MANIN - Metamorfoses do governo representativo (resenha-comentários)

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  • 7/30/2019 MANIN - Metamorfoses do governo representativo (resenha-comentrios)

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    MANIN, Bernard. Metamor foses do governo representativo. So

    Paulo, Revista Brasileira de Cincias Sociais, 1995 (p. 5-34)

    Fala-se frequentemente que os pases ocidentais esto passando por umacrise de representao. Durante dcadas, a representao parecia estar fundada em uma

    forte relao de confiana entre eleitores e partidos polticos. Hoje, porm, as pesquisasde opinio revelam que os eleitores no se identificam com partido algum. Antes, asdiferenas entre os partidos pareciam refletir as clivagens sociais. Mas hoje tem-se aimpresso que so os partidos que impem as clivagens sociedade. No passado, os

    partidos apresentavam um programa poltico que se comprometiam a cumprir, casochegassem ao poder. J hoje, a estratgia dos partidos e dos candidatos repousa naconstruo de imagens vagam que projetam a personalidade dos lderes. Hoje, as

    preferncias polticas dos cidados expressam-se cada vez menos pela via eleitoral emais por intermdio das pesquisas de opinio. Por fim, os fatores tcnicos, que os

    cidados no dominam, vm ganhando cada dia mais peso na arena poltica. Ospolticos chegam ao poder em funo de suas aptides e de suas habilidades no uso dosmeios de comunicao de massa, no porque estejam prximos ou se identifiquem oeleitorado (1, p. 5).

    O governo representativo passou por importantes transformaes nosltimos dois sculos, especialmente a partir da segunda metade do sculo XIX. Duas,em especial, se destacam: a ampliao do sufrgio e a emergncia dos partidos demassa. importante notar que, seguindo os exemplos das revolues inglesa, americanae francesa, o governo representativo moderno nasceu sem a presena de partidos

    polticos organizados. Ademais, a prpria ideia de plataforma (programa) poltica tinha

    um papel de reduzida importncia no modelo de representao originrio, o que sealterou com o aparecimento dos partidos de massa. (2, p. 5-6).

    A prpria relao de representao foi modificada com a entrada em cenados partidos e seus programas. Com os partidos, representantes e representadosganharam proximidade. Os candidatos passaram a ser escolhidos pela organizao

    partidria, na qual militantes tinham a oportunidade de se manifestar e interferir. Sendoeleitos, os representantes permaneciam em contato com a organizao pela qual seelegeram, de forma que aos militantes era conferida certa margem de controle sobreseus representantes fora dos perodos eleitorais (3, p. 6).

    No final do sculo XIX, vrios analistas interpretaram taistransformaes com um sinal de uma crise de representao. Falava-se, ento, em crise

    do parlamentarismo, cujo prottipo era localizado no sistema parlamentar inglsanterior a 1870. Com o tempo, contudo, notou-se que, malgrado a emergncia dos

    partidos de massa tivesse ocasionado a falncia do parlamentarismo, o governorepresentativo no havia acabado. Alguns observadores perceberam que havia surgidouma nova forma de representao, logo batizada de democracia de partido, entre os

    pensadores anglo-americanos, e parteiendemokratie, entre os tericos alemes (4, p.6).

    Chegou-se concluso que uma nova forma representao veio entosubstituir a forma de representao tpica do parlamentarismo. Baseada na ampliao dodireito de voto e no aparecimento dos partidos de massa, essa nova forma de relao derepresentao foi vista por alguns inclusive como um avano da democracia. O

    governo representativo parecia aproximar-se do ideal de autogoverno, do povogovernando a si mesmo (5, p. 6-7).

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    H uma notvel simetria entre a situao atual e a do final do sculo XIXincio do sculo XX. Como no passado, a ideia de uma crise de representao um temacorrente, o que nos leva a crer que muito menos de representao como tal do que deuma forma particular de representao. Cabe investigar, portanto, se no estaramosdiante de uma terceira forma de governo representativo (6, p. 7).

    Trs tipos-ideais de governo representativo sero construdos aqui: (i) oparlamentar, (ii) a democracia de partido e (iii) a democracia do pblico. Como tipos-ideais, esses trs modelos, obviamente, no esgotam todas as formas possveis degoverno representativo, nem todas as formas que ele pode assumir na realidade ( 8, p.7).

    Os princpios do governo representativo

    Quatro princpiosno sentido de ideias que se traduziram em prticas einstituies concretas conformam e caracterizam, desde a sua origem no sculoXVIII, o governo representativo moderno (9, p. 7).

    1) Os representantes so eleitos pelos governados

    No existe representao quando os governantes no soperiodicamenteeleitos pelos governados. Eleies peridicas, no entanto, no implicam umaidentidade rousseauniana entre governantes e governados por duas razes (10, p. 8).

    Em primeiro lugar, as eleies no eliminam a diferena de status efuno entre povo e governo. Em um sistema eletivo o povo no governa a si mesmo.A eleio consiste to somente no mtodo de escolha dos que devem governar e delegitimao de seu poder: o poder atribudo no por direito divino, nascimento,riqueza ou saber, mas sim pelo processo eletivo (11, p. 8).

