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Direitos Fundamentais
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Paulo Mascarenhas
MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL
Salvador
2010
4
Para os meus alunos, grandes responsveis por
este trabalho, com carinho.
5
INDICE 1 DIREITO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E CONCEITO
1.1 FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL
1.2 O SENTIDO DE CONSTITUIO
1.3 HISTRICO
1.4 CONSTITUCIONALISMO
1.5 CONSTITUCIONALISMO MODERNO E CONTEMPORNEO
1.6 TIPOLOGIA
1.7 CLASSIFICAO DOS TIPOS CONSTITUCIONAIS
2 O SISTEMA CONSTITUCIONAL
2.1 ESTRUTURA NORMATIVA
3 TEORIA DA NORMA CONSTITUCIONAL
4 HERMENUTICA E INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.1 PRINCPIOS DE HERMENUTICA CONSTITUCIONAL
A) PRINCPIO DA SUPREMACIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
B) PRINCPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIO
C) PRINCPIO DA IMPERATIVIDADE (OU DA MXIMA EFETIVIDADE) DA NORMA
CONSTITUCIONAL
D) PRINCPIO DA SIMETRIA CONSTITUCIONAL
E) PRINCPIO DA PRESUNO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS
INFRACONSTITUCIONAIS
4.2 INTERPRETAO DA CONSTITUIO
4.2.1 FORMAS DE INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.3 FONTE DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL
a) INTERPRETAO AUTNTICA b) INTERPRETAO DOUTRINRIA c) INTERPRETAO JUDICIAL
6
4.4 MTODOS CLSSICOS DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL
a) DA INTERPRETAO LGICA OU RACIONAL
b) DA INTERPRETAO SISTEMTICA
c) DA INTERPRETAO HISTRICA
d) DA INTERPRETAO SOCIOLGICA OU TELEOLGICA
5 A NORMA CONSTITUCIONAL NO TEMPO E A SUA APLICAO
5.1 A RECEPAO
5.2 A REPRISTINAO
5.3 A DESCONSTITUCIONALIZAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
6 O PREMBULO CONSTITUCIONAL
O PREMBULO DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988
7 A EVOLUO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
A CONSTITUIO DE 1824
A PRIMEIRA REPBLICA E A CONSTITUIO DE 1891
A REVOLUO DE 1930 E A CONSTITUIO DE 1934
O ESTADO NOVO E A CONSTITUIO DE 1937
A DEMOCRACIA E A CONSTITUIO DE 1946
O REGIME MILITAR E A CONSTITUIO DE 1967; A EMENDA CONSTITUCIONAL DE 1969
A CONSTITUIO PROMULGADA DE 1988
8 O PODER CONSTITUINTE
8.1 DOS TITULARES DO PODER CONSTITUINTE
8.2 ESPCIES DE PODER CONSTITUINTE
8.2.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO
8.2.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO
7
9 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
9.1 ORIGEM
9.2 CONCEITUAO
9.3 NATUREZA JURDICA
9.4 CARACTERSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
9.5 CLASSIFICAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
10 OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS
10.1 FUNDAMENTOS
I A SOBERANIA: II A CIDADANIA; III A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: IV - OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA:
V - O PLURALISMO POLTICO:
10.2 DA TRIPARTIO DOS PODERES
10.3 DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
10.4 DOS PRINCPIOS DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA ORDEM
INTERNACIONAL
11 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E COLETIVOS
11.1 DOS DESTINATRIOS DA PROTEO CONSTITUCIONAL
11.2 DO DIREITO VIDA
11.3 DA IGUALDADE
11.4 DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES
11.5 PRINCPIO DA LEGALIDADE
11.6 DA VEDAO DA TORTURA E A TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE
11.7 DA LIBERDADE DE MANIFESTAO DO PENSAMENTO
11.8 DO DIREITO DE RESPOSTA E INDENIZAO
11.9 DA INVIOLABILIDADE LIBERDADE DE CREDO
11.10 DA PRESTAO DE ASSISTNCIA RELIGIOSA
11.11 DA LIBERDADE DE EXPRESSO
8
11.12 DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, DA VIDA PRIVADA, DA HONRA E DA
IMAGEM
11.13 DA INVIOLABILIDADE DA CASA
11.14 DA INVIOLABILIDADE DAS CORRESPONDNCIAS E DAS COMUNICAES
TELEGRFICAS, DE DADOS E TELEFNICAS
11.15 DO LIVRE EXERCCIO DE QUALQUER TRABALHO
11.16 DO SIGILO DA FONTE
11.17 DA LIBERDADE DE LOCOMOO
11.18 DO DIREITO DE REUNIO PACFICA
11.19 DA LIBERDADE DE ASSOCIAO
11.20 DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SUAS LIMITAES
11.21 DO DIREITO AUTORAL
11.22 DO DIREITO DE HERANA E DA SUCESSO
11.23 DA DEFESA DO CONSUMIDOR
11.24 DO DIREITO DE RECEBER INFORMAES DOS RGOS PBLICOS
11.25 DO DIREITO DE PETIO E DE OBTENO DE CERTIDES
11.26 DO PRINCPIO DA LEGALIDADE
11.27 DO DIREITO ADQUIRIDO, DO ATO JURDICO PERFEITO E DA COISA JULGADA
11.28 DA VEDAO AO JUZO OU TRIBUNAL DE EXCEO
11.29 DO JRI POPULAR
11.30 DO PRINCPIO DA ANTERIORIDADE LEGAL
11.31 DA IRRETROATIVIDADE DA LEI
11.32 DA VEDAO S DISCRIMINAES AOS DIREITOS E LIBERDADES
FUNDAMENTAIS
11.33 DA CRIMINALIZAO DA PRTICA DO RACISMO
11.34 DOS CRIMES INAFIANVEIS E HEDIONDOS
11.35 DO PRINCPIO DA PERSONALIZAO E DA INDIVIDUALIZAO DAS PENAS
11.36 DA EXTRADIO
11.37 DO PRINCPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
9
11.38 DO CONTRADITRIO E DA AMPLA DEFESA
11.39 DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS
11.40 DA PRESUNO DE INOCNCIA
11.41 DA ASSISTNCIA JUDICIRIA GRATUITA
11.42 DO ERRO JUDICIRIO
11.43 DA GRATUIDADE DE CERTIDES E DE AES CONSTITUCIONAIS
11.44 DA RAZOABILIDADE DA DURAO DO PROCESSO
12 TUTELA CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES
12.1 DA AO CIVIL PBLICA
12.2 DO DIREITO DE PETIO
12.3 DA AO POPULAR
12.4 HABEAS CORPUS
12.5 DO MANDADO DE SEGURANA
12.6 DO MANDADO DE SEGURANA COLETIVO
12.7 DO MANDADO DE INJUNO
12.8 DO HABEAS DATA
13 DOS DIREITOS SOCIAIS
13.1 DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS
13.2 DA PROTEO CONTRA DESPEDIDA ARBITRRIA, SEGURO DESEMPREGO E DO
FGTS
13.3 DO SALRIO, DA SUA IRREDUTIBILIDADE E DA SUA PROTEO
13.4 .DO PISO SALARIAL
13.5 DA IRREDUTUBILIDADE DO SALRIO
13.6 DO 13 SALRIO
13.7 DA RETENO DOLOSA DO SALRIO
13.8 DA JORNADA DE OITO HORAS, DA REMUNERAO DO SERVIO
EXTRAORDINRIO, DAS FRIAS ANUAIS, DO AVISO PRVIO, DOS ADICIONAIS DE
INSALIBRIDADE E PERICULOSIDADE, E OUTROS DIREITOS.
13.9 DA LIBERDADE DE ASSOCIAO PROFISSIONAL E SINDICAL
10
13.10 DO DIREITO DE GREVE
13.11 DA PARTICIPAO NOS COLEGIADOS DOS RGOS PBLICOS
13.12 DA ELEIO DE REPRESENTANTES EM EMPRESA COM MAIS DE 200
EMPREGADOS
14 DA NACIONALIDADE
14.1 DA LNGUA E DOS SMBOLOS DA REPBLICA
15 DOS DIREITOS POLTICOS
15.1 CONDIES DE ELEGIBILIDADE E CAUSAS DE INELEGIBILIDADE
15.2 DA AO DE IMPUGNAO DE MANDATO ELETIVO
15.3 DA PERDA E SUSPENSO DOS DIREITOS POLTICOS
15.4 DO PRINCPIO DA ANUALIDADE DA LEI ELEITORAL
15.5 NATUREZA JURDICA
15.6 DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDRIO E DO ACESSO GRATUITO A REDE DE RDIO
E TELEVISO
16 DA ORGANIZAO DO ESTADO
16.1 DOS TIPOS DE ESTADO
16.2 DA ORGANIZAO POLTICO-ADMINISTRATIVA DO BRASIL
16.2.1 DA UNIO
16.2.2 DOS ESTADOS-MEMBROS
16.2.3 DOS MUNICPIOS
16.2.4 DO DISTRITO FEDERAL
16.2.5 DOS TERRITRIOS
16.3 DA FORMAO DOS ESTADOS
16.4 DA FORMAO DOS MUNICPIOS
16.5 DA INTERVENO FEDERAL
17 DA ADMINISTRAO PBLICA
11
17.1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA (OU DO DIREITO
ADMINISTRATIVO)
