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1 Por Jonathan M. Harris e Anne-Marie Codur Global Development and Environment Institute, Tufts University (2004) CAPÍTULO 5 MACROECONOMIA E O AMBIENTE 1. REDEFININDO A RENDA E RIQUEZA NACIONAL Limitações do PNB/PIB Os economistas medem o produto econômico de uma sociedade usando indicadores tais como produto nacional bruto (PNB) 1 ou produto interno bruto (PIB) 2 . 3 Enquanto é amplamente reconhecido que tais mensurações não quantificam o bem-estar humano, ambos os economistas e elaboradores de políticas frequentemente assumem que um aumento no PIB corresponde a um aumento no bem-estar. Mas um entendimento do que o PIB inclui, e exclui, sugere que a relação entre a produção econômica e bem-estar é mais complexa. Agora voltamos a discussão das limitações do PIB. PIB não é uma boa medida do bem-estar humano O bem-estar humano depende do consumo de bens e serviços, mas também em muitos outros fatores. Podemos distinguir entre duas categorias abrangentes de atividades humanas: aquelas que são “premiadas” por um pagamento – um fluxo monetário – e aquelas que não são. Apenas o primeiro tipo são levadas em consideração na computação da renda nacional. Todos os outros – incluindo as tarefas domésticas e familiares, cuidar das crianças e de parentes doentes, trabalho comunitário voluntário, e atividades de lazer tais como leitura, cozinhar, tocar música, ir a praia – não são incluídas nos indicadores econômicos padrões. Podemos revisar nosso diagrama do fluxo circular para mostrar que 1 Toda renda ganha por residentes ou empresas de um dado país independente de onde aquela renda é obtida. 2 Toda renda ganha dentro de um dado país independente da nacionalidade do residente ou empresa. 3 A diferença entre PNB e PIB é se os ganhos externos de indivíduos e corporações são incluídos no total. O PNB dos E.U., por exemplo, incluem os ganhos externos de residentes e corporações dos E.U., mas excluem os ganhos de indivíduos e corporações estrangeiras de atividades nos E.U. O PIB dos E.U. incluem toda renda ganha dentro dos E.U., independente da nacionalidade dos residentes, mas excluem os ganhos dos residentes e corporações dos E.U. provenientes de fontes externas. O PIB substitui o PNB como a principal medida da produtividade dos E.U. em 1991.

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Por Jonathan M. Harris e Anne-Marie Codur

Global Development and Environment Institute, Tufts University (2004)

CAPÍTULO 5

MACROECONOMIA E O AMBIENTE

1. REDEFININDO A RENDA E RIQUEZA NACIONAL

Limitações do PNB/PIB

Os economistas medem o produto econômico de uma sociedade usando indicadores tais como produto nacional bruto (PNB)1 ou produto interno bruto (PIB)2.3 Enquanto é amplamente reconhecido que tais mensurações não quantificam o bem-estar humano, ambos os economistas e elaboradores de políticas frequentemente assumem que um aumento no PIB corresponde a um aumento no bem-estar. Mas um entendimento do que o PIB inclui, e exclui, sugere que a relação entre a produção econômica e bem-estar é mais complexa. Agora voltamos a discussão das limitações do PIB.

PIB não é uma boa medida do bem-estar humano

O bem-estar humano depende do consumo de bens e serviços, mas também em muitos outros fatores. Podemos distinguir entre duas categorias abrangentes de atividades humanas: aquelas que são “premiadas” por um pagamento – um fluxo monetário – e aquelas que não são. Apenas o primeiro tipo são levadas em consideração na computação da renda nacional. Todos os outros – incluindo as tarefas domésticas e familiares, cuidar das crianças e de parentes doentes, trabalho comunitário voluntário, e atividades de lazer tais como leitura, cozinhar, tocar música, ir a praia – não são incluídas nos indicadores econômicos padrões. Podemos revisar nosso diagrama do fluxo circular para mostrar que

1 Toda renda ganha por residentes ou empresas de um dado país independente de onde aquela renda é obtida. 2 Toda renda ganha dentro de um dado país independente da nacionalidade do residente ou empresa. 3 A diferença entre PNB e PIB é se os ganhos externos de indivíduos e corporações são incluídos no total. O PNB dos E.U., por exemplo, incluem os ganhos externos de residentes e corporações dos E.U., mas excluem os ganhos de indivíduos e corporações estrangeiras de atividades nos E.U. O PIB dos E.U. incluem toda renda ganha dentro dos E.U., independente da nacionalidade dos residentes, mas excluem os ganhos dos residentes e corporações dos E.U. provenientes de fontes externas. O PIB substitui o PNB como a principal medida da produtividade dos E.U. em 1991.

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a esfera de atividades humanas, enquanto incluídos dentro da biosfera, é mais abrangente do que as atividades monetárias as quais são medidas pelo PIB.

A Figura 4 mostra a divisão dentro da esfera de atividades humanas entre a porção monetária das atividades e a parte não-monetária. O produto interno bruto mensura apenas a primeira área e negligencia a segunda. Porém, quando mensuramos o bem-estar humano é necessário levar em conta o escopo inteiro da esfera humana.

A primeira tentativa leva em conta algumas dessas atividades não-monetárias na mensuração do bem-estar econômico como foi proposto por Nordhaus e Tobin em 1972. Calcularam um valor para tais fatores como o trabalho familiar não remunerado e “desamenidades urbanas” (tais como congestionamento e poluição). Usando esses valores para modificar a mensuração do PIB padrão, construíram uma “Medida Econômica do Bem-estar” (MEB). Porém, seus esforços não foram sistematicamente seguidos. Muitas análises econômicas geralmente usam o PIB como uma medida de sucesso econômico, e – por norma – como uma medida de bem-estar.

FIRMAS FAMÍLIAS

Trabalho e

Capital

Bens e

Serviços

Trabalho e Capital

Bens e Serviços

$ $

$ $

Atividades Monetárias Atividades Não-monetárias

Esfera Humana

BIOSFERA

Esfera Comunitária Doméstica Familiar

Figura 4. Atividades Monetárias e Não-Monetárias

PIB inclui fluxos monetários que correspondem a um decréscimo no bem-estar

Quando ocorre um acidente de carro, vários tipos de atividades envolvendo fluxos monetários resultam: serviços mecânicos para reparar o carro, serviços médicos se os passageiros são ferimentos, serviços de seguro para avaliar os prejuízos, e serviços legais se as partes envolvidas no acidente contratam advogados para processar outras partes. Todos esses fluxos entram positivamente no cálculo do PIB – então o acidente de carro causa um aumento geral no PIB. Mas certamente não podemos dizer que contribuiu para o bem-estar!

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O acidente de carro é destrutivo para os seres humanos – potencialmente levando ao dano permanente ou mesmo morte – bem como destruição de bens duráveis (carros). Reduziu obviamente o bem-estar humano das vítimas do acidente. Os serviços envolvidos para tratar com as conseqüências do acidente podem no máximo “reparar” os carros e ajudarem as pessoas a voltarem ao estado normal das coisas anterior ao acidente (pessoas saudáveis e carros funcionando).

