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e 10····: ·····s-·' . . .. . - U rn a analise do sistema funerario e Id a ·(o~a·. de cessoa entre lO S Indios Krah6

Manuela Carneiro Da Cunha - Os Mortos e Os Outros

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U rn a analise do sistema funerario

e Id a · ( o ~ a · . de cessoa

entre lO S Indios Krah6

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· · · r · : ~ · · > / , : : , · : · : · ; ~ : ; · . - ' ·-:NA·prinieira a tonica e uma certa implicancia com "os qu e' < . ' ~ , ' < : '. : ' - ' . ~ ' : : : . :~ ' : . : : . ' : . " , , ; . 'querem 'saber demais"; na segunda, um a irritacao corn.. ' .. . :.: .. "os que querem dizer de menos". Na primeira, ha ur n

'.' excesso de perguntas; na segunda uma escassez de' :. " : ' : ~ . ' ': ' : , '~ , . ', , > ': : '. , ". " :' . . respostas

. . . . . . .. '. ... . '. .. - . .'.:t. . ," : '1 _ • • • •

© Direitos autorais, 1978; de Maria Manuela Ligen Carneiro da Cui) ha .Direitos de publicacao reservados pela Editora d.e IItl111anismo, ~:i(~nciae Tecnologia "Hucitec" Lt..da., Alameda lUll, 404, {)1420 Sao Paulo, SP"Telefone: (011 )287-1825~ Capa .d e Luis Dlaz, Fotos: Ana Marla Niemeyer(pag~~V)' e.Manuela Carneiro da Cunha {caderno de illlstra~Oe~)·t.·.S~tvi~~sgr~'ficos. da Empresa (;rafica da Revist~ :'dos Tribunals $/A t ' :R i1~ ··Conde(1.~.Sarzeda s, S8~ Sao Paulo, SP . . .. . .':

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...

Sumario

+ .. . . . . . . • • • • • • I I1 II I II • -I I • • I II . .. ,. . ... .• •

t ...................... - ' I I . , . • • •

Krahos - I I • , . . . . . . . · . . .t .. .. .. ..

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A !\I{ORTE

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llEPA11TICA() TAREFASII: ALUTO .. .. .. ... .. . . . .. . , . .• . . . ' • . . . ~ . " 'I •

d e prestacoesmatrimoniais10

sistema . . T . " t " ll • • " . . . . . .

problemas lIm

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tempo

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12

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23

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35

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42

4243

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58

58

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Part c f~tC11 tatia: 0 ri to In {}Ve 1 ~ , < > • ~ " " ~ ~ ~ ~ ~ , . L ~ ~ • . • • • • • ~ E ~ •

o Pij rg(I ""t() T < : • . . • ~ ~ • L • • • ~ • • • . . . • . • ~ ~ ~ • " 1 0 • I I • • " t • t " • ~"

outro exernplo: a tor a t.le kateti ~~. 1 0 ~ . . " r • " .. t ... " ~ " ~ •

Capitulo V~" i\~JIZADE FOR'~vff\I.J} CO:\·f]_)j\NIIEIRIS~10 E 1\

NDC A . O I)E 1) SS0 t\ ~> • • + ~ ~ ~ ~ < > ~ + < > ~ ~ ~ < > ~ j ~ • ~ ~ ~~ • ~ • ~ ~ " t ~ t

Amizade formal enquanto re]~l~~a()de cvitacfio ..~~" .... ~. + ~

Solidariedade des all1igos formals ~ ~. < > • ~ L ~ ~ • < > " L • ~ .

Re]a~o:(~s prazenteiras associadas {. t arnizude formal . ~~r ~ "~~~

A ~ t l " . . j 1 H t ,.,lmpor anc] a (() (H.lfO ~ ~~~. L ~ ~ • ~ + ., , t ••• ~

o ulnigo forlllal errquanto antonimo ~. ~~~~~~. ~~ t , ~~~~t • ~

Amizade formal, COll11)31111Ciris1l1() e e(lifi<.a~~ao da 11cssoa jo T ~ .

C ( J . 1 J 1 t Y !< J V I : 0 ENTERRO SECUNDL. \RIO • • • . . . . • • • ~ . . . • w i • • . . . .. . .. . . . . . • . , .

. In trod u~a o + -I I . . . . . . . . . . . . . . . t t • • .. .. • t ... • " r • • • ~" ~~• • ~ ~" ~ " ~ ~• ~ ~• • • • ..

S an gu~ .e transgressoes de Ironteiras ." ~ ...t ••• ~• ~ • " T . t " " " " • +

Resg.~a~~"9, fronteiras e f{}r~,l'a vital " ..... t • + ~ ~ . <r jo .. 3 > ~ • t • ~ • ~•

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Carj~ulo VII: '..ESCATOLOGIA , ..

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..0SIno rt0sea COIlsan ,giiiid 3d e ~. ~~~~. . ~I , .. _ _ L " " . • 4L t • " ~• • •

A elimlnacao da afilli(lade: a ausencia de pahani ~ + ~ t , '" ..

A m orfologia c ia aldeia dos mortos .. ~.. ~. ~ ... 1> " JL t .. . t • 11

Diam ia e perIn ane n ci a t ~~~ • ~.. ~ • t • ~ t • ~ <t + • ~ • " • • • • " ~ . • • . •

:.:.:.: .. -Capituio VI11: 11ERl\NQA E C1JI~TO DOS ANCESTRAIS: SUt\. INEXIST:ttN CIA .... to t ... ~ • 4 . • t ... ... • • • ~ ~ ~ ... ~ • • J • , ~ . ~ •• I . 1 ~.'~.:.~:..;.

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A heranga .:. , JL ot t • .. oj. t 1 0 ~ . . • • • • • ~ • t • • • • t ... t ~ ~f • t .. ~•..• .. ' ~ ~ to ~ . ... 1 ( 1 0

O· culto' .dos allcestrais: sua inexisb(\ncia .. ~~ . t .. 4 . I> . . fL ..... ~ ~...

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Conclusi1().:·· .O S .?vl011TOS· S;\.O OUTROS.. . - .. ' ..

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REFERBNCIAS B I B L - I O G R A F 1 C A S( . ' • • • I ' • •

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66

66

71

74

74 '7882

84

86

88

Introducao

95

9510 0 r

10 4

trabalho duplo: tentar evidenciar asesclarecer aspectos da

112

11 2

11 4

11511 6

119

12 112 2

123126

porem, so pode ser indiretamente buscado lias

131

13113 4

ao cabiau

14 7

1

 

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Nita se trata portanto somente, embora se trate primeiro, poruma questao de metodo, de evidenciar a personalidade social. .~~~abordar este primeiro nivel, 0 da pessoa revestida do seu status, araziio logfstica da escolhado tema da morte e patente: arnorie ._-ilao se satisfaz em. destruir 0 que chamamos organismo, 'mas iniciatambem um processo de dissolucao do homem social, e' isso -emvaries estagios de seu cicIo de vida. Nos outros ritos que desdeVan Gennep se convencionou chamar "de passagem", nascimento,casamento, iniciacao, 0 estagio no cicIo de vida (e eventualmente'0 sexo na Iniciacao) e fixe; em segundo lugar, estes ritos saocumulativos, no sentido que vao sucessivamente investindo 0

homem de sua m a sc ara so cia l, se u status e seus papeis. Cada u rnd es te s r ito s de investidura corresponde portanto a urn status fixo.

Mas a morte que ceifa a esmo, que nao escolhe sexo nemidade, opera urn tipo de "corte" na sociedade em que saorepresentadas todas as categorias de ida de e de status, e isto setraduz em comportamento diferenciado no d es en ro la r d as exequias ,

.

o estudo das manifestacoes socialmente padronizadas que

cercam a morte permite, no processo de gissQlu£Jio .da I!ersonillidade· , entender-se, de certo modo "pela negativa", 0 que

precisamente const itui esta personalidade em uma dada sociedade,

e que vai sendo progressiva e Ientamente formada ao longo docicIo de vida de cada individuo. "0 status de uma pessoa eproclamado do modo mais conspfcuo a sua morte, quando sua

personalidade social tern de ser cancelada par rito ou cerimonia"(M. Fortes 1969 [1949]:55).

No outro extremo, a nivel etnobiol6gico que esmiucamos" nospareceu igualmente importante para entendermos onde se situam,para 0 Krah6, as fronteiras do indivfduo,

o problema da pessoa no entanto nao se esgota em nenhumdesses nf ve is: se procuramos e sc la r ec e r- Ih e c e rt as facetas, fo i nointuito de abrir 'algumas sendas para pesquisas futuras queprovavelmente part iriam das nocoes de companheirismo e amiza.deformal, das quais esbocamos neste trabalho uma primeira analise.

Assim colocada em duas problematicas diferentes, t ivemosde optar por uma ordem de exposicao , Se escolhemos uma ordem"diacrenica' que, dos pressagios de morte passa pelos ritualsf " 6n ebr es e chega a h er an ca , f oi urn POllCO a maneira de u rn mito:a diacronia e um artiffcio de narracao, nela nao reside a estruturamas ~a _reco~rencia de certos temas ao longo das descricoes. Umaexpos icao d18cronica fomecia ainda a vantagem adicional de

.,.

evidenciar mais claramente 0 alinhamento dos grupos sociais que

intervem nas exequias, Pois estas sao a ocasiao, como escreveu

outrora Malinowski (1968 [1929]: 126), de urn "jogo social onde

representam uns contra os outros os varies grupos em que a

comunidade se recristaliza a morte (de urn individuo)".

.:\.. .. Dentre os temas evocados acima, q ue ressu rgem em diversas

, f ~ f , etapas da analise, urn , 0 da alteridade d os mo rto s, ocupa r im I ng a r: ' : : ~ : k preponderante. E no entanto necessario, cremos, esclarecer em; ~ m : : ~ > . ' , q. ue niv el de realidade ele se situa.

~ : j " . . , ;~ ., ~* .~ ' r . v . .r ~ , .

~ ; " ! i t : 0 homem classifiea e toda a sua apreensao do mundo e~ ; : : ; ; { 1 ~ t .mediatizada pelas classificacoes que a precedem. A antropologia

- ( : ~ ; i t " ~ " . , social, em cada campo que the er a tradicionalmente reservado -

· ~ ~ ~ r \ ,totemismo, parentesco, por exemplo parece ter deparado co m

, I r f Esta e a perspectiva .em que d:vem~s ver tambem 0 par;t~W:vivos-mortos em cada sociedade. Nao existe, como parece ter.: ' i1!~r pensado Hertz 1970 (1928) um modo de se pensar os ~ortos 9 ue,

' r : : _ ; / ~ . de tao natural seria de certa forma "universal", Na ~ilUdade.EVOS., ; ~ I ~ : , ' r : e ·mortoswpodem OU nao . se rem ~on&ehjdoscomo au tQp jmCSI- P3t. .pe .

.,~{:;,::._~postos em ~!!!a clas~i f ica~~9 .~~u m~JhQr.,..DaO e na .realidade tanta".. a e x !s te n ci a. d a oposi~ao q~~ interess~.. p ro va ve lm e n te s em p re~ se podera , em c e rt o c o nt ex t o, opor vivos e mortos m~~.~J?:!~s~, recedencia desta classificacao sabre as outras. Se por exemplo a

lin ha ge m , o nd e ela ex is a , or u m o pera dor classificatorio mais

importante do que a distincao vivo-morto . , esta esmae~era epassara a um segundo p lano. N o formalismo da teoria da sdecisoes, trata-se de saber em que ordem sao colocadas as

perguntas e as op~oes a que conduzem.

1 0 que transpareccra ao longo deste trabalho e 0 Iugar

prioritario que cabe, entre os Krah6,·3 . oposicao vivos-mortos. Jj

e ste u rn operador classificat6rio primari~, -e ,? S m ortos enca~am aalteridade .maxlma vivendo em uma anti-sociedade, na medida em-que---esta ao mesm~ te mp o n eg a em seus fundamentos a sociedadedos vivos e a hostiliza roubando- lhe os seus membros: os, .~. . ," "mortos configuram-se assun duplamente como outros enquanto

.e st ra n ge ir os , i st o e , barbaros, e e nq u an to in im i go s.

...

2 \

 

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: .. ' / ~ :, : ; . 't ." :. " ' :, : . .

. · ' · ·" ' s~b, : rt J88feridos em .1848. p.a"ra Pedro Afonso, m~is ao suI, so b.;,di.~ do capuchin~o italiano Rafael de Taggia que tentou. , . . , a c J i z a - 1 o s , os "Kraho tornaram a se de~~oc a r, d es t~ VC ~ em_ __ _ .n ord este, Indo estabelecer-se na reg130 onde a te hoje se...;outram, entre os rios Manuel Alves Pequeno e Manuel Alves..·'de. poueo se sa be s ob re suas relacoes com os neobrasileiros".partir· dessa epoca e ate 1940. Nesta data, fazendeiros da regiao,ir ri ta do s p el os furtos .de gado, atacaram duas aldeias Krah6 ea-ram mai s de vinte vitimas, Uma consequencia deste massacre

!OJ.,a demarca~ao em 1943, de um territoriode 320.000 hectares,COdido em 1944 pelo Estado de Goias, .

Postos a margem do p ro cesso d e producao dos regionais,os Krah6 puderam manter a tradicao viva. Os principais elementos

, . disruptivos foram, cremos, a supressao das expedicoes guerreiras...". ea Introducao de bens raros que nao mais podiam ser produzidos .

. . . '. ~ r . : , . / : p l a tribo. A p~imeira fo i possivelmen~~ causa do desaparecimento.<.<:·~;.':~!IU lasses de idade, a segunda modificou, c on fo rm e v er em o s, 0

. . : > : ~ J ' : ~ ~ ~ ~ : > .. ma de heranca, e a frustracao que produziu suscitou urn·; ~ " i ~ ~ { ~ : ~.. vimento messianico do tipo do "cargo cult" (vide.Melatti 1972).- . . t . " •~ f . { " ~ !:

~ ~ . ; ~ . ~ t · ~ , ' . · ~ ; : .A criacao da Guarda Indigena ( re ce nte m en te · ex tin ta ),..-~,(... ando a divisao do trabalho era impossibilitado aos guardas

. ~ ' l : . ' , • varem suas ro~a~ dol e "fazendo circular dinheiro entre os............, teve r ep erc us sa o n o SIs tema de trocas.

."~ .

.._~...._.~.;.~~'~.uanto 80S costumes funerarios, objeto de .nosso estudo,.. . ram imposicoes externas, e os Krah6 tiveram de abandonar

, .

' : 1 1 N ,j,·,.:enterros s e c u n d a r i o s e as. inumacoes dentro das casas. N oJ [ ; ) , ,.}.lanto, nestes casos, as inovacoes se fizeram, como bern diz

. · ; ~ ~ ( : : ! , ~ . / . : :M e l a t t i 1970: 51) "segundo 0 sistemasimb6lico Krah6" . A·;. ';8(~.:)'·:,.periencianova foi apreendida atraves de urn arcabouco mental

· . > . ; . : . \ : : ' .preexisten te..:~ ' I • •

· ; ~ J . ; ' { , f ~ t : ! ~ < A tradicionalidade de urn grupo D a O S f! mede, co m efeito, pela. " ~ , . ' \ } . ~ ' L .!&~~c ia d e sua antiga indumentaria, de suas tecnicas agrfcolas,

; ' : ' ~ J ' P r ~ ~ .suas casas, mas sim no "uso" que ele faz das velhas categorias· ~ . ; t ; ' ~ ~ ~ l ; : · · :: ~ m o principios organizadores da realidade vivida, por inesperada~ ~ ~ ~ . t ' < : . ~. . ela seja. Para tanto, a conservacao da lingua parece se r de···:":'ii;~~;··.,~~amportancia, ja que ela encen·a e ex pressa o" sistem a, · ; : : · < : : , , : : ; ~ m b 6 l i c o .Ora os Krah6 mantem sua lingua; e por enquanto s6

·;·;t . > C O s homens e alguns adolescentes falam portugues,• • • • • . L I .

. . , i : < · . ; . , 'N ao hou ve, crem os,· assim, um a ruptura n o p en sa m en to..',~~'!Craho, ou melhor, 0 pensamento Krah6 atual prolonga sem com'.",~~lese confundir u r n p e ns amen to tradicional d efro nta do c om n ovo s.· -~~lemas . Os neobrasileiros, para usar urn outro jargao,

. p arecem ter fornecido novos significantes m as nao novos

Uma palavra sobre os Kraho

O~Krah6, que vivem atualmente perto da margem direita ·doTocantms, no cerradodo norte de Golas formam com cerca de. 's~Iscentos membr os , r ep a rtid os po r c in co a ld eia s, um a tribo quetira seu sustento da caca, de uma agricultura de coivara e dac oleta , ten do em p reen did o rec en tem en te u ma tentativa de criacaode gado.

Sao enfeixados, juntamente com os Ramkokamekra-CanelaApanyekra-CaneJa, Pikobye e Krikati, tribos do M aranhao da~quais sao muito proximos lingiiistica e cuituralmente, na apelacaode Timbira Orientais, POf sua vez subdivisao dos J e Setentrionaisque englobam entre outros Apinaye (Timbiras Ocidentais) ,Kayap6 (Gorotire e X ikrin) e Suya, Ainda na m esm a familiaIingufst ica J8 c ostu m am -se~ nq ua dra r o s J e Centrais (Xavante eX erente) e os meridionais, hoje reduzidos aos Kaingang e Xokleng"

Como _em todas essas tribos, su a organizacao social e taocomp~exa .quanto e rudimentar sua tecnologia. Dispoem de umpI e tor IC0 S Is tema de metades que se entrecruzam, ligadas ao nome(as metades sazonais Wakmeye e Katamye e as metades H 'ararumpe

e Khoirumpe), a s antigas classes de idade (sao as metadesHariigateve e Khoigateye) ou escolhidas ad hoc para um ri tual

· Seu parentesco e do tipo bilateral, e se ig nora m regras decasamento quer prescri t ivas quer preferenciais nenhuma dasmetades acima e exogamica sao no entanto uxorilocais comotodos os J e .

Os Krah6 estao h a muito tempo em contato com osneobrasileiros (1): ha cerea de cento e setenta anos, q ua nd o a in dase encontra vam no Maranhao, foram a lcancados por um a frentepastori l que, vinda da Bahia, iria, ainda no seculo XIX, cruzar 0

Tocantins e 0Araguaia e chegar ao Para. Rechacados e finalmentecercados pelo gada em Golas, os Krah6 no entanto nao se

e x ti ngu ir am c u lt ur a lm e n te : Melatti a tr ib ui e ste "conservantismo"ao fato de a frente pastoril nao necessitar dos indios comomao-de-obra. Quanto a sobrevivencia fisica, os Krah6 devem-naem parte a alianca que mantiveram ate meados do seculo X IXcom os criadores de gado, ajudando-os a ex term inar as ou trastribos da regiao,

(1) Estes ~ados e os que, seguem sao fornecidos por J. C. Melatti(1967) que anahsou as caracteristicas do contato da frente pastoril comos Krah6.

4 5- - - - - . _ .

 

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significados. Nao q ue q ueira m os esta belec er u m a "autenticidade",uma "p r im i t iv i dade " a trib o, q ue nao te rn m a io r relevancia: 0 queq ue rem o s a firm a r e que n os m o vem o s dentro de um pensamentoespec i f i c°, muito pouco alterado pelas i n fluenc ias neobrasi le ir a s.A presenea de e le m en to s X e re nte s, A p in ay es e d e a lg un s Canelas,etnias que part icipam do mesmo fundo Je, DaO nos parece ter,p or su a v ez, modi f i cado 0 universo conceptual Krahn. Em mui tos

(casos, portanto, em que as p ra tic as tr ad ic io na is sao apenasI • ,.., •

. l em b ra n ca s, elas n io o bsta nte escla recem a s reinterpretacoes atuaisque as circunstancias e x te ri or es impu se ram• P or enquanto pelomenos , 0 pensam ento K rah6 parece-nos segu ir sua trajetoria, .

propna.

._ ,I .. .. ... .

= .. . . ~ '\ . .

ilj. ,-".'.,.. '.. / . ~

.. . .• • '' 'ill '.

.. . . . - -: .

Sinopse

o material

, . '. , - 't r ." ~: ... ... ". ... .: .o 'j • _ .; _ . . o f •

'.. '.' tames por d es cr ic oe s q l! e ja eram, de certa form~, a

. ex i~o apenas fun~ao de exemplo. Cremos que 0 que se

. ii ly ez em cla reza , e p erm ite a ced er m ais d ireta m en te a analise.

",!. Nlo implica esta escolha no abandono do que nao se

'... ~nquadraria na analise: procu ra mos fazer, descricoes . m esm o....'.daqullo que C0!D0 por exemplo ?s pressa.?I0s OU 0 r itual det . " ~ : ' - - I m . de 1uto nao fosse se r analisado, pois pareceu-nos que2·t:~~::>~.vfamosornecer o s d ado s m a is c om pleto s p ossiv eis so bre tu do 0

~ d ~ ~ f < 4 U eiz respeito a m?rte , ao cicIo funebre e a . escatologia K~~h6.-:~·\~··";,i'il~~C om e~am os a ssnn p or u ma p arte essencia lm ente expositiva..

t - ·descreve 0 que antecede a m orte (criterios e definicao de- ., cau sas que foram analisadas enquanto discu rso sim bolico,

. . . . . . . . . . - · 0 8 , ult imas disposicoes, origem mitica) e tudo 0 que• t ame n te th e su ced e, ou seja 0 desenrolar do enterro e a

... al refei~ao p 6stum a. ·I .

. J J > Com a reparticao das tarefas funerarias e a descricao do Iuto,

...........s 0 dominic das a ~oes p ara nos concentra rm os nos atores,(~denc iam os assim a dupla e contradit6ria a~ao d a p ro cu ra" .::. restig io e d a c on ta billd ad e das p re sta c oe s m a tr im o ni ais ,~.... .... .....indo 0n iv el p re sc ritiv o d en tr o d a r ea lid a de o bs er va da .

_ t . . N o c ap itu lo seg uin te, p roc ura mo s c heg ar a uma descricao~::tiva do ritual do fim de luto, separando ·a parte f ixa da. faculta tiva realizada som ente sob certa s c ond ic oes. N esta...........imos 0 q ue c ha m am o s 0 "canon" e a parte movel que e aespetacular. A complexidadedo corpus ritual K ra h 6 im p ed iu ,

' .entanto, q ue se p udesse inc lu ir nos Iim ites deste tra ba lho u ma: '61i sedeste r i tual .

_ _ ' I U ' O' ~ - . _ "" . A a nalise da a miza de form al e do c om p a nh eir is m o, e sb oc ad a

esta a ltu ra so b u m p retex to ftitil, ten ta ev id en cia r o s p rin cip io scos . 0 d a o po si ea o e 0 da semelhanca q u e p re sid em a-- a~ao da pessoa en tre o s K ra ho ,

-i RctnmQ:ndQ uma exposi~~o4iacronica, cODsjderamog a pra~caL~ ~ i l o J eexfu!ta z do epterro-secUnd6 d O . Tent amos p r im e ir o r ec ons ti tu ir

- - : ; ~ ! , . , , : ~ : ; : O S If ato s e , em s eg u id a, a s representacoes que tal c os tum e s up u nh a,· , < ' : , ~ y : o que no s levou a um Iongo estudo da p os i~ ao s em a n tic a do; ! i ~ t · : , langue e sua liga~ao com um a ideia de forca vital.

.1 T entam os em segu ida fazer um a analise interna d as c re nc a sescato16gicas e da luz q ue p rojetam sobre a a utoconcep ca o dasociedade Krah6. Configurou-se que se pode inte·rpretar. um a

Trabalhamos para as nossas descricoes com d ois tip os dema te ria l: h ou v e p rim e ir o a observacao direta nossa au encontradana bibliogra fia . A tese de dou toram ento de Melatti (1970) foi

a i uma fonte de informacoes seguras.

Nao p od em os, c om o G oo dy (1962), nos v a ng lo ria r d e te rm o sa ssistid o, no s c urto s p erfo do s q ue p assa mo s en tre os K ra h6 ( tressemanas em agosto de 1970 e c inco sem ana s em ju lho-a gosto de1972). e mui to menos no m es que um Krah6 p assou conosco emSa o P a ulo , a im im era s cerim on ia s rela tiv as a ritos fu nebres. Naoh ou ve h ec ato m be . A ssis tim o s a morte dolorosa da velha K otoi;a ssis tim o s a u rn porgahok (urn d os r ito s de fim de Iu to) m as feitopara divertim ento. N iio que a m orta lidade e sobretudo am o rta lid ad e in fa nt il nao seja m uito elevada: com o em varla soutras tribos, ela e estarrecedora, e as hist6rias de vida querecolh iam os parec iam antes um "m em ento dom ine" em que sedesfiavam os nomes dos mortos .

F ora m essa s e voc aco es d e m orto s, rec entes e a ntig os, q ue n osforneceram nosso segundo tipo de m aterial. A com paracao dad es cr ic ao c om a observacao permite evidenciar os tempos fortesd o ritu al, d is tin gu ir 0 qu e e relevante do que e a ciden ta l ous ec u nd ar io , E nao s 6 is so : dedicamo-nos em companhia de U Ininformante a ex egese m inu ciosa de ca da descrica o de fu nera is ouritu ais lig ad os. S urg ira m a ssim a sp ecto s in su sp eito s, em erg ira mc on sid era co es q ue nao seriam revela da s p or outros m eios eordenaram -se sobretudo em um a hiera rqu ia os p rinc fp ios quedeterminam 0 desenrolar da s cerimonias e a a tr ib uic ao d os p a pe is ,

6 7

 

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escatologia nao como 0 reflexo mas como uma verdadeira reflexaoda sociedade que a concebe. Embora este seja ate certo ponto urncapitulo autonomo, ele remete novamente ao problema da alteridad~ja surgido anteriormente. ' -

Enfim, a ausencia de culto dos antepassados foi confrontadaa s explicacoes funcionalistas. Mais do que tentar adequar os fatosa teoria, alias os fatos satisfaziam todas as' teorias preferimospropor uma mterpretacao em termos conceptuaiscujo' valor

explicativo global expomos em conclusao.

,~ . • · . - f t / ' · - l . . ' .

';,::~,,-'--:;_.,<;>~~Quanto notacao das posicoes genealogicas seguimos 0 usc

brasi1eiro:

p• "

pal m mae

I• "" "

• • _ _ . . . . .

irmao 1 - . IrmaF filho f filha

E esposo e esposa

Assim, por exemplo, Ime le-se "0 irmao da mae da esposa".~, .

r

- .. . . . . .

• "

N otas sobre a transcricao das palavras Kraho (2 )

• • . I •

" ,,; .I •. •. ; ' . ' . . r-, .

. . • • • I

• '1 -. .- .• ' • . : •I . .

r \ _ > ~ ,> : , . ~ " .. .

':-, ' ..

. ~ ~;.: ..~. .. . -: ~. . _ . . 1 - ( . . .

. . ; J (,~. . . . . :. . .

de

. -,' rsidade Estadual de Campinas, em novembro de 1975. Recebianca examinadora, composta pelos Profs. Diana Brown, Maria... de Carvalho Franco, Peter Fry, Julio Cezar .Melatti e Lux" sugestoes que agradeco e que procurei incorporar a presente

Agradecimentos

Nas transcricoes pelas quais optamos, usamos as letras como valor aproximado que tern em portugues, excetuandQ-se· noentanto as seguintes: as vogais ii e e pronunciam-se respectlvamentecomo 0 a e oe nao acentuados na promincia de Portugal (porexemplo-: em ama ou em levara) ; a vogal ii pronuncia-se _comoem alemao (por exemplo, em bose; quanta a vogal T, ela ·sepronuncia de modo muito semelhante a e, com a diferenca de que

seu Iugar de articulacao parece-nos mais pr6ximo do i.Note-se ainda que 0 1 1 , quando, aparece, e sempre aspirado e

que 0 ii pronuncia-se co m em espanhol, isto e , nh.. .

Eventualmente certas oclusoes glotais sao marcadas por urnk (on a s vezes um g, sendo diffcil distinguir entre' ambos) .depois

da silaba e acima da Iinha. +

..: I

, < r \\ ;Aosmens amigos, colegas e alunos, devo a possibilidade de, · 'e fazer amadurecer minhas ideias: as de Peter Fry, amigo

· ntador -da tese, que sabiam sugerir e estimular, foram deial valia. Quero agradecer tambem as observacoes de Tonyre .de Rubem C. Fernandes, que me induziram a esclarecer

pontos.~~. .

: , :J,Acima de tudo.isou grata aos indios Krah6, que me acolheram'. . .a m iz ad e e tiveram paciencia com perguntas tao insistemente, . bras, .e muito particularmente aos amigos Pedro Pend, z e

.""~'._~ lio e Pascoal Hap6ro; a Vilma Chiara que me levou aopela primeira vez e que, pelas grandes amizades que tern

~,os Krah6, me abriu muitas portas; aos que compartilharam

.. igo as vicissitudes do trabalho decampo, Michel Audi, Ana:""s Niemeyer e Niede Guidon, amiga de sempre; e a Ritantes que cuidou do material fotografico.

Agradeco a FUNAI que me permitiu 0 acesso ao territ6rio.. .. ,. 0" e 'a FAPESP que me concedeu bolsa de aperfeicoamento, > : ~ ~ '11/138~),eauxilio para pesquisa de campo (72/460), para a,_,, 'OIabor8~ao deste trabalho. ..

. . . . ....

. ':.'.. , ,~." Minha familia e meus amigos ajudaram-me a cada passo e, SU p ortaram com paciencia e generosidade as ansiedades de uma_ .. Dedico-lhes agora este livre, e ao Marianno, porque ternsabedoria.

o r, em Kraho, e sempre brando. Ow pronuncia-se comoem Ingles. Quanto ao k ele e comumente aspirado e notamo ...o

entao kh. ·

Keg, ted, p e b sao alofones e pode oeorrer e m nossas

transcricces que usemos urn ou .outro de modo inconsistente.. .• • I • r · • - . •

., ~encionemos que existe uma grafia padrao para os gruposTimbira, elaborada no Departamento-Geral. de PlanejamentoComunitariu da FUNAI por uma comissao composta de, ..antro-pologos e lingiiistas a 8 de outubro de 1974, como preliminar aalfabetizacao em lingua indigenar nossa grafia poueo diferedessa grafia padrao, na medida em que se quer proxima doportugues, e s6 nao a utilisamos por ter tornado conhecimento

dela tardiamente.

----_.....,_..._

(2) Agradecemos a Haquira Osakabe que ajudou aredigir esta nota.. : . .

8 '.9

 ,,

"I .

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y, .

, "!-,' ,: ...

~~,~. ,

. '

CAPiTULO I

escreve J. P. Vernant (1965), algo profundamente diferente_______magem: e 0 que remete 80 objeto sem no entanto se---dir com ele. Representa~Oes analogas sao legiao na literatura

e se reencontram na psyche homeric a e no genius. JQno.\O que importa porem nao e sua generalidade, mas antesIDa ·especificidade, enquanto se a pode correlacionar com outros

• •

~ SOCIalS. "

. : ~ . ' " < ' A "ssa~iodo,.soptoJ,- se_~ 0 ini~i_ocJe nroil p_o.9iv~lmndan~a ... • 'est~ol naa.b'!~_ta~o we~tanto ROI ~i.s6 para consumar a mo.r:te.:

,...•,iii, iQ 6 ll!. brusca, de est rocessQ , _~ _~;..-, sso sin ularlnente reverslvel elo me

, : s 3 ~ ~ ~ - -: , : - a a ld eia dos m ortos ue m arc, :,~;', ;, ,~:~.{;: ': - . !"