    Em segundo lugar, um sistema eletivo no requer que os governantes seassemelhem aos governados. Um governo eletivo pode, perfeitamente, ser um governode elites, contanto que essas elites no exeram o poder unicamente em funo de suasqualidades de distino (12, p. 8).

    Embora no haja identidade entre governantes e governados, estes noesto restritos a uma posio subordinada. Como o governo representativo sefundamenta em eleies repetidas, o povo tem condies de exercer certa influncia

    sobre as decises do governo pode, inclusive, no reeleger os representantes que nolhe agradem (13, p. 8).

    2) Os representantes conservam uma independncia parcial diante das

    preferncias dos eleitores

    Os representantes mantm certo grau de independncia em suas decises,muito embora sejam escolhidos e possam at ser destitudos pelos governados. Afim de garantir esse princpio, duas prticas devem ser eliminadas: os mandatosimperativos e a revogabilidade permanente e discricionria dos eleitos (recall) (14, p.8-9).

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    Nenhum dos governos representativos institudos desde o sculo XVIIIadmitiu mandatos imperativos ou concedeu o estatuto de obrigao legal s instruesdadas pelos eleitores. Tampouco admitiu um sistema de revogabilidade de mandatos.

    Na Inglaterra, no incio do sculo XIX, os radicais tentaram introduzirum sistema similar s instrues legais, sistema esse baseado nas chamadas

    promessas (pledges), que, no entanto, nunca adquiriram o carter de obrigao legal(15, p. 9).Nos Estados Unidos, a prtica das instrues era extensamente

    disseminada, tanto no perodo colonial como nos dez primeiros anos aps aindependncia. Aps o First Congressional Congress, as instrues, ainda que

    permitidas, perderam o estatuto de obrigao legal (16, p. 9).Na Frana, uma das primeiras decises dos revolucionrios, em julho de

    1789, foi proibir a prtica dos mandatos imperativos. Essa deciso nunca foi posta emquesto durante ou aps a Revoluo. Em 1793-4, o movimento radical francs propsque os eleitos fossem passiveis de perda do mandato, a qualquer tempo, por deciso dasassembleias locais, o que nunca foi em prtica. Durante o curto perodo da Comuna de

    Paris, em 1870, institui-se um sistema de revogabilidade (17, p. 9).

    O governo representativo nunca foi um sistema em que os eleitos tm aobrigao de realizar a vontade dos eleitores, ou seja, nunca foi uma forma indireta desoberania popular. Nesse aspecto, reside uma grande diferena entre o governorepresentativo e a democracia, entendida como regime de autogoverno do povo. Comefeito, no a presena de delegados que diferencia a representao do governo do

    povo pelo povo. O prprio Rousseau, tenaz crtico da representao, assim percebeu. Naverdade, a diferena no est na existncia de um corpo de delegados, mas na ausnciade mandatos imperativos ( 18-19, p. 9-10).

    Duas figuras decisivas na concepo de governo representativo, Madisone Siys, perceberam o contraste entre representao poltica e democracia.

    Para Madison, o governo representativo, mais do que uma formaaproximada de democracia, tecnicamente necessria, era uma forma diferente e superiorde exerccio do poder. Seu objetivo colocar no poder pessoas mais aptas a resistir spaixes desordenadas e aos equvocos e iluses efmeros que podem tomar conta

    do povo. A superioridade do regime representativo se encontra justamente no fato depermitir um distanciamento entre as decises do governo e a vontade popular (20, p.10).

    Tambm para Siys, a representao no uma verso imperfeita dademocracia direta, decorrente de necessidades prticas. A superioridade do governo

    representativo reside no tanto em sua faceta mais racional e menos passional, mas nofato de constituir uma forma poltica mais adequada s sociedades mercantis modernas,onde as pessoas esto ocupadas na produo e troca de riquezas, e no dispe do temponecessrio para participar dos negcios pblicos. A representao, para Siys,significa, acima de tudo, a aplicao da diviso do trabalho esfera poltica. Conclui,ainda, que no funo dos representantes agir como meros transmissores da vontadedos eleitores, mas sim deliberar livremente, de acordo com seu juzo (21, p. 10-11).

    3) A opinio pblica sobre assuntos polticos pode se manifestar

    independentemente do controle do governo

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    Desde o final do sculo XVIII, prevalece a ideia de que um governorepresentativo supe que os governados possam formular e expressar livremente suasopinies polticas (22, p. 11).

    A liberdade de opinio requer dois elementos. Primeiro, para que osgovernados possam formar opinio sobre assuntos polticos, necessrio que tenhamacesso informao poltica, o que supe a publicizao das decises governamentais.O princpio da divulgao dos debates parlamentares foi reconhecido na Inglaterra entre1760/90. Nos Estados Unidos, o primeiro senado eleito sob a nova Constituio decidiu,inicialmente, realizar debates secretos, mas tal prtica foi definitivamente abandonadaquatro anos depois. Na Frana, os Estados-Gerais de 1789 decidiram, desde suainstalao, que as deliberaes seriam pblicas (23, p. 11).