Em geral esta ação de colocar as coisas de volta em seu estado anterior não cria bem-estar mas pelo menos previne uma perda líquida de bem-estar. E essas atividades “reparadoras” todas têm custos em termos da quantidade de tempo e esforço requerido e equipamentos usados. Numa mensuração apropriada do bem-estar, os custos associados com um acidente de carro não devem ser considerados como “soma”. Possivelmente, devem ser vistas como “subtração” que reduzem o bem-estar. Pelo menos, devem ser excluídos de uma mensuração das atividades econômicas que contribuem para o bem-estar.

Como os economistas podem tratar os fluxos monetários que não apenas aumentam o bem-estar, mas podem até mesmo decrescê-los? Uma abordagem é mensurar as despesas defensivas4 feitas para eliminar, mitigar ou evitar danos causados por uma atividade econômica. Essas despesas defensivas podem então ser deduzidas de uma mensuração padrão do PIB ou PNB. O cálculo de tal despesa defensiva para a República Federativa da Alemanha como um percentual do PNB da Alemanha é mostrado na Tabela 1 e representa mais de 10% do PIB total.

Tabela 1. Despesas Defensivas na Alemanha, 1985.

Categoria de Despesas Defensivas Percentual do PIB

Serviços de Proteção Ambiental da Indústria e Governo 1,33 Danos Ambientais 0,80 Custo de Acidentes de Carro 1,10 Custos de Rotas de Viagem Estendidas 2,20 Custos Adicionais de Moradia devido à Aglomeração Urbana 0,75 Custos de Previdência Privada 1,26 Custos de Cuidados Defensivos de Saúde 2,60 TOTAL 10,24 Fonte: Leipert, 1989:41.

PIB negligencia a depreciação do capital natural

O PIB pode ser medido como a soma do valor adicionado doméstico em todos os setores da economia. Mas a produção econômica também envolve alguma perda de valor: desgaste de máquinas, equipamentos e infraestrutura ao longo do tempo, requer reparo e substituição eventual. Este processo de desgaste, reparo, e substituição do capital é levado em conta pela mensuração da depreciação do capital manufaturado. Se

4 Despesas feitas para limpar a poluição ou reparar ou compensar por danos ambientais.

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subtrairmos uma estimativa da depreciação5 do capital manufaturado do produto interno bruto, obtemos o produto interno líquido (PIL)6:

PIL = PIB – depreciação do capital manufaturado

O PIL é geralmente considerado como uma melhor mensuração da renda verdadeira do que o PIB. Se, por exemplo, temos elevado consumo no curto prazo, mas permitimos todo nosso estoque de capital se desgastar sem substituição, a mensuração do PIB daria uma impressão errônea de quão bem estaríamos economicamente. O PIL seria uma melhor mensuração já que mostraria os efeitos negativos da perda do capital produtivo.

Porém, este método de mensuração e contabilidade para a depreciação do capital aplica-se apenas ao que definimos como capital manufaturado. E quanto ao capital natural? O processo de produção usa os recursos naturais não-renováveis7 tais como carvão, óleo, e minerais. Frequentemente, os recursos naturais renováveis8 tais como solos produtivos, florestas, e peixes são também exauridos ou degradados através do sobre uso. E os resíduos emitidos do processo produtivo também poluem o ar, água, e terra, e degrada os ecossistemas. Tudo isto pode ser definido como depreciação do capital natural. Apesar da importância óbvia deste tipo de depreciação, não é contabilizado em todas as medidas padrões do PIL ou investimento líquido. Apenas a depreciação do capital manufaturado tais como edifícios e máquinas são contabilizados.

Para dar mais acurácia ao quadro das perdas de depreciação em uma economia, claramente precisamos mensurar e subtrair as perdas de exaustão dos recursos, erosão do solo, poluição do ar e água, e outros impactos ambientais. Algumas vezes isto é difícil, ambos por que bons registros dos estoques e fluxos de recursos naturais são frequentemente não disponíveis, e também por que pode ser difícil colocar um valor monetário em algo como erosão do solo. Alguns esforços têm sido feitos para atacar o problema, e isto tem levado a vários esforços para revisar, melhorar, ou substituir as mensurações do PIB padrão.

Alternativas ao PIB

Ajuste do PIB para a exaustão dos recursos naturais

Em muitos países em desenvolvimento, o crescimento econômico é fortemente dependente na exploração dos recursos naturais. Quando as matérias-primas e produtos de floresta, peixes, e agrícolas são vendidos domesticamente ou em mercados internacionais, esses recursos naturais são transformados em fluxos monetários que contribuem significantemente para o produto interno bruto desses países. Porém, este tipo de crescimento depende da exaustão dos recursos naturais.

5 O desgaste ou obsolescência do capital ao longo do tempo, aplicável ao capital manufaturado ou natural. 6 Produto doméstico bruto ajustado pela depreciação do capital manufaturado. 7 Recursos disponíveis em oferta fixa, tal como minérios e óleo. 8 Recursos que são ofertados em uma base continuada pelos ecossistemas; recursos renováveis tais como florestas e peixes podem ser exaurido pela exploração.

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Como mencionado acima, o produto interno líquido é obtido pela subtração da depreciação do capital manufaturado do valor do PIB. Ajustamento adicional do PIB para contabilizar a depreciação do capital natural produz o produto interno líquido ajustado ambientalmente (PIA):

PIA = PIL – depreciação do capital manufaturado – depreciação do capital natural

Note que o cálculo do PIA requer uma estimativa monetária para a depreciação do capital natural. Enquanto dados em PIL estão prontamente disponíveis para muitas nações, estimativas do PIA estão disponíveis para poucos países. Em estudos de alguns países em desenvolvimento, pesquisadores do Instituto dos Recursos Mundiais calcularam a perda do capital natural para três tipos de recursos tais como florestas, solo e petróleo. Descobriram que no caso da Indonésia, durante o período de 1971 a 1984, essas três formas de exaustão dos recursos subtraíram uma média de 9% do PIB oficial a cada ano. Um estudo da PIA em Corea de 1985-1992 indicou que subtrair a degradação ambiental devido à poluição do ar e água diminuiu o PIB em 3%, em média.

Outra abordagem ampliando a contabilidade nacional considera quanto um país está poupando para o futuro. As taxas de poupança nacional líquida são amplamente calculadas como a poupança interna total menos a depreciação do capital produzido. A mensuração da poupança genuína do Banco Mundial (S*) adiciona um elemento social e ambiental para as taxas de poupança nacional. Uma taxa de poupança genuína9 nacional é calculada como:

S* = poupança interna bruta – depreciação do capital produzido – despesas educacionais – exaustão dos recursos naturais – danos de poluição

Um valor maior de S*, mensurado como um percentual do PIB indica que uma nação está poupando mais para o futuro. Note que a taxa de poupança genuína pode ser negativa se as taxas de depreciação do capital produzido dos recursos naturais forem elevadas. Em outras palavras, investimento positivo líquido de uma nação em capital produzido pode ser mais do que compensado pela depleção de seu capital natural.

