17
1 Atividade de aprofundamento I A REVOLUÇÃO DO HOMEM COMUM Silvia Patuzzi e Filipe Robles 1. Uma revolução realizada por "homens comuns" A revolução do homem comum, também conhecida como "guerra camponesa", foi um amplo movimento insurrecional ocorrido no século XVI, nas regiões que atualmente correspondem à Alemanha meridional, Áustria, Suíça, tendo-se prolongado para parte da França, como assinalado nos mapas a seguir. O epicentro das revoltas foi a região da Floresta Negra e se estendeu para Suábia, Alsácia, Turingia e Saxônia. Em 1525, a revolta havia se alastrado por todo sul da Alemanha, uma região densamente povoada, com

mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

1

Atividade de aprofundamento I

A REVOLUÇÃO DO HOMEM COMUMSilvia Patuzzi e Filipe Robles

1. Uma revolução realizada por "homens comuns"

A revolução do homem comum, também conhecida como "guerra camponesa", foi um amplo movimento insurrecional ocorrido no século XVI, nas regiões que atualmente correspondem à Alemanha meridional, Áustria, Suíça, tendo-se prolongado para parte da França, como assinalado nos mapas a seguir.

O epicentro das revoltas foi a região da Floresta Negra e se estendeu para Suábia, Alsácia, Turingia e Saxônia. Em 1525, a revolta havia se alastrado por todo sul da Alemanha, uma região densamente povoada, com importantes cidades, aberta às rotas mercantis para a região do Reno e para a França (Estrasburgo) e sensível ao programa da Reforma [mapa: https://lemotdujour.fr/?m=201711&paged=2].

Page 2: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

2

Neste outro mapa, além das regiões onde os conflitos foram mais intensos, estão assinalados os focos das rebeliões urbanas e das ligas de camponeses/artesãos

http://ghdi.ghi-dc.org/map.cfm?map_id=3667

A historiografia mais recente preferiu referir-se a esse conjunto de revoltas como "revolução do homem comum"1, no lugar de "guerras camponesas", indicando não se 1 Os protagonistas das rebeliões não eram só camponeses, mas antes, para utilizar o termo corrente nas fontes do século XVI, os “ homens comuns” ou a "gente comum. O homem comum era o indivíduo sujeito à autoridade de senhores da nobreza e do clero, estando destituído de poder político, no campo e/ou na cidade: camponeses servos ou meeiros; mineiros, artesãos e trabalhadores urbanos sem representação nas corporações, por exemplo.

Page 3: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

3

tratar exclusivamente de rebeliões protagonizadas pela população rural, tendo tido também a participação ativa de artesãos, aprendizes e trabalhadores por diária urbanos nos conflitos de 1524-26.

Entre 1524 e 1526, milhares de pessoas se organizaram, combateram e foram derrotadas pelas tropas dos senhores de terra em embates que resultaram em mais de cem mil mortos. Diferentemente dos conflitos rurais ocorridos anteriormente, os objetivos dos movimentos, sintetizados no manifesto dos "Doze artigos" dos camponeses da Suábia Superior (Baviéra), não se esgotavam nos protestos em relação aos excessivos impostos e exigências feudais e/ou em relação a práticas iníquas de poder, mas pautavam-se em argumentos teológicos reformados e almejavam uma "desfeudalização" do direito, do Estado e da Igreja. Utilizando a religião como discurso comunicativo de dissenso, os "homens comuns" revoltados questionavam o monopólio de poder mantido pela nobreza laica e eclesiástica e vislumbravam substituir os laços senhoriais por novas normas vinculantes a toda ordem social, com base nos Evangelhos, no direito divino e no bem comum.

O historiador alemão Peter Blickle [editou The Revolution of 1525: The German Peasants’ War from a New Perspective. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1981], identifica as causas do conflito em um conjunto de fatores econômicos, políticos, religiosos e jurídicos representados pela fórmula a seguir:

pressão econômica + tensão social + expectativas políticas

________________________________________________ = disposição à insurreição

necessidade de legitimação

Para Blickle, estas revoltas enfrentavam questões fundamentais relativas à legitimidade do poder, o que poderia ser identificado pelos historiadores examinando a relação entre as linguagens do direito-teologia e da política (seu uso programático) e a ação histórica da revolta propriamente dita. Ao fazer isso, Blickle observa haver uma relação direta entre a disposição à insurreição e os elementos do numerador e indireta em relação ao denominador, de modo que, quando há grande necessidade de legitimação, há menor disposição para o levante.

