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Luis Donizete Benzi Grupioni-Os Indios No Brasil- LIVRO

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    NDIOS NO BRASIL

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    NDIOS

    NO BRASILMarilena de Souza Chaui

    Lus Donisete Benzi Grupioni (Org.)Laymert Garcia dos Santos

    Lcia BettencourtAna Maria de M. BelluzzoMaria Sylvia Porto Alegre

    Aracy Lopes da SilvaLcia Hussak van Velthem

    Ruth Maria Fonini MonserratJohn Monteiro

    Dominique Tilkin GalloisBerta G. Ribeiro

    Isabelle Vidal GianniniCarlos Frederico Mars de Souza Filho

    Washington NovaesLux Boelitz Vidal

    Ornar Ribeiro ThomazGerncio Albuquerque Rocha

    Priscila Siqueira

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    "ndios no Brasil" uma publicao do Ministrio da Educao e doDesporto, resultado do programa de promoo e divulgao de materiais didtico-pedaggicos sobre as sociedades indgenas brasileiras, apoiado pelo Comit de Educao Escolar Indgena do MEC.

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    Presidente da RepblicaItamar Augusto Cautiero Franco

    Ministro de Estado da Educao e do DesportoMurlio de Avellar Hingel

    Secretrio Executivo

    Antnio Jos BarbosaSecretria de Educao FundamentalMaria Agla de Medeiros Machado

    Departamento de Poltica EducacionalClio da Cunha

    Assessoria de Educao Escolar IndgenaIvete Maria Barbosa Madeira Campos

    Comit de Educao Escolar IndgenaMarineusa Gazzetta (presidente),Adair Pimentel Palcio,Aldio Teixeira Jnior,Aracy Lopes da Silva,Bruna Franchetto,Daniel Matenhos Cabixi,Domingos Verssimo,Jussara Gomes Gruber,Lus Donisete Benzi Grupioni,Marina Kahn,Nelmo Roque Scher,Raquel Figueiredo Teixeira,Ruth Maria Fonini Monserrat,Sebastio Cruz,Sebastio Mrio Lemos Duarte,Slia Ferreira Juvncio.

    Participao e colaborao da UnescoEnza Bosetti

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    NDIOS NO BRASIL

    Com a chegada das caravelas s terras que foram posteriormente denominadas pela cor das madeiras aqui encontradas, iniciava-se captulo decisivo naformao histrica do Brasil. O Pas emergia da confluncia de dois mundos

    o Europeu e o Amerndio que viviam at ento separados pelas guasprofundas do Atlntico. A terceira confluncia veio, j nos primeiros tempos dacolonizao, do continente africano.

    O encantamento inicial dos europeus com os ndios foi acompanhado pelaperplexidade das diferenas que existiam entre as duas culturas. As populaesindgenas foram representadas, assim, de diversas formas: como parte da natureza tropical, como foras braais necessrias ao aproveitamento das riquezasnaturais que a Terra de Pindorama oferecia ou como possveis receptores daobra colonizadora de civilizao.

    Do mundo colonial ao presente, o Brasil tem discutido, nas mais diversasinterpretaes, o passado e o destino de tais populaes. A Histria registrao desaparecimento e o revigoramento de muitas sociedades indgenas.

    Entretanto, o tema das sociedades indgenas no Brasil no s um temado passado. E questo viva, do presente, e que permite perceber a importnciadas cerca de duzentas comunidades, com perspectivas e formaes histricasprprias, que existem hoje no Pas.

    O texto constitucional de 1988 marco relevante na valorizao do presente e do futuro dos indgenas brasileiros. Assegurada sua alteridade cultural, temo ndio o direito da proteo pelo Estado. O Ministrio da Educao e do Desporto tem envidado esforos, nesse contexto institucional, para estimular umaeducao de qualidade, especfica mas tambm geral, s sociedades indgenas.

    H, portanto, uma poltica educacional para o ndio brasileiro. Talvez pelaprimeira vez, o Brasil tenha poltica educacional dentro dos princpios do res

    peito diversidade tnica e cultural e pautada pelo reconhecimento dos valorese saberes transmitidos pelos indgenas ao longo de muitas geraes.

    Esse contexto privilegiado da educao abre caminho para a tolerncia eo reconhecimento das diferenas culturais que s enriquecem a formao social brasileira. O Plano Decenal de Educao para Todos (1993 2003) oferece linhas de atuao satisfatria para enfrentar os desafios que se descortinamna garantia da educao de qualidade para o indgena brasileiro.

    E assim, com grande^satisfao, que o Ministrio da Educao e do Desporto volta a editar a obra ndios do Brasil, essa excelente coletnea de artigose ilustraes que procura apresentar os ndios no curso da Histria e na perspectiva do prximo milnio.

    MURLIO DE AVELLAR HINGELMinistro de Estado da Educao e do Desporto

    Braslia, novembro de 1994

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    Catlogo ndios no Brasil1. edio: 1992, Secretaria Municipal de Cultura de SoPaulo.2. edio: 1994, Ministrio da Educao e do Desporto.Copyright cedido pela SMC-SP.

    OrganizaoLus Donisete Benzi Grupioni

    Preparao dos originais:Maria Valria Ribeiro Sostena (Coordenao),Dalva Elias Thomas Silva,Irany Santos,Maria Cristina Martins,Maria das Graas de Souza S,Maria de Ftima Rozales Rodero,Rejane de Cssia Barbosa da Nbrega.

    RevisoAna Lcia Coelho,Maria Silvia Mattos Silveira Manzano,Maria Silvia Pires Oberg.

    Pesquisa iconogrfica:Lus Donisete Benzi Grupioni

    Projeto grfico:Inspirado no trabalho de Moema Cavalcanti para o livroHistria dos ndios no Brasil, organizado por Manuela Carneiro da Cunha e publicado em 1992 pela Companhia das

    Letras/FAPESP/SMC-SPCapa:Mscara Mehinku coletada por Heloisa Fenelon Costa,1970, UFRJ/UNB.

    DistribuioAssessoria de Educao Escolar IndgenaMinistrio da Educao e do DesportoEsplanada dos MinistriosBloco L - Sala 61070.047-900 - Braslia - D.F.

    Mari Grupo de Educao Indgena/USPCidade UniversitriaCaixa Postal 8.10505508-900 - So Paulo - SP.

    Braslia, 1994

    305.8981 ndios no Brasil / organizado por Lus Donisete Benzi Grupioni. Braslia: Ministrio daEducao e do Desporto, 1994.

    1. ndios da Amrica do Sul Brasil Aspectos sociolgicos.

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    NDICE

    OS NDIOS E A SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA

    500 Anos - Caminhos da Memria, Trilhas do Futuro.Mahlena de Souza Chaui 21

    As Sociedades Indgenas no Brasil Atravs de uma Exposio Integrada.Lus Donisete Benzi Grupioni 13

    Amigos dos ndios: os Trabalhos da Comisso ndios no Brasil.Laymert Garcia dos Santos 29

    A DESCOBERTA DA AMRICA E O ENCONTRO COM O OUTRO

    Cartas Brasileiras: Viso e Reviso dos ndios.Lcia Bettencourt 39

    A Lgica das Imagens e os Habitantes do Novo Mundo.Ana Maria de M. Belluzzo 47

    Imagem e Representao do ndio no Sculo XIX.Maria Syluia Porto Alegre 59

    DIVERSIDADE CULTURAL DAS SOCIEDADES INDGENAS

    Mitos e Cosmologias Indgenas no Brasil: Breve Introduo.Aracv Lopes da Silva 75

    Arte Indgena: Referentes Sociais e Cosmolgicos.Lcia Hussak uan Velthem 83

    Lnguas Indgenas no Brasil Contemporneo.Ruth Maria Fonini Monserrat 93

    O Escravo ndio, esse Desconhecido.John Monteiro 105

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    De Arredio a Isolado: Perspectivas de Autonomia para os Povos IndgenasRecm-Contactados.Dominique Tilkin Gallois 121

    As Artes da Vida do Indgena Brasileiro.Berta G. Ribeiro 135

    Os ndios e suas Relaes com a Natureza.Isabelle Vidal Giannini 145

    O Direito Envergonhado: O Direito e os ndios no Brasil.Carlos Frederico Mars de Souza Filho 153

    NDIOS DO PRESENTE E DO FUTURO

    O ndio e a Modernidade.Washington Novaes 181

    As Terras Indgenas no Brasil.Lux Boelitz Vidal 193

    "Xeto, Maromba, Xeto!" A Representao do ndio nas Religies Afro--Brasileiras.Omar Ribeiro Thomaz 205

    Amaznia, Amaznia: No os Abandoneis.Gerncio Albuquerque Rocha 21 7

    Imprensa e Questo Indgena: Relaes Conflituosas.Priscila Siqueira 227

    CATLOGO DA EXPOSIO "NDIOS NO BRASIL"

    Inventrio dos Artefatos e Obras da Exposio "ndios no Brasil:Alteridade, Diversidade e Dilogo Cultural".Lus Donisete Benzi Grupioni 233

    SOBRE OS AUTORES 275

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    A Severo Gomes,

    amigo dos ndios

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    OS NDIOS E A SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA

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    Quem l os primeiros relatos sobre oNovo Mundo - dirios e cartas de Colombo, Vespcio, Caminha, Las Casas - observa que a descrio dos nativos da terraobedece a um padro sempre igual: soseres belos, fortes, livres, "sem f, sem reie sem lei". As descries de Vespcio, maisdo que as dos outros, so de deslumbramento, particularmente quando se referemaos homens jovens e s mulheres. A ima

    gem dos "ndios" no casual: os primei

    ros navegantes esto convencidos de queaportaram no Paraso Terrestre e descrevem as criaturas belas e inocentes que viveriam nas cercanias paradisacas. A estaconstruo imaginria veio acrescentar-se,mais tarde, a que identificava s nativoscom as 10 tribos perdidas de Israel e que,encontradas, ofereciam o primeiro e segurosinal de que se aproximava o Tempo doFim, a restaurao do Reino de Deus na

    Terra. Quando, no sculo XVIII, fazendo

    500 Anos - Caminhos da Memria,Trilhas do Futuro

    Mariena de Souza Chaui

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    a crtica iluminista da civilizao e anunciando o romantismo, Rousseau construiua figura do bom-selvagem, apenas concluiuum caminho aberto no final do sculo XV.

    Contraposta imagem boa e bela dosnativos, a ao da conquista ergueu umaoutra, avesso e negao da primeira. Agora, os "ndios" so traioeiros, brbaros, indolentes, pagos, imprestveis e perigosos.Postos sob o signo da barbrie, deveriamser escravizados, evangelizados e, quandonecessrio, exterminados.

    Durante os ltimos 500 anos, a Amrica no cessou de oscilar entre as duasimagens brancas dos ndios e, nos dois casos, as gentes e as culturas s puderamaparecer filtradas pelas lentes da bondadeou da barbrie originria. Cegos e surdospara a diferena cultural (no sentido amplo deste termo), os ps-colombinos e ps-cabralinos realizaram a obra da dominao,mesmo quando julgaram que faziam ocontrrio, desejosos de aumentar o rebanho do povo de Deus ou os cidados dasociedade moderna.