O Banco Mundial estimou as taxas de poupança genuína para muitos países por quantificar, em dólares, os efeitos da depleção da energia, minerais, e florestas bem como os dados do dióxido do carbono. Como vistos na Tabela 2, as taxas de poupança genuína variam entre regiões. As taxas de poupança genuína são mais baixos na África e o Oriente Médio tem taxas de poupança genuína negativa. Por exemplo, a depleção dos recursos de energia na Arábia Saudita é estimada em 44% do PIB, levando a uma taxa de poupança genuína de -14%.

A importância do capital natural é também quantificada nos esforços do Banco Mundial em determinar a “riqueza” verdadeira das nações. Estimativas típicas da riqueza nacional consideram apenas o valor dos bens produtivos. Mas juntamente com o capital produzido, o capital natural é um insumo crítico quando se queira atingir as metas de uma sociedade. Veja a Caixa 1 para detalhes sobre a pesquisa do Banco Mundial.

9 Uma mensuração que estima a quantidade de renda nacional sendo poupada, levando em conta a depleção do recurso natural, empréstimo estrangeiro líquido, e adições líquidas ao capital do estoque.

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Tabela 2. Taxas de poupança genuína como um percentual do PIB, 1997 Região Poupança

Doméstica Bruta

Depreciação do capital

produzido

Despesas com educação

Depleção dos recursos

naturais & Danos do CO2

Poupança Genuína

Nações de renda-baixa

17,0 8,0 3,4 7,8 4,8

Nações de renda-média

26,2 9,2 3,5 5,6 15,0

Nações de renda-alta

21,4 12,4 5,3 0,8 13,5

Leste da Ásia & Pacífico

38,3 6,9 2,1 3,8 20,7

Europa & Ásia Central

21,4 13,7 4,2 6,6 5,6

África Sub-Sahariana

16,8 9,1 4,5 8,7 3,4

Oriente Médio & Norte da África

24,1 8,8 5,2 20,7 -0,3

Mundo 22,2 11,7 5,0 1,8 13,6 Fonte: Hamilton, 2000.

Riqueza per Capita por Região e Grupo de Renda, 2000

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Fonte: Banco Mundial, 2006.

Contabilizando o capital natural: A abordagem das contas satélites

Durante anos recentes, as Nações Unidas e Departamento do Comércio dos E.U. lançaram revisões significativas de seus sistemas de contabilidade nacional da renda nacional para responder a algumas das críticas da contabilidade padrão. As revisões propostas não alteraram a estrutura fundamental da contabilidade do PNB/PIB padrões. Ao invés disso, proveram contabilidades adicionais ou “satélites” para lidar com os impactos da atividade econômica nos recursos naturais e ambiente.

Essas contas satélites10 incluem bens naturais desenvolvidos tais como recursos biológicos cultivados, terra cultivadas, reservas de subsolo exploradas, bem como bens ambientais não-exploradas como recursos biológicos não-cultivados, terra não-cultivadas, água e ar, bens de subsolo não comprovados. As mensurações de contas satélites listam esses bens em termos quantitativos (toneladas, hectares, metro cúbico etc.) embora essas quantidades possam ser convertidas em valores monetários.

Diferente das tentativas de quantificar um PIB “verde” como um valor único, a abordagem das contas satélite apresentam um quadro detalhado de cada um dos vários tipos de capital natural. Ao longo do tempo, usando contas satélites, pode-se determinar se a riqueza de uma nação de diferentes tipos está aumentando ou diminuindo. Uma vantagem das contas satélites é que a exaustão de certo capital natural crítico, tal como água potável, pode ser identificada e acompanhada.

10 Contas que estimam a oferta de capital natural em termos físicos, ao invés de monetários; usado para suplementar a contabilidade da renda nacional tradicional.

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Caixa 1: Estimativas do Banco Mundial da Riqueza Nacional

Quando Adam Smith escreveu The Wealth of Nations em 1776, ele estava preocupado sobre por que algumas nações eram mais ricas do que outras em termos dos bens físicos e financeiros. Hoje, muitos dos economistas estão começando a perceber que a mensuração verdadeira da riqueza de uma nação deve considerar outros tipos de capitais. O Banco Mundial expandiu a mensuração da riqueza nacional para incluir os recursos humanos e naturais.

O capital humano é o valor do conhecimento e habilidades das pessoas. Recursos humanos são valorados pelo Banco Mundial como os ganhos potenciais futuros da força de trabalho de uma nação. A pesquisa do Banco Mundial quantifica vários tipos de capital natural: cultivos agrícolas, terra de pastagens, madeira, benefícios florestas outros que não madeireira, áreas protegida, e recursos metalicos e minerais.

As mensurações expandidas da riqueza nacional têm sido estimadas por cerca de 100 nações. Entre todas as nações, os recursos humanos são a maior parcela da riqueza – responsável por 60% ou mais da riqueza total. Para muitas nações, o valor do do capital produzido (ou manufaturado) excedia o valor do capital natural. Como visto na figura abaixo, capital produzido é quatro vezes maior do que o valor do capital natural na América do Norte.

Porém, no Oriente Médio e partes da África, o valor do capital natural excede o valor do capital produzido. No Oriente Médio, como visto acima, o valor do capital natural é cerca de duas vezes o valor do capital produzido. A importância relativa do capital natural é muito maior para os países pobres. Uma questão política importante é se essas nações podem se desenvolver economicamente sem exaurir seus estoques de capital natural.

Composição da Riqueza

(Fonte: Banco Mundial, 1997)

América do Norte

Capital

Natural, 5%

Capital

Produzido,

19%

Recursos

Humanos,

76%

Oriente Médio

Capital

Natural,

39%

Capital

Produzido,

18%

Recursos

Humanos,

43%

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“Produto Nacional Verde”: Índice de Bem-estar Econômico Sustentável e Indicador de Progresso Genuíno

O esforço mais ambicioso para reformar o cálculo de um indicador de bem-estar econômico resultou da parceria entre um economista, Herman Daly, e o teólogo, John Cobb. Daly e Cobb chamaram sua proposta substituta do PIB de Índice de Bem-estar Econômico Sustentável (Index of Sustainable Economic Welfare, ISEW)11. Eles procederam em três etapas:

1. Construíram um indicador de bem-estar agregado para levar em consideração o fluxo corrente de todas as fontes de serviços para humanidade (e não apenas o produto corrente de mercadorias que são relevantes para o bem-estar econômico);

2. Deduziram gastos cujo propósito era defensivo ou intermediário e que não produziam bem-estar;

3. Contabilizaram pela criação e perda de todas as formas de capital, adicionando a criação de capital manufaturado e deduzindo a depleção do capital natural.

Uma mensuração mais recente, o Indicador de Progresso Genuíno (Genuine Progress Indicator, GPI),12 é estimada da mesma forma como o ISEW, mas também inclui fatores tais como o custo do subemprego, a perda de tempo de lazer, e a perda de florestas centenárias. A Tabela 3 dá os detalhes do GPI para os E.U. em 2000. Vemos na Tabela 2 grandes deduções para a depleção dos recursos não-renováveis e danos ambientais de longo prazo, tais como mudança climática. Note que uma dedução é também feita para a distribuição desigual da renda – os E.U. tem o maior nível de desigualdade da renda entre países desenvolvidos. Diferente do PIB, o GPI inclui o valor de algumas atividades de não-mercado, tais como o trabalho familiar e voluntário.

