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8/19/2019 MAMMÌ_Concretismo Paulista Foi Mais Importante Que Semana de 22 (Entrevista - Revista Trópico) http://slidepdf.com/reader/full/mammiconcretismo-paulista-foi-mais-importante-que-semana-de-22-entrevista 1/7 dossiê Trópico Lorenzo Mammì: "Concretismo paulista foi mais importante que Semana de 22" Por Alvaro Machado O professor Lorenzo Mammì, 45 anos, atual diretor do Centro Universitário Maria Antônia, no histórico prédio da antiga faculdade de Filosofia da USP na região central de São Paulo, convida a uma completa reavaliação de um momento-chave na cultura brasileira do século 20. Numa série de cinco exposições acompanhadas de livros, Mammì e uma brigada de teóricos de artes ligados à universidade afirmam com todas as letras que a “Arte Concreta Paulista” dos anos 1950 (título da série de exposições) foi culturalmente mais significativa para o país do que a grande encenação da Semana de Arte Moderna de 1922. Este evento “explosivo” teria tido, porém, “continuidade na arte brasileira muito menor que a do movimento concretista”, conforme afirma Mammì, endossado pelos co-idealizadores do projeto, os críticos Tadeu Chiarelli e Alberto Tassinari. “À época do concretismo, Mario de Andrade estava defendendo a tradição acadêmica familiar, o aprendizado do métier artístico etc.”, cutuca Mammì. Em “Arte Concreta”, ele e sua equipe delegaram a curadores convidados mais que percursos de montagem, solicitando pesquisas específicas como estopim de uma documentação completa do concretismo brasileiro na literatura e nas artes visuais. “Arte Concreta Paulista” consolidou-se sobre quatro pilares, que recapitularam momentos importantes da movimento em quatro mostras: sobre o grupo Ruptura (curadoria de Rejane Cintrão, do MAM-SP), Antônio Maluf (curadora de Regina Teixeira de Barros), o grupo Noigandres (curadoria e Lenora de Barros e João Bandeira) e o artista Waldemar Cordeiro (curadoria de Helouíse Costa). Em 1952, o grupo Ruptura reuniu sete artistas que apresentaram obras numa única sala do Museu de Arte Moderna de São Paulo, lançando em seguida um manifesto. Antônio Maluf foi o artista que desenhou o cartaz da 1a. Bienal de São Paulo (1951), permanecendo porém à margem do circuito expositivo. O grupo Noigandres constituiu-se de cinco poetas concretistas, que editaram cinco números da revista de mesmo nome entre 1952 e 1962. O artista e intelectual Waldemar Cordeiro (1925-1973) foi também líder do grupo Ruptura. As duas primeiras exposições aconteceram em junho/julho últimos e as demais serão inauguradas nesta semana (01/08). Há, ainda, no Centro Universitário Maria Antônia, uma saleta permanente com poemas espaciais construídos por Augusto de Campos, segundo as cores e as formas características de cada um dos pintores e escultores do Ruptura, dando conta das estreitas relações entre as expressões literária e visual. Inaugura-se, ainda, uma impressionante escultura-instalação de Iole de Freitas, de cabos de alumínio e telas de polietileno, que atravessa literalmente três patamares do edifício da USP. Mammì vincula Iole à tradição construtiva e concreta, assim como grande parte dos mais expressivos nomes da arte brasileira hoje. Junto às exposições, que têm patrocínio da Petrobras, está sendo lançada uma série de cinco livros com apoio da editora Cosac & Naify e diagramação do artista e designer Alexandre Wollner, ele próprio um membro da segunda geração concretista. O catálogo-livro “Noigandres” traz encartado um CD com leituras de 70 poemas, 62 delas inéditas em disco. Na entrevista abaixo, o curador Lorenzo Mammì fala sobre as exposições e contextualiza o concretismo paulista na arte brasileira e internacional. pico - Lorenzo Mammì: "Concretismo paulista foi mais importante q... http://www.revistatropico.com.br/tropico/html/print/1354.ht 7 28/01/2016 21:18

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dossiê

Trópico

Lorenzo Mammì: "Concretismo paulista foi mais importante que Semana de 22"Por Alvaro Machado

O professor Lorenzo Mammì, 45 anos, atual diretor do Centro Universitário Maria Antônia, no históricoprédio da antiga faculdade de Filosofia da USP na região central de São Paulo, convida a uma completareavaliação de um momento-chave na cultura brasileira do século 20.