    Entre os efeitos dessa obra - colonizao, evangelizao, escravido, aculturao,extermnio - destaca-se um: a certeza deque os povos indgenas pertencem ao passado das Amricas e ao passado do Brasil. Passado, aqui, assume trs sentidos.Passado cronolgico:os povos indgenasso resduo ou remanescente em fase deextino como outras espcieis naturais.Passado ideolgico: os povos indgenasdesapareceram ou esto desaparecendo,vencidos pelo progresso da civilizao queno puderam acompanhar.Passado simblico: os povos indgenas so apenas amemria da boa sociedade perdida, daharmonia desfeita entre homem e natureza, anterior ciso que marca o advento

    da cultura moderna (isto , do capitalismo).No presente, os ndios seriam apenas umarealidade emprica com a qual difcil lidar em termos econmicos, polticos e sociais. Donde a ideia de "Reserva Indgena", espao onde se conservamespcimens e resduos.

    A Exposio "ndios no Brasil: Alteri-dade, Diversidade e Dilogo Cultural" procurou uma perspectiva crtica face duplatradio do bom e mau selvagem e ideologia do passado como nico tempo queresta aos povos indgenas. Procurou o plural - ndios - em lugar do singular "o ndio"(inexistente). Procurou o presente - as naes indgenas fazem parte do presente

    brasileiro e as lutas em torno da demarcao e explorao das terras indgenas aprova contundente dessa presena atual.Procurou a diferena de culturas: o olhardo branco sobre a alteridade, reduzindo--a, na maioria das vezes, identidade (osndios como antepassados arcaicos dos brasileiros ocidentais); o olhar dos ndios sobre os brancos, olhar de desconcerto, espanto, temor e clera; os olhares dos ndiosentre si, isto , a pluralidade de lnguas, histrias, culturas. E deixou abertas as trilhas

    do futuro: dilogo ? destruio ? aprendizado recproco ?

    Talvez a resposta inicial a estas perguntas se encontre no abaixo-assinado de milhares de crianas, jovens e adultos, dirigidos Presidncia da Repblica, exigindoa demarcao das terras indgenas, o respeito autonomia poltico-cultural das naes indgenas e o convite para que as discusses e decises sobre os problemasecolgicos passem pelo crivo da modernidade indgena que nos tem muito aensinar.

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    tes no tratamento da diversidade tnica ecultural existente no Brasil de 1500 aos diasatuais. Os meios de comunicao continuam produzindo imagens distorcidas darealidade indgena. As organizaes no--governamentais, que realizam campanhasde apoio aos ndios e produzem materialinformativo de qualidade sobre eles, tmatingido uma parcela muito reduzida da so

    ciedade. O Estado brasileiro, por sua vez,tem implementado polticas e programasde assistncia aos ndios sem levar em considerao o conhecimento disponvel sobre estas populaes e mesmo a opiniodestes grupos. Preconceito, desinformaoe intolerncia tm, assim, cercado as populaes indgenas no Brasil.

    Procurou-se, ento, com a realizaodeste evento, reverter tal quadro atravs daseleo e da apresentao de aspectos relevantes que definem e conformam as so

    ciedades indgenas, bem como de temasque tm estruturado nossa reflexo sobreestas sociedades. Pretendeu-se apresentara diversidade de solues que os gruposindgenas lograram construir no que diz respeito a sua organizao, sobrevivncia e relaes com o seu meio ambiente, enfatizando que as sociedades indgenas dasbaixas terras sul-americanas configuram umtipo de instituio social e de desdobramento da capacidade criativa e adaptativa daespcie humana.

    Propunha-se, inicialmente, a exposiotrabalhar, em perspectiva histrica, as imagens produzidas, de um lado e de outro,no contato das populaes indgenas doNovo Mundo com os europeus, as manifestaes scio-culturais das sociedades indgenas hoje e sua insero no mundo moderno e contemporneo. Para tanto, foramdefinidos trs eixos conceituais propostoscomo estruturadores dos diferentes mdulos que comporiam a exposio. Estes eixos foram, ento, traados a partir de trs

    conceitos distintos: a alteridade, a diversi-

    ndios no Brasil: Alteridade, Diversidade e Dilogo Cultural o ttulo da exposio que ocupou, de 14 de junho a 27de julho de 1992, todo o andar trreo doPavilho da Bienal, uma rea de quase5.000 m2, no Parque do Ibirapuera emSo Paulo. Uma das atividades centrais doprojeto cultural "500 Anos: Caminhos daMemria - Trilhas do Futuro" desenvolvi

    do pela Secretaria de Cultura paulistanapara celebrar os 500 anos de descobertada Amrica, os 200 anos do esquarteja-mento de Tiradentes e os 70 anos da Semana de Arte Moderna, a exposio tevecomo objetivo principal oferecer populao da cidade de So Paulo um conjunto de informaes corretas, contextualizadas e acessveis sobre a realidade indgena brasileira, procurando-se combater asnoes de selvageria, atraso cultural e humanidade incompleta que caracterizam a

    compreenso das sociedades indgenas pelo senso comum. Pretendeu-se com a realizao desse evento contribuir para umamudana qualitativa no tratamento da realidade indgena brasileira, entendendo quea apresentao desse conjunto confivel deinformaes uma das condies bsicaspara que, de fato, ocorra mudanas nas formas de pensar e nas atitudes com relaoas mais de 200 sociedades indgenas quehabitam o territrio nacional.

    O ponto de partida para a elaboraodo projeto conceituai e museogrfico dessa exposio1 foi a avaliao de que o conhecimento produzido e acumulado sobreas sociedades indgenas brasileiras aindano logrou ultrapassar os muros da academia e o crculo restrito dos especilistas.Nas escolas a questo das sociedades indgenas, frequentemente ignorada nos programas curriculares, tem sido sistematicamente mal trabalhada. Dentro da sala deaula, os professores revelam-se mal informados sobre o assunto e os livros didti-

    cos, com poucas excees, so deficien-

    As sociedades indgenas no Brasil atravsde uma exposio integrada

    Lus Donisete Benzi Grupioni

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    Estandartes daentrada da

    exposio ndios noBrasil, Pavilho daBienal. Parque do

    Ibirapuera. Foto:Lus Grupioni.

    dade e o dilogo cultural. O registro daal-teridade nos serviria de guia para resgatar o imaginrio investido na situao de

    contato e que nela se transforma. De suasvrias perspectivas: brancos descobrindondios e ndios descobrindo brancos e outros ndios. A noo da diversidade nospermitiria explorar a sua no-homogenei-dade: os ndios so diversos de ns, mastambm diversos entre si. E, enfim, esta diversidade posta em causa apontaria parao dilogo com estas culturas que fazemparte de nosso presente e que esto tambm includas no horizonte e na definiode nosso futuro comum. Abdicando do

    vis histrico, mas mantendo sequnciastemporais significativas, a exposio foi dividida em mais de 30 mdulos organizados a partir desses trs eixos conceituaisestruturadores.

    Passo, agora, a demonstrao de como articulamos cada um destes conceitos.

    Eixos conceituais:

    1. Alteridade: figuraes do outro entre

    brancos e ndios

    A descoberta de um novo mundo ha

    bitado por povos at ento desconhecidosfoi, sem dvida, o acontecimento mais extraordinrio e decisivo da moderna hist

    ria do Ocidente e desencadeou uma vasta elaborao de discursos e imagens sobreestes povos e lugares. O contato mantidocom os povos do Oriente no se cercarado sentimento de perplexidade que, ento,tomou conta dos europeus. Os padres conhecidos das diferenas culturais dificilmente se aplicam a eles, multiplicando os conflitos de interpretao sobre sua identidadee as polmicas sobre os procedimentosadequados para a colonizao e o contato. De inco, sabemos, de to inverossmel

    -sem f, sem lei e sem rei- esse Mundo vizinha o fantasmagrico e, depois, passa aoscilar na mente dos europeus entre a imagem de um inferno bestial e de um paraso terrestre ao sabor dos interesses, elaboraes e fantasias que presidem o tempoda conquista.

    Dos descobridores aos nossos contemporneos, as sociedades indgenas foram,quase sempre, projetadas do lado da natureza por uma cultura incapaz de acolhera alteridade. Figuras como a de brbaros,

    bons selvagens, primitivos e arcaicos foram

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    elaboradas nesse processo de contato, pacificao e convvio experimentado pelaspopulaes nativas no Novo Mundo apsa chegada e instalao dos europeus.

    E se a alteridade se colocou como umproblema para os europeus, ela tambmo foi para os povos indgenas, que tiveramde reelaborar seus esquemas conceituaispara dar conta da irrupo destes novospersonagens. De um lado e de outro doAtlntico o encontro destes povos se constitua num momento capital de suas histrias. O contato representou o fim da autonomia scio-cultural de muitos povosindgenas do continente e no foram poucos os que sucumbiram perante a determinao dos colonizadores. A presenados europeus foi se constituindo como algo permanente, que exigia respostas e estratgias de enfrentamento. A atitude deestranhamento e as mltiplas respostas dadas por estes povos presena dos europeus revela que a alteridade foi enfrentada apesar da descontinuidade queimpunha as diversas ordens sociais estabelecidas.

    Prova disto que muitos povos indgenas, no processo contnuo de reelabo

    rao de suas tradies mticas, incluramos brancos nos seus mitos de criao. Namitologia dos ndios Waipi do Amap, porexemplo, a irrupo dos brancos acontece nos tempos remotos da criao do universo, quando o heri cultural Ianejar criaos Waipi, que integram a categoria doshumanos, juntamente com os brasileiros,os negros e os franceses, estando todos fadados a uma vida breve, que os distinguedo criador da humanidade. Neste tempomtico viviam todos juntos, mas o heri cul

    tural foi obrigado a separ-los impingindo--lhes lnguas no inteligveis, locais de habitao diversos e instrumentosdiferentes.2Para os ndios Krah, por suavez, o heri cultural teria oferecido aos ndios a possibilidade de escolha entre o arco e flecha e a espingarda e outros bensindustrializados. Os ndios, numa escolhaconsiderada mais tarde como equivocada,ficaram com o arco e por isso os brancostornaram-se civilizados e tecnologicamentesuperiores. Em outros sistemas culturais,

    os brancos foram incorporados de forma

    diversa. Os Boror na sua classificao eapropriao dos elementos e seres quecompem o universo designaram o cl dosBokodori Ecerae (um dos 8 cls em quedividem sua sociedade e seus membros)como possuidores dos bens do branco edo prprio homem branco. Assim como otatu-canastra, o colar com garras de ona,e certas constelaes de estrelas, o homembranco foi descoberto, apropriado e integrado no universo metafsico boror.

    No so passivas e nem uniformes, assim, as respostas dadas pelos grupos indgenas para a alteridade representada pelos brancos dado, de um lado, a diversidadesocio-cultural existente e, de outro, os va

    riados processos de contato nos quais es-

    Mapa da exposio

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    Solenidade deabertura da

    exposio ndios noBrasil com a

    presena da Prefeitade So Paulo, Lufza

    Erundina, daSecretria deCultura, Marilena

    Chaui e delideranas indgenas

    Guarani da aldeiado Morro da

    Saudade. Foto: K.Alcovr.

    tas sociedades indgenas estiveram envolvidas.

