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Diogo Leite de Campos - Locação Financeira (Leasing) e Locação Pelo Prof. Doutor Diogo Leite de Campos I Introdução O objetivo das páginas que se seguem é estabelecer as diferenças entre a locação e a locação financeira. Tal distinção tem interesse prático, além do mais, para determinar quais os contratos (…de locação financeira) reservados a bancos e a sociedades de locação financeira. E os contratos (de locação) que podem ser celebrados por entidades não financeiras. II A distinção entre locação e locação financeira 1. A distinção jurídica: a lei como ponto de partida O decreto-lei n.° 149/95 de 24 de Junho, que estatui o regime jurídico da locação financeira (instituído pela primeira vez pelo decreto-lei n.° 171/79), dá a definição do contrato em causa (artigo 1.°): “Locação Financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.” A locação simples também tem a sua noção expressa legalmente. Vejamos, assim, o art. 1022.° do Código Civil português o qual define: “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”. 2. Plano As normas legais referidas dão a noção de contrato de locação e de contrato de locação financeira. Trata-se de dois contratos nominados, previstos e regulados no Direito privado. A lei, ao dar a sua definição, indica, desde logo, as suas características fundamentais. Vamos começar por as distinguir. Para, depois, as aprofundar numa análise tipológica mais aprofundada dos dois contratos de locação e de locação financeira, um em confronto com o outro e com as figuras próximas. 3. As características (essenciais) do contrato de locação

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Diogo Leite de Campos - Locao Financeira (Leasing) e LocaoPelo Prof. Doutor Diogo Leite de CamposI Introduo O objetivo das pginas que se seguem estabelecer as diferenas entre a locao e a locao financeira. Tal distino tem interesse prtico, alm do mais, para determinar quais os contratos (de locao financeira) reservados a bancos e a sociedades de locao financeira. E os contratos (de locao) que podem ser celebrados por entidades no financeiras. II A distino entre locao e locao financeira 1. A distino jurdica: a lei como ponto de partida O decreto-lei n. 149/95 de 24 de Junho, que estatui o regime jurdico da locao financeira (institudo pela primeira vez pelo decreto-lei n. 171/79), d a definio do contrato em causa (artigo 1.): Locao Financeira o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuio, a ceder outra o gozo temporrio de uma coisa, mvel ou imvel, adquirida ou construda por indicao desta, e que o locatrio poder comprar, decorrido o perodo acordado, por um preo nele determinado ou determinvel mediante simples aplicao dos critrios nele fixados. A locao simples tambm tem a sua noo expressa legalmente. Vejamos, assim, o art. 1022. do Cdigo Civil portugus o qual define: Locao o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar outra o gozo temporrio de uma coisa mediante retribuio. 2. Plano As normas legais referidas do a noo de contrato de locao e de contrato de locao financeira. Trata-se de dois contratos nominados, previstos e regulados no Direito privado. A lei, ao dar a sua definio, indica, desde logo, as suas caractersticas fundamentais. Vamos comear por as distinguir. Para, depois, as aprofundar numa anlise tipolgica mais aprofundada dos dois contratos de locao e de locao financeira, um em confronto com o outro e com as figuras prximas. 3. As caractersticas (essenciais) do contrato de locao O contrato de locao, visto luz do artigo 1022. do Cdigo Civil, apresenta as seguintes caractersticas, definidoras do seu tipo: a) Uma das partes obriga-se a proporcionar outra o gozo de uma coisa; b) A outra parte tem o direito de exigir esse gozo; c) O gozo temporrio; d) cedncia do gozo corresponde uma prestao da outra parte.