Uma comparação importante é como o GPI se relaciona com as mensurações tradicionais da produção econômica ao longo do tempo. Uma divergência do GPI e PIB sugeriria que o crescimento econômico está acontecendo aos custos de outras contribuições para o bem-estar, tais como qualidade ambiental ou tempo de lazer. Organizações não-governamentais calcularam o ISEW ou GPI para alguns países. Como visto na Figura 5, o crescimento no ISEW para Suécia é paralelo ao crescimento no PIB para o período de 1950 até cerca de 1980. Depois disto, o PIB continuou a crescer enquanto o ISEW estagnou. A divergência entre o PIB e o GPI para os E.U. é mais extremo. O PIB cresceu permanentemente nos E.U. desde 1950. Porém, o GPI cresceu apenas ligeiramente de 1950 a 1965, ficando relativamente constante de 1965 a 1975, depois caiu continuamente de 1975 até o início de 1990.

11 Uma mensuração de índice do desenvolvimento econômico e social que combina o PIB com dados sobre expectativa de vida, alfabetismo, e matrícula escolar. 12 Uma mensuração de índice de bem-estar humano que deduz certos custos de PIB, tais como os custos de danos ambientais, desigualdade de renda, acidentes de veículos, e crime, e adiciona certos benefícios, tais como o valor da família, parentesco, e serviços de estradas.

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Tabela 3. Indicador do Progresso Genuíno para os Estados Unidos em 2000 Custo/Benefício Valor (bilhões de dólares, 1996) O ponto inicial do GPI Consumo Pessoal 6.258,00 Custos Ignorados pelo PIB que são subtraídos Acidentes automobilísticos e viagem ao trabalho -613,00 Crime e desestruturação familiar -93,00 Perda de tempo de lazer e subemprego -451,00 Poluição do ar, água e sonora -108,00 Perda de alagados e terras agrícolas -583,00 Depleção de recursos não-renováveis -1.497,00 Danos ambientais de longo prazo -1.179,00 Outros custos ambientais -417,00 Ajuste para distribuição desigual da renda -959,00 Empréstimo externo líquido -324,00 Custo de consumo duráveis -896,00 Benefícios ignorados pelo PIB que são adicionados Valor do trabalho doméstico e de parentesco 2.079,00 Valor de trabalho voluntário 97,00 Serviços de consumo duráveis 744,00 Serviços de rodovias e ruas 96,00 Investimento de capital líquido 476,00 Indicador de Progresso Genuíno 2.630,00 Fonte: Cobb et al. 2001.

Figura 5. Índice de Bem-estar versus Produção Econômica ao longo do Tempo, Suécia e E.U. Fonte: Friends of the Earth, 2004.

Se tomarmos o GPI como uma mensuração razoável do bem-estar humano, então a meta de muitos tomadores de decisão para aumentar o PIB parece errôneo. Uma parte importante do crescimento econômico pode ser devido a um aumento nos gastos defensivos/preventivos, bem como um aumento na pressão sobre o ambiente e depleção do capital natural.

Quais mensurações devem guiar a política – mensuração tradicional da produção econômica ou as mensurações mais novas do bem-estar econômico? Muitos economistas sentem que mesmo se o GPI não mensure diretamente o bem-estar, mensura a habilidade de uma sociedade para obter os insumos materiais necessários para uma qualidade de vida elevada. Um PIB per capita dá para as pessoas mais opções para fazer escolhas que melhorem a qualidade de suas vidas. Outros responderiam que a quantidade de bens e

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serviços disponíveis em uma economia pode ser um fato para melhorar a qualidade de vida, mas existem muito mais dimensões do bem-estar humano. Usar o PIB como uma mensuração de quão bem estamos indo reduz a qualidade de vida por apenas uma de suas muitas dimensões.

Muito mais do que mensurações tais como o PIB, mensurações de bem-estar humano requer julgamentos subjetivos sobre o que incluir e como valorar diferentes variáveis em termos monetários. Claramente, existe espaço para desacordos sobre como construir um mensuração de índice de bem-estar. Ainda mais, a informação dada por essas mensurações provém insights importantes que seriam omitidos pelo foco exclusivo na produção econômica. É amplamente reconhecido que o dinheiro é apenas um meio para um fim e que, por último, a meta da política deve ser aumentar o bem-estar humano. Tentativas para construir mensurações tais como o ISEW e GPI pelo menos oferece um ponto inicial para avaliar se uma sociedade está indo na direção correta.

3. CRESCIMENTO DE LONGO PRAZO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Limites do Ecossistema

O quadro do fluxo circular completo na Figura 3 nos mostrou que a biosfera é uma fonte de recursos naturais para a esfera econômica, bem como um repositório13. Todas as atividades econômicas por fim dependem que a biosfera continue realizando essas funções.

Já que os limites da natureza não são aparentes, e já que a natureza parece ilimitada para os humanos, tudo que é obtido dele poderia ser considerado gratuito. Em particular, a economia, a ciência que lida com a escassez, não se preocupou com esses presentes gratuitos da natureza para o ser humano. Do ponto de vista da teoria econômica, se um bem é livre (i.e. não tem preço), não existe nenhuma razão para limitar o consumo, enquanto que se tiver um preço o consumo será limitado pela renda.

No passado, algumas civilizações alcançaram os limites dos ecossistemas nos quais dependiam. O estresse e degradação ecológica então apareceram, prevenindo qualquer desenvolvimento adicional de suas sociedades e algumas vezes conduzindo ao colapso, como mostrado no Caixa 2.

13 Os termos “fonte” e “repositório” são usados nas teorias de sistemas complexos para indicar os lugares onde os materiais e energia se originaram (“fontes”) e onde terminaram (“depósito”). Já que 100% de materiais reciclados é impossível, deve sempre haver fonte e repositório em qualquer sistema físico.

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Nunca antes na história da humanidade tínhamos alcançado os limites do ecossistema global. Hoje, existem mais e mais evidências de que a biosfera como um todo pode ser afetada na regulação dos processos biológicos e geofísicos pela escala corrente das atividades humanas.

A ameaça potencial da mudança climática global devido às emissões atmosféricas cumulativas do dióxido de carbono e outros gases do “efeito estufa” é um exemplo da atividade econômica pressionando contra os limites globais. Problemas similares globais são aparentes na degradação dos ecossistemas oceânicos, perda da diversidade biológica,

Caixa 2. Estendendo os Limites: O Colapso de uma Civilização

A primeira civilização alfabetizada no mundo entrou em colapso devido a sua falha em reconhecer os limites ecológicos. Por volta de 3000 a.C. os Sumérios do suldeste da Mesopotâmia, entre os rios Tigres e Eufrates, construiram uma sociedade complexa baseada na agricultura irrigada, e inventaram veículos com rodas, arado e barcos, bem como contabilidade e sistemas legais.

