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de Gênero
MESA DIRETORA
Dep. CARLOS EDUARDO VIEIRA DA CUNHA (PDT)Presidente
Dep. JOÃO FISCHER (PP)1º Vice-Presidente
Dep. MANOEL MARIA (PTB)2º Vice-Presidente
Dep. LUIS FERNANDO SCHMIDT (PT)1º Secretário
Dep. MÁRCIO BIOLCHI (PMDB)2º Secretário
Dep. SANCHOTENE FELICE (PSDB)3º Secretário
Dep. CÉZAR BUSATTO (PPS)4º Secretário
DEPUTADOS INTEGRANTES
FLORIZA DOS SANTOS - PDT (Relatora)
JUSSARA CONY - PC DO B
PAULO BRUM - PSDB
GERSON BURMANN - PDT
MARIA HELENA SARTORI - PMDB
LEILA FETTER - PP
FABIANO PEREIRA - PT
S u b c o m i s s ã o M i s t a d e
Assuntos de Gênero
SUMÁRIO
Introdução ...............................................................................03
Capítulo 1- Seminários e Audiências Públicas realizadas
1.1 Seminário de Produtoras Rurais (10/09/2003) ....................................................................... ....06
1.2 Audiência Pública - Situação das Delegacias de MulheresRS(05/11/2003).........................................................09
1.3 Audiência Pública – Mulher er e Segurança (27/11/2003)............................................................................44
1.4 Seminário Mulher Contemporânea (11/03/2004) ..............72
1.5 Audiência Pública – Tráfico de Mulheres (13/05/2004) ...110
1.6 Audiência Pública – Mortalidade Materna (31/05/2004....134
Capítulo 2 – Visita
2.1 Penitenciária Feminina Madre Pelletier............................158
Conclusões...........................................................................164
Ficha Técnica ................................................................... ..168
Agradecimentos ..................................................................169
Anexos .................................................................................170
22
INTRODUÇÃO
PEÇA TEATRAL MARCOU SOLENIDADE DE POSSE
A peça teatral Mulher, do Grupo Luz e Cena, recebeu intenso
aplauso do público presente à posse da Subcomissão Mista de Assuntos
de Gênero da Assembléia Legislativa, ocorrida no dia 27 de agosto de
2003, no Solar dos Câmara. Escolhida relatora, a deputada Floriza dos
Santos (PDT) foi empossada pelo colega deputado Raul Pont (PT) que
destacou a importância das subcomissões junto ao trabalho parlamentar.
Em seu discurso, o deputado Raul Pont ressaltou, ainda, que em
função da alta demanda, as comissões permanentes da Casa não
conseguem corresponder a temas específicos e pontuais, como é o caso
da luta das mulheres. A Subcomissão está subordinada às Comissões de
Cidadania e Direitos Humanos, Serviços Públicos e Saúde e Meio
Ambiente.
Já a relatora Floriza concentrou seu discurso de posse na
apresentação de números e argumentos que comprovam a necessidade
de um espaço para debater questões de gênero:
DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA
33Deputada Floriza dos Santos
“Ao longo da sua história, a Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul tem impulsionado o progresso humano e econômico
deste Estado. Exemplos não faltam, e a história gaúcha está
sustentada pelo trabalho deste parlamento.
Porém, as necessidades do mundo moderno exigem desta
Casa mais um ato de vanguarda. Vivemos em um mundo cujas
diferenças de gênero são marcantes.As oportunidades, o
reconhecimento, as ações, enfim, indicam uma clara tendência de
sociedade masculinizada. Precisamos corrigir alguns preceitos. Afinal,
as mulheres representam mais da metade da população e precisam
oferecer ao mundo a sua contribuição.
Nós queremos e seremos protagonistas da nossa história.
Afinal, a humanidade precisa da visão feminina para a construção de
um mundo mais justo e solidário. Por isso, propus, e esta Casa acolheu,
a idéia de criação da Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero.O
desafio começa agora. A problemática enfrentada precisa de um
levantamento minucioso. As soluções precisam ser buscadas e
levadas à prática com a máxima rapidez.
Pois os números mostram a relevância do trabalho que esta
Subcomissão terá pela frente. O Rio Grande do Sul continua sendo um
Estado com elevado número de mortes por câncer de mama e câncer
de útero. No campo da violência, somente no ano passado, foram
registradas mais de 50 mil ameaças contra mulheres gaúchas. O
número de estupros passou de 900. Também foram registrados 187
assassinatos e mais de 33 mil lesões corporais contra mulheres no Rio
Grande do Sul.
É muita violência. E sabemos que a realidade é ainda pior, já
que muitas mulheres não procuram os órgãos competentes para fazer
a denúncia. Infelizmente, hoje, no Rio Grande do Sul, temos apenas
cinco delegacias especializadas no combate à violência doméstica.
É papel fundamental dessa Subcomissão lutar
44
pela ampliação do número de delegacias, assim como é papel
fundamental discutir outros temas. Mas a violência contra a mulher não
é um fenômeno apenas gaúcho ou brasileiro, apenas 44 países no
mundo possuem leis para proteger as mulheres.
Em países Islâmicos, por exemplo, mulher não pode participar
da política. A cada ano, cerca de dois milhões de mulheres são
vendidas, raptadas ou enganadas, aumentando o número de
prostitutas e vítimas de trabalho forçado.
Isso tudo precisa ser debatido. As mulheres precisam dizer o
que pensam e agir no sentido de pavimentar suas idéias. E não vamos
fazer isso por vaidade pessoal ou para fomentar uma disputa entre
sexos, mas vamos discutir isso porque o mundo necessita de todas
nós.
55
CAPÍTULO 1
SEMINÁRIOS E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REALIZADAS
1.1 SEMINÁRIO DE PRODUTORAS RURAIS - 10/09/2003
SEMINÁRIO DE PRODUTORAS RURAIS ABRIU TRABALHOS
DA SUBCOMISSÃO DE GÊNERO
Um dia inteiro de debate, palestras e apresentações cênicas,
num evento realizado fora da Assembléia Legislativa e totalmente
voltado às produtoras rurais. Esse foi o pontapé inicial da Subcomissão
Mista de Assuntos de Gênero que, com apoio da Prefeitura Municipal de
Novo Hamburgo e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater) realizou um seminário no bairro rural de Lomba Grande, em
Novo Hamburgo.
Foram 230 inscrições de produtoras da região. Sob
coordenação da relatora e Deputada Estadual Floriza dos Santos
(PDT), entidades como a Federação dos Trabalhadores em Agricultura
(Fetag) e Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul)
debateram temas de interesse das produtoras rurais. O Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) também teve a oportunidade
de mostrar sua linha de atuação e discutir formas de incentivar e
melhorar a vida no campo.
A mesa dos trabalhos foi composta pelo prefeito de Novo
Hamburgo, José Aírton dos Santos (PDT); secretário municipal de
Agricultura de NH, Hélio Bernardes; Eduardo Condorelli, do Senar;
Marli Büller, da Emater; Maria Helena Linhares, vice-presidente da
Comissão Permanente das Produtoras Rurais da Farsul; Helga Ranau,
tesoureira do Sindicato Rural de Novo Hamburgo e pela própria
deputada Floriza.
66
PALESTRAS
A supervisora da Fetag, Lisiane Cunha, lembrou dos direitos
existentes às produtoras rurais, como aposentadoria aos 55 anos,
auxílio-maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão e do atendimento
gratuito na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
O superintendente-geral do Senar, Gilmar Tiethböhl, fez uma
explanação divertida para mostrar a importância da solidariedade e da
organização nas comunidades rurais. Seu colega de Senar, Eduardo
Condorelli, listou uma série de trabalhos que podem gerar renda extra
para as famílias, como o reaproveitamento de alimentos e sucatas. Já a
extensionista de bem-estar social da Emater, Leonice Kreutz,
organizou um memorável desfile, denominado Papéis da Mulher na
Propriedade, no qual as próprias produtoras puderam mostrar seu
cotidiano rural, com muita alegria e informação.
A vice-presidente da Comissão de Produtoras
Rurais da Farsul, Maria Helena Linhares, falou sobre o trabalho da
entidade e sua preocupação com a saúde da mulher no campo. Ao final
do encontro, as participantes avaliaram e relacionaram uma série de
tópicos como resultado do seminário:
77
- O grupo de produtoras rurais da cidade de Dois Irmãos
manifestou- se sobre o evento, dizendo que as colocações foram
muito elucidativas;
- A preocupação de representantes da comunidade rural de
Dois Irmãos é que só estão permanecendo no campo as pessoas mais
velhas, os jovens estão abandonando a colônia; as famílias possuem a
terra, mas não tem pessoal para trabalhar;
- Acreditam que se deve buscar alternativas para os jovens
permanecerem na agricultura, na produção primária;
- Sugeriram a retomada do ensino das técnicas agrícolas nas
escolas, nos ensinos fundamental, médio e técnico;- Foi colocado, por produtoras do interior de Nova Petrópolis, a
preocupação por pessoas estarem abandonando a colônia;
- Foi solicitado esclarecimentos sobre o pagamento de IPTU em
áreas produtivas, pois onde o técnico da prefeitura local analisar que se
trata de área produtiva em uso, esta é isenta de IPTU;
- Solicitaram mais informações por parte do Sindicato dos
Produtores Rurais, Emater, Secretaria de Agricultura, sobre cursos
gratuitos do Senar e outros;- Querem acesso ao conhecimento e créditos financeiros;
- Querem valorização da comercialização dos produtos
coloniais - Feira do Produtor;
- Sugeriram discussão em pequenos grupos, por comunidades,
para procurar dirimir dúvidas, obter informações sobre cursos, créditos,
etc.
88
1.2 AUDIÊNCIA PÚBLICA - SITUAÇÃO DAS DELEGACIAS DE
MULHERES NO RS - 05/11/2003
ESTRUTURA DAS DELEGACIAS DA MULHER AINDA É PRECÁRIA
Em funcionamento há mais de 11 anos no Rio Grande do Sul, as
Delegacias da Mulher ainda encontram obstáculos para o trabalho que
realizam. Números insuficientes de policiais femininas, poucas viaturas
e falta de coletes à prova de bala e armas são algumas das deficiências
encontradas nestes órgãos. Essa foi a realidade exposta na audiência
pública que reuniu, pela primeira vez, todas as cinco delegadas titulares
no Estado.
O levantamento foi apresentado à Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero no dia 05 de novembro de 2003. Estiveram
presentes as policiais titulares das delegacias da mulher de Porto
Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Santa Maria e Pelotas, além das
delegadas dos postos de atendimento de Novo Hamburgo, Lajeado,
Viamão e Sapucaia do Sul. O encontro também contou com a presença
de Eugênio Gonçalves Dias (Instituto Médico Legal do RS), Miguelina
Vecchio (Conselho Estadual da Mulher) e Maria Berenice Dias
(desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado). A audiência
ocorreu na Assembléia Legislativa e foi coordenada pela relatora
deputada Floriza dos Santos (PDT).
99
DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA
“Esta é a primeira audiência pública da Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero. Com certeza tiraremos deste encontro grandes
sabedorias de mulheres e homens competentes que darão uma
direção à proposta desta Subcomissão.
Também agradeço à Chefia de Polícia do Rio Grande do Sul,
através do Sr. Delegado Antônio Leote; Diretor do Departamento de
Polícia Metropolitana, Sr. Delegado Paulo César Jardim; Diretor do
Departamento de Polícia do Interior, Sr. Delegado Pedro Carlos
Rodrigues, por terem prontamente aceito o nosso pedido para que as
delegadas pudessem estar aqui, hoje. Também agradecemos à Sra.
Beloni Turcatto, da Coordenadoria Estadual da Mulher.”
SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZA DELEGADA EM PORTO ALEGRE
“Parabenizo a Deputada pela iniciativa. Há quase três anos
trabalhando na Delegacia da Mulher, é a primeira vez que participamos
de uma reunião com todas as Delegadas de Polícia do Estado para que
possam colocar suas dificuldades, problemas, estruturas e, também,
apresentar os índices de criminalidade.
Em primeiro lugar, dentro da estrutura das Delegacias de
Polícia do Estado, a Delegacia da Mulher é considerada especializada,
ou seja, se diferencia dos demais Distritos Policiais e Delegacias de
Polícia do interior.
Observamos que deveria haver uma seleção de funcionários
para atuarem nesse órgão especializado. O atendimento deve ser
diferenciado, pois requer não somente a técnica policial mas também o
apoio e a compreensão diante das situações que se apresentam –
geralmente problemas familiares.
Deveria ser atribuído maior poder legal às autoridades policiais
1010
das Delegacias da Mulher para que pudessem representar junto ao
Poder Judiciário, pelo afastamento do cônjuge do lar, em caso de
violência doméstica, conforme faculta o art. 69, parágrafo único, da Lei
n° 9.099.Isto se explica pelo fato de que a Lei veio banalizar a violência contra a
mulher, já que o procedimento policial realizado origina uma audiência
preliminar em juízo, onde será dada às vítimas a faculdade de
transacionarem com seus agressores, porém, elas vão à Delegacia
porque necessitam de medidas urgentes e mais enérgicas. Não podem
esperar que seja realizada uma audiência no Poder Judiciário e até lá
ficarem convivendo com seus agressores.
Há ausência de profissionais da área de psicologia e
assistência social para atendimento na Delegacia da Mulher. Em Porto
Alegre esse problema é maior, eis que não dispomos sequer de
estagiários destas áreas para fazerem o atendimento. Há carência de
material de expediente nas Delegacias, a despeito de todo o esforço
despendido pelas chefias, que procuram dar o máximo para qualificar o
atendimento. Deveriam ser realizados cursos com plantonistas das
Delegacias para reciclagem no atendimento à mulher vítima de
violência, uma vez que seria de vital importância que fossem orientados
sobre a melhor forma de atendimento, bem como novas legislações nos
principais delitos em que a mulher é vítima. Um exemplo das
deficiências das Delegacias de Polícia é o fato de Caxias do Sul e Porto
Alegre não possuírem fac-símile.
Agora enfocarei mais amiúde a estrutura e composição da
Delegacia da Mulher de Porto Alegre. Esta conta com uma equipe de 26
funcionárias policiais e duas administrativas distribuídas da seguinte
forma: plantão da DM de Porto Alegre, quatro equipes, com três
funcionárias em plantão de 24 horas; cartório, sete funcionárias
policiais; serviço de investigação, quatro funcionárias policiais;
secretaria, duas funcionárias policiais; gabinete, uma Delegada de
Polícia; recepção, duas funcionárias administrativas para
1111
encaminhamento aos órgãos.
A DM de Porto Alegre contava com três viaturas; uma baixou e a
outra foi solicitada pela Divisão. Agora contamos com uma viatura em
bom estado de conservação. Dispomos de cinco pistolas - calibre 40,
bem como coletes à prova de bala.
A estrutura física do prédio da Delegacia da Mulher de Porto
Alegre é pequena para as necessidades atuais. Acumulam-se várias
escrivãs em cartório para ouvir cada pessoa em particular. O mesmo se
dá no plantão, onde temos quatro funcionários atendendo e ouvindo as
pessoas que chegam.
Está sendo elaborado um projeto para a mudança de prédio da
Delegacia da Mulher e já houve aquiescência das chefias superiores.
Chegamos a um acordo de mencionar somente os dados estatísticos
de agosto e setembro, e as colegas que tiverem os últimos dados,
podem fornecê-los. Mas, como os mapas de Porto Alegre só fecham
nos dias 5 e 6 do mês em curso, temos as estatísticas do mês de
agosto: as lesões corporais já contam com 1.690 casos; as ameaças,
1.394. Os demais delitos são de menor monta como a calúnia, a injúria
e a difamação, 288 – isso não contando os meses de setembro e
outubro, em que o estupro conta com 62 ocorrências.
A Deputada solicitou que as delegadas se manifestassem,
então me manifesto tendo como base Porto Alegre, Caxias do Sul e
Pelotas, onde tivemos uma reunião sobre o que está sendo feito em
termos de prevenção e repressão à violência de gênero. As Delegacias
de Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas, participam de eventos, feiras
e palestras sobre violência de gênero visando a uma maior
conscientização das mulheres mostrando-lhes como podem se
defender de agressões de todas as espécies por parte de seu cônjuge,
companheiro ou de quem quer que seja.
A Delegacia da Mulher de Caxias do Sul desenvolve palestras
semanais com crianças que apresentam desestrutura familiar com o
1212
apoio de psicólogas da Universidade de Caxias do Sul e sua titular.Há, também, uma grande solicitação de mandados de busca e
apreensão de armas, o que previne situações de extrema violência.”
REJANE SANTOS TELLES DELEGADA EM CANOAS
Na Delegacia da Mulher da cidade de Canoas, são atendidos,
especificamente, delitos contra a mulher, lesões corporais quanto à
liberdade pessoal e quanto aos costumes.
Para tentar diminuir tais conflitos, além de ouvir a vítima,
contamos com a assessoria de uma psicóloga, pois o diálogo ajuda a
resolver tais problemas e a reduzir o número de incidentes.
Com a Delegacia especializada, foram viabilizadas uma grande
quantidade de denúncias de mulheres vítimas de maus tratos, que não
tinham coragem de levar o fato ao conhecimento da polícia.
A infra-estrutura para a Delegacia da Mulher de Canoas, em
termos de recursos humanos, é composta por cinco escrivães, seis
inspetores, dois investigadores e um auxiliar administrativo, que nos
presta serviço na secretaria. Temos três viaturas; dois rádios HT, cinco
coletes à prova de balas, três microcomputadores – um OCR – e rádio-
computador fixo.
Na estrutura física, temos plantão, cartório, serviço de
investigação e de psicologia. Os dados estatísticos registrados até o
momento são: ameaça, 958 ocorrências; lesão corporal, 410; atentado
violento ao pudor, 20; estupro, 29; perturbação da tranqüilidade, 55;
perfazendo um total de 3.232 ocorrências.
Encaminhamos as vítimas ao Navive – Núcleo de Atendimento
às Vítimas de Violência, após o registro de ocorrências e atendimento
psicológicos, que há na cidade – que visa prestar um atendimento
especializado às vítimas e ao seus familiares por meio de orientação
1313
jurídica e assessoria psicológica e social – localizado no Fórum da
cidade. O posto de saúde mental presta atendimento psicológico,
psiquiátrico e neurológico.
O Centro Multiprofissional da Universidade Luterana do Brasil –
Ulbra – presta atendimento à criança, ao adolescente e ao adultos.
Dispõe de uma equipe especializada no atendimento à comunidade.
Este centro fica situado na Ulbra da cidade de Canoas.
DÉBORA APARECIDA DIAS DELEGADA EM SANTA MARIA
“A população de Santa Maria está em torno de 250 mil
habitantes. O posto policial para a mulher foi criada no ano de 1989. Os
trabalhos deste posto policial iniciaram com quatro funcionárias e um
delegado de polícia que respondia pelo expediente. Quando iniciou o
trabalho do posto no ano de 1989, havia quatro funcionários e um
delegado que não era titular, mas respondia pelo expediente. Isto é,
este delegado não ficava todos os dias para atender às vítimas na
Delegacia da Mulher.
Esta Delegacia de Santa Maria foi criada no mês de novembro
de 2001. A Delegacia Policial da Mulher surgiu para atender a uma
necessidade da comunidade feminina e não privilegiá-la, devido ao alto
índice de casos de violência contra a mulher. Somente para esclarecer.
Às vezes, as pessoas, ao comentar a criação da Delegacia Policial da
Mulher, ficam falando que é um privilégio para as mulheres. Realmente,
não é. Somente se cria uma delegacia especializada como a Delegacia
da Mulher, ou mesmo outra como a Delegacia de Homicídios, quando o
índice desse determinado crime é muito alto. No caso, criou-se a
Delegacia da Mulher em Santa Maria, porque havia a necessidade de
combater aos delitos que estavam ocorrendo.
Esta Delegacia atende todos os casos de vítimas do sexo
feminino em crimes contra a integridade física, que é a lesão corporal e
outros delitos, liberdade pessoal, um exemplo é o cárcere privado.
1414
Contra os costumes, que são os crimes de ordem sexual – estupro,
atentado violento ao pudor. Contra a honra, que são os mais leves –
calúnia, injúria e difamação. E ainda as vítimas em todos os casos das
contravenções penais, que são os serviços mais leves – entrando a
competência da Delegacia da Mulher.
O trabalho da Delegacia de Polícia para a Mulher de Santa
Maria abrange todo o município e mais oito distritos, sendo que o
Distrito de Dilermando Aguiar fica a uma distância de 50 quilômetros da
Sede. Exemplificando - trabalho realizado na delegacia no ano de
2002: Nós efetuamos 31 prisões, que é um índice bem alto, até porque
em se tratando de delitos contra a mulher, onde geralmente se prende
uma pessoa de cada vez, não se investiga crimes de quadrilha ou de
mais de um autor, portanto é considerado um índice significativo.
Recebemos a Comenda Renato Russo, da Câmara Municipal
de Vereadores, no final de 2001, pela efetiva luta na defesa dos direitos
humanos e cidadania, homenagem esta prestada à delegacia. A
delegacia foi criada oficialmente em novembro de 2001, mas eu já tinha
assumido antes e as ocorrências começaram a chegar desde julho de
2001, verifica-se que houve um salto muito grande no número de
ocorrências, tendo em vista que antes era um posto e depois veio a ser
uma delegacia.
Em 2001 tivemos, mais ou menos, 2.200 ocorrências; em 2002,
passou para quase 4.000, até outubro de 2003 foram recebidas 3.800
ocorrências. O efetivo é composto pelos policiais que trabalham na
delegacia, em 2001 eram seis; em 2002, nove policiais e hoje temos 11
policiais.
Percebe-se que aumentou o quadro de efetivos, mesmo assim
não chega a atender à demanda de ocorrências, que quase triplicou.
Temos onze policiais, três homens, que são investigadores de polícia,
um escrivão e o resto são policiais femininas, eu, como delegada, uma
funcionária administrativa e uma estagiária.
1515
Neste ano, em agosto, remetemos ao Poder Judiciário 174
procedimentos; em setembro, 240 procedimentos para o Fórum e em
outubro foram 225. A média de procedimentos remetidos para o Fórum
está em torno de 220, já mandamos até quase 300, mas foi uma
exceção. É importante frisar que nos meses de junho, julho e agosto as
ocorrências diminuem devido ao clima frio, ao passo que com a
chegada do verão a tendência é aumentar as ocorrências, as
delegadas sabem que o clima quente estimula o consumo de bebidas
alcoólicas que, por sua vez, leva a atos de violência, aumentando assim
o índice.
Quanto às condições de trabalhos da delegacia em Santa
Maria, o prédio é alugado, é um prédio bom, mas muito pequeno, o
delegado regional está estudando uma alternativa para aumentar o
espaço físico do prédio, porque há vários cartórios que ocupam o
mesmo prédio, tornando o nosso espaço pequeno.
Temos três viaturas, sendo que duas são de uso exclusivo da
delegacia, uma é de uso de outra delegacia, temos sete computadores,
porém funcionam apenas quatro, isso é comum acontecer.
Em relação ao trabalho de apoio, a delegacia conta com
profissionais da área da psicologia que faz um trabalho voluntário e
gratuito com a feitura de pareceres, principalmente nos inquéritos
policiais que apuram crimes contra os costumes, crimes de ordem
sexual. Não há nenhum apoio do Estado, não existem profissionais
pagos pelo Estado, temos psicólogos voluntários e muitas vezes
conseguimos assistência judiciária gratuita para as pessoas que
procuram a delegacia.
Realizamos o trabalho de polícia judiciária, como qualquer outra
delegacia, cuja investigação do crime é feita após o fato ocorrido,
gostaria de frisar que também fazemos um trabalho preventivo através
de palestras e debates junto às escolas, centros comunitários,
1616
universidades, principalmente com a Universidade Federal.
Especificamente, sempre estamos fazendo palestras nos
cursos de enfermagem e na psicologia, porque é o pessoal da
enfermagem que atenderá diretamente os casos de violência, visando
atuar na esfera da prevenção, da conscientização e da sensibilização
desses profissionais para que possam denunciar os casos de violência.
Acho que em delegacias da mulher o nível de estresse é maior
em virtude da natureza dos crimes analisados, por exemplo, eu atendo
o distrito policial comum lá em Santa Maria e digo que é mais fácil fazer
um inquérito de roubo do que de estupro, onde o nível de estresse é
bem maior, porque mesmo não querendo, você acaba se envolvendo,
principalmente quando envolvem crianças, nesse caso é pior.
Portanto, crimes que causam grande impacto emocional, como
no caso de estupros, levam a um nível muito elevado de estresse, as
policiais não têm apoio psicológico, o que eu acho que seria muito
importante que houvesse, pois as policiais são profissionais, são seres
humanos, estão trabalhando e tratando de crimes cuja violência é a
tônica. Isso mexe com o ser humano e ainda não receber nenhum tipo
de apoio, somente a cobrança do trabalho a ser realizado, acho que é
importante considerar o aspecto emocional do policial.
O trabalho da Delegacia da Mulher é visto com um certo
preconceito da parte da classe policial, envolvendo tanto a questão de
gênero quanto um certo desdém no que tange à violência
doméstica.Isso é normal, confesso que quando eu fui nomeada para
assumir a Delegacia da Mulher fiquei desanimada, porque eu
trabalhava no primeiro distrito e pensei: todos tratam essa delegacia
com desdém, não adianta.
Mas depois que você se envolve com o serviço e começa a
trabalhar consegue ver a importância que tem essa delegacia, pois
engloba todo o tipo de crime, tendo em vista que é dentro de casa que
começa a violência e então vai para a rua, é disso que as pessoas não
1717
têm consciência e por isso o desdém.
Quando um roubo é investigado ou um assassinato, com
certeza, ao investigar a vida daquele criminoso percebe-se que houve
uma história de violência doméstica, claro que há exceções, mas a
grande maioria é assim.Não existe plantão na delegacia da mulher, o
expediente obedece o horário normal de funcionamento, o plantão é
feito pelo Centro de Operações, que atende a todas as ocorrências de
um modo geral, não há um plantão específico.
Não temos um rádio HT, essa é uma reivindicação que eu estou
fazendo desde que iniciei os trabalhos na delegacia, é muito importante
esse rádio, é um instrumento de comunicação, o pessoal vai às vilas
para fazer intimação, um fica aguardando na viatura e o outro entra na
vila, se acontece alguma coisa não tem como se comunicar. Hoje temos
um celular funcional usado para investigação, por isso seria muito
importante um rádio.
Temos três coletes à prova de balas, quando existem mais de
três investigações temos que sortear para ver quem vai usá-lo. Houve
uma diminuição no número de ocorrências na área da violência contra a
criança e o adolescente em virtude da criação, em 2002, da DPCA –
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
Algumas das ocorrências de violência doméstica que envolviam
crianças eram atendidas na delegacia, agora, têm como destino a
DPCA, aliviando o volume de ocorrências da nossa delegacia, uma vez
que a previsão era de receber até sete mil ocorrências, o que não
aconteceu graças a criação da DPCA.
Quero deixar uma mensagem final: Nós trabalhamos para a
comunidade e pela comunidade, independentemente de raça, cor,
posição social ou partido político, sempre aprimorando o nosso
trabalho.
1818
RAQUEL MACHADO PEIXOTO DELEGADA EM CAXIAS DO SUL
“Parabenizo a Deputada Floriza dos Santos pela iniciativa deste
encontro. É um privilégio estar aqui com as minhas colegas de DM e
principalmente com a Desembargadora Maria Berenice Dias com quem
tive o privilégio de trabalhar em 1996 quando me formei. Acredito que
nunca tenha lhe dito, Desembargadora, mas depois de trabalhar ao seu
lado, despertou o meu interesse para a área da violência contra a
mulher. Por isso, obrigada, Dra. Maria Berenice.
Para iniciar lerei uma mensagem da Marília Gabriela que
considero muito bonita: Mais do que o corpo a violência machuca a
alma, destrói os sonhos e acaba com a dignidade da mulher.A
Delegacia da Mulher de Caxias do Sul foi fundada em 1988, por
intermédio da Portaria nº 21, da Secretaria da Justiça e Segurança. Os
crimes atendidos na Delegacia da Mulher são os de lesão corporal,
contra a liberdade pessoal e contra os costumes em que a vítima seja
do sexo feminino.
A Delegacia da Mulher de Caxias do Sul é um pouco diferente
das outras DMs do Estado porque, a partir de abril de 2002, passou a
integrar a Central de Termos Circunstanciados – TC –, ou seja, todos
aqueles crimes de menor potencial ofensivo com pena de até dois anos
também começaram a ser atendidos na Delegacia da Mulher, inclusive,
porte de entorpecentes e de arma. Com isso, o volume de ocorrências
na delegacia tornou-se imenso. Temos uma média de 850 ocorrências
por mês, sendo que em alguns meses chegam a ser 900 ocorrências.
O prédio da Central de Polícia localiza-se bem no Centro de
Caxias do Sul e a Delegacia da Mulher ocupa todo o primeiro
pavimento. Em termos de estrutura física somos privilegiados. Temos
treze salas compostas de seis cartórios, secretaria, gabinete, sala de
investigação, depósito, atendimento jurídico, atendimento psicológico,
1919
sala de registro, sala de espera e auditório com capacidade para 100
pessoas, além de cozinha e banheiro.
Com relação a viaturas é um pouco mais complicado, pois
contamos apenas com uma. Isso nos traz dificuldades porque quando
sai uma viatura para intimação não temos outro meio de deslocamento.
O principal problema da DM de Caxias é a área de recursos humanos.
Para os senhores terem idéia, temos apenas nove servidores e dois
estagiários. Na verdade, todos os funcionários estão sobrecarregados,
precisaríamos de, pelo menos, mais três funcionários: dois para o
cartório e um para a investigação.
Há um trabalho desenvolvido paralelamente na Delegacia da
Mulher que é o atendimento jurídico. Os nossos advogados atendem
todos os dias na Delegacia da Mulher. De segunda à sexta-feira, pelo
menos em um turno, temos advogados voluntários que fornecem
orientação jurídica para as nossas mulheres.
Fizemos uma espécie de parceria com a Defensoria Pública de
Caxias do Sul, assim, as mulheres vão até a Delegacia de Polícia
conversar com eles. Nós fizemos uma ficha em que constam todos os
documentos necessários para entrar com a ação, o advogado orienta e
preenche para a vítima quais os documentos que precisa providenciar
para levar na Defensoria Pública. A vítima leva o documento com o
carimbo de orientação jurídica gratuita na Defensoria Pública, lá recebe
prioridade de atendimento. Isso foi um grande avanço para nós com a
Defensoria Pública de Caxias do Sul.
Temos uma psicóloga e uma estagiária. Foi feito um convênio
em junho com a UCS que estagiárias do último ano de psicologia
passem a atender na Delegacia da Mulher. O público alvo do
atendimento são mulheres e adolescentes do sexo feminino a partir de
12 anos de idade. Vítimas que sofreram qualquer tipo de violência seja
física, sexual ou psicológica. Programas e atividades envolvidas pela
psicóloga e pela estagiária nas dependências da Delegacia da Mulher:
2020
orientação e aconselhamento individual para as vítimas, trabalho
familiar, nesse trabalho familiar, na verdade, a DM e o DPCA trabalham
sempre em conjunto.
E o familiar envolve a vítima e normalmente a violência
doméstica também acaba englobando toda a família, principalmente os
filhos. Terapia de casal, muitas das nossas vítimas chegam até a
Delegacia e pedem para as psicólogas chamarem o marido agressor
para conversar. Terapia em grupo, isso de dois meses para cá. Na
verdade, a idéia de abrir os trabalhos em grupo surgiu com a novela
Mulheres Apaixonadas da TV Globo. Foram formados grupos de 15
mulheres para falar de experiências.
Atividades preventivas nas escolas, essa atividade também é
feita em conjunto com a Delegacia da Mulher e o DPCA de Caxias do
Sul, com as duas estagiárias. Resolvemos que precisávamos prevenir,
e conversando com a Delegada Sueli, analisando estatísticas de
ocorrências, constatamos duas escolas de Caxias do Sul como as mais
problemáticas e iniciamos por ali. As nossas estagiárias estão indo lá
uma ou duas vezes por semana fazer um trabalho de base com as
crianças.
Os professores, em contato diário com os alunos, conseguem
detectar as crianças que têm mais problemas de violência doméstica
em casa, que é um trabalho muito interessante de Caxias do Sul. O
objetivo principal é a prevenção da violência. Temos o atendimento
psicológico, mas para fins de inquérito policial temos duas entidades de
Caxias do Sul que nos fornecem oficialmente os laudos psicológicos.
Em Caxias do Sul, os juízes já exigem o laudo psicológico. As
entidades são a Apoiar, que pertence à Prefeitura Municipal, e o Cais
Mental. Há vários locais de atendimento em Caxias do Sul para
mulheres vítimas de violência. Selecionei dois que considero uma
parceria fundamental para a Delegacia da Mulher: a Casa Viva Raquel,
é uma casa de abrigo para as mulheres vítimas de violência, são
2121
encaminhadas para Casa Viva Raquel só com o registro de ocorrência;
e o Hospital Geral, que está fazendo um trabalho fantástico em Caxias
do Sul com a coordenação da Dra. Sônia Madi.
No Hospital Geral, atendem-se as vítimas de violência sexual. É
um trabalho realizado com os médicos, assistentes sociais e
psicólogos. A mulher é atendida de forma prioritária, 24 horas por dia,
dão todo o acompanhamento, coquetel para prevenir doenças
sexualmente transmitidas e o HIV.
Passarei esta parte sobre estatísticas policiais, incidência de
violência por idade da vítima um pouco mais rápido, o índice maior é na
faixa etária de 13 a 18 anos, 41,8%, pegamos acima de 12 anos. Por
exemplo, em janeiro de 2003, foram um total 758 ocorrências, incluindo
a Central de Termos Circunstanciados, sendo que só a Central TC teve
322 ocorrências.
Basicamente, os crimes de maior incidência é de ameaça lesão
corporal. Em fevereiro e março, notamos um aumento no índice de
ocorrência. Acreditamos que seja pelo verão, bebem mais e a violência
aumenta, foram 868 ocorrências, março, 950 ocorrências. Sempre gira
em torno de 850. Setembro tivemos 877 ocorrências ao todo e a Central
teve 428 ocorrências, 179 ameaças, 108 lesão corporal, e os demais
crimes 137 ocorrências. Três mulheres foram vítimas de estupro e
adolescentes do sexo feminino também foram três também.
Fiz um mapa para mostrar a vocês dos delitos, basicamente, o
maior em Caxias do Sul é a ameaça. Temos uma média de 300
ocorrências de ameaças por mês.
2222
Em Caxias do Sul, hoje, podemos detectar dois problemas que
são complicados para nós. Um que está sendo o registro de ocorrência.
Faz mais ou menos um ano que a DM está sem registro de ocorrência.
Por quê? É um problema grave em Caxias. Os registros de
ocorrência todos estão sendo feitos no centro de operações. Desde a
vinda da Central de Termos Circunstanciados, a Central toda veio para
a DM, mas não vieram funcionários.
O volume de ocorrências triplicaram, mas não vieram
funcionários. Num primeiro momento – assumi a DM em maio deste
ano –, mas os delegados que me antecederam tentaram fazer um
rodízio com os funcionários para registrar as ocorrências. Só que não
foi possível. Acabou sobrecarregando os funcionários, e não
conseguimos mais enviar os procedimentos ao Fórum. Não tem como
registrar ocorrência e fazer todo o volume de atendimento.
Combinamos, agora, com o Delegado Regional, em janeiro,
voltaremos ao registro de ocorrência. Há uma nova turma da academia
que se formará em dezembro e uma funcionária será designada só para
TOTAL DE OCORRENCIASJANEIRO À SETEMBRO/2003
0
100
200
300
400
500
600
JANEIR
O
FEVEREIRO
ABRIL
MA
IO
JUNHO
JULHO
AGOSTO
SETEMBRO
ESTUPRO
AVP
LC
AMEAÇA
MAUS TRATOS
OUTROS
DESAPARECIMENTO
CTC
2323
o registro de ocorrências. A falta de pessoal na investigação é um
problema em Caxias do Sul. Coloco uma frase final: A Delegacia para a
Mulher deveria funcionar com o intuito de busca de soluções do
problema da violência doméstica, não como um fim.
No Brasil o aporte de entrada para a solução do problema da
violência é buscado nas Delegacias de Polícia, sendo que nos países
desenvolvidos o aporte de entrada é a assistência social. Conversando
com minhas colegas, acredito que a Delegacia para a Mulher por mais
que se faça, e acredito que todas nós da DM temos feito o máximo por
ela, mas frustra muito, frustra as expectativas.
Por quê? Porque a mulher vem à Delegacia como o primeiro
aporte de entrada. Ela acredita que ali encontrará a solução para todos
os problemas. Infelizmente não acontece, porque estamos atrelados à
legislação. Vocês sabem que a legislação, em termos de violência
doméstica, é muito branda. Manda pagar uma cesta básica, prestação
de serviços comunitários e a mulher acaba saindo sempre frustrada da
Delegacia.
Acredito, sinceramente, que a Delegacia não deveria ser o
aporte de entrada. Deveria ser, sim, a assistência social. Deveriam
fazer políticas nos municípios de atendimento a toda família,
englobando o agressor também.”
CARLA KUHN WERNETTIDELEGADA EM PELOTAS
“O posto policial foi criado em Pelotas, em 1989,
com uma estrutura precária e poucos funcionários e o delegado apenas
substituía. Em função do esforço e da luta da sociedade organizada,
principalmente, das mulheres organizadas, e eu sempre digo que é
uma cidade que está de parabéns em função dos organismos e
instituições que existem, foi criada a delegacia pelo Decreto nº 39.494,
em 1999.
2424
A delegacia localiza-se no centro da cidade, atende todo o
Município de Pelotas, que conta em torno de 325 mil habitantes. Tem de
se fazer uma ressalva, porque os distritos são geralmente divididos na
cidade por bairros e a Delegacia da Mulher, por ser especializada,
atende todo o município, com uma extensão territorial de 1.921,80 km².
engloba não só a parte urbana, mas também rural.
