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18 I AGONIA Isabel Galric;:a Neto CASO CLINICO Uma mulher de 77 anos, viuva e com 3 filhos adultos , esta a ser tratada pela sua equipa por apresentar glioblastoma em fase avanyada, que nao respon- deu a quimio e radioterapia paliativas. Ap6s deteriorayao neurol6gica progressiva, a doente praticamente nao deglute, esta prostrada e queixa-se de sede e boca seca. Nos ultimos dias pas- sou a estar completamente acamada. Dois dos filhos procuram-no para discutir a necessidade de colocar urn soro, pois pensam que ela pode morrer a fome e a sede. Estao a espera de urn irmao que chega hoje da America e que nao ve a mae ha meses. A mae pediu-Ihes para falecer em casa e eles temem que isso nao seja possive\. INTRODU<;:AO . A falta de resposta ao tratamento com intuito curativo deterrnina a pro- gressao inexoravel da doenya eo agravamento gradual do estado de saude do paciente, ate se chegar a uma situayao de marcada deteriorayao geral. Este periodo dos ultimos dias ou horas de vida designa-se habitualmente por agonia - na lite- ratura anglo sax6nica last days and hours of life. Os doentes ag6nicos repre- sentam urn subgrupo dos doentes em situayao paliativa e terminal e carecem de urn tipo especifico de cuidados que iremos abordar e que, como veremos, longe da ideia de que ja nada ha a fazer, continuam a representar urn investi- mento na qualidade de vida ate ao final. Esta ultima fase da vida decorre de uma evoluyao gradual e natural, habi- tualmente com urn agravamento que se constata de dia para dia e com evidente deteriorayao do estado gera!. Na maioria dos casos tern uma durayao de horas 18 i AGONIA 295

Manual Cuidados Paliativos Agonia I. Neto

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cap 18

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Page 1: Manual Cuidados Paliativos Agonia I. Neto

18 I AGONIA

Isabel Galric;:a Neto

CASO CLINICO

Uma mulher de 77 anos, viuva e com 3 filhos adultos , esta a ser tratada pela sua equipa por apresentar glioblastoma em fase avanyada, que nao respon­deu a quimio e radioterapia paliativas.

Ap6s deteriorayao neurol6gica progressiva, a doente praticamente nao deglute, esta prostrada e queixa-se de sede e boca seca. Nos ultimos dias pas­sou a estar completamente acamada.

Dois dos filhos procuram-no para discutir a necessidade de colocar urn soro, pois pensam que ela pode morrer afome e asede. Estao aespera de urn irmao que chega hoje da America e que nao ve a mae ha meses.

A mae pediu-Ihes para falecer em casa e eles temem que isso nao seja

possive\.

INTRODU<;:AO .

A falta de resposta ao tratamento com intuito curativo deterrnina a pro­gressao inexoravel da doenya eo agravamento gradual do estado de saude do paciente, ate se chegar a uma situayao de marcada deteriorayao geral. Este periodo dos ultimos dias ou horas de vida designa-se habitualmente por agonia - na lite­ratura anglo sax6nica last days and hours oflife. Os doentes ag6nicos repre­sentam urn subgrupo dos doentes em situayao paliativa e terminal e carecem

de urn tipo especifico de cuidados que iremos abordar e que, como veremos, longe da ideia de que ja nada ha a fazer, continuam a representar urn investi­mento na qualidade de vida ate ao final.

Esta ultima fase da vida decorre de uma evoluyao gradual e natural, habi­

tualmente com urn agravamento que se constata de dia para dia e com evidente

deteriorayao do estado gera!. Na maioria dos casos tern uma durayao de horas

18 i AGONIA 295

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ou dias, sendo rna is demorada nos doentes jovens, com perfil de lutadores ou naquelas pessoas com problemas nao resolvidos. Caracteriza-se, para al6m disso, por mUdanyas clinicas, fisiologicas, mas tambem muitas vezes com apa­recimento de novos sintomas e agravamento dos ja existentes. Esta evoluyao habitual nao impede que, em alguns casos, se possam verificar episodios agu­dos, relacionados com a doenya de base ou nao, que determinem a morte do doente de uma forma mais inesperada. E fundamental saber identificar os sinais clinicos de agonia, num contexto de doenya avanyada, progressiva e ter­minal, sob pena de nao sermos capazes de adequar os cuidados as verdadeiras necessidades do individuo moribundo, com 0 risco acrescido de enveredar por medidas de obstinayao terapeutica e por nao preparar devidamente a familia para o momenta da morte.