Porém, o aumento de sua população colocou pressão excessiva sobre os recursos naturais da região. O desflorestamento e super pastoreio levou a uma erosão excessiva do solo. A irrigação fez a água subterrânea se elevar, depositando sais e contaminando as culturas. Os solos erodidos assorearam os rios com argila, levando a catastróficas inundações.

“A quantidade limitada de terra que poderia ser irrigada, aumento da população, e necessidade de alimentar mais soldados e burocratas, e a competição acirrada entre cidades-estados, tudo isto aumentarou a pressão na direção de intensificação do sistema agrícola. O requerimento comprometedor de produzir mais alimentos significou que seria impossível deixar a terra ociosa por longos períodos.”

“Demandas de curto prazo pesou mais do que qualquer consideração da necessidade de estabilidade de longo prazo de um sistema agrícola sustentável... Até cerca de 2400 a.C. as produtividades agrícolas permaneceram elevadas, em algumas áreas tão elevadas quanto na Europa medieval e possivelmente até superiores. Então, à medida que o limite de terras agricultáveis foi sendo alcançadas e a salinização passou a tomar uma dimensão preocupante, a oferta de alimentos começou a cair rapidamente... por volta de 1800 a.C., quando as produtividades eram apenas cerca de um terço do nível obtido durante o início do período da Dinastia, a base agrícola de Sumer tinha efetivamente entrado em colapso.”

O processo de irrigação, salinização dos solos, e colapso da agricultura foi repetida duas vezes mais à medida que sociedades posteriores tentaram ser reconstruídas na mesma região. Finalmente, a terra foi exaurida. “Outrora terras produtivas de campos exuberantes, é agora em grande parte desolada, suas grandes cidades agora barram montanhas de areia que vêm do deserto em testemunha silenciosa da gloria de uma civilização esgotada.”

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e dano para a camada de ozônio protetora do planeta. À medida que o escopo da atividade econômica cresce, seu impacto sobre a esfera natural tem mudado em magnitude: que costumava ser negligenciado – e foi negligenciado como tal – tornando significante e potencialmente ameaçador.

Esses novos problemas ecológicos globais levaram ao reconhecimento de que o suporte natural é finito e que existem limitações ambos em termos de insumos que podem ser extraídos dele e os resíduos que podem absorver.

Kenneth Boulding foi o primeiro economista a abordar a necessidade de uma mudança na forma como o sistema econômico funciona, da economia do “cowboy” para a economia da “espaçonave”. No primeiro caso, a natureza parece sem fim, e nesta “fronteira” ambiental, o crescimento econômico pode ocorrer livremente. Porém, como ficou aparente, que a natureza mundial não é ilimitada, mas limitada, portanto o comportamento econômico deve mudar drasticamente. Pelo final do século vinte, Boulding sugeriu que a terra fosse melhor vista como uma espaçonave finita – um bote salva-vidas – no qual a espécie humana está embarcada e que deve ser pilotada de uma forma sábia e sem desperdício.

Quão próximo estamos deste limite? Uma forma de responder esta questão é basear-se no fato de que toda vida animal sobre a terra depende das plantas verdes, que capturam a energia solar através da fotossíntese. (Sem plantas verdes, os homens e todos os outros animais morreriam de fome já que os animais não podem produzir alimentos diretamente a partir do ambiente físico).

De acordo com certo estudo, quase 40% de toda fotossíntese terrestre já está diretamente ou indiretamente comprometida (usada) pelo ser humano. Isto significa que 40% do fluxo de energia solar que é recebido sobre a parte terrestre do planeta é usada de alguma forma – através da produção agrícola ou exploração direta dos ecossistemas naturais – para as necessidades humanas.

Se a população humana dobrar acima dos níveis de 1986 (que muitas projeções mostram que ocorrerá nos próximos 50 anos), poderia seu aumento de necessidades ser atendida sem destruir muitas outras espécies e ecossistemas? Possivelmente, se nos tornamos muito mais eficientes em nossa produção,no uso dos alimentos e outras necessidades. Mas o montante de 40% certamente implicará que devemos estar atentos aos limites do ecossistema, já que dobrar nossa demanda em 80% da capacidade do planeta conduziria muitas das espécies à extinção.

Na macroeconomia tradicional, o crescimento econômico é sempre considerado desejável. Mas à medida que nos movemos de um mundo relativamente vazio para um mundo relativamente cheio, uma ênfase exclusiva no crescimento econômico poderia produzir sérios, e possivelmente irreversíveis, danos ambientais. As implicações da humanidade agora se aproximando dos limites naturais é uma importante diferença entre o novo campo da economia ecológica e a economia tradicional, como explicado na Caixa 3.

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O Crescimento da Atividade Econômica

Existem duas dimensões importantes no crescimento dos impactos humanos sobre o ambiente:

• Crescimento Populacional: Cada indivíduo tem certas necessidades básicas por alimento, água, e espaço, então uma grande população terá geralmente um maior requerimento de recursos e maior impacto ambiental.

• Crescimento Econômico: à medida que a renda per capita aumenta, cada indivíduo tende a consumir mais, aumentando a demanda por recursos e produção de resíduos.

Crescimento Populacional

No começo do século XX, a população mundial era menos de 2 bilhões de pessoas. Em 2004, a população global alcançou 6,4 bilhões. Triplicar a população mundial em um século é um fenômeno único na história da humanidade. A Figura 6 ilustra o crescimento da população humana com projeções até 2050.

Caixa 3. Economia Ecológica

Economia ecológica emergiu nos últimos vinte anos como um campo de pesquisa e estudo. Essa nova abordagem foi construída sobre a longa tradição de pensadores que se preocupavam com a questão dos limites do ecossistema para a atividade econômica. A economia ecológica defende que a abordagem tradicional de economia para os problemas ambientais é inadequada para lidar com a crise contemporânea das interações do ambiente/sociedade e responder adequadamente às complexidades das questões tais como mudanças climáticas globais, perda de espécies, e degradação de ecossistemas.

Paradoxalmente, a economia tradicional foca os problemas de alocação de recursos escassos, mas tem se mostrado particularmente incapaz de levar em consideração a escassez crescente e degradação de muitos recursos naturais e sistemas ecológicos. Economia ecológica enfatiza a questão da escala da atividade humana, que potencialmente ameaça as capacidades naturais dos ecossistemas de se regenerar.

Os principais fundadores do campo da economia ecológica foram os economistas que tinham a habilidade de trazer a perspectiva multidisciplinar para as ciências sociais, tais como Kenneth Boulding que introduziu na economia muitos conceitos vindo da análise de sistemas, ou Nicholas Georgescu-Roegen que aplicou as leis da física da termodinâmica para os processos econômicos. Pesquisadores contemporâneos desta área são Herman Daly e Robert Costanza, que desenvolveram os conceitos de sustentabilidade de longo prazo, valoração ecológica e ambiental, e escala econômica ótima.

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Figura 6. Crescimento Populacional do Mundo, 1950-2050

Note que existe considerável incerteza sobre a população humana em 2050. O cenário “constante” na Figura 6 assume uma taxa constante de crescimento – uma possibilidade improvável dada que as taxas de crescimento populacional têm desacelerado nas décadas recentes. As outras três projeções ainda produzem um intervalo entre 7 e 11 bilhões.