No decorrer do século XV, a nobreza germânica da Suábia incentivou um processo de refeudalização limitando a mobilidade dos camponeses e convertendo a dependência objetiva em uma relação de propriedade pessoal. Este processo é legatário da crise agrária e da grande peste de meados do século XIV, sendo uma resposta direta às fugas em massa dos servos das propriedades feudais, à queda do preço dos cereais e, consequentemente, das rendas senhoriais. Trata-se de um processo que inundou o campo e a cidade de homens sem terra e sem trabalho, os novos pobres representados abundantemente nas obras de artistas contemporâneos, como Bosch, por exemplo.

Page 4: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

4

O vagabundo, Hieronymus Bosch, 1494.

Para evitar o despovoamento do campo, os senhores optaram por uma exacerbação da relação senhorial, resultando em um processo de reordenação social e territorial marcado pela ampliação das propriedades senhoriais (em função da exigência de um terço das heranças dos camponeses) e pelo empobrecimento acelerado da população rural. Entre os camponeses que viviam sob uma jurisdição senhorial tende a desaparecer a figura do livre proprietário de terras, tanto pelo empobrecimento e endividamento dos mesmos, como pelo impedimento de fazer um testamento livre (não podendo mais transmitir por herança suas terras). Consequentemente, a mobilidade da população rural é reduzida e há um recrudescimento das obrigações servis. O fenômeno começou no norte do SIRG e acentuou-se, no final do século XV, na Suébia, Francônia e Turíngia.

Paralelamente a esse processo de refeudalização, a nobreza laica e eclesiástica detentora de grandes propriedades se beneficia da retomada do direito romano imperial nas universidades e cortes germânicas. O direito romano (sobretudo o código de Justiniano) era um instrumento para deslegitimar o direito consuetudinário e introduzir um critério legal novo: o príncipe não está vinculado às leis, sendo ele próprio o seu formulador. Se nas cidades, na Baixa Idade Média, a retomada do direito romano serviu para legitimar as reivindicações de autonomia em relação à vassalagem imposta pela nobreza feudal e pelo imperador, nos séculos XV e XVI, ele também propiciava aos senhores das terras novas prerrogativas: o direito de estabelecer leis e de definir as normas na base das quais o estado deve ser governado.

Page 5: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

5

Assim, no começo do século XVI, a condição do "homem comum" havia se degrado profundamente, alimentando tensões e sérios conflitos sociais:

- no interior das aldeias, entre camponeses possuidores de terras e não possuidores, que dependiam das relações de meeiros para obterem rendas junto ao senhor feudal;

- no campo, entre senhores e comunidades rurais, entre o exercício da renovada autoridade local e a tentativa de manter uma certa autonomia e as prerrogativas consuetudinárias;

- nas cidades, entre uma oligarquia (mercadores e grandes artesãos pertencentes às corporações de ofício mais ricas e fortes) e o "povo miúdo", impedido de alcançar cargos políticos por não estar inscrito nas artes maiores, gerando descontentamento e isolamento político e econômico de boa parte dos artesãos.

Entre os séculos XV e XVI, na cidade e no campo, em função dessas tensões, ocorreram uma série de sublevações dos "homens comuns", de caráter local e com base nas práticas costumeiras. O direito com base no qual esses súditos se contrapunham a seus senhores era o da tradição, do direito consuetudinário, enraizado localmente, oral, e que permitia expressar a contraposição de interesses apenas entre uma comunidade específica e seus senhores imediatos.

Apesar destas limitações, muitos levantes tiveram êxito e contribuíram para formação de ligas camponesas, como na Alsácia a partir de 1444, quando as comunidades rurais associaram-se na liga do Bundschu (o termo se refere a um tipo de "sapato amarrado" que era o calçado típico dos camponeses), experimentando modalidades de ação e símbolos que irão se difundir em outras áreas, alimentando as grandes rebeliões de 1502, 1513 e 1517 na Renânia (Spira) e expandindo-se para a Alemanha oriental (Saxônia, Hânover). Em seguida, o símbolo do Bundschu será retomado pelos "homens comuns" nas revoltas de 1524-26, como consta na gravura que retrata o embate entre os camponeses e um cavaleiro a seguir

Aufständische Bauern mit Bundschuhfahne umzingeln einen Ritter. Holzschnitt des sog. Petrarca-Meisters aus dem Trostspiegel, 1539.

