Manual of Scales Arpeggios

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Music Theory Practice

Citation preview

  • i

    Trabalho de Projeto apresentado para cumprimento dos requisitos necessrios

    obteno do grau de Mestre em Artes Musicais, realizada sob a orientao cientfica da

    Professora Doutora Isabel Pires

    Apoio financeiro do Instituto Portugus dos Museus e Conservao.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Quero aqui deixar o meu agradecimento a todos os que, de algum modo,

    contriburam para a realizao deste trabalho, em particular:

    Professora Doutora Isabel Pires pela disponibilidade e apoio na orientao do

    trabalho

    arquiteta Helena Barranha e Direo do IMC, pelo apoio na realizao do

    estgio em Paris

    Ao Vincent Fromont e sua equipa do servio de restauro do INA, pela simpatia

    com que me receberam em Bry e em Paris

    Ao Doutor Eduardo Leite, pela sua disponibilidade e colaborao na realizao

    este trabalho

    Ana, por tudo

  • iii

    PRESERVAR O FUTURO

    A SALVAGUARDA E O RESTAURO DE ARQUIVOS SONOROS EM

    FRANA E PORTUGAL

    Trs exemplos de Intervenes de Restauro sobre Teatro Radiofnico

    Portugus

    ANTNIO JOS MERC DOS REIS CHAPARREIRO

    Os documentos sonoros constituem parte do patrimnio cultural da humanidade.

    A preservao e acesso deste patrimnio permitem a reactualizao crtica dos

    contedos sonoros que configuram uma parte da memria de uma sociedade. A

    salvaguarda e restauro dos documentos sonoros constituem dois aspetos basilares do

    processo da preservao do patrimnio. Neste trabalho de projeto a presenta-se uma

    caracterizao dos procedimentos tcnicos do restauro em trs peas de teatro

    radiofnico portugus a partir de uma experincia no Institut National Audiovisuel

    (INA) em Paris. As intervenes de restauro que aqui se apresentam, representam um

    passo n sentido da revitalizao e valorizao de um patrimnio esquecido.

    PALAVRAS-CHAVE: Restauro, Documentos Sonoros, Teatro Radiofnico

    Portugus

  • iv

    NDICE

    INTRODUO .............................................................................................................. 1

    CAPTULO 1. Cesare Brandi e a Teoria do Restauro ............................................... 3

    1.1 Teoria del Restauro ....................................................................................................... 3

    1.2 O Conceito de Restauro segundo Cesare Brandi .......................................................... 4

    CAPTULO 2. O Restauro de Documentos Sonoros ................................................ 11

    2.1 Problemtica ................................................................................................................ 11

    2.2 O Documento Sonoro .................................................................................................. 12

    2.3 A Preservao e Restauro de Documentos Sonoros.................................................... 14

    2.3.1 A Digitalizao da Informao ......................................................................................... 17

    2.3.2 O Restauro do Documento Sonoro ................................................................................... 18

    2.4 A Teoria Brandiana e o Restauro de Documentos Sonoros ........................................ 20

    CAPTULO 3. Projeto ................................................................................................. 23

    3.1 Objetivo ....................................................................................................................... 23

    3.2 Mtodo ........................................................................................................................ 23

    3.2.1 Objeto ............................................................................................................................... 25

    3.2.2 Pressupostos ...................................................................................................................... 27

    3.2.3 Procedimentos ................................................................................................................... 27

    3.2.4 Material ............................................................................................................................. 29

    CAPTULO 4. Intervenes de Restauro ................................................................... 30

    4.1 Exemplo 1: O Sapo e a Doninha ................................................................................. 30

    4.1.1 Contedo dos Ficheiros .................................................................................................... 30

    4.1.2 Anlise dos ficheiros ......................................................................................................... 32

    4.1.3 Operaes de restauro ....................................................................................................... 35

    4.2 Exemplo 2: Amor Antiga .......................................................................................... 37

    4.2.1 Contedo dos ficheiros ..................................................................................................... 37

    4.2.2 Anlise dos ficheiros ......................................................................................................... 39

    4.2.3 Operaes de restauro ....................................................................................................... 43

    4.3 Exemplo 3: O Conde Baro ........................................................................................ 43

    4.3.1 Contedo dos ficheiros ..................................................................................................... 44

    4.3.2 Anlise dos ficheiros ......................................................................................................... 45

    4.3.3 Operaes de restauro ....................................................................................................... 48

    4.4 Discusso .................................................................................................................... 49

    CONCLUSO ............................................................................................................... 51

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 52

  • v

    LISTA DOS FICHEIROS NO ANEXO EM DVD .................................................... 56

    ANEXO 1 ....................................................................................................................... 58

    APNDICE 1 ................................................................................................................ 62

    APNDICE 2 ................................................................................................................ 63

    APNDICE 3 ................................................................................................................ 67

  • 1

    INTRODUO

    Os documentos sonoros constituem parte do patrimnio cultural da humanidade.

    Testemunhos das transformaes sociais, culturais, artsticas e tecnolgicas, registam a

    memria sonora do mundo desde o ltimo quartel do sculo XIX. Fontes de informao

    e conhecimento sobre a vida dos povos, so um importante contributo para a histria

    cultural do mundo.

    Parte deste patrimnio encontra-se atualmente em risco de desaparecimento

    devido obsolescncia dos formatos analgicos provocada pelo advento das tecnologias

    digitais, e ao tardio reconhecimento dos documentos sonoros enquanto patrimnio

    cultural da humanidade que se repercute por vezes ainda na indefinio de politicas

    adequadas para a preservao e valorizao deste patrimnio.

    A preservao do patrimnio sonoro, tal como ele concebido atualmente,

    envolve a conservao dos suportes fsicos originais, a migrao dos contedos sonoros

    para cpias digitais de salvaguarda, e o restauro digital dos contedos. A interveno de

    restauro surge neste mbito como estratgia de acesso a este patrimnio, pelo

    restabelecimento da comunicabilidade do documento, facilitando a sua divulgao e a

    reactualizao dos seus contedos.

    Seguindo esta concepo, o presente trabalho apresenta como objetivo a

    caracterizao dos procedimentos adequados para o restauro de documentos sonoros

    enquanto operao estratgica no mbito da preservao do patrimnio cultural no

    quadro de um Arquivo Nacional, como o Arquivo da Rdio Televiso Portuguesa.

    A coleo de Teatro Radiofnico do Arquivo da Rdio da RTP, no foi at hoje

    objeto de qualquer projeto de restauro. Considerando a importncia do teatro

    radiofnico enquanto forma de expresso artstica prpria da rdio e merecedora de uma

    maior divulgao, selecionou-se a coleo da srie de programas Noite de Teatro,

    como objeto do trabalho de restauro que aqui se apresenta.

    No sentido de enquadrar e fundamentar as propostas descritas neste trabalho, e

    tendo em conta as vrias concepes existentes sobre a preservao e restauro de

    documentos sonoros, considerou-se pertinente apresentar uma concepo geral do

    restauro com base nas formulaes tericas de Cesare Brandi.

  • 2

    Assim, o primeiro captulo inteiramente dedicado apresentao da Teoria do

    Restauro de Cesare Brandi, documento fundador do restauro moderno, e que orientar

    as intervenes de restauro realizadas neste trabalho.

    O segundo captulo focar-se- na especificidade do restauro de documentos

    sonoros, apresentando as principais distines nas suas formulaes tericas, e tambm

    em relao com as propostas de Brandi.

    No terceiro captulo apresenta-se a caracterizao do projeto, definindo os

    objetivos, procedimentos e objeto de trabalho.

    O quarto captulo descreve e fundamenta as operaes de restauro sobre trs

    peas de teatro radiofnico do Arquivo da Rdio da Rdio Televiso Portuguesa.

  • 3

    CAPTULO 1. Cesare Brandi e a Teoria do Restauro

    1.1 Teoria del Restauro

    Publicada em Roma em 1963, Teoria del Restauro1 rene um conjunto de textos

    escritos por Cesare Brandi ao longo dos anos em que dirigiu o Istituto Centrale per il

    Restauro2 (ICR) de Roma. Obra determinante para a Histria da Preservao do

    Patrimnio Cultural, ela consubstancia o pensamento de Cesare Brandi sobre o restauro

    e a obra de arte com base na sua atividade de Crtico e Historiador de Arte e na sua

    experincia no ICR como restaurador e pedagogo. Fruto da reflexo continuada de

    Brandi sobre o restauro e a obra de arte, Teoria del Restauro apresenta uma formulao

    terica do restauro articulada com a sua aplicao prtica que iria permitir o

    estabelecimento do restauro da obra de arte como disciplina cientfica dotada de uma

    slida fundamentao conceptual e metodolgica.

    A importncia de Teoria del Restauro, a par da atuao de Brandi no ICR,

    manifesta-se na elaborao de vrias cartas3 sobre o patrimnio como a Carta de

    Veneza de 19644 ou a Carta Italiana do Restauro de 1972, documentos fundamentais

    para a prtica e reflexo institucionais no mbito da Preservao do Patrimnio Cultural

    e adoptados pelas mais importantes organizaes internacionais do sector como o

    ICCROM ou o ICOMOS5.

    1 Cesare Brandi, Thorie de la Restauration (Paris: ditions Allia, 2011).

    2 O Istituto Centrale per il Restauro, atualmente Istituto Superiore per la Conservazione ed il Restauro, foi

    fundado em 1939 por Giulio Carlo Argan e Cesare Brandi, que o dirigiu at 1959. 3

    Documentos elaborados em assembleias por especialistas de uma determinada rea que estabelecem

    conceitos, normas, e procedimentos com vista a uma posterior ratificao e aplicao por parte das

    instncias com poder de regulamentar e legislar sobre a matria. 4 Beatriz M. Khl, Notas sobre a Carta de Veneza, Anais do Museu Paulista 18 2 (2010): 295,

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142010000200008&lng=en&tlng=pt

    (acedido em 26 de dezembro de 2011). 5 O ICCROM (International Centre For The Study of The Conservatiion and Restoration of Cultural

    Property), organizao intergovernamental com sede em Roma, foi criada pela Unesco em 1956, com

    importante contributo de Brandi. O ICOMOS (International Council on Monuments and Sites) foi

    criado em 1965 na sequncia do II Congresso Internacional de Arquitetos e de Tcnicos de

    Monumentos Histricos realizado em Veneza de 25 a 31 de Maio de 1964, onde foi elaborada a Carta

    de Veneza. Segundo Hassard h a acrescentar ainda, o ICOM (International Counsil of Museums), o

    ICON (Institute of Conservation), e a ECCO (European Confederation of Conservator-Restorers

    Organization), como organizaes que adoptaram a teoria brandiana - Hassard, Frank, Heritage. Hermeneutics and Hegemony. A Study of Ideological Division in the Field of Conservation

    Restoration (PhD Thesis, Brunel University, 2006), http://dspace.bucks.ac.uk/dspace/handle/10239/128 (acedido em 26 de dezembro de 2012).