    A partir dessa conceituao da alteri-dade, passamos para a avaliao das possibilidades de apresentao museogrfica.E aqui tivemos uma grande dificuldade: ade contrapor as representaes sobre os ndios realizadas pelos brancos, com aquelas representaes sobre os brancos feitapelos ndios, pois buscvamos um equilbrio, tanto no aspecto da comparao formal, quanto na apresentao museogrfica. A mitologia , sem dvida, o grandeterreno para as elaboraes sobre o homem branco e sobre o contato. Mas os mitos constituem uma elaborao filosficade difcil entendimento e decifrao, e mui

    to mais ainda de apresentao museogrfica. H entretanto alguns artefatos produzidos pelos ndios que ao incorporarempedaos de bens industrializados, ou representarem de forma pictrica o homembranco, poderiam ser utilizados para a contraposio que estvamos nos propondoa apresentar. H ainda algumas representaes cerimoniais onde os ndios representam os brancos, como por exemplo a festa realizada pelos Boror, quando satirizama figura do branco. Entretanto, os elemen

    tos de que dispnhamos para apresentar

    o olhar indgena se mostrava muito reduzido e at mesmo empobrecido diante doque traramos para apresentar as figuraeselaboradas pelos brancos. Na avaliao final, decidimos desistir da contraposio eelegemos as representaes sobre os ndiose suas apropriaes pela nossa sociedadecomo o foco de desenvolvimento do conceito da alteridade e como gancho para aapr esen ta o na forma de umaintroduo- para a segunda e terceira parte da exposio. A viso dos ndios sobreos brancos -e o registro efetivo de suapresena- foi apresentada na segunda parteda exposio em diferentes mdulos.

    O registro da alteridade serviu de guia,ento, para resgatar o imaginrio investido na situao de contato e permitiu a organizao de um conjunto extremamenterico de obras raras e originais. Aberta comuma reproduo da clebre carta de ProVaz de Caminha ao rei Dom Manuel, estaprimeira parte da exposio abrigou umconjunto de obras nunca antes reunido.Das cpias das pinturas de Albert Eckhout,feitas por Neils Aagard Lutzen a pedido doimperador D. Pedro II, passando por originais de Debret, Rugendas, Florence eWied-Neuwied; registrou-se a corrente in-

    dianista na pintura histrica atravs dos pin-

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    ndio Xavante fala -durante ainaugurao daexposio - sobre ocentro das aldeiasJs, lugar pblicopor excelncia, ondese desenvolvem osprincipais rituais eonde so tomadasas decises polticas.Foto: VilmaGonalves/CIMI.

    cis de Oscar Pereira da Silva, BeneditoCalixto, Vitor Meirelles e Diogo da SilvaParreiras, na literatura atravs dos textos deGonalves Dias e Jos de Alencar e na msica atravs de orginais da pera de Car

    los Gomes. Primeiras edies de cronistas,viajantes e naturalistas foram expostas emvitrines. A representao do ndio na pintura e na escultura contempornea (Vol-pi, Poty, Glauco Rodrigues, Portinari, LuisRochet, Waldomiro de Deus,) foi precedida pelo registro da volta s origens empreendida pelo modernismo (Di Cavalcanti, Rego Monteiro e Brecheret). Deu-se umdestaque especial para 23 desenhos inditos de Cndido Portinari feitos nos anos40 para ilustrar uma edio de "A Verda

    deira Histria" de Hans Staden. A incorporao do ndio pela sociedade envolvente foi apresentada pelo uso de nomes ereferncias indgenas em produtos comerciais, no carnaval, no cinema, na filateliae na numismtica, na literatura de cordele no culto aos caboclos realizado pelas religies afro-brasileiras. Esta primeira parteencerrou-se com uma vitrine vazia ondepoderia ter figurado um dos seis ltimosmantos de plumas dos ndios Tupinamb,todos depositados em museus europeus,

    e que a curadoria da mostra tentou -sem

    sucesso- trazer para o Brasil. Entendia-seo manto como um objeto catalizador, quese impe pela densidade de significadosque, dentro do seu contexto de origem oufora dele, podia sugerir, capaz de sinteti

    zar o processo de expropriao e museifi-cao ocorrido com o Novo Mundo apsa chegada dos europeus no sc. XVI.

    2. Diversidade: imploso do conceito genrico de ndio

    No segundo momento da exposio,nossa proposio foi desenvolver o conceito da diversidade. A apresentao da diversidade das manifestaes scio-culturaisdas sociedades indgenas no Brasil esbar

    rava na aparentemente homogeneizada efolclorizada categoria genrica de ndio.Era, assim, preciso desconstruir tal noo,subtraindo-lhe sua fora de unidade homo-geneizadora para que se constatasse a rica diversidade existente entre as sociedades indgenas no Brasil contemporneo.

    Fruto de um erro histrico do sculoXVI e inveno da sociedade nacional, acategoria ndio, perpetuada atravs dosanos, acaba adquirindo uma conotaopoltica. Ela passa a ser incorporada pelos

    grupos indgenas no processo de constru-

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    o de uma identidade coletiva,nomeando-os frente ao restante da sociedade. Estabelece um contnuo de semelhanas estruturais entre as diferentes sociedades indgenas e um marco em relaoaos civilizados. A manuteno desta identidade social coletiva, por parte dos ndios,passa pela manipulao de suas especificidades culturais e dos esteretipos da sociedade envolvente e no implica na anulao de suas marcas tnicas.

    Se recente, entretanto, a apropriaopelos grupos indgenas da categoria ndios, fato que ela tem nos servido h muitotempo. Tem possibilitado a criao de umaunidade genrica que permite, num primeiro momento, diferenciar nossa sociedadedo conjunto das diferentes sociedades indgenas existentes no territrio brasileiro.

    As sociedades indgenas compartilhamde um conjunto de traos e elementos bsicos, que so comuns a todas elas e as diferenciam de sociedades de outro tipo. Algica e o modelo societal compartilhadopelos grupos indgenas so diferentes donosso. Duas ordens de problemas esto colocados: o que faz com que uma sociedade seja indgena? e o que as diferencia umadas outras? E o modo de viver, de organizar as relaes entre as pessoas e destascom o meio em que vivem e com o sobrenatural que faz com que uma sociedade seja indgena. Sociedades indgenas sosociedades igualitrias, no estratificadasem classes sociais e sem distines entrepossuidores dos meios de produo e possuidores de fora de trabalho. So sociedades que se reproduzem a partir da posse coletiva da terra e dos recursos nelaexistentes e da socializao do conhecimento bsico indispensvel sobrevivn

    cia fsica e ao equilbrio scio-cultural dosseus membros.3

    Mais que a especializao, emborasempre haja exmios caadores, cantadores e artesos, a diviso do trabalho porsexo e por idade que regula a produonestas sociedades. As tarefas do dia-a-diaso repartidas entre homens e mulheres deacordo com suas idades e nenhuma classe ou grupo detm o monoplio sobre umaparte do processo produtivo ou sobre umaatividade especfica. Despontam, todavia,o xam, regulando e intermediando as re

    laes com o mundo dos espritos, e o chefe apaziguando as disputas polticas e buscando consenso e coeso. Regras,compromissos e obrigaes estabelecidospelas relaes de parentesco, de amizadeou criadas em rituais e em contextos polticos definem a distribuio de bens e servios. Generosidade, redistribuio e reciprocidade criam, recriam e intensificamrelaes nessas sociedades.4

    Embora possamos tentar apreender estas sociedades isolando aspectos como opoltico, o religioso, o econmico, estes seentrelaam num todo compacto e coerente. A coeso ntima de todos os elementos conforma a especificidade scio-culturalde cada um destes grupos. Isto coloca osegundo problema que identificar os mecanismos que permitem vislumbrar a diversidade destes grupos. No s habitam reasgeogrficas distintas e vivenciam processoshistricos especficos estes grupos so emsi diferenciados. Estudos monogrficos tmrevelado o nexo cultural de muitas sociedades indgenas. Trata-se de uma riquezascio-cultural adaptativa significativa em solucionar de forma original problemas colocados a todos os grupos humanos: como estabelecer relaes entre seus pares,com os seus opositores e com o meio natural e sobre-natural que os circundam.

    A lngua sem dvida o primeiro critrio lembrado em termos de diversificaocultural. So cerca 170 lnguas indgenasconhecidas, classificadas e distribudas. Ocontato histrico e o uso de mesmas reasecolgicas resultando no compartilhar detraos culturais comuns deu ensejo a umoutro critrio de classificao cultural: asreas culturais. Povos em contato acabamse influenciando mutuamente, difundindoe fazendo emprstimos de elementos culturais diversos. E possvel, pois, conformarreas onde grupos experimentam traosculturais uniformes.

    Estes dois critrios falam da diversidade de dentro para fora, isto , aliceram--se em elementos constitutivos destas sociedades. Mas possvel ainda agrup-lasa partir das frentes de expanso capitalista da sociedade envolvente que chegaramat estas sociedades e ento verificar a si

    tuao delas em termos do seus graus decontato.5

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    De todos esses critrios o que sobra que cada sociedade indgena se pensa ese v como um todo homogneo e coerente e procura manter suas especificidades apesar dos efeitos destrutivos do con-tato. Um Guarani ou um Yanomami,apesar de ndios, vo continuar se pensando como um Guarani e como um Yanomami.

    Nessa segunda parte da exposio, estruturada em torno do conceito da diversidade scio-cultural das sociedades indgenas, optamos por uma apresentaomuseogrfica desdobrada em dois momentos: a diversidade, propriamente dita, e aexemplaridade. Trabalhou-se primeiro coma imploso do conceito genrico de ndio,subtraindo-lhe sua fora homogeneizado-ra. Os ndios no so apenas diversos dens, so tambm diversos entre si: 200 povos, 170 lnguas e dialetos sendo falados,morando em dezenas de aldeias, habitando diferentes reas ecolgicas em todo oterritrio nacional e submetidos a diferentes processos de contato com segmentosda sociedade envolvente.

    Um conjunto de 20 totens (ampliaesfotogrficas em tamanho natural de ndios)

    introduziam o visitante nesse novo momento da exposio. A o visitante podia seguir

    por duas rotas distintas. De um lado ele encontraria dois mapas com a localizao dospovos indgenas no Brasil e uma seleode artefatos (plumria, tranado, cermi

    ca, tecelagem e mscaras rituais) de diferentes grupos indgenas, que se completavam com um longo painel comfotografias de casas e aldeias, que rodeavam algumas maquetes de estruturas decasas indgenas. Quatro calendrios de ati-vidades econmicas de grupos indgenasdiferentes davam conta de encerrar essaapresentao da diversidade de ocupaoe adaptao ao territrio. Se o visitante seguisse a outra rota se defrontaria com umlongo painel com a classificao de todasas lnguas indgenas conhecidas no Brasil.Ali dois "brinquedos" apresentavam 24 palavras em lnguas indgenas diferentes: ovisitante rodava um crculo e descobria como se falava a palavra mo, por exemplo,em Xavante, Minky, Yanomami, Kaxara-ri, Kulina, Aweti, Tupi antigo ... Uma bancada com diversos brinquedos infantis introduzia o tema da socializao nassociedades indgenas. Esta era seguida porvitrines e painis onde foram apresentadosarmas, instrumentos de guerra e diferentes instrumentos musicais.

    Compartilhando uma srie de traos

    Durante uma visitamonitorada, crianasrecebem explicaessobre oprocessamento damandioca feito pelosndios Tukano nareproduo de umacasa de Farinhaambientada comartefatos

    etnogrficos. Foto:Lus Grupionl.

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    Filmes e vdeos etnogrficos exibidos na exposio ndios no Brasil

    Xingu/Terra

    1981. 106min. Filme de Maureen Bisilliat.Pemp1988. 27min. Direo e fotografia: VicentCarelli.