    O segundo elemento da liberdade de opinio pblica a liberdade paraexpressar opinies polticas. A relao entre liberdade de opinio e governorepresentativo no to bvia. Se entendida como uma liberdade negativa, na

    expresso popularizada por Isaiah Berlin, isto , como uma rea de proteo do

    indivduo face intromisso do governo, a liberdade de opinio no guarda relao coma representao. A representao diz respeito ao modo de participao dos cidados nogoverno e garante liberdade positiva. Desse modo, para alm de sua dimensoindividual, a liberdade de expresso poltica apresenta uma dimenso coletiva, que lheconfere o carter propriamente poltico e garante aos cidados um modo de agir frenteao governo. Nessa sua dimenso poltica, a liberdade de opinio surge em contrapartida ausncia do direito instruo. Ainda que os representantes no ajam de acordo comos desejos do povo, estes no podem ser ignorados. A liberdade de opinio garante que,existindo esses desejos, eles sero levados ao conhecimento e considerao dosrepresentantes. Chama-se, enfim, de opinio pblica essa voz coletiva do povo que,sem ter valor impositivo, sempre pode se manifestar, independentemente do controle dogoverno (24-26, p. 11-13).

    A liberdade de opinio pblica distingue o governo representativo darepresentao absoluta, cuja formulao mais conhecida encontrada em Hobbes.Segundo Hobbes, um grupo de indivduos somente adquire unidade poltica aps terconferido autoridade a um indivduo ou assembleia. Antes da designao dorepresentante, o povo no tem unidade alguma; , antes, uma multido dispersa(multitudo dissoluta). Porm, quando o representante chega ao poder, conferindounidade ao povo, substitui completamente aqueles que representa (27, p. 13).

    A liberdade de opinio pblica impede justamente essa substituio

    absoluta, sobretudo porque mantm disponvel ao povo a possibilidade de se manifestarindependentemente do representante. Relembremos que o governo representativoconserva a distncia entre representantes e representados, distncia essa eliminada tanto

    pela representao absoluta, que substitui os representados pelos representantes, quantopelo autogoverno do povo, que transforma os representados em representantes (27-28, p. 13).

    4) As decises polticas so tomadas aps debate

    Desde a sua origem, a ideia de representao esteve ligada dadiscusso. Entretanto, o elo entre representao e discusso s pode ser entendido pela

    introduo da noo intermediria de assembleia (30, p. 13-14).

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    No governo representativo, a assembleia desempenha um papel decisivo.Isso se d porque o governo representativo no foi proposto, nem estabelecido, comoum regime no qual o poder estaria confiado a um nico indivduo eleito. Ao contrrio,foi criado como um regime em que um rgo decisrio coletivo deveria ocupar a

    posio central (30, p. 14).

    C. Schimitt e alguns outros analistas enxergam muito mais que isso.Consideram o papel atribudo assembleia como efeito de uma crena anterior nasvirtudes do governo da verdade. Segundo essa interpretao, a verdade deve ser a baseda lei; o debate o caminho mais adequado para determinar a verdade; logo, o rgocentral de tomada de decises deve ser um local de debates, isto , uma assembleia(30, p. 14).

    Por outro lado, os primeiros partidrios do governo representativo Locke, Montesquieu, Burke, Madison ou Siysno compartilham dessa viso. Aqui,o carter coletivo de um rgo decisrio no inferido a partir das vantagens dadiscusso. Muito mais bvio, a associao entre representao e assembleia entendidamais como um legado histrico. Os parlamentos modernos se formaram com

    temporalidades diferentes conforme o pasa partir dos organismos representativos dasociedade feudal, as assembleias dos estamentos. A natureza coletiva das assembleiasmodernas , portanto, um elemento de continuidade histrica (31, p 14).

    Alm disso, a noo de representao poltica esteve sempre vinculada aceitao da diversidade social. At mesmo pensadores como Siys e Burke, querealavam o papel da assembleia na produo da unidade, reconheciam que osdelegados, eleitos por diferentes localidades e populaes, davam s assembleias umafeio de reflexo da diversidade social (32, p. 14-15).

    Assim sendo, a natureza coletiva e diversificada do organismorepresentativo, e no a crena pr-concebida nas virtudes do debate parlamentar, queexplica o papel atribudo discusso (33, p. 15).

    Sendo um organismo decisrio de carter coletivo e plural, com inmerosintegrantes esposando provavelmente opinies divergentes, resta o problema de sealcanar um acordo, uma convergncia de vontades. Tendo em conta a igualdade devontades inerente concepo de governo representativo, todos os participantes devem

    procurar o consentimento dos demais atravs da persuaso. O debate, assim, consisteem uma atividade natural das assembleias (33, p.15).

    O debate parlamentar realiza, portanto, a tarefa especfica de produziracordo e consentimento, mas no constitui, por si mesmo, um princpio de tomadadeciso. O que faz de uma proposta uma deciso pblica no a discusso, mas o

    consentimento. Contudo, preciso acrescentar que esse consentimento obtido porumamaioria. No se trata, pois, de uma concordncia universal, nem de uma expresso daverdade. O princpio majoritrio que fornece ento um modelo para a tomada dedecises, o que a discusso, por si s, no o faz. Alis, a regra da maioria, ao contrrioda discusso, perfeitamente compatvel com as limitaes temporais da ao poltica:um parlamento no se confunde com uma sociedade de intelectuais. Assim, portanto,deve ser formulado o princpio do governo representativo: nenhuma medida temvalidade de uma deciso enquanto no obtiver o consentimento de uma maioria, ao finaldos debates (34-37, p. 15-17).