O crescimento projetado da população humana nas próximas décadas é esperado ser concentrado nas regiões menos desenvolvidas do mundo. De acordo com as projeções médias das Nações Unidas, o crescimento populacional nas nações desenvolvidas será apenas 1% de 2003 a 2050. Enquanto isto, o crescimento populacional durante este mesmo período nas regiões menos desenvolvidas será em torno de 130%.

As projeções demográficas para o próximo século levam em consideração vários fatores. A taxa de fertilidade,14 que é o número médio de crianças nascidas por mulher, é um dos principais determinantes do crescimento populacional. Em países industrializados, as taxas de fertilidade têm diminuído continuamente no último século alcançando níveis abaixo de 2 crianças por mulher, que significa que o crescimento populacional no “Norte” desenvolvido é muito lento, cerca de 0,2% ao ano.

Porém, nos países em desenvolvimento, é ainda muito comum se ter taxas médias de fertilidade de 3 a 5 crianças por mulher. A esta taxa, o tempo para duplicar a população desses países é entre 20 e 30 anos (Veja Caixa 4).

Portanto, o “Norte” e o “Sul” mostram padrões muito diferentes em termos de crescimento populacional. O Norte representa hoje cerca de 25% da população mundial. Por volta de 2050, se a população mundial alcançar 8,9 bilhões de pessoas como projetada pelas Nações Unidas, a parcela do Norte terá caído para menos de 15% da população mundial.

A redução da taxa de fertilidade é um fenômeno universal, mas ocorrem a taxas diferentes em diferentes países. Os padrões de fertilidade são intimamente ligados às normas sociais e culturais e à estrutura familiar. Uma mudança na fertilidade requer uma 14 O número médio de nascimentos vivos por mulher na sociedade.

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mudança drástica nas estruturas sociais e na mentalidade, notadamente no status da mulher que tem uma papel importante na determinação dos padrões familiares.

O impacto ambiental dos padrões de vida

Padrões diferentes ou estilos de vida implicam em impactos diferentes sobre o ambiente. Tome o exemplo de uma família africana vivendo em uma área rural e cultivando seus campos com técnicas agrícolas tradicionais. Esta família causa um impacto limitado em seu ambiente local em termos de seu uso dos recursos de água e solo locais. Suas necessidades de lenha podem contribuir para o desflorestamento das áreas de matas locais. Mas sua produção de poluição e resíduos não-degradáveis é quase nulo.

Por outro lado, considere o impacto ambiental de uma família americana. Pelo seu consumo diário de alimentos, vestuário, moradia, transporte, aquecimento e ar condicionado, a família americana cria muitos impactos ambientais, muitos dos quais podem nem estar conscientes deles. Alguns desses impactos envolvem o uso dos recursos renováveis (solos, água, etc.); alguns envolvem o uso de recursos não-renováveis (combustível, gás, etc.); e outros envolvem a liberação de poluentes no ambiente (resíduos da produção agrícola e industrial, esgoto e lixo doméstico, e gases de efeito estufa como CO2 que contribui para as mudanças climáticas).

Seria possível criar um indicador pesando todos esses impactos diferentes visando mensurar o impacto ambiental global de cada ser humano de acordo com seu estilo de vida? Tal indicador seria difícil de construir – por exemplo, como você compararia o impacto da poluição da água com as emissões de CO2? É praticamente impossível obter um indicador único de impacto ambiental. Mas podemos olhar a contribuição relativa das pessoas de diferentes países para cada um dos problemas ambientais globais. Em termos de emissões de dióxido de carbono, as emissões dos E.U. são cerca de 20 toneladas por pessoa, enquanto as emissões dos indianos são cerca de 1 tonelada por pessoa.15

Outra comparação interessante seria olhar os vários padrões de vida em consumo de alimentos. Cada vez que uma pessoa come carne, seu impacto em termos de consumo de produtos de fotossíntese é sete vezes maior do que o impacto de uma pessoa consumindo a mesma quantidade de proteína na forma de grãos. Portanto, as pessoas cuja dieta principal é baseada em arroz, milho, trigo, feijão, outros cereais, e tubérculos (incluindo grande parte das pessoas da América Latina, África, e Ásia) tem um impacto ambiental por pessoa menor do que os residentes nos E.U., Europa e Austrália, que tipicamente consomem muito mais carne.

Da mesma forma, os padrões de transporte de uma sociedade podem ter impactos muito diferente em termos de uso de energia e emissões de poluição. O impacto ambiental de um sociedade centrada no automóvel é muito maior do que aquela de uma sociedade onde o transporte é principalmente a bicicleta. Mais sobre mensuração de impactos ambientais como uma função de diferentes fatores, veja Caixa 5.

15 World Resource Institute, 1996.

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Caixa 4. A Natureza Exponencial do Crescimento

Se uma população cresce a uma taxa de 3% ao ano – a taxa que é vista em alguns países em desenvolvimento tais como Nigéria e Guatemala – quanto tempo levará para a população dobrar?

Crescimento é um processo cumulativo: se você começar com uma população P0, um ano mais tarde a população será P1 = P0 + 0,03P0 = 1,03 P0. Entre o ano 1 e o ano 2 a população P1 será novamente multiplicada por um fator 1,03, de forma que a população no ano 2 será:

P2 = 1,03 P1 = 1,03 x 1,03 P0 = (1,03) 2 P0.

Depois de 20 anos, a população será:

P20 = (1,03)X(1,03) x... x (1,03)P0 = (1,03) 20 P0 = 1,806 P0.

Levará quase 24 anos para duplicar a população inicial com uma taxa de crescimento de 3% ao ano. Se esta taxa de crescimento continuar, a população dobrará a cada 24 anos. Isto é chamado de crescimento exponencial.

Nenhuma população cresce exponencialmente para sempre. Por fim, a população alcançará os limites de seu ambiente natural. Este limite é chamado de capacidade de suporte do ambiente. As taxas de crescimento populacional corrente em muitas áreas estão desacelerando, de forma que o crescimento da população global é menos do que exponencial. Mas o produto econômico global está crescendo exponencialmente.

Nota matemática:

Existe uma forma matemática para determinar o tempo de duplicação da população sem fazer as interações ano a ano. Sabemos que a população que estamos procurando será 2 P0 e isto acontecerá depois de certo número de anos n quando:

Pn = (1,03) n P0 = 2 P0

Isto significa que estamos procurando por um número de anos n tal que: (1,03) n = 2. Para determinar n, precisamos aplicar o logaritmo natural para ambos os lados desta equação:

Ln[(1,03) n] = Ln 2

Já que Ln [(1,03) n] = n Ln (1,03) podemos facilmente determinar o número exato de anos n:

N = Ln 2 / Ln (1,03) = (0,69315) / (0,02956) = 23,45

Portanto, com uma taxa de população de 3% por ano, a população dobrará em 23,45 anos.