- , , i ' : , < " " . Pois nao e , como ja vimos, a exterioridade do........-xterioridade que pode ocorrer no sonho ou nas expedicoes

. eertos privilegiados, akriigaikrit (vide Capitulo VII: Escatologia)-"que sanciona a morte, mas a participacao na vida social da, , dos mortos, atraves da aceitacao de comida, de relacoes" · ,- de pinturas e corridas de toras. Embora 0 termo ratek

portanto ao que poderiamos chamar a morte organica,: ; . . -0 su poe um a irreversibilidade: devido a "defasagem" da". .0 do folego e da instalacao da alma, permanece aberta

_ um tempo a pos si bi li dade de um a ressurreicao. £ 0que)". v arias est6rias exaltando as proezas dos curadores de

A M orte

Dejiniciio e criterio da morte

U rn kra h6 e dito ratek (onde 0 prefixo ra in dic a e sta do )quando cessa a respiracao (1): respirar e por excelencia 0 at evital. 0 vento (khwok) invade a garganta, chega ao coracao(itotok) e torna a sair: este sopro vital e comandado petecoracao, que controla tambem todos os m ovim entos, os sentidose 0 pensamento. A vida humana e assim conceptualmente ligadaa respiracao e, po r alem desta, ao coracao que a determina.

Urn segundo principio vital e 0 karii (no plural mekarii) .

Habita 0 corpo, embora se ausente nos sonhos e nas doencas;sobrevive ao homem, e e ele quem v ai se esta belec er en tre osmortos e l a l ev ar um a e xis te nc ia insipida e diminuida. TaIvez po risto karo conte entre outros sentidos 0 de "morto", que lhe eo mais usual quando usado na forma coletiva (mekaro), umPOllCO como nos usamos os termos "espiritos" ou "aImas" como sentido implfcito de "espiritos ou almas de defuntos" . 0significado de karii, no entanto, parece ser bem mais ample: 0

termo abrange entre seus denotata a fotografia, 0 reflexo, toda"imagem do corpo". Mas DaO s6: 0 karo pode assumir, mesmoenquanto ligado a um eorpo hospedeiro,aparencia diferente dessecorpo que ele habita: foi-nos descrito, certa vez em que se noscontava a reinsercao de u rn karo vagabundo, com o urn objetobranco, do tamanho de urn dedo, parecido com um pequeno sapo(prokaye), algo portanto mais manipulavel pelo curador .

Assim poderiamos traduzir talvez mais apropriadamentekaro por "duplo" , lembrando que "se toda im agem e urn duplo,todo duplo nao e necessariamente uma imagem" (L. Levy-Bruhl1963 [1927]: 189) Na realidade, em sua essencia, 0 duplo e ,

,

::(~'Havia u m cu rad or. ld a pessoa estava morta. 0 curador

.'~-' karo para viver de novo. Contani que a irma de um. que tinha morrido 0chamou. Ele disse:,~f~. 0 que e que voce vai me dar?

> < . , · ' . 0 que e qu e voce quer?-~j;-:;:_~. tr Panela e espingarda para meu pai e minha mae.

,)deu. A mae apanhou 0. pagamento. 0 curador acendeu 0 khat. imbo muito usado na magia). 0 khat p ar ec ia c om o luz de

,--,','ela(porque 0curador usou muito [umo), Ai ele caiu morto ao. do morto que ele queria trazer. Deu suor no s dois, cu ra do r eo {;8tO se reiere a corrida de ambos, voltando da aldeia dos).0 curador mexeu 0 p 'e e 0morto mexeu 0 p e . Quando 0

_,., . or. sentou, 0 morto tambem sentou. Quando 0 c ur ad or a br iuy , 1

'/~~\':"-'",olhos, 0 morto tambem abriu.,..., :,~:'.' Pediram agua:. -

" "- • Deem pouquinho para 0 d oe nt e .. -, ~~am aos poucos; depois deram para 0 curador. Ai 0 curadorIftJantou, 0 doente disse:

Estou com fome, mamiie, quero peixe ( ... )"

_ _ _ _ _ _ _ . - - - . . . . . . . .

(1) E, nunea antes deste momento, como e eventualmente 0 casoentre os Kayap6 (T. Turner 1966).

10 11,

 

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I

_ . a , ~ . ~ . r? Cirh...:,'r-".,IJ _j_ 'r IJ"-~ u-- ~...~-~.,~~~

.Embora 0 karo possa ausentar-se co frequencia, 0 corponao sobrevive muito t empo a uma ausencia continua, e nao maisin te rm i te nte , d e s en d u pl o. Este, porem, p re s in de 0corpo humane:torna-se entao 0 que chamariamos uma "imagem livre", na oporque sem materia 0 karii naa e imaterial mas porquereflexo de toda coisa e de coisa nenhuma, que fo rma algumasaberia circunscrever de modo duradouro. Eis porque, parece-nos,..0_ ..£ a r 6 _ . ~ e um , m ,o !! o te m PQ r c a~ a 9. !e rf st~ c aQ .. _p o~ er de metam?r- :fosear-se ass· a ue lhe aprouver (VIde M . Carneiro

a Cunha 1973). Nao deixa no entan 0 e ser, pelo menosdurante um tem po (vide capitulo VII: Escatologia), 0 karo\ .R~ssoal de urn determinado homem,

. . . .

d iagnos t ic a r doenca, 0 curador tratara de recuperar.,;;,.it e .de reinseri-Io no paciente; sua competencla estende-se

_ t d O r i te, como vimos, alem da morte organica que DaO etida. ~r irreversivel.:~:',;,~:.0 karo de Prumkwui e 0 de Karate; respectivamente inna daJDie e pai da mae de Poyoy vieram raptar-Ihe 0 karii. 0 curador.... .-....mandou a paciente sentar-se Dum a esteira, de costas para

0,' marido que, atras dela, a amparava; ambos deviam olhar na" . tII,~o do mato, espaco dos mortos , onde ja se ouviam tocar os.}~:,',_~:~.. tos dos mekaro. Romro perseguiu os raptores e conseguiu.~::"~':.~,~_~:.:'/. . v er 0karii de Poyoy que foi reinserido na paciente pela cabeca.;, "'\~:' r de ter reavido seu duplo, Poyoy morreu. A conclusao se: ' Q ' por exclusao: ja que nao fora doenca, s6 poderia ter sido

: . " , . '

'. A morte, para I 0 Krah6, po e 'ser devida a _"feitico", a"doenca" ou a "acidente". 0 acidente abrange picada de cobra,queda, crianca que nasce morta, e ·eventualmente suicidios: emoutros termos, parecem .ser consideradas acidentais todas as mortes

•repentinas.

A distincao de feitico e de doenca e feita por urn especialista,o curador, que sua visao agucada e sua imunidade aos mortostorna igualmente apto a cuidar de ambas as eventualidades, desde

-: que a vftima nao seja \ arente sua. 0 feitico consiste n a i nt ro d u cao. de substancia _ estra nh n o corpo da vitima, causada ·por malevolointento. Se diagnosticar feitico, 0 curador pedira urn khat,cachimbinho feito de uma folha enrolada, e soprando f umac a nopaciente, fara afIorar a substancia estranha ate por debaixoda pele; suga-la-a, cuspindo-a em seguida e eventualmente

q u e im ando -a j u nt ame n te com urn cup im . Indicara a o m esm o tempoo r es p on s av e l pelo feitico, ma s ' e sta acusacao nao e , via de· regra,

tornada publica: limita-se ao conhecimento dos consulentes., "Doenca", termo usado por alguns informantes, ¢ a salda e

permanencia do karii forado corpo; c a fora, ps parentes ja mortos ,e dentre eles e sp ec ia lm e nt e o s parentesmatemos, estao sempre aespreita, s eq uio so s d e levar 0 duplo do doente. Assim a doenca egeralmente provocada por urn contato abusivo com parentesmortos : Gabriel "cheirou demais a catinga" do cadaver de se uirmao, e isto, anos depois, foi apontado como causa. mortis;

siicubos e fncubos levam a morte certa; sonhos co m defuntos sao..

pengosos,

'.',.0 procedimento parece ser costumeiro: ao adoecer um ai :"~" 8, a menos que se the conheca confli tos com a lg um s up os to. dro, a tendencia e de diagnosticar "doenca" e sempre se pode. r a lg um p aren te morto co mo origem . Se 0 paciente se. rar, a h ip 6 te se e st ar a confirmada; m as se definhar e vier aer , a menos que se trate de um velho, caso em que a conviccao

;tc,hamado dos p aren tes d efu ntos se mant em , firmar-se-a a

, se de feiticaria, Seria pois 0 proprio mecanismo de6stico, com a precedencia do de "doenca", que levaria ar incidencia da feiticaria como causa mortis. Por o utro la do ,

1IIAI.I nca" parece corresponder a "morte .natural", na medida em·nao acarreta as conseqtiencias politicas de um a acusacao de

•...,......a.to

·:-\Embora inabalaveis em urn dado instante, para urn dado. ,'estas acusacoes sao no e nta nto v aria ve is se gu nd o a parentela,:' seas inimizades de cada urn. 0 problema da fei t icaria'tI~a sociedade que nao reeorre it mantica ou .a oraculos para',' .. ar 0 feiticeiro, e em que as acusacoes nao sao tornadas

lIeas senao e ainda nem sempre ao cabo de uma escalada

, culmina co m a execucao do feiticeiro, e que para uma mesma- •0, cada grupo de interesses te rn s eu s pr6prios suspeitos, Com

('_'. "mecanismos, acrescidos da freqiiente consulta a mais de ur n~,,;~,.,;,(~~::.:'~_pecialista,relacao vitima-acusado p erd e su a importancia iniciaI,·qt~~~/ 'tb~par acusador-acusado que passa 'a o primeiro plano, a v itim a: ' {~I~~~:~Umindorn pape l de pivo cada vez mai s irrelevante (2). Ass im ,. _

.. :~.~.. . ' · · ' ....; .." .. .

. , . ' ~"" - 1L 4, :•. ... . .

' :' :; ~ l ,' , . ( ; . '<.2) Max Marw i ck <1970:293) insiste na tomada em consideracao, ',':"::.'~ trio acusador, acusado e vitima. Na realidade, a vitima enquanto tal,

. , ' < Js t o e , quando 000 assume 0 papel de acusador, parece passar progressiva-, m ente, entre os Krah6, para 0 segundo plano .

As causas da morte

12 • \ . . . . 1 .3

 

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a prop6sito de um a m esm a m orte, a de P oyoy, ouvim os 0 viiivoe a fam ilia de origem a cu sa r Z ez inh o, q ue a m ea ca ra v ela da me ntea defunta Duma discussao e que teria sido desmascarado peloc ura do r, p ossiv elm ente g uia do p ela s su sp eita s da fa m ilia , q ue destem odo sa nc io na va . P ara Peno, chefe da aldeia , no entanto, casadoco m a filha da esposa do acusado, 0 cu Jpado era ou tro A leix otoo - sen inim igo p essoal. R eforc ando a prim eira acu saca o, a m ortede Kotoi fo i atribufda por u m cu rador do primeiro grupo aom esm o Z ez inh o, enqu anto a voz corrente indicava novamente

A le ix o, g en ro d a d ef un ta .

. As conviccoes parecem tambem sofrer certa ev. . ?Iu~ao notem po, . a medida e m q ue -se tenta . acu mu la r ~cu ~a ~oes contradeterminado fe itic eiro, ten do sid e reg istra da s v an ac oes no ~ esm oinform ante em epoca s distin tas. A ssim , a tua l~e~te na ~ ldela dePeno, 0 inim igo pu blico m im ero urn , que . cap l ta l1~a .p ra t lcamentetodas as acusacoes de feit icaria como acusadcprincipal OU, pelom enos com o ac6lito e B asilio , q ue ja teve de fugir du rante u rn, , . ,..,.an o para a a lde ia Canela dos Porqumhos: 0 propno p al quenamat a -1 o , a c u sa n do - o da morte de sua esposa. Mal havia -Basiliov o lt a- do Ze zi nho feiticeiro e m a sc en sa o, a cu so u- o de nada menosdo que' ter post~ u rn "feitlco coletivo" na agua do ribeirao ondese toma 0 banho ma ti na l . ..

'

As causas da morte e 0discurso do corpo

T eoria s das ca usa s da m orte ta lvez sirvam fins politicos, m aso n fvel p olitic o DaO esgota 0 problema. Mary Douglas (1970)propos, depois de M a uss, e lev an do a s suas ultimas conseqilenciasas h ipoteses du rkheim ianas, a analise da feiticaria enquantodisc urso e p artic ula rm ente d o u so esp ec ffic o q ue ta l d isc urso fa z d asca t ego r ia s "dentro" e "fora" e sua traducao em term os de

morfologia social (3). Ampliando tal sugestao para a analise naos o da feiticaria, m as do par d oe nc a- fe ltic o, p od eria m os n ota r deinicio que a doenca e um a c onju nc ao ex cessiv a c om a parentela

--- .( 3) Notemos que nao e no entanto necessariamente funcionalista

este tipo de interpretacao, ou seja, que nao e indispensavel postular a pri-mazia da organiza~ao social, determinando 0 nivel simb6lico. Bastaria afir...mar que morfologia social, enquanto ordem t ambem "concebida" (pararetomar os termos de Levi-Strauss) ao mesmo tempo que "v ivida" , e urnc6digo q ue v eic ula a mesma mensagem do que 0 c6digo do corpo ou 0

c6digo do espa~o. .. ..

14

. ~~ ~ _ • i, ..:um abuso dos tacos f am il ia r es : m a n if es ta - se pela exterio-' : : ' · ; . J · ~ : · ' d o .karo. Ao contrario, 0 Ieitico e uma agressao por urn

. 0 e manifesta-se pela invasao do corpo por um a substancla..-.,.,.... Em um caso, a terapeutica c on siste e m re in se rir- se 0

1 1 1 1 6 · vagabundo, no outro em extrair-se 0 feitico.- • ~ t " " 'A p er gu nt a s er ia entao: por qu e 0 feit!~o penetra e a doenca

t a z escapa~;por q ue u rn p erfa z u m ~ tra je t~ rl~ fora -den tro e a o utr~., t ra j et 6 ri a inversa ? P or qu e u rn e 0 a cres~ lm o d.e a lgo qu e esta

...: 'logo "em excesso" e que pertence ao ex terior, e a ou tra a

. > ~ ~ ;.: . . . . . . de algo que p erte nc e a o in te rio r?; . . : < :~ " / ' ,~ / ~ / :;:.~ ;

. ;:i;:~~;!l \>· Pensemos p rim eiro na fuga do karo, s ed uz id o p el a p ar en te la.....a. Patentear-se-a, ao longo deste trabalho, a concepcao de;-05 mortos sao os inim ig os e que a morte e c onc ebid a c om otrai~ao: a im agem de algo que sa i do corpo, a defeccao do

, . : , e consistente com a passagem do m orto ao cam po adverso ,a dv erso e ste q ue e e xc lu siv am e nte a lim e nta do p or m em bro s

':~"lado de ca". 0 transite se da num a s6 direcao, de'- .. . para fora , pois os m ortos sao concebidos com o a propria

.....,..,ridade. (4) S eu espa co e tudo 0 que 0 c irc ulo das casa s naoa. A safda do karo do corpo do doente e hom61oga a safda

. ,1DD m em bro da aldeia para a ex te riorida de d os mortos.

: .•..0 u so de categoria s esp acia is e, em particu la r, das no~6es~. fora nao e a q u i me t af 6 ri co : e 0m eio m ais fiel d e ex pressa r......am ento Krah6 que transforma e a tu aliza a s o po sic oes que.......e ou postula em distincoes espaciais. Como diz Cassirer

. d e sc r ev e a dm ir av e lmen te 0espaco m itic o: " aq ui cada diferenca.'- ta tiva pa rece ter u rn asp ecto no qual ela e t am b em e sp a cia l,....anto cada d if er en ca e sp ac ia l e e p erm a nec e u rn a d iferen ca

..·ta tiva . .. os sim ples term os espacia is se tornaram assim u rn

. . d e e xp re ss ao intelectual original. 0mundo objetivo tornou-se. • vel it lin gu age m na m edid a em q ue a lin gu age m c onse gu ia...uzi-lo de volta em term os de esp a~o... P ara 0 pensamento. . . , a relacao entre 0 que uma coisa "e" e 0 Ingar no qual

,..situado na o e nunca p ura mente ex terno e ac identa l; 0 Iugari.~bi si m esm o p arte do ser do objeto, e 0 lugar confere ao

la ~os in ternos m uito esp ecificos" (E . C assirer 1965:85,': s.r:» 92).· .. ;i<: ,· :; • .. Res ta 0 problema de saber porqu e sa o as p aren tes, e dentre·:{:)f{\~lesprincipalmente os parentes m a tern os, q ue vern raptar 0 karti., · . , ~ ~ ~ ; j f r\. - I.~,.

. ; Ii ,· .: ~" Y. · - '. ,. . ~ • • - : II . . .. . ~

. . F '" : :' {. '. ~. .

(t'--~~·i·· . " 0 " _ _. } . ' . : : . ~ ~ . . . 1 : . . •

r I .

, : ~ : ? f \ . . : w d ' (4) I ? i spomos ate de. uD?~ etimologia, ta lvez fantastosa, ~a s que e!-..~ '> - . .. . 'F"C& 0 SUf lXO tsua como significando "de fora". Ora esse SUflXO se apoec . aos nomes pr6prios e aos termos de parentesco referentes aos mortos, (J .. and Pop jes 1972:62). .

... .. . . . . . .r ' . .. .

.,

_. . ... ; , . . -

, ...

IS

 

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Ja se fa lou m uito do esquema espacial dos Je: um homem nascena periferia da aldeia, vai para 0 centro a medida que se socializae volta para a periferia para fundar familia. A mulher permanece ,ponto fixo no c irc ulo d as casas. A parentela IS assunto de casas;de periferia, as metades cerimoniais assunto de -patio,· assuntocentral. A easa m aterna , ja que os Krah6 sao uxorilocais, e . quemfomeee 0 membro it sociedade, isto no nivel da pratica social:dizer que os parentes maternos vern buscar 0 doente e dizer .que '8

porta de saida e a mesma porta de entrada, e fechar uma trajetoria

que s e c om p le ta na e xte rio rid ad e d a morte a qual se acede pelamesma easa em que se viu a luz. Entradas e saidas sao assuntosde familia. Mas nao e apenas isso: se h a enlase na casa e naparentela matrilateral que e la e n ce rr a, percebidas como e lementosde seducao e de traicao, nao e sem duvida por acaso . Parece-meque de va r ef ie ti r a tensao existente entre grupo domestico e grupo"publico", e a divisao nitida operada socialmente en!re 0 que .0individuo "deve" a sua casa e 0 que "deve" a sociedade matsampla. Esta rec lama para si as Iea ld ad es q ue laces familiarespodem perverter. Todo 0processo de socializacao, com a progres-siva incorporacao dos m eninos aos diversos gru pos publicos -esuaseparacao dos grupos domesticos de origem, parece marcar as

prerrogativas da sociedade na apropriacao do individuo, Nestesentido, ver-se-a mais adiante 0 papel do doador do nome que e ,entre os Krah6, um mediador entre a parentela, a qual pertence,e .a sociedade como urn todo. N ao e pois de estranhar que ' eleapareca tambem como 0personagem que traz a vida aquele que seaventurou entre os mortos. (vide p. 26 e capitulo VII).. ..

Saida, pois , do karii seduzido pela parentela, safda do vivodo recinto da aldeia atraves de sua casa, perda de um homem: '0

simbolismo do corpo reproduz 0 simbolismo do espaco queempresta sua forma a experiencia social.

Quanto 30 feiticeiro, a a~ao que se th e atribui reflete a su aposi~ao na sociedade. Ele e frequentemente um estrangeiro intra

muros, ou melhor , 0 estrangeiro parece a tra ir regu la rm ente assuspeitas (5).

( 5 ) Sem entrarmos aqui em descrlcdes pormenorizadas, das quaisalias nao dispomos ja qu e a impor tAncia da £eiticaria no nosso assunto -s 6se evidenc iou durante a redaeao, notemos apenas aqui que 0 feiticeiro di-rige seus a taques con tra membros da aldeia em que esta vivendo, 0 quenao impede que circule entre aldeias diferentes . Contrariamente aos Navahoou a os. K on ko m ba , p or exemp lo , 0 fei ticeiro nao ataca normalmente seusconsangiifneos. Poderiamos resumir dizendo que 0 Ieitico .provem .de umestranho, mas de urn estranho espaciahnente pr6ximo. -

-~ ,. -"; .

'. ~ . .. . . . '. '

!~~i ., :_;, : 7 ~Mas0 forasteiro, livre dos la~os familiares que the conferem' . : > :,~\·-:.tllo·s6prote~o mas tambem obrigacoes, parece ser urn subtipo. · ' · ~ , : : f t . : · · d o .caso mais geral: 0 do homem que foge a regra da reciprocidade,,~~;'::.:\':,~'bq~~ue nao se inse~e no cicIo das trocas, e que 6, em suma,. ? ~ £ ~ : : - . ' ; . :um quisto no corpo social (6).

" f ~ ~ ; { ~ , ' · · : · · i ~ : .. . . 0feiticeiro e aquele que usa a ameaca, velada ou arrogante,

' , - 5 ~ } " < ; p a r a conseguir 0que os outros obtem p ela t~ oc a: a ss im as su~peitas '-' , ; : t l . ' : : ~ : : , · ' m -recair nos avarentos, n os g an an cio so s. N esse sen tid o, 0

1'. '... •

ea antitese do chefe enquanto fundo de redistribuicao:

:·:chefe adquire prestigio p e la g e ne ro s id a de , 0 feiticeiro adquire. . pela tentativa de acumulacao, E suas reivindicacoes sao~ _. a p ri m eir a instancia da extorsao do "tributo" q u e c a ra c te ri za

" - . " - . - p o d e r ( P . C la stre s 1973) ..0 feiticeiro ocupar ia entao .a u n i c a

. ·~ aode poder na sociedade Kraho, m as sen do 0 poder incom-.'. el com a sociedade primitiva, tao logo p roc lam ado, ele e, : ido (7): 0 feiticeiro va i, e esta e a sua vertigem , de encontro

~"amorte." .. "

Assim 0 feiticeiro seria el e proprio u rn quisto irredutivel ao

das trocas e sen feitico, substancia estranha no corpo da

e sua l fmpida metafora inscrita no corpo humano: 0

e 0 proprio feiticeiro. E como este, ele e extirpado e..........o.

: t : " , Respondemos, mediante a premissa de que 0 discurso do corpo~~~o_sobre a sociedade, a nossa questao inicial, do porque dat · . . ' a ser tida com o u rn rap to do karo pela parentela e 0 feitico

._ uma invasao do corpo por uma substancia estranha. Mas:"'uma segunda pergunta: por que levam a mor te?~ ;. - ,

v

----.-...--..

::::'Se no corpo se imprime 0 simbolismo da sociedade, entao a

de urn homem "sig nific a" a morte da sociedade, ou _pelo

d e u ma so cied ad e igual a si m esm a. O ra , 0 que d iz a teona~6, senao que a conjuncao e xc es siv a c om 0 c fr cu lo f am i li ar

. . ' : £ . : . detrimento da vida publica assim com o a nega~ao da, procidade comprometem irremediavelmente a sobrevivencia da' .

. unidade. Na morte de u rn homem enquanto d is c ur so s im bO li co

.• a a inquietacao do grupo .." . " _ . . " .• = . . . .. ; . }I .

..... :~ .. .:" f I t,: 1 ) . . .

i

", (6) Note-se a este respeito que nao ha poderes magicos Inatos ou. Ientes, 0feiticeiro e urn curador pervert ido, isto e , que usa os dons

. " .:.. lhe foram conferidos em beneficio pr6prio.. ~ ' ~

' > '; ' . ; t _ y r ) , L ' - (7 ) Ou nao seria uma sociedade primitiva, confonne diria P. Clas-:'~;~~~':. ::- (1973), que define esta como sendo uma soc iedade "contra 0 estado".

~ . . ~ . r

... ~ ;

' -.

1.6 17

 

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A proxlmidade da morte

wa amiiy

eu reflexivo

r n a pa

en ( en fa tic o )

tek txo

morto + nominalizador

yakriiinare

prever + negacao

r n a pa tektxi) amkro

en morte dia

akrepeinare

saber + negacao

,"

amny

reflexivo

amkro

dia

amaeha

quando

depois

a-tektxii

sua ..mo rteta

•pl

perto

geha ra

quandoA

a voce

huyarenare~

contar + negacao

"Eu, eu niio adivinho a minha morte;eu nao sei 0 dia da morte;quando ja estd proxima sua morte, 0 dia nao the conta".

No entanto, sa o varies os pressagios da morte : n un ea porema p rop ria m orte, m as sem pre a alheia, ou m ais p rec isam ente am orte de um consangu ineo ou de u rn m em bro da casa. E a inda naoqualquer morte, mas a pen as m orte por "doenca", Novament eestao aqui Iigadas as no~oes de parentela e de doenca,

A ssim , quando se avista um peixe morto dentro de agua,e n tr is te c e- se p o is ha d e m orrer rim p aren te. 0 mesmo prenunc iaa visao de um a jib 6ia v iv a (hokati), Se se ouvi r 0 txaktxakti(descrito com o "um a m ueu ra que nao fede") a tra s da p rop riacaS3, alguem ha de morrer nesta casa; se umacoruja (panre) entrarou grita r a tra s da casa, estara chupando 0 m iolo de um dos

m ora do res q ue h a d e f ic ar doente, d ef in ha r e m o rre r; se a lguem ,sem esta r dorm indo, vir 0 karo de um parente vivo, 0 dono dokarii vagabundo nao sobrevivera m ais de u rn a n o • ..

Desprezando aparentemente os pressagios do txaktxakti e dacoruja , que podem anu nciar a m orte d e consangufneos ou de afins,os K rah6 a firm am que s6 se p reve a m orte dos pa rentesconsangii ineos. A v era cid ad e do pressagio e alias reconhecidaa posteriori mediante po r vezes verdadeiras ac robac i as genea log ic asq ue p erm ite rec on hec er co nsa ng iiin eo s em p esso as n orm a lm en tetidas com o nao parentes. P u dem os seg uir assim a malabarfs t i ca

18t

}> . ·910, de um sogro em termos de consangUinidade ao

\ : . J ~ ~ ' , . "p ergu nta rm os a u m }n!0 rmante_ que no s queria responder afidnati-,:~:,.",' ente se0 pressagio do peixe morto na agua era aplicavel a

' ~ t ;' : ." · : ': ; ,: , ' ~ - af im,I I ,_ I

. . ~ 7~* . ~ .

' - ,> : j ': ': , - - . ( , . ,. N ota -se p orta nto q ue a mantica, ao contrario das tecnicasJ~;\ : : , ; terapeuticas, nao requer espe~ialistas: ·cada qual e qualificado para-:;~~~.?,,-pteverperda de seus propnos parentes.? : ' : - ? ( J ~ _ ~ : . A oniromancia, por sua vez, tambem pode indica r a

'~-r'?ximidade ~a morte. Assim,; segundo 0 estilo de Peno , que~ ,i_Iocava a apodose antes da protase, se u rn h om e m fosse morrer

' < ; sonharia com to ra s p eq u en as de buriti; se um a crian~~~ vesse para m orrer, so nh ar-se-ia c om tora grande de buriti,'. .parece ser uma alusao ao ritual de fim de Iuto, mas nfio

~ ~ m os infelizmente s e r ea lm e nte 0 tam anho das toras varia." . se que os p re ss ag io s c on tid os n os s on ho s p od em se referir a,,' q uer p essoa da a ldeia .

' ; ~ ~ . , , : , . S e ! D entrarmos aqu i num a analise dos conteiidos dos, , ,8 : 8 108, .q ue nos Ieva ria d~m asiado longe (m as que teria urn, s~ e,:d~nte), no temos s lmp l e~men~e a oposicao do p r es sa g io

v. diB:gnostlco; ~nquanto 0 pnmeiro n ao re qu er e sp ec ia lis ta s e e \ . - "',~blto, domestico e J\consangumeo (pelo menos em teoria), 0

j ,do e da competenc ia exclusiva dos curadores e situa-se. ; ,ssamente fora deste ambito, ja que se a firm a qu e 0 curador..~! 'reconhece 0 feitico quando a vitim a The e aparentada..) \,

Os conselhos do moribundo

...

, .

; . ~ : _ A i ~! n .e n~i a d~ morte e manifesta quando 0 folego fica curto,. Iho vira e f ica braneo. A o p ressentir a m orte 0Krah6 h a.~pensar ~us u.l~imos c on se lh os e d ec iso es que' d ev era o ser. os. KotO I, n a v esp era d e m o rrer, enquanto a in da p od ia f ala r,, m seus genros a tratarem b ern s ua s mulheres, a nao baterem

': :f ll ho s, q u ando e la ja 1£ 1n ao e sti ve ss e para impedi -Io.~~:·'.'Nestemomento, 0 moribundo tern poder de dispensar 0, ge do perl??o de 1u to qll~, c om o v ere m os , e especialmente~o para 0VIUVO. Se nada disser, a duracao da viuvez ficara a'.•..0 d os p aren tes d o defunto. A o morrer, P oy oy p ed iu a o m a rid o,.Dio tornasse logo a casar , que c uid ass e d o f ilh o p eq ue no . 0

su bm ~teu -se a u ma Ionga v~u vez que s6 findou quando a',_", a .lhe pediu que casasse com a I rma da morta .

- ' i: : ., ,_;~::r~t'~ Q.u~do Estevao, que nao tinha f ilh os, es ta va m o rre nd o," % ~ > " , ' - C O J : t a dito a m ulher que su as qua tro reses deveriam ficar para ela.

19

..

 ~

.!." .

... ~ ". .

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Infelizm ente pa ra ela , s6 a m ulher ouviuv E n ta o o s c on sa ng iii ne os, .;

do morto pegaram tres reses e deixa ram so um a para a ~luva e afilha de criacao. Os problemas sucess6rios sao ~elatlvamenterecentes (vide capitulo VIII) e constitui uma extensao ~os conse-lhos tradicionais do moribundo 0 disp or-se da propnedade aochegar a morte .

.: , ..

"r f'

> ", : . : " : ' : o p o n d o - s e ao tema ~o_"nun~a-~ais", ou seja Duma forma atenuada_;::"~:;_/"deslocada da oposicao pnmeira. Paralelamente, as oposicoes em

,~;.,",'og o nos dais tipos ~e funerais sao ta m b em o po si co es em que umX : " , dos termos parece figurar de modo atenuado:

". ~-

o mito de origem da morte

. ~

.; '_ sombre (da arvore) vs. trevas (e nao, par exemplo , luz/trevas)., " : " 7 . , - roberto de folh as vs. fechado (no buraco) (e DaO descoberto/

- : ' : ' ~ : : : : ~ ' ,: . - ;. f' echado) ,~ .:~ " . .~ ~ ~ k ' -uperlfcie da terra vs. su bterra neo (e na o ceu/subterraneo).

. . o : . " ~ " " = " ~ ' - ( : " " "" :" I ~ _" 'l /

,'" ~:...~'_I ' iJ. -~ . ' .. : ; ..~?~ . . ' '

- , ~ I { ~ ~ / : Ja se poderia alias suspeitar d isso p ela p re se nc e DaO de u rn; ' : l : j f t i ? " d ~ m i ~ r ~ o tinico, mas de u r n par, Sol e Lua, com aspectos

. . : : , : ,' ) ' v ~ . 'd io sc ur lc os e no q ua l u rn d os p erso na ge ns, Lua, tem componentes" ' , " : d e ur n "trickster". L ev i- Stra uss su ge riu , c om efeito, na "Gesta de~ f. ~> :A s diw at " e n a "Estrutura dos Mitos" (1958 [1955] e 1970), que

',.;{'~'tricksters" e di6scuros sao tipos de rnediadores qu e unem Oll

~{: :u st ap oem o po st os por vezes inconciliaveis: se 0 mito ja se inicia~ d i6 sc u ro s ou "tricksters" e q ue , p or a ssim dizer, ja nao estamos

i ~/~ . 0 inicio", na oposicao maior vida-morte, mas sim "no meio" ,, par transformado.

~ ~I: .