17. 2 DOS AGENTES PBLICOS
17.2.1 DOS SERVIDORES PBLICOS
18 DA ORGANIZAO DOS PODERES (Ttulo IV, CF)
18.1 O PODER LEGISLATIVO
18.1.1 O CONGRESSO NACIONAL (art. 44 a 50)
18.1.1.1 CMARA DOS DEPUTADOS (art. 51)
18.1.1.2 O SENADO FEDERAL (art. 52)
18.1.1.3 A FUNO FISCALIZADORA DO PODER LEGISLATIVO
18.1.1.4 DAS COMISSES PARLAMENTARES (art. 58. CF).
18.1.2 DO PROCESSO LEGISLATIVO
18.1.2.1 DA EMENDA CONSTITUCIONAL
18.1.2.2 DA LEI COMPLEMENTAR
18.1.2.3 DA LEI ORDINRIA
18.1.2.4 DA LEI DELEGADA
18.1.2.5 DA MEDIDA PROVISRIA
18.1.2.6 DO DECRETO LEGISLATIVO
18.1.2.7 DA RESOLUO
18.2 DO PODER EXECUTIVO
18.2.1 DO CONSELHO DA REPBLICA
18.2.2 CONSELHO DE DEFESA NACIONAL
18.3 DO PODER JUDICIRIO
18.3.1 GARANTIAS DO PODER JUDICIRIO
18.3.2 DA ESTRUTURA DO PODER JUDICIRIO
18.3.2.1 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
18.3.2.2 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA (CF, art. 103-B)
12
18.3.2.3 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA
18.3.2.4 DA JUSTIA FEDERAL COMUM
18.3.2.5 DA JUSTIA FEDERAL ESPECIALIZADA
18.3.2.5.1 DA JUSTIA DO TRABALHO
18.3.2.5.2 DA JUSTIA ELEITORAL
18.3.2.5.3 DA JUSTIA MILITAR
18.3.2.6 DA JUSTIA ESTADUAL
19 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
19.1 DO CONTROLE PREVENTIVO
19.2 DO CONTROLE REPRESSIVO
19.2.1 CONTROLE REPRESSIVO PELO PODER JUDICIRIO
19.2.1.1 DO CONTROLE DIFUSO
19.2.1.2 DO CONTROLE CONCENTRADO
19.2.1.2.1 DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
19.2.1-2-2 DA MEDIDA CAUTELAR EM AO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
19.2.1.2.3 DA AO DECLARATRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
19.2.1.2.4 ARGIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL
20 DAS FUNES ESSENCIAIS JUSTIA
20.1 DO MINISTRIO PBLICO
20.1.1 MINISTRIO PBLICO DA UNIO
20.1.2 MINISTRIO PBLICO DOS ESTADOS
20.1.3 PRINCPIOS DO MINISTRIO PBLICO
20.1.4 FUNES DO MINISTRIO PBLICO
20.1.5 DAS VEDAES CONSTITUCIONAIS
20.1.6 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO PBLICO (CF, art. 130-A)
13
20.2 DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIO
20.3 DA ADVOCACIA
20.4 DA DEFENSORIA PBLICA
21 A DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIES DEMOCRTICAS O ESTADO DE DEFESA E O ESTADO DE STIO
21.1 O ESTADO DE DEFESA
21.2 O ESTADO DE STIO
21. 3 DAS FORAS ARMADAS
21.3.1 DISPOSIES GERAIS
21.4 DA SEGURANA PBLICA
21.4 1 DAS POLCIAS DA UNIO
21.4.1.1 POLCIA FEDERAL
21.4.1.2 POLCIA RODOVIRIA FEDERAL
21.4.1.3 POLCIA FERROVIRIA FEDERAL
21.4.2 DAS POLCIAS ESTADUAIS
21.4.3 DAS GUARDAS MUNICIPAIS
22 DA ORDEM ECONMICA E FINANCEIRA
22.1 DOS PRINCPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONMICA
22.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONMICA
22.3 PRINCPIOS DA ORDEM ECONMICA
22.4 INTERVENO ESTATAL NA ECONOMIA
22.5 MONOPLIOS DA UNIO
22.6 DA POLTICA URBANA
22.7 DA POLTICA AGRCOLA E FUNDIRIA E DA REFORMA AGRRIA
22.7.1 DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE
22.7.2 DO PLANEJAMENTO AGRCOLA
22.7.3 DA REFORMA AGRRIA
14
23 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
23.1 CONSIDERAES GERAIS
24 ORDEM SOCIAL
24.1 A ORDEM SOCIAL NA CONSTITUIO
24.1.1 CONSIDERAES GERAIS
24.2 SEGURIDADE SOCIAL
24.3 DA SADE
24.4 DA PREVIDNCIA SOCIAL
24.5 DA ASSISTNCIA SOCIAL
24.6 DA EDUCAO
24.7 DA CULTURA
24.8 DO DESPORTO
24.9 DA CINCIA E TECNOLOGIA
24.10 DA COMUNICAO SOCIAL
24.11 DO MEIO AMBIENTE
24.12 DA FAMLIA
24.13 DA CRIANA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO
24.14 DOS NDIOS
ANEXOS
I - LEGISLAO
I.a AAO CIVIL PBLICA
I.b AAO POPULAR
I.c HABEAS DATA
I.d HABEAS CORPUS
I.e MANDADO DE SEGURANA
I.f MANDADO DE SEGURANA II MODELOS
15
II.a AAO CIVIL PBLICA
II.b - AAO POPULAR
II.c - HABEAS DATA
II.d - HABEAS CORPUS
II.e MANDADO DE INJUNAO
II.f MANDADO DE SEGURANA
II.g MANDADO DE SEGURANA
BIBLIOGRAFIA
16
DIREITO CONSTITUCIONAL
1 DIREITO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E CONCEITO
Conceito
Ramo do Direito Pblico que estuda os princpios indispensveis organizao do
Estado, distribuio dos poderes, os rgos pblicos e os direitos individuais e coletivos.
Origem
O Direito Constitucional, enquanto ramo do Direito que estuda os princpios
necessrios e indispensveis estruturao da vida do Estado, teve como origem a
Assemblia Nacional Constituinte da Frana de 26/09/1791, que determinou a obrigatoriedade
do ensino da Constituio para os estudantes franceses.
A expresso Direito Constitucional, contudo, somente surgiu em 1797, em Milo,
norte da Itlia.
VOLTAR
1.1 FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL
As fontes do Direito Constitucional podem ser divididas em fontes imediatas e
fontes mediatas.
Como fontes imediatas temos a prpria Constituio poltica, fonte primria do
Direito Constitucional, que estabelece as diretrizes polticas e organizacionais de uma
sociedade podendo esta ser escrita como verbi gratia, a Constituio brasileira ou no escrita como a Constituio inglesa, e as leis constitucionais esparsas, escritas ou no estas nos pases que adotam o common law.
Como fontes mediatas temos o Direito Natural, a doutrina, a jurisprudncia e
os costumes e tradies do povo, da sociedade.
VOLTAR
1.2 O SENTIDO DE CONSTITUIO
Em sentido geral, amplo, constituio a estrutura fundamental ou a maneira de
ser de qualquer coisa.
Em teoria poltica e direito, Constituio, em letra maiscula, refere-se a Estado,
podendo ser empregada em sentido amplo ou restrito.
Em sentido amplo, genrico, a prpria organizao estatal. Todos os pases
possuem suas Constituies, que lhes so prprias.
Em sentido restrito, define-se a Constituio como o conjunto de normas jurdicas
necessrias e bsicas estruturao de uma sociedade poltica, geralmente agrupadas em uma
nica Lei Fundamental.
17
Para Ferdinand Lassale (1825-1864) 1, advogado na antiga Prssia, as questes
constitucionais no so jurdicas, mas polticas, onde os fatores reais do poder formam a
chamada Constituio real do pas. Para Lassalle, o poder da fora seria sempre superior ao
poder das normas jurdicas, situao em que a normatividade submetida realidade ftica.
Isso significaria a negao da Constituio jurdica, que teria unicamente a funo de
justificar as relaes de poder dominantes.
Hesse2, traduzido entre ns por Gilmar Ferreira Mendes, se contrape s
concepes de Lassalle demonstrando que o desfecho entre os fatores reais de poder e a
Constituio no implica necessariamente na derrota desta ltima. Para Hesse, existem
pressupostos realizveis que permitem assegurar sua fora normativa, e que apenas quando
esses pressupostos no sejam satisfeitos que as questes jurdicas podem se converter em
questes de poder. O primeiro desses pressupostos a vontade de Constituio. A
Constituio transforma-se em fora ativa se existir a disposio de orientar a prpria
conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem-se presentes, na conscincia geral
(especialmente na conscincia dos principais responsveis pela ordem constitucional), no s
a vontade de poder, mas tambm a vontade de Constituio. E conclui Hesse, que a fora
normativa da Constituio no est assegurada de plano, configurando misso que somente
em determinadas condies poder ser realizada de forma excelente. Para ele, compete ao
direito constitucional realar, despertar e preservar a vontade de Constituio, que,
indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua fora normativa.
Hans Kelsen, formulador e principal defensor da Teoria Pura do Direito, fundador da Escola Normativista, tambm chamada Escola de Viena, contraps-se a Lassalle e a Hesse. Para
Kelsen, o direito deve ser examinado como ele de fato o , isento de juzos valorativos, e no como
deveria ser. Vale dizer, o direito tem de ser despido de todo seu contedo valorativo, e que necessita
existir uma respeitabilidade entre o conjunto hierarquizado das normas, que contm na Constituio
seu pice.
Segundo Kelsen 3, o ordenamento jurdico no , portanto, um sistema jurdico
de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de
vrias camadas de normas jurdicas. VOLTAR
1.3 HISTRICO
At meados do sculo XVIII, as Constituies eram costumeiras, baseadas nas
tradies, hbitos e costumes do povo, e, tambm, baseadas em leis e documentos esparsos,
como por exemplo, a Magna Carta inglesa, de Joo Sem Terra, de 1215, que consubstanciou
o acordo entre o Rei e o baronato revoltado com os amplssimos poderes do Monarca sobre
tudo e sobre todos.
Posteriormente, em 1689, na mesma Inglaterra, para, uma vez mais, estabelecer
limites aos poderes do Monarca, foi editada a Bill of Rights.
A idia de Constituio veio a ganhar fora quando foi associada s concepes
iluministas, com o liberalismo poltico representando a ideologia revolucionria do sculo
XVIII. O triunfo das idias liberais d-se com as Revolues dos sculos XVII, na Inglaterra,
e XVIII, nos Estados Unidos e na Frana, quando se afirmam os direitos fundamentais e a
no-interveno arbitrria do Estado.
A partir da segunda metade do sculo XVIII, inspirado na filosofia scio-
contratualista existente especialmente durante os sculos XVI a XVIII, compreendeu-se a
1 LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 1998.
2 HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Porto Alegre: Safe, 1991.
3 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 103, 2003,
18
necessidade da elaborao de uma Constituio escrita, baseada no pacto social, de maneira
que ela significasse uma verdadeira expresso contratual da sociedade, devendo, por isso, ser
clara, objetiva, racional e firme, de modo a representar um princpio de maior proteo contra
possveis e provveis deformaes de carter autoritrio, arbitrrio.
A primeira Constituio escrita, criada pelo Poder Constituinte e em termos
similares aos que atualmente so conhecidos, surgiu em 1787, nos Estados Unidos, tendo por
base a teoria do contrato social.
bem de ver, contudo, que antes da revoluo americana, e, por conseguinte, bem
antes dessa primeira Constituio escrita, todas as treze colnias americanas j tinham as suas
cartas constitucionais.
Com a independncia dessas colnias, depois transformadas em Estados
soberanos, foram publicados documentos formais como a Declarao de Direito do Estado da
Virgnia, de 12/06/1776, e a de Massachussets, em 1780, tomada como principal modelo da
Constituio Federal americana.