Fiz uma observação para o assédio sexual e o aborto, que não
constam no decreto de criação da delegacia, que não há uma
uniformidade, mas a princípio, pelo que andei conversando com as
colegas, as demais delegacias estão atendendo, também, delitos de
aborto. Nos recursos humanos temos 12 policiais, um total de 18
servidores. No setor de psicologia contamos com uma psicologia
cedida pela Prefeitura, que conta com apoio de psicólogos voluntários.
Para a orientação jurídica, recentemente fizemos um convênio com a
universidade federal. Contamos com a assessoria jurídica via alunos.
A estrutura física está num prédio locado, não temos prédio
próprio, também não temos recepcionista. É de extrema importância
para que a mulher tenha um atendimento, já no momento em que ela
ingressa na delegacia. Hoje não tenho, quem atende é a secretaria,
geralmente é uma policial que faz esse atendimento, mas aí se torna
um atendimento precário, porque ela é secretária e não recepcionista.
No setor de registro temos um problema, porque é um homem
que faz os registros. É um problema por não ser uma mulher, é um
escrivão, depois é elencado em cartório distribuidor. Uma grande
dificuldade que temos encontrado é que o maior número de policias na
DM são homens e não mulheres. No momento possuímos duas
viaturas, uma discreta e uma oficial, sendo que a discreta considero
meia, porque apresenta problemas mecânicos. É importantíssimo
contarmos com viaturas discretas em função da investigação.
Temos, em equipamentos, nove computadores, uma filmadora,
vídeo, televisão e seis coletes a prova de bala. Necessitamos, para
2525
atuarem nas delegacias, um maior número de policiais, principalmente,
policiais femininas, além de viaturas, microcomputadores,
impressoras, máquina de fotografia digital e televisão, esta para a sala
de espera, pois as mulheres quando vão fazer o registro de ocorrência,
normalmente, vêm acompanhadas dos filhos, às vezes pequenos, e o
atendimento pode demorar. As crianças permanecem ali.
Deveríamos ter um prédio próprio. Isso é essencial. Os prédios
alugados não são específicos para delegacias, por isso temos
dificuldade em adaptar um serviço policial. Fica bastante complicado
em função da manutenção por ser um prédio locado. Psicólogas e
assistentes sociais contratadas pelo Estado são de extrema
importância, porque hoje contamos com serviço voluntário. O serviço
voluntário é muito importante, mas nem sempre tem uma
continuidade.
Às vezes, a mulher está recebendo um atendimento, mas por
algum motivo o voluntário não vai ou encontrou um trabalho
remunerado, que é mais interessante, e acaba nos deixando na mão.
Contamos com apenas uma psicóloga e a demanda é muito grande
porque ela atende ao grupo de mulheres vítimas de violência, que vai
uma vez por semana na delegacia discutir questões. Esta profissional
faz pareceres técnicos quando é estupro ou atentado violento ao pudor.
Através da tabela estatística dos delitos registrados na
delegacia, vê-se que a ameaça está em 50%. Um grande índice é o de
ameaça; já o de lesão corporal, contravenção, estupro, atentado
violento ao pudor é de menor escala.
2626
Total de Delitos registrados na Delegacia de Polícia para a
Mulher, no período de Janeiro a Outubro de 2003 - %
Notamos que houve uma queda nos registros a partir dos
meses de maio e junho. Uma ótica otimista é que, em função do nosso
trabalho, conseguimos diminuir a violência doméstica em Pelotas. É o
movimento cartorário, fiz um levantamento rápido do total de
procedimentos encaminhados ao Poder Judiciário.
Houve em alguns meses que chegamos a 434 procedimentos
encaminhados. Realmente, os delitos de maior incidência são os de
lesão e ameaça. Claro que efetuamos muitas prisões na delegacia.
Hoje, ainda, há apenas uma prisão não cumprida. O mandado
de busca é uma maneira de reprimir e prevenir por meio do mandado de
busca. Sempre que a mulher relata que foi vítima de ameaça com uma
arma de fogo no seu depoimento – eu represento pelo mandado de
busca – o Poder Judiciário tem sido também bastante parceiro nisso,
sendo rápido. Cumprimos e vamos até lá.
Ameaça - 50,6 %
Lesão Corporal - 30,3%
Atent. Violento ao Pudor -
0,41%Estupro - 0,99%
Ato Obsceno - 0,12%
Sedução - 0,16%
Cárcere Privado - 0,03%
Rapto Consensual - 0,19%
Corrupção de Menores -
0,15%Assédio Sexual - 0,06%
Contravenções - 7,22%
Outros Crimes - 9,75%
2727
Noto uma coisa interessante em relação ao
depoimento da mulher. Ela nunca mentiu em relação a isso, pelo menos
na minha delegacia. Sempre que a mulher relata que foi vítima de uma
ameaça com arma de fogo, conseguimos apreender essa arma.
DML CONFIRMA VIOLÊNCIA
EUGÊNIO GONÇALVES DIAS REPRESENTANTE DO DEPARTAMENTO MÉDICO LEGAL
Apresento as ocorrências do DML –
Departamento Médico Legal – do sexo feminino nos anos de 2002 e
2003, para fazermos um comparativo na estatística do ano de 2003,
indo até o mês de setembro.
LESÃO - Então, se observarmos os depoimentos sobre as
lesões corporais no ano inteiro de 2002 foram 13.189. No ano de 2003
até setembro, já contamos com 10.677 depoimentos. Isso dá para
termos uma expectativa que, provavelmente, ultrapassará os índices
do ano anterior.
CRIME SEXUAL - No caso de conjunção carnal também
poderemos observar a mesma coisa, são 929 depoimentos no ano
inteiro. Até setembro do ano de 2003, houve 805.
0
5000
10000
15000
1
OCORRÊNCIAS EM PERICIADOS DO SEXO
FEMININO NO ANO DE 2002
Lesão Corporal Conjunção carnal
Atentado ao pudor Morte por trânsito
Homicidio Suicídio
Morte acidental por queimadura Morte acidental por queda
2828
ATENTADO - No caso de atentado ao pudor foram 540
depoimentos somente até setembro do ano de 2003 contra 567 de todo
o ano de 2002.
ACIDENTE - As mortes por acidente de trânsito também foram
110 já contados até setembro do corrente ano contra 119 do ano
passado inteiro.
HOMICÍDIO - No ano de 2002, ocorreram 72 homicídios, e até
setembro do ano 2003, foram 48 homicídios. Neste ano, ocorreram 34
suicídios; em todo o ano passado, ocorreram 42.
A morte acidental por queimadura ocorreram 25 no ano
passado; este ano, já são 17 os casos de queimaduras. A morte
acidental por queda, no ano passado, foram 20 e, nesse ano, foram oito
mortes acidentais por queimaduras até setembro.
O Departamento Médico Legal dispõe de um serviço de
atendimento a vítimas de violência, serviço psicossocial, no qual
oferecemos um atendimento mais humanizados para essas pacientes
no sentido de acolhimento para amenizar um pouco o sofrimento, até
para tornar a perícia mais humanizada, a fim de que não seja uma coisa
meramente técnica.
Então, temos esse cuidado. Primeiro, a mulher passa pela
psicóloga, depois passa para o perito. A partir desse ano, contamos
com assistente social, que era uma grande lacuna no DML, agora há
um assistente social que, também, reforça – digamos assim – o nosso
time nesse sentido. Há um projeto do DML – Departamento Médico
Legal – de criação de um serviço de sexologia forense, que é uma
equipe especializada para atendimento dos crimes sexuais.
Existe um projeto piloto, com uma equipe inicial, que está
atendendo no Hospital Presidente Vargas em Porto Alegre apenas
crianças, por enquanto, chamado Centro de Referência de
Atendimento Infanto-juvenil – CRAI – no qual trabalho.
2929
Então, temos um projeto de ampliação de atendimento do CRAI
– para as mulheres também. O nosso interesse é que as mulheres
sejam atendidas em um ambiente completamente diferente do
ambiente do DML – mais humanizado, hospitalar e mais discreto.
Dentro do CRAI – existe um posto policial da Delegacia da Infância e do
Adolescente. Se houver um acordo com as delegadas, é possível
colocar um posto da Delegacia da Mulher, a fim de que a mulher se sinta
mais protegida quando do registro da ocorrência dentro de um hospital.
Se uma mulher entrar num hospital, ninguém saberá o que esta
mulher fará ali, pode fazer uma consulta ou qualquer outro
procedimento, ficando mais protegida da comunidade. Então, há esta
criação dessa equipe de atendimento exclusivo, que é a sexologia
forense, e também das lesões corporais e da violência doméstica, a fim
de ter um cuidado mais humanizado com as mulheres e crianças.”
ROSANE OLIVEIRADELEGADA E REPRESENTANTE DOS POSTOS DE
ATENDIMENTO À MULHER
“Esse evento confirma o meu sentimento pessoal e profissional
pela senhora, Deputada Floriza. Sou sua fã. Novo Hamburgo é uma
cidade de 250 mil habitantes, com bastante expressão no Estado.
Quando fui para Novo Hamburgo, eu era Delegada Adjunta da Primeira
Delegacia de Polícia em razão do volume de ocorrências, que era em
torno de 8 mil ocorrências policiais.
Quando fui trabalhar lá, peguei o Posto da Mulher, que estava
um pouco a deriva e com deficiências, acabei me apaixonando pelo
trabalho. Trouxe algumas contribuições para o posto como uma
psicóloga voluntária. Há um trabalho de rede, em parceria com o
Conselho Tutelar e o Gabinete da Primeira-Dama, Sra. Floriza dos
Santos. Com isso temos conseguido fazer um trabalho bem especial,
um atendimento bem personalizado.
3030
Então, todas as ocorrências de mulheres e crianças vítimas de
violência foram naturalmente passando para o Posto da Mulher,
inclusive por estarmos contando com mais uma escrivã. Começamos
abraçar essas ocorrências e realizá-las.
Hoje, há um trabalho bastante especializado em Novo
Hamburgo, um trabalho meio empírico, em razão da nossa experiência
de trabalhar com a violência doméstica, e vem sendo, graças a Deus,
bem realizado. Este trabalho é muito divulgado. Procuramos sempre
divulgar na estação de rádio e nos jornais. Houve uma ocasião em que
fizemos uma enquete com 10 mulheres de Novo Hamburgo, oito
conheciam o trabalho do posto da mulher.
Creio que é uma coisa bastante relevante, uma vez, que ratifico
– o que as minhas colegas falaram aqui - que a violência começa dentro
de casa. Com esse trabalho empírico que viemos fazendo, tentando
descobrir quais são as necessidades da comunidade e como adequar o
nosso atendimento a essas necessidades.
Reparamos que a maioria dos delinqüentes é vítima, oriundos
de famílias totalmente desestruturadas. A maioria desses delinqüentes
é filho de pais desconhecidos. Então, já vêm de uma estrutura familiar
bastante prejudicada e denegrida. Esse é um trabalho de base que tem
de ser realizado. Porque o combate à violência inicia na assistência
social, no atendimento às famílias vítimas de violência. Pois, todas as
pessoas que passaram por um processo de violência dentro casa, de
uma forma ou de outra, manifestarão essa violência perante a
sociedade.
As vítimas de abuso serão os possíveis abusadores. As vítimas
de maus-tratos serão os possíveis agressores. Então, sabemos disso
pela vivência, pela experiência mesmo, comprovado por dados
estatísticos, porque participamos de muitas palestras e acabamos
vendo na prática com o trabalho junto ao Posto da Mulher.
Há no posto uma psicóloga voluntária, que atende as mulheres
3131
e as crianças vítimas de violência. Também, são atendidas as crianças
vítimas de abuso sexual e todo o tipo de violência que ocorre no âmbito
doméstico. Terminamos abraçando isso e fizemos com maior carinho.Em razão da grandeza que é o município de Novo Hamburgo,
possivelmente, nos próximos meses ou ano, quem sabe, seja aberta a
Delegacia da Mulher, a fim de que possamos fazer esse trabalho, que é
bastante precário, na medida em que, não há uma estrutura para
atender essas mulheres em Novo Hamburgo.
Trabalhamos com as ocorrências que eram registradas – em
princípio – por uma escrivã que trabalhava junto ao Posto da Mulher. Por
determinação do Sr. Chefe de Polícia, essa escrivã foi removida para
outro setor. Estamos aguardando que seja colocada outra funcionária.
Há, também, a rede de atendimento, a partir da assistência
social – com o atendimento da psicóloga voluntária que está
trabalhando no Posto. Trouxe, também, uma psicóloga para o Conselho
Tutelar. Creio que, na medida das limitações, tem sido feito um bom
trabalho.
Acho que se procurarmos voltar a nossa visão para essas
questões, como a Deputada Floriza vem fazendo, sobre a violência
dentro da nossa família, com certeza, diminuiremos o índice de
violência em todo o Estado.
Tenho absoluta certeza disso, porque trabalho com isso. Todas
as minhas colegas – tenho certeza – irão ratificar essas afirmações,
porque é com esse trabalho feito com a assistência social, com a
psicóloga, mesmo com pouca estrutura nas delegacias do Estado,
conseguiremos obter resultados positivos quanto as questões de
violência doméstica. Estamos felizes por estarmos aqui, porque desde
que começamos a trabalhar, acho que é a primeira vez, que temos a
oportunidade de apresentar essas questões de violência doméstica a
um público tão seleto.”
3232
MIGUELINA VECCHIO CONSELHO ESTADUAL DA MULHER
“Quando começamos esta discussão sobre violência na década
de 70, bem no início da militância do movimento feminista, discutir a
questão da mulher como vítima, que já tinha índices bastantes
relevantes, notamos que o fato das mulheres não estarem
incorporadas na luta e nas dificuldades que elas passam, fazia com que
as mulheres fossem duplamente violentadas, uma – não apenas na
violência física – mas de todas as formas de violência e outra quando
chegavam à delegacia, que não era incomum, o delegado, ou quem
atendia à mulher vítima da violência na delegacia, fazia uma referência
a sua roupa ou a sua forma de ser, baseado no fato que estamos
disponíveis por sermos apenas mulheres.
Nem todas as mulheres que são policiais se sentem mulheres
em seu conjunto, não podem nem entender de uma forma ampla a
questão de gênero para tratar a mulher vítima de violência.
É muito complicado para uma mulher – aqui ouvi alguém dizer
da falta de coragem das mulheres – eu com muito carinho divirjo,
porque não é falta de coragem. Acho que uma mulher que apanha anos
a fio, submete-se porque não tem onde levar os filhos e nem com quem
deixar os filhos, é muito corajosa.
Esta mulher acorda de manhã sabendo que até à noite vai
apanhar, mas não tem como romper o ciclo, porque o Estado, que
deveria proteger a cidadã, não é capaz de fazê-lo, criando um aparelho
público que garanta esta mulher romper o ciclo de violência, falta de
coragem não é. Falta de coragem não é.
O problema é que o Estado é responsável pela estrutura dessa
mulher e pelo aparelho que ele disponibiliza para esta mulher romper o
ciclo. Há experiências em todo o Brasil. O Conselho do Rio de Janeiro
tem um tratamento para os agressores, que é muito interessante.
3333
Este trabalho mostra que quando o Estado se responsabiliza por
colocar o agressor num tratamento que possa garantir a ele avaliar
porque ele é um agressor (principalmente, na cidade do Rio de Janeiro,
há um alto índice de agressores vinculados ao alcoolismo), se ele
consegue fazer este recorte, este homem consegue com o tratamento
conceber que aquilo que faz é equivocado.
Os direitos humanos das mulheres são abalados diariamente.
Esta experiência é uma forma de tratar a violência de uma maneira mais
geral e eficaz. Temos de tratar o agressor. Uma das delegadas
apresentou aqui os cursos de gênero, achei isso fantástico. Sou
feminista das mais ortodoxas, pois não é ter nascido mulher que garante
a capacitação para as questões de gênero.
A violência – muito embora seja tratada, do ponto de vista
mundial sobre a ótica da polícia, a violência é uma questão de saúde
pública. Em relação à desqualificação do crime de estupro pela
hediondez do crime. Não foi no Senegal e nem no Congo, que um
desembargador disse que violência psicológica não é violência grave.
Foi aqui no Rio Grande do Sul, no quarto grupo criminal, que nos deu um
trabalho terrível. Invadimos o Tribunal de Justiça, dialogamos com os
desembargadores e fomos ao Supremo Tribunal Federal e Supremo
Tribunal de Justiça, que nos garantiu as mudanças dos votos.
Essa foi uma conquista das mulheres gaúchas, porque
simplesmente teríamos de pedir para o estuprador que, além do
estupro, nos dessem vários socos e nos deixassem roxas, porque se
não o desembargador não considerava lesão grave.
Então, essas coisas, que acho que a iniciativa da Deputada
Floriza e da Comissão, são primordiais para os avanços reais em
relação à violência. Que consigamos chamar essas mulheres – porque
não acho que as mulheres, que não estão na luta, não consideram que a
violência é uma questão urgente. Elas não estão na luta, até fazendo
nós, feministas, uma autocrítica, talvez por não termos sido claras de
3434
que cada uma delas tem um papel fundamental para diminuir a
violência. Só que a violência não é um ente solto. A violência é ligada à
miséria, ao tráfico e a uma série de coisas que devem ser tratadas pelo
Estado.
Acredito que essa Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero
para tratar de abusos contra a mulher cai como uma luva neste
momento em que os índices de violência no país, particularmente aqui
no Rio Grande do Sul, estão altíssimos.
Precisamos mostrar nosso trabalho para o resto do Brasil
porque, por exemplo, em relação a desqualificação do crime de
estupro, aqui, em uma reunião, com todas as presidentes de conselhos
estaduais dos direitos das mulheres no Brasil, a presidente do
Conselho de Roraima disse que não sabia o que estava fazendo na
reunião, pois não tinha esse problema. Ela não sabia o que é
jurisprudência. Não a condeno, lá a questão é tratada da seguinte
forma: estuprou não há problema. A visão sobre isso é muito restrita,
mas a informamos que o 4º Grupo Criminal do Pleno do Superior
Tribunal vai julgar e passa a ser jurisprudência para todo o País.
O que a imprensa na época fez? Tachou-nos de mulheres
ligadas à lei e a ordem, querendo impedir a progressão de pena e, na
realidade, somos a favor da progressão de pena, desde que seja para o
estuprador, para o seqüestrador, para o traficante de drogas. Cheguei a
perguntar para o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal se
achava que um seqüestrador é mais agressivo que um estuprador.
Seqüestrador quer o patrimônio, se a vítima não o enxergar, via de
regra ele larga. O estuprador quer o meu corpo e no meu corpo
estuprador não vai passear. Não vai passear aqui e nem em lugar
nenhum, pois agora já movimentamos o Brasil inteiro e vencemos essa
batalha.
Vamos continuar lutando, precisamos engrossar as fileiras, pois
estamos perdendo terreno dia-a-dia. Há poucas Delegadas, não é um
3535
prestígio na Polícia ser delegada da mulher, posso estar equivocada,
mas a visão que tenho é que é um castigo. Sabemos que toda a Polícia
trabalha com precariedade, mas as condições de trabalho na
Delegacia da Mulher são muito precárias. Precisamos fazer uma ampla
campanha de desarmamento, pois o número de mulheres que morrem
no meio familiar por arma de fogo é enorme. Quem não é Polícia para
que vai ter arma em casa? O discurso de que se precisa arma para se
proteger dos bandidos é um discurso muito complicado.”
BELONI TURCATTO TITULAR DA COORDENADORIA ESTADUAL DA MULHER
“Sou titular da Coordenadoria Estadual da Mulher do Governo
do Estado do Rio Grande do Sul. Faz pouco que assumi, mas já fizemos
reuniões com todas as secretarias de Estado para que possamos fazer
programas e destinar projetos às mulheres que estão neste estado de
violência ou que querem sair dessa estrutura.
Em reunião com o Secretário da Justiça e Segurança, Sr. José
Otávio Germano, a Deputada Maria Helena Sartori também participou.
Ele se propôs a fazer um trabalho para montar programas e mudar esta
estrutura.
Estou visitando municípios nos quais foram inaugurados os
Centros de Atendimento à Mulher para verificar o funcionamento e
vendo a necessidade da instalação de novos centros.
Estamos abertos para ouvir e fazer projetos com todas as
entidades governamentais e não-governamentais. Queremos ouvir e
trabalhar com toda a sociedade do Rio Grande do Sul.”
MARIA HELENA SARTORIDEPUTADA ESTADUAL
“Quando discutimos a questão da violência, e ela é também
ligada à miséria e à droga, é bom que se saiba que temos violência
também em outras camadas sociais, e talvez nessas camadas as
3636
mulheres tenham mais receio ainda de denunciar.Também temos que
estar atentas a isso, porque ela ocorre em outras camadas sociais e a
denúncia não é feita algumas vezes por conveniência, outras por uma
questão de educação. Discutiremos a questão da violência,
trabalhando a mudança da nossa cultura.
Muitas vezes temos preconceitos quanto ao fato de uma mulher
ser agredida ou quando é estuprada. Dizemos que estava com uma
saia curta ou com um decote muito grande. Isso tem que ser discutido.
Avançaremos no campo da violência quando nós mulheres mudarmos
– e os homens também – a questão cultural, a forma como nos
postamos na sociedade, a busca pelos nossos direitos, a nossa
igualdade.
É a cultura que precisa mudar, senão trabalharemos somente
com a conseqüência e não com a raiz do problema. Por isso, a
mudança terá que passar pela educação dos nossos filhos, criá-los
sem preconceitos e fazendo-os entender que temos que lutar pelo que
está acontecendo agora, encaminhando outras formas de alteração
cultural. Não entrarei no assunto específico que vocês trataram porque
eu não acompanhei desde o início, mas acho importante o debate e a
busca de soluções em conjunto. As contribuições podem ser
pequenas, mas de alguma forma ajudam a construir uma outra
consciência.
É importante que as mulheres procurem os setores
competentes quando agredidas, porque enquanto a mulher se
esconder, negar ou envergonhar-se de dizer isso, não vamos mudar
essa realidade.”
ADÉLIA PORTO PRESIDENTE DA UGEIRM SINDICATO – UNIÃO GAÚCHA DE
ESCRIVÃES, NSPETORES INVESTIGADORES DO RS
“Geralmente, quando falamos na questão das
3737
mulheres, dizemos que é questão de minorias, hoje não somos mais
minorias, ultrapassamos a metade da população, creio que temos uma
força muito grande para fazer esse enfrentamento.
Sabemos que, hoje, na polícia não há gente para trabalhar, não
há local apropriado para tal, não tem material. Existe, ainda, a questão
psicológica do atendimento. Também acho fundamental a formação,
geralmente as pessoas que trabalham na Delegacia da Mulher vão
para lá com muito receio de algum tipo de castigo.
Pelo menos esse é um quadro normal na polícia, infelizmente.
Eu conheço a delegacia de Pelotas, de Caxias do Sul, de Porto Alegre,
mas em Santa Maria eu não estive. A realidade demonstra que,
geralmente, o posto em que a delegada atende sempre é o menor e o
pior local, isso acontece em todo o Estado.
O que eu entendo como formação, além das pessoas que
trabalham diretamente, seria no sentido de abranger o todo, inclusive
as chefias, os diretores de departamento e chefes de polícia, porque
coisas de mulher nunca são importantes.
Coisas de mulher, geralmente, é coisa de mulher, ouvimos isso
todos os dias. Nós, que participamos dessa atividade e estamos na luta
há um bom tempo, participamos, agora, do Conselho, o que eu tenho o
maior orgulho e acho de suma importância. Há uma questão que eu
gostaria de esclarecer: sobre a Brigada Militar fazer os TC’s. Isso entra
na estatística de vocês? Não. Portanto, essa estatística, me
desculpem, é furada. Quer dizer, colocaram uma delegacia dentro da
Brigada e dos postos, o que é um absurdo. Como vamos saber,
realmente, o que está acontecendo com as questões de gênero se não
temos confiança na estatística da Brigada Militar?
Vocês fazem o trabalho muito bem, está bem explanado, bem
colocado, mas estão faltando dados, acho isso um absurdo. Penso que
deve ficar registrado que não pode acontecer uma coisa assim. É
importante frisar que nós, da Polícia Civil, não temos dados suficientes
3838
e ainda estão incompletos. Eu tinha essa dúvida e não sabia se isso
estava acontecendo.
Outra coisa que eu acho importante colocar é a questão do
pessoal, é uma situação séria que existe no nosso Estado, estamos
trabalhando com menos de 50% do efetivo. Por mais que tenhamos
vontade de executar o nosso trabalho, é impossível. Sabemos que
geralmente o delegado responde por duas ou três delegacias, porque
não tem delegado suficiente, isso faz com que executemos de maneira
ruim o nosso trabalho, por pura falta de condições.
Equipe de investigação com apenas uma pessoa, é brincadeira.
Como é que vai fazer o trabalho? Enquanto o Estado não se
comprometer em relação às questões das políticas públicas para as
mulheres e com a legislação, pois enquanto a Lei 9.099 for uma cesta
básica e só, não há condições de se conseguir minimizar esse
problema.”
MARCIA SCHELLER DELEGADA DO POSTO DE ATENDIMENTO À MULHER DE
LAJEADO – RS
“Os problemas que vocês enfrentam, nós também enfrentamos,
mas gostaria de me fixar no seguinte ponto: por mais que se crie uma
entidade de referência e de apoio, sendo caracterizada como tal, a
entidade que abriga e recebe mulheres, que serve de referência, sendo
todas as outras co-parceiras, é a delegacia de polícia. A sociedade civil
do Rio Grande do Sul tem que entender isso.
Se quisermos fazer um trabalho adequado de proteção e
amparo e também de repressão à violência contra a mulher, todo esse
trabalho tem que ser pensado a partir da Polícia Civil, das delegacias e
dos postos de atendimento à mulher.
Temos que pensar dessa maneira, porque a cultura da nossa
população e a cultura das mulheres diz que socorro é na Polícia Civil,
3939
essa é uma primeira recomendação, ou seja, é do nosso empirismo.
Nós sentimos que a mulher não procura assistência social do
município, pode ser o melhor programa possível, não procura a
coordenadoria de saúde, mesmo tendo trabalhos maravilhosos, ela
procura a Delegacia de Polícia, é a Polícia Civil.
O ponto de referência da mulher vítima é a Polícia Civil. Nesse
sentido, entendemos que essas entidades que estão aqui devem ser os
nossos porta-vozes. Por que digo isso? As ações do Governo e da
Polícia Civil – não estou falando institucionalmente, mas da minha
prática na área – se legitimam na pressão e na força popular. A
comunidade dizer que a Delegacia da Mulher é importante. A
representação da voz de vocês é muito maior do que a voz da Delegada
Márcia.
Por quê? Porque estamos trabalhando num Governo que se
legitima com o apoio popular. As nossas ações da área de segurança
pública passa pelo Poder Executivo. A pressão e a manifestação
popular, as reivindicação da comunidade são fundamentais nessa
área, muito maior do que qualquer uma de nós como técnicas na área.”
JANE BILYCSDELEGADA DA 3ª DP DE VIAMÃO – RS
“Viamão possui em torno de 290 mil habitantes. Há junto à 3ª
DP um posto policial para a mulher com somente uma funcionária. Não
há as mínimas condições, não há viaturas e nem computadores. Não
há recursos humanos, somente eu, e uma assistente social para ajudar
e colaborar. A Sra. Adélia Porto falou sobre as estatísticas. Estive
verificando as estatísticas e, devido a essa cultura machista, a esse
descaso dos órgãos de chefia da polícia civil, pude constatar que, para
começar, nem a mulher e nem o idoso são vítimas de crime de atentado
violento ao pudor. Não existe esse dado na nossa estatística.
As nossas estatísticas são falhas, elas caem na vala comum do
outros. Essa estatística não existe, pois está errada e não corresponde
4040
à realidade. Gostaria de solicitar ao nosso representante do DML algo
que já pude constatar na prática. Peço que orientem os legistas, os
médicos, todos os que fazem acompanhamento, para que as mulheres
ou crianças, vítimas de crimes contra os costumes, sejam
encaminhadas imediatamente ao Hospital de Clínicas, ao Presidente
Vargas, ou outro que possa fazer aquele coquetel contra a Aids.
Teve um caso e chamei a menina para fazer esclarecimentos. A
menina, no local, perguntou se tinha algum encaminhamento e a
pessoa disse que não precisava, que ela podia ir para a casa. Eu tive
que ir lá correndo, para tentar encaminhar no sentido de que fosse
ministrada essa medicação para que evitasse a contaminação, caso o
estuprador tenha Aids. Os agressores são pessoas de vida promíscua
e a moça não tinha sido encaminhada. Outro aspecto que chamou a
minha atenção, com relação a ações que estão no Judiciário, foi o
problema do encaminhamento: no formulário padrão deve ser feito um
quesito para que seja coletado o material da vítima de crimes contra os
costumes e para que ele possa ser reservado; quando encontrado o
suspeito e confrontado com o material haverá provas cabais e fortes.
Com uma prova dessas não tem Juiz que vai dizer que o fato não
ocorreu.
Gostaria que o Senhor nos orientasse para que todas sejam
alertadas nesse aspecto de um posterior DNA, pois isso é
importantíssimo para nós, a prova técnica, não só a declaração.”
SÍLVIO EUGÊNIO GONÇALVES DIAS REPRESENTANTE DO DML
“Realmente, para que seja feito um exame de DNA ou para que
seja guardado o material é necessária uma solicitação da autoridade
policial, até porque não temos um banco de DNA, pretendemos criar
um banco de material guardado para DNA para futuras provas.No momento, faz-se necessária essa solicitação da autoridade policial,
e nós guardamos esse material. Acho de extrema importância a
4141
solicitação feita pela senhora.”
PATRÍCIA HOEVELLERPROMOTORA LEGAL POPULAR DO SERVIÇO DE
INFORMAÇÃO DA MULHER DO BAIRRO RESTINGA - PORTO
ALEGRE
“Nossos plantões são nas segundas-feiras, porque sabemos
que no final de semana é comum haver uso de bebidas alcoólicas e
drogas, assim no domingo aumenta a violência contra as mulheres.
Fiquei admirada de nós, as Promotoras Legais Populares, não termos
sido citadas, porque somos 600 Promotoras Legais Populares no Rio
Grande do Sul.Na 16ª Delegacia, na Restinga, tínhamos muitos problemas quando
uma mulher vítima de violência ia registrar uma queixa. Era dito para
elas voltarem para casa e fazerem uma janta bem legal, pensar no que
tinham dito porque a violência poderia ter ocorrido por causa disso. As
mulheres vinham reclamar para nós e íamos lá fazer o registro.
Há dois anos foi feito um projeto da sensibilização da violência
doméstica e aplicamos isso na Restinga. Foram convidados a Brigada
Militar, a Polícia Civil, o Posto de Saúde, a Guarda Municipal, toda a
nossa comunidade que indiretamente atendia mulheres. Fizemos uma
sensibilização e melhorou muito. Temos uma parceria muito grande
com a 16ª Delegacia. Não encaminhamos ninguém, realmente, para a
Delegacia da Mulher porque tivemos muitas queixas das mulheres que
retornavam se sentindo discriminadas.
Então, encaminhamos sempre para a 16ª Delegacia. Quando a
mulher é vítima de violência e estupro nos procura. Acompanhamos até
a Delegacia e falamos diretamente com o Delegado. Os registros são
feitos em uma sala separada, pois elas têm vergonha. A Delegacia é
pequena e está sempre cheia, e, nessa situação, a mulher necessita de
um acolhimento especial.”
4242
MAGDA RIGO ASSISTENTE SOCIAL - LAJEADO
“Em nome da casa de passagem, quero agradecer a
oportunidade. Fui uma das idealizadoras da Casa Abrigo de Lajeado.
Faço trabalho voluntário na Casa e implantei o serviço social dentro da
Delegacia de Polícia de Lajeado. Não vou fazer nenhuma pergunta,
quero reivindicar um pouco mais de atenção às casas-abrigo, porque,
depois do encontro nacional em Maceió organizado pelo Cedim,
descobrimos que a nossa Casa Abrigo de Lajeado é a única
organização não-governamental regional do Brasil e a única ONG
mantida por uma equipe técnica totalmente voluntária: uma assistente
social, duas psicólogas e três advogadas. A mesma equipe é voluntária
dentro do posto da mulher.
A minha fala é mais de reivindicação para também recebermos
algo nessa parte porque em nível estadual a questão da verba está um
pouco complicada. A casa se mantém a duras custas. Hoje temos
convênio com 11 municípios, mas é ridículo um município com três ou
quatro mil habitantes pagar 30 reais por mês, sendo que em média
recebemos duas, três mulheres por dia na Casa. O índice de violência é
muito alto na nossa região.
O agressor precisa ser atendido porque vem, geralmente, de
uma família muito violenta, essa mulher vem de uma família muito
violenta e sabemos que a questão da violência familiar vem de uma
educação patriarcal machista, além do álcool, das drogas e do
desemprego serem coadjuvantes.
Gostaria de marcar a presença da casa abrigo aqui e dizer que
é a única ONG que não tem ligação partidária com ninguém por termos
convênio regional e as demais Casas do Brasil, inclusive no Rio Grande
do Sul, são municipalizadas, todas têm equipe técnica contratada.
Gostaria de estar 40 horas dentro da casa de passagem, fazer grupo
com essas mulheres, mas estou alugando uma sala e vou cobrar uma
4343
taxa de participação dessas mulheres para pagar o aluguel.
1.3 AUDIÊNCIA PÚBLICA – MULHER E SEGURANÇA
(27/11/2003)
DEBATE ABORDA SITUAÇÃO DAS DELEGACIAS E
PENITENCIÁRIA FEMININA NO ESTADO
A partir de levantamento feito na última reunião desta
Subcomissão ficou explícita a situação das delegacias e postos da
mulher no Estado, que apontou falta de pessoal, viaturas, coletes à
prova de bala, computadores e serviços complementares, como
orientação psicológica e social, além da superlotação na Penitenciária
Feminina Madre Pelletier, onde naquela data estavam 347 apenadas,
sendo que existiam vagas somene para 118. Foi apontada, ainda, a
grave situação de crianças e gestantes em condições precárias
morando na creche da penitenciária.
Estiveram presentes o Sr. Antônio Bruno Trindade e o Delegado
Paulo Cesar Caldas Jardim representando o Secretário Estadual de
Justiça e Segurança; presidente do Conselho Estadual dos Direitos da
Mulher, Miguelina Vecchio; coordenadora-executiva da Themis
Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Virgínia Feix; a psicóloga
Graziela Werba, do Grupo de Relações de Gênero da PUC e
Ulbra/Torres e a Diretora da Penitenciária Feminina Madre Pelletier,
Elisete Janaína Güntzel de Oliveira, além de integrantes de
movimentos feministas da Capital.
4444
DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOSRELATORA
“Na reunião de hoje, nosso objetivo é dar segmento aos debates
sobre a segurança pública relacionada a gênero. Nosso tema: Mulher e
Segurança. Lembro aos presentes que, no último dia 5, reunimos todas
as delegadas titulares das Delegacias de Mulher do Rio Grande do Sul,
várias delegadas responsáveis por postos de atendimento à mulher,
além de representantes de órgãos públicos e entidades ligadas às
causas de gênero.
Naquela oportunidade, as delegadas nos informaram a infra-
estrutura e os atendimentos prestados, trazendo o relato de várias
dificuldades encontradas no dia-a-dia. Com o objetivo de mudar essa
realidade, estamos dando segmento ao debate e ouvindo todos os que
podem auxiliar nesse processo.”
4545
VIRGÍNIA FEIX COORDENADORA THEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E
ESTUDOS DE GÊNERO
“Cumprimento a Deputada pela iniciativa de pautar esse
assunto de tamanha importância ao combate à violência contra a
mulher.
Há muito tempo, a THEMIS vem desenvolvendo um trabalho
para a ampliação das condições de acesso das mulheres à justiça. E a
sua ação mais importante, nesse sentido, é a formação de Promotoras
Legais Populares. Nesse trabalho, estamos buscando o fortalecimento
da cidadania das mulheres por meio da idéia de que a capacitação em
noções básicas de direito, direitos humanos, funcionamento do Estado
e principalmente do Poder Judiciário pode levar a uma mudança de
lugar dessas mulheres em relação à sua própria cidadania.
Elas deixam, a partir do conhecimento que são sujeitos de
direito, de estar num lugar de exclusão social para um lugar de inclusão
social. Passam a defender não somente os seus direitos pessoais na
sua família e na sua comunidade, mas multiplicar essa informação e
essa consciência junto a outras mulheres nas suas comunidades.
Os resultados desse projeto levou a THEMIS a multiplicar sua
metodologia de capacitação legal junto a outras entidades do Estado e
do Brasil. Hoje há 30 entidades em todo o território nacional
implantando os projetos de promotoras legais populares. Aqui no Rio
Grande do Sul, há 13 organizações em 13 municípios que estão
desenvolvendo esse projeto.
Nessa perspectiva de ampliação das condições de acesso às
comunidades, nossa visão é de um trabalho em rede. Esse trabalho
que dá sustentação à ação dos órgãos de segurança, do Poder
Judiciário e da saúde na garantia dos direitos fundamentais, que são os
direitos humanos das mulheres.
4646
Porque pensamos que a mudança da cultura de violência passa
pela utilização do direito como uma ferramenta de transformação da
realidade. Para transformar a realidade utilizando o direito, precisamos
entender o sistema legal a partir de três dimensões diferentes. Uma
delas é o conteúdo do direito, outra é a estrutura do direito e a outra é a
cultura do direito.
Quando falamos em conteúdo do direito, referimos às leis
existentes, ou naquelas leis que queremos fazer existir. Quando
falamos na estrutura do direito, estamos nos referindo às delegacias,
às salas de audiência, nas cortes, em todos os mecanismos e
procedimentos que garantam o conteúdo da lei e o do direito. Quando
nos referimos à cultura do direito, estamos falando nas representações
e nos sentimentos que a população e os operadores do direito têm em
relação a essa lei e a esse conteúdo.