, : i~ ': _, . Uma palavra para precisar em que sentido Lua pode se r,.'to. como urn "trickster": se por este termo entendermos 0

....-."',:.lhao, 0 enganador, 0 maganao, entao de urn exame maisJ •

_ . t o do cicIo de Sol e Lua ressalta qu e Sol merece mais 0 epiteto, ; .que Lua, que e antes 0 eterno enganado. Mas se entendermos

,. "trickster" aquele que altera uma ordem pelas suas trapalhices,:;ep fteto .c on vem a L ua que, de modo bastante maniqueis ta , e, r de todos os in conveniente s na criacao. 0 p lano de S ol t er ia.. ' u rn M undo edenico, sem trabalho humane e sem morte~ med ia v el . Lua, por seus "faux-pas" ou seus contra-argumentos,. . abortar esse projeto. A criacao da ordem , neste mito , e pais

__.. . . . ' dialetica entre Ped e Pedlere, m as onde e sempre 0 primeiro

. m sanciona a nova ordem querida ou involuntariam ente. . v oc ad a por L ua. D ois ep is6dios tern porem status especial:

~.....,.:,es , Lua toma a iniciativa dos dois unicos ritos mencionados, ': . te cicIo mitico: 0 do resguardo pelos recem-nascidos e 0 dos;rito s f un era rio s. S ol p ro po e u rn resguardo c urto , p ara q ue "n osso s~)_~OS na o emagrecam", mas Lua argumenta que a popu lacaoi ~ 1J~ enta ria d ep ressa dem a is, 0 que poderia ser paliado pela

.. " ,p rolbi~ao tem poraria de relacoes sex ua is. L ua pra tiea 0 resguardo··~"s/·J:·p ro longado e acaba vencendo a oposicao de Sol (H . Schu ltz,_.~".1950:62). 0 mesmo argumento de controle populacional esta

A origem da morte, como de todos os males que aflig~ ahumanidade remonta a Pedle re , Lua, que forma com seu 'amigoformal P e d : 0Sol, 0 p ar d e d em iu rgo s, c uja s a nda nc as sa o tonga-mente 'contadas em um cicIo de ep is6dios m iticos. .

Recolhemos , do episodic da morte, duas versoes, ambas comcu r io s a s r e ss onanc ia s malthusianas:

"Porque foi Pedlere que resolveu de morrer. Ped nao queria.Ai Pedlere morreu. Se nao morrer, a terra nao aguenta todo 0

" .mundo. E pra ir morrendo e desocupando a terra para os marsnovos ficarem n o In ga r dos mais velhos" (Ze Aurelio).

"Se fosse s6 0 Ped, nao tinha esse neg6cio de mo rre r g en te .M orria u rn, p unha na som bra do pau (arvore) , d e ta rd e a co rd av a.Pedlere morreu. Ped pos na sombra do p au e de tarde ele voltou,

Ped m orreu . P edlere fez cova , enterrou . A ssim nao volta_" ,."

m a is. P ed le re nao quer que 0 povo aum enta senao a terra naoagiienta, fica muito pesado" (Pascoal).

U m a versao m ais com pleta e a de H. S c hu ltz ( 19 50 : 63 ).

Quanto a versao provavelmente Ramkokamekra-Canela de Nimu -endaju (1946 : 244 ), e sing ula rm ente p obre e s o contem 0 episodic

da morte transit6ria de Pedlere, nao exp l icando portanto a origem

de um a morte irreversivel,

o mito de origem da morte nao p oderia ser a qu i a na lisa doin extenso, p ois a s a na lise s e stru tu ra is, para s er em e xa u st iv as ,tendem a transbordar perigosamente quaisquer Iim ites qu e se lhesqueira impor. Restringir-nos-emos aqui a Ievantar alguns pontos.

Sao d a is r it os , fu n en ir ig s que, no m ito; dio c on ta d o c ara terd iverso da i n o r t e : um a morte seguida de ressu rreicao e um amorte irremediavel, para qu e as geracoes se su cedam e DaO' maisc o ex i st am . De certa forma, podcriamos d iz er q ue atraves da mortedefinitiva , um tem po linear se instau ra . A oposicao nao residetanto no p a r v id a- m or te , quanto no tem a do "eterno retorno"

2021

 

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presente, como vimos, na s duas versoes que recolhemos de origemdos ri tos funerarios, e aqui tambem Lua inaugura uma modalidadedo rito. Talvez esta autoria nao seja fortuita: se e verdade que 0

"trickster" e urn principio individualizador (vide mais adiante,capitulo V), sua presenca nestes dais rituais de se pa ra ca o q ue saoos funerais e 0 resguardo de parto poderiaatestar os limites quese colocam dentro de uma unidade familiar para que emerja oudesapareca urn individuo (vide capitulo VI) . Mas porestescaminhos nao no s aventuraremos ma is a d ia n te .

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CAPITULO II

..

\•

o Lugar da morte e a posse do morto

.- ,.. . . .' I

o Desenrolar do Enterro

1t ..

> { .. '; ~ • . , .. ' - . ..~'" .~ .~. . . 1· ·- l

. .

" H a uma sintaxe no espaco kraho: I \ I ' & f ! . r . , 9 i l _mgr1e . , e , jUS3!- : r ' , ~ p - " e m , virno-Io no capitulo I; as saidas e entradas devem.......~..r.0 Krah6 procura assim morrer na casa materna, e nesseulto podera se submeter, ja agonizante, a penosos transportes,y inclui os homens casados que, quando adoecem sao Ievados..............onsangtifneos para sua casa de origem. "Nao se deixa_ _I Te r n a casa da esposa nao, a nao ser .que nfio tenha mais'. ·a .. . " Se sua mae estiver viva, um homem ja maduro, e a te

do grupo domestico em que vive, voltara para junto -dela.

'evidentemente 0 problema acaba se ligando ao estagio do.........: de desenvolvimento do grupo domestico. B freqiiente que urn'. m velho nao tenha mais parentes suficientemente pr6ximos e

. 6 ~~ a p or dem ais enraizado na sua familia de procriacao, em.......casa da qual ele ja se tornou 0 chefe, para voltar morrer emi ; casa de origem.' . ' ! Neste caso, contrariamente ao que Nimuendaju (1946: 126).., ve dos Canela (1), nao sera tambem 0 corpo velado na casa, a (2). Mas a partir dai todas as manifestacoes ulteriores,

tual refeicao p6stuma e a fim do Iuto, serao encabecadasconsangiifneas de sua casa de origem, mesmo que estas

.........elativamente afastadas. Claramente, 0 m o rto lh es p erten ce ,1· • ,

. m a t s precisamente, pertence a casa materna onde seu nomeperpetuado, e onde, antigamente repousavam seus restos, Pois

'. 0dizia Mauss em u rn artigo sobre ritos funerarios australianos:. ', 10 sao de modo algum os parentescos de fato, por ma is p r6 x im o s- ..., \: 1 .. . .. .. .. ' .•- .

t f i < · ·. r . - . . iL

(1) "Mais ainda, ... , urn homem que cai seriamente doente voltasua mae , normalmente com sua mulher , para hi ,ficar ate seu resta-

_',;,.-, . lecimento. Se houver a menor possibilidade, um Timbira morrera .na casa·~~;I:'.}:.·;'lUl.terna,onde 0 cadaver e inoariacelmente exposto" (grifos nossos) " •

: : ' ; ~ ~ : ~ i : , . : " (2) Mas alguem que, como Kuhok, morre na casa da roca sera. . transportado para sua casa na aldeia e s6 se comecara 0 funeral a partir daft

.. " "

23-.

 

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"

que os concebamos, ( ... ) sao os parentescos de dire ito quegovernam as manifestacoes do luto' (1921: 429) .

Ora 0 "parentesco de direito" por excelencia parece ser 0

parentesco consanguineo na fami l i a de origem e e esta que

reivindica 0 morto para si.

A presenca da comunidade

A o saber que alguem esta prestes a morrer, acodem a casa

dele as muIheres da aldeia. Invadem a casa, silenciosas, e sentadasou de pe, fitam 0 moribundo. Embora essa presenca na casa sejacomum a todas as mulheres da aldeia, a distancia em que se

colocam e reveladora de sen envolvimento enquanto parentes domorto ou estranhas. Os funerais, neste ponto, consistem em unlaverdadeira coreografia, onde sao afirmados ostensivamente oslacos de parentesco, independentemente dos sentimentos que sepossa ter OU dos sentimentos atribuidos pela comunidade (3).

Olhar 0 morto e mais tarde "ajudar a chora-lo" conceme atodas as mulheres da aldeia. Os homens virao mais tarde, e nem

todos, s6 aque les que la sao chamados por lacos de parentesco, porsuas funcoes publicas 0p re fe ito e 0 padre (4) virao exortar afamilia ou pela coparticipacao em atividades rituais. Portanto,enquanto a participacao feminina parece assegurada, a participacaomasculina a primeira parte do funeral, que vai da morte 30

sepultamento, sera proporcional a importancia do morto na vidapublica. Eis porque as mulheres associadas a qualquer grupo dehomens hao de contar com a presenca de muitos homens em suasexequias, Eis porque tambem os homens presentes aos funeraisde um a crianca sao p r at ic ame nt e c ir c un sc ri to s a esfera dome st ic a ,e porque, caso limite, 0 atendimento dos homens a s lamentacoes enulo quando se tratar dos funerais de u rn cachorro. Este sera

chorado pelas m ulheres da casa "ajudadas" pelas mulheres daaldeia, e enterrado arras da casa de se n dono, dentro de urn

... c

( 3 ) No caso da morte de Teresa, um de seus genros - Aleixo - eradesignado pela opiniao publica como tendo sido seu enfeiticador. Niioobstante, ele foi requerido para as tarefas que the incumbiam.

(4) "Prefeito", termo portugues usado pelos Krah6, e urn dos doishomens designados para , durante uroa estacao do ano (estacao seca ouestagao das chuvas) , coordenarem as atividades cotidianas e repartirem apropriedade coletiva ( J . C. Melatti 1970:308 S8. 315). Padre, por sua vez,e uma corruptela de padre e designa 0 chefe dos rituais. " ',' , ' ,

24

I

,;'\:;~ burace forrado piedosamente de folhas de pati da chapada (5).As cerimonias mortuarias para urn cachorro se restringem alamenta~ao e 80 enterro.

Este atendimento relativo dos homens e perfeitamente coerentecom a divisao sexual de papeis, segundo a qual se espera que 0

homem seja antes de tudo urn membro do patio, interessado, principalmente na esfera politica e cerimonial.

Se 0 morto foi personagem importante e, ao mesmo tempo,, ", .. especialmente Iigado it vida ritual, a comunidade pode manifestar-se

: ~ ~ : : : } : ' { ' ~ , < ,ainda de outro modo. Se ele tiver morrido de tarde, e portanto~ . : : ; ! . _ , s O ' deva ser enterrado no dia seguinte, leva-se 0 corpo para 0_J~;;.;""tio,P?r i~ici~tiva do chefe dos rituais _. '0 padre · · e durante

' ; ' J t n t a noite inteira cantam-se para alegra-lo cantos do ritual ao', ', a 1 ele era associado ou de que era devoto. A partir deste" ento, sabe-se que a parte final deste ritual sera encenada no", do Iuto (vide capitulo IV). Ao amanhecer, Ieva-se 0 morto, a sua casa e as cerimonias propriamente domesticas continuamd e h av ia m parado: novamente os c ons ang ti in eo s r et omam W as~,"""s. Tambem pode 0 padre entoar na pr6pria casa do morto.........cantos de urn ritual ao qual ele era associado._ :. S e 0morto na o tiver liga~ao com ritual aJgum, u rn e spec i a li st a" 'Piirgahok podera, a seu criterio, vir cantar com 0 txe, strumento que consiste num cinto ao qual sao suspensas' ~meras pontas de cabaca) cantigas deste .ritual a cabeceira do._ ver. Neste caso, 0Porgahok sera celebrado no fim do luto.

_ --- .. ;c -_ '" • ' 0 corpo e colocado com a cabeca para leste e deitado destas, Esta e tambem a orientacao idea l de q uem esta dormindo,p s jira us (c am a s de varas) estarao assim dispostos. Tolerar-se-a.8 eles uma orientacao diversa mas em nenhum caso a cabecave ficar para oeste. "A cabeca deve ficar para Ieste, pro Ped

I) .e ns in ar d ir eito , pra a lma (karo) fica sabida, pra saberf ire atravessar na agua, Se dormir com cabeca para oeste,

- - , . I ! l doente e mor re " , d is se -no s Raul, padre da aldeia Pedra Branca,-~' t_. '~uantooutro informante afirmava que quem fica deitado com

. I .r

,I

,"

1,

.. ' ..: .. " : . . .

.~

~ . J ; . { (>' .~5 ) '? cachorro parece. se~ 0 uni~o .animal domestico a ser enterrado, .: ,e nao 0 e sempre). Os ammais domesticos, como em outras sociedades.: ' ~ : : , ? ; : . , 'fonnam uma categoria de transicao entre 0 selvagem e 0 social. S6 adqui-

, ' : i ~ J : ' , , ' r e m .nomes cachorros, araras, papagaios e porcos ou outros bichos que sel : : F · destmem a serem criados, ndo comidos. Galinha nao ganha nome. A s te-

- ' :$ i , ; -- " ,gras de nomina~ao:. embora d~sprez~m 0 sexo do animal, e ...se restrinjam_ : Y ~ < ' Y ' , 'd urn s6 nome, e nao a uma sene, sao as mesnl~s da nomeacao .humana: 0_" ' ,ono nunca pode dar nome; 0 nomeador devera ser pessoa da casa e de, '" gera ca o igual ou superior a do dono. Este nome e de posse do nomeador

e, ate certo ponto, da casa, comoum todo .

I

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cabeca para oeste fica "ruim do juizo". Lembremos que 0 leste ecomumente designado como a parte de cima ("pra riba"), sendo

o oeste a parte de baixo. A oposicao do dia e da noite, da luz edas trevas, e a primeira experiencia, segundo Cassir~r (1965,. ~o1.11:96) que imprime orientaciio ao espaco e que assim 0 quall~lca.Exigir, para urn "jufzo certo", que 0 que e de cima (ca?~a) fiquevoltado para cima (oriente) e fazer coincidir a espacialidade docorpo, prototipo, "sistema de referencia ao qual todas as ou~rasdistincoes espaciais sao indiretamente transferidas" (E. Cas~lr~ribidem: 90), com 0macrocosmo; e requerer, em termos espaciars,que 0pensamento esteja "bern orienta~o", e . ne st a me t af or a perce-bemos a nossa pr6pria intuicao espacial subJacc:nte. .

A orientacao do corpo, para voltarrnos a etnogr~la, nadatern portanto a ver com a orientacao da casa, refere-se ~lretamenteaos dois pontos cardeais krah6, 0 leste e 0 oeste. Tambem 0 corposera enterrado nesta posicao,

Chorar antes de muitas boras e repreensivel, pois e condenaro morto a nao mais poder reviver, e manda-lo embora para a-aldeia dos mekaro, vedar-lhe 0 caminho de volta, consagrar Q

ruptura. Pois nesse perfodo, conta-se, ja muitos voltaram a vida,quando ainda existiam curadores eficientes, ou gracas a p!ot~aode um keti (6) e a pr6pria continencia, recusando compartilhar os

alimentos ou a vida dos mekaro:

o irmiio da m a e de Hoktxii morreu. Quando ia morrendodisse para a mae: "Niio chorem. Eu volto ainda", Morreu. Chegouna aldeia dos mekaro , Ojereceram banana, dgua, correr com tora,khworgupu (bolo de mandioca e carne au peixe, assado no iornode pedras e comida "por excelencia' dos Timbiras). Foi irma queoiereceu. Ele nno aceitou. "Niio estou com fome. S6 vim ver voces.Niio gosto de voces ndo",

Chegou keti morto dele e disse: "Niio oierecam ndo. Osparentes dele estno com saudade". Levou de volta. lam parando endo escutavam os parentes chorar. Se tivessem escutado, voltavam

para trds. Se quer bem ao iilho, niio chora logo. Quando chora estdmandando embora . . ." (7)

Kotoi morreu de madrugada e 0 choro ritual, comecadoalgumas horas depois, se prolongou, com alguns intervalos, ate deta rde on seja at e a saida do corpo.

_ l ' F .

( 6 ) keti, categoria na qual e eseolhido 0 nomeador para ego masculinoe que inclui entre outras as posicoes genea16gicas de Irn, Pm, PP.

(7) 0 resto desta estoria, contada de noite por Hoktxa a seu genro,sera analisado mais adiante. Vide desenho feito por este, foto 1.

26

. ,.. : . . . .

. - :J ' ~ .' ~

",t···{~·:~ I

E f f ' : ' , Depois disto, cada parente que tenha estado ausente no."- momento das exequias, dir ige-se, ao ser inteirado das mas noticias,

·para a casa do Iuto onde e recebido com as mesmas lamentacoes: 1 - , ,' e onde ele proprio chora abundantemente.

< : : ; , . . Espera-se que toda a aldeia participe desse choro atraves de·.«. suas mulberes. ];:importante notar que enquanto os consanguineos,

' ~ ~ ~ ~ ' ~ ' Jhomens e mulheres, interpel am 0 morto, as outras carpideiras se

: ' · t > endere~am, elas, aos sobreviventes enlutados. Isto e consistente"j

t;i;eom0

papel da comunidade (que sera detalhado mais a.diante) de'Y ._ juda r o s enlutados a romper seus laces com 0 morto e, de,I~ trabalancar a atracao qu e este exerce sobre eles.-.

Chora-se em atitude convencional, sentado sobre 0 pe

- ' u e rdo , joelho direito f le ti do a p oi an do ° brace direito dobrado,

{ por su a vez sustenta a testa, enquanto escorrem livremente as·.·mas e 0 ranho (vide foto 2).

:;":,Estas lamentacoes cantadas desenvolvem dois temas : dizem

~?ll1ortoquao grande era 0 afeto que se lhe tinha quando era vivo

" 0pungente e a saudade dele; e pedem-Ihe sem transicao que

esqueca de seus parentes pois estes nao estao prontos para

. · 10 .,

_{,lustrando 0 primeiro destes temas, eis urn trecho qu eamos e depois traduzimos do choro funebre de Kotoi, Nele se

.. ... ..m os solos dos parentes pr6ximos e 0 coro de carpideiras,que na palavra coro se implique unissono, mas sim choros

~rlltes cantados simultaneamente, pelas mulheres tidas comotes longinquas" e que se enderecam ou -80 morto ou aostes proximos a quem estao "ajudando a chorar",

r Eu tenho pena;

Tua jinada mae jaz, bem morta,Eu estou com pena

r POT que quando voce ainda estava viva,deu seus conselhos?

Eu estou chorando apesar de nova (8)Eu estou chorando bern.

. "" ".....Irma

---'Sificat6riatandotrot.ora

""

nao me

( 8 ) Os [ovens tern vergonha (paham ) de chorar. Os velhos sao.,',' p ah am na re (nao tem vergonha). Veremos mais adiante as diferentes sen-

tieJos.da palavra paham .

27

 

,

.: : ." .

:

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..

r Minha mae voce e nova, mas voce me deixouMinha iinada mae e uma s o , mas voce me deixaMinha iinada mae, desejosa de viver, voce me

deixou

Eu choro sozlnha caminhando, eu vou chorar,chorat

Eu me sento, eu sua [ilha, chorando deitada

Eu [he quero bern.

-

A posicao espac ia l das carpideiras e s uj ei ~a a u ~a J' e ti qu et aestrita: 0 primeiro cirenlo. a volta do morto sera constituido pelosconsanguineos e pelo conjuge, no caso de um adulto casado. 0Ingar de honra neste grupo parece se r 0 lado direito do cadaver.Em segundo, 0 lado esquerdo, e depois a cabeceira e os p es, E ste

(9) tei - categoria em que se rec~t! a nomead~ra para ~go fe~i-nino e que recobre entre outras as POSlcoes genealogicas seguintes: IP .

rom, mP.

( 10) COD10 veremos, as consanguineas se deitam e. enlacam 0 corpo.

Coro:

Solo daiilha

Solo da. ",

irma

Solo da

/ilha

'Solo da""

mae

classiiicatoria

-----.----

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Eu estou chorando hem {porque jl i estou velho)

Eu estou chorando com muita saudade,

Tua jinada tei (9) ja z

Tua irma c ac ula [a zVoce estd chorando com muita pena

~..

lado direito, no caso da velha Kotoi foi r ei vi nd ic ad o p el a inna,· ? < L ~ · · · · · embora nas ausencias desta fosse ocupado s uc es siv am e nte p el as· :< ':.· tre s f ilb as; a s cabeceiras fica ram duas netas. U ma atitude. ' . ; J i : 'reservada a s consanguineas m ais p r6x im as e a de se deitarj ' .. enlacando com as pernas as pemas do cadaver e aIisando-lhe

' < : . . : 0 cabelo; ou entao sentar-se passando as pemas por cim a do\. c ad av er . A s m ulheres gravidas ou com fiIhos pequenos devem;;.. .abster-se de tal p ro xim id ad e c om 0 cadaver. 0 segundo circulo ai;':~~olta de Kotoi e ra c o ns ti tu id o de a lgumas parentes patrilaterais

f\Dtais a fa sta da s. E nfim a s ou tra s c arp ide ira s, q ue oc asiona lm ente' < " e S t a r a o dormindo ou conversando, se repartem pelo resto da casa .'-_, ,_---- .---;.tre o s nao p a re nt es , a s m u lh er es e c ria nc as c on stitu em u rn g ru po, arado do dos homens .

:£ a partir deste ponto q ue c om ec a uma divisao do trabalho~~.~~~---. . . . .- . . .ra rio , A n alisa re m os m a is adiante o s c riterios de atribuicao da s....... as que, dentro do n os so e nf oq u e, c on sti tu em 0 n ive l r e lev ante ,~~._.. . . . .abe a qu i u ma breve descrica o dos costum es fu nebres kra h6,~, eada , em grande pa rte, no enterro de Kotoi a que a ssistim os......julho de 1972. .

ro.H+_.~ Estes podem ser distingu idos em dois conjuntos, cada um

·buf~o a urn ~po de pessoas diferentes, e que dizem respeito" '~pectivamente a ornamentacdo e a remociio do cadaver .

Voce e nova mas ja esta estendida (morta)

Hoje eu estou chorandoHoje vai ser coberta de terraMinha j inada mae jazE a primeira vez que estou chorandoAgora eu estou chorando, eu, sua jilha,

estendida (ao seu lado) (10)

-

A omamentacdo

Minha irma cacula iaz, deitada, ela va i emboraEu vou me lembrar de la

Eu sou sua mae, eu choroEu estou estendida (ao seu lado)

Id eu choro bemEu choro caminhando saudosaSua iinada miie e uma s oE .voce estd deitada (ao seu 1000)

A ornamentacao subentende a lavagem do corpo, 0 corte debelo, a inser~ao de batoques au ricu lares nos homens a

.....penacao ou a simples tintura co m urucu , '

A lavagem pode ser feita d entro de casa, perto da porta, ouf re nte d esta . Como a agua u sada p ara tal fim toma-se

rigosa (11), costuma-se Ievar a areia molhada para longe ea1har terra nova no loc al. C oloc ou -se K otoi sob re uma folha

_... ..ba na ne ira , sen tou -se -a e a mp ara nd o-lh e o s om bros jogo u-se

a de um a bacia sobre 0 corpo e a cabeca, esf;egando-os~""sc ienciosa mente. 0 cabelo foi em seguida aparado e a risc a.. c teristica q ue corre de tem pora a tem pora cu idadosam enteA ",~ ~sb asta d~ .0 c ab elo d o m o rto e guardado pa ra ser coloc ado p or-cnna do tumulo.. f'~ ./ ,. ...

" . t o .

.~

~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . ._...,_........._. _ _... .:

.. -.

. (11~ Depois do corpo de Kotoi ter sido retirado do lugar da lavageme ~sten~do no fundo da casa, uma gal inha veio beber a ligna do banho.FOI raplda~ente e~otada e ~ cri~ca espalhouufeta seca no local. Ti-vesse a gal inha bebido dessa agua;-· sena causa da morte de quem a comesse.

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'-M.O. 

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..

Enfim procede-se a pintura ou a empenacao (12) do corpo,Teoricamente, tern direito a empenacao todos os personagens dedestaque na vida publica e cerimoniaI: os informantes enum~r~mem geral os canta dores, 0 chefe da aldeia, os chefes honoranosrepresentantes de outras tribos, os "govemadores" que se~am algocomo UDS "prefeitos perpetuos", os witi (meninas associadas aoshomens e meninos associados a s mulheres e a s meninas), as mocasassociadas aos rituais de inicia~ao (Ketuaye-gahai, krokrok-gahaietc. ), os chefes de grupos de iniciandos (krarigate), abrangendoestas tres tiltimas categorias todos os que des~mpenhar~m ~gumavez tais fun~6es e que delas se tenham desligado. Alem disto aempenacao parece ser tambem prerrogativa dos poucos Krah6legitimos, os "donos da aldeia", que nao tern ascendentes d~ ~utr~stribos. Seria esta a tinica ocasiao em que se fa z uma distin~aoentre estes e os alienigenos. Enfim, se um menino morrer antes deter completado urn ritual de inicia~a? (p_embkahok ou ~e!~ay~),seu nomeador empena-lo-a como tena feito durante sua miciacao.

A empenacao parece set, em todos os co~textos em queaparece (investiduras e Iniciacoes) uma ~onrana. suple~~~tar,uma marea distintiva dos personagens centrais envolvidos (inician-dos, mocas associadas, chefes, witi). Nos funerais, segundo diversos

informantes e permitido aos parentes distinguirem desse modo 0defunto pe;ante a aldeia se assim 0 desejarem, Isto acarretaranorm almente , a menos de conflito com a aldeia, a realizacaode uma festa oferecida a comunidade para celebrar 0 fim do luto.A empenacao como a festa "alegram 0 karo", acumulando prestigio

sobre ele e portanto sobre sua familia.Se nao for empenado, 0 morto sera tingido com urucu da

cabeca aos pes, com excecao do rosto (mas nao da risca docabelo) (foto 3) e eventuaImente vestido com alguma roupa. Apintura de urucu dos pes a cabeca parece ser usada no fim deperiodos de resguardo, por exemplo no de parto. Infelizmente naocolhemos os dados necessarios para poder concluir com Iinneza,

mas avancamos a hip6tese que afinal nao,6 muito temeraria, de taobatida que e ,· de que a . ornamentacao do morto com urucu e carac-teristica dos ritos de passagem enquanto a empenacao eventual eum modo de distingui-Io e eleva-lo aos olhos da comunidade.

Se se tratar de urn homem, colocar-se-lhe-ao batoquesauriculares novos. Seus proprios batoques, juntamente com seus

-- .(12) A empenaeao consiste em aplicar peninhas de juriti, periquito

ou gaviao por cima da seiva de pau de Ieite que age como cola. Cobre-sede urucu 0 colo, a risea do cabelo e parte dos antebraeos e das pernasque nunca slo empenados.

30

I

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outros pertences, arcos, instrumentos musicais on enfeites seraoou reservados para uma distribuicao no momento do fim do Into,ou se os parentes nao lhes suportarem mais a vista, destruidosdurante a vigflia funebre (13). Neste caso, ao ver os objetoscome~arem a ser quebradas, qualquer pessoa, desde que seja"de fora" , podera se apoderar deles, Estes- objetos , cujo kariiacompanhou 0 do defunto, sao tidos por pouco resistentes, porBe quebrarem rapidamente: e absolutamente vedado aos parentes

, se apoderarem de tais objetos, sob pena do morto se zangar e virbater-Ihes nas costas, quando deambularem pelo mato.

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' ; ~ /. : 1 Sob esta apelacao generica incluimos 0 envolvimento em- - r <: ': es te ir a (frequentemente substituida agora por urn caixao de talos

L . d e buriti), a transladacao do defunto, a escavacao da sepultura el . f M I " . I " ' ~ , ~ ? : : s e upreparo, e enfim a inumacao propriamente dita....--: Se englobamos todas estas etapas sob 0 t itulo de "remocao do

" : . : : l l 1 I I ' . - f ' _ " ' ) / : 'cadaver' e porque este se afigura ser 0 ponto culminante da,,:::". cerimonia, 0 n6 da tragedia: em nenhum outro mom~n~o serao ~s

Jo_ .... ~ •

grupos e 0 conflito entre eles tao· claramente definidos e tao_ " " . ; ! i : 'exacerbadas as expressoes de dor. A inumacao propriamente dita;,.: nao despertara depois senao um interesse limitado ..

Ao aproximar-se 0 momento da remocao, umas doze adezesseis horas depois da morte, os afins retinem-se no centro dacasa. Ao ve-los, os consanguineos se agrupam redobrando as

lamentacoes a volta do morto.

~(,.. Transcrevemos aqui a descricao desse momento nas exequias· . de Kotoi: "as duas netas (ff) deitaram-se ao Iado da morta,

abracadas ao cadaver. Outros parentes considerados mais proximos,a fiIha, 0 irmao vinham desaloja-las, Todos choravam e punhamas maos sabre 0 corpo. S6 havia consangidn eos. Os genros nao

.:. ..choravam, estavam mais afastados, junto ao caixao que haviamtrazido e colocado no Iugar exato em que Kotoi morrera, orientadoIeste-oeste. Kotoi havia sido removida para 0 lado ap6s a lavagemdo corpo. Um itamtxud (FI) ze Comprido (Ayehi) entrou naroda mais proxima e comecou a chorar. Um filho classificat6rio(Pi), Ropkure (Z6 Nogueira) chorava de pe, mais afastado.Hope kwu i, filha da morta, que estava .abracada com a mae ,levantou-se para pegar a filhinha que estava chorando.

(13) Os batoques podem ainda ser colocados sobre 0 tumulo., .

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rIII

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gropo domestico. :e este 0 momento da verdadeira separacao, e 6quando certas miles, privadas de seus filhos, tentam se suicidar.Deixa-las perpetrar seu intento e sinal de vergonhoso descuido daaldeia: mais do que nunea, a aldeia deve ficar solfcita para qu eos mortos nao seduzam os enlutados.

Contrariamente ao qu e Nimuendaju (1946: 133) afirma do sRamkokamek r a , tambem os homens podem executar saltos mortais(t6konk) nesta ocasiao: assim os tres filhos de Kuhok atiraram-se

ao chao, quando 0 cadaver da m a e tra nsp O s a porta da casa. Note-seque Kuhok m orrera na roc a e tivera de ser transp ortada para su acasa . Esta primeira r emocao nao s us cit ou n en hum a m a n if es ta c aodos filhos: visiveImente, 0 momento adequado e 0 que m area aremocdo da casa .

_... Uma vez arrancado a easa e a os c on sa ng uin eo s, 0 cadaverpertence aos coveiros. Nenhum consangufneo deveria idea lmentetoc ar n o fa rd o funebre, ate chegar ao local do e nte rro : n a pratica,s e por falta de a fins ou de possibilidade de retribuicao, poucosforem os portadores do cadaver, e p o ss fv e l, m a s causa comiseracao,que ate uma filha ajude a c arre ga r. T am b em as In ov ac oe s q uecons t i tuem, por exemplo , 0 caixao, requ erem especia listas e

distorcem as regras. Assim, P ed ro P ere ira , filho de Kotoi e"fazedor de caixoes" confeccionou 0 de sua mae : porem emh ip 6te se a lg um a ajudaria n a re mo ca o, A participacao tanto dacomunidade quanto dos consangu fneos mais pr6ximos parece deverse limitar ao espaco da aIdeia. Melat t i (1970:202) m e nc ion a q ueo chefe dos rituais e algumas parentes s6 acompanharam 0 corpode Pedro Colina ate ao limite das casas. E C. Nimuendajuafirma que entre os Ramkokamekra (1946:134) e os Apinaye(1939 :151/152 ) , os consangufneos mais chegados ao defunton un ca a eo m pa nh av am 0 corpo ate a cova , m as perm anecia mchorando a volta do Iugar onde repousava 0 cadaver .. Embora 0princfpio seja esse, no caso de Kotoi, varies parentes proximosacompanharam 0 cadaver ate a cova .

Os consangufneos sao lavados na frente de suas casas porqualquer pessoa "d e fora" q ue se venh a oferec er. P or este service,o voluntario podera pedir substanciais presentes. Como para alavagem do cadaver, renova-se a areia m olhada pela agua usadanesta pur i f icacao ,

. A cova e , hoje em dia, de f o rma retanguJar, forrada com p au sfortes caxamorro (pekaiko), sucupira preta (kukrayopi)por todos as lados, para proteger 0 corpodo autxet, 0 tatupeba,sempre referido c omo "0 com edor de cadaveres ' (foto 4). Se 0

. . . .

