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Número 2 - Ano de 2005 Edição: Programa Delnet – Centro Internacional de Formação da OIT • DESCENTRALIZAR O FINANCIAMENTO A necessidade de um novo modelo de desenvolvimento local • AS REMESSAS DA EMIGRAÇÃO Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos? • BOAS PRÁTICAS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL Três experiências africanas e latino- americanas • 2005, ANO INTERNACIONAL DO MICROCRÉDITO Entrevista com Antonio-Claret García Presidente da CajaGRANADA, Espanha, e da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social • IV CÚPULA DAS AMÉRICAS Trabalho, pobreza e gobernabilidade Delnet

@local.glob2 pt - ilo.org · A utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres é uma das preocupações da ... no qual estão

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O financiamento do desenvolvimento local

Número 2 - Ano de 2005 Edição: Programa Delnet – Centro Internacional de Formação da OIT

• DESCENTRALIZAR O FINANCIAMENTO A necessidade de um novo modelo de desenvolvimento local

• AS REMESSAS DA EMIGRAÇÃO Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos?

• BOAS PRÁTICAS DO DESENVOLVIMENTO LOCALTrês experiências africanas e latino-americanas

• 2005, ANO INTERNACIONAL DO MICROCRÉDITOEntrevista com Antonio-Claret García Presidente da CajaGRANADA, Espanha, e da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social

• IV CÚPULA DAS AMÉRICASTrabalho, pobreza e gobernabilidade

Delnet

[email protected] - número 2, 2005

O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Agência Especializada das Nações Unidas, desde 1998 apoia e fortalece os atores locais nos processos de desenvolvimento dos territórios em que atuam. É dirigido a técnicos, gestores e responsáveis de instituições públicas e privadas implicados nos processos de desenvolvimento local, fornecendo formação, informação, assessoria técnica e ferramentas para o trabalho em rede, através da utilização das tecnologias da informação e comunicação. Delnet conecta mais de 71 países e mais de 1.500 pessoas e instituições em todo o Mundo em português, espanhol e inglês.

As denominações usadas, conforme a prática seguida pelas Nações Unidas, e a forma de apresentação dos dados nas publicações da OIT não implicam uma consideração crítica por parte da Organização Internacional do Trabalho em relação à situação jurídica dos países, às áreas ou territórios citados ou às suas autoridades, nem sobre a delimitação das suas fronteiras. A responsabilidade das opiniões expressas nos artigos, estudos e em outras colaborações assinados pertence, exclusivamente, aos seus autores e a sua publicação não significa a aprovação da OIT. As referências a empresas ou a processos ou produtos comerciais não implicam qualquer aprovação por parte da OIT, assim como o fato de empresas ou processos ou produtos comerciais não serem mencionados não implica uma desaprovação.

ADVERTÊNCIAA utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso no nosso idioma apresenta soluções muito variadas, sobre as quais os lingüistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar “o/a” para marcar a presença de ambos os sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse gênero representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos.

Editado pelo Centro Internacional de Formação da OIT, Turim, Itália.

© 2005 Centro Internacional de Formação da OIT

Conselho Editorial

Emilio Carrillo – Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na

Universidade de Sevilha. Vice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha.

Jovelina Imperial – Assessora para Assuntos de Cooperação da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa

Martha Pacheco – Chefe do Programa para as Américas do Centro Internacional de Formação da OIT

David Valenzuela – Ex-Presidente da Fundação Interamericana

Angel L. Vidal – Manager do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT.

Coordenação

Alice Vozza - Equipe técnica do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT

Equipe de Redação

Equipe técnica do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT

Desenho editorial e grafismo dos separadores de seção

Marco Giacone Griva – Criações de Gráfica Computadorizada, Turim, Itália

Fotografia da capa

Cooperativa rural (projeto apoiado pela OIT) que reúne as mulheres da povoação de Kesavarayampatti

(Madras). Todos os meses, os membros da cooperativa distribuem os lucros do seu trabalho.

© Organização Internacional do Trabalho / [Crozet M.]

Secretaria de Redação

Programa Delnet CIF/OIT

Tel: +39 011 693 6365

Fax: +39 011 693 6477

E-mail: [email protected]

[email protected] - número 2, 2005

Índice

Editorial ............................................................................................................................................................... iii

I - O financiamento do desenvolvimento local

Descentralizar o financiamentoLuis Díaz-Cacho Campillo.................................................................................................................................... 2

Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos? A importância das remessas para o financiamento do desenvolvimento local no MéxicoThomas Wissing ................................................................................................................................................... 6

O financiamento do desenvolvimento local na América Latina e África: três experiências de sucesso .....11Modelo de gestão social para programas de infra-estrutura urbana (Argentina) .................................................... 12A convergência dos fundos de crédito municipal e de investimento social (Bolívia) .................................................18O software livre facilitando o acesso das populações isoladas aos serviços micro-financeiros (Uganda) ................. 23

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudançaEmilio Carrillo..................................................................................................................................................... 29

II - Entrevista

O microcrédito, uma ferramenta para a coesão social e o desenvolvimento sustentávelEntrevista com Antonio-Claret GarcíaPresidente da CajaGRANADA e da Fundação CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, EspanhaPresidente da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social .............................................. 36

III - @global…@local

Cidades e Governos Locais UnidosVoz e representação mundial do governo local autônomo e democrático................................................................. 42

Desenvolvimento rural e gênero - Uma relação emergente na política mexicanaNorma Baca Tavira e Francisco Herrera Tapia .................................................................................................. 45

IV - Espaço aberto Inovações do Governo Local para a Economia Informal A criação de um clima positivo de investimentoFrances Lund e Caroline Skinner ....................................................................................................................... 50

O leitor opinaGuia para colaborações ......................................................................................................................................... 54

Resenha de livrosO papel do micro-crédito na prevenção e alívio de desastres................................................................................... 55

Organizações InternacionaisA OIT na IV Cúpula das Américas .......................................................................................................................... 57

O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OITDescrição e objetivos do Programa Delnet.............................................................................................................. 62

[email protected] - número 2, 2005

Editorial

@ local.glob (Pensamento Global para o Desenvolvimento Local),

nasceu em abril de 2005 por iniciativa do Programa Delnet do

Centro Internacional de Formação da Organização Internacio-

nal do Trabalho e é avalada pelo seu Conselho Editorial, no qual estão

presentes pessoas com ampla experiência no mundo do desenvolvimento

local e entidades de reconhecido prestígio internacional.

Para esta publicação escolhemos como título @local.glob já que vamos

tentar prover, em cada número, um espaço aberto de opinião, intercâmbio

e pensamento em apoio aos processos de descentralização e desenvolvi-

mento local num mundo globalizado. O local e o global interagindo, sendo

causa e efeito do debate, da análise, da reflexão sobre a complexidade do

nosso mundo.

O desenvolvimento local surgiu há já muitos anos pela via prática,

quando os atores locais começaram a enfrentar problemas concretos de

gestão e crescimento do próprio território. Atualmente, a comunidade in-

ternacional reconhece oficialmente o papel crucial que os governos locais

desempenham na realização de políticas sustentáveis de desenvolvimen-

to econômico, social e ambiental.

Desde @local.glob, consideramos conveniente dar um passo mais e pôr

o desenvolvimento local na primeira fila, dando-lhe o papel que deve ter

no mundo globalizado. É necessário criar um pensamento sólido que sur-

ja da experiência dos atores locais de todo o mundo e que se traduza em

políticas concretas de desenvolvimento do território. Para que as políticas

de desenvolvimento local sejam eficazes, é preciso também um quadro

teórico. Porém, é igualmente crucial que este quadro teórico provenha de

experiências concretas, dos acertos e dos fracassos, do que foi aprendido

das melhores práticas, mas também dos erros do cotidiano.

Cada número desta revista é possível graças à colaboração de pessoas

e instituições que no seu trabalho cotidiano demonstram o seu forte com-

promisso com os processos de descentralização e de desenvolvimento

local e que, através dos seus artigos, colocam a sua grande experiência à

disposição, apostando neste espaço de diálogo construtivo, de reflexão e

participação.

[email protected] - número 2, 2005

Editorial

Prezados leitores,

A nossa revista @local.glob planeia, nos próximos números, percorrer os principais temas chave do desenvolvimento local pelo que decidimos começar por um dos assuntos mais importantes e controversos: o financiamento.

Este é um tema que a todos nos causa preocupação, mas que, ao mesmo tempo, definirí-amos como imprescindível: não é possível falar de desenvolvimento local sem considerar a forma de o financiar, como tampouco se pode falar de mecanismos de financiamento para o nível local, sem analisar profundamente os princípios e fundamentos dos processos de desenvolvimento levados a cabo no território.

Há já bastante tempo que deixamos de lado a idéia de analisar o financiamento como um conceito isolado: o financiamento é cada vez mais um instrumento que, a serviço de uma estratégia e de uma visão dinamizadora do território, contribui significativamente – ainda que não exclusivamente – a melhorar as condições de vida dos moradores.

As repercussões sociais das políticas econômicas e financeiras internacionais e nacionais ocupam um lugar de grande importância quando se deve considerar como financiar o de-senvolvimento local.

A abertura dos mercados de capitais favoreceu a consolidação de um sistema financeiro internacional regulado pelo conceito de vantagem competitiva, na qual poucos atores (banca internacional, bancos privados, sociedades de investimento, etc.) aumentaram consideravel-mente a sua margem de ação, exercendo, atualmente, grande influência nas políticas macro-econômicas de todos os países, mas principalmente dos países em desenvolvimento.

Se estivéssemos falando de mercados perfeitos, seguindo a pura lógica macro-econômi-ca, “a crescente influência dos atores privados no sistema financeiro global deveria permitir uma maior eficácia na distribuição mundial dos recursos financeiros, bem como o benefício ligado a uma maior, e essencial, disciplina de mercado sobre os governos dos países em desenvolvimento. Contudo, os mercados financeiros, inclusive do âmbito nacional, são tipi-camente um dos mercados mais imperfeitos.” 1

Para lutar contra os importantes desequilíbrios causados pela “imperfeição” –desequilí-brios que, em grande parte, recaem sobre o espaço local – torna-se indispensável assumir como idéia básica que os recursos endógenos do território são fatores chave para garantir o sucesso das políticas de financiamento e seu impacto em termos de eficiência e sustenta-bilidade.

Considerando, além disso, que os mecanismos tradicionais de financiamento nem sempre são os mais eficazes, neste número lhes apresentamos diferentes casos que ilustram tanto

1 Relatório do Diretor Geral da OIT, Juan Somavía, sobre a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização (Organização Internacional do Trabalho - OIT, 2004).

ß

número 2, 2005 - @local.glob

Editorial

iv

políticas de cunho clássico como iniciativas mais inovadoras em prol do desenvolvimento local: o papel das administrações públicas nas políticas de descentralização das respon-sabilidades na Espanha, os fundos de investimento social na Bolívia, as tecnologias da informação e comunicação em apoio ao micro-financiamento no Uganda, o micro-crédito como ferramenta de coesão social, o papel da economia informal na África, a gestão so-cial nos programas de infra-estrutura nas províncias urbanas da Argentina, o papel das remessas de dinheiro dos emigrantes no México, entre outros.

Denominador comum de todas as opiniões e experiências apresentadas neste número de @local.glob: a responsabilidade dos atores, sejam eles públicos, privados ou sim-plesmente cidadãos. O financiamento não é a única solução e muito menos uma solução mágica se não estiver inserido num terreno fértil, com um quadro legislativo adequado, um sistema de governo e gestão local transparente e participativo, um tecido sócio-eco-nômico local dinâmico e competitivo; em definitiva, com um forte compromisso de todos os atores para com a valorização dos recursos do próprio território.

Queremos agradecer a contribuição de todas as pessoas que colaboraram com este nú-mero e as instituições que tornaram possível esta publicação.

Esperamos que vocês, leitoras e leitores, respondam com o mesmo entusiasmo que foi manifestado no primeiro número, enviando-nos comentários, críticas, contribuições e reflexões, que consideramos como fundamentais para assegurar a qualidade deste espaço compartilhado com vocês e com os vossos territórios.

Ángel L. VidalManager de Delnet

Centro Internacional de Formação da OITTurim, novembro de dois mil e cinco

número 2, 2005 - @local.glob

Editorial

iv

Ofinanciamentododesenvolvimentolocal

• Luis Díaz-Cacho Campillo - Descentralizar o financiamento

• Thomas Wissing - A importância das remessas no México

• Experiências de sucesso na América Latina (Argentina e Bolívia)

e África (Uganda)

• Emilio Carrillo - Boas práticas, boas políticas

@local.glob

2 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Descentralizar o financiamento

O financiamento, depois de vinte e cinco anos do

novo modelo1, continua sendo uma das tarefas

pendentes do desenvolvimento local.

A priori, seria conveniente partir da premissa da escas-

sez de recursos econômicos suficientes para realizar todos

os projetos e ações do desenvolvimento local. Os recursos

econômicos são limitados e, por isso, a competitividade,

a priorização das ações e dos projetos, a validação dos

mesmos mediante a participação e colaboração de todos

os atores do território, adquire cada vez maior sentido na

consecução da estratégia.

O Finware, ou financiamento do desenvolvimento, é uma

das ações deste novo modelo (tão pouco nos equivocaría-

mos se falássemos de “modelos” do desenvolvimento local,

desde a singularidade e especificidade de cada um deles no

seio da base territorial que os suporta) de desenvolvimento

vinculado ao âmbito local, enquanto território, e onde o

público (ou administrativo) está jogando um novo e im-

prescindível papel.

Neste sentido, o papel das Administrações Locais mudou

profundamente nestes vinte e cinco anos.

Referindo-nos ao caso particular da Espanha, passamos

de um conceito de administração passiva, baseada no

cumprimento das tarefas estabelecidas na Lei de Bases de

Regime Local, uma administração baseada na arreca-

dação e na administração em si que pretendia cobrir

as necessidades básicas da população (iluminação pública,

pavimentação, abastecimento de água e saneamento bá-

sico); a administrações prestadoras de serviços co-

letivos (Cultura, Lazer e Esportes, Serviços Sociais, Meio

Ambiente, Educação, Saúde…); para chegar a um conceito

de administração preocupada pela atenção perso-

nalizada e individualizada aos cidadãos (Bem-estar

Social e Desenvolvimento Local).

É verdade que a Administração Local tem tido que atuar

em âmbitos que não lhe correspondiam a priori. Mas tam-

bém é certo que a proximidade ao cidadão obriga a intera-

gir com mais conhecimento de causa no nível local.

Apesar do caráter direcional deste novo papel do âmbito

local, a realidade é que cada Administração Local, de acor-

do com múltiplos fatores, se encontra em cada um dos três

estados antes definidos.

Podemos agora compreender que as Administrações

Locais, como diriam Roig i Martí, J. (1985)2 “pela primeira

vez enfrentam responsabilidades que antes lhes eram des-

O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento

Luis Díaz-Cacho Campillo Diretor Geral de Emprego da Junta de Comunidades de Castilla La Mancha, EspanhaEx-Presidente da Federação de Profissionais do Desenvolvimento Local da Espanha (FEPRODEL)

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1 Modelo de financiamento autonômico resultado da Constituição espanhola aprovada em 31 de Outubro de 1978.2 J. Roig i Martí, O papel das administrações locais na política de reconversão e reanimação econômica, CEUMT, agosto-setembro, 1985.

2 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

conhecidas”. Este novo papel, como agente de desenvolvi-

mento do seu território, intervindo na política econômica,

era, até há alguns anos atrás, desconhecido a nível local.

O objetivo da estratégia de desenvolvimento local não é

outro que a criação de emprego, de empresas e o desen-

volvimento sócio-econômico, com o intuito de melhorar

o bem-estar social e a qualidade de vida de cada um dos

cidadãos do território. Nesse sentido, o financiamento do

desenvolvimento local não é um conceito isolado, ele leva

em conta os conceitos de dinamização e de territórios, es-

treitamente vinculados e inter-relacionados entre si.

Até agora, falar de financiamento do desenvolvimento

local equivalia a falar de financiamento oriundo da admi-

nistração pública. A União Européia, os Governos Estatais,

as Comunidades Autônomas, os Governos Provinciais e,

inclusive, os Governos Locais, têm sido até agora os verda-

deiros financiadores do desenvolvimento local. Cada um o

fez na medida de suas possibilidades, tendo em conta que

às vezes não era nada fácil encaixar isso nas receitas de

algumas dessas administrações. Não obstante, o financia-

mento do desenvolvimento local, muito ou pouco que seja,

sempre tem referências com as instâncias públicas.

Entendo que os agentes privados, procurando rentabili-

dade econômico-financeira e a maximização dos lucros,

tenham estado um pouco mais alheios a estes processos.

Contudo, o entendimento e a incorporação deste modelo

de desenvolvimento tem a ver com a participação dos

atores do território. As Caixas de Poupança, os Bancos, as

Cooperativas de Crédito, os agentes sociais e territoriais,

as empresas, os poupadores locais, juntamente com as Ad-

ministrações, têm de ser capazes de encaminhar todos os

recursos econômicos numa mesma direção, visando o pro-

gresso dos territórios e o financiamento do desenvolvimen-

to local. Sou consciente de que esta mudança de atitude é

fundamental e estratégica, sobretudo quando às vezes as

decisões sobre o financiamento, os pacotes econômicos e

as diferentes linhas, são estabelecidos a níveis macro.

Desde este espaço, reivindicamos um espaço para a

originalidade, para a improvisação, para a complementa-

ridade em termos de recursos econômicos à disposição do

financiamento do desenvolvimento local. O papel de todos

os atores do território se apóia, como num quebra-cabeça,

no papel desempenhado pelos demais atores. Não pode

faltar ninguém, todos são imprescindíveis. E, sobretudo,

quando partimos da premissa e da dualidade de interpretar

o financiamento do desenvolvimento local no mundo urba-

no ou no mundo rural, na cidade e na área metropolitana

ou num povoado e no aglomerado de municípios. Às vezes,

a consecução de uma massa crítica mínima da população

e/ou de território pode assumir um fator estratégico para

que se possa produzir uma opção de desenvolvimento.

Ora, o que não deveria surgir é uma opção de vantagem

econômica dependendo de que a estratégia se desenvolva

no mundo urbano em vez de no rural.

Agora eu gostaria, desde uma interpretação bastante

pessoal, tentar fazer uma divisão do financiamento do

desenvolvimento local em três estados ou fases: finan-

ciamento de grandes infra-estruturas, financiamento de

equipamentos e estruturas técnicas locais e financiamento

do empreendimento.

O financiamento das grandes infra-estruturas, es-

tratégicas para o desenvolvimento dos territórios, corres-

ponderia às Administrações superiores (União Européia,

Administrações Estatais e Administrações Autonômicas),

às grandes empresas e às entidades financeiras.

O financiamento dos equipamentos e das estruturas

técnicas locais refere-se a estratégias. Sem dúvida, na

base da iniciativa a favor de um determinado modelo de

desenvolvimento está a intencionalidade de estabelecer

uma estrutura técnica mínima. Ciente das dificuldades

econômicas pelas quais o âmbito local passa, conside-

ro imprescindível este primeiro passo como suporte das

estratégias. Sem querer entrar nas diferentes fórmulas

(públicas, privadas ou mistas), às vezes trata-se de uma

verdadeira proposta de engenharia financeira. Podemos

dar como exemplo a vinculação do Imposto de Atividades

Econômicas (IAE) que implementamos no município de La

Solana (província de Cidade Real) em Espanha, para finan-

ciar e consolidar uma equipe técnica de desenvolvimento

local. Naquela altura, consideramos que esse imposto, di-

retamente relacionado com a atividade econômica, era o

melhor instrumento para financiar a estabilidade de uma

equipe técnica.

Quanto ao financiamento dos equipamentos locais, ele

deve ser co-participado por vários agentes públicos e/ou

privados, desde a priorização e inter-relação dos projetos

resultado do máximo consenso participativo.

Por último, o financiamento do empreendimento dos

projetos de empresa, verdadeira pedra angular da capaci-

O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento

4 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

dade de progresso de um dado território, deve ser possibi-

litado incluindo o maior leque de alternativas público-pri-

vadas possíveis. Os agentes privados devem desempenhar

um papel mais estratégico principalmente dotando de

recursos e assumindo os riscos. Não pretendo inventariar

aqui a gama de instrumentos existentes, mas sim chamar

a atenção para a cumplicidade, a originalidade, a aposta

estratégica coordenada, para que sejamos capazes de esta-

belecer procedimentos normalizados de financiamento do

empreendimento. Que nenhum projeto de empreendimento

fique sem ser executado por falta de financiamento quando

a idéia for viável.

O financiamento do desenvolvimento local passa por pôr

à disposição das economias locais os recursos econômicos

necessários para executar os projetos definidos na estraté-

gia local a partir do consenso e da sinergia.

Administrativamente, a aposta pela descentralização do

financiamento está na gênese da compreensão do modelo

de desenvolvimento local. Não obstante, a descentraliza-

ção do financiamento decorre muito mais lentamente do

que a incorporação de incumbências e de serviços desde

o âmbito local. Na Espanha, a relevância econômica das

administrações é dependente dos Governos Regionais

(Comunidades Autônomas) e Locais (Municípios) no qua-

dro da Constituição de 1978. Entretanto, esse papel prota-

gonista da economia não se materializa na realidade ao

mesmo nível de desenvolvimento do que é abrangido pela

normativa.

Apesar de que tenha havido, nesses anos, tímidas tenta-

tivas de descentralização, às vezes, porém, um processo

descentralizador da Administração Estatal volta a se cen-

tralizar na Administração Regional ou Provincial.

O denominado Pacto Local pretendia redistribuir a ges-

tão dos recursos econômicos do Estado nos diversos níveis

administrativos: 50% Administração Estatal, 25% Adminis-

trações Autonômicas ou Regionais e 25% Administrações

Locais. A realidade é que depois de vinte e cinco anos, as

Administrações Locais administram cerca de 12% dos re-

cursos econômicos e, apesar disso, as suas competências e

prestação de serviços aumentaram de maneira substancial.

O artigo 137 da Constituição Espanhola indica que “O

Estado se organiza territorialmente em Municípios, em Pro-

víncias e em Comunidades Autônomas que se constituam.

Todas elas desfrutam de autonomia para a gestão dos seus

interesses específicos”.

Da mesma forma, o artigo 142 avala a aposta na descen-

tralização dos recursos e, portanto, do financiamento: “As

Fazendas locais deverão dispor dos meios suficientes para o

desempenho das funções que a lei lhes atribui e se nutrirão,

fundamentalmente de tributos próprios e da participação nos

do Estado e nos das Comunidades Autônomas”.

A descentralização, como pudemos comprovar, está na

lógica do financiamento do desenvolvimento local. É fun-

damental colocar os recursos necessários à disposição das

Comunidades Locais para que elas possam ser protagonis-

tas, atores, do seu próprio desenvolvimento.

A Carta aberta da II Cúpula Ibero-americana pela

descentralização do Estado e o desenvolvimento

local3, ocorrida nos dias 20 a 22 de julho de 2005 em

São Salvador, aposta decididamente na descentralização

administrativa das tarefas e dos recursos econômicos.

Além disso, remete-se a algumas propostas que estão

diretamente relacionadas com o financiamento do desen-

volvimento local e que tem a ver com o fortalecimento

financeiro da gestão local, incrementando sua capacidade

de arrecadamento, possibilitando o acesso aos mercados

de capital e assegurando mecanismos para a superação

dos desequilíbrios territoriais. De alguma forma, estamos

falando de solidariedade territorial, de conciliar o urbano

com o rural, a cidade e o campo no acesso aos recursos

econômicos.

Também é verdade que o próprio orçamento local deve

mudar completamente a sua configuração e interpretação

para saber adaptar a nível orçamental e economicamente

o financiamento do desenvolvimento local.

Igualmente, e a partir da interpretação do modelo de de-

senvolvimento local, o acesso ao financiamento adminis-

trativo (sobretudo das administrações superiores) deveria

conceitualizar-se conforme critérios de maior flexibilidade,

no intuito de possibilitar o financiamento dos projetos e das

ações das estratégias definidas. Porém não a partir da dire-

cionalidade com que se concebem atualmente muitos dos

diferentes concursos públicos.

O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento

3 Documento disponível em: http://www.iicumbreiberoamericana.org.sv.

4 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Sem dúvida, não é a mesma coisa falar da possibilidade

de financiamento do desenvolvimento local num território

urbano ou num território rural. Comentamos antes e fomos

conseqüentes com a necessidade de uma massa crítica mí-

nima de população e de empresas no território que possa

possibilitar a definição e a concretização de uma estratégia

de desenvolvimento territorial. A aposta, para que não se

produza uma verdadeira discriminação na possibilidade

de financiamento, passa ineludivelmente por projetos as-

sociativos ou aglomerados de municípios, que, na minha

opinião, não estamos a aproveitar com o suficiente entu-

siasmo até agora.

Às vezes, tratar-se-ia de simplesmente pormos certa

racionalidade na diversa e descoordenada variedade de

concursos existentes, e de sermos capazes de priorizar e

de ordenar em seqüência de importância os projetos para

definirmos o financiamento dos mesmos. Isso resultaria

numa maior cultura do desenvolvimento local e num con-

ceito mais lógico do planejamento estratégico.

De certa forma, alocar os recursos econômicos a nível

local, territorial, desde a interpretação da descentralização

administrativa e no quadro da possibilidade de uma sub-

venção global no território, seria uma vitória significativa

no que concerne a resolução dos problemas de financia-

mento do desenvolvimento local. Desde a Federação Na-

cional de Profissionais do Desenvolvimento Local (FEPRO-

DEL) em Espanha já se está progredindo nesse caminho

com propostas de Programas Quadro de Desenvolvimento

Local a nível da União Européia.

Mobilizar as poupanças locais, assumindo os riscos dos

empreendimentos e reinvestir essas poupanças locais nos

projetos do território geraria um efeito sinérgico de relação

e inter-relação que está na base do modelo de desenvol-

vimento local e na lógica do novo papel que as entidades

financeiras devem começar a cumprir no financiamento do

desenvolvimento local.

Avançar, a partir da participação associativa e da origi-

nalidade, da proximidade e do conhecimento, da reflexão e

da priorização, levaria à definição de instrumentos adapta-

dos e reais às necessidades de financiamento do desenvol-

vimento local.

Lembremo-nos que o financiamento do desenvolvimento

local não afeta somente questões produtivas ou econômicas,

mas também supõe um efeito dinamizador sobre o conjunto

da vida social da comunidade de um determinado território.

A criação de emprego e de empresas transcende o âm-

bito meramente econômico e tornou-se parte integrante

de um objetivo social baseado na utilização dos recursos

humanos para conseguir maior coesão. O emprego, como

os governos europeus apontam constantemente, tornou-

se a pedra angular da construção da coesão social e da

solidariedade 4.

O financiamento do desenvolvimento local, o finware, é

uma das ações básicas do modelo de desenvolvimento lo-

cal. Ele se sustenta em perfeito equilíbrio com o hardware,

o software, o orgware e o ecoware – cada ação como um pi-

lar que sustenta parte de uma mesma estrutura. A estraté-

gia, definida, acordada e participada deve ir-se construindo

a partir da inter-relação paralela e ao uníssono das cinco

ações. Uma sustenta a outra desde sua base de atuação

territorial, e a outra sustenta a seguinte num esquema de

malha ou rede na qual cada uma sustenta as demais e to-

das se apóiam entre si. Nenhuma pode falhar. Se isso acon-

tecesse, o “edifício”, a estratégia, iriam por água abaixo.

Sendo conscientes e conseqüentes com a escassez de

recursos, a rentabilidade máxima, desde parâmetros de efi-

cácia e eficiência, dos recursos econômicos, deve estar pre-

sente como critério de qualidade em cada atuação que reali-

zemos no cerne da estratégia de desenvolvimento local.

Falar de financiamento do desenvolvimento local é falar

de descentralização das tarefas administrativas e de des-

centralização do financiamento; de priorização de projetos;

de participação associativa e de busca do maior consenso

possível; de aposta coletiva na mobilização da economia

local; de acreditar na possibilidade de um território e dos

seus recursos humanos; de racionalidade e de originalida-

de; de equilíbrio entre o público e o privado; de proximida-

de, de conhecimento real e pessoal.

A possibilidade de desenvolvimento de um território con-

creto depende cada vez mais da aposta coletiva realizada

pelos habitantes desse território.

O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento

4 Observatório Europeu LEADER - Cadernos LEADER II, O financiamento local nos territórios rurais, Associação Europeia de Informação sobre o Desenvolvimento Local, Direcção-Geral de Agricultura (DG VI), Setembro de 2000.

6 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

Introdução: Volume e crescimento das remessas no

México

Há alguns anos atrás, o fluxo das remessas dos trabalhado-

res emigrantes mexicanos era um fenômeno pouco conhe-

cido pelos especialistas. Hoje em dia, o dinheiro transferido

por mexicanos no exterior para as suas comunidades de

origem representa a segunda fonte de divisas do país, de-

pois da receita das exportações petrolíferas. Com quase 17

bilhões de dólares registrados pelo Banco do México no

ano de 2004, as remessas superam o total do investimento

estrangeiro direto e superam também os dólares recebidos

pelos turistas que visitam o país. O México recebe mais

de um terço das remessas que chegam à América Latina

e capta quase 15% dos fluxos mundiais desses envios. Le-

vando em conta que as remessas cresceram mais de 26%

durante os últimos anos e que no primeiro semestre de

2005 já se havia recebido 9.3 bilhões de dólares, o México

poderá converter-se este ano no primeiro país receptor de

remessas do mundo superando, inclusive, a Índia.