São três dimensões diferentes que precisamos ter claras,
quando construímos uma linha de intervenção. Por exemplo: um
problema que está relacionado com a segurança pública é a revista
íntima nas mulheres. Consideramos uma violação dos direitos das
mulheres ter isto como prática regular, procedimental nos presídios, e
não como exceção em casos motivados pela autoridade competente
de suspeita de necessidade daquela revista.
O que estamos falando? Se falarmos em conteúdo da lei,
referiremos à normatização desse procedimento, ou à prevenção dele.
Se referirmos à estrutura do direito, falaremos nos mecanismos que
aquele presídio terá para evitar a revista íntima e utilizar outras
alternativas – como sabemos – os detectores de metais, a revista nos
presos, e não nos visitantes. Outros mecanismos e procedimentos que
estejam possibilitando prescindirmos da revista que é uma violação de
direitos.
Em terceiro lugar, a cultura do direito, teremos de incidir na
cabeça dos operadores do direito e das autoridades que organizam o
4747
nosso sistema penitenciário, que acreditam ser essa a única forma de
garantir a segurança nos presídios, que é violando os direitos das
mulheres.
Para alterar essa cultura e esse pensamento, temos de agir
organizadamente entendendo essas três dimensões. Se não,
continuaremos pensando que fazer as leis é o suficiente para resolver
os nossos problemas. Dei esse exemplo para dizer que estamos
tentando trabalhar organizadamente nessas três perspectivas em
diversos assuntos relacionados à segurança e ao gênero.
Recentemente, estamos fechando um convênio com a
Academia de Polícia do Estado – Acadepol, no qual a Themis fará uma
parceria para a capacitação de policiais civis de todas as regiões em
que temos promotoras legais populares, a fim de podermos
potencializar essa ação da sociedade civil e do Estado.
Construímos essa parceria, essa semente de rede na Restinga
– Porto Alegre, por meio de um programa de segurança pública que
vinculou a sociedade civil e os órgãos do Estado no Município. Estamos
muito contentes com essa abertura da Secretaria de Segurança
Pública, uma vez que ela nos permite construir essa nova consciência,
essa nova cultura do direito entre os policiais que estão nas cidades
onde existe a Rede Estadual de Justiça de Gênero, o trabalho das
promotoras legais populares e estamos sempre abertos para o debate.”
MARIA GUARECI ÁVILAPROMOTORA LEGAL POPULAR – RESTINGA – PORTO
ALEGRE
“O trabalho que eu e minha colega Maria de Lurdes e a colega
promotora legal prisional Maria Rúbia desenvolvemos no presídio
feminino é resultado de um projeto chamado Exercitando os Direitos
das Mulheres – 2000/2001.
Observando o relatório, percebemos que as
4848
dificuldades continuam, como a superlotação. Na época em que
iniciamos, eram 140 presas, das quais 54 eram provisórias.
Atualmente, temos 192 provisórias. Ajudamos a organizar a
cooperativa, a padaria, a creche e o cantinho da beleza. Hoje, quando
voltamos lá, vemos que o trabalho não está como as presas gostariam,
ou seja, que tivesse trabalho para todas. Essa foi uma queixa delas.
Constatamos que o trabalho é importante para a auto-estima
das detentas, para a própria situação financeira e para o regime
prisional. A questão da creche também nos chamou muito a atenção,
porque antes as crianças permaneciam até completarem um ano e
meio, dois anos e até o momento em que a presa pudesse organizar a
ida da criança para um lugar seguro e que fosse de sua vontade
também. Agora, os bebês só permanecem até o sexto mês e depois
têm de sair.
Uma parte da Galeria B foi fechada. Dizem que essa galeria é
de segurança e isso dificultou que as presas pudessem ficar com seus
filhos. Sabemos que esse é um direito garantido pelo ECA e que foi
violado, tanto quanto os direitos das mulheres, que foram garantidos na
convenção para toda a eliminação de violência contra a mulher. São
direitos que foram bem discutidos e aprovados, mas que estão sendo
violados.
Esse é um trabalho importante e voluntário. Temos as
promotoras legais prisionais, mas atualmente só há uma trabalhando
lá, porque não há condições de ficar mais pessoas lá dentro. Nosso
projeto foi importante até para conhecermos como funciona o sistema
lá dentro. Uma coisa é passarmos de ônibus pelo lado de fora, e outra é
estarmos lá, em contato com a realidade. Estamos à disposição para
continuar contribuindo com esse projeto e com o próprio sistema
prisional, que é algo com que nos identificamos.”
4949
GRAZIELA WERBAGRUPO DE RELAÇÕES DE GÊNERO PUC E ULBRA
“Também gostaria de enaltecer esse trabalho pela sua
relevância. Às vezes, temos a impressão de que estamos falando sobre
coisas antigas, mas quando saímos dos nossos grupos de trabalho e
vamos para a sociedade, surpreendemo-nos com a falta de
conhecimento da sociedade como um todo sobre as questões de
gênero. Então, todos os trabalhos, todas as Comissões, todos os
encontros que tratam desse tema são extremamente importantes e
imprescindíveis.
Apresentarei um trabalho de pesquisa, resultado de uma
análise realizada em algumas delegacias do Estado do Rio Grande do
Sul pelo Grupo de Pesquisa da PUC. O título desse trabalho é:
Trabalhando em uma Delegacia Menor – Uma análise de
necessidades. Foi-me indagado: Menor como, no tamanho? Eu disse
que não, que era no sentido simbólico mesmo. Gostaria de dividir com
vocês os resultados dessa pesquisa, que considero bastante
instigantes. Embora seja uma pesquisa qualitativa, ela não tem a
intenção de trabalhar com quantidade de dados, mas sim com a
profundidade dos dados encontrados.
O que são as Delegacias da Mulher? Elas foram fundadas em
função do trabalho, da parceria entre o Estado e o esforço continuado
dos movimentos feministas. Podemos dizer que elas são vistas como
órgão que visa à proteção da mulher vítima de violência, por meio do
registro de ocorrências de crimes, lesões corporais, ameaça e outros
danos.
Um dos principais ganhos com a Delegacia da Mulher foi
justamente a visibilidade dos crimes contra a mulher, que antes eram
reservados ao espaço doméstico, privado, tendo passado a serem
abordados no âmbito público.
Pelos dados do Comitê Latino-Americano para a Defesa dos
5050
Direitos da Mulher – Claden no ano de 2000, haviam 225 delegacias e
postos da mulher em todo o Brasil, sendo que a metade deles se
concentram na Região de São Paulo e em torno de 26
estabelecimentos no Rio Grande do Sul. Os estudos de gênero se
referem à construção social de papéis. O nosso grupo de estudos tem
se focalizado nas questões de violência de gênero que são as ações e
as circunstâncias que submetem as pessoas em função do sexo.
Historicamente encontramos uma prevalência de denominação
no sentido total da palavra do gênero masculino sobre o gênero
feminino. Embora, muitas vezes, os homens se queixam ao contrário,
mas as estatísticas mostram que não é bem assim. Trabalhando em
uma Delegacia da Mulher uma análise de necessidades: O que
fizemos? Percorremos seis delegacias e um posto da mulher. Nós
construímos um questionário aberto e fomos fazer as entrevistas. O que
vimos? O levantamento da análise das necessidades dos funcionários
e das funcionárias das delegacias ou postos da mulher. As visitas às
delegacias e postos para o reconhecimento e levantamento de
possíveis recursos.
A definição das principais queixas e sentimentos despertados
em função do trabalho em delegacias ou postos da mulher. Teremos
várias surpresas, porque, às vezes, do lado de fora, achamos que a
delegacia é um trabalho frio e burocrático. Não foi esta realidade que
encontramos.
O nosso grupo faz também um trabalho muito pesado que é a
transcrição literal das entrevistas, o levantamento de categorias, mas,
geralmente, trabalhamos com a análise temática ou de conteúdo por
meio das explanações, assim vamos levantando os temas que vão
surgindo das entrevistas.
Por fim, fazemos a interpretação dos dados e chegamos a
algumas conclusões. O que encontramos? Como é que as funcionárias
e os funcionários das delegacias e postos da mulher se vêem, se
5151
percebem em relação ao seu trabalho? Elas entendem que a delegacia
da mulher é um lugar onde as mulheres sabem que serão escutadas
sigilosa e independentemente do que apresentem. É uma delegacia,
mas em questões sociais são mais valorizadas que o registro da queixa
propriamente dita.
Quer dizer: que tanto o público que busca as delegacias quanto
os funcionários se percebem fazendo um trabalho social. Além de
serem profissionais, eles se vêem realizando um trabalho social.
Muitas vezes, esses funcionários se referem “aqui somos psicólogos,
médicos, psiquiatras, assistentes sociais e temos de dar conta de tudo
isso”.
Elas se vêem de duas formas resumidamente: um centro a
partir de onde são feitos os encaminhamentos possíveis para a solução
dos problemas apresentados pelas vítimas, além da instauração do
processo propriamente. Também onde é realizado um trabalho de
conscientização. De que elas precisam?
Em primeiro lugar, saber lidar com as suas frustrações. Essa é
uma queixa constante dos funcionários e das funcionárias das
delegacias e postos da mulher. Também há uma queixa de não ter
recebido o treinamento adequado para lidar com as questões de
gênero. Realmente, nas delegacias e postos onde encontramos
trabalhadores e trabalhadoras que têm qualificação nas questões de
gênero, o trabalho é diferenciado.
O atendimento à mulher é diferenciado. “Temos de dar conta do
problema policial e emocional. Muitas vezes, até de mulheres que não
comeram durante o dia e o policial, às vezes, tem de buscar um lanche
do seu próprio bolso, enfim dar conta daquela situação da criança que
não tem onde ficar. E é constante a retirada das queixas.”
Assim, muitas vezes, encontramos um impacto onde os
policiais acabam tendo – podemos dizer até o estresse – em relação a
esse tipo de trabalho pelo grau de impotência e frustração que os
5252
policiais sentem em relação à constante retirada das queixas. Muitas
vezes, não compreendendo a complexidade do problema da violência
e não conseguindo perceber a violência como um problema
multifacetado, eles entendem que fazem um trabalho exaustivo,
estressante e doloroso. Porque ouvir relatos de violência é muito
desgastante. Então, esses policiais têm de enfrentar tudo isso, daqui
em torno de 15 dias, ou na outra semana a mulher retira a queixa. O pior
é que depois a mesma mulher volta à Delegacia e faz outra queixa.
Os policiais têm de trabalhar com poucos recursos existentes
em termos materiais e trabalhar em uma delegacia considerada menor.
Então, o nosso foco, nesse momento, colocaria aqui na questão da
Delegacia Menor por quê? Em alguns lugares e locais, foi referido
inclusive uma Delegacia de Papel. Por quê? Porque os outros policiais
– e não somente os homens, algumas policiais mulheres também – se
referem a essa Delegacia como uma Delegacia sem importância. Uma
Delegacia que tem coisinhas de mulher. Aonde as mulherzinhas vão a
esta Delegacia da Mulher para se queixar e dizer bobagens, voltando
para a sua casa de lua-de-mel com os seus maridos. Então, existe toda
uma desqualificação tanto do local quanto dos trabalhadores e das
trabalhadoras.
Há uns dois anos, trabalhei em um curso de formação para
policiais. Neste curso trabalhei com abordagem psicossocial da
violência com policiais tanto militares quanto civis. Perguntei a eles:
Quem daqui pretende ir para a Delegacia da Mulher? Olha, em uma
sala em torno de 50 alunos, duas pessoas levantaram os braços, e meio
na dúvida. Por quê? Porque na Delegacia da Mulher não se tem coisa
muito importante para fazer, acham.
Então, esta é a representação social das Delegacias da Mulher.
Como uma Delegacia Menor e um espaço sem importância.
Entendemos que isso tem de ser levado em consideração e repensado
junto com os profissionais que atuam nessa área, nessas delegacias.
Porque, certamente, isso interfere na qualidade do trabalho deles. De
5353
que precisamos? Que as prefeituras e o Governo enxerguem as
carências dessas instituições e sua real importância para a sociedade
como um todo, isso seria o ideal.
A implantação de políticas públicas mais eficientes. Por fim, não
existem receitas mágicas ou eliminação milagrosa dos problemas.
Mas, precisamos criar alternativas. Acreditamos que os grupos que
trabalham com os estudos de gênero têm muito a contribuir com as
propostas e alternativas nesse sentido.”
ANTÔNIO BRUNO TRINDADE SUPERINTENDENTE SUBSTITUTO DA SUSEPE
“Foi falado pela nossa dirigente da THEMIS sobre a revista
íntima. Concordo que esta revista, realmente, não é o melhor método
que tenhamos para aplicar às visitantes. Mas, temos de entender que
há um sistema que, ao longo do tempo, não foi nada organizado e nem
planejado.
Em torno do ano de 1997, fizemos um estudo nas penitenciárias
moduladas a fim de modificar o tipo da revista íntima, o qual entra aquilo
que a nossa dirigente falou: a revista ao preso e não à visitante. Quem
cometeu o crime realmente não foi o visitante, foi o preso. No ano de
1998, este procedimento entrou em atividades nas penitenciárias
moduladas. Houve uma portaria que diminuiu o número de visitas
revistadas. Hoje, de 20 pessoas somente é revistado 20% do número.
Esta revista é feita por meio de um sorteio. Mas, não houve
investimento na compra de materiais de detectores de metais, talvez o
mais caro. Realmente, há algum tempo, havia uma dificuldade maior no
controle da entrada de drogas e principalmente de armamentos.
Quem conhece o sistema penitenciário sabe que nos anos 80 e
também no início dos anos 90 houve motins com armas de grosso
calibre, inclusive dentro dos presídios. Hoje, há outro problema, que
talvez tanto quanto a arma seja tão grave, que é o telefone celular.
5454
Temos de fazer modificações nos estabelecimentos. As
próximas construções – não somente no Rio Grande do Sul, mas em
todo o Brasil – de presídios onde não seja revistado o visitante, mas sim
o visitado. Já falei sobre as estruturas dos presídios, as estruturas são
precárias, inclusive estávamos nos referindo a penitenciária feminina.
Este estabelecimento era um colégio de freiras, o qual foi adaptado ao
recolhimento de presas.
O ideal seria uma construção nova para a penitenciária
feminina, a fim de abrigar melhor as presas. Inclusive, gastamos muito
com pessoal pelo tipo de construção que foi feita, é quase um labirinto.
Não sei ainda, se deveria aumentar a penitenciária ou construir um
novo estabelecimento. Não há reclamações somente das presas, mas
sim de pessoas que moram nas proximidades da penitenciária
feminina, as quais reclamam da algazarra e de gritaria à noite. Estamos
discutindo se o local ideal da penitenciária feminina seria ali.
Temos de discutir também com a sociedade, com as pessoas
que trabalham nesta penitenciária, com as organizações não-
governamentais – ONGs – que levam o trabalho até a penitenciária. A
questão da creche desta penitenciária: há 20 vagas existentes para
crianças. Há um projeto para construirmos mais 17 vagas. Haviam
crianças que ficavam nesta creche em torno de três anos. Não seria a
melhor pessoa para indicar a idade das crianças.
Ou seja, esse assunto deve ser analisado por profissionais de
assistência social e psicologia, que trabalham diretamente nesse setor.
Tivemos problemas no início do Governo. Havia uma cooperativa
prestando serviços médicos no sistema penitenciário. Esta cooperativa
tinha um contrato com a penitenciária até – se não me engano – o final
de janeiro. Terminou o contrato. Tivemos de fazer outro, estudar e
remeter para a Procuradoria-Geral do Estado – PGE –, a fim deste
órgão nos dar um parecer. Isto demandou tempo.
Hoje, estamos com um novo contrato e com uma nova
5555
cooperativa, já prestando serviço, inclusive com médico ginecologista
já trabalhando na penitenciária feminina.”
PAULO CÉSAR CALDAS JARDIM DELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA
METROPOLITANA - SJS
“Primeiramente, quero dizer da satisfação de estar presente
neste Fórum, no qual o Secretário de Segurança, José Otávio
Germano, pede-me que eu o represente. Ele tem um compromisso no
Palácio Piratini. Na realidade, o tema abordado é bastante conhecido
de todos nós e acima de tudo meu conhecido também. Com 30 e
poucos anos de atividade policial como Delegado de Polícia, Diretor do
Departamento de Polícia Metropolitana, no qual tenho, sob a minha
circunscrição, duas Delegacias da Mulher: a de Canoas e a de Porto
Alegre e, nessa convivência com quase todas as delegacias de Porto
Alegre, acabo conhecendo bem a nossa realidade do dia-a-dia.
Inclusive, lembro-me de que, quando não tínhamos a Delegacia da
Mulher, todos esses eventos, todos esses fatos eram direcionados
para as delegacias de polícia e, lá, convivíamos com essa realidade.
Pediu-me o Secretário que, preliminarmente, fornecesse a
vocês alguns dados que foram remetidos à Justiça: no ano de 2002,
237 inquéritos policiais e 4.442 termos circunstanciados, os quais
correspondem àqueles pequenos delitos de pequeno poder ofensivo
que a nossa legislação prevê; embora tenha que admitir que, para as
vítimas, o sentimento não é esse. São aqueles delitos que a pena
máxima prevista é de até dois anos. Via de regra, são lesões que
machucam mais alma do que o próprio corpo, então, essa penalização
talvez devesse ser pensada de forma diferenciada. Isso tudo em 2002,
sendo que desses termos circunstanciados, 2.139 foram decorrentes
de lesões corporais; 1.952, referentes a ameaças.
Em 2003, os números ficaram, mais ou menos, dentro do
mesmo padrão, diminuíram apenas um pouquinho: lesões corporais,
5656
antes, eram 2.139, agora, temos 2.133; ameaça, 1.752. Esses são os
dados que mais nos importam no momento.
Gostaria de referir aos Senhores que, ouvindo a exposição
feita, preliminarmente, pela acadêmica que realizou alguns estudos
frente às delegacias, concordo com quase tudo que foi dito. Só tenho
uma restrição: quando ela afirmou que alguns policiais fazem a
diferenciação entre a Delegacia da Mulher, como sendo uma delegacia-
papel ou de menos importância que outras delegacias. Não vejo dessa
forma. Acredito também que os próprios policiais não vêem assim.
Leciono na Academia de Polícia há 18 anos.
Conheço todos os delegados que se formaram durante esses
anos, os quais todos foram meus alunos, como também todos escrivães
e inspetores. O enfoque não é esse: que a Delegacia da Mulher seja de
segundo plano, uma delegacia-papel. O enfoque é de uma delegacia
que, em tese, apresenta menos risco físico para o agente que trabalha.
E, quando falo em risco físico, refiro-me ao risco de combate, de
enfrentamento. Não se trata de uma delegacia de capturas, de roubos,
que trabalha com assaltos, nem especificamente com roubos de
veículos ou tóxicos. Dentro desse enfoque, concordo que haja
realmente uma diferenciação. Alguns policiais preferem, dependendo
de seu perfil, trabalhar na Delegacia da Mulher, talvez até porque
tenham uma maior sensibilidade. Não tenho dúvidas – e isso é
fundamental – de que a preparação do funcionário para trabalhar na
Delegacia da Mulher é muito importante. Vejo isso, porque, este ano,
criamos no Departamento que dirijo – DPM – o Serviço Especial de
Combate à Prostituição Infanto-Juvenil – Secopi.
Quando implantamos esse projeto que, hoje, já possui
repercussão nacional, tivemos que pinçar alguns policiais com perfil
adequado – aqueles que imaginávamos com competência pertinente –
mas também fazer com que lhes fossem ministrados cursos de
aperfeiçoamento, porque lidar com criança ou adolescente abusada ou
explorada sexualmente é muito difícil.
5757
Os problemas sociais, as origens são as mais diversas, então
tivemos que aprender a lidar com esse tipo de problema, esse tipo de
situação, não só no momento da detenção, não só no momento da
prisão, mas também nas conseqüências daquele ato e a forma de lidar
com o depois.
Não tenho dúvida que a Delegacia da Mulher deve ser uma
delegacia diferenciada, porque os policiais que trabalham ali devem
estar preparados para aquele tipo de estresse. Um estresse de ouvir
problemas. Um estresse de ouvir sobre lesões leves – leves para quem
vê ou para quem assina o laudo, para quem foi lesionado não é leve.
Hoje devemos ter em torno de 70 a 80 mulheres trabalhando em
Delegacias de Polícias, algumas em Delegacias da Mulher, mas a
imensa maioria trabalhando em Delegacia de Polícia, onde o risco é
igual ao risco da Delegacia da Mulher. Estão trabalhado de igual para
igual. Nesse ano, aqui em Porto Alegre temos 24 distritos, desses 24
distritos eu já lotei 6 mulheres delegadas de polícia.
Estamos enxergando, hoje, o problema policial, o qual me
pediram para falar: segurança e mulher. Estamos direcionando essa
responsabilidade, pelo menos em Porto Alegre, às mulheres. Para nós,
é motivo de orgulho essas jovens delegadas que trabalham em
delegacias de porte, delegacias pesadas e de risco, mulheres que têm
ido de madrugada, às 2, 3, 4 horas da manhã para local de crime,
mulheres que sobem vilas ou no asfalto participam de tiroteios. Acredito
que devem ser vistas da mesma forma pelas Senhoras. Sob o aspecto
segurança, nos sentimos muito tranqüilos com as mulheres nas
Delegacias de Polícia.
Para encerrar, pelo menos num primeiro momento, informo que
temos recebido muitos pedidos para a instalação de Delegacias de
Mulheres, principalmente nas cidades da Grande Porto Alegre, onde
tenho a competência jurídica, como Novo Hamburgo, Sapucaia, São
Leopoldo, Gravataí e Canoas que estão sob a minha circunscrição.
5858
Quase todas essas cidades têm feito o pedido de instalação de
Delegacia da Mulher. Esse pedido é geral. Em quase todos esses
lugares é indispensável uma DM e realmente se faz necessária a
instalação da Delegacia de Mulheres.
Eu lembro que, há 4 anos, a Delegacia de Mulheres de Porto
Alegre estava na Avenida Osvaldo Aranha, quando eu dei a notícia que
seria deslocada para perto do Palácio da Polícia, houve alguns
movimentos feministas que foram contrários e pediram que
permanecesse no mesmo local.
Aquelas Senhoras entenderam, depois, que era absolutamente
importante trazer a Delegacia das Mulheres da Avenida Osvaldo
Aranha para as proximidades do Palácio da Polícia, em vista do fator
social. O mais relevante, depois do registro da ocorrência, é o
atendimento médico que fica próximo ao Palácio da Polícia, onde se
encontra o Posto do IML e são feitos os exames. De modo geral, a
mulher agredida chega à Delegacia toda quebrada, toda machucada,
sai de casa da forma como está, muitas vezes sem dinheiro, chega na
Delegacia para registrar a ocorrência de carona e após o registro é
necessário que se desloque para fazer os exames de lesão.
Por isso, à época, achei pertinente trazer a Delegacia junto ao
Palácio da Polícia porque os exames são feitos próximo ali. O problema
maior, não é só esse tipo de atendimento, mas o depois, para onde a
mulher vai?
As Senhoras sabem, pela lida do dia-a-dia e eu pela minha
experiência, que isso se repete sabe-se lá quantas mil vezes. Via de
regra, as mulheres fazem o exame, não têm para onde ir, ficam com
medo de ir para algum lugar e pedem para dar uma dormidinha no
plantão da Delegacia. Isso é regra. Há o medo de voltar para casa, pelo
menos naquele momento, porque não se sentem seguras, nós não
podemos colocar um policial na frente da sua casa, então ela fica, em
regra, dormindo no plantão da Delegacia.
5959
Quando me pedem a instalação de uma Delegacia de
Mulheres, eu aviso que não é só o problema de estrutura física, um
prédio de Delegacia, mas uma estrutura que precisa, no mínimo, de 11
dependências como sala de estar, cozinha, xadrez, depósito, gabinete
para a delegada, secretaria, etc.
Precisamos, também, de viaturas, computadores, rádios e
telefones, mas, mais ainda, precisamos, próximo a essa Delegacia da
Mulher o atendimento do logo depois, de um atendimento médico, de
alguém que realize os exames.
Como essas delegacias tenham apenas uma viatura que pode
estar na rua, precisamos de uma casa de apoio, um segmento onde
essas mulheres poderão passar a noite, pelo menos aquela primeira
noite: a noite da agressão, a noite da violência, a noite em que a
agressão física ainda é mais forte. Digo a todas as pessoas que me
procuram, porque é importantíssima a criação da Delegacia da Mulher,
mas não é só esse o segmento, mas é um conjunto. Essa mulher
precisa de um respaldo maior, precisa ser examinada, precisa de uma
assistente social, de uma psicóloga. Precisamos preparar os policias
que vão dar o atendimento no momento do grito, do desespero, da
angústia, da dor, aquilo que vemos todos os dias.
Precisamos do respaldo final, onde dormirá nos primeiros dias.
Para se instalar uma Delegacia é necessário um prédio em que a
mulher tenha condição dignas de ser recebida. Ela está sofrida, está
magoada, ela precisa de uma sala, talvez com sofá, onde possa
descansar, curar as mazelas pelas quais está sofrendo. Precisamos de
dois, três cartórios, porque recebemos mais de um caso.
Se forem conhecer a nossa Delegacia da Mulher, aqui em Porto
Alegre, há filas para fazer os registros de ocorrência. Os depoimentos
precisam ser separados, no mínimo precisam haver três cartórios.”
6060
LUÍZA DE BRIDAMOVIMENTO DE MULHERES DE NOVO HAMBURGO
“A comunidade de Novo Hamburgo, na qual me incluo, está
sedenta por uma Delegacia da Mulher. É uma luta da comunidade.
Antes de a Deputada ser Deputada, ela já estava lutando conosco para
conseguirmos a Delegacia da Mulher. Conseguimos um posto da
mulher, que não nos ajudou em muita coisa, mas a Delegada Rosane é
uma excelente e competente profissional. Tivemos uma grata notícia há
pouco tempo de que a Delegacia seria colocada em Novo Hamburgo no
final do ano, e estamos nos mobilizando, porque não podemos contar
apenas com o Governo do Estado. A comunidade se mobiliza e temos o
apoio da Prefeitura. A violência contra a mulher em Novo Hamburgo é
muito grande, não temos estudos maiores, porém sabemos que é muito
grande. Gostaria de saber do Senhor, se a promessa feita, continua de
pé?”
PAULO CÉSAR CALDAS JARDIM DELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA
METROPOLITANA - SJS
“A notícia que tenho é de que é possível instalarmos a Delegacia
da Mulher, mas quero reiterar o pedido. A Senhora mesmo afirmou de
que foi instalado um posto e que não está atendendo de acordo. Creio
que não é isso que precisamos. Se tivermos uma estrutura de
dignidade, de aceitação para que a mulher seja bem recebida num
complexo que não esteja vinculado apenas à Polícia Civil, mas também
ao DML e a uma casa de apoio, teríamos mais condições de agilizar
esse processo.
Imagino que a comunidade de Novo Hamburgo tenha
condições de fornecer os recursos materiais para montar essa
delegacia, temos muitas dificuldades em recursos humanos e não
escondemos isso, mas acho que é possível e não descartaria essa
oportunidade.”
6161
LÍCIA PERES FORUM PERMANENTE DE MULHERES DE PORTO ALEGRE
“Acompanhei de perto, fui uma das pessoas, conforme o senhor
mencionou, que lutou para que houvesse a instalação das delegacias,
apesar da grande incompreensão por parte da Polícia.
Lembro-me que o delegado, sistematicamente, dizia-nos que
precisava de mais mulheres para a Delegacia da Mulher. Enfrentamos
esse problema e instalamos a delegacia. A primeira delegada também
enfrentou problemas, porque ao instalarmos a Casa Viva Maria, ela
não queria fazer a triagem. Surgiram uma série de dificuldades de
compreensão dentro da Polícia, numa escala hierarquicamente
superior, acerca da necessidade da Delegacia da Mulher. Felizmente,
nós conseguimos, ainda que um número muito menor.
Conforme estatísticas realizadas, delegacias e postos seriam
instalados onde houvesse incidência de violência mais significativa à
população, parece que o cálculo ideal seria de 50 mil por habitante,
mas teria que se fazer esse mapeamento.
Eu concordo com a companheira na questão da rede. O que
precisamos é da instalação imediata de um bom atendimento à mulher,
pois com essa visibilidade, com os números que vêm à tona em função
das estatísticas, tendo em vista que todas as políticas públicas
internacionais só foram possíveis devido aos registros estatísticos. É a
partir daí que as políticas públicas se instalam.
Qual o índice de ressocialização das mulheres que hoje estão
no sistema penitenciário? Ou seja, de reincidência, porque ao assumir
a presidência do Conselho da Mulher, aqui no Estado e dentro do
Instituto Psiquiátrico Forense, onde elas estavam em 17 por sala,
constatei que não havia ginecologista e conseguimos um, o Dr.
Roberto, uma pessoa dedicadíssima, quando ele foi embora elas
ficaram muito tempo sem atendimento médico. Não entendo como isso
pôde acontecer. Havia uma enorme resistência por parte dos médicos
6262
em trabalhar com presidiárias.
A presa precisa ter direito à creche para seus filhos, um trabalho
remunerado, precisa ter respeito, atendimento às suas necessidades e
acho que, basicamente, esse binômio não foi resolvido no sistema de
segurança.
O que eu queria enfatizar, parabenizando a Deputada Floriza
dos Santos pela iniciativa, é que há necessidade, sim, mas nesse caso
se dificulta a instalação de delegacias da mulher. Precisamos de
atendimento digno, qualificado e atencioso a essas mulheres, uma
compreensão da questão de gênero em todo o corpo policial, homens e
mulheres, e que não mais se entenda essa questão como sendo uma
questão menor.
O que eu queria expor é o seguinte: há necessidade de o Poder
Público qualificar policiais homens e mulheres, trabalhar em rede, pois
quando existe um posto e o problema é quantificado, cria-se a rede e
esse modelo que está sendo criado na Restinga é um modelo que o
movimento de mulheres considera ideal. Ela é atendida e depois se cria
uma rede de solidariedade, como o acolhimento. Hoje, existe a Casa
Viva Maria, que está sempre com lotação esgotada.
O que nós queremos é sensibilizar para que o presídio feminino
Madre Pelletier cumpra com a sua função de socializar as mulheres de
fato. Quanto à questão da revista íntima, é uma indignidade. Hoje em
dia, num aeroporto internacional não há revista íntima, podendo-se até
explodir um avião, ao passo que no Brasil as mulheres ainda têm que
mostrar os genitais, retirar fraldas de bebês, etc. Acho que são coisas
que realmente atentam aos direitos humanos das mulheres e da
população como um todo.
Agradeço a atenção e pergunto sobre a questão do índice de
reincidência: Como é possível conhecer a eficácia de uma entidade no
sentido de haver ou não uma ressocialização adequada? Qual o
modelo necessário para obter o cumprimento de sua função?
6363
PAULO CÉSAR CALDAS JARDIMDELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA
METROPOLITANA - SJS
"Conforme os senhores têm tido a oportunidade de acompanhar
esse projeto, tenho feito coro às suas palavras, tenho prendido
abusadores sexuais de crianças e adolescentes quase todas as
semanas. O índice de prisão é muito grande e tenho apreendido
adolescentes vítimas de abuso e de exploração também na mesma
proporção.
Essas crianças e adolescentes que são apreendidos, logo após
o flagrante são encaminhadas ao Conselho Tutelar, pasmem as
senhoras, dois ou três dias depois prendo novamente abusadores e
apreendo novamente crianças e adolescentes. Só que essas são as
mesmas.
A falta de um projeto ou de um programa do Estado, seja este
Estado ou Município, o Estado Membro ou Estado da União, para mim é
uma coisa gritante. Devemos ter bem claro e visível, que as funções da
polícia enquanto Polícia Civil ou Polícia Militar é delimitada
constitucionalmente. Temos os nossos limites.
A Polícia Civil e a Brigada Militar não fazem socialização. Não é
essa a nossa função. Fizemos repressão e prisões. É para isso que o
Estado, por meio de seus legisladores – os senhores que colocaram os
seus legisladores nos postos que estão – definiu a nossa função.
Digo que se por um lado a polícia, nesse aspecto do abuso
sexual das crianças, está fazendo bem o seu papel, e muito bem, o que
temos por outro lado, logo depois? O Estado como instituição está
permitindo que essas mesmas crianças exploradas e ou abusadas
voltem para as ruas.
O trabalho da Polícia Civil vai até os seus limites da Constituição
e da Legislação. Parece-me que depois do registro da ocorrência, ou
6464
depois da formalização do inquérito policial ou depois da formalização
do termo circunstanciado, o compromisso passa para outra esfera. O
atendimento a essa mulher agredida, lesionada e ferida não é mais o
compromisso da Polícia Judiciária. Mas, cada segmento tem de fazer a
sua parte. Deve-se cobrar da polícia a assistente social no momento
posterior? É difícil, porque, primeiro lugar, legalmente não é essa
função.
Cabe a nós – como comunidade, como ONGs ou como
entidades – cobrarmos do Estado. Seja este Estado, Município, Estado,
Estado Membro ou a Federação.
Concluo, Senhoras e Senhores, que os limites de
trabalho da polícia estão na Constituição e em uma legislação
específica.”
MIGUELINA VECCHIOPRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA
MULHER
“Quero dividir a minha fala em duas etapas. A primeira será
sobre a nossa visita ao Presídio Madre Pelletier, que realmente foi a
visão do inferno. Nunca pensei encontrar, apesar de conhecer um
pouco a teoria sobre o que acontece nos presídios, uma realidade tão
calamitosa. O problema não está nem na direção do presídio, porque
encontrei na Sra. Elisete Janaína Guntzel alguém com muita vontade
de fazer as coisas acontecerem. Não é a mesma vontade que vemos no
Governo do Estado, pois faz três meses que pedimos uma audiência
com o Secretário de Segurança e não conseguimos. Não deve ter
tempo, pois coisa de mulher é sempre relegada a segundo plano. Mas
fiquei surpresa quando o próprio Governador nos recebeu em 10 dias.
O Governador ficou tão escandalizado com o relato. Apresentei riqueza
de detalhes, como o uso de um rolo de papel higiênico por presa por
mês e outros absurdos que não davam para serem descritos.
A primeira pergunta que fiz foi se tinham um ginecologista que
6565
as acompanhasse e a resposta foi negativa. Contei ao Governador que
havia conversado com apenas 70 detentas e já estava escandalizada
porque, entre as 70, quatro estão com papilomavírus, o que quer dizer
que precisam de tratamento.
Antes de terminar a audiência, o Governador mandou contratar
um ginecologista. A situação de ócio, falta do que fazer, gera, por
exemplo, depressão nas pessoas porque não produzem nada. Quando
me contaram quanto que ganhavam por mês, quase desmaiei. O
pessoal que trabalha na limpeza ganha 14 reais. Fiquei escandalizada!
Dentro do presídio é óbvio que as detentas estão com a auto-estima
muito depauperada. Tentei mostrar que pelos seus delitos, já foram
julgadas e estão cumprindo a pena. Devemos tratar disso porque não
há emprego ou tarefa para todas, o que é uma preocupação. Eu
conheço bem, por exemplo, o Instituto Psiquiátrico Forense, onde eram
realizadas várias atividades que, além de gerar renda, criavam uma
situação de produção, mexendo com a estima dessas mulheres.
Com relação aos filhos, o fato de só ter um presídio feminino
aqui dificulta a progressão da pena. Tudo isso deve ser tratado de uma
forma digna para contribuir com essas mulheres que estão cumprindo
pena por terem feito algo que foge às regras gerais.
Já ouvi muitas vezes, delegadas da mulher falarem – com o que
concordo – que é uma delegacia de segunda categoria, infelizmente.
Pode ser uma opinião preconcebida, mas acho que é de segunda
categoria e, o que é pior, ir trabalhar na Delegacia da Mulher é um
castigo, e não um prêmio, por mais interesse que tenham as delegadas
ou por melhor que seja a visão que têm sobre as mulheres. Ir para a
Delegacia da Mulher não é um prêmio – deveria ser.
Também há o problema da Delegada que não se concebe como
mulher na sua integridade e aí acaba resolvendo pouco o nosso
problema, pois não consegue enxergar as mulheres com as suas
necessidades. Se fosse um homem talvez enxergasse. É a mesma
6666
máxima de que mulher não vota em mulher e mulher não gosta de
médica mulher. Ou ela se concebe como um todo, como mulher e
delegada, não como delegada e mulher – que são coisas distintas – ou
termina resolvendo pouco. O número de delegadas mulheres é
importante? É. E a conscientização é ainda mais.
Nós, no Conselho, temos recebido de todo o Estado queixas de
algumas Delegacias da Mulher, onde não conseguimos falar com a
Delegada, ou nos atende sendo grosseira.
Está acontecendo um encontro de Delegadas em Brasília, hoje
e amanhã, do qual eu gostaria muito de participar porque é uma
discussão que deve ser feita. Que delegada é essa que queremos? Que
interferência na sociedade civil organizada ela está fazendo junto às
mulheres que chegam vítimas de violência?
Conforme falou a Sra. Lícia, trata-se de uma luta na tentativa de
colocar uma mulher na Delegacia para que aquela agredida seja ouvida
por uma igual – igual pelo menos no sexo. Só que quando ela chega e
não consegue ter o respaldo dessa mulher – ou pelo menos afetividade
e respeito no tratamento – acaba sendo criado um pólo extremamente
negativo para nós. É o revés da luta, não adiantando ser mulher, pois
não recebe ou trata mal a que chega.
É uma preocupação nossa que a Escola de Polícia inclua – e
nós, do Conselho, mandaremos para o Governador um pedido – o tema
gênero na formação como uma disciplina fechada e não em forma de
uma palestra. O Conselho, quer instalar um curso de pós-graduação em
gênero. Para isso, já apresentamos projetos à Universidade Estadual e
à PUC. Acho que poderíamos escolher uma pessoa de notório saber na
área – e há várias feministas no Estado – para explicar aos policiais.