4. As caractersticas (essenciais) do contrato de locao financeira O contrato de locao financeira um mais perante o contrato de locao. Ou seja: a lei (artigo 1. do Decreto-Lei n. 149/95) acrescenta algumas caractersticas distintivas base constituda pelo contrato de locao. Assim: Tal como na locao: a) Existe a obrigao de ceder o gozo de uma coisa; b) O locador e continua a ser proprietrio da coisa; c) A outra parte tem o direito de exigir aquela cedncia; d) O gozo temporrio; e) O gozo retribudo. A mais, quanto locao: f) O objecto do contrato adquirido ou construdo por indicao do locatrio; g) O locatrio pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; h) Esse preo deve ser determinado no contrato ou determinvel mediante simples aplicao dos critrios nele fixados. esta a distino que a lei fixa. Por ela, portanto, nos devemos guiar(1). Para melhor compreender esta distino, vamos aprofund-la em termos de desenvolver as caractersticas dos contratos decorrentes das referidas normas e descrever os interesses que a elas presidem. III Aprofundamento da distino: os dois tipos contratuais A) O contrato de locao financeira 5. A classificao tipolgica do contrato de locao financeira

6. As caractersticas tpicas do contrato de locao financeira Desenvolvimento O contrato de locao financeira, j o referimos, deve ser caracterizado atravs do seu tipo jurdico. Atravs dos seus elementos essenciais, caractersticos, previstos na lei do contrato de locao financeira. No se trata de uma tarefa fcil dada a proximidade do contrato de locao financeira com outras figuras como a locao, a locao compra, a compra e venda a prestaes, etc. Mas uma tarefa que tem de ser levada a cabo, dada a importncia de distinguir a figura da locao financeira de outras, no s para aplicao dos regimes jurdicos supletivos, como para determinar quais as entidades autorizadas a levar a cabo essas operaes. Como se sabe, a locao financeira est reservada a determinadas pessoas jurdicas do sistema financeiro. A locao financeira, como dissemos, tem origem no contrato de locao e aproximada pelos autores e pela jurisprudncia a outros contratos como a compra e venda, o mtuo, etc.. Trata-se, porm, de um contrato definido e regulado na lei. Foi a partir desta que definimos os elementos essenciais que caracterizam o contrato. Desenvolvamos um pouco as caractersticas essenciais enunciadas nos nmeros 1 e seguintes.

7. O ncleo do contrato No ncleo do contrato encontram-se correlativos direitos e deveres das partes (artigos 9. e 10. do DL n. 149/95). J vimos que integrado pela obrigao do locador de ceder o uso da coisa durante um certo perodo; com o correlativo direito de exigir a entrega da contraprestao; e pelo direito do locatrio de exigir a entrega da coisa, usando-a de acordo com o fim a que se destina durante o perodo do contrato; e o correlativo dever de entregar as rendas. Bem como pela promessa unilateral de venda no fim do contrato. Terminmos com a escolha do bem pelo utente. Decorrem destas caractersticas a transferncia do risco para o utente e a amortizao da coisa, pelo menos acima de 50%, durante o perodo do contrato (artigo 4.). 8. Perodo do contrato So incluveis no contrato de locao financeira duas modalidades: o contrato de amortizao integral e o contrato de amortizao parcial. O primeiro vigorar durante toda a vida til do bem. O segundo prever a durao do contrato durante a maior parte deste perodo. A exigncia do contrato ter necessariamente uma durao mnima, superior a metade da vida til (valor) do bem (econmica ou fiscal) (artigo 4.) permitir aqui distingui-lo da locao de curta durao. O no se transferir a propriedade com o pagamento da ltima renda, diferenci-lo-, desde logo, da compra e venda a prestaes e da locao compra. Recorta-se, desta maneira, o contrato da locao financeira: entre a locao e a compra e venda.