    Os quatro princpios do governo representativo permaneceram constantesao longo de toda a sua histria. certo, porm, que tiveram consequncias eimplicaes diferentes de acordo com as circunstancias dentro das quais foram postos

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    em prtica. Essas diferenas deram origem a trs formas de governo representativo quepassamos a expor (38, p. 17).

    O governo representativo de tipo parlamentar

    1) Eleio dos representantes pelos governados

    Nesse tipo, as eleies conduzem ao governo indivduos que gozavam daconfiana de seus concidados. Essa confiana estava baseada em uma rede de relaeslocais, na notoriedade social ou na deferncia que suscitavam (39, p. 17).

    A relao de confiana tem um carter essencialmente pessoal. Ocandidato inspira confiana por sua personalidade, no por suas relaes com outrosrepresentantes ou com organizaes polticas. O representante mantm uma relaodireta com os eleitores, isto , o contato frequente, e o representante geralmente

    pertence mesma comunidade definida tanto em termos geogrficos quanto emfuno dos grandes interesses do reino (propriedade fundiria, mercantil etc) deseus eleitores. Existem, pois, laos sociais e interaes prvias que so mobilizados

    posteriormente pela competio poltica (40, p. 17).As eleies no governo parlamentar selecionam um tipo particular de

    elite: os notveis. Forma-se ento o reinado dos notveis (40, p. 17).

    2) Independncia parcial dos representantes

    Os representantes so livres para votar de acordo com sua conscincia ejulgamento pessoal. No so porta-vozes dos eleitores, meros transmissores de umavontade formulada fora do Parlamento, mas sim seus homens de confiana, seustrustees. Tal independncia deve-se em parte ao fato de que a eleio de cada deputadofoi consequncia de um fator no-poltico, o prestgio local (41, p. 17-18).

    3) A liberdade da opinio pblica

    No sistema parlamentar vigora uma no correspondncia, ou mesmoconflito, entre a opinio pblica e as preferencia polticas manifestadas nas eleies. Aeleio de representantes e a expresso da opinio pblica (atravs de associaes,

    peties, campanhas de imprensa etc.) diferiam no s por seu status constitucional,como tambm por seus objetivos. Algumas questes, como a liberdade de religio e o

    livre comrcio, no eram temas discutidos durante os perodos eleitorais, nem eramdecididos pelos resultados da votao. Essa diferena de objetivos decorria no s docarter restritivo do direito de voto, como tambm da natureza dessa forma de governorepresentativo. Se as eleies escolhiam as pessoas tendo em conta a confiana pessoal,as opinies dos cidados sobre assuntos e orientaes polticas precisavam encontraroutro canal de expresso. Recorrendo a uma imagem espacial, pode-se falar em umcorte horizontal entre a vontade superior do povo, que elege o Parlamento, e suavontade inferior, que se manifesta nas ruas e atravs da imprensa (42-44, p. 18).

    Nessa forma de representao, a liberdade de opinio pblica inseparvel do risco de desordem pblica (45, p. 18-19).

    4) Decises polticas tomadas aps debates

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    Como os representantes no esto presos vontade de seus eleitores, o

    Parlamento pode ser um local de plena deliberao, no interior do qual os polticosdefinem suas posies atravs da discusso e o consentimento da maioria alcanadoatravs da troca de argumentos (46, p. 19).

    A democracia de partido

    1)Os representantes so eleitos pelos governados

    O aumento do tamanho do eleitorado, fruto da extenso do direito devoto, impediu a continuidade das relaes pessoais entre representante e representado.Os cidados no votam mais em algum que conhecem pessoalmente, mas em umcandidato que carrega as cores do partido (47, p. 19).

    Quando de sua formao, acreditava-se que os partidos de massaconduziriam o cidado comum ao poder. Os partidos socialistas ou social-democratas,

    por exemplo, passariam a colocar os prprios membros da classe operria noParlamento. Aparentemente, a ascenso desses partidos prefigurava no s o fim dosnotveis, como tambm o fim do elitismo tpico do parlamentarismo (48, p. 19).

    Michels, analisando o partido social-democrata alemo, desmentiu taisexpectativas. O autor demostrou a distncia que separa as lideranas polticas de suas

    bases partidrias. Embora os lderes e deputados do partido tivessem origem socialoperria, na verdade eles levavam uma vida muito mais pequeno-burguesa do queoperria. Tais lderes e deputados, uma vez no poder, se tornavam diferentes. Mais queisso, eles j eram diferentes: o partido funcionava como um mecanismo de ascensosocial aos seus membros mais inteligentes e capazes. Nesse sentido, o carter elitista dogoverno representativo no desaparece com a emergncia dos partidos de massa. O queacontece a instituio de um novo tipo de elite: no lugar dos notveis, aparece agoraa figura do ativista e lderpartidrio (o chefe poltico) (49-50, p. 19-20).

    Na democracia de partido, as clivagens eleitorais refletem as divises declasse. Nota-se, ento, uma influncia particularmente evidente dos fatoressocioeconmicos nas preferncias polticas. Nos pases onde se constituram partidossocial-democratas (arqutipos dos partidos de massa) fortes, tais como Alemanha,Inglaterra, Sucia e ustria, pode-se encontrar esse tipo de representao baseada em

    lealdades partidrias estveis. O voto constitui, antes de tudo, um meio de expresso deidentidade de classe; no se trata de mera questo de escolha, mas de identidade social edestino (52-53, p. 20).