Nem todas as mulheres são feministas, essa é uma realidade.
Gostaria que fossem, mas nem todas o são. Aliás, algumas têm pavor
do nome, dizem que querem ser somente femininas – como se fosse
possível nascer do sexo feminino e não ser feminina. As que não
6767
querem ser feministas e não concebem esta idéia, atrapalham nossa
luta.
Na Escola de Polícia, algumas delegadas são vanguardistas na
luta das mulheres; há algumas que entendem a concepção, que
conhecem seu sofrimento, que sabem da sua dificuldade, mas que não
são capazes de dizer a elas que se apanham e continuam casadas é
porque gostam de apanhar. São capazes de entender toda a conjuntura
social que as afasta de lá e que faz com que voltem para retirar a
denúncia porque, por terem oito filhos e não têm para aonde ir com eles,
têm de dormir na cama com o agressor.
Ou se analisa a conjuntura sociológica do fato – e a isso me
permito porque tenho informação na área – ou não adianta, estaremos
perdendo nosso tempo; pois não qualificaremos ninguém. As
delegadas pensam e vêem o mundo como os homens e terminamos por
criar um revés à própria luta. Essa é minha preocupação. Brigaremos
para que haja uma disciplina na Escola de Polícia que sirva muito mais
para os homens do que para as mulheres. Para elas deve ser uma
lapidaçãozinha e para os homens uma lavagem cerebral. Realmente,
acho que deve haver uma disciplina que os homens também façam,
porque pertenço à linha que não acredita na igualdade sem a parceria
dos homens. Não sou das ortodoxas raivosas que acham que o
problema da igualdade será resolvido só com as mulheres. Acho que
temos de conscientizar muito mais os homens. Deputada, quanto à
iniciativa da Subcomissão de tratar a segurança, acho que hoje temos
de nos preocupar com os presídios, onde há situações bem graves.”
ANTÔNIO BRUNO TRINDADESUPERINTENDENTE SUBSTITUTO DA SUSEPE
“Enfrentamos um problema muito grande que é o tratamento ao
egresso, o qual hoje está sendo acordado um trabalho de três ONGs
nesse aspecto, que não existia há quatro ou cinco anos. É como diz o
Delegado Paulo Cesar Caldas Jardim: “A mulher vai na delegacia fazer
6868
o seu registro e depois não sabe como vai para a casa”. Com o preso é a
mesma coisa: sai do presídio e não sabe para aonde se deslocar.
Muitas vezes a família não o quer mais, sequer o visita.
Acredito que centralizamos muito o sistema penitenciário em
Porto Alegre. Ele não funciona somente aqui. Não temos presos
recolhidos, ou na preventiva, ou cumprindo pena em Delegacia no Rio
Grande do Sul, nem tampouco cumprindo pena que não tenha
mandado judicial. Há cento e poucos estabelecimentos penais no Rio
Grande do Sul, o que é uma dificuldade do sistema penitenciário. Em
todo o Brasil não há ninguém que tenha esse número além de nós. O
preso, na nossa política – e não é nossa só, deste Governo, mas de
todos governos – a priori, deve cumprir pena perto da sua família. Não
há somente a penitenciária feminina; as 348 presas que há nesta
penitenciária é uma parte das que existem no Rio Grande do Sul. Até o
mês de novembro, havia um total de 742 apenadas distribuídas pelo
Estado. Em Passo Fundo há 23 apenadas em presídio masculino em
uma ala para elas. O Dr. Djalma Gautério ficou uma semana em Brasília
a fim de buscar investimentos. O Governador também está preocupado
com investimento. Temos de investir.
O que representa três mil presos? São seis estabelecimentos
para 500 vagas, que representa cada estabelecimento? 12 milhões de
reais. Isso não é brincadeira. As apenadas são colocadas no presídio,
mas estará faltando a educação e o social. Dizem: "o que querem
botando dinheiro em preso?" Sabemos o que a sociedade pensa. Há
outras dificuldades como: não conseguimos construir presídios. Se
quiserem construir um presídio perto da minha casa, serei o primeiro a
ser contra essa construção. Ninguém quer isso.
Outra coisa que gostaríamos de lembrar: o perfil do preso que
mudou muito nos últimos 20 anos. Sou funcionário da Susepe há
21anos e a Janaína há 11 anos. O perfil mudou muito nas próprias
apenadas. Lembro-me de que haviam mais funcionárias na
penitenciária feminina do que presos. Haviam 70 pessoas presas e 80 e
6969
poucos funcionários. Dessas apenadas, na época, haviam homicidas,
algumas por drogas e lesões corporais. Hoje, mudou muito. Achar que
a mulher não faz, faz. A mulher pode ser o cabeça de uma quadrilha, e
é. Há presa recolhida que é chefe de quadrilha. Mudou muito o perfil. A
mulher também acompanhou este perfil.
Sobre o trabalho, a penitenciária feminina é uma das que, talvez
no Brasil, tem o melhor trabalho ressocializante. Há várias fábricas. Lá,
há uma fábrica – até fui eu que fiz o contato com o Dr. Rogério Pires no
ano de 1995 – ainda por ordem do nosso Secretário José Eichenberg.
Na época, procurei o Dr. Rogério. Fizemos um protocolo que quase
toda a rouparia do Hospital Conceição seria confeccionada na
penitenciária feminina. Há fábrica de bolsas, de pizzas, de bijuterias e
cooperativas.”
ELISETE JANAÍNA GUNTZEL 1DIRETORA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER
PATRÍCIA BADOPAMA – PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA À MULHER
APENADA
“Com relação às prisões provisórias o que queremos é diminuir
o número das mulheres que estão em prisão provisória, que é maior do
que o número das mulheres que estão condenadas. Realmente, não há
nenhuma mulher presa na penitenciária feminina que lá permaneça de
forma arbitrária. Propusemos, que se fizesse uma audiência pública na
casa prisional para diminuir o número de mulheres que se encontram
na condição de provisória. Se fôssemos contar somente as mulheres
condenadas, com certeza não teríamos superlotação. A casa, hoje, tem
357 mulheres. É uma superlotação, considerando-se que a casa tem
118 leitos.
Com relação à creche, da semana de 15 a 18 de setembro de
2003, o PAMA fez um evento, em parceria com a casa, com a
Assembléia Legislativa, com seu Presidente, Deputado Vilson Covatti,
70701 V e r e x p l a n a ç ã o n o C a p í t u l o 2 - V i s i t a
1 Ver explanação Capítulo 2 - Visita
com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Procuramos
demonstrar a situação das crianças na creche, o problema da
superlotação e da falta de condição física do prédio
O PAMA, por meio desse seminário, trouxe respostas. Uma
delas foi junto ao Ministério Público, na pessoa da Dra. Cinara Buteli,
quando firmamos acordos com relação às crianças, porque não há uma
determinação legal quanto à idade mínima. Temos o máximo: seis
anos. Porém, concordamos que seis anos é um tempo longo, muito
prolongado para que as pessoas permaneçam em sistema prisional.Pensamos que o ideal seria manter a criança com a mãe por três anos
em função do vínculo e em função da formação da personalidade. É o
ideal, mas não é possível. Por isso pensamos em um ano, porém,
devido à situação estrutural da casa, foi fixada a permanência por seis
meses.
O PAMA fará duas intervenções: a primeira é uma intervenção
emergencial com o acréscimo de 17 leitos. A intenção é que, com esse
acréscimo, também possamos regularizar a situação das mulheres
grávidas, porque elas estão espalhadas entre as galerias. A galeria A,
onde está situada a creche, tem dois pisos. A nossa intervenção será no
térreo, com acréscimo não só de alojamentos, mas de banheiros e a
readequação da parte física e com os instrumentais: os sanitários, o
banho, rouparia, parte da direção da creche, isso em conformidade
com a direção. O PAMA tem trabalhado com a direção da casa, com o
DTP, com a Susepe e com o empresariado.
Num segundo momento, teremos a construção de um prédio no
terreno da casa. Em contatos anteriores, pedimos a garantia de
construir, desde que a penitenciária feminina ficaria onde está.”
7171
DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA
“Informo que esta Subcomissão irá fazer contato formal com o
Governador do Estado e com os demais órgãos competentes, a fim de
levarmos os apontamentos desta reunião e da reunião ocorrida em 5 de
novembro, para, em conjunto, buscarmos soluções na área da
segurança, na qual as mulheres precisam muito de atenção.”
1.4 SEMINÁRIO MULHER CONTEMPORÂNEA: MÍDIA, SAÚDE,
TRABALHO E DIREITOS -11/03/2004
SEMINÁRIO REVELA DOS SOBRE A MULHER
A
Deputada Floriza dos Santos inicia debate da Subcomissão
A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero vem
desenvolvendo um trabalho de conscientização da sociedade sobre os
problemas enfrentados pelas mulheres e a necessidade de soluções,
com políticas públicas que reflitam a realidade.
No Rio Grande do Sul, segundo dados da Polícia Civil
referentes a 2003, 51.936 mulheres sofreram ameaças, mais de 33 mil
7272
foram vítimas de lesões corporais e quase mil estupros foram
denunciados. Os números foram apresentados pela relatora da
Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero.
No evento, que lotou a Sala Salzano Vieira da Cunha no dia 11
de março de 2004, estiveram presentes Rúbia Abs da Cruz (Themis),
Beloni Turcatto (Coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher
RS), Irene Galeazzi (Fundação de Economia e Estatística Siegfried
Emanule Heuser), Lícia Peres (Socióloga e Membro da Coordenação
do Forum de Mulheres de Porto Alegre), Sandra Cóccaro
(Ginecologista), Christianne Pilla Caminha (Ministério Público
Estadual ).
DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA
“Faço uma saudação especial a todas e a todos. Fico muito feliz
por estar, novamente, com todas essas pessoas envolvidas no trabalho
de defesa da mulher.
A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero está realizando
este seminário Mulher Contemporânea: Mídia, Saúde, Trabalho e
Direitos, alusivo ao Dia Internacional da Mulher.
O Dia Internacional da Mulher é um reflexo de todo o movimento
em prol da igualdade de direitos, embora ainda prevaleça a
desigualdade de gênero. No dia 8 de março, em todos os pontos do
mundo, as mulheres elevam as suas vozes, destacam as conquistas e
clamam por mais direitos. Até quando precisaremos de um dia especial
para lembrar a todos que somos iguais?
A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero para tratar dos
abusos contra a mulher foi criada, justamente, para ser um espaço de
discussão na busca da igualdade. Os números levantados durante o
período de existência dessa Subcomissão são alarmantes e devem ser
analisados com bastante atenção para que esta sociedade encontre
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soluções plausíveis. No mundo, a cada quatro minutos uma mulher é
agredida no seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém
relações de afeto. Compreender esse fenômeno é reconhecer a
discriminação histórica da mulher. No Rio Grande do Sul, segundo
dados da Polícia Civil, durante o ano de 2003, 51.936 mulheres
sofreram ameaças, quase mil estupros foram denunciados e mais de
33 mil mulheres sofreram lesões corporais. As mulheres também são
vítimas do câncer. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, mais de 6
mil mulheres morrem por ano vítimas dessa doença no Rio Grande do
Sul. Faz-se necessário que esses altos índices estatísticos de óbitos
em função do câncer sejam reduzidos, e o caminho é a
conscientização. Somos vítimas carentes de políticas públicas que
reflitam na nossa sociedade. Digamos um basta à brutalidade diária a
que estamos sendo submetidas quando nos batem e nos corrompem,
nos atacando na nossa moral; quando retiram nossos filhos; quando
não há leitos nos hospitais para que nossos filhos nasçam; quando não
queremos ou não podemos engravidar, mas não temos orientação ou
meios para nos proteger; quando estamos doentes e não há
atendimento; quando somos agredidas, mas simplesmente não
acontece nada, e o agressor continua atacando. Precisamos nos
defender de todas as maneiras, criando condições e possibilidades.
Desempenhamos os mesmos papéis que os homens no mercado de
trabalho, mas recebemos 40% a menos. Hoje, 11 milhões de mulheres
cuidam sozinhas da família, conforme pesquisa realizada pelo IBGE.
Somos mães, esposas, companheiras, amigas, profissionais e
atuamos na política, na ciência, na religião, enfim, nas mais diversas
áreas. Queremos firmar nosso espaço na sociedade buscando a
igualdade de direitos e deveres, mas tendo as nossas diferenças
respeitadas.”
RÚBIA ABS DA CRUZ THEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO
“O trabalho da Themis, que é uma organização não-
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governamental, tem como missão a ampliação das condições de
acesso das mulheres à Justiça. Trabalhamos em três linhas de
intervenção, sendo que uma delas é a formação de Promotoras Legais
Populares, que são mulheres líderes comunitárias, que recebem um
curso de formação na Themis de aproximadamente um semestre,
quando contamos com o apoio, com o auxílio de vários professores
parceiros, promotores de justiça, juízes, médicos. Enfim, todos que
possam nos ajudar a estar repassando às promotoras o que
consideramos importante, para que elas consigam buscar a cidadania
e que se transformem em multiplicadoras de cidadania dentro da sua
comunidade, que possam repassar essas informações para outras
mulheres que têm dificuldades de acesso à Justiça, de acesso à saúde
entre outras coisas.
O segundo programa é o Programa da Advocacia Feminista.
Nesta atividade recebemos as demandas que vem do Serviço de
Informação à Mulher – SIM –, local onde as Promotoras atuam. Então,
essas demandas vem do SIM até a Themis. Uma equipe de advogadas
atua nesses processos de juizado especial criminal por lesão corporal e
ameaça, afastamento do lar em casos de agressão, em que retiramos o
agressor de casa, além de encaminharmos essas mulheres à casa de
apoio.
A Advocacia Feminista trabalha em algumas linhas específicas
de violência contra a mulher, violência física e violência sexual também,
na parte da discriminação e em Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos que ainda têm uma dificuldade de demanda, digamos
assim, pelo não-reconhecimento da saúde como um direito. Então,
estamos sempre trabalhando, buscando para que possamos trabalhar
mais efetivamente em relação à maternidade, em relação até ao direito
ao aborto, não só decorrente de estupro, entre outras coisas.
O terceiro programa é o CDEP que é um programa encarregado
da interlocução com o Poder Judiciário, organizando seminários,
oficinas e também elaborando materiais, livros, artigos entre outras
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coisas. Com esse trabalho, também, fazemos uma atuação política das
promotoras legais populares. Gratifica-nos muito quando percebemos
que as mulheres que trabalhamos estão crescendo e evoluindo no seu
trabalho e contribuindo sempre para que a Themis prossiga na sua
jornada de auxiliar as mulheres com dificuldade de acesso à Justiça.
Falando um pouco dos casos concretos que temos, é
importante mencionar que, apesar de todo progresso que o movimento
feminista já teve em todas as décadas, ainda há muito a ser feito
especialmente junto ao Poder Judiciário, área que atuamos, porque em
vários processos, mesmo tendo uma atuação feminista baseada em
convenções internacionais que devem ser seguidas, além das
legislações específicas, ainda há muita resistência dos operadores do
Direito na utilização dessas convenções a favor das mulheres.
Na verdade, os juízes sequer se manifestam sobre as
convenções. Além disso, há uma influência cultural muito forte.
Vivemos numa sociedade com uma cultura que, muitas vezes, é
reproduzida em sentenças sexistas, machistas. Para exemplificar isso,
falo de um caso de violência doméstica e sexual de uma mulher que
procurou o SIM e depois a Themis, porque havia sido violentada
sexualmente. Nós entramos com um processo de afastamento do
agressor do lar, com separação, acompanhamos o processo de
estupro, de lesão corporal, de ameaças, enfim entramos com vários
processos já que tinham vários tipos de ocorrências.
Em 1º grau, ele foi preso preventivamente, mas infelizmente,
não pela violência contra a própria família e a esposa, mas sim porque
se tornou uma ameaça para a comunidade porque incendiou o carro do
vizinho, apedrejou pessoas que a estavam protegendo. Também foi
condenado em 1º Grau a 16 anos de reclusão por estupro e atentado
violento ao pudor. Entretanto, em 2º Grau o Tribunal de Justiça o
absolveu com julgamentos um tanto quanto temerários, pois alegava
que os hematomas ou as equimoses que essa mulher tinha poderiam
ser decorrentes de uma corriqueira violência doméstica, o crime se
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constituiria em um crime de lesão corporal e o agressor foi absolvido.
Esse é um exemplo de como os processos têm uma cultura, ou seja, ela
era esposa, provavelmente ele queria manter relação sexual, tiveram
uma briga, isso não significa que ocorreu um estupro, esse foi o
entendimento. O processo é recente, não é uma coisa antiga, foi
julgado há dois ou três anos pelo 2º Grau.
Com base nisso, pensei em verificar casos que fossem de
violência com crianças e adolescentes para ver se o sistema penal
modificava a forma de tratamento dado às vítimas e infelizmente não foi
diferente. Casos em que meninas de onze anos, doze anos, treze anos
que eram violentadas sexualmente por padrastos, pelo pai ou pelo
vizinho, os agressores tiveram uma sentença absolutória ou se a
sentença foi condenatória, foi absolvido em 2º Grau. De 10 casos
analisados, somente em um deles falta a decisão de 2º Grau. Este é um
caso que considero exemplar, porque foi realizado um laudo
psicológico, que é justamente o que a Themis tem lutado e eu
individualmente com projeto de pesquisa, para que, nos processos de
crimes sexuais, em processos onde haja prejuízo psicológico para as
vítimas, que seja feito um laudo psicológico, no qual se comprove: a
violência ocorreu, se era sistemática ou ocorreu uma única vez. Este
laudo é outro meio de prova possível, uma prova pericial que vai além
da prova física, que é realizada logo após a violência, ou melhor que
quase não é realizada, logo após a violência e por isso não se tem os
dados e elementos necessários.
Então, que esse exame psicológico possa ser também uma
forma de se comprovar. E nesse processo, houve a condenação em 1º
Grau, mas ainda não foi julgado em 2º Grau com o fundamento no
laudo que foi feito por uma psiquiatra forense e na palavra da vítima. O
que sempre é posto em dúvida nos crimes sexuais? É a palavra da
vítima. Então, tendo esse respaldo, acredito que será muito
interessante, pois será mais uma prova que o magistrado terá que
refutar se entender que aquele agressor não violou sexualmente a
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vítima. Dentre os 10 processos somente teve uma condenação em 1º e
2º Graus e a vítima era um menino. Em todos os outros casos onde a
vítima era menina, infelizmente, o 2º Grau acabou absolvendo ou o
próprio Ministério Público não recorreu de uma sentença absolutória
mesmo sendo, em princípio, uma violência presumida, que não é
unânime. A violência presumida significa que os menores, em alguns
casos por retardo mental, como em um caso que acompanhamos,
podem dizer que consentiram com o ato, ainda que para meninas de até
14 anos não teria validade o seu consentimento, mesmo assim foi
absolvido o agressor.
Temos de construir uma mudança cultural, por isso considero
importante que a nossa luta também conte com os homens. Que
consigamos mobilizar toda a sociedade para que essa mudança possa
acontecer. Que consigamos reverter esse quadro.
Existe um trabalho muito interessante: a Campanha do Laço
Branco, que começou pelo Instituto do Papai, uma organização
nordestina, que tenta mobilizar os homens nessa luta para cessar a
violência contra a mulher. Não são todos os homens que são
agressores – longe disso! Finalizando, gostaria de colocar que existe
um anteprojeto de lei, um consórcio em nível nacional, que conta com a
participação de várias organizações brasileiras – Cfemea, Cepia,
Agende, Themis e outras especialistas.
Estamos construindo um anteprojeto de lei específico para que
a matéria seja organizada e tenha uma vara única, específica para
todos os crimes, para todos os casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher. Assim, se poderia estar julgando desde a parte criminal
à cível. Sabemos que haverá um problema de competência, devido a
forma com que o sistema judicial esta organizado. É para ser algo,
realmente, inovador que, de fato, ajude as mulheres, as famílias onde
existe a violência.
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LÍCIA PERES FORUM PERMANENTE DE MULHERES DE PORTO ALEGRE
“Fui convidada para abordar a imagem da mulher na atualidade.
Nessa abordagem, gostaria de falar sobre alguns nós que eu vejo hoje,
inclusive na implementação de programas. Por que muitos programas
que são bem feitos, bem estruturados, acabam não funcionando?
Inicialmente, gostaria de remeter às estratégias que foram
explicitadas para a implementação da plataforma de Beijing. A
plataforma de Beijing apontou para os objetivos de igualdade, do
desenvolvimento e da paz. Uma série de ações, uma série de
mecanismos deveriam ser colocados em prática pelos diversos
governos – todos os Governos que participam da ONU, os chamados
Estados-Membros – para que esses objetivos fossem alcançados.
Um ponto extremamente importante ali abordado foi a
necessidade do protagonismo. Quer dizer: as mulheres não poderiam
simplesmente receber programas de uma forma passiva, mas elas
precisavam ser agentes de mudança. Vejo, muitas vezes, no
protagonismo – nessa forma de ela ser, um agente de mudança –, uma
dificuldade que é encontrada nos programas. E isso tem muito a ver
com a imagem das mulheres. Todas vocês sabem que as mulheres,
dentro da própria cultura e da arte, tinham que se esconder. A Michele
Pierrot diz que a mulher era retratada. Ela tem um estudo – é uma
francesa – importantíssimo sobre arte, no qual mostra que a mulher era
retratada, no seu ambiente doméstico, como sendo sempre uma figura
mais voltada para o interior da casa. Muitas vezes, as escritoras tinham
que se esconder sob pseudônimos.
Então, ao longo dos séculos, o discurso das mulheres foi
sempre um discurso negado como importante. Muito comum dizer-se:
isso é fala de mulher. Fala de mulher é fofoca ou uma fala menor. Já a
fala do homem é considerada qualificada. Portanto, quando falo em
protagonismo, digo que as mulheres têm que saber que a sua fala é
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importante e significativa, já que têm uma imensa capacidade de atuar
em rede. Essa sua fala, portanto, é generosa e transmite conhecimento
e tem valor em si mesma. Ela foi negada, como não tendo valor, mas ela
tem valor. Cada vez mais, convenço-me de que as pessoas são
elementos dinamizadores da sociedade, pois elas têm o poder de
dinamizar. Dessa forma, quando colocamos essas pessoas como
contrapartida – identificando em algumas delas um potencial de
liderança –, fazemos com que essa pessoa, com essa liderança, tenha
de devolver para o seu ambiente, para o conjunto da sociedade – o seu
local de atuação – aquilo que aprendeu. Penso ser isso extremamente
positivo. Assim, estou levando dois exemplos, que serão mostrados
através de fita de vídeo das Promotoras Legais Populares do RS e do
Centro da Liderança da Mulher do Rio de Janeiro, este último serve
para identificar lideranças de diversas realidades sociais. As mulheres
entram no mundo digital e aprendem a fortalecer a sua auto-estima. A
auto-estima é uma palavra-chave hoje no mundo. Os meios de
comunicação têm um papel muito importante para que ela seja
diminuída, haja vista, que, hoje, vemos muita manipulação e distorção
da imagem feminina. A falta de auto-estima faz com que
prejudiquemos, por exemplo, o excelente Programa de Prevenção da
AIDS que temos em nosso País.
O Programa de Prevenção da AIDS, no Brasil, é considerado
um dos melhores do mundo, reconhecido internacionalmente. Há a
distribuição de remédios; está se conseguindo, hoje, prolongar a vida
da pessoa que foi infectada e, no entanto, olho sempre o resultado.
Como resultado, as mulheres de parceria fixa – quer dizer, aquelas
mulheres que têm somente um parceiro – estão sendo, a cada dia, mais
infectadas.
As mulheres têm dificuldades de negociar com o seu
companheiro a exigência do uso do preservativo, permanecendo, por
essa razão, em relações que prejudicam a sua saúde. Essa falta de
auto-estima não pode fazer com que ela não tenha força interior para
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exigir que seu parceiro use o preservativo, a fim de que ela tenha o seu
direito à saúde preservado. Isso não está acontecendo e o resultado, do
ponto de vista das mulheres, é trágico: passaram, anos atrás, de 16
homens infectados por cada mulher para uma relação igualitária, um
por um.
Um outro exemplo que dou é a questão das cotas. Penso que a
cota para a mulher, na política, foi – e é – muito importante, até porque
sensibiliza a sociedade. Assim, quando se coloca uma mulher que tem
um desempenho qualificado no poder – e essa, é uma mulher que faz a
diferença no Parlamento e nos locais em que atua –, sensibiliza toda a
sociedade, já que fica evidente para todos que ela é capaz de
desempenhar melhor essa função. Os partidos estão com dificuldade
para preencher as cotas. As mulheres não se sentem fortalecidas para
enfrentar o mundo político. Claro que há a parte de ganhar menos, de
ter menos recursos financeiros para as campanhas.
Defendo absolutamente o financiamento público de campanha.
Deveria ter reserva para as campanhas femininas, para que tivessem
recursos e fazer frente a gastos que são significativos. Darei alguns
exemplos: a mulher, reconhecidamente, avançou no mundo do saber.
Para quem não era permitido e não se achava importante, no início do
século XIX, que se alfabetizasse, hoje, ela ocupa mais de 50% dos
bancos de escola, do curso fundamental e Universidade. Saber mais
não significa ganhar igual. Os patrões, pela imagem que ele tem da
mulher , e por isso reforço a questão da imagem da mulher, se sente no
direito de pagar menos, porque o salário dela é considerado
complementar, para os alfinetes. Para o combate à violência há outro
programa, um programa excelente. Fiz parte do Conselho Nacional,
denunciamos, implementamos, lutamos e chegamos ao Programa
Nacional de Combate à Violência, mas esta ainda continua e as
mulheres, muitas vezes, não denunciam, se encolhem. Os avanços
foram inquestionáveis, só não suficientes.
Não acredito que alguém possa ser autônoma, se não for capaz
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de se sustentar e se qualificar profissionalmente para ganhar o seu
próprio sustento e não precisar ficar em situações de risco, em situação
de infelicidade. A nova mulher está quebrando, muitas vezes, a cara
para ter uma cara nova e verdadeira. Não existe mais o isolamento
social para aquela mulher desquitada. Hoje os códigos já estão
mudando, mas no contexto social ainda a imagem da mulher precisa
ser alterada. E a mídia é fundamental. O que isso implica? Qual é o
nosso desfio hoje? Implica na real constituição de sujeitos políticos
capazes de articular e promover essa transformação. Cito uma frase do
Aldo Serra, que considero muito importante, define ideologia como
"representação da relação imaginária do indivíduo com suas reais
condições de existência". É como o indivíduo se relaciona e se avalia. É
uma forma de se colocar no mundo de uma maneira mais acertiva;
você tem de acreditar em si mesmo. Os meios de comunicação, hoje,
são elementos fundamentais no imaginário coletivo. Vocês vêem que o
tempo de permanência, por exemplo, na frente de uma televisão
equivale, comprovadamente, ao tempo de permanência em uma sala
de aula, em torno de quatro horas.
Então, a imagem está vindo, está impregnando o
comportamento. É um elemento importante na socialização dos
indivíduos e da sociedade, é constitutivo. Então qualquer perspectiva
de transformação implica intervirmos, mas intervirmos de forma
verdadeira, questionar, pressionar para que se tenha uma mídia de
qualidade e, muitas vezes, não temos. Há alguns anos, e a Themis foi
parceira nisso, entrou-se com uma ação e escrevi um artigo sobre
reação à baixaria, porque era impossível ver a exploração de crianças,
a erotização precoce de meninas. As meninas são transformadas em
verdadeiras anãs, miniaturas de adultos. Não se vê isso na Europa e
em nenhum outro lugar do mundo, mas no Brasil é uma coisa
impressionante. Naqueles programas da Xuxa, vejam como as
meninas se vestem.
Há essa erotização precoce, como em concursos para minis:
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Carla Peres, Tiazinhas e Feiticeiras – isso tudo exacerba a sexualidade
e faz com que as pessoas tenham relações sexuais e engravidem
precocemente. Vinte por cento das gestações são de meninas e
adolescentes. A tudo isso não podemos assistir de forma passiva,
porque comunicação é concessão pública e esta teria de dar como
contrapartida educação e cultura para a população. Os meios de
comunicação compõem uma auto-imagem e o retrato de diversos
setores sociais.
Há dificuldade em se propor cidadania a setores de baixa auto-
estima porque eles são representados de forma reducionista. O que se
observa na venda de um produto? Em muitos deles, as pessoas usam e
se apropriam de reivindicações das mulheres, como podemos ver
quando a mulher vai ao banco e exige um bom atendimento. Mas, ao
mesmo tempo, enquanto usam algumas coisas exigidas pelas
mulheres, daqui a pouco a confundem com a cerveja, com o automóvel
e com os produtos. Ela é coisificada para vender produtos, é utilizada
de uma forma erótica e sexual – nem digo erótica, porque o erotismo é
amor, envolve sentimentos não tão reduzidos, mas, no caso, é para
vender produtos –, é comercializada como uma cerveja.
Entramos com processo, juntamente com a Themis, contra
músicas como Um tapinha não dói, em que a mulher podia apanhar
porque não tinha nada de mais. E se faz o quê? As pessoas vão
cantando e achando que não dói. Vão repetindo isso e acaba
impregnando nas mentes, no comportamento e acaba ampliando a
cadeia da violência.
Devido a essa importância de atenção às imagens depreciadas
e irreais da identidade feminina, chamamos o Conar, que regulamenta
a propaganda. Se olharmos com atenção as propagandas, aquelas
imagens ainda continuam deixando muita coisa a desejar e merecem
repúdio da população feminina.
Acredito que a dignificação dos temas femininos necessitam do
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jornalismo que veicule os acontecimentos de forma política,
relacionando a economia e a realidade cotidiana das mulheres com
fatos políticos e econômicos nacionais e internacionais, para que haja
uma compreensão da atualidade, fazendo com que ilustre e possibilite
ler uma notícia e ter sua própria opinião, discernindo melhor e não
aquela coisa pronta, massificada e distorcida.
Por exemplo, uma pesquisa sobre mídia realizada no Chile, há
alguns anos, mostrou o que as mulheres gostam de ver na televisão.
Pergunto aos senhores: as mulheres gostam de ver baixaria na
televisão? Segundo essa pesquisa, as mulheres gostavam de se ver
representando situações desafiadoras, tomando o seu destino nas
mãos, vencendo obstáculos e questões de seus relacionamentos. Elas
gostavam de se ver como uma figura positiva vencendo obstáculos,
superando dificuldades, mesmo que a sua vida não fosse assim.
Com relação a uma concessão pública, deveríamos trabalhar
com a mídia para que houvesse uma democratização dos meios de
comunicação, uma atenção muito firme com relação à questão de
gênero, como a negra é encarada, pois muitas vezes ela aparece nas
novelas só para servir o café. Não queria terminar sem dizer que tenho
uma enorme esperança nesta luta das mulheres, pois muitos avanços
foram feitos. Já demos um grande salto civilizatório. Galgamos um
patamar que Norberto Bobbio diz que: "é uma revolução não sangrenta,
sendo a mais bonita do século XX: a Revolução Feminina".
E, hoje, quando pergunto sobre o conceito de democracia, acho
que democrata é aquele que se compromete firmemente com a questão
da igualdade. Na democracia precisa haver esse parâmetro: se lutar
pela igualdade, mas a igualdade na diferença, ou seja, não tratar a
mulher como um homem, porque ela amamenta, tem filhos e demandas
próprias da sua condição de mulher. Mas que não haja hierarquia,
salário desigual, que não seja de forma alguma tratada com violência,
mas com respeito, e que a sua voz e a sua experiência – que é muito
grande, pois é ancestral – seja considerada um valor e possa ser
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aproveitada para mudar o mundo. Somos nós, mulheres, que cuidamos
dos idosos, que trabalhamos 66% das horas do mundo e queremos
continuar – mesmo sem achar justo – a cuidar dos idosos e das
crianças, trabalhando de maneira valorizada. Não queremos perder
essa característica da generosidade, que é uma característica da
mulher. Inclusive, ela sabe se uma amiga está triste na hora em que
coloca os olhos nela.
Considero o Tribunal Penal Internacional como uma das
grandes conquistas, pois é o local que as mulheres, que não têm
acesso à Justiça nos seus países, podem recorrer. Temos as grandes
conferências internacionais, os protocolos que precisam ser
respeitados, a convenção de Belém do Pará, que foi assinada pelo
Governo – que todos deveriam ter na bolsa, pois ali tem tudo – e trata da
questão da violência. Enfim, temos direitos. Uma das coisas que a
representante da Themis disse, quando implantou o Promotoras Legais
Populares, foi que "não se pleiteia o que não se conhece", temos de
conhecer aquilo a que temos direito. Temos de acreditar em nós
mesmas, construir esse protagonismo para mudarmos o mundo para
todos, homens e mulheres. Vivermos em paz, com desenvolvimento e
muito amor.”
SANDRA CÓCCAROGINECOLOGISTA
“Sou médica da Assembléia Legislativa, coordeno um
Programa de Atenção à Saúde da Mulher. Este programa que
realizamos nada mais é do que o rastreamento das doenças em
funcionárias, dependentes femininas de funcionários e aposentadas.
Atendemos aproximadamente 800 mulheres – número que
varia de ano para ano – onde são levantados fatores de risco e feitos
exames clínicos e complementares, cedidos pela Previdência do IPE.
Por dispor desses recursos, conseguimos fazer um trabalho mais
completo. A promoção é da Comissão de Saúde e Meio Ambiente e do
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Departamento de Saúde da Assembléia Legislativa.
Este gráfico mostra a mortalidade por grupo etário, do sexo
feminino, através de dados de 2002, obtidos na nossa Secretaria da
Saúde. O gráfico parece complicado, mas não é. A parte amarelo-claro
mostra a idade da paciente: com menos de 20, de 20 a 30, de 30 a 40,
40 a 49, 50 a 59 e de mais de 70 anos. Pelas décadas, observa-se que
as doenças infecciosas são mais incidentes na faixa etária dos 20 aos
29 anos.
A faixa amarela retrata, na verdade, as doenças sexualmente
transmissíveis, que ainda continuam sendo um problema de saúde
pública para nós, principalmente no que se refere à AIDS – ainda sem a
cura e sobre a qual falarei depois – e também o problema da
esterilidade permanente que advém dessas doenças sexualmente
transmissíveis, alterando toda a questão familiar.
Depois, as infecções vão diminuindo e cedendo espaço às
doenças crônico-degenerativas. O perfil da mulher mudou ao longo dos
anos, acompanhando o desenvolvimento e a sua participação cada vez
maior na sociedade, mas com o ônus do aumento de doenças crônico-
degenerativas.
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Que doenças seriam essas? Fundamentalmente, as cardiovasculares,
em primeiro lugar; depois, as neoplasias, os tumores na mulher, e
também doenças do tipo reumáticas, todas aquelas que advêm de uma
perda da vigilância imunológica no organismo.
Esses movimentos realizados, atualmente, pelas mulheres –
pela vida profissional e familiar – causam um desgaste a que
chamamos, na área médica, de estresse negativo. O estresse é uma
coisa que convive com a mulher e com o ser humano, podendo ser
positivo quando nos impulsiona para frente, e negativo quando nos
causa doenças. O desgaste causado pelo estresse negativo modificou,
atualmente, o panorama das doenças mais comuns no nosso meio,
levando isso mais para o lado das doenças crônico-degenerativas.
É um absurdo acreditar que a mortalidade materna ainda é tão
alta em nosso meio. Ela reflete a questão do pré-natal, do
acompanhamento da gestante, o que é saúde básica. Podemos
resolver isso, atuando primariamente na questão da mortalidade
materna.
A OMS aceita até 20 por 100.000 casos por ano e nós ainda
temos esse índice elevado de 74.5%. Isso mostra a falta de assistência
em nível pré-natal das gestantes. Dentro das doenças crônico-
degenerativas, a primeira causa de mortalidade na mulher ainda são as
doenças cardiovasculares. Nessa área, eu gostaria de pinçar dois
aspectos. Não me estenderei numa aula de fatores de risco, porque
não é esse o propósito, mas os dois maiores problemas vinculados ao
aumento da doença cardiovascular, sem dúvida alguma, é a
obesidade, hoje vista como a segunda causa de mortalidade nos
Estados Unidos, país de primeiro mundo. Isso tende a chegar a nós,
que somos um país ainda em desenvolvimento.
A obesidade está muito relacionada com a falta de
conhecimento da dieta alimentar, base que vem da família, e a questão
do sedentarismo – outro fator fundamental, que nossa cultura não
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contempla. Graças a Deus, isso está mudando. As mulheres estão
pensando em se movimentar, mas ainda precisa ser trabalhado com as
mulheres.
Depois, vem a cardiovascular, que seria um enfarte agudo do
miocárdio. Não entrarei em detalhes, mas a grande maioria das
mulheres morre por enfarte agudo do miocárdio. Depois viriam os
cânceres. Entre as mulheres gaúchas houve uma mudança no perfil da
mortalidade por câncer. Há uma década, ocorria câncer de mama em
primeiro lugar e o câncer de colo do útero em segundo lugar.
Agora, com o aumento da atividade feminina, do estresse
negativo, da incidência de fumo e de tabaco entre as mulheres, é
preocupante a incidência de doença de pulmão, já ocupando o segundo
lugar em liderança de causa de morte da mulher no Rio Grande do Sul.
Então uma campanha contra o fumo é fundamental.
Após o câncer de pulmão, vem o do trato gastrointestinal, que
fica quase junto com câncer de colo de útero, em termos de
mortalidade. Por quê? Também por fatores de liberação de ácidos no
organismo, no estômago e também pela questão das colonopatias. O
que são colonopatias? São as doenças do intestino grosso que advêm,
muitas vezes, da questão emocional, as chamadas doenças
psicossomáticas, que fazem com que a mulher possa desenvolver, ao
longo da sua vida, distúrbios na função intestinal e, como fator de risco
importante, desenvolver o câncer de intestino. Por câncer de colo do
útero, a mortalidade continua subindo. É outro grande absurdo a
mortalidade por câncer de colo uterino, não tendo saúde primária.