Esta fase 6 uma etapa que tern grande imp acto emocional no doente, fami­lia e equipa terapeutica, revestindo-se de grande importancia para todos. Eurn periodo de expressao de sentimentos, de despedidas, de conclusoes, de encer­rar de ciclos, 0 que carece de alguma intimidade e tranquilidade. 0 domicilio 6 certamente 0 lugar onde, uma vez garantido urn suporte eficaz, todas estas tarefas melhor se podem cumprir.

Para 0 doente, a possibilidade de passar os ultimos momentos de vida na sua casa permite-Ihe sentir seguranya e protecyao, autonomia e auto-controlo da situayao, intimidade e a proximidade dos cuidadores que ele proprio esco­Ihe. Os cuidados tecnicos que aqui se abordam sao de aplicayao aos doentes agonicos, independentemente do local onde e1es se encontrem e, como tal, nao devem ser interpretados como exclusivo dos doentes em apoio domiciliario.

Frequentemente os grandes hospitais, destin ados aos casos agudos, nao estao preparados para receber este tipo de doentes. Os internamentos nesses hos­pitais condicionam habitualmente grande sofrimento, gerado pela frequente des a­dequayao dos cuidados as principais necessidades destes doentes e pela difi­culdade do envolvimento das familias.

A maioria das situay6es terminais e agonicas pode ser acompanhada em casa desde que existam equipas devidamente treinadas para tal. Conscientes da lirnitayao a nivel dos recursos hospitalares e outros para doentes cronicos devi­damente preparados para atender este tipo de doentes, queremos contudo refe­rir criterios que apontam para a necessidade de internamento do doente num serviyo adequado, em determinadas circunstancias. Sao elas:

• Presenya de sintomas de dificil controlo (como dor, dispneia ou agita­yao );

• Fadiga ou claudicayao dos familiares;

?QE; MANIIAI nF IIIInAnn<; PAIIATI\/()<;

• Pedido expresso do doente ou familiares, depois de devidamente pon­derado com a equipa terapeutica;

• Inexistencia ou inaptidao evidente dos cuidadores para prestar cui­dados.

Os cuidados na agonia tern como OBJECTIVO CENTRAL proporcio­nar 0 maximo conforto ao paciente, promovendo a maxima dignidade de vida, sem 0 intuito de acelerar ou atrasar 0 processo de morte. Esta deve ser permi­tida, e como ja referimos, devem ser tomadas as medidas adequadas, evitando o encarniyamento terapeutico eo intensivismo que se traduz pela realizayao de medidas desproporcionadas face a esta fase da doenya. Como diz Sheila Cssidy a proposito da intervenyao dos profissionais nesta fase .. .nesta altura, os doen­

tes sabem que nao somos deuses e aquilo que pedem e esperam de nos eque nao os abandonemos .

As chamadas constantes de conforto - presenya de sintomas, qualidade do sono e bern estar psicologico - ganham nesta altura mais relevo; mais importante que avaliar a temperatura axilar, a tensao arterial ou a frequencia cardiaca, enecessario reconhecer se 0 doente esta tranquilo e consegue repou­sar, se os sintomas estao devidamente control ados e identificar as possiveis fon­tes de desconforto.

A proximidade da morte e a inerente perda de layos afectivos gera nor­malmente a procura de maior suporte por parte dos familiares. 0 nosso pape! como profissionais deve ser activo, enfatizando os aspectos do CUIDAR, quer assegurando urn razoavel controlo dos sintomas, quer abordando correcta­mente os outros aspectos que podem concorrer para 0 sofrimento dos doentes e familiares.

Por outro lado, esta altura exige flexibilidade da equipa terapeutica para se adaptar a grande diversidade das necessidades e tamb6m para enten­der que a entrada na agonia e sempre sinonimo de intensificayao dos cuida­dos a familia .

CARACTERfsTICAS DO DOENTE EM FASE AGONICA

Apesar da diversidade de necessidades ja referidas, existe urn conjunto de caracteristicas fisiologicas comuns que permitem definir a fase agonica,

destacando-se: • Deteriorayao evidente e progressiva do estado fisico , acompanhada de

oscilayao/diminuiyao do nivel de consciencia, alguma desorientayao

18 ! AGONIA 297

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~! dados continuam a ser ACTIVOS e deverao ter em linha de conta os seguin­e dificuldades na comunicayao. Este agravamento pode atingir 0 coma

e habitualmente 0 doente passa a maior parte ou a totalidade do dia aca­mado;

• Dificuldade progressiva na ingesffio e deglutiyao, com origem na debi­lidade crescente ou nas aiterayoes do estado de consciencia; desinte­resse pelos alimentos (s6lidos e Jiquidos);

• Falencia de multiplos 6rgaos (por exemplo, traduzida na diminuiyao da diurese, retenyao urinaria, aparecimento de edemas perifericos e far­falheira), acompanhada por vezes de falencia do controlo de esfincte­res e de alterayoes da temperatura corporal e da colorayao da pe1e (livo­res e cianose);

• Sintomas fisicos variaveis de acordo com a patologia de base, embora as alterayoes da respirayao (apneias/polipneia e estertor) e as pertur­bayoes da consciencia possam ganhar relevo;

• Sintomas psico-emocionais como angustia, agitayao, crises de me do ou panico, pesadelos, manifestados de acordo com a gravidade do estado do doente;

• Evidencia e/ou percepyao emocional, verbalizada ou nao, da reali­dade da proximidade da morte.