9. Transferncia da propriedade O contrato da locao financeira tem como objecto a cedncia do uso da coisa: no a transferncia da sua propriedade; nem a cedncia do uso mais a cedncia contratual da propriedade. A cedncia do uso do bem, culminada com a transferncia da propriedade, s operada atravs da compra e venda a prestaes com reserva de propriedade ou da locao-compra. Se houver uma clusula de transmisso automtica da propriedade no fim do contrato estaremos, ou perante um contrato inominado ou misto, ou perante um contrato de locao-compra. 10. Valor residual do bem Deve prever-se a obrigatoriedade de uma opo de compra (promessa unilateral de venda) no fim do contrato, a favor do locatrio, mediante declarao de vontade deste, por um preo fixado ou a fixar nos termos do contrato. Pagvel ou no em prestaes. Mas j no mediante o pagamento do valor de mercado do bem nesse momento. Com efeito, remeter para o valor de mercado sujeito necessariamente a acordo do vendedor, retiraria sentido prtico opo de compra. O valor residual do bem poder alcanar o montante que as partes acordarem no contrato. Nada obstar a que as partes acordem que, findo o contrato e em vez de ser exercida uma opo de compra, o contrato se prolongue atravs de uma locao financeira, locao a curto ou a longo prazo ou com ou sem opo de compra no fim (artigos 1. e 7.). 11. Escolha do bem A escolha do bem pertence naturalmente ao locatrio, em funo das suas necessidades (artigo 1.). ele que determina o bem que lhe interessa e ele que sofre o risco econmico da sua utilizao com o risco tambm de no ser adequado s finalidades para o que pretende ou ter vcios. No caso de o bem ser fornecido pelo locador, ento neste caso o locador responder perante o locatrio pelo prprio bem. No caso de o bem ser fornecido por terceiro estabelecer-se- uma relao unicamente entre o terceiro e o locatrio, no podendo ser o locador responsabilizado pelos vcios ou pela inadequao da coisa. A responsabilidade do vendedor ou construtor do bem pelo vcio da coisa ou pela sua inadequao aos fins a que destinada pelo contrato de locao deve ser submetida s regras gerais do direito das obrigaes. Normalmente, repito, o locador ter um papel meramente financeiro. De qualquer modo tudo depender das circunstncias. Se o locador se comportar como um normal locador, ento ser responsvel perante o locatrio.

B) Distino de contratos prximos 12. Algumas caracterizaes do contrato de locao financeira Os Autores manifestam muito variadas opinies sobre a natureza jurdica do contrato de locao financeira(2). 13. Contrato de compra e venda com fiel depositrio Alguns autores consideram o contrato de locao financeira como um contrato de compra e venda em que o utente fiel depositrio do bem. A critica a este ponto de vista decorrer da caracterizao do contrato de locao financeira feita nas pginas subsequentes. 14. Contrato de crdito Tem sido defendida a integrao do contrato de locao financeira nos contratos de crdito. Isto parece desvalorizar a regulamentao jurdica do contrato de locao financeira diversa da regulamentao jurdica dos contratos de crdito. Salientando a funo financeira do contrato de locao financeira em prejuzo da sua estrutura jurdica. 15. Locao financeira e compra e venda Economicamente, a compra e venda um negcio de troca, pelo qual se trocam bens (coisas ou direitos) por dinheiro. Esta base econmica estruturada juridicamente no artigo 879. do Cdigo Civil: a obrigao principal do vendedor a entrega do objecto comprado; enquanto que o comprador tem de entregar o preo de venda; a transmisso da propriedade da coisa opera-se para efeito do contrato. No tocante repartio dos riscos, o artigo 796., 1 do Cdigo Civil determina que o risco pelo perecimento ou deteriorao da coisa corre por conta do adquirente. Parece