Depois disso, a Constituio se tornaria uma instituio poltica que tinha por
objetivo a delimitao do Poder, sendo que esta delimitao se operava, de maneira
extrnseca pela garantia dos direitos naturais, e de maneira intrnseca, como decorrncia da
adoo do princpio da separao de poderes, conforme explicitado pela Declarao dos
Direitos do Homem, de 1789.
Segundo Norberto Bobbio, o Estado moderno, liberal e democrtico surgiu da
reao contra o Estado absoluto.4 Para Bobbio, o problema fundamental do Estado
constitucional moderno, que se desenvolve como uma anttese do Estado absoluto, o dos
limites do poder estatal.
VOLTAR
1.4 CONSTITUCIONALISMO
Conceito
o estudo dos meios utilizados no processo da evoluo constitucional ao longo
dos tempos.
1.5 CONSTITUCIONALISMO MODERNO E CONTEMPORNEO
O constitucionalismo moderno tem as suas origens nas revolues inglesa de
1688, americana de 1776, e francesa de 1789, embora o seu embrio possa ser encontrado na
Magna Carta de Joo Sem Terra, na Inglaterra, de 1215, posto que nela j se encontravam
presentes alguns dos elementos essenciais do moderno constitucionalismo, quais sejam a
limitao do poder do Estado e a garantia de alguns dos direitos fundamentais da pessoa
humana.
O constitucionalismo moderno, cujo nascimento coincidiu com o nascimento do
Estado Liberal, decorreu, assim, da idia e da necessidade de submeter o Estado ao Direito,
limitando as suas funes, estabelecendo a segurana nas relaes jurdicas e garantindo a
proteo do indivduo contra o Estado. que o Estado, antes das revolues a que nos
referimos, era absoluto. O soberano tudo podia e no se subordinava a ningum. partir das
constituies modernas o estado, e, consequentemente, o soberano, vem-se submetidos
constituio e ao princpio da separao dos poderes
4 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Braslia: UNB, 1997, p. 15.
19
Para J.J.Gomes Canotilho, trs seriam as caractersticas principais do
constitucionalismo moderno: I a ordenao jurdico-poltica estampada em documento escrito; II a declarao de direitos fundamentais e seu modo de garantia; III a organizao do poder poltico segundo esquemas tendentes a torn-lo limitado e moderado
5.
VOLTAR
1.6 TIPOLOGIA
Os tipos constitucionais diferem, pois existem Constituies sem qualquer
preocupao com a liberdade e com os direitos individuais dos cidados, como, por exemplo,
as Constituies dos pases totalitrios, verbi gratia a da China e a da ilha de Cuba, enquanto
outras existem que priorizam os direitos individuais, dentre as quais a nossa Constituio.
VOLTAR
1.7 CLASSIFICAO DOS TIPOS CONSTITUCIONAIS
Quanto ao contedo: material e formal
Constituio material o conjunto de regras constitucionais esparsas, codificadas
ou no em um nico documento.
J a Constituio, no seu conceito formal, consubstancia-se em um contedo
normativo expresso, estabelecido pelo poder constituinte originrio em um documento solene
que contm um conjunto de regras jurdicas estruturais e organizadoras dos rgos supremos
do Estado.
A diferena entre sentido material e sentido formal da Constituio que nesta
temos a existncia estatal reduzida sua expresso jurdica formalizada atravs da codificao
solene das normas constitucionais.
Quanto forma: escrita e no escrita
Constituio escrita o conjunto de regras codificado e sistematizado em um
nico documento para fixar-se a organizao fundamental.6
Caracteriza-se por ser a lei fundamental de um povo, colocada no pice da
pirmide das normas legais, dotada de coercibilidade.
Todas as Constituies brasileiras foram escritas, desde a Carta Imperial at a
Constituio de 1988.
Constituio no escrita o conjunto de normas constitucionais esparsas, baseado
nos costumes, na jurisprudncia e em convenes. Exemplo: Constituio inglesa.
VOLTAR
Quanto forma de elaborao: dogmticas e histricas
Constituio dogmtica aquela que se nos apresentada de forma escrita e
sistematizada, por um rgo constituinte, a partir de princpios e idias fundamentais da teoria
poltica e do direito dominante em uma determinada sociedade.
5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra: Almedina, 2002, pp.56.
6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 36.
20
Constituio histrica aquela que resulta da histria, dos costumes e da tradio
de um povo.
Quanto origem: promulgadas (democrticas e populares) e outorgadas
A Constituio promulgada, tambm chamada de democrtica ou popular,
aquela fruto do trabalho de uma Assemblia Nacional Constituinte, eleita pelo povo com a
finalidade da sua elaborao. Exemplos: Constituies brasileiras de 1891, 1934, 1946 e
1988.
Constituio outorgada aquela estabelecida atravs da imposio do poder, do
governante, sem a participao popular. Exemplos: Constituies brasileiras de 1824, 1937,
1967 e a Emenda Constitucional de 1969.
Quanto estabilidade: imutveis, rgidas, flexveis e semi-rgidas
Constituio imutvel aquela onde vedada qualquer modificao. Essa
imutabilidade pode ser, em alguns casos, relativa, quando prev a assim chamada limitao
temporal, consistente em um prazo em que no se admitir qualquer alterao do legislador
constituinte reformador.
Constituio rgida aquela escrita, mas que pode ser alterada atravs de um
processo legislativo mais solene e com maior grau de dificuldade do que aquele normalmente
utilizado em outras espcies normativas. Exemplo: Constituio brasileira de 1988 (Ver artigo
60 Emendas Constituio). Constituio flexvel aquela em regra no escrita e que pode ser alterada pelo
processo legislativo ordinrio, sem qualquer outra exigncia ou solenidade.
Constituio semi-rgida ou semiflexvel aquela que pode ter algumas de suas
regras alteradas pelo processo legislativo ordinrio, enquanto outras somente podem s-las
por um processo legislativo mais solene e com maior grau de dificuldade.
Alexandre de Moraes entende que a Constituio brasileira de 1988 super-
rgida, porque em regra poder ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos imutvel (CF, art. 60, 4
o clusulas ptreas).7
Quanto sua extenso e finalidade: analticas (dirigentes) e sintticas (negativas,
garantias)
Constituio analtica aquela que examina e regulamenta todos os assuntos
relevantes formao, destinao e funcionamento do Estado. tambm chamada de
Constituio dirigente porque define fins e programa de ao futura. Exemplo: Constituio
brasileira de 1988.
Constituio sinttica aquela que prev somente os princpios e as normas gerais
de organizao do Estado e a limitao do seu poder atravs da fixao de direitos e garantias
fundamentais para o cidado. Exemplo: a Constituio dos EUA.
A Constituio brasileira , destarte, formal, escrita, dogmtica, promulgada,
rgida e analtica.
VOLTAR
7 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 37.
21
2 O SISTEMA CONSTITUCIONAL
Duas so as acepes de sistema constitucional admitidos pela doutrina: o sistema
externo ou extrnseco, e o sistema interno ou intrnseco.
O sistema extrnseco refere-se ao trabalho intelectual, cujo resultado forma um
conjunto de conhecimentos logicamente classificados, ou, na lio de Kant, em Crtica da
razo pura: entendo por sistema a unidade dos diversos conhecimentos debaixo de uma idia.
Os requisitos do sistema extrnseco ou externo so de natureza puramente formal.
O sistema intrnseco ou interno cuida do conhecimento do objeto, da sua
sistematizao, da sua estruturao jurdica.
A Constituio escrita sistematizada atravs de um conjunto de normas
referentes s mais diversas matrias e finalidades buscadas pelo legislador constituinte. Tais
normas, autnticas regras jurdicas, so agrupadas em ttulos, captulos e sees, formando um
todo que se convencionou chamar de elementos constitucionais do Estado.
VOLTAR
2.1 ESTRUTURA NORMATIVA
Para Jos Afonso da Silva8 as Constituies contemporneas, em sua estrutura
normativa, revelam cinco categorias de elementos destacveis: orgnicos; limitativos; scio-
ideolgicos; de estabilizao constitucional; e, finalmente, formais de aplicabilidade.
Elementos orgnicos: so aqueles contidos em normas jurdicas que regulam a
estrutura e o funcionamento do poder estatal, sendo, portanto, fundamentais existncia do
Estado. Na atual Constituio brasileira, tais elementos podem ser encontrados nos Ttulos III
(Da Organizao do Estado), no Ttulo IV (Da Organizao dos Poderes e do Sistema de
Governo), no Ttulo V, Captulos II e III (Das Foras Armadas e da Segurana Pblica), e no
Ttulo VI (Da Tributao e do Oramento);
Elementos limitativos: so aqueles que tm origem no liberalismo clssico, que
busca estabelecer limites ao do Estado, assegurando um Estado de Direito onde os
direitos individuais e coletivos devem estar presentes no texto constitucional.
Na atual Constituio brasileira podemos encontrar esses elementos limitativos ao
longo do Ttulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), exceo do Captulo II, que
trata dos direitos sociais;
Elementos scio-ideolgicos: no existiam nas primeiras Constituies escritas,
porque elas tratavam exclusivamente da limitao ingerncia estatal. Tais elementos
revelam a emergncia de um Estado Social, mais intervencionista que o velho Estado Liberal.
O surgimento e emergncia do assim chamado Estado Social trazem como
conseqncia governos de cunho intervencionista, cuja atividade governamental busca
garantir a promoo dos direitos sociais voltados aos menos favorecidos, com aumento dos
gastos pblicos e com o conseqente endividamento pblico.
Na Constituio brasileira em vigor, vislumbramos os elementos scio-
ideolgicos no Captulo II, do Ttulo II (Dos Direitos Sociais), e, tambm, nos Ttulos VII e
VIII (Da Ordem Econmica Financeira e Da Ordem Social);
Elementos de Estabilizao Constitucional: so aqueles que trazem nsitos a
necessidade da proteo do texto constitucional, e, por isso mesmo, destinam-se defesa da 8 SILVA, Jos Afonso. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros, 1992.
22
Constituio e soluo de conflitos constitucionais, garantindo os meios de efetivao e
continuidade da norma constitucional.
Na Constituio brasileira de 1988 encontramos esses elementos nos arts. 102, I,
a, e 103 (relativos jurisdio constitucional), nos arts. 34 a 36 (Da Interveno nos Estados e
Municpios), nos arts. 59, I, e 60 (referentes ao processo de emendas Constituio), e no
Ttulo V, Captulo I (Do Estado de Defesa e do Estado de Stio);
Elementos Formais de Aplicabilidade: so aqueles que dizem respeito formao
das regras de aplicao das normas constitucionais.