Ja referimos que neste contexto e dada a irreversibilidade da situayao, se exige urna reavaliayao dos objectivos terapeuticos e redefiniyao do plano de actuayao. No centro de todas as medidas a adoptar est<i a garantia do conforto do doente e familia e a possibilidade de proporcionar uma morte digna, serena. Face a todas as duvidas e inseguranyas pr6prias desta fase, a oferta de cuida­dos de conforto e a possibilidade de uma morte tranquila permitem maior seguranya a todos - doente e familia - e uma prevenyao de lutos pato16gicos.

PLANO TERAPEUTICO

o plano de cuidados devera continuar a ser feito respondendo as neces­sidades globais do doente e familia, tendo por base 0 controlo rigoroso dos sin­tomas que surjam e 0 apoio psico-emocional do paciente e seus cuidadores.

As medidas a tomar passam grandemente pela REDEFINI<;AO DOS OBJECTIVOS TERAPEUTICOS, com a consequente simplificayao da medi­cayao e adequayao da via de administrayao dos farmacos necessarios. Esta sim­plificayao deve ser explicada como tendo por objectivo nao sobrecarregar 0 doente ja muito debilitado, como nao the trazendo beneficios, e nunca argu­mentando que ja nao vale a pena fazer determinado tipo de medicayao. Os cui­

tes aspectos: • As expectativas bio16gicas previsiveis para cada doente; • Os objectivos da terapeutica e os beneficios de cada tratamento;

• Os efeitos adversos de cada tratamento; • A necessidade de nao prolongar a agonia, bern como de nao abreviar

a morte.

Algumas situayoes poderao colocar aparentes diJemas eticos, que dizem essencialmente respeito as decisoes de parar os tratamentos considerados futeis, inadequados e desproporcionados, como pode ser 0 caso de hidratar artificial­mente ou nao 0 paciente, de pro ceder aentubayao nasogastrica ou de sedar 0

moribundo. A resposta deve ter sempre por base 0 que anteriormente argument<imos

e sugerimos que esse tipo de decisoes sejam discutidas e tomadas em equipa, a fim de se reduzir as eventuais duvidas ou tensoes delas resultantes.

Nesta fase e fundamental uma monitorizayao estrita dos sintomas e uma reavaliayao frequente da terapeutica, pe10 que 0 doente deve continuar a ser visi­tado ou, no caso de estar no domicilio, pode ainda telefonar-se para garantir a tranquilidade dos familiares. Ha que fomentar umaATITUDE PREVENTIVA, de forma a nos anteciparmos a possiveis complicayoes que possam vir a ocor­rer. Se a familia nao estiver devidamente esc1arecida e preparada para lidar com urn epis6dio convulsivo, por exemplo, a ansiedade eo desconforto serao muito maiores. Assim, a explicayao e os farmacos que eventualmente possam vir a

ser necessarios deverao ser antecipados. Os farniliares devem, tanto quanta possivel, participar nas decisoes a adop­

tar e tomar parte activa nos cuidados. Desta forma, as alterayoes propostas devem ser expJicadas c1aramente aos cuidadores, para evitar que as suspensoes de medi­camentos ou a simplificayao alimentar possa ser interpretada como desinves­timento no conforto do doente ou abandono por parte da equipa.

As instruyoes do tratamento devem ser dadas de forma explicita e, no caso de permanencia no domicilio, facilita bastante deixar-se SEMPRE urn PLANO ESCRITO onde, para alem do horario da medicayao, devera figurar 0 efeito a que se destinam os farmacos, e os contactos da equipa em caso de necessidade.

Uma vez chegados a esta fase da doenya as intervenyoes para 0 controlo de sintomas sao basicamente as mesmas que se utilizaram em fases anteriores da doenya, independentemente da patologia de base, e dependem essencialmente dos recursos disponiveis, da formayao e experiencia da equipa no manejo des­

tas situayoes.

18\ AGONIA 299 )qR MANIIAI nF rlllnAnn~ PAIIATlvn~

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Em sintese, como devemos proceder face a urn doente agonico ? • Adequar a via de administra~ao dos farmacos: a medicayao via oral

e a de 1 a escolha, sempre que a sua deglutiyao seja possivel e nao repre­sente urn risco para 0 doente.