As ligas que se formavam possuíam um programa antisenhorial:

Page 6: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

6

- devolução das terras coletivas, dos bosques, dos pastos e das águas, que deveriam ser de posse comum e não de propriedade dos bispos ou dos barões;

- abolição das obrigações e censos feudais, não sendo mais permitido aos senhores recolher o direito de passagem sobre as pontes, ou os direitos funerários, matrimoniais e de batismos;

- abolição dos direitos eclesiásticos (jurisdicionais).

Mas, as tradições nas quais pautavam-se as reivindicações dos revoltosos, apresentadas majoritariamente como a restauração dos costumes, não eram mais um elemento suficiente para resolver a conflitualidade social que estava eclodindo nas primeiras décadas do século XVI. Entre a autoridade do senhor territorial, o conselho da cidade, os súditos e os homens comuns, o apelo à tradição permitia apenas reivindicações de caráter local.

Para superar o localismo e os limites das antigas consuetudes, que não contemplavam as novas exigências urbanas, era necessário dispor de um "novo direito", encontrado no direito divino, cuja fonte era a Bíblia.

O acesso direto à Lei divina, em uma linguagem compreensível e familiar, pela leitura em alta voz e coletiva das Sagradas Escrituras e pelos comentários dos pregadores reformados forneceu aos camponeses e aos homens comuns das cidades a legitimidade necessária para a insurreição.

2. O Manifesto de Memmingen (XII artigos).

A revolta começa na Suábia, no final do ano de 1524, onde três legiões de camponeses estavam assentadas em acampamentos permanentes, com organização política e treinamento militar: a legião do lago, de Algäu e de Baltring. As três legiões encontraram-se na cidade de Memmingen, onde elaboraram um programa de reivindicações comuns conhecido como os Doze Artigos.

Esse texto foi compilado em 1525, a partir de centenas de queixas apresentadas pela população rural (muitas delas por escrito) aos magistrados locais. O documento mostra a vontade de formular os problemas gerais que os camponeses têm em comum, superando o localismo e as situações específicas relativas a cada aldeia/região.

Los fundamentales y justos artículos principales de todos los campesinos y de los súbditos de los Señores eclesiásticos, respecto de los temas por los que se sienten agraviados.

M cccc, quadratum, Ix et duplicatum

V cum transit, christiana secta peribit

Paz al lector cristiano y la Gracia del Señor a través de Cristo.

Hay muchos anticristos que, a causa de las reuniones de los campesinos, aprovechan la ocasión para desdeñar los Evangelios diciendo: ¿es esto acaso el fruto del nuevo Evangelio? ¿Que nadie tiene que obedecer y que todos en todos lugares deben levantarse en revueltas y sublevarse para reformar, quizás para destruir completamente a las autoridades, tanto eclesiásticas como terrenales? A todos esos acusadores sin Dios responden los artículos más abajo expuestos, primero para refutar esos reproches a la palabra de Dios, luego para disculpar cristianamente la desobediencia e incluso la revuelta

Page 7: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

7

de todo el campesinado. En primer lugar, el Evangelio no es causa de revueltas ni de desorden, por cuanto es la palabra de Cristo, el Mesías prometido, la Palabra de la Vida, que enseña sólo amor, paz, paciencia y concordia. Así, todos aquellos que creen en Cristo deben aprender a ser plenos de afecto, pacíficos, armoniosos y a soportar el sufrimiento. Por tanto, el fundamento de todos los artículos de los campesinos (como será seguidamente demostrado) es la aceptación y la vida de conformidad con el Evangelio.

¿Cómo pueden esos anticristos afirmar que el Evangelio es causa de revuelta y de desobediencia? El que esos anticristos y enemigos del Evangelio se opongan ellos mismos a estos requerimientos, se debe, no al Evangelio, sino al Diablo, el peor enemigo del Evangelio, que provoca tal oposición sembrando la duda en la mente de sus seguidores, y de esa manera, la palabra de Dios, que enseña amor, paz y concordia, es apartada. En segundo lugar, está claro que los campesinos solicitan que el Evangelio les sea enseñado como guía de vida y no pueden ser tratados de desobedientes o de reacios al orden. Que Dios conceda o no a los campesinos (anhelantes de vivir conforme a su palabra) la realización de sus peticiones, ¿quién encontrará una falta en la voluntad del Altísimo? ¿Quién interferirá en su juicio, quién se opondrá a su Majestad? ¿No escuchó acaso a los hijos de Israel cuando lo invocaron y los rescató de la mano del Faraón? ¿No puede Él, hoy mismo, salvar a los suyos? Sí, Él los salvará y en verdad rápidamente. En consecuencia, oh lector cristiano, lee con celo los siguientes artículos y juzga luego. 2