So, assim, elementos de aplicabilidade os artigos 1o ao 4
o, que revelam
princpios fundamentais da Constituio, assim tambm as disposies constitucionais
transitrias.
Tambm devemos considerar como elemento de aplicabilidade o 1o, do art. 5
o,
onde est disposto que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm
aplicao imediata.
Finalmente, encontramos no artigo 24 as regras para aplicao do federalismo
cooperativo, que tambm representam elementos formais de aplicabilidade.
VOLTAR
23
3 TEORIA DA NORMA CONSTITUCIONAL
A teoria da norma constitucional cuida do estudo da aplicabilidade das normas
constitucionais.
Jos Afonso da Silva o autor mais aclamado e acatado em se tratando da
classificao das normas em relao a sua aplicabilidade.
Para o Mestre paulistano as normas constitucionais dividem-se em normas
constitucionais de eficcia plena, contida e limitada9.
Normas constitucionais de eficcia plena so
aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituio, produzem ou tm
possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses,
comportamentos e situaes, que o legislador constituinte, direta e normativamente,
quis regular.10
So, portanto, normas que no necessitam de regulamentao, sendo auto-
aplicveis ou auto-executveis, como por exemplo, os remdios constitucionais: mandado de
segurana, habeas corpus, mandado de injuno, habeas data.
J as normas constitucionais de eficcia contida so aquelas
que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a
determinada matria, mas deixou margem atuao restritiva por parte da
competncia discricionria do poder pblico, nos termos que a lei estabelecer ou nos
termos de conceitos gerais nela enunciados11
.
Vale dizer, a matria constitucional foi devidamente regulada, mas a sua aplicao
est condicionada a prvia existncia de outra lei especfica que a discipline, assim previsto
expressamente. Exemplo: Art. 5o, XIII: livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer.
Normas constitucionais de eficcia limitada so aquelas que apresentam
aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses aps uma normatividade ulterior que lhe desenvolva a aplicabilidade.
Isto quer dizer que esse tipo de norma constitucional, para entrar em vigor, vale
dizer, para ter aplicabilidade prtica, depende de uma lei posterior que a regulamente.
Ao lado da classificao de Jos Afonso da Silva, adotada pela maioria dos nossos
doutrinadores, temos as chamadas normas programticas, que no tm aplicao ou execuo imediata, mas se constituem em comandos-regras, pois explicitam comandos-valor.
Jorge Miranda12
, mestre portugus da Universidade de Coimbra, diz que as
normas programticas
conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tm como destinatrio
primacial embora no nico o legislador, a cuja opo fica a ponderao do tempo e dos meios em que vm a ser revestidas de plena eficcia (e nisso consiste a
discricionariedade); no consentem que os cidados ou quaisquer cidados as
invoquem j (ou imediatamente aps a entrada em vigor da Constituio), pedindo
aos tribunais o seu cumprimento s por si, pelo que pode haver quem afirme que os
direitos que delas constam, mxime os direitos sociais, tm mais natureza de
9 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais.Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 89-91,
1998. 10
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 39. 11
Ibid., p. 39. 12
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. v. 4.
24
expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem, muitas vezes,
acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.
Assim, na prtica, verificamos que as normas programticas so aquelas que no
regulam diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas, ao contrrio, limitam-se a
traar preceitos que devem ser cumpridos pelo Poder Pblico.
Trcio Sampaio Ferraz Jr.13
, afirma que a eficcia tcnica, neste caso, limitada. E a eficcia social depende da prpria evoluo das situaes de fato. Da resulta uma
aplicabilidade dependente. So exemplos de normas programticas os arts. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215 e
218, da Constituio Federal.
VOLTAR
13
FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Interpretao e estudos da Constituio de 1988. So Paulo: Atlas, 1990.
25
4 HERMENUTICA E INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
A hermenutica constitucional tem por objetivo o estudo das tcnicas de
interpretao da Constituio, fornecendo os princpios bsicos segundo os quais os
operadores do Direito devem apreender o sentido das normas constitucionais.
A interpretao constitucional, por outro lado, consiste no desvendar do
significado da norma, com vistas aplicao em um determinado caso concreto.
4.1 PRINCPIOS DE HERMENUTICA CONSTITUCIONAL
A hermenutica estabelece princpios para se interpretar as regras constitucionais,
que so os seguintes: a) princpio da Supremacia da Constituio; b) princpio da Unidade da
Constituio; c) princpio da Imperatividade da Norma Constitucional; d) princpio da
Simetria Constitucional; e) princpio da Presuno de Constitucionalidade das Normas
Infraconstitucionais.
a) Princpio da Supremacia das Normas Constitucionais
As normas constitucionais so, sempre, superiores s demais normas no
constitucionais, ou infraconstitucionais.
A norma no constitucional, ou inferior, somente se torna vlida na medida em
que feita em estrita obedincia ao procedimento legislativo que lhe adequado e que,
tambm, preserva o fundamento bsico da supremacia das normas constitucionais que no
admite a existncia de normas jurdicas conflitantes.
Isto que dizer que, sob o ponto de vista normativo, a Constituio representa o
pice de uma figura piramidal de hierarquizao da norma jurdica.
Em outras palavras, a Constituio seria um conjunto de normas jurdicas
superiores que determina a criao de todas as demais regras que integram o ordenamento
jurdico estatal.
Segundo Kelsen 14
, o ordenamento jurdico no , portanto, um sistema jurdico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de
vrias camadas de normas jurdicas.
b) Princpio da Unidade da Constituio
As normas constitucionais devem ser interpretadas de modo a se evitar qualquer
tipo de contradio entre si.15
Isto porque a Constituio no um aglomerado de normas constitucionais isoladas, mas, ao contrrio disso, forma um sistema orgnico, no qual cada
parte tem de ser compreendida luz das demais.16 J.J. Gomes Canotilho ensina que este princpio obriga o intrprete a considerar a
Constituio na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaos de tenso existentes entre
as normas constitucionais a concretizar.17
14
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 103, 2003, 15
ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lmen Juris, 2002. p. 138. 16
SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. RJ: Lmen Juris, 2002. p. 100. 17
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituio. Coimbra: Almedina, 1997. p.232.
26
por meio dessa viso unitria que fica consagrada a interdependncia entre as
normas constitucionais.
c) Princpio da Imperatividade (ou da Mxima Efetividade) da Norma
Constitucional
Sendo a norma constitucional de ordem pblica e de carter imperativo, emanada
que da vontade popular, o intrprete deve lhe conferir o mximo de efetividade no momento
de sua aplicao.
Para Rui Barbosa (apud Zimmermann, 2002), a hermenutica da norma
constitucional devia ser o mais ampla possvel, pois para ele nas questes de liberdade, na inteligncia das garantias constitucionais, no cabe a hermenutica restritiva.18
d) Princpio da Simetria Constitucional
Este princpio postula que haja uma relao simtrica entre as normas jurdicas da
Constituio Federal e as regras estabelecidas nas Constituies Estaduais, e mesmo
Municipais. Isto quer dizer que no sistema federativo, ainda que os Estados-Membros e os
Municpios tenham capacidade de auto-organizar-se, esta auto-organizao se sujeita aos
limites estabelecidos pela prpria Constituio Federal.
Assim, pelo princpio da simetria, os Estados-Membros se organizam obedecendo
ao mesmo modelo constitucional adotado pela Unio. Por este princpio, por exemplo, as
unidades federativas devem estruturar seus governos de acordo com o princpio da separao
de poderes.
e) Princpio da Presuno de Constitucionalidade das Normas
Infraconstitucionais
Segundo este princpio, todas as normas jurdicas infraconstitucionais possuem a
presuno de constitucionalidade at que o controle judicial se manifeste em contrrio.
Trata-se, portanto, da presuno juris tantum, posto que a norma
infraconstitucional possui eficcia jurdica at que se prove o contrrio.
Este princpio decorre do prprio Estado de Direito, da separao de Poderes, pois
a prpria Constituio que delega poderes ao Poder Legislativo para editar normas
ordinrias, infraconstitucionais, que lhe do plena operatividade, e o Legislativo assim o faz
na convico de que est a respeitar a Constituio, na presuno de que as leis que elaborou
e que foram promulgadas so, efetivamente, constitucionais, devendo a quem argi a sua
inconstitucionalidade perante o Poder Judicirio provar o vcio que alega, e a declarao de
inconstitucionalidade das normas ordinrias somente deve ocorrer quando afastada toda e
qualquer dvida quanto sua incompatibilidade com a Constituio.
VOLTAR
18
BARBOSA, Rui. Comentrios Constituio Federal Brasileira. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 495, 506 e 516,
v.5.
27
4.2 INTERPRETAO DA CONSTITUIO
No entendimento clssico de Savigny, interpretao a reconstruo do contedo
da lei, sua elucidao, de modo a operar-se uma restituio de sentido ao texto viciado ou
obscuro.
Noutras palavras, trata-se de operao lgica, de carter tcnico, atravs do qual
busca-se investigar o sentido exato da norma jurdica imprecisa ou no muito clara.
Para Felice Battaglia, jurista italiano, o momento da interpretao vincula a norma geral s conexes concretas, conduz do abstrato ao concreto, insere a realidade no
esquema19. Reis Friede adverte que os problemas de interpretao constitucional, em certa
medida, so mais amplos e complexos do que aqueles afetos lei comum, at porque, sob
certa tica, tambm repercutem sobre todo o ordenamento jurdico.20 VOLTAR
4.2.1 FORMAS DE INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Todos os cidados tm o direito de buscar interpretar a Constituio, as normas
constitucionais. O Poder Legislativo o faz quando elabora uma lei complementar
Constituio ou mesmo quando estabelece regras para as suas futuras interpretaes. O Poder
Judicirio, por seu turno, interpreta a norma constitucional quando, instado por uma Ao
Direta de Inconstitucionalidade ADIN ou mesmo por uma Ao Declaratria de Constitucionalidade ADC , emite uma deciso.
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4.3 FONTE DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL
a) Interpretao autntica
Ocorre quando o legislador constituinte interpreta as normas constitucionais por
ele mesmo elaboradas. Nesta interpretao, o legislador constituinte busca extrair o verdadeiro significado da norma jurdica, revelando-nos o mbito de sua atuao (Zimmermann, 2002, p.142).
b) Interpretao Doutrinria
aquela levada a efeito pelos estudiosos do Direito Constitucional. Segundo
Paulo Bonavides,
a interpretao doutrinria aquela que deriva da doutrina, dos doutores, dos
mestres e teoristas do direito, dos que, mediante obras, pareceres, estudos e ensaios
jurdicos intentam precisar, a uma nova luz, o contedo e os fins da norma, ou abrir-
lhe caminhos de aplicao a situaes inditas ou de todo imprevistas.21
19
BATTAGLIA, Felice. Curso de filosofia del derecho. Madrid, 1951. p. 151. v. 2. 20
FRIEDE, Reis. Lies Objetivas de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 73. 21
BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 270.