    Primeiros Contatos com os Txukarrame1990. 14min. Direo: Maureen Bisilliat.O Enigma Verde de Altamira (The GreenPuzzle of Altamira)1989. 52min. Filme de Lode Cafmeyer.

    Fruto da Aliana dos Povos da Floresta1990. 20min. Direo e fotografia: Si Ka-xinwa.

    Yanomami: a Luta pela Demarcao1989. 30 min. TV Cultura. Reprter Especial.Entrevista com Ver Recove1989. 19min. Programa A Voz da Floresta.Macsuara Kadiwel.Funeral Boror1990. 47min. Baseado em documentrio cinematogrfico de Darcy Ribeiro e Heiz Forth-man (1953. 34 min. Alemanha. Brasil).

    Os Kaiap Saindo da Floresta1989. 58min. Direo: Terence Turner.

    Povo da Lua, Povo do Sangue

    1984. 27min. Marcello G. Tassara e CludiaAndujar.

    Minerao e Desenvolvimento em rea Indgena1987. 15min. Celso Maldos e Ailton Krenak.

    Vdeos nas Aldeias1989. 9min. Direo: Vicente Carelli.Karara: um Grito de Guerra1989. 78min. Programa Reprter Especial TVCultura de So Paulo/Roseli Galleti.

    Funeral Mentuktire/Nascimento

    s.d. - 27min. Yoshikuni Takahashi.O Esprito da TV1990. 18min. Fotografia e direo: VicenteCarelli.

    Wai'A, O Segredo dos Homens1988. 15min. Direo e pesquisa: VirgniaValado.

    Yanomami: Sade1990. 57min. Direo: Caco Mesquita. TV 2Cultura -Reprter Especial.

    Mato Eles?1983. 33min. Direo : Srgio Bianchi.

    Festa da Moa

    1987. 20 min. Direo: Vicente Carelli.Na Trilha dos Uru-Eu-Wau-Wau1984. 55min. Direo: Adrian Cowell.

    Yanomami: Morte e Vida1990. 30min. Direo: Mnica Teixeira. TVManchete. Manchete Urgente.O Caminho do Fogo1984. 55min. Direo: Adrian Cowell.Os Arara1984. 134min. Direo: Andrea Tonacci.Contato com uma Tribo Hostil: Txiko1967. 26min. Direo: Jesco Von Puttmaker.

    Reinado na Floresta1973. 31 min. Direo: Adrian Cowell.A Tribo que Fugiu do Homem1973. 78min. Direo: Adrian Cowell.Expedies Famosas1953. 24min. Direo: James Marshall.Amerndia1990 Direo: Conrado Berning.Krah: os Filhos da Terra1990 - JBRACE Direo: Luiz Eduardo Jorge.Contato com uma Tribo Hostil30 min. Direo: Harry Hastings.

    Aos Ventos do Futuro45min. Direo: Hermano Penna.CPI do ndio9min. Direo: Hermano Penna.Tribo que se Escondeu do Homem90min. Direo: Adrian Cowell.

    Esses e Outros Bichos22min. Direo: Renato Neiva Moreira.GuaranilOmin. Direo: Regina Jeha.ndios: Direitos Histricos23min. Direo: Hermano Penna.Xingu/Luta9min. Direo: Maureen Bisilliat. MarceloTassara.Tamarikuna30min. Direo: Harry Hastings.Missa da Terra sem Males35min. Direo: Conrado.Repblica GuaranilOOmin. Direo: Slvio Back.

    Kaigang19min. Direo: Inim Simes.

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    A nominao,iniciao e morte deum indivduo,importantes rituaisdos fndios Boror,foram apresentadosna exposio atravsde trs cenrios combonecosornamentados. Foto:Lus Grupioni.

    comuns, as sociedades indgenas se diferenciam muito uma das outras. Trabalhou-

    -se, ento, com aspectos significativos douniverso indgena a partir da eleio de algumas especificidades: a casa de farinhaTukano, os rituais de nominao, iniciaoe morte dos Boror, o etno-conhecimentodos Xikrin, a concepo do cosmo dos ndios Waipi e a pintura dos Kayap mere--ceram destaque.

    3. Dilogo cultural: ndios do presentee do futuro

    O terceiro e ltimo momento da exposio foi estruturado para combater umasrie de equvocos que cercam a realidade indgena e para demonstrar uma realidade pouco conhecida.

    No obstante a crena generalizada dedecrscimo das populaes indgenas, bemcomo sobre sua degenerao e empobrecimento cultural, fato que a partir dosanos 70, e mais ainda nos ltimos anos,o contigente populacional indgena temcrescido de forma constante, como se mos

    tram tambm revigoradas suas culturas,

    com o aumento de seu reconhecimento eauto-estima. Ao lado disto, consolidam-se

    instrumentos jurdicos que garantem a pro-teo e direitos especficos a estes grupos,e embora muitos ainda considerem que osndios se constituem como obstculos para a expanso de atividades econmicascapitalistas em diversas regies, no maisconcebvel a admisso pblica do extermnio destas populaes, como tantas vezesocorreu no passado. Por fora constitucional hoje o prprio Ministrio Pblico estpreocupado com os ndios e seus direitos,e o Estado, apesar de sua ineficincia, con

    ta com condies materiais objetivas paraatender as demandas formuladas pelas sociedades indgenas, a quem deve assistir.

    certo que o Estado continua mantendo uma posio ambgua nesta questo. Ele oscila entre um protecionismo genrico, marcado pela importncia dosndios para a ideologia da nacionalidadee consusbstanciado numa legislao pro-tetora que reconhece direitos formais, euma prtica sistemtica de descaso e desrespeito para com estas populaes, enten

    dendo os ndios como impeclho para o de-

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    senvolvimento e transormando-os emcones da negao do progresso.6

    Essa ambiguidade do Estado se reproduz na sociedade civil e permite, por exem

    plo, que a nao assista estarrecida ao massacre de 14 ndios Tikuna no Igarap doCapacete em maro de 1988, ou que permanea passiva -ainda que comiserada-diante da tragdia Yanomami no auge daatividade de predao dos garimpeiros.Distantes, mas no o suficiente para queos ignoremos, os ndios e seus problemas

    Por onde comearuma pesquisa sobre ndios?

    ROTEIROBIBLIOGRFICO

    ndios no BrasilAlte rida de - Diver sida de - Di logo Cul tura l

    Do conjunto depublicaes didricas

    produzido para aexposio ndios noBrasil, destaca se o

    Roteiro Bibliogrficocom 25 indicaes

    de livros.

    insistem em nos incomodar. Eles nos colocam em contato com a face autoritriade um Estado prepotente e centralizadore com uma sociedade civil frequentemen

    te aptica que titubeia cada vez mais entre fechar os olhos ou apavorar-se diantedos menores nos semforos, dos pais defamlia sem emprego, de grupos de extermnio ou de suicdios em massa como dosndios Kaiow. Se para setores da sociedade civil os ndios, no obstante sua presena efetiva, representam somente umaherana cultural a ser resgatada, para umaparcela cada vez mais significativa destamesma sociedade os ndios tm direitos edevem ser respeitos. Pesquisa recente realizada em So Paulo indica que mais de80 % da populao a favor da demarcao das terras indgenas, mesmo comprejuzo de projetos de explorao econmica.

    Os ndios e seus problemas nos incomodam ainda porque, ao afirmarem suadiversidade e especificidade cultural, reclamam a dvida secular de dominao etno-cida que se seguiu ao descobrimento e, depois, ao esfacelamento do ideal libertriorepresentado pelo ndio "bom selvagem",sempre presente no imaginrio coletivo doOcidente.

    Hoje, ao chamarem ateno para aviabilidade e a necessidade de respeito, aosseus tipos diferenciados de existncia e organizao, os ndios esto nos questionando a fundo sobre o nosso modelo de sociedade. E no propondo o seu modelocomo plausvel para ns, mas antes de tudo como referencial: "os ndios so bonspara pensar", poderia dizer um leitor engajado de Lvi-Strauss.

    A violncia cometida contra populaes nativas e a preocupao com sua preservao tm levado, por sua vez, a mobilizao na rea cientfica. Algunspesquisadores chamam a ateno para opotencial gentico diferenciado representado por cada uma destas sociedades e para a importncia de sua manuteno. Outros trataram de lembrar e registrar oconhecimento milenar desenvolvido porestes povos no conhecimento e no trato domeio que habitam. , assim, que novas es

    pcies animais, vegetais e minerais foram

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    conhecidas e esto sendo investigadas. Amedicina indgena, a utilizao equilibrada do potencial energtico da floresta ama-znica - que sustenta populaes nativash sculos - reclamam o reconhecer dossaberes indgenas e seu legado para o restante da humanidade. Foram eles que domesticaram plantas que integram dietas ecardpios de grupos que hoje no se conceberiam sem elas: mandioca, milho, batata, tomate, feijo, borracha, castanha-do--par, erva-mate, amendoim, guaran,quinina, algodo e cacau, para ficar apenas em alguns.7

    No bojo da vaga ecolgica que varreo mundo, muitos passaram a nutrir simpatia pelos ndios a partir da viso de que estes no s defendem a natureza, mas fazem parte dela, assim como a mataatlntica ou o mico-leo dourado. Vivendo integrados natureza, so ecolgicosem essncia e, assim, devem ser protegidos e preservados. Evidentemente que osndios tm uma estreita relao com a natureza e sua sobrevivncia depende doequilbrio desta relao. Mas quando se tor

    nam recorrentes notcias de que ndios vendem madeira ou propiciam atividades degarimpo em suas terras, ento essa imagem idlica do selvagem imerso na natureza precisa ser revisada. Simtrica a esta posio, a do Estado que sempretratou os ndios como seres desprovidos devontade poltica, naturalizados e vistos como variveis passivas nos seus planos estratgicos de desenvolvimento e ocupaodo territrio nacional. Para os planejadores governamentais, frequentemente os ndios so apenas "um problema ambientalpara as grandes obras de engenharia". Assim. a fora adquirida no final dos anos 80pelo par ndio/natureza precisa ser reconsiderada, no s porque encobre muitos

    problemas, mas porque est assentada sobre um equvoco: o de que o reconhecimento dos direitos indgenas se faz em decorrncia de seu valor ecolgico. Ora, preciso ficar claro que os direitos indgenas independem de vivncia ecolgica destes grupos, pois provm do fato de se constiturem como grupos humanos, social eculturalmente diferenciados. 8

    Visitantes assistemum vdeo sobre ainvaso degarimpeiros na reaindgenaNambiquara nomdulo sobreminerao, garimpoe terras indgenas.

    Foto: Lus Grupioni.

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    Folder com aprogramao dos

    eventos paralelos daexposio ndios no

    Brasil.

    Oficinade tranado

    indgena

    A partir das folhas da palmeirababau, buriti e inaj, os povosindgenas tranam cestos, peneiras, abanos, bolsas e outrosutenslios domsticos. Os ndios Krah, em Gois, conhe

    cem 12 formas de comear otranado de um mesm o tipo decesto. Venha aprender mais sobre a arte do tranado com a antroploga Ester de Castro.

    0 5 ,0 8 ,0 9 , 1 5 ,2 2 ,2 3de julho- 15:00h.

    Oficina depintura facial

    Pintando suas faces, seus corpos e seus objetos, os ndiosexpressam momentos e sentimentos importantes em suasvidas. Jenipapo, urucum, carvo e barro so utilizados naarte de pintar-se. A antroploga c artista Elsje Maria Lagrouensina a fazer alguns motivosde pintura facial e explica seussignificados.