  • 4

    Concebida principalmente a partir de um modelo de obra de arte centrado nas

    Artes Plsticas, a teoria brandiana foi sujeita a reavaliao crtica em consequncia da

    crescente complexificao do objecto artstico e da evoluo do conceito de Patrimnio

    Cultural. Embora algumas das propostas de Brandi tenham sido postas em causa, os

    fundamentos tericos, ticos e metodolgicos enunciados em Teoria del Restauro

    continuam atuais e permitiram o alargamento do seu campo de ao e reflexo a grande

    parte dos bens culturais e patrimoniais, como os documentos sonoros.

    1.2 O Conceito de Restauro segundo Cesare Brandi

    Na sua acepo mais abrangente, o termo restauro remete para uma interveno

    tcnica que visa restabelecer, na medida do possvel, uma funo ou uma integridade

    originais em produes humanas. Nesta concepo, direcionada para a reposio de um

    estado das coisas anterior a uma deteriorao, o restauro tanto se pode aplicar a

    produes de carcter utilitrio, artesanais ou industriais, como a obras de reconhecido

    valor patrimonial.

    O uso comum do termo, no entanto, acaba por se restringir quase

    exclusivamente a produes de carcter artstico ou patrimonial, associado a um quadro

    tcnico, acadmico e cientfico especfico. Esta concepo assume uma distino entre

    criao artstica e produo industrial, distino que fundamenta a disciplina, quer nos

    seus aspectos tcnicos quer tericos.

    Com efeito, se no caso de produes de carter industrial, ou artesanal, o

    restauro tem geralmente valor de reparao, ou seja, uma interveno que procura

    restabelecer a funcionalidade do produto e que se esgota nessa finalidade, no caso de

    uma obra de arte, ou de outra criao de valor patrimonial relevante, o restabelecimento

    da sua integridade implica, na medida do possvel, a restituio das suas condies de

    concepo e legibilidade originais6, ou seja, daquilo que a torna obra de arte. No

    apenas a obra de arte que restaurada materialmente, mas tambm a sua condio de

    obra de arte e o seu valor patrimonial. A distino que aqui se verifica provem, diz

    Brandi, da especificidade prpria da obra de arte no universo das produes humanas. E

    essa especificidade que, ao mesmo tempo que legitima, condiciona tambm a prpria

    interveno de restauro.

    6 Portaria n 875/93, Dirio da Repblica, I Srie-B, n 217, 15 de setembro de 1993, p. 5003.

  • 5

    Para Brandi, a obra de arte uma produo particular da atividade humana cuja

    especificidade, enquanto produto da espiritualidade humana, se deve a um

    reconhecimento ao nvel da conscincia individual dessa mesma especificidade.

    Reconhecer uma obra de arte no s reconhecer a singularidade da obra em si, mas

    tambm reconhecer o que faz dela uma obra de arte e a distingue das demais produes

    humanas. Segundo ele, esta caracterstica peculiar da obra de arte no se determina com

    base em premissas filosficas, mas por fazer parte do quotidiano e da vida de cada um,

    [...] na medida em que [a obra de arte], sem que seja necessrio interrogarmo-nos sobre

    a sua essncia ou sobre o processo criativo que lhe deu origem, ela comea a fazer parte

    do mundo, da existncia particular de cada indivduo no mundo7. Para Brandi no h

    obra de arte enquanto a conscincia no a reconhece como tal. Consequentemente, [...]

    todo o comportamento em relao obra de arte, o restauro includo, depende do

    reconhecimento ou no da obra de arte enquanto tal8. E esse reconhecimento, diz

    Brandi, emana de um juzo esttico que atribui obra o seu valor artstico, a sua

    artisticidade. assim a experincia esttica que d sentido obra de arte que

    continuamente re-criada sempre que aquela ocorre.

    A obra de arte surge ento dotada, a par da sua consistncia material, de uma

    dupla instncia esttica e histrica no momento em que apreendida pela conscincia:

    esttica, pelo reconhecimento do seu valor artstico; e histrica, enquanto produto

    realizado num tempo e num lugar definidos.

    Esta dupla instncia da obra de arte e o vnculo existente entre esta e o restauro,

    uma vez que este decorre do reconhecimento da obra de arte enquanto tal, permitem a

    Brandi elaborar a seguinte definio do restauro:

    O restauro constitui o momento metodolgico do reconhecimento

    da obra de arte, na sua consistncia fsica e na sua dupla

    7 Et telle est, rellement, la caractristique propre de loeuvre dart, dans la mesure o, sans que lon

    sinterroge sur son essence ou sur le processus crateur qui la produite, ele commence faire part du monde, de lexistence particulire de chaque individu dans le monde (Brandi 2011, 10) - traduo nossa.

    8 [...] tout comportement vis--vis de loeuvre drt, y compris la restauration, dpend de la

    reconnaissance ou non de loeuvre dart en tant que telle (Brandi 2011, 11) - traduo nossa.

  • 6

    polaridade esttica e histrica, com vista sua transmisso s

    geraes futuras9.

    O restauro torna-se um ato de interpretao crtica sobre uma realidade material

    pr-definida de modo a manter viva a possibilidade da sua experincia esttica no

    futuro. um processo que se inicia com o reconhecimento dos valores e significados

    estticos e histricos da obra nesse momento particular, e a partir do qual se basear o

    juzo crtico dos vrios procedimentos tcnicos e analticos para a realizao da

    interveno de restauro10

    .

    O momento particular do reconhecimento metodolgico da obra de arte surge

    ento como uma consciencializao de uma realidade fsica, material11

    , pois na

    matria que os valores intangveis da obra de arte se inscrevem e atravs dela que eles

    podem ser percepcionados, experienciados12. A matria tudo o que serve a epifania

    da imagem13, declara Brandi. A matria assim, o veculo da imagem.

    O objetivo ltimo do restauro ento a preservao da possibilidade da epifania

    da arte. Preservar essa possibilidade preservar a intangibilidade da obra de arte, a sua

    artisticidade que reside num artefacto fsico submetido a todas as leis do mundo

    existencial e, portanto, degradao e ao fim14. A preservao da artisticidade da obra,

    dos seus valores estticos e histricos, implica a preservao da sua consistncia

    material ou seja, abrandar os processos de degradao da matria, reforando a sua

    9 La restauration est le moment mthodologique da la reconnaissance de loeuvre dart, dans sa

    consistance physique et sa double polarit esthtique et historique, en vue de sa transmission aux

    gnrations futures (Brandi 2011, 12) - traduo nossa. 10

    Jukka Jokiliehto, Preservation Theory Unfolded, Future Anterior 3 1, (2006): 4, http://www.arch.columbia.edu/publications/futureanterior#V3N1 (acedido em 26 de dezembro de

    2011). 11

    Francesca Valentini, Cesare Brandis Theory of Restoration: some principles discussed in relation with the conservation of Contemporary Art (paper apresentado no Seminrio Teoria del Restauro and Restoration in Germany Today, Hildesheim, Germany, 2007), http://193.175.110.9/hornemann/german/epubl_txt/hildesheimsito.pdf (acedido em 26 de dezembro de

    2011). 12

    Jukka Jokiliehto, Considerations on authenticity and integrity in world heritage context, City & Time 2 1, (2006): 5, http://www.ct.ceci-br.org/novo/revista/viewarticle.php?id=44 (acedido em 26 de

    dezembro de 2011). 13

    [...] cest sous cet aspect que la matire se montre comme tout ce qui sert lpiphanie de limage (Brandi 2011, 15) - traduo nossa.

    14 Cesare Brandi: Teoria e Praxis No Restauro Arquitectnico, Opsculo de Apoio ao Seminrio Internacional Brandi e o Conceito de Espao: Teoria e Praxis No Restauro Arquitectnico e Exposio A Cento Anni dalla Nascita di Cesare Brandi, organizados por Jos Aguiar, Delgado Rodrigues, Ana Seruya e Nuno Proena, Faculdade de Arquitectura da Universidade Tcnica de

    Lisboa, 28 de maio de 2007, 5, http://mestrado-

    reabilitacao.fa.utl.pt/documentos/OpuscoloFAUTLisboa.pdf (acedido em 26 de dezembro de 2011).

  • 7

    consistncia fsica e procurando restituir, mesmo que apenas potencialmente e naquilo

    que for possvel, o aspeto original ou o que seja o mais significativo da imagem15

    .

    Da conscincia material da obra de arte enquanto veculo da imagem, Brandi

    extrai um primeiro axioma do restauro: Apenas se restaura a matria da obra de

    arte16.

    A matria ento o lugar e o momento do restauro17

    : lugar, porque ela que

    garante a transmisso da artisticidade da obra; momento, por se efetuar no presente do

    reconhecimento da obra de arte, independentemente da possibilidade dos juzos de valor

    terem evoludo ao longo do tempo. Com efeito, e considerando que o valor de um

    objeto determinado pelas gentes e pelos contextos e que estes esto continuamente

    sujeitos mudana18

    , o reconhecimento da obra de arte no momento em que ele ocorre

    na conscincia individual realiza-se sempre no presente, estando por isso enquadrado no

    seu tempo.