28
c) Interpretao Judicial
aquela emanada pelo magistrado, na aplicao da norma legal.
Desta interpretao surgem decises de efeitos prticos e definitivos, quer para a
sociedade como um todo, como, por exemplo, no caso de controle judicial da norma
constitucional in abstracto, atravs de uma ao direta de inconstitucionalidade, ou apenas
para as pessoas submetidas ao processo jurisdicional concreto, incidental.
VOLTAR
4.4 MTODOS CLSSICOS DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL
So as diferentes possibilidades de se analisar as normas constitucionais dentro de
um plano metodolgico.
a) Da Interpretao Gramatical (ou literal)
Meio atravs do qual busca-se aferir o significado literal da norma jurdica por
meio de uma interpretao que leve em considerao o exame das palavras e das regras
gramaticais vigentes poca da elaborao do texto legal.
meio fundamental como etapa preliminar a toda interpretao jurdica, no
devendo ser utilizado unicamente, contudo, como meio de interpretao.
O Juiz Black, da Suprema Corte dos Estados Unidos, foi um dos principais
defensores da interpretao literal, dizendo que tal meio de interpretao visava restringir o apetite de alguns juzes em extrapolar os limites constitucionais e impor suas prprias
preferncias, utilizando-se de argumentos retirados do direito natural ou do devido processo
legal.22
b) Da Interpretao Lgica ou Racional
aquela que, na lio de Paulo Bonavides,
sobre examinar a lei em conexidade com as demais leis, investiga-lhe tambm as
condies e os fundamentos de sua origem e elaborao, de modo a determinar a
ratio ou mens do legislador. Busca, portanto reconstruir o pensamento ou inteno
de quem legislou, de modo a alcanar depois a precisa vontade da lei.23
Esse mtodo est sintetizado pela locuo inteno do legislador, subdividindo-
se em cinco:
Mens legis busca verificar o que o legislador realmente disse, independentemente de suas intenes;
Mens legislatori busca verificar, ao contrrio do anterior, o que o legislador quis efetivamente dizer, independentemente do que acabou efetivamente dizendo;
Ocasio legis conjunto de circunstncias que determinaram a criao da lei;
22
ZIMMERMANN, 2002, p. 144. 23
BONAVIDES, 1986, p. 272.
29
O argumento a contrario sensu componente da interpretao lgica que utiliza o fato de que a lei sempre faculta a concluso pela excluso, dada a regra hermenutica
que afirma que as excees devem vir sempre expressas; e, por fim,
O argumento a fortiori pode ser resumido pela mxima do Direito segundo a qual quem pode o mais pode o menos.
Este mtodo de interpretao deve ser utilizado imediatamente aps a
interpretao gramatical ou literal, independentemente da aparente soluo definitiva que esta
possa ter sugerido ao intrprete.
c) Da Interpretao Sistemtica
As normas jurdicas esto dispostas em captulos, ttulos, livros e artigos, onde se
encontram indicados o assunto e, conseqentemente, o direito tutelado.
A interpretao sistemtica, assim, consiste no propsito de resolver eventuais
conflitos de normas jurdicas, examinando-as sob a tica de sua localizao junto ao direito
que tutela.24
Com este mtodo devemos interpretar a norma constitucional vendo-o como um
todo lgico e harmnico.
Destarte, a interpretao da Constituio deve ser feita de modo a se permitir que
as normas constitucionais sejam compatveis entre si.25
d) Da Interpretao Histrica
Mtodo atravs do qual o intrprete busca o conhecimento evolutivo (histrico) da
ambincia em que se originou a lei e da linguagem utilizada na redao do texto legal, de
modo a se chegar essncia do dispositivo normativo, o verdadeiro significado da lei.
e) Da Interpretao Sociolgica ou Teleolgica
Busca interpretar as leis com vistas a sua melhor aplicao na sociedade. Este tipo
de interpretao, no dizer de Zimmermann,
permite a alterao da ratio legis, possibilitando ao intrprete conferir um novo
sentido norma, contrapondo-se ao sentido original da mesma e otimizando o
cumprimento da sua finalidade.
Afirma, com propriedade, o Professor Reis Friede que
por esta razo, deve ser sempre observado em ltimo lugar, evitando os elevados
riscos de que o intrprete acabe por se confundir com o prprio legislador, criando
normas jurdicas onde no existam ou, no mnimo, deturpando o verdadeiro
significado das j existentes. 26
VOLTAR
24
FRIEDE, Reis. Cincia do direito, norma, interpretao e hermenutica jurdica. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 158. 25
ZIMMERMANN, 2002, p. 146. 26
FRIEDE, op.cit., p. 159.
30
5 A NORMA CONSTITUCIONAL NO TEMPO E A SUA APLICAO
Com os anos, a norma constitucional, como qualquer norma jurdica, pode ser alterada
ou mesmo substituda por outra.
O surgimento de nova norma constitucional pode levar, mas no leva,
necessariamente, revogao da legislao anterior. Tal fato gera trs fenmenos jurdicos
distintos que dizem respeito aplicabilidade das novas normas constitucionais no tempo, em
contraponto s normas constitucionais anteriores sua existncia: a recepo, a repristinao
e a desconstitucionalizao.
5.1 A RECEPO por esse fenmeno jurdico a norma jurdica infraconstitucional entendida como compatvel com o novo texto constitucional, condicionada a sua interpretao
e o seu significado aos novos parmetros estabelecidos pela nova ordem constitucional. Destarte, diz-se que a norma foi recepcionada pela nova Constituio, vale dizer, que foi
acolhida e incorporada nova ordem constitucional porque compatvel com os termos da
nova Constituio.
Essa recepo vem ao encontro do princpio da segurana jurdica e mesmo da
economia legislativa, uma vez que inexiste razo tcnico-jurdica para a retirada da norma
infraconstitucional em perfeita harmonia com o novo ordenamento constitucional.
5.2 A REPRISTINAO por esse outro fenmeno jurdico, uma norma infraconstitucional anteriormente revogada, de maneira tcita, pela anterior ordem jurdica,
restaurada pela nova ordem constitucional. Significa, pois, a revalidao de uma norma
revogada pela Constituio mas que se apresenta compatvel com a nova Carta
Constitucional.
A repristinao, por razes de segurana jurdica, somente admissvel em nosso
sistema jurdico se e quando expressamente prevista e autorizada.
5.3 A DESCONSTITUCIONALIZAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS fenmeno ainda no inteiramente absorvido pela doutrina, contestado mesmo por uma grande
parte dos doutrinadores, segundo o qual algumas normas da Constituio anterior
permaneceriam vigentes sob a forma de lei ordinria. Ocorre quando a nova ordem
constitucional se queda silente sobre algumas normas constantes da Constituio anterior,
deixando de revog-la, tcita ou expressamente, permitindo, assim, que continue a viger como
lei infraconstitucional.
Os que no admitem esse fenmeno da desconstitucionalizao alegam, com razo ao
nosso sentir, que o efeito mais forte e visvel de uma nova Constituio , exatamente, o de
revogar a anterior, o que ocorre de forma integral, plena. Assim, todas as normas
constitucionais da Constituio anterior so revogadas plenamente pelo novel ordem
constitucional, no podendo ser absorvidas de nenhuma forma.
VOLTAR
31
6 O PREMBULO CONSTITUCIONAL
A sua utilidade consiste em esclarecer o sentido ideolgico da Constituio escrita
que se examina, traduzindo-se, assim, em autntico subsdio hermenutica constitucional,
pois, traz em si, de forma sinttica, os anseios e aspiraes do legislador constituinte.
Julian Barraquero27
, constitucionalista argentino, diz que o prembulo
constitucional uma espcie de resumo da Constituio, em que se consignam de uma maneira geral
os princpios que lhe servem de norma. a melhor chave para interpretar uma
constituio porque explica os motivos e fins que teve em vista ao formul-la.
Entre ns, Luiz Pinto Ferreira considera o prembulo constitucional como parte
integrante da Constituio, porque, segundo ele, revelaria a verdadeira inteno do legislador 28.
O professor e doutrinador Paulino Jacques tem entendimento diferente ao acima
esposado, pois considera o prembulo constitucional um mero princpio constitucional, e no
como norma jurdica, pois, segundo o Mestre, ningum poder ingressar em juzo com ao fundada, nica e exclusivamente, no prembulo, que no contm normas jurdicas, mas
princpios que no autorizam a ao judiciaI. VOLTAR
O PREMBULO DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988
O prembulo da nossa Constituio Federal de 1988 revela o anseio do legislador
constituinte brasileiro na construo de valores democrticos e pluralistas do liberalismo
poltico e a vontade de que o Estado venha promover o bem-estar geral, numa perspectiva que seria mais propriamente a do intervencionismo estatal de natureza social-democrtica 29.
Assim que o prembulo da nossa Constituio Federal revela e consagra os
princpios do Estado Democrtico de Direito dentro de uma viso de governo representativo,
da consagrao dos direitos individuais, e dos mecanismos jurdicos de aumento dos direitos e
garantias sociais:
Prembulo
Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias,
promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte Constituio da Repblica
Federativa do Brasil.
Registre-se que a Constituio no pode ser interpretada ou aplicada de forma
contrria ao seu esprito, de forma contrria ao texto expresso no seu prembulo.
VOLTAR
27
Espiritu y pratica de la constitucin argentina, p. 53. 28
ZIMMERMANN, 2002, p. 71 29
ZIMMERMANN, 2002, p.154.
32
7 A EVOLUO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
A Constituio de 1824
Com a Proclamao da Independncia do Brasil, em 7 de setembro de 1822,
surgiu a necessidade da estruturao de um poder centralizador para o Imprio que emergia,
de modo a manter a unidade nacional.
Na discusso de idias acerca da melhor forma poltica para a nova Nao, dois
grupos polticos se destacaram com idias e propostas diametralmente opostas. Esses grupos,
que antes marcharam unidos na luta pela independncia do Brasil, divergiam quanto aos
destinos do Pas. O grupo encabeado por Jos Bonifcio de Andrada e Silva, de tendncia
mais conservadora, propunha um governo forte, centralizador no seu aspecto administrativo,
onde o monarca era o Chefe de Estado e, ao mesmo tempo, Chefe de Governo, enquanto o
grupo mais liberal, encabeado por Gonalves Ledo, defendia a monarquia constitucional
representativa, onde o Parlamento seria o poder mais forte e importante, e propunha, ainda, a
liberdade de expresso, de iniciativa, a descentralizao administrativa e a ampla autonomia
das provncias.