    A representao se torna, fundamentalmente, um reflexo da estruturasocial. Como no tipo parlamentar, a eleio reflete uma realidade social anterior

    poltica. Os setores sociais que se manifestam atravs das eleies esto em conflitoentre si, e esse mesmo conflito se torna um elemento essencial da democracia de

    partido, diferentemente do que ocorria no parlamentarismo, no qual as comunidades eos grandes interesses no estavam necessariamente em conflito (54, p. 21).

    Esse sentimento de identidade e pertencimento social era inclusive maisdeterminante do que a adeso aos programas partidrios no que toca s atitudes

    eleitorais. Os partidos de massa constitudos no final do sculo XIX certamenteformulavam detalhadas plataformas polticas, e nisso se diferenciavam dos partidos do

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    regime parlamentar. Entretanto, os eleitores pouco sabiam acerca dessas plataformas.Votavam num partido porque se identificavam com ele, independentemente dos planosde ao constantes da plataforma. Assim, tal como no regime representativo de tipo

    parlamentar, a democracia de partido baseia-se na confiana. A diferena est no objetoda confiana: no mais um pessoa, mas o partido (55, p. 21).

    2) A independncia parcial dos representantes

    A liberdade para votar segundo a sua conscincia e julgamento, liberdadeessa prpria do parlamentarismo, substituda pela disciplina partidria. O deputado,como definiu Kautsky, no um homem livre, por mais escabroso que isto possa

    parecer; ele um simples delegado do partido. No toa que Hans Kelsen, pensadorexemplar dos princpios da democracia de partido, prope diversas medidas destinadas agarantir o controle dos deputados pela mquina do partido (56, p. 21).

    J dissemos que, nesse modelo de governo representativo, o Parlamentofunciona como registro da fora relativa dos interesses sociais em luta. Isso confirmado pela adoo do sistema de representao proporcional por todos os pasesonde a social-democracia forte, com exceo da Inglaterra. Em razo disso, ademocracia de partido maximiza o risco de um confronto violento. A existncia deinteresses contraditrios em disputa faz com que surjam campos adversrios que sairocomo vencedores ou perdedores do embate. A imposio da vontade de um camposobre o outro sempre exacerba o risco do recurso violncia. Os altos custos doconfronto, porm, motivam os atores a evita-lo (57, p.21-22).

    Para evitar o risco do confronto violento, o campo majoritrio tem apenasuma soluo: estabelecer um acordo com a minoria. A democracia de partido s se tornavivel quando os interesses opostos aceitam o princpio da conciliao poltica, j quenada vem atenuar seu conflito na esfera social. Kelsen, alis, v no princpio daconciliao a pedra angular da democracia. Concretamente, os partidos social-democratas abraaram o conceito de conciliao atravs da adoo da estratgia decoalizo ao chegarem ao poder. Ao formar uma coalizo, o partido se colocadeliberadamente numa situao de no poder realizar todos os seus projetos. Por outrolado, a representao proporcional raras vezes produz uma maioria absoluta noParlamento, o que estimula a implementao de uma estratgia de coalizo (58, p. 22).

    Nesse sentido, se a democracia de partido impe a realizao de umasoluo de compromisso (uma coalizo), os partidos no podem realizar a totalidade deseus projetos. Assim, a direo do partido precisa ter uma margem de manobra aps as

    eleies, isto , no pode ficar atrelada de modo restrito ao seu programa. Semdesconsiderar sua plataforma poltica, os dirigentes devem se posicionar como os nicosjuzes do grau em que o programa deve ser cumprido. por isso que a democracia departido no suprime a relativa independncia dos representantes, inerente ao modeloparlamentar. Diferencia-se, porm, no sujeito dessa independncia parcial: no mais orepresentante individual, mas sim o grupo formado pelo partido e por seus lderes (59,

    p. 22-23).

    3) A liberdade da opinio pblica

    Nesse tipo de governo representativo, os partidos organizam tanto adisputa eleitoral quanto os modos de expresso da opinio pblica (manifestaes derua, peties, campanhas pelos jornais etc.). As vrias associaes e os rgos de

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    imprensa mantm laos com um dos partidos. Em funo disso, as clivagens da opiniopblica coincidem com as clivagens eleitorais (61, p. 23).

    Como cada um dos campos em que se divide a opinio pblica estcontrolado, direta ou indiretamente, por organizaes partidrias, os cidados comunsno podem falar por si mesmos. Eles no tm outro canal de expresso seno os

    partidos e suas organizaes. Aparentemente, portanto, no vigora o princpio daliberdade da opinio pblica (62, p. 23).Mas isso se d to somente na aparncia. De fato, no h dvida de que

    um dos campos se expressa de maneira unvoca: as manifestaes eleitorais e no-eleitorais coincidem exatamente. Contudo, h mais de um campo de opinio e nemtodos participam do governo. Ademais, quem governa no mais o Parlamento: o

    partido majoritrio ou uma coligao de partidos. Assim sendo, existe algo nocontrolvel pelo partido no governo, a saber, a oposio e seus canais de expresso. Nademocracia de partido, liberdade da opinio pblica significa liberdade da oposio.Recorrendo novamente metfora espacial, como se operasse um corte vertical entreo partido majoritrio e a oposio, o que contrasta com o corte horizontal entre os que

    esto do lado de dentro ou de fora do Parlamento, que marca o regime de tipoparlamentar (63, p. 23-24).