Em altemativa, poderemos recorrer avia rectal e/ou avia subcutanea,

quer seja em administrayao continua ou em bolus. Os farmacos a usar

sao hidrossoluveis e a administrayao pode fazer-se atraves de agulha tipo epicraneana (vuIgarmente conhecida por butterfly), colocada na face anterior do t6rax ou abd6men.

Nao sendo uma utilizayao correntemente advogada para os comprimi­

dos de morfina de efeito retard, estes podem, no entanto, ser aplica­dos atraves do recto (os familiares devem ser elucidados quanta a necessidade de aplicar 0 comprimido contra a mucosa rectal e nao no

anus ou na massa fecal) . Esta forma de administrayao facilita a biodis­ponibilidade por evitar 0 mecanismo hepatico de 1 a passagem e as doses a usar sao as mesmas que se usariam tratando-se da via oral.

• A via transdermica, que esta disponivel para apresentayoes de fenta­nil e buprenorfina, e muito util nos doentes que previamente ja esta­vam estabilizados com esta medicayao. A administrayao transdermica de analgesia nao deve nunca ser iniciada na agonia.

• Adequar esimplificar a medica~ao: prescindimos dos farmacos sem

utili dade imediata, como os anti-hipertensores, os anti-diab6ticos, os

anti-arritmicos, os anti-depressivos, os broncodilatadores, os cortic6i­des, as multivitaminas.

Farmacos como os analgesicos opi6ides, os anti-emeticos, 0 diazepan e midazolan nao deverao ser suspensos, a fim de garantir urn born con­trolo de sintomas. Outros, como a butilescopolamina, sao quase de intro­

dUyao mandat6ria, usados pela sua aCyao anticolinergica para tratamento da respirayao ruidosa (estertor).

• Estabelecer urn conjunto de rnedidas gerais: as mudanyas posicionais

frequentes de acordo com as possibilidades do dente e cuidadores, os cui­

dados de higiene da boca, a realizayao de massagens de conforto, sao pro­porcionadoras de bern estar e a sua importiincia deve ser ressaltada.

CONTROlO DE SINTOMAS

Tal como ja dissemos, nos ultimos dias de vida podera ocorrer urn agra­

vamento dos sintomas pre-existentes ou aparecimento de novas queixas.

300 MANUAL DE CUIDADOS PA LI ATIVOS

Tambem nesta fase, 0 controlo de sintomas segue os principios gerais apresen­tados nos capitulos respeitantes a essa materia.

Os sintomas mais frequentes podem variar de acordo com a etiologia de base, mas habitualmente hi algumas diferenyas relativamente aquilo que ocorre nas fases anteriores da doenya. Assim, os sintomas respirat6rios e 0 delirio adqui­rem neste periodo maior relevo, em detrimento da dor.

Frequenc ia de sintomas nos 3 ultimos dias de vida

Confusao 55%

Respiray80 ruidosa / estertor 45%

I Agitayao

Dar

43%

26%

I Dispneia

L Nauseas e v6mitos

25%

14%

Fonte: Adaptado de F. Nauck et al. ; EJPCare 2000

No contexto da agonia adquirem particular relevo como facto res condi­cionantes de possivel agravamento de sintomas, a retenyao urinaria, 0 fecaloma e as ulceras de decubito. Como tal, perante urn doente ag6nico que subitamente se agita e mandat6rio excluir a presen<;a de fecaloma e/ou retenyao urinaria.

A retenyao urinaria e normal mente multifactorial e para ela concorrem as altera<;oes do nivel da consciencia, a administrayao de farmacos anticoliner­gicos ou mesmo a existencia de fecaloma. Cerca de 2/3 dos doentes poderao necessitar de ser algaliados, bastando nalguns que se coloque urn pen-rose.

DOR

Mesmo num doente em fim de vida, 0 controlo da dor deve continuar a ser uma priori dade. Na maioria dos doentes se 0 controlo anterior estava a ser eficaz nao se iraQ regis tar problemas na fase de agonia.

As causas de dar podem ser multiplas e de vern ser devidamente ponde­radas. 0 doente podera nao conseguir expressar-se oral mente mas dara sinais de desconforto quando e mobilizado ou quando se realizam tratamentos. Mesmo 0 doente inconsciente pode ser perturbado pela ocorrencia de dor nao controlada. Os principios gerais de controlo da dar continuam a ser aplicados.

De acordo com varios estudos, entre 60 a 80% dos doentes mantem 0 reflexo

da deglutiyao ate ao final, pelo que a via oral continuara a ser de I a escolha.