O inesperado aumento das remessas tem chamado a

atenção de instituições públicas, financeiras e acadêmicas

e provocado um polêmico debate sobre o volume real das

remessas e seu impacto nas finanças públicas e na popu-

lação receptora1. Apesar de representar 2.5% do Produto

Interno Bruto (PIB), é até hoje pouco claro quais são as

camadas da população que mais se têm beneficiado com

as remessas e de que forma essa renda está influenciando

a situação econômica e o desenvolvimento local: Estão

mitigando os efeitos extremos da pobreza ou não têm ne-

nhuma conseqüência significativa sobre ela? - Criam novas

fontes estáveis de emprego na comunidade? - Contribuem

para o desenvolvimento econômico local? - Servem para

impulsionar projetos produtivos? - Ou são subsídios que

só perpetuam a dependência econômica das famílias no

México, sem efeito algum no desenvolvimento local? - Ter-

Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos?

A importância das remessas para o financiamento do desenvolvimento local no México

Thomas WissingFuncionário de Programas de Cooperação TécnicaEscritório da OIT para México e Cuba

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1 O debate está centrado, principalmente, no método de registro do Banco do México que, segundo a Secretaria do Desenvolvimento So-cial (SEDESOL) e o prestigioso Colégio da Fronteira Norte (COLEF), sobrevaloriza as remessas porque inclui também outras transações financeiras entre pessoas físicas como pagamentos de serviços contratados, pagamento adiantado de mercadorias e lavagem de dinheiro. Segundo os cálculos do SEDESOL e do COLEF, as remessas familiares só chegam a 9,6 bilhões de dólares. O Banco do México defende sua metodologia afirmando que se está baseando em registros administrativos e que se estão aplicando vários filtros antes de classificar uma transferência como remessa familiar. Alguns pesquisadores sublinham que não só pode existir uma sobrevalorização das remessas, mas também um sub-registro, já que muitos mexicanos no exterior transferem recursos a seus familiares através de canais informais (visitas de amigos, viagens ao México durante as férias e festas de fim de ano, etc.).

6 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

minam, inclusive, distorcendo a atividade econômica nas

comunidades, como afirmam alguns pesquisadores, acos-

tumando povoados inteiros a viver das remessas em vez de

empreender esforços próprios?

O impacto real das remessas além dos efeitos

macroeconômicos

Indiscutivelmente, as remessas causam um impacto ma-

croeconômico significativo, mantêm estável o câmbio do

peso face ao dólar, contribuem para controlar a inflação e

proporcionam uma renda importante para grande parte da

população do país. Também estão contribuindo para de-

senvolver o sistema financeiro em comunidades margina-

lizadas que antes haviam sido excluídas do acesso ao cré-

dito bancário. Mesmo assim, o nível de bancarização dos

migrantes e suas famílias continua sendo muito baixo, es-

pecialmente em grande parte das áreas rurais do país. Em

comunidades com menos de 15.000 habitantes é difícil en-

contrar uma agência de um banco comercial. A Associação

Mexicana de Uniões de Crédito do Setor Social (AMUCSS)

afirma que as remessas causam efeitos limitados devido à

sua atomização e sua permanência em formas ineficientes

de poupança e sugere melhorar a intermediação financeira

para criar capacidade de poupança e canalizar as remessas

em direção a investimentos produtivos: “Requere-se uma

organização bancária comprometida com o desenvolvi-

mento regional, com a poupança local e seu reinvestimento

nas mesmas regiões2”.

Se a captação bancária das remessas ainda é incipiente,

quem recebe, então, esses enormes volumes de dinheiro?

A SEDESOL acredita que, conforme a Pesquisa Nacional

Domiciliar de Rendas e Gastos, as remessas só alimentam

5% dos 24.6 milhões de domicílios no México e que só três

de cada dez dólares são dirigidos a domicílios pobres.

Segundo suas cifras, 20% da população vive em extrema

pobreza, mas só 6% dela recebe remessas. De acordo com

essa interpretação, a redução da pobreza que pode ser ob-

servada no México a partir de 1998 se deve à estabilidade

macroeconômica, à expansão do orçamento social e a pro-

gramas como “Oportunidades”3 mais que ao aumento das

remessas. Outras fontes como o Pew Hispanic Center em

Washington, um dos centros mais prestigiosos de pesquisa

sobre o fenômeno da emigração entre a América Latina e

os Estados Unidos e o Fundo Multilateral de Investimentos

do Banco Interamericano de Desenvolvimento (FOMIN)

asseguram que 18% dos domicílios mexicanos recebem

remessas e que esses recursos cumprem um papel impor-

tante na redução da pobreza e na criação de alternativas

produtivas nas comunidades mais carentes.

Em muitos Estados, as remessas superam os investi-

mentos públicos. As rendas por remessas são quatro ve-

zes maiores que o gasto federal destinado à superação da

pobreza de algumas entidades federativas4. Existem, sem

qualquer dúvida, disparidades entre as diferentes regiões

do México. Nos Estados de Michoacán, Guanajuato e Za-

catecas, por exemplo, as remessas representam entre 10

e 15% de suas respectivas economias5, enquanto que nos

Estados como Colima, Quintana Roo, Eucatán e Campeche

o impacto das remessas é marginal e apenas relevante para

as famílias que as recebem. A participação das zonas ur-

banas no recebimento das remessas já chega quase a um

terço, com uma tendência a crescer.

A maior parte dos estudos sobre o assunto e das insti-

tuições envolvidas no fluxo das remessas coincidem em

que pelo menos 80% das quantias recebidas se destina ao

consumo e que só uma parte marginal se dirige a projetos

produtivos ou a alguma iniciativa empresarial6. Muitos

autores tacitamente lamentam a baixa canalização das

remessas a projetos produtivos, mas se esquecem que em

última instância os envios de dinheiro não são mais que

salários legitimamente recebidos no exterior e transferidos

para gastos familiares de alimentação, saúde, educação,

roupa e habitação no México. Não existe argumento algum

para que se possa afirmar que os migrantes e seus fami-

liares devem investir uma parte maior do seu dinheiro em

projetos produtivos do que o resto da população.

O aumento do consumo familiar através das remessas

indubitavelmente se reflete numa maior demanda de pro-

2 I. Cruz Hernández, Diretora do AMUCSS, em: “El Financeiro”, 19 de julho de 2005, p.29.3 O “Programa de Desenvolvimento Humano Oportunidades” combina subsídios à renda familiar dos domicílios mais pobres com a super-visão da assistência escolar das crianças e a obrigação de visitas médicas periódicas; ver página http://www.sedesol.gob.mx.4 Somando o gasto realizado no Programa de Desenvolvimento Humano Oportunidades, o Programa Compensatório para a Educação e o Programa de Emprego Temporário.5 Porcentagem das remessas com referência ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos Estados.6 Entre 3% e 10% conforme autor e metodologia de registro.

8 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

dutos e serviços, mas não necessariamente beneficia os

mercados e produtores locais. Em muitas ocasiões favore-

ce importadores ou empresas, distribuidores e oferentes de

serviços que operam a grandes escalas no âmbito nacional

e que vendem seus produtos e serviços na comunidade. A

“transmissão” das remessas em impulsores do desenvol-

vimento local depende da capacidade dos atores locais de

gerar um fluxo líquido de recursos para a comunidade, ou

seja, de criar condições atrativas de investimento, de me-

lhorar a infra-estrutura local, de dispor de mão-de-obra

qualificada e especializada e do aproveitamento dos recur-

sos locais para a produção e o comércio. Também depende

da superação de problemas com relação ao investimento

produtivo das remessas7:

• Fragmentação dos recursos disponíveis por iniciativas

individuais;

• Atitude de desconfiança nos esquemas associativos

• Visão limitada das oportunidades de investimento no

âmbito local;

• Insuficiente capacidade e liderança para realizar proje-

tos de investimento produtivo (capacidades empresa-

riais e de gestão);

• Escassa rentabilidade dos projetos concebidos a curto

prazo;

• Limitado acesso a serviços de assessoramento, apoio

técnico e financiamento

• Planejamento produtivo sem planejamento da comer-

cialização.

Neste contexto, surgiram alguns programas e iniciativas

institucionais interessantes que podem contribuir para

superar essas limitações e servir para outros países como

referência para a canalização de remessas para o desenvol-

vimento econômico, social e cultural das comunidades de

origem dos emigrantes.

Políticas públicas e ofertas institucionais para

o uso produtivo das remessas e o impulso do

desenvolvimento local

O programa “Três por um (3x1)” da Secretaria de De-

senvolvimento Social obriga por decreto que o Governo

Federal, Estadual e Municipal complemente cada dólar

de remessa coletiva enviada pelos clubes e associações

de mexicanos no Exterior com outros três dólares para

financiar obras de infra-estrutura social nas comunidades

de origem. Para 2005, este programa conta com um orça-

mento federal de 15 milhões de dólares, para apoiar, junta-

mente com os recursos estatais, municipais e dos emigran-

tes, 600 projetos de investimento, em sua maioria obras

públicas comunitárias (construção de pontes, poços para

irrigação, plantas de tratamento de água, estradas, ilumi-

nação, sistema de esgoto, praças, remodelação de prédios,

centros de saúde e educação, etc.), por uma quantia total

de aproximadamente 60 milhões de dólares8.

Este programa teve grande sucesso entre as comunida-

des de mexicanos no exterior porque permite a participa-

ção dos emigrantes na definição dos projetos e oferece uma

modalidade de contribuição ao desenvolvimento local no

México, a tal ponto que em alguns casos o dinheiro contri-

buído pelos clubes e associações de emigrantes supera a

capacidade orçamentária das três entidades do Governo no

âmbito federal, estadual e municipal. Não obstante, o efeito

do programa tem sido positivo em três sentidos: fortalece

a coesão dos próprios clubes e associações no exterior, ar-

ticula a organização social e a liderança nas comunidades

de origem e favorece a cooperação entre os conterrâneos

em ambos os lados da fronteira.

Um dos principais desafios do programa reside numa

maior orientação das remessas coletivas não só a obras

públicas, que em última instância são responsabilidade ex-

clusiva da administração pública, mas também a projetos

produtivos locais que geram empregos estáveis e rendas

adicionais nas comunidades. O programa pode ser utili-

zado para impulsionar novos esquemas de financiamento

binacionais que permitem que os clubes e associações de

emigrantes se tornem autênticos promotores do desenvol-

vimento local a médio e longo prazo, por exemplo ultrapas-

sando o horizonte de projetos meramente individuais, me-

diante formas associativas de produção, o impulso a redes

empresariais, o financiamento de infra-estrutura comercial

e a criação de cadeias produtivas9.

O Banco de Desenvolvimento “Nacional Financeira”

7 Baseado em R. Delgado Wise e H. Rodríguez Ramírez, El migrante colectivo frente a los desafíos del desarrollo local en México, em: “Seminário Internacional sobre a Transferência e Uso das Remessas” (Memória), Cidade de Zacatecas, 3-5 de outubro de 2001.8 http://www.sedesol.gob.mx/transparencia/transparencia_iniciativa_3x1.htm.9 R. Delgado Wise e H. Rodríguez Ramírez, op. cit., p. 141.

8 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

(NAFIN) está instrumentando desde 2001, juntamente com

o BID/FOMIN, o programa “Invista no México” cujo

principal mecanismo de promoção consiste na identifica-

ção de oportunidades produtivas nas regiões de expulsão

de mão-de-obra e a promoção dessas oportunidades entre

a comunidade empresarial dos emigrantes mexicanos nos

Estados Unidos, através do pagamento de estudos de pré-

viabilidade e a concessão de créditos para o investimento.

Até hoje, estão sendo financiados cerca de 51 projetos pro-

dutivos em três Estados (Hidalgo, Jalisco e Zacatecas) por

uma quantia de 18 milhões de dólares10.

Ainda é prematuro estimar o potencial desses projetos

nas comunidades. Não é fácil convencer os empresários

mexicanos no exterior a investirem nas suas comunidades

de origem, devido à falta de confiança nas contrapartes (co-

investidores) no México e à infra-estrutura comercial local

deficitária (estradas, lojas, elevados custos de transporte e

empacotamento, etc.). O programa provavelmente levará a

um maior investimento nas capitais e sedes de municipais

das regiões de migração, sem necessariamente influir no

desenvolvimento local das comunidades mais marginadas.

Uma limitação do programa consiste no seu enfoque em

investimento de caráter individual entre sócios, sem levar a

esquemas associativos de produção e comercialização que

pudessem superar as deficiências estruturais da produção

a pequena escala.

O setor financeiro, por sua vez, rapidamente reconhe-

ceu o enorme potencial das remessas como fonte de negó-

cio bancário e propulsor do desenvolvimento. Diversas ins-

tituições, como o Banco Nacional de Serviços Financeiros

(BANSEFI), bancos comerciais, uniões de crédito e socie-

dades financeiras de responsabilidade limitada (SOFOLES)

ampliaram sua gama de serviços financeiros e oferecem

novos esquemas de poupança e empréstimo aos emigran-

tes, assim como a utilização de remessas para financiar

gastos de saúde e sistemas de previdência, crédito hipo-

tecário para a compra de casa, para o consumo de bens

duráveis e para projetos produtivos, etc. A maioria desses

serviços ainda está desvinculada de assessorias técnicas,

comerciais e produtivas para o desenvolvimento local, mas

representam um primeiro passo em direção a um sistema

financeiro mais adaptado às necessidades específicas dos

emigrantes, suas famílias e comunidades.

Uma proposta da OIT para um maior impacto das

remessas no desenvolvimento local

No curto prazo, as condições de vida nas comunidades de

alta expulsão de emigrantes e a diferença salarial entre o

México e os Estados Unidos provavelmente não mudarão

os padrões da emigração. O Pew Hispanic Center projeta

que, incluindo os filhos dos migrantes, para o ano de 2050

um em cada três mexicanos viverá fora do seu território,

principalmente na União Americana11. O fluxo das remes-

sas provavelmente não aumentará ao mesmo ritmo, mas

para muitos povoados no México continuará a constituir

a principal fonte de rendas. Estima-se, além disso, que o

poder de compra dos hispânicos nos Estados Unidos cres-

cerá para mais de 950 bilhões de dólares no ano de 2010,

transformando o mercado hispânico na quinta economia

do mundo12. Assim sendo, é chegado o momento de con-

siderar os emigrantes não só como geradores de remes-

sas, mas também como aliados estratégicos que podem

impulsionar o desenvolvimento local enquanto também se

tornam distribuidores e consumidores de bens e serviços

produzidos nas suas comunidades de origem.

Neste quadro, o Escritório da Organização Internacional

do Trabalho no México, juntamente com o Departamento

de Migrações Internacionais (MIGRANT) e a Unidade de

Financiamento Social da OIT em Genebra, desenvolveram

uma proposta para impulsionar o desenvolvimento econô-

mico, social e cultural no México através de um esquema

inovador que conjuga os esforços e recursos da população

local com os conhecimentos dos emigrantes a respeito dos

mercados nos Estados Unidos13. A proposta se baseia na

identificação de oportunidades de negócios nas comuni-

dades de origem, aproveitando a disponibilidade local de

recursos e destrezas. Envolve, assim, os clubes e associa-

ções de emigrantes dessas comunidades na definição dos

projetos binacionais e na instalação de observatórios dos

10 http://www.nafin.com/portalnf/?action=content&sectionID=5&catID=349&subcatID=350.11 http://pewhispanic.org/files/reports/22.pdf .Veja também as projeções do Conselho Nacional da População: http://www.conapo.gob.mx/mig_int/03.htm.12 M. Tron Campos, Presidente da Câmara Nacional de Comércio (CANACO) da Cidade de México, em: “Entrevista com El Financeiro”, 15de junho de 2005, p.10.13 M. López Espinosa, Remesas de mexicanos en el exterior y su vinculación con el desarrollo económico, social y cultural de sus comunidades de origen, International Migration Papers No. 59, OIT Genebra 2002.

10 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

mercados hispânicos, entre outros.

Essa proposta, além disso, propõe a constituição de

um fundo alimentado por contribuições voluntárias dos

produtores e microempresários locais, remessas coletivas

dos emigrantes e recursos públicos de programas para o

desenvolvimento, em forma de fundos iniciais ou investi-

mentos temporários. Esse fundo é utilizado, por um lado,

para constituir uma empresa de serviços e para financiar a

prestação de assistência técnica que respalda a instrumen-

tação dos projetos produtivos (desenho e desenvolvimento

de produtos, assessoramento comercial, apoio tecnológico,

serviços de informação, etc.), inicialmente através de uma

pequena equipe multidisciplinar de especialistas nessas

questões. Por outro lado, constitui um fundo de poupança

que pode servir como garantia e veículo de pagamento

para respaldar a concessão de crédito por parte da ban-

ca comercial. Neste esquema, o papel das organizações

dos emigrantes não só consiste em enviar remessas, mas

também em participar como interlocutores e sócios comer-

ciais, observadores do mercado e assessores dos projetos

conjuntos.

Numa primeira etapa a proposta foi apresentada a umas

20 instituições do setor público e privado no México; de-

pois, a representantes das mesmas instituições em quatro

Estados escolhidos (Jalisco, Michoacán, Puebla e Zacate-

cas) e, finalmente, através do Instituto para os Mexicanos

no Exterior (IME) da Secretaria de Relações Exteriores

(SRE), a um grupo de representantes das mais importan-

tes confederações de emigrantes mexicanos nos Estados

Unidos. A proposta tem causado muito interesse entre as

comunidades dos emigrantes e depois de ter vencido algu-

mas resistências institucionais e limitações de cooperação

no âmbito local, iniciou-se a implementação dos primeiros

projetos pilotos binacionais com esta metodologia nas co-

munidades de San Lorenzo e San Juan Nuevo, no Estado

de Michoacán, respaldado, entre outros, pelo Instituto Mi-

choacano da Mulher, o Escritório de Coordenação-Geral

para o Cuidado ao Emigrante Michoacano do Governo Es-

tadual e clubes e associações de michoacanos nos Estados

Unidos.

Instituições que trabalham sobre o tema

Associação Mexicana de Uniões de Crédito do Setor Social: http://www.amucss.net

Banco Nacional de Serviços Financeiros: http://www.bansefi.gob.mx

Comissão Econômica para América Latina: http://www.eclac.cl/mexico

Colégio da Fronteira Norte: http://www.colef.mx

Fundo Multilateral de Investimentos (BID): http://www.iadb.org/mif/v2/spanish

Fundação Mexicana para o Desenvolvimento Rural: http://www.fmdr.org.mx

Fundação Solidariedade Mexicana-Americana A.C: http://www.fsma.org.mx

Nacional Financeira: http://www.nafin.gob.mx

OIT/MIGRANT: http://www.ilo.org/public/spanish/protection/migrant/index.htm

Pew Hispanic Center: http://www.pewhispanic.org

Rede Internacional de Migração e Desenvolvimento: http://www.migracionedesenvolvimento.org

Secretaria de Desenvolvimento Social: http://www.sedesol.gob.mx

10 número 2, 2005 - @local.glob

O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México

[email protected] - número 2, 2005

@ local.glob oferece ao mundo local um espaço para que os seus protagonistas chave apresentem as experiências

mais bem sucedidas de desenvolvimento realizadas nos seus territórios. Conforme a definição de melhores prá-

ticas para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida adotada pelas Nações Unidas1, são considera-

das “experiências de sucesso” e “boas práticas de desenvolvimento local”, todas aquelas iniciativas que contribuem para

melhorar as condições de vida dos habitantes de um determinado território e que apóiam os processos de desenvolvimen-

to local e descentralização, fortalecendo a capacidade e o reconhecimento dos atores locais e das suas comunidades.

Se estiverem interessados em publicar uma boa prática de desenvolvimento local nesta seção da revista, podem des-

carregar o modelo de documentação disponível na página web do Delnet ou entrar em contato com a equipe de redação:

[email protected].

Introdução

As boas práticas de desenvolvimento local levadas a cabo atualmente nos cinco continentes se centram, com freqüência,

na criação de infra-estruturas básicas para a comunidade, sejam as tradicionais (abastecimento de água e eletricidade;

coleta e tratamento de resíduos; transportes) ou as mais inovadoras (energias alternativas; serviços ligados às mesmas;

tecnologias). Essa tarefa geralmente vem acompanhada de vários ingredientes que determinam a qualidade dessas práti-

cas: participação cidadã e papel central da sociedade civil; descentralização e busca de mecanismos novos de colabora-

ção inter-institucional entre Estado e esfera local; fórmulas criativas de financiamento; e ação complementar no âmbito

dos serviços sociais.

As três experiências recolhidas aqui têm os itens anteriores como pano de fundo, embora essa homogeneidade não

deixe de lado as particularidades setoriais e idiossincráticas de cada caso e uma localização territorial díspar, que vai

desde a América Latina (Argentina e Bolívia) até à África (Uganda). Elas são provas contundentes de que a capacidade

de transformação da realidade social, econômica e cultural do território e da coletividade que o habita é o que, além das

diferenças temáticas e geográficas, conforma o eixo central das práticas de sucesso do desenvolvimento local que se acu-

mulam à escala planetária. Com base nessa capacidade de transformação, cada experiência concreta elabora e executa

sua própria estratégia de desenvolvimento.

Sobre esses pilares, e para aprofundar o exame da tríade de casos aqui apresentados, convém recordar que a força dos

acontecimentos foi deixando para trás as idéias de um “crescimento ilimitado” (ancorado na expansão indefinida das

forças produtivas e na inesgotabilidade dos recursos naturais), assim como de um “crescimento onipotente” (capaz de

resolver por si só os problemas de emprego, equilíbrio territorial, repartição da riqueza). Diante disso, o desenvolvimento

local aspira a desenhar e executar um “desenvolvimento integral”.

Isso significa um processo a longo prazo de objetivos múltiplos, como mostram os casos de Argentina, Bolívia e Uganda

que serão estudados a seguir.

O financiamento do desenvolvimento local na América Latina e África:três experiências de sucesso

1 Fonte: Programa de Melhores Práticas e Liderança Local de UN-HABITAT.

Boas práticas de desenvolvimento local - Introdução

12 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Modelo de gestão social para programas de infra-estrutura urbana

A construção de uma rede de gás natural na Argentina

INFORMAÇÕES CHAVE DA EXPERIÊNCIA

Localização

geográfica:

O projeto é desenvolvido nos bairros: Namuncurá, Anderson, Don Máximo, Leandro N. Alem e

José C. Paz – Região de Cuartel V, Município de Moreno, Grande Buenos Aires

Província de Buenos Aires, Argentina

Localização

temporal:

Início das atividades: Junho de 2000

Finalização prevista das atividades: Dezembro de 2013

Setor / âmbito de

atividades:

• Financiamento do Desenvolvimento Local

• Infra-estruturas

• Participação Cidadã e da Sociedade Civil

• Serviços Sociais e Saúde

Organização

executora

Comunidade Organizada, uma convergência interinstitucional de entidades locais

que reúne 45 organizações de diferentes bairros (educativas, de fomento do bairro,

mutuais, educativas, religiosas, etc.).

Organizações

patrocinadoras e/ou

colaboradoras:

Fundação Pro Vivienda Social (gestão técnica e financeira)

Entidade sem fins lucrativos surgida em 1992 por iniciativa de um grupo de dirigentes

empresariais comprometidos com valores de solidariedade e responsabilidade social.

Mutual “El Colmenar” (legitimidade territorial)

Associação da Província de Buenos Aires, criada em 1990. Sua atividade principal é a prestação

de serviços aos seus 80.000 sócios, principalmente o de transporte, unindo a mais de 40 bairros

entre si, e a estes com o centro urbano do município e a estação de trem mais próxima.

FONCAP (recursos econômicos)

Sociedade anônima cuja finalidade é a administração de fundos fiduciários. Administra o

Fundo de Capital Social, constituído em 1997 com contribuições do Estado Nacional.

Organizações da sociedade civil (legitimidade territorial e promoção)

79 organizações da sociedade civil existentes na área e 45 organizações membros da

Comunidade Organizada.

Responsáveis

e pessoas para

contato:

Fundação Pro Vivienda Social

Raúl Zavalía [email protected]

TEL: 155-029-6834

Comunidade Organizada

Silvia Ebis [email protected]

TEL: 155-029-6517

Fontes de informação sobre a experiência:• Fundação Pro Vivienda Social: http://www.fpvs.org/programas/iu/index.php • M.E. Longo, P. Forni, Origen de la red Comunidad Organizada, incluído na publicação: Argentina ¿Que perspectivas

económicas, políticas y sociales para la democracia después de diciembre del 2001? UNESCO, 2005

Boas práticas de desenvolvimento local - Argentina

12 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

SITUAÇÃO INICIAL, GRUPO META E FORMULAÇÃO

DE PRIORIDADES

Cuartel V é uma região do município de Moreno, localiza-

do no segundo círculo periférico da Grande Buenos Aires.

Nesta periferia urbana da Argentina, a população e os domi-

cílios que vivem abaixo da linha de indigência e de pobreza

duplicaram após a crise do ano 2002. A causa principal

dessa situação é, sem dúvida, por um lado, o desemprego,

que chega a níveis muito altos, e, por outro, o desafio que a

Argentina ainda enfrenta no que se refere ao acesso univer-

sal aos serviços básicos1.

A periferia noroeste do município de Moreno padece das

O financiamento

das obras

(Rede Externa

e Instalações

Internas

Domiciliares):

Financiamento de terceiros

62% através de um empréstimo inicial do FONCAP de 3.000.000 de pesos argentinos para

5 anos de prazo com uma taxa de referência de 12% anual.

14,5% através de um empréstimo em dólares sem juros, concedido pelo FPVS ao Fideico-

misso Redes Solidárias. Estes recursos foram obtidos com um prêmio de 250.000 dólares dos

Estados Unidos (equivalente a pouco mais de 700.000 pesos argentinos, conforme as datas de

realização dos desembolsos) atribuído pelo Banco Mundial à FPVS no concurso Development

Marketplace do ano 2002.

9,5 % através de um subsídio da Província de Buenos Aires, Ministério de Infra-estrutura,

Moradia e Serviços Públicos pela quantia de 462.000 pesos (equivalente a 15% do custo das

obras). Este subsídio foi gerado no âmbito da lei 8.474 que estabelece o destino do imposto de

9% - que todos os usuários de gás natural pagam na Província de Buenos Aires – e que deve ser

utilizado para financiar a construção de novas redes de gás.

13.6 % através da compensação estabelecida no quadro regulador das privatizações de redes

de distribuição de gás natural pela cessão das redes construídas pelo Fideicomisso pela

quantia de 660.000 pesos; a empresa concessionária da zona é Gás Natural BAN S.A. que já

desembolsou 400.000 pesos.

Financiamento próprio e quitação de compromissos financeiros

Em setembro de 2005, o projeto gerou fundos próprios de 850.000 pesos através das contribui-

ções dos moradores constituídos como fideicomitentes e beneficiários do fideicomisso. Esses

fundos são utilizados para completar a execução das obras e para quitar juros com a FONCAP

SA por uma quantia de 310.840 pesos.

Total do Volume Econômico

O valor do custo das obras e dos juros e os gastos de gestão do Fideicomisso até a finalização do

mesmo, em princípio no ano 2013, está estimado em aproximadamente 11.000.000 pesos. Supõe-

se que o total das contribuições geradas pelos moradores fideicomitentes chegará a 13.200.000

pesos. A diferença, 2.200.000 pesos ficará como capital para o conjunto dos moradores da

zona para a realização de novas obras que melhorem a qualidade de vida dos seus habitantes.

A quantia do investimento direto nas obras superará os seis milhões de pesos, com uma

receita total prevista por contribuições dos fideicomitentes de 13.2 milhões de pesos ao lon-

go do período (2003-2013).

1 30% da população urbana carecem de serviços de esgotos e de gás natural, enquanto que 15% da população metropolitana carece do serviço de água potável (Banco Mundial, Documento de Trabalho 5/03).

∗ Taxa de câmbio definida pelas Nações Unidas para o mês de novembro de 2005: dólar dos Estados Unidos em pesos argentinos = 2,97

Boas práticas de desenvolvimento local - Argentina

14 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

mesmas deficiências de infra-estrutura que qualquer outra

área de urbanização recente na Grande Buenos Aires (gás,

esgotos, linhas telefônicas, ruas, linhas de trem, etc.). Os al-

tos custos de acesso e conversão domiciliar que esses servi-

ços implicam representam uma barreira econômica impor-

tante para os domicílios pobres sem acesso ao crédito.

Através de atividades regulares de consulta e diálogo com

os moradores e suas organizações em termos de moradia

e hábitat, a Fundação Pro Vivienda Social (FPVS), detectou

em 2000 2, a necessidade e o interesse dos habitantes de

Cuartel V, de aproveitar um instrumento de crédito solidário

para o desenvolvimento da infra-estrutura urbana.

Particularmente em cinco bairros da área 3, reconheceu-

se como prioritário o acesso às redes de gás natural, que

contam com o atrativo de que as obras podem ser financia-

das pela poupança derivada da substituição de fontes ener-

géticas. A Argentina é um país produtor de gás natural, o

combustível mais econômico segundo uma relação preço/

calorias. Não obstante, as famílias pobres têm dificuldades

de acesso às redes de distribuição e utilizam um substituto

amplamente disponível: o GLP (Gás Liquefeito de Petróleo)

que além de ser mais caro para o consumo, é contaminador,

com um impacto negativo na qualidade de vida.

FORMULAÇÃO DE OBJETIVOS E ESTRATÉGIA

A FPVS começou a elaborar, a princípio do ano de 2001, um

projeto para a extensão da rede de gás natural, em associa-

ção com a Mutual El Colmenar 4 e em assessoria constante

com as associações comunitárias da área.

Cabe mencionar que o território de Cuartel V apresenta

um tecido organizativo bastante articulado, cujos antece-

dentes partem de meados dos anos oitenta, e está carac-

terizado por um número relevante de organizações comu-

nitárias de base, ONGs, associações bairristas e fundações

fortemente inter-relacionadas.

Durante a etapa de pré-viabilidade do projeto, a FPVS e

El Colmenar convocaram todas as organizações existentes

nos cinco bairros que, ao longo de vários encontros, cons-

tituíram a rede Comunidade Organizada, uma aliança de 45

organizações de bairro (educativas, religiosas, de fomento

bairrista, consórcios, etc.).