Foi .quando os genros que, nestes funerais, desempenhavamas funcoes de coveiros, se aproximaram para pegar 0 corpo. Osconsangiiineos nao queriam Iargar 0cadaver e esbo~ou-se. umabatalha. Mas Pedro Pereira , filho da morta, aeabou por ajudara levar 0 corpo para 0 c ai xi io e a fecha-lo (14). Neste _momento,a irma e duas filhas da morta se lancaram ao chao, dandocambalhotas (t6konk) e batendo os punhos no peito, sendo seguraspor m ulheres qu e choravam com elas. A emocao esta va n o auge.o i rmao 0filho 0marido da i rma, os netos choravam. Os parentes

mais af~stados ~horavam cantando. A maior ia dos estranhos seca l av am: essencialmente, a cena pertencia aos parentes.. ,.

Irmao e irm a afirm am -se agora como os m a rs p ro xim o s:enquanto 0 filho e as filhas poem 0 bra ce so bre 0 caixao~ eleschoram sentados na posi~iiodos carpideiros e na~ se aproximamdo feretro. Este foi coberto com 0 pano que KotOI estava usandoquando doente, alem do pano b ra nc o o fe re ci do po r Paulo Cadete

(Eff).

Ao sair 0 caixso Akokro, uma das filhas, teve de ser contida;18 .f o ra es tou r avam foguetes lancados p e lo s c o ve ir os (15). 0 caixioatravessou 0 patio, e ao ve-lo passar, a s mulheres acocoravam-senas casas e entoavam. um choro cantado",

Tais descricoes abundam na literatura etnografica t im-bira (16): em todas elas 0 momento mais dramatico ~aqueleem que 0 cadaver transpoe a porta da casa, que e _ ex c lu id o d o

(14) Tradicionahnente, os cadaveres eram envoltos em esteiras cujaspontas eram amarradas num pau (J . C. Melatt i 1970:202).

(15) Os foguetes const ituem novidade nas exequias. Mas parecemser usados tambem em outros contextos, como 0 da volta de um Krah6,ap6s uma longa viagem: 0 viajante estoura-os ao chegar nas proximidadesda aldeia e espera que Be 0 v a buscar, Aparentemente portanto, 0 usade foguetes parece conotar ritos de passagem, e sio tambem usados nofinal dos ritos de iDicia~.

(16) Veja-se R!!rexemplo Zacarias Campelo (1957:54): "ocoveiro,que era 0 valente Waiaca-Chico e r a a ' entrou ripido, com ar ameaeadore, numa £6ria de lea°, arrebatou 0 cadaver. Den-se 0 panico... A sIndias, numa especie· de danca macabra, lou cas atiravam os pes paraoar, dando saltos mortals", E Nimuendaju (1946:133) escreve: "A viuvae oonsangiiineas do defunto podem chorar e atingir urn paroxismo dedesespero e tentar suicidio, especialmente quando 0 cadaver est&' sendo le-vado embora", As mulheres apinaye (cf. Nimuendaju 1939: 151) e canela( Nimuenda ju 1946: 133)_.praticam nao somente os saltos mortais mas tarn-bern ferem a cabeea e as costas com 0 que encontrem, £erramenta oubrasa. Segundo Melatti (1910:40) este mesmo COstume imperava entre osKrah6. As mulheres l:ayap6 e bororo, por s ua vez tambem costumam ferir

o couro cabeludo, m as A b eira d o tU m u lo. (T. Turner 1966:391).

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tumulo for perto da aldeia, atras das casas far-se-a uma cercadestinada a protege-lo dos animais domestic~s (foto 8).

o corpo e deitado com a cabeca p a ra l es te (17), e os regionaissao tidos como "enterrados de cabeca para baixo" (lembremosque 0 oeste e associado ao baixo). J. C. Melatti (1970:204)m enc iona um a campanha de Peno, chefe da aldeia de Ped r aB ra nca q ue recom endava inumarem-se os m ortos com a cabecapara 0 oeste, " como cs cristaos" , porque a ssim a populacao

aumentaria (18).

o fundo da cova 6 forrado com pati da cbapada (hotho) queconsangufneas mais afastadas trazem em sinal de solicitude (19).Por cima destas folhas cos tuma-se colocar uma esteira novafomecida pelos coveiros, depois 0morto, ou eventualmente 0caixaode talos de buriti, em seguida troncos longitudinais tapando a cova,recobertos por mais folhas de pati, eventualmente panos e cober-tores do morto, a esteira habitual do morto e por fim a terra que.e jogada por todos os homens com as maos, No enterro de Kotoi,vimos seu irmao pegar uma pedrinha de outro nimulo qualquer .

(era 0 de Joao Delfino, e afirmaram-nos que nao er a relevantede quem fosse 0 tiimulo) e po-la por cima dos panos, antes da

terra, para 0 tatupeba DaO vir cavar, Por cima de tudo podera

'ser posto 0 cabelo do morto e a embira que serviu para trazer asfolhas de pati ou amarrar as esteiras (fotos 5, 6 e 7). .

Na volta do enterro, as coveiros tomam um banho no riacho

para se purificarem,

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(17) Entre os Apanyekra-Canela visitados por SnethIage, 0 buracoseria antigamente redondo e profundo e 0 cadaver ficaria sentado, enca-rando 0 sol nascente (H. Snetblage 1930: 178) • Segundo inform:acao pes-.soal de A. Seeger (julho 1973) OS chefes suya, suas esposas e seus filhos6 filhas sao enterrados sentados sobre um banco, olhando para leste, Osdemais sao enterrados CO~ a cabeea para oeste, para que "quando se Ie-vantem olhem ja para 0 comeco do ceu (E )". Os Beico de Pau (gropoSuya recuperado para 0 Parque do Xingu) enterram com cabeea para E.

Provavelmente a passagem _da posigao sentada para a deitada, entre osTimbira orientais, sob· Influencta dos regionais (C. Nimuendaju menciona. que em 1934 os Ramkokamekra ja enterravam seus mortos em covas retan. .

gulares) deu margem a reinterpreta~oes diversas.

( 18) Talvez se ~ssa associar isto ao mito de origem da morte, esta-belecida por Pe d e P ed le re - Sol e Lua. Mas nao aprofundaremos aqui

este ponto.

( 19) Em todos as contextos rltuais, trazer folbas de pati da chapadae dever das consanguin eas, seja para descansar as toras (por exemplo noritual do A pu nre ) , seja para os iniciandos se sentarem (por exemplo noKeuuuje), .

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o lugar do enterro

. ~a~s .do que 0 Ingar da morte, sujeito a circunstanciasImpre~ls1ve~, 0 Iugar do .enterro e carregado de significado. E ,U!"8 situacao bem conhecida dos antropologos a da l iga~ao dotumulo "com 0 q~e poderfamo~ chamar 0 "verdadeiro lugar do -_!1ome~ . Os Menna de ~adagascar, de.scritos magistralmente por 1Ma"!I1:ce ~Ioch (1971), disperses po r migracoes em territ6rios naotradicionais, d ese nv olv era m e sta l igac;ao a urn ponto maximo:

para eles, a verdadeira referencia s6cio-espacial na o 6 onde vive~ne m onde nasceram , m as sim onde serao enterrados, na aldeiaancestral. Enraizar-se no Iugar de origem, de nascimento, enraizar-~se no Ingar d?s. despojos dos ascendentes sao duas opcoes. lgu}l lmente p~aus lvels. Entre ~s Krah6, a u rna muIher apinaye que,apos um~ b~ga, ameacou deixar a aldeia em que vivia h a longosanos.. foi objetado: "sua m ae e sua i rma morreram aqui estaoenterradas aqui" . Nao se lhe falou do filho nascido e~tre osKrah6, apenas dos depojos de seus parentes! '

Temos, atualmente, varies lugares de enterro entre os Krah6e analisaremos mais adiante suas implicacoes simbolicas. 0 u so d~cemiterio, a~esar de ja antigo (20) ainda nao se gener a li zon .~ealmente existe, como menciona MelaUi (1970:49),um cemiteriosituado a mats ou m enos 1 ,5 km . a oeste da aldeia. Mas nem

todo~ sao Iii e~terrados: e sinal de afei~ao, guardar a s m orto s p ertode . 81, e .por 1880, apesar das exortacoes dos "govemadores" , ospais frequentemente enterram se us f ilh os , m e sm o a du lto s, atras desuas casas (21).

.Mas nao e 86 iss~: existe um cemiterio s6 de criancas, naaldeia Pedra, B ra nc a, situ ad o ta m bem , grosso modo, a oeste , m asperto do c ircu lo das casas; enfim , com o entre os Canela(Nimuendaju 1946:235), muitos sao enterrados em aIdeia sabandonadas. .

Um fator pratico intervem na escolha do Ingar para eadaen terro , a sa ber, 0 m im ero de portadores dos de spojos , por sua

vez ~~c~rr~tes, ~mo veremos, da extensao da parentela e damunificencia dos donos do Into": se forem poueos os portadores,

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. .(20 ) Antigo DaO 86 entre os Krah6: Pohl, que conheceu var ias tr ihostimbira em 1819, menciona um enterro secundario no cemiterio entre osPoraeameoras (J : ~ : Pohl 1951 (1837): 155). Tambem os Canela ja dis-lWlham de cemiterio quando Nimuendaju esteve entre eles (Nimuendaju946:135).

d (21) Lemb remo s que e costume dos regionais Isolados em fazendaso e se enterrarem as criancas atras das casas.

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. };; possfvel que, sendo 0 enterro secundario concebido comoenterro no sentido proprio, os informantes se refiram a este desdeque DaO sejam interrogados sobre enterros especificos. T~lvez ainuma~ao primaria fosse atras das casas e s6 as duplas exequiaspermitissem trazer os despojos ~ara dentro de casa. 0 testemnnhode Z. Campelo se explicaria entao pelo nao acesso das criancas aoenterro secundario e sua conseqiiente Inumacao na casa.

Ao nivel do modelo, duas ordens de consideracoes atuam na

localiza~ao espacial do cadaver. Enquanto tal, eIe e urn morto, ecomo morto opoe-se aos vivos como 0 exterior ao interior. Maso morto tern por sua ve z dois aspectos: por urn lade ele foimembro de uma casa OU, mais apropriadamente, de urn segmentoresidencial, onde desenvolveu e tramou 0 que chamariamos suasatlvidades privadas (que envolvem, alem da producao agricola e dateprodu~ao, a su a vida faccionaI); por outro lado, ele foi eventual-~nte urn personagem publico, isto e , investido de valores daspciedade como urn todo. Este dupIo aspecto de todo Krahn acha-se

. .. iti~ rito no solo da aldeia, cuja forma circular afeta a vida publica~~ patio central e a vida privada ao circulo das casas. au seja, se

" .. ~~annos agora apenas a aldeia como espaco de referencia,

' .:,.:. ~amos que a vida publica esta para a vida privada como 0!!tt.erio~~o exterior. 0 circulo das casas ocupa portanto u rn Iugar;~~:'. ~t~rmedlO no espaco e no pensamento. Por urn lado, esta para 0

:~,'. p~tio central como a vida privada para a vida publica, como 0

:,~:)",.particularismo faccional para 0 universalismo comunitario, Por....~.,'~\.:.utro Iado, ele se insere na aldeia, DO mundo socializado, por

" . : ' - .. i . . , oposi~ao ao espa~ exterior, ao cerrado envolvente, isto e ao. ~ . . ~ ,, > : . , : ; . : ! . Ii;lundo natural. Nesse sentido, a circunferencia da s casas e ur n. . : ' . " > : limite, uma zona de transicao, pois embora participe da sociedade,::,. .. 6 atraves deIa, atraves das divisoes faccionais, .que seguem,.:.. geralmente os contornos dos segmentos residenciais, que a. comunidade e vulneravel, e por eia que se rompe.

Potencialmente disruptiva da ordem social mais ampla, essazona ambigua, perigosa, que e a zona domestica, tambem confunde~ .claro limite, a exclusao mutua, que deveriam existir entre ascategorias vivos/rnortos: assim os laces de familia sao vistos comoresistindo a expulsao do morto. Nesse espaco de transicao entreo dentro e 0f or a d a a ld eia , c om e tem -s e traicoes a sociedade, cede-sea , se~u~ao dos Iacos de sangue com os mortos, tenta-se guardar 0~ad.a~erperto de si. A liga~ao da casa ao aspecto mais propriamenteIndlVl?Ual do h om em reflete-se aqu i na liga~ao da casa com 0

organlsmo morto, manifesto na tendencia dos consangufneos deguardarem as mortos perto de si, em sinal de afeto: talvez

.

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adotar-se-a 0 Iugar de enterro mais proximo dentre as opcoes, .

pOSSIveIS.

Se , por urna parte, estas localizacoes diversas s e e sc la re cemmediante a compreensao da Iinguagem espacial kraho, por outraparte, elas refletem 0 esforco de traduzir, de investir em umenterro unico imposto pelos neobrasileiros, 0 simbolismo dos doisenterros consecutivos de tradicao anterior ..

Sabe-se, com efeito, que os Kraho praticavam 0 enterro

secundario: algum tempo depois da primeira inumacao, desenter-ravam-se os despojos Iunebres, OS OSS08, limpos e lavados, erampintados de urucu e novamente inumados. N em todos pareciamter acesso ao enterro secundario, reservado provavelmente aoshomens iniciados e a s mulheres associadas aos ritos de iniciacaoou a grupos masculinos (wi't;) .(lOs esforcos missionarios e ainfluencia dos regionais parecem ter-se concentrado em daiscavalos de batalha, 0 Ingar da inumacao e 0 enterro secundario,A importancia que lhes foi dada mereceria urn estudo em si queesclareceria talvez nossa pr6pria atitude com os mortos.

E difieil, nas informacoes atuais, tracar a fronteira entre arealidade e 0 modelo. Teriam os Krahn, por exemplo, enterrado

seus mortos dentro das pr6prias casas? Diversos informantes no-loafirmaram, enquanto outros situavam 0 primeiro enterro atras dacasa materna. Embora suscite reservas, a primeira informacao naodeve ser rejeitada sern maiores consideracoes: ur n informantegeralmente fiel declarou que, antigamente, urn homem casado seenterrava dentro da casa de sua mae; outro afirmou que se faziaa sepultura dentro da casa, no Iugar em que 0 morto costurnavadormir; outro enfim, que DaO mencionou 0 Jugar do primeiroenterro, afirmou no entanto que se desenterravam os ossos que,depois de lavados e pintados, eram novamente inumados ao ladodo primeiro buraeo. Ora 0 lugar da segunda inumacao, exceto parapersonagens de destaque, era dentro da casa. Temos ainda 0

testemunho do pastor batista Zacarias Campelo que esteve entreos Krah6 a partir de 1926 e que declara que a crianca e enterradadentro de casa e que os pals donnem sobre seu sepulcro (Z.Campelo 1957:52). Enfim, um outro grupo Je, onde nao constaque exista 0 enterro secundario, os Suya, pratica urn enterro dentrode casa, no Iugar onde 0 morto dormia ou perto da porta, a naoser para os chefes e sens filhos e filhas que sao inumados no patio(informacao pessoal de A. Seeger, junho de 1973). C. Nimuen-daju, no entanto, s6 menciona enterros primaries atras da casa,que os Krah6 teriam mantido ate 1930, no easo de morte decrianca (C. Nimuenda ju 1946: 134) . •

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_entre cada termo e uma dtrecao cardeal nao e porem intrinseca,conforme veremos quando tratarmos da escatologia: quando seopoem os vivos aos mortos krah6, estes sao associados ao oeste eaqueles ao teste; quando porem se opoem mortos krah6 a mortosestrangeiros, as mortos krah6 sao afetados ao outro polo do eixoa saber 0 leste (cf. capitulo VII). '

Dois p6~os basta~, ~o pensamento kraho, p ara o rd en ar 0

espaco e servtr de referencia para as outras oposicoes; sao as doispontos cardeais, 0 Ieste e 0 oeste, enquanto 0 norte' e 0 suI nao

recebem denominacao diferenciada e sao ditos apenas "lados" semmaior reIey~cia para a orientacao. Talvez seja esta projecao ~obreum eixo uruco de todas as oposicoes que leve ao paradoxo dacosmologia krah6: como entre os Dogan do Mali tambem a terra. 6 tida por "de i t ada" e no entanto 0 leste e dito estar pa;a cima.. Servindo pois de linguagem universal, ligando dominiosdiferentes da realidade, 0 oriente se opoe ao ocidente como a luz

. a s trevas, 0 so l a lua, 0 cim a ao baixo, 0 dentro ao fora 0 patio... . da a ~d eia a o. clrculo das casas, a aldeia ao territo rio q~e the e

extenor, .OS.VIVOS aos mortos (22). E em eada situacao, em eada· .. espaco diminuto, cada par de elementos oponiveis, termo melbor

. , ; . : . j ~ ; , : ' que "opostos" ja que a oposicao e contextual, nao absoluta cada

.;A~V;:, referencia a oposicao leste-oeste, As mulheres irao se postar a oeste.'.~<. do patio, quando forem cantar e os homens dancarao entao a

" ~ : i r , : : ~ ~ ; t : ' · tt:s~e:.pois, com o diz ainda Cassirer, "nao importa 0 quanto, . y t : : ;: '. dividirmos, encontraremos em cada parte a forma, a estrutura do.:';;~':,'.~'-odo" (E. Cassirer 1965, 11:88-89). Ass im , na aldeia circular 0

patio e leste e as casas sao oeste, como se a periferia se abri;secomo sugeriu Levi -St rauss (1958 [1956]), em um seg m en to d ~reta. No ent an to , tal imagem seria firmemente recusada pelosKraho que nao veem incongruencia a lguma entre associar um acircunferencia ao oeidente e seu centro ao oriente.. Vimos portanto: os mortos sao de fora da aldeia de sua

periferia, do o cid en te . 0 enterro primario colocava-os antigamente~~asou dentro das casas. Possivelmente aqueles cujas ossadasmam para 0 p atio f os se m inicialmente e nte rra do s n a frente da scasas , no Iado interno do caminho circular, como entre os CaneIa(C. Nimuendaju 1946:98) ou entao no lado oeste do patio (J. C.Melatti 1970:48). Pressionados para que abandonassem estastnumacoes , os Kraho instalaram seus cemiterios na tu ra lm ente a

c on ven ha , a dia nta nd o- no s so bre 0 que sera laboriosamente diseuti-do no capitulo VI, e xp lic ar a distincao que esta subentendida.•

T ra dic io na lm e nte o s cadavares teriam sido passfveis co mo perdao do t ro c adi lh o de decomposicao: eles seriam pensadosseparadamente como sangue, que veicularia algo como uma "Iorcavital", e como OSS08, que remeteriam a nocao de personagemsocial, de "persona" ; esta ultima permanecia alem da morte, como

• • •permanecem os 0880S, enquanto a pnmeira se exauna com 0

sangue . Na pratica do enterro secundario, manipulavam-se osOSSOS,

a " pe rso na ", is to e , de certa forma, aIgo depurado, perene, doqual se exorc i sava a morte. Esses ossos eram portanto assimilaveis,recuperaveis pe la sociedade. Ter de resumir em urn tinico enterroos dais enterros tradicionais s ign i fi c ou p rovavelmen te ter de lidarao m esm o tempo com ind ividu o e personagem. C rem os que,t ivessem os esforcos missionaries incidido apenas so bre a interdicaodo espaco habitado pelos vivos como Iugar de enterro prima rio,nao teria sido diffcil aos Krah6 adotarem um outro espacosimbolicamente correspondente ao tradicional ·para enterrarem seusmortos. Mas coib indo ao m esm o tem po a pratica do enterrosecundario, isto e , a possibilidade de dispor separadamente do queremetia 30 individuo e do q ue rem etia a " perso na ", d ev e tercolocado problemas mais series na escolha de e q u iv a le n te s 1 6g ic o spara 0 espaco dos despojos. Dai talvez advenha a sensacaoque t emos de es tarmos em presenca de traducoes parciais,aproximativas, nas escolhas atuais dos locais de inumacao,

Tentemos explica-las,

o espaco mitico, diz Cassirer, esta a meio caminho entre 0

espaco da percepcao e 0 espaco geometrico. Como 0 primeiro eI eignora a homogeneidade e desconhece a distincao, subjacente it

construcao do espaco geometrico, da posicao e do conteudo. Comono segundo, no entanto, ele constr6i uma l inguagem, urn sistema"por cuja mediacao os e lementos mais diversos, e lementos que aprimeira vista parecem irredutivelmente incomensuraveis, podemse r pastas em re lacao u rn co m 0 ou tro. .. Todas as especies evariedades de coisas tern seu lugar aIgures no espaco, e sua absolutaestranheza reciproca e deste modo anulada" (E. Cassirer 1967

vol . II:85, 87).Assim, os sistemas de metades krah6 DaO se sobrepoem, isto

e , cada par recruta seus membros com seu c r it er io especffico , e noentanto em cada sistema, uma metade esta para a o utra com o 0

leste esta para 0 oeste. 0 m esm o pode ser dito de cada oposicao,,de hom ens e mulheres, sol e Iua , seeD e m olhado. .. que sem prepodem o rd en ar se us termos no eix o espacial l es te - oe st e. A liga~ao

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(~2) .E ate, fa to que nos pode....urpr~ender, os dols OutIOS pontoscardeafs alinham-se segundo em oposiCao: assim, como me lembrou Melattio nor te esta associado ao oeste e 0 suI ao Ieste. '

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oeste. Ma~ a aldeia abandonada era uma aItemativa 16gica viavel:era exterior ao espaco circunscrito pela nova aldeia, e no_entan~o,era 0 substituto das casas matemas ou do patio, que nao marspodiam abrigar os d es po jo s. O n tra a lte rn ativ a e!lfim era a desubstituir a casa pelo espaco que fica atras delas, J39ue as ca~asse opoem ao patio como 0 espaco extemo se opoe a aldeia:conciliavam-se assim urn tanto canhestramente a liga~ao do mortocom a casa e sua exterioridade em relacao aos vivos.

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karii ,dos alimentos e nao altera sen suporte fisico (24). Os dacasa DaO tacam nessa comida, nem no cigarro deixado no jirau.Alias 0 cigarro ja privado de seu karii se consome logo, "nao valea pena".

A ult ima refei~ao, embora ass inale , como acentua I. C., Melatti (1970: 211), um derradeiro cuidado com 0organismo,' nao supoe entretanto a c om e nsa lid ad e d o grupo domestico. 0morto e excluido, relegado ao espaco que Ihe cabe, 0 exterior. Apartir desta unica refei~ ao p 6stu ma q ue sa tisfa z u m a f om e q ue naof or a s ac ia d a em vida, 0 morto nao p od era f az er o utra s ex ig en cia ssem e xtr ap o la r s eu s direitos. ·

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Note-se que tambem lhe e negado 0 Ieito conjuga l. O s p esdo seu ji rau foram p os siv elm en te c or ta do s, s eu espaco domesticosera desertado. Nem comensal, nem esposo e pai, 6 - lhe s ign if ic ada ,em sum a , a sua inexistencia no grupo domestico. Seu Ingardoravante devera se r entre os mortos, s eu s p a re s.

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Como entre os Canela e os .Apinaye, se 0morto morreu com'fome, ap6s ter passado por varies ~ias de agonia, sem corney, .seukaro ha de vir pedir por intermedio de um curador, u~a ultimarefeicao. Podera, nesta ocasiao, encomendar 0 cardapio de sua'preferencia: berubu (23) de ma " c ax e ir a , peix~, paca, veado, arroz,sem esquecer 0 fumo tao apreciado. Ou entao 0 pr6pno curadorira propor ao karo uma refei~ao tentadora.

o preparo desta refei~ao p6stuma compete a casa do lutoque sera normalmente a das consangil ineas. Novamente toma-se

relevante, no caso de um homem, 0 estagio no cicIo de desenvolvi-mento do grupo domestico e a proximidade dos consangufneos deque ainda 0morto dispunha. Se s ua v hiv a ainda estiver de Iuto nacasa dos seus afins, ela participara do preparo da' refei~~o.Consangtiineas de outras casas poderao ajudar , fornecendo carne

(vide p. e x. M e la tti 1970:208, e as o P e dro Colina). k

A refei~ao nunca e o f er ee id a d e nt ro de casa, m as atras, noespaco e xter io r q ue assenta aos mortos. L a e a rmada um jirauonde se dispoe 0 berubu, 0 cigarro, 0 arroz, 0 copo de, ~gua.Enquanto a familia t emerosamente se agrupa dentro de casa, 0curador vai convidar 0 karo para 0banquete. Em breve se 0 ouvec be g ar t oc ando 0periakhii ou 0 kukhonre (instrumentos musicais)

a seu modo caracteristico, e em seguida, abrir as folhas debana neira selvagem (pa cova) q ue em bru lhava m 0 paparuto: osparentes entao nao mais contem 0 choro.

Quando 0m o rto s e a fa sta , a s p ess oa s " de f ora ", es se nc ia lm e nteas mulheres , vem pegar a comida, pois 0 k,Qro s o consome 0

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(23) Berubu: 0 mesmo que "paparuto" ou khworgupu, designa umagrande panqueca de massa de mandioca recheada de came ou de peixee assada, envolta em' folba de bananeira selvagem (pacova), em fomo depedras quentes, : s : a comida cerimonial por excelencia,

(24) Nossos informantes nao concordam com 0 de MeIa tti (1970:2 0 9 ) segundo 0 qual 0 curador consumiria, como recompensa de seusservices, a comida sem alma deixada pelo morto. Seu convivio com osmekaro l ivra. .lo-la dos riseos dessa comida. Os dados semelhantes canelae apinaye (C. Nimuendaju 1946:135 e 1939:152) em que 0 papamto 'edistribufdo no patio apoiariam as informacdes que nos foram dada s.

4140

 

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CAPfTULO mI

Tendo descrito as exequias em algum detalhe, cabe agoraanalisar a reparticao dos papeis. .Max Gluckman (1937 : 119 )apontou que os costumes mortuaries recon~tituem relacoes aIteradaspor uma morte: nao 86 as dos sobreviventes com 0 defunto,mas tambem ados sobreviventes entre eles, por exemplo a deafins que perdem 0 elo que os unia. Urn funeral e portanto algo

diverse para cada parente, ou melhor para cad~ grupo de p~rent~senvolvidos, e isto fica especialmente claro diante da as...imetriaque se manifesta entre 0enterro de urn homem e 0de uma mulher,assimetria que decorre do sentido em que transitam as _pr:sta~oes

matrimoniais. E portanto no quadro geral destas presta~s. queentenderemos a atribuicao das tarefas funebres, e em particular 0

papel dos afins nas exequias e no luto.

• ••Esboco do sistema de prestaciies matrimoniais

Embora nem sempre possam fazer executar 0'que consideramlhes ser devido, os Krah6 mantem uma contabilidade minuciosa

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das prestacoes matrimoniais.

Ha que distinguir preliminarmente a divida de um ·home~que casa com moca ~irgem. (1), da d? esposo de mulher jadeflorada. A diferenca e consideravel, pois aquele que tomou por

'\ mulher uma virgem e de certa forma um etemo devedor: esperam--se dele prestacoes infindas, a medida que as puder fornecer (2).

1 .

(1) A virgindade da jovem esposa e atestada pelo vermelho deurucu com que a sogra a tinge, ap6sconsumado' 0 casamento.

( 2) Nao entraremos aqui no detalhe destas presta~es, a Ilio ser asque concemem as exequias e 0 luto. Para que se tenha apenas Ideia de suaimportAncia, mencionaremos 0 caso de Hap~ro que, durante ,os quatro 0 !1cinco anos que esteve casado, deu cinco espingardas. a seus aflns, das quais

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Nfio existe uma prestacao (niciaI estipulada, mas 0que se considerao "total" da divida e Imediatamente exigfvel somente em casode ruptura do casamento e, no caso de morte de um dos conjuges,no fim do luto do vhrvo (3).

Daquele que esposou mulher "ja mexida", fosse ela soIteira,vhiva ou separada, as prestacoes matrimoniais podem reduzir-se apouca coisa e ficar latentes ate a ruptura au ao fim do Iuto,excetuando-se obviamente 0 concurso cotidiano que 0 genrofornece, na caca e na agricultura, a easa do sogro. A importancia

das prestacoes dependera de ter tido 0 casal alguma descendencia,e nesse easo 0marido pagara consideravelmente mais, reduzindo-seas prestacoes a bagatelas se 0 casamento t iver sido esteril.

· A divida matrimonial, embora reeaia sobre 0 esposo emprimeiro lugar, exige amiiide a contribuicao de seus parentesbilaterais, tidos como igualmente responsaveis, principalmente emcaso de ruptura.

Regras e generosidade

Quando iici amos nossa pesquisa, procuramos saber asinjuncoes te6ricas e reais na determinacao dos coveiros e paramen-tadores do cadaver. A partir do conhecimento que tfnhamos decertos casas concretos, formulavamos as perguntas em termos derelacoes de parentesco, consangiilneo ou por alianca, e obtivemoso conjunto mais disparatado possfvel de respostas. Visivelmentea designacao nao era feita nesses termos. Depois de muito tatear ..mos, uma observacao do chefe de Pedra Branca colocou-nos empista mais fecunda. Ao Ihe perguntarmos quem haveria de pintaro corpo e cortar 0 cabelo de Kotoi, ele declarou: "Se os parentessovinarem, sao as filhas mesmas que pintam e cortam 0 cabelo.Se alguem quer ganhar aIguma coisa, pede para as filhas licencede fazer a pintura, lavar e cortar 0 cabelo".

A partir dai, comecamos a fazer a exegese, com urninform ante, de todos os funerais de que ele e en tfnhamos notfcia,detalhando a razao da escolha ou da rejei~ao de cada ator

uma coube ao Ime e as outras ao sogro que as redistribuiu entre seusparentes, vendeu ou guardou para sl,

(3) Lembremos que, se morrer ° marido, a vhiva, ao ser "despa-chada" pela familia do marido, tern direito a receber oonslderaveis pre-sentes.

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teoricamente possivel, e 86 entao, fina lm en te , os princlpios dedesignacao se esc lareceram.

. Sabemos que as services funerarios contam entre a~~resta~oesmatrimoniais exigiveis de um afim. 0 usa deste direito e noentanto aIterado pela interferencia de outro princlpio, - o ~agenerosidade, que consti tui uma, senao "a" v ir tu d e c a rd e al kraho,

Ser hotxen, g en er os o, c om p ete e m particular aos, ~hefes e aos"- govemadores, pois a generosidade e fonte de presttgio e.ntre os

K rah6 com o em tantas outras s oc ie da d es , c om o ja e sobejamentec on he cid o d es de M a u ss . Seu antonimo, hotxe ou hotxekti significaao mesmo tempo ser avaro e "ruim" e e urn termo injurioso (4).A avareza e caracterfstica dos feiticeiros que derivam seu poderda intimidacao,

O ra , a g en ero sid ad e Manda q ue se recorra a os estra nhos, a osK de fora, para as tarefas funerarias, e estes tern 0 d ir eito d e e xig ir

em pagamento qualquer coisa que dese jem. B 0 que levaprovavelmente 0 pas tor batista Zacarias Campelo a escrever comuma indignacao contida: "0 coveiro contrata 0 enterro pararealizar -a tarefa sozinho, ficando como unico e universal herdeirodo morto, m esm o q ue se trate de pai de famflia que deixe vitiva,filhos e um esp6lio composto de lavoura e criaeao" (Z. Campelo1957 :54). . · .

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Possivelmente a si tuacao ideal ramkokamekra, isto e , em

.termos da g en er os id a de a Jm e ja d a, nao diferiria muito da quedescrevemos. Segundo Nimuendaju, quando m orria u m homem, 0

.chefe perguntava no patio quem se dispunha a cavar 0buraco e 0

voluntario tinba direito de tom ar pa ra si um ou dois objetospertencentes ao m orto (C . Nimuendaju 1,946:134 e 1~8) (5).Quanto a decoracao do corpo, c om p e tia e ntr e os Ramkokamekraaos am igos form ais, igu alm en te recom pensad os, m as naa co mp erten ces d o m o rto (N im u en da ju 1946:134 e 102).