    O momento do reconhecimento da obra de arte faz emergir a sua historicidade

    porquanto funde o presente da sua criao com o presente da sua recepo19

    . A

    contemporaneidade destas duas instncias histricas representa, segundo Brandi, a

    dialctica prpria do restauro, e acontece pela consciencializao de um veculo

    material da obra que em si mesmo um objecto histrico e sujeito passagem do

    tempo.

    Brandi estrutura ento o tempo da obra de arte em trs momentos distintos: uma

    durao relativa ao processo criativo da obra, conduzido pelo artista num tempo e lugar

    determinados e que termina na realizao da obra; o intervalo que vai da realizao da

    obra ao momento em que esta atualizada na conscincia individual; e o instante da sua

    atualizao na conscincia individual20

    .

    15

    Ibidem. 16

    On ne restaure que la matire de loeuvre dart. (Brandi 2011, 13) - traduo nossa. 17

    Fidel Meraz, Architecture and Temporality in Conservation Philosophy: Cesare Brandi (PhD Thesis, University of Nottingham, 2008), http://etheses.nottingham.ac.uk/819/1/Meraz-

    Architecture_and_Temporality_in_Conservation_Philosophy.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 18

    Helen Hughes, Sharing Conservation Decisions or Whos Afraid of Cesare Brandi? Icon News 9 (March 2007): 41, http://www.helenhughes-hirc.com/blog/wp-content/uploads/2011/11/ICCROM-40-

    42-IconNewsMARCH071.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 19

    Fidel Meraz, Architecture and Temporality in Conservation Philosophy: Cesare Brandi (PhD Thesis, University of Nottingham, 2008), http://etheses.nottingham.ac.uk/819/1/Meraz-

    Architecture_and_Temporality_in_Conservation_Philosophy.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 20

    Cesare Brandi, Thorie de la Restauration (Paris: ditions Allia, 2011).

  • 8

    Qualquer interveno de restauro dever ter em conta estas trs instncias

    histricas da obra de arte, e s deve ocorrer, segundo Brandi, no quadro do tempo

    histrico do reconhecimento da obra de arte. Uma interveno que considerasse apenas

    o tempo histrico da criao da obra poderia criar uma obra diferente daquela que

    motivara a interveno. Do mesmo modo, uma interveno que considerasse apenas a

    segunda instncia histrica, apagaria na obra a sua passagem pelo tempo, a sua histria.

    O presente do reconhecimento da obra de arte ento, segundo Brandi, o nico

    momento legtimo para a interveno de restauro uma vez que nele que a obra surge

    simultaneamente no presente histrico, no passado, e na histria.

    Dado que s se restaura a matria da obra de arte e que nela que se inscrevem

    os vestgios da passagem do tempo, frutos do desgaste inerente sua materialidade ou

    de intervenes humanas anteriores, a interveno de restauro em si mesma uma

    interveno histrica, realizada num determinado momento histrico, e que integrar a

    prpria histria da obra, participando no processo da transmisso da obra s geraes

    futuras21

    . Com base nestas consideraes, Brandi expe ento o segundo axioma do

    restauro:

    O restauro deve visar o restabelecimento da unidade potencial da

    obra de arte, na condio que este seja possvel sem cometer um

    falso artstico ou um falso histrico, e sem apagar o menor vestgio

    da passagem da obra de arte no tempo22

    .

    Para tal, Brandi prope trs princpios metodolgicos que devem orientar a

    atividade prtica do restauro de acordo com os seus fundamentos tericos. O primeiro

    refere-se visibilidade do restauro: a interveno de restauro, enquanto ao histrica,

    deve ser metodologicamente identificvel, sem no entanto atentar unidade da obra. A

    interveno de restauro dever ser imperceptvel distncia apropriada para a apreenso

    da obra como um todo mas, [...] imediatamente reconhecvel, e sem o recurso a

    instrumentos especiais, assim que a olhemos de perto23.

    21

    Ibidem. 22

    la restauration doit viser rtablir lunit potentielle de loeuvre dart, condition que cela soit possible sans commettre un faux artistique ou un faux historique, et sans effacer la moindre trace du

    passage de loeuvre dart dans le temps (Brandi 2011, 14) - traduo nossa. 23

    [...] la rintgration devra tre toujours et facilement reconnaissable, sans pour autant nuire lunit que lon tend justement reconstruire. Cest pourquoi la rintgration devra tre invisible la distance laquelle loeuvre dart doit tre regarde, mais immdiatement reconaissable, et sans

  • 9

    O segundo princpio, relativo matria de que resulta a imagem, estabelece que

    aquela [...] s insubstituvel quando colabora diretamente para a figuratividade da

    imagem24. Resulta deste princpio uma grande liberdade de ao em relao aos

    suportes e outras estruturas portadoras da imagem, at ao eventual sacrifcio de alguma

    consistncia material da obra, dependendo do estado em que esta se encontra, mas

    sempre segundo os imperativos da instncia esttica25. Com este princpio, Brandi

    afirma a primazia da instncia esttica da obra de arte, considerando que [...] a

    singularidade da obra de arte em relao aos outros produtos humanos no depende da

    sua consistncia material, nem da sua dupla historicidade, mas do seu carcter

    artstico26.

    O terceiro princpio, que se generalizou como princpio da reversibilidade,

    prescreve que toda a interveno de restauro no deve impedir, [...] antes facilitar,

    eventuais intervenes futuras27. Nenhuma interveno de restauro poder ento ser

    considerada definitiva, devendo ter em conta, no momento da sua realizao, a eventual

    necessidade de novas intervenes.

    Com a Teoria do Restauro, e definido como momento metodolgico do

    reconhecimento da obra de arte, na sua consistncia fsica e na sua dupla polaridade

    esttica e histrica, com vista sua transmisso s geraes futuras28, o restauro deixa

    de ser apenas uma atividade caracterizada pelos seus processos prticos, para se

    transformar no prprio lugar das problemticas relacionadas com a Preservao do

    Patrimnio29

    . Assim articulado com o conceito de obra de arte, o restauro torna-se

    lutilisation dinstruments spciaux, ds que lon en viendra la vision de prs. (Brandi 2011, 23) - traduo nossa.

    24 Le deuxime prncipe est relatif la matire dont resulte limage, laquelle matire nest irremplassable que lorsquell colabore directement la figurativit de limage. (Brandi 2011, 24) - traduo nossa.

    25 selon les impratifs de linstance esthtique (Brandi 2011, 13) - traduo nossa.

    26 [...] la singularit de loeuvre dart par rapport aux autres produits humains ne dpend pas de sa consistence matrielle, ni de sa double historicit, mais de son caractere artistique. (Brandi 2011, 13) - traduo nossa.

    27 Le troisime principe se rapporte au futur: cest--dire quil prscrit que toute intervention de restauration ne rende pas impossible, mais au contraire facilite, dventuelles interventions futures. (Brandi 2011, 24) - traduo nossa.

    28 Cesare Brandi, Thorie de la Restauration (Paris: ditions Allia, 2011), 12 - veja-se traduo nossa na

    nota 9. 29

    En dcoule [...] la ncessit den articuler le concept, en se fondant non sur les procds pratiques qui caractrisent la restauration concrte, mais sur le concept doeuvre dart dont ele reoit sa caracterization. (Brandi 2011, 11) - traduo nossa.

  • 10

    atualizao metodolgica da obra de arte, permitindo a reconstituio do texto crtico da

    obra de modo a preserv-lo e possibilitar a sua reactualizao no futuro30

    .

    Sendo um texto que se inscreve no quadro de uma Filosofia da Arte, a Teoria do

    Restauro apenas se concentra no restauro da obra de arte, e por isso exclui do seu

    mbito as restantes produes humanas. Nela, o restauro da obra de arte aparece em

    primeiro lugar como um ato de discernimento, em que o observador reconhece a obra de

    arte como um produto particular da espiritualidade humana e a separa do mundo das

    coisas comuns. Este reconhecimento, que ocorre intuitivamente na conscincia

    individual do observador indo determinar o seu comportamento em relao a obra de

    arte, surge atravs de uma consciencializao da materialidade da obra de arte. A

    consistncia fsica, que torna possvel a experincia esttica e consequente leitura dos

    significados artsticos e histricos da obra de arte, tambm a expe passagem do

    tempo, e por isso degradao e eventual desaparecimento. Ser ento sobre a matria

    da obra de arte que incidir o restauro.

    Por outro lado, e a partir do momento em que o reconhecimento se d na

    conscincia individual e determina o comportamento do indivduo em relao obra de

    arte, incluindo o restauro, o indivduo, enquanto personificao de uma conscincia

    universal, torna-se responsvel pela preservao desse momento no futuro. Para Brandi,

    esta responsabilidade faz do restauro um imperativo moral. Admitindo a universalidade

    da experincia esttica, quem a vive tem o dever moral de possibilitar essa mesma

    experincia s geraes futuras.

    30

    Ibidem.

  • 11

    CAPTULO 2. O Restauro de Documentos Sonoros

    2.1 Problemtica

    Os documentos sonoros registam a memria sonora do mundo desde a inveno

    do fongrafo em 1877 por Thomas Edison at aos nossos dias. Do cilindro de cera fita

    magntica, do disco de vinil ao iPod, eles testemunham das transformaes sociais,

    culturais, artsticas e tecnolgicas ocorridas neste perodo histrico. Este testemunho

    opera a vrios nveis: por um lado pelos contedos que registam e por outro, pela sua

    prpria histria enquanto artefactos marcados por sucessivas mudanas fsicas,

    materiais e tecnolgicas. A histria dos documentos sonoros um reflexo das

    transformaes que ela regista.

    Objetos tecnolgicos, os documentos sonoros necessitam, em funo do seu tipo

    de suportes, de dispositivos apropriados que permitam a leitura e acesso aos seus

    contedos. medida dos desenvolvimentos e inovaes nas tecnologias de gravao e

    reproduo, alguns desses dispositivos foram-se tornando obsoletos, pondo em risco o

    acesso aos contedos de muitos documentos sonoros. Preservar estes contedos passa

    ento pela conservao dos seus suportes e dispositivos de leitura, dos seus

    conhecimentos tcnicos e cientficos especficos, mas tambm, pela migrao dos

    contedos para outros suportes mais recentes.