No momento em que conhecemos o vilão da história, principal
fator de risco de câncer de colo, que é o HPV, o Human Papiloma Virus,
que é o vírus do papiloma humano, sabemos que este é o causador de
grande parte dos cânceres de colo na mulher. A cada quatro mulheres
no Rio Grande do Sul uma tem HPV. O HPV deve ser rastreado, através
da consulta anual com citopatológico do colo do útero e um exame que
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julgo ser fundamental, mas que não é acessível em nível de postos de
saúde, chamado colposcopia.
A colposcopia é um aparelho simples que magnifica o colo do
útero através da coloração, com contrastes, que nos mostram lesões
iniciais de colo de útero. A sensibilidade do citopatológico do colo de
útero para diagnosticar lesões e células malignas é de 60%. Então 40%
das mulheres ficam sem diagnóstico de lesões iniciais quando fazem
somente o papanicolau. A colposcopia associada eleva a sensibilidade
para 98%, logo, temos chance de fazer diagnósticos das lesões virais,
tratá-las e evitar o câncer de colo do útero.
Ainda estamos carentes em termos de controle do câncer do
colo do útero, que já está em nível de prevenção primária, diferente do
câncer de mama, cujo nível de prevenção é o secundário. Qual a
diferença em relação a isso? A prevenção secundária é quando nós
identificamos a etiologia da doença e a atacamos antes do início da
doença, como por exemplo, o caso do HPV no câncer de colo do útero.
Já no câncer de mama fazemos o diagnóstico precoce. Não temos
ainda o marcador ou alguma coisa que nos confira fazer diagnóstico em
todas as mulheres e dizer: é somente essa a origem do câncer de
mama. Não sabemos quando uma doença, cuja origem é genética,
apresenta fatores predisponentes que agem sobre esse gene,
permitindo que essas células se modifiquem.
A prevenção, em termos de câncer de mama, é secundária.
Atualmente, vem sendo feita através do rastreamento, utilizando, para
tanto, a mamografia, em mulheres a partir de 40 anos de idade,
anualmente. Nas mulheres, cuja história familiar aponta irmã ou mãe
com câncer de mama e que apresentam histórico de biópsias com
lesões pré-malignas - pois, muitas vezes, é possível diagnosticar essas
lesões através da mamografia - a realização da mamografia deve ser
iniciada a partir dos 35 anos, sendo chamado de grupo de risco
conhecido.
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Vale falar um pouco sobre o câncer de mama, pois é a primeira
causa de morte por câncer no Rio Grande do Sul. Porto Alegre é a
primeira cidade em termos de incidência, novos casos por ano e
mortalidade no Brasil inteiro. Portanto, somos os campeões de
bilheteria nesse aspecto, comparado com São Paulo e Rio de Janeiro,
que seguem logo depois.
Uma coisa interessante a perceber consiste no aspecto da área
geográfica em que se vive, sendo determinante em termos do
aparecimento de doenças, logo, não basta apenas possuir a carga
genética, mas o ambiente também é um dos fatores predisponentes.
Em Fortaleza, há 15 anos, quase não havia casos de câncer de mama
no Nordeste, mas devido a grande industrialização e a mudança do
perfil da mulher, verificou-se um aumento significativo em casos de
câncer de mama.
Nós temos o perfil de cidade de primeiro mundo. No Rio Grande
do Sul a hereditariedade italiana e alemã é predominante,
provavelmente trazemos essa carga genética ao longo da
hereditariedade e vivemos em áreas de grande industrialização. A meu
ver, a área geográfica é uma questão muito significativa no aumento da
incidência, apesar de não podermos apontar quais são esses fatores.
Levantamentos realizados na área da oncologia mamária mostram
que, atualmente, somente 20% dos fatores de risco do câncer de mama
são conhecidos.
Apresentam maiores chances de desenvolver a doença
aquelas pacientes que nunca tiveram filhos, as que tiveram a primeira
menstruação precoce e a menopausa tardia e história familiar de
câncer de mama, ou seja, conhecemos somente 20% dos fatores
desencadeantes da doença. Ainda estamos embasados no diagnóstico
precoce por meio da mamografia e a principal problemática está
centrada na mulher jovem.
Na mulher jovem, cuja mama é mais densa, a mamografia não
9090
capta com tanta precisão as microcalcificações, nódulos pequenos e
distorções de parênquima. Essas mulheres, obrigatoriamente, devem
se valer da ecografia mamária para complementar o diagnóstico
mamográfico.
Gostaria de enfocar uma problemática importante, que é a
esterilidade conjugal, principalmente pelas questões das doenças
sexualmente transmissíveis. Nessa questão incluímos a Aids, que não
pode ser esquecida, tivemos uma diminuição de 50% da mortalidade
nos últimos anos devido às terapias retrovirais. A questão é a
incidência, que continua aumentando, principalmente em mulheres na
terceira idade, quando o uso do preservativo é uma coisa muito
complicada, ao passo que o adolescente, que se criou nesse ambiente,
já se acostumou e para ele o uso do preservativo tornou-se natural.
Ainda temos uma chance de trabalhar mais na prevenção da Aids com
essas gerações que estão chegando, enquanto não surge um
tratamento definitivo. Medidas visando incentivar o uso do preservativo,
como campanhas em relação à Aids são imprescindíveis.
Quanto ao planejamento familiar. É uma questão de saúde, de
desequilíbrio social, é uma questão que ultrapassa a saúde, já estando
no setor da educação. Acho que isso ainda é um grande problema de
saúde pública, deve haver um eficaz planejamento familiar em áreas
menos privilegiadas. Esse gráfico mostra uma estimativa do número
de casos novos no Brasil, ou seja, da incidência de câncer na mulher no
ano de 2001. Esses são os últimos dados do Instituto Nacional do
Câncer.
O câncer de mama feminina é, sem dúvida, o vencedor,
desponta em 20%, seguido do câncer de pele e de colo do útero. Isso é
em nível de Brasil, aqueles outros dados eram em nível de Rio Grande
do Sul.
9191
Depois vem o cólon e reto, após, traquéia, brônquio e pulmão.
Isso sendo de 2001, daqui a uns anos haverá uma mudança nessas
percentagens.
A mortalidade pelos principais tipos de
câncer do sexo feminino, no Rio Grande do Sul, de 1980 a 2001. A linha
vermelha é a mama. Pode-se analisar que, com o passar do tempo, a
9292
mortalidade continua subindo, em termos de câncer de mama, mesmo
com todo o conhecimento na área da quimioterapia, surgem mais
quimioterápicos, há uma imensa indústria nessa área, também têm
surgido novas técnicas cirúrgicas voltadas para a conservação da
mama, dentro do possível. Aonde está a falha? Na verdade, é a
prevenção.
Existe um conceito escrito por um dos experts no assunto de
câncer de mama nos Estados Unidos: “Tumores até um centímetro,
lesões insipientes, aquelas que ainda não tem o nódulo formado,
microcalcificações, podem ter sua cura em torno de 98% dos casos”. A
partir de um centímetro nós já perdemos a segurança loco regional do
tumor. Portanto, ficamos num terreno no qual ainda não temos uma
solução definitiva. Apostar no diagnóstico precoce, na revisão anual, na
realização dos exames complementares é a principal arma contra esse
tipo de tumor.
A mortalidade por câncer de mama no Rio
Grande do Sul no período entre 1980 a 1998 - essa mortalidade é
crescente e assustadora - é um real problema de saúde pública. O
número absoluto de óbitos femininos por câncer de mama segundo as
faixas etárias:
9393
Antigamente não se verificava câncer de mama entre 30 e 39
anos. Lembro-me que quando eu ingressei na faculdade esse índice
girava em torno de 2%, sendo mínima a incidência de câncer de mama
nessa faixa. Houve um aumento importante nesta década, sendo que o
pico de incidência está entre 50 a 59 anos. Nós temos um grande
problema aqui, os tumores de mama na pré-menopausa são mais
agressivos em termos de comportamento biológico do que os da pós-
menopausa, isso é um consenso.
A dificuldade, na pré-menopausa, está no diagnóstico desses
tumores, porque são mulheres jovens com estimulação hormonal na
sua mama, com a mama densa, onde a mamografia não serve como
rastreamento. No caso dessas mulheres, logo, perdemos a chance de
fazer diagnóstico precoce. Nessa faixa etária, a melhor medida é fazer
um exame minucioso das mamas e associá-lo a uma ecografia
mamária. Talvez, assim consigamos diagnosticar tumores de até um
centímetro, que é o objetivo que buscamos.
Nos aspectos relevantes sobre prevenção, falando de
prevenção de uma maneira ampla e geral da mulher, ela deve ser vista
como um todo, quanto aos seus aspectos funcionais, emocionais e
sociais. Ela não deve ser vista de forma segmentada. Eu, como médica,
vejo, cada vez mais, que se deve dar ênfase ao clínico, mas ao clínico.
Uma paciente que migra de especialista em especialista acaba sendo
uma paciente mal atendida porque aquele médico que está com ela só
olhará para a sua mama ou só para o seu útero, e isso não é correto
porque o indivíduo é um todo.
A mulher está inserida dentro de um contexto social, emocional
e é um indivíduo único. Aquelas mulheres que têm grandes problemas
na esfera emocional terão problemas orgânicos e vice-versa, ou seja,
as que adquirirem problemas orgânicos terão problemas na esfera
emocional. E isso não pode ser dissociado até porque a questão do
emocional atinge, basicamente, a questão hormonal e a questão da
vigilância imunológica.
9494
Eu fiz um estudo bastante grande no M. D. Anderson Cancer
Center, em Houston (Texas - EUA), logo no início da minha carreira,
porque queria entender qual a relação dos tumores e o do sistema
imunológico. Eu queria saber, por que o tumor, na grande maioria da
vezes, vencia o nosso sistema imunológico.
Eu posso dizer que isso é uma verdade, se não cuidarmos do
nosso emocional e se não nos cuidarmos como mulheres, teremos uma
dessas doenças crônico-degenerativas, porque a nossa vigilância
imunológica será abalada e cairemos nessa problemática.
Neste Seminário, eu quero transmitir para vocês que as
conquistas sociais são fundamentais, mas de nada adianta tudo isso se
não tivermos saúde. Saúde do ponto de vista emocional e orgânico.
Parece uma coisa absurda o que eu estou falando, mas existe uma
cultura, de nós mulheres, de assumir tudo e sermos responsáveis por
todas as coisas, o que nos causa um imenso desgaste.
A mulher tem que entender que ela precisa redistribuir tarefas.
No momento que ela assume um papel social, profissional, ela acha
que não pode ser uma excelente mãe. Ela tem que ser mãe na hora que
ela pode ser mãe e profissional na hora que ela tem que ser
profissional. E ela não pode ter conflito com isso. E isso é muito difícil
para a mulher entender, porque a nossa cultura é diferente.
A minha mãe era dona de casa e me criou com tudo o que eu
precisava para me desenvolver, mas isso bate de frente com a nossa
cultura atual. Agora, dentro desse dilema nós, temos que nos colocar
como o centro. Se não formos a referência, dentro desse sistema, de
nós mesmas, não faremos absolutamente nada. Não teremos força e
saúde para movimentar aquelas ações que pensamos ser importantes.
É fundamental o aspecto mencionado, que é a auto-estima. É
fundamental termos dentro de nós um eixo que nos confira um
conhecimento de nós mesmas, as nossas potencialidades e auto-
cuidado.
9595
Dentro do enfoque preventivo das doenças, é necessário inserir
a mulher em seu contexto, trabalhando cada mulher como ser único.
Quando uma mulher vem consultar comigo, eu não posso aplicar
aquela tabela de alto risco do livro que eu conheço. Até posso utilizar
para o meu conhecimento, mas atendo cada mulher, dentro do meu
conhecimento e pinçar coisas que eu vejo que são relevantes na
prevenção de doenças naquela mulher. Um exemplo disso é que já se
consegue, atualmente, fazer um aconselhamento genético e específico
da genética daquela mulher. Não adianta uma mulher chegar na minha
frente e dizer que nunca teve filhos e menstruou cedo, porque esses
fatores são pouco importantes perto de outras coisas mais importantes
que desconhecemos, que é o perfil genético, o perfil de risco que são as
neoplasias e o cálculo do risco.
O conhecimento de sua história e de seu corpo é fundamental
para se traçar um perfil de risco. As campanhas de massa na mídia são
pouco informativas, muitas vezes, e não resolutivas. Muitas vezes elas
afastam as mulheres do assistencial. Sem dúvida, a mídia é importante,
mas ela não é tudo. Atualmente, a mídia enfoca a cena da mortalidade,
a cena do desespero, do sofrimento e isso afasta a mulher de procurar o
profissional porque, no fundo, ela tem medo de ter câncer. Por isso,
temos que trabalhar de outra forma com a mulher. Temos que trabalhar
falando em saúde, e não em morte. O espaço de um minuto na mídia
não educará essa população. E o que a nossa população precisa é de
educação e de conhecimento, até para reivindicar coisas a que ela tem
direito. A criação de grupos são muito importantes, pequenos grupos
em vários lugares, de conscientização das pacientes.
Resumindo, eu acredito que as bases da prevenção são um
processo da educação continuada da comunidade e um programa
assistencial direcionado à prevenção das doenças da mulher. Ou seja,
não adianta, somente, postos de saúde fazendo o exame papanicolau
nessas mulheres. É necessário um processo de educação continuada
nessa área, fazendo com que as mulheres, ao chegarem no posto de
9696
saúde, saibam o que precisam fazer. A mulher sabe que após os 40
anos precisa fazer uma mamografia anual, ela sabe que, para
diagnosticar o HPV, ela precisa fazer um papanicolau e uma
colposcopia. Cerca de 40% da população, somente com citopatológico,
perde a chance de ficar boa de uma doença que poderia trazer
conseqüências piores. Nós próprias somos os agentes de saúde.
Então, dentro desse processo de prevenção, somos um bando de
formigas e que juntas podemos fazer muito. Cada uma na sua área e
cada uma com a sua capacidade.
Há um crescimento de grupos de voluntariado. Algo pouco
acreditada no início, mas que tem como base a divulgação da
informação, a motivação. A divulgação mexe e incomoda. Por isso, a
divulgação da informação e o aconselhamento podem muito bem ser
tratados por um grupo de voluntários.
A comunidade, sensibilizada por essa informação, terá uma
participação mais ativa e conhecimento para se prevenir. Além da
paciente saber que precisa ir ao posto de saúde, tem outras medidas
importantes que precisam ser consideradas: o aspecto emocional,
como a auto-estima, a inserção social, a questão da distribuição de
tarefas dentro do ambiente familiar que a sobrecarrega. Tudo isso é
uma questão global que pertence a essa condição de gênero.
Por outro lado, em termos do academicismo e do
assistencialismo, temos os médicos que são amparados pelas
subespecialidades: como a mastologia, a ginecologia e as sociedades
acadêmicas. Isso vem ao conhecimento essencial, para que os
médicos repassem a informação, o diagnóstico preciso – e muitas
vezes o paciente sai sem diagnóstico – e um tratamento adequado. Os
paramédicos que são os enfermeiros, auxiliares de enfermagem e todo
o pessoal que trabalha na área médica, também, podem trabalhar na
informação e no diagnóstico.
Então, vejo que temos chances de mudar o perfil da saúde
9797
pública, desde que se consiga trabalhar em conjunto. Concluindo,
prevenir é dar-se a chance de cura, evitar mutilações e diminuir
sofrimentos, atuar preventivamente. Em termos de saúde pública,
significa transformar uma mentalidade puramente assistencialista,
passiva, em consciência de busca e participação da comunidade junto
aos órgãos públicos assistenciais. Todos nós sabemos que a saúde é
uma responsabilidade do Estado, mas certamente depende de todos
nós. Se nós não nos posicionarmos, essas coisas não andam, não
saem. Um lembrete para este seminário: a mulher contemporânea
evoluiu muito em ganhos sociais, mas às custas da perda da qualidade
de vida. Um estresse violento, negativo, referente à saúde emocional e
física. Precisamos cuidar do nosso eu.”
SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZA DELEGADA EM PORTO ALEGRE
“Como me coube abordar a violência, darei mais um enfoque da
Delegacia da Mulher de Porto Alegre, onde atuo há três anos. Violência,
de forma genérica, é um constrangimento físico, moral, com uso da
força e coação. A violência doméstica, que é o que abordo, porque
trabalhamos especificamente com casos de companheiros que batem
em companheiras, maridos que batem em suas esposas, entre outros,
tendo como índice maior as brigas de casais. A violência doméstica,
então, é um modelo de comportamento agressivo de repressão e
coação, incluindo ataques físicos, sexuais, psicológicos e coação
econômica. Os ataques psicológicos são aqueles ataques emocionais
em que se consubstanciam, basicamente, nas ameaças.
Quais são as causas da violência doméstica, no meu ponto de
vista? É um comportamento aprendido pelo acusado, pelo autor,
modelos familiares, modelos sociais, modelos culturais e um
comportamento recompensado. O que torna tão difícil deixar uma
relação em que ocorre a violência doméstica? Quantos de nós, muitas
vezes, perguntamo-nos "por que essa mulher não larga esse homem",
se ela é tão vítima dele e cada vez se deteriora na sua auto-estima? Às
9898
vezes, para nós, que estamos de fora, é muito fácil julgar tudo isso, mas
se pensarmos que essas mulheres dependem desses homens para se
sustentar, para poder dar uma condição de vida melhor para os filhos e
até porque elas, emocionalmente, não conseguem deixar essa relação.
E o que leva um homem a bater em uma mulher? Muitas vezes,
dizem, por sem-vergonhice. Concordo com isso. Porém, é preciso
entender que, por vezes, o homem bate na mulher, porque tem
problema de alcoolismo ou com o uso de drogas. O número que a
Delegacia possui, de homens violentos, está embasado em homens
que bebem ou que se drogam. Qual o problema a ser tratado? O
problema social. Eles têm que procurar um tratamento.
Acredito que o ciclo da violência seria mais curto se
pudéssemos tratar também o homem. Não adianta só a mulher se
tratar, tomar a decisão de ir a uma delegacia e fazer o registro da
ocorrência para dar um basta nisso. Ela tem que saber que o homem
também vai se tratar. Porque ela vai lá, faz o registro e, muitas vezes,
ela retorna, pedindo que a ocorrência seja cancelada, pois resolveu dar
mais uma chance ao marido violento, que só age assim quando bebe.
Então, não podemos julgar.
Só que, na verdade, ele volta a beber e ela volta a apanhar. É um
ciclo. Quais os tipos de violência mais comuns dentro da sociedade?
Para ilustrar o que estou dizendo, trouxe dados de 2002, 2003 e 2004.
O que desponta dentro das estatísticas de Porto Alegre, onde está a
Delegacia da Mulher, sem dúvida, é a lesão corporal leve.
Estamos com penas bagateladas, como se fosse um balcão de
negociações para pancadaria. Estamos trocando tapas por cestas
básicas e, algumas vezes, por prestação de serviços à comunidade.
Então, a mulher se sente menosprezada, relegada a segundo plano.
Quando ela volta à Delegacia, diz: "Delegada, eu simplesmente vim
aqui, registrei a ocorrência e nada aconteceu". Isso, porque ela vai
chegar ao Fórum e será proposto uma conciliação. Se ela não aceitar a
9999
conciliação, o homem denunciado vai persegui-la. Não se consegue a
prisão preventiva para homens denunciados por praticar atos violentos
contra mulheres, porque a pena é de pequena monta. É um crime de
menor potencial ofensivo.
Até assédio sexual, cuja penalização foi uma conquista dos
movimentos feministas, é considerado um crime de menor potencial
ofensivo. O que faz a mulher assediada? Não denuncia, porque vai
perder o emprego se denunciar um patrão tarado. Assim, ela vai sofrer
em silêncio. E isso vai redundar no quê? Na baixa auto-estima e em
problemas orgânicos, porque essa mulher vai sofrer, a todo momento,
um estresse negativo, como definiu a Dra. Sandra, porque ela não tem
mais reação. Não consegue mais se defender.
Em termos de lesões corporais, poderia dizer que nós temos,
até agora, somados os meses de janeiro e fevereiro de 2004, 481
casos. Em 2003, somamos 2.595 casos, no ano inteiro. Em 2002, 2.139
casos. Notem que houve um aumento de quase 400 registros. As
ameaças vêm em seguida. O que são? Quando se coloca a mulher em
situação de perigo iminente, dizendo que: se ela não fizer determinada
coisa sofrerá conseqüências. Dentro dessas ameaças, muitas vezes
estão a privação de liberdade e privação de direito econômico. Por
exemplo: ela tem de ser alimentada, no momento em que não se
sustenta e ele diz: "Eu vou te matar de fome", ou "Vou matar teus filhos
de fome". Então, o que acontece? Ela não vai à Delegacia, porque
pensa: "Ele tem esse direito, porque me sustenta". E não é assim. A
mulher tem o direito a postular essa assistência, inclusive
judicialmente.
As ameaças despontam em segundo lugar. Em 2002, foram
registrados 1.952 casos, passando para 2.080 casos em 2003. Agora,
nos dois primeiros meses de 2004, já há registro de 352 casos. Não vou
citar o levantamento de todos os tipos de violência praticados contra a
mulher, porque seria cansativo, mas não posso deixar de apontar os
números sobre estupros. Em 2002 tivemos 84 casos; pulamos para 94
100100
em 2003 e, em 2004, em dois meses já temos registro de 23 casos de
estupro.
Esses números significam que a violência
aumentou, ou que a mulher conscientizou-se? Acredito que a mulher tenha
se conscientizado, inclusive porque a mídia pode ajudar-nos. Na novela
Mulheres Apaixonadas , por exemplo, abordou-se como a mulher pode se
defender e como pode fazer valer seu direito como cidadã.
Iniciativas como a que a Deputada Floriza dos
Santos está tomando, ao realizar um seminário como este, também, nos
fazem indagar: por que a lei não pode ser repensada ? Por que temos de
ter leis como essa dos Juizados Especiais Criminais, colocando os crimes
contra as mulheres, na maioria, de menor potencial ofensivo? Por que não
podemos fazer projetos ou campanhas para que se entenda que, para
uma mulher, uma lesão corporal leve significa muito, inclusive perder a sua
própria dignidade ?
Muitas vezes, a mulher não vai à delegacia registrar
que levou um tapa no rosto ou um puxão de cabelos, porque não sabe que
isto é crime e que não pode ficar calada. A violência se processa em um
somatório de atos. Primeiro, a mulher é ameaçada; depois, ela sofre um
puxão de cabelos, passando para um empurrão, para uma lesão leve e,
daí, para uma situação em que será espancada até a morte. Quando for
espancada até a morte, haverá inquérito policial. Nesse caso podemos
chamar o acusado à Delegacia, fazer depoimentos de testemunhas e todo
um bojo probatório, que será entregue ao Ministério Público para que este
faça a ação penal.
Temos que esperar que a situação fique tão grave?
Temos que esperar que a mulher seja estuprada? Isso, como exemplos de
crimes de mais de dois anos. Até dois anos, o crime é de menor potencial
ofensivo. As vítimas vão encontrar com esse acusado frente à frente e vão
transacionar para que haja um consenso no sentido de que possam voltar
a conviver. Se não acharem esse consenso, ele vai pagar pelo que fez.
101101
Mas, no inquérito policial, não. Ele vai ser levado pelo Ministério Público
a uma ação penal, e aí talvez respeitará mais a lei. Gostaria que as
mulheres, cada vez mais, procurassem as delegacias especializadas e
que houvesse uma mudança na legislação, para que se considerasse o
estado psicológico da mulher como agravante, mostrando que ela está
sofrendo, e não só o dano físico.
Em certas situações, o dano psicológico é pior do que o físico,
porque a mulher não quer nem falar, fica completamente embotada.
Além disso, há os danos que, tal situação, causa às crianças, aos filhos
dessas mulheres. Muitos homens consideram-se donos das mulheres,
consideram-se donos das filhas, mantendo relações sexuais com
essas últimas a partir dos 4 anos de idade. Há vários registros desse
tipo de ocorrência na Delegacia da Mulher.
No momento em que a mulher souber que existem iniciativas
como esta e que há delegacias em todos os lugares, procurará apoio
cada vez mais e tornar-se-á mais dona de si; terá sua auto-estima
aumentada e fará valer os seus direitos.”
IRENE GALEAZZIFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED
EMANUEL HEUSER
“Quero enfatizar o que já foi dito por outras mulheres que se
pronunciaram: a importância desse fórum que, sob o título de Mulher
Contemporânea, traz novamente uma reflexão sobre os diferentes
aspectos da inserção das mulheres na sociedade. Como já foi muito
bem argumentado pela Sra. Lícia Peres, um dos fenômenos mais
importantes do século XX é essa mudança no papel desempenhado
pelas mulheres na sociedade e a sua presença concreta nos diferentes
espaços públicos, sendo que um deles é o mercado de trabalho.
Vivenciamos, de fato, uma das mudanças mais importantes
desse último século: a intensa presença de mulheres no mercado de
trabalho, que não é uma mudança apenas numérica, mas de padrão
102102
também. Em épocas anteriores, como nos primórdios da nossa
industrialização, observamos a presença de mulheres trabalhando na
indústria têxtil, por exemplo, quando sua presença foi fundamental.
Por isso, não é uma novidade das últimas décadas a existência
de mulheres trabalhadoras, o que é novo é a intensidade com que as
mulheres estão hoje nessa atividade produtiva e o padrão dessa
inserção. Ao que tudo indica, a partir principalmente da década de 70,
na segunda metade do século, esse crescimento se deu de forma
intensa e com características de permanência, ou seja, é um padrão
que percebemos e que não se altera mais. A presença das mulheres,
por toda uma questão que acompanhou o processo das lutas feministas
e pela mudança cultural importante que vivenciamos no pós-guerra,
tem a característica de ser definitiva. Em momentos diferentes da
história, sabemos que as mulheres entravam no mercado de trabalho,
quando os homens estavam sendo deslocados para guerras ou outros
eventos muito específicos de necessidade de uma mão-de-obra
adicional.
O que precisamos refletir, no entanto, é que essa realidade
importante para as mulheres, na realidade, é a conquista de um espaço
de trabalho que veio junto, ou deve vir junto, com questões como a sua
própria independência e a sua condição de cidadã, dando o direito para
definir e controlar o seu próprio destino. Ainda, traz marcas muito sérias
e muito importantes da posição, digamos, subalterna que
historicamente tem sido destinada às mulheres.
Estamos há quase 20 anos do término da década da mulher,
onde tivemos uma intensa discussão, um intenso debate, um avanço
muito grande de conquistas. Percebemos, ainda hoje, no mercado de
trabalho uma série de indicadores que mostram que as mulheres –
ainda que tenhamos que reconhecer uma série de conquistas –, na sua
maior parte, ainda enfrentam uma série de dificuldades para serem
reconhecidas como indivíduos trabalhadores, capazes e que têm
condições, de fato, de exercerem atividades com qualidade. Isso,
103103
ainda, necessita ser reconhecido por meio de uma igualdade no acesso
ao trabalho e no recebimento da remuneração.
Observamos que as mulheres ainda mantêm uma maior
disposição ao desemprego. As taxas de desemprego das mulheres,
historicamente e estruturalmente, são mais elevadas que as dos
homens e quando as mulheres conseguem um trabalho, este, de uma
forma geral, ainda está muito vinculado a atividades consideradas de
menor status. Elas têm muito menos acesso, ou existe muito menos
oportunidades de conquistas de postos a serem galgados na hierarquia
interna dos diferentes setores, e a remuneração é, significativamente,
inferior a dos homens.
Trago alguns dados que estamos acompanhando do mercado
de trabalho, através de uma pesquisa chamada Pesquisa de Emprego
e Desemprego, realizada na Região Metropolitana de Porto Alegre por
um convênio existente entre a Fundação de Economia e Estatística, a
Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social, que é responsável por
políticas públicas na área do emprego aqui no Estado, e pelo
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-
Econômicos – DIEESE.
Essa pesquisa vem sendo realizada desde 1992, portanto,
abarcamos todas as condições de inserção no trabalho dos indivíduos
da Região. Há seis anos, estamos construindo esses indicadores. Pelo
menos uma vez por ano, com o recorte de gênero, porque pesquisamos
sobre esta forma, privilegiamos esse recorte e a idéia sempre foi
colocar à disposição do movimento de mulheres e da sociedade em
geral esses dados, para que tenhamos instrumentos que ajudem a
refletir e discutir proposições que tendam a minimizar os problemas.
Queremos chegar ao momento em que essas desigualdades não
existam mais.
Temos percebido, nesses anos de acompanhamento do
mercado de trabalho, que ele espelha as mesmas desigualdades que
104104
acompanham as mulheres em todos os segmentos de inserção social.
O mercado de trabalho reproduz as discriminações que estão
presentes na sociedade, sejam elas de gênero, cor, etnia, idade e
outros fatores que intervêm nessa possibilidade e nesse acesso ao
trabalho.
No nosso caso, uma outra questão que considero interessante
de refletir é que, apesar de todos esses avanços, as mulheres – em
menor medida, não é o seu conjunto – estão conseguindo conquistar
posições extremamente destacadas, têm chegado a cargos
importantes. Apesar de ser um espaço de poucas mulheres.
Pensando um pouco na proposta de reflexão desse fórum,
preferi falar em mulheres contemporâneas, porque acredito que temos
patamares muito diferenciados também dentro do segmento das
mulheres, provocados pelas diferentes discriminações presentes na
nossa sociedade. Não podemos esquecer que existem discriminações,
também, de classe social e de cor, muito fortes e presentes. Se
analisarmos a posição das mulheres no mercado de trabalho e
agregarmos a questão de raça e etnia à essa análise, veremos que as
mulheres negras, por exemplo, são as que sofrem as maiores
restrições no mercado de trabalho e as que estão mais expostas ao
desemprego, estando seus indicadores em posição, disparadamente,
mais desfavorável, se comparados aos do homem branco. Essas
gradações no contingente feminino, que está no mercado de trabalho,
provocam diferenças muito importantes. Embora, algumas mulheres
tenham de fato conquistado independência econômica e posição
social, sendo reconhecidas pela comunidade, a maior parte ainda não
se encontra nessa condição.
Tivemos, também, algum avanço nos diferenciais de
rendimento durante esta última década. Na nossa região, quando
iniciamos a pesquisa, em 1993, as mulheres recebiam em média 65,3%
do salário recebido pelos homens. Era um diferencial importante.
Passados 10 anos, observamos que houve uma melhora: em 2003, as
105105
mulheres percebiam 72,3% do que percebiam os homens.
Todavia, há outro aspecto que vimos constatando, não só por
meio das nossas pesquisas, mas que ficou demonstrado também em
outros estudos: as conjunturas econômicas desfavoráveis, que geram
impactos importantes no mercado de trabalho, ampliando as taxas de
desemprego, reduzindo salários e rendimentos, atingem muito mais
intensamente as mulheres do que os homens. Então, mesmo com
esses avanços, a taxa de desemprego das mulheres praticamente
duplicou nesse período. Até 1997, tivemos na nossa região um padrão
de crescimento do desemprego não tão intenso, mas que chegou a
patamares assustadores em 1998 e 1999, quando quase um quinto da
força de trabalho estava desempregada. Nesse movimento de
crescimento do desemprego, a taxa de mulheres desempregadas foi a
que mais cresceu, a ponto de mudar o padrão de distribuição dos
desempregados.
Como ainda somos minoria no mercado de trabalho – os
homens estão presentes em maior quantidade –, somos minoria
também entre os ocupados e éramos minoria entre os desempregados.
A partir de 1998, esse padrão mudou e as mulheres passaram a
constituir a maior parcela entre a população desempregada. Em 2003,
54% dos desempregados eram mulheres, e a taxa das mulheres
chegou a 20,4%, isto é, a cada cinco mulheres uma estava
desempregada. E desemprego – dentro do conceito das pesquisas,
significa ausência de trabalho com presença concreta de procura de
trabalho. Não estamos falando de mulheres inativas, mulheres donas
de casa; estamos falando de mulheres que estão, de fato, buscando um
trabalho ou ocupadas no mercado de trabalho. Então, daquelas
mulheres que estão no mercado de trabalho, 20,4% estão
desempregadas. Isso significa um crescimento na taxa de desemprego
das mulheres, em uma década, de 98,2%, quer dizer, praticamente
dobrou a taxa de desemprego das mulheres na década.
Numa etapa posterior, principalmente, no ano de 2003, quando
106106
tivemos uma importante queda nos rendimentos dos homens e
mulheres, as mulheres perderam menos renda. Significa que esse
movimento de diminuição do diferencial de rendimentos entre homens
e mulheres não foi muito virtuoso, se deu muito mais por uma maior
queda dos rendimentos dos homens do que por um avanço nos salários
e rendimentos obtidos pelas mulheres. Com isso, não estamos
querendo tirar o lado positivo de todo esse processo, mas trazendo um
pouco à reflexão, já que este tema passou alguns anos sem ser tão
questionada ou sem ter grandes reflexões, como outros aspectos que
atingem as mulheres como a violência e a saúde. Recorrentemente, a
mídia vem colocando o avanço importante das mulheres, fazendo, às
vezes, grandes matérias sobre mulheres que conseguem postos de
trabalho importantes, hierarquias importantes na área pública, gerando
uma idéia errônea para o conjunto da população, a ponto de muitos
homens dizerem que as mulheres estão tomando os seus lugares, que
as mulheres são maioria e que vão os mandar para casa.
Aparentemente, estes fatos têm levado a que haja um certo
descaso às questões ligadas ao mundo do trabalho. Os dados têm nos
mostrado que os problemas relativos à inserção das mulheres no
mundo do trabalho continuam existindo, persistem ao longo dos
tempos, por mais que haja crescimento constante de mulheres na força
de trabalho. Outro tema importante de mencionar é que nessa década,
principalmente, tivemos um crescimento muito grande do número de
famílias chefiadas por mulheres. As questões que estou apresentando
não são temas específicos da realidade local. Estão sendo observadas
no País todo e em outros países da América Latina também.
Começamos a década de 90, em torno de 23% das famílias da nossa
Região Metropolitana, com chefia feminina. Em 2003, cerca de 28,3%
são chefiados por mulheres. É um crescimento que se verifica em
quase todas as Regiões Metropolitanas. Essa maioria de mulheres no
desemprego é um fenômeno que também se observou, no mesmo
período, nas outras Regiões onde temos pesquisas semelhantes.
107107
A diferença em relação a nossa Região é que esse crescimento
das mulheres no desemprego foi muito mais intenso e num processo e
período muito mais rápido do que em outras Regiões. O crescimento de
mulheres chefiando domicílios também foi muito intenso. O IBGE, além
da nossa pesquisa, também fez, no Censo de 2002, um levantamento
relacionado – um estudo específico – sobre chefia feminina de família.
Neste trabalho se observa que o Rio Grande do Sul e a cidade de Porto
Alegre são campeões em alguns aspectos. Um deles na presença de
famílias unipessoais, mulheres que vivem sozinhas, Porto Alegre é
disparado campeão em relação a outras Capitais. Também há um
número elevado de famílias chefiadas por mulheres em Porto Alegre.
Ora, se consideramos que as mulheres continuam percebendo
rendimentos menores no trabalho e estão mais propensas a ficarem
desempregadas, podemos concluir, com muita simplicidade, que há
um aumento importante da pobreza entre essas famílias crescentes de
mulheres chefes de domicílio. As famílias chefiadas por mulheres são
de mulheres sozinhas, enquanto as famílias chefiadas por homens
são, em boa, parte de casais, o que já traz um pouco a questão do
estresse e da auto-estima. Essas mulheres têm de dar conta das
atividades domésticas, da educação dos filhos e dos cuidados dentro
de casa completamente sozinhas ou, no máximo, contando com o
auxílio dos filhos.
Nas famílias chefiadas por homens há a presença da mulher
também para compor a renda familiar, porque hoje as mulheres que
não são chefes de domicílio, são cônjuges, aumentaram intensamente
a sua presença no mercado de trabalho. Nas famílias chefiadas por
mulheres mais de 80% da renda é decorrente exclusivamente do
trabalho da mulher. Esses são aspectos sobre os quais temos de
refletir, pois podem estar significando violência contra as mulheres,
sobrecarga de trabalho diante de um mercado que lhes oferece uma
posição subalterna. Esses diferenciais de renda são observados em
qualquer uma das relações que façamos.
108108
Não está aí presente a questão da jornada menor das
mulheres, porque fazemos um cálculo de rendimento por hora de
trabalho. Então, independe do tamanho da jornada das mulheres. Se
compararmos mulheres e homens com nível superior, postos de
trabalho qualificado de homens e mulheres, homens e mulheres com
cargo de chefia e, no mundo empresarial, os rendimentos de
empresários ou empregadores com os de empregadoras, teremos
sempre, com diferentes tamanhos, os mesmos diferenciais de
rendimento, sem contar as dificuldades de acesso a cargos de chefia.
Isso mostra que a sociedade ainda tem uma visão do trabalho
da mulher como menos qualificado, menos importante e de menor
status, enfim, uma mão-de-obra que não merece o mesmo tratamento
dado à mão-de-obra masculina. Penso que isso é também constitutivo
de um fator de estresse e de uma forma de violência cotidiana que as
mulheres sofrem no mercado de trabalho.
Haveria, ainda, uma série de outras questões, mas penso que
conseguimos mapear com essas informações um pouco do que seria a
necessidade de discutirmos, de nos posicionarmos com relação a isso
e de pressionarmos a política pública nessa área de trabalho, de
estabelecermos mecanismos, que permitam minimizar essas questões
na busca de uma igualdade de oportunidades e de reconhecimento do
trabalho tanto de homens quanto de mulheres.”
CHRISTIANNE PILLA CAMINHAREPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
“Sou integrante do Ministério Público Estadual, Promotora de
Justiça que atua na área da Defesa dos Direitos Humanos, uma
Promotoria nova que estamos praticamente criando. Ela estava
vinculada à Promotoria Cível, mas agora o nosso trabalho ficou bem
distribuído em dois Núcleos: o da Saúde e o da Cidadania e Ordem
Urbanística.