“He aquí los artículos:

El primer artículo

“Primero, es nuestra humilde petición y ruego, así como nuestra voluntad y resolución, que de hoy en adelante tengamos poder y autoridad de tal manera que cada comunidad pueda elegir y nombrar a un pastor. Que tengamos también el derecho de deponerlo en caso de conducta inapropiada.3 El pastor así elegido nos enseñará el Santo Evangelio pura y simplemente, sin ningún agregado, doctrina o mandamiento elaborado por el hombre. Por cuanto que la continua enseñanza de la Fe verdadera nos conducirá a implorar a Dios que, a través de su Gracia, la Fe crezca dentro de nosotros y llegue a ser parte integrante de nosotros. Porque si su Gracia no obra en nosotros, permaneceremos por siempre en la carne y en la sangre, lo que equivale a la nada, ya que la Escritura claramente enseña que sólo a través de la Fe verdadera llegaremos a Dios4. Sólo a través de su Gracia podremos alcanzar la santidad. Por ello, un guía y pastor es necesario y en la manera descrita está fundado en las Escrituras.”

El segundo artículo

“En segundo lugar, así como un justo diezmo está establecido por el Antiguo Testamento y en el Nuevo confirmado5, nosotros estamos dispuestos y deseosos de pagar el justo diezmo de grano. La palabra de Dios estableció que dar es conforme a Dios y que en la distribución a los suyos, los servicios de un pastor son requeridos. Queremos que en el futuro, quienquiera que sea el preboste eclesiástico designado por la comunidad, él recogerá y recibirá este diezmo. De ese diezmo, proveerá al pastor elegido por toda la comunidad una subsistencia decente y suficiente, al justo parecer (o con el conocimiento) de la comunidad en su totalidad. El remanente eventual será distribuido entre los pobres

2 Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18.3 Cfr. 1 Timóteo 34 Cfr. 2 Moisés, 31; 5 Moisés, 10; João, 6; e Gálatas, 2.5 O dízimo é uma parte da colheita que era entregue à Igreja pelos agricultores, para contribuírem com as despesas para manutenção do clero. O "justo dízimo" é aquele sobre a colheita do trigo, efetivamente citado nas Escrituras : "E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo" (Gn. 14: 19-20). No Novo Testamento: "Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo" (Lc. 18: 12).

Page 8: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

8

del lugar, según lo exijan las circunstancias y la opinión general. Si aún quedase un resto, será guardado por si alguien tuviera que abandonar el país por causa de pobreza. Se hará también provisión de este excedente para evitar que se grave con impuestos la tierra a los pobres. En el caso de que uno o más pueblos se hayan comprometido voluntariamente a pagar diezmos en razón de penuria6, y que cada pueblo haya tomado esas medidas de manera colectiva, el adquirente no sufrirá pérdidas, pero queremos que se llegue a un acuerdo apropiado para el reembolso de la suma más el interés adeudado por el pueblo. Pero a aquellos que han adquirido derecho a diezmos no mediante la compra, sino mediante apropiación por la obra de sus ancestros, no les será ni se les deberá pagar suma alguna de ahora en adelante. El pueblo deberá aplicar el pago del diezmo para el mantenimiento del pastor, elegido como se indicó más arriba, o para el consuelo de los pobres, como así lo enseña la Escritura. En cuanto al diezmo menudo7, sea eclesiástico o laico, no será pagado desde ahora, por cuanto el Señor Dios creó el ganado para su libre utilización por el hombre. En consecuencia, no pagaremos en lo sucesivo ese indecoroso diezmo de pura creación humana.”