    No entanto, e apesar da constituio de Colees e Arquivos audiovisuais logo

    nas primeiras dcadas do sculo XX, o aprofundamento das problemticas relacionadas

    com a conservao e restauro de documentos sonoros31

    uma matria recente32

    . Apenas

    em 1980 a UNESCO atravs da aprovao e publicao da Recomendao para a

    Salvaguarda e Conservao das Imagens em Movimento33 reconhece o documento

    audiovisual (embora ainda limitado aos documentos cinematogrficos e televisivos)

    como patrimnio cultural das naes e merecedor por isso da instaurao de polticas

    31

    No que respeita s problemticas relacionadas com a preservao dos bens culturais, os documentos

    sonoros representam um subgrupo, com as suas especificidades tcnicas e tecnolgicas, que integra o

    campo mais abrangente do audiovisual. Este inclui tambm os documentos de imagens em movimento. 32

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 33

    Recommandation pour la sauvegarde et la conservation des images en movement, UNESCO, 27 de outubro de 1980, http://portal.unesco.org/fr/ev.php-

    URL_ID=13139&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html (acedido em 26 de janeiro de

    2012).

  • 12

    com vista sua preservao. S em 1992, com o lanamento do programa Memria do

    Mundo34, a UNESCO viria a considerar o documento sonoro enquanto tal como parte

    integrante do patrimnio audiovisual da humanidade.

    Este atraso institucional na preservao dos documentos sonoros e audiovisuais

    agudizou-se com o advento da tecnologia digital que subitamente condenava

    obsolescncia as tecnologias analgicas sobre as quais assentavam a produo e

    reproduo desses documentos. S para o continente europeu, e com base nos

    resultados dos projetos PRESTO35

    e TAPE36

    , estima-se atualmente um prazo de 20 anos

    para a migrao de perto de 200 milhes de horas de contedos audiovisuais37

    para

    arquivos digitais. Tendo em conta que uma grande parte deste patrimnio se encontra

    em deficientes condies materiais e de conservao38

    , a sua preservao uma matria

    urgente e da maior importncia.

    2.2 O Documento Sonoro

    Considerando a definio adoptada pela UNESCO no seu programa Memria

    do Mundo para a Preservao do Patrimnio Documental da Humanidade, um

    documento tudo o [...] que documenta ou regista qualquer coisa com uma inteno

    intelectual deliberada39. Independentemente do tipo de suporte, um documento pode

    ser textual, no-textual, audiovisual, ou mesmo virtual40

    . A especificidade do

    documento sonoro advm da natureza sonora dos seus contedos cuja apreenso se

    realiza pela audio.

    34

    Memory of The World, UNESCO, http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/flagship-project-activities/memory-of-the-world/about-the-programme/ (acedido em 26 de

    julho de 2012). 35

    European Project Presto, Presto - Preservation Technology for Broadcast Archives, http://presto.joanneum.ac.at/projects.asp (acedido em 26 de julho de 2012).

    36 Tape Survey, Tape - Training for Audio Preservation in Europe, http://www.tape-online.net/survey.html (acedido em 26 de julho de 2012).

    37 Dietrich Schller, Audiovisual Research Collections and Their Preservation (Amsterdam: European

    Commission on Preservation and Access, 2008), http://www.tape-

    online.net/docs/audiovisual_research_collections.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 38

    Richard Wright, Annual Report on Preservation Issues for European Audiovisual Collections, Presto Space, 2005, 6, http://www.prestospace.org/project/deliverables/D22-6.pdf.

    39 Un document est ce qui "documente" ou "enregistre" quelque chose avec une intention intellectuelle dlibre. Ray Edmondson, Mmoire du monde: Principes directeurs (dition rvise 2002) (Paris: UNESCO, 2002), p. 6, http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de

    julho de 2012) traduo nossa. 40

    Ibidem. No caso de documentos virtuais, considera-se o disco rgido como suporte, e os dados

    electrnicos como contedos.

  • 13

    Um documento sonoro um registo de uma gravao, uma fonografia. o

    produto material de um processo tecnolgico que permite captar, fixar e reproduzir um

    acontecimento sonoro. A operao fonogrfica separa o acontecimento sonoro do

    contexto da sua ocorrncia41

    , e materializa-o em informao enquanto contedo. O

    documento sonoro ento constitudo de um contedo e de um suporte fsico que

    preserva o contedo e permite a leitura deste.

    Para existir enquanto tal, o documento sonoro, assim como os outros

    documentos audiovisuais, necessita de um dispositivo tecnolgico. Um dispositivo que

    permita a sua constituio enquanto objeto sonoro inscrito num suporte material, e um

    dispositivo que permita a sua leitura e reproduo. Normalmente, as tecnologias

    associadas a um suporte determinado (discos, fitas, CD, etc.) cumprem as duas funes

    de gravao e reproduo. No entanto, os avanos no desenvolvimento de sistemas de

    leitura ptica em discos analgicos admitem outras possibilidades42

    .

    O documento sonoro regista um acontecimento que encontra no passado a partir

    do momento em que termina a gravao. Nesse instante, o acontecimento torna-se

    reprodutvel e a gravao, enquanto suporte material do acontecimento, a primeira

    gerao dessa reprodutibilidade. A gravao a matriz a partir da qual se originam as

    vrias geraes de cpias, em nmeros que podem chegar aos milhes, nos mais

    variados formatos. comum, ainda hoje, uma obra musical surgir no mercado sob

    vrios formatos (CD, discos de vinil, mp3). O documento sonoro deste modo,

    enquanto artefacto, multiforme e reprodutvel por natureza.

    O documento sonoro assim um artefacto tecnolgico constitudo de um

    contedo informativo e do suporte material desse mesmo contedo. Estes dois aspetos

    do documento sonoro so partes constituintes da memria e por isso, igualmente

    41

    Pierre-Yves Mac, Phonographies Documentaires: tude Du Document Sonore Dans La Musique Depuis Les Dbuts De La Phonographie (Thse de Doctorat, Paris VIII, 2009), 1.static.e-corpus.org/download/notice_file/1098663/MaceThese.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). de

    referir que em certas criaes sonoras, particularmente no campo da Msica Eletroacstica, do Rock,

    ou do Teatro Radiofnico, o contexto da ocorrncia do acontecimento sonoro exatamente a operao

    fonogrfica. Nestes casos, no momento em que termina o processo criativo, a operao fonogrfica

    que se materializa enquanto contedo. 42

    O caso do fonoautgrafo neste sentido paradigmtico. Em 1857, douard-Lon Scott de Martinville

    patenteou um aparelho capaz de registar vibraes sonoras em folhas de papel cobertas por uma

    camada de carvo em torno de um cilindro. No entanto, a tecnologia do fonoautgrafo no permitia a

    reproduo destas vibraes. Em 2008, investigadores dos Lawrence Berkeley Laboratories

    conseguiram atravs de um sistema de leitura ptica fazer a leitura e reproduo de um dos registos

    preservados. Aquela folha de papel escurecida com uma camada de carvo, que era at 2008 um

    documento grfico, tornou-se desde ento, o mais antigo documento sonoro existente.

  • 14

    importantes43

    . O suporte introduz informaes sobre a sua prpria materialidade e

    tecnologia que complementam a leitura dos contedos nele registados. Com efeito, o

    documento apenas regista o que a tecnologia e as condies tcnicas possibilitam.

    Esta consistncia material do documento sonoro na qual se inscrevem os seus

    contedos uma propriedade que est associada obra de arte brandiana. No entanto, e

    quer se trate de um registo documental de um acontecimento concreto, ou de uma

    criao sonora cuja gravao a prpria matria da obra, ao invs da obra de arte

    brandiana, o documento sonoro no percepcionado atravs da sua consistncia

    material. Este aspeto do documento sonoro, que est na base das vrias instanciaes

    materiais dos seus contedos, , a par da sua reprodutibilidade, fundamental para se

    compreender a especificidade da sua preservao e restauro.

    2.3 A Preservao e Restauro de Documentos Sonoros

    Em Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects44

    , a

    International Association of Sound and Audiovisual Archives (IASA) prescreve o

    seguinte:

    1.2 O objetivo da preservao proporcionar aos nossos

    sucessores e aos seus clientes tanta informao quanto foi possvel

    obter nos nossos ambientes de trabalho sobre os fundos

    depositados. [...]

    1.3 Dado que o tempo de vida dos suportes de udio est limitado

    pela sua estabilidade fsica e qumica, bem como pela

    disponibilidade de tecnologias de reproduo, e tendo em conta

    que as tecnologias de reproduo podem em si mesmas ser fonte

    potencial de danos para muitos suportes de udio, o processo de

    43

    Ray Edmondson, Mmoire du monde: Principes directeurs (dition rvise 2002) (Paris: UNESCO,

    2002), http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 44

    IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,

    Kevin Bradley (ed), 2009, 2 edio, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de

    janeiro de 2012).

  • 15

    preservao sempre teve a necessidade de recorrer produo de

    cpias que pudessem substituir o original como duplicados [...]45

    Estes dois pontos tornam claras as prioridades da atividade da preservao e

    restauro de documentos sonoros: so os contedos e no os suportes que importa

    preservar46

    . Preservar assim garantir o acesso, presente e futuro, informao sonora

    contida nos documentos; o seu acesso a razo de ser da preservao, e sem este

    objetivo, escreve Edmonson, ela no teria sentido47

    .

    Segundo a IASA, duas orientaes estratgicas devero ser consideradas para a

    preservao da informao: a preservao dos suportes, e a duplicao da informao. A

    IASA apresenta-as nos seguintes termos:

    a. [Pela] preservao do suporte

    Apesar do tempo de vida da maior parte dos suportes udio

    no possa ser prolongado indefinidamente, esforos devem ser

    desenvolvidos no sentido de manter esses suportes em boas

    condies dutilizao o mais tempo possvel. [...]

    b. [Pela] duplicao da informao

    Tendo em conta que a esperana de vida dos suportes e a

    disponibilidade dos dispositivos tcnicos limitada, a

    preservao a longo prazo dos documentos apenas pode ser

    conseguida pela migrao dos contedos para outros

    suportes/sistemas quando se tornar necessrio48

    . [...]