O Núcleo da Saúde atende às questões relacionadas ao SUS e
109109
o Núcleo da Cidadania está direcionado a todas as outras questões,
inclusive as que estamos debatendo aqui, ou seja, as discriminações,
as desigualdades de tratamento por racismo, gênero ou idade.
Trabalhamos na defesa dos idosos, dos deficientes, enfim.
O Ministério Público se encaixa nesta proposta de debate como
um instrumento legal para tentar minimizar essas desigualdades e
diferenças dentro da nossa sociedade. Atuamos em equipe na
Promotoria, para atender aos direitos coletivos e difusos de toda a
sociedade.
É muito interessante, para mim, estar aqui presente – convite
que muito agradeço –, porque todos os aspectos aqui refletidos servem
como uma luva para a nossa atuação, já que sabemos das dificuldades
não só das mulheres, mas de toda a sociedade no atendimento
prestado pelo SUS.
A questão da mulher permeia tudo isso, já que a mulher é que,
no final das contas, é a mais sacrificada. Justamente no nosso setor de
trabalho, muitos homens comparecem, mas são as mulheres que mais
nos levam suas reivindicações, incluindo os direitos dos seus maridos,
dos seus filhos e da comunidade. Acredito que cada vez mais devemos
nos reunir e tentar trabalhar em conjunto, somar esforços e
conhecimentos para tentar diminuir essas diferenças e desigualdades.”
1.5 AUDIÊNCIA PÚBLICA – TRÁFICO DE MULHERES -
13/05/2004
TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES É TEMA
CENTRAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA
O evento promovido pela Subcomissão Mista de Assuntos de
Gênero da Assembléia Legislativa do RS, coordenada pela Deputada
Floriza Santos (PDT), abordou o Tráfico de Mulheres. Estimativas da
110110
Polícia Federal apontam que cerca de 70 mil mulheres brasileiras estão
em situação de escravidão em boates e casas de prostituição nos
países da União Européia. A audiência pública, contou, com a presença
do criminalista, escritor e professor universitário, Dr. Damásio de Jesus;
a representante do Ministério Público Estadual, Dra. Christianne Pilla
Caminha; o representante da Polícia Federal, Delegado Jorge
Fernando de Oliveira Vieira; a representante da Delegacia da Mulher de
Porto Alegre, neste ato representando a Secretaria Estadual de Justiça
e Segurança, Delegada Silvia Regina Cóccaro; e a representante da
THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Dra. Rúbia Abs da
Cruz.
A audiência, contou, ainda com a presença das Deputadas
Jussara Cony (PC do B), Maria Helena Sartori (PMDB), DE
REPRESENTANTES DA Secretária Estadual de Justiça e Segurança,
Ministério Público e de entidades que atuam em defesa dos direitos das
mulheres.
DAMÁSIO DE JESUSCRIMINALISTA – SÃO PAULO
“Grande honra tive em receber o convite para participar deste
evento de extraordinária importância, pois trata de um assunto que há
10 anos não era cogitado no Brasil, embora a violência contra a mulher
exista há milhões de anos. Igualmente, não se falava em tráfico
internacional de mulheres e nem de crianças.
Trouxe um trabalho para distribuir aos Senhores, síntese de um
livro que escrevi sobre esse assunto e sobre o tráfico internacional de
crianças, pois muitas delas são mulheres. Por isso é difícil tratar do
tráfico internacional de mulheres sem tratar do tráfico internacional de
crianças, pois muitas delas têm, infelizmente, entre 13 e 14 anos de
idade. Participei de eventos sobre esse assunto, em Viena, e o outro em
Portugal, que tratou do mesmo tema para os países africanos de
Língua Portuguesa.
111111
Em setembro, estive na Colômbia, onde todos os eventos
foram realizados pela ONU e tratavam desse tema. Verifica-se que
existe um grande interesse atual por parte das Nações Unidas no
sentido de que os Estados membros despertem para a prevenção
desse delito que, infelizmente, não tem grande importância para toda
comunidade. São crimes que acontecem todos os dias e tem-se a
impressão, ou a certeza, de que ninguém está prestando atenção a
isso. Neste instante, no mundo inteiro, devem existir membros,
funcionários, empregados do crime organizado internacional muito
bem treinados para levar nossas mulheres e crianças para o exterior. A
impressão que temos é de que isso não está acontecendo. Agora
estamos vendo nos aeroportos brasileiros cartazes despertando as
mulheres para o perigo desse crime.
Um dos motivos pelos quais nunca demos grande importância
ao assunto é que, às vezes, a própria vítima se dispõe a ir ao exterior na
esperança de melhorar de vida e acaba se tornando uma escrava
branca. A primeira coisa que os criminosos internacionais fazem
quando a vítima chega ao exterior, é tirar-lhe o passaporte, e assim ela
se torna uma prisioneira legal, pois não tem documento, não é ninguém
no mundo. Imediatamente, eles cobram a passagem, no valor de 5 a 6
mil euros e ela tem de pagar essa dívida com o seu próprio corpo. É
muito comum que a vítima, induzida a ir a Portugal, vê-se transportada
e vendida para outros países. Isso acontece normalmente nos países
de terceiro mundo, países que não apresentam às famílias
possibilidade de emprego, saúde, trabalho e razoáveis condições
pessoais.
Em Paris, há três anos, numa reunião da Associação
Internacional de Direito Penal, o grupo brasileiro que estava presente,
resolveu me indicar como relator no próximo congresso internacional
dessa instituição, que deveria ter sido realizado em março do ano
passado (2002) em Pequim. Ele não ocorreu devido às doenças que
apareceram naquele País. Indicado pela AIDP – Associação
112112
Internacional de Direito Penal, pelo grupo brasileiro, contratei um grupo
da USP para realizar uma pesquisa de campo. Durante seis meses eles
visitaram vítimas que haviam retornado ao Brasil, seus pais e
autoridades. Com esse material, escrevi um livro cujo nome é Tráfico
Internacional de Mulheres e Crianças. Esse livro foi levado no ano
passado, em maio, para Viena, onde distribuí aos Estados membros,
porque as Nações Unidas, no encontro sobre esse assunto em Viena,
estava muito interessado em saber o que estava acontecendo aqui no
Mercosul.
Em face a esse trabalho, tenho feito algumas palestras no Brasil
e no exterior. Confesso que esse livro foi elaborado com grande
dificuldade por falta de colaboração das autoridades brasileiras. Em
alguns casos, embora a autoridade tivesse boa vontade no sentido de
me fornecer informações não as tinham para prestar. Mandamos ofício
para todos Estados e até hoje tenho recebido respostas. Depois que
publiquei o livro ainda estão mandando respostas e normalmente
dizendo que não têm dados a respeito do assunto. Com a pesquisa,
concluí que o Brasil não está preparado para enfrentar, de maneira
geral, um assunto e um crime de tal importância. O livro apresenta um
retrato muito triste: o Brasil é um dos países que mais exporta mulheres
para o exterior e consta que temos na União Européia hoje 70 mil
mulheres brasileiras trabalhando no sexo. Não estou falando de uma,
nem de meia dúzia, nem de cem, nem de mil. Infelizmente, estou
falando de estimativas levantadas no Brasil pela Polícia Federal e por
algumas autoridades que forneceram elementos: existem 70 mil
mulheres servindo de escravas na União Européia. Estamos
exportando mulheres para outros países, como México, Estados
Unidos, Canadá.
Há 10 anos o tráfico internacional de mulheres era o terceiro
colocado no lucro das organizações criminosas internacionais. Hoje o
tráfico de mulheres está em segundo lugar. Tráfico de drogas, tráfico de
mulheres e tráfico de armas. É inacreditável, o tráfico de mulheres
113113
superou o tráfico de armas. Esses dados nos foram fornecidos na
Espanha em novembro do ano passado -2003 - pelas Nações Unidas.
É um dado estarrecedor. Por que o tráfico de mulheres está crescendo
tanto? É porque os criminosos não têm que empenhar muito dinheiro,
para traficar drogas e armas é preciso comprá-las. O tráfico
internacional de mulheres não exige investimento, porque é possível
que o contrabandista internacional venda a vítima por 10 ou 15 mil
dólares para a Ucrânia ou outros países e gaste apenas na compra de
uma passagem de classe econômica daqui para Portugal. Então,
despende pouco dinheiro numa passagem até Portugal e lá vende a
vítima por altíssimo dinheiro, dependendo das condições pessoais da
vítima. Preferem mulheres de pouca idade, por causa das doenças,
como é caso da AIDS.
Quais são as causas do tráfico internacional de mulheres aqui
no Brasil? São normalmente as mesmas de outros países com pouca
diferença. Observem, é um fato notório, que não temos condições de
fornecer às famílias brasileiras trabalho, educação, saúde. Há
professoras no Norte, Nordeste ganhando 1 dólar por dia. Quando
vimos essa pesquisa, na verdade, estavam ganhando 30 dólares por
mês, um real por dia. São mulheres que têm família. Qual o futuro dessa
família? Os rapazes normalmente desaparecem e vem para o Sul. E as
meninas? Normalmente são vendidas, cedidas para quem quiser. E as
professoras, que também não têm grande cultura, ganhem 30 reais por
mês, que condições têm de manter uma família? A família é levada a
dar a criança, dar a menina. Para ela é um favor da vida que aquela
criança desapareça da sua família.
Então, o caminho mais fácil é a prostituição. A prostituição no
Brasil pode levar à prostituição no exterior, porque os sedutores estão
em todos os lugares e são muito bem organizados. Nós somos
extraordinariamente desorganizados, ao invés de nos reunirmos
normalmente vivemos separados, com ciúmes dos outros.
Militei no Ministério Público por 26 anos e continuo tendo
114114
amizades e aproximação profissional com a Polícia Militar, Polícia
Federal, Polícia Civil, juízes, membros do Ministério Público. Vê-se,
ainda, em alguns lugares, que o promotor briga com o juiz por causa de
telefone, mesa, carro oficial. A briga entre a Polícia Civil e a Polícia
Militar existe em quase todos os lugares por ciúme, questão de
vencimentos. O delegado da polícia comum, e tem muita razão, quer
ganhar igual ao promotor, isso leva a uma desavença entre seus
membros. É muito fácil verificar na imprensa que infelizmente há até
homicídios entre a Polícia Civil e a Polícia Militar pela atribuição, pela
competência para tratar de um caso que leve a um inquérito policial.
Durante 26 anos de Ministério Público, quantas desavenças presenciei
entre promotores, juízes, policiais. Não precisa ser muito sábio e nem
ler muito para verificar que realmente acontece.
Não somos organizados, temos um sistema criminal que não
funciona, inclusive por brigas, por ciumeira entre seus membros. O
sistema criminal funciona? Não funciona, não é eficiente, não é
responsável, não é atuante. O sistema criminal engloba autoridades e
instituições. Estou falando em juízes, promotores, delegados, policiais.
Estou falando na fase do inquérito policial, do processo judicial e da
execução da pena. Pergunto, isso no Brasil funciona? Absolutamente
não funciona. Na fase policial, temos policiais suficientes? Temos nas
Comarcas viaturas suficientes? Não temos. A Polícia Civil e a Polícia
Militar têm aviões, têm helicópteros? Somente em alguns casos. Os
contrabandistas têm tudo. Na fase do processo, funciona o sistema
criminal brasileiro? Não funciona. Outro dia vi na televisão, que num
Estado brasileiro, o cidadão que iria ouvir a vítima entrou no
apartamento dela com uma máquina de escrever antiga. Isso é um
retrato da Justiça brasileira. E a fase de execução de pena? Funciona?
Não. Os presos fogem mais do que os acusados vão para a cadeia.
Todos os dias há levantes, há fugas em todo Brasil. É um sistema que
não funciona. Uma das causas do tráfico internacional de mulheres é
que, além de sermos desorganizados, somos tolhidos pela lei, não
podemos fazer isso, não podemos fazer aquilo, porque vivemos num
115115
País democrático e há uma lei a ser obedecida. E eles
(contrabandistas)? Pouco importa se o País é democrático ou não, não
têm nenhum limite legal. As autoridades brasileiras têm muitos limites.
E eles não têm limites nem de dinheiro, nem de lei e são muito bem
organizados.
Há dois anos em Paris, numa reunião das Nações Unidas, o
Ministro da Indústria e do Comércio da França nos dizia o seguinte: "da
mesma maneira organizados aqui, estamos organizando em Paris um
evento como este, para traçar o que vamos fazer em relação à
criminalidade internacional. O crime organizado está também em
algum lugar neste momento reunido para fazer alguma coisa contra
nós". O crime organizado internacional não tem problemas de dinheiro.
Contratam os melhores especialistas em cada matéria para lhes
orientar. Levam alguém que é especialista em rotas marítimas, rotas
áreas, advogados, professores de direito penal, contratados para que
o plano deles não tenha nenhum perigo no ar, na terra, no mar ou nos
caminhos jurídicos, e nós somos impedidos pela péssima organização
que dispomos.
O problema que estamos tratando aqui é o do tráfico
internacional de mulheres. Quais são as suas causas? Em primeiro
lugar a ausência de direitos em relação a emprego, saúde, educação,
salário digno para que uma mulher possa manter uma família.
Discriminação de gênero, as mulheres infelizmente ainda são tratadas
como ser humano inferior, é inacreditável que em quase todas as
atividades humanas, especialmente no Brasil, salvo exceções, as
mulheres levam uma grande desvantagem. Vejam o problema da
violência doméstica, o que acontece todos os dias é algo inacreditável,
como se a mulher fosse alguém que pudesse ser espezinhado todos os
dias, um ser humano de extraordinária inferioridade mental e física.
Isso ainda acontece e faz com que uma das fugas seja a internacional,
a mulher foge, precisa sair daquele ambiente e se aparece alguém que
diga: "a Senhora pode ser uma doméstica em Portugal ganhando
116116
2.000 euros por mês", ela se decide na hora. Quando chegar lá, verá
que não foi para uma família decente, mas para trabalhar em outros
ramos e o valor oferecido não é aquele.
Também tem relação com o tráfico internacional de mulheres os
crimes automobilísticos e a violência urbana. O que tem a violência
urbana e o crime automobilístico e os acidentes de trabalho a ver com
este assunto? O Brasil é o campeão mundial de acidentes de trabalho e
normalmente 80% ou 90% dos acidentes de trabalho são de homens
chefes de família que morrem e deixam a família ao desamparo. O que
pode acontecer? Algumas filhas podem desembocar para o tráfico
internacional. Por quê? Porque são muito organizados, embora alguém
não acredite, têm membros da organização internacional em busca de
famílias que perderam os seus chefes. Existe isso! E saber disto me faz
um mal muito grande. Não é possível que a humanidade seja tão má.
Não é possível que exista no Brasil uma organização que fica de olho
nos acidentes de trabalho e alguém vai convencer a mulher, com vários
filhos, de que uma das filhas vá trabalhar em outro lugar.
A falta de cultura e o analfabetismo leva a um desconhecimento
da realidade da vida. Tornam as pessoas mais vulneráveis à
criminalidade organizada internacional. Quais são as causas? Já vimos
algumas: a legislação criminal, os desastres naturais, as dificuldades
de oportunidade de renda, a pobreza, a violência contra a mulher.
Quanto a discriminação de gênero? Noventa e nove por cento das
pessoas traficadas são do sexo feminino. Como já disse, os traficantes
preferem as meninas devido as epidemias de Aids, que assola as
mulheres.
Qual a razão de tudo isto? A probabilidade de um jovem
brasileiro morrer aos 20 anos, é três vezes e meio maior do que uma
mulher. Isto varia de Estado para Estado. No sul do Brasil de mil
crianças nascidas vivas, 18 crianças morrem antes dos cinco anos de
idade. No nordeste, de cada uma mil crianças nascidas vivas, 124
crianças morrem antes de atingir cinco anos de idade e de renda. Os
117117
dados são de 1999, não há estatísticas recentes confiáveis. Haviam no
Brasil 15 milhões de brasileiros ganhando um dólar por dia. Trinta e sete
milhões de brasileiros ganhavam 60 reais por mês. O rendimento médio
mensal em 2001 era de 769 reais. O salário mínimo mensal, hoje, ainda
não chegou a 260 reais. Isto atinge milhões e milhões de brasileiros. Há
170 milhões de habitantes no Brasil. Ainda há 17 milhões de pessoas
com idade acima de 15 anos completamente analfabetas. Quanto ao
mercado de trabalho. Em 1998, havíamos 7 milhões de
desempregados. Quanto a mortes de acidente de trabalho, de 1999 a
2001, morreram no Brasil cerca de 3 mil trabalhadores em acidentes de
trabalho e setenta por cento destes trabalhadores eram chefes de
família.
Foi extinto a escravidão em 1888. Antes recebíamos escravos
negros. Hoje, estamos exportando mulheres. Essas mulheres são
muito bem recebidas, especialmente nos países da Europa. A
Fundação Helsink para Direitos Humanos informou-me – já disse isto
antes – há 70 mil mulheres brasileiras, trabalhando somente na União
Européia. Os Estados que mais exportam as mulheres são: Goiás, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
O campo de trabalho que atuo é o direito penal. Uma das causas
de o tráfico estar crescendo no Brasil, no dia-a-dia, está na legislação
também. Mas, tenho dito o seguinte: não adianta mudar a legislação
penal, não muda nada, se não tivermos uma Lei Penal que seja
aplicada e executada com responsabilidade.
Vejam o seguinte: já tentamos alterar a parte especial do Código
Penal, o qual são descritos os crimes oito vezes. Oito frustrações.
Somente, eu participei de duas comissões para a reforma da parte
especial do Código Penal. Como os ministros do Brasil não são
estáveis, o Ministro novo engaveta o projeto antigo. Isto já aconteceu
umas oito vezes. O atual Ministro, que é o nosso amigo Márcio Martins
Bastos, prefere uma reforma pontual. Isto quer dizer por partes, altera
um artigo ali e outro artigo lá. E não a parte especial do Código Penal
118118
como um todo. A Comissão do Ministério da Justiça não verifica se a
alteração de um artigo possa produzir efeitos em leque em outros
artigos. Isto não é feito. Qual é o crime mais grave? É aquele funcionário
que exige o dinheiro para fazer ou não alguma coisa? Ou aquele
funcionário que simplesmente pede o dinheiro? É aquele funcionário
que exige o dinheiro.
Sabemos que as mulheres brasileiras são muito bem vistas na
Europa e em outros Países. São mulheres lindas e maravilhosas as
brasileiras. Essas mulheres valem de cinco mileuros a 10 mil euros
facilmente. Então, as belíssimas vai para 15 mil euros. O problema é
quando a mulher chega aos destinos como: Portugal e Espanha, em
pouco tempo esta mulher desaparece e não se sabe aonde ela está.
Elas vão para a Ucrânia, para Rússia e para outros lugares.
Quais são os problemas que a autoridade enfrenta? São muitos
os problemas. Um deles é o da comparação entre a legislação brasileira
e a estrangeira. Exemplo: explorar sexualmente a mulher no Brasil é
crime, mas na Espanha, não. Então, se uma mulher vai para a Espanha
está sendo explorada lá. Qualquer pedido de autoridade brasileira não
é bem visto, é irrelevante. Porque a autoridade espanhola dirá "mas isto
aqui não é crime, é absolutamente lícito". Não irão diligenciar, não
investigarão nada.
A globalização trouxe grandes problemas. Ao mesmo tempo,
que a mobilidade do pensamento é muito grande, a dificuldade é
causada pelos próprios instrumentos: também é muito grande. Notem
que o Ministro de Estado da Economia das Finanças e da Indústria da
França, Nicolas Sarkozy nos dizia: "um dinheiro sujo proveniente do
tráfico internacional de mulheres é capaz de dar 24 voltas ao redor do
mundo em 24 horas". Mas, se uma autoridade da França pede por
rogatória uma diligência em outro país, isto leva dois anos. Somente
30% das rogatórias são atendidas.
Então, se há um dinheiro proveniente do tráfico internacional de
119119
mulheres – que é segundo no mundo em lucros hoje – esse dinheiro
sujo pode dar voltas pelo mundo com a apertada de um botão no
computador. Depois aonde encontraremos isto? Temos que nos valer,
no estágio atual da organização mundial, é das rogatórias. As
rogatórias são cumpridas, se um país pede uma diligência para o outro.
Setenta por cento das rogatórias que chegam ao Brasil, não são
cumpridas. Setenta por cento das rogatórias do Brasil para o exterior
não são cumpridas também. E quando são cumpridas estas rogatórias,
levam dois anos.
Então, o criminoso aperta um botão no computador e transfere
para um paraíso fiscal qualquer, ninguém descobrirá o dinheiro. Se nós
formos atrás, será feito por rogatória dentro da legalidade, 70% não são
atendidas e das atendidas serão, em dois anos.
Como vamos prevenir alguma coisa? Como trabalharemos
diante desta enorme dificuldade? Enfrentamos também problemas em
relação à família da vítima. Normalmente, a família da vítima está
satisfeitíssima. Diz: "Não, a minha filha é dançarina em Paris. Nossa,
cresceu muito!" Mas, vá ver o que está acontecendo com a filha dela lá.
A verdade é que vai ser uma escrava.
E se, por alguma razão, a filha consegue mandar um dinheirinho
para a família, aí não tem jeito. A família protege a filha, diz que está
tudo bem. Outro problema está em relação à própria vítima. Muitas das
vítimas vão com o próprio consentimento. Se são apanhadas no
Aeroporto de Cumbica, vão dizer: "Vocês estão atrapalhando a minha
vida. Vou ser doméstica em Portugal, vou ganhar mil dólares – ou mil
euros – por mês. Não quero que vocês se metam na minha vida!"
Então, as mulheres não estão preparadas ainda.
A prevenção ainda não faz parte da nossa cultura. É preciso avisar as
crianças desde cedo sobre o perigo que é estar em um aeroporto. Não
há esse aviso. Somente agora tenho visto, nos aeroportos brasileiros,
uma campanha da Polícia Federal muito bem feita em relação a isso.
120120
Mas só agora, quando o problema já vem de muito tempo.
Outro problema que as autoridades encontram é em relação ao
conceito que se faz de vítima de tráfico internacional de mulheres e de
crianças. Em relação às mulheres, elas não são vistas como vítimas.
São vistas como culpadas pelas autoridades brasileiras, pela Polícia
Federal. Muitos não estão preparados para isso. Esclareço que, no ano
passado, a Organização das Nações Unidas e o Ministério da Justiça
fizeram um curso conosco, em São Paulo, sobre tráfico internacional
de mulheres. É preciso esclarecer os agentes federais a respeito do
problema, porque quando a vítima procura auxílio, a autoridade diz o
seguinte: "Você quis isso. Você quis ir para a Espanha, quis melhorar
de vida. Agora que isso aconteceu, você vem aborrecer a gente."
Então, elas são vítimas na realidade, mas são vistas, por parte da
autoridade, como contribuidoras, co-autoras do fato.
A falta de autoridades nesse campo é outro problema. Em
Goiânia, Goiás, há pouco tempo, vimos que o delegado que tomava
conta do problema do tráfico internacional de mulheres era o mesmo
que expedia passaportes. O trabalho normal dele era expedir
passaportes e, parte do tempo, ele destinava a investigar a questão do
tráfico de mulheres no Aeroporto de Goiânia. É terrível.
Existem conexões que nós nem sabíamos que existiam. A
conexão de Ubal é relacionada com o Brasil. Alguém já pensou nisso?
Existe uma conexão de Ubal para tirar mulheres do Brasil e levar para
fora. A conexão Barcelona, a conexão Israel, a conexão Londres. Na
Suíça – é inacreditável que existam esses fatos – há uma campanha ou
existia, talvez não haja mais, que se chama Uma Mulher Brasileira
como Souvenier. As agências de turismo locais ofereciam: Vá ao Brasil
e traga uma mulher de lembrança. A mulher pode ficar na Suíça por
seis meses legalmente. Então, o cidadão vinha, ficava um mês ou dois,
15 dias, uma semana, e levava uma mulher brasileira para ficar lá, com
ele, durante seis meses, servindo-o sexualmente. Tinha agência de
turismo incentivando isso. Depois de seis meses, até logo, volte para o
121121
Brasil. Normalmente, as mulheres ficam na Europa. É uma pena que
isso ainda aconteça.
Poderíamos falar ainda sobre formas de recrutamento. Há uma
maneira de levar mulher do Brasil por via do casamento. Vem um
estrangeiro para cá, casa-se e leva a mulher embora. Tempos depois,
ele diz: "Você não me serve mais, vá para outro lugar, não quero mais
você." Poderíamos falar, também, que a vítima não colabora por medo
de represália. Há fatos fantásticos contados pela Polícia Federal de
Portugal a respeito de mulheres que sofrem sevícias na Europa. Há
tantos outros assuntos que eu poderia tratar, mas eu gostaria de, para
finalizar, falar sobre o art. n.º 231 do Código Penal, que define o crime.
Ele causa muitos problemas.
Diz o texto: Com uma pena de reclusão de três a oito anos, que
pode ser agravada por algumas circunstâncias: promover ou facilitar a
entrada no território nacional de mulher que nele venha a exercer a
prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no exterior.
Normalmente, é promover a saída de mulher que vai exercer a
prostituição no exterior.
Um dos problemas que a autoridade enfrenta é o verbo
promover. O que quer dizer promover? Então é promover ou facilitar a
saída de mulher do território nacional. Esse promover é muito amplo. É
de tal amplitude que causa dúvidas nas autoridades. Aquele que está
alterando, falsificando o passaporte de uma mulher para levá-la ao
exterior, com a finalidade sexual, está promovendo a prostituição? O
delegado fica em dúvida: prendo pelo crime de falsificação de
documentos ou por estar promovendo a prostituição?
A lei deveria ser mais restrita, permitindo a adequação típica
perfeita, permitindo que o delegado, de pronto, saiba se o fato é
caracterizado como crime enquadrado nesse artigo ou de outro artigo
do Código Penal. E notem: a lei fala em promover a saída de mulher. O
momento consumativo do crime é a saída. Antes, é tentativa. A mulher
122122
que está no aeroporto e é descoberta pela Polícia Federal, como quem
vai para o exterior exercer a prostituição já há crime consumado? Se é
com a saída, o crime ocorre quando ela sai do território nacional.
Quando o avião deixa os limites brasileiros só aí é consumado o crime.
Mas aí a mulher já está indo para o exterior. Se a autoridade prende
antes do embarque, é tentativa. Segura a mulher, mas por tentativa do
crime. E aqueles que estavam esperando por ela no exterior, como
ficam?
Não punimos o comprador da mulher. Normalmente acontece
assim: a mulher vai para Portugal, vai para a Espanha, e alguém já a
está esperando. É o comprador. Como é que vamos provar que o
comprador, antes, estava promovendo o crime de prostituição? Vejam
bem: se ele recebe a mulher no exterior, não está promovendo, porque
ela já saiu do país. Se há uma combinação anterior, centenas de vezes
já esperou por mulheres no aeroporto, então, ele faz parte do crime
tipificado aqui. Mas, como vamos provar isso se, por exemplo, na
Espanha explorar prostituição não é crime? Ele recebe a mulher na
capital da Espanha e a vende para outros países. Então, o momento
consumativo – só ocorre o crime consumado, quando a mulher sair do
país – causa enorme problema à autoridade federal.
Existem outros problemas relacionados. O Código Penal fala
em promover a saída para exercer a prostituição, mas o crime de tráfico
internacional de mulheres não existe; só quando ela sai do país para
esse fim. Há também a doméstica, que vai ser uma escrava sem fins
sexuais em outra nação. Outra questão que se discute é a respeito do
sujeito passivo, se é a mulher ou a sociedade. Se a vítima tem idade
entre 12 e 18 anos, já não é mais crime previsto no Art. n.º 231 do
Código Penal, a situação vai para o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Então, há uma confusão muito grande. Já escrevi um
trabalho sobre as confusões da legislação penal brasileira em relação
ao crime de tráfico internacional de mulheres. E o ECA, Estatuto da
Criança e do Adolescente, no art. nº 244 A – diz: Submeter criança ou
123123
adolescente à prostituição ou à exploração sexual. A pena é de
reclusão, de quatro a dez anos. A pena prevista no Art. n.º 231do
Código Penal é de três a oito anos. A confusão é enorme.”
JORGE FERNANDO DE OLIVEIRAPOLÍCIA FEDERAL
“A questão do tráfico de mulheres é de fato um problema sério e
complexo, determinado pela desigualdade estrutural da nossa
sociedade, em que a pobreza e a violência acabam por impulsionar
nossos jovens para as ruas e para a prostituição.
Estou certo, que é consenso entre nós, que a solução para
problema tão grave passa, muito mais, pela atuação de propostas
políticas, sociais e educacionais do que propriamente pela atuação
policial. A presença da polícia, nesse delito, só se justifica ante a
falência das demais instâncias. Todavia, o fato é esse, o crime está aí,
os criminosos se organizam em redes internacionais de tráfico de
mulheres e precisamos combatê-los.
As atribuições da Polícia Federal na investigação desse delito,
que corresponde ao Artigo 231 do Código Penal, decorrem da
repercussão internacional do crime, bem como da existência de
tratado internacional, referendado pelo Brasil, a respeito do assunto. É
importante que se diga aqui que, de fato, para nós, policiais, esse é um
delito bastante difícil de se investigar, justamente pela falta de
visibilidade. O tráfico internacional de mulheres é normalmente
acobertado por atividades lícitas, como empregos de dançarinas,
modelos, garçonetes, enfim. As próprias mulheres, quando recrutadas,
sonham com uma vida melhor, com a possibilidade de residir, de
trabalhar no exterior, de ter seus salários em dólares, de poder ajudar
suas famílias, enfim, de romper com essa barreira da miséria e
angariar um novo status social. Já os aliciadores, por sua vez,
percebemos que se escudam naquilo que chamamos de redes de
favorecimento. Redes, essas, que são caracterizadas em boates,
124124
casas de massagens, agências de modelo, agências de emprego,
onde, via de regra, tem um funcionário, um gerente, ou mesmo o
proprietário do estabelecimento, aliciando, intermediando a recrutação
de mulheres para o exterior.
Esses delinqüentes se utilizam, muitas vezes, daquelas
mulheres que já estão exercendo a prostituição lá fora. Elas é que
aliciam, outras que permanecem no Brasil, suas conhecidas, suas
amigas. Então, o certo é que esses contatos são sempre estabelecidos
por pessoas muito próximas, muitas vezes até familiares das vítimas.
Por tudo isso, o combate desse delito fica difícil e complicado para nós,
policiais. Esse crime depende de denúncias que, via de regra, não
acontecem. Apesar dessas dificuldades todas, a Polícia Federal tem
procurado trabalhar com seriedade, com determinação, para minimizar
o problema. Existem muitos inquéritos instaurados recentemente em
todo o País, em que diversos delinqüentes foram já denunciados pelo
Ministério Público e até mesmo condenados pelo Poder Judiciário.
No nosso Estado, estão identificadas algumas rotas
internacionais de tráfico de mulheres e catalogadas na Polícia Federal.
Essas rotas passam por municípios como Porto Alegre, Uruguaiana,
Passo Fundo e algo em Rio Grande. O destino dessas mulheres
aliciadas em nosso Estado é Espanha, Portugal, na Europa; Hong
Kong, na Ásia; Argentina, Paraguai e Chile na América do Sul. Em
Uruguaiana, que é um município gaúcho onde temos o maior número
de casos, nos últimos anos já trabalhamos em diversos inquéritos
policiais, alguns já relatados e encaminhados ao Poder Judiciário.
Atualmente, temos um em andamento, em que se apura o recrutamento
de uma jovem argentina que foi trazida para o Brasil com a finalidade de
prostituição. Nesse caso, logramos identificar a autoria, que neste caso
se trata de uma conterrânea da moça, que possivelmente contou com a
colaboração de um taxista brasileiro. Esse inquérito está em fase
conclusiva e brevemente estaremos encaminhando-o para o Poder
Judiciário.
125125
Um aspecto interessante: quando o destino dessas mulheres é a
Europa, os Estados Unidos, evidentemente a via aérea é a utilizada.
Nesses casos, os traficantes preferem promover a saída das mulheres
através de aeroportos como Foz do Iguaçu e Curitiba, sendo raros os
casos, aqui no sul, registrados pelo aeroporto Salgado Filho. E a
explicação que temos para isso é a posição geográfica de Foz do
Iguaçu, onde temos a denominada tríplice fronteira; um contingente
muito grande de estrangeiros circulam naquela região e isso facilita aos
criminosos a dissimulação das suas atividades.
Curitiba apareceria, nesse contexto, como uma segunda
alternativa, como aeroporto mais próximo de Foz do Iguaçu. Já em
Porto Alegre, no nosso aeroporto Salgado Filho, o trabalho da Polícia
Federal tem sido rigoroso, os policiais estão orientados e preparados
para identificarem manobras de pessoas ou de grupos que pretendam
aliciar mulheres, ou que estejam tentando levar mulheres para o
exterior. Evidentemente que isso inibe a ação dos criminosos.
Um outro ponto que anotamos para conversar nesse encontro,
já muito bem externado pelo Dr. Damásio, é a questão do tráfico
interno. As atividades são muito intensas nessa área, e bem maiores,
certamente, do que o tráfico internacional. Este tipo de delito, em muitas
circunstâncias, depende de um combate uniforme e da presença da
Polícia Federal. Ocorre que o Art. 231, do Código Penal penaliza tão-
somente o tráfego internacional de mulheres. Não há um tipo penal,
prevendo o tráfego interno, o interestadual. A alternativa para essas
circunstâncias é o enquadramento em algum dos artigos e algumas das
modalidades de lenocínio, bem como em algum outro delito, que no
curso das investigações, possam ser identificados. O Dr. Damásio tem
razão, talvez não se consiga fazer tudo o que se deseja, mas há uma
preocupação muito grande da Polícia Federal acerca deste tema, tanto
é assim que o novo policial na Academia Nacional de Polícia recebe
aulas em disciplinas como Direitos Humanos, Cidadania e Ética, em
que, além do conhecimento teórico, são repassadas técnicas de
126126
investigação, de identificação, para que se possa colocar em prática,
depois na atividade, com vista justamente a identificar eventuais
manobras de organizações criminosas e de aliciadores. A nossa área
de inteligência trabalha integrada com o pessoal internacional. Isso tem
nos dado excelentes resultados. Temos algumas investigações em
andamento, aqui no nosso Estado, neste campo e espero que,
brevemente, possamos estar divulgando, mais uma vez, a eficiência do
trabalho desenvolvido na Polícia Federal.
Existe uma preocupação constante do órgão, também, no que
diz respeito ao pessoal, que é lotado nas Regiões de Fronteiras, no
Aeroporto Salgado Filho e no setor de expedição de passaportes. Esse
pessoal é preparado e treinado para identificar esses grupos, essa
organizações, que se articulam para levar mulheres para o exterior com
a finalidade de exploração sexual. O problema referido pelo Dr.
Damásio com relação à caracterização do delito, de fato, isso acontece.
Tivemos alguns casos aqui, em Porto Alegre, em que deixamos que os
aliciadores embarcassem no avião, alçassem vôo e a abordagem foi
feita no Estado de São Paulo. O delegado não teve dúvidas em produzir
o auto de prisão em flagrante. Essas pessoas estavam num vôo
internacional, que tão-somente fez uma escala em São Paulo. O novo
passaporte brasileiro também, brevemente, estará circulando com um
alerta sobre atividades de quadrilhas no exterior, envolvidas com
tráfego internacional de mulheres. Também, neste documento será
encartado um folheto, produzido pela ONG–Serviço à Mulher
Marginalizada e pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher da
Infância e da Juventude com dicas aos turistas para se prevenirem com
relação a esse problema tão sério.
Dados estatísticos importantes para dimensionarem o problema
e colocar a atuação da Polícia Federal: instauramos, nestes dois
últimos anos, 170 inquéritos no Brasil para apurar o delito do Art. 231, do
Código Penal. A grande maioria já foi encaminhada ao Poder Judiciário,
devidamente relatado e com autorias identificadas e outros em
127127
andamento, como é o caso do nosso Estado. Nesse mesmo período, os
últimos dois anos, que foi a minha referência, tivemos cerca de 12
inquéritos elaborados. Para finalizar essa breve manifestação, quero
dizer que pode ser feito muito mais. A Polícia Federal está preparada
para combater essa verdadeira chaga social. É indispensável que haja
a integração da sociedade, que as pessoas denunciem, apontem,
indiquem para a Polícia possíveis aliciadores. Como isso pode ser
feito? Através de telefonema, e-mail, correspondência, da forma que
chegar a notícia, vamos investigar. Se isso de fato acontecer,
poderemos dar uma resposta muito mais rápida e desbaratar essas
organizações criminosas que lucram verdadeiras fortunas com o
tráfego internacional de seres humanos.”
SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZADELEGADA - REPRESENTANDO A SECRETARIA ESTADUAL
DE JUSTIÇA E SEGURANÇA
“Como policial civil e da Delegacia da Mulher, já tivemos casos
registrados nesse âmbito. Encaminhamos diretamente para a Polícia
Federal, que é o Órgão competente para esses assuntos.
Representando a Chefia da Polícia Civil, também temos de nos
ombrear a essa excelente iniciativa da Deputada Floriza, que está
sempre com os olhos voltados às questões de gênero. Com relação a
este trabalho, a Delegacia da Mulher também se coloca à disposição
para todas as questões que se fizerem necessárias. Também se
solidariza com essa iniciativa de falar a respeito de um tema tão
polêmico como é o tráfico de mulheres.
Sabemos o que acontece aqui no Brasil: as delegacias tomam
conhecimento e posteriormente a prova se esvai, porque não temos
condições de desbaratar o final dessa cadeia, dessa corrente. A
informação, com que a Polícia trabalha, é de extremo valor. Sempre
que se sabe de um tipo de delito dessa natureza, deve-se procurar os
128128
órgãos policiais imediatamente. Acredito que, dessa maneira,
conseguiremos minimizar isso. Seria hipocrisia falar de exclusão total
desses delitos, porque enquanto existirem pessoas oferecendo
vantagens fáceis para melhorar de vida, as pessoas sempre irão cair
nesses contos. Acredito nas campanhas de conscientização da mídia,
de órgãos públicos para que não se acredite em vantagens fáceis.”