evidente que existem tambm muitas coincidncias entre o contrato de locao financeira e o contrato de compra e venda, pelo menos o contrato da compra e venda a prestaes. O locatrio, na locao financeira, procura obter, no o uso de um bem durante um perodo mais ou menos longo, mas obter o prprio bem durante a maior parte da sua vida til ou durante a totalidade da sua vida til. O utente vai obter todas as utilidades do bem correspondentes sua vida til; nesta medida est a adquirir o prprio bem. E, de qualquer modo, o contrato oferece a faculdade ao utente de aceder propriedade do bem faculdade que este exerce, normalmente. O utente faz um investimento atravs do bem. Investimento de que suporta integralmente os riscos, como se de uma compra se tratasse. o utente que toma a iniciativa, escolhe a coisa de acordo com as suas necessidades e a negoceia com o vendedor. O risco econmico corre por conta do utente. Se a utilizao da coisa no rentvel no se pode desfazer dela como o faria, por exemplo, o locatrio. Suporta o risco da perda ou da deteriorizao da coisa, da sua obsolescncia econmica, do seu desgaste fsico. Encontra-se na posio de proprietrio comprador (a prazo), no podendo desinteressar-se da coisa antes do reembolso integral do locador. prestao nica do locador entrega da coisa (do uso da coisa)corresponde uma dvida nica do locatrio correspondente ao valor da coisa, pelo menos durante o perodo da sua utilizao, acrescida de juros, lucros e outros encargos. Esta dvida existe desde a celebrao do contrato, embora o seu reembolso seja fraccionado. A perda da coisa no extingue a obrigao do devedor. Trata--se, pois, de uma obrigao de prestao fraccionada quanto ao cumprimento, mas unitria em si mesma, na medida em que o objecto da prestao se encontra pr-fixado sem dependncia da durao da relao contratual o que explica que a falta de cumprimento de uma das fraces implique o vencimento imediato das restantes (artigos 781. e 984. do Cdigo Civil). A cesso do bem contratada por um perodo prximo do da sua vida til. No fim do contrato o locador receber o equivalente do custo da coisa, enquanto que o locatrio ter gozado o valor econmico da coisa. Nestes termos, e quer haja ou no opo de compra, a locao financeira tem por objecto fins econmicos muito prximos dos da compra e venda a prestaes. O locador s reserva a propriedade da coisa a ttulo de garantia, como reserva da propriedade. Contudo, tambm a equiparao da locao financeira compra e venda a prestaes no parece possvel. Pelo menos sob o ponto de vista jurdico. Se abandonarmos a considerao dos interesses econmicos das partes, muito variveis e de qualquer modo externos estrutura contratual, e analisarmos a estrutura contratual, ou seja, o quadro jurdico atravs do qual aqueles interesses so actuados, encontramos divergncias entre a locao financeira e a compra e venda. As partes no tiveram em vista a transferncia da propriedade sobre a coisa que seria elemento essencial da compra e venda. Nenhuma transferncia de propriedade se opera aqui ipso iure. O locatrio tem o direito contratual de exigir do locador que este celebre com ele, no fim do contrato, um contrato de compra e venda tendo como objecto o bem locado. Ou seja: a compra do bem realiza-se por contrato posterior ao contrato de locao financeira, no sendo, pois, um efeito deste operado pelo pagamento da ltima prestao. De entre as objeces que se podem apontar qualificao do contrato locao financeira como contrato de compra e venda, ainda podemos indicar outra. Na compra e venda o vendedor fornece uma coisa conforme ao pedido do comprador e garante que no tem defeitos. Na locao financeira no h qualquer prestao positiva do locador ou locatrio em relao directa com o prprio bem. Em tudo o que se refere ao bem o utente que