18 i AGONIA 301

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~~~

o problema da possivel indisponibilidade da via oral leva-nos a cons i­.~i:

derar as vias altemativas de administrayao dos farmacos, ja mencionadas. A via subcutanea traz grandes beneficios para 0 doente e a familia,desde que devi­ ',1

"

damente elucidada, pode proceder aadministrayao dos varios farmacos. Toma­se importante explicar aoS cuidadores que, dada a debilidade do seu familiar, ele podera vir a falecer a qualquer momento, por exemplo, a seguir a uma injec­

I

yao, sem que haja qualquer nexo de causalidade a estabelecer. i Tal como na maioria das situayoes paliativas, 0 usa da administrayao intra­

muscular deve ser evitado por condicionar mais dor e desconforto para 0 doente e por poder ser substituido por vias altemativas mais adequadas.

SINTOMAS RESPIRATORIOS

Dispneia

A dispneia e provavelmente um dos sintomas que mais mal estar condi­ciona no doente e seus acompanhantes, a ela estando quase sempre associada algum grau de taquipneia e ansiedade. Estabelece-se assim urn circulo vicioso dispneia-ansiedade-dispneia que devera ser tido em linha de conta na altura de deli near urn plano terapeutico.

A dispneia e uma sensayao sUbjectiva que se traduz pela dificuldade de aumentar a ventilayao. Sendo habitualmente multifactorial, 0 objectivo da nossa intervenyao e diminuir a percepyao da dificuldade respirat6ria por parte do doente, 0 que se consegue atraves da diminuiyao da frequencia res­pirat6ria.

o tratamento envolve MEDIDAS FARMACOL6GICAS e MEDIDAS GERAIS. Edos sintomas com maior dificuldade de controlo, pelo que se deve insistir nas medidas de suporte, tendo ao mesmo tempo a consciencia que nao se deve permitir que um doente morra em asfixia, existindo a hip6tese de, numa situayao refractiria aos opi6ides, se enveredar pela sedayao . l

o farmaco de 1a escolha no tratamento da dispneia em fase terminal e a morfina, administrada por via oral, rectal ou subcutanea, utilizada com 0 intuito de diminuir a frequencia respirat6ria e 0 esforyo ventilat6rio. Se 0 doente ja estava medicado com morfina por outro motivo, aumenta-se a dose anterior em cerca de SO%. No caso de se iniciar morfina apenas por este motivo, procede-se da me sma forma que no caso da dor (comeyar com dose baixa, considerando 0 tipo de opi6ide que fazia anteriormente).

Os aumentos devem ser progressivos, tendo como objectiv~ uma frequen­cia respirat6ria em repouso de cerca de IS-20 ciclos por minuto.

302 MANUAL DE eLJ/DADoS PAL/AT/VOS

Pelo papel determinante que a ansiedade desempenha no agravamento da dispneia, os ansioliticos deverao ser utilizados nas crises - diazepan 5-10 mg p.os, lorazepan O,S-lmg sub-lingual e mesmo 0 midazolan 2,S-5mg sub.cut, que pode ser repetido ao fim de 15 minutos se nao for eficaz.

A eficacia da administrayao de oxigenio por sonda nasal ou mascara (entre 2 a 4 I1min. ) esta documentada no caso de doentes hipoxemicos. Nos outros, os efeitos nao estao cIaramente estudados, embora todos reconheyamos 0 efeito tranquilizante que 0 oxigenio tern para a maioria dos doentes com dispneia em fase terminal. Contudo, ha que ressaltar que 0 oxigenio nao constitui uma obri­gatoriedade na agonia, nem substitui a intervenyao farmacol6gica que cabe em primeiro lugar aos opi6ides e broncodilatadores.

As medidas nao farmacol6gicas sao fundamentais e devem acompanhar sempre as ja apontadas. Referimo-nos, por exemplo, apresenya con stante de alguem tranquilizador que apoie 0 doente, ao posicionamento a 45° na cama, aproximidade de uma janeia ou espayo arejado, autiIizayiio de urn abano ou leque e ao relaxamento, se 0 doente 0 tiver treinado anteriorrnente e tiver cons­ciencia de que 0 pode executar.

Respiral;:ao ruidosa (estertor)

Este tipo de respirayao e muito frequente nos doentes ag6nicos e cons­titui habitualmente fonte de grande inquietayao para os familiares, que tern em que 0 doente venha a sufocar. Enecessario explicar que os midos sao produ­zidos durante a inspirayao e expirayao, com a passagem do ar e pel a incapaci­dade que 0 doente tern de expulsar as secreyoes da orofaringe e traqueia, e que este facto nao e sin6nimo de asfixia. 0 doente nao tern consciencia desta situa­yao e e por isso que se diz frequentemente que tratar 0 estertor serve sobretudo para tranquilizar a familia.

o tratamento comeya, por isso, com a expJicayao afamilia. 0 doente deve igualmente ser correctamente posicionado para nao acumular secreyoes. A aspirayao s6 deve efectuar-se em casos extremos, se elas forem demasiado abundantes, pois com frequencia essa e uma manobra que desencadeia v6mito e mais desconforto para 0 doente.