CLÊNIA MARANHÃOVEREADORA - PORTO ALEGRE
“O tráfico dos seres humanos é a forma de escravidão do século
XXI e mais de 93% dos seres humanos traficados são mulheres.
Portanto, o foco central do debate é em relação às mulheres que são,
numericamente, as grandes vítimas desse processo.
Aproveito a presença dos Delegados da Polícia federal e dizer
que cheguei faz três dias da França, onde participei de um evento em
que essa temática estava incluída e que vi pela primeira vez, num
aeroporto brasileiro, um cartaz referente ao tráfico de seres humanos.
Eu sempre ficava horrorizada, porque nos aeroportos
brasileiros só havia propaganda de esclarecimento na questão de
animais selvagens, que também devemos ser contra, mas eu me
impressionava muito que não havia cartaz em relação ao tráfico de
seres humanos. Fiquei muito orgulhosa ao chegar de volta ao Brasil e
ver, pela primeira vez, cartazes em relação a esse assunto. Do ponto de
vista da visibilidade ainda é pequeno, mas já um sintoma de
incorporação dessa temática. Penso que temos que começar a
registrar isso para incentivar e nos fazer sempre otimistas.
Em relação à questão das repercussões posteriores, que não
são registradas, tive a oportunidade de fazer um debate com uma
americana, que incorporou um outro ponto com referência às mulheres
vítimas do tráfico, quando estão em outros países, o tráfico externo.
129129
Além de tudo que sofrem, como foi colocado aqui, elas muitas vezes
são colocadas na condição de imigrantes ilegais. Elas são presas
posteriormente, por uma questão de falta de documentação. Quando
começamos a analisar essa questão, há um desdobramento de
desrespeito aos direitos humanos das mulheres, que se efetivam de
forma brutal.
Num evento que promovemos na Câmara Municipal de Porto
Alegre, trouxemos, talvez, a mais famosa traficada, hoje, no mundo,
porque conseguiu dar um salto dessa sua condição para uma militante
feminista da área dos direitos humanos, que é a Honey Hungh, uma
indiana que foi vítima do tráfico aos oito anos de idade. Lembro que as
duas representantes do Ministério Público estavam presentes nesse
evento. A Honey Hungh dizia que a opção pelo tráfico de crianças é
exatamente pela maior dificuldade de reação da criança no sentido de
se articular para fazer a denúncia.
No Brasil, todos os dados de pesquisas feitas,
fundamentalmente, na fronteira norte com Belém, no Pará, mostram
inclusive que tem diminuído a faixa etária das mulheres traficadas. Elas
cada vez são mais jovens. Talvez haja um diagnóstico dos traficantes
de que essa característica lhes favorece. Apenas a título de
contribuição, gostaria de deixar como sugestão, para que saiamos
daqui com uma expectativa de alguns encaminhamentos, que
pensássemos, nesse momento de mundialização da economia e da
comunicação, que as saídas para uma questão tão grave não podem
estar apenas na área penal, como disse o delegado – com o que
concordo absolutamente –, tem que sair dessa instância. Quando
temos que tratar disso nessa instância, penso que é um sintoma da
falência do Estado, dos valores fundamentais da sociedade e, também
que, nessa época da mundialização, não podemos tratar uma questão
internacional de tráfico com soluções meramente nacionais. Creio que
hoje temos que tentar incluir esse tema inclusive nos debates da ALCA,
do comércio internacional.
130130
A Deputada Welma Velory, do Estado de Seattle, que hoje é
uma das grandes articuladoras internacionais das redes contra o
tráfico, tem feito um esforço no sentido da elaboração dos textos dos
acordos internacionais do comércio. Nessa direção, creio que nós, que
estamos lutando para articulação dos órgãos do Estado brasileiro,
porque há uma fragmentação muito grande, temos que apontar como
um encaminhamento que essa temática não seja apenas vinculada ao
Ministério da Justiça e à Polícia Federal, mas que o Ministério das
Relações Exteriores esteja vinculado também à busca de uma solução.
Tenho acompanhado, no Estado de São Paulo, o esforço feito
pela Secretaria dos Direitos dos Cidadãos no sentido de a unidade
federada passar também a discutir a sua responsabilidade diante
dessa questão. Hoje, a nossa discussão tem de ser no sentido de
assumir responsabilidades. Sugiro, inclusive, o debate com relação à
responsabilidade do poder local. No município é que as mulheres são
aliciadas, onde inclusive vivenciam uma realidade que lhes impõe essa
condição. A solução tem que ser de uma enorme articulação, quer seja
das instituições públicas, do poder local, do Parlamento, do Executivo
ou das forças organizadas da sociedade.
Creio que o Governo Estadual tem também de ser chamado
para essa responsabilidade pública e, em nível federal, acredito que
todos os órgãos, desde o Ministério de Relações Exteriores, passando
pelo Ministério da Indústria e Comércio, que firma os acordos
comerciais brasileiros, e, evidentemente, o Poder Legislativo, Senado
e Congresso, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm de permear
essa concepção.”
DAMÁSIO DE JESUSCRIMINALISTA – SÃO PAULO
“Um dos problemas que enfrentamos no Brasil é a
multiplicidade de polícias. Temos a Polícia Civil, a Militar, a Federal e
outras, como a metropolitana em algumas cidades. Todas elas, como é
131131
natural, são muito cônscias de suas responsabilidades e atribuições.
No meu Estado, um problema que vejo entre a Polícia Civil, a Militar e a
Federal é a questão da atribuição desta última para cuidar dos
problemas do tráfico internacional de mulheres. Salvo exceções,
quando um fato de tráfico internacional de mulheres chega ao
conhecimento de um delegado da Polícia Civil, como não é de
atribuição dele aquela tarefa, ele normalmente não dá importância ao
fato, de modo que permite, pela sua omissão, que, eventualmente, um
tráfico internacional de mulheres ocorra, quando ele poderia muito bem
tomar providências, levando a ocorrência ao conhecimento da Polícia
Federal do local ou a mais próxima.
No ano passado, fizemos, no Complexo Jurídico da Madre de
Jesus, um evento internacional, promovido pelas Nações Unidas, pelo
Ministério da Justiça e pelo Complexo, tratando exatamente desse
crime. Compareceram 50 autoridades, entre juízes federais, delegados
federais e procuradores da República. Um dos temas tratados foi
exatamente o intercâmbio entre as várias polícias, no sentido de que o
Governo Federal, pelo Ministério da Justiça, fizesse uma campanha
junto a outras polícias estaduais, a civil e a militar, para que tivessem
também essa tarefa. Quando um crime, uma ocorrência ou uma
circunstância chegue ao conhecimento de qualquer autoridade civil ou
militar, que faça a comunicação à Polícia que tem a atribuição, que é a
federal.
Gostaria também de tratar do problema da estatística. Uma das
perguntas que às vezes se faz é por que existem mais crimes em
determinados estados e menos crimes em certos estados? A pesquisa
que estamos fazendo para uma segunda edição do nosso livro nos está
levando à seguinte conclusão: também depende da cultura do povo, da
alfabetização do local. Infelizmente, chegamos à conclusão de que os
estados do Norte e do Nordeste têm um nível de cultura menor. Então,
há um maior número de crimes. A medida que vamos descendo o
Brasil, percebemos que, quando chegamos ao Rio Grande do Sul, o
132132
número de crimes é menor por vários motivos, mas também por essa
razão. Então, a questão da cultura também influi. Se fizermos uma
escala de cultura de todos os estados brasileiros, perceberemos que
alguns deles estão lá embaixo na estatística. O estado que está num
dos primeiros lugares em relação à cultura do povo é o que tem mais
crimes dessa natureza, e os estados que têm menor número de crimes
são aqueles em que o povo é mais aculturado.
Outra questão diz respeito aos países intermediários.
Normalmente, eles não tomam conhecimento do exemplo, bem como
os países de maior riqueza. Os Estados Unidos, por exemplo,
absolutamente não se preocupam com o tráfico. De maneira mais
específica, com o tráfico internacional de mulheres que vêm das
proximidades, do México e do Brasil. Não há grande preocupação.
Também os países da Europa, que são intermediários, não têm grande
preocupação quando ficam sabendo que a mulher vai exercer a
prostituição não em Portugal, que está sendo um país intermediário,
mas que o destino dela é outros países.
Qual a atitude dos países intermediários? É a seguinte: se a
mulher não vai exercer a prostituição ali, eles não terão grandes
problemas. Então, não se preocupam. Normalmente, deixam passar.
Depende de uma combinação de todos os países, no sentido de que a
prevenção e a repressão sejam globais e não individuais, de maneira
que o interesse de um país não dependa de que a mulher efetivamente
vá exercer a prostituição lá.
A preferência se dá por mulheres brancas, entre 18 e 25 anos,
porque eles têm medo de levar crianças de 13, 14 anos, por motivos
óbvios. Realmente, uma das causas do tráfico internacional de
mulheres está na fuga da vítima que deseja fugir da pobreza, da
violência doméstica, especialmente da violência do marido. Chegamos
à conclusão de que, infelizmente, a violência doméstica no Brasil
contribui para o tráfico internacional de mulheres. Quanto aos
documentos, o exemplo que dei do delegado que surpreende a
133133
falsificação de um passaporte, há que se determinar se o crime é de
falsidade ou de tráfico internacional de mulheres. Os casos são raros,
porque normalmente as mulheres aceitam ir trabalhar para ganharem
uma vida melhor. A falsificação se faz na questão da idade. Se é uma
menina de 14 anos, eles falsificam o passaporte para que ela tenha 19,
20 anos, dependendo da sua compleição física. ”
1.6 AUDIÊNCIA PÚBLICA – MORTALIDADE MATERNA -
31/05/2004
MORTALIDADE MATERNA EM DISCUSSÃO
Na última reunião promovida pela Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero, em 31 de maio, mortalidade materna foi tema das
discussões. Coordenadora do Comitê Municipal de Estudos e
Prevenção das Mortes Maternas de Porto Alegre – um dos mais
atuantes no Brasil, a médica Luciane Rampanelli Franco disse que,
para combater esse grave problema, é preciso conhecê-lo. Segundo
Luciane, a mortalidade é um indicador social, ou seja, se a procura ou
oferta de pré-natal e exames complementares for precária, maior será a
incidência de mortes na maternidade.
Já o médico da Seção da Saúde da Mulher da Secretaria
Estadual de Saúde no Rio Grande do Sul, Flávio Vieira, diz que
atualmente morrem cerca de 2,5 mil mulheres por ano, no Brasil,
durante a gravidez. Vieira revelou que, em algumas regiões do Estado,
a média de mortes é maior, e isso está relacionado ao índice de
desenvolvimento sócio-econômico de cada cidade. “54 municípios
detêm 70% dos casos de óbitos”, comentou. O médico disse, ainda,
que a Portaria 32/2002 torna obrigatório a investigação desses casos.
Participaram da reunião Marcelo Branco (viúvo de uma vítima
de negligência médica na gravidez), Rúbia Abs da Cruz (da Themis
Assessoria e Estudos de Gênero) e Márcia Camarano (do Núcleo
134134
Estadual do Ministério da Saúde).
MARCELO BRANCODEPOIMENTO DE EX-COMPANHEIRO DE VÂNIA ARAÚJO
MACHADO – VÍTIMA DE NEGLIGÊNCIA MÉDICA DURANTE A
GESTAÇÃO
“Não sei se a maioria das pessoas presentes sabe o que
aconteceu com a minha ex-companheira Vânia e meu filho Cauê. Os
dois faleceram em conseqüência de uma série de erros médicos e de
atendimento ocorridos no Hospital Mãe de Deus. Vou relatar
brevemente.
A gravidez de Vânia foi tranqüila, acompanhada por médico
particular, sem nenhum problema, até o dia – certo – em que ela entrou
para fazer o parto no Hospital Mãe de Deus. Já na baixa hospitalar,
observou-se procedimentos médicos não normais. O médico
dispensou a equipe do hospital que faria os exames iniciais. Isso não foi
feito.
Há provas do que aconteceu durante o parto, está gravado em
fita. Todo o parto foi filmado. Às 10 horas da manhã, ela tinha dilatação
completa, portanto já estava em condições de ter o filho normalmente.
Mesmo após o registro de vários indicadores de bradicardia do bebê,
vistos na fita de vídeo, não houve o respeito a esses indicadores pelo
médico-obstetra, mesmo com a presença do pediatra na sala. Com
isso, prolongou-se o sofrimento por asfixia do bebê por mais de quatro
horas. Não foram segundos, minutos, foram quatro horas de sofrimento
da Vânia e do bebê, que estava em processo de asfixia, com provas
concretas, constatado por instrumentos apropriados para esse tipo de
situação médica. Nenhuma providência foi tomada, nem pelo hospital,
nem pelo médico-obstetra, nem pelo pediatra presentes na sala.
Quando, tardiamente, foi recomendada a cesariana, não havia
anestesista nem no hospital, nem na equipe do obstetra. Um hospital
135135
do porte do Mãe de Deus leva uma mãe para uma sala de parto e, na
hora em que se necessita de anestesista, esse profissional não se
encontra nas dependências da instituição.
Em função da ausência do anestesista, houve mais um retardo
no início da cesariana, que também ocorreu com erros médicos,
comprovados por sindicância e pelo Conselho Regional de Medicina. A
cirurgia foi malfeita, com restos da placenta inclusive que ficaram no
útero. A partir da segunda noite, ela entrou na UTI do Hospital Mãe de
Deus e o bebê na UTI Neonatal do mesmo hospital. Depois de
diagnosticada a Síndrome HELLP , começou a ser tratada. No final,
recuperando-se disso, pelo diagnóstico inicial do Hospital, teve
Síndrome Aguda por Respiração – o sistema respiratório foi atacado
por vírus. Passou por essa fase também, mas acabou falecendo, vítima
de infecção hospitalar contraída na UTI do referido estabelecimento.
Houve outras investigações médicas. A primeira delas, da
própria sindicância do Hospital Mãe de Deus, disse que aquele
diagnóstico inicial feito pelo Hospital – Síndrome HELLP – não era
verdade. A Vânia teve, de fato, uma embolia por líquido amniótico, de
acordo com a segunda análise médica.
Posteriormente, o Conselho Estadual de Medicina chegou a
outra conclusão, que não foi embolia nem Síndrome HELLP: parto
negligente mesmo. Na verdade, creio que será impossível descobrir as
verdadeiras razões da morte da Vânia em conseqüência de um parto
mal feito, de um atendimento mal feito no Hospital Mãe de Deus.
Há três diagnósticos médicos. Cada um que
analisou o fato possui uma versão diferente para as razões que levaram
às complicações. Se o tratamento foi adequado ou não, é difícil de
saber, em função de todo o segredo que os médicos guardam, de toda a
ética de solidariedade que existe entre eles de não revelar onde
houveram as falhas. É muito difícil obter do médico a ética em relação
ao paciente maior do que a ética em relação a seus colegas. Ao que
136136
parece, na profissão da medicina, ainda existe uma ética muito forte
entre colegas de nunca revelar o erro do outro, de nunca falar algo, de
nunca apontar que houve erro e onde isso ocorreu. Mesmo com caso
tão grave e escancarado como esse, dificilmente encontram-se
médicos para depor.
Faço o seguinte questionamento: Que ética é essa? Que
conselho de ética? A ética deve existir entre o profissional e seus
colegas ou entre o profissional e seus pacientes, ou suas vítimas? Essa
é a primeira reflexão que temos a acionar. Rapidamente, explanarei
como anda a situação do processo da Vânia. No Conselho Regional de
Medicina, fomos assistidos pela Themis – Assessoria Jurídica e
Estudos de Gênero, na pessoa da Sra. Rúbia Abs da Cruz, que nos deu
apoio jurídico.
O Conselho Regional de Medicina, por unanimidade – 18 votos
favoráveis e nenhum voto contrário – considerou o médico culpado por
negligência, imprudência e imperícia. Não avaliaram o procedimento
do Hospital Mãe de Deus. Por esse crime de homicídio, o Conselho
Regional de Medicina aplicou uma espantosa pena de 30 dias – menos
que um período de férias em Santa Catarina. O médico cumprirá essa
pena gigantesca e, depois, seguirá exercendo a profissão livremente.
Em todos os depoimentos, ele considerou ter agido de forma correta,
pois crê que era assim mesmo que havia de ter atuado. Ele nunca
disse: “Eu posso ter errado”. Não, ele continua reafirmando que essa é
a forma correta de fazer parto e seguirá fazendo-o assim. O Conselho
Regional de Medicina disse-lhe para ficar 30 dias em casa e, depois,
voltar, podendo continuar utilizando aquele método, daquela forma.
Graças a uma iniciativa do Ministério Público, o profissional foi a
julgamento. A nossa advogada foi a Sra. Rúbia Abs da Cruz, da Themis
– Assessoria Jurídica e Assuntos de Gênero. Na primeira instância, ele
foi condenado por homicídio culposo de duas pessoas, a Vânia e o
Cauê, a dois anos e quatro meses, mais para prestar serviços
comunitários.
137137
Houve um recurso e essa sentença foi confirmada no Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que é um órgão leigo, mas
que entendeu que um médico que comete dois homicídios tem que ter
uma pena maior do que 30 dias. O Conselho Regional de Medicina
considera 30 dias suficientes.
Essa é a situação do processo da Vânia. Mesmo que seja muito
doloroso estar todo ano relembrando esse caso, venho aqui em
homenagem à trajetória da minha ex-companheira Vânia como
militante dos direitos humanos e dos direitos da mulher. É importante
relembrar os fatos, pois se trata de um caso emblemático, um parto que
não tinha porquê dar errado, a tragédia ocorreu, mesmo, em
conseqüência de falhas nos procedimentos médicos. Nossa intenção é
alertar para que isso não se repita, que se adotem medidas para evitar
que partos continuem acontecendo dessa forma, em um hospital
conceituado, como é o Mãe de Deus. Quase quatro anos depois do
ocorrido, ainda não há nenhum indício de responsabilização do
hospital, de toda a equipe, do pediatra, do obstetra, do anestesista.
Mesmo que exista a burocracia legal – quem é o responsável, quem
não é – todos sabemos que quem era médico e estava lá na hora é
responsável, todos sabemos que um hospital é responsável pelo que
acontece em suas dependências, independentemente do que está
escrito na lei, no Código Penal.
O que não pode acontecer é uma mulher entrar em um hospital
para ganhar um bebê, sem nenhum problema de saúde, e saírem de
lá mortos, ela e o bebê, e o hospital dizer que não tem nada a ver com
isso. O hospital disse que tinha os instrumentos, a parafernália técnica
disponível e ponto. Um hospital não é um hotel, não é um centro
tecnológico. Ele tem que dispor dos aparelhos, mas zelar para que eles
sejam aplicados corretamente, para salvar as vidas.
E não foi um único caso. Aconteceram vários erros durante os
25 dias em que a Vânia sobreviveu dentro do hospital. Até hoje, não há
nenhum documento emitido pela classe médica em relação às
138138
responsabilidades do hospital nesse caso. Do médico, parece que está
bastante claro. Ele está sendo condenado em dois processos judiciais,
com a descrição detalhada dos erros cometidos. Apenas queria dizer
que não concordo com a pena de 30 dias, prevista pelo Conselho
Regional de Medicina. Esse prazo é menor que férias em Santa
Catarina no verão. Não é essa a punição que se espera de um Conselho
Regional de Medicina como o do Estado do Rio Grande do Sul, diante
de fatos tão graves.”
LUCIANE RAMPANELLI FRANCOREPRESENTANDO O COMITÊ MUNICIPAL DE ESTUDOS E
PREVENÇÃO DAS MORTES MATERNAS DE PORTO ALEGRE
- SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE
“Uma das estratégias para a redução da mortalidade materna é
conhecer casos em que ela ocorre. Infelizmente, como diz uma
pesquisadora de Florianópolis, a mortalidade materna comove, mas
não mobiliza. É o que eu e o Dr. Flávio Vieira temos visto. Nas viagens e
nas discussões sobre o tema, constatamos que a mortalidade materna
não chama muito a atenção do público em geral. Muitos sequer sabem
que a mortalidade materna é um fato presente em nosso meio. Só que
acontece e muito. Como o caso da Vânia, que os senhores
acompanharam o relato. Outros fatos semelhantes continuam a
acontecer, tanto em Porto Alegre, no restante do Estado, como no Brasil
e no mundo. Claro que com diferentes percentuais de ocorrência.
Vou apresentar os estudos do Comitê de Mortalidade Materna
de Porto Alegre. Mensalmente, o Comitê se reúne na Secretaria
Municipal da Saúde para discutir todos os casos de mortes maternas
que ocorrerem em mulheres residentes na Capital. Vou repassar alguns
conceitos, porque sei que muitos dos presentes não têm estas
informações. Isso vai ajudar na compreensão do relatório que vou
apresentar depois.
A mortalidade materna é um bom indicador da realidade sócio-
139139
econômica de um país e da qualidade de vida de uma população. Ela
também aponta a determinação política de uma nação em realizar
ações de saúde coletivas e socializadas. Então, a mortalidade materna
é um indicador da saúde de uma população. Através dela, pode-se
verificar se a assistência pré-natal, se o atendimento hospitalar, se o
acesso ao planejamento familiar, daquela comunidade, estão sendo
adequados ou não.
Os comitês de mortalidade materna existem por quê? Para
investigar as mortes em cada região. O acontece muito ainda, em Porto
Alegre, no Estado, no Brasil e no mundo, é que há muitas mortes
subnotificadas, isto é, são casos que não estão adequadamente
especificados na Certidão de Óbito.
Mais adiante, vou citar dados do Comitê, mas já adianto que em
torno de 50% das mortes maternas não aparecem assim na Certidão de
Óbito, embora existam dois itens – o 43 e o 44 – que devem ser
preenchidos pelo médico, caso tenha sido morte durante o parto, se a
paciente estava gestante ou se a morte ocorreu no puerpério, período
que vai do parto até 42 dias a um ano após o nascimento do filho. Isso,
às vezes, fica registrado como ignorado, outras vezes o item fica em
branco ou é preenchido inadequadamente. A composição original de
um comitê de mortalidade materna deveria contar com representantes
do Conselho Regional de Medicina – CREMERS, do COREN, da OAB,
da Secretaria da Saúde, da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia –
SOGIRGS, movimentos de mulheres, faculdades de medicina,
Conselhos de Saúde.
Em Porto Alegre, nem todas essas entidades estão
representadas, mas a maioria delas integram o Comitê. Ele conta com
um representante de cada um dos grandes hospitais que têm
maternidades públicas, um representante do CREMERS, da
Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia, dois representantes da
Secretaria Municipal da Saúde, representantes da Rede de Atenção
Básica da Saúde, dos serviços de saúde da capital, e de movimentos de
140140
mulheres, como Rede Feminista e Maria Mulher. Qual é a finalidade do
comitê? É investigar as mortes maternas. É a investigação do óbito, a
análise do óbito, informação, definição de medidas preventivas e
mobilização. O comitê tem uma função educativa sigilosa, nunca
punitiva.
O nosso Comitê funciona assim: todas as semanas recebemos
a declaração de óbito de todas as mulheres residentes em Porto Alegre
e que morreram em idade fértil, de dez a 49 anos. Essas declarações de
óbito são enviadas pelo Sistema de Informação de Mortalidade de
Porto Alegre. Nós, então, investigamos, para identificar se as mortes
são maternas ou não. Quando os itens 43 e 44 da Certidão de Óbito
estão assinalados inadequadamente, encaminhamos uma
correspondência ao médico que a assinou, com a lei do CREMERS que
determina que, eticamente, o preenchimento da declaração tem de ser
correto. Na mesma correspondência, solicitamos ao médico que ele
refaça a certidão de óbito e nos encaminhe com os dados certos.
Esse procedimento tem uma função educativa. O médico que
recebe essa correspondência, provavelmente em uma próxima morte
de mulher, vai preencher a declaração de forma adequada. Assim, o
Comitê terá a informação de que precisa. A morte materna é o
falecimento de uma mulher durante a gestação ou no período de 42
dias após o parto. Isso independe da localização. Se há uma gravidez
nas trompas, no ovário, também é considerada morte materna, se a
mulher vier a falecer.
Existem causas diretas – e nós cuidamos para fazer essa
classificação adequadamente – e causas indiretas. As causas diretas
são as que resultam do evento específico da gestação. No caso, uma
paciente morre de hipertensão na gestação, de infecção, de
hemorragia. As indiretas são problemas clínicos associados. Por
exemplo, uma paciente é portadora de hipertireoidismo ou tem um
problema cardíaco, engravida, vindo a falecer em decorrência desse
problema, que é agravado pela gestação. Então, isso é considerado
141141
uma causa de morte indireta. A morte materna cardíaca é aquela que
ocorre a partir dos 42 dias até um ano de gestação. Essa morte materna
não entra no coeficiente oficial da mortalidade materna do Ministério da
Saúde; mas, nós, em Porto Alegre, também contabilizamos essas
mortes, porque, com o aumento da tecnologia, essas mulheres
sobrevivem muito tempo com o respaldo de UTI. E se ela vem a falecer
62 dias pós-parto da causa básica, que ocorreu durante a gestação?
Há também as causas externas de morte: suicídios, homicídios
e atropelamentos, que também podem ser caracterizados como morte
materna, mas que não entram, da mesma forma, no coeficiente oficial
de mortalidade materna do Ministério da Saúde e da Organização
Mundial da Saúde – OMS. Calculamos o coeficiente a partir do número
de mortes maternas dividido pelo número de nascidos vivos,
multiplicados por 100.000. Esse é o cálculo feito para se obter a razão
de mortalidade materna. Esses dados que estou apresentando dizem
respeito à classificação dos coeficientes de mortalidade da
Organização Mundial da Saúde. De 20 a 49 mortos, para cada 100.000
nascidos vivos, é considerado um nível médio; de 50 a 149, é alto;
abaixo de 20; baixo – ou seja até 20 mortes –; acima de 150 mortes,
considerando extremamente alto, sempre levando-se em conta em
relação a 100.000 nascidos vivos.
No mundo, observamos que a mortalidade materna, nos países
subdesenvolvidos, é muito maior do que a dos países desenvolvidos,
com algumas exceções. Notamos também que, em países nos quais
existem políticas públicas direcionadas para esse fim, como Cuba,
Costa Rica, Uruguai, esse índice de mortalidade consegue ser
reduzido. Mas, na maioria dos casos, essa realidade se repete. Por
exemplo, no Canadá e nos Estados Unidos – países desenvolvidos –,
esse índice está abaixo dos nove óbitos para cada 100.000 nascidos
vivos. Já, na Bolívia, Peru e Haiti, 200 óbitos; Chile, Cuba, Costa Rica e
Uruguai, abaixo de 40 óbitos. E, no Brasil, esse índice, em 2002, ficou
em torno de 74,5 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos. Inclusive,
142142
observando a curva da razão da mortalidade materna, no Brasil, em
2002, podemos perceber que há uma tendência de manutenção dessa
realidade, ou seja, manteve-se estável: não aumentou, nem
decresceu.
No que se refere à razão da mortalidade materna em Porto
Alegre, observamos uma tendência de queda. A tendência da linha é de
queda, apesar dos dois picos que tivemos em 1998 e 2002. Essa
avaliação é feita a partir de 1996, quando instalou-se o Comitê de
Mortalidade Materna em Porto Alegre. Já havia falado sobre a
investigação do Comitê, mas repito só para terem ciência dos dados de
2003. De 589 mulheres que morreram, conseguimos investigar 553
casos. 50% das mortes não estavam declaradas; 23% estavam em
branco; 50% delas eram falsos/positivos (estavam marcadas como
morte materna, mas, na verdade, não eram).
Se o Comitê não tivesse investigado, esses dados estariam
totalmente errados. Em 2003, 69% das mortes maternas constavam
nas declarações de óbito. Já 31%, não. Tivemos de investigar para
descobrir. Observamos, a partir daí, que houve muitos falsos/positivos
– em torno de 50%. Em 1999, as declarações de óbito, com esse nosso
trabalho de informação aos médicos para que façam o correto
preenchimento da DO (Declaração de Óbito), essa avaliação das
mortes maternas vem melhorando.
Das mortes maternas, 60% eram indiretas, e 33% diretas. Isso
também mostra uma tendência, em Porto Alegre, da predominância
das mortes indiretas, isto é, as que são mais difíceis de evitar. As
mortes diretas, que ocorrem em decorrência do parto, são mais fáceis
de evitar. Em 2003, tivemos uma morte materna por fígado gorduroso;
uma, por aborto; e uma, por doença hipertensiva da gestação. E,
quanto às causas indiretas, tivemos: uma, por hipertireoidismo; uma,
por cetoacidose diabética; uma por neoplasia de pâncreas; uma por
doença respiratória; duas por distúrbio cardiovascular, uma por AIDS.
143143
Avaliando a razão da mortalidade materna de Porto Alegre, por idade e
por causa, há uma predominância nas mortes diretas – tanto nas
diretas como as indiretas – entre 21 e 35 anos, em 2003. As principais
causas de morte materna de 1996 a 2003: continuam sendo as
indiretas, com predomínio da Aids e da doença cardiovascular. Por
idade: a proporção de mortes maternas de 1996 a 2000 ocorreram
mais, tanto nas diretas quanto nas indiretas, nas mulheres acima de 35
anos.
De 35 a 49 anos, as mulheres morrem mais quando
engravidam. Além da morte materna em si, temos alguns outros efeitos
que é a morbidade dessas mulheres. Existem as que não morrem, mas
ficam acamadas, impossibilitadas de cuidar de seus filhos ou até com
algumas conseqüências como fístulas, problemas ginecológicos,
cronicamente doentes. Elas morrem numa fase áurea de suas vidas,
tanto econômica como emocionalmente. São mulheres jovens.
Observamos, e há alguns trabalhos sobre isso, que no momento que
morre a mãe, há aumento da mortalidade infantil, não somente da
mortalidade como também a morbidade infantil. As crianças adoecem
mais e morrem mais, quando a mãe morre”.
FLÁVIO VIEIRACOORDENADOR DA SEÇÃO DE SAÚDE DA MULHER DA
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE E DO COMITÊ ESTADUAL DE
MORTALIDADE MATERNA
“A mortalidade materna, no Brasil, está em torno de 2 mil a 2.400
mortes de mulheres por ano, por essas causas. É como se a cada mês,
em nosso país, caísse um boeing cheio de mulheres e isso não
interessa para ninguém. Ninguém investiga esse boeing cheio de
mulheres que cai por ano, porque isso está na invisibilidade, isso não
nos interessa. Temos de pensar também que a gravidez é um efeito
fisiológico e que não se espera que as mulheres morram durante a
gravidez. Sou da Secretaria da Saúde, de um departamento que
trabalha com ações em saúde. Neste departamento, trabalho na seção
144144
de saúde da mulher, aonde o comitê estadual de prevenção de
mortalidade materna está vinculado. No Estado do Rio Grande do Sul,
são 496 municípios divididos – esse é um primeiro problema
identificado no Estado. Cada secretaria de Estado divide o Estado em
uma determinada forma. Não temos um consenso para dividir o Estado
em regiões.
Na Secretaria da Saúde, dividimos em 19 Coordenadorias
Regionais, tentando reagrupar de uma outra forma em sete
macroregiões. O importante para vocês verem é que 80% dos
municípios do Estado têm menos de 10.000 habitantes. Há a tentativa
de redistribuir essas regiões em macroregiões de acordo com as
características sócio-econômicas e políticas semelhantes. Nos
interessa saber – os dados são do senso demográfico do ano de 2000,
atualizados numa estimativa para o ano de 2003 - em que o Rio Grande
do Sul teria em torno de 10 milhões e 500 mil habitantes dos quais 51%,
ou seja, 5 milhões e 500 mil são mulheres.
Destas mulheres, que na faixa, as quais nos interessa falar aqui
sobre a mortalidade materna, há mulheres em idade fértil de 10 anos a
49 anos – esse é o conceito que se usa no país –, somente esse dado
está atualizado para o ano de 2002. Cerca de 62,6% da nossa
população está em torno de 3 milhões e 300 mil mulheres. Na década
de 80, começou-se a discutir o fruto da reivindicação dos movimentos
organizados de mulheres. A questão da integralidade da mulher, aí
surgiu o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PAISM – e
toda aquela coisa, que na tentativa de deixar de ver a mulher de uma
forma fragmentada para tentar ver o todo, que é a integralidade da
mulher. Temos tentado dentro da Secretaria, nos últimos anos, retomar
essa luta das mulheres e tentar reimplantar novamente o PAISM, que é
uma visão integral da mulher.
Vamos analisar, dados levantados no ano de 2003, sobre o
comportamento dos anos anteriores no Rio Grande do Sul, a
mortalidade de mulheres proporcional dentro dos grupos etários e
145145
pegando as principais causas de morte. Se dividirmos a mulher –
grosseiramente – do nascimento até os 29 anos, o que mais tem
matado as mulheres no nosso Estado são as causas externas, como
homicídios, acidentes, violência e gênero.
Dos 30 anos aos 49 anos, o que mais mata as mulheres são os
cânceres, como de colo de útero, mama, pulmão – que está subindo
muito nas mulheres no nosso Estado –, de reto e o de intestino. Mas, já
começa a crescer problema das causas circulatórias, como as
cardiovasculares, é o que mais mata as mulheres no Estado a partir dos
50 anos. Isso é tão importante, pois hoje, quando falamos que a
primeira causa de morte em mulheres no Estado do Rio Grande do Sul –
mulheres como um todo em todas as faixas etárias – é devido as causas
cardiovasculares. Estou mostrando outras coisas – além da
mortalidade materna – porque isso é importante para vermos o todo.
No Rio Grande do Sul, nos últimos anos, tem caído a taxa de
natalidade. Em 1999, haviam 184 mil nascimentos. No ano 2003, quase
149 mil. Eu disse que vim aqui para polemizar. Sempre se fala que a
mortalidade materna é o retrato da exclusão social? É. A mortalidade
materna acontece muito mais em mulheres em situação de exclusão, é
um retrato de um sistema de saúde, que não está perfeitamente
capacitado.
Tenho a convicção, falado e lutado muito para tentar mostrar
que a mortalidade materna tem tudo a ver com o gênero. A mortalidade
materna tem essa pouca visibilidade que estamos falando por uma
questão de gênero. Se nós, homens, déssemos à luz certamente já se
teria feito alguma coisa de uma forma incisiva para a diminuição da
maternidade materna. Então, chamo a atenção que morte materna tem
tudo a ver com a questão de gênero.
Em 1990, a Organização Mundial de Saúde fez um estudo,
mostrando as mortes maternas. Fizeram uma estimativa do que seria
uma mortalidade materna no mundo em 2000. E não deu outra. Hoje, o
146146
número de mortes varia entre 500 e 600 mil mulheres em todo o mundo,
tendo como causa a morte materna. Vejam o que aconteceu com a
mortalidade infantil? Neste mesmo período de tempo, a mortalidade
infantil caiu. Mas, a mortalidade infantil e a criança são consideradas
sem gênero. Então, sobre as questões que não trabalham com o
gênero feminino, temos alguns sucessos, quando temos as questões
baseadas em cima do gênero, é isso que vemos.
São também apresentados na Organização Mundial da Saúde
a situação de meninos e de meninas, quando os dois pais são vivos.
Existem as contribuições dos meninos com menos de 2% da
mortalidade infantil e das meninas em torno de 2%. Quando morre o
pai, a mortalidade das meninas aumenta. Porém, quando morre a mãe,
a mortalidade dos filhos aumenta. Isso aqui também tem a ver com o
gênero. Com isso aqui nos preocupamos, estamos falando e estamos
apavorados.
Quanto à questão da visibilidade, acho que a mortalidade
materna está diminuindo um pouco e não tanto pelas nossas ações
específicas na área da saúde. Mas, mais porque estamos começando
a conversar um pouco mais e tornando esse assunto visível. O
coeficiente de mortalidade materna – isso é uma coisa técnica no Rio
Grande do Sul, nos últimos cinco anos – que o Brasil tem uma
estimativa – nós questionamos esse dado, que é obtido por um estudo
feito nas capitais e utilizam fator de correção – então, é, no mínimo, isto
aqui, se não for mais. O Rio Grande do Sul está dentro dessa.
Então, o Rio Grande do Sul, que nos anos 70 era o mais alto
índice em mortalidade materna, diminui seus índices e voltou a subir e
parece que está experimentando uma queda nesses últimos anos.
Como o tempo é muito pequeno, ainda não podemos afirmar que a
mortalidade materna está caindo. Trabalhamos, como todo o Brasil,
seguindo o que é preconizado em termos de investigações e de
atuações em mortalidade materna pelo Ministério da Saúde.
Posteriormente, deixaremos um exemplar do manual dos comitês para
147147
a Sra. Deputada.
Realizamos a investigação confidencial dos casos de óbito
materno e, desde o ano passado, estamos agindo igual a Porto Alegre –
e aproveito para tecer um elogio ao Comitê desta cidade, que é
nacionalmente considerado como exemplar na prevenção da
mortalidade materna, pois funciona muito bem.
Em todo Estado, foram investigados cerca de 500 óbitos e
temos um total de 3.900 óbitos de mulheres em idade fértil. Este é o
universo de mulheres que queremos pegar, pois a única maneira de
tornarmos claro qual o número de mulheres que morrem por causa da
gestação – parto e puerpério – é investigando todas as mulheres que
morrem em idade fértil. Assim, podemos separar as que já são
declaradas no atestado de óbito das que ficam na invisibilidade, porque
são subnotificadas, ou seja, no atestado não consta a causa da morte.
Esse é um trabalho lento porque depende de uma pulverização
no Estado, temos de trabalhar com todas regionais e municípios. No dia
17 de junho haverá uma reunião de capacitação com a participação de
todas as regionais, que são 19 e os municípios com mais de 100 mil
habitantes no Estado, onde unificaremos uma metodologia de trabalho
para investigação os óbitos de mulheres em idade fértil.