Numa série de cinco exposições acompanhadas de livros, Mammì e uma brigada de teóricos de artesligados à universidade afirmam com todas as letras que a “Arte Concreta Paulista” dos anos 1950 (títuloda série de exposições) foi culturalmente mais significativa para o país do que a grande encenação daSemana de Arte Moderna de 1922. Este evento “explosivo” teria tido, porém, “continuidade na artebrasileira muito menor que a do movimento concretista”, conforme afirma Mammì, endossado pelosco-idealizadores do projeto, os críticos Tadeu Chiarelli e Alberto Tassinari.

“À época do concretismo, Mario de Andrade estava defendendo a tradição acadêmica familiar, oaprendizado do métier artístico etc.”, cutuca Mammì. Em “Arte Concreta”, ele e sua equipe delegaram acuradores convidados mais que percursos de montagem, solicitando pesquisas específicas como estopimde uma documentação completa do concretismo brasileiro na literatura e nas artes visuais.

“Arte Concreta Paulista” consolidou-se sobre quatro pilares, que recapitularam momentos importantes damovimento em quatro mostras: sobre o grupo Ruptura (curadoria de Rejane Cintrão, do MAM-SP),Antônio Maluf (curadora de Regina Teixeira de Barros), o grupo Noigandres (curadoria e Lenora deBarros e João Bandeira) e o artista Waldemar Cordeiro (curadoria de Helouíse Costa).

Em 1952, o grupo Ruptura reuniu sete artistas que apresentaram obras numa única sala do Museu de ArteModerna de São Paulo, lançando em seguida um manifesto. Antônio Maluf foi o artista que desenhou ocartaz da 1a. Bienal de São Paulo (1951), permanecendo porém à margem do circuito expositivo. O grupoNoigandres constituiu-se de cinco poetas concretistas, que editaram cinco números da revista de mesmonome entre 1952 e 1962. O artista e intelectual Waldemar Cordeiro (1925-1973) foi também líder dogrupo Ruptura.

As duas primeiras exposições aconteceram em junho/julho últimos e as demais serão inauguradas nestasemana (01/08). Há, ainda, no Centro Universitário Maria Antônia, uma saleta permanente com poemasespaciais construídos por Augusto de Campos, segundo as cores e as formas características de cada umdos pintores e escultores do Ruptura, dando conta das estreitas relações entre as expressões literária e

visual.

Inaugura-se, ainda, uma impressionante escultura-instalação de Iole de Freitas, de cabos de alumínio etelas de polietileno, que atravessa literalmente três patamares do edifício da USP. Mammì vincula Iole àtradição construtiva e concreta, assim como grande parte dos mais expressivos nomes da arte brasileirahoje.

Junto às exposições, que têm patrocínio da Petrobras, está sendo lançada uma série de cinco livros comapoio da editora Cosac & Naify e diagramação do artista e designer Alexandre Wollner, ele próprio ummembro da segunda geração concretista. O catálogo-livro “Noigandres” traz encartado um CD comleituras de 70 poemas, 62 delas inéditas em disco.

Na entrevista abaixo, o curador Lorenzo Mammì fala sobre as exposições e contextualiza o concretismopaulista na arte brasileira e internacional.

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Por que apresentar neste momento essa série de exposições sobre o concretismo?

Lorenzo Mammì: Além da efeméride de 50 anos da exposição Ruptura e do primeiro número da revistaNoigandres (ambos em 1952), há a coincidência dos 80 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.Portanto, este é um momento decisivo para sublinharmos o concretismo como a maior das “viradas” naarte brasileira, bem mais sólida e marcante que a própria Semana de 22, apesar do valor inaugural desseevento.

Pois a Semana de 22 surgiu num período em que havia poucas possibilidades para estruturar-se ummovimento e teve alcance bem circunscrito em termos de duração e de desdobramentos. De forma aindamais flagrante que na música e na literatura, que já contavam com algumas estruturas sólidas, as artesplásticas do primeiro modernismo não apresentaram soluções de continuidade, seja pela falta de estruturasmuseográficas ou de um mercado que as sustentasse.

Já no caso dos movimentos concretistas dos anos 50...