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Do Crescimento ao Desenvolvimento Sustentável

Componentes do desenvolvimento sustentável

Os economistas sempre perceberam que existia mais para esperar do “progresso” do que o simples crescimento das quantidades de bens e serviços produzidos. O processo de desenvolvimento econômico deve melhorar o padrão de vida das pessoas não apenas em termos materiais, mas também em termos de melhoria de bem-estar num sentido mais amplo de qualidade de vida. Porém, muitos registros de progresso econômico apenas leva em consideração a dimensão quantitativa de bem-estar, como mensurado pelo PIB padrão, sem considerar as dimensões quanlitativas.

Se melhorar o bem-estar é a meta de qualquer desenvolvimento econômico razoável, seria possível medir as dimensões quanlitativas do desenvolvimento? O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) construiu um Índice de Desenvolvimento Humano que leva em consideração três dimensões de desenvolvimento:

1. PIB per capita

2. Expectativa de vida

3. Taxa de alfabetismo e matrículas escolares

Essas outras dimensões representam dois aspectos essenciais do capital humano: saúde e educação. As três dimensões são combinadas para dar um único Índice de

Caixa 5. A Equação IPAT

Uma forma de decompor o impacto ambiental I da atividade econômica humana é levar em consideração três dimensões deste impacto:

P: a população envolvida na atividade;

A: o fator afluência, que representa o padrão de vida desta população – usualmente medido por um indicador de renda ou consumo per capita;

T: o fator tecnológico, indicando o impacto ambiental por unidade de renda.

Então, deve ser verdadeiro que:

I = P x A x T

Por exemplo, considerando as emissões de CO2 na atmosférica, o impacto global I é a quantidade total de emissões que é o produto de:

1. o número de pessoas P

2. o fator efluente A que pode ser mensurado pela quantidade de uso de energia por pessoa

3. o fator tecnológico T que mensura a quantidade de CO2 liberado na atmosfera por cada unidade de energia produzida e consumida.

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Desenvolvimento Humano. Classificar os países usando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mostra que as sociedades que têm níveis similares de PIB pode ter níveis diferentes de desenvolvimento humano (veja Tabela 4). Panamá, Belize e Namíbia, todas têm níveis relativamente altos de PIB, mas seus escores de IDH variam significantemente. Panamá tem o IDH mais alto por causa do elevado nível educacional e uma relativamente longa expectativa de vida. Enquanto isto, a Namíbia tem um baixo escore de IDH principalmente devido a uma expectativa de vida muito baixa. Vietnam, Zimbábue e Angola também têm valores similares de PIB per capita, mas escores de IDH variando amplamente. No Vietnam, as pessoas são pobres ainda que relativamente educadas e de vida longa. Aqueles em Zinbábue são também educados, mas com expectativa de vida muito curta. Mas em Angola, as pessoas em grande parte são analfabetos e com baixa expectativa de vida.

Tabela 4. Escores do IDH para Nações Selecionadas, 2002 Nação PIB per capita Expectativa de

Vida Alfabetismo Adulto (%)

Matrícolas Escolares (%)

Escore do IDH

Países de renda-média Panamá $6.170 74,6 92,3 73 0,791 Belize $6.080 71,5 76,9 71 0,737 Namíbia $6.210 45,3 83,3 71 0,607 Países de renda-baixa Vietnam $2.300 69,0 69,0 64 0,691 Zimbábue $2.400 33,9 90,0 58 0,491 Angola $2.130 40,1 42,0 30 0,381 Fonte: United Nations Development Program, 2004.

Fins e Meios

O economista Herman Daly fez uma clara distinção enter os fins de todas atividades humanas e os meios para alcançar esses fins. Em um extremo do espectro, ele colocou o que ele chamou de fins últimos – as metas da vida que os filósofos tratam quando abordam a questão da felicidade e a questão em que se constitui uma vida “boa”. O desenvolvimento econômico, pelo contrário, está preocupado com os fins intermediários – provendo as necessidades da vida, bem como outros bens e serviços que constituem o bem-estar das pessoas.

Saúde e educação são partes importantes do bem-estar e portanto fins intermediários – mas como o Índice de Desenvolvimento Humano mostra, o crescimento econômico simplesmente não assegura necessariamente que a saúde e a educação será provida em uma base eqüitativa. Alguns economistas sugeriram que as economias devem se preocupar apenas com a eficiência,16 e não com a equidade.17 Mas a idéia de fins últimos sugere que o desenvolvimento econômico verdadeiro deve prover acesso às necessidades básicas para todos – e portanto que a economia não pode evitar a responsabilidade de algum julgamento moral sobre o que é ou não é eqüitativo.

16 O uso de recursos em uma forma que não envolve qualquer desperdício. 17 Justiça na distribuição relativa de bens e serviços para a população.

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Se estamos interessados no desenvolvimento econômico verdadeiro, portanto, mensurações tais como PIB per capita sozinho diz apenas parte da estória. Precisamos considerar ambas a provisão eqüitativa das necessidades humanas básicas, e o impacto da produção econômica sobre o ambiente. Certamente, a preservação da biosfera, que suporta todas as vidas humanas e atividade econômica, deve se qualificar como um fim último.

Definição de Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento verdadeiro deve prover os benefícios para todos, e não deve destruir os sistemas de suporte da vida no qual repousa. Uma definição de desenvolvimento sustentável, proposto pela Comissão Mundial de Ambiente e Desenvolvimento, é:

“Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer as necessidades do futuro.” (WCED, 1987).

O conceito de sustentabilidade tem agora se tornado mais disseminado na economia. Porém, existem diferentes interpretações do significado econômico de sustentabilidade.

Uma interpretação, algumas vezes chamada de sustentabilidade fraca,18 está relacionada com o conceito de depreciação do capital natural que discutimos acima. De acordo com esta visão, qualquer perda de capital natural deve ser balanceada pela criação de novo capital de pelo menos igual valor. Portanto, gerações futuras terão acesso a um estoque de capital que seja pelo menos o mesmo valor daquele que a geração presente tem disponível. Mas nesta visão, é aceitável esgotar ou destruir os recursos naturais, desde que assegurando que capital manufaturado de igual valor seja substituto para aquele perdido.

Por exemplo, uma nação em desenvolvimento poderia cortar toda sua floresta, substituindo-a com plantações e usinas, ou destruir seus estoques pesqueiros naturais e substituí-la com fazendas de aqüicultura onde os peixes são criados em tanques-rede para o consumo humano. Isto atenderia a definição de sustentabilidade fraca, provido que o valor produtivo das novas fazendas fosse pelo menos igual àquela dos sistemas naturais anteriores.

Esta visão é criticada pela escola de pensamento da economia ecológica, tendo como base que a valoração econômica não reflete o valor total dos serviços ecológicos, e portanto nos encoraja a ignorar os limites ecológicos. Isto poderia conduzir o processo de desenvolvimento econômico a caminhos perigosos. No passado, respostas ecologicamente destrutivas causaram o colapso de civilizações (veja Caixa 2).

Onde existe um perigo irreversível – dano que não pode ser reparado – os economistas frequentemente sugerem que deveria ser observado o princípio da precaução.19 Este

18 Sustentabilidade fraca: a visão de que a depleção do capital natural é justificado tão logo seja compensado pelo aumento do capital manufaturado; assume que o capital manufaturado pode substituir muitos dos tipos de capital natural. 19 Princípio da precaução: a visão de que as políticas devem considerar as incertezas tomando medidas que evite baixa probabilidade, mas eventos catastróficos.