(4) :£ hotxe a aldeia que se abstem de. convidar outra para umafesta au que, convidando-a, reserva as mulheres l ivres (ingf'ekrele' ~ sol-.teiras, separadas au vhivas ) para seus pr6prios homens. Sa o hOtxe tambem amulher que se recusa a urn homem, 0 homem que n a o cede aos Irmaos desua esposa tudo 0 que es tes lhe pedem. De um modo mais geral, recusarum pedido ou sollcitacao e causar pa ham, neste eontexto, "vergonha ",humilhacao ao sol ici tante , sendo portan to repreensivel.

(5 ) Nimuendaju menciona qu e 0 v olu nta ri o n ao p od ia pertencer ametade exogAmica do defunto. Esta infonnacao deve ser considerada comreserva, desde que as pesquisadores que sucederam a Nimuendaju naoparecem ter encontrado tais metades.

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"Sovinar" nos funerals, como em quaIquer outro ri tual (6)e pois "ficar entre si",. No entanto ha a isso certas Iimitacoes,Enquanto a lavagem e ornamentacao do corpo podem ser feitaspeJos consangufneos, a estes e vedado cavar 0 nimulo e carregar X

o morto para enterra-lo. Podem para e st a s t ar ef a s, e se persistiremem sua avareza, recorreraos seus devedores, ou seja aos homenscasados com as consangufneas do morto. As exequias assumemnesse caso conotacao familiar: recorre-se aqueles que, porpertencerem ao circulo dos consang t ifneos ou the serem devedores,

nao e xig ir ao p ag am e nto (f oto s 4 e 10).Segue-se do que acabamos de descrever que, se enterrar os

parentes de sua esposa faz parte das p r es ta c o es ma t rimoni ai s do .marido, este fa-lo-a somente quando for solicitado pelos consan-g uf ne os e dai decorrem a lg um a s d as a no ma lia s q ue reg istra m os n ocomeco de nossa pesquisa. O utra s p rovem da estrita contabilidadeque ja menc i onamos e que registra ciumentamente todas asprestacoes: quando morreu Karate, menino de seus oito anos, seuspais pediram a Chico Novo que cavasse 0b ura co . O ra , Chico Novoera u rn a fim relativamente distante, m arido da filha de urna irmada mae do morto, isto e de urna irmf classificat6ria, enquanto haviana casa 0 recem-casado esposo da irm a do menino, M as a este

nada f oi p ed id o porque ele havia casado com uma .virgem e iriater portanto de pagar multo mais: DaO queriam os consangii ineosque el e pudesse se valer dessa prestacao para se eximi r de suadfvida, se la rg asse a esp osa . Seus t emores nao e ram in fu n da d os :Romro, casado com a irm a de Yaye, p retex to u ter f eito '3 cova dofi lho deste para nao pagar nada ao a ba nd ona r a mulher. Verdadeera que esta ja andava em seu terceiro casam ento . \

Ha um a diferenca nas exequias de u rn hom em e de um amulher pois as prestacoes matrimoniais sao num sentido s6: daparentela do m arido para a pa ren tela da esposa. Assim, s e h ou ve rm orrido u m ho mem , seus parentes podem pedir a vitiva de 0 lavare a do m ar e a c on sa ng ilin eo s desta de fazer a cava e enterra r 0

defunto. N e ste c as o, 'a d iv id a dos parentes do m orto em relacao aogrupo que lhes fomeceu mulher a um en ta em virtude de s ta p re st ac aod e s er vic es f un er ar io s: em consequencia, no fim do luto, ao se r

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(6) Em muitos rituals, parto, iniciacdes etc., existe a possibilidadede alguem, estranho ao circulo familiar , se oferecer para executar um ser-vico pelo qual exigi ra um pagamento substancial que nao lhe podera sernegado. Assim uma mulher idosa pode se oferecer- para receber e cortaro cordao umbilical de urn recem-nascido. Assim tambem sao pessoas defora que vern lavar os parentes do morto depois da saida do corpo.

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liberta a vhiva, ela recebera urn consideravel acresctmo depresentes. Do rnesmo modo, mas com implicacoes inversas porcausa da divida matrimonial anterior, se tiver morrido umamulher, a familia podera pedir aos parentes do vhivo de seocuparem dos funerais. Cuidarao estes de todos os detalhes, desdea coleta dos ingredientes para a pintura ou para uma eventualempenacao, tratando de abrir a cova e enterrar 0 defunto. 0 marido, DO entanto nao participa: considerado por urn lado muito proximoda morta para poder enterra-l a, tambem DaO the compete a pinturacorporal, reservada a s mulheres. No entanto, atraves da participa-

~a o de sua parentela nos funerais da esposa, acba-se eximido deboa parte da prestacao que, fossem outras as circunstancias, deveriapagar ao ser levantado seu Iuto. Quando a familia do vitivot a)assume assim os encargos dos funerais , devers tambem participardo Iuto, abstendo-se de festas e ornamentacoes. Deve-se lembrarque a observancia do Iuto e outra prestacao matrimonial queincumbe ao vhivo ou a viriva e' cuja quebra e severamentesancionada.

No enterro de uma crianca que ainda DaO tern seus propriosin laws (7a), outras familias (kindreds) que tenharn com a casado morto urn laco de afinidade, e em primeiro Iugar os maridosde consangilineas podem fazer uma prestacao funeraria a pedido ou

com 0 consentimento dos pais do morto (7). E 0 caso porexemplo do enterro do fiIbo de Yaye. Alem de Romr6, EiP (do

n:orto) j. a me~ciona~o, Wagapi, casado com uma filha de Yayenao, so ajudou ~omro a cavar 0 buraco, mas sua mae ainda pediupara lava r e pintar 0 corpo, "p o up ando 0 dinheiro do filho"segundo a expressao elucidativa de um informante. Pouco depoisWagapi abandonava a mulher sem ou tr as i nd en iz a co es , pois el~nao havia casado virgem e dela nao tivera filhos. '

Entendemos assim a posteriori outro erro nas nossas primeiras

indagacoes: sempre perguntavamos a liga~ao entre os coveiros eparamentadores do corpo com 0 defunto e nao conseguiamos

descobrir qualquer consistencia nas respostas. Ora, os mecanismos

que acabamos de descrever evidenciam que a rela~ao pertinente

nao e necessariamente com 0 defunto mas com um a familia.

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( 7 ) A prop6sito dos funerais de uma crianca, obtivemos dados inte-ressantes. Se se tratar de urn menino, pedir-se-a ao seu nominador de 0

empenar, como 0 teria feito nos rituals de iniciacao. Assegurou-nos entaourn informante que, antigamente, era sempre 0 nominador quem empe-nava 0 corpo.

(7a) Vide nota (9) a pag . 51...

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Enfim, como vimos acima, a generosidade maior conslste em \se recorrer, para as tarefas funerarias, a completos estranhos quepoderao e~gir retribuicoes que, em outros contextos, seriam tidaspor exorbitantes. .' " ,

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o Krah6 oscila entre a avareza e a,generosidade funerarias ena mesma familia, cada funeral poderaser tratado diferentemente.Em geral, os parentes atem-se a uma generosidade sem excessos,mas seu prestigio esta em causa: assim.na familia da esposa dochefe de Pedra Branca, de dois enterros de homens maduros, urn

foi generosam:ente e outro parcialmente .ccnfiado aos parentes daesposa, enquanto um enterrona casade ~m feiticeiro foi assuntopuramente domestico, pois como vimos, o prestigio de urn feiticeiroindepende de sua generosidade.' :-;

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" Podemos entender agora" porque, .a pergunta formuladaaenericamente da reparticao das ~~Jj~f~.:,.f~nerarias suscita doistlpos de respostas, ambas paradoxalmente enunciadas como"regras". Se 0 informante se colocar na ,p~):~pectiva das proibicoes,

e adotar portanto a definicao minima, .ele .ha de afirmar que oscons angiiineo s ornamentame , i w a w e , . , homens que receberam

muIheres consangufneas em casamento; .enterram. Se se colocar,na perspectiva de actimulo de prestigio pel a ,generosidade, tal comosignificativamente 0 fizeram os chefesde Pedra Branca e de PedraFurada, dira que qualquer vu m '''de" fora" pode ornamentar eenterrar 0 cadaver. ".,., " ,~,. t .

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Vimos, a te a go ra , como as. prestacoes matrimoniais afetama escolha dos incumbentes dos papeis funerarios, e as manipulacoes

a que dao ensejo as consideracoes conflituosas do prestigio e da

avareza. Porem, ao nivel ideologico, ha urn certo principio

basico, uma determinacao minima, que poderfamos esperarfosse evidenciada atraves de urn estudo comparativo das tribos

J e . Maybury-Lewis descreveu, com efeito, a~ sociedades J e centraise setentrionais como "variacoes sobre um mesmo tema socioI6gico"

(D. Maybury-Lewis 1967: 303) e desprezou as classicas taxono-

mias baseadas nas terminologias de parentesco como sendo

irrelevantes (D. Maybury-Lewis 1969)., Metodologicamente, esta

hip6tese basica tern implicacoes importantes: se a aceitarmos,

poderemos considerar que todas as variacoes e sao muitas ·

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que as tribos Je tecem sobre a atribuicao das tarefas funebrescorrespondem a um mesmo principio subjacente, diversamenteatualizado. - - -

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As sociedades Je ofereceriam entao um c ampo " propfcio paraos estudos comparatives tal como Levi-Strauss (1958 [1956]) 0

definiu: ao mesmo tempo suficientemente pr6ximas para termoscerteza de estarmos tratando de fenomenos comparaveis, elas saoao mesmo tempo suficientemente diversas para que nao recaiamossempre no mesmo fenomeno,

Ora, a exce~ao talvez dos Apinaye (8) e dos Xerente, pareceser uma consfante das sociedades J8 sobre os quais possufmosdocumentacao, a divisio" dos services funebres nas primeirasexequias em Iavagem e ornamentacao do cadaver por uma partee, por outra, escavacao da cova, remocao do -corpo e enterro.

Infelizmente os grupos funerarios e os mecanismos de seurecrutamento foram desigualmente estudados nas tribos J e . Serianecessario conhecer, antes de mais nada, as "proibicoes de acesso"a s tarefas funebres. Assim sabemos que entre os Krah6 osconsangtiineos tem acesso a emamentacao mas nao a remo~_aoe abertura de cova. Depois destas regras negativas, viriam as

regras prescritivas ou preferenciais. '

Na realidade, os dados de que dispomos para -'as sociedadesJ e DaO distinguem estes niveis, tomando diffcil a comparacao,Resumamos esses dados em urn quadro (pag. 49).

Deparamo-nos, diante destes dados, com uma serie dedificuldades: discrepancia nos coveiros entre Xikrin e Gorotire,imprecisao dos dados Xavante e esta outra "anomalia Apinaye"., .que J8 mencionamos.

S e ; , no entanto, " trabalharmos com as proibicoes, excluindoportanto 0 problema da generosidade, taIvez possamos afirmar,desprezando os dados Gorotire, que uma constante e os coveiros eremovedores nao poderem ser consangiiineos. Os coveiros saoconceptualmente "os outros", "os de fora", e os genros tem

naturalmente uma posi~ao privilegiada ja que, para uma familia,sao dentre os distantes as mais pr6ximos, estrangeiros ~que seencontram " a mao". Com efeito, em todas as sociedades J e , entreessas .duas categorias, consangiiineos e afins, a - uxorilocalidadeintroduz uma assimetria: 0 homem vai para a casa do seu sogro,

-----..---(8 ) C. Nimuendaju (1939) menciona que tanto a omamentacdo do

cadaver como a cova eram feitas por urn amigo formal, mas que qualquerpessoa podia remover 0 corpo da casa. :£ possivel que estes dados, comooutros dados Apinaye, tenham de ser verificados.

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dos irmaos d a es po sa e suas principais obrigacoes reverterao, ,daipor diante, p ara esse grupo q u e : Ih e e alheio, senao hostil, Entreos ~avante, onde -0';faccionalismo intenso que opoe -.os eIaspatrilineares exacerba esta oposicao, 0homem que vai ara a casade .. su a e sp o sa tQrna-SC("como urn refem:jijl c a r o w !!lli!lig g" ~. ... ..M;aybury- Lewis 1 96 7 : 1Q3). Retirado assim do meio dos seusco nsa ng iifn eo s~ Io s seu s in-laws, 0 marido pode por sua ve zarrancar, da casa deprocriacao, os parentes da esposa quando estesmorrerem, e quem assistiu a . remocao de um cadaver krab6 e it

batalha que eJa su sc it a . e n tr e consangtnneos e coveiros perceberacomo 0 antagonismo dos "de dentro" e dos "de fora" pode s emanifestar. Talvez isto aponte tambem para ,3 ruptura, a cisao totalentre mortos e vivos. Os mottos sao "outros", arrancados aos seuspor estranhos, seus Sem elhanteS .', - --

Nao, se enterram os p r6p rios m ortos, nao se casa co m asproprias Irmas: foi Goody quem melhor assinalou a analogiafuncional que existe entre a alianca e 0 que ele -chamou as"amizades funerarias" (funeral jriendshipsv; Como a proibicao doi nce s to - que , pela remincia a i rma, instaura a cultura (L.-Strauss1.949) , a proibicao de enteirar seus pr6prios mortos exige 0

estabelecimento de laces sociais fora do.circulo estreito da parentela

(Goody 1962: 64-65 ) .:£ curioso observar que, dentre as tribos do Brasil Central,

os Bororo parecem ter explicitado melhor estes dois focosfundamentais da sociedade. Assim J. Chr. Crocker (1967: 108)esereve, referind o-se a os a tribu to s q ue definem 0 "ser Bororo":"Conta-se que antes. de sen advento (das instituicoes Bororo), osBororo eram como os bichos e os outros indios, guerreando entresi, "deixando seus mortos apodrecerem na m ata" e "sem vergonha"n as s ua s a tiv id a de s s ex u ais , copulando ate com as proprias irmas",

Se, funcionalmente, a: proibicao de enterro e passivel damesma , explicacao que a proibicao ' do incesto, tambem 0 sao outrasr el ac oe s s oc ia is q u e : R ad cl if fe -B row n (1952 [1940]: 102) chamou

de "consociacao" por oposicao a s "relacoes contratuais", Narealidade, como Mary Tew (alias M. Douglas) (1951 :J22)Iembrou ha duas decadas, trata-se, desde Radcliffe-BroWn, dedesenvolver urna teoria da amizade entre grupos separados oupessoas pertencentes a grupos sep¥ados. Mas enquanto a analisefuncionalista ou se detem nestas consideracoes g era is ou detalhao modo de insercao das instituicoes de amizade em cada sistemasocial, sua Incidencia e modo de atribuicao especffica, 0 problemaque. nos ira interessar mais adiante ( capitulo V) e 0 de umateoria da am izade enquanto m odo de se pensar a alteridadeeconseqUentemente de se colocar a identidade. '

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Os enlutados e 0 tempo do luto

o luto di~ere~~m natureza segundo os grupos sociais que 0

observam: obrigatorio para os consangiiineos ele e de certa formacontratual para os afins, ou mais precisa~ente os in-laws domorto (9). '.

Para estes, ob~ervar Iuto pode s.eruma prova de afei~ao pelodefunto e sua familia, mas nunca deixa de ser concomitantemente

urn ato de soli~ariedade emocional e economica para com 0 vitivo,m~mbro do kindred. Observar 0 luto com ele e , conforme vimosacima, reforcar-lhe um a prestacao matrimonial.

o ..u to tern. uma duracao v~ri~vel determinada pelosconsanguineos e finda com uma cerimonia que pode ou naoem co?di~Oes q ue d eta lh arem os, ser a co mp anh ada de u ma festa :Este ritual marc a a reintegracao na vida cerimonial de todos oscons a ngiifneo s e idealmente, do viuvo (a ) que s6 entao e"despachado", podendo contrair novo casamento. Em nenhumcaso, contrariamente a informacao dada a Melatti (1970:205)prolongavam os consangiiineos 0 Iuto alem. deste ritual. Quantoao c.~njuge sobre 0 quai pesani . ..s mais severas restricoes, e pouco

f re qu en te q ue ele 0 observe ate a o fim e tera , por esta infra ~ao,de ofer~;er, se for homem, urn pagamento suplementar aosconsangumeos, e se for mulher, abandonar a pretensao a qualquerpresente por parte destes. _

o Iuto e claramente dirigido pelos consangilineos d o d ef un toe ligado a sua casa natal. Assim a viuva mudar-se-a com seus filhospara a casa de sua sogra. E esta, juntamente 'com os casos dedoenca do marido ou sua eventual ausencia da aldeia, a ocasiaode uma virilocalidade provis6ria. Embora, em cada urn destes casoso proposito explicito seja 0 controle da castidade da e sp os a p el o~consangiifneos do marido, na pratica 0 tem po que 13.ira ficar variainversamente com 0 in co mod o q ue ocasiona. Por outro lade nao

se pede contar com a abstinencia sexual dasmulheres: "ela~ naoagiientam mais Iuto; pintam-nas e despacbam-nas no mesmo diado enterro", foi 0 comentario desabusado de Peno,

A lem d isso , mais uma vez a generosidade dos consangilineose posta a p rova, pois um a viuva que p er ma ne ce c asta ate ao fundo luto devera receber consideraveis presentes. A ssim se 0 defunto

· DaO tiver consangilineas suficientemente proximas dispostas a

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(9 ) Na ausencia de tenno melhor, chamo de uin-lawi' aqueles afinsque eg o adquire atraves de seu pr6prio casamento, a exclusao do de al~umparente seu,

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,

acolher a vitiva, esta sera imediatamente liberta do luto (10). Urncompromisso que poupa as suscetibilidades dos consangiifneosexcluindoac mesmo tempo a vhiva do grupo dos enlutado~~,;~0levirato, on mais precisamente 0 casamento com um consangumeodo defunto (11). j

""

- Enquanto 0 Iuto da , viiiva e mais um penhor que exige, novaprestacao . por parte dos seus afins, 0 luto do vitivo deve serentendido como uma prestacao matrimonial, e como tal varia com

o tipo de casamento, a existencia de filhose 0 saIdo das prestacoesanteriores. 0 vnivo com filbos pequenos, sobretudo se tiver casadocom virgem, continuara na casa dos sogros, trabalhando para eIespor longo tempo teoricamente ate os filhos atingirem uns dezaDOS sem poder casar nem sequer namorar na vista de

consangiiineos de sua finada esposa (12). Quando finaImente for"despachado", no momento do fim de luto, deixara na casa seusfiIhos a quem continuara no entanto a trazer came de caca. E nessassitua~6es que se saIienta a vantagem de contrair novo casamentocom muIher da casa da falecida, ja que, ao mesmo t empo prendeo jovem viuvo a casa dos sogros onde continua criando os filhose the permite tornar a casar antes de escoado 0 longo tempo ~de '

Iuto. Novamente D ao se pode falar aqui em sororato, pois nao setrata de urn privilegio do vitivo, que inicia urn casamentoconsiderado novo, impIicando nova dfvida, No entanto, feitocom 0 consentimento dos ,,"~onosdo luto" , ele - n a o e repreensfvele hao ocasiona indenizacoes, embora 0 viiivo DaO acompanhe nestecaso oIuto dos consangii ineos ate seu termino,

Um vhivo que houvera casado com mulher D ao virgem e daqual nilo tivera filhos, observara normalmente um Iuto curto. Assimtambem fara se ja for chefe do grupo domestico em q ue v ive au

,

(10) , :€ sem duvida essa, a abreviaeao do Iuto, a explica~aoda · p i n -tura e corte de cabelo das mulheres de Pedro Colina, DO pr6prio dia das .exequias deste, descritas por Melatti (1970:201 ).'. --

( 11) Nao se pode falar em Ievirato propriamente dito ja que n a o setrata de urn direito matrimonial da famil ia do defunto, mas de urn novocasamento que nao difere, quanto a s prestaeoes; de qu~quer, outre; e cujaprole nao e referida ao esposo falecido.

( 12 ) Para darmos uma ideia do rigor dessa castidade imposta, men ...cionaremos 0 caso de Hap6ro que se queixava de que, a mando de suasogra, Agapr~k, Flme, rapazinho de seus dez anos mas U ja capaz de contartudo", 0 segula como uma sombra quando ia para 0 banho ou cacar. Ai r m a de S Ua .defunta esposa chegou a the roubar a(intimidade desejavel,seguindo-o mato adentro, na festa de encerramento do.Wakmeti, quandohi troca cerimonial e publicamente anunciada de mulheres entre as metadesWakmeye e Katamye.

52

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se r t a o houver consangufneos da esposa em posi~ao de exigir delea presta~ao do Iuto.

Mas, de um modo geraI, pelo que acabamos de descrever, asviuvas costumam passar por urn Iuto consideravelmente maisbreve que os vhivos. Para elas, alem disso, por causa da regra deuxorilocalidade, nao se coloca 0 problema dos filhos quecontinuarao morando com elas em suas casas de origem.

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Lembremos enfim que 0moribundo pode dispensar 0 conjugeda observancia 9 0 luto e sua vontade e usualmente respeitada,

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As praticas do luto

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A castidade e apenas exigida do conjuge, nunca dos outrosenlutados. A forma especial do...uto ' do primeiro evidencia ql!e ....alianca nao se dissolve no momento da morte mas por decisaodos consanguineos do defunto. Com efeito, veremos que 0 lacomatrimonial stricto sensu e rompido com a remocao do cadaver: a

partir daf todo contato sexual e a comensalidade com .0 mortadevem ser evitados. No entanto , 0- casamento que consiste para

os Krah6, essencialmente no estabelecimento de lacos de afinidade(cf. E. Leach 1955) nao cessa imediatamente com a morte do

conjuge, Nao se pode 'portanto falar, como Meyer Fo~es ~i~mapara os Tallensi (1969 [1949]:--117), que 0 morto retem direitossexuais sobre sua esposa. Na realidade, estes direitos cabem aosin-laws que os auferem ciumentamente, DaO sob sua forma P?sitiva,

de prestacao de services sexuai~, ~as em sua fo~a ne~a~l!a, deexigencia de castidade. Estes direitos, note-se, nao ~e ~claJ?l amorte do conjuge, pois durante um casamento, os afins ~ao tidescomo especialmente zelosos do comportamento de seu aliado.

Nio existe tenno proprio para 0 Iuto mas eIe e costumeira-mente descri to pela locucao amiiy krii kor no , "privacao de corte

de cabelo" (amny reflexivo, kra cabeca, kor , cabelo, nop rivacao ) que 0 resume, como veremos, com extrema

propriedade.

Nao cortar 0 cabelo e abster-se de pinturas corporais,restricoes que sao sempre concomitantes, significam, em todos oscontextos, nao participar da vida publica. Assim, foi-nos dito certa

feita, os homens mais velhos nao pintam 0 cO!po, apenas braces,pernas e rosto ja que ficam sentados a s portas das casas , de 13

• • • •exortando as corredores de toras e os participantes nos ruuais.

Pela m e sm a ra za o, asseguraram-nos entao, na o se pinta a crianca

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ate ela sair ao patio, apenas se a tinge com urucu (13). Renunciara ornamentacao c orp or al im p lic a te oric am e nte na o correr comtoras, nao cantar nem dancar no patio• .Na realidade, vimos a irm~e a m ae de Poyoy, ainda de Iuto pela m o rte d el a, c orrerem 'c o~

• A - •

toras u m a bela ta rd e. Ao indagarmos a razao desta mcongruencia,f iz er am - no s v al er que elas nao haviam cortado 0 cabeI!l e .queportanto na o estavam infringindo 0 luto. Vemos aqu i qu ,e 0abandono do cabelo e um i nd ic a dor c ons id e ra do suficiente doestado de luto, quer sejam as praticas que supoe seguidas ou nao

a ris ea . S en do es te 0 criterio ult imo de Iuto, segue-se que, se numgrupo ja e nl uta d o o co rr er uma segunda m orte, os da is 1u tos s opoderao ser en cerra do s a o mesmo tempo, a traves do corte decabelo.

I

Note-se que 0 Iuto nao supoe nenhuma restricao alimentarpois niig e um resguardo de sangue e 0 termo a?",txir que designao encerramento do r es gu a rdo de parto, 9 0 assassmo, do la va do r d eossos etc., nao e apli cave l ao fim do Iuto, embora em. to do s e ss escasos se reintegre 0 indivfduo na vida cerimonial. Vemos portantoque s a o de naturezas diversas os ritos de passagem Krah6. S em e nc io na m os isto e porque 0 term o "rito de p assa gem " _p arece,servir hoje amitide com o m ais um a etiqueta cuja fun~ao ·6preveni r

q u a lq u e r i nv e st ig a cao subseqiiente.. . . .

.. A comunidade e a redejinicdo dos papeis

O s e nI uta d os sao postos a margem da sociedade, e passampor um periodo de r ea j us tame n to . As suas manifestacoes de , pesarsao s oc ia lm e nte c on tro Ia da s,e s e lh es e dado destruir os pertencesdo morto e executar saltos m o rta is a o se re m re m ov id os o s d esp ojo s,

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eles d ev era o n o en ta nto ser refrea do s p ela s p esso as p resen tes. £..motivo de escandalo e opr6bio para , a comunidade um a pessoaco nseg uir lev ar a cabo u rn s uic fd io n es ta s o ca si oe s. » •

Os parentes do viuvo (a) au os conjuges dos descendenteslembrar-Ihes-ao o s filh os p eq uen os q ue a in da p rec isa m d eles. Mas,816m d is so , d u ra n te 0 periodo de luto, a c om u nid ad e . . d ev er acontrabalancar a a~ao do morto para com os enlutados. 0 defunto,

-

(13) 0 urucu, com efeito, naa e tido como "pintura" mas como"tintura", e os Krah6 usam verbos diferentes para, "piptar" com jenipapoou pan de leite, Mg, e "tingir" com urucu, kukrii.. A pmtura propriamentedita e 0 desenho preta feita com jenipapo ou p6 de oarvdo aplicado sobrea ..§eiva do pan de leite, enos intersticios do qual se espalha 0 vermelhode urueu.

54

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r.

-com efeito, nao se esquece de seus parentes e se estes nao 0afasfarem de sua. lembranca, correrao series riscos de seremarrastados para a aldeia dos mortos . :£ dever da comunidadeexortar entao os parentes a se esquecerem daquele que perderame se voltarem para a sociedade dos vivos.

Assim, se os e nl ut ad os f ic ar em inconsolaveis, chorando emsuas casas , sem falarem com ninguem, sem sequer sairem para cacarou it a roea, a a ld eia , depois d e a lg un s d ia s, devera cer imonialmentese manifestar: durante u ma noire inteira , hom ens e m uIheres hao

de c an ta r n o patio. D e madrugada, dirigem-se a casa do lu to onde .choram "para ajudar". Em seguida, 0gove rn ador e x or ta os parentes 'a se esquecerem do morto e a nao mais 0 chorarem. Bspera-seque a partir desta iniciativa da aldeia, os e nI uta d os v ol te m aoconvfv io soc ia l e retom em suas ocupacoes de s u bs is te n ci a ( 1 4) .Nao se trata de lhes abreviar 0 luto, que se mant em , mas dec ont e- Io d e nt ro de certos I im i te s. ,

Geoffrey Gorer (1967 [1965]: 134), em um ensaio ps ico . . .-socioI6gico, afirma que a privacao da expressao social de luto,sentido como incongruente ou obsceno na sociedade inglesacontemporanea, g era resp osta s n eu r6 tic as e inadaptacoes noscidadaos bri tanicos, Ele encontra confirmacao em Melanie Klein

q ue esc rev e: " se 0 enlutado tiver p es so as d e quem el e gosta e quecompartilham seu pesar, e se ele conseguir acei tar sua s impat i a , arestauracao da harmonia em seu mundo interior e promovida, e seusmedos e desamparo sao mai s rapidamente atenuados" (M. Klein1940 [1921-25] citado apud G. Gorer).

,

Se aceitamos ta is conc lu soes com toda a "ingenuidade"requerida por E. Devons eM.Gluckman (196~), a intervencao dacomunidade e a expressao social concedida ·ao luto teriam efeitopsicologico salu tar sobre os enlutados.'. Durante os primeiros temposdepois da m orte, estes, ee sp ec ia lm e nte o s parentes ma tr il ate ra is e sta o s uj eito s a saudadedo morto que tenta arrasta-los consigo. Isto se mani fes ta atraves

de doenca ou de sonhos reiterados com 0 defunto. Se em sonhos e a e ei ta r comida, r el ac oe s s ex u ais , p in tu ra s c or po ra is o u p a rtic ip a rd e c or rid a s de tora, 0 sonhador estara prometido a m o rte c erta .Muitos sao c itados que m orreram por terem tid o in tercu rso c omo c o n j n g e defunto. /

N ov am en te p od e-se v er at a traducao d e f ato s p sic ol og ic os jadescri tos por Freud. 0 ego de luto (n o sentido p si co lo g ic o) d ev e

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( 14) Se a aldeia se omitir, e motivo de paham (aqui "vergonha,humilhacao") para a familia.

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progressivamente, e confrontando-se com a realidade, re tr air s eu slaces (a libido) do objeto amado. Isto encontra oposicao e aeventua l recusa , de 0 levar a cabopode acarretar um a psicoseaIucinat6ria .que mantem 0 ego preso ao objeto. Este retraimentoda libido e .urn processo .que exige tempo pois 0 teste com a r

realidade deve ser feito em detalhe (S. .Freud 1917, citado apud

G . G or er ) (15). . .-

Dito e m te rm o s socio16gicos, isto signifiea q ue todos os m odosd e i nt er a ca o de eg o com alter devem ser revistos ao desaparecereste ult imo e .que deve haver portanto um a redefinicao de papeis edo s laces q ue p rendia m ca da enlu ta do ao morto.

Para se preeaver da seducao desses siicubos e fncubos, costumao c on ju g e mudar 0 Iugar onde.dormia: na o basta faze-lo mais alto,e preciso evitar-se aquele espaco. Eventualmente poder-se-a cava rum buraco no chao, preenche-lo de terra nova e reconstruir entaourn jirau feito de outros troncos de arvore. Dormir naquele Ingare expor-se a sonhar mui to com 0 morto 'e arriscar-seportanto ase r p or ele levado a aIdeia dos mekarii.

~

Interessante e notar-se que 0 karo, afligido de vista curta. ePOllCO discernim ento, fica preso aquela terra e aquele lugar. Istofica patente com a in formacao de que, havendo mudanca da aldeia,mudanca esta que conserva a disposicao relativa da s casas, °espaco correspondente ao antigo 'jirau do morto pdde serreocupado. Segundo Jean Carter Lave (1972) uma das razoesinvocadas pelos Krfkati para um a mudanca de aldeia era a quanti-dade de' mortos que lhe estavain ligados.

Ainda .para se precaver da afei~ao perigosa do defunto, estee exortado, durante as lamentacoes funebres, a se esquecer. . . .dosseus: Criancas de peito sao .sentadas na barriga dos pais quando"estes m orrem . Se a mortafoi mulher, far-se-a 0m esm o com qual-quer crianca que el a estivesse ajudando a am am entar (16). Isto efeito no dupI~ intuito (de "alegrar 0 morto'~ e de the rogar queesqueca as cnancas que amav ,a para que na o ·a s a rra ste p ara 0

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(~5) l!: espantoso 'enoontrar em R. Hertz (1970 [1928]:76) uma des-cri~o psico-sociol6gica muito proxima da de Freud: "0 fato bruto da morteHsioa ndo basta para consumir a morte nas consciencias. a imagem daqueleque morreu recentemente faz ainda parte das coisas deste mundo; delas86 se destaca aos poucos atraves uma serie de dilaceramentos interiores.N ao conseguimos pensar 0 morto como morto' desde logo: faz parte denossa substancia, pusemos nele muito de n6s mesmos; a participacfio emuma mesma v id a so cia l cria lagos que nao se rom pem em urn 86 dia".