Mammì: O segundo grande salto na arte brasileira do século 20, a maior ruptura estética, do concretismo,

surge junto a mudanças de costume bem mais abrangentes. Foi o primeiro movimento a colocarsistematicamente, no Brasil, a questão da arte na era industrial. Assim, consideramos que a maneira maiscorreta de realizar essas exposições não seria procurar pelas obras-primas museográficas, mas mostrarsobretudo o entorno, ou seja, como esse novo pensamento influenciou todos os aspectos da produçãovisual brasileira.

Então, além de telas e esculturas, há roupas, projetos gráficos, azulejos (sobretudo de Antônio Maluf),poesia concreta etc. Pois uma das características mais fortes do grupo Ruptura era constituir-se comomovimento de transformação visual que abrangesse todos os aspectos da vida moderna, do urbanístico edo design à produção da obra propriamente dita.

Daí nossa idéia de quatro exposições bem diversas: o Ruptura, momento inaugural; Antônio Maluf, umgráfico que ficou um tanto à margem do movimento, pois acabou expondo não com o Ruptura, mas com ogrupo carioca Frente, um mês depois (junto a Ivan Serpa, Ferreira Gullar, Athos Bulcão e outros);Noigandres, o outro grande movimento de 52; e Waldemar Cordeiro, do qual tomamos aspectos menosconhecidos, o período em que ele abandona um pouco a linguagem do Ruptura, mas não está aindacompletamente na fase “popcreta”, em que trabalha muito com montagem, fotografia, letras, montagemde objetos com jornais, além de seu paisagismo e projetos arquitetônicos, aspectos mal conhecidos de suaobra.

A idéia era reconstruir um ambiente cultural de mudança?

Mammì: Por esse motivo há um quinto catálogo-livro, que dará conta de toda a rede de relações culturaisque se foi criando. Pois o tipo de avaliação feita até hoje possui um viés que sacrifica ou subestima oconcretismo, tanto na comparação com os artistas anteriores, do modernismo “clássico”, quando nasrelações de continuidade que os críticos têm estabelecido com os neoconcretistas nos anos 60.

Na verdade, os neoconcretistas até recuam um pouco esteticamente, integrando ao concretismo osconceitos de um espaço individual, existencial, enquanto os concretistas dos anos 50 eram ligados à idéiade intervenção dentro de uma produção industrial e do conjunto da sociedade, noção trazida da escola deUlm (Alemanha).

Sua produção artística tendia a diluir-se numa produção estética mais ligada aos objetos cotidianos, àurbanística, à sinalização pública etc. Liga-se a isso o fato de convidarmos o artista Alexandre Wollner,que foi aluno da escola de Ulm, para fazer o design de todos os catálogos. Chamado pelo professor PietroMaria Bardi, Wollner funcionou como assistente da exposição do suíço Max Bill no Masp, em 1951,grande influência no concretismo brasileiro.

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Qual o papel da universidade nestas exposições?

Mammì: A USP instalou-se neste prédio em 1949. Embora a universidade não tivesse ligações diretascom os concretistas, esse é um momento em que se cria em São Paulo um certo ambiente culturalpropício, com a Maria Antônia como um dos pontos de referência, junto ao Teatro de Arena, a livrarias docentro da cidade, bares daqui etc.

Todo o período de 49 a 68, enquanto a USP teve alunos neste prédio, foi muito ativo culturalmente. Entãopara nós tornou-se também uma questão de reconstruir a história dessa época, absolutamente marcanteainda hoje naquilo que restou da visualidade de São Paulo, até mesmo quanto ao desenho das calçadas, nomosaico que ainda guarda um resto dessa estética concretista.

No entanto há um hiato na memória brasileira quanto ao papel representado pelos concretistas(como, talvez, em tudo o mais). Isso se deveu ao “excesso de formalismo” e à “falta de historicismo”de que os concretistas foram acusados com freqüência?

Mammì: Esquecendo fatos contingentes, como as brigas entre os integrantes, coisa normal em grupos de

vanguarda, e também a circunstância de que eles precisaram definir-se como grupo de oposição às coisasestabelecidas, o que cria certa rigidez dogmática, acho que a injustiça maior para com o concretismo é quenossa leitura dessa evolução da arte brasileira a partir da década de 50 é demasiadamente ligada a umavalorização do neoconcretismo como ponto nodal da arte brasileira, especialmente de Lygia Clark e HélioOiticica (que são grande artistas, isso está fora de discussão).