trata com o fornecedor--produtor do bem e que se responsabiliza perante o locador e no o contrrio. O locador limita-se a pagar o bem ao fornecedor.16. Locao financeira e mtuo Tem sido acentuado pela doutrina, na esteira de uma viso pragmtica do contrato de locao financeira, a funo financeira da locao financeira. Estamos de acordo em que a locao financeira um dos instrumentos de que os empresrios ou as famlias dispem para financiar a aquisio de bens ao lado do mtuo bancrio, da compra e venda a prestaes, da locao compra, etc, ou em concorrncia com estas figuras. Figuras contratuais todas estas que no se podem reduzir a uma funo financeira ou designao genrica de mtuo. No h que confundir o fim financeiro com os instrumentos jurdicos utilizados para prosseguir. Recusamos um amalgamar simplista de tcnicas jurdicas muito diversas sob a denominao genrica e vaga de contrato de crdito, devendo separar e distinguir juridicamente. A caracterizao da locao financeira como mtuo de dinheiro suscita graves objeces, pois implica desconhecimento do significado das obrigaes especficas do locador na relao contratual, bem como das estruturas jurdicas dos dois contratos. certo que o financiamento o encargo principal do locador. Contudo, a finalidade tpica do contrato de locao financeira cedncia do uso da coisa. Cedncia que s se torna possvel com a aquisio prvia da coisa pelo locador. O financiamento inicial ligado a esta operao tem lugar na esfera do locador que s obtm resultados externos atravs da cedncia do uso do bem adquirido com esse financiamento. As estruturas da locao financeira e de mtuo no se confundem. No recusamos que a locao financeira, vista na perspectiva estritamente econmica, esteja ligada a uma certa ideia, bastante vaga e grosseira embora sugestiva, de crdito da coisa. Contudo, no contrato de locao financeira a entrega da propriedade do bem substituda pela concesso do seu uso, o que descaracteriza ainda mais aquele contrato em relao ao tipo mtuo, mesmo perante a sugestiva ideia de mtuo da coisa. Daqui resulta, nomeadamente, que o contrato de locao financeira se demarca nitidamente do mtuo no que se refere reivindicao da coisa: a reivindicao das coisas mutuadas dirige-se entrega de coisas da mesma espcie, quantidade e qualidade das cedidas pelo mutuante; na locao financeira, a pretenso dirige-se coisa entregue. Na caracterizao da locao financeira como mtuo fica sempre de fora a coisa objecto do contrato. Fica de fora a verdadeira prestao do locador que a cedncia do uso da coisa. C) Locao financeira e locao 17. Contrato de locao e locao financeira A incluso do contrato de locao financeira na locao propriamente dita compreende-se dado que nos pases anglo-saxnicos no h uma distino clara entre as duas figuras, tendo nascido a locao financeira da locao. Leasing reflecte bem esta origem, na medida em que lease significa locao. H que perguntar se a locao financeira no , efectivamente, redutvel ao contrato de locao. Contrariamente aos contratos da alienao (compra e venda e anlogos) que esto orientados para a transferncia remunerada da propriedade das coisas ou outros direitos, a locao, aqui compreendida a locao financeira, permanece como a forma bsica de cedncia remunerada das coisas para uso do adquirente/utente. O locador continua proprietrio do bem; dado que o contrato de locao se caracteriza pela obrigao do locador de ceder temporariamente o gozo da coisa, tendo como contrapartida uma certa remunerao (artigo 1012. do Cdigo Civil). Daqui decorre que, o locador-proprietrio responsvel pelos vcios da coisa (artigo 1032. do Cdigo Civil); deve mant-la e repar-la (artigos 1031. e 1036.); correndo, nos termos gerais, por sua conta, o risco do perecimento da coisa. Tanto numa figura como na outra a obrigao principal do