    45

    1.2 The aim of preservation is to provide our successors and their clients with as much of the information contained in our holdings as it is possible to achieve in our professional working

    environment. [] 1.3 As the lifespan of all audio carriers is limited by their physical and chemical stability, as well as the availability of the reproduction technology and, as the reproduction technology

    itself may be a potential source of damage for many audio carriers, audio preservation has always

    required the production of copies that can stand for the original as preservation duplicates [] (IASA 2009, Background) traduo nossa.

    46 Richard Wright, The Real McCoy: What Audiovisual Collections Preserve, White Papers 211, BBC Research & Development, http://www.bbc.co.uk/rd/publications/whitepaper211.shtml (acedido em 26

    de janeiro de 2012). 47

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 48

    a. By preservation of the carrier: Although the life of most audio carriers cannot be extended

    indefinitely, efforts must be made to preserve carriers in useable condition for as long as is

    feasible. b. By subsequent copying of the information: Because the life expectancy of carriers

    and the availability of hardware is limited, the preservation of the document in the long term

  • 16

    Pelas suas diferenas, estas duas orientaes vo implicar princpios e

    metodologias prprios para a preservao e restauro dos documentos sonoros. A

    preservao dos suportes, e seus dispositivos tcnicos, passa fundamentalmente por

    estratgias de conservao, isto , por operaes que permitam prolongar fisicamente o

    mais possvel a durao de vida dos suportes e dispositivos de reproduo com vista a

    possibilitar o acesso aos contedos nas suas condies originais durante o mais tempo

    possvel. Dado que, pela sua natureza de artefacto, os atributos intrnsecos do suporte

    no so transferveis, a sua reprodutibilidade e a disponibilidade da sua tecnologia

    original so essenciais para permitir a recriao das condies de recepo e

    presentao dos documentos sonoros no seu contexto histrico49

    .

    Esta modalidade de preservao centra-se principalmente nas condies de

    armazenamento dos suportes, na reparao e reconstruo dos equipamentos, e na

    realizao de cpias materiais de acesso para deste modo minimizar o uso e

    consequente desgaste dos documentos originais50

    .

    A outra orientao estratgica preconizada pela IASA para a preservao dos

    documentos sonoros a preservao atravs da duplicao da informao. Esta

    modalidade opera pela migrao, ou transferncia, dos contedos de um documento par

    outro tipo de suporte ou formato. Atualmente, e tendo em conta a obsolescncia da

    quasi totalidade dos suportes analgicos em consequncia da generalizao das

    tecnologias digitais, a duplicao da informao significa a transferncia dos contedos

    para suportes digitais, ou digitalizao. A digitalizao permite no s a preservao dos

    contedos em si mesmos, como facilita e multiplica o acesso aos documentos, e

    reduzindo o manuseamento dos suportes originais, contribui para a conservao

    destes51

    .

    can only be achieved by copying the contents to new carriers/systems when it becomes

    necessary- IASA Technical Committee, The Safeguarding of the Audio Heritage: Ethics, Principles and Preservation Strategy, Dietrich Schller (ed), verso 3, 2005, http://www.iasa-web.org/tc03/5-

    safeguarding-information (acedido em 26 de janeiro de 2012) - traduo nossa. 49

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 50

    IASA Technical Committee, The Safeguarding of the Audio Heritage: Ethics, Principles and

    Preservation Strategy, Dietrich Schller (ed), verso 3, 2005, http://www.iasa-web.org/tc03/5-

    safeguarding-information (acedido em 26 de janeiro de 2012). 51

    Stephen Foster et al. Mmoire du monde: Principes directeurs pour la sauvegarde du patrimoine

    documentaire (Paris: UNESCO, 1995),

    http://www.unesco.org/webworld/mdm/administ/fr/MOW_index.html (acedido em 26 de julho de

    2012).

  • 17

    A preservao dos documentos sonoros pela duplicao digital da informao

    envolve dois nveis de interveno: a migrao da integralidade da informao, e o

    restauro sonoro do documento.

    2.3.1 A Digitalizao da Informao

    No mbito da preservao dos documentos sonoros, a digitalizao consiste na

    migrao integral da informao contida em suportes analgicos para suportes de

    armazenamento digitais. O resultado da duplicao digital da informao materializa-se

    num ficheiro que funcionar como cpia de salvaguarda. Enquanto cpia de referncia,

    a cpia de salvaguarda dever ser, na medida das possibilidades tecnolgicas atuais,

    uma reproduo rigorosa dos contedos do documento analgico. Neste sentido, dever,

    segundo Boston, conter no somente os contedos registados intencionalmente, como

    tambm toda a informao involuntria acumulada no suporte ao longo dos anos da sua

    histria de artefacto fsico sujeito ao desgaste, degradao, e a todo o tipo de acidentes

    e manipulaes52

    .

    O processo de digitalizao consiste no registo digital da leitura dos suportes

    analgicos atravs de equipamentos de reproduo. Edmondson explica que este

    processo implica a perda de informao53

    , tornando-se necessrio minimizar o mais

    possvel essa perda. Para tal, os procedimentos tcnicos incidiro principalmente na

    optimizao da recuperao do sinal udio dos suportes54

    . Estes procedimentos incluem

    a anlise pormenorizada do estado de conservao dos suportes, a partir da qual se

    determinaro as intervenes a exercer sobre os suportes (limpeza, aes de restauro55

    ),

    escolha do equipamento mais adequado para a leitura dos mesmos.

    52

    George Boston, Ethics and new technology, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P. Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),

    http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 53

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 54

    IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,

    Kevin Bradley (ed), 2009, 2 edio, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de

    janeiro de 2012). 55

    Certas operaes, como o achatamento de um disco ondulado, so intervenes sobre a matria dos

    suportes que visam melhorar, ou mesmo possibilitar, a leitura e migrao dos contedos. Por vezes

    irreversveis, estas operaes podem inviabilizar futuras leituras. So, portanto, operaes cujo objetivo

    o restabelecimento de uma funcionalidade tcnica a legibilidade dos suportes por um equipamento e no a reatualizao dos contedos.

  • 18

    Para o registo digital dos contedos dever proceder-se seguindo recomendaes

    e normas processuais reconhecidas internacionalmente56

    , com vista a obteno de uma

    transcrio rigorosa da integralidade da informao contida nos suportes analgicos.

    2.3.2 O Restauro do Documento Sonoro

    George Boston, em Ethics and new technology57, apresenta um modelo de

    preservao de documentos audiovisuais assente em trs nveis de operaes:

    a. a rplica, ou cpia material do documento original.

    b. a cpia histrica, ou seja, a cpia de salvaguarda.

    c. a recriao do documento original, ou seja, uma cpia que tenha sido

    restaurada pela remoo de todas as distores, defeitos, inscries etc.

    para proporcionar ao observador aquilo que foi visto ou ouvido pelo

    criador do documento58.

    Neste modelo, o restauro surge caracterizado como uma interveno na matria

    sonora, e relacionado com o momento de acesso aos contedos. Tem tambm uma

    finalidade: recriar as condies de concepo e legibilidade originais do documento. Por

    outro lado, e dado que a realizao da cpia histrica resulta de procedimentos

    estandardizados, que no requerem decises subjetivas59

    , o restauro, enquanto operao

    alternativa, surge assim, neste modelo, imbudo de uma dimenso subjetiva60

    .

    56

    Sobre recomendaes tcnicas e normas processuais, ver, por exemplo: IASA Technical Committee,

    Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects, Kevin Bradley (ed), 2009, 2

    edio, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation. 57

    George Boston, Ethics and new technology, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P. Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),

    http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 58

    a copy that has been restored by removing all distortions, blemishes, annotations etc. to give the observer what has been seen or heard by the creator of the document ibidem, 78, traduo nossa.

    59 Ibidem.

    60 De modo a restringir as decises subjetivas, Peter Copeland subdivide a recriao da sonoridade

    original do documento em duas tipologias: a cpia objetiva, em que as intervenes de restauro decorrem em exclusivo de uma anlise quantitativa do artefacto, dos seus contedos informativos, e da

    tecnologia utilizada na sua criao; e a cpia de servio, em que informaes externas ao documento original em si mesmo, como os contextos histrico, social, cultural ou artstico, da sua criao

    contribuem para determinar as intervenes de restauro Peter Copeland, Manual of analogue sound restoration techniques (London: The British Library, 2008),

    http://www.bl.uk/reshelp/findhelprestype/sound/anaudio/analoguesoundrestoration.pdf (acedido em 26

    de janeiro de 2012).

  • 19

    A digitalizao, enquanto transferncia integral da informao, cristaliza os

    contedos do documento, com todos os seu defeitos e imperfeies, num determinado

    momento da sua histria. A sua finalidade preservar a informao contida no

    documento, independentemente das condies de acesso ao mesmo. Melhorar estas

    condies ser objeto do restauro.

    Assim, e tendo em conta o modelo proposto, o restauro limitar-se- a operaes

    de correo e reduo, ou remoo, da informao involuntria de modo a permitir uma

    leitura mais fiel do documento tal como ele fora originalmente produzido.

    Estas operaes sobre o sinal sonoro consistem na remoo de rudos e em

    eventuais ajustamentos decorrentes de digitalizaes problemticas, ou em funo da

    finalidade prtica do documento restaurado61

    . Dois grupos de rudo constituem a

    informao involuntria de um documento sonoro: os rudos determinsticos e os rudos

    estocsticos62

    . Os rudos determinsticos so rudos com frequncias determinadas que

    se introduzem no sinal intencional por via dos equipamentos e sistemas eltricos (como,

    por exemplo, o sinal de linha de 50 Hz dos cabos eltricos). Os rudos estocsticos, sem

    frequncias determinadas, dividem-se em rudos impulsivos (clicks, pops, etc.) e rudos

    de persistncia global (sopro)63.

    Se o propsito do restauro possibilitar o acesso aos contedos originais do

    documento, a natureza reprodutvel e multiforme do documento sonoro permite

    conceber vrias modalidades de acesso em funo do uso a que se destina o documento

    e do mbito dessa utilizao (investigao, comercial, etc.)64

    . Estas modalidades

    configuram diferentes orientaes do restauro que vo desde uma postura documental,

    de interveno mnima, e centrada nos contedos tal como eles foram preservados no

    momento da digitalizao, remasterizao comercial que adapta o documento ao gosto

    contemporneo, passando pela reconstruo do documento original. A orientao

    funcional do restauro e a finalidade prtica do documento tem implicaes na amplitude

    e extenso das operaes de restauro.