El tercer artículo

“En tercer lugar, ha sido hasta ahora costumbre para algunos de tratarnos como si fuésemos de su propiedad privada, lo que es de lamentar, considerando que Cristo nos ha liberado y redimido a todos por igual, al siervo y al Señor, sin excepción, por medio del derramamiento de su preciosa sangre. Así, conforme a la Escritura somos y queremos ser libres. Esto no significa que deseamos ser absolutamente libres y no estar sujetos a autoridad alguna. Dios no nos enseña que debamos llevar una vida desordenada en los placeres de la carne, sino que tenemos que amar a Dios nuestro Señor y a nuestro prójimo. Nos conformaremos con alegría a todo esto, como Dios nos lo ha ordenado en la celebración de la comunión. No nos ha ordenado desobedecer a las autoridades, sino más bien practicar la humildad, no sólo con aquellos que ejercen la autoridad, sino con todos. Nosotros estamos así dispuestos a prestar obediencia a nuestras autoridades elegidas y regulares en todas las cosas propias que conciernen a un cristiano. Damos, pues, por sentado que Vos nos liberarán de la servidumbre como cristianos verdaderos, a menos que se nos demuestre que del Evangelio surge que debamos ser siervos.”

El cuarto artículo

“En cuarto lugar, ha sido hasta ahora costumbre que a ningún hombre pobre le era permitido atrapar venado o animales salvajes o peces de las aguas fluyentes, lo que nos parece no sólo totalmente indecoroso y poco fraternal, sino también egoísta y contrario a la palabra de Dios. También en algunos lugares los Superiores conservan sus presas de caza para nuestra desazón y grandes pérdidas, permitiendo sin ningún miramiento que animales salvajes destruyan nuestros cultivos, que el Señor se esfuerza en hacer germinar para el uso del hombre y todavía, debemos sufrirlo en silencio. Todo esto es contrario a Dios y al prójimo. Al crear Dios al hombre, le dio el dominio sobre todos los animales, sobre las aves en el aire y sobre el pez en el agua. Conformemente, es nuestro deseo que si un hombre tiene posesión sobre aguas, que pruebe con documentos suficientes que ha adquirido ese derecho inadvertidamente por medio de una compra. Nosotros no queremos arrebatárselo por medio de la fuerza, pero sus derechos deben ser ejercidos de una manera fraternal y cristiana. Pero quienquiera que no pueda aducir tal prueba, deberá desistir con buena voluntad de su pretensión.”

El quinto artículo

“En quinto lugar, nos agravian cuestiones relativas a la tala de madera, por cuanto que la

6 Referência à "alienação do dízimo", quando, para levantar algum tipo de renda, concede-se a outrém (a um outro proprietário de terra ou a um nobre) o direito de recolher o dízimo.7 O dízimo pequeno era aquele sobre os rebanhos.

Page 9: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

9

gente noble se ha apropiado de todos los bosques para su solo uso personal. Si un pobre necesita madera, debe pagar el doble por ella. Es nuestra opinión, en lo que concierne a los bosques en posesión de un Señor, sea espiritual o temporal, que al menos que haya sido debidamente comprado, deberá ser devuelto nuevamente a la comunidad. Más aún, todo miembro de la comunidad será libre de procurarse por sí mismo la leña necesaria para su hogar. Asimismo, si un hombre requiere madera para usos de carpintería, la obtendrá sin cargo, pero con conocimiento de una persona designada por la comunidad con tal propósito. Sin embargo, ningún bosque debidamente comprado y administrado de manera fraternal y cristiana será puesto a disposición de la renta comunitaria. Si un bosque, aun aquel que en primera instancia hubiera sido injustamente objeto de apropiación, hubiera sido luego vendido en la debida forma, la cuestión será dirimida con espíritu amistoso y de acuerdo con las Escrituras.”

El sexto artículo

“Nuestra sexta queja concierne los excesivos servicios que nos son requeridos, los que se multiplican día tras día. Rogamos que esta cuestión sea apropiadamente examinada de modo tal que no seamos duramente oprimidos, que tengan lugar consideraciones con gracia hacia nosotros, por cuanto que a nuestros antepasados sólo les era requerido servir de conformidad con la palabra de Dios.”

El séptimo artículo

“En séptimo lugar, de ahora en adelante no admitiremos la opresión por parte de nuestros Señores, sólo les permitiremos que nos exijan lo que es justo y apropiado de conformidad con las palabras del acuerdo entre el Señor y el campesino. El Señor no deberá en lo sucesivo forzar ni presionar por servicios u otros deberes sin pago y le deberá permitir el gozo tranquilo y pacífico de sus posesiones. El campesino deberá ayudar, sin embargo, a su Señor cuando sea necesario y en tiempo adecuado, cuando no le sea desventajoso y mediando un pago apropiado.”