locador est em ceder o gozo da coisa; enquanto que o locatrio, tambm em ambas as figuras, est obrigado a usar a coisa de acordo com o fim a que se destina e a pagar uma certa retribuio (renda). Em termos de se afirmar que a locao permanece durante toda a relao de locao financeira o tipo bsico normativo. O contrato, mesmo que tenha a causa remota do interesse do locatrio em ser financiado pelo locador, s adquire significado jurdico atravs da concesso do uso. esta que o caracteriza fundamentalmente. A estrutura de locao mantm-se na locao financeira em tudo o que se refere cedncia do uso. As modificaes (a este nvel) so s introduzidas acessoriamente para ponderar o significado especial do financiamento da operao locativa. Contudo existem algumas diferenas entre ambas as figuras. Diferenas que so postas em evidncia pelos textos do Cdigo Civil que se referem locao e pelas normas que se referem locao financeira. Assim, na locao, o risco de perecimento da coisa corre por conta do locador; enquanto que na locao financeira o locatrio que o suporta (artigo 15. do DL n. 149/95). Tambm o dever de conservar e reparar a coisa incumbe, na locao financeira, ao locatrio (artigo 10.). Enquanto que na locao assiste ao locador. Normalmente na locao financeira o locador-proprietrio no tem a inteno de usar o bem, de correr os riscos prprios do proprietrio, nomeadamente o risco econmico de no rentabilidade de coisa e do seu perecimento. O locador-proprietrio quer que o bem seja usado, com a assuno integral do risco, pelo utente. O locatrio/utente, no pretende obter o (simples) uso de um bem disponvel no mercado de locao. Realiza verdadeiramente um investimento, traduzido em parte ou na totalidade do valor do bem, correndo o risco equivalente do seu perecimento ou da sua no rentabilidade. Sendo assim, o locador desinteressa-se da coisa, sob o ponto de vista econmico-financeiro que no sob o ponto de vista jurdico. Enquanto que, sob o ponto de vista econmico-financeiro, o locatrio tem uma verdadeira propriedade til do bem. O locador (financeiro) no escolhe o bem, no determina as suas caractersticas, no se preocupa com a sua rentabilidade. So tudo assuntos que dizem respeito ao utente. Estamos nos antpodas da posio (do mero) do locador que escolhe o bem de acordo com o seu interesse econmico, o oferece, o entrega e o mantm em estado de funcionamento; assumindo os riscos inerentes. Explora-o, em suma. Pelo contrrio, o utente escolhe o bem de acordo com as suas necessidades e assume o risco econmico da sua utilizao. Se esta no for rentvel ou o bem no se adequar s suas necessidade, no pode ced-lo ao fim de um perodo mais ou menos curto, como acontece na locao (vd. artigos 1., 10., 12., 13., 14. e 15. do referido DL). Depois, na locao as rendas so prestaes peridicas, correspondentes a perodos sucessivos, dependentes da durao do contrato, em termos de, desaparecido o bem, desaparecer a obrigao. Pelo contrrio, na locao financeira h (economicamente) uma obrigao nica do devedor, correspondente, grosso modo, ao custo do bem, com prestaes fraccionadas no tempo. O locatrio aparece, pois, como proprietrio econmico do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o perodo do contrato, e cujos riscos assume. Continuamos, apesar disso, com alguma incerteza entre os limites de locao financeira e o contrato de locao. O que se compreende dada a gnese do contrato de locao financeira, a grande proximidade dos fins de um e de outro. Neste sentido, no basta fazer uma interpretao das normas da lei, com vista a criar conceitos e subdistines. H que aplicar estes conceitos e subdistines aos casos concretos, no sentido de os subsumir nos quadros da locao ou da locao financeira. O que s se consegue atravs de um dilogo constante entre a norma e o caso.