    61

    Neste mbito se insere, por exemplo, a reconstruo de um programa de rdio originalmente realizado a

    partir de vrios discos instantneos. Esta operao de montagem implica a edio dos contedos

    originais, e o reajustamento dos nveis. 62

    Sergio Canazza, Noise and Representations Systems: A Comparison among Audio Restoration

    Algorithms (Raleigh: Lulu, 2007). 63

    Ibidem. 64

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).

  • 20

    O restauro de documentos sonoros constitui assim um conjunto de operaes

    que, embora sob vrias formulaes e configuraes, permite o acesso alargado a uma

    parte importante do patrimnio cultural da humanidade. E o acesso alargado aos

    documentos e reatualizao dos seus contedos a forma mais eficaz de preservar e

    valorizar esse patrimnio.

    2.4 A Teoria Brandiana e o Restauro de Documentos Sonoros

    Com base na literatura consultada, constata-se que a literatura da especialidade

    retm, em grande parte, os fundamentos e princpios operacionais enunciados por

    Brandi na Teoria do Restauro, adaptando-os realidade do documento sonoro65

    . Com

    efeito, com Brandi, a preservao do audiovisual comunga do mesmo objetivo

    fundamental: assegurar o acesso permanente

    a um patrimnio66

    ; da mesma

    responsabilidade tica e moral para com as geraes futuras: o objetivo da preservao

    proporcionar aos nossos sucessores e aos seus clientes tanta informao quanto foi

    possvel obter nos nossos ambientes de trabalho sobre os fundos depositados67; do

    mesmo objeto: os contedos inscritos no documento enquanto registo de uma criao

    intelectual deliberada68

    . Neste sentido pode dizer-se que nos seus princpios gerais, a

    preservao de documentos sonoros participa das propostas de Brandi.

    No que respeita aos princpios metodolgicos propostos por Brandi, pese embora

    a adoo do princpio da reversibilidade69

    , uma vez que eles assentam numa relao

    65

    importante referir que, nas literaturas de lngua inglesa, restauro designa as intervenes materiais especficas sobre o documento. Por esta razo, os conceitos e princpios de Brandi, que assentam na

    concepo do restauro como o conjunto de todas as operaes envolvidas na preservao de um

    patrimnio, sero considerados, nas literaturas de lngua inglesa, no mbito da preservao enquanto

    conjunto de todas as operaes necessrias para garantir o acesso permanente a um patrimnio. Assim,

    o termo restauro no sentido brandiano ter neste contexto, valor equivalente ao de preservao. 66

    Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),

    http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).. 67

    IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,

    Kevin Bradley (ed), 2009, 2 edio, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de

    janeiro de 2012) - veja-se traduo nossa na nota 45. 68

    Ray Edmondson, Mmoire du monde: Principes directeurs (dition rvise 2002) (Paris: UNESCO,

    2002), http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 69

    Dietrich Schller, Lloyd Stickells & William Storm, Audio archives, in Guide to the Basic Technical Equipment required by audio, film and television, George Boston (ed) (Milton Keynes: TCC, 1991),

    39-62, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P. Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),

    http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).

    George Boston, Ethics and new technology, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P. Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),

    http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).

  • 21

    material nica e exclusiva entre o suporte e seus contedos, eles no so inteiramente

    aplicveis ao documento sonoro: apesar da materialidade que lhe dada pelo suporte,

    na sua natureza reprodutvel e pluriforme do documento sonoro e audiovisual que reside

    a sua especificidade.

    Esta natureza do documento sonoro assume o segundo70

    e terceiro71

    princpios

    de Brandi no j como princpios mas como condies prprias do restauro de

    documentos sonoros72

    . Com efeito, o facto de documento sonoro poder coexistir em

    vrios tipos de suporte, faz com que o documento sonoro no seja determinado por uma

    materialidade especfica; esta portanto substituvel.

    Do mesmo modo, uma vez que o as operaes de restauro procedem sempre a

    partir de uma cpia de salvaguarda, cada restauro ser sempre uma possibilidade entre

    outras, uma interpretao, que no invalida outras possibilidades e reinterpretaes;

    nenhum restauro sonoro definitivo. assim possvel a um documento corresponder

    vrios tipos de restauro em funo do uso a que se destina, ou das diferentes vises do

    restauro.

    Fora do mbito da preservao stricto sensu, se encontram a remasterizao e

    reconstruo de documentos sonoros, na medida em que estes processos envolvem

    profundas alteraes do sinal sonoro original (alteraes no espectro frequencial, no

    registo das dinmicas, adio de efeitos, manipulao dos contedos, etc.). As cpias

    remasterizadas, ou reconstrudas so, portanto, novas verses realizadas a partir dos

    documentos originais destinadas reintegrao dos contedos destes no mercado. Estas

    verses, embora reduzindo os contextos histricos e tcnolgicos da produo dos

    documentos originais, acabam, no entanto, por contribuir para a o acesso aos seus

    contedos.

    Um dos propsitos mais referidos na literatura especializada sobre o restauro de

    documentos sonoros a reconstruo, ou recriao, do documento original, ou seja, a

    reposio do estado do documento tal como as condies tcnicas e um conhecimento

    70

    A matria s insubstituvel quando colabora diretamente para a figuratividade da imagem [...] Resulta deste princpio uma grande liberdade de ao em relao aos suportes. (Brandi, 2011, p. 24), traduo nossa, ver nota 24

    71 O restauro no deve impedir, antes facilitar, eventuais intervenes futuras (principio da reversibilidade do restauro). (Brandi, 2011), p. 24, traduo nossa, ver nota 27.

    72 Nos casos, por exemplo, em que seja necessrio recorrer a operaes de restauro sobre a matria dos

    suportes com vista a uma transferncia dos contedos, os princpios metodolgicos de Brandi mantm

    toda a sua aplicabilidade.

  • 22

    aprofundado destas o teriam permitido, [...] para proporcionar ao observador aquilo

    que foi visto ou ouvido pelo criador do documento. Esta concepo entra em conflito

    com as propostas de Brandi , uma vez que centra o restauro na primeira instncia

    temporal do documento no tempo da sua criao desvalorizando a sua passagem

    pelo tempo histrico.

    Assim sendo, e no sentido de orientar as operaes prticas necessrias para a

    realizao deste trabalho de projeto, e tendo em conta a literatura consultada, procurar-

    se- seguir a concepo brandiana do restauro, sustentada no princpio da mnima

    interveno, tendo sempre em ateno o segundo axioma da Teoria do Restauro:

    O restauro deve visar o restabelecimento da unidade potencial da

    obra de arte, na condio que este seja possvel sem cometer um

    falso artstico ou um falso histrico, e sem apagar o menor vestgio

    da passagem da obra de arte no tempo.

  • 23

    CAPTULO 3. Projeto

    3.1 Objetivo

    O trabalho de projeto que aqui se apresenta tem como objetivo caracterizar os

    procedimentos adequados para o restauro de documentos sonoros enquanto operao

    estratgica no mbito da preservao do patrimnio cultural no quadro de um Arquivo

    Nacional.

    3.2 Mtodo

    A elaborao do trabalho obedeceu a uma calendarizao em duas fases distintas

    que consistiu, num primeiro momento, na realizao de um estgio no Institut Nacional

    de lAudiovisuel (INA)73 em Paris, e posteriormente, na realizao de intervenes de

    restauro em documentos sonoros provenientes de um Arquivo de referncia.

    O estgio, que decorreu entre os dias 13 de setembro e 7 de outubro de 2011 nas

    instalaes do INA em Bry-sur-Marne e Paris, teve dois objetivos complementares: por

    um lado, adquirir e desenvolver as competncias tcnicas e tericas relativas aos

    procedimentos de salvaguarda e restauro de documentos sonoros, e por outro, perceber

    o papel do restauro no quadro de uma gesto integrada do patrimnio audiovisual numa

    instituio de relevo internacional e pioneira na valorizao desse mesmo patrimnio

    como o INA.

    As atividades respeitantes aos procedimentos de digitalizao de salvaguarda e

    de restauro de documentos sonoros e audiovisuais foram desenvolvidas, seguindo uma

    metodologia observacional, de modo a acompanhar e registar as aes e mtodos de

    trabalho dos tcnicos nos seus locais de trabalho. A recolha de informaes referentes

    enquadramento do restauro de documentos sonoros no funcionamento da instituio

    procedeu-se atravs de entrevistas com os responsveis dos vrios servios envolvidos

    nessa gesto.

    O restauro de documentos sonoros insere-se num Plano de Salvaguarda e

    Digitalizao de todo o acervo do INA iniciado em 1999 e cuja concluso se prev para

    73

    Criado em 1974, o Institut Nacional de lAudiovisuel o organismo responsvel pela gesto do patrimnio audiovisual pblico francs. Esta compreende, para alm da preservao do seu acervo, a

    sua comunicao, divulgao e comercializao desse patrimnio, investigao cientfica, formao

    profissional, e pesquisa na produo e criao audiovisual.

  • 24

    2015 e que abranger um milho de horas de documentos. A digitalizao em massa dos

    documentos feita internamente num servio prprio e externamente atravs da

    prestao de servios segundo um caderno de encargos. Os documentos analgicos que

    apresentem quaisquer tipo de problemas sero encaminhados para o departamento de

    restauro. Os documentos digitalizados entram um fluxo de trabalho que envolve o

    controlo tcnico, documentao e armazenamento dos ficheiros. As cpias de

    salvaguarda so armazenadas em duplicado em dois lugares distintos e separados por

    mais de trinta quilmetros.

    O departamento de restauro tem a seu cargo, alm do restauro em si mesmo, a

    digitalizao de documentos analgicos que apresentem sintomas de deteriorao

    material, mas tambm de documentos requeridos por necessidades de programao

    radiofnica (atualidades, programas especiais, etc.), ou de gesto do acervo (colees,

    sries de programas, etc.). O planeamento das intervenes de restauro feito em

    funo de encomendas quer internas ou externas (programas de rdio, divulgao

    cultural, edies comerciais, investigao, etc.).