Os farmacos fundamentais a que se recorre sao os anticolinergicos, do tipo da escopolamina (com aCyao sedativa) ou da butilescopolamina. Estes nao actuam nas secreyoes ja presentes, pelo que se toma necessaria a administra­yao precoce, antes da respirayao midosa se instalar. Caso as secreyoes ja este­jam presentes, podera administra-se furosemido e proceder-se a uma aspira­

yao muito suave, e posteriormente continuar com 0 tratamento farmacol6gico.

lSI AGON/A 303

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~a

.11

A butilescopolamina administra-se pela via subcutanea, na dose de 20 mg cada 6-8 horas. Nalgumas situayoes com falencia ventricular esquerda con­comitante e encharcamento tam bern poden'! ser util a administrayaO de diure­ticos do tipo furosemido (10-20 mg, via sc).

SINTOMAS NEUROPSICOLOGICOS

Amedida que se aproxima 0 momenta da morte, e natural 0 doente apre­sentar alterayoes ou flutuayoes do seu estado de consciencia, que se relacionam bastante com a pr6pria falencia cerebral. Algumas series apontam para valo­res entre os 70-80% de doentes com alterayoes da vigilia e cogniyao nos l1lti­mos dias ou horas, podendo os restantes manter urn nivel razoavel de conscien­cia ate perto dos ultimos momentos.

Tal como em relayao a outros sintomas tambem estes sao multifactoriais, destacando-se neste caso as alterayoes metab6licas (hipercalcemia, uremia), os efeitos de alguns farmacos , a extensao da doenya ao sistema nervoso central e ate as dificuldades de aceitayao da doenya.

Em todas as situayoes de desorientayao e alterayoes cognitivas 0 trata­mento corney a com uma explicayao clara sobre a origem das manifestayoes, assegurando que elas sao urn sintoma da progressao da doenya e nao signifi­cam que 0 doente esteja a ficar doido. Para alem disso, utilizam-se as medi­das farmacol6gicas ja descritas para 0 tratamento das situayoes de delirio noutras fases da doenya. Eimportante assegurar urn ambiente calmo que 0 doente possa reconhecer, proporcionando uma iluminayao adequada mesmo durante a noite e providenciando uma companhia que possa orientar 0 doente sempre que necessario.

ANGUSTIA TERMINAL

E uma situayao em que 0 doente se apresenta agitado e angustiado, tendo por base problemas emocionais antigos ou conflitos inter-pessoais mal resolvidos. Estas mem6rias problematicas normalmente nao foram abordadas de forma aberta enquanto 0 doente esteve lucido pelo que, quando 0 controlo da consciencia deixa de se fazer, elas emergem sob a forma de agitayao, choro ou gemidos.

Estes conflitos mal resolvidos podem nalguns casos dificultar 0 pro­cesso de agonia e dai a necessidade de facilitar a comunicayao nas fases pre­cedentes.

304 MANUAL DE CUIDADOS PALIATIVOS

No caso de grande agitayao 0 procedimento a adoptar e semelhante ao referido para 0 delirio, podendo ser necessario recorrer a doses altas de mida­zolan e levomepromazina, farmacos mais sedativos.

ALTERAC;:OES DA NUTRIC;:AO E HIDRATAC;:AO

Na fase ag6nica a ingestao de liquidos e alimentos diminui, pois 0 doente esta bastante debilitado e manifesta desinteresse pelos nutrientes. Enesta altura que surge a preocupayao dos familiares com a introduyao de soros, normalmente expressa pelo medo de que 0 doente venha a morrer afome ou que nao se tenha feito tudo quanta era devido.

Tal como ja foi referido nos capitulos referentes ao controlo de sintomas e ahidratayao em fim de vida, devemos elucidar a familia de que este desinte­resse pela alimentayao e natural, sendo consequencia da doenya e nao a causa do agravamento da mesma. Foryar a ingestao nao faz regredir a doenya e pode ainda perturbar 0 bem estar do doente, sem que isso concorra para as suas melho­ras. Mais uma vez devemos insistir na qualidade de vida e frisar a necessidade de proporcionar 0 maximo bern estar possive!.