Vencendo a disputa, Bonifcio inicia uma perseguio a Gonalves Ledo e
maonaria por ele liderada. Ledo foi obrigado a refugiar-se em Buenos Aires.
Em meio a essa crise acontece a coroao de D. Pedro I, aclamado como o
Imperador e Defensor Perptuo do Brasil, ainda em 1822.
Dom Pedro I chegou a convocar uma Assemblia Constituinte para discutir a
primeira Constituio do Brasil, onde a proposta federativa foi discutida exausto, mas,
considerando que os constituintes de 1823 estavam criando uma Constituio que no era do
seu agrado, restringindo os seus poderes e deixando de propor a criao do Poder Moderador,
como queria, o monarca determinou a dissoluo, fora, da Assemblia Constituinte,
passando para a histria como o primeiro e nico dos mandatrios brasileiros a cometer tal ato
de fora.
Assim, em 1824, no ano seguinte, portanto, o Imperador outorgou uma
Constituio para o Pas, criando mecanismos polticos-institucionais que representaram o
triunfo da centralizao proposta por Jos Bonifcio sobre o anseio federativo de Ledo.
Essa Constituio Imperial de 1824 teve forte influncia da Constituio da
Frana de 1814, e iniciou o hbito de se fazer Constituies analticas.
A Constituio outorgada de 1824, consagrando o unitarismo, dividiu o Pas em
vinte provncias inteiramente subordinadas ao poder central, e dirigidas por Presidentes
escolhidos e nomeados pelo Imperador, demissveis ad nutum. Criou, ademais, os chamados
Conselhos Gerais das Provncias, embrio do que viria ser mais tarde o Poder Legislativo, s
que com pouqussimas atribuies.
Por essa Constituio todo o aparelho poltico estava voltado para o Poder
Moderador, controlado unicamente pelo Imperador. Assim, Dom Pedro I no somente
reinava, mas tambm governava, e acumulava os Poderes Executivo e Moderador, o que veio
a trazer, como esperado, a concentrao excessiva de poder pelo Monarca.
No segundo reinado, j com o Imperador Dom Pedro II, o Brasil viveu a sua
primeira experincia parlamentarista, de origem costumeira, uma vez que no estava prevista
na Constituio Imperial.
Dom Pedro II, ao contrrio de seu pai, jamais usou o Poder Moderador de forma
abusiva. Com o golpe militar de 15 de novembro de 1889, comandado por Deodoro da
Fonseca, Ministro da Guerra de Pedro II, surge a Repblica Federativa do Brasil.
VOLTAR
33
A Primeira Repblica e a Constituio de 1891 A Repblica foi instaurada no Pas muito mais pela necessidade da implantao
do federalismo do que por oposio forma monrquica do governo de Pedro II, mesmo
porque este era respeitado pela sua inteligncia, pela sua moderao e pela sua honestidade.
Dom Pedro II morreu pobre, conquanto tenha governado o Pas por mais de cinqenta (50)
anos.
E a prova desta assertiva est no Decreto Republicano de 15/11/1889, elaborado
por Rui Barbosa, que logo no seu primeiro artigo assim dispunha: Art. 1o As Provncias do Brasil, reunidas pelo lao da federao, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.
E no seu artigo 2 dispunha que As antigas Provncias sero consideradas Estados.
A nossa Federao teve como modelo a Constituio americana de 1787,
caracterizando-se por ser um federalismo dualista e estabelecendo a igualdade jurdica entre
todos os novos Estados-membros.
Para Rui Barbosa, a adoo do modelo federativo americano se impunha para dar
feio liberal nova Constituio Republicana. Segundo esse ilustre jurista baiano fora dela s teramos a democracia helvtica, intransplantvel para estados vastos, e os ensaios
efmeros da Frana, tipo infeliz, alm do oposto s condies de um pas naturalmente
federativo como o nosso.30 Atravs do Decreto n 78-B, de 21/12/1889, o Governo Provisrio convocou uma
Assemblia Constituinte para ser instalada no dia 15/11/1890.
Este mesmo Governo Provisrio, antes mesmo de convocar uma Assemblia
Constituinte, j havia nomeado, atravs do Decreto n 29, uma Comisso formada de cinco
membros para elaborar um anteprojeto para servir de base aos debates da referida Assemblia,
sendo, pois, o seu ponto de partida. Aps receber o anteprojeto da Comisso dos cinco, o Governo Provisrio decidiu que Rui Barbosa deveria retoc-lo antes de ser apreciado pela
Assemblia Constituinte.
Em 15 de novembro de 1890 comearam as sesses da Assemblia Constituinte, e
em 22/11/1890 procedeu-se escolha de uma comisso de 21 deputados e senadores, um de
cada Estado e um do Distrito Federal, para que emitissem parecer sobre o Projeto do Governo
Provisrio, devidamente retocado por Rui.
O parecer dessa Comisso foi apresentado em 10/12/1890, e os debates duraram
at 23/02/1891, sendo no dia imediatamente seguinte, vale dizer, 24/02/1891, promulgada a
Constituio Republicana, de cunho liberal e sinttica, com 91 artigos e 8 disposies
transitrias.
A primeira Constituio Republicana brasileira foi promulgada em 1891, e
representou uma ruptura com a antiga ordem poltica imperial, porque, confirmando o
federalismo dual, concedeu autonomia aos estados, s antigas provncias, consagrou a
tripartio dos poderes proposta por Montesquieu, desconheceu privilgios, separou o Estado
da Igreja, garantiu o direito de propriedade, e muitos direitos e garantias fundamentais, dentre
os quais o habeas corpus, a livre manifestao de pensamento, a inviolabilidade do domiclio,
a liberdade de associao, etc.
Segundo o historiador Jos Maria Bello, na sua obra Histria da Repblica,
Com a Constituinte de 1891, realizava o Brasil, enfim, os seus sonhos republicanos e
federalistas. O projeto apresentado pelo Governo modelava-se pela Constituio dos
Estados Unidos. Vivas eram as influncias argentinas, e muito mais atenuadas as da
Confederao sua. Em vez dos doutrinadores franceses e ingleses de outrora, os
publicistas norte-americanos. Como os homens de 1824, os de 1891 acreditavam
30
BARBOSA, Rui. Cartas da Inglaterra. So Paulo: Saraiva, 1929, p. 167.
34
religiosamente nas frmulas do liberalismo poltico. Embutia-se o Brasil no molde
norte-americano, como, outrora, o tinham enquadrado no constitucionalismo
francs. Da extrema centralizao para o mais largo federalismo, eis o salto que ele
ia dar.31
De se lamentar que a 1
a Constituio Republicana brasileira, de feio nitidamente
liberal e democrtica, tenha sido to desrespeitada pelos presidentes da poca, a comear por
Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, respectivamente, primeiro e segundo presidentes do
Brasil. O primeiro inaugurou a dissoluo do Congresso Nacional, e decretou estado de stio. O segundo, igualmente militar, tambm desrespeitou a Constituio, uma vez que, na
condio de vice-presidente de Deodoro, e com a sua morte, deveria ter convocado eleies
presidenciais, como determinava a Constituio, mas, em vez disso, optou por assumir, ao arrepio da Lei, o cargo de Presidente at o fim do que seria o mandato de Deodoro.
Os demais presidentes que se lhe seguiram Prudente de Moraes (15/11/1894 a 15/11/1898), Campos Salles (15/11/1898 a 15/11/1902), Rodrigues Alves (15/11/1902 a
15/11/1906), Affonso Penna (15/11/1906 a 15/11/1910), Hermes da Fonseca (15/11/1910 a
15/11/1914), Wenceslau Braz (15/11/1914 a 15/11/1918), Delfim Moreira (15/11/1918 a
28/07/1919), Epitcio Pessoa (28/07/1919 a 15/11/1922), Arthur Bernardes (15/11/1922 a
15/11/1926) e Washington Lus (15/11/1926 a 24/10/1930) tambm agiram de forma ditatorial, uns mais, outros menos.
Para Augusto Zimmermman32
o domnio presidencial, em no raros momentos, transformava o chefe do Executivo
em um ditador de fato. Os polticos de Minas Gerais e So Paulo, aliando-se para a
finalidade de elegerem os seus candidatos presidncia da repblica, assumiram
rapidamente a liderana do Pas, submetendo a nao vontade destas oligarquias
regionais.
Assim, aos poucos, os ideais e a eficcia jurdica da Carta Constitucional de 1891
foi ruindo, e o federalismo, na prtica, ficou desmoralizado.
Em 1926 foi efetuada uma reforma constitucional, de modo a tentar amenizar as
inmeras contestaes sociais que assolavam o Pas, mas sem xito, mesmo porque algumas
das reformas introduzidas tinham contedo claramente autoritrio e centralizador, pois que
restringia a competncia da justia federal e limitava a garantia do habeas corpus to somente
aos casos de priso ou de ameaa de constrangimento ilegal liberdade de locomoo, dentre
outras limitaes.
A revoluo de 1930 colocou fim assim chamada Repblica Velha, e, com ela, a Constituio de 1891.
VOLTAR
A Revoluo de 1930 e a Constituio de 1934
Quando, em 1930, o Presidente Washington Lus escolheu mais um paulista, Jlio
Prestes, para suced-lo, a oligarquia mineira se rebelou entendendo ter sido desrespeitada a
chamada poltica do caf com leite, resultante do constante rodzio de presidentes paulistas o caf , e mineiros o leite , juntando-se aos fluminenses, gachos e a polticos de outros estados do Nordeste, formando a famosa Aliana Liberal em torno da candidatura de Getlio
Vargas, gacho, ex-Ministro da Fazenda de Washington Lus.
31
BELLO, Jos Maria. Histria da Repblica. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1954, p. 83. 32
ZIMMERMANN, 2002, p. 168.
35
Com a derrota da Aliana Liberal e com a continuao da desordem no Pas
agravada pela grave situao econmica, jovens tenentes e jovens dissidentes da oligarquia
dominante partiram para a luta armada, e, em 3 de novembro de 1930, Getlio Vargas e os
seus jovens tenentes marcharam sobre o Rio de Janeiro, assumindo o poder uma Junta
Pacificadora, que ento j havia derrubado o Presidente Washington Lus.
Atravs de um Decreto, editado em 11/11/1930, Getlio Vargas passou a exercer
os poderes Executivo e Legislativo, dissolvendo o Congresso Nacional, as Assemblias
Legislativas Estaduais e as Cmaras Municipais, acabando de vez com os ltimos resqucios
da incipiente democracia brasileira. Todos os governadores de estado foram afastados e
substitudos por interventores federais, recrutados, na sua maioria, dentre os tenentes que
apoiaram o Golpe de Estado, e que obedeciam cegamente as ordens de Getlio Vargas.