A valorização é correta. Porém o concretismo é geralmente usado como pano de fundo para ver de quemaneira Lygia e Oiticica destacam-se dele, portanto sempre como o negativo de um movimento positivo.Perdemos a visão de quanto o concretismo é a base de sustentação das poéticas brasileiras seguintes.

Não teria havido nem Lygia nem Hélio sem essa ruptura, e se estes lideram um movimento de vanguarda

único no panorama mundial (talvez na companhia de algum outro na América Latina), muito diferente dosmovimentos da Europa e Estados Unidos à época, é justamente porque há uma linha de continuidade,vinda do concretismo, enquanto nos outros países há, no meio, uma ruptura expressionista.

Com exceção de Iberê Camargo, o expressionismo abstrato e o formalismo não tiveram aqui esse peso deestabelecer uma ruptura. Já no nome os neoconcretos ligam-se à influência concreta. No exterior, ominimalismo é uma reação às expressões abstratas. Isso faz com que nossa arte contemporânea sejadiferente, encontrando pontos de semelhança apenas, talvez, na arte venezuelana, com a continuidadeestabelecida entre Jesus Soto, Cruz-Díez e os movimentos anteriores.

Hélio Oiticica respeitou certos princípios formais anteriores, a homenagem a Mondrian, a preocupaçãocom a questão da forma e da cor, e os manteve mesmo nos pontos mais performáticos de sua obra: nospenetráveis e nos ninhos, que no fundo são estruturas concretas habitáveis... Por sua vez, osdesdobramentos de Lygia Clark, seus primeiros “bichos”, parecem Sacilottos desmontáveis...

Então, procuramos recuperar o lado positivo, mostrando como o concretismo foi raiz de toda a artebrasileira que se segue (mesmo considerando alguns esquematismos a mais na segunda geração), muitomais que o movimento modernista de 22.

Antes do concretismo existem poucas soluções de continuidade, e acho até que do ponto de vista estéticohá um salto maior entre o Ateliê Abstração e o Grupo Ruptura do que entre o concretismo e o

neoconcretismo. Pois o Ateliê Abstração, de Sanson Flexor e discípulos, trabalhava ainda a questão fundoe figuras (embora desmontáveis), como nas escolas de Paris. No Ruptura isso não mais existe, e na poesiaconcreta produziu-se até mesmo um novo cânone literário no Brasil, introduzindo-se Ezra Pound, Joyceetc.

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Ainda que o senhor esteja enfatizando um fluxo na arte brasileira a partir dos anos 50, quais seriamos pontos de rompimento mais evidentes entre concretos e neoconcretos?

Mammì: Se nos anos 50 havia a crença na convivência pacífica entre pensamento de vanguarda eprodução industrial, na década de 60 há a perda dessa ilusão, com os artistas colocando inclusive umaalternativa existencial.

Até mesmo com o culto a um lado marginal.

Mammì: Sim, também de um lado marginal, que não estava absolutamente no projeto dos concretos, eisso sem dúvida enriquece a questão, que se torna menos ingênua, mais dilacerada.

Também, talvez, pelos caminhos tomados pelo processo político brasileiro, não?

Mammì: Sim, de maneira ainda mais radical que com artistas de outros países à mesma época, quetambém conheceram uma perda de confiança no processo. Porém no caso do Brasil isso foi ainda maisdramático.

Já na origem concretista brasileira não se percebem características estéticos peculiares?

Mammì: Já no período concreto há algumas características que não são identificáveis ao construtivismoeuropeu. Por exemplo, o fato de os concretos utilizarem formas menos estruturais e mais óticas. ComoGeraldo de Barros, que em 51 era um “optical” avant la lettre. Existe mais relação ótica imediata com aimagem, quase ilusionista, do que relação estrutural no sentido essencial, a la Mondrian. Por exemplo,Sacilotto usa roxo, laranja, que são cores tonais, e não fundamentais.

A arte concreta brasileira é menos ideal e mais sensível. E essas cores que você via em Sacilotto, ou emOiticica e seus laranjas, você reencontra agora no pintor Eduardo Sued, com marrons e outros tons muitopouco essenciais. Preocupação que se encontra também em Soto e nos venezuelanos.

Portanto existe uma “coisa” sul-americana, que interpretou a arte européia de uma maneira menosessencialista e mais tonalista e ótica, ligada a uma relação sensível e imediata com o objeto, e menos àidéia de forma. Isso talvez não estivesse muito consciente para os concretistas, mas é um elemento quepersistiu em toda a arte brasileira posterior que participa de algo dessa tradição.