(16) l!: comum as muIheres de uma mesma casa ajudarem a ama-mentar os filhos umas das outras. \

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ttimulo, Quando morreu Poyoy, sua m ae sentou-Ihe 0 fllhinho,Kuheike, na barriga e em seguida suas pr6prias filhas gemeas quePoyoy amamentava: "Voce me ajudava a lhes dar de mama r ' naom e deixava bater nelas, mas agora nao se lembre mais dela; ... "

Se alguem ficar doente e 0 curador a cu sa r a Ig um finadoparente de 0 estar querendo levar, os parentes vivos zangam-se einvectivam 0 karii: "Se voce se tivesse lembrado de nos na o teriamorrido. Agora e que voce quer voltar pegar a gente, Va-~e embora,fique por la", Transparece aqui ra nc or p elo abandono e a insinua-

~ao de que 0morto poderia ter evitado 0desenlace se nao tivesseaceito o convivio dos mekarii.

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Se,n a 9 obstante todas estas precaucoes, 0 d ef un to p ers is tir .em aparecet em sonhos a a lgum enlut ado, cortar-se-lhe-a a esteum a mecha d e c ab elo s n as temporas. Se 0resultado almejado ainda

assim DaO for conseguido, todo 0 cabelo· sera cortado (17)Iiberando-se pais a vitima do estado de Iuto. Isto indica que 0

1uto e entendido como um estado de transi~ao no qual 0 mortoc~nserva tim c erto m im ero de laces DaO de direito m a s a fe tiv os .Estes serao definitivamente cortados, em caso de abuse, em favorde uma reintegracao dos enlutados na sociedade.

Percebe-se pois, nas praticas do Iuto e no seu cerceamento aoposicao entre a soc iedade e os mekarii, ou seja 'a rivalidade d O slaces com os vivos e dos laces de consangiiinidade com o s m ortosjogando para reequilibrar 0 grupo domestico afetado. '

Espacia~mente enfim, a m e sm a n oc ao e veiculada: 0 patio,locus da sociedade por . e xc e le n cl a, s e op6e ao exterior, locus dosmorto~ e a oposicao e mediatizada pelo espaco domestico, Os vivos~e opoem assim aos mortos, m as os lacos de parentesco afetam

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ignorar, com consequencias que serao estudadas quando falarmosda escatologia Krah6, esta distincao fundamental.

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(17} Este cabelo ~de ser guar~ad? ~u jogado fora, mas nunca pos-to em. erma do ~ulo, segundo 0 pnnclplo de que nilo se mistura coisa ..dos _VIVOS c~m COIsa dos mortos. Por isso permanece inexplicavel a afir-macao de Kissenberth de que 0 viuvo icanela depositava seu ca belo c om ooferenda fUnebre, no tUmulo de sua recem-falecida esposa (W. kisseD-berth 1912:48 f. Note-se no entanto que tal pratioa e consis tente com osdados xikrin (L. Vidal 1972b:198) e poderia ter sido verdade no pas-sado,

57..

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,CAPITULO IV

O s Ritos de Fim de Luto

Parte iixa e parte [acultativa

o fim do Iuto compreende dois ritos distintos, urn obrigatorio

e u rn facultativo.

Chamaremos de "parte fixa" ao rito que necessariamente ecelebrado certo tempo depois do enterro de um Kraho, seja elehomem, mulher ou crianca. Este rito pode au nao ser acompanhadode outro, mais elaborado, a que chamariamos de parte facultativa,que compreende 0 oferecimento de um ritual a aldeia, escolhidoentre um certo mimero de rituais possiveis , em fun~ao de criterios

que veremos a seguir. As encenacoes da "parte fixa" e da "partefacultativa" se realizam simultaneamente mas sao nitidamente

distinguidas pelos inform antes.

Assim definido, 0 fim de luto esta presente em todos oscasos de morte e devemos entender a frase do informante deMelatti de que "nem todos tern direito ao cerimonial no fim doluto" (J. C. Melatti 1970:20) como se referindo a parte facultativa.

Se se realizar a parte facultativa, ela consistira de urn

"canon" e de uma parte movel ,

Criterios

A realizacao da parte facultativa depende de dois fatores:

19) que 0 morto tenha tido em vida uma liga~ao especial,"afet iva" ou institucional, com um ritual particular; ou entao, quetenha adquirido direitos a festa do Porgahok, mediante intervencaode urn especialis ta durante a vigilia que precede seu enterro. Assim,se urn homem foi kriirigate (chefe, cabeca) de uma turma de ini-

ciandos, au se ele tiver sido, como Estevao, entusiasta do ritual deKateti (uma das formas do rito de iniciacao Pempkahok); far-se-aa "tora de Kateti" como parte movel do fim do Iuto dele. Se uma

58

~ul?er .. .oiassociada. a algum ritual de iniciacao, eIa tambem teradireito a t~ra desse .ntual. A parte facultativa consiste nesses caSDS

na parte final do ritual com a corrida de tora que a caracterizaPode-se assim ter no fim do Iuto as toras de Porti (da festa d~batata-doce), de uma das formas do ritual de Pempkahok etc.

A liga~ao de ur n morto a urn determinado ritual costuma serratificada pelo reconhecimento publico. Este consiste nos cantosque. se ha de_entoar ;na noite que segue a morte, no patio daaldeia e que sao extraidos do ritual em questao.

Urn easo que mostra a flexibilidade desta Iigacao e 0 deWakonkui. Esta havia sido Krokrok-gahiii (associada ao Pemp-kahok), No entanto,seu irmao, Ituap, e especialista no ritual dePorgahok e quis realiza-lo, Em consequencia, a tora de Wakonkuifoi de Piirgahok. Outro caso e 0de Kuhok que havia sido associadaa diversos rituais de iniciacao. Quem decidiu a tora a ser feita -e que finalmente foi a de Kateti foi 0 padre da aldeia.

29) Dada esta condicao prel iminar, a iniciativa da festa devepart~r dos consangiiineos do morto. E necessario que estes e, emparticular 0 hornem que os representa, ou seja 0 chefe do grupodomestico dos consanguineos mais pr6ximos, que sera freqiiente-

mente urn afim marido de i rma ou de filha consintam emoferecer a Iesta a aldeia.Isto depende por urn Iado da generosidade e do interesse dos

consangilineos e, por ontro, do comportamento da comunidade emrelacao aos consangilineos durante 0Iuto. Vimos que a comunidadedeve, se a dor dos parentes for muito violent a, exorta-los a seesquecerem do morto. No en tanto , os pais e 0 vhivo de Poyoyforam abandonados a sua dor, sem que a comunidade como urntodo se manifestasse, por uma noite inteira de cantos seguida deexortacoes, Isto foi causa de paham, de vergonha (1), para a fami-lia de Poyoy e, em represalia, apesar de Poyoy ter sido Krokrok-

-gahiii (moca associada ao Pempkahok) os pais nao realizaram

para ela a parte movel do fim do Into.Tambem a nao ratificacao, atraves dos cantos na noite da

morte, da liga~ao do morto com urn ritual, podera ser interpretadapelos consangilineos como urn descaso e estes recusar-se-ao a

oferecer a festa.

Vemos, portanto, que a realizacao da parte facultativa supoeuma reciprocidade entre aldeia e consangilineos contabilizada por

----_._---•(1) A tal ponto que nos foi escondido 0 fato pelo viuvo durante

muito tempo.

59

 

estes com um rigor suscetivel. Todo deslize da aldeia e interpretado mais proximo, e dito "dono da festa" (pjjryodon) (3) e pode faIar

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como urna afronta ao morto e aos seus parentes. igualmente da "sua tora" (iyopor minha tora) ,

A ele, ajudado pelos consangiiineos do morto, competem asdespesas, cort.es de pano a serem dados na tora, esteira nova e urnaparte da comida. Se os convidados se restringem a aldeia a carnedevera ser fornecida pelos enlutados. Se, no entanto, os cdnvidadossao muito numerosos, incluindo membros de outra aldeia entaoos hom ens da aldeia podem fazer uma cacada coleti;a cujoproduto sera entregue ao dono da festa. Este fornecera arroz emandioca para 0 paparuto final, mas tambem dara comida aos

que cantam a noite toda no patio (paparuto, banana, arroz).

Todas as mulheres irao ajudar a fazer 0 paparuto, na casado dono da festa, enquanto rapazes sao designados pelos prefeitospara procurarem folhas de bananeira brava, "pacova", que servempara embrulhar 0 paparuto; homens e rapazes armam 0 ki, fornode pedras, na beira do caminho radial (prekarii] que leva da casado donoda festa ao patio ..

A iniciativa do convite e do "dono da festa". Uma bela manha,ou durante a reuniao do fim da tarde, ele anuncia sua tora emtermos como estes:

Parte fixa

o fim de Iuto consiste essencialmente no corte de cabelo,depilacao, e na pintura corporal de todos os enIutados, ritos quemarcam a plena participacao na vida publica Krah6.

Se 0 conjuge nao tiver sido despachado mais cedo, e-lbe

cortado 0 cabelo por uma consangilinea do defunto. Se se tratarde viuva que tenha observado 0 Iuto ate seu termino, e entao queela recebera os consideraveis presentes que Ihe hao de dar osparentes do marido. Quanto ao viiivo, talvez ainda lhe seja exigidaalguma prestacao, No caso dos parentes do conjuge terem obser ..vado luto por solidariedade , eles tambem 0 levantam na mesma."ocasiao,

A decisao de realizar ou DaO a parte facultativa do fim de1uto repercute na pompa dada a parte obrigat6ria. Se os parentesse negarem a oferecer a festa, poderao cortar 0 cabelo e se pintarpor ocasiao do Piirgahok por outro morto ou de outro ritual quecongregue toda a aldeia tal como 0Porti, 0Pempkahok, 0Ketuaye,o Apunre on 0 "arremate" de witi (nao na intronizacao de witi).Nao se pode faze-lo nos rituais de mudanca de estacao (Ro'ti,

Wakmeti, Katamti), nem nos rituais de "brincadeira" (Txoikre,Portere, Hamaho): No entanto, se decidirem oferecer a festa, estacompreendera necessariamente a confeccao de um paparuto( khworgupu) (2) que e oferecido a aldeia pelos consanguineos do

morto.

wa ita khdm

en hoje

~

me

(plural)

"

ama1\

voceakrepei

falar

"" "amny(reflexivo)

to' ,.mo•vi r

ka m eA.

vocesa kii n aa todos

I

me(plural)

akrepeifalar

wa h a ita khiim t o • If .. . ,tyopor me I

(futuro) hoje minhaI

eu tara derrubar. '!

,.,

,h a t6npd

»ha hiriipee ne hiper

e (futuro) terminar e (futuro)•

avisar outra vezParte [acultativa: 0canon

kd a p e" .

patio no

, " " " "

me ama.A.

a voces

kame"

oces

haren

ha + yarenfuturo/ contar

ha krepei

(futuro) falar

: ~

(3) p o r yo do n = dono da tora, au amiiy khin yo don =dono dafes~a; do n = corruptela de "dono"; yo = = possessivo; pOf' = tora; amiiykhtn = se alegrar, festa. 0 dono da Festa nao sendo necessariamente urnconsangiiineo, pode nao estar ele proprio de luto. Assim 0 fim de Iutode Kotoi foi encabecado pelo seu genro Aleixo, que nao observou Iuto eque havia sido acusado por muitos de a ter enfeiticado,

.~ I

---_........". . . . . . . .

(2) Vide nota (23) p. 40.

60 61, ~I ,

~l~ .

I I

 

UEu venho hoje (para) vos saberdes

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falar a todos va seu hoje derrubarei minha tora

e terminarei e avisarei .outra vez no patiocontar-vos-ei, dir-vos-ei"

ampo t o•coisa

me(coletivo)

amiiy khiim(reflexivo) dentrohapakndre (4)

escutar (negativo)

Vai-se entao cortar u rn par de toras. Sao os enlutados que asdevem cortar, mas se nao forem habeis, poderao pedir a o utro sque Ihas abatam, mediante retribuicao. Um a Infcrmacao de Pent )

para a qua l nao obtivemos confirmacao menciona que se 0 donoda festa for de um a metade de idade, e nfio for capaz de cortartora , sera u rn membro da metade oposta que ira faze-Io por ele.

Quando se acaba de cortar tora, 0 dono da festa toma aa visa r n o patio e pergunta ao chefe se deve convidar outra aldeia.o chefe decide, e sua decisao reflete as r el ac o es v ig en te s entre asaIdeias e possivelmente, a resposta a convites precedentes. Pois seos convidados recusam vir, 0 dono da festa fica com paham

(vergonha ) e zangado (inkre) e nao se convidara m ais a aldeia qu elhe fez essa afronta. No entanto, se ele nao convidar outra aIdeiasem motivos validos, correra 0 risco de ser c on sid era do sov ina(hotxe), Vemos portanto que, enquanto 0 enterro e sobretudo da

alcada do s consangiiineos e a fin s, 0 fim do l uto r eiin e pelo menostoda um a aldeia,

Ih= Quem vai convidar uma Dutra aldeia e 0 proprio dono dafesta ou ur n govemador (ex-prefeito de prestigio) delegado pelochefe.

kuteel e

,. , . , ;

me tma(coletivo),

eu nos

amkrodia

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amiiv khin"

festakatxuchamar

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~

ma

•sarr

•VIr

"Niio estou vindo po r outra coisaEu venho chamar para a testaEu s6 venho chamar para a tora

o cheie da minha aldeia mandou vir avisar-vosVir contar-vos.

Nao pensai em coisa algumaEle marcou 0 dia de no s sairmos

Ele marcou 0 dia de no s chegarmosI'd todos na aldeia nos esperamEle disse que chegdssemos cedo,Sairemos cedo".

waeu

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ampo•

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(possessivo)pahi te m echefe (passado) (coletivo)

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(direcional)

. ,tuyaren

contart o ~

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V I r

)

o mensageiro traz, portanto, os convidados da outra aldeia,que poderao chegar urn ou dois dias antes da cerimonia, e passamo tempo entre noites de cantos e corridas de toras divididos na s

62

- - - - - . - - - - - - . . . - . _ , .

(4 ) hapak = escutar; amity = = reflexivo; amfiy hapak = = pensar (lite-ralmente, se ouvir a si mesmo) .

63

 

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metades que competirao na tora do morto.vB a ocasiao propiciapara as aldeias medirem seus talentos respectivos nas corridas epara cada atleta escolher seu adversario para a corrida final (5).

Quando 0 ritual e 0 Po rgahok, as toras sao introduzidas nacasa materna do defunto e nesse caso os presentes sao postps sobre,.elas enquanto as toras de outro cerirnonial de fim de luto sao deixa-

das no patio da aldeia, Ha entao a alternativa de dispor os presentes

pendurados numa cordinha no Iugar de partida da corrida ondeteoricamente serao apanhados e posteriormente distribuidos naaldeia por u rn prefeito, au entao na chegada da tora, igualmentependurados numa corda por cima do cantador. Os presentes sa odestinados, em primeiro lugar, e como em todos os rituais, aosvisitantes de outras aldeias que "vieranr ajudar" (6), a s mulheressem marido e, de urn modo gera1, aos nao parentes. No entanto,nem sempre e possivel ao prefeito prevenir a sofreguidao femininaque leva as mulheres a se apoderarem dos presentes antes dele.Note-se que e direito de qualquer nao parente tomar os presentes,e 0 prefeito tern apenas a incumbencia de as distribuir de acordocom as tradicoes,

As insignias ou certos instrumentos sao Ievados por pessoas

que tenham direito de usa-los. Assim 0maraca do famoso chefe derituais Antonio Pereira foi tornado por Z e Cabelo, cantador dePedra Furada.

Os presentes sao de dais tipos. Uns sao alguns poucos enfeites,insignias, instrumentos musicais au objetos de uso pessoal do morto:maraca, txe, khui (batoques auriculares), hokho (Iongo cocar depenas usado antigamente pelos lideres guerreiros e pelo governa-dor), harape (enfeite usado em uma das versoes do Pempkahok),faixa decorada da cantadeira, mako (urn t ipo de bolsa masculina)e teoricamente espingarda e panela (7). _

No entanto, somente poueos objetos deste primeiro tipochegam ao fim do luto. Eles sao 0mais freqiientemente destruidos

--- - - . . _ . . .(5) Lembremos que a corrida de tora e uma corrida de revezamento.

Aqueles de metades adversas que se desafiam postam-se em urn mesmoIugar de percurso da tora.

( 6 ) Em particular, se 0 ritual foi dirigido por urn especialista deoutra aldeia, este h a de ganhar urn grande presente, 0 que nao se da sefor da propria alde ia. Assim Ambrosinho padre de Cabeceira Grossa, rece-beu de urn prefeito de Pedra Branca tres cortes de pano por ter dirigidoa tora de katet! no fim do luto de Kuhok,

(7) Teoricamente porque a pratica e que "os ferros", que consti-tuem Inovacao, passem de pai para filhos (espingarda, enxada, machadoetc. ), ou de mae para filhas ( panelas ) .

64

'. pelos consangiiineos ou entao levad~s p~r nao parentes durante avigflia que precede 0enterro. A explicacao dada e que os parentesevitam assim deparar com qualquer coisa que lhes lembre 0morto.

o segundo tipo de presente e constituido habitualmente porcortes novos de pano, comprados pelo dono da festa e pelos mem-bros de sua casa ede uma esteira nova, que no caso de Porgahok,serve para pousar as toras dentro da casal

Alem destes presentes it aldeia, cabe ao dono da festa e aos

de sua casa darem presentes diretamente (sem passarem por inter-media do prefeito) aos amigos formais (hopin e pintxwoiy do mor-to. Assim Kratpe, amigo formal de Kotoi, recebeu urn corte de panoe Emiliano, amigo formal de Antonio Pereira, urn txe (8), instru-menta muito valorizado, confeccionado pela filha deste. Estespresentes retribuem sua presenca na vigilia do enterro e sua parti-cipacao nos cantos na noite que precede a corrida de toras. 0mesmo costume se verifiea nas varias modalidades do ritual de- .inicia~ao Pempkahok em que ~e pede aos amigos formais quecantem a noite tada sem sucumbir ao sono.

. Na manha da corrida de tora do morto e logo ap6s a fim da< corrida, a aldeia e os convidados se reunem na casa do Iuto, onde

todos choram abundantemente.o governador entao exorta pela ultima vez os parentes a se

esquecerem do morto: "Podem cortar 0 cabelo", diz ele (9). "Amorte vern para todos n6s". "Ninguem vai virar pedra (isto e,ninguem e imortal)".

Depois disso procede-se ao oferecimento do khworgupu (0"paparuto", corruptela regional) . Este, como vimos, e posto nofomo na vespera da corrida de toras a noite, Ele e oferecido i taldeia pelo dono da festa que diz simplcsmente: Ndmri khwiirgupuno , "0paparuto esta ai''. Se, na mesma ocasiao, os consanguineosdo morto est iverem libertando o viiivo (a), este podera sair nafrente do paparuto, pelo caminho radial que sai da casa do Into e

vai para 0 patio. Ele ira s6 ate metade do caminho e voltara,enquanto 0 paparuto e levado, na corrida, ate ao patio. Se naohouver viiivo a libertar, seja porque 0 morto nao tivesse mais

A •• ~ • •

conjuge, seja porque este nao tivesse esperado 0 Iim do luto, 0

paparuto podera ser entregue na frente da casa e Ievado ao patio

I

,II

II

~

\

I

II

- - - - - - - - . .. ...

}

(8) Instrumento que consiste em urn cinto de algodao com dezenas~e pontas de caba~a penduradas que se entrechocam. E usado nas cor-ridas CO~O urn c int~ enquanto nos cantos e enrolado na perna direita quebate 0 rttrno ou agitado na mao (vide foto 15).

(9) Na realidade 0 cabelo ja esta cortado desde a vespera,

65

 

onde e , repartido. Segundo alguns informantes em todos os casos Retrao: Eu vou ser como morceguinho

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ele e dividido entre as metades de idade Hariigateye eKhoigateye.

t

I 0 peito (dele) pendurado parece piliio

a juntinha do osso da perna da ema estamachucadinha"

Parte iacultativa: 0 rito movel

_ p _ y l o s mecanismos.ique ~xPU~~DloSacimg,_0_ Porgahok e 0

ritual ffiais'-cnmumente realizado no fim do luto:-·A--con~o_ • I " _ - - • . - • • • , ". , . _ ~ . - .% _ ~ - ; . . . . t . : - . . . . . . . . . ~ . . . . . L . ,. . . ... . . ; .. .. ~ . ..

preliminar para que e r e ~ - ;s e f a -- e i iC e n a d o e ' _ , " " " - - ' c ~ ' o ~ m { r ~ v t m o s ,que um

especialista do Porgahok, antes que 0 corpo seja tirado da casa,cante a sua cabeceira, acompanhando-se com 0 txe, alguns cantosdo ritual.

Os cantos sao longos, em estilo alusivo, hermetico ate paraborn mimero de Kraho adultos, e sao entremeados de versos comunsem todas as cancoes, que descrevem urn detalhe do comportamentoou da aparencia de urn animal.

Para ilustracao, daremos aqui a traducao aproximada de urndesses cantos, com a explicacao de algumas alusoes que foramesclarecidas. Nem todas eram claramente compreendidas pelosinformantes.

Trata-se aqui de uma alusao ao feiticeiro causador da mortee de uma evocacao da vinganca da aldeia.

o Piirgahok D aO e de origem Kraho, Existem cinco

especialistas deste ritual na aldeia de Peno dos quais quatro 0aprenderam entre os Pekobye (Gavioes) e urn outro nos

Apinaye, havendo uma diferenca que mencionaremos entre as

duas formas. Embora recentemente introduzido, 0 Piirgahokencontrou tal aceitacao (14) que se 0 pode coloear entre

os rituais Krah6 e analisar dentro do quadro de referencia destatribo ..

o micleo do ritual pode ser assim descrito (15): se a tora

e feita em honra de um homem (ou menino) sao as mulheres

que correm com as toras enquanto os seus esposos potenciais

(mas nao maridos reais) lhes oferecem agua. A cada urn queIhe ofereceu agua, a mulher devera retribuir na aldeia, com

um presente. Se 0 morto foi mulher, invertem-se os papeis:

os homens correm com as toras e lhes e oferecida agua pelas

esposas potenciais.

-As toras do Piirgahok, quando este e realizado para"alegrar urn morto", sao de buriti e empenadas e tingidas deurueu, uma segundo motivo Katamye (aneis transversais), outrasegundo motivo Wakmeye (riscas longitudinais) (vide foto 11).

Estas toras sao grandes e seu miolo e esvaziado para torna-las maisIeves. Sao Ievadas para a casa do Iuto, isto e , a casa das consan-giiineas do morto, qualquer que seja em principio a idade ou 0

sexo deste. "A tora se bota na casa da mae do morto" e a assertivade um informante, confirmada pelos exemplos e, como veremos, 0

dono da casa (e, portanto, da festa) e as consangiifneas cobrem as

o Porgahok

((0 galho da arvore kremre tern leite (10)Eu estou intrigado com 0curador

Segura bem a iolha velha de caite (banana bravaJProcura como [ormiga peture (11)Niio escondas (curador) na planta tetek (malva?)Niio cubras com palha 0 curador, ja aconselheiJa apanhei (0 corpo) sujo de terra

o olho branco de coco (12) maduro e corri (com el epara sepultar)

Fumaca de genteFumaca no canto da chapada (13)

- ---~

,~,

(14) 0 Porgahok: e freqi ientemente realizado para divert imento, semrefcrencia ao luto. Pudemos assistir assim, par iniciativa das mulheres daaldeia, a um Porgahok em 1 de agosto de 1972 (vide foto 12).

( 15) A nossa descricao do Piirgahok: baseia-se, ao mesmo tempo:a) naquele a que assistimos dia 1 de agosto de 1972, naa ligado a fim deluto, b) em descricao pormenorizada do r itual feito para Kotoi, dez lTIeSeS

depots de sua morte (descricao de Pascoal ) ; c) em descricoes sucintasde Porgahok genericos feitas por quatro infonnante; d) na descricao su-cinta de um Porgahok nfio ligado a Iuto feita a Melatti (1970:206) quenao assistiu ao ritual e que s6 menciona corrida de homens.

- ... - ---( 10 ) Alusfio nao entendida: pode tambem ser verso de· refrao.(11) Formiga do malo que senlpre e encontrada em grande mimero.

Isto se refere a proeura do curador para mata-Io que deve ser feita portoda a aldeia em conjunto.

(12) 0coco tern manchinhas brancas do lado do cabo, quando estamaduro. Refere-se aos olhos do moribundo que fiearn brancos.

(13) Refere-se a pratica de queimar 0 feiticeiro.

...I

66·67

 

toras de dadivas a aldeia. Aqui se evidencia nitidamente que 0 +9) 0oferecimento de agua entre esposos potenciais e sub-

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morto e tido como propriedade dos seus consangtlineos (16).

A introducao das toras na casa materna do defuntoe caracteristica do Piirgahok e nao se realiza nos outroscerimoniais da parte facultativa do fim do luto.

Quando 0 Porgahok e realizado pelo divertimento, usam-setoras de madeira, grandes e oeas que nao se tingem nem empenam,Permanecem neste caso 0 oferecimento de agua e a retribuicao, eas toras sao jogadas no patio.

As toras sao pintadas e empenadas por uma consangiiinea domorto, e os partidos que disputam a corrida sao habitualmente asmetades de idade Hariigateye e Khoigateye. As mulheres sefiliam a estas metades segundo a metade do pai (se solteiras) oudo marido.

Segundo urn informante, a diferenca entre as versoes Apinaye

e Pekobye do Porgahok reside unicamente nas metades que correm

para a aldeia. Na primeira, serao as metades sazonais Wakmeye eKatamye, mas mesmo nesta versao a corrida no krikape (caminho

circular que passa diante das casas), que sucede a corrida de toras,

sera disputada entre as "metades de idade", Hariigateye e Khoi-

gateye (17) .. Os Hariigateye associados com 0 oeste como osKatamye correrao com a tora decorada com motivos Katamye,enquanto os Khoigateye correrao com a tora decorada com motivos

Wakmeye.

Em suma, 0 que distingue 0 Porgahok de uma serie de outrosrituais e:

19) A inversao: os homens correm com as toras para 0cerimonial de fim de Iuto de uma mulher e vice-versa;

1,

sequente retribuicao;

39) A empenacao das toras, que s6 ocorre alem desta ocasiaono Apunre (ritualem que cada corredor tern sua tora) e no Txoi~kre;

49) A introducao das toras na casa das consangufneas domorto, onde se chora pela ultima vez;

59) A divisao (com uma excecao) no par de metadesHartigateye e Khoigateye,

Eis, a titulo de exemplo, a descricao completa do Porgahokrealizado para alegrar 0 karo de Kotoi, dez meses ap6s sua morteem maio de 1973. · ,

Na vespera da corrida de tora, de manhii, as mulherescomecam cantando no patio, lideradas por Domingos Lambu com

se u maraca. O s homens e s ti io todo s no patio.

Poprii, um dos prejeitos da estaciio seca, jd vigente (Popriie Wakmeye e Khoigateye) vai a casa de Krampei, cantora muitoestimada, pega-a pelo braco e, correndo, le va -a a te a o patio. Faz omesmo com Ariikwui; este ato' signijicava a escolha de ambos paraum papel cerimonial no jim da tarde. Kuhek, mulher entusiastadeste ritual, pega no braco de Walde Pempkro (Khoigateye) ecoloca-o junto de Krampei ..Outras duas mulheres pegam lpiir (dametade Haragateye) e 0 deixam junto de Ariikwui. Estiio assimigualmente designados os protagonistos masculinos para 0 canto danoite.

Mulheres e homens Haragateye viio para a . casa de Raul, casada wlti dos meninos que serve temporariamente tambem como casade wlti do s homens. Walde e Domingos Lambu, a pe sa r d e seremKhoigateye, viio t ambem porque precisam ajudar a cantar.

Os homens Khoigateye VaG um por urn desajiar um ou mais

homens Haragateye para a corrida do dia seguinte. 0 desajio con-

siste em uma corrida de uma volta no caminho circular da aldeia(krikape) a partir da casa de witi. Todos correm, velho com meni-no e as mulheres aos pares.

Em s egu ida t odo s se dispersam. E entiio que os enlutados viiocortar 0 cabelo e se pintar com ienipapo ou pau de teite na casados consangiiineos do morto. D u ra nte e ste dia, todos na aldeia sepintam tambem, adornando-se para a c or rid a do dia seguinte. S onao se p as sa a in da urucu.

De ta rdez inha, H o ku r (J aim e) d es ig na do peto conselho paraser inkreregate ("0 que chama. para can tar"), v ai p eg ar 0 txe e

,\ I

,

-_ --~( 16) Lembremos nesse sentido que 0 Krah6 procura morrer na casa

materna mas que a pratica e fun~ao do cicIo de desenvolvimento do grupo

domestico e que urn homem que e chefe da casa onde mora a qual per-tence, a rigor, aos consangiiineos de sua esposa, tende a morrer nessacasa. Qualquer que tenha sido a casa da morte, 0 luto sera invariavelmenteencabecado pelos seusconsangiiineos.

( 17 ) Esta diferenca registrada em urn caso sabre cinco e decorrentedo aprendizado do ritual entre os Apinaye talvez DaO seja significativa,tendo em vista que os Apinaye nao tern classes de idade, apenas categorias(Nimuendaju 1939:36-37). Alern disso, nero sempre Ituap 0 especialistadivide os corredores em Wakmeye e Katamye (vide por exemplo 0 Porgahokde Kotoi abaixo). A s metades de idude kraho, Hariigateye e Khoigateye sao

aquelas antigamente constituidas por classes de idade altemadas, e que atual-mente recrutam membros em qualquer grupo de iniciandos.

\,

6869

 

uma esteira na casa da morta e chamar Itudp (0 "cabeca branca"), haviam sido cortados dois pares de toras, e, em cada par, uma havia

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cantador do Porgahok. Itudp su i de s ua c asa , seguido po r Hokur.ltuiip senta-se na esteira e Hokur vai buscar sucessivamente as duasmulheres e os dois homens escolhidos de manhii. Sentam-se emordem, de E para W, Walde,Krampe, [tulip, Arokwui e [par, todosolhando para oeste onde estiio as toras. Cantam assim umas 'Iresc an tig as e param. Homens e mulheres VaG cantando juntar lenhano mato para [azer fogo no patio, onde deveriio passar a noite

cantando.

Cada urn vai entiio para casa, comer.

De noite, Hokur val chamar outra vez a todos para cantar.Nessa noite ninguem vai dormir dentro de casa, todos vila dormirno patio, revezando-se nas cantigas. Estas sa o acompanhadas pelo

tse.nunca pelo maraca.

Os amigos formais do dejunto tem a especial obrigacdo decantar sem cessar a noite inteira. Por iss o s er ao recompensadoscom presentes dos consangidneos. Assim Kratpe, hopin (amigo

formal) da deiunta recebeu urn pano, no patio.

Quando os cantores se cansam, param para comer 0 paparuto,

banana, arroz que 0 dono da iesta traz ao patio. Em seguida

retomam 0 canto que deve se prolongar ate de manhii.Quando raia 0 sol, 0 cantador (Itudp) vai para as toras, que

estiio a o·este. Nao obtivemos coniirmaciio se essa orientaciio enecessaria, devido a associaciio do morto com 0 oeste. Homens emulheres viio tomar 0 banho matinal e em seguida, desde que niiosejam muito velhos, dirigem-se tambem para as toras, ou antesespalham-se pelo caminho, aos p ar es (18). J a estiio desde a vesperapintados de jenipapo ou de pau de leite. 0 urucu e passado nolugar das toras pelas consangtiineas (19).

As toras sao empenadas e tingidas de urucu pela neta dadejunta (ff), Prere. Este ritual teve uma particularidade: asmulheres haviam decidido correr tambem com urn par de toras,

pelo prazer, pois niio tinham nenhuma obrigaciio, Em conseqiiencia

sido decorada com motivos Katam e outra com motivos Wakme.Se tal niio houvesse sido a decisiio das mulheres, seria a hora

de elas comecarem a oferecer "aguaaos esposos potenciais; poderiamcontinuar ao longo do caminho da corrida e ate no patio da aldeia,sem que [osse permitido aos homens recusar 0oierecimento, por

mais que alguns tentassem se esquivar.Itudp, com 0 txt; enrolado a volta da perna direita, canta as

cantigas do Porgahok. Ele comeca a cabeceira da tora (crowkra;

crow - tora de buriti; kra cabecay, olhando para 0 Sol quese levanta, depois de certo tempo rodeia as toras, cantando mas so. estaciona novamente a cabeceira da tora.