    27 de Junho- 1 1:00 h.28 de Junho-11:00 h.05 de Julho- l l:00h.

    Oficinade argila

    So muitas as formas, os use >se as decoraes dos potes decermica feitos pelos ndios. Oceramista Oey Eng Goan vaiconfeccionar algumas bonecas de barro, imitando a artedos ndios Karaj, que moramna ilha do Bananal. Venha mo-delar uma boneca de argila.

    04 de julho11:00 h. r 14:00 h.

    12 de julhoU:0 0 h .

    Oficinade lnguasindgenas

    "Tupi or not Tupi?". Falam-sehoje no Brasil mais de 170 lnguas indgenas diferentes. Essa pluralidade lingustica, expresso e constituio da diversidade scio-cultural indgena. ser trabalhada pela linguista Ruth Monserrat.

    12 de julho- 15:00 h.18 de julho- 1 1:00 h.

    Apresentaode repentista

    No desafio caracterstico da arte do repente, o artista popularJota Barros e seu amigo vo seenfrentar para falar sobre osndios do Brasil. Venha assistira essa manifestao da arte p< >-pular brasileira.

    20 e 27 de junho -15:00 h.

    11 de julho -15:00h.

    18 de julho -15:00h.

    Apresentaode sons

    indgenas

    Marlui Miranda uma d as poucas cantoras brasileiras que sededica ao estudo e interpretao dos sons indgenas. Paraela a msica indgena constituium exerccio de liberdade ecriao, que envolve toda a c< imunidade. Venha conferir seutrabalho sobre a sonorizaoindgena.

    14 de junho - 18:00 h.25 de julho- I5:00h.

    Apresentaode dana e

    msica Guarani

    Os ndios Guarani qu e habitam, milenarmente a MataAtlntica brasileira, apresentam aspectos de seu universomtico e cultural na encenao"Mito da criao do mund o eoutras lendas". Resgatar a tradio indgena um dos obje-tivos do Ncleo de Arte Milenar Amb Arand, que coordenar estas apresentaes.

    19 e 26 de julho-I 1:00 h. 14:00 li.

    e 15:30 h.

    Conversas comum chefeWaipi

    O lder Kassiripin Waipi, quemora na aldeia do Mariry, noAmap, conta estrias e falasobre a cultura do seu povo.Pala tambm sobre os problc-mas que os Waipi vmenfrentando para garantira integridade de seu territrio.

    21, 24 e 28 de junho -15:00 h.

    Debate sobrea realidade

    indgena

    A Comisso ndios no Brasil,criada pela Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo,realiza duas reunies de trabalho e discusso sobre temasatuais referentes temtica in

    dgena.26 de junho- 14:00 h17 de julho- 14:00 h

    Lanamento dolivro "Grafismo

    Indgena"

    A editora Nobel e a Universidade de So Paulo lanam o livro "Grafismo Indgena - Estudos de Antropologia Esttica".organizado por Lux Vidal, eque rene artigos de antroplogos e pesquisadores sobre aarte grfica indgena brasileira.

    26de junho- 18:00 h.

    Lanamento dolivro "Histria

    dos ndios

    no Brasil"A Secretaria Municipal de Cultura, a Companhia das Letras ea FAPESP lanam o livro "Histria dos ndios no Brasil", organizado por Manuela Carneiro da Cunha, reunindo diversos artigos de estudiosos sobre o tema.

    24de julho- 19:00 h.

    Contadoresde histria

    As tradies indgenas tminspirado a literatura infamo-

    juvenil para criar belas histrias. Contadores de histria ligados s bibliotecas municipais contam histrias sobre osndios para o pblico infantil.(Veja a programao das sesses de conto no hall de entrada da exposio.)

    Ciclo devdeos

    etnogrficos

    Diariamente so exibidos vdeos etnogrficos produzidospor entidades de apoio aos ndios e filmes relacionado s temtica indgena. (Veja a programao diria no hall de entrada da exposio.)

    Outros eventos:

    Durante os meses de junho ejulho, esses e outro s ev entosacontecem no espao demulti-uso da exposiondios no Brasil, no andar trreo do Pavilho da Bienal, noParque do Ibirapucra. (Acompanhe a programao pela imprensa.)

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    Crianas participamda conversa com o

    lder indgenaKassiripin Waipi

    no espao multi-usoda exposio. Foto:Fernando Conti.

    So muitos os equvocos e as distores que cercam a questo indgena, especialmente no Brasil. Assim, a proposi

    o de que "os ndios esto a, e para ficar"implica em aceitar que um projeto de recuperao da cidadania brasileira ou umprojeto de modernidade deve reservar umespao para os ndios e para suas demandas. A convivncia com a diversidade pode representar uma rica experincia culturalpara todos. E o dilogo s ser possvel seconhecermos mais e compreendermos melhor essas sociedades.

    Neste sentido elegemos como soluesmuseogrficas para trabalhar o tema do

    dilogo cultural, conceito organizador dosltimos mdulos da exposio, o trabalhodas entidades de apoio aos ndios, a emergncia plural das organizaes e associaes indgenas, os direitos indgenas noatual texto constitucional, a questo da demarcao e o problema do garimpo e daminerao em terras indgenas e a apropriao de instituies tpicas do mundoocidental, como o museu e o centro de cultura, por parte dos ndios (como os Tiku-na e o Guarani de So Paulo). Esses te

    mas foram eleitos como sinais da vitalidade

    indgena no presente.

    Exposio integrada: eventosparalelos

    A exposio assim constituda compreendeu tambm uma mostra de vdeose filmes selecionados, visitas monitoradas,conferncias com ndios e especialistas,apresentaes musicais, oficinas de tranado, cermica, pintura facial e lnguas indgenas, distribuio de materiais didticosde referncias sobre ndios e uma lojinhapara venda de publicaes e artesanato. O

    servio de monitoria da exposio possibilitou que mais de 11.000 estudantes darede de ensino pblica e particular de SoPaulo tomassem parte em visitas guiadas.9 Um abaixo-assinado solicitando ademarcao das terras indgenas, em cumprimento ao artigo 67 do Ato das Disposies Constitucionais transitrias da atualConstituio, esteve a disposio do pblico visitante: 8.458 adultos e 2.871 crianas assinaram o abaixo-assinado que foiencaminhado ao presidente da Repblica

    Itamar Franco. Este conjunto de eventos

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    e servios buscou aumentar a possibilidade de reflexo, participao e aproveitamento da exposio por parte do pblicovisitante.

    Painis com textos, fotografias ampliadas, obras de arte, livros raros, artefatos indgenas, ambientes culturais recriados e sonorizados, vdeos, maquetes e mapaspreencheram o vasto espao do andar trreo da Fundao Bienal convidando o pblico visitante a refletir sobre suas ideias eatitudes perante as sociedades indgenas.Uma exposio deste porte, talvez a maior

    j realizada no Brasil quer pela sua extenso ou pelo conjunto de questes abordadas, esteve sujeita a diferentes leituras eapropriaes.

    Pensando nisto, e no pblico heterogneo que teramos visitando a exposio,procuramos desde o incio evitar que a exposio se realizasse como a ilustrao deum sistema -ainda que lacunar- de conhecimentos estabelecidos pelas especialidades da etnologia, bem como cuidamos decontornar a falsa segurana que uma apresentao demasiadamente dirigida e estruturada poderia induzir no pblico, obsta-culizando sua prpria atividade de

    interrogao e compreenso. Deste modo,ao visitante foram oferecidos eixos organizadores, sugestes de conexo de blocos informativos e de segmentos de sentido, deixando espao para sua prpriainterveno na construo dos itinerrios.Procurou-se, ainda, no projeto arquitet-nico da exposio, interromper as sequncias esboadas por "intervalos", momentos mais reflexivos, constitudos por obrassingulares -objetos catalizadores- que se im

    pem pela densidade de seu valor cultural, para alm das conexes de significao sugeridas (itens de exceo ou rarospor seu valor artstico, terico ou histrico, seja das culturas indgenas ou de sua

    interpretao pela nossa, sempre restitudos, uns e outros, ao contexto da sua produo ou cercadas das informaes necessrias para a compreenso de sua relevncia e sentido). Assim fizemos com os desenhos de Portinari e com a sala do manto Tupinamb.

    Procuramos, enfim, com o desenvolvimento dos conceitos da exposio, fazeruma crtica da forma como a questo indgena tem se apresentado no nosso coti-diano e um convite reflexo sobre nos

    sas ideias e posturas sobre o tema. No sepretendeu com isto que o pblico sasse daexposio com a sensao de compreen-o e domnio do objeto exposto. Pelo contrrio. buscou-se uma aproximao do universo indgena, atravs da suscitao dedvidas, de incompreenses e de limitesde apreenso. Esperamos que ao sair, opblico estivesse inquieto e incomodadodiante do que viu, ouviu e experimentouenquanto percorria o espao da exposio.Um incio de dilogo com as culturas ind

    genas -um dos objetivos centrais destaexposio- exige de ns a rarefao de nossas certezas, o questionamento de uma srie de ideias pr-concebidas, incompletase muitas vezes equivocadas. Entendemosque a busca da compreenso do outro passa necessariamente pela interrogao sobre ns mesmos, ou, ao menos, sobre algumas de nossas ideias e opinies.

    Esta exposio, acreditamos, deu umpasso neste sentido.

    Notas nas no Brasil, no priorizando nenhuma linha poltica ou ideolgica especfica.

    2. Cf. Gallois, Dominique 1985 "ndios e brancos na mitologia Waipi: da separao dos povos recuperao das ferramentas" inRevista do Museu Paulista. N.S.. vol. XXX, USP. So Paulo.

    3. Silva, Aracy Lopes da 1987 "Nem Taba,nem Oca: uma coletnea de textos disposio dosprofessores" in Aracy Lopes da Silva A questoindgena na Sala de Aula: subsdios para professoresde 1?e 2?graus.So Paulo, Ed. Brasiliense.

    4. Grupioni, Lus Donisete Benzi 1988 A

    1 A curadoria da exposio ndios no Brasil entendeu.. desde o incio dos seus trabalhos, que a realizao de um evento de tal envergadura devia seconstituir num espao de interao entre os diferentes personagens que formam o campo antropolgico e indigenista brasileiro. Neste sentido foram convidados a tomar parte, em momentos distintos doprocesso de viabilizao desta exposio e dos eventos paralelos, especialistas ligados a diferentes universidades, museus e organizaes no--governamentais. Procurou-se, assim, fazer umreconhecimento legtimo e coletivo do conjunto dos

    trabalhos acumulados junto s sociedades indge-

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    questo indgena no Brasil, mimeo., So Paulo,Comisso Justia e Paz.

    5. Silva, Aracy Lopes da 1988 ndios, SoPaulo, Ed. tica.

    6. Durham, Eunice 1983 "O lugar do ndio"in Lux Vidal (org.) O ndio e a Cidadania,SoPaulo, Ed. Brasiliense.

    7. Ribeiro, Berta G. 1990 Amaznia Urgente: cinco sculos de histriaeecologia,Belo Horizonte, Ed. Itatiaia.

    8. Andrade, Lcia e Viveiros de Castro, Eduardo 1988 "Hidreltricas do Xingu: o Estado contra as sociedades indgenas" in Santos, Leinad e Andrade, Lcia As Hidreltricas do Xingu e os Povos Indgenas,So Paulo, Comisso Pr-ndio deSo Paulo.