Legislação há de sobra no País, temos a do Conas, a partir de
1999, 2000; temos a legislação própria, do Estado, de 2002; e, em
2003, a Portaria Ministerial, que disciplina como deve ser a
investigação, o que tem de ser feito e de quem é a responsabilidade
dentro dos três níveis de gestão da investigação do óbito materno.
Precisamos determinar qual o papel do Município nisso e porque é
importante investigar.
Estamos discutindo muito no Estado, porque é importante
investigar o óbito materno. Talvez não estejamos lhe dando a devida
importância. Saímos muito por este Brasil afora e vemos muitos
comitês brilhantes que trazem as estatísticas com o estudo de todos os
148148
casos das mortes, determinando suas causas. Mas, o que interessa é
sabermos porque uma mulher, anônima, com determinada situação
social, de saúde e de saneamento básico, morando em tal comunidade,
morreu. O que fez essa mulher morrer, se ela não precisava ter
morrido? Sua morte irá servir para que eu consiga atuar junto às outras
mulheres pertencentes a essa comunidade no sentido de evitar que
elas morram pela mesma causa. Ela já morreu, portanto, sobre essa
morte não posso fazer mais nada, mas esse fato tem de servir de
estímulo e bandeira – embora no anonimato –, para evitarmos que
outras mulheres, com a mesma situação de vida, morram.
E é isso que precisa ser a nossa pauta principal, e estamos
perdendo um pouco o foco, porque estamos com exposições brilhantes
e com trabalhos muito bons, que têm que ser feitos, mudando um pouco
a ênfase daquilo que temos que fazer. Isso é uma crítica para nós
mesmos. Essa é a nossa legislação no Estado do Rio Grande do Sul,
em que, uma portaria da Secretaria da Saúde determina, em seu artigo
primeiro: torna obrigatória a investigação dos óbitos maternos e de
crianças menores de um ano no Rio Grande do Sul. Bem, os óbitos
maternos entraram aqui de carona. Na realidade, queria-se falar dos
óbitos infantis. Pouco importa pegar carona. Se nos levarem com
dignidade para o mesmo destino que queremos chegar, vamos de
carona. Não tem problema nenhum. Isso ficou definido na portaria.
Outra coisa que ficou definida é que a investigação dos óbitos
maternos e infantis será feita através de uma articulação da Secretaria
com as coordenadorias regionais e com as secretarias municipais de
saúde. O que interessa saber é o seguinte: as causas diretas, aquelas
que dependem da condição da mulher estar grávida são, na maioria
das vezes, causas evitáveis. Sobre as causas indiretas conseguimos
agir muito pouco, até conseguimos, mas o que queremos é que a
mortalidade materna fique quase que exclusivamente em cima das
causas indiretas e não nas diretas.
Estamos, ao longo do tempo, baixando as diretas, estamos
149149
deixando que as indiretas ocupem um local de mais destaque nessa
conjugação, porém, estamos fazendo isso, ainda, num patamar
extremamente elevado. Isso tinha que estar muito mais aqui embaixo.
Mas o nosso objetivo é lutar para que essas mortes maternas, que são
evitáveis, não aconteçam.
No Rio Grande do Sul nos últimos anos, de 1990 até 2003,
temos queda das mortes indiretas, e aumento, nessa proporção, das
mortes diretas. Mas o que quero chamar a atenção de vocês são as
mortes por aborto, que ocupa cerca de 6% das mortes notificadas de
mulheres. Abortamentos realizados em condições inseguras e isso é,
novamente, o que eu tinha falado para vocês, o carimbo da questão de
gênero. Em 2003, as mulheres morrem por abortamento em condições
inseguras, e morrem porque são mulheres. Isso mostra a mortalidade
materna na adolescência, que tem um gráfico senoidal também no Rio
Grande do Sul, tentando mostrar que, nos últimos anos, parece que
está havendo uma diminuição do número de óbitos na
proporcionalidade dos óbitos de gestantes adolescentes. O número de
partos de adolescentes no Rio Grande do Sul de mulheres de 10 a 19
anos tem sido quase uma constante ao longo do tempo. Cerca de 20%
dos partos são de gestantes adolescentes. Ou seja, de cada 10 partos
que acontecem, dois partos são de mulheres de 10 a 19 anos. Isso está
constante à proporcionalidade, mas vem decrescendo o coeficiente de
adolescentes que estão engravidando.
Então, estamos discutindo muito a gravidez na adolescência, e
estamos agora com essa discussão: o que significa o quociente estar
diminuindo? Significa que quando eu pego só a população de
adolescentes, dentro de cada uma das faixas etárias da adolescência, o
número de adolescentes que está engravidando, nos últimos anos, vem
sendo cada vez menor. Isso está sendo menor, assim como está
diminuindo o número de nascimentos.
Estamos discutindo para tentar entender esse fenômeno, que
parece estar se repetindo no país como um todo. Aqui tenho que
150150
mostrar para vocês um pouco do que juntamos daquelas investigações
de óbitos maternos. Nos últimos três anos, tivemos 261 óbitos de
mulheres de causa materna no Estado do Rio Grande do Sul.
Conseguimos, trabalhando com a idade, identificar 133 desses estudos
e vimos que neles houve um predomínio de idade das mulheres na
faixa dos 30 aos 39 anos. 38% das mulheres estavam na faixa dos 20
aos 29 anos.
Quando trabalhamos a questão de cor e de raça, conseguimos
um estudo de 140 dos 261 óbitos, mostrando que 78% das mulheres
eram brancas e 9% negras, de acordo com a classificação que temos
na ficha. Só que o que não sabemos é que pode ser que não tenhamos
conseguido investigar aqueles outros 120 óbitos – eles são
pulverizados no Estado e são investigados pelas regionais – porque
talvez eles tenham ocorrido em locais de mais difícil acesso, de maior
exclusão social. Quem sabe se tivéssemos conseguido investigar
todos os óbitos, a participação, por exemplo, das mulheres negras,
tivesse aumentado. Então, não podemos tomar isso como uma
verdade absoluta, porque a parte da nossa amostra estudada pode ser
das menos excluídas.
É declarado na ficha de investigação que 90% das mulheres
eram solteiras, mas não temos um filtro tão fino. Elas podem ter
declarado que não tinham um registro de certidão de casamento e
terem sido consideradas solteiras. Esse também é um dado que
conseguimos. O último dado é sobre a escolaridade. Dos 261 óbitos,
temos o registro em prontuário de 106 mulheres, mostrando que 50%
delas tinham de quatro a sete anos de estudo. Não sabemos se as
outras 160 mulheres que sobraram eram as mais excluídas e de novo
não apareceram.
A participação da cesariana nos nascimentos do Estado do Rio
Grande do Sul, num período de 1992 a 2002, tem ficado entre 40% e
45%, ou seja, de cada 10 nascimentos, quatro a cinco são por
cesariana. No Rio Grande do Sul, 75% das cesarianas são feitas pelo
151151
SUS. No ano de 2001, onde houveram 150 mil nascidos vivos. Entre
120 e 130 mil mulheres ganharam seus filhos pelo SUS. Elas tiveram
um percentual de cesariana de mais ou menos 29%. 30 mil mulheres
ganharam fora do SUS e tiveram quase 82%. Esse percentual é tão
importante, embora seja pequeno o percentual – simplesmente ¼ das
mulheres está fora do SUS –, leva-nos a um percentual elevado no
Estado de mais de 40%. Isso também é algo que precisamos discutir
porque o Estado do Rio Grande do Sul tem com o Ministério da Saúde
um pacto de acordo com o qual ele não pode fazer, ano a ano, mais do
que um determinado número de cesarianas. Aí, as coisas começam a
acontecer porque sabemos que para manter esse percentual que o
Ministério exige, alguns hospitais mentem, enganam, eles dizem que
nasceu de cesariana quando nasceu de parto, para receberem, ou eles
retardam o instrumento de cobrança e vão colocando em meses
subseqüentes, ou ainda constrangem as mulheres dizendo que o bebê
está mal, precisa fazer uma cesariana para não morrer e eles não tem
como fazer a cesariana pelo SUS. Com isso as pessoas vendem
cachorro, gato, carro, quando não vendem seu próprio corpo para
conseguir fazer com que as crianças nasçam de cesariana.
Há todas essas coisas que estamos tentando ver e que são
complicadas. Eu vim aqui para discutir, não vim para pintar uma
realidade bonita. Poderia dizer que o Estado está perfeito no SUS, mas
não é verdade. Preciso também dizer que a cesariana não é aquilo que
as pessoas pintam. A cesariana não é a vilã, não é a bandida. O que
está equivocado é fazermos uma cesariana quando a mulher não
necessita que seu bebê nasça por cesariana, porque vimos aqui
mesmo uma situação em que a cesariana, com certeza, se feita mais
precocemente, poderia ter contribuído para salvar a vida de uma
criança que estava nascendo ou de uma mulher que estava dando a luz.
A cesariana não é o problema. O problema é quando a
cesariana é feita em condições que não deveria ser feita. Sou médico,
obstetra, trabalho na Secretaria da Saúde, mas também trabalho na
152152
assistência e quero dizer que quando se conversa com os pares, ouve-
se que onde trabalham não morre quase ninguém. Dizer que a
cesariana aumenta a mortalidade de mulheres não encontra eco aqui
nas clínicas não-SUS, porque essas mulheres não são excluídas. É
complicado dizermos que a cesariana aumenta a mortalidade.
O que o Estado está fazendo? Estamos propondo essa
capacitação que vamos fazer para discutir as mulheres em idade fértil,
estamos fazendo palestras, vamos começar no segundo semestre,
como já fazíamos nos anos anteriores, nos serviços de residência
médica chamando a atenção dos profissionais que estão se formando,
na importância de preencher um atestado de óbito adequadamente,
para que saibamos e possamos planejar ações em saúde.
Estamos participando fortemente na criação dos comitês
municipais de saúde. Dos 496 municípios, já temos comitês em cerca
de 50 municípios. Adesão ao pacto nacional, que o Ministério da Saúde
está propondo, já assinado, no dia 29 de maio, para algumas ações
específicas que vão contribuir para a diminuição da mortalidade
materna no país e os Estados. Vai haver um comprometimento formal,
com assinatura de protocolos nas Secretarias de Saúde dos Estados.
Fizemos duas coisas. Estabelecemos hospitais de referência
para a atenção de gestação de alto risco em 23 Estados. Outra coisa
que estamos fazendo é trabalhar com 54 municípios que eles,
sozinhos, detêm 50% dos óbitos infantis do Estado.
Vejam que a coisa está concentrada. Junto com o óbito infantil,
temos o óbito materno. Nesses 54 municípios temos um pré-projeto em
que estamos trabalhando por uma reestruturação e capacitação dos
profissionais na atenção básica para assistência pré-natal de baixo
risco, para identificação da gestante de alto risco, para criação de
sistemas de referência, porque não adianta nada identificar a gestante
de alto risco e não ter para onde mandar. Toda essa rede deve ficar
interligada e também criar a rede que determine já, no momento em
153153
que a mulher começa o seu pré-natal – caso o parto dela for de baixo
risco –, onde irá ganhar o seu filho, para evitar aquelas coisas que
vimos, no Rio Grande do Sul, acontecerem, de as mulheres
peregrinando de hospital em hospital, e que ainda acontecem, diga-se
de passagem, hoje em dia. Então, os 23 hospitais propostos como de
referência para gestação de alto risco obedecem a dois critérios, por
enquanto: devem possuir tanto uma UTI adulta, como uma UTI
neonatal. Além disso, esses hospitais de atendimento da gestante de
alto risco serão custeados de forma diferenciada pelos cofres públicos
do Estado do Rio Grande do Sul. Para conseguirmos isso, foi uma
briga. Já temos dotação orçamentária para tanto.
Portanto, o pagamento desses 23 hospitais sairá do dinheiro do
Estado do Rio Grande do Sul. Estamos na fase de chamar esses
hospitais, para estabelecer com eles uma parceria, firmar um aditivo
nos contratos que já possuem, porque, só vai receber esse dinheiro
aqueles hospitais que se comprometerem a cumprir um determinado
número de itens que elencamos, sobre os quais haverá auditoria e
monitoramento para continuarem recebendo essa complementação
mensal. Há problemas na distribuição desses hospitais de referência
no Estado do Rio Grande do Sul. Por exemplo, na macroregião centro-
oeste, com 1.100.000 habitantes, temos apenas um hospital de
referência. Essa região abrange aproximadamente 400 a 500
quilômetros de estrada esburacada. Imaginem uma mulher ganhando
um bebê dentro de um ambulância que está percorrendo aquela
estrada. É um problema.
Na macroregião sul: 1.000.000 de habitantes, com só dois
hospitais, também numa situação de pobreza. Nesta região, vocês
lembram: era um lugar onde já tínhamos uma mortalidade materna
elevada. Tudo isso estamos colocando na pauta de discussão, no
sentido de mostrarmos que é um processo lento; que não estamos
parados; que estamos nos mobilizando e identificando os problemas.
Tudo faz parte de uma série de medidas que devemos tomar. Isso está
154154
passando dentro da bipartite. Tudo que foi resolvido até agora não volta
atrás. Isso já está determinado. Aconteça o que acontecer com
governos subseqüentes, não haverá alterações. Estamos tentando, no
que toca à saúde da mulher, deixar tudo escrito e pactuado.
Dessa forma, a desconstrução do processo torna-se muito mais
difícil. E esse incentivo permitirá a adequação dos serviços, seu
custeio, toda essa série de coisas. Finalizando, lembro que a partir de
1990, começava-se a falar em investigação de mortalidade materna, e
ela começou a subir no Estado do Rio Grande do Sul. A partir de 1993,
troca-se o denominador, e começa-se a trabalhar com o sistema de
nascidos vivos. Em 1994, o Comitê Estadual começa a funcionar. Isso
tudo são coisas que vão contribuindo para a visualização do aumento
da mortalidade materna. A partir dessa nova concepção de avaliação,
passamos a verificar as coisas erradas que se fazia: um preenchimento
inadequado da declaração de óbito, etc. Parece que houve uma queda
a partir daí; porém, nos três últimos anos, esse índice volta a subir.
Como havia falado a vocês, posso usar a estatística conforme
meu interesse. Estou extremamente preocupado com isso, pois penso
que ainda estamos montando uma linha ascendente, porque estamos
tirando da estatística aqueles casos que não apareciam e fazendo
aparecerem de novo. Não posso afirmar a vocês que estão morrendo
mais mulheres; mas posso dizer que estou conseguindo fazer com que
essas mulheres – que morriam e estavam subnotificadas – apareçam
estatisticamente de novo. Mas me parece que, ao longo do tempo,
ainda estamos numa fase não-ideal, pois é muito pouco o que estou
apresentado aqui a vocês.
Finalizo a minha exposição com as seguintes conclusões: A
mortalidade está realmente elevada. Ela pode ser evitada na imensa
maioria dos casos. O Ministério da Saúde fala em mais de 90%. Não sei
exatamente qual o percentual, só sei que, se conseguirmos realizar
algumas ações adequadas, evitaremos que as mulheres que não
precisariam morrer venham a falecer. Isso é o que realmente temos de
155155
fazer. Que a mortalidade materna traduz uma exclusão social; que
traduz um sistema de saúde não capacitado eficientemente, isso todo o
mundo sabe. Temos de abrir a nossa boca cada vez mais para
caracterizar que é uma questão de gênero, de direitos humanos. A
prevenção da mortalidade materna é uma responsabilidade do gestor
público. Hoje, aqui, represento o gestor público. Gestor público em
todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Também é de responsabilidade dos prestadores de serviço, que
participam do sistema de saúde, como também é responsabilidade de
toda a sociedade. Então, cada um de nós é responsável por esta
construção. O controle social é extremamente importante e temos, ao
invés de ficarmos criticando e brigando, somar nossos esforços e ver o
que podemos fazer para aquelas mulheres que estão no anonimato,
morrendo todos os dias das mesmas causas ou de hemorragia, ou
pressão alta ou de infecção. O que vamos fazer para evitar que essas
mulheres morram?”
RÚBIA ABS DA CRUZTHEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO
“De todos os dados apresentados – e são altos –, a nossa
realidade ainda é bem melhor do que a do Norte e Nordeste do País. No
caso da Vânia atuei como assistência de acusação, trabalhei como
advogada do Marcelo no processo crime. A intenção é de que essas
penas, junto à classe médica, possam ser modificadas. Só que, uma
interferência muita direta, neste momento, é inviável. É uma luta
externa, fora desse processo, para que se modifique esse tipo de
penalização. É de uma certa forma corporativista, parece-me ser oito ou
oitenta. Nada muito razoável em relação ao caso. O caso da Vânia é
diferente, porque ela era uma mulher feminista. Havia a possibilidade
de lutar pelos direitos dela. Diferente da maioria das mulheres, que
acabam falecendo no SUS, onde sequer os casos são notificados. É um
caso exemplar, mas diferente da totalidade dos casos que,
156156
infelizmente, preenchem esses números elevados de taxas. A
maternidade é contraditória. Ao mesmo tempo que é exaltada, que é
vista como algo bonito, com a vida que está por vir, quando acontece
essa taxa de mortalidade, ela acaba sendo invisível para a sociedade
como um todo. Muitas vezes isso se desculpa até por ser elevado o
número de casos de abortos. Como vem de algo – vamos dizer assim –
errado, já que as mulheres estão abortando, então também não há
problema que venham a morrer. É algo que não é dito dessa forma,
mas, nas entrelinhas, fica nesse sentido, culpabilizando-se mais uma
vez as mulheres, porque não se cuidam ou não sabem se cuidar e por
isso engravidam, com tantos métodos anticoncepcionais, que não são
possibilitados na rede pública. Muitas vezes não existe sequer o
preservativo como a camisinha, que, além de evitar a doença, também
evita a gravidez. É algo que também não existe. Sabemos das
dificuldades que as mulheres enfrentam quanto a exigir a utilização do
preservativo, especialmente quando estão com os companheiros, em
que há uma relação muitas vezes ainda de submissão. Entendo ser
uma questão de justiça social. Com certeza é algo que não é tratado por
acontecer, na sua grande maioria, com mulheres pobres e em
mulheres.
Ontem fiquei procurando na Internet para ver se havia algum
dado novo, algo que houvesse melhorado efetivamente em relação a
todos os dados que já temos, a todo o histórico que vem sendo
debatido, e aos progressos que tivemos, como o da implementação de
comitês de mortalidade materno municipal, que infelizmente não
acontece em todas as cidades. Está longe disso. É algo que podemos
colocar como um progresso: os comitês de mortalidade materno, com a
notificação efetiva dos casos. Isso é preciso ocorrer e ser visível.
Infelizmente os casos têm sido elevadíssimos. Os notificados
são de 70 a 90 para cada 100 mil nascidos vivos no Brasil, sendo que,
devido às deficiências de registro e de notificação, não se conhece com
precisão a taxa de mortalidade materna.
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Segundo estimativa do Ministério da Saúde, e da Organização
Mundial da Saúde, esse índice varia entre 110 a 260 mortes maternas
por 100 mil nascidos vivos. Para que se tenha uma idéia dessa
tragédia, em países desenvolvidos esse número fica de 4 a 10 mortes
por 100 mil nascidos vivos. E o pior: considera-se que cerca de 98% de
óbitos maternos no Brasil são por causas evitáveis. Então, essa
preocupação e esperança de que somente nas causas que não sejam
evitáveis ocorra a mortalidade materna é algo ainda a ser buscado, e
espero que seja alcançado.
Parece que culturalmente não há grandes modificações num
contexto geral quando se fala de violência sexual, de mortalidade
materna, de problemas mais referentes às mulheres. O interesse
público, até mesmo dos gestores públicos, dos serviços públicos, de
quem é responsável parece que ainda não é voltado para essas
questões, como se as mulheres não fizessem parte de metade ou mais
de toda a sociedade. Culturalmente ainda acabam sendo vistas de uma
outra forma.”
CAPÍTULO 2
VISITA
2.1 PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER
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SUBCOMISSÃO CONSTATOU SUPERLOTAÇÃO NO
MADRE PELLETIER
Uma das principais atividades desenvolvidas pela
Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero foi a visita ao Presídio
Feminino Madre Pelletier, no dia 13 de novembro do ano passado. A
relatora e deputada Floriza dos Santos (PDT) ficou impressionada com
a superlotação e mostrou-se preocupada com a grave situação de
crianças e bebês residindo dentro da casa prisional. Ainda assim, a
relatora saiu animada com as frentes de trabalho existentes no Madre
Pelletier. São empresas montadas pelas internas, nas áreas de
alimentação, vestuário e artesanato. Algumas detentas recebem
salários superiores à média do mercado para a mesma função.
No dia 25 daquele mês, a deputada foi à tribuna da Assembléia
Legislativa para denunciar a situação. O discurso fez parte do Grande
Expediente que o parlamento gaúcho promoveu para destacar o Dia
Internacional de Luta pelo Fim da Violência Contra a Mulher,
comemorado sempre no dia 25 de novembro.
Floriza alertou que a situação do presídio é grave, revelando
que num espaço com capacidade para 118 presas, estavam 347
detentas, sendo que 198 delas eram presas provisórias ainda não
condenadas pela Justiça. A deputada abordou, ainda, a preocupante
situação de 17 crianças vivendo na creche do presídio e também o
aumento de detentas grávidas. Para reverter e debater a situação do
presídio, a Subcomissão atuou em duas frentes. Uma delas foi a
reunião com o governador do Estado, Germano Rigotto. E a outra foi a
audiência pública na Assembléia Legislativa, no dia 27 de novembro. O
resultado dessa audiência consta nesse Relatório Final. Abaixo, o
pronunciamento da diretora do presídio durante o encontro.
ELISETE JANAÍNA GUNTZEL DIRETORA DA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE
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PELLETIER
“Em nome da SUSEPE e em nome da Penitenciária Feminina
agradeço por estarmos participando desse debate. Gostaria de dar a
nossa versão dos fatos. Assumi a Penitenciária nesse ano com um total
de 240 detentas, sendo – ao meu ver – uma situação que me chocou
bastante, porque sou oriunda daquela penitenciária. Há 15 anos estou
no Estado do Rio Grande do Sul, sou servidora estável. Tenho cinco
anos de trabalho direto com a guarda da Penitenciária Feminina. Então,
acompanho os relatos de quem disse, que um tempo atrás, haviam 120,
130 apenadas, tanto o Sr. Bruno relatou a situação de haver 70 presas.
Então, me chocou bastante a situação de entrar em uma penitenciária e
ver que estavam em torno de 240 presas. Este índice está aumentando
cada dia que passa.
Ao meu ver, acredito que uma das situações desse fenômeno
de aumento do ingresso de detentas na penitenciária é pelo fato de que
a polícia está atuando, estão ocorrendo maiores prisões. Podemos
acompanhar nos próprios jornais.Há a situação das lideranças. Temos acompanhado, também,
que o perfil da presa mudou bastante. Hoje em dia, há presas que
afrontam mais, são mais agressivas e são mais violentas. A grande
maioria está mobilizada nessa situação. Então, isso repercute no
próprio crime na rua. Muitas delas cometem crimes violentos. Em
relação às presas em prisões provisórias: há 127 presas condenadas e
as restantes que são em torno de 200 apenadas provisórias. Nessa
situação há uma ONG que atua diretamente conosco que é o pessoal
do Programa de Assistência à Mulher – PAMA, cuja representante, Dra.
Patrícia, se encontra presente. Ontem, tivemos um reunião com o Dr.
Rinez, Juiz de Execuções, na qual foi relatado o assunto das presas
provisórias, muitas delas já recolhidas há oito ou dez meses sem prisão
definitiva e muitas oriundas do interior. Muitas vezes a mulher comete o
crime no interior do Estado e é deslocada para Porto Alegre, porque é a
única penitenciária feminina existente no Rio Grande do Sul. Além de
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estar longe da família, dos filhos, ela fica depressiva pela situação em
que se encontra. Convivemos com essa situação e a relatamos para o
Juiz, porque o final do ano, a época natalina se aproxima, e é um
período crítico para a penitenciária.
Até o momento, graças a Deus, somente tivemos um incidente
ocorrido no início do ano. Foi uma agressão violenta de uma presa a
uma funcionária. Em todo o tempo que trabalhei lá, nunca havia
ocorrido incidentes como esse. Tínhamos os atritos normais do guarda
com a presidiária, mas não a ponto de uma agressão. Chegamos à
conclusão de que essa situação deveria ser relatada ao Juiz para
vermos se há como mudá-la. O Juiz comentou que iria conversar com
colegas, pois a jurisdição dele é na Vara de Execuções Criminais –
VEC –, e os processos são distintos. Há processos tramitando na 7ª e
8ª Varas, e ele verificará o porquê dessas detentas se encontrarem ali
detidas provisoriamente.
Cogitamos a possibilidade de as mães e as gestantes presas
cumprirem a pena em prisão domiciliar, o que será analisado.
Relatamos, ainda, vários problemas e sugerimos alternativas para
tentar amenizar a situação. As pessoas, que me conhecem, sabem que
tento de todas as formas possíveis conseguir que as presas cumpram
as suas penas em regime semi-aberto ou prisão provisória.
Sinceramente, não é bom a presa estar ali conosco. Com relação à
questão levantada sobre a ociosidade, podemos nos sentir até
privilegiadas dentro do sistema penal, porque, quem o conhece sabe
que estamos com seis empresas trabalhando dentro da penitenciária
feminina. Isso é algo que, se forem verificar no sistema penal, é inédito.
Inclusive, na minha gestão foram implementadas duas empresas, uma
de pizza e outra de bijuteria, nas quais a presa trabalha com salário
muito maior. O Grupo Hospitalar Conceição chega a pagar R$ 350,00
para a detenta.
A procura é muito grande para trabalhar nessas empresas, mas
temos outros serviços subalternos, como limpeza e cozinha. No total,
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temos 152 presas trabalhando. Realmente, gostaria que todas
estivessem trabalhando, mas não temos como comportar isso. Estou
tentando firmar convênios com empresas para que eles possam fazer
qualquer tipo de atividade dentro da própria cela, como envelopagem
ou qualquer trabalho que não apresente problema de segurança.
Assim, elas podem passar o seu tempo e conseguir algum retorno
financeiro.
Com relação à permanência das crianças, quero esclarecer
que temos uma ala que comporta 20 presas e temos atualmente 23,
entre mães e gestantes. Temos também presas aguardando na galeria,
porque elas só são deslocadas para a galeria-creche quando
completam oito meses de gravidez. A permanência das crianças,
ainda, não é um ponto pacífico. Estamos fazendo tratativas com a Vara
da Infância e Juventude. Alego que estamos cumprindo o Art. 5º da
Constituição, que prevê período de amamentação. È o que podemos
compor no momento. Se no futuro conseguirmos realmente construir
uma creche com todas as condições, as crianças poderão ficar até os
seis anos lá. Atualmente a nossa realidade são os seis meses, porque o
local é insalubre, tanto para as presas como para as próprias crianças.
Temos quotidianamente situações de briga, de bateção – como se diz
na própria penitenciária –, as batidas que elas fazem nas celas.
Acredito que criança vive de exemplo. O local não é bom. Elas têm todo
o direito, tanto que a Constituição Federal permite, amamentar as
crianças. Esse assunto é polêmico, porque alguns pediatras dizem que
pode ser até seis meses, outros até dois anos. Não há uma idade
precisa, mas na atual situação de tratativas com a Promotoria da
Infância e da Juventude, junto ao pessoal do PAMA e outras entidades,
vamos chegar a um denominador comum. Quero dar condições para
que essas mães estejam realmente com seus filhos, mas num local
condizente para elas.
Com relação à situação levantada sobre a visita íntima: na
Penitenciária Feminina não é feita dentro das celas, na galeria. Nos
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presídios masculinos as visitas íntimas são realizadas dentro das celas.
Muitas vezes os outros detentos saem para darem espaço à pessoa
que vai ter visita íntima. No presídio feminino temos três celas que
comportam o número de pessoas aptas. A pessoa para ter a visita
íntima passa por uma avaliação psicológica e pela assistente social. Há
um critério de atendimento nessa área. A partir disso, ela começa a ter
direito à visita íntima, que ocorre em dias determinados, sábados e
domingos, em celas em separado, o que é positivo. Ter um ambiente
para preservar sua privacidade é muito bom.
Outra situação levantada aqui diz respeito à revista na entrada
de visitantes no presídio. A penitenciária feminina é o único local do
Estado do Rio Grande do Sul onde os visitantes não são revistados,
passam por detectores de metais e somente as presas são revistadas.
Essa foi uma determinação de Governos passados e estamos
cumprindo até então, o que não evitou a entrada de celulares e de
drogas. Não diminuiu nem aumentou, continua existindo, mas um
ponto positivo é que a revista é feita somente nas presas.Na minha administração, todas que estão trabalhando comigo
são oriundas da penitenciária feminina, conhecem o cotidiano das
presas. Muitas presas nos conhecem e sabem da nossa forma de
tratamento. O nosso interesse é que cumpram com a pena e possam
sair pelo menos um pouco melhores.
Na nossa limitação, procuramos fazer o máximo possível e
pedimos sempre a colaboração das pessoas que nos procuram, tanto
do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher como do PAMA e de
outras entidades. Tentamos trabalhar em conjunto, porque o preso só
deve cumprir a sua pena, ele já está cerceado da liberdade.”
163163
CONCLUSÕES
Instalada no dia 27 de agosto de 2003, com apoio e incentivo da
bancada feminina da Assembléia Legislativa, a Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero cumpriu sua missão primordial de ser um espaço de
debate em torno das questões do universo feminino, encerrando suas
atividades em junho de 2004. Conseguimos, ao longo desse período,
reunir autoridades e lideranças das mais diferentes áreas, sempre com um
propósito comum, que foi o de discutir a problemática da mulher e apontar
possíveis soluções.
As informações obtidas por essa Subcomissão certamente
servirão de apoio para legitimar políticas e ações em defesa das mulheres.
Temos exemplos marcantes para comprovar isso. Desde a primeira
audiência pública, que levou mais de 200 pequenas produtoras rurais a
discutir seu papel na sociedade, até o último encontro, no qual abordamos
a triste realidade da mortalidade materna, notamos que o debate de
gênero encontra eco na sociedade. E nada mais real do que números,
estatísticas e depoimentos para comprovar isso.
Quando o assunto é tráfico de mulheres, especialistas e
autoridades policiais nos estarreceram com os gráficos. Somente nos
países da União Européia, vivem mais de 70 mil brasileiras em regime de
escravidão e sendo obrigadas a se prostituir para sobreviver. Olhando
esse problema de forma superficial, à primeira vista nos parece um caso
distante, que não nos afeta. Mas ao se deter nas informações, nos assusta
e nos preocupa saber que o Rio Grande do Sul é rota para o tráfico de
pessoas, um crime que já ultrapassou o tráfico de armas em termos
movimentação financeira, ficando atrás apenas do tráfico de drogas.
Cidades como Uruguaiana, Passo Fundo e Porto Alegre são usadas por
quadrilhas para levar mulheres gaúchas para fora do Brasil.
Se o assunto é sistema penitenciário, a preocupação e o susto não
são menores. Em visita à Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em
Porto Alegre, constatamos a superlotação da casa. Num local com
capacidade para 118 presas, estavam quase 350. O drama não é menor
quando entramos na creche do presídio. Muitas mulheres grávidas e 17
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bebês morando no local. Mas nem tudo foi problema. Percebemos
também o esforço da atual direção em incentivar o trabalho dentro do
presídio. Empresas de alimentos e vestuário montadas pelas próprias
detentas são uma forma de ressocialização e de renda extra para o
sustento da família.
Quando pegamos os dados da violência no Estado, voltamos a
perceber que o trabalho da Subcomissão foi importante e que não deve
parar. Apesar de no Rio Grande do Sul existir apenas cinco delegacias
especializadas no combate à violência contra a mulher, os números
oficiais registrados são alarmantes. Somente em 2003, foram 52 mil
ameaças, 788 desaparecimentos, 950 estupros, 33 mil lesões corporais e
585 maus-tratos. Sabemos que a realidade é ainda mais dramática, pois o
medo faz com muitas mulheres sequer procurem os órgãos policiais para
registrar ocorrência.
No que tange às delegacias, este Relatório Final não poderia
deixar de mencionar que, pela primeira vez, foi possível reunir todas as
delegadas titulares de Delegacias da Mulher no Estado, além de muitas
delegadas de Postos de Atendimento. O encontro ocorreu em novembro
de 2003 e foi revelador. Além da falta de viaturas, recursos humanos,
material de informática e treinamento pessoal para atendimento
especializado de gênero, as Delegacias da Mulher carecem de coletes à
prova de balas e armas. A situação é, no mínimo, de sucateamento. Em
meio a tantas necessidades, as Delegadas e suas equipes vem
desempenhando o seu papel com afinco, superando os obstáculos e
cumprindo o seu dever.
Na área da saúde, as notícias também não são boas. O Rio
Grande do Sul continua sendo um dos estados com maior incidência de
câncer de mama e colo do útero. Mas o problema é ainda maior, já que o
câncer de pulmão também está liderando as causas de morte. Outro tema
abordado pela Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero foi a
mortalidade materna. Apesar das dificuldades em obter números
confiáveis, sabemos que os casos se acumulam e aumentam a cada ano,
principalmente naquelas cidades onde os índices de desenvolvimento
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humano são menores.
Com apoio da Fundação de Economia e Estatística, foi possível,
ao longo dos trabalhos da Subcomissão, tratar também de temas
relacionados ao mercado de trabalho. E novamente as informações são
negativas. Nos últimos dez anos, dobrou o número de mulheres
desempregadas na Região Metropolitana de Porto Alegre. É grave,
também, o fato das mulheres assalariadas receberem até 30% menos dos
que os homens para exercer a mesma função. Como se pode notar, os
dados, os números e as informações não são nada animadoras. Mas isso
não serve como desalento. Pelo contrário. Isso tem que ser motivo de
fôlego para nossa luta. Nesse sentido, esta Subcomissão que ora se
encerra apresenta alternativas e sugestões:
1) Não é mais possível que um Estado do porte do Rio Grande do
Sul tenha apenas cinco delegacias especializadas no combate à violência
da mulher. O Estado precisa ampliar esse número, bem como dotar as
atuais delegacias e postos com melhores equipamentos, mais viaturas e
funcionários, além de treinamento especializado para atendimento das
questões de gênero. Ainda na área da segurança, se faz urgente um
debate sobre cotas para mulheres na Brigada Militar e também na Polícia
Civil. Os dados mostram que a mulher, na corporação militar, ajuda a
diminuir os casos de violência e maus-tratos contra os cidadãos. Ou seja,
com a mulher, a instituição fica mais humana. A questão das cotas é
necessária, pois atualmente apenas 5% do total do efetivo da Brigada é
composta por mulheres.
2) Em relação ao sistema carcerário, é necessário descentralizar o
modelo. A Penitenciária Feminina Madre Pelletier não comporta mais
novas detentas. É preciso que o Estado invista em alas femininas nos
presídios do interior, ou até mesmo construa novas casas prisionais para
mulheres. Se faz necessário, ainda, o incentivo ao trabalho das apenadas,
pois isso é uma forma de inseri-las na sociedade, além de servir de alento
financeiro às famílias. Também é necessário cobrar da Justiça uma ação
para reverter o caso das “presas provisórias”. A superlotação ocorre, em
muito, pelo fato de mulheres ainda não condenadas estarem reclusas na
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penitenciária. Se faz necessário ampliar o debate para uma solução desta
situação.
3) O Governo Federal, em parceria com os Estados, deve,
urgentemente, criar uma força policial especializada no combate ao tráfico
de mulheres. Não é mais possível que um mesmo delegado da Polícia
Federal atue, simultaneamente, em crimes de sonegação fiscal e tráfico de
pessoas. A Polícia Federal necessita ser melhor equipada para fazer frente
às quadrilhas de tráfico de pessoas, já que essas estão cada vez mais
organizadas e estruturadas.
4) O Estado precisa olhar com atenção os números de
mulheres desempregadas. Além de campanhas de conscientização junto
às empresas e sociedade, também é importante que se crie um programa
de incentivo a quem proporciona emprego para mulheres chefes de família.
5) Sobre saúde, as políticas públicas devem ser
incrementadas no sentido de diminuir a incidência de câncer do cólon do
útero, de mama e do pulmão, que são os maiores responsáveis pelos
óbitos femininos. Essa mesma política pública precisa incentivar a
investigação da mortalidade materna, cobrando dos municípios e
instituições a adoção de medidas para baixar a zero essas mortes.
6) Por fim, notamos que o assunto de gênero não se esgota
com este Relatório Final. E seria muita pretensão pensar assim. É
necessário oportunizar, ainda mais, a participação de valorosas entidades
feministas e órgãos públicos no debate com a sociedade, o que ocorreu de
forma intensa durante esses meses em que a Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero funcionou. Mas é necessário avançar. Para isso,
proponho que a Assembléia Legislativa aprove, o mais rápido possível,
a criação de uma Comissão Externa de Assuntos de Gênero para
continuar esse trabalho. Essa é a forma de avançar no debate e
oportunizar que todo o Estado se insira nele.
Deputada Floriza dos Santos Relatora da Subcomissão Mista de
Assuntos de Gênero
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FICHA TÉCNICA
Alessandra Lakus e Fátima Fraga - CoordenaçãoJoão Silvestre - Assessoria de ImprensaRenata Germano - Edição e Diagramação
Apoio Técnico
Eunice Dörr Márcia Besson Fabiana Schneider Marcela Silva Marcelo Machado
Colaboração
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AGRADECIMENTOS
Imprensa
Comissão de Cidadania de Direitos Humanos - AL
Comissão de Saúde e Meio Ambiente - AL
Comissão de Serviços Públicos - AL
Comissão de Educação - AL
Departamento de Comissões Parlamentares - AL
Departamento de Taquigrafia - AL
Departamento de Relações Institucionais - AL
Superintendência de Comunicação Social - AL
Gabinete da Deputada Floriza dos Santos
Gabinete da Deputada Estadual Jussara Cony
Gabinete da Deputada Estadual Leila Fetter
Gabinete da Deputada Estadual Maria Helena Sartory
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ANEXOS
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