O Modelo de Gestão Social proposto pela FPVS está ba-

seado no papel central dos beneficiários que, à medida que

se envolvem, sustentam os aspectos técnicos, operativos e

legais do projeto controlando eles mesmos o processo de

promoção e execução de cada atividade prevista.

Estabeleceram-se alianças estratégicas entre diferentes

entidades públicas e privadas e fomentou-se a participação

das famílias, com garantia coletiva para o financiamento e

pagamento da obra. Este modelo de gestão associada defi-

niu o método de financiamento e gestão, o custo previsto

e estipulado, a modalidade de contratação das empresas,

a informação a ser fornecida pelos moradores, os modos

e termos de incorporação dos moradores aos arranjos em

torno à obra, a estrutura jurídica do programa, a seqüência

de construção da obra, etc.

MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS

Além da FPVS e das organizações comunitárias, participa-

ram na obra:

O secretariado de Comunidade Organizada juntamente com a Equipe de Promotores do projeto

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2 No âmbito de uma pesquisa qualitativa sobre o Programa de Melhoramento Habitacional.3 O programa foi posto em andamento nos bairros de Namuncurá, Anderson, Don Máximo, Leandro N. Alem e José C. Paz. Cuartel V, Mu-nicípio de Moreno. 4 Uma “mutual”, na Argentina, é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo legal é prover serviços e produtos aos seus membros, de modo que todos os que utilizaram o serviço são considerados sócios e proprietários do mesmo. El Colmenar, criada em 1990, presta serviços comunitários aos seus 80.000 sócios, principalmente o de transporte de passageiros (12.000 pessoas em 40 bairros).

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• A empresa Gás Natural BAN, distribuidora de gás, que

se comprometeu a realizar uma contribuição para o

pagamento parcial das obras a serem realizadas na

finalização da construção da rede externa;

• O governo da Província de Buenos Aires declarou isen-

to de impostos o consumo de gás durante o período de

pagamento das instalações;

• O FONCAP, organismo do Ministério de Desenvolvi-

mento Social da Nação, contribuiu com 65% do finan-

ciamento para a realização do fideicomisso;

• O Município de Moreno declarou o programa de inte-

resse municipal;

• O Banco Mundial atribuiu à FPVS um prêmio ao pro-

grama, cuja quantia foi incorporada nos recursos para

a execução da obra (35% do custo total).

A metodologia de financiamento aplicada utiliza dois

instrumentos: o fideicomisso 5 com fundo de garantia (rede

externa) e o micro-crédito individual (redes internas).

• A estrutura do fideicomisso é a seguinte:

° Os moradores são os beneficiários do fideicomisso.

° Os “fideicomitentes originários”, propostos pelas

organizações sociais participantes, designam uma

Comissão de Controle de Prestações de Contas e têm

o direito a solicitar informação sobre o programa e

obrigação de a comunicar aos aderentes 6.

° Os moradores que se incorporam ao programa se

tornam “fideicomitentes aderentes” e comprometem-

se ao pagamento da obra através de um mecanismo

de pro-rata dos custos, adquirindo o direito à utili-

zação da rede de gás natural desde que cumpram

com o convênio assinado. O fundo de seguro cobre

eventuais inadimplências na devolução do crédito 7.

° A FPVS, enquanto “administradora fiduciária”, brinda

assistência organizativa e administrativa ao empre-

endimento, recebe a propriedade fiduciária do fidei-

comitente e está obrigada a exercê-la e transmiti-la

ao fideicomissário ao término da obra.

° O fideicomissário é a empresa Gás Natural Ban S.A.

como futura receptora das obras de extensão da rede

externa de gás natural.

° Foi constituída uma “comissão assessora”, integrada

pelo FONCAP, a FPVS e a Comunidade Organizada.

• Os micro-créditos individuais são concedidos às fa-

mílias com responsabilidade partilhada, com prazos e

valores das mensalidades definidos conforme as possi-

bilidades de pagamento identificadas em cada família

e de estimativas de poupança a partir da substituição

dos combustíveis e em resposta às demandas dos mo-

radores, que tem a opção de pagar no prazo de um a

cinco anos 8.

VARIÁVEIS DO PROCESSO: METODOLOGIA

ADOTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS

O modelo aplicado para a execução deste projeto implica

um procedimento participativo, o desenvolvimento de uma

rede de relações sociais e uma organização que se suste-

nha no período de elaboração, construção e recuperação

dos custos.

Desde a constituição da Comunidade Organizada até o

desenho das obras, foram sendo convocadas reuniões entre

a Mesa de Gestão do programa e os moradores. A partici-

pação ativa dos moradores em cada evento de desenvolvi-

mento do programa fez com que se estabelecessem víncu-

los de confiança, se mantivesse o foco no desenvolvimento

das obras, se comprometesse com o pagamento regular das

contribuições e assegurasse uma maior porcentagem de

adesões.

Um exemplo do procedimento participativo foi a tomada

de uma decisão crítica sobre o andamento do programa: a

mesa discutiu o desenho da rede de gás de modo tal que,

concluída a rede central externa, todos os moradores fica-

ram a menos de 150 metros das tubulações, permitindo que

a segunda etapa fosse realizada nos setores onde se vai

conseguindo um maior nível de adesão. Esta relação sinér-

5 O fideicomisso é uma figura jurídica que permite a administração de recursos dirigindo-os a um objetivo determinado, impedindo a sua utilização para outro fim ou seu embargo por terceiros. Além disso, assegura aos credores o destino dos fundos. 6 Os fideicomitentes originais que assinaram o contrato de constituição eram 79 pessoas. Em junho de 2005, mais de dois mil e quinhentos moradores já haviam aderido ao fideicomisso. 7 Se o nível de cumprimento for alto, seus excedentes ficam disponíveis para outros empreendimentos.8 O morador começa a pagar a obra quando a rede externa chegar à sua casa e quando a rede interna tiver sido concluída. A estimativa do custo para cada morador é de 844 pesos argentinos, com mensalidades que variam entre 26,73 e 95,65 pesos com juros incluídos confor-me o prazo estipulado. A rede interna pode ser financiada através do fideicomisso ou em forma direta pelo morador, que deve devolver os empréstimos em cinco anos ao FONCAP e em sete à FPVS.

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gica entre o desenvolvimento da obra e o nível de participa-

ção é produto da certeza estabelecida entre os moradores

de que a obra depende da participação plena que, por sua

vez, estimula um maior envolvimento e participação dos

outros moradores de forma a alcançar o nível de adesão

básico, viabilizando ainda mais a obra.

A partir da constituição da Comunidade Organizada, o Se-

cretariado tem como tarefa a promoção do programa, sendo

apoiado por promotores elegidos entre postulantes sugeridos

pelas organizações integrantes da rede. A incorporação de

novos usuários é realizada através da promoção dos próprios

moradores, o que permite economizar gastos comerciais de-

mandados pelo andamento da construção da rede de gás:

os membros da comunidade são os que informam os mora-

dores, recebem a proposta de interesse e se encarregam de

incorporá-las ao programa. A contratação de mão-de-obra

local para a promoção e para a execução da obra (mais de

80% dos postos de trabalho) reforça o sentimento de que o

programa é feito pelos moradores e para os moradores.

Os diferentes ritmos de construção da obra e de par-

ticipação provocaram alguns problemas que levaram à

revisão do sistema de promoção. Criou-se, assim, o papel

do “morador organizador”, cuja função reside em informar

acerca dos programas, completar planilhas, encaminhar

documentação, convocar e organizar, junto ao Secretaria-

do, reuniões no seu quarteirão e visitas aos vizinhos, com o

intuito de ajudar no processo de decisão.

A obra de construção da rede externa foi executada atra-

vés de fornecimento de mão-de-obra e equipes por contra-

tos de empreitada global. Como administrador fiduciário,

a FPVS está à cargo da licitação e compra de materiais,

recepção dos mesmos em seus depósitos, a verificação de

normas de fabricação e sua adequação àquelas vigentes,

o cuidado e a organização dos envios à obra em tempo e

forma, e o controle da sua utilização correta. No referente

às obras das instalações internas, optou-se por realizá-las

através da Administração, de modo que o fideicomisso as-

suma a provisão de equipes, materiais e se encarregue da

contratação de pessoal.

RESULTADOS ALCANÇADOS

O projeto conta com múltiplos benefícios:

• Acesso de 100% da população de baixa renda à rede de

serviços públicos;

• Financiamento através da garantia solidária, sendo

desnecessários os requisitos solicitados pelos financia-

dores formais;

• Seleção da alternativa de financiamento por parte dos

beneficiários, através de um procedimento transparen-

te e desenhado à medida para cada família;

• Redução de 48% dos gastos em combustíveis alternati-

vos mais caros, com um fornecimento de maior quali-

dade (segurança, limpeza, acessibilidade), possibilida-

de de pagamento diferido, medição e pagamento exato

do consumo e um aumento no valor da habitação.

Em julho de 2005 haviam sido tendidos 68.000 metros de

redes de gás com três bocas gerais de alimentação, 2.300

instalações domiciliares e 1.300 redes internas 9. O total

do investimento supera os seis milhões de pesos, com

uma receita total de contribuições dos fideicomitentes esti-

mada em 13,2 milhões de pesos ao longo do período 10.

A recuperação do investimento permitirá satisfazer as

obrigações oriundas da constituição do fideicomisso, sal-

dar os gastos de administração do fundo e do projeto e

cobrir os custos da obra de extensão da rede de gás e das

instalações internas.

9 Essas porcentagens conformam 56 e 32% das metas estipuladas.10 Este projeto tem como objetivo abranger 202 quarteirões com uns 4.089 lotes de frente, com instalações internas (instalações domicilia-res) para 2.600 famílias, 10 estabelecimentos educativos, um posto de saúde, 10 organizações comunitárias e 20 comércios e atividades que utilizem o gás como combustível principal.

A bandeira da Comunidade Organizada com o lema do projeto

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SUSTENTABILIDADE

A participação e responsabilidade direta, voluntária e

organizada dos próprios beneficiários – que é o princípio

motivador do modelo proposto pela FPVS – é a base sobre a

qual se sustentam todos os aspectos técnicos, operativos e

jurídicos do projeto.

Um primeiro fator chave de sustentabilidade se materia-

lizou no momento de estabelecer o ritmo e modalidades

da construção da rede externa. Como todos os moradores,

ao cabo da primeira etapa, ficaram a uns 150 metros da

tubulação externa e, como tiveram que se organizar por

quarteirão para coordenar a extensão das redes internas,

a segunda etapa da obra teve de ser mantida à par do nível

de adesão, assegurando, assim, um desenvolvimento auto-

sustentável do ritmo do programa.

Em segundo lugar, o fideicomisso deixou para os morado-

res as decisões críticas e o controle acerca do: a) custo do

programa para cada morador, o que estiver associado com

o nível de adesão e com a possibilidade de pagamento; b) os

prazos e condições de pagamento considerando as diferen-

tes capacidades de pagamento dos moradores; c) o período

de incorporação, deixando a possibilidade de que cada mo-

rador se incorpore no momento que lhe resulte mais conve-

niente, e d) o sistema de incorporação de moradores.

Finalmente, o aceite da proposta de execução do progra-

ma por parte das pessoas sustentou-se, desde o começo,

no intercâmbio previamente existente entre a comunidade,

a Fundação e a “Mutual”. Esta base de confiança gerou um

apoio sólido para envolver outras organizações comunitá-

rias no projeto.

LIÇÕES APRENDIDAS

A preparação e execução do programa da rede de gás favo-

receram a elaboração de um extenso trabalho de estudo e

análise do território e das problemáticas que afetam seus

habitantes. Esse conhecimento representa os antecedentes

de futuros programas de desenvolvimento e de melhoria da

qualidade de vida na região.

Por exemplo, a rede de gás deu origem à construção de

uma base de dados sobre os moradores, sua condição eco-

nômica e suas habitações. A partir dos dados recolhidos,

percebeu-se que uma grande proporção dos terrenos está

em condição irregular de propriedade. Conseqüentemente,

a FPVS incorporou a suas linhas de trabalho a escrituração

da propriedade dos terrenos com título irregular.

Por sua vez, a partir dessa experiência, criou-se uma co-

missão de moradores organizadores que analisou diferen-

tes problemáticas da zona e iniciou uma tarefa de capaci-

tação sobre direitos cidadãos. Além disso, foram postas em

andamento algumas iniciativas de melhoramento do bairro,

com propostas apresentadas à prefeitura para a execução

de melhorias e formulação de um plano para a construção

de calçadas e para a sinalização das ruas e numeração dos

domicílios.

TRANSFERIBILIDADE

O modelo de gestão associada desenhado pela FPVS não

possui um quadro jurídico sobre o qual basear-se, nem an-

tecedentes similares aos quais se possa remitir para definir

a organização do empreendimento ou para desenhar seu

modo de operação. Constitui, portanto, uma inovação, cujo

desenvolvimento requer sistematização para conseguir sua

replicação. O modelo de gestão converte os moradores em

gestores do programa e em defensores dos próprios interes-

ses, permitindo minimizar o custo da obra e maximizar o

acesso ao serviço.

O território onde se queira reproduzir a experiência deve

contar com:

• Um tecido associativo e organizativo bastante sólido,

juntamente com um nível de autonomia capaz de suprir

a falta de atenção do poder público;

• Valores compartilhados entre os membros da comuni-

dade e os atores locais, que se reflitam num forte com-

promisso com o desenvolvimento do território;

• A presença consolidada de organizações sociais e fun-

dações que saibam ganhar a confiança da população e

dos outros doadores nacionais e internacionais.

O projeto executado através do Fideicomisso Redes So-

lidárias é a primeira iniciativa que visa utilizar o micro-

financiamento para a construção da infra-estrutura social

com participação ampla e integral dos beneficiários em

todas suas etapas. A partir disso, e mobilizando as alianças

estabelecidas em torno a ele, a FPVS está administrando

o financiamento para a replicação da experiência, com um

objetivo estipulado de atingir 20.000 famílias.

Boas práticas de desenvolvimento local - Argentina

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A convergência dos fundos de crédito municipal e de investimento social

O caso da Bolívia apresentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento

INTRODUÇÃO: INTERESSE DE UM CASO-PAÍS

O caso da Bolívia analisado aqui é um resumo de um do-

cumento publicado em junho de 2003, por José Brakarz,

especialista sênior em Desenvolvimento Social da Divisão de

Desenvolvimento Social, Departamento de Desenvolvimento

Sustentável, do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID).

A versão integral do documento original encontra-

se disponível em formato PDF na página Web do BID:

http://www.iadb.org/sds/doc/SOC134s.pdf

Por tratar-se de um caso-país, o formato utilizado para

apresentar esta experiência de desenvolvimento local não

respeita o modelo padrão utilizado habitualmente na revista.

De qualquer forma, considerou-se oportuna a sua publica-

ção, já que constitui um exemplo importante de um país que

tem tentado firmemente aperfeiçoar o seu sistema de trans-

ferências inter-governamentais, reconhecendo o papel cada

vez mais importante dos governos locais na formulação e

implementação de programas sociais.

A introdução e expansão dos Fundos de Investimento

Social (FIS) em vários países latino-americanos gerou um

debate sobre seu papel, seja como instrumento de política

social ou como elemento do sistema de transferências in-

ter-governamentais.

Em muitos casos os FIS concentram importantes recur-

sos públicos destinados ao investimento social, o que pode

ser interpretado positivamente como uma especialização

de funções, ou de outro modo, como um conflito de respon-

sabilidades com as entidades ministeriais setoriais.

Dado o seu perfil de investimento, caracterizado por obras

de cunho local e a tendência recente da descentralização

do ciclo de projetos, os FIS se integram cada vez mais aos

sistemas de transferências inter-governamentais. Porém,

em termos gerais, as regras dessas transferências não são

universais e transparentes, seguindo mais as prioridades

dos seus financiadores do que a lógica de um sistema bem

estruturado de transferências.

Outra questão relevante para o presente estudo é o uso

de instrumentos de crédito para o financiamento de proje-

tos municipais, em contraposição com as doações típicas

da atuação dos FIS. Mesmo que os instrumentos de crédito

incentivem a prudência no investimento, o endividamento

excessivo é um problema que deve ser evitado. O desafio

é conseguir um equilíbrio entre essas alternativas, onde

o crédito e as doações operem de forma complementar e

eficiente.

O caso da Bolívia abrange todos esses elementos e se lo-

caliza no contexto de um programa de redução da pobreza

que conseguiu uma ordem institucional fundamental para

a implantação da política social e de financiamento local

baseada em incentivos adequados aos governos munici-

pais.

A DESCENTRALIZAÇÃO NA BOLÍVIA, PROBLEMAS

E DESAFIOS

O início de uma política de descentralização decisiva na

Bolívia ocorreu em 1994 quando foi aprovada a Lei de Par-

ticipação Popular, também conhecida como lei da descen-

tralização.

Os governos municipais tiveram suas incumbências

ampliadas, incluindo, além dos serviços tradicionais de

gestão urbana, a administração e a manutenção da infra-

estrutura correspondente aos serviços de saúde, educação,

cultura e deportes, as vias de acesso municipais e as mi-

cro-irrigações. Para apoiar o financiamento desses servi-

ços, foram se consolidando dois tipos de recursos para os

Boas práticas de desenvolvimento local - Bolívia

18 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

municípios bolivianos: as receitas próprias (especialmente

os impostos imobiliários e de veículos) e as transferências

(20% da renda nacional).

Enquanto os impostos de arrecadação própria municipal

dependem dos esforços da administração local em termos

de transparência e autonomia na gestão fiscal, o único cri-

tério sobre o qual os municípios se baseiam para repartir os

recursos de co-participação do governo central é o tama-

nho da população. Esta fórmula e a falta de atualização dos

dados da população desde o ano de 1991 impediram uma

implantação homogênea do processo de descentralização.

A maioria dos pequenos municípios ainda têm dificulda-

des institucionais para auto-financiarem seus serviços e

dependem quase totalmente da renda da co-participação

tributária. Esta disparidade nas bases tributárias entre os

municípios (70% do total dos recursos locais é recolhido

em 10 municípios) limita os estímulos à mobilização de

recursos próprios e provoca uma situação de desequilíbrio

entre os recursos recebidos por transferência e o esforço de

arrecadação própria dos governos locais.

Existem também transferências não sistemáticas efetua-

das principalmente por doações do Fundo de Investimento

Social (FIS), do Fundo de Desenvolvimento Camponês

(FDC) e do Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR),

cujas atividades estão dirigidas a apoiar a luta contra a

pobreza, o desenvolvimento social e a produção, através

do co-financiamento de projetos de investimento local. Es-

tima-se que 30% do investimento municipal seja financiado

pelos fundos. A fonte principal de recursos dos fundos são

os recursos de doação e de crédito externos.

Os problemas que o sector municipal enfrentou na Bolí-

via, assim que se adentrou no processo de descentraliza-

ção, estavam relacionados com:

• A disparidade entre as funções designadas aos gover-

nos locais e os recursos colocados à sua disposição;

• As deficiências técnicas e institucionais principalmente

dos municípios recém criados de pequeno e médio por-

te;

• Os problemas de gestão fiscal e de endividamento;

• A discrepância entre as atividades realizadas pelos três

níveis de governo (nacional, prefeituras e municipali-

dades) e sua relativa capacidade tributária e fiscal;

• A alta demanda de serviços básicos e a forte concen-

tração de pobreza nas zonas urbanas;

• O desequilíbrio de formas de transferência de recursos

entre as regiões ricas (as regiões mais produtivas, caso

forem penalizadas, podem prejudicar a economia na-

cional).

Esta situação representava um problema importante

para o governo central, tanto pelas pressões políticas para

aliviar a situação financeira dos municípios, como pelas

dificuldades concretas de investimento público e de presta-

ção de serviços locais que a situação gerava. A resposta do

governo foi o estabelecimento, dentro do contexto da nova

política de financiamento local, do Programa de Arrecada-

ção Financeira, mediante o qual os principais municípios

tiveram suas dívidas re-financiadas com o apoio do gover-

no central, com condições de ajuste fiscal apresentadas no

próximo capítulo.

A NOVA POLÍTICA DE FINANCIAMENTO LOCAL NA

BOLÍVIA

O 64% da população boliviana vive em áreas urbanas,

resultado da intensa migração interna que se acelerou du-

rante as crises econômicas dos anos oitenta e noventa. As

cidades sofrem uma alta concentração de pobreza, o que

gerou uma enorme pressão sobre os municípios para que

prestassem os serviços básicos de sua responsabilidade.

Acrescenta-se a isso o problema dos municípios menores

que devem apoiar a população rural empobrecida e com

poucas alternativas de subsistência, tendo uma base insti-

tucional e tributária deficiente.

A Estratégia Boliviana de Redução da Pobreza

(EBRP) foi concebida para tentar aliviar os problemas de

pobreza extrema, atribuíndo um papel importante aos go-

vernos locais. Um dos princípios sobre os quais a EBRP se

baseia é o de aprofundar o processo de descentralização

como forma de melhorar a eficiência e fazer com que os

serviços públicos essenciais, para além de favorecer o de-

senvolvimento local, cheguem aos pobres.

Em primeiro lugar, a estratégia estipulou que os recursos

de alívio de dívida (HIPC), correspondentes a aproxima-

damente 20 milhões de dólares dos Estados Unidos (US$)

anuais, seriam transferidos diretamente aos governos mu-

nicipais, com um cronograma definido de desembolsos e

aplicação restringida a certos setores prioritários escolhi-

dos a nível nacional, através de um processo de consultas

sociais denominado “Diálogo Nacional”: saúde; educação;

saneamento básico; infra-estrutura para a produção; es-

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tradas rurais; eletrificação rural; meio-ambiente e recursos

naturais e fortalecimento institucional.

A partir da Lei do Diálogo Nacional surgiu uma Po-

lítica Nacional de Compensação que estabeleceu uma

série de medidas sobre o ordenamento e a distribuição de

transferências fiscais aos municípios. O princípio do orde-

namento das transferências reside em dirigir todas elas,

quer as do governo quer as da cooperação internacional

em direção aos oito setores priorizados no diálogo nacio-

nal.

Deste modo, os recursos transferidos aos municípios

podem chegar por meio de três fontes: a) a co-participa-

Os fundos de investimento social e de desenvolvimento municipal na Bolívia

O Fundo de Investimento Social (FIS)

O FPS surgiu da evolução do primeiro FIS latino-americano, o Fundo Especial de Emergência (FES). O FES operou entre 1986 e

1989, e a sua criação deveu-se ao conceito de investimento compensatório no âmbito dos programas de ajuste fiscal (…). Seu

grande sucesso originou uma série de programas similares na América Latina e, mais tarde, na África, buscando a eficiência de

despesa social social. No período seguinte, coincidindo com um novo empréstimo do BID, o FES se transformou no Fundo de

Investimento Social (FIS). Nessa nova fase, a missão do FIS passou a ser a de tornar mais eficaz e eficiente o investimento social em

geral. Com isso, o Fundo passou a financiar projetos que normalmente eram executados pelos ministérios sociais, particularmen-

te os investimentos setoriais orientados ao alívio da pobreza nas populações urbanas pobres e da área rural. No período de 1990

a 1993 o FIS realizou investimentos chegando a uma quantia total de US$ 98 milhões (compromisso) dos quais US$ 42 milhões

foram efetivamente desembolsados. Foram 1.407 projetos, dos quais 80% na área rural. Numa terceira etapa, que foi de 1994 a

1998, o FIS orientou-se rumo ao aumento da cobertura nos serviços de saúde, educação e saneamento, atuando como um braço

construtor do governo central para a produção de equipamentos sociais. Seus investimentos nesse período chegaram a US$ 122

milhões em recursos comprometidos e US$ 94 milhões em desembolsos efetivados. Na terceira etapa (1999-2000), o FIS efetuou

mudanças importantes, principalmente em relação aos setores financiados (dando prioridade aos setores do Diálogo Nacional),

além de adotar o rumo da descentralização do ciclo de projetos. Isso significou uma transferência gradual das responsabilidades

pela execução de projetos – aquisições, contratações e supervisão de obras, etc. – aos municípios beneficiários (…).

O Fundo de Desenvolvimento Camponês (FDC)

O FDC foi criado em 1989 para atender especialmente às comunidades camponesas. Seus principais projetos são de apoio ao

desenvolvimento produtivo dessas comunidades, financiando infra-estrutura de irrigação, estradas locais e infra-estrutura de

caminhos e apoio à produção, entre outros. Nos seus 11 anos de existência (até sua incorporação ao FPS), desembolsou US$ 71

milhões para o financiamento de 1.738 projetos, abrangendo 242 municípios rurais (78% do total dos municípios bolivianos).

Com a nova política de compensação, e como forma de racionalizar as atividades dos dois fundos que operam a nível municipal,

o FDC se fusionou com o FIS, conformando o FPS.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)

O FNDR foi criado em 1988 com a missão de fomentar o desenvolvimento regional, através do financiamento de programas e

projeto aos municípios e entidades de desenvolvimento departamental. O FNDR operava com empréstimos combinados com

transferências não reembolsáveis, dirigidos principalmente a projetos urbanos. Nas suas linhas mais tradicionais, ele trabalha

aproximadamente com os 50 municípios maiores do país. Os seus principais pontos fortes são a sua capacidade de avaliação de

projetos, administração de carteira, processos de aquisições e supervisão de consultoria. Até 2001, o FNDR administrou quatro

operações financiadas pelo BID, duas do Banco Mundial e duas do Governo do Japão. No total as suas operações de empréstimo

e subsídio totalizaram US$ 526 milhões em dezembro de 2001 e sua carteira de projetos nessa data era de US$ 195 milhões. Essa

quantia de recursos em carteira, que era assegurada integralmente pelo Tesouro da Bolívia e permitia ao FNDR se auto-sustentar

sem a necessidade de novas transferências do governo. O FNDR não enfrenta riscos de crédito por ter acesso privilegiado a ga-

rantias através da retenção automática da co-participação municipal pelo Banco Central em casos de inadimplência.

Fonte: BID

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ção tributária (de livre disponibilidade); b) os recursos do

HIPC, distribuídos pela fórmula NBI (Necessidades Básicas

Insatisfeitas), e c) os recursos da cooperação internacional,

distribuídos pela mesma fórmula e distribuídos pelo Fundo

de Investimento Produtivo e Social (FPS). Os recursos do

HIPC e do FPS são para aplicação nos setores prioritários

do Diálogo Nacional.

Ao novo FPS lhe compete administrar este sistema de

transferências, calculando e divulgando anualmente a

quantidade de recursos disponíveis para distribuição, tanto

das fontes do tesouro como da cooperação internacional.

Os recursos são designados a projetos específicos, sendo

que o FPS é o responsável pela sua análise técnica — ve-

rificando se são compatíveis com os setores prioritários,

se são viáveis e se seguem as diretrizes dos ministérios

setoriais correspondentes — e financiar a sua execução.

Desta maneira, são os municípios que definem seus

projetos prioritários para a utilização dos recursos

alocados pelo FPS1.

As medidas para a implantação efetiva dessa estratégia

incluíram: a) a fusão dos dois fundos de transferências (FIS

e FDC), que se transformam no Fundo Nacional de Inves-

timento Produtivo e Social (FPS) e b) a especialização de

funções nos mecanismos de financiamento sub-nacional

sob a coordenação do Diretório Único de Fundos, uma

entidade governamental criada pelo governo da Bolívia

para orientar as políticas, supervisar e fiscalizar o funcio-

namento dos principais fundos públicos de investimento

social e local.

O DUF define as políticas de financiamento dos fundos

e aprova suas diretrizes e planos anuais de trabalho, sem

tirar sua autonomia operativa. Ele é dirigido por um presi-

dente nomeado pelo Presidente da República e está inte-

grado por representantes dos ministérios da Presidência,

Fazenda e Desenvolvimento Sustentável e Planejamento,

três representantes dos municípios do país e três sindica-

listas sociais representantes dos comitês de vigilância e

das organizações da sociedade civil.

As solicitações de assistência financeira dos municípios

que chegam a cada um dos fundos — solicitações de fun-

dos não reembolsáveis ao FPS e de crédito ao FNDR — são

coordenadas pelo DUF. Em ambos os casos requer-se um

diagnóstico financeiro e institucional, o Plano de Ajuste

Institucional (PAI), que lhes permite identificar as necessi-

dades de fortalecimento, e estabelecer e dar seguimento às

metas de gestão para os municípios.

Os PAI são um instrumento de diagnóstico que permite

conhecer as necessidades reais dos municípios e estabele-

cer, juntamente com seus dirigentes, metas de gestão pru-

dentes e objetivos de política administrativa aos quais sua

gestão deve estar orientada. É especialmente importante o

apoio dado aos municípios no desenho de projetos de for-

talecimento institucional orientados à consecução desses

objetivos.

Um elemento importante da estratégia de financiamento

municipal foi o tratamento do endividamento de alguns

importantes municípios.

Nesse sentido, o governo criou um Programa de Reade-

quação Financeira para os municípios que haviam exce-

dido os parâmetros de endividamento existentes. Esses

planos de arrecadação financeira, assinados entre o Minis-

tério da Fazenda e cada um dos municípios participantes

do programa, determinam prazos de três a cinco anos para

atingir as metas fiscais claramente identificadas e medidas

por um conjunto de indicadores fiscais.

Além de assegurarem um comportamento fiscal res-

ponsável a longo prazo, esses planos criam um regime de

vigilância para os municípios mais endividados, e contêm o

forte incentivo de permitir a realização de novas operações

de crédito depois que os municípios tenham cumprido suas

metas correspondentes.

O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E

RESPONSABILIDADE FISCAL

Em apoio ao esforço do governo para reformar e fortalecer

o setor municipal, o BID aprovou um empréstimo no come-

ço de 2001 para a execução de um Programa de Desen-

volvimento Local e Responsabilidade Fiscal.