18. Locao financeira e locao-compra Na locao-compra as rendas pagas durante o perodo de durao do contrato amortizam totalmente o desembolso do locador, adquirindo o locatrio a propriedade com o pagamento da ltima prestao da renda. Tambm se pode estabelecer um preo final, se o desembolso do locador acrescido sua margem de lucro no tiver sido suficientemente coberto pelas rendas pagas. Assim haver, normalmente um contrato misto de locao com compra e venda. Tem sido uma modalidade contratual bastante usada em diversos pases no mbito imobilirio, mas tambm quanto aos bens mveis, sobretudo automveis. Os seus contornos econmicos so dificilmente separveis dos da compra e venda a prestaes. Embora sob o ponto de vista jurdico, do regime dos contratos, seja possvel distingui-los em virtude do ingrediente locatcio que existe na locao-compra. A principal distino entre a locao-compra e o contrato de locao financeira a de que, no contrato de locao financeira, no existe uma aquisio automtica ou sequer um contrato de promessa de compra e venda, entre o locador e o locatrio. Enquanto que na locao-compra existe essa aquisio automtica ou, pelo menos, um contrato de promessa de compra e venda. D) Contabilizao 19. Referncia a contabilizao da locao e da locao financeira Separando contabilisticamente a locao da locao financeira, surgiu a Directriz Contabilstica N. 25. No seu art. 3. aparecem definidos os institutos para efeitos contabilsticos: Locao: um acordo pelo qual o locador transfere para o locatrio, por contrapartida de um pagamento ou srie de pagamentos, o direito utilizao de um determinado bem, por um perodo de tempo acordado. Locao Financeira: uma locao em que, em substncia, o locador transfere para o locatrio todos os riscos e vantagens inerentes deteno de um dado activo, independentemente de o ttulo de propriedade poder ou no vir a ser transferido. Locao Operacional: uma locao que no seja de considerar como financeira. O artigo seguinte apresenta critrios substanciais de distino, alegando que a substncia deve prevalecer sobre a forma. Diz o art. 4. que a locao ser considerada como financeira se for verificada alguma das seguintes situaes: a) acordo de transferncia da propriedade no final do prazo de locao; b) opo de compra por preo suficientemente abaixo ao seu justo valor data do seu exerccio, fazendo com que, data do incio da locao seja quase certo que a opo venha a ser exercida; c) prazo da locao a abranger a maior parte da vida til do bem; d) valor dos pagamentos igual ou superior ao justo valor do bem; e) activos locados to especficos que s o locatrio os pode usar sem que sejam feitas modificaes importantes; Seguidamente, apresenta ainda indicadores de situaes que podem levar classificao de uma locao como financeira: a) possibilidade de cancelar a locao e as perdas do locador derivadas de tal serem suportadas pelo locatrio; b) ganhos ou perdas derivados da flutuao no justo valor do bem residual a cargo do locatrio; c) possibilidade de o locatrio continuar o contrato por um 2. perodo com uma renda substancialmente inferior de mercado. O Direito da contabilidade (em sentido lato) no apresenta concepes da locao e da locao financeira opostas s do Direito Privado. Mas tambm no so totalmente coincidentes. Trata-se, porm, de um problema que no nos interessa nesta sede. O Direito da contabilidade tem de se subordinar ao Direito dos contratos, tendo este fora legal. E no o contrrio. Ou, pelo menos, o Direito de contabilidade no pode conformar tipos contratuais previstos e regulados na lei. Pode dispr secundum legen mas no contra a lei.

Notas: (*) Professor Catedrtico da Faculdade de Direito de Coimbra. (1) ela que tem, essencialmente, orientado a jurisprudncia. Vd. Acs. da Relao de Coimbra de 30/09/97 O chamado contrato de aluguer de longa durao, constituindo um contrato de adeso, por as suas clusulas se encontrarem pr-estruturadas pelo outorgante locador, com a respectiva reduo a escrito em impressos disponveis para potenciais aderentes, no se confunde com o contrato de locao financeira, vulgo leasing, j que naquele no se encontra consagrado o direito potestativo de aquisio futura, tpica do leasing, e da Relao de Lisboa de 24/06/99 IV Na locao financeira o locador obriga-se a adquirir ou a mandar construir o bem a locar; no aluguer de longa durao o locador s se obriga a proporcionar o gozo da coisa.V Na locao financeira o locatrio, no fim do contrato, tem o direito potestativo de adquirir o bem locado pelo preo previamente estipulado; no aluguer tal no se verifica.(2) Sobre esta matria, e para maiores desenvolvimentos, vd. Diogo Leite de Campos, A Locao Financeira (Estudo preparatrio de uma reforma legislativa), Lisboa, 1994. Este estudo contm os trabalhos preparatrios que levaram publicao do Decreto--Lei n. 149/95