    9. Os monitores da exposio ndios no Brasil participaram do curso de reciclagem "500 anos depois:os ndios no Brasil Contemporneo", que foi ministrado para os funcionrios das bibliotecas municipais que, ano a ano, atendem uma avalanche deestudantes procura de dados sobre os ndios parasuas pesquisas escolares.

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    Amigos dos ndios:

    os trabalhos da Comisso ndios no BrasilLaymert Garcia dos Santos

    A Comisso ndios no Brasil nasceu naSecretaria Municipal de Cultura de SoPaulo, como uma das facetas de um grande projeto comemorativo da descoberta daAmrica intitulado "500 Anos: Caminhosda Memria, Trilhas do Futuro". Faceta que,entretanto, desde o incio, trouxe a marcade um questionamento sobre o prpriosentido da comemorao.

    Com efeito, o que poderia esta signifi

    car? A celebrao de um encontro, de umdesencontro ou de um mau-encontro entre europeus e ndios, civilizados e primitivos? E celebrao para quem? Indagadoa respeito, quando se comeou a pensarno assunto, ainda em 1990, o lder daUnio das Naes Indgenas, Ailton Kre-nak respondera que, em seu entender, osndios no tinham o que comemorar, nemo que contra-comemorar, porque essa erauma questo dos brancos e para os brancos, cabendo a estes, e s a eles, avaliar

    o que tinham sido suas relaes com os povos da terra ao longo de cinco sculos. Ecompletara: se os brancos conclurem queerraram, que comemorem os quinhentosanos de guerra contra as populaes indgenas com um gesto de boa-vontade, dereconciliao.

    Devolvida aos brancos por um ndio,a questo da comemorao sofrera no entanto uma inflexo importante. Agora jno se tratava mais de perguntar o que osndios pensam sobre o descobrimento: se

    querem aproveitar a oportunidade para expressarem seu ponto de vista; o outro noqueria falar, mas antes convidar o brancoa rever sua mentalidade e conduta, a efe-tuar uma converso e a traduzi-la em atos.

    A Secretria Municipal de Cultura, Ma-rilena Chau, decidiu aceitar o convite, fazer o gesto de reconciliao. Surgiu entoa ideia de se formar uma comisso de amigos dos ndios que se reunisse mensalmente de outubro de 91 a outubro de 92 e, somando foras, sinalizasse a necessidade de

    se estabelecer uma relao positiva entre

    os brasileiros e os brasileiros natos por excelncia. O ano parecia propcio: alm doaniversrio da descoberta, havia a Eco-92no Rio.

    A disseminao e o aprofundamentoda conscincia ambiental, em decorrnciadas graves ameaas que pesam sobre oplaneta, tm despertado em toda parte aateno para o fato de que os povos primitivos cultivam um valor que o progres

    so descartou e que, no entanto, pode voltar a ser crucial para a sobrevivncia detodos: o vnculo com a terra. Ao contrriodo homem moderno, para quem a terra dos homens, para o primitivo, os homens que so da terra. No primeiro caso o homem se encontra fora do meio e o concebe apenas como fonte de recursos suadisposio; no ltimo, h uma implicaohomem-meio, um comprometimento queleva o primitivo a "tomar conta do mundo". Ora, tudo indica que a crise ambien

    tal est repondo, em novas bases, o vnculo antigo. Pois se at h pouco ocompromisso com a terra nos aparecia como um trao de arcasmo, logo um compromisso com a Terra nos parecer a nica possibilidade de futuro.

    Em toda parte h vozes, cada vez maisnumerosas, alertando para a importnciaque os povos primitivos esto assumindo,no tanto como resqucios de um passado que o progresso fatalmente eliminar,mas como portadores de um valor maior

    do qual depende nosso futuro. E o Brasil.que tem o privilgio de abrigar em seu territrio quase duzentos povos indgenas,com suas lnguas, seus mitos, seus refinados conhecimentos da terra, se d ao luxo, por ignorncia, racismo e preconceito,de desprezar e dilapidar um patrimnio cultural rigorosamente inestimvel.

    Os brasileiros ainda no atinaram como que est ocorrendo e, como seus antepassados, continuam tratando os ndios como populaes que devem desaparecer.

    Foi se impondo, portanto, a convico de

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    5? Centenrio da Descoberta da Amrica, a Secretaria Municipal de Cultura dacidade de So Paulo teve em vista, desdeo primeiro momento, que a signifiomaior do evento deve ser buscada no seu

    registro propriamente antropolgico, no impacto do encontro de humanidades diversas, a do ocidente europeu e das populaes indgenas do Novo Mundo: o "NovoMundo" novo no sentido absoluto, noda geografia, da cartografia, da paisageme do nunca antes visto, mas no sentido dedescentrar os europeus, de colocar a elesa pergunta sobre sua alteridade radical.

    Quem so esses homens, quase inve-rossmeis na sua originalidade? Se h homens tais - "sem f, sem lei e sem rei" -.

    como definir os limites do humano? Quem humano e o que o humano?

    Nestes cinco sculos o ocidente respondeu de vrios modos a estas questes.Sucederam-se na imaginao europeiabrbaros, bons selvagens, primitivos e arcaicos, redesenhando a cada passo a figurade seu etnocentrismo - constantemente et-nocidrio. Ora, como ns mesmos nos colocamos hoje face a estas interrogaes nasnossas relaes efetivas com as populaesindgenas das terras do Brasil?

    ... A mudana ...

    At h bem pouco tempo os duzentos povos indgenas no Brasil continuavamsendo considerados primitivos, atrasados,folclricos, um arcasmo que o progressoda civilizao acabaria superando, atravsda violncia e da aculturao. At h pouco, seu futuro era a ausncia de futuro: apreviso de extino que se prolonga desde o descobrimento.

    Nos ltimos anos, entretanto, a criseambiental do planeta comeou a exigir areverso dessa tendncia e a demonstrara necessidade da questo indgena ser tratada em outra dimenso. A influncia dasflorestas tropicais nas condies climticase, consequentemente, na qualidade de vida de todos os continentes; a importnciada manuteno da diversidade biolgica;a percepo de que a natureza tambm tecnologia, tecnologia de produo, nummomento em que a prpria tecnologia se

    revela nossa segunda natureza; a riqueza

    que precisvamos favorecer uma mudana de mentalidade e mostrar que, por interesse deles e nosso, urgia preservar a suaintegridade. As sondagens preliminarescom eminentes amigos dos ndiosmostraram-nos que havia receptividade para nossa proposta. Ao que tudo indicava,estvamos no caminho certo; mas, ao mesmo tempo, a prpria pertinncia da iniciativa, e as respostas que ela suscitava emnossos interlecutores, intensificavam o sentimento de que a cultura brasileira rejeita

    o dilogo com as culturas nativas,segregando-as e sufocando-as, e levavam--nos a uma descoberta - a questo indgena uma questo brasileira, nacional, quenos concerne intimamente e entretanto jamais emerge em sua amplitude e complexidade.

    As conversas preliminares resultaramnuma carta de intenes que procurava explicitar , para possveis membros, a razode nossa empresa. Escrita por Srgio Cardoso, Dalmo Dallari e o autor destas linhas,ela tambm incorporava valiosas sugestese comentrios de Marilena Chau, SeveroGomes, Manuela Carneiro da Cunha, Carlos Frederico Mars e Antnio Cndido.Com o documento nas mos, contactamosos amigos dos ndios que queramos reunir. Intitulado "1992 e a Questo Indgena", o texto dizia:

    "A histria...

    Ao iniciar seus preparativos para agrande efemride de 1992, a passagem do

    Primeira reunio detrabalho da

    Comisso ndios noBrasil, em 11.10.91.

    Foto FernandoConti.

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    de um saber tradicional que preserva omeio-ambiente porque tem como princpio cuidar do mundo e porque se percebecomo parte integrante da natureza - tudoisso vem suscitando a reavaliao da exis

    tncia do ndio, a descoberta do alto valorde sua cultura para o mundo contemporneo e uma articulao indita desta coma cultura tecno-cientfica. Considerando-seainda que cada vez mais nos tornamos capazes de apreciar a originalidade e a profundidade do saber que perpassa sua constituio scio-poltica - sociedade semEstado e contra o Estado -, a cultura dospovos indgenas do Brasil deixa, ento, deser uma herana negativa para tornar-seuma contribuio frtil e promissora para

    a sociedade brasileira e para toda a humanidade.

    O ndio, senhor da terra por ocasio dachegada dos europeus, sempre manteve,e mantm ainda hoje, uma convivnciaharmnica e ntima com a natureza. Reconhecendo e respeitando a terra, as matas, os rios e tambm a fauna como fontes de vida, o ndio soube estabelecer comestas entidades um relacionamento respeitoso e inteligente, utilizando-as na medida estrita de suas necessidades, sem agre

    dir ou destruir.O europeu e, depois, tambm o norte-

    -americano entraram nas terras dos ndiose continuam a procur-los como fontes deriqueza e de matrias primas. Derrubaramflorestas, envenenaram rios, dizimaram ouafugentaram animais, revolveram as entranhas da terra procura de riquezas. E muitos ndios foram mortos, outros tiveram queabandonar o abrigo natural que lhes garantia a sobrevivncia fsica e cultural.

    Desde 1973 existe lei obrigando o governo federal a demarcar as terras indgenas e quase nada foi feito, embora todossaibam que a demarcao facilitaria a pro-teo da posse, que direito asseguradoaos ndios pela Constituio.

    Por que as terras no so demarcadas?Quem tem interesse na omisso do governo federal e que foras protegem os omissos? Por que nem o Exrcito, que controla a Amaznia, nem a Polcia Federalconseguem impedir que mineradores invadam as terras indgenas e nelas perma

    neam? Como poderia ser feita a explo

    rao das riquezas existentes nessas terrassem destruio da natureza e sem prejuzo para os ndios?

    Evidentemente, a nova dimenso daquesto indgena comea a provocar, dentro e fora do pas, manifestaes de todaordem. O estado de esprito com relao

    aos ndios est mudando. As diversas entidades e organizaes que se ocupavamdo problema vem agora a entrada em cena de novos atores, novas abordagens, novos interesses, e sentem-se compelidas ase reformularem. O momento , portanto, propcio para tentarmos compreendero que ocorre e favorecer, em novas bases,o encontro dos brasileiros com os povos id-genas. Um reencontro com o outro que,afinal, reconciliao consigo mesmo, umavez que as culturas indgenas so antes de

    tudo, culturas da terra... e que reconhece-

    Aprescntaopblica dasatividadesintegrantes doProjeto 500 Anos eapresentao daproposta de trabalhoda Comisso ndiosno Brasil. TeatroMunicipal. 11.10.91.

    Fotos FernandoConti.

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    O presidente da

    FUNAI, SidneyPossuelo, e a

    advogada EunicePaiva participam de

    uma das reuniesda Comisso. Ao

    lado, os membrosMrcio Santilli e a

    antroploga LuxVidal. Foto

    Fernando Conti.

    mos que integram de maneira definitivanosso futuro comum.

    ... O projeto

    A Secretaria Municipal de Cultura pretende trazer estas novas ressonncias daquesto indgena considerao e debateda populao de So Paulo, de vrias maneiras:

    Em primeiro lugar mapeando e fornecendo ao pblico mais amplo, atravs deuma grande exposio intitulada "ndios noBrasil", as informaes fundamentais concernentes s populaes indgenas do pas:Quem so? Quantos so? Como se agrupam? Que lnguas falam? Que instituies

    produziram? Que costumes mantm? Oque pensam? Que arte criam? Enfim, buscar dar contornos concretos imagempouco definida e frequentemente distorcidada sociedade sobre as populaes indgenas.