El octavo artículo

“En octavo lugar, nos encontramos agobiados por posesiones que no pueden hacer frente a la rentas exigidas sobre aquellas. Los campesinos sufren de esta manera pérdidas y están arruinados. Pedimos a los Señores que designen personas honorables para estudiar las posesiones y fijar rentas acordes con la justicia, del tal manera que los campesinos no estén obligados a trabajar a cambio de nada, ya que su labor es digno de ser recompensada.”

El noveno artículo

“En noveno lugar, nos ultraja grandemente la constante promulgación de nuevas leyes. No somos juzgados en relación con la ofensa cometida, sino a veces con enorme mala voluntad, a veces con indulgencia. En nuestra opinión, debemos ser juzgados de conformidad con el antiguo derecho escrito y el caso deberá ser decidido de acuerdo a los méritos propios del caso y no arbitrariamente.”

El décimo artículo“En décimo lugar, estamos agraviados por la apropiación por algunos individuos de praderas y campos que en tiempos anteriores pertenecieron a la comunidad. Tomaremos nuevamente posesión de dichos campos. Sin embargo, cabe que esos campos hayan sido adquiridos conforme a derecho. Cuando, por mala fortuna, las tierras hayan sido así adquiridas, un arreglo fraternal deberá tener lugar de acuerdo con las circunstancias.”

El undécimo artículo“En undécimo lugar, aboliremos total y completamente el llamado tributo por caso de defunción (“Todfall”). No lo sufriremos en absoluto de hoy en adelante ni tampoco

Page 10: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

10

toleraremos que viudas y huérfanos sean desvergonzadamente robados en contra de la voluntad de Dios, en violación de la justicia y del derecho, como sucedió en tantos lugares por la obra justamente de aquellos que tendrían que haberlos escudado y protegido. Esos nos han llevado a la desgracia y nos han expoliado, y pese a tener escasos fundamentos, así nos han usurpado. Dios no lo admitirá nunca más, esto será radicalmente suprimido y nadie en el futuro será obligado a pagar ni poco ni mucho.”

Conclusión“En duodécimo lugar, es nuestra conclusión y resolución final, que si uno o más artículos de los aquí expuestos no estuviesen de acuerdo con la palabra de Dios, como nosotros creemos que lo están, voluntariamente retiraremos tal artículo cuando se pruebe que realmente es contrario a la palabra de Dios mediante una clara explicación de la Escritura. O si artículos que ahora se nos concediesen se descubriere ulteriormente que son injustos, a partir de ese momento se tendrán por letra muerta, por nulos y sin efecto. Asimismo, si se descubrieren nuevos agravios basados en la verdad y en la Escritura y relacionados con ofensas a Dios o a nuestro prójimo, hemos resuelto reservarnos el derecho de exponerlos y poner en práctica nosotros mismos todas las enseñanzas cristianas. Por todo ello rogaremos a Dios, porque Él y sólo Él puede concedernos lo solicitado. Que la paz de Cristo permanezca en todos nosotros.”

https://es.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_los_campesinos_alemanes#Los_doce_art%C3%ADculos

3. Análise literária e teológica do documento (a estrutura do discurso retórico e sua fundamentação teológico-jurídica).

3.1. Com base na caracterização a seguir do exordio, identifique suas quatro partes no texto do documento, sublinhando-as em cores diferentes.

Os 12 artigos são precedidos por um preâmbulo que apresenta a quem se destina esse manifesto e, desde o início, vincula o par justiça/Evangelhos para legitimar as reivindicações do movimento, em oposição à associação Evangelho Reformado/rebelião. O preâmbulo e os 12 artigos são acompanhados por referências bíblicas, cuja função é servir como referência "de direito".

Page 11: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

11

Em termos retóricos8, esse preâmbulo corresponde ao exordio, a abertura de um discurso que apresenta o tema que será tratado. Todo exordio é geralmente dividido em salutatio, narratio, propositio e divisio.

Salutatio: nesse caso, uma saudação bíblica;

Narratio: formula a crítica elaborada pelos "anticristos", de que os camponeses estariam se valendo de um "novo Evangelho" para legitimar a própria desobediência/revolta;

Propositio: apresenta em geral a intenção do autor, nesse caso, a de responder e refutar as acusações dos anticristos mediante os artigos;

Divisio: anuncia as diversas partes a serem desenvolvidas. O objetivo é duplo: reabilitar o Evangelho e fundamentar a ação e as reivindicações dos revoltosos.