1 Os recursos para os projetos financiados pelo FPS geralmente são do tipo não reembolsável, mas requerem proporções variáveis de con-trapartida municipal. A efeito de fixação das taxas de contrapartida local, os municípios se dividiram em cinco categorias, de acordo com seus níveis de NBI, dentro dos quais foram estipulados porcentagens de contrapartida por setor de investimento, conforme as necessidades acusadas pelo município. Ou seja, quanto maior necessidade de um determinado serviço, a porcentagem de transferência será maior e menor a contrapartida local.

Boas práticas de desenvolvimento local - Bolívia

22 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

O programa, cujo objetivo é “elevar a eficiência da gestão

municipal para ampliar e melhorar a qualidade dos servi-

ços prestados pelos governos locais a suas comunidades”,

consta de duas etapas por uma quantia total de US$ 87,3

milhões e sua execução por parte do governo boliviano foi

designada ao DUF.

O Programa possui três componentes:

• Financiamento de projetos de desenvolvimento

local. Com relação aos investimentos municipais (US$

40 milhões), financiam-se: a) projetos produtivos e so-

ciais, mediante transferências, nos setores prioritários

definidos no Diálogo Nacional, e b) projetos urbanos

em geral, mediante créditos do FNDR.

• Fortalecimento municipal. Este componente (US$

11 milhões) apóia: a) projetos de ajuste municipal, que

são os projetos de melhoria da gestão principalmente

fiscal dos municípios, identificados nos diagnósticos

municipais e b) cadastros imobiliários, que financia

pelo menos 10 projetos nas maiores cidades do país.

• Aperfeiçoamento do quadro institucional do se-

tor municipal. O desenvolvimento do setor (US$ 1,7

milhões) consiste no desenho e implantação de me-

didas estratégicas para o desenvolvimento da gestão

municipal, enfocadas em: a) relações inter-governa-

mentais (revisão da designação de funções entre os

distintos níveis de governo, do sistema de transferên-

cias e da normativa legal existente); b) um novo quadro

para o financiamento do setor, incluindo a promoção

do financiamento privado, e c) gestão fiscal que apóia

o Ministério da Fazenda na constituição e manutenção

de bases de dados atualizados sobre finanças e a re-

alização de qualificações periódicas de risco para os

municípios, contratando firmas privadas.

CONCLUSÕES: ASPECTOS RELEVANTES DO CASO

A experiência da Bolívia permite tirar algumas conclusões

sobre aspectos importantes das políticas e instrumentos

referentes às relações inter-governamentais.

Descentralização e as relações fiscais inter-gover-

namentais. Os progressos no processo de descentrali-

zação permitiram que a Bolívia melhorasse: as finanças

municipais, o controle do nível de endividamento local, a

redefinição dos esquemas de transferência para os municí-

pios, a transparência e coerência nas prioridades nacionais

e locais.

Relação entre fundos de crédito e fundos de doação.

O caso da Bolívia sugere que é possível e desejável que haja

uma coordenação entre as funções de doação e crédito

local. A unificação das instâncias de apoio municipal per-

mitiu uma melhor avaliação das necessidades individuais,

atribuindo-lhes doações ou créditos conforme as priorida-

des e capacidades de endividamento de cada município, e

que se combinaram as duas formas de financiamento local,

o que permite aproveitar melhor os recursos disponíveis e

ampliar o âmbito dos projetos.

Os FIS, como parte do sistema de transferências. O

exemplo da Bolívia ilustra uma estratégia que busca disci-

plinar o sistema de transferências, homogeneizando os cri-

térios para a concessão de subsídios por diferentes fontes

(particularmente os recursos da cooperação internacional,

que na Bolívia têm um peso muito importante), ao estabe-

lecer os critérios gerais para sua distribuição (baseado na

fórmula das NBI) e prioridades para seu investimento (os

setores do Diálogo Nacional).

Coordenação e controle dos fundos sociais. A criação

do Diretório Único de Fundos constitui uma solução inova-

dora, como forma de coordenar instituições relativamente

autônomas e fazer com que suas atividades sejam coeren-

tes entre si.

O PAI: a importância de um bom diagnóstico e

metas fiscais. A principal conclusão dessa experiência

é que a elaboração de um bom diagnóstico não é algo

extremamente complexo, que pode ser realizada por uma

pequena equipe especializada em finanças e administra-

ção municipal. Além disso, viu-se que os Planos de Ajuste

Institucional representam um instrumento muito útil para

o seguimento da despesa pública e da gestão fiscal no

âmbito local.

Boas práticas de desenvolvimento local - Bolívia

22 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

INFORMAÇÕES CHAVE DA EXPERIÊNCIA

Localização geográfica: Uganda (áreas remotas e rurais com pouca ou nenhuma infra-estrutura local)

Localização temporal: Início das atividades: Julho de 2002 Finalização das atividades: Março de 2005

Setor / âmbito de

atividades:

• Financiamento do Desenvolvimento Local• Tecnologias e Telecomunicações• Responsabilidade Social Corporativa • Erradicação da Pobreza

Organização

executora

Grupo de Micro-desenvolvimento Financeiro - Microdevelopment Finance Team (MFT): consórcio de organizações públicas e privadas, incluindo especialistas técnicos, estrategistas de negócios e líderes em micro-financiamento, que lançaram o Sistema de Transação Remota (STR) para que os serviços financeiros ficassem disponíveis a larga escala. Participaram três provedores de serviços micro-financeiros na execução do projeto:• União Micro-financeira do Uganda (UMU), sócia da ACCION International.• FINCA Uganda, o primeiro programa africano do FINCA International.• FOCCAS, sócio colaborador de Freedom from Hunger no Uganda.

Organizações

patrocinadoras e/ou

colaboradoras:

Membros Fundadores do MFT (apoio técnico e financeiro):ACCION International; FINCA International; Freedom from Hunger; Pride Africa; eChange; Bizcre-dit; Grameen Technology Center; Hewlett-Packard Company (HP)

US-AID (apoio financeiro)Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

Universidade de Stanford (apoio técnico) Desenvolvimento de um modelo financeiro para avaliar o impacto tecnológico na lucratividade de cada Instituição Micro-financeira envolvida.

Cyndeo LLC (apoio técnico)Empresa de Software que reconheceu o potencial do STR enquanto produto comercial e contri-buiu com importantes recursos para o projeto

Responsáveis e

pessoas para contato:

Sevak Soluções Corporativas (fundada pelo MFT)http://www.sevaksolutions.orgJanine Firpo [email protected] Frederick [email protected]

Orçamento total e perfil

financeiro:

Uganda Projeto PilotoContribuições financeiras aos projetos piloto:US$ 250.000 (financiamento inicial da HP a MFT)US$ 1,2 milhões (USAID para um ano piloto no Uganda)Outras contribuições para o início do projeto: HP pôs um gerente sênior à disposição para liderar o MFT.Consultores administrativos concederam US$ 900.000 em trabalho pro bono. Membros do MFT contribuíram com US$ 148.200 através de contribuições em espécie.

Análise Financeira do STRUm documento de 50 páginas oferecendo análises financeiras detalhadas de cada um dos três mo-delos de negócios pilotos (inclui folhas de cálculo e descrições textuais dos resultados) se encontra disponível na seguinte página Web (em inglês):http://www.sevaksolutions.org/resources.htm

O software livre facilitando o acesso das populações isoladas aos serviços micro-financeiros

O Sistema de Transações Remotas no Uganda

Fonte de informação sobre a experiência: http://www.sevaksolutions.org

24 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

SITUAÇÃO INICIAL, GRUPO META E FORMULAÇÃO

DAS PRIORIDADES

Desde as primeiras experiências de Muhammad Yunnus

no Bangladesh em 1976 surgiu a idéia de que os serviços

financeiros podiam ser levados aos pobres, possibilitando,

assim, o desenvolvimento pessoal, a sustentabilidade indi-

vidual e a proteção contra os prestamistas informais e ex-

ploradores, o que no transcurso de 30 anos se transformou

numa indústria multimilionária.

A indústria micro-financeira hoje se depara com desafios

referentes à escala e ao alcance. Na verdade, dos 500 mi-

lhões de clientes potenciais no mundo todo, apenas 80 mi-

lhões têm acesso aos serviços oferecidos pelas instituições

micro-financeiras (IMFs), e destes, a maior parte vive em

áreas urbanas. Sem dúvida, a indústria micro-financeira

não dispõe de meios para chegar aos que moram em áreas

rurais isoladas, como é o caso dos países africanos. Além

disso, se uma IMF tenta se tornar um membro formal da

indústria financeira, os requisitos legais e administrativos

exigidos fazem com que seja necessária uma transforma-

ção do seu modelo de negócio.

A empresa Hewlett-Packard tem participado ativamente

na busca de alternativas através das quais seus serviços e

produtos possam promover o desenvolvimento econômico

dos países mais pobres. Em agosto de 2002, a HP convocou

sete organizações públicas e privadas1, com o intuito de

“progredir na eficácia, relevância e escala do micro-finan-

ciamento”. Para implantar um projeto piloto, escolheu-se

Uganda pelo dinamismo da sua indústria micro-financeira,

a presença ativa de membros do MFT, e uma boa cober-

tura nacional de redes de GSM (Global System for Mobile

communications, em português, Sistema Global para as

comunicações Móveis). Por último, a escolha do Uganda

supunha um grande desafio pois o país conta com uma

extensa população rural de baixa densidade.

FORMULAÇÃO DE OBJETIVOS E ESTRATÉGIA

O desafio mais importante da indústria micro-financeira é

superar as deficiências nos sistemas de concessão e nos

modelos de negócios, pois há sérias dificuldades para a

prestação de produtos e serviços financeiros lucrativos que

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

respondam às necessidades dos clientes mais pobres.

A missão do MFT consistiu, portanto, em explorar até

que ponto se pode melhorar a eficácia, relevância e escala

dos serviços financeiros para os pobres urbanos e rurais do

mundo.

Os membros do MFT estabeleceram quatro medidas ten-

tando chegar a uma solução:

1. Fomentar a colaboração, a inovação e a competitividade

a nível local;

2. Apoiar o desenvolvimento de procedimentos padrões e

protocolos para recolher dados dos clientes e aumentar o

fluxo de informação;

3. Empoderar os provedores de serviços de todos os ní-

veis do sistema financeiro global, conectando clientes e

provedores financeiros de crédito procedentes tanto de

fontes formais como informais;

4. Fomentar e possibilitar soluções inovadoras para reduzir

os custos de transação, aumentar os pontos de acesso, e

ampliar o alcance dos produtos e serviços financeiros aos

Panorama do Uganda

85% da população do Uganda vive em zonas rurais e se es-

tima que só 10% da população rural têm acesso a serviços

de crédito financeiro. Esta situação restringe o crescimen-

to econômico do Uganda, limitando a taxa de investimen-

to e a criação de emprego em áreas rurais. A este respeito,

foram lançadas políticas governamentais que buscam

aproveitar de forma sustentável os serviços financeiros ru-

rais baseados no mercado – o principal objetivo dessas po-

líticas é aumentar o acesso da população rural aos serviços

financeiros. Em 2003, o Governo do Uganda regularizou a

aceitação de depósitos por parte das Instituições Micro-

Financeiras. Tal medida está baseada no quadro regulador

do setor financeiro formal, e estipula a responsabilidade

do Banco do Uganda (BOU) para conceder autorizações,

regular, supervisar e controlar as IMF na aceitação de de-

pósitos. A conseqüência prática mais importante desses

regulamentos é que as IMF devem melhorar a velocidade

e precisão dos fluxos de informação interna, entre as insti-

tuições e com seus clientes. No início do projeto, duas das

três instituições micro-financeiras que o MFT elegeu como

sócias estavam prestes a cumprir com tal regulação, e atu-

almente ambas as instituições já adquiriram esse estatuto

por parte do Banco do Uganda.

1 O consórcio estava constituído por: Accion International, Bizcredit, FINCA International, Grameen Technology Center, Freedom from Hunger, Global eChange, PRIDE AFRICA e Hewlett-Packard Company.

24 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

pobres de todo o mundo.

O MFT estipulou quatro linhas de ação para conseguir

uma maior escala através do uso das novas tecnologias:

1. Baixar os custos das operações em todos os processos cen-

trais das IMFs através da redução dos custos de transação;

2. Baixar os custos financeiros melhorando a transparência

no desempenho e os níveis de informação;

3. Aumentar os fluxos de capital para o setor, atraindo fon-

tes comerciais de financiamento;

4. Melhorar a dinâmica da indústria através da criação de

um quadro de cooperação entre IMFs.

MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS

A HP recorreu ao prestígio do seu nome para reunir um

grupo de empresas líderes que normalmente não estariam

motivadas a trabalhar num projeto comum. Os membros

do MFT foram motivados a participar pela expectativa

de conseguirem assistência técnica ou financeira, como

também pelo receio de ficarem fora de um grande projeto.

Com o passar do tempo, os membros compreenderam que

a colaboração com a HP lhes proporcionou credibilidade e

reconhecimento, bem como novos conhecimentos empre-

sariais.

O financiamento do MFT, em maio de 2003, se estruturou

da seguinte maneira:

• HP atribuiu US$ 250.000 em contribuição financeira

direta ao consórcio;

• HP pôs um gerente sênior à disposição para liderar o

MFT;

• Os consultores administrativos concederam US$ 900.000

em trabalho pro bono;

• Os membros do MFT deram US$ 148.200 através de

contribuições em espécie.

No final de 2003, a USAID atribuiu US$ 1,2 milhões para a

implementação do projeto no Uganda.

Para assegurar-se de que o tempo e os fundos fossem

utilizados de forma eficaz, antes de lançar o projeto piloto

em janeiro de 2004, o MFT realizou um trabalho prepara-

tório durante três meses. Uma equipe local implementou e

dirigiu o projeto piloto, do qual três IMFs ugandenses acei-

taram participar:

• União Micro-financeira do Uganda (UMU), sócia da AC-

CION International; uma instituição micro-financeira

fundada em 1997, que oferece empréstimos que variam

de US$ 25 a US$ 25.000 a clientes de todo o país. Ao

contrário de outras IMFs, os fundadores da UMU sempre

consideraram o micro-financiamento um empreendi-

mento comercial com fins sociais.

• FINCA Uganda, o primeiro programa africano do FINCA

International abriu suas portas em 1992 e desde então

cresceu até chegar a atender cerca de 50.000 clientes

com empréstimos de US$ 215 (em média). FINCA Uganda

está entre os primeiros programas piloto de transforma-

ção do FINCA, alterando o seu estatuto institucional de

organização não governamental a instituição financeira

credenciada e regulamentada.

• FOCCAS é o sócio colaborador do Freedom from Hunger

(Livre da Fome) no Uganda e atende aproximadamente

15.000 clientes rurais através do seu modelo de emprés-

timo grupal.

Cada uma dessas instituições utilizou a tecnologia inova-

dora do STR de acordo com suas necessidades e em circuns-

tâncias bem diversas. Implementar esta tecnologia em três

diferentes modelos de negócio agregou complexidade ao pro-

jeto piloto, por mais que a comparação de resultados tenha

revelado pontos importantes da missão original do MFT.

A fase piloto terminou dia 31 de março de 2005. Alguns

membros do MFT continuam trabalhando com suas insti-

tuições micro-financeiras para ajudá-las a crescer e a con-

quistar uma maior escala nos seus negócios.

VARIÁVEIS DO PROCESSO: METODOLOGIA

ADOTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS

A tecnologia desenvolvida e aplicada no Uganda é chama-

da Sistema de Transações Remotas (STR), baseada no uso

de aparelhos móveis que podem ser conectados através de

redes GSM de celulares (a cobertura da rede GSM é muito

elevada no Uganda a nível nacional). Juntamente com a uti-

lização de Cartões Inteligentes (Smart Cards) distribuídos

entre os clientes e provedores micro-financeiros, o sistema

permite que os agentes das IMFs recolham os dados essen-

ciais no terreno, transferindo-os, depois, diretamente para

os sistemas informáticos da administração financeira.

Para conseguir um maior impacto a maior escala, o STR

precisa baixar os custos, aumentar o fluxo de capitais, e

26 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

facilitar a cooperação. A “espinha dorsal do processamen-

to de dados” – composta por três módulos – é o elemento

central da solução STR:

• Módulo 1: Processos iniciais. Desembolso/aceitação

de dinheiro e recolha dos dados do cliente diretamente

no terreno. Na maioria das IMFs, essas atividades são

realizadas no papel, e o erro humano aumenta enor-

memente à grande escala.

• Módulo 2: Serviços finais das agências e da sede

central. Um Sistema de Gestão da Informação (SGI) da

IMF permite obter os dados do cliente automaticamen-

te através da sua conta.

• Módulo 3: Relatórios padrão e informação com-

partilhada. Um software que vincula o fluxo de dados

do SGI da IMF a outros sistemas financeiros, tais como

switches centrais, bancos, escritórios de referência de

crédito e, em última instância, a mercados de capitais.

Inicialmente, o MFT se centrou nos Módulos 1 e 2, am-

bos atualmente operativos. Entretanto, o STR foi elaborado

visando o Módulo 3, prevendo um sistema no qual os clien-

tes das IMFs pudessem acessar serviços financeiros desde

qualquer lugar do Uganda, conectando-se a um sistema

de gestão de dados que transmite a informação a outros

atores da indústria.

As diferenças de tamanho e modus operandi para cada

IMF permitiu que o MFT avaliasse o valor do STR em com-

paração com uma ampla variedade de práticas atualmente

em vigência na indústria do micro-financiamento, incluin-

do clientes individuais, grupais e regionais.

Dos três modelos implantados no Uganda, dois deles ofe-

receram os resultados mais satisfatórios2:

Modelo de Campo (Agente Interno) (analisado pelo

FOCCAS)

FOCCAS concede empréstimos grupais e estava interessa-

da em recolher dados de cada cliente de forma individual

para melhor compreender os seus hábitos financeiros.

Cada grupo que solicitava um empréstimo era constituído

por 25 - 35 pessoas, e o STR potencialmente podia prover

uma solução coordenada e rentável para essa transição do

rastreamento de dados.

O projeto piloto foi implantado em setembro de 2004 com

sete grupos de prestatários que conformavam um total de

220 clientes. Todos eles receberam Cartões Inteligentes

que guardavam o histórico financeiro de cada indivíduo em

cada grupo de empréstimo. Os agentes de crédito levavam

terminais de PDV a cada reunião grupal para captar as

transações financeiras individuais. Depois das reuniões,

os Agentes de Crédito adicionavam os dados financeiros

armazenados no terminal de PDV, enviando os dados ao

servidor do STR e ao sistema de administração de informa-

ção. Durante a fase piloto, aproximadamente 100 transa-

ções foram captadas e enviadas semanalmente.

Inicialmente, quando o PDV foi introduzido nas reuniões

grupais, a recolha de dados se tornou numa tarefa a mais

que alongava muito as reuniões. Além disso, a equipe do

departamento contábil administrava inputs constantes no

STR que tinham de ser enviados diariamente. Desta forma,

a instituição micro-financeira teve que mudar seus proces-

O STR foi elaborado em resposta às necessidades mi-cro-financeiras dos clientes que moram em áreas rurais, introduzindo um quadro de transação de baixo custo que transmite informação desde as áreas onde a eletricidade e/ou conectividade são reduzidas. Os componentes do hardware do STR incluem: • Um aparelho de ponto de venda (PDV) composto por:

– Leitor do Cartão Inteligente para identificar os clientes e agentes

– Teclado numérico para permitir os pedidos de transa-ção

– Um aparelho com interface que requer uma alfabeti-zação mínima

– Impressora para dar recibos ao cliente e ao agente como comprovante da transação

– Bateria que dura mais de 12 horas• Capacidade de conexão através da infra-estrutura celu-

lar (GSM)• Servidor de transação que conecta ao escritório central

do MFI

A composição do STR minimiza o consumo de energia e a capacidade de armazenar transações na máquina de PDV. Um canal de comunicação vincula um servidor central ao sistema do escritório central da instituição micro-financei-ra. O departamento contábil das IMF utiliza uma interface de Internet para visualizar o histórico das transações e administrar as contas dos seus clientes.

O SRT permite que os titulares do Cartão possam realizar pa-gamentos de empréstimos, depósitos na poupança, saques e transferências de fundos, bem como consultar a movi-mentação da conta. Num futuro, os usuários poderão pagar contas e até mesmo transferir fundos a outros indivíduos.

2 Para uma descrição completa dos três modelos testados no Uganda, por favor, consulte: http://www.sevaksolutions.org.

26 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

sos administrativos, caso contrário, a integração da nova

tecnologia teria aumentado o custo e a complexidade dos

processos, em vez de os reduzir.

Modelo Comercial (Agente Externo) (analisado pela

UMU)

A UMU desenvolveu sua fase piloto em janeiro de 2005

através da participação de dois comerciantes (gerentes de

postos de gasolina) que funcionaram como agentes exter-

nos. Cada agente recebeu um terminal PDV. Os Cartões

Inteligentes foram emitidos para 400 clientes já existentes

(prestatários individuais) que podiam realizar trâmites

bancários nos postos dos dois agentes externos em vez

de se deslocarem até às sucursais da micro-financeira que

estavam mais longe.

O software do PDV, desenvolvido para o modelo co-

mercial, difere da aplicação executada nos terminais de

PDV do modelo no terreno, pois inclui a possibilidade de

cobrar taxas de transações aos clientes pelo uso do agen-

te externo. Foram agregados vários itens de segurança

para mitigar os altos riscos aos quais as instituições que

usavam o modelo comercial estavam expostas, como por

exemplo, o número limitado de extrações por cliente e uma

quantidade mínima que tanto os agentes como os clientes

deviam manter nas suas caixas de poupança. Durante a

fase piloto, os agentes levaram a cabo umas 25 transa-

ções financeiras por semana. No final do projeto piloto, os

volumes de transação foram aumentando porque a micro-

financeira tinha aprendido mais acerca do comportamento

dos usuários durante o processo e estava tomando deci-

sões baseadas numa melhor informação acerca da locali-

zação dos agentes, a distribuição do cartão e a educação

do consumidor.

RESULTADOS ALCANÇADOS

O STR elimina a necessidade de preparar, redigir e trans-

ferir relatórios à mão, reduzindo os custos das operações

rurais. Para além disso, a recolha eletrônica de dados au-

menta a confiança do cliente nas IMFs, reduzindo também

o risco de fraude. Além disso, se o STR fosse utilizado por

todo o setor micro-financeiro, as sinergias geográficas e

financeiras latentes poderiam ser aproveitadas entre diver-

sas instituições.

Resultados do Modelo no Terreno (Agente Interno)

A análise financeira deste modelo mostrou benefícios po-

sitivos, apesar de nenhum Retorno sobre o Investimento

(ROI)3, já que o ROI é medido apenas a partir de uma pers-

pectiva quantitativa. Não obstante, os benefícios potenciais

parecem ser suficientemente significativos para justificar o

investimento de capital realizado pelas IMFs que têm planos

de seguir as transações de cada usuário, buscar alguma

forma de produto financeiro individual, ou vincular-se a ou-

tras instituições financeiras. Entre os benefícios observados

estão: uma maior confiabilidade dos dados recolhidos, me-

lhor compreensão do comportamento do usuário, especial-

mente do seu histórico de crédito e poupança, e aumento da

transparência na carteira de empréstimos da instituição.

Resultados do Modelo Comercial (Agente Externo)

A análise financeira mostra que este modelo oferece va-

lores positivos a todos os participantes na cadeia de va-

lores: agentes, IMFs e consumidores. Os consumidores já

existentes são atendidos com maior eficiência e com um

custo menor, enquanto que os novos podem ser detectados

através de uma crescente rede de agentes comerciais (ex-

ternos). Finalmente, pode-se oferecer uma maior varieda-

de de serviços financeiros mediante os equipamentos PDV,

aumentando, desta forma, a flexibilidade e a oportunidade

para os clientes.

O ROI para esta IMF depende do modelo de lucros utiliza-

do para compensar os agentes externos. Quando o modelo

recorreu à maximização do lucro para a instituição mi-

cro-financeira (por exemplo, cobrando aproximadamente

US$ 0,60 do cliente por transação, dividindo a taxa entre

os agentes, e fazendo com que os agentes pagassem pe-

los custos de comunicação), foi necessário que cerca de

12.700 clientes utilizassem o STR para gerar lucros para a

instituição financeira. Entretanto, este modelo pode limitar

a quantidade de agentes externos dispostos a oferecerem

seus serviços, pelo menos no início.

LIÇÕES APRENDIDAS E SUSTENTABILIDADE DO

PROJETO

Esta experiência permitiu, graças às aplicações inovadoras

da tecnologia, abordar questões de escala, alcance, sustenta-

bilidade financeira e responsabilidade. No geral, observou-se

3 O Retorno sobre o Investimento (ROI) é uma estimativa do lucro (o “retorno”) sobre o dinheiro gasto (o “investimento”) com uma alterna-tiva em particular, e consiste em determinar os lucros, calcular os custos e resumir os resultados.

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

28 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

que, para favorecer o crescimento da indústria micro-finan-

ceira, o desenvolvimento de novos modelos de negócio é tão

importante quanto a aplicação das novas tecnologias.

O projeto piloto gerou ensinamentos importantes acerca

da criação de soluções tecnológicas e sua aplicação em pa-

íses em desenvolvimento, e permitiu analisar até que ponto

a tecnologia pode ajudar (ou não) a aumentar a escala do

micro-financiamento:

• A melhoria do processo empresarial é tão impor-

tante quanto a inovação tecnológica

Aplicar uma nova tecnologia a processos existentes, sem

analisar previamente o procedimento, pode elevar o custo

e a complexidade do negócio em vez de os diminuir. Tal

efeito pôde ser observado no projeto piloto quando uma

das instituições optou por não realizar mudanças organi-

zacionais complementares enquanto o STR era adicionado

aos procedimentos e práticas existentes. A análise finan-

ceira dessa aplicação mostrou que a incorporação do STR

gerou escassos benefícios para os consumidores, pouco

valor agregado para os agentes internos, e um aumento

real do custo para a instituição micro-financeira que o es-

tava a implementar.

• As implantações tecnológicas inovadoras reque-

rem liderança e responsabilidade administrativa

em toda a organização

As equipes diretivas das três instituições percebiam a

utilização da tecnologia exclusivamente como uma “tarefa

informática”, enquanto que o sucesso da integração requer

uma equipe interna formada por representantes de todas

as unidades operacionais, liderada por um gerente de pro-

jeto altamente qualificado que possa sintetizar informação,

ações e resultados para toda a organização.

A incorporação de uma nova tecnologia deveria ser

vista como um motor de mudança que deve impactar em

todos os aspectos da empresa. A direção deve reconhecer

e perceber as implicâncias que extrapolam os aspectos or-

ganizacionais, sobretudo se a tecnologia cumpre um papel

fundamental no ROI, já que a tecnologia não só afeta os

sistemas de informação, mas também os funcionários, a

cultura, a estrutura e os processos de toda a organização.

• Para que uma MFI atinja níveis industriais é ne-

cessária uma padronização, uma infra-estrutura

compartilhada e competitividade

As organizações que não estão interessadas em compar-

tilhar informação, padrões ou soluções não podem atingir

a larga escala, já que é pouco provável que permitam a

evolução de um sistema financeiro fluído se que possa

expandir, vinculando, ao mesmo tempo, uma ampla va-

riedade de atores. Inclusive no mundo industrializado, o

setor financeiro só alcançou nível de escala e envergadura

significativos quando os seus atores financeiros concorda-

ram em combinar diversos padrões que permitiam que a

informação passasse de um sistema a outro.

TRANSFERIBILIDADE

Considerando os resultados e as lições aprendidas do STR

Uganda, outras comunidades locais podem beneficiar desta

iniciativa, levando em conta que as necessidades tecnoló-

gicas dos mercados emergentes não podem ser satisfeitas

simplesmente através da importação de soluções tecnoló-

gicas do mundo desenvolvido. A equipe que desenvolveu o

STR procurou um equilíbrio entre os produtos comercial-

mente disponíveis, a inovação e a infra-estrutura existente.

O STR utilizou um equipamento de hardware comer-

cialmente disponível que mostrou resultados satisfatórios,

mesmo que não ótimos, isto por diferentes razões: é difícil

ler a tela sob a luz direta do sol; a impressora usa papel

térmico que se descolora em poucos meses; o aparelho é

sensível a condições meteorológicas extremas e ao pó; etc.

Igualmente, a escala seria mais viável se o equipamento de

PDV tivesse um preço mais baixo. Portanto, os membros da

equipe do STR acreditam que existe uma oportunidade para

desenhar e construir um equipamento de hardware mais

adequado que possa resistir aos desafios físicos de operar

em áreas rurais remotas de países em desenvolvimento.

O software piloto foi desenhado e desenvolvido especi-

ficamente para as condições presentes no Uganda. Como

a maioria das IMFs não podem arcar com soluções caras,

tal software foi otimizado para manter um baixo custo. A

estrutura de custo considerou não só o software, mas tam-

bém os requerimentos de hardware e suporte técnico. Em

vez de oferecerem uma variedade de possibilidades, crité-

rio comum de desenho nos mercados desenvolvidos, o STR

foi eleito pela flexibilidade oferecida ao usuário final em

termos de flexibilidade, velocidade e preparação mínima,

fatores importantes no contexto ugandense.

Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda

28 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

O desenvolvimento local responde a uma visão

rotundamente diversa do “modelo” desenvolvi-

mentista que prevaleceu em inúmeros lugares do

planeta durante várias décadas do século passado, até que

a crise da década de 70 o pôs em dúvida, emanando pau-

latinamente uma concepção “pós-crise” na qual se insere

o desenvolvimento local e que, com o passar do tempo, se

sobrepôs a esse modelo “pré-crise”.

As próximas epígrafes servirão para marcar as diferen-

ças existentes entre as visões “pré-crise” e “pós-crise”,

enquanto se examinam as principais características, obje-

tivos e logros das boas práticas descritas nestas páginas.

Não é à toa que as três aproveitam essa mudança de visão

e realçam os sinais de identidade da concepção “pós-cri-

se”, com a descentralização, a conseguinte potencialização

da esfera local, a participação cidadã e a sustentabilidade

meio-ambiental e social do desenvolvimento como eixos

prioritários.