Após Oiticica houve ruptura com essa tradição?

Mammì: Existiram várias tentativas. Mas, justamente pelo fato de a arte concreta não possuircaracterísticas tão essencialistas ou idealistas, ela pôde sobreviver nas entrelinhas, sem necessidade de sernegada completamente. Reapareceu em Waltércio Caldas e em José Resende, por exemplo, ou mesmo emartistas mais jovens, como Jac Leirner.

Quais são, grosso modo, os desdobramentos do concretismo da década de 50 até hoje?

Mammì: O movimento nunca é completamente esquecido. Existe uma continuidade de produção.Surgiram várias polêmicas e contradições, porém jamais se viu outra virada tão radical.

Quais os artista mais próximos das estéticas concretistas hoje?

Mammì: O ideal concretista não é mais sustentável hoje, pois encontrava-se ligado a uma idéia

progressista de transformação ideal da produção industrial e da imagem urbana, a um projeto modernoque hoje talvez seja ingênuo. Lembro, para ilustrar o processo, uma frase de Nietzsche que vi afixadasobre uma instalação do artista norte-americano Joseph Kosuth: “Os grandes filósofos imaginam serlembrados por suas grandes construções, mas as gerações seguintes usam apenas alguns dos tijolos queeles forjaram”.

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Assim, o que se mantém do construtivismo não é a idéia geral, mas as cores de Sacilotto, algumas soluçõesde Waldemar, o “optical” de Geraldo de Barros, certas sonoridades da poesia concreta, reencontráveishoje em Tom Zé, Arnaldo Antunes e mesmo na MPB. São os tijolos, enfim, que continuam fecundandotudo.

E quanto às acusações de falta de historicismo imputadas aos concretistas?

Mammì: São injustas. Veja o caso de Waldemar Cordeiro, que tinha fortes ligações com a esquerdagramsciana, que é historicista. Eles sempre defenderam que faziam algo que já existia na arte anteriorcomo essência. Mas é natural uma certa negação da história como necessidade nos movimentos devanguarda.... Porém o que dizer quando se constata que nenhum movimento da arte brasileira até oRuptura apresentou continuidade?

Existem explosões e recuos seguidos, pois não existia estrutura para manter as conquistas. Em 1930, aSemana de 22 já estava esgotada, apesar de grandes autores que trabalharam de maneira modernistadurante a Segunda Guerra. Não havia, até a década de 50, possibilidade de estabelecer uma historicidadeda arte brasileira senão como uma ficção, forçando-se um historicismo positivista derivado do século 19,

pinçando-se aqui e ali grandes artistas desde o século 18, de maneira a criar uma espécie de dinastia,quando na verdade não há continuidade.

Como o sr. avalia a expressão internacional do concretismo?

Mammì: No caso dos poetas, houve, sem dúvida, grande reconhecimento internacional, assim como naarquitetura e urbanismo de Niemeyer e Lúcio Costa. E na música também. Já nas artes visuais, não houve,ao contrário do caso venezuelano, tanto impacto em direção ao exterior, até surgirem Oiticica e Clark.

Como foi estruturada a mostra do Grupo Ruptura, que inaugurou o ciclo de exposições atuais?

Mammì: Quisemos concentrar as coisas na exposição de 52, não incluindo itens posteriores. Não foipossível reconstruir com exatidão porque não havia documentação suficiente e não se tem notícia demuitas das obras. No caso de Leopoldo Haar, mostramos apenas fotografias de obras, e no de KazmerFéjer foram reproduções de esculturas em acrílico.

Quisemos marcar o impacto dessa exposição em relação ao que havia antes, o choque cultural que elarepresentou. Há obras pouco conhecidas de várias coleções, de Adolpho Leirner, o grande colecionadorde arte concreta, mas também de pequenos acervos de Minas, São Paulo...

O que se pretende na USP com essas séries?

Mammì: Não existe nenhum projeto fixo, mas a intenção é levantar discussões mais substanciais sobre oconcretismo e, no próximo ano, mais uma grande questão geral. E também dar sobrevida às mostras compublicações, debates e ciclos de palestras. A diferença entre um centro universitário e um museu é umpouco essa, produzir pesquisa, discussão, aproveitar a massa crítica da universidade para estruturar umaprodução analítica.