    4) Decises polticas tomadas aps debates

    O Parlamento, agora, no constitui mais o frum por excelncia dosdebates deliberativos. Uma rgida disciplina partidria comanda o voto de cadarepresentante. No h mais mudana de opinio em razo dos debates parlamentares. A

    posio da maioria j est fixada antes de comearem os debates. O partido da maioriaapoia sistematicamente as iniciativas do governo, enquanto a minoria lhe faz oposio,tudo isso independentemente do mrito das propostas (65, p. 24).

    De fato, o debate, na democracia de partido, desloca-se para outrosfruns. Aqui, as discusses se verificam no interior dos partidos, antes dos debates noParlamento, ocasies em que os participantes podem efetivamente deliberar. A direodo partido e os membros do grupo parlamentar discutem entre si sobre a posiocoletiva a ser adotada. Ademais, esse modelo estimula a discusso entre os diversos

    partidos e seus lderes tendo em vista a necessidade de formulao de uma soluo decompromisso para acomodar tanto os arranjos maioria/minoria quanto os arranjos deuma coalizo (66, p. 24).

    Outrossim, as organizaes social-democratas institucionalizaram umprocesso de consultas e negociao entre grupos de interesses, como sindicatos e grupos

    empresariais, no que ficou conhecido como neocorporativismo. As entidadesneocorporativistas buscam facilitar a conciliao entre interesses opostos, incentivandoa discusso (66. P. 24-25).

    A democracia do pblico

    1) Os representantes so eleitos pelos governados

    At os anos 70, a maioria dos estudos indicava que as prefernciaspolticas podiam ser explicadas pelas caractersticas sociais, econmicas e culturais dos

    eleitores. Hoje, entretanto, os resultados variam significativamente de uma eleio para

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    outra, ainda que permaneam estveis as condies socioeconmicas e culturais doseleitores (67, p. 25).

    Observa-se, primeiramente, um processo de personalizao da escolhaeleitoral. As pessoas votam de modo diferente, de uma eleio para outra, dependendo

    da personalidade dos candidatos. De modo crescente, os eleitores tendem a votar emuma pessoa e no em um partido. A representao tpica da democracia de partidocomea a dar lugar a um novo tipo de representao. Em contrapartida, esse novosistema se aproxima do modelo parlamentar ao acentuar os fatores pessoais norelacionamento entre o representante e seu eleitorado, o que poder ser claramenteverificado nos casos em que o chefe do poder executivo escolhido diretamente porsufrgio universal eleies para presidente da Repblica, notadamente. Os partidosno se tornam desnecessrios, mas tendem a se converter em instrumentos a servio deum lder. Por outro lado, diferentemente da representao parlamentarista, o chefe degoverno, e no o membro do Parlamento, que se considera como o representante porexcelncia (68, p. 25).

    Duas causas explicam essa nova situao. Primeiro, a influncia dosmeios de comunicao na relao de representao: os candidatos se comunicamdiretamente com seus eleitores atravs do rdio e da televiso, dispensando a mediaode uma rede de relaes partidrias. Os meios de comunicao de massa realam ostraos da personalidade dos candidatos, privilegiando qualidades pessoais: no anotoriedade local, como no modelo parlamentarista, mas os comunicadores, aqueles

    que dominam as tcnicas da mdia. Nesse sentido, assistimos a uma mudana no tipo deelite selecionada: no lugar do ativista e do lder partidrio, emerge o reinado docomunicador (69, p. 25-26).

    O segundo fator explicativo reside nas condies em que os eleitosexercem o poder. Em detrimento dos programas polticos, os candidatos e partidos donfase individualidade dos polticos. De um lado, o mbito de atividades do governoaumentou consideravelmente nas ltimas dcadas, o que tornou invivel aosgovernantes a formulao de promessas e programas muito detalhados e extensos. Deoutro, o aumento da complexidade das circunstncias polticas com que os governostm se defrontado, especialmente a partir do ps-guerra, com a crescenteinterdependncia econmica global, resultou na gerao de problemas e situaes cadavez mais imprevisveis. Tais circunstncias demandam um poder discricionrio dosgovernantes, semelhana da prerrogativa lockeana, de modo a fazer frente

    imprevisibilidade dos acontecimentos. Assim, de bom senso que os candidatosrealcem suas qualidades e aptides pessoais para tomar decises adequadas, em vez de

    ficarem amarrados a promessas muito detalhadas. Na opinio dos eleitores, a confianae capacidade pessoais que o candidato inspira passam a ser um critrio essencial deescolha. Vale mencionar que a margem de liberdade conferida aos representantes nosignifica poder ilimitado e irresponsvel: os eleitores mantm o poder fundamental, quesempre tiveram no governo representativo, de destituir os representantes ao trmino dosmandatos (70-71, p. 26-27).