Cuartel Quinto (Argentina)

Nos países em vias de desenvolvimento (às vezes também

em regiões específicas de nações desenvolvidas) não é

raro encontrar territórios com importantes recursos en-

dógenos que são pouco usufruídos por grande parte da

população, essencialmente a de menor nível sócio-eco-

nômico.

Neste caso prático, o recurso em questão é o gás na-

tural, bem do qual a Argentina é produtor, mas ao qual

muitos dos seus habitantes não podem aceder, seja porque

as redes de distribuição não chegam aos bairros e áreas

de inferior nível de renda ou porque, se o fazem, os custos

de conexão e conversão domiciliar do serviço são dema-

siado elevados. Por isso, inúmeras famílias são forçadas a

utilizar combustíveis alternativos no seu cotidiano, como

o gás líquido do petróleo, que resultam ser bastante mais

caros. Gera-se, assim, uma flagrante contradição: os es-

tratos mais desfavorecidos da sociedade consomem com-

bustíveis substitutivos mais caros, mais contaminadores e

que, inclusive, esbarram com problemas de provisão por

não serem tão abundantes no território.

Diante disso, e apesar das inegáveis dificuldades, a ex-

periência de Cuartel Quinto (uma população com 20.000

habitantes e 4.103 famílias, localizada na província argen-

tina de Buenos Aires), demonstra que a coletividade local

pode reagir e pôr em andamento atividades que propiciem

o acesso das camadas de menor capacidade econômica ao

recurso em questão (neste caso, o gás natural). Isso pode

ser feito através de um modelo de gestão construído sobre

fatores que constituem uma interessante estratégia de

Boas práticas, boas políticasAs experiências concretas como dinamizadoras da mudança

Emilio Carrillo Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na Universidade de SevilhaVice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha

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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

desenvolvimento local que abrange âmbitos tão centrais

como o das infra-estruturas para o desenvolvimento, a

participação cidadã, o financiamento do processo de de-

senvolvimento e os serviços sociais e de saúde integrados.

Tudo isso, com o trabalho dos moradores e organizações

de base no que se refere à difusão, adesão, compromissos

de pagamento, supervisão das contratações e desenvolvi-

mento e comercialização das obras de construção de redes

de gás natural em cinco bairros da localidade.

Concentrando-nos nos aspectos estritamente finan-

ceiros desta iniciativa, convém destacar a utilização da

assinatura de Fideicomissos, uma ferramenta que permite

a administração de recursos econômicos, dirigindo-os a

um objetivo determinado (sem poder ser utilizado para

outra finalidade, nem ser embargados por terceiros) para

financiar a construção de uma infra-estrutura básica.

Nesse sentido, em Cuartel Quinto os direitos e obrigações

de cada um dos agentes envolvidos no projeto (organiza-

ções promotoras, associações de moradores, entidades

financeiras, companhia de gás, empresas construtoras,

etc.) são determinados mediante a assinatura desses do-

cumentos. Depois de subscritos, os moradores se juntam a

eles através de Convênios de Adesão, pelos quais se com-

prometem ao pagamento da obra através do mecanismo

de pro-rata (obviamente, quanto maior for o número de

aderentes menor será o custo arcado por cada um, o que

estimula a captação de novos sócios).

O modelo de financiamento do projeto prevê, por sua vez,

dois instrumentos bem articulados e inter-relacionados: o

fundo de garantia e o micro-crédito individual. O primeiro

cobre, de forma partilhada, eventuais inadimplências das

obrigações de pagamento do crédito. O custo total da obra

por unidade domiciliar, incluindo um excedente destinado

ao fundo de garantia, é financiado mediante micro-crédi-

tos individualizados às famílias.

Para além disso, a iniciativa se completa com o apoio

financeiro do FONCAP, uma sociedade anônima cuja finali-

dade central é a administração de fundos fiduciários e cujo

capital social se encontra repartido entre o setor privado

(com 51%) e o Estado (com 49%).

A transparência dos procedimentos utilizados para es-

tender a rede de gás natural aos 202 quarteirões de domi-

cílios da região é outro dos elementos que mais chamam

a atenção desta iniciativa. Assim, torna-se num essencial

cumprimento dos requisitos exigidos para o início das

obras nos quarteirões (adesão formal de pelo menos 70%

das famílias) e para a prestação de contas aos moradores

(realizada trimestralmente através de uma Comissão de

Controle de Prestações de Contas), instrumentos que ge-

ram confiança entre os cidadãos, ajudando-os a adquirir

novos conhecimentos e capacidades, transformando-os

nos verdadeiros protagonistas do projeto e não só meros

receptores de recursos financeiros ou materiais.

Por tudo isso, e retomando o que foi mencionado na

introdução, a atual experiência abdica de vários sinais de

identidade do citado “modelo pré-crise”:

• Era totalmente centrífugo na origem e destino, pois se

apoiava em tecnologias pouco difusoras e carecia da

flexibilidade necessária para adaptar-se às variações

do contexto. Isso, juntamente com outras importantes

rigidezes do sistema então vigente, influiu na gênese e

posterior extensão da mesma crise.

• O exógeno predominava, ou seja, a procura desen-

freada de investimentos externos, às vezes alheios à

idiossincrasia econômica do lugar.

• Em relação direta com o anterior, o interesse prioritá-

rio residia no impulso de grandes projetos consideran-

do que o âmbito imediato do território indiretamente

se beneficiaria das consequências positivas.

Pelo contrário, o caso de Cuartel Quinto assume direta-

mente um conjunto de pontos chave da mencionada visão

“pós-crise” do desenvolvimento:

• Potencializa decididamente o endógeno, valorizando

a consideração e o aproveitamento das vantagens

comparativas da região.

• Porém, não exclui o exógeno, mas torna-o complemen-

tar do endógeno, sem tirar deste a posição privilegiada

na escala de valores do fomento sócio-econômico.

• Encontra sua base num desenvolvimento especial-

mente articulado, integrado por atuações setoriais

diversas e propulsoras de tecnologias preferentemente

difusas.

• Aposta intensamente na micro, pequena e média

empresa, que passa a ser considerada o pilar do de-

senvolvimento, da criação de postos de trabalho e da

30 número 2, 2005 - @local.glob

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

[email protected] - número 2, 2005

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

inovação tecnológica. Além disso, apoia a economia

social, introduzindo-lhe novos elementos de viabilida-

de, rentabilidade, racionalidade e gestão empresarial.

São esses parâmetros que o caso de Cuartel Quinto

valoriza de maneira imaginativa, com um projeto que con-

tribui para uma gestão social, integral e local, ostentando

como prioridade o acesso das camadas sócio-economica-

mente desfavorecidas a uma infra-estrutura básica. Por

sua vez, isso é desenvolvido com o valor agregado do tra-

balho participativo dos moradores e comunidades de base,

a incorporação de novos mecanismos de gestão técnica e

financeira e a criação de emprego para comunidade atra-

vés do aproveitamento em rede de um recurso endógeno

do território.

Governos locais e programas sociais na Bolívia

Para começar a análise deste caso, deve-se retornar ao

“modelo pré-crise” e acrescentar às suas características

básicas mencionadas na parte anterior outras quatro que

ficaram guardadas:

• Sua concepção da localização industrial encontrava

apoio nos pólos de desenvolvimento, desde a fir-

me convicção no efeito multiplicador das grandes

concentrações industriais - como quem joga uma

pegra na água e espera que os círculos concêntricos

gerados pelo choque se propaguem aos poucos pela

totalidade da superfície -, em detrimento de uma vi-

são espacial menos intensiva e mais diversificada e

equilibrada.

• Uma concepção do planejamento claramente segrega-

cionista, que tomava corpo na marginação dos objeti-

vos de articulação espacial e na valorização exclusiva

de parâmetros setoriais e funcionais.

• Uma orientação centralista na atitude dos agentes so-

ciais, públicos e privados, de modo que qualquer ação

no âmbito local obedecia ora à mera descentralização

de atividades motoras principais, ora à implantação de

sub-setores de escasso potencial.

• E, por último, existia uma ignorância dos limites eco-

lógicos do crescimento econômico, que se manifestava

na despreocupação pela possível degradação da natu-

reza e na inconsciência acerca do caráter limitado dos

recursos naturais.

Esta última característica e a resposta a suas carências,

dada a partir do desenvolvimento local, foi objeto de aná-

lise nas experiências práticas de Thies e Kaolack (Senegal)

e Ouagadougou (Burkina Faso), compiladas e avaliadas no

número 1 desta revista.

Enquanto as três primeiras conformam uma visão muito

centralista do desenvolvimento e contra ela se reage com

vigor e inteligência a partir do desenvolvimento local, tal

como mostra o caso da Bolívia sobre o qual nos ocupare-

mos aqui.

Especificamente, a experiência boliviana mostra uma

nova maneira de fazer e entender o desenvolvimento com

base nas opções a favor da descentralização e da potencia-

lização do papel sócio-econômico dos órgãos territoriais

de menor entidade, sobretudo locais, acentuando dois per-

fis essenciais da visão “pós-crise” do desenvolvimento até

agora não mencionados:

• Estabelece um planejamento equilibrado e solidário

inter e intra-territorialmente, dando lugar ao uso de

instrumentos de promoção ligados à realidade socioe-

conômica do âmbito espacial em questão.

• Fornece uma clara visão descentralizada a partir da

qual se propugna e materializa a aptidão do setor local

para a promoção socioeconômica e, em consonância,

a dotação do mesmo com as incumbências e os meios

técnicos e financeiros precisos.

Concretamente, o caso prático sublinha a necessidade da

descentralização territorial e administrativa para enfren-

tar as demandas e requerimentos dos cidadãos; fomenta

o papel dos governos locais nos denominados fundos de

investimento social; e, coincidindo colateralmente com a

experiência argentina do ponto anterior, promove novos

programas de financiamento local.

Aprofundando este último aspecto, o caso da Bolívia

ilustra como avançar simultaneamente em três aspectos

relevantes e complementares do financiamento dos gover-

nos locais: reforço das finanças municipais, orientado ao

incremento do investimento público e a melhoria dos servi-

ços locais; implantação de mecanismos de disciplina fiscal

e de controle da dívida local no contexto de um programa

de combate à pobreza; e redefinição do esquema de trans-

32 número 2, 2005 - @local.glob

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

[email protected] - número 2, 2005

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

ferências de fundos nacionais e internacionais aos municí-

pios, canalizando o esforço do investidor local em direção

a um conjunto de setores específicos de forma coordenada

com as grandes prioridades do âmbito nacional.

De fato, a realização de diagnósticos financeiros institu-

cionais (PAI) para os 312 municípios do país e a unificação

dos guichês de apoio municipal permitiram uma melhor

avaliação das necessidades de cada localidade, atribuindo

doações ou créditos de acordo com as suas prioridades e

capacidades de endividamento.

Além disso, a homogeneização dos critérios para a dis-

tribuição dos fundos (particularmente dos fundos oriundos

de doadores internacionais), o estabelecimento de priori-

dades para seu investimento e a criação de uma oficina

(DUF) para a coordenação e controle dos fundos destina-

dos aos governos locais permitiram ao governo central

melhorar a contabilidade desses fundos, conhecer melhor

as contribuições realizadas aos municípios anualmente e

estabelecer indicadores de impacto social e urbano dos

investimentos.

Igualmente, a experiência boliviana deixa clara a rela-

ção de complementariedade existente entre as funções de

doação e crédito local, constituindo um bom exemplo de

como organizar e disciplinar o sistema de transferências

dos governos centrais aos governos locais em países em

desenvolvimento com processos de descentralização em

andamento.

Com base em tudo isso, convém realizar algumas refle-

xões acerca do financiamento das estratégias de desenvol-

vimento local baseadas no “Segundo Relatório sobre as

iniciativas locais de desenvolvimento e emprego (ILDE)”

da Comissão Européia1. Antes de mais nada, nele se esti-

ma o investimento realizado antes do começo da atividade

enquanto condição primordial para garantir a qualidade

dos serviços e a profissionalização dos postos de trabalho

criados. Enfatiza-se o fato de que tal investimento permiti-

rá, desta forma, que a iniciativa prescinda da colaboração

institucional local exclusiva para basear-se num apoio

local mais amplo. A partir disso, é essencial não perder de

vista uma série de investimentos imateriais iniciais, como

os seguintes:

• o tempo que os promotores devem dedicar à constru-

ção do projeto,

• a formação e o acompanhamento metodológico e

• a realização de estudos específicos para a criação da

atividade.

Depois do prazo de concepção, as iniciativas locais fre-

qüentemente passam por um período difícil de desenvolvi-

mento, pois devem, então, enfrentar-se a um desequilíbrio

entre custos e produtos. Além do mais, elas possuem suas

necessidades de financiamento diferentes: devem mobili-

zar fundos para realizar investimentos materiais cuja im-

portância varia conforme o tipo de atividade. Geralmente

isso faz com que os promotores se dirijam a outros inter-

locutores públicos, a redes de financiamento solidário ou,

com menor freqüência, às instituições bancárias.

Microfinanciamento do desenvolvimento no Uganda

Este caso apresenta o projeto levado a cabo no Uganda

por um consórcio público-privado dirigido à implantação

de instrumentos tecnológicos novos para os prestadores

de serviços microfinanceiros com o intuito de colocar o

acesso ao crédito ao serviço de pessoas com escassa capa-

cidade econômica e baixos níveis de formação.

A organização foi constituída para aproveitar as lições

extraídas de um programa piloto previamente realizado,

bem como da tecnologia testada e aprovada em âmbitos

estratégicos da indústria. Com essas bases surgiu o Sevak

Solutions como uma entidade sem fins lucrativos capaz de

prover uma versão “open-source” do denominado Sistema

de Transações Remotas (STR) à industria microfinanceira.

Essa é uma solução disponível para os que utilizam sof-

tware sem o pagamento de licenças, tornando factível o

uso de uma tecnologia sofisticada por parte dos setores

microfinanceiros e, conseqüentemente, uma maior eficácia

na prestação de serviços financeiros às comunidades ru-

rais isoladas e com baixa renda.

Com a liderança inicial da companhia Hewlett-Packard,

elaborou-se a idéia de aplicar a tecnologia STR que o sis-

tema bancário convencional utiliza à indústria microfinan-

ceira – um setor com 500 milhões de potenciais clientes, na

sua maioria em núcleos urbanos –, de modo a chegar até

1 Disponível em: http://europa.eu.int/comm/regional_policy/innovation/innovating/pacts/down/avr98/ilde2-es.pdf.

32 número 2, 2005 - @local.glob

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

[email protected] - número 2, 2005

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

moradores de áreas remotas e reduzir sensivelmente seus

altos custos operativos.

O Uganda foi escolhido como a localização mais idônea

para o projeto piloto devido à dinâmica do campo micro-

financeiro no país, a presença de sócios membros do MFT

(consórcio de organizações públicas e privadas criado

com a finalidade de estudar a viabilidade de utilizar a larga

escala na indústria microfinanceira) e a elevada cobertura

nacional de redes de telefones móveis GSM. Além disso, a

extensa população rural do Uganda e a baixa densidade

populacional faziam desse país um lugar apropriado para

testar a nova tecnologia. Esta, em definitiva, baseia-se,

por um lado, no uso de aparelhos de telefonia móvel mui-

to potentes, capazes de comunicar através de redes GSM,

e, por outro, no uso de cartões inteligentes por parte dos

clientes e agentes microfinanceiros. O sistema permite

que seus usuários recolham dados financeiros essenciais

e os transmitam diretamente aos sistemas informáticos

de administração financeira.

Vale a pena sublinhar duas lições que os responsáveis

por essa iniciativa aprenderam:

• Incorporar uma nova tecnologia sobre processos pre-

viamente existentes, sem repensar tais procedimentos,

pode aumentar os custos e a complexidade do negócio

em vez de os diminuir.

Isso aconteceu em um dos testes realizados no Uganda:

a incorporação do STR gerou escassos beneficios aos con-

sumidores, pouco valor agregado aos agentes internos e

um aumento real do custo para uma das três instituições

microfinanceiras que o estavam implantando, já que ela

não desenvolveu, paralelamente, nenhuma mudança ad-

ministrativa complementar no seu modelo de negócio. A

incorporação de uma nova tecnologia provoca impactos

em todos os aspectos do negócio e afeta não só os sis-

temas de informação, mas também os funcionários e a

cultura, estrutura e processos de toda a organização.

• A busca de economias de escala através da aplicação

de novas tecnologias requer organizações interessa-

das em compartilhar informação, padrões ou soluções,

vinculando uma ampla gama de atores; e também que

os novos dispositivos se adaptem às condições de uso

locais.

Nesse contexto e, obviamente, com suas próprias sin-

gularidades, esta experiência apresenta indudáveis se-

melhanças em termos de objetivos e metodologia com a

West Godovari District (Índia) avaliada no número 1 desta

revista. Assim, o caso da Uganda, como o da Índia, mos-

tra como, para impulsionar as tecnologias, é indispensá-

vel fomentar a incorporação dos instrumentos operativos

-hardware e software- à sociedade e à trama econômico-

empresarial nos quais ela se baseia. É importante, porém,

não esquecer que com isso não se soluciona tudo e que

para progredir em direção a esse objetivo e introduzir o

território na sociedade da informação e conhecimento,

as estratégias de desenvolvimento local devem somar-se

aos esforços de incorporação das tecnologias centrados

em:

• alfabetizar tecnologicamente a população, com o

intuito de que as novas tecnologias sejam utilizadas

massivamente por empresas e cidadãos e propiciar

uma verdadeira distribuição social do conhecimento,

evitando, ao mesmo tempo, novas dualidades e segre-

gações sociais;

• conseguir que as tecnologias prestem serviços capazes

de tornar a nossa vida mais simples, pois só assim elas

serão amplamente utilizadas; essa tarefa corresponde

tanto às empresas privadas - pondo seus produtos e

serviços na Internet - como às administrações públicas

- oferecendo às pessoas a possibilidade de se relacio-

narem com elas (realizar trâmites, pagar impostos,

etc.); e

• criar as condições precisas para que o território assi-

mile e se beneficie de uma nova economia que, além

de um novo setor de atividade, representa uma nova

forma de entender e fazer a economia.

O leitor do Cartão Inteligente para identificar os clientes e agentes (caso Uganda)

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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

Nessas tarefas e atividades reside a chave para atingir

dois objetivos irrenunciáveis para o desenvolvimento local

nesse campo: a alfabetização tecnológica da população e a

distribuição social do conhecimento.

A essas considerações, dados os conteúdos do caso

prático, devemos acrescentar outras relativas aos seus as-

pectos financeiros. Principalmente na avaliação dessa ex-

periência convém não esquecer que diversos relatórios de

organismos internacionais vêm destacando a necessidade

de uma colaboração positiva entre as autoridades públicas

e os organismos de crédito alternativos, que apresenta dois

âmbitos fundamentais:

• a concessão de ajudas para a criação de empresas em

âmbitos ainda novos (proteção ao meio-ambiente, ati-

vidades culturais ou serviços a domicílio) ou para cate-

gorias específicas da população (como as mulheres); e

• a formação, o acompanhamento do promotor do proje-

to e a auditoria de empresas, em colaboração com as

autoridades públicas.

De qualquer forma, deve-se levar em conta que o suces-

so das estratégias de desenvolvimento local depende enor-

memente de elementos intangíveis e não tipificáveis, aos

quais se deram atenção apropriada neste caso do Uganda:

detecção das necessidades, participação cidadã, enraiza-

mento local e capacidade criativa.

Conclusões

O crescimento econômico continua sendo um objetivo

prioritário nas estratégias de desenvolvimento local. Por

isso, possibilita a criação de postos de trabalho e renda e

aumenta a base econômico-financeira sobre a qual se de-

vem melhorar tanto os serviços públicos e as prestações

sociais como o maior equilíbrio na distribuição espacial

e pessoal da riqueza (conforme o célebre “é necessário

crescer para poder repartir”). De um tempo para cá, novos

“limites éticos” se somaram aos que sempre tinham sido

impostos ao crescimento desde diversos setores - a forma-

ção de riqueza não como um fim, mas como instrumento

para a consecução de um maior bem-estar e equidade.

Assim, estão os “limites ecológicos” que nos deixam

cientes de que produzir também pode levar a destruir,

relacionando estes dois termos, e cientes também de

que nenhum sistema econômico franqueia a fronteira

ecológica sem provocar a deterioração da qualidade de

vida e o risco sério de autodestruição. Igualmente, estão

os “limites estruturais”, definidos por um novo enquadra-

mento tecnológico e econômico que faz do crescimento

uma condição necessária, mas insuficiente, para alcançar

determinadas metas, por exemplo, a redução do desem-

prego, para atingir a qual se deve, inevitavelmente, im-

plementar outras atuações complementares e mudanças

profundas de atitudes sociais e comportamentais.

Tudo isso aumenta a relevância do âmbito microeco-

nômico, sem negar a importância do macroeconômico;

vincula a economia a outros parâmetros, como o meio-

ambiente, a tecnologia, o território e sua cultura; e marca

uma tendência à descentralização do sistema produtivo,

da tomada de decisões e da própria forma de promover a

economia a partir das instâncias públicas.

Trata-se, portanto, de um desenvolvimento integral no

qual se inclui, por direito próprio, o desenvolvimento local

em geral, e as experiências práticas sobre as quais essa

análise se baseou, em particular.

O desenvolvimento integral supõe uma concepção do

desenvolvimento que, logicamente, prevê a necessidade

de crescimento econômico, mas não a qualquer preço e,

dada a consciência plena da situação, longe de o sacrali-

zar ou evitar suas limitações. A partir disso, favorece-se

a inter-relação economia - meio ambiente - cultura lo-

cal – tecnologia - território; aposta-se firmemente num

desenvolvimento sustentado; pondera a importância do

desenvolvimento social, certo de que não há eficácia

econômica sem eficácia social; e instrumenta-se meca-

nismos de descentralização, participação e concertação,

aumentando o peso das entidades públicas locais e da

sociedade civil.

Esse seria, então, um enquadramento teórico e prático

no qual as considerações efetuadas sobre os casos práti-

cos aqui avaliados se inserem e devem ser compreendi-

das.

34 número 2, 2005 - @local.glob

Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança

Entrevista

Antonio-Claret García

Presidente da CajaGRANADA e da Fundação

CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, Espanha

Presidente da Associação Internacional de Entidades

de Crédito Hipotecário e Social

@local.glob

36 número 2, 2005 - @local.glob

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

[email protected] - número 2, 2005

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

Em primeiro lugar, gostaríamos de parabenizá-lo

pela recente adesão (no mês de fevereiro de 2005)

da CajaGRANADA (que aqui também será deno-

minada somente como Caixa) ao Pacto Global das Nações

Unidas, “uma iniciativa de compromisso ético para que as

empresas de todos os países acolham, como parte integral

da sua estratégia e operações, certos princípios de conduta

e de ação em matéria de Direitos Humanos, Trabalho, Meio

Ambiente e Luta contra a Corrupção” 1. A entidade bancária

CajaGRANADA, presidida pelo senhor, desde 2003 oferece

apoio a Delnet - através da Fundação CajaGRANADA - me-

diante um fundo de bolsas para facilitar a participação das

instituições com recursos econômicos limitados no sistema

de formação, comprometendo-se, através desta iniciativa,

a procurar a conciliação dos interesses e dos processos da

atividade empresarial com os valores e demandas da socie-

dade civil, bem como com os projetos da ONU, Organizações

Internacionais setoriais, sindicatos e ONGs.

São muitas as perguntas que gostaríamos de lhe fazer,

pois foram muitas também as ações adotadas por iniciati-

va da entidade que o senhor representa e cujos resultados

podem ser observados claramente no compromisso social

que estão exercendo: a realização de ações para impulsio-

nar a economia social, como motor de desenvolvimento na

Andaluzia, a criação da Fundação La General (agora Fun-

dação CajaGRANADA) para o Desenvolvimento Solidário,

o engajamento em uma diversidade de projetos com forte

implantação no território da Andaluzia, no sul de Espanha,

a presença inequívoca da entidade na sociedade, a tomada

da liderança através da Presidência da CajaGRANADA na

Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipote-

cário e Social…

...Quando o senhor chegou à Presidência da Caja-

GRANADA, como começou a tomar forma o “projeto

social”?

Antes de chegar à Caixa eu já conhecia o sistema dos

microcréditos e as atividades do Grameen Bank, o “Banco

dos Pobres”, criado por Muhammad Yunus no Bangladesh.

Além disso, a maioria das caixas foi originalmente criada

como Montes de Piedade2, sendo que uma das suas princi-

O microcrédito, uma ferramenta para a coesão social e o desenvolvimento sustentável

Entrevista com Antonio-Claret García Presidente da CajaGRANADA e da Fundação CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, EspanhaPresidente da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social

1 Para mais informação sobre o Pacto Global das Nações Unidas podem-se consultar as seguintes páginas: http://www.pactomundial.org/ e http://www.unglobalcompact.org/Portal/Default.asp?.2 Instituições criadas pelos franciscanos na Itália no século XV, com um equivalente no Brasil, por exemplo, com um decreto assinado por D. Pedro II que criou a Caixa Econômica e o Monte de Socorro da Corte, atribuindo empréstimos às classes mais baixas tomando jóias e objetos como garantia de pagamento.

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36 número 2, 2005 - @local.glob

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

[email protected] - número 2, 2005

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

pais finalidades era prestar serviço financeiro aos grupos

que estavam excluídos do mesmo. Entendi que, no começo

do século XXI, este objetivo permanecia vigente. Ainda

em nossos dias, há setores sociais excluídos do sistema

financeiro e com graves dificuldades para conseguir uma

integração social e trabalhista.

Talvez a introdução de novos modelos de gestão, o

surgimento de novos “produtos” como o microcrédito,

exigem também uma mudança cultural profunda. O

senhor poderia nos contar quais foram os principais

obstáculos encontrados? E quais foram as principais

ferramentas que utilizou para os superar?

O principal problema foi a mentalidade financeira e a ine-

vitável busca de rentabilidade econômica por parte desta e

de qualquer outra entidade financeira. Obviamente, para po-

der desenvolver qualquer projeto social é fundamental partir

de uma Caixa sólida e rentável já que a ação social se nutre

dos benefícios da própria entidade. Assim, a Fundação para

o Desenvolvimento Solidário realiza sua atividade com o

sustento dos fundos da Obra Social da Caixa. Em definitiva,

o que estava sendo feito até agora com nossa Obra Social

era conceder subvenções de fundo perdido. Com o sistema

de microcréditos, uma mesma subvenção pode ajudar a vá-

rios projetos que, quando em funcionamento, podem manter

e multiplicar seus efeitos no tempo. Considero mais eficaz

“dar varas e ensinar a pescar, que dar diretamente o peixe”.

A figura do microcrédito, até chegar a ser entendida

tal como é nos nossos dias, foi adquirindo diversas

formas ao longo da história. Assim, as iniciativas ado-

tadas pelo pioneiro Mohammad Yunus nos anos 70,

foram abrindo caminho para outras instituições de

características similares, que de diferentes cantos do

planeta apostaram firmemente no micro-financiamen-

to. Na Cúpula sobre o Microcrédito em Washington

(fevereiro de 1997) empreendeu-se uma ambiciosa

campanha a médio prazo, que culmina neste ano de

2005, Ano Internacional do Microcrédito, centrada no

desafio de expandir a capacidade e alcance do micro-

financiamento de forma significativa.

Das conclusões que podemos tirar desses impor-

tantes acontecimentos internacionais, uma delas nos

chama particularmente a atenção, e que talvez seja o

princípio que guia o microcrédito: os mais pobres são

um “bom risco”. O senhor concorda com esta afirma-

ção?

A experiência concreta no nosso âmbito de atuação nos

mostra que, realmente, os mais pobres são um bom risco,

pois em nosso caso as taxas de devolução chegam a 95%.

Porém, independentemente disso, entendo que esta ativi-

dade é inerente às caixas de poupança espanholas, já que

como disse anteriormente, elas nasceram para prestar ser-

viço financeiro a quem não tinha acesso ao mesmo.

Nesses últimos anos, estamos assistindo a um processo

contínuo em direção ao micro-financiamento sustentável e

à criação de setores financeiros inclusivos, a nível mundial.

Na Cúpula sobre o Microcrédito em Washington, em feve-

reiro de 1997, o microcrédito passou formalmente a fazer

parte do quadro da economia mundial, apresentando-se

como uma ferramenta eficaz e um direito que contribui

para a erradicação da pobreza. O ano de 2005, Ano In-

ternacional do Microcrédito, reconhece a importância do

micro-financiamento para cumprir com os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio.

Ora, existe um amplo debate sobre a sustentabilidade

dos programas de microcrédito, particularmente nos pa-

íses em desenvolvimento. Estou plenamente convencido

da sustentabilidade dos programas da nossa Fundação a

médio prazo; o que acontece é que no modelo econômico

no qual nos movemos, busca-se a rentabilidade ou o lucro

com um risco mínimo e no menor prazo possível.

Outra das conclusões tiradas da Cúpula de Washing-

ton deixa claro que os programas de microcrédito es-

timulam a poupança e a acumulação de ativos. Desde

uma ótica dupla, como Presidente da Associação Inter-

nacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social3

e como impulsionador de uma experiência de implan-

tação de um programa de microcrédito desde a Funda-

ção CajaGRANADA para o Desenvolvimento Solidário,

3 A Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social, constituída em 28 de setembro de 1957, em Milão (Itália), é uma organização sem fins lucrativos que representa e coordena as entidades associadas que realizem atividades de crédito com garantia hipo-tecária ou de crédito social, considerado de forma abrangente, e as suas associações nacionais. Conta com personalidade jurídica própria e é regida por seus Estatutos, que foram aprovados em 24 de setembro de 2004.

38 número 2, 2005 - @local.glob

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

[email protected] - número 2, 2005

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

o senhor considera que esta equação é possível?