    Em segundo lugar, tomando a iniciativa de sugerir e oferecer seu apoio aos universitrios, cientistas e homens de culturado pas, atravs da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia, para a realizao de uma grande reviso do saber uni

    versitrio nos seus aspectos concernentess questes indgenas e ecolgicas (antropologia, histria, geografia, literatura, filosofia, cincias mdicas e farmacuticas,qumica e todas as demais disciplinas) e para propiciar, da em diante, a colaboraodos homens de cincia num esforo permanente e sustentado de considerao in

    terdisciplinar destas questes. Tal sugestoe colaborao - j apresentadas ao Conselho da SBPC - prevem a realizao emSo Paulo da reunio anual da entidade,em julho de 1992, dando ensejo aos tra

    balhos indicados.Em terceiro lugar, a Secretaria Muni

    cipal de Cultura prope-se a criar, em colaborao com a Secretaria de NegciosJurdicos do Municpio, uma comissocomposta de personalidades comprometidas com os povos indgenas para repensar as questes fundamentais e os contenciosos envolvidos entre estes, o Estado ea sociedade brasileira, e para colaborar ati-vamente na busca da superao da incompreenso, dos clichs e preconceitos, que

    permitir alar a novas bases tais relaes.A cultura brasileira permanece pratica

    mente impermevel aos saberes indgenas,sua sociabilidade, mitos, arte e tcnicas. Opas se representou muitas vezes, em vrios planos, na figura do ndio - e no entanto, sua presena se mantm obscura,apagada, silenciosa, e sua cultura, ignorada e desprezada. Assim, a comisso proposta buscar tomar como eixo e ponto departida de seu trabalho a considerao desta ausncia no mago da cultura brasilei

    ra, a necessria sensibilizao para ela e aabertura para a presena do ndio no plano da cultura e naquele das questes sociais, econmicas e jurdicas. Buscar na legislao o enunciado dos direitosefetivamente reconhecidos aos povos indgenas, discutir-lhes o alcance e a legitimidade, talvez seja o caminho mais diretopara iniciarmos o mapeamento das balizas

    " culturais e obstculos que se interpem smudanas de atitude necessrias.

    Tal comisso, a ser instalada em outu

    bro de 1991, ouvir especialistas, personalidades, movimentos e instituies dedicadas causa indgena, promover emanter a reflexo e o debate pblico, eencetar o estudo e a elaborao de propostas de mudanas na legislao, que sero entregues considerao da opiniopblica e ao Congresso Nacional em outubro de 1992. O relatrio final ser aindaencaminhado a organizaes internacionaisconcernidas pelos seus temas visando obter seu apoio e colaborao nas tarefas pro

    postas.

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    Este projeto tem razes, contornos eobjetivos ntidos. Cria-se a comisso nopara que ela se constitua como plo de poder ou grupo de presso; no para se substituir s organizaes governamentais e

    no-governamentais; no para acionar intervenes pontuais em questes urgentes, como o faz em seu belo trabalho a"Ao pela Cidadania"; no para estabelecer um frum de debates, um grupo deestudos ou qualquer espcie de parlamento que viesse a refletir e propiciar o entendimento sobre divergncias dos movimentos e organizaes. Nem acadmica, nempoltico-partidria, a comisso deve seraquela instncia cultural que visa considerar a mudana dos nossos referenciais ra-

    lativos questo indgena, elaborar seusentido e favorecer a transformao mediante o incentivo e a instruo do debatee a proposta de mudanas concretas noque diz respeito aos aspectos jurdicos envolvidos pela questo.

    O momento parece-nos maduro paraesta iniciativa. Sensveis a ele a SecretariaMunicipal de Cultura e a Secretaria de Negcios Jurdicos da Cidade de So Paulono querem se esquivar a trazer sua colaborao nesta empresa que as celebraesde 1992 parecem tender a ignorar. E taisiniciativas tornam-se oportunas quando sabemos que neste momento a FUNAI prepara um novo Estatudo do ndio, que aONU prepara a formulao de uma declarao universal dos Direitos dos Povos Indgenas, trabalhos que exigem nossa interveno e colaborao".

    No incio de outubro de 91 j havamos reunido juristas, parlamentares, antroplogos, jornalistas e personalidades diversas que de um ou outro modo haviam setornado amigos dos ndios. Com efeito,aceitaram nosso convite Alain Moreau,Bruce Albert, Carlos Frederico Mars,Darcy Ribeiro, Dalmo de Abreu Dallari,Eduardo M. Suplicy, Fbio Feldman, Ge-rncio Albuquerque Rocha, Jos Geno-no, Jos Carlos Sabia, Jos Roberto San-toro, Lux Vidal, Manuela Carneiro daCunha, Mrcio Santilli, Milton Nascimento, Marlui Miranda, D. Pedro Casaldliga,Priscila Siqueira, Severo Gomes, SrgioAdorno, Slvio Coelho dos Santos e Washington Novaes. Marilena Chau, tambm

    membro da comisso, a acolhia na Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo.O prof. Dalmo Dallari, Secretrio dos Negcios Jurdicos, foi escolhido seu Presidente, e Laymert Garcia dos Santos, almde membro, Secretrio-Geral.

    Atravs de sua Prefeitura, So Paulotornava-se, assim, uma cidade que fazia ummovimento de abertura em direo aos ndios, movimento que alis j se esboaralogo no incio da gesto de Luiza Erundi-na, quando a Casa do Sertanista, que seencontrava abandonada e maltratada, passou a ser a Embaixada dos Povos da Floresta e, uma vez recuperada, sediou as ati-vidades do Ncleo de Cultura Indgena,liderado por Ailton Krenak. Mas tal movimento, entretanto, no era um caprichodos governantes da cidade. Pouco antes daComisso ndios no Brasil comear a funcionar, uma pesquisa encomendada aoDataFolha pela Professora Margareth E.Keck, para uma tese de doutoramento daUniversidade de Yale, revelava que 85%da populao da Grande So Paulo concordavam que as terras indgenas deviamser preservadas "mesmo que sejam reasimportantes para o desenvolvimento econmico brasileiro".

    Aos nossos olhos, a pesquisa forneciaduas indicaes preciosas. Em primeiro lugar, mostrava que havia sintonia entre aPrefeitura e a populao metropolitanaquanto abertura para a questo indgena. Por outro lado, os dados apontavamalgo para ns surpreendente: a preservao das terras indgenas parecia expressar

    O procurador daRepblica WagnerGonalves fala sobreas propostas dereviso do Estatutodo ndio do CIMI.ND1 e FUNAI numadas audinciaspblicas promovidaspela Comisso. FotoFernando Conti.

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    los que, "naturalmente", a trama fazproliferar soma-se agora a ao deliberada e sistemtica das foras contrrias aospovos indgenas, que passaram a atuar demodo muito mais organizado e articulado,

    desde que a Constituio de 1988 garantiu os seus direitos sobre as terras e. comeles, a possibilidade de um futuro.

    Que obstculos a comisso procurariaremover do caminho dos ndios? Logo emsua primeira reunio, foram lembradas asprincipais ameaas que pesam sobre as populaes indgenas e apresentadas propostas de ao. Nas reunies seguintes foramdecididos os temas que seriam priorizadose a forma de organizao dos trabalhos. Acomisso considerou que a ateno deve

    ria concentrar-se em quatro temas: Terrae Demarcao; Explorao de RecursosNaturais; ndios e Modernidade; Revisodo Estatuto do ndio.

    As discusses haviam sugerido que ostemas Terra e Demarcao e Exploraode Recursos Naturais continham implicaes de natureza poltica, econmica, social, jurdica, militar e cultural que precisavam ser expostas e divulgadas. De certomodo, tais temas constituam a face negra,negativa da questo indgena, uma vez que

    os abusos e violncias graves cometidoscontra os povos indgenas no Brasil sempre esto ligados a interesses que cobiamseus territrios ou as riquezas que neles seencontram. O tema ndios e Modernidade, por sua vez, procuraria ressaltar os pontos de contacto entre as culturas primitivae contempornea, vale dizer a contribuio que os ndios podem dar para umquestionamento de nossas relaes predatrias com o meio-ambiente; neste caso,o tema mostraria que a questo indgena

    tem uma face altamente positiva e atual,embora constantemente desconhecida. Finalmente, o tema da Reviso do Estatutodo ndio se impunha porque o CongressoNacional deve votar ainda em 1992 umanova legislao sobre o assunto, reacendendo portanto, em novas bases, a luta quedurante a Constituinte se travou entre asforas indgenas e indigenistas de um lado, e anti-indigenistas, de outro. Na verdade, a discusso do novo Estatuto do ndio e a necessidade de se promover uma

    aliana que buscasse a integrao, numa

    um valor mais alto do que o puro interesse econmico. Tudo isso nos fez crer quehavia, portanto, um terreno frtil para o trabalho da comisso e um potencial importante para alavancar a mudana de mentalidade e de atitude com relao aosndios. Queramos fazer de So Paulo a caixa de ressonncia da questo indgena,queramos favorecer a reconciliao da sociedade com esses povos, favorecer o reconhecimento de seus direitos, fazer respeitar a sua cultura, incentivar a reavaliao

    de sua contribuio.Talvez tenhamos sido ambiciosos de

    mais. Apesar da evidncia crescente queos povos indgenas passaram a ter em escala internacional, os tempos no Brasil estavam e esto muito difceis para os ndios,o que se reflete na atividade de quem sedispe a colaborar com eles. A meu ver,pelo menos duas razes impedem que aabertura e o potencial de simpatia com quepoderiam contar se transformem em interesse efetivo, solidariedade e reconhecimento. Em primeiro lugar, cinco sculos deignorncia e m-f teceram uma trama deincompreenso e desentendimento queaprisiona tudo o que concerne a vida e apresena dos ndios no Brasil. A cantoraMarlui Miranda, que h anos se dedica aodelicado e importantssimo trabalho de recolher e divulgar seus cantos, definiu certa vez com preciso os efeitos dessa trama, ao observar: "Trabalhar para os ndios, principalmente, procurar remover obstculos". Uma outra razo porm, conjun

    tural, acrescentava-se a esta. Aos obstcu-

    Marcos Terena.Orlando Bar eKarai-Mirim danao Guarani

    participam daapresentao pblica

    do relatrio de umano de atividades

    da Comisso ndiosno Brasil. Foto

    Fernando Conti.

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    proposta comum, dos projetos de lei apresentados Cmara pelo Ncleo de Direitos Indgenas, o Conselho Indigenista Missionrio e a Fundao Nacional do ndioacabaram absorvendo todos os esforos dacomisso desde a reunio de maio de 92.

    O modo pelo qual a comisso decidiuatuar privilegiou a atividade em trs frentes.

    A primeira concentrou a realizao dasreunies temticas e de audincias pblicas com lideranas indgenas que abordassem diversos enfoques e pontos de vistasobre o assunto em pauta; exposio feitapelos convidados, seguia-se um debatecom os membros da comisso e o pblico.