Assim, perante um doente ag6nico com sede a atitude adequada e correcta e reforyar as medidas locais orais: molhar a boca frequentemente (mesmo num doente que nao deglute isso devera ser feito com uma compressa hfunida), usando se necessario pequenas laminas de cM ou outras bebidas congeladas; pulverizando a boca com bebidas ao gosto do doente, continuar a tratar da higiene buca!.

Convem salientar que nao M estudos que demonstrem maior bern estar nos doentes que recebem hidratayao artificial na fase final quando compara­dos com os que nao recebem esse tipo de medida.

Relativamente anao ingestao de alimentos na fase terminal, a coloca­yao sistematica de sondas nasogastricas e uma medida desadequada, despro­porcionada e geradora de maior inc6modo que beneficio. Deve sempre ser abor­dado este assunto com a familia e explicar que 0 doente nao vira a morrer por falta de alimento mas sim devido aevoluyao da doenya.

APOIO AFAMILIA NA AGONIA

Esta fase reveste-se sempre de urn significado especial para a familia e pode ser particularmente dura ja que se materializa 0 final esperado mas nem sempre aceite. Por outr~ lado, podem ocorrer sentimentos ambivalentes, ja que umas vezes se teme a morte, mas outras ela e desejada porque supoe urn ali­

vio quer fisico, quer psicol6gico.

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o sentimento de perda e mais claro e a ansiedade dos familiares aumenta, acompanhada normalmente de medo, incertezas e, por vezes, sensayao de impotencia.

A re1ayao que se foi criando com a familia e 0 veiculo central para asse­gurar todo 0 apoio nesta fase e para indirectamente poder garantir cuidados de qualidade ao doente terminal.

A equipa funciona como urn recurso de que os familiares dispoem para se poderem sentir orientados, nao impotentes ou abandonados, sabendo inter­pretar as necessidades do seu familiar e adoptando as medidas correctas.

Devemos proporcionar linhas de orientayao c1aras - se possivel escritas - explorar os temores que os cuidadores nem sempre expressam e colocando­nos a sua disposiyao para esclarecer qualquer duvida.

Para muitos familiares a fase de agonia e sinonimo de sofrimento - pela incapacidade de deglutir, de comunicar - , e como tal devemos esclarecer prontamente que tal nao acontece na maioria das situayoes; a agonia e urn periodo fisiologico e representa urn periodo de transiyao entre uma fase de maior cons­ciencia e a morte. Se os sintomas estiverem controlados, se 0 doente nao esti­ver agitado, e natural que nao esteja a softer, embora haja todo urn conjunto de aspectos para alem dos fisicos que podem determinar sofiimento. A familia pro­jecta ftequentemente 0 seu sofiimento na situayao clinica do doente e dai a refe­rencia ftequente ao softimento final.

Devemos explicar claramente como mudam os objectivos terapeuticos nesta fase e se possivel consensualiza-los com a familia. Emuito importante reforyar a actuayao dos cuidadores, reconhecendo quando prestam bons cuida­dos e reafirmando que 0 seu familiar esta a receber os melhores cuidados dis­poniveis. Este ultimo aspecto e extremamente importante pois para muitas familias a fase de agonia e sinonimo de necessidade de intemamento. Esta ideia decorre das pressoes culturais e sociais para hospitalizar a morte e tambem da falta de apoios comunitarios para este tipo de problemas. Da nossa experien­cia e daquilo que outros nos transmitiram podemos assegurar que a maioria das familias, quando devidamente orientadas e apoiadas, esta em condiyoes de prestar cuidados no domicilio aos seus farniliares em fim de vida.

Do apoio a familia nesta fase consta ainda a clarificayao sobre as neces­sidades de comunicayao do paciente: ainda que nao falando, devemos fomen­tar a expressao das emoyoes, as despedidas, 0 toque afectuoso e 0 acompanha­mento nos ultimos momentos. 0 doente mantem necessidades emocionais e espirituais que devem ser devidamente enquadradas.

Por outro lado, e importante ajudar os cuidadores a dividirem as tarefas, a planearem os cuidados de forma a resguardarem algum tempo para si proprios, nao se esgotando precocemente.

306 MANUAL DE CUIDADOS PAlIATIVOS

Nao devemos esquecer que para muitas pessoas 0 momento da morte cons­titui urn misterio ja que nunca presenciaram 0 falecimento de urn familiar. Dai que possuam imensas duvidas e ate ideias pre-concebidas, nem sempre correc­tas, acerca do que se ira passaro Emuito util esclarecer que os momentos finais sao, na quase totalidade dos casos, tranquilos e que progressivamente 0 doente deixara de respirar. Esta conversa podera aclarar temores e facilitar a recupe­rayao apos a morte.