    A segunda fase do trabalho, que aqui se apresenta, envolve a realizao de

    intervenes de restauro em documentos sonoros, e implicou a colaborao da Rdio

    Televiso Portuguesa (RTP) atravs do Departamento do Arquivo da Rdio, em

    particular do seu Chefe de Departamento, Dr. Eduardo Leite.

    A RTP o organismo responsvel em Portugal pela gesto do patrimnio

    audiovisual das rdios e televises pblicas. Enquanto concessionria do servio

    pblico de rdio, a RTP est legalmente incumbida de manter e actualizar os arquivos

    sonoros74

    . Estes consistem atualmente em cerca de 70.000 horas de documentos, das

    quais 40.000 de produo prpria. Em 1990, iniciou-se um programa de migrao do

    arquivo sonoro para fita digital (DAT) cujo volume ascende hoje a cerca de 30.000

    horas de documentos digitalizados. Considerando que a tecnologia DAT se encontra

    atualmente tambm ela em risco de obsolescncia, a preservao destes documentos

    passa por uma nova migrao para outros tipos de armazenamento digital; seja a partir

    das fitas digitais, seja a partir dos suportes analgicos originais.

    Em termos de preservao dos documentos sonoros, o funcionamento do

    Arquivo da Rdio da RTP centra-se principalmente na gesto material dos documentos

    74

    Lei n 54/2010 (Lei da Rdio), Dirio da Repblica, I Srie, n 248, 24 de Dezembro de 2010.

  • 25

    e na sua digitalizao, no integrando a atividade do restauro nesse funcionamento. O

    acesso aos documentos, interna ou externamente assaz condicionado.

    3.2.1 Objeto

    De modo a caracterizar as operaes de restauro de documentos sonoros no

    mbito da preservao, divulgao e valorizao do patrimnio cultural portugus,

    escolheu-se a srie de programas Noite de Teatro75 da coleo de teatro radiofnico

    do Arquivo da Rdio da RTP como objeto deste trabalho de projeto. Para esta escolha

    contriburam, por um lado, a importncia que teve o teatro radiofnico na programao

    da Rdio em Portugal, e por outro, a prpria especificidade do teatro radiofnico

    enquanto produo cultural e artstica.

    Da srie Noite de Teatro, que contabiliza 279 entradas de registo de 1958 a

    1996 no Arquivo da Rdio da RTP, foram selecionadas trs peas para amostragem dos

    procedimentos de restauro. A seleo foi feita com base na informao contida nos

    registos de arquivo, dando preferncia a documentos mais antigos, e presena de

    msica original, ou de nmeros cantados.

    A coleo de teatro do Arquivo da Rdio da RTP encontrando-se j digitalizada,

    as peas foram facultadas em ficheiros estereofnicos copiados a partir das fitas

    digitais76

    codificados em formato WAVE, com uma taxa de amostragem de 44.1kHz e

    16 bits por amostra.

    Dada a escolha de peas de teatro radiofnico para a realizao deste trabalho, e

    considerando a singularidade do teatro radiofnico no mbito das produes sonoras,

    torna-se necessrio uma breve apresentao dessa singularidade.

    Na Histria da Rdio, o ano de 1924 regista o aparecimento do teatro

    radiofnico enquanto nova forma de arte sonora que utiliza a rdio como meio de

    expresso. Nesse ano, duas obras escritas expressamente para a rdio, vo revelar o

    potencial criativo e dramtico deste novo meio de expresso: Danger de Richard

    Hughes, e Marmoto, de Pierre Cusy e Gabriel Germinet.

    75

    O programa Noite de Teatro teve incio na Emissora Nacional por volta de 1959 sob a direo de Edgar Marques. Em 1997, j na Antena 2, foi substitudo pelo programa Teatro Imaginrio de Eduardo Street - Eduardo Street, O Teatro Invisvel Histria do Teatro Radiofnico (Lisboa: Antestreia, 2004).

    76 As digitalizaes realizadas a partir dos anos 90 no foram feitas a partir das fitas originais, mas a partir

    de cpias realizadas nos anos 70 para o ento criado Arquivo Histrico da Emissora Nacional (1970).

  • 26

    Danger, difundida pela BBC a 15 de Janeiro, encena um grupo de mineiros

    mergulhados na obscuridade de uma mina de carvo aps um desmoronamento. Apenas

    o som poder salvar os mineiros. Ao eliminar toda e qualquer referncia visual na pea,

    Hughes concentra toda a ao na produo e escuta dos sons, em que qualquer rudo

    pode ser sinal de salvao ou de tragdia.

    Marmoto foi escrita para um Concurso de Literatura Radiofnica organizado

    pelo jornal Impartial Franais, do qual saiu vencedora ex-aequo com a pea Agonie de

    Paul Camille. Marmoto relata o naufrgio de um navio no meio de uma tempestade

    atravs dos pedidos desesperados de ajuda enviados via rdio pelos marinheiros. A obra

    est concebida para surgir como intromisso num programa de uma emisso regular,

    dando assim a sensao de se estar a assistir a um naufrgio em direto. Em Marmoto,

    a prpria rdio que se encontra no centro da pea77

    .

    Ambas as peas exploram e desenvolvem as possibilidades sonoras que a rdio

    oferecia para a criao de ambientes: rudos, efeitos sonoros, uso de planos sonoros, etc.

    Estes elementos esto meticulosamente planeados nos guies78

    , tornando-se parte da

    estrutura dramtica da obra.

    A partir do modelo criado por estas obras, o teatro radiofnico transforma-se na

    modalidade artstica da rdio, englobando praticamente todas as outras possibilidades da

    rdio79

    . Com efeito, a produo de uma pea de teatro radiofnico envolve voz, rudo,

    texto, msica, gravaes, sistemas de reproduo, microfones, equipamentos de

    gravao, etc.

    No teatro radiofnico, tal como para as produes de Msica Eletroacstica ou

    de Rock, a gravao o meio de produo da obra artstica. A obra o documento

    sonoro, o resultado de uma atividade ao mesmo tempo artstica e tcnica80.

    77

    Ccile Meadel, Mare-Moto. Une pice radiophonique de Pierre Cusy et Gabriel Germinet, Rseaux 10 n52, 1992.

    78 No guio de Danger so requeridos o rudo de uma exploso, gua a correr, passos, o som de uma

    picareta e um efeito de eco para criar a iluso de um tnel Danger, http://emruf.webs.com/british/danger.htm (acedido em 26 de julho de 2012). No guio de Marmoto,

    sob a denominao dcors sonores, surgem discriminados o mar, o vento, a chuva, a sirene, bem como as tcnicas necessrias para as suas recriaes em studio - Ccile Meadel, Mare-Moto. Une pice radiophonique de Pierre Cusy et Gabriel Germinet, Rseaux 10 n52, 1992.

    79 Fernando Curado Ribeiro, Rdio. Produo-Realizao-Esttica (Lisboa: Arcdia, 1964).

    80 Loeuvre est le rsultat de cette activit la fois artistique et technique - Roger Puivet, Philosophie du Rock. Une ontologie des artefacts sonores (Paris: PUF, 2010), 12 traduo nossa.

  • 27

    3.2.2 Pressupostos

    As aes a desenvolver no restauro de um documento sonoro esto sempre

    dependentes, para alm da qualidade da cpia de salvaguarda, de dois outros aspectos

    importantes: um o objeto sonoro em si mesmo dotado de uma configurao particular

    e portador de informaes udio analisveis quantitativamente, mas tambm enquanto

    produto cultural especfico agregado a um contexto determinado. Restaurar um debate

    poltico ou a leitura de um poema implicar escolhas e procedimentos diferenciados.

    Outro aspeto, a finalidade prtica da interveno de restauro. O restauro para uma

    edio comercial implicar uma abordagem e investimento diversos de um restauro para

    uma investigao.

    Nos trs exemplos de restauro escolhidos para este trabalho, assumiu-se como

    tipologia de destino a cpia para divulgao pblica ou institucional. Ou seja, admitiu-

    se que a finalidade destas intervenes de restauro fosse a divulgao pblica destas

    obras, seja atravs de um stio na internet, de radiodifuso, ou mediatecas. Deste modo,

    as intervenes de restauro foram orientadas no sentido de facilitar a leitura dos

    contedos das obras, e possibilitar a reactualizao da sua experincia esttica, sem

    obliterar a sua historicidade.

    Embora, em ltima instncia, o ouvido tenha sempre a ltima palavra, procurou-

    se seguir, tanto quanto possvel, os pressupostos brandianos do restauro.

    3.2.3 Procedimentos

    A realizao das intervenes de restauro nas trs peas envolveu duas fases

    distintas. A primeira consistiu na anlise dos dados dos ficheiros, e a segunda, nas

    operaes de restauro em si mesmas.

    A anlise dos ficheiros incidiu principalmente sobre trs dos seus aspetos: o

    nvel do sinal sonoro; o registo de frequncias; e a relao de fase dos dois canais, uma

    vez que as cpias de salvaguarda foram realizadas a partir de fitas magnticas

    analgicas com sinal monofnico.

    Num primeiro momento, procedeu-se uma anlise estatstica dos ficheiros

    efetuada com um editor de udio. Esta leitura informa sobre os nveis dos sinais (nveis

    de energia mxima, ou pico, e mdio) de ambos os canais, o que permite desde logo,

  • 28

    verificar o grau de discrepncia que existe entre os canais. Seguiu-se uma observao ao

    registo de frequncias com um analisador de frequncias ou pela amostragem do

    espectrograma do ficheiro. Fez ento uma avaliao do equilbrio das fases dos dois

    canais.

    A anlise estatstica dos dados permite um conhecimento mais objetivo dos

    ficheiros, e assim determinar mais claramente as operaes e o alcance destas, no

    processo de restauro. Estas operaes foram acompanhadas de audies de

    familiarizao de modo a ter uma percepo da sonoridade global dos ficheiros, e

    articulada com a anlise de modo a conferir os resultados desta.

