento e objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil.
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E, por fim, a tutela da ordem pblica evidencia a
imprescindibilidade do deferimento da medida cautelar postulada.
Pelo fio do exposto, DEFIRO a medida cautelar pleiteada para
determinar a proibio de exposio, venda, ou divulgao a qualquer
ttulo, da obra intitulada Minha Luta, de Adolf Hitler, nos exatos termos dos itens a, b e c de fls. 40.
Expeam-se, imediatamente, com fulcro no artigo 20, 3,
inciso I, da Lei n 7.716/89, mandados de busca e apreenso e carta
precatria com a mesma finalidade, para conferir efetividade presente
deciso.
Fixo multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por
exemplar divulgado ou vendido, em descumprimento a esta deciso.
Advirta-se que a cominao monetria cominada sem prejuzo de
eventual priso em flagrante por crime definido na Lei n 7.716/89.
Nomeio depositrios dos livros apreendidos, os respectivos
diretores das Livrarias em o ocorrerem as diligncias de busca e apreenso.
Cumpra-se, com urgncia, mediante Oficial de Justia de planto,
dada a relevncia da causa, devendo um dos exemplares apreendidos ser
apresentado ao Juzo para que seja apensado aos autos.
Fixo o prazo de cinco dias para que as pessoas jurdicas acima
referidas, e/ou seus representantes legais, apresentem resposta, caso
queiram. Intimem-se. Aps, d-se vista ao MP.
Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2016.
ALBERTO SALOMO JUNIOR
JUIZ DE DIREITO