O microcrédito não deve jamais estar dirigido ao consu-

mo; pelo menos nos países desenvolvidos, sua finalidade

deve ser a realização de uma micro-empresa ou atividade

econômica auto-sustentável, e para que esta atividade se

sustente, é necessário que haja um mínimo de atividade

econômica. O que está claro é que uma pessoa que consiga

dar um primeiro passo com um microcrédito terá criado

uma atividade econômica sustentável, uma micro-empre-

sa, que será um ativo a mais na sociedade em que vive, pois

gerou, assim, seu próprio emprego. E se isso possibilitar a

sua integração no sistema financeiro tradicional, podere-

mos também dizer que se estimulou a poupança.

Acho que essa equação é aplicável em qualquer país,

porque o que é comum a todo tipo de sociedade, e um dos

pontos chaves do microcrédito, é que se ensina algo funda-

mental à pessoa, ou seja, confiar mais no seu esforço, cria-

tividade e trabalho, do que nas subvenções ou doações.

Por outro lado, não devemos nos esquecer que a susten-

tabilidade financeira só é alcançada a médio/longo prazo,

e para a conquistar é necessário alcançar um número sufi-

ciente de clientes, pois se trata de operações com pequenas

quantias. Segundo o Grupo Consultivo de Ajuda à População

mais Pobre do Banco Mundial (CGAP) que, por sua vez, conta

com um programa de micro-financiamento, as instituições

micro-financeiras deveriam reunir quatro condições: per-

manência, para prestar serviços financeiros a longo prazo;

escala, a fim de abranger um número suficiente de clientes;

focalização, para chegar à população pobre e, por último,

sustentabilidade financeira. No caso da nossa Fundação, es-

tas quatro condições são profundamente consideradas.

A CajaGRANADA, desde setembro de 2003, tomou

a liderança da Associação Internacional de Entidades

de Crédito Hipotecário e Social. Sabemos que entre

seus objetivos essenciais está o de motivar todas as

entidades de crédito que pertencem a essa Associa-

ção para que travem o compromisso de estimular

os programas de microcrédito existentes, bem como

impulsionar a criação de mais programas. Que atua-

ções estão sendo levadas a cabo nesse sentido? E, por

outro lado, o senhor considera que existem sinergias

favoráveis para alimentar este impulso?

No discurso de aceitação dessa nova responsabilidade,

insisti na necessidade de incorporar as entidades dedica-

das ao microcrédito e ao crédito social a esta instituição

e solicitar a que os Montes de Piedade desempenhassem

um papel mais ativo contra a exclusão financeira, buscan-

do novas fórmulas de atuação nesse campo. Juntamente

com o crédito hipotecário, deve-se abrir caminho para o

empréstimo social ou o microcrédito, para responder com

eficácia às novas demandas da sociedade. Os habitantes da

cidade de Granada e os andaluzes em general, já estão se

beneficiando desse esforço da CajaGRANADA para evitar a

exclusão financeira graças aos microcréditos com os quais

a Fundação está apoiando novos empreendedores que

criam novas micro-empresas e que superam dificuldades

econômicas com o auto-emprego.

Gostaríamos de conhecer mais profundamente a

Fundação CajaGRANADA e alguns pormenores da ges-

tão que está sendo realizada. A Fundação CajaGRA-

NADA para o Desenvolvimento Solidário nasce com

uma clara vocação de compromisso com a sociedade e

com a aspiração de converter-se num sólido referente

do “outro modo” de realizar as práticas financeiras.

O apoio que prestam pode ser visto através de vários

conceitos que foram traduzidos num fato real: o apoio

financeiro para consolidar as aspirações de muitas

pessoas que se encontravam fora dos circuitos tradi-

cionais e convencionais financeiros.

Que tipo de pessoas são atendidas prioritariamente?

Que requisitos devem cumprir? Que outras especifi-

cidades são consideradas para avaliar as solicitações

positivamente?

A Fundação procura financiar projetos de pessoas caren-

tes que tenham muita dificuldade para encontrar emprego

e que não tenham acesso ao sistema financeiro. Principal-

mente, atende mulheres com cargas familiares, imigrantes

e pessoas com mais de 45 anos. Um segundo requisito

refere-se ao caráter das pessoas: devem ser pessoas em-

preendedoras e lutadoras. Montar uma empresa (ou micro-

empresa) é um trabalho árduo e cheio de obstáculos, e se o

promotor acredita na sua idéia será muito mais fácil que o

negócio vá para frente.

Nas iniciativas empreendedoras, um dos obstáculos

principais é passar da idéia ao projeto real. Nesse sen-

tido, chegam muitas idéias aos seus escritórios que

38 número 2, 2005 - @local.glob

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

[email protected] - número 2, 2005

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

não conseguiram superar o passo seguinte na lógica

empresarial?

A maioria dos projetos apresentados à Fundação corres-

pondem a atividades bastante convencionais (comércios,

hotelaria...). As idéias mais inovadoras geralmente contam

com nosso apoio, ainda que seja mais difícil avaliar a sua

viabilidade. A Fundação financia aproximadamente 35%

dos projetos apresentados.

Os motivos mais comuns de rejeição se devem a:

• Perfis dos promotores que não cumprem com os requi-

sitos de acesso ao microcrédito;

• Projetos incompletos ou que não se ajustam às condi-

ções do microcrédito;

• Viabilidade econômica duvidosa do projeto devido à

localização geográfica do negócio, ao tipo de atividade

ou à capacitação dos promotores para a atividade.

Quando os microcréditos são aprovados e concedidos, e

salvo algumas exceções, os prazos necessários para pôr os

negócios em andamento são muito curtos.

Antes de conceder um microcrédito, avalia-se uma série

de parâmetros relativos aos projetos e aos seus promoto-

res. Os dados são obtidos através dos planos de empresa

apresentados, de várias entrevistas e de visitas aos locais

onde os promotores pretendem realizar a atividade. Com-

provamos a viabilidade dos negócios e a capacitação dos

seus promotores. Um projeto inovador apresenta mais ris-

cos devido ao desconhecimento do produto e sua possível

aceitação por parte do público. Para este tipo de projetos,

sempre consideramos positiva a contribuição de alguns

estudos de mercado realizados pelo promotor.

Concentrando-se agora sobre o microcrédito, gostarí-

amos que o senhor nos descrevesse como foi articulado

o sistema, e quais são os seus parâmetros de atuação.

Que metodologia é utilizada para a sua concessão, que

tipo de juros aplicam, prazos de devolução, índices de

inadimplência na devolução dos empréstimos, quantia

dos microcréditos, etc.?

O plano de empresa deve ser completo: contamos com

um “check-list” ou lista de dados e de comprovantes que

os solicitantes de um microcrédito devem oferecer. Além

disso, contamos com um modelo de entrevista para captar

uma série de dados sobre a idoneidade da pessoa e sua

possível capacidade de reembolso. Realiza-se um estudo

de viabilidade detalhado de cada projeto, abrangendo as-

pectos legais, financeiros, comerciais, técnicos, meio-am-

bientais, sociais…

Praticamente todos os micro-empresários optam pelo

prazo máximo de devolução do empréstimo (5 anos). O

tipo de juros é fixo e atualmente é de 4%. No caso de que se

estime que o negócio terá dificuldades para gerar recursos

durante os primeiros meses, dá-se uma carência de até 6

meses para a devolução do capital. A quantia máxima do

microcrédito chega a e 12.000 (euros). O menor micro-

crédito atribuído foi de e 2.500. A quantia média varia

ao redor de e 9.500. Sobre um total de 191 microcréditos

concedidos até hoje, temos 5% operações falidas (negócio

fechado) e 3% com algum recibo não pago.

A maioria dos projetos apresentados corresponde a ini-

ciativas individuais ou familiares. Já recebemos petições de

cooperativas sociais constituídas que atravessavam difi-

culdades financeiras, mas cujas necessidades superavam o

valor máximo do microcrédito (12.000).

Que objetivos foram estipulados para os próximos

anos? Há estimativas do volume de fundos que será

adjudicado ao microcrédito a curto e médio prazo?

A única atividade da Fundação é a concessão de micro-

créditos, portanto, a eles serão destinadas todas as contri-

buições de fundos realizadas pela Caixa, que, juntamente

com as devoluções recebidas dos beneficiários de micro-

créditos passam a integrar o Fundo constituído na Funda-

ção para a concessão de operações.

Algumas das finalidades da nossa Fundação são apoiar

o auto-emprego e o desenvolvimento profissional, median-

te ações de concessão de microcréditos, ações diretas de

formação e o fomento de estudos para descobrir novas

possibilidades econômicas para a comunidade, bem como

promover a melhoria de oportunidades para as camadas

mais desfavorecidas.

Até hoje, limitamosas nossas atuações à atribuição de

microcréditos. Há muitas entidades autônomas, provinciais

e locais que atualmente assessoram os empreendedores e

dão formação especializada de forma totalmente gratuita.

Avisamos os nossos micro-empresários sobre essas ofertas

40 número 2, 2005 - @local.glob

Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha

bem como sobre as possibilidades de solicitar subvenções e

prêmios, concedidos por entidades públicas ou privadas.

Entre 2003 e 2004 a Fundação realizou dois Encon-

tros de Beneficiários de Microcrédito, com o intuito de

criar uma rede entre os beneficiários, para que se pres-

tem apoio mútuo no seu trabalho diário. Nesse sentido,

o senhor considera que as redes são imprescindíveis no

nosso cenário econômico? Que valor agregado a cons-

tituição de uma verdadeira rede de micro-empresários

pode oferecer?

Os encontros de beneficiários de microcrédito organiza-

dos pela Fundação tinham como objetivo principal a criação

de um espaço onde os micro-empresários se pudessem

conhecer e criar laços empresariais e de amizade entre si. O

perfil de uma boa parte dos micro-empresários correspon-

de a pessoas que não conhecem bem o meio empresarial e

que têm muitos problemas de adaptação (idioma, cultura,

costumes,..). Consideramos que este tipo de encontro é uma

possibilidade para se conhecer e dar apoio mútuo.

Qualquer fórum empresarial pode contribuir com uma sé-

rie de benefícios comerciais aos seus participantes. Ademais,

consideramos que o encontro dos beneficiários de microcré-

dito pode ajudar a fomentar a solidariedade entre pessoas

que tiveram ou têm dificuldades para seguir em frente.

A experiência de instituições como o Grameen Bank,

Triodos Bank, BancoSol, etc…., evidencia que o micro-

crédito em si não é suficientemente forte para poder

subsistir num contexto cada vez mais exigente. Por

isso, os microcréditos devem ser colocados em enqua-

dramentos mais amplos, inseridos em programas mais

integradores, como os de desenvolvimento local, onde

a capacitação técnica, a ação comunitária e o estímulo

à poupança sejam complementos significativos na pró-

pria vida do microcrédito.

Se aceitarmos esta suposição, o senhor acredita que

os programas de microcrédito estão dando uma res-

posta integradora, além do impulso financeiro?

Para nós, o microcrédito é a ferramenta mais eficaz

para integrar no sistema financeiro aqueles que dele estão

excluídos, que são precisamente os mais desfavorecidos.

Portanto, estamos contribuindo para o equilíbrio, a coesão

social e o desenvolvimento econômico.

Hoje em dia, falar de microcrédito é falar também de

igualdade de oportunidades de gênero. Não é à toa que

mais de 90% das pessoas beneficiárias deste tipo de em-

préstimos no mundo todo sejam mulheres. Isso porque, em

determinados setores sociais, a mulher continua sendo a

principal e mais direta responsável pela unidade familiar.

Além desse condicionante, existe outro fator concomitante,

pois as mulheres ainda encontram mais empecilhos para

entrar no mercado de trabalho.

Com base na experiência da Caixa, posso afirmar que

existe uma forte relação entre o microcrédito e o progresso

social. Se uma pessoa ou grupo se encontra excluída do

sistema financeiro tradicional por falta de garantias, há

muitas possibilidades de também sofrer exclusão social. Se

com este sistema pudermos evitar a exclusão financeira e

apoiarmos com nosso assessoramento o impulso empre-

endedor, não há dúvidas de que também estamos a contri-

buir para um progresso social.

Em 22 de setembro de 2005, realizou-se a cerimônia de entrega da sétima edição do Prêmio CajaGRANADA à Cooperação Inter-nacional. O Conselho de Administração da entidade financeira concedeu esse reconhecimento, na sua edição de 2004, a Maria Nowak, Presidente da Associação pelo Direito à Iniciativa Econômica (ADIE), em reconhecimento da sua trajetória como defensora e motivadora do microcrédito na Europa, como ferramenta de luta contra a pobreza e possibilitadora da integração social dos mais desfavorecidos.

Desde 1998, a CajaGRANADA concede este Prêmio à Cooperação Internacional para reconhecer o esforço e a dedicação de institui-ções e pessoas na busca de uma maior justiça social. A contribuição econômica é de 24.040 euros, e, em cada edição, os premiados decidem a que organização não-governamental destinam o prêmio citado.

Maria Nowak criou a ADIE na França, em 1989, para adaptar o conceito de microcrédito à realidade francesa, demonstrando que esta forma de empréstimo social serve para erradicar a pobreza, evitar a exclusão financeira e propiciar a integração social às pessoas em risco de exclusão, também nos países desenvolvidos. Maria Nowak converteu-se numa infatigável defensora do empréstimo social e, por sua experiência e conhecimento, um referente mundial para o desenho e criação de novos sistemas de concessão e gestão de microcréditos.

40 número 2, 2005 - @local.glob

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@global…@local

• CGLU - Voz e representação mundial do governo local

autônomo e democrático

• Norma Baca Tavira e Francisco Herrera Tapía - Desenvolvimento

rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

@local.glob

42 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

mundial do governo local autônomo e democrático, me-

diante a promoção dos seus valores, objetivos e interesses

perante a comunidade internacional; através da cooperação

entre governos locais”.

Com base nessa linha, um grande trabalho foi realiza-

do para fomentar o fortalecimento dos governos locais

autônomos e democráticos, apoiando a cooperação e o

intercâmbio entre os membros, assegurando a represen-

tação política eficaz desses governos locais perante a co-

munidade internacional e, especialmente, face às Nações

Unidas e suas agências. Três eixos principais demarcam

o raio dentro do qual se organizarão as atividades que

visam cumprir com os objetivos: “desenvolvimento sus-

tentável num mundo em globalização”; “descentralização

e democracia local” e “diplomacia, um desafio para nossas

cidades”.

A estrutura descentralizada e democrática do CGLU

facilita o trabalho nos âmbitos demarcados e representa

o conjunto de governos locais, grandes e pequenos, do

mundo todo, de maneira abrangente. As sete Seções Re-

gionais geográficas (África, Ásia-Pacífico, Eurásia, Europa,

América Latina, Oriente Médio e Ásia Ocidental e América

do Norte) permitem classificar os membros, de mais de 100

países, a nível nacional ou local, de forma a que cada uma

das entidades seja legalmente independente e suficiente-

mente representada quer pela sua Associação Nacional de

Governos Locais, quer por si mesma, como parte integran-

te de uma plataforma mundial.

Uma seção adicional e muito representativa do CGLU

está constituída pela Associação Mundial das Grandes

Metrópoles, a principal organização mundial que repre-

senta as grandes cidades, e que conseguiu um acordo com

o CGLU para administrar a sua seção metropolitana e es-

tar representada nos seus órgãos de governo. Metropolis

abrange, assim, o conhecimento e a experiência acumula-

“N ão devemos esquecer-nos que é a nível local

que os conceitos abstratos – tal como a soli-

dariedade, o desenvolvimento sustentável, a

coesão e o diálogo social – encontram aplicação concreta,

quando se trata de manter as escolas, de reformar os bair-

ros, de melhorar o transporte público ou de assegurar uma

boa gestão dos resíduos.” “Também é na cidade que cada ha-

bitante pode expressar-se, participar e ter voz nas decisões

que comprometem o futuro individual e coletivo; não faltam

exemplos: desde o orçamento participativo no Brasil, os

conselhos de bairro ou os conselhos da juventude ou de re-

presentantes dos residentes estrangeiros existentes em inú-

meras cidades, todos fazem com que a democracia local não

seja uma ilusão. A democracia local é ao mesmo tempo uma

escolha política, um método e um instrumento para respei-

tar os cidadãos e cidadãs, tornando-os atores da sua própria

vida e restabelecendo a confiança na nossa convivência e na

própria idéia de democracia”.

Transcorrido que está mais de um ano, as palavras pro-

nunciadas pelo prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, no seu

discurso durante a cerimônia inaugural do Congresso fun-

dador de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU)

– realizado em Paris, de 2 a 5 de maio de 2004 – continuam

refletindo o espírito dessa nova Organização Internacional

nascida como resultado da unificação das duas maiores

associações gerais de governos locais do mundo: a União

Internacional de Autoridades e Governos Locais (IULA) e a

Federação Mundial de Cidades Unidas (FMCU).

A declaração oficial adotada no Congresso de Paris mos-

tra os principais temas de interesse e as áreas de atividade

para a nova organização mundial. Redigida em consulta

permanente com os membros, a declaração confirma que

o CGLU trabalhará em estreita cooperação com as Nações

Unidas para poder cumprir os Objetivos do Milênio. Ao

mesmo tempo identifica uma missão clara e bem definida

para a nova organização: “constituir a voz e representação

@global - Cidades e Governos Locais Unidos

Cidades e Governos Locais Unidos

Voz e representação mundial do governo local autônomo e democrático

42 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

da durante mais de vinte anos de trabalho em rede com as

áreas metropolitanas.

Os membros de “Cidades e Governos Locais Unidos”

se reúnem numa Assembléia Geral que elege o Conselho

Mundial, de acordo com as eleições realizadas previamen-

te nas secções regionais e metropolitanas. O Conselho

Mundial está integrado por 318 prefeitos e autoridades

representantes de governos locais de todo tipo e de todas

as regiões do mundo.

Durante o seu primeiro ano de vida o programa de tra-

balho de CGLU foi muito ambicioso, apesar das limitações

existentes no seu mandato: ser a voz dos governos locais

no panorama internacional e dar apoio às Nações Unidas

no trabalho para os Objetivos do Milênio. No contexto da

primeira linha de ação, pôde-se progredir significativa-

mente, forjando relações sólidas com organizações

internacionais, como demonstram as seguintes conquis-

tas que, entre outras, gostaríamos de destacar:

• Em junho de 2004, recebeu um reconhecimento espe-

cial no “Relatório Cardoso” 1, no qual se apontava que

“as Nações Unidas deveriam considerar o CGLU como

uma instância consultiva em questões de governança

local”;

• Assinatura de um Acordo de Cooperação com o Banco

Mundial com o objetivo de colaborar na luta contra a

pobreza e na melhoria das condições de vida dos habi-

tantes de países em desenvolvimento;

• Assinatura de outro Acordo de Cooperação com o

Glocal Forum para realizar projetos conjuntos de pro-

moção da paz e outras atividades através das relações

cidade-cidade, do empoderamento da juventude e das

Tecnologias da Informação e Comunicação;

• Ainda no ano de 2004, trabalhou com o UN-Habitat

no Segundo Fórum Urbano Mundial em Barcelona

e organizou uma sessão plenária conjunta titulada:

“Governos Locais, parceiros para o desenvolvimento”.

Durante esta sessão, CGLU e UN-Habitat assinaram

um Acordo de Cooperação para consolidar um leque

de iniciativas conjuntas para o futuro próximo.

• Em novembro de 2004 em Durban, o Grupo Consultivo

da Aliança de Cidades se comprometeu a colaborar

mais estreitamente com CGLU tendo como objetivo

@global - Cidades e Governos Locais Unidos

assegurar uma maior participação das autoridades

locais na elaboração e gestão de programas de recu-

peração de assentamentos irregulares.

• Participação, pela primeira vez, na Academia Interna-

cional de Agrupamentos de Mulheres, organizada pela

Comissão Huairou em colaboração com CORDAID

(Organização Holandesa para o Desenvolvimento

http://www.cordaid.nl ).

Em prol dos Objetivos do Milênio, o Conselho Mundial

de CGLU, reunido em Pequim em junho de 2005, lançou

uma campanha de sensibilização visando a Cúpula de

Chefes de Estado e de Governo realizada em Nova Iorque

de 14 a 16 de setembro de 2005. Para apoiar o Secretário

Geral das Nações Unidas nos seus esforços e para pres-

sionar os Estados para que cumpram as suas promessas

de alcançar os Objetivos do Milênio, convidaram-se as

cidades de todo o mundo a ratificar a Declaração dos Go-

vernos Locais em prol dos Objetivos do Milênio de CGLU e

a pôr em andamento uma série de iniciativas sob o lema:

“Sem desculpas: 2015! O mundo deve ser um lugar melhor.

Nossa cidade apóia os Objetivos do Milênio das Nações

Unidas”.

Metropolis

Associação Mundial das Grandes Metrópoles e Seção

Metropolitana do CGLU

Criada em 1985, Metropolis opera como um fórum inter-

nacional para explorar questões e inquietudes comuns a

todas as grandes cidades, como o planejamento e desen-

volvimento urbanístico, economia, saúde, meio-ambiente,

transporte, infra-estruturas ou comunicações. Durante

todos estes anos, o trabalho de Metropolis fomentou a

cooperação internacional e os intercâmbios entre seus

membros: governos locais e metropolitanos tornaram-

se, assim, porta-vozes dos interesses das metrópoles nos

foros internacionais. Essa associação também possibilitou

o aumento da troca de conhecimentos, experiências e

políticas entre membros e colaboradores para solidificar

as capacidades institucionais, fortalecendo a influência

mundial dos governos metropolitanos, em colaboração

com outras associações de governos locais, organizações

internacionais e sociedade civil.

1 Resultado da colaboração entre o Instituto Norte-Sul (INS) e a Federação Mundial de Associações das Nações Unidas (FMANU), com a participação de centenas de organizações da sociedade civil de todo o mundo, o Relatório Cardoso “Nós os povos: a Sociedade Civil, as Nações Unidas e a Governança Global” é uma pesquisa sobre o compromisso da sociedade civil com a Declaração do Milênio e os seus objetivos de desenvolvimento.

44 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

Nas vésperas da Cúpula de líderes mundiais, a delegação

de CGLU se reuniu com Kofi Annan, Secretário Geral das

Nações Unidas, e com Jan Eliasson, presidente entrante da

Assembléia Geral das Nações Unidas, com quem trocaram

opiniões acerca do papel dos governos locais no desen-

volvimento internacional. O Co-presidente de CGLU, Paco

Moncaeo, Prefeito de Quito, Equador, esteve à frente da de-

legação que manteve as reuniões e entregou a Declaração

dos Governos Locais pelos Objetivos do Milênio, assinada

por mais de 1.000 cidades, governos locais e associações

do mundo inteiro, afirmando um compromisso de apoiar

os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações

Unidas e solicitando, também, o reconhecimento oficial do

importante papel que os governos locais desempenham

para que tais objetivos possam ser atingidos.

Nessa linha de apoio ao desenvolvimento sustentável, si-

tua-se também o apoio prestado por CGLU à organização

da Segunda Cúpula Mundial de Cidades e Governos

Locais sobre a Sociedade da Informação que acaba

de ter lugar em Bilbao, Espanha (de 9 a 11 de novembro de

2005). CGLU facilitou a mobilização de todos os atores do

desenvolvimento local e internacional para que participas-

sem do evento, com o objetivo de contribuir para a redução

da barreira digital e com o reconhecimento do papel dos

governos locais no desenvolvimento da sociedade da in-

formação. Nessa cúpula, adotou-se uma Declaração e um

Plano de Ação nos quais se assentaram os compromissos

concretos adotados pelas Autoridades Locais e seus par-

ceiros para alcançar, num período de 10 anos (2005-2015),

uma Sociedade da Informação justa, diversa e facilitadora

de novas oportunidades de desenvolvimento, alicerçando

a capacidade dos governos locais para oferecerem servi-

ços essenciais acessíveis a todos e aprofundar a participa-

ção cidadã na tomada de decisão a nível local.

Entre os projetos futuros a serem destacados está a

participação no 4º Fórum Mundial da Água que será

realizado de 16 a 22 de março de 2006 no México, como

iniciativa do Governo do México e do Conselho Mundial da

Água. Com base no tema “Ações Locais para um Desafio

Global”, um dos principais componentes do Fórum será a

apresentação e difusão de experiências e ações implemen-

tadas a nível local em diversas regiões do mundo. CGLU,

através da sua Comissão Gestão da Água e Saneamento,

difundirá a posição dos governos locais na gestão local

dos recursos hídricos, além de propiciar o debate com os

representantes dos Estados e das grandes instituições

internacionais sobre o papel desempenhado pelos go-

vernos locais. CGLU como organismo central convidou

as Cidades e Associações nacionais de governos locais a

comunicarem ao Secretariado Mundial os temas sobre os

quais desejam fazer uma contribuição em termos de co-

nhecimentos e experiências realizadas e, assim, conseguir

que, graças ao fórum, sejam desenvolvidas ações locais

para melhorar a gestão da água e dar resposta ao desafio

de “reduzir pela metade, de agora até 2015, o número de

pessoas sem acesso a água potável”, o 7º Objetivo de De-

senvolvimento do Milênio.

À luz do trabalho iniciado no seu primeiro ano de vida,

pode-se afirmar que CGLU está consolidando-se de dia

para dia como a grande representação das entidades

locais a nível internacional, tal como o Secretário Geral

das Nações Unidas expressa nas suas palavras de fortale-

cimento e apoio para seguir trabalhando na linha seguida

até ao momento: “Não é só apropriado, mas fundamental,

que vocês que estão tão próximos da vida cotidiana e das

aspirações dos cidadãos do mundo, se tenham reunido para

nos oferecer as vossas opiniões e visão. Como podemos pen-

sar que poderemos alcançar os ODM e avançar com a ampla

agenda de desenvolvimento, sem progredir em áreas como a

educação, a fome, a saúde, a água e o saneamento e a igual-

dade de gênero? As cidades e os governos locais têm que

cumprir um papel chave em cada uma dessas áreas. Afinal, é

nas ruas das nossas cidades onde será possível avaliar o que

aqui ficar decidido. É na vida diária dos nossos cidadãos, na

sua proteção e segurança, na sua prosperidade e oportuni-

dades onde nossos progressos serão mais visíveis e nossos

tropeços mais graves. Apesar dos nossos Objetivos serem

globais, eles podem ser alcançados de forma mais eficiente

através da ação a nível local”.

CGLU e o Programa Delnet criaram um espaço virtual

compartilhado para facilitar o acesso à informação, ao tra-

balho em rede, colaboração e intercâmbio de experiências

entre os governos locais e os atores sócio-econômicos

de todo o mundo. Tanto neste espaço, disponível em

http://www.delnetitcilo.net/uclg , como nesta revista,

continuaremos dando voz e difusão às atividades e inicia-

tivas desta importante organização.

@global - Cidades e Governos Locais Unidos

44 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

Com base nos antecedentes históricos do desen-

volvimento rural, neste artigo problematiza-se

acerca da incorporação da perspectiva de gênero

nas políticas de desenvolvimento rural mexicanas; parti-

cularmente, enfatiza-se o vínculo entre a mulher rural e o

desenvolvimento.

Recapitulando o desenvolvimento rural

Desde suas origens o conceito de desenvolvimento rural

seguiu um padrão relacionado com a “teoria da moderni-

zação”. De acordo com Gardner e Lewis (2003) a indus-

trialização, a transição da agricultura de subsistência às

plantações mercantilistas e a urbanização são fenômenos

chaves de tal processo. A modernização é essencialmente

“evolucionista”; os países são concebidos como organis-

mos que transitam por diferentes etapas de um caminho

linear que conduz irremediavelmente a uma sociedade

industrializada, urbana e ordenada.

O modelo de desenvolvimento modernizador proposto

até o momento recebeu suas principais críticas na região

na década de setenta a partir do pensamento latino-

americano, encabeçado pela Comissão Econômica para

América Latina e Caribe (CEPAL). Mediante suas críticas

histórico-estruturais o CEPAL argumentava que a região,

e particularmente as suas estruturas agrárias eram parte

de um processo histórico que subordinava as economias

periféricas na divisão internacional do trabalho. A “teoria

da modernização” não conseguiu resolver ou explicar as

razões do subdesenvolvimento de maneira convincente, já

que a pobreza continuava crescendo de forma dramática e

o desenvolvimento na região se adiava cada vez mais.

No final dos anos oitenta, tanto as idéias “moderniza-

Desenvolvimento rural e gêneroUma relação emergente na política mexicana

Mulheres colhendo goiabas no sul do Estado do México

FON

TE

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CO

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A B

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A

Norma Baca TaviraPesquisadora do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados da PopulaçãoUniversidade Autônoma do Estado do México

Francisco Herrera TapiaAssessor da Fundação Mexicana para o Desenvolvimento Rural, A. C. (Agência Estado do México) eProfessor da Faculdade de Ciências Políticas e Administração PúblicaUniversidade Autônoma do Estado do México

46 número 2, 2005 - @local.glob

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

[email protected] - número 2, 2005

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

doras” como as “dependentistas” estavam chegando a

um ponto de esgotamento enquanto paradigmas vigentes

para a compreensão do subdesenvolvimento e da pobreza.

Igualmente, o quadro socialismo versus capitalismo chega

ao seu término e abre-se o caminho para uma nova ordem

mundial denominada globalização.

O fim das teorias totalizadoras e dos paradigmas únicos,

bem como o surgimento de novos atores sociais criaram

um ambiente propício para formas renovadas de interpre-

tar a realidade social. Ao abandonar a teoria generalista

e determinista prevalece uma tendência cada vez maior

de concentrar-se em grupos e problemas específicos (“as

mulheres”, “os desfavorecidos”, etc.), uma atitude mais re-

flexiva em prol da ajuda e do desenvolvimento, e uma nova

ênfase em iniciativas “de baixo para cima”, organizadas

nas bases sociais (Gardner e Lewis, 2003). Neste contexto,

a linguagem e os discursos do desenvolvimento passam

por uma reviravolta em direção a conceitos que aludem à

pluralidade da sociedade.