3.2. Com base na descrição das partes do corpo do discurso, identifique-as no texto, assinalando os dois respectivos trechos do documento.

O corpo do discurso é a parte essencial do manifesto e prevê as provas da propositio, a argumentatio, e a peroratio, na conclusão do Manifesto.

Argumentatio: é dupla. Primeiramente positiva: a confirmatio explica através dos artigos a natureza do Evangelho; em seguida apologética, é a refutatio, rebatendo as objeções e os argumentos dos adversários, de modo a legitimar a linha de ação dos camponeses.

Peroratio: fecha o Manifesto, visando convencer e comover o público ouvinte/leitor, interpelando-o e estimulando-o para que haja.

3.3. Leia os 12 artigos e faça um breve resumo do que está sendo reivindicado em cada um deles.

3.4. Identifique que demandas/artigos se referem aos homens enquanto indivíduos singulares, assinalando, por sua vez, as de caráter absoluto e inegociável e as que

8 A obra mais importante na qual foi descrita a estrutura de uma oração é a Retórica de Aristóteles, a qual influenciou todos os retóricos até o século XIX. Em época romana, o modelo de Aristóteles foi retomado por Cícero e Quintiliano, os quais o desenvolveram. Basicamente, a preparação de qualquer discurso obedece cinco etapas: (1) inventio (gr= èuresis, pesquisa): pesquisar as ideias para desenvolver uma tese, utilizando argumentos (tòpoi) codificados; (2) dispositio (gr= taxis, disposição): organizar os argumentos e a ornamentação do discurso; (3) elocutio (gr=lexis, linguagem): escolher a expressão estilística das ideias, selecionando um léxico e estilos retóricos apropriados; (4) memoria: como memorizar o discurso e lembrar os argumentos dos adversários para poder rebate-los; (5) actio: declamação do discurso, modulando a voz e recorrendo a gestos expressivos. O orador deveria ser capaz de atingir três objetivos: docere et probare (informar e convencer); dlectare (capturar a atenção dos ouvintes com um discurso vivaz); movere (comover o público para obter sua adesão). A estrutura/formulação do discurso deveria seguir uma sequência: exordium (exôrdio, preâmbulo): tentativa de atrair a atenção e cativar o auditório, apresentando o argumento principal de modo impactante (ornado); narratio (exposição): apresentação dos fatos; argumentatio (argumentação): demonstrar a validade da própria tese, apresentando resumidamente todos os argumentos que serão analisados (propositio); seja o conjunto dos argumentos que sustentam a tese (confirmatio); seja o conjunto dos que permitem refutar os argumentos dos adversários (refutatio); peroratio (epílogo): conclusão do discurso, levando ao máximo os efeitos retóricos, para gerar comoção (pathos).

Page 12: mundushistoriamoderna.files.wordpress.com€¦  · Web view2018. 5. 21. · Referido a Romanos 8; 2 Moisés, 3 e 14; Lucas 18. “He aquí los artículos: El primer artículo “Primero,

12

possuem um caráter relativo, admitindo possíveis concessões por parte dos camponeses.

3.5. Descreva as demandas/artigos que se referem ao conjunto da comunidade.

3.6. Uma vez decodificada a estrutura literária do discurso, analise o uso que seus protagonistas faziam da teologia, enquanto "canal comunicativo de dissenso religiosos e político". Para tanto, desenvolva um dos aspectos assinalados:

a) O discurso é permeado por um cristocentrismo de matriz luterana, como já aparece na saudação de abertura "ao leitor cristão", pela invocação à "Graça" e à "paz", de modo que os autores retomam diretamente a fórmula da saudação paulina, como era hábito entre os "evangélicos".

b) Todo o texto é marcado por paralelismos e por uma lógica binária, com a qual os autores do discurso forjam a própria identidade em oposição a dos adversários utilizando as referências às Escrituras.

c) No manifesto, é recorrente a fundamentação das reivindicações com base no Evangelho e na justiça divina, elevada a princípio regulador da sociedade e legitimador da autoridade.

3.7. Justifique a afirmação de Peter Blickle a respeito do manifesto: "Os Doze Artigos são, ao mesmo tempo, a expressão de um conjunto de queixas, um programa de reformas e um manifesto politico" (BLINCKLE, P. Die Revolution von 1525, 2001, p. 272).