Os aspectos burocraticos nao devem ser esquecidos e as formaJidades pro­prias dos preparativos do funeral poderao ser discutidas depois da morte . Para algumas familias a autopsia pode constituir uma exigencia e devemos estar dis­poniveis para entender os seus motivos. As determinantes culturais de cada fami­lia deverao ser respeitadas, nao julgando as suas manifestayoes afectivas e faci­litando 0 processo de apoio e luto.

Esta e uma fase crucial do acompanhamento dos doentes terminais e seus familiares e a equip a deve estar consciente do aumento das necessidades dos cuidadores e de como devera ser flexivel para responder as mesmas.

Como disse Cice1y Saunders, fundadora do movimento modemo dos cui­dados paliativos, a forma de morrer de uma pessoa fica gravada em todos quantos a presenciaram. Tudo isto justifica 0 born apoio na fase de agonia e dessa forma poderemos facilitar as tarefas do luto que se seguiia.

PONTOS-CHAVE

- Agonia e uma fase fisiologica, de transiyao, no final da vida, na qual podem ou nao enxertar-se sintomas Agonia e uma fase que requer cuidados tecnicos activos e que assen­tam no controlo sintomatico rigoroso e em medidas gerais de conforto Agonia e uma fase de ajustamentos para doente e farniliares, e implica normalmente 0 intensificar de cuidados aos ultimos

QUESTOES

I) Descreva sucintamente as principais caracteristicas (ate 4) do quadro da agonia

2) Que vias de administrayao de farmacos deve preferir nestas situayoes?

3) Qual 0 farmaco de eleiyao no tratamento da respirayao ruidosa do mori­

bundo (estertor)? Que outras medidas preconizaria nessa situay30?

18 i AGONIA 307

Page 8: Manual Cuidados Paliativos Agonia I. Neto

Soluyoes: I) Grande prostrayao, sinais de falencia multi-orgaos, dificul­dade de deglutiyao, oscilayoes do estado de consciencia; 2) Vias nao inva­sivas - oral ou, em altemativa, subcutanea e a transdertnica, se ja tiver sido instituida previamente; 3) Butilescopolamina; posicionamento ade­quado e evitar aspitayoes de secreyoes traumaticas

Bibliografia

- Doyle D, Hanks G, Cherney N, Caiman. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 3rd ed. Oxford: Oxford University Press; 2004.

- Gomez-Batiste X ret al.). Cuidados paliativos en onc%gia. Editorial JIMS; 1996.

- Regnard C, Hockley 1. A guide to symptom relief in palliative care. 5'0 ed. Radcliff Medical Press; 2004.

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- Twycross R. Symptom management in advanced cancer. 3rd ed. Radcliffe Medical Press; 2001.

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19 I HIDRATA CAo EM FIM DE VIDA

Ana Querido Hirondina Guarda

CASO CLiNICO

Dados iniciais

o Sr. L.M., de 72 anos, e casado, tern duas filhas. Tern urn cancro pul­monar, descoberto ha nove meses, em estado evolutivo muito avanyado e encontra-se em fim de vida. Vive com a esposa e a filha mais nova, que tern formayao na area de psicologia. Toda a familia, incluindo 0 Sr. L.M., tern conhecimento do diagnostico e da rapida evoluyao da doenya. 0 tratamento nao estabilizou a evoluyao da doenya e todos os membros da familia estao cons­cientes que a possibilidade de cura ja nao e viavel.

o Sr. L.M. e a sua familia informam a equipa de cuidados continuados que quer ficar em sua cas a, junto dos seus familiares, ate ao seu ultimo dia de vida. Para isso pedem 0 apoio da equipa de saude para ajudar a manter a maxima qualidade de vida possivel do Sr. L.M., na sua casa, junto da sua familia.

No ultimo mes a sua debilidade nao Ihe permite deslocar-se arna e fazer os passeios junto ao rio, acompanhado pela filha mais nova. No entanto con­tinua a receber os seus amigos para os habi tuais j ogos de cartas ao fim da tarde. Apesar de notar que a sua doenya esta cada vez mais avanyada 0 Sr. L.M. esta feliz por continuar na sua cas a junto com a familia e os seus dois gatos que lhe fazem companhia nos periodos em que esta menos comunicativo.

Desde ha 15 dias 0 seu estado clinico agravou-se. As visitas da equipa de saude sao agora quase diarias. Sao prestados os cuidados tecnicos minimos para controle dos sintomas, privilegiando os cuidados de conforto.

Hoje a equipa de saude foi contactada pela esposa porque 0 Sr. L.M. esta prostrado e nao reage a estimulos verbais. A avaliayao clinica mostra que as muco­sas se encontram desidratadas. A esposa diz que 0 Sr. L.M. teve quatro vomi­tos nas ultimas doze horas e que ha ja oito horas que nao ingere liquidos por­

que se encontra muito prostrado.

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