A incorporação do gênero ao desenvolvimento rural

De acordo com Kirsten Appendini (2002), Ester Boserup,

com o seu livro Women in Development publicado em 1970,

foi a pioneira em chamar a atenção sobre o impacto dife-

rencial que os processos de desenvolvimento econômico

tinham sobre homens e mulheres, e que pôs em evidência

vários assuntos importantes que abriram o campo para a

pesquisa e as políticas das agências internacionais de de-

senvolvimento.

A Boserup refere-se ainda ao trabalho extra-doméstico,

entendido como o trabalho produtivo que as mulheres

realizam em afazeres que contribuem para a reprodução

econômica da unidade doméstica, e foi uma das primeiras

pesquisadoras a contribuir para a abertura do campo de

estudo das mulheres no desenvolvimento, centrando-se na

divisão sexual do trabalho e suas transformações dentro

da agricultura tradicional no momento de se integrar às

atividades de mercado.

A partir de 1975, data em que se realiza, na cidade do

México, a Primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres

das Nações Unidas, países de diversas regiões do mundo

se comprometeram a empreender ações para que os bene-

fícios do desenvolvimento fossem compartilhados na mes-

ma proporção por homens e mulheres. Esta conferência

também deu o pontapé inicial à denominada “Década das

Nações Unidas para as Mulheres”, durante a qual os gover-

nos de vários países levaram a cabo ações para melhorar

as condições de vida das mulheres. Desta forma, em todo o

mundo, leis foram modificadas, foram criados departamen-

tos, instituições e ministérios específicos para as temáticas

de gênero e chegou-se ao auge de uma série de projetos

produtivos, destinados a elevar a renda das mulheres e,

desta forma, melhorar a sua condição e posição na socie-

dade (Razavi e Miller, citado em Cos-Montiel, 2001).

A perspectiva de gênero na elaboração de políticas pú-

blicas traz consigo o reconhecimento de que as relações

socioculturais entre mulheres e homens vêm-se transfor-

mando de forma significativa durante as últimas décadas.

Aborda-se a função familiar, econômica, educativa, profis-

sional e pública da mulher, e ainda mais nas implicações

para o exercício do poder na esfera familiar e de trabalho.

Algumas das tarefas pendentes para que a mulher possa

incorporar-se ao desenvolvimento têm a ver com a discri-

minação de práticas culturais, políticas e sociais sobre a

percepção das mulheres e sua função além do âmbito do-

méstico. É assim essencial progredir na inclusão feminina

para as estratégias de desenvolvimento rural.

Durante os anos oitenta, a mulher se incorporou mais

rapidamente no mercado de trabalho, porém as estatísticas

e censos não davam conta das condições trabalhistas nas

quais se encontravam. É nesse contexto que os estudos

pioneiros de cunho qualitativo do trabalho rural das mu-

lheres desvelam parte do âmago das relações de gênero na

economia camponesa, e nos centros de trabalho da agri-

cultura empresarial.

Mais recentemente os estudos sobre o trabalho por conta

própria e a flexibilidade de trabalho, também se somaram

a esta prolífica produção intelectual, e é conveniente men-

cionar que esses estudos ofereceram uma contribuição

importante ao tema da mulher e desenvolvimento. A tese

central desses estudos, grosso modo, considera que o de-

senvolvimento desigual encontra-se estreitamente vincu-

lado à designação de papéis produtivos diferenciados por

sexo, classe ou etnia. Levando isso em conta, o discurso e a

prática do desenvolvimento ficariam incompletos se não se

reconhece a necessidade de considerar o gênero como par-

te fundamental na estratégia de desenvolvimento rural.

A incorporação da categoria analítica de gênero ao

46 número 2, 2005 - @local.glob

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

[email protected] - número 2, 2005

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

discurso do desenvolvimento permitiu entender que os

problemas e soluções das mulheres deviam ser entendidos

a partir de um complexo e intrincado sistema de papéis e

relações estabelecidos com os homens numa determinada

sociedade. Dito sistema, por sua vez, está permeado por

outros eixos de desigualdade como a classe social, a ori-

gem étnica, a idade e a orientação sexual. Durante a IV

Conferência Internacional sobre as Mulheres, realizada em

Pequim, China em 1995, os países reconheceram a pers-

pectiva de gênero como uma ferramenta útil para construir

a equidade. Ao assinar a plataforma de ação da Conferên-

cia, o México se compromete a incorporar a perspectiva de

gênero no planejamento do seu desenvolvimento nacional

(Cos-Montiel, 2001).

Tem-se, assim, um longo caminho percorrido e outro

tanto a fazer sobre os estudos de gênero nas políticas de

desenvolvimento. Interessa-nos trabalhar mais a fundo

esta relação necessária (mulher-homem e desenvolvi-

mento). De acordo com Appendini (2002), hoje em dia a

discussão está centrada, principalmente, na participação,

o desenvolvimento desde baixo e o empoderamento das

mulheres. Os diversos paradigmas econômicos estão sub-

jacentes a um ou outro enfoque, mas a compreensão das

relações de gênero necessariamente articula as relações

sociais e culturais numa visão multidisciplinar.

A mulher, enquanto integrante de uma comunidade

rural, é sujeito e agente que presencia e forma parte das

mudanças registradas no âmbito rural. É assim que, diante

de fenômenos como a emigração de mexicanos para os

Estados Unidos, os trabalhos “abandonados” pelos homens

em suas comunidades de origem recaem sobre a mulher,

da mesma forma que a ampliação dos espaços nos quais

a mulher interage além do seu âmbito puramente domés-

tico, nos leva a acreditar efetivamente nos processos de

empoderamento passíveis de serem aproveitados para o

desenvolvimento rural.

No México, o discurso oficial mantém certo grau de

congruência com a inclusão da mulher rural ao desenvol-

vimento dos lugares onde moram, como no caso da Lei de

Desenvolvimento Rural Sustentável (LDRS) criada em 2001

e que, dentro dos seus preceitos, indica qual deverá ser o

papel da mulher no desenvolvimento rural. Tal lei, no seu

Artigo 6, assinala textualmente:

“Terão caráter prioritário as ações que o Estado,

através das três instâncias de governo e nos ter-

mos das leis aplicáveis, realize no meio rural. Em

tais ações, que se efetuarão segundo critérios de

equidade social e de gênero, integralidade, produ-

tividade e sustentabilidade, poderão contar com a

participação dos sectores social e privado”.

Com este mesmo propósito de incorporar a mulher ao

desenvolvimento rural e comunitário, os programas de

governo dirigidos ao desenvolvimento rural identificam as

mulheres rurais como grupos prioritários na atenção de

demandas sociais para o combate à pobreza e busca do

desenvolvimento. Um caso sem precedentes é a criação

da figura associativa chamada Unidade Agrícola Industrial

da Mulher (UAIM), introduzida na Lei Federal de Reforma

Agrária em 1971 e que sobreviveu à derrogação da Lei

Agrária decretada em 1992.

A UAIM é uma figura jurídica que atribui valor de pessoa

moral às mulheres integrantes dessa associação, possibili-

tando, assim, uma maior participação produtiva e um me-

lhor acesso a mercados e crédito. Segundo Marta Mercado,

et al (1996) as UAIM se tornaram o programa governamental

de maior envergadura dirigido à população feminina rural.

Em relação ao funcionamento efetivo das UAIM, vários

estudos, entre os quais destacamos os de Emma Zapata,

et al, (1995) sobre os avanços e problemas das UAIM, re-

gistram uma clara ineficiência econômica destas Unidades,

associada aos direitos de propriedade diferenciados entre

homens e mulheres, acesso desigual à terra e pouca ou nula

articulação com outras organizações.

Apesar disso, também se observam alguns benefícios

para as mesmas, já que permitem que as mulheres partici-

pem em atividades extra-domésticas como lazer ou parti-

cipação comunitária, e visualizam-se claramente algumas

mudanças nas relações de gênero a favor da mulher.

Conclusões

Quando, nos seus primórdios, o desenvolvimento, na sua

versão modernizadora, era considerado como o único ca-

minho para atingir o bem-estar social e, conseqüentemen-

te, o progresso em direção a uma sociedade “perfeita”, o

modelo linear e evolucionista resultou em graves contradi-

ções, que fizeram que este fosse repensado de acordo com

uma população em transformação, mas com os mesmos

problemas de injustiça social.

48 número 2, 2005 - @local.glob

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana

A chegada de atores sociais e movimentos reivindicado-

res como os direitos humanos, feministas e ecologistas,

bem como as organizações não governamentais, incitou

na sociedade o questionamento a respeito de um tipo de

desenvolvimento excludente e desigual, que teria de ser

redimensionado para os novos contextos sociais e retomar

os grandes assuntos pendentes do desenvolvimento, entre

os quais se sobressai a pobreza.

Por outro lado, os indivíduos por si mesmos continuam

imersos em processos sociais que, apesar de não resolverem

a sua condição social no desenvolvimento, manifestam, isso

sim, mudanças que dão conta de uma nova sociedade. No

México, tornam-se cada vez mais visíveis as formas emer-

gentes de vida nos espaços rurais e as mudanças que sur-

gem com uma caracterização social, econômica e cultural

com poucos referentes em épocas passadas. A globalização,

enquanto força externa, se manifesta na implementação

de uma ordem mercantil que também causa impactos nos

espaços locais (rurais), os usos de tecnologia, a ampliação

da infra-estrutura urbana, as mudanças culturais através

das diferentes gerações, e as migrações entre regiões, são

fenômenos que necessariamente devem ser considerados

nos modelos atuais de desenvolvimento rural.

Uma parte fundamental desses processos sociais do

âmbito rural se encontra nas relações intra-familiares,

comunitárias e institucionais que ocorrem entre os gêne-

ros. As mulheres, vistas como agentes de mudança social

dentro dos seus próprios domicílios e também no âmbito

extra-doméstico, começam a receber constante menção

no discurso político. Os resultados, porém, distam muito

de serem congruentes com o tipo de desenvolvimento com

uma perspectiva de gênero. A mudança institucional e de

atitude perante a questão da mulher e o desenvolvimento

não consegue romper com o estilo desenvolvimentista no

qual apenas os homens são centrais no planejamento das

políticas públicas, fazendo que a função da mulher no de-

senvolvimento rural se torne invisível.

Como pudemos analisar neste artigo, podem ser registra-

dos importantes avanços na incorporação da perspectiva

de gênero nas instituições que fomentam o desenvolvi-

mento, mas eles ainda não são suficientes. Trata-se de

uma tarefa permanente com a qual todos e todas temos

um compromisso adicional, começando pelas instituições

promotoras de um desenvolvimento rural com perspectiva

de gênero.

Sabe-se que no meio rural é onde se desenvolvem prá-

ticas sociais e culturais onde a desigualdade de gênero

adquire uma relevância ainda maior do que nos âmbitos

urbanos, o que nos obriga a estudar esses processos so-

ciais em maior profundidade, já que eles têm a ver com a

construção social e simbólica dos gêneros; só assim esta-

remos diante da possibilidade de gerar maiores elementos

para que logo os programas de desenvolvimento rural com

perspectiva de gênero tenham uma maior eficiência. Tal

não exime aos e às integrantes das instituições de desen-

volvimento rural de assumirem uma atuação congruente e

comprometida com a inclusão da mulher na construção e

nos benefícios do desenvolvimento.

Bibliografia

K. Appendini, La perspectiva de género en la teoría económica y en los estudios de desarrollo, em Umbrales, Revista de Posgrado en Ciencias del Desarrollo, CIDES-UMSA, No. 11, México, 2002.

D. Barkin, El Desarrollo Sostenible: La construcción de alternativas autónomas frente al ajuste estructural, em Manuel Parra, “Retos y posibilidades del desarrollo sustentable: Tierra, bosque y agua”, Capítulo II, Congreso Nacional sobre el Ajustes Estructural en el Campo Mexicano, Efectos y Respuestas, (H. C. de Grammont, coordenador), México, 1998.

CEPAL, Equidad desarrollo y ciudadanía, Nações Unidas, CEPAL, Chile, 2000.

M. Cernea, Primero la gente, Variables sociológicas en el desarrollo rural, Fondo de Cultura Económica, México, 1995.

F. Cos-Montiel, Políticas públicas con perspectiva de género: ¿Qué son y qué pueden hacer por nosotras?, Documento para la Red, America on Line, México, 2001.

F. Entrena, Cambios en la construcción de lo rural. De la autarquía a la globalización, Técnos, Espanha, 1998.

K. Gardner e D. Lewis, Antropología, desarrollo y el desafío posmoderno, El Colegio Mexiquense, México, 2003.

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E. Zapata, et al., La Unidad Agrícola Industrial de la Mujer. Un espacio para la mujer rural, em E. Zapata, et al. (coordinadoras), “Desarrollo rural y género. Alcances y problemas de proyectos microeconómicos de mujeres”, Colegio de Posgraduados, México, 1995.

48 número 2, 2005 - @local.glob

@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana @local.glob

Espaçoaberto

• Frances Lund e Caroline Skinner - Inovações do Governo

Local para a Economia Informal

• @local.glob - Opiniões e colaborações

• Resenha - O papel do micro-crédito na prevenção e alívio de

desastres

• Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das

Américas

• O Programa Delnet

50 número 2, 2005 - @local.glob

Escreveu-se…

[email protected] - número 2, 2005

Escreveu-se…

O apelo do Relatório de Desenvolvimento Mun-

dial 2005 para criar “um melhor clima de in-

vestimento para todos” (Banco Mundial, 2004)

inclui levar em consideração tanto as empresas como os

trabalhadores informais. O trabalho informal tornou-se a

modalidade de trabalho mais comum nos países em de-

senvolvimento: “O emprego informal abrange metade e

até três quartos do emprego em áreas fora da agricultura

nos países em desenvolvimento: especificamente, 48 por

cento na África do Norte, 51 por cento na América Latina,

65 por cento na Ásia e 72 por cento na África sub-saharia-

na” (OIT, 2002:7). Também se pode afirmar que o trabalho

não convencional é um fenômeno crescente nos países

desenvolvidos.

Uma ampla variedade de medidas afeta o clima de in-

vestimento para a economia informal, entre elas estão as

medidas macro-econômicas, as trabalhistas, legislativas

e de padrões, e as medidas de proteção social (Chen et al,

2002). Neste artigo, vamo-nos concentrar sobre a África

do Sul e tratar do papel específico que o governo local

deve cumprir. Dados estatísticos a nível nacional mostram

que entre 25 e 30 por cento da mão-de-obra sul-africana

trabalha na economia informal e essa tem sido uma das

poucas áreas onde o emprego tem crescido no período

pós-apartheid. A Constituição de 1996 atribuiu ao gover-

no local uma variedade de novas tarefas, incluindo a pro-

moção do desenvolvimento econômico a nível local. Os

municípios tiveram diferentes atuações no que concerne a

interpretação do seu mandato constitucional relativamen-

te à economia informal. Aqui selecionamos alguns exem-

plos positivos de inovações recentes, vários baseados na

segunda maior cidade sul-africana, Durban. Omitimos

deste resumo duas áreas muito importantes – educação e

capacitação e o acesso ao crédito; um debate mais com-

pleto sobre estes aspectos pode ser encontrado em Lund

e Skinner (2004). Aqui descreveremos as intervenções

menos convencionais, factíveis, economicamente viáveis

e que produzem impactos.

Há dois temas centrais. Primeiro, as necessidades das

empresas formais e informais de um clima de investimen-

to favorável são bastante parecidas. Segundo, várias das

intervenções que tiveram sucesso foram possíveis porque

Durban, sendo uma cidade relativamente bem administra-

da e pró-ativa, decidiu não vender ou terceirizar diversas

funções e bens da prefeitura.

Regulamentos municipais

Os regulamentos municipais moldam de forma significa-

tiva o ambiente dentro do qual os trabalhadores e as em-

presas informais operam. Leis municipais para o comércio

ambulante podem ser punitivas como, por exemplo, con-

fiscar as mercadorias sem um aviso prévio, ou a imposição

de multas para o comércio em determinadas áreas. Nesse

processo, a precária condição de vida dessas pessoas é ra-

pidamente destruída. Por outro lado, ditas leis podem criar

um ambiente vantajoso para os ambulantes, mediante um

Inovações do Governo Local para a Economia Informal

A criação de um clima positivo de investimento

Frances Lund e Caroline SkinnerEscola de Estudos do DesenvolvimentoUniversidade de KwaZulu-Natal, África do Sul

Artigo publicado em:WBI Development Outreach, “Putting Knowledge to Work for Development”, Instituto do Banco Mundial, setembro de 2005

As autoras estão intimamente vinculadas à rede internacional de pesquisas e apoio, WIEGO, sigla em inglês para Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando

50 número 2, 2005 - @local.glob

Escreveu-se…

[email protected] - número 2, 2005

Escreveu-se…

regime regulador no qual se estabelecem os papéis e as

responsabilidades das partes envolvidas.

As cidades sul-africanas têm abordagens diferentes

quanto a esta questão. As autoridades de Joanesburgo de-

clararam todo o centro como uma zona não-comercial e

foram construídos mercados para acomodar uma pequena

parte dos 10.000 comerciantes da região. Durban conta

com uma abordagem muito menos

restritiva: foram demarcados espa-

ços para o comércio ambulante em

todo o centro da cidade e o quadro

legal que rege o comércio ambulan-

te está sendo mudado do direito cri-

minal para o direito administrativo.

Algumas cidades pequenas no

Cabo Leste estabeleceram um sis-

tema prático para resolver conflitos

surgidos entre as autoridades locais

e os vendedores ambulantes. Um vendedor que se sinta

prejudicado por qualquer decisão municipal pode recorrer

a um comitê de cinco membros, do qual pelo menos um

membro deve ser um vendedor ambulante.

Impostos e taxas

Muitos acreditam que as pessoas escolhem entrar para a

economia informal para evadirem impostos. A renda mí-

nima para o pagamento do imposto de renda pessoal na

África do Sul é de 2500 Rand por mês e, de acordo com a

Pesquisa da Força de Trabalho de 2003, 95 por cento dos

que trabalham na economia informal declararam rendas

mensais de 2500 Rand ou inferiores (a taxa de câmbio no

momento do levantamento dos dados, em Setembro de

2003: 11.82 Rand uma libra esterlina; 7.37 Rand um dólar

americano). Além disso, mais de dois terços declararam

rendas de 1000 Rand ou inferiores, bastante menos que a

metade do limite mínimo de renda. Também é importante

assinalar que as mulheres ganham significativamente me-

nos que os homens (Estatísticas da África do Sul, 2004).

Enquanto poucos trabalhadores informais pagam seu

imposto de renda, os vendedores ambulantes na maioria

das cidades têm de pagar taxas mensais pelo espaço que

utilizam para trabalhar, da mesma maneira que as em-

presas formais devem pagar taxas ou aluguéis. Tanto na

África do Sul como internacionalmente, os trabalhadores

informais tendem a pagar tributos demasiado elevados

para os mais pobres e demasiado baixos para os que estão

em melhores condições. Durban cobra bastante menos do

que outras cidades pelo uso do espaço no centro e cobra

também uma taxa geral. Uma nova medida recomenda

um sistema de aluguéis diferenciados, para que tanto as

empresas informais como as formais sejam cobradas ta-

xas e aluguéis diferentes para diferentes níveis de serviço.

Os aluguéis estariam relacionados

com o tamanho do local, o grau de

atração da locação, e o nível dos

serviços prestados. Para os vende-

dores ambulantes, estipular-se-ia

um aluguel básico de um local e,

a partir daí, aluguéis diferencia-

dos para a prestação de diferentes

serviços. Deve-se dispor de um

conjunto de serviços composto por

uma estrutura básica coberta, re-

moção dos resíduos sólidos, água,

banheiros, e lugares de armazenagem (Durban Unicity,

2001:11).

Um número cada vez maior de pessoas tem usado suas

próprias casas como local de trabalho. Durban conta com

duas medidas que podem ajudar diretamente os traba-

lhadores mais pobres que trabalham em suas casas. Nas

taxas tarifárias de sustento, os trabalhadores cujas casas

tenham um valor de menos de 20.000 Rand não pagam

taxas; as de valor entre 20.000 e 50.000 Rand pagam ape-

nas 20 Rand por mês. Numa tarifa progressiva de água, as

pessoas mais pobres pagam muito menos pela água, e a

primeira quantidade consumida é gratuita; a decisão da

prefeitura de não privatizar a água possibilitou a aplicação

dessa medida a favor dos mais pobres.

Participação na governabilidade local

Os interesses das empresas formais são representados

no governo municipal através de associações como as

câmeras de comércio. Os trabalhadores informais e suas

empresas deveriam ter direito à possibilidade de ter fó-

runs para expressarem seus interesses. Todavia, poucas

cidades oferecem oportunidades para uma interação con-

tínua acerca de decisões como, por exemplo, a localiza-

ção de novos mercados, prioridades do desenvolvimento,

participação em feiras de comércio ou mecanismos de

debate.

“Os trabalhadores informais tendem a pagar tributos

demasiado elevados para os mais pobres e demasiado

baixos para os que estão emmelhores condições.”

52 número 2, 2005 - @local.glob

Escreveu-se…

[email protected] - número 2, 2005

Escreveu-se…

Em Durban, os vendedores ambulantes são representa-

dos como atores nas iniciativas piloto na administração

regional. Num prédio municipal na Warwick Street, no

principal terminal de transferência de transportes e zona

de comércio para milhares de pessoas no centro da cidade,

são realizadas reuniões diárias nas quais se negociam e

debatem o uso do espaço público, e onde as organizações

de vendedores ambulantes (tais como Vendedores Contra

o Crime, mencionada abaixo) se encontram.

Acesso aos mercados

O documento no qual nos baseamos dá vários exemplos

de assistência a empresas informais com acesso aos

mercados. Selecionamos aqui apenas um apoio que foi

dado ao importante setor da medicina tradicional. Mais

de 30.000 pessoas da província tra-

balham nesse setor; grande parte

deles colhe plantas medicinais e são

pessoas muito pobres, e a maioria

são mulheres (Instituto para Recur-

sos Naturais [INR, em sua sigla em

inglês], 2003:7).

O INR tem trabalhado em conjun-

to com o governo local e provincial,

vendedores de plantas medicinais e curandeiros para

identificar as intervenções que podem promover a sus-

tentabilidade, a eficiência e o potencial econômico para a

indústria. Esse trabalho gerou uma série de intervenções

de diversas partes:

• Em Durban, o governo local construiu um mercado

dedicado aos vendedores da medicina tradicional com

tendas, locais de armazenagem, água e banheiros;

• O governo provincial capacitou colhedores no cultivo

de produtos e em técnicas sustentáveis de colheita;

• Um projeto de parceria entre os governos provincial

e local está atualmente estabelecendo uma empresa

de empoderamento informal que se incumbirá de

conseguir as plantas com plantadores existentes, pro-

cessá-las em parceria com uma firma farmacêutica e

comercializar os produtos.

O objetivo desse projeto de apoio é garantir a sustenta-

bilidade do setor a longo prazo, servir melhor os clientes

existentes, atingir mais consumidores da classe média sul-

africana, assim como chegar ao mercado internacional de

medicina natural e ervanária.

Acesso à infra-estrutura

As necessidades de infra-estrutura tanto de empresas

formais quanto informais são, em essência, similares.

Ambas precisam de um espaço seguro, com contratos

transparentes que garantam o acesso a esse lugar, e que

seja acompanhado por uma série de serviços reconheci-

dos e confiáveis, tais como iluminação, água, instalações

sanitárias, coleta de lixo, segurança e espaço de armaze-

nagem.

De 1997 a 2000, Durban gastou cerca de 45 milhões de

Rand em infra-estrutura para vendedores informais. Fo-

ram construídos novos mercados no centro da cidade e em

áreas adjacentes, assim como foram

melhoradas as estruturas dos merca-

dos existentes e construídas novas

tendas para os vendedores ambulan-

tes e isso, sem dúvida, fez uma dife-

rença importante no que concerne à

qualidade do ambiente de trabalho

dos vendedores. Também foi feito um

progresso importante na concessão

de habitações de baixo custo, servi-

ços de água, saneamento básico e eletricidade a áreas que

anteriormente não dispunham dessas vantagens. Esse é

um componente crucial no apoio aos trabalhadores que

trabalham em suas casas.

Proteção contra o crime

A alta taxa de criminalidade da África do Sul é considerada

um dos obstáculos principais ao crescimento econômico

e ao investimento externo direto, afetando o potencial de

crescimento tanto das empresas formais como informais.

Quando as mercadorias das empresas são roubadas ou

quando os empresários ou trabalhadores sofrem agressões

físicas pode-se dizer que um ambiente é inseguro.

Os trabalhadores informais mostram-se bastante preo-

cupados acerca de como a criminalidade afeta seus negó-

cios. Alguns deles, constituíram o Comerciantes Contra o

Crime em Durban, em parceria com o Serviço de Polícia

Sul-Africano e a Polícia Metropolitana de Durban. Os seus

300 sócios operam em todas as áreas da cidade onde há

“As necessidades de infra-estrutura tanto de

empresas formaisquanto informais são, em

essência, similares.”

52 número 2, 2005 - @local.glob

Escreveu-se…

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Escreveu-se…

um comércio intenso, alertando as autoridades quando

for necessário atuar na região. A organização parece ter

contribuído a reduzir de pequenas ocorrências e também

crimes mais graves no centro da cidade, especialmente na

área de Warwick Junction.

Conclusão

A nossa análise indica que há amplas oportunidades para

intervenções simples e viáveis para tornar o ambiente

de trabalho mais seguro para aqueles que trabalham na

economia informal. As intervenções e os procedimentos

devem estar institucionalmente ancorados na prática co-

tidiana de governo, porém, isso depende fortemente dos

seguintes aspectos:

• Um reconhecimento da parte dos funcionários e do se-

tor público que as necessidades das empresas formais

e informais são muito similares. Isso se torna possível

quando os trabalhadores informais e suas empresas

forem avaliados em termos de atores econômicos que

contribuem de forma significativa para a economia

local, e quando as desvantagens para formalizar as

empresas forem reconhecidas e solucionadas.

• A criação de estruturas e espaços institucionais du-

radouros e estáveis nos quais se possam estipular as

prioridades do desenvolvimento, negociar as regras

de ação e realizar um debate em busca de soluções.

Esses espaços podem ser úteis para estabelecer vín-

culos entre os interesses das empresas formais assim

como das informais.

• A existência de fortes organizações de trabalhadores

informais, com uma liderança responsável, e que

reflitam uma composição de gênero entre seus mem-

bros.

Bibliografia:

Banco Mundial, World Development Report 2005: A Better Investment Climate for Everyone, Washington DC, Banco

Mundial, 2004.

M. Chen, R. Jhabvala, e F. Lund, Supporting Workers in the Informal Economy: a Policy Framework, em: “Working Pa-

per on the Informal Economy 2”, Organização Internacional do Trabalho, Genebra, 2002.

Durban Unicity, Informal Economy Policy, Memo, Economic Development Department, Durban, 2001.

Institute for Natural Resources, Strategy and Business Plan for Development of the Thekwini Medicinal Plants Industry,

Relatório elaborado para o Conselho da Unidade de Durban, 2003.

F. Lund e C. Skinner, The Investment Climate for the Informal Economy. The Case of Durban, South Africa, Documento

de base para o Relatório de Desenvolvimento Mundial 2005, Durban, 2004.

OIT, Men and Women in the Informal Economy: a Statistical Picture, Organização Internacional do Trabalho, Genebra,

2002.

Statistics South Africa, Labor force survey 2004, Relatório estatístico PO210, setembro de 2003.

54 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Opiniões e colaborações

O leitor opinaEstimados leitores,

Queremos, antes de mais nada, agradecer-lhes por todas as mensagens de felicitações e apoio que chegaram à redação após

a publicação do primeiro número de @local.glob. Tanto os correios recebidos, como a grande quantidade de descargas da

revista a partir da nossa página Web, representam sinais importantes, que nos motivam a seguir consolidando este espaço

de expressão dedicado ao desenvolvimento local.

Com o objetivo de facilitar o intercâmbio de experiências e a participação de todos, convidamos a que continuem a escre-

ver-nos para estimular o debate. Enviando um correio eletrônico para [email protected], poderão comunicar-nos a

vossa opinião sobre os artigos apresentados, assim como sobre os temas tratados nestes primeiros números.

Além disso convidamos, a quem deseja participar ativamente na redação dos próximos conteúdos, a que consultem, em cada

número, o “GUIA PARA COLABORAÇÕES”, em que serão avançados âmbitos temáticos e tipologia de colaborações requeridas.

Saudações cordiais,

Equipe de Redação - @local.glob

GUIA PARA COLABORAÇÕES

Está interessado em publicar opiniões, artigos e/ou experiências? Por favor, leia com atenção as instruções indicadas em seguida para que as suas contribuições sejam enviadas corretamente1:

IdiomasSerão aceitos textos e artigos em português, inglês, espanhol, francês e italiano.

Formatos e quantidade de textoCartas dos leitores: até 500 palavras (em formato Word ou e-mail)Artigos: de 1.500 a 2.500 palavras (em formato Word)Resenhas de livros: de 500 a 1.000 palavras (em formato Word)Documentação de experiências: baixar o modelo de documentação disponível na Web de Delnet ou solicitá-lo em [email protected]

Dados do autor/aJunto com o artigo deve-se enviar: nome e sobrenomes do autor/a, endereço de correio eletrônico, cargo profissional e afiliação institucional. É fundamental indicar explicitamente se o conteúdo reflete o ponto de vista institucional ou exclusivamente a opinião de quem escreve.

Critérios de avaliação O Conselho Editorial avaliará os artigos recebidos em função do conteúdo, atualidade, visão inovadora, proposta de divulgação e relação com os temas abrangidos na revista. A equipe de redação entrará em contato para informar ao autor/a se o artigo enviado será publicado ou não.