    Alm da personalidade dos candidatos, os mais recentes estudos revelamque o comportamento eleitoral varia de acordo com os termos gerais da escolhaeleitoral. Os fatores socioeconmicos e culturais perdem fora e os resultados dasvotaes variam significativamente, at mesmo em perodos curtos de tempo, conforme

    a nfase atribuda s questes no transcorrer das campanhas. Os eleitores parecemresponderaos termos especficos que os polticos propem em cada eleio, mais do

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    que expressarsuas identidades sociais ou culturais. Afastando-se, pois, dos padres dademocracia de partido, predomina, ento, a dimenso reativa do voto (72, p. 27).

    Toda eleio implica um fator de diviso e diferenciao entre oseleitores. Existiro, de um lado, aqueles que apoiam um candidato e aqueles que, poroutro, so contrrios a eles. A prpria mobilizao dos eleitores pressupe a existncia

    de uma disputa, de um adversrio. Os candidatos precisam, ento, no s definir a siprprios, como tambm identificar seus adversrios (733, p. 27).Na democracia de partido, as clivagens sociais, que dividem as massas

    dos cidados fora do perodo eleitoral, serviam de base para marcar o divisor de guasdurante as campanhas. Assim, os termos da escolha oferecidos pelos polticosrepresentam uma transposio para a esfera eleitoral de uma clivagem preexistente. Asituao atual, entretanto, diferente. Nenhuma linha divisria socioeconmica oucultural mais evidente do que outras. Obviamente que o eleitorado no pode serdividido de modo arbitrrio, mas as linhas de demarcao social e cultural so muitonumerosas e se entrecuzam. Existem, pois, vrias possibilidades de cortes. Os polticosdevem decidir, entre os cortes possveis, aqueles que sero mais favorveis aos seus

    propsitos. Nessas condies, a iniciativa dos termos de escolha cabe ao poltico e noao eleitorado, ressaltando a dimenso reativa do voto. O eleitorado se apresenta, antesde tudo, como um pblico que reage aos termos propostos no palco da poltica. Da adenominao democracia do pblico (74-75, p. 27-28).

    Os polticos desfrutam de uma autonomia apenas relativa na seleo dosassuntos que dividem o eleitorado. No podem inventar, com total liberdade, os

    princpios da clivagem que iro propor, haja vista que nem toda diviso possvel.Lembremos que algumas clivagens preexistem econmicas, sociais, culturais sdecises dos polticos. Ademais, os candidatos no sabem de antemo onde est odivisor de guas mais eficiente, mas esto permanentemente empenhados em identifica-lo para explor-lo politicamente. Se as clivagens mais eficazes so aquelas quecorrespondem s preocupaes dos eleitores, o processo tende a criar uma convergnciaentre os termos da escolha eleitoral e as divises do pblico. A convergncia seestabelece com o tempo atravs de um processo de ensaio e erro: o candidato propeuma linha divisria; a seguir, o pblico responde proposta; por fim, o poltico corrigeou mantm a proposta, dependendo da reao do pblico. Nota-se a diferena comrelao democracia de partido: nesta pode haver uma correspondncia imediata entreesses dois aspectos, porque os polticos sabem de antemo, com relativa segurana,quais so as clivagens fundamentais do leitorado. Na democracia do pblico, dessemodo, a escolha final oferecida aos eleitores no resultante de um plano consciente,mas antes produto da pluralidade das aes descoordenadas dos candidatos (76-77, p.

    28). por isso que a metfora teatralpblico e palco mais apropriadapara descrever a poltica do que a analogia com o funcionamento do mercadooferta edemanda. Na metfora do mercado, os eleitores so caracterizados como consumidores,o que traz graves problemas, visto que, na teoria econmica, as preferncias dosconsumidores independem dos produtos que lhe so ofertados. Ou seja, as prefernciasso exgenas. Contudo, a realidade mostra, na maior parte das vezes, que quando umcidado entra no mercado poltico, suas preferncias ainda no esto formadas. Aocontrrio, vo se formando conforme o eleitor trava contato com os debates pblicos.Em outros termos, as preferncias polticas no so exgenas. O prprio Schumpeter,tido como o pai das teorias econmicas da democracia, admitia a inexistncia,

    propriamente, de uma demanda em poltica: A vontade que observamos ao analisar os

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    processos polticos , em grande parte, fabricada, e no espontnea (78-81, p. 28-29).

    2) A independncia parcial dos representantes

    Os estudos eleitorais demonstram que a eleio dos representantes vemsendo atualmente muito influenciada por uma imagem, seja do candidato, seja dopartido a que ele pertence. Uma campanha eleitoral joga vrias imagens umas contra asoutras. Embora sejam vagas, as imagens no so totalmente indeterminadas ouilimitadas, pois as campanhas eleitorais criam um sistema de diferenas. Cada imagems ganha inteligibilidade no seu confronto com as demais (83, p. 29-30).

    Essas imagens representaes simplificadas e esquematizadas ganham importncia, de um lado, em razo das dificuldades de compreenso doeleitorado relativamente a muitos dos detalhes tcnicos das medidas propostas duranteas campanhas. De outro lado, a utilizao dessas imagens um meio de resolver o

    problema dos custos de informao poltica. Constata-se que, nas grandes democracias,

    um dos maiores problemas enfrentados pelo cidado a desproporo dos custosnecessrios para obter a informao necessria e a influncia que ele espera exercersobre o resultado eleitoral. A identidade de classe elimina esse problema nasdemocracias de partido. Nas democracias do pblico, porm, ele precisa ser contornado(84, p. 30).