    Acoplada a esta primeira frente de trabalho concebeu-se uma segunda, que con

    gregava os esforos para amplificar a questo indgena na mdia e levantar vozes quese contrapusessem ao discurso anti--indgena das elites regionais, agora j articulado em nvel nacional. Nesse sentido,os participantes escreveram artigos e deram entrevistas para jornais e revistas, compareceram a programas de rdio (Cultura, Eldorado, Bandeirantes, Rdio USP) eteleviso (Gazeta, Cultura, Bandeirantes),foram S.B.P.C.; atendendo sugesto nossa, Alexandre Machado dedicou um dos

    seus "Vamos sair da crise" Comisso,transformando o programa numa autntica reedio, no ar, da reunio sobre Explorao de Recursos Naturais. Cabe, entretanto, aqui, uma observao. O contactofrequente com a mdia durante todo o perodo nos fez ver que a questo indgena considerada pela imprensa brasileira como uma questo marginal, muitas vezesfolclrica, e sem grandes repercusses paraa vida do pas - mesmo o extermnio tratado com indiferena e at com compla

    cncia, como se um filtro retirasse do genocdio toda a sua dimenso insuportvele monstruosa. As coberturas so frequentemente movidas por preconceitos que estigmatizam os ndios, construindo a imagem contraditria de seres ora atrasadose primrios, a provocar no civilizado vergonha e comiserao, ora selvagens e aproveitadores, dispostos a se renegarem paraalcanar os benefcios do progresso, a provocar no civilizado a maior das indignaes. Culpados por serem ndios e culpa

    dos por no s-lo mais. esses povos ficam

    literalmente sem lugar na sociedade brasileira. Talvez por isso mesmo ndios e indigenistas sejam vistos pela mdia do pas,na melhor das hipteses, como representantes de uma causa perdida, e, na pior.como pobres coitados que nem merecemconsiderao.

    Em sua terceira frente de trabalho, a comisso empenhou-se em tentar viabilizarum entendimento entre os diferentes parceiros do campo indigenista envolvidoscom a reviso do Estatuto do ndios -

    N.D.I., CIMI e Funai. Os membros da Comisso sabiam h muito que, no mbito

    jurdico-poltico, h dois momentos-chavespara a manuteno ou no dos direitos indgenas: a reviso do Estatuto e a reformaconstitucional de 93. Sabiam ainda que asforas anti-indgenas, apanhadas de surpresa na Constituinte e sentindo-se derrotadas, partiriam agora para uma contra--ofensiva, tentando um retrocesso nalegislao. Por esse motivo, parecia-nosfundamental intensificar o dilogo sobre os

    projetos para se superar as divergncias ese elaborar uma proposta comum, a serapresentada aos parlamentares da Comisso especial do Congresso responsvel pela feitura do novo estatuto - tarefa que tambm passou a contar com a participaodo Dr. Wagner Gonalves, da Procuradoria Geral da Repblica.

    Resumindo. De outubro de 91 a outubro de 92 a Comisso ndios no Brasil realizou dez reunies. Por elas passaram e nelas se pronunciaram importantes lideranas

    indgenas e indigenistas do Brasil, as prin-

    Senador SeveroGomes - integranteda comitiva da Aopela Cidadania emviagem ao norte dopas - ao lado dapedra na qualRondon reconheceuas terras Macuxi em1927. Foto CarlosRicardo/CEDI.

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    cipais entidades e especialistas, os parlamentares que defendem os interesses dosndios no Congresso, os simpatizantes quequeriam simplesmente assistir aos trabalhos, se informar.

    Vieram os ndios Davi Yanomami; Ail-ton Krenak, da Unio das Naes Indgenas; lvaro Tukano, da Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro; IsaasTupari, da rea indgena do Rio Branco;Clvis Ambrsio, do Conselho Indgena deRoraima; o tuxaua Melquades Peres Neto, da rea Macuxi de So Marcos; OlvioGuarani; Marcos Terena, do Comit Inter-tribal; o cacique Jos Luis Xavante; o cacique Tabata Kuikuro; o paj Sapaim Ka-maiur; Orlando Bar, da Coordenao

    das Organizaes Indgenas da AmazniaBrasileira; o cacique Megaron Txukarra-me, diretor do Parque Indgena do Xingu.

    Vieram os indigenistas Sidney Possue-lo, presidente da Funai; Cludia Andujar,presidente da Comisso pela Criao doParque Yanomami; Wanderlino Teixeira deCarvalho, presidente da Coordenao Nacional dos Gelogos; Virgnia Valado,coordenadora do Centro de Trabalho Indigenista; Betty Mindlin, diretora do Instituto de Antropologia e Meio-Ambiente; Isa-

    belle Giannini, coordenadora do MARI -Grupo de Educao Indgena; Arthur Nobre Mendes, diretor do Departamento deDemarcao da Funai; Francisco Loebens,secretrio-geral do CIMI; Joo Pacheco,chefe do Departamento de Antropologiada Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Museu Nacional; An

    dr Villasboas, assessor do Centro Ecumnico de Documentao e Informao;Maria Elisa Ladeira, coordenadora do Centro de Trabalho Indigenista; Memlia Moreira, assessora da Procuradoria Geral da

    Repblica; Berta Ribeiro, antroploga doMuseu Nacional/U.F.R.J.; Paulo Guimares e Felisberto Damasceno, advogadosdo CIMI; Wagner Gonalves, procuradorda Procuradoria Geral da Repblica.

    Vieram os deputados Lourival de Freitas e Tuga Angerami.

    A cada reunio, com suas informaesnovas, seus problemas urgentes, seus enfoques to diversificados e muitas vezes polmicos, crescia a certeza de que a questo indgena precisa aflorar como questo

    nacional de interesse de todos os brasileiros. Mas crescia tambm a impresso deque preciso fazer mais do que foi feitopara se conseguir romper a indiferena eo silncio, e permitir que o trabalho admirvel das entidades ganhe a esfera pblica e floresa na sociedade civil.

    preciso fazer mais. No entanto, foifeito o possvel - e isso, em nosso entender, muito. Ailton Krenak sugerira queos brancos comemorassem os 500 anoscom um gesto de pacificao, de reconci

    liao. Dia 14 de junho de 1992, na tardefria de So Paulo, ao abrir as portas da exposio "ndios no Brasil" no parque doIbirapuera, a autoridade mxima da capital dos bandeirantes, da terra de Anchieta, a Prefeita Luiza Erundina fez o gestoda converso necessria - pediu perdo aosndios pelos crimes praticados contra eles.

    COMISSO NDIOS NO BRASIL

    Apresentao pblica do Relatrio de um ano de atividades

    13 de outubro de 1992 das 14 s 19h

    Local: Salo Nobre do Teatro MunicipalPraa Ramos de Azevedo, s/rWSP

    Informaes: 288.9560

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    A DESCOBERTA DA AMRICA E O ENCONTRO COM O OUTRO

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    Cartas brasileiras:viso c reviso dos ndios

    Lcia Bettencourt

    O Brasil foi descoberto no dia 22 deabril de 1500, pela frota comandada pelonavegador portugus Pedro Alvares Cabral.Na nau capitnea viajava um passageiropara Calicute, Pro Vaz de Caminha. Indicado para o posto de escrivo geral destafeitoria na ndia, ele aproveitou a oportunidade para escrever a "carta de achamento do Brasil".

    Caminha era um letrado. Um homemde formao humanstica, mais interessado em descrever o que via do que em calcular os lucros que o achado traria. Suacarta, portanto, uma pequena obra prima dentro do gnero, to rica de informaes quanto singela em suas exposies.E, ademais, o nico documento coetneo registrando a chegada dos portugueses ao Brasil. (Do ano de 1500 s chegaram at ns sete documentos: os oficiais,em nmero de quatro, so incompletos e

    frustrantemente omissos com relao primeira parte da viagem; a carta de MestreJoo, que foi escrita em praias brasileiras,mas contenta-se em esclarecer a mediodas estrelas, sem se deter em nada sobrea nova terra e seus habitantes; o relatriodo piloto annimo, tal como dele temosnotcia, se inicia com a partida do Brasil emdireo s ndias, e, finalmente, a carta deCaminha).

    Podemos ressaltar, de um modo geral,a qualidade literria deste documento.

    Com um estilo em que ecoam traos daBblia, da Ilada e da Eneida, a carta noscativa por sua originalidade. Dividindo anarrativa em nove dias, a simplicidade doestilo nos recorda a descrio da criaodo mundo. Afinal, esse era um mundo novo que se criava a partir da escritura da carta. Caminha, ao descrever a "fundao"desta nova terra, se coloca em p de igualdade com o cronista do Gnesis, ou mesmo o supera, j que ele tem a posio privilegiada de testemunha ocular. Sua

    posio a do Verbo criador, a palavra que

    evoca e cria. No entanto, sua carta simples, sua abordagem despretenciosa.

    Caminha no era um navegador. Como tal, evita relatar detalhes de "marinhagem e singraduras do caminho" (s/n) porconstatar que no o sabe fazer. Em breveslinhas, porm, nos revela o que se passoudesde a partida at o "achamento" do Brasil. O termo "achar", preferido por Cami

    nha, sugere que j se suspeitava da existncia da terra1, e que o desvio da rotaensinada por Vasco da Gama nas instrues de navegao dadas a Cabral por escrito, se deveu ao propsito de encontraraquilo mesmo que j se esperava encontrar - terra. Contudo, a experincia de ver,pela primeira vez, uma regio estranha, habitada por uma gente to diferente dos povos conhecidos pelos europeus, fascinaCaminha que descreve a terra e seus habitantes com detalhes de paisagista e re

    tratista. So vrias as descries dessa gente. A novidade que os habitantes da terrarepresentam para os olhos renascentistasdo escrivo tanta que ele no se cansaem descrev-los. Um deles aparece "asse-tado como So Sebastio", cheio de penas pelo corpo. Outros desaparecem debaixo de suas "carapuas de penas"amarelas, vermelhas e verdes. A pinturacorporal dos ndios tambm descrita commincias, e confirmada, anos mais tarde,por outros cronistas e artistas que ao Brasil vieram

    O interesse no grupo humano togrande que a terra quase fica indistinta numcenrio de praias e arvoredos e rios de muitas guas. Com o correr dos dias, porm,e o vagar para aproveitar da terra, as descries comeam a surgir. Primeiro um rio,depois a feio de um porto seguro ondetodos se abrigaram. Logo depois se descreve o ilhu, lugar de "folguedo" e de pescarias, onde ser rezada a primeira missano Brasil. Suas descries vo se transfor

    mar, mais tarde, em paradigma para tex-

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    Reproduo de umtrecho da carta de

    Pro Vaz deCaminha ao rei

    Dom Manuel dandonotcia das terras

    ento descobertas."A Certido deNascimento do

    Brasil"/MP-USP,1975.

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    tos sobre a terra brasileira. Alguns comentaristas at mesmo pretendem explicar osentimento de "ufania" - que se depreende em tantos autores brasileiros do perodo romntico - como uma consequnciadas descries de Pro Vaz de Caminha.Se bem que seja possvel que a publicao da carta, levada a efeito por primeiravez no incio do sculo XIX (1817, comoparte do livroCorografia Braslicado Pe.Manuel Aires Casal), tenha representadopapel importante no imaginrio romntico, em verdade o ufanismo se encontra enraizado em toda a literatura colonial brasileira, como uma espcie de estratgia paraa atrao de colonos. A terra aparece sempre descrita como frtil, formosa, copiosa,

    de climas brandos, de guas fartas. S oque muda a opinio dos escritores quanto aos habitantes da regio. Se Caminhaos descreve sempre em termos altamentepositivos,