Âmbitos temáticosEm cada número de @local.glob serão dedicadas duas seções da revista a um tema monográfico de especial interesse e atualidade. As restantes páginas permanecerão abertas a todos os tipos de artigo, resenha ou experiência sobre temas, conceitos teóricos e/ou problemáticas concretas do desenvolvimento local. Tema monográfico do número 3: Gestão do Risco e Alívio de Desastres a Nível Local.

Envio de colaborações Todas as colaborações devem ser enviadas a: [email protected]

1 A disparidade de pontos de vista e o debate aberto são bem-vindos, obviamente dentro de um âmbito de respeito e espírito crítico que estimule a liberdade de expressão. Por esta razão, a equipe de redação escolherá periodicamente as opiniões a serem publicadas, com o objetivo de criar um espaço construtivo de reflexão e intercâmbio em torno dos conceitos chave e das problemáticas que afetam o mundo do desenvolvimento local.

54 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Resenha de livros

Introdução

Segundo o relatório publicado pela Direção de Prevenção

de Crises e de Recuperação do PNUD, “aproximadamente

75% da população mundial vive em zonas que já foram

assoladas pelo menos uma vez, entre 1980 e 2000, por um

terremoto, um ciclone, uma inundação ou uma seca”, e há

milhões de pessoas que, em mais de 100 países, encon-

tram-se expostas periodicamente à ameaça de um desas-

tre natural.

O ano de 2005 deixou clara a necessidade de uma re-

flexão mais profunda sobre os conceitos de “prevenção” e

“alívio” deste tipo de riscos. Registrou-se, entre os níveis

mais pobres da sociedade, um forte aumento em termos

de vulnerabilidade aos desastres naturais que, de fato,

está constituindo um dos principais obstáculos para o de-

senvolvimento humano sustentável e o cumprimento dos

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

O ano de 2005 será lembrado também por outro acon-

tecimento à escala internacional, aparentemente desvin-

culado do anterior: a proclamação do Ano Internacional

do Micro-crédito, declarado pela Assembléia Geral das

Nações Unidas, para avançar no processo de promoção

do micro-financiamento sustentável e para criar setores

financeiros inclusivos.

As potencialidades do micro-crédito foram detalhada-

mente analisadas enquanto instrumento útil para con-

tribuir à redução da pobreza. Porém, ainda não foram

explorados suficientemente os possíveis benefícios do

micro-financiamento para diminuir o impacto dos desas-

tres de origem natural. No dia 12 de outubro de 2005, Dia Internacional para a Redução de Desastres, proclamado pela

Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD, também conhecido pela sua sigla em inglês como ISDR)

1 A versão integral do documento está disponível em inglês na página: http://www.yearofmicrocredit.org/docs/Disasterguidefinal.pdf.

Os Anos Internacionais das Nações Unidas

“O Ano Internacional do Micro-crédito 2005, sublinha a importân-cia do micro-financiamento como parte integral do nosso esforço coletivo para cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O acesso sustentável ao micro-financiamento ajuda a mitigar a pobreza mediante a geração de renda e a criação de empregos, permitindo que as crianças freqüentem a escola, que as famílias obtenham assistência sanitária e empoderando as pessoas para que tomem decisões que se adaptem melhor às suas necessidades. O grande desafio que temos em frente é eliminar os entraves que excluem as pessoas e que lhes impedem de participar cabalmente no setor financeiro. Juntos, podemos e devemos criar setores financeiros inclusivos que ajudem as pessoas a melhorarem suas vidas.”

Secretário Geral da ONU Kofi Annan, 29 de dezembro de 2003.

Em 1998, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou 2005 como o Ano Internacional do Micro-crédito visando reconhecer a contribuição do micro-crédito à mitigação da pobreza. Em dezembro de 2003, os Estados Membros aprovaram o Programa de Ação do Secretário Geral e convidaram o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Capitalização (FNUDC) e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (DAESNU) a se incorporarem como coordenadores con-juntos para o Ano Internacional. Desde 1959, as Nações Unidas proclamam os Anos Internacionais como uma oportunidade para chamar a atenção dos governos e dos organismos internacionais sobre temas considerados críticos e de importância global. Este Ano foi uma oportunidade para combinar uma maior conscienti-zação e o compromisso global substantivo e existente para criar setores financeiros inclusivos. O micro-crédito e o micro-finan-ciamento estão mais avançados na sua aplicação do que muitos temas de anos internacionais passados. A observância deste Ano deve ser vista como parte de um processo contínuo para formular abordagens efetivas em prol do micro-financiamento sustentável e não como um acontecimento isolado.

Fonte: http://www.yearofmicrocredit.org

O papel do micro-crédito na prevenção e alívio de desastres

Resenha do Documento de Trabalho do Banco Mundial:Miamidian, E.; Arnold, M.; Burritt, K.; Jacquard, M. Surviving Disasters and Supporting Recovery: A Guidebook for Microfinance Institutions The World Bank, Washington, 2005 1

56 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Resenha de livros

lançou-se oficialmente o debate que pretendia aumentar a capacidade de

resposta diante dos desastres utilizando o micro-financiamento e as redes

de proteção.

A interação entre estas dois eventos que marcam a atualidade, entre ame-

aças e oportunidades para o desenvolvimento, levaram-nos a apresentar

neste número um Documento de Trabalho recém publicado pelo Banco

Mundial, que explica o papel das Instituições Micro-financeiras (IMFs) na

prevenção e alívio dos desastres.

“Surviving Disasters and Supporting Recovery: A Guidebook for Microfi-

nance Institutions” (Sobreviver os desastres e apoiar a reconstrução: um

guia prático para as Instituições Micro-financeiras) é um documento, atu-

almente disponível em inglês, que tem como objetivo orientar as IMFs na

preparação de uma estratégia integral de gestão de riscos de desastres e apoio aos seus clientes na recuperação rápida

e redução sustentável do risco futuro.

O quadro institucional

Este Documento de Trabalho foi elaborado no âmbito do ProVention Consortium, uma colaboração contínua entre a

Unidade de Gestão de Risco do Banco Mundial, o Fundo de Desenvolvimento de Capital (UNCDF) e o Programa de De-

senvolvimento das Nações Unidas (PNUD) que se propõem o objetivo de desenvolver mecanismos para que os domicílios

e as comunidades mais pobres possam melhorar o seu nível de gestão de risco de desastres naturais.

Anos de estudos, pesquisas e intercâmbios com outras organizações locais, nacionais e internacionais – realizados se-

parada e conjuntamente pelas três instituições desde o ano 2000 – constituem os antecedentes teóricos e práticos deste

manual, que conta com o apoio financeiro dos Governos da Noruega e do Reino Unido.

Micro-financiamento e alívio de riscos

Dado que os progressos das IMFs são internacionalmente reconhecidos no que toca à sua capacidade de oferecer servi-

ços financeiros sustentáveis e lucrativos aos pobres, deve-se reconhecer também que os seus objetivos a médio e longo

prazo estão cada vez mais ameaçados pelos desastres naturais. Seus clientes, os mais desfavorecidos da sociedade,

representam um grupo meta de alto risco já que, depois de um desastre natural, são incapazes de cumprir com o pa-

gamento das suas dívidas. Por outro lado, a experiência demonstra que um maior acesso aos serviços financeiros pode

favorecer a prevenção e o alívio de desastres, reduzindo a vulnerabilidade do cliente.

A capacidade de oferecer e garantir o acesso aos serviços micro-financeiros ao longo do tempo requer um alto nível

de preparação; uma IMF que não esteja suficientemente preparada para o risco, não será capaz de proteger seus clientes,

além de correr o risco de os perder. Se uma IMF decide se preparar para um possível desastre natural, necessita conside-

rar a elaboração de um plano integral de ação que comece com a estimativa dos riscos potencias e termine com a oferta

de produtos específicos que possam mitigar o efeito de uma crise.

No guia são apresentados vários exercícios e ferramentas que facilitam o desenho e a realização de uma estratégia glo-

bal de gestão do risco: medição de risco, análise das necessidades dos clientes de alto risco, fortalecimento institucional

em resposta ao desastre, diretrizes para a preparação, alívio e reconstrução.

Micro-crédito e alívio de desastres:

análise de experiências concretas

Na página Web da campanha “Investir para

prevenir o desastre”, lançada pela Estratégia

Internacional para a Redução de Desastres,

apresentam-se estudos de campo que

documentam o impacto do acesso a ser-

viços micro-financeiros sobre a prevenção,

gestão e alívio de desastres naturais nos

seguintes países: Quênia, Vietnam, Bangla-

desh, Filipinas e Índia:

http://www.unisdr.org/eng/public_aware/

world_camp/2005/2005-case-studies.htm

56 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas

A geração de trabalho decente: um desafio político

nas Américas

Os Chefes de Estado e de Governo dos países democráti-

cos das Américas, reunidos, entre 4 e 5 de novembro de

2005 na cidade de Mar del Plata, Argentina, para celebrar a

Quarta Cúpula das Américas, reafirmaram o seu com-

promisso no combate à pobreza, à desigualdade, à fome e

à exclusão social, para elevar a condição e vida dos povos,

reforçando a governabilidade democrática em todos os pa-

íses do hemisfério.

Tanto a Declaração Final como o Plano de Ação

aprovados neste fórum internacional, estipulam objetivos

importantes a favor do desenvolvimento, que podem con-

tribuir de forma decisiva para melhorar a qualidade de vida

da população na região.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) -

através da participação direta do seu Diretor-Geral, Juan

Somavía, e do Presidente do Conselho de Administração,

Carlos Tomada - teve um forte envolvimento no evento

e na definição de uma agenda social que concentre a sua

atenção nos postulados da Declaração da OIT sobre os Prin-

cípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (OIT, 1998) no

que concerne a geração de trabalho decente como fator

essencial no fomento do desenvolvimento sustentável,

crescimento e respeito da igualdade de oportunidades e

direitos.

A integração internacional é uma dimensão constante

na história dos países americanos e o multilateralismo,

como forma cooperativa de entender as relações entre os

Estados, esteve sempre presente nas agendas regionais,

desde o final do século XIX até hoje. Apesar das inúmeras

rupturas dos equilíbrios internacionais, causadas por guer-

ras e desequilíbrios econômicos, as Cúpulas das Américas

tiveram uma evolução constante no fomento da concerta-

ção internacional, de modo tal que podem ser consideradas

entre as agendas regionais mais avançadas do mundo.

Neste artigo, descreve-se brevemente como foi sendo

elaborado este importante fórum político, com o objetivo

de apresentar o papel que as Organizações Internacionais

desempenham no seu processo de afirmação, remitindo di-

retamente à intervenção da OIT na última Cúpula, dedicada

ao tema: “Criar trabalho para enfrentar a pobreza e fortalecer

a governabilidade democrática”.

O processo das Cúpulas das Américas

As Cúpulas das Américas reúnem 34 Chefes de Estado e de

Governo do Hemisfério Ocidental para discutir acerca de

consensos comuns, busca de soluções e desenvolvimento

de uma visão compartilhada para o futuro da região nas

áreas econômicas, sociais e políticas.

Na base deste processo – que implica a responsabilida-

de direta dos governos e organismos internacionais no

cumprimento dos mandatos, declarações e planos de ação

– encontram-se princípios políticos compartilhados e me-

canismos institucionais estabelecidos e consolidados ao

A OIT na IV Cúpula das AméricasCriar trabalho para enfrentar a pobreza e fortalecer a

governabilidade democrática

As “organizações de caráter internacional” são aquelas que transcendem as fronteiras nacionais e podem ser definidas – se-gundo o direito internacional – como associações voluntárias de estados, estabelecidas por acordo internacional, dotadas de ór-gãos permanentes próprios e independentes, encarregados de administrar interesses coletivos e capazes de expressar um dese-jo juridicamente distinto do de seus membros. As organizações internacionais cumprem um papel determinado e fundamental no desenvolvimento e na cooperação e, nas últimas décadas, o número de acordos e iniciativas que estimulam a colaboração transnacional com esse intuito cresceu enormemente.

@local.glob quer dedicar um espaço de reflexão nas suas páginas para analisar o papel que as organizações internacio-nais vêm assumindo, cada vez mais diretamente, no apoio aos processos de descentralização e desenvolvimento local, con-siderando tanto os sistemas de agências das Nações Unidas, como todas as outras organizações de caráter internacional cujo trabalho esteja orientado ao desenvolvimento sustentável das comunidades de todo o mundo.

58 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

longo de todo um século.

Desde a Primeira Conferência Internacional Americana,

no ano de 1890, até a criação da Organização de Estados

Americanos em 1948, os fóruns de debate na região tive-

ram como objetivo prioritário impulsionar a evolução do

Direito Internacional Interamericano, através da ratificação

de convenções e acordos sobre temas tão diversos como

“comércio, águas internacionais, direito de asilo, arbitragem,

adoção de tratados sobre princípios, práticas e procedimen-

tos de direito internacional privado e público, Convenção de

Correios, Convenção Consular colocando, inclusive, em vi-

gência um Código de Direito Internacional Privado”.1

Durante os anos da Guerra Fria, a tutela dos princípios e

direitos que caracterizam a democracia, estiveram subor-

dinados a questões de segurança regional. A última con-

ferência interamericana desse período (1967) estabeleceu

a criação de um Mercado Comum Latino-americano para

o ano de 1980, bem como muitos projetos de cooperação

multilateral para o desenvolvimento de infra-estruturas,

da agricultura, do controle de armas e da educação, que

nunca foram cumpridos, tirando credibilidade à eficácia

das Cúpulas como instrumento de intercâmbio e desenvol-

vimento da região.

Em 1994, com a Primeira Cúpula de Miami, instituciona-

lizou-se a idéia de reorganizar as relações interamericanas

pondo em andamento um “processo” que, com o passar do

tempo, pudesse dar respostas às questões que realmente

afetam a população das Américas. Esta importante con-

quista foi resultado de uma mudança drástica no cenário

latino-americano: o clima de tensão e desconfiança, ali-

mentado nos anos de crises e rupturas do sistema inter-

nacional, fomentou o consenso na região em torno a três

conceitos fundamentais: a democracia, o livre mercado e

a necessidade de fortalecer o multilateralismo na região,

como resposta ao fenômeno da globalização. Lançou-se

uma etapa de cooperação política e integração econômica

no hemisfério, que culminou com a decisão dos próprios

Chefes de Estado e de Governo de se reunirem periodica-

mente e definirem as orientações fundamentais de uma

Agenda para as Américas.

“Essa decisão de institucionalizar as Cúpulas, configurou a

idéia de um processo onde se acumulam experiências, forjan-

do uma linguagem comum, programando mandatos e ações

coletivas, multilaterais e nacionais, sistematizando as novas

referências teóricas e práticas das relações hemisféricas, em

resposta aos problemas que afetam a população das Améri-

cas. Como conseqüência desse processo, impulsionou-se a

modernização e o fortalecimento da institucionalidade intera-

mericana e, particularmente, do seu principal fórum político,

a Organização dos Estados Americanos”.2

Princípios políticos e mecanismos institucionais

Os princípios políticos do processo de Cúpulas determi-

nam que se deve incluir nele as 34 nações das Américas

“com governos eleitos democraticamente que operem com

economias de mercado livre, que realizem negociações inter-

nacionais multilaterais com bases igualitárias e que tomem

decisões por consenso”.

Diversos mecanismos institucionais de participação de-

finem os órgãos responsáveis pela liderança do processo,

pela tomada de decisões, pela implementação e seguimen-

to dos mandatos estipulados nas Declarações e Planos de

Ação:

• O Grupo de Revisão da Implementação das

Cúpulas (GRIC), constituído pelos governos dos 34

membros da OEA, representados pelos Coordenadores

Nacionais, é o órgão político incumbido de monitorar

os mandatos das Cúpulas, coordenar a agenda e prepa-

rar futuras Cúpulas.

• O Grupo de Trabalho Conjunto das Cúpulas

(GTCC), conformado por 12 instituições do Sistema

das Nações Unidas e do Sistema Interamericano, ofe-

rece apoio técnico aos governos para a implementação

dos mandatos das Cúpulas e na preparação de futuras

Cúpulas. Formam parte do GTCC: a Organização dos

Estados Americanos (OEA); o Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID); a Comissão Econômica

para a América Latina e Caribe (CEPAL); a Organiza-

ção Pan-americana da Saúde (OPS); o Instituto Inte-

ramericano de Cooperação para a Agricultura (IICA);

o Banco Mundial (BM); o Banco Centro-americano de

Integração Econômica (BCIE); a Corporação Andina de

Fomento (CAF); o Banco de Desenvolvimento do Caribe

(BDC); a Organização Internacional para as Migrações

(OIM); a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

1, 2 Fonte: http://www.summit-americas.org.

Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas

58 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

e o Instituto de Conectividade das Américas (ICA).

• As Reuniões Ministeriais oferecem continuidade e

consolidação na implementação dos mandatos ao Pro-

cesso de Cúpulas das Américas.

• Os atores sociais se tornaram, nestes últimos anos,

peças fundamentais: a sociedade civil, o setor pri-

vado, os acadêmicos e os meios de comunicação

contribuem na formulação, implementação e avaliação

das políticas públicas adotadas pelos distintos níveis

de governo.

• A Secretaria das Cúpulas das Américas da OEA

tem como responsabilidade ser a memória institucio-

nal e secretaria técnica do Processo.

As Organizações Internacionais nas Cúpulas das

Américas

O Processo de Cúpulas das Américas foi vital para a trans-

formação que a OEA e o sistema interamericano sofreram

nos últimos onze anos. Na Primeira Cúpula das Américas

(Miami, 1994) a OEA, da mesma forma que as outras Or-

ganizações Internacionais, contribuiu com recomendações

nas quais se sugeria a adoção de determinadas políticas

para que o processo tivesse sucesso. Desde esse momento

e nas seguintes Cúpulas realizadas, a OEA se revitalizou

e constituiu o principal fórum para o diálogo hemisférico,

cumprindo um papel essencial no seguimento dos seus

mandatos e na celebração de futuras Cúpulas.

O papel das Organizações Internacionais se consolidou

com o Plano de Ação de Santiago (1998) no qual se estabe-

leceu que “as Organizações Internacionais, de acordo com as

decisões da Cúpula, teriam responsabilidades na implemen-

tação dos mandatos do processo, como corresponda”. Além

da OEA, a Comissão Econômica para América Latina e Ca-

ribe (CEPAL), o Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID), a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) e o

Banco Mundial (BM) foram consideradas as principais or-

ganizações multilaterais envolvidas na implementação de

temas específicos.

Durante a Terceira Cúpula das Américas, estas mesmas

instituições apresentaram um relatório regional conjunto

de atividades realizadas em cumprimento dos mandatos

de Santiago.

O papel das instituições passou a ser ainda mais relevan-

te depois da Cúpula de Québec (2001), cujo Plano de Ação

estabelece que os organismos internacionais coordenem o

seu trabalho e se envolvam em todas as etapas do Processo

de Cúpulas. Em resposta a este mandato, OEA, BID, OPS,

CEPAL assinaram uma Carta de Entendimento no dia 21 de

junho de 2001 (que estabeleceu a constituição do GTCC)

para conseguir uma maior coordenação no apoio à imple-

mentação e ao monitoramento dos mandatos das Cúpulas

das Américas.

Posteriormente, também se convidou o Banco Mundial, o

Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

(IICA), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco

Caribenho de Desenvolvimento (BCD) e o Banco Centro-

americano para a Integração Econômica (BCIE) para par-

ticiparem desta instância de coordenação. Nas atividades

do GTCC de 2004, também participaram a Organização

Internacional para as Migrações (OIM) e a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), enquanto que o Instituto

para a Conectividade nas Américas (ICA) solicitou a sua

participação em 2005.

O papel da OIT na IV Cúpula das Américas

O Governo da Argentina deu um espaço fundamental ao

trabalho na agenda do continente, com o objetivo de defi-

nir políticas e ações concretas para a “criação de trabalho

decente, no quadro de um novo paradigma que dote as trans-

formações econômicas de um forte conteúdo ético próprio do

sistema democrático”.

A promoção do trabalho, do combate contra a pobreza e

do fortalecimento democrático emana das Cúpulas prece-

dentes, enquanto que a recente publicação do Panorama

do Trabalho Latino-americano (OIT, 2005) contribuiu para

definir os temas de discussão em Mar del Plata, registrando

que o desemprego e o emprego informal continuam sendo

altos na região, a proteção social permanece baixa e o de-

semprego continua afetando principalmente as mulheres e

os jovens.

Na reunião preparatória do GRIC, se destacou a parti-

cipação dos organismos internacionais nas discussões e

a importância de engajar outros participantes, como as

organizações sindicais e as pequenas e médias empre-

sas. Nestas sessões preliminares a OIT foi representada

pelo seu Diretor Regional Adjunto para a América Latina e

Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas

60 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Caribe, Virgilio Levaggi, que reafirmou o compromisso da

Organização em “acompanhar os esforços realizados na pre-

paração da Cúpula, no seu desenvolvimento e – o que é mais

importante – no seu seguimento para construir um futuro

com trabalho, democracia e dignidade para as Américas”.

Lembrando que, na região, 300 milhões de latino-ameri-

canos vivem debaixo da linha de pobreza, que a taxa de de-

semprego regional superará os 10% no final de 2005, sendo

que 7 de cada 10 postos de trabalho foram criados no setor

informal desde 1990, Levaggi sublinhou que a pobreza e a

desigualdade diariamente põem à prova a capacidade das

democracias para responder às necessidades básicas da

população.

“A OIT elaborou o conceito de trabalho decente numa tenta-

tiva de captar – numa unidade de sentido e coerência – a con-

vergência das diferentes dimensões que compõem um bom

trabalho: emprego de qualidade que respeite os direitos traba-

lhistas fundamentais, com níveis de proteção social e direito à

representação e participação adequados. Gerar emprego sem

considerar sua qualidade e os níveis de proteção social a que

permite aceder não leva ao progresso. Promover os direitos

no trabalho sem preocupar-se pela existência de empregos

para os que necessitam é igualmente infrutífero. O diálogo

social é necessário para assegurar que as pessoas possam

contribuir para a elaboração e execução de uma agenda de

desenvolvimento, para cujo seguimento a democracia é o

melhor sistema. Cada um dos elementos do trabalho decente

cumpre uma função na conquista de objetivos mais amplos

como a inclusão social, a erradicação da pobreza, o fortaleci-

mento da democracia e a realização pessoal.”

O Diretor-Geral da OIT, Juan Somavía, na sua interven-

ção em Mar del Plata, declarou que novas oportunidades

estão-se abrindo para desenhar estratégias de melhoria

das condições sócio-econômicas na América Latina e que

a OIT apoiará diretamente os esforços dos países da região

para o cumprimento dos objetivos definidos.

As conclusões publicadas na Declaração Final da IV Cú-

pula, refletidas no seu respectivo Plano de Ação apresen-

tam um enquadramento sólido para a criação de trabalho

decente, o fortalecimento da democracia e crescimento

com emprego, através da formação da força de trabalho, a

participação das micro, pequenas e médias empresas como

motor do desenvolvimento, o compromisso dos governos e

dos atores sociais numa nova agenda política.

A Declaração faz um chamamento à OIT para que du-

rante a próxima reunião para a região da América Latina e

Caribe, prevista para início de 2006 “considere ações gover-

namentais e tripartites” para cumprir os compromissos da

Cúpula, e se solicita que se trate o tema “As pessoas e seu

trabalho no centro da globalização”.

O Plano de Ação pede ainda à OIT que “amplie seu apoio e

assistência técnica aos países com o intuito de promover mais

e melhores empregos”, compromisso que foi reafirmado com

força pelo Diretor-Geral da OIT no decorrer da sua partici-

pação na última Cúpula:

“Estaremos apoiando com todas as nossas capacidades os

esforços dos países da região para pôr em prática este com-

promisso político sem precedentes com o trabalho decen-

te.”[…] “Para as pessoas o trabalho não é uma mercadoria,

mas um instrumento fundamental para garantir um futuro

melhor juntamente com as suas famílias.” 3

3 Fonte: OIT, comunicado de imprensa (OIT/05/45).

Documentos conclusivos da IV Cúpula das Américas:http://www.summit-americas.org

Declaração de Mar del PlataDisponível em formato .pdf em: Português Espanhol Inglês Francês

Plano de Ação de Mar del Plata Disponível em formato .pdf em: Português Espanhol Inglês Francês

Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas

60 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005

Desde a institucionalização do Novo Processo até os dias de hoje, os líderes das Américas se reuniram nas seguintes Cúpulas:

Primeira Cúpula das Américas (Miami, EUA - 1994)

Em Miami, os Chefes de Estado e de Governo estabeleceram uma Declaração de Princípios para o desenvolvimento e a prosperidade das Américas basea-da na preservação e no fortalecimento democrático. Um dos objetivos mais importantes foi a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Cúpula sobre o Desenvolvimento Sustentável (Santa Cruz de la Sierra, Bolivia - 1996)

Com o intuito de articular uma política comum em matéria de proteção am-biental e adotar uma estratégia compartilhada em torno dos compromissos acordados no Rio de Janeiro na Cúpula da Terra, esta Cúpula especializada definiu uma visão comum para a inclusão de elementos ambientais, econô-micos e sociais dentro da abordagem do desenvolvimento sustentável.

Segunda Cúpula das Américas (Santiago do Chile, Chile - 1998)

Em Santiago a Educação foi o tema central da Cúpula. Os líderes da região também discutiram acerca da preservação e o fortalecimento da democracia, a integração econômica e o livre comércio, e tomaram medidas para erradi-car a pobreza e a discriminação.

Terceira Cúpula das Américas (Québec, Canadá - 2001)

A Cúpula de Québec afirmou as bases para uma estratégia de desenvolvi-mento da região e para a adoção da Carta Democrática Interamericana, rati-ficada em setembro de 2001. Nessa Cúpula foram impulsionadas atividades para fortalecer a democracia, promover gestões de governo eficientes, prote-ger os direitos humanos, aumentar as oportunidades econômicas bem como fomentar a justiça social e desenvolver o potencial humano.

Cúpula Extraordinária das Américas (Monterrey, México - 2004)

O propósito da Cúpula de Monterrey foi fomentar e facilitar a cooperação com uma visão renovada e fortalecida da solidariedade no Hemisfério. Os três te-mas principais foram o crescimento econômico com equidade para reduzir a pobreza, o desenvolvimento social e a governabilidade democrática.

Quarta Cúpula das Américas (Mar del Plata, Argentina - 2005)

Na IV Cúpula das Américas foram definidas políticas e ações concretas para a “criação de trabalho decente, no quadro de um novo paradigma que dote as transformações econômicas de um forte conteúdo ético próprio do sistema democrático”.

Fonte: www.summit-americas.org

Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas

62 número 2, 2005 - @local.glob

Em 1998 o Delnet, acrônimo de Rede de Desenvolvimento Local, nasce como um programa de apoio ao desenvolvimento local do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Tra-balho, agência especializada das Nações Unidas. Nestes sete anos de atividade, foi tecendo uma rede de mais de mil e quinhentas pessoas e instituições em 71 países de todo o mundo.

A descentralização e a devolução de competências dos poderes centrais às administrações de âmbi-

to local tem sido uma tendência constante nos últimos tempos. Como conseqüência, os níveis locais estão assumindo responsabilidades cada vez maiores no desenvolvimento do território e na melhoria da qualidade de vida das pessoas que o habitam. Levar a cabo estas tarefas exige, porém, capacidades humanas e institucionais para uma gestão eficaz considerando não só as questões econômicas, mas também sociais. O objetivo do Delnet é facilitar o acesso ao conhecimento global e local de forma a que os atores locais possam oferecer soluções de maior solidez aos problemas comuns dos cidadãos.

O Delnet destina os seus serviços a um amplo número de técnicos, gestores e responsáveis de ins-tituições públicas e privadas envolvidas no desenvolvimento local, como por exemplo, municípios,

governos provinciais e regionais, organizações empresariais, ONG’s, centros de pesquisa, universidades, etc.. Concretamente, o Delnet oferece quatro

tipos de serviços: formação a distância, informação e publicações atualizadas, assessoria técnica, e o fomento do intercâmbio de

experiências a nível local, nacional e internacional graças ao tra-balho em rede.

Todos esses serviços pretendem apoiar os participantes no seu trabalho cotidiano no campo do desenvolvimento local, oferecendo

tanto um quadro teórico como ferramentas práticas, como, por exem-plo, uma biblioteca virtual, publicações técnicas especializadas, guias práticos,

ou linhas diretas de informação.

Esta abordagem tem sido possível graças à utilização das Tecnologias da Informação e da Comuni-cação que permitem chegar, em tempo real, a lugares onde antes era difícil, senão impossível, levar a informação. É crucial que as pessoas que operam a nível local tenham acesso ao conhecimento e sejam capazes de utilizá-lo com o intuito de participarem, aproveitarem e serem criativas no novo contexto globalizado. Fomentando a utilização das TIC, o Delnet trabalha a favor da inclusão digital e da supera-ção das desigualdades no acesso à utilização e usufruto das mesmas.

Foi justamente este um dos pontos fortes do Delnet desde os seus primórdios, a criação de redes de intercâmbio que permitem romper o isolamento geográfico de diversas comunidades locais dispersas. Deste modo, os participantes tornam-se simultaneamente receptores e provedores de conhecimento e experiências de utilidade, por compartilharem publicações e boas práticas e o contínuo intercâmbio de idéias com colegas situados em outros lugares do mundo.

Este mesmo espírito e filosofia de trabalho é a que fez com que o Delnet ousasse criar mais um instru-mento de trabalho, editando uma revista que dê voz a todas as pessoas que trabalham dia a dia a favor do desenvolvimento local, facilitando ainda mais a comunicação e fomentando a democratização da informação.

O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT

O Programa Delnet

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• Município da Cidade de Sevilha, Espanha

• CajaGRANADA, através da sua Fundação CajaGRANADA

• Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

• Fundação Interamericana

• Centro Internacional de Formação da OIT, Programas Técnicos e Regionais

Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho

Viale Maestri del Lavoro, 10 • 10127 Turim, Itália.

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