Quando term inam os cantos, as mulheres saem primeiro comsuas toras, repartidas em Khoigateye e Haragateye,

Logo a seguir saem os homens, divididos nas mesmas metadesde idade, e niio tardam a alcancar as mulheres.

Os Haragateye ganharam, tanto homens como mulheres.Largani as toras no patio e um homem de cada metade (Waldeentre os Khoigateye) leva uma tora no ombro, devagar, ate a casada dejunta.

Uma das jilhas, mulher do dono da iesta, tinha disposto um a

esteira nova, [eita por urn dos genros da casa. As to ras saocolocadas na esteira e cobertas de panos novos. As mulheres (nfio

parentes) logo se apoderam dos panos, que s n o presentes a aldeia.Depois qualquer urn de fora pode levar a. esteira (20). Todos ve rnentiio chorar, os parentes perto da tora, enquanto 0 govemador osexorta a se esquecerem do morto: todos VQO por esse caminho,lembra ele. 0 grande paparuto e entiio oierecido pelo dono datesta a aldeia e repartido entre as metades de idade, no patio. Aleixooierece tambem arroz cozinhado, Termina assim 0 Porgahok. AsIOTas podem ser imediatamente ret iradas da casa e servir para

novas corridas, de puro divertimento, entre as metades.

Outro exemplo: a tora de Kateti

--------(18) Esses pares sao os que se desafiavam na vespera de manhd.(19) A obrigacao de pintar urn homem recai sobre as consangiii ..

neas. Se estas nfio se lernbrarem espontaneamente de 0 pintar, ele terapaham (vergonha). A esposa pode substituir nesta tarefa a consangiiineanegligente, na medida em que pintar 0 marido em casa, e na realidade, 0

jenipapo, passado na vespera, e freqiientemente de autoria da esposa. Masser pintado de urucu pela esposa em publico, na hora da tora, e motivode grande humilhacao pois torna patente 0 descaso das eonsangiiineas,A falta de consangiiineas, urn homem ira passar urucu em casa, antesde ir para as toras.

Daremos uma descricao sucinta, a titulo de exemplo, da torade Kateti (depurada da parte "canonica' de qualquer festa de limde Iuto) , realizada para Kuhok, que havia sido, entre outrascoisas, Krokrok-gahai, mo ca a sso cia da a metade Krokrok, nesteritual que e um a das v aria nte s d o Pempkahok,

---- -,----( 20 ) As teras das mulheres fieam a porta da casa, porque ja l a nao

cabem, e, como vimos, sao superf luas no ritual.

71

 

,

urueu uma com motivos Wakmeye, outra com motivos Katamye.Esta variante, que e uma das modalidades do ritual de iniciacao

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. .

Estavi~m ao Norte da aldeia (21).

Ambrosinho cantou na tora, sozinho, com 0 txe enrolado naperna. Dividiram-se os homens em Krokrok e Hok, cada partidopegou numa das toras (qualquer uma) e entraram correndo, indodiretamente 80 patio. Caracteristica da tora importante, por, enunea ser Ievada pelo caminho circular da aldeia (krikape) massempre ir diretamente ao patio (kii). Largaram as toras no patio \e foram para a casa do witi das mulheres (Ketpei, filho de

Kratxet na casa de Aleixo). Esta parte era facultativa, so paraprolongar 0 prazer da festa. Nao era t ambem necessaria quefossem a casa deste witi especifico. S6 em seguida .s e reuniramtodos, homens e m ulheres, na casa do Iu to , para a l amentacaocoletiva. ~

Este exemplo, pelo confronto com a descricao de Melatti( 1970: 392-396), permite verificar quao sumaria e a evocacao de.um ritual tao comp lexo quanta 0 de Pempkahok kateti. Ela sereduz a natu reza dos ca ntos e, grosso modo, a d iv isa o e m partidos ..

Qu is emos neste capitulo a presen ta r u m a d esc ric ao, 0 maiscompleta possivel, dos ritos de fim de Iuto. Quanto a analise doque e x p u semo s , e x ig ir ia preliminarmente a decifracao da complexalingua ritual kraho. Para tanto, haveria que isolar 0 que poderia-mos chama r , por a n a lo gi a , o s "ritemas", e fazer por ex em plo urnestudo de tipo Iexico16gico para 0 qual R a d cl if fe -B r ow n f or ne ce uos classicos principios, e que supoe a consistencia .do corpus de" id ioma ritual" (A. R. Radcl i f fe-Brown 1952: 144). A envergadurade tal empresa a exclu i evidentemente d a s p o ss ib il id a de s destetrabalho.

IdeoIogicamente , 0 fim do luto marca a libertacao dosenlutados e a ruptura definitiva com 0 morto que, a partir dessemomento, tom a seu Iugar e se fix a entre seus semelhantes. Atee ! f t a o , ele ainda rondava a aldeia, mexendo em seus objetos,assombrando os sobreviventes. No fim do Into e-Ihe s ig ni fi ca d a s uag~~pedida e eI e nao m a is d ev era re to rn ar.

Q fim do Iuto, ..om o ja fo i sobejamente evidenciado em tantassociedades, constitui 0 que Van Gennep chamou de "fase de~rega~ao" de urn rito de p assagem , tanto pa ra 0 morto quantapara sells parentes, como veremos em mais detalhe ao tratarmosd o e nte rr o s ec un da rio ,

Pempkahok, parece gozar de grande apreco entre os Krah6 ; urnin form ante chegou a a firm ar a V . Chiara que este era 0 ritual deIuto tradicional antes da in tro du ca o d o Porgahok, D e ve m os e nte n-der esta afi rmacao cum grana salis. 0 Kateti e, na realidade,

•freqiientemente encenado, m as isso se deve antes aos mec amsmo sde selecao do ritual do fim de Iuto. Com efeito, se 0 morto forhomem , e possivel que partilhe com 0 resto da aldeia ~ incli~a{taopelo ritual de Kateti e isso sera 0 bastante p ara qu e seja realizada

a corrida deste rito . Este e , por exemp lo , 0 caso de B stev ao. S ese tra tar de um a mulher, ela podera te r sido associada a variesgrupos rituais. Se entre estes estiver 0 do s Krokrok que atua noPempkahok, c omo a escolha da tora sera feita pelo padre, ~~efedos rituais , este podera determinar que se faca a tora dekatetl.

As preferencias individuais ou coletivas entram deste modourn tanto disfarcado na decisao do ritual do fim do Iuto.

A tora de Kuhok foi convidada a aldeia de Cabeceira Grossa ,cu jo chefe e padre, Ambros inho, e e sp e c ia li st a d e st e ritual. 0 ~onoda festa era Secunda, cuja ligacao com a morta era a seguinte:

K a f u %uhok

E s t i V G O

..

r

Kuh 6kecundo

Z a c a r i a sTeptek ,

= homem 0 = mulher i'l = = laco de Irmaos LJ = casamento

I = = filia~aot

. J

N a vespera da corrida de tora, 0 chamado r thokxergate)

reuniu 0 povo no patio. Ambrosinho canton a noite toda com 0

maraca , substituido por curto tempo por seu filho Txekxek, Demanha, .todos p a ssa ram uru cu , na tora ou em casa (a p in tu rapreta ja havia sido feita ). A s toras haviam s id o p in ta da s com

--: , ..

(21 ) 0 norte, confonne lembrou Melatti (cf. supra pag. 39, nota22) e 0 equivalente do oeste: ter iamos aqui mais urn indicia de que astoras dos mortos sao associados ao ocidente (vide acima pag. 67).

-7273

 

. . . .

compromisso usado comument e e a interven'!;ao de um terceiro

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CAPITULO V

Am iza de F o rm a l, C om p anh eirism o

e a N o~ao de Pessoa

Vimos, no capitulo III, que um a explica~o funcional naopode esgotar 0problema da relacao com 0"outre" t Se a recipro-cidade, manifesta por exemplo nas "amizades funerarias' ou naalianca, pode se r vista , em s oc ie da de s s em in stitu ic oe s c en tra liz a-doras, como mantendo 0 controle social (J. Goody 1962:6,), es t aexplicacao deixa intacto 0 problema dos atributos que se conferemao "outre" e 0de seu significado.

Cremos que urn estudo da amizade formal tern se u lugar aqui,nao ta nto P O f d es em p en ha r 0 am igo form al u rn papel no ritu a l de !fim de luto, embora isto se explique somente dentro de u rncontexte m ais a mp lo , mas porque importa ten ta r cercea r aqu i an~ao de pessoa e 0 material nos parecer privilegiado para tanto.o as s unto transborda porem os limites que nos propomos, e r e st ri n -g ir- no s-e m os , es pe ra nd o d es en vo lv e- lo u lte rio rm en te , a a lgumasindicacoes,

..

"~

Amizade formal enquanto relariio de evitaciio

A am izade formal Krah6 impl ica uma relaciio de evitacao;a lern disso, p revaIecem entre os am igos formais u r n r es p ei to abso-luto e uma solidariedade muito forte em b ora lim ita da a ocasioesespecff icas que detalharemos mais adiante.

Nao se interpela nero sequer se encara um amigo formal,multo m enos se Ihe pede au tom a coisa algoma. Idealmente,a m ig os fo rm a ls nao s6 evitam dirigir-se a palavra mas a inda , sese encontram ern u m cam inho, devem se afastar cada qual para urnlado, )~._ela&6~ sexuais, e a fortiori casamento, sa o proscritos entream igos form ais de sex o op osto. Embora im pere a relacao de ev ita -C a o ; · ··cada qua l deve adivinhar e p rocu ra r sa tisfazer espontanea-m ente as necessidades ou desejos de seu am igo formal: um

..

74

que explicitara t ai s d e se jo s : "teu amigo formal quer urn c ig a rr o . .. H

o amigo formal goza de autoridade absoluta, embora invocadaap enas em situacoes extremas, sobre se u parceiro, Esta autoridadeparece ser usada em ultimo recurso e DaO pode ser desafiada.

o tenno para amigo formal e hiipln, se al ter e masculine,hopintxwoi ou mais comument e pintxwoi se alter e f eminino.O utro term o e tkritxua, m eu amigo form al, ou akritxua, te uamigo formal: este termo fa z 'parte dos nom es que vern ob ri ga to . ..

riarnente acompanhados de possessive, e que abrangem as partesdo corpo e as ape lacoes de parentesco. Ikritxua e akritxua seaplicam indiferentemente a alter m ascu lino ou feminine.

Hiipin e pintxwoi sa o ta mbem u sa do s p razeiro sa men te entrepessoas que nao tern entre s i r ela ca o de a m iz ad e f orm a l, sendomais on menos equivalente ao usa sertanejo de "compadre' e"comadre", Sao estes alias as tennos pelos qua is a relacao e- traduzida pelos K rah6 em portugues, com rnuita propriedade, jaque tern tam bern regiona lm ente as conotacoes de respeito e desolidariedade, Hiipin. e 0 termo usado em suma para os estranhosa os q u ai s se d es eja m a rc ar a m iz ad e ou simplesmente b o as i nt en c 5e s.P o h l, n arr an do a viagem que fizera em 1819, menciona 0 encontro

com Xavantes que 0 interprete tentou cativar: "gritou-lhes variasvezes q ue ficassem enos esperassem. Com este fim u sava todasas palavras Iisonjeiras usua is entre eles e sobretudo a expres ..sa o "compadre' que eles muito apreciam", (J. E" Pohl 1951[1832]: 127) Este episodic ilustra pitorescamente 0 que dizfamos,

Quanto ao te rmo ikritxua ou akritxua, el e parece se a plic arigualmente aos amigos fo rm ais v iv os Oll mortos (1). Os Krah6dispoem com efeito de te rmos de parentesco qu e indicam defuntos;c on sis te m m u ita s vezes na adjuncao d o su fix o txua (2 ) ou ye aotermo para 0 parente vivo. Na realidade, parece-nos que taissu fix os, m ais do q ue esp ec ificam ente as m ortos, denotam disumcia.

Como ja dissemos anteriormente, foi-nos dada uma etimologia,talvez fantasiosa, que traduzia txua por "de fora"; e ye e um aform a d e tra tam ento resp eitoso. T alv ez 0 fato de 0 te rmo ikritxuaou akritxua nao se alterar com a morte pudesse ser interpretado

, - - -

--.----(1) Uill infon nante porem negou terrni nantemente isto~ e disss que

termo para amigo formal vivo e ikrit. No entanto, todos os outros usaram~krltxu.a comumente,

(2) Txu a e sufixo niio so pal 'a termos de parentesco mas tamhernpara ~o~~s propri os, indicando "defun to", como por exemplo Hokatxua,que slgtuflca "0 ftnado Hka ~~

75

 

como a inalteracao de uma distsncia que ja impera entre vivos eque a marte nao v er n a umen ta r.

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Os amigos formais gaO adquiridos com os names: a certosnomes, nao a todos, podem corresponder urn on mai s outros,femininos e masculinos, cujos portadores serao ligados por tatrelacao. Em urn caso singular de mudanca de nome que registramos,as amigos formals correspondendo aos nomes abandonados forarntambem esquecidos,

Sem detalharmos 0 s is tem a d e nomeacao krah6, mencionemos

apenas que as nomes sao escolhidos dentro de conjuntos, cadaq ua l c on ce bid o como um a unidade. Assim .um Krah6 poderareceber nomes de varies conjuntos provindos de nomeadoresdistintos, mas a consciencia de sua separacao perdura, ja que aotransmitir por sua vez seus nomes, nao atribuira ~ um a m esm ap ess oa n om e s provenientes de conjuntos distlntos, a nao ser quequeira transmitir todos os .seus names de um a vez, 0 que pareceser excepcional, Uma regra bastante observada e a de se transmitiros names provindos de "parentes pr6ximos" como 0 i rmao, damae Oll a irma do pai (respectivamente para um homem e uma

mu1her) a parentes igualmente pr6ximos (p ..ex. 0 filho da i rma, afilha do irmao}; nomes provindos de parentes distantes, por exem ...

plo de urn keti que seja urn Ionginquo irrnao classificat6rio damae, tenderao a ser transmitidos a parentes semelhantemente afas-tados. Vemos que a conseqtiencia imediata deste costume e de ten-der a manter na s casas de o rig em a s names que d e Iii sairam com ashomens: e alias em termos de "casas" (na realidade entenda-se"segmentos residenciais"), que os K ra ho a s vczes enunciam es t aregra: da-se os nomes na casa de onde eles vieram. Dutro costumeque da origem a um a pessoa s er po rt ad or a de nomes pertencentesa m ais de urn conjunto e 0de "guardar" nomes de parentes mottospara transrniti-los no momenta apropriado; em geral, urn outroketi, vivo, dara seus nomes na me sm a o ca sia o, ou mais precisa ...mente antes dos nomes do morto, pols os nomes do vivo devem

preceder os do morto para que a nominador vivo D ao se ofenda.Se uma pessoa receber names de dais nominadores, ele tera a

soma (pelo menos potencialmente, conforme veremos adiante) do sam igos form ais de seus nominadores; por sua vez, cada u rn deseus nominadores tera em comum com ele apenas aqueles amigosformals correspondentes aos nomes que lhes transmitiu. Par exem..pIo, Gabrie1 Velho deu um de seus names, Kuheike, ao FfF.Este recebeu tambern 0 nome de u rn 1 m ja defunto, K a r a t e . Por issop os su i d ua s amigas formals , ligadas ao nome Karate, que nao saoamigas formals de Gabriel Velho.

76

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CADERNO

DE ILUSTRACOES

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.rOTO 1

Desenho de B.: ."lPOl"O' , Ilustrru do eli e::;:1.6ria quo lIte toi oontada pu r Hokt:x.a . {via,€;

PD- 26 e 121), da vista de um liomem :J . aldeia d08 mortos, 0 dli::!sanh,o deve

: - : . € : . t "lido" de ba ixo 1);:Ir8, oril:Yl;lt: em baixn, a dll'l?:ita, a. aluoia d tJ<8 mortua,

(;tN.6ka-r6'jI.a T!::ri),ends uma cona:l.ng'iiiIl.(!a orcrccc burianas a,o k a . 1 " 6 . \'i.(;i.t9.J:lte, 0.

,k..;:ti QbjiP.k"t.. e rceem cndu au - kar!5 qu~ volte p ara. 0:::; \ ' ivoa. N ' (1 1 co n tre, o k:atv

I tlg['E'ss:p. C atlf';i£ dele vem oS C u 1~~t t_ H;i uma P(Inte ~3trci t.a a, pa!':!:jall.', PQ'f elm...

d.e um : ri .a r:ho , cn( '3oP., ~ C ' caisse, (I l~m"6 se tr;1l 't lsfco['ma,l·la am oa i-anguejo (prHL

.1!rn CHwl., il. c.:dq'U'E!nl:<t, f ! ; ? " t d . ; ) HI.. porta d a (';:::1 sa. (] kBt~ ; P . ! ' 3 1 . . u empuI'!I:'ando (I 1,;:11.1'6

recemendaado-lhc que nan q.l;:J:. J}':::Ira 'lue &0 !' laO tnm2fnrnll': em, sapo (p'<I"~tn-

Ien '1'0 de casa HI. dll·c'ita, em ,cima), a maoP. ! !sb~ \ I.:!hLl.'ldo Q eorpo, s Cr_tfl.:1u a ::;u3.

c:'.l:.blh'<c~ir!:l..NR:.o cbora, pa:t'.fl. nau impediil' a v(llto. do ka'ro_

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Ug,eiramli!;r.ite ;j_ e;sl:]u""i['du~, ';:'::Ita uma ;:a~)I~?~~.).""t,I)(iI~ (fF, I f : lf i FB , pal"a. E!f~)·1! l'i·H:i~_r

fl !Dl':!,r~~go maac " fnn. para f!J:;:O fern. Lvide ,J. C. Mela Ui 1,'970: l2,')J},

col!hcniJo p caU d a. cha pa da (h.Qtl~ t:i) :pal'a t.., l"l! . 'A.' l' a eo.....u o ue[ .)o! : :3 cobrt-Ia.

",1.tI e&nfr,(j e s 1 i : a a aatatra nova f(':I1. ::1 palo 1.mud.f I _' C S 5e n (! .i .. 1 .1 m e : u tc ( ] EI flara

ego masc. e 0 Ef lv ide . 1 1 " . C, Mel.":!tti 1~70 = 1261 ) r. .ara fol'T8.l" a Cl1va, A

f f . . 'J teh:,f . ! , .elha do ll1(Jrte C usade, p . .~ ra e o b rt r 0 t(lmulo, Dos doia ladO'!!; da

'C:Dl:~JI; que ; e : = ; t n 0. d l;"P.tt...J,. ,P.~ta.o desenhOJ.{toa. 0::;, truncus qun scrvem para

fO:Lra-IO e cobrir 0 cor'po. vs-sc (lquj multe clararn ante a d.ist11lQ.. .~(1J!I10~

p.."\p~d~ tun eI'aI'iOs oiiInh:e { ! { lns.ang~i lllrllO:o. e ~ 'I 'L -l a 1V S .Urn detalhe (:urio!':l(l rE i de

se teit' dflS!3ti! llad.o em preto C"e:d:t.lS flgu;ras par~ 111!!:Uca.I'q ue 8.l:!tt~ rcra

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l1es0nho ,d'e H;.<:LpoOl'O:I) po:rgahok. , R e Y J l i l ' C , S c : m ' t a a. , ! : ; l a . i d a . da eOrr~d!3. de I OC l r aa ,

A csq uerds ! !: !: :h i. cmernbl''fI;;'>da liill2!tade It'ca~:m.cy'e, Fed!;O 'r,d' ' ' 'i :" ' !0~vd:! ;> pcla, plntura

corporal com dicsCnho!3 ]Ol1,ffitudinaiB, a . d l l L o € d t = l Oi!9K(.tt(t'lnl..V"" com r ! ; 5 < c a . . 3

tru.nl!OVer;::;;a13.0 p~l'f.l(ln.flg'!i!mTI1~IQr" no -centro, e (Ichore do ritu~i, eantaudo

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_ .M as ha _ qu~ precisar _a inda m ais: 0 nominador _d_~nomesextraidos de urn conjunto, mas .nfio Iorcosamentetodos os nomesd ( , - · conjunto. Pareceria que a amizade formal se prende a cada

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Corredor. Note-se 0 txe usado em volta da cintura.

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n o m e ·enquanto tal e nio a cada conjunto, embora este seja tidoc om o ·lim a u nid ad e, Assim, para pegarmos 0 m esm o ex em plo,Clabrief Velho, Hopre Kuheike Hapugatenk, deu, como vlmos,apenas 0 nome Kuheike para sell bisneto. Anteriormente haviadado dois nomes Hopre Kuheike, para M artim , seu Ffie. Emconseqliencia, nenhum dos nom ina dos p ossu fa os amigos formalsllgados ao nome Hapugatenk, nem 0 pequeno Kuheike tinha asarnigos f orma is I ig a do s 30 nome Hopre, a sa be r os dois portadores

do nom e A kro Padyaka,- O s nom es ligados para estabelecer a amizade form al saodifererites, m as seus sentidos parecem ser i rrelevantes: todoHarekaprek, "vereda vermelha" , e amigo formal de toda Ayer,"eta e assim", e os proprios informantes nao encontravam relacaopossivel entre estes nomes,

Os names do (a) amigo (a) formal nfio devemser enunciadosna sua p resenca QU n a p re se nc a de se us p are nte s, p ois c au sa riamuita "vergonha", muito paham a todos. Tambem os parentesproximos, consangiiineos e afins, e sobretudo 0 nominador, naod ev em se r c ha m ad os pelos nom es: no en tanto a situacao, no dizerdo proprio informante que fez a aproximacao entre esses fatos, e

diferente, pais se e errado c ha ma r esses parentes pelos 'nomes,isso n a 0 provoca "vergonha", ' .

Nao e apenas 0 nome que estabelece a relacao de amizadeformal que nao pode ser enunciado, m as todos os .outros nomesdo am igo formal igualmente, inclusive aqueles qu e pertencem aum conjunto diferente. Embora Hohom seja amiga formal deKuhelke K a r a t e por sua Iigacao com este ultimo nome, ela naop ode menc io na r ta m b em 0 nome de Kuheike, No entanto, poderadizer Kuheike a Gabriel Velho que nao e sell amigo formal, polnao ser este portador do nome Karate.

1\ ~el; tc;ao de amizade formal, contrariamente ao caso Xikrin(L. Vidal 1972b), DaO tern liga~ao aIguma com 0 casamento, entreos Kraho, Apenas , negativamente,

evedado a amigos f or m ais - de

seXDS opostos manterem relacoes sexuais e portanto casarem,

Porem ha c asos de genro e sogro ou genro e sogra serem amigosformais: os sogros tern entao u rn g ra nd e respeito pelos genres, ~, alern d e e vita re m lh es f ala r diretamente, nao lhes pedem os servicese p re se nte s costumeiros; pa r sua vez, 0 genro, enq ua nto a migoformal , procurara se adiantar aos desejos dos sogros, T . .mbem havarios casos de c o ns an g ui ne os s er em amigos formais: . av o e. neta,e ate pai e filho .

. ~

II

77

 

Ha precedencia do termo hopin (respectivamente pintxwoiy

sobre termos de parentesco, quando os parentes sao mais longin . ..quos ou quando se trata de afins, Quando 0 parentesco e mais

Krah6 e picado por forrniga au marimbondo, ou quando acidental-mente mastiga pimenta ou se queima, seus parentes chamam os

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proximo, n ao p arec e haver precedencia de nenhum ,

o (a) amigo (a) formal e centro de uma serie de termostecnonimicos: hopinmehum "pai de meu amigo formal", plntxwoimeimphien, "esposo de minha amiga formal". Mas tais termosDaD prevalecem sobre termos de parentesco, mesmo longinq uo .

Note-se que a relacao, embora simetrica, nao e po remtransitiva, isto e, "as amigos (formais) de meus amigos (formals)

nao sao necessariamenre meus amigos (formals)".

A ligacao de certos nomes, embora seja condicao necessariapara a amizade formal, nao e no entanto suficiente, Fornece narealidade 0 conjunto das amizades formals possiveis para ~ada

individuo, Nao que, como nos Ramkokamekra-Canela, haja aselecdo de urn amigo formal por excele.ncia. (C. Nimu-:ndaju1946: 100), au que, como entre as Krikati, haja preferencia POf

amizade formal entre sexos opostos (J. C. Lave 1967: 187),. massimplesmente porque somente e amigo formal aquele que e tratadocomo tal DaO se tolerando qualquer quebra de etiqueta, pelo

' 4

menos a partir da "idad e da razao' , que os Krah6 talvez trad li"Ll~riam por "idade do paham", pais as criancas pequenas sao tid~s

por privadas de paham, concerto complexo, qu e retomaremos marsadiante (pag, 123), e que provisoriamente se pode traduzir .por"vergonha". Assim urn informante observo~ que so era?1 amigosformais de sua filha aqueles que ele the ensmara a respertar, Comefeito, a simples inobservancia da regra de evita~ao pode desfazera relacao. Uma mulher Krah6 recem-chegada a uma aldeia ignoravao conjunto de nomes de outra mulher, ja que se usa apenas umnome para designar Ulna pessoa, e gracejou com ela. Veio a saberdepois que seus nomes eram ligados por amizade formal, m~s eratarde: a relaeao ja fora desfeita. Por isso os pais ensinam aos filhos,desde pequenos, quem sao seus amigos formais e como devemtrata ...os.

A evitacao aparece portanto desde ja como de certa forma aessencia da amizade formal. Vejamos no entanto a sua outrafaceta, a da solidariedade,

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amigos formals da vitima, que devem acudir prontamente com suapropria parentela e submeter ..se ao mesmo dano que afetou seuparceiro ~ picadas ou queimaduras, Tal servico merece recom-pensa: os parentes da vitima semeiam urn campo de arroz oubatata ..doce, e urn belo dia, ao amadurecer 0 campo, charnam 0

amigo formal e sua parentela para que colham tudo 0 que conse-guirem no espaco de uma manha (au de urn dia, as informantes

variam) ..Sem mais delongas, constitui-se um a haste de coletores,tentando arrancar ao campo a maior colheita possfvel, Outropagamento possivel consiste no oferecimento de boa quant idade dearroz, ja colhido.

Por ocasiao do ritual de iniciacao Pempkahok, quando haquebra cerimonial de urn ninho de marimbondos (vide abaixo), osamigos formais dos homens designados para a facanha e su aparentela devem ajudar a matar os rnarimbondos e subrneter-seportanto, a s suas picadas, 0 quebrar de ninho de marimbondose urn tema aparentemente comum aos grupos Ie setentrionais:trata-se de metafora, m as metafora singulannente dolorosa, parasignificar a expedicao guerreira (J4 C. Melatti 1970:411). 0

marimbondo pretende significar 0 guerreiro e, nas versoes querecolhemos da epopeia de Atorkra, 0 heroi e dito "0 marimbondode espora venenosa", 0 mesmo termo hobre, valente, designa entreos K raho nfio 86 0 guerreiro destemido lIO combate, mas tambem,

estremecam as feministas, os homens que costumam espancar suasmulheres, Sao estes os escolhidos, ja que os outros nao rnaisexistem, para, no ritual Pempkahok, irem qucbrar 0 ninho demarimbondos: se 0 fizerem, poderao continuar a surrar suasmulheres, senao com 0 beneplacito ~ pais tais modes saotidos como repreensiveis ~ pelo menos sem a interferenciada comunidade .

Outro tipo de ocasiao em que intervern os amigos formals diz

respeito, como Lux Vidal (1972a) ja assinalou entre os Xikrin, itreintegracao na sociedade. Assim, por exemplo, sao os amigos

formais que oflciam no ritual de fim de resguardo do matador,Este, apos ter morto urn homem, passa por u rn resguardo no qual,

alern das proibicoes alimentares e sexuais costumeiras, devetambcm passar carvao no COlpO todo, para afugentar 0 karo desua .vitima pois Os mekarti temern a cor p r e t a , _ : . Durante uma

semana nao pede ~equ~r- t o - m a r banho, e mais tarde, quando ja 0

puder, devera cuidar de tornar a se cobrir de carvao. No dia emque finda 0 resguardo, faz-se urn grande fogo no meio do patio.

l

,.

Solidariedade dos amigos iormais

A solidariedade dos amigos formais manifesta-se em ocasioesque podemos heuristicamente dividir em tres tipos, Quando urn

78

79

 

Os amigos formais, homens e mulheres dancam e cantam atras domatador. Os outros ta zem rod a em volta do fogo, exteriores aomatador e seus ikritxua, dancando tambern e cantando: paipe tono

~ . - - - - ~ - - - - - - - - - . ,. !

em espacos alternados", Realrnente, entre as iniciandos.. que sao

exteriores a aldeia como a qualquer classificacao ~ eles sao porassim dizer intersticiais - e a aldeia a qual, no fim do rito, serao

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nen paikate puna payo krokrot paha (bis), 0 que, traduzindo

aproximadamente a linguagem difici l e extremamente alusiva doscantos, corresponderia mais ou menos a: "eu estou virando como

tatu, riscando 0 chao ao redor de meu inimigo e pisando nas folhasse ca s (z an ga do )" .. Depois, a medida que os cantos vao cessando,

os amigos formals lavam com agua e limpam 0 carvao do , corpodo matador, com 0 auxilio de grandes molhos de algodao que eles

p r6 pr io s f or am colher, e que serao em seguida jogados por um avelha no mato au colocados no oco de uma arvore dura e forte,sucupira au candeia. Os amigos formais sao recornpensados comuma oferta de caca. Urn comentario significativo do inform ante ,referindo-se a limpeza do carvao pelos amigos formals , foi: "naosei com o nao t.@ :mvergonha de estar passando a mao no ikritxua",

Enfim, no r itual de iniciacao Pempkahok (vide J. C. Melatti1970:374 ss.), eles desempenham papel relevante que convemanalisar aqui em maiores detalhes,

Melatti descreve tres modalidades do ritual, Em todas elas,

conforme ele assinala , ha a divisao da aldeia em tres gropes quese repartem em dais partidos . .U m dos grupos e 0 do s iniciandos

que se alia invariaveImente ao dos iraras au papa-meis, Krokrok;o terceiro grupo, de animais aereos, pode ser chamado de Petxu,abelha, Yuyui, muricoca , au Hok, gavifio, conforme a modalidadedo rito adotada.

Melatti dernonstra convincentemente que os animals aladosrepresentarn urn outro povo, jii que lhes e negada a habilidade de

c or t a r tor a: ora, "caracte ristica explf cita do s Kraho, reconhecidapar eles, e cortar e correr com toras' (Melatti 1970: 411 ) .

Teriamos de certa forma ur n jogo com tres categorias oumelhor, duas categorias definidas e uma categoria residual, em

vias de definicao: as de dentro, os inimigos e os iniciandos, quenao pertencem a nenhuma classe circunscrita, como mostra sua

localizacao espacial, exterior ao circulo das casas, Alias 0codigo espacial e eloquente: "convem notar ainda", diz Melatti(1970:412), "que 0 fato de os iniciandos estarem isolados de seus

aliados, os Papa-meis, pela metade que represent a 0 inimigo,c on stitu i a transposicao para 0contexto do espaco de ur n principioque ja fo i formulado com relacao ao tempo: de fato, assim comoem determinadas sociedades se nota a soIidariedade entre geracoesalternadas, au entre classes de idade alternadas, no rito de Pemp-

kahok se notaria a p re se nc a d a s ol id ar ie da de entre grupos dispostos

&0

-,

-,.

1 : . . . .

-v-'

;..,.f f i . . :.',:.,~ .,1

incorporados, interpoe-se 0 grupo hostil dos animais alados, ou

seja dos estrangeiros que, de certa forma" e necessario negar,

ultrapassar, para se aceder a categoria certa. Do mesmo modo,como assinala ainda Melatti (1970:412), que identifica os marim ...

bondos a s metades que tornam 0 nome de animais aereos, "na

primeira e terceira modaIidade (do ritual de Pembkahok), a des-

truicao do inirnigo, representada pela quebra da casa de marirn-

bondos, e condicao para a integracao final dos iniciandos naaldeia' .