    Para as operaes de restauro, procurou-se seguir, salvaguardadas as diferenas

    tcnicas, o modelo de trabalho aprendido durante o estgio no INA. Assim, em primeiro

    lugar, operou-se sobre a remoo dos rudos impulsivos incidentais (clicks ou estalidos),

    e dos impulsos parasitas continuados (crackles ou crepitaes). Procedeu-se ento

    atenuao do rudo de linha, e ento do sopro. Estas operaes foram, numa primeira

    fase, realizadas automaticamente atravs de aplicaes dedicadas ao restauro sonoro,

    com parametrizaes especficas para cada ficheiro, ou mesmo para diferentes

    ambientes sonoros dentro de um mesmo ficheiro. As parametrizaes utilizadas nestas

    operaes foram definidas tendo em conta o modelo de restauro proposto para este

    trabalho; estas parametrizaes so subjetivas, definidas auditivamente e por isso

    assentes num nvel mnimo de interveno. Posteriormente, procedeu-se remoo

    manual e em tempo real dos rudos que ficaram fora dos limites das parametrizaes dos

    processos automticos.

    Tendo em considerao o baixo nvel do sinal da maioria dos ficheiros, e

    tambm os desequilbrios entre os ficheiros de uma mesma pea, foi necessrio

    aumentar e ajustar os nveis de sinal dos ficheiros. Os silncios iniciais e finais de cada

    ficheiro foram reduzidos a dois segundos com entrada em fade-in e sada em fade-

    out.

    Os ficheiros restaurados foram depois exportados em formato WAVE,

    estereofnico, com uma taxa de amostragem de 44.1 kHz e 16 bits por amostra81

    .

    81

    As organizaes internacionais (IASA, UNESCO) recomendam para a exportao de ficheiros sonoros

    uma taxa de amostragem de 48 kHz e 20 bits por amostra. Neste caso, e seguindo uma recomendao

    da UNESCO, manteve-se a mesma codificao dos documentos fornecidos - Stephen Foster et al.

    Mmoire du monde: Principes directeurs pour la sauvegarde du patrimoine documentaire (Paris:

  • 29

    3.2.4 Material

    Nestas operaes de restauro utilizou-se o seguinte material:

    a. Hardware

    Computador iMac, OS X, 10.7.5

    Mesa de mistura Roland VM-3100 PRO

    Colunas Roland DS-50 A

    b. Software

    iZotope RX 2 Advanced v2.00.253, iZotope, Inc.

    Flux Stereo Tool, Flux Sound and Picture Development

    Wave Editor 1.5.0, Audiofile Engeneering, LLC

    Logic Pro 9, v9.1.3, Apple Inc.

    UNESCO, 1995), 63, http://www.unesco.org/webworld/mdm/administ/fr/MOW_index.html (acedido

    em 26 de julho de 2012).

  • 30

    CAPTULO 4. Intervenes de Restauro

    4.1 Exemplo 1: O Sapo e a Doninha

    Escrita em 1928 por Amlcar Ramada Curto, a pea de teatro O Sapo e a

    Doninha foi objeto de duas adaptaes radiofnicas para a rdio pblica nacional: a

    primeira, cuja gravao decorreu a 11 de Julho de 1962, para o programa Noite de

    Teatro da Emissora Nacional; e a segunda, para o programa Tempo de Teatro da

    Rdio Difuso Portuguesa, gravada e emitida a 28 de Janeiro de 1987. Desta ltima

    existe uma nota de produo com guio do programa acessvel no stio do Museu

    Virtual da RTP82

    com a meno de inexistncia de registo sonoro. A adaptao de 1962,

    e objeto deste trabalho de restauro, embora no constando do referido stio, subsiste

    enquanto registo sonoro no Arquivo da Rdio Difuso Portuguesa (RDP) 83

    .

    A adaptao de 1962 de O Sapo e a Doninha foi produzida com a direo

    artstica de Edgar Marques, realizao tcnica de Jorge Alves, assistncia tcnica de

    Filipe Carinhas, e msica de Joaquim Lus Gomes e Eduardo Pestana. Nela

    participaram os seguintes atores: Lurdes Norberto, Beatriz de Almeida, Rui de

    Carvalho, Augusto Figueiredo, Madalena Sotto, Andrade e Silva, Hortense Luz, e

    Carmen Dolores. A interpretao musical esteve a cargo da Orquestra Ligeira da

    Emissora Nacional, dirigida por Joaquim Lus Gomes.

    A pea est registada em fita magntica, em duas cpias datadas de 1979, que

    correspondem s bobinas n 1720 e n 1721 do Arquivo Histrico de Documentao

    Sonora da RDP, conforme boletim de informao das mesmas84

    . Foi a partir dessas

    cpias que foram feitas as transferncias para fitas magnticas digitais (Digital Audio

    Tape - DAT) com os nmero de referncia AHD1720 e AHD1721 do Arquivo da RDP.

    4.1.1 Contedo dos Ficheiros

    Do ficheiro AHD1720, com a durao de total de 59 minutos e 23 segundos

    (5923), constam os seguintes elementos:

    82

    http://museu.rtp.pt/#/pt/arquivo?areaArquivo=radio 83

    No foi possvel localizar a nota de produo e respectivo guio do programa. Tambm no foi possvel

    determinar a data da sua emisso. Nos vrios documentos acedidos, apenas consta a data de gravao. 84

    Ver Apndice I Notas de registo das bobinas da pea de teatro radiofnico O Sapo e a Doninha.

  • 31

    i. Apresentao de uma exposio de Edgar Marques sobre Ramada Curto

    por Jorge Alves (8);

    ii. Apresentao da pea e do autor (Ramada Curto) por Edgar Marques85

    (147);

    iii. Separador musical (37);

    iv. Apresentao do programa, com leitura da ficha tcnica e descrio do

    cenrio da pea por Jorge Alves sobre separador musical em fundo

    (146) ;

    v. 1 Ato (2531);

    vi. Separador musical (116);

    vii. 2 Ato (2647).

    Do ficheiro AHD1721, com a durao de total de 40 minutos e 44 segundos

    (4044) constam os seguintes elementos:

    i. Separador musical (117);

    ii. 3 Ato (3621);

    iii. Separador musical (50);

    iv. Concluso do programa com releitura da ficha tcnica por Jorge Alves

    sobre separador musical em fundo (39);

    v. Concluso musical (114).

    Aps uma audio de familiarizao, constata-se que, ambos os ficheiros

    aparentam uma qualidade sonora constante, no se registando oscilaes significativas,

    quer de nvel, quer espectral. Tambm no revelam falhas ou perdas de informao. Os

    contedos so perceptveis.

    No entanto, se cada um dos ficheiros, tomados individualmente, apresenta uma

    qualidade sonora satisfatria, quando comparados, eles apresentam algumas diferenas

    tmbricas. Procedeu-se ento a uma anlise comparativa dos ficheiros, de modo a

    compreender melhor essas diferenas e facilitar o trabalho de restauro.

    85

    O boletim de informao das bobinas veja-se o Apndice 1 - atribui incorretamente a apresentao da pea e do autor a um certo Edgar Jacques, como se pode verificar pela audio da pea. Esta

    informao tambm transitou para a listagem do Arquivo Digital do Teatro Radiofnico da RDP.

  • 32

    4.1.2 Anlise dos ficheiros

    Dos dados estatsticos revelados pela anlise efectuada com um editor de udio

    (Wave Editor), e apresentados nas Figuras 1 e 2, verifica-se a existncia de uma

    diferena de amplitude superior a 4 dB nos picos das ondas sonoras, e que essa

    diferena reflete a configurao geral do ficheiro com base nos valores mdios

    (Average) de potncia sonora.

    Constata-se igualmente a existncia de equilbrio entre os dois canais do ficheiro

    AHD1720 em contraste com a manifesta diferena entre os dois canais do ficheiro

    AHD1721 (31 %). Refira-se tambm o baixo nvel de sinal aquando da digitalizao,

    sobretudo no ficheiro AHD1720 (-9 dB).

    Figura 1: Dados estatsticos do ficheiro AHD1720 Figura 2: Dados estatsticos do ficheiro AHD1721

    Em relao aos registos frequnciais dos ficheiros apresentados nos

    espectrogramas das Figuras 3 e 4, verifica-se a existncia de um espectro frequncial

    alargado no ficheiro AHD1720, com presena constante de altas frequncias (Figura 3),

    enquanto que no ficheiro AHD1721 (Figura 4), nota-se uma maior intensidade sonora,

    sobretudo at aos 3000 Hz, mas com uma maior diminuio de intensidade nas

    frequncias acima dos 10 000 Hz. Constata-se igualmente uma de notar a diminuio

    das altas frequncias no incio e fim do ficheiro, este facto pode sugerir problemas no

    incio e fim de uma das bobines usadas para o registo do programa (Figura 4).

  • 33

    Figura 3: Espectrograma do ficheiro AHD1720

    Figura 4: Espectrograma do ficheiro AHD1720

    No que se refere s relaes de fase dos dois canais de cada ficheiro, recorrendo

    a uma anlise com representao visual da imagem estereofnica da onda, fornecida

    pela aplicao Stereo Tool, mostrada nas Figuras 5 e 6, revelou a instabilidade fsica do

    ficheiro AHD1721.86

    86

    As representaes apresentadas referem-se a dois instantes determinados. No correspondem a uma

    imagem estereofnica da onda na sua totalidade. Refletem no entanto, os comportamentos sonoros de

    cada um dos ficheiros.

  • 34

    Figura 5: Imagem estereofnica do ficheiro

    AHD172

    Figura 6: Imagem estereofnica do ficheiro

    AHD1721

    Dos dados recolhidos nesta anlise, a observao mais relevante a diferena na

    estrutura interna dos dois ficheiros, diferena que j era perceptvel audio. O

    equilbrio e a constncia do ficheiro AHD1720, quer ao nvel da intensidade sonora

    como ao nvel espectral, em contraste com a grande instabilidade fsica e relativa perda

    de altas frequncias do Ficheiro AHD1721.

    Estes dois aspetos, a par da diferena da diminuio das altas fre