Depois de mais de um ano e meio da revoluo, estando o Brasil administrado
ainda sob mtodos arbitrrios e antidemocrticos, comearam a surgir focos de resistncia e
rebeldia a partir de So Paulo, em favor da sua redemocratizao. Surge da a Revoluo
Constitucionalista, de pequena e efmera existncia, sufocada que foi pelas tropas leais ao
Governo.
Mesmo tendo sido um fiasco do ponto de vista militar, a Revoluo
Constitucionalista foi um sucesso do ponto de vista poltico, pois forou Getlio a consentir
na elaborao de uma nova Constituio para o Pas, em 1933, e que marcaria o retorno do
Brasil normalidade democrtica.
A nova Constituio, a segunda Constituio da Repblica, promulgada em
16/07/1934, era analtica, contendo mais do dobro das disposies presentes na de 1891. Foi
ela fortemente influenciada pela Constituio de Weimar, alem, e pelo fascismo, conquanto
trouxesse, poca, um grande avano do Pas para o chamado Estado Social.
Por esta Constituio foi introduzido no Brasil o voto para as mulheres, a
obrigatoriedade e gratuidade do ensino primrio, a criao do mandado de segurana, a
instituio do salrio-mnimo, a criao da Justia do Trabalho, as frias anuais remuneradas,
dentre outras.
Noutra linha, a Constituio de 1934 autorizou a Unio a monopolizar as riquezas
do subsolo o petrleo, o ouro , das guas e da energia hidrulica, e na economia visava a monopolizar, de forma progressiva, os Bancos de depsito, amparar e estimular a produo e
estabelecer novas condies de trabalho. Concedeu, ainda, autonomia aos Municpios como
instrumento de descentralizao e democratizao do Estado.
O mestre Paulo Bonavides, a respeito desta nova Constituio, assim se
pronunciou:
A Carta de 1934 uma colcha de retalhos, em que pese seu brilhantismo jurdico e
sua lio histrica. Princpios antagnicos (formulados antagonicamente, inclusive)
so postos de lado. Eles marcam duas tendncias claramente definidas, dois projetos
polticos diversos. Um deles haveria de prevalecer. O que efetivamente aconteceu:
sobreveio a ditadura getulista a partir de 1937. O texto de 1934 est marcado de
indecises e ambigidades. No possvel delinear a partir dele um projeto poltico
hegemnico para o pas. Essa hegemonia ento questo de vida ou morte. Se ela no
pode ser resolvida no plenrio, teve de s-lo com a ajuda das articulaes de
bastidores e das falsificaes histricas para no dizer com a fora das armas. A
Constituio de 1937 o registro definitivo da derrocada da tendncia liberal.33
Getlio Vargas, conquanto tivesse reduzido gravemente os direitos individuais
dos cidados, do ponto de vista poltico, como um presidente-ditador legou inmeras
33
BONAVIDES, Paulo. Poltica e Constituio: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p.
320-321.
36
conquistas sociais para os trabalhadores, ainda que de forma ditatorial, reforando, assim, o seu desprezo pela democracia e, ao mesmo tempo, a imagem paternalista e personificadora do
Poder Estatal.
Assim, a outorga dos direitos sociais, que no foram introduzidos graas luta
poltica, mas por obra e vontade do ditador, acabou por gerar o saudosismo popular para com
as ditaduras; fenmeno reforado com o regime militar.34
VOLTAR
O Estado Novo e a Constituio de 1937
Em 10/11/1937, o Presidente Getlio Vargas, dando um autogolpe, outorgou uma
nova Constituio ao Pas, de feio nitidamente ditatorial, inteiramente redigida pelo ex-
Deputado Federal por Minas Gerais Francisco Campos.
Essa Constituio de 1937 ficou conhecida como Carta Polaca, em virtude da
grande semelhana que guardava com a fascista Constituio da Polnia, de 1935, outorgada
pelo Marechal Pilsudsky.
O presidente/ditador interveio nos estados-membros afastando todos os
governadores e designando, em seus lugares, interventores nomeados, escolhidos, na sua
maioria, entre os tenentes do exrcito que o ajudaram a derrotar a Aliana Liberal, em 1930, e
que apoiaram o seu autogolpe.
A Constituio outorgada de 1937, a Polaca, carecia de vrios dispositivos de garantia dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o mandado de segurana e o direito
de manifestao de pensamento. E, pior, foi instituda a pena de morte para crimes polticos e
homicdios considerados mais graves.
Como se isso no bastasse, foi suprimido o nome de Deus do prembulo; conferiu
amplos poderes ao Presidente da Repblica; ampliou o prazo do mandato presidencial, criou o
estado de emergncia para a restrio temporria das garantias individuais; estabeleceu o
plebiscito para aprovao da Constituio outorgada (que acabaria no sendo realizado);
dissolveu o Congresso Nacional e as Assemblias estaduais; restringiu as prerrogativas do
novo Congresso a ser instalado (e que nunca o foi), e a autonomia do Poder Judicirio; mudou
o nome do Senado para Conselho Federal; eliminou a autonomia dos Estados-Membros.
Segundo Pinto Ferreira, a Constituio Federal de 1937 nunca foi
verdadeiramente cumprida. Para ele,
dissolvidos os rgos do Poder Legislativo, tanto da Unio como dos Estados-
Membros, dominou a vontade desptica do presidente, transformado em caudilho,
maneira do caudilhismo dominante nas Repblicas latino-americanas. Os Estados-
Membros viveram sob o regime da interveno federal, os interventores sendo na
verdade delegados do presidente. As liberdades de imprensa e de opinio foram
amordaadas e tambm dissolvidos os partidos polticos.35
VOLTAR
A democracia e a Constituio de 1946
A derrota da aliana nazi-fascista, envolvendo a Alemanha e a Itlia, na Segunda
Guerra, que inicialmente era simptica ao ento ditador brasileiro fez com que crescessem as
presses internas para a reconquista das liberdades democrticas, criando um clima
verdadeiramente hostil ao presidente/ditador Getlio Vargas.
34
ZIMMERMMAN, 2002, p. 173-174. 35
PINTO FERREIRA. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1996. p. 57.
37
Submetido presso de juristas, intelectuais e de parcela da populao, Getlio
v-se obrigado a fazer emendas Constituio outorgada em 1937, abrindo, ainda que
timidamente, o regime.
Assim que editou a Lei Constitucional n 9, em fevereiro de 1945, contendo
vrias emendas Constituio, sendo a mais importante delas a que fixava eleies diretas
para o ms de dezembro do mesmo ano. Demais disso, em abril de 1945 concedeu liberdade
aos presos polticos, dentre eles Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperana, presidente do
proscrito Partido Comunista Brasileiro PCB , que, em uma jogada poltica uniu-se ao seu algoz, durante a campanha eleitoral, em um movimento denominado queremista que tinha por
objetivo manter o Presidente Vargas no poder.
Em 29 de outubro de 1945, antes mesmo das eleies, e quatro dias aps a
nomeao do seu irmo Benjamim Vargas para chefe de polcia do Rio de Janeiro, ento
Distrito Federal, Getlio Vargas era deposto pelos militares, chefiados pelos Generais Eurico
Gaspar Dutra e Ges Monteiro, assumindo provisoriamente o governo o Presidente do
Supremo Tribunal Federal, Ministro Jos Linhares.
A queda de Vargas levou ao incio da elaborao de uma nova Constituio,
democrtica, em lugar da outorgada, com vezo autoritrio.
Em 12 de novembro de 1945, atravs da Lei Constitucional n 13, foram dados
poderes constitucionais ao Parlamento que seria, como o foi, eleito em 2 de dezembro de
1945, para a elaborao de uma nova Constituio. Dois meses depois, em fevereiro de 1946,
os constituintes iniciaram os trabalhos de elaborao da nova Constituio que somente
ficaria pronta em setembro de 1946, cerca de sete meses depois.
Essa nova Constituio procurou conciliar os princpios de liberdade e justia
social, garantindo os direitos dos trabalhadores conquistados durante o estado Novo, e
coibindo abusos do poder econmico.
A Constituio promulgada de 1946 foi, na opinio de vrios juristas, dentre eles
Celso Ribeiro Bastos,
a mais municipalista que tivemos. Foram muitos os constituintes que se bateram
pela causa. Lembremos aqui, exemplificativamente, de Ataliba Nogueira, grande
combatedor do ideal municipalista. Procurou-se, enfim, dar uma competncia certa e
irrestringvel ao Municpio centrada na idia da autonomia em torno de seu peculiar
interesse.36
A nova Constituio restabeleceu o princpio da separao e harmonia dos
poderes, o cargo de Vice-Presidente da Repblica, integrou a Justia do Trabalho no mbito
do Poder Judicirio, proibiu a organizao, registro ou funcionamento de qualquer partido
poltico ou associao cujo programa de ao contrariasse o regime democrtico, como por
exemplo, o Partido Comunista Brasileiro PCB , reconheceu o direito de greve, dentre outros.
Essa Constituio de 1946 sofreu apenas trs emendas, e levou a Nao a viver de
forma democrtica, inclusive com a eleio do antigo ditador Getlio Vargas para o
quadrinio 1951/1955 com 3.849.040 (trs milhes oitocentos e quarenta e nove mil e
quarenta) votos, tendo como seu vive o Doutor Caf Filho. Em 24/08/1954 Getlio comete
suicdio assumindo o seu vice at 08/11/1955, quando se afastou por problemas de sade. O
Presidente da Cmara, Carlos Luz, ocupou a Presidncia por trs dias (08 a 11/11/1954)
quando foi afastado por um dispositivo militar e impedido de assumir o cargo por
determinao do Congresso Nacional (motivo: o Sr. Carlos Luz no queria dar posse ao
Presidente eleito naquele ano Juscelino Kubitschek). Em seu lugar assumiu o Vice Presidente
36
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 56.
38
do Senado Nereu Ramos que empossou o Presidente eleito em 31/01/1956 e que cumpriu
mandato at 31/01/1961. Jnio da Silva Quadros, Presidente eleito em 15/11/1960, assumiu
em 31/01/1961 governando at 25/08/1961, quando, tentando aplicar um autogolpe, renunciou
Presidncia, e levou o Pas a uma crise institucional que culminou com a implantao do
regime parlamentarista.
As Foras Armadas e setores conservadores da Repblica no queriam que o
Vice-Presidente Joo Goulart assumisse a Presidncia, ao argumento de que ele era
esquerdista e discpulo de Getlio Vargas, criando, assim, uma grave crise institucional.