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princípio implica que não devemos arriscar danos ambientais que danificariam permanentemente nossa própria sociedade ou futuras gerações. Este argumento poderia ser aplicado às emissões atmosféricas que resultam na depleção da camada de ozônio ou mudança climática imprevisível, o vazamento de químicos de longa vida ou organismos geneticamente modificados no ambiente, ou a criação de resíduos nucleares de longa vida.

Em geral, defensores da sustentabilidade forte argumentam que os sistemas naturais devem ser mantidos intactos onde seja possível. Identificam capital natural crítico – tais como ofertas de água – como recursos que devem ser preservados em qualquer circunstancia. Nesta visão, por exemplo, manter a fertilidade natural do solo é essencial – mesmo que seja possível compensar pela degradação do solo com fertilizante adicional. Note que a perspectiva da sustentabilidade forte é compatível com o sistema de contas satélites discutido previamente. Mantendo contas satélites, os tomadores de decisão podem determinar se o capital natural crítico está sendo exaurido.

Qualquer um dos conceitos de sustentabilidade – mas especialmente a versão “forte” – implica alguma limitação do crescimento econômico. A parte da atividade econômica que depende pesadamente dos recursos naturais, matéria-prima e energia, não pode manter crescimento indefinido. Por que o ecossistema planetário tem certos limites, deve haver também limites na escala macroeconômica – o nível geral de uso dos recursos e produção de bens. Existe uma necessidade no longo prazo de se alcançar o ápice, um estado-permanente em termos de consumo de recursos em matéria e energia.

Ao invés de crescer indefinidamente em um caminho exponencial – diga-se crescimento de 4% no PIB per capita por ano – os sistemas nacional e global devem seguir o que é chamado de padrão logístico20 no qual o crescimento é eventualmente limitado, pelo menos em termos de consumo de recursos (veja Figura 7).

20 Crescimento logístico: uma curva de crescimento na forma de S que eventualmente estabiliza em certo limite superior.

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Figura 7. Crescimento alcançando um estado-permanente

Por outro lado, atividades que não envolvem consumo de recursos, que são ambientalmente neutros ou amigos do ambiente, podem crescer indefinidamente. Tais atividades poderiam incluir serviços, artes, comunicação e educação. Uma vez atendida as necessidades básicas e níveis razoáveis de consumo alcançados, o conceito de desenvolvimento sustentável implica que o desenvolvimento econômico deve ser orientado cada vez mais na direção deste tipo de atividades “sustentáveis”.

Políticas de desenvolvimento sustentável

Muito da teoria e política macroeconômica é orientada na direção de promover crescimento econômico contínuado. Que tipo de política seria requerida para promover a sustentabilidade? Seriam as metas de crescimento econômico e sustentabilidade compatíveis?

Alguns economistas ecológicos vêm “crescimento sustentável” como uma contradição. Apontam que nenhum sistema pode crescer sem limites. Porém, alguns tipos de crescimento econômico parecem essenciais. Para grande parte das pessoas no mundo para as quais faltam as necessidades básicas, um aumento no consumo de alimentos, moradia, e outros bens é claramente necessário.

Para aqueles que alcançaram elevado nível de consumo material, existem possibilidades para melhoria do bem-estar através da expansão dos serviços de educação e cultura que, como temos notado, não têm um grande impacto ambiental negativo. Mas, não existe nada na macroeconomia padrão que garanta que o crescimento econômico será eqüitativo ou ambientalmente benéfico. Políticas específicas para o desenvolvimento sustentável são portanto necessárias.

O que tais políticas devem envolver? Algumas possibilidades incluem:

• Taxas “verdes”21 que deslocariam o ônus da taxa da renda e taxação do capital, e sobre o uso de combustíveis fósseis e recursos. Isto desencorajaria atividades econômicas intensivas em energia e materiais, enquanto favorece a provisão de serviços e indústrias trabalho-intensivos.22

• Eliminação de subsídios agrícolas e energéticos que encorajam o sobre uso de energia, fertilizante, pesticidas e água de irrigação. Sistemas agrícolas sustentáveis dependem da reciclagem de nutrientes, diversificação de cultivos, e o uso de controle natural de pragas, minimizando o uso de químicos artificiais e fertilizantes. Esses sistemas também tendem a ser mais trabalho-intensivo.

21 Taxas baseadas em impactos ambientais de um bem ou serviço. 22 Sistemas de produção intensivas em trabalho são aquelas que usam grandes quantidades de trabalho relativa a outros fatores de produção. Similarmente, sistemas intensivo em energia usam grandes quantidades de energia. Por exemplo, transporte automobilístico é energia-intensiva; transporte de bicicleta é trabalho-intensiva.

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• Maior reciclagem de materiais e uso de energia renovável. O campo da ecologia industrial23 emergiu à medida que os cientistas e economistas ambientais exploravam como os sistemas industriais podiam ser redesenhados para imitar os padrões do ciclo fechado dos sistemas naturais, que reusam tanto materiais quanto possível e produção mínima de resíduos.

• Os sistemas de transporte eficiente que substitui o transporte automotivo energia-intensiva por trens de alta velocidade, transporte público, maior uso de bicicletas, e redesenho das cidades e subúrbios para minimizar as necessidades de transporte. Em países como E.U. onde os sistemas centrados no automóvel já são extensivamente desenvolvidos, o uso de carros combustível-eficiente seriam importantes; em alguns países em desenvolvimento a dependência automotiva poderia ser evitada por completo.

Essas propostas têm implicações para a política macroeconômica. Se as políticas almejassem promover a sustentabilidade, também encorajaria o desenvolvimento trabalho-intensivo, isto poderia ajudar a alcançar o pleno emprego. Os investimentos públicos em transporte ferroviário e energias renováveis teriam implicações orçamentárias, à medida que se reduzisse os subsídios para estradas e combustíveis fósseis. Mudanças de taxas poderia ser receita-neutra,24 significando que cada dólar arrecadado em novas taxas de energia e recursos seria igualado a um dólar de renda, salário, redução de taxa de ganhos de capital. Mas mesmo se novo sistema de taxas fosse receita-neutra, poderia haver efeitos macroeconômicos devido aos diferentes incentivos criados pelo emprego da mão-de-obra e capital, e as implicações de investimento.

Portanto, as questões de análise macroeconômica precisam levar em conta a sustentabilidade de longo prazo. As políticas orientadas na direção do crescimento econômico sozinha arriscam danificar o “fluxo circular” mais abrangente da biosfera, a menos que sejam modificadas para incluir considerações dos impactos ambientais e escala de sustentabilidade. Isto adiciona uma nova dimensão ao debate sobre a política macroeconômica, uma dimensão que aumentará de importância para ambas as economias desenvolvidas e em desenvolvidas no século XXI.

23 A aplicação de princípios para gerenciar a atividade industrial. 24 Políticas que são elaboradas para balancear aumento de taxas sobre certos produtos ou atividades com uma redução sobre outras taxas, tais como uma redução no imposto de renda que compensaria uma taxa baseada no carbono.