Além desta série “histórica”, o Centro Maria Antônia prossegue com obras e instalações idealizadasespecialmente por artistas para essas salas de exposição?

Mammì: Junto à inauguração das mostras Noigandres e Cordeiro já haverá uma escultura em três

patamares, de Iole de Freitas. Gostaria de assinalar que essa artista vem da arte performática na década de70, da arte-dança conjugada a filmes etc. Atualmente ela desenvolve um interesse muito grande pelavanguarda russa, por artistas como Rodchenko e Maliévitch, um pouco daqueles relevos de parede doLissitski...

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Foi uma feliz coincidência receber essa obra na mesma época que a série concreta, porque Iole é umaartista que trata as questões concretistas de maneira criativa hoje. Com a diferença de que ela vem maisda tradição construtiva russa, mais suprematista, com movimentos corporais, enquanto os concretistaspaulistas deviam mais à tradição alemã. Mas existe de fato esse diálogo, revelando que a arte brasileiracontemporânea herdou muito dos construtivos, sejam russos ou alemães.

Arte brasileira contemporânea, aliás, que é hoje bastante valorizada no circuito artístico mundial.Mammì: Sim, talvez até por essa estranha característica, de aliar à matriz construtiva uma questãosensível e existencial, presente em muitos de nossos artistas atuais.

Como o senhor vê a situação atual das artes visuais em São Paulo? Neste momento, a Bienal tentacontinuar a fórmula apresentada no ano passado, endossada por um recorde de público, mantendo ocurador alemão Alfons Hug para a próxima edição. O crítico Ivo Mesquita, demitido pela FundaçãoBienal há alguns anos, foi novamente demitido em julho último, desta vez pelo MAM-SP, que pareceperseguir a mesma meta de público em massa de muitos museus e fundações brasileiros.

Mammì: Parece que é sempre o Ivo Mesquita que tem de pagar o pato (ri). O sistema está se implantandono Brasil de uma maneira um pouco afoita, tardia, um pouco rude até, mas em todo o mundo o esquema

de megaexposições com grandes orçamentos está levando necessariamente a eventos que arriscam pouco.Tornar a estrutura de produção mais importante que a própria obra é uma conseqüência inevitável quandose trabalha com esses valores de altíssimo porte. Precisamos voltar a valorizar estruturas mais ágeis, maispróximas da produção dos artistas, que permitam riscos maiores e não estejam sujeitas à chantagemcontínua da expectativa de um grande afluxo de público.

Perdemos o espaço para a experimentação porque esse gênero não é sucesso garantido. Talvez seja a horade trabalhar com orçamentos mais contidos e exposições de pequeno porte, discussões mais sofisticadas,em nível universitário, e que não o que esperam as escolas de segundo grau, por exemplo, emboratrabalhar com escolas seja sempre desejável.

Os grandes movimentos da década de 60, 70 e 80 trabalharam na verdade situações de risco, sem essaestrutura toda. Cresci na Itália nos 60 e 70, quando surgiu o movimento da arte povera e não havia entãoassessores de imprensa. Eram as pequenas galerias que mostravam isso. É preciso uma certa coragem dasinstituições culturais, que não devem se atrelar tanto a grandes exposições, grandes catálogos, centenas demilhares de visitantes etc. É bom ter isso, mas também é bom ter o oposto, ou seja, o húmus dos pequenoseventos. A universidade pode ter essa função.

Projeto Arte Concreta PaulistaExposições: Grupo Noigandres; Waldemar Cordeiro: a Ruptura como Metáfora; Poemas de Augusto deCampos (todas de 01/08 a 08/09) Local: Centro Universitário Maria AntoniaRua Maria Antonia, 294 - Vila Buarque - São PauloHorários: de segunda a sexta, das 12h às 21h; domingos e feriadosFone: (11) 3255-5538Entrada: gratuita

Alvaro Machado

É jornalista, colaborador da "Folha de S. Paulo", autor de "A Sabedoria dos Animais" (ed. Ground),

tradutor de “A Linguagem dos Pássaros” (ed. Attar) e organizador de "Aleksandr Sokúrov" (ed. Cosac &Naify) e de "Mestres-Artesãos" (ed. Sesc-SP). Coordena o site-catálogo da editora Cosac & Naify(www.cosacnaify.com.br).

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