    J que os representantes so escolhidos por tais imagens esquemticas,que consubstanciam um compromisso vago, sujeito a vrias interpretaes, sobra-lhesum espao de liberdade, aps eleitos, para agir. Fica assegurada, portanto, aindependncia parcial dos representantes (85, p. 30).

    3) A liberdade de opinio pblica

    Aqui, os meios de comunicao so politicamente neutros, isto , notm base partidria. Razes econmicas e tecnolgicas causaram o declnio da imprensade opinio. Como resultado, as pessoas recebem as mesmas informaes sobre um dadoassunto, a despeito de suas preferncias polticas. Evidentemente, isso no significa queos assuntos so tratados de maneira objetiva, sem distores, mas simplesmente que

    so percebidos de maneira relativamente uniforme e homognea atravs do amploespectro de posies polticas (86, p. 30).

    Com efeito, a percepo dos temas e dos problemas pblicos(diferentemente do julgamento dessas questes) tende hoje a ser homognea e

    independente das preferncias polticas expressas nas eleies. No entanto, as pessoaspodem assumir posies divergentes acerca de um dado tema, dividindo-se, pois. Taldiviso, porm, no reproduz as clivagens eleitorais: o pblico pode estar dividido emcertas linhas de opinio durante as eleies e em tendncias diferentes quanto a questesespecficas. Volta cena, assim, uma caracterstica tpica do modelo parlamentar: asmanifestaes eleitorais e no-eleitorais podem no ser coincidentes (89, p. 31-32).

    A neutralizao dos canais de comunicao explica essa no-coincidncia, particularmente o carter no-partidrio de novas instituies que exercemum papel crucial na expresso da opinio pblica: os institutos de pesquisa. As

    pesquisas realizados por esses institutos funcionam com base na j mencionadametfora teatral: o palco e o pblico. Assim, os pesquisadores trabalham na base do

    ensaio e erro, sem saber de antemo que perguntas podero estimular as clivagens maissignificativas no pblico. De qualquer modo, por conta de sua independncia frente os

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    partidos, esses institutos podem revelar linhas divisrias inexploradas pelos candidatos,contribuindo para desfazer a associao entre as expresses eleitorais e no-eleitorais do

    povo (90-92, p. 32).Um aspecto do governo de tipo parlamentar, em certo sentido, retorna.

    Contudo, as pesquisas conferem um carter bastante peculiar s expresses no-

    eleitorais. De um lado, as pesquisas reduzem os custos da expresso poltica individual:responder anonimamente a um questionrio impe apenas um custo mnimo principalmente se comparado com manifestaes pblicas, a subscrio de peties etc.As pesquisas de opinio, em suma, do voz aos cidados apticos e no -engajados,apresentando um carter pacfico, em contraposio aos riscos de violncia dasmanifestaes pblicas (93, p. 32).

    4) As decises polticas so tomadas aps debates

    Com exceo do Congresso dos EUA, o Parlamento, tal como nademocracia de partido, continua tendo pouca importncia como frum de discusso.

    Porm, as discusses dentro dos partidos, assim como as consultas entre o governo e osgrupos de interesse continuam de fato relevantes (94, p. 32).

    A novidade trazida pelo terceiro tipo de representao reside na presenade um novo protagonista, o eleitor flutuante, e na existncia de um novo frum, osmeios de comunicao de massa.

    Estudos recentes mostram que uma parcela crescente do eleitorado tendea votar de acordo com os problemas e as questes postas em cada eleio. Destarte, vemaumento o nmero dos eleitores flutuantes, acentuando a instabilidade eleitoral. Trata-sede uma eleitorado, ao contrrio dos eleitores flutuantes do passado, bem informado,interessado em poltica e instrudo. A neutralizao da mdia informativa e de opinioexpe os eleitores a opinies conflitantes, o que contraria as caractersticas dademocracia de partido. Tal situao estimula os polticos a expor suas ideiasdiretamente ao pblico, de modo que o debate se processa no meio do prprio povo(95, p. 32-33).

    O modelo

    parlamentar

    A democracia de

    partido

    A democracia do

    pblico

    Eleio dos

    representantes

    - escolha de pessoasconfiveis- importncia derelaes locais

    - influncia dosnotveis

    - fidelidade a umpartido- pertencimento a umaclasse

    -presena do ativista

    - escolha de pessoasconfiveis- resposta aos termos daescolha

    - presena docomunicadorIndependncia

    parcial dosrepresentantes

    - deputado votasegundo suaconscincia

    - lderes definemprioridades doprograma

    - imagens determinamescolha dos lderes

    Liberdade deopinio

    - no-coincidncia dasexpresses eleitorais eno-eleitorais daopinio- povo chega s portasdo Parlamento

    - coincidncia dasexpresses eleitorais eno-eleitorais daopinio- presena da oposio

    - no-coincidnciasentre expresseseleitorais e no-eleitorais da opinio- pesquisas de opinio

    Debate parlamentar

    - Parlamento - discusso dentro doParlamento

    - negociaes entrepartidos

    - negociaes entregoverno e grupos de

    interesse- presena da mdia, do

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    - neocorporativismo eleitor flutuante