O vice-presidente, quando da renncia de Jnio Quadros, encontrava-se em
viagem diplomtica China, e os militares tentaram impedir o seu retorno ao Pas para
assumir a Presidncia. Contra essa tentativa de golpe de estado levantou-se a populao,
estimulada pela cadeia da legalidade, criada pelo governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, que defendia a posse do Presidente e a normalidade democrtica.
Para resolver esse impasse, editou-se a Emenda Constitucional n 4, de 2 de
setembro de 1961, instituindo o regime parlamentarista, sendo escolhido como Primeiro-
Ministro o ento deputado federal por Minas Gerais, Tancredo Neves.
O parlamentarismo foi, assim, a sada encontrada e aceita pelas partes para que o
Presidente Joo Goulart pudesse assumir o poder central.
Assumindo o governo, Jango apelido de Joo Goulart , com excepcional maestria, conseguiu convocar um plebiscito logo para o ano imediatamente seguinte para que o povo decidisse soberanamente sobre o regime de governo, se parlamentarista ou
presidencialista, vencendo este ltimo, que culminou com a edio da Emenda Constitucional
n 6, de 23 de janeiro de 1963, trazendo de volta o velho presidencialismo.
Em 31 de maro de 1964, os militares insatisfeitos com o governo nacionalista de
Jango que, dentre outras coisas, nacionalizou a explorao do petrleo e estatizou instituies financeiras coadjuvados pela velha oligarquia poltica de Minas Gerais e So Paulo, alm de polticos oportunistas, deram um golpe de estado e afastaram o Presidente
Joo Goulart.
Os militares, no dia 1o de abril, vale dizer, no dia seguinte ao golpe, assumiram o
poder e impuseram o Ato Institucional n 1, institucionalizando o Regime Militar de forma a
ordenar os plenos poderes constituintes que passaram a possuir, e fortalecendo o Poder
Executivo centralizando a administrao. Era a primeira de uma srie de medidas arbitrrias.
Para dar foros de legalidade situao, de forma subserviente e covarde, o ento
Presidente do Senado Federal Auro de Moura Andrade, mesmo sabedor que Jango
encontrava-se em territrio brasileiro, mais precisamente no Rio Grande do Sul, de onde
pretendia reagir ao golpe, no dia 2 de abril de 1964, declarou a vacncia do cargo, ao
argumento de que o Presidente teria deixado espontaneamente o Pas.
Deu-se incio, a partir de ento, a mais uma ditadura, com a supresso das
liberdades, j agora sob o jugo dos militares.
VOLTAR
O Regime Militar e a Constituio de 1967; a Emenda
Constitucional de 1969
O regime militar, atravs da Constituio outorgada de 1967, e da Emenda
Constitucional n 1, de 1967, na prtica uma nova Constituio, governou por mais de vinte e
cinco anos, concentrando de forma excessiva os poderes, transformando os governadores de
estado e os prefeitos em verdadeiros fantoches, manipulados pelo Poder Central.
39
Os militares golpistas reduziram as liberdades individuais e coletivas,
suspenderam direitos e garantias constitucionais, e passaram a governar atravs dos
execrveis Decretos-lei, usurpando a competncia do Poder Legislativo.
Em 13 de dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional n 5, o
famigerado AI-5, que concedeu uma gama extraordinria de poderes ao Presidente da
Repblica, inclusive os de decretar o fechamento do Congresso Nacional, das Assemblias
Legislativas e das Cmaras Municipais, cassar os mandatos dos parlamentares e suspender os
direitos polticos de qualquer pessoa por dez anos.
Com essa medida, o Poder Executivo usurpava, de uma vez por todas, os poderes
do Legislativo.
Alm disso, esse AI-5 suspendia, tambm, as garantias da magistratura, como a
vitaliciedade e a inamovibilidade, assim como as garantias do funcionalismo em geral, tal
como a estabilidade, e, usurpando poderes do Judicirio, suspendeu o instituto do habeas
corpus nos casos de crimes polticos contra a segurana nacional, a economia popular e ordem econmica, alm de subtrair do Judicirio a competncia para apreciar qualquer ato praticado com fundamento nele, AI-5.
No perodo do governo do General Ernesto Geisel, penltimo dos governos
militares, foram baixados os assim chamados pacotes de abril/1977 e julho/1978. No primeiro pacote de medidas foram editadas, pelo Executivo, catorze
emendas Constituio e seis decretos-lei, trazendo as seguintes medidas: diminuio do
quorum para emenda constitucional (de 2/3 para maioria absoluta de cada uma das casas
legislativas); criao dos chamados senadores binicos, escolhidos indiretamente pelas Assemblias Legislativas estaduais (tinha o objetivo de dar maioria ao Governo no Senado);
prorrogao do mandato de Geisel de 4 anos para 6 anos, dentre outros.
J no segundo pacote, o de julho/1978, revogaram o AI-5 e a suspenso dos direitos polticos, e reduziram-se alguns dos poderes do Presidente/ditador, como por
exemplo, o de decretar o recesso legislativo.
J no governo do General Joo Batista de Oliveira Figueiredo, o ltimo do ciclo
militar, a populao foi s ruas para exigir a redemocratizao do Pas, com os clebres e
concorridos comcios pelas Diretas j, que somente aconteceria anos depois. O Congresso elegeu, de forma indireta, como ltimo presidente daquele triste
perodo, o Dr. Tancredo Neves, tendo como seu vice o Sr. Jos Sarney, poltico governista,
filiado ao partido oficial, mas, que na ltima hora, vislumbrando a derrocada do regime,
bandeou-se para a oposio, derrotando, na oportunidade, a chapa governista integrada por
Paulo Maluf e Nelson Marquezan.
O Presidente Tancredo Neves no chegou a ser diplomado em razo da sua morte,
tendo assumido a Presidncia o Sr. Jos Sarney, que, cumprindo os compromissos de Neves,
convocou uma Assemblia Nacional Constituinte.
VOLTAR
A Constituio promulgada de 1988
A nova Constituio brasileira teve como fonte de inspirao a Constituio
portuguesa de 1976, fortemente influenciada pelo Mestre constitucionalista J. J. Gomes
Canotilho.
O novo texto constitucional proclamou os direitos individuais e sociais; fortaleceu
o Poder Legislativo, conquanto tenha permitido a chamada medida provisria ato normativo com fora de lei , instituto que veio a substituir os famigerados Decretos-lei, o que vem permitindo aos sucessivos governos a usurpao de competncia do poder de legislar;
aprimorou o sistema democrtico atravs do incremento da democracia semidireta (o
40
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular); alm de trazer inegveis e incontveis avanos
no reconhecimento dos direitos e garantias individuais e coletivos.
Para os seus crticos, as superposies e o detalhismo minucioso, prolixo e
casustico, so imprprios para um documento desta natureza.37
Acrescenta, ainda, o autor acima citado, que o assdio dos lobbies, dos grupos de
presso de toda ordem, geraram um texto com inmeras esquizofrenias ideolgicas e
demasiadamente corporativo. Avalia, contudo, que as crticas Constituio, segundo ele
cabveis e necessrias, no empanam o seu carter democrtico, mas apenas realam a
fisionomia ainda imatura de um Pas fragilizado pelas sucessivas rupturas institucionais e pela
perversidade de suas relaes sociais.
Entendemos, diferentemente do mestre Lus Roberto Barroso, que, naquele
momento, saindo o Pas de uma longa ditadura que durou mais de vinte anos na qual morreram milhares de brasileiros, afora outros tantos que foram torturados e exilados e ainda chocada com a morte do Presidente Tancredo Neves, depositrio das grandes
esperanas e aspiraes do povo brasileiro, a Assemblia Nacional Constituinte produziu a
melhor Constituio que, na circunstncia, poderia produzir, com avanos sociais
extraordinrios, alm da consagrao de direitos e garantias fundamentais, que ser objeto de
nosso estudo mais adiante.
VOLTAR
37
BARROSO, Lus Roberto. O direito constitucional e a eficcia de suas normas limites e possibilidades da constituio brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 42.
41
8 O PODER CONSTITUINTE
a manifestao soberana da suprema vontade poltica de um povo, social e
juridicamente organizado.38
O Poder Constituinte tem por objetivo a elaborao de normas jurdicas de
contedo constitucional.
Da dizer-se que a compreenso de um Poder Constituinte contempornea idia de Constituio escrita.
39
Para Reis Friede,
fato inconteste que foi somente a partir da Constituio entendida em seu sentido
formal que a afirmao pela existncia de uma norma fundamental e, por efeito, de
um Poder Constituinte como genuna fonte do Texto Constitucional passou a ser compreendida [...] em sua exata dimenso, tornando explcita [...] uma autntica
teoria sobre a prpria origem das Constituies.40
O Poder Constituinte somente aparece em ocasies excepcionais, quando inexiste
uma Constituio, ou, no dizer de Celso Ribeiro Bastos,
a imprestabilidade das normas constitucionais vigentes para manter a situao sob a
sua regulao fazem eclodir ou emergir este Poder Constituinte, que, do estado da
virtualidade ou latncia, passa a um momento de operacionalizao do qual surgiro
as novas normas constitucionais.41
O criador da teoria do Poder Constituinte foi o abade francs Emmanuel Joseph
Siys, que, j nos idos de 1788, postulava a soberania constitucional da Nao,
compreendida como um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados
pela mesma legislatura. Para ele, a vontade nacional deveria ser nica e indivisvel, de modo a
se evitar qualquer forma de privilgio, sendo manifestada pelo resultado das vontades
individuais, atravs da representao poltica exercida por especialistas da coisa pblica
dotados de mandato imperativo.
Siys considerava o Poder Constituinte como inalienvel e permanente, e que se
configurava como um poder de direito incondicionado, que no era possvel de limitao por
qualquer outro direito positivo, mas to-somente pelo direito natural, aqui considerado como
anterior nao e, neste sentido, acima de sua vontade.
Para ele, apenas a nao que poderia modificar a Constituio, mantendo-se os
poderes constitudos limitados e condicionados.42
Conquanto Siys tenha entrado para a histria como o criador da teoria do Poder
Constituinte, quem, em verdade, primeiramente desenvolveu a formulao terica acerca do
Poder Constituinte foi o americano Alexander Hamilton.
Hamilton, j em 1787, afirmava, no seu artigo O Federalista, n.78, a superioridade da Constituio sobre qualquer outra norma jurdica, advertindo aos Tribunais
de Justia sobre o seu dever de declarar nulos todos os atos manifestamente contrrios aos
termos da Constituio. Trata-se, aqui, de nti