,\ Poder-se-ia argumentar que se trata apenas de a firm ar aqualificacao guerreira dos iniciandos atraves de uma bataJha

metaforica, antes de lhes permitir 0 acesso a sociedade dos adultos,mas parece-nos que ha outros niveis mais fundamentals subjacentes

a este, pais ~ .pratica da guerra, diriamos, parafraseando Levi-

-Strauss, nao e s6 "boa para matar' mas tambem e "boa para

pensar", E pensar em que senao na alteridade profunda, radical,

que a hostilidade institui entre 0 "eu' e 0 "outre". Pais nao nosparece que a hostilidade derive da alteridade, mas sim 0 contrario.Nao e porque 0 outro e "diferente" que eu 0 hostilizo, mas eu 0

hostilizo para cofoca-Io como diferente ..e para poder pensar-nos

.que nos opomos .. No plano da sociedade, instaura-se a cspecifici-dade do grupo pela negacjio do estrangeiro ..Matando-se 0 inimigo:1afirma-se ·0 "eu" pela negacao do "outre", do "nao-eu" .. Nesta :perspective entenderiamos porque a execucao de ur n inimigo, )

.. (cativo de guerra laboriosamente qualificado como "0 outre") !

entre os requintados Tupinamba implicaria a assuncao de um novo!

nome (FI. Fernandes 1970: 312 ss.}: matar 0 outra e afirrnar ura-'

novo ell.. .. . .

E tanto urn problema de definicao que esta Hga do aos grupo"S

que as meta des que se op6em estao sendo continuamente

redefinidas, substitufdas por outras oposicoes. No final do Pemp-

kahok Hopitohii' txure, no momento que antecede a reincorporacao

dos iniciandos na sociedade, as abelhas se unem aos papa-meis,anteriormente "aliados" dos iniciandos, para os atacarem. Defron-

tarn-se c om du as lin has de defesa: a primeira composta de homense mulheres nfio considerados Kraho, pertencentes a outras tribos;

a segunda composta dos hopln e pintxwoi dos iniciandos (Melatti

1970: 389); na modalidade Pempkahok Kateti, os atacan te s se

reduzem aos 'Yuyui, muricocas, mas na defesa reencontramos osestrangeiros e os amigos iormais dos iniciandos (Melatti 1970:396) .

 

/

A ssim a a tu acao dos amigos form ats no Pempkahok poderia

ser reduzida ao segundo tipo que haviamos evidenciado, 0 da

reintegracao na sociedade, Mas, na breve analise que fizemos

.. ,

permiterri tambem uma critica direta e pertinen te que pareceencontrar ai uma forma institucional de se expressar, Assim foi-mecontado que 0 fracassado lider messianico z e Nogueira, depois de

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acima, ressaltou-se urn fa to que fica como uma rmisica de fundo,+ _. r

urn tema que Ja encontramos e que tornarernos a encontrar marsadiante: 0 da associacao conceptual dos amigos formais com osestranhos, as outros. .

Resumamos as conclusoes provis6rias que ja podemos tirar.o que h a de comum em todas as ocasioes em que intervem osamigos formals? Contentemo-nos par ora em observar que podemos

distinguir as situacoes em que ego sofre um a agressao fisica,picadas, queimaduras etc.. daquelas em que ego muda de condicaosocial; atraves de urn rito de passagem que 0 reincorpora a socie-dade depois de uma segregacao temporaria. No primeiro caso, aobjetivo sera de restaurar a integridade fisica au social da vitima.No segundo, 0de fazer aceder a um novo statiis, isto e ~ nao s6

restaurar 0 amigo formal mas tambem instaura-lo em novacondicao,

1

Relaciies prazenieiras associadas a amizade [ormal .

Em contraste com a relacao de evitacao que impera aqui,cada Kraho mantem relacoes prazenteiras assimetricas, isto e, quenfio podem ser revidadas, com os pr6ximos parentes de seus amigos

formais. Os alvos privilegiados de suas injiirias e brincadeiras saoos pais, eventua1mente a s f il ho s e irmaos dos amigos formals, mas

nunca seus esposos, N ao cabe a s suas vitimas melindrarem-se ne mretrucarem aos insultos que podem receber. Cada qual e livre deinterpelar os pais de seus amigos formais por apelidos desairosos,e invectiva-los com os xingamentos usuais: kriigekrere, "cabecapelada' (careca), wagati, "dente grande", iparkati, "pe grande",

haheti , "barrigudo", hiitx e k ti, "sovina" . 4 •

As relacoes prazenteiras (3) DaD consistem apenas eminjiirias "tradicionais'

desferidasem

qualquer ocasiao,mas

(3) As relacfies prazenteiras, expressao pela qual traduzimos "joking

relationships", nao se enquadram na taxonomia de Goody (1962:6-69),que distingue "pareeria [ocosa" (joking partnership ) que e uma rclacao

ent re grnpoS: I e "relaeao prazenteira' t~ que vigora entre indi ]dno s que

esrno em certa categoria de parentc sco, 0 caso Kraho, com0 0 Xavante

e 0 Bororo, necessi taria, mas nfio nos p arece de grande valia con tinuarclassificando, uma terceira categor ia onde a clau5ula do parentesco esti...vess e ausente.

82

. .

desmentidas suas profecias, e tendo ida viver com alguns parentesna sua casa da roca, recusa-se a voltar para a aldeia "porque osh6pin do fi1ho dele 0chamam de velho mentiroso",

Em noites de lua nova~ 0 primeiro a avistar no ceu 0 fino

crescente, assinala..o a aldeia gritando - "para que a lua fiquebonita" - au, aUJ au) hawe, no que e seguido pelo cora dos indios"e este 0 momento propicio para que cada urn, da frente de sua

casa, invective em altos brados os pais de seus amigos formals ..Embora nao tenhamos conseguido, por mais que perguntassemos

uma explicacjio kraho a s fases da Iua, podemos talvez inferir, dadaa generalidade do fato, que 0 momento da In a nova e u rn m om en tod e t ra n si ca o , de emergencia do caos, a que, a ju lga r p ela amplaliteratura existente sobre essas ocasioes, se adeqtiam os ritos de

inversao, destinados a propiciar 0 ressurgimento da ordem que a

lua "bonita" expressa; as injurias, qu e se referem a s desproporcoes

fisicas ou it avareza, pecado capital contra a sociedade, sao tipicasda inarticulacao, da desordem, que regem semelhantes momentos.

Observemos aqui que sao precisamente aqueles que 0 injuriamque 0 Krah6 ira chamar em socorro de s eu f ilh o, e uma coisa e

concebida como 0 reverse da outra. Bxiste urn termo de reterencia,ego falando a urn parente de seus amigos formals, ou seja daquelesque "brincarn" com ego: trata-se do termo hiita "o seu h6pin(de voce) ", cuja forma feminina e hflt6i "a sua pintxwoi (de

voce)" .

Fica claro pela descricao que esbocamos que a amizade

formal deve ser entendida como urn complexo que abrange aomesmo tempo uma estri ta relarBo de evitaciio (com os amigos

iormais) e uma relaciu: prazenteira (com certos parentes seus).

Radcliffe-Brown (.1952 [1940] :92) afirmou a equivalenciafuncional dos dois tipos de relacfio, na medida em que sao meios

alternativos de se conjurar e "conjugar" (nos proprios termos de

Radc li ff e . ..Brown) a hostilidade virtual resultante de urna "disjuncaosocial", isto e " da divergencia estrutural de interesses .. Em suma,

ambas estabelecem um a relacao entre grupos que na o tern outro

modo de se relacionar.Se nao foi 0 primeiro a expressar essas ideias (4) Radcliffe ..

-Brown foi, no entanto, a nosso conhecimento, a ultimo a po-las emI

.'~

,..

. f . .

. ..,'

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".

-- - - - - - . . - _ ------

(4) Pois ja Mauss dizia, elTI 1926, falando das regras de evitucao:

HQuando se as considera [untamente com seus opostos, quando se compara

83

 

pratica. A partir dele" com a proHfera,¥ao de dados sobre asrelacoes prazenteiras na Africa Central, desenvolveu ...e urna litera-

tura consagrada exclusivamente ao estudo d es ta s r el ac o es , isoladas

. ~~p~l central.. que a arnizade institucional concede ao

"outro .. pode ser funcionalmente interpretado' como ·d~!~Y~.~·4~. 'do seu nao envolvimento, de Sua i sen cao , - ·n ·~ a~ao na -qual ele

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a rbitra ria mente do c onju nto da s a miza des .. Criou-se assim , e talvezpor instigacao involuntaria do pr6prio Radcliffe-Brown - que aesco Ih eu para tit u10 de se u artigo, urna falsa categori a, a de"joking relationship" .. Griaule (1948) censurando-o, .escreveu se reste ag rupamen to tao arbitrario quanto reunir numa categoria de

"cerimonias de sines", as bodas e os funerals , sem 'suspeitar quet a is c l a ss if ic a co es seriam mais tarde 0 deleite dos estruturalistas,

Seja com o for, 0 proprio Griaule propos, embora com reservas,o termo "alliance cathartique" que tern 0 inconveniente desubstituir a forma -especifica de relacao contida no termo"joking relationship", urn conteudo nao menos especifico quee 0 uatartico ~,

Uma observacao quanto ao metodo cabe porem aqui: a

similaridade funcional na o seria argumento suficiente para se

agrupar como 0 fizemos a a m iz ad e f orm a l, sob su a forma de

relacoes de evitacflo e as relacoes prazenteiras . .Se as reunimos foi

a partir dos dados empiricos krah6 que as revelam ligadas, Ummito d e Sol e Lua, aponta por sua vez tambem para a unidade dainstituicao entre os Krah6: Sol e Lua sao arnigos fo rm al s, ~ ~.no

entanto, para a maior perp1exidade dos proprios informantes,"i i i terpelam-se -sem maiores cerimonias e passam seu tempo a se ..burlarem urn ao outro.

,....,

,

..:~

. :~

.J!~ • .J~

:t~

A importdncia do "outro"

Nas instituicoes que suscitaram a ampla literatura sobre

relacoes prazenteiras, ficou nitida desde logo a importancia da

categoria de "estranho", "estrangeiro" definido, por exemplo em

termos tribais (Dogon versus Bozo) ou clanicos (como entre osTonga e os A mbo da Zam bia ) OU, n a c on ceitu ac fio m a is arnpla de

Gluckman (1965:101) como "aquele que

seacha fora

dotipo

p artic ula r d e re la co es envoIvidas em urna situacao dada". \. .

a etiqueta com a Fam j liari dade, 0 resp ei to com 0 r idiculo, a au torida docom 0 dcsprezo, e que se v(; como elcs se repartem entre os dtferentcsgrupos sociais, compreen de-s e mel ho r sua ruzjio des er' J (1926: 21 ) . Eainda, ~~Mas estas rcIa~oes tern seus con trari os ~ q He, de mesm0 g e n ero ~noentan to, pO r suas pr6pria s nat ureza e £un~[o, podem, -com 0 um a anti tese aUUla tes e~ servir para a expllcacao do gblero com 0 1 1m t- tdoU (M, Maus s1926:5 J.!"~ .....

I

·~8 4 -

opera como arbitro. Tal fai 0 argumento de Gluckman (1965 :99......·03) que se poderia, embora nao esgote 0 problema, aplicar aocaso kraho. Para 0 Kraho , de fato, 0 amigo formal e sernprcconceptualmente 0 distante, 0 .outro- 0- ikhuanare, nao parente,..

muito embora haja casas de consangtiineos e afins portadores de

Dome s l igados por amizade formal, qu e pode ou nao ser cultivada

como tal (ja que. pode ser destruida peIa simp] es inobservancia da

evitacao}. 0 amigo formal, pela regra de evitacao, esta fora docam po de a~ao cotidiano de ego. Evno entanto, sua palavra e le ipara este e seu privilegio de r idicularizar os parentes de ego pedereforcar sua a~ao no g ru p o d or ne st ic o de seu amigo formal.

U r n a rg um e nto p ara le lo a este, p orem em nivel conceptual fo isustentado desde ha alguns anos por certo numero de antropologosbritanicos. A ideia basica seria o contraste entre 0 que V . Turner(1969) chamou de "cornmunitas" e "estrutura' (en tenda-seestrutura no sentido tradiciona ~ da antropologia f u n cionalista,

como estrutura s oc ia l) ~ au seja entre dois mod9.~__de a~a .o social,

um?-._~«;o rd en an do p elo sistema de sta.~li[erarquias e classifica-

': roe s,_ e a outra aparecendo nos intersticios da p rim e ira e negando-

-lhea vigencia, Sa o estes conceitos que parecem derivar diretamenteGas nocoes de instituicoes ~e carisma de Max Weber .. .'

Dentro desta corrente, Peter R igby ( 1968) , Beidelman

(1966) ~ m as mais sugestiva de todos, Mary .Doug ] as ( 1968) ~

desenvolveram sabre 0 tema das relacoes prazenteiras ideias quese poderiam enfeixar grosseiramente e para 0 que nos interesse

aqui d o s eg u in te modo: as relacoes prazenteiras subvertem a ordemyigente, ,e sa o portanto expressoes da "oommunitas". Na propria

bitic:,ideira, no "joke", afirma M. Douglas _( 1968 :366 )es_tendendosociologicamente a teoria freudian a, trata-se .de desafiar uma

con f iguraca 0 dom i nan te de r el ac oe s . A anedota, a brin cadeir a,expressam as possibilidades latentes de uma . s i tuacao: irrupcao Q ~

possivel dentro da ordem imperante que momentaneamentesubvertem, elas sa o nao so criativas, m as permitem ainda realizar"que a configuracao estabelecida nilo e a unica possivel e desta '

"-descoberta resulta urn sentimento de libertacao da s formas.

~ Ora os estrangeiros sa o por definicao os que fog em a estrutura,os que nela e st ao p r iv a do s de Iugar, e assim ? S mais indicad?~..par~ . ._as relaeoes prazenteiras, Possivelmente por IStO os hobos da corteque .exerciam, como e sabido, controlc mora l sabre a a u to ri da d edo rei, eram co m umente estrangeiros (cf, M. Gluckm an 19 65 ~

II

I

85

 

102-103) au seres disformes, isto e , que negavam as proporcoes

do corpo humane, 0 que, em outro codigo, vem a ser a mesma

coisa: estranhos a sociedade em urn caso, a "hurnanidade" no

Mas hti mais: ao perguntarmos se se conhecia casas

de amizade formal entre animais, urn informante, Davi, lembrouque 0sapo (prokayere) e a anta (kukrct ; eram hopin. E a razfio

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outro, negando em seu proprio corpo a articulacao harrnoniosa daspartes, eles eram sempre "os de fora". "os outros", os que negavampor sua propria existencla a soberania de uma ordem, Nao eprovavelmente fortuito que a maioria dos insultos que se enderecarn

0& parceiros jocosos Krah6 se refiram a desproporcoes a u aberra-

~6es na aparencia ifsica, "cabeca grande", "pe gran de", "pe torto";'"barrigudo", "cabeca comprida" ... Foge a esta categoria a injuria

de hfitxe, "sovina", que se refere it . negacao da reciprocidade, outromodo de se colocar fora da sociedade.

..:

J'

J

o amigo formal enquanto ant/mimo .... . . . . ':

r ,

Qua] a essencia da arnizade formal? Nada pudemos "extrair

de uma analise do significado do s nomes aparceirados, senaopar vezes !!nla possivel mas duvidosa complementaridade de

s~~tid~~: ,todo. Kochin, nome qu.e significa "barulhinho depedra

n agua , e. amigo formal potencial de todo Hoka, "sucuri"; urn

- Kuheike, "Iavrar arco"

eamigo formal de Kaheka, "casca da

arvore kahe", Os informantes foram unanimes no entanto em negar

qualquer relevancia ao sentido dos names na amizade formal

A distancia caracteriza a amizade formal: evitacfes de andar

pelo mesmo caminho, de pronunciar 0 nome, de encarar de. ,interpelar, de ter relacoes sexuais, afirmam a distancia respeitosa

que deve reger as relacoes dos parceiros, Seriam estas caracteristicas

secundarias da instituicao? Nao 0 crernos: a simples inobservdncia,

por involuntdria que seja, da disttincia, rompe de modo abrupto a

relaciio, sem que esta possa jamais SCI reparada, Na realidade

ligar a instituicao aos nomes e que parece ser urn modo "secunda-

rio;' de se a inserir no sistema socia1. As variacoes na s diversas

tribo~ Je e Bororo - umas, como os Apinaye e Kayapo, ligandoa amizade formal ao parentesco e tornando-a hereditaria outras, ,.como os Xavante e Bororo, vinculando-a a afinidade e a s classesde idade ---.. nos inclinam a pensar deste modo (5) ..

... ),.: I•

--~-~-

( 5) H possivelments l1ma corre la~~fioer1tre as diersus nioda 1ia desda ?mizade formal e. as estruturas sociai s em que sa o encontradas. Os tre:scnnjuntos de tribes que apresentam diferen-;as rra institui9ao, Apinave-

Kayap6~ Timbiras orientals (Canela, Kraho, Krikan ), Xavante-Bororo, di-

86

foi a seguinte:

"Porque urn Kraho estava esperando ulna anta, na espera (6)~Anta chegou e [alou pro indio: "niio mata ell niio. Espera umpouco". A anta foi buscar fogo pra queimar 0 indio em cima da

arvore. Eruretanto, 0 indio [ugiu, passou pelo brejo e os saposjicaram gritando ..Al a anta (que 0 perseguia) parou e [alou: "Ah,

se niio tivesse meus h6pin no caminho voce niio escapava niio",At 0 indio [ugiu. Asslm iicou sabendo que sapo er a hopin de anta.Vai ver que e porque anta tern respeito de sapo" ..

Assim a relacao de ev it a ci lo , de respeito, permitir ia par S I sodiagnosticar a amizade formal. Na realidade, parece-nos que sc

tra ta de muito mais do que isso: .~.,.dist.~~~iq..6 . ' p J ? x > + 1 ! ~ ! ! m . dger a._

l?r6pct~ ~.~~~~!!~~q..da . . .a~~~.~.9,~.9~~~L ~~r~!ancjque tom a a formae xtre m a da op o S1~ a Q o f . - , . . . . - - - ~- - - - . . - - . r • . ------

Explicita nesse sentido- e a pratica ramkokamekra-canela

descrita por Nimuendaju (1946: 101). Os iniciandos, ao cabo do

ritual de Pepye, podem, se 0 desejarem, estabelecer rela«;oes de

amizade formal, mediante 0 seguinte rita: de costas urn para 0

outro, mergulham no ribeirao em direcoes opostas, em seguida

em ergem e se encara rn. Significativamente, ur n rita muito serne-lhante mas com uma inversao crucial serviria, entre os mesmos

Canela, para estabelecer a relacao de companheirismo iikhuono,

"meu companheiro"): os candidatos mergulham juntos, abracados,e na mesma dlreciio (C. Nimuendaju 1946: 105).

Nossos dados indicam que ~~o t; 'companheir!!_s'? entre osKrabp- as crian~asJ1~~£i,4.qJ_.no~!1les'!1.q__dia.J.mas aparentemente @S~.~os gemeos verdadeiros, rapazes que foram kriirigate, chefes de

m e f a o e s - - d e · Iniciandos, durante ° mesmo ritual de iniciacao, seja

no Pempkahok ou no Ketuaye, as m ocas q ue forum associadas a

urn mesmo grupo na mesma celebracao de urn destes rituais, os

f erem entre si:0 s do is pr imeiro s po ssue III sls tem a s cognati co s de 11ar on ~t esco~ enq uanto 0 terceiro possui sistern a unilinear (illatrili near entre osBororo, patrilinear entre os Xavantc ] ~ os Apinaye e Kayapo ocupam uma

posi~ao intermedi aria en tre os OUtros dois con [un t os 'por sc 0 rg~iniarem emp atrilinha gen.s simh6li ca s 0.1 adotiva s.

(6) Rcfere-se a caca "per ospera" ou de tocaia, na qual 0 cacadorcostuma Iicnr em cima de Ulna arvoro cujos frutos sejam apreeiados pelaespecie qu e dese]a abater,

87

 

h0 !D< :n s q u e f or am prefeitos do patio, oficio sempre investido emdois incumbentes, na mesma estar;:ao do mesmo ano, e assim pordiante,

e c ap az de se determinar par motivos dos quais ele possa justificaro valor diante de outros seres razoaveis' (A. Lalande 1956 s.v.p~sonne)", ~ -on!ogene~e dessa categoria, dizfamos, passa por duasVIas de ediflCaCl\o: a unagem do corpo e a assuncao de papeis.

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. Os ikhu'o'!_o-; ao contrario dos amigos formals, sao compa-nheiros de tOd.as as horas e todas as atividade"s,· p elo m enos atese t~!f1arem pais de numerosa prole. Reina entre eles totalliberdadeOe discurso e um a camaradagem descontrafda, N o ritua l que

e nc ,e rr a ~ esta~ao chuvosa e no qu e encerra a estacao seca, hNtrocacerimonial de mulheres entre as metades Wakmeye e Katamve.N essa o ca sif io , o s ikhuono trocam ·preferencialmente de mulheres,

a niio ser que estas nao pertencam a metade aiterna requerida.Urn estudo lexicol6gico rudimentar permite descobrir uma raiz

comum nas palavras que designarn 0 cornpanheiro, ikhuono

(feminino ikhuore) e a placenta, ikhuoti, a que as Krah6 se

referem alias em portugues como "'0 companheiro da crianca",Tudo isto corrobora a liga~o da ideia de semelhanca, Oll melhor,da simultaneidade com a instituicao do "companheirismo". .

Fica entia mais claro 0 contraste entre nadar na mesmadiret;ao e nadar em direcoes opostas para estabelecer, entre 'osCanela, as relacoes de companheirismo e amizade formal respecti-vamente. Tal como 0 ikhuono corresponde ao semelhante.:o h O p . i ncorresponde ao outro, ao antonim o, ao radicalmente oposto ..

Cremes, ~e fato, e· tentaremos fundamentar ainda esta assuncao,q 1: le a a m iz ad e form al, em se u duplo aspecto, rela~ao de evitat,aoc?m amigos f~rmais e rel~ao prazenteira com seus parentes, pode-na ser entendida c om o a nocao lo gic a - D 3 . 0 psicologica, n ero m a iss oc io 16 gic a - da alteridade e c omp lement a ri d ad e, em contrastecom a instituicao da am izade inform al ou companheirismo, .quecorresponderia it gemeleidade, ou melhor, a simultaneidade. ~.• "

.. -_ .... - - - . ..

Amizade [ormal, compan heirism o, e edijica,ao da pessoa.,

~ S e a essencia do amigo formal e de ser outro, e a do

companheiro de se r semeihante ou melhor simuluineo, quais seriams u as r es pe c ti va s fun~es?

Lancaremos mao a esta altura de conclusces e pesquisas de

outras .ciencias, sobretudo da psicologia, num exemplo do queM. Gluckman e E..Devons abencoaram com 0 nome · de "validatedabridgement" (E. Devons e M ..Gluckman 1964:164), que pode ...riamos traduzir por algo como "resume validado",

A ontogsnese da categoria de pessoa,. em sua acepc;aopsicologica e moral de "ser individual, consciente de. si, razoavel

88

A m ba s im plic am 0 reconhecimento de Jim ites e reencontramosnelas todo 0 caminhar semantico, toda a "filogenese' da no' . taode pessoa, oscilando :entre a individuacao pela materia e aindividuacao pela forma. Pois nao foi perigraphe, "limitacao", apri~i~a palavra para "pessoa", na teologia crista primltlva (J...~

Danielou 1973: 116), antes mesmo qu e a expressao prosopon,

face, 0 equivalente do persona latino, se consagrasse? .Em coJ6quio interdisciplinar sobre as "Problemas da Pessoa",

realizado em Royaumont hi mais de dez anos, e reunindo grama- r:

ticos, antropologos, historiado res, juristas, psiq uiatras, romancistase psicologos, Rene Zazzo fez uma comunicacao da qual selecio-

n~aremos aqui certos pontos que nos parecem cruciais para nossoprop6sito: "a conscteI1~ia_.4~ si", diz Zazzo, "sob a forma maishumilde s u r g e - c o m o . a imagem do corpo entre dois e t r e s anos , ..

o emprego do eu s o aparece quando a crianca sabe reconhecer-sesem hesitacao na imagem do espelho, po r volta dos tres anos'(R. Zazzo 1973:408). E sobre 'os papeis: "Cada papel e urn~!imit~.Cada papel considerado em urn sistema e um a aberturau:

,Q~~m. A personalidade, como unidade integrativa das caracterfs-~ a s - i nd 1v i, ~u a is . .po?e ser definida como umsis·temaji-pap_eis;mas nao sem d6vlda a pessoa, se entendermos por ela esse ser deu~jv!i!~~da~ de < au to no m ia , d e " Iib erd ad e enraizada em um ahistoria singular. A crianca edifica sua pessoa representando p~peis,li9.r!cando personagens" (R. Zazzo 1973:416)~ .-~

A _pessoa p s ico log ica : e moral passa pelo personagem e estase coloca atraves da oposi~ao com 0 outro. A ausencia deTais-opOsT~"iis, da vivencia de pares complementares dificulta a emer ..g8ncia da " imagem de si", como se 0 "eu" nao conseguisse entaose destacar da ganga que 0 envolve,: reconhecer seus limites: ei sporque a nocao de identidade se form a muito mais tarde entre

gemeos identicos (R .. Zazzo 1973 :412). .

Esta concepcao de pessoa como "ser de universalidade, de

autonomia, de liberdade' nao e certamente universal: embora

cada cultura tenda a perceber sua nocao de pessoa como sendopor assim dizer. natural, cada uma elabora no entanto representa-~5es especfficas sobre 0 ser humano enquanto individuo inseridono grupo.

A maioria dos que estudaram esta n~ao de pessoapreocuparam-se em descrever-lhe os atributos ou as componentes

. . .\

89

 

explicitos, tais como almas multiplas, p rin cf pio s m a is on menosindividuals etc., e fizeramvaler assim sua diversidade. Mas se a

,~ ,pessoa nao e uma no~ao universal, se seus conteudos diferemculturalrnente, no entanto, 0problema' dos seus limites, 0 problema

,\

se~,~~!!~~a do " i ~ / J ; _ u o n { j reside naa na forma mas, por assim dizer,'no movimento:

.Mas nao seria justamente a simultaneidade de a~ao e nao, propriamente a semelhanca na forma, 0 elemento cer:tral da

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da identidade, apresentam ,£Qpst~~t~~ Qll£. - p . a . ~ ~ decorrer daP~M~i~'atureza: .poderlamos talvez resumi-Ias na dupla necessi-dade 'de ..econhecer 0 "semelhante" e_d e opor-se ao "con trario".• , . ~ I ~ ~ • • - - • - - • • ~ • • I . _

. ~~9.~~!.!!I!!1?_§_!t~~p~rrntao it amizade formal e ao coinpanhei-: , ~ ~ ~ ~ , a _ . _~.5.~~_.~ . ~ m o 4 e l a d g x e s ,da.~~DQ~_ ,tr~~~~,~,~P5S~f An m eir a: " -I gn lf ic ar la 0 contraste absoluto

,~,__~g__t 1 1 : - 11 1 sena O fm · ' · s . _9: ~~~tyldo por sua yez~_seria como que uma imagem especular, nao da lonna do r

'~ i t_· '~~i~~*~~~!?~~~l§~i~{~~_~~~e~~_~_.~~~~~-:,qu~_,!1!lSS,Q". l ! -! ~~ ,~~~ 0n_pa~?.- .~9. ,~~~~o.- .!!~~="ll l .§. ,\! ,__o_y:e. tdg_, , -~mali ~nerlcamente ~m me acompanna em mmhas a co es, - P9 _rE ' ! l ~ ~ a i - q ~ e~~ja~~~tiitam:se~iknuono oil' clofs-,clinhad?s que,na 'epopela de Haltant, partern Juntos para 0 pe 49 ceu, urnduplicando 0outro ate que a morte os separe; tambern no mko deKatxere, a mulher-estrela, 0 par de rapazes que va Q juntos buscaiur n machado se tra ta m de "companheiros"; lim come a, carneproibida de mucura e envelhece instantaneamente, enquanto 0

outro continua sen caminho, Nos dois mitos, a "construcao" e amesma: . ! i . - . _ 1 ! . 3 r de cornpanheiros W Ipa reee~~~!![ em fun\·aQ ..d o _ _

i:w~~~§.i~~~~~~~!~~~~a;:!t:::,[tr~~:~que as traJetonas sejam inicialmente paralelas, a que e expressopelo artificio estilfstico de faze-los chamarem-se reciprocamente de

ikhu~n6. ~ ,s~ggJ~~t~~y~~n~~~~L,~~u~~,q¥'~J!~,~:~~~,de ~~_~~ a~a a 0 U outro nao ~co ~~~_!! -J ! l __~~~os~,JWDais . . . ,Lembremos (vide capitulo I) que, no rnito da cri~,Lua esta em relacao dialetica com Sol, alterando-lhe os projetos.E um a imagem de Sol, mas uma imagem ,p or a ss im dizer "inver-tida", e a astronomia sustenta a metafora, Tahcz " jmaeem,

i!.1Yer~~_~~e~ti!!~£!,..!!'~!.q Eara,!Wpin. $

Eis porque a placenta' seria 0 compa J i h e : l r o maior, a

companheiro pO T excelencia, pois nascida com 0 homem, ela e suaprimeira imago. ,0 companheiro e a a~ao ou a func;ao simultflnea,aquele gue me esPe-Iha em minhas o6ras e'no uru ell merecoi1h~o.le m e assum o ~ ~ v de 0 qu

< U . _ na d e y e seL confitllladQ, Q , u e d£ntre ~ ~ e ; o a s nasci~ D Q _ _

! _ 1 l e S I D . , 2 dja~a:uelllls Q i~ea~~J!..Q.QjQ.,!Ji}iiQ..iZ; i k h " P . ! ' ! i !

,!pas SID!. de irmao, ta lv ~~Q ~! P.~ ~_ ~~ ~,~ ~_ ~, u rn ~ j , ~ ~ < ; ! ? < r . J " ~ ~ ~ - 9 . ~ ~ ,~..... . . , . _ . .

\90' . . : . ; , . _ _ _ ,

experiencia do espelho onde Zazzo v e a possibilidade para acrianca, de descobrir sen corp~ e estruturar sua pessoa?' E 0 quese parece depreender de suas recentes experiencias: ~ i m a g e m . . . . .

~a r que. ~~_Nod9~_~~moyiJD_entos, a, ctiall&f\. se ~o~ce=02.~qu~nto, , 1 _ 1 ~ . .mesma fas~ d~ desenvolvimento, percebe seu gemeo~ Q . J 1 S Q " cofocado em frentedele cO~9,,"e' fora sua imagem, como

u~ "outro" qu~ tenta pegar ..ELacan, por sua vez cita experienciasq q e a te sta m 0 papel formative _no"R~6p-rio organisll1o da jrnagem

~~i,l,~~, "desde que anIinada de..-mavimentas suJicientemen"le

proximos dos ..de s~,~especie" basta para fazer passar certo g af a= ~ /

nboto Q .~ sua forma solitaria " a ' - f o r i n a gregaria (J. Lacan 1966[1949] :92, grifos nossos),

A gemeleidade poderia talvez ser encarada em vista distode modo mais amplo, podendo consistir em identidade de fonna o~{eeste "ou"nao e exclusivo) e:ID, simultaneidade e similaridade de! t .~ao.,0 :om~an~~~rismo 'p~_~ria e n _ ! _ . i . _ f ? _ ~ concebido CQrno - ,penub -~d~ a lde~tlti~ao ;0,0 s e n t i Q o 9 i 1 : ~ ' 1 ~acan confere ao t e r m Q _ _ onseja, a 'transformacao produzida no sujeito quando ele assume u m aLriiag~IIl_'_',(J. Lacan 1966 [19491:90). ,_-_ ,

Reconhecer-se portanto no semelhante, distinguir-se do oposto,cremos que sejam essas as funeoes logicas da gemeleidade -placenta e da amizade formal - relacoes prazenteiras.

A~~J1l iz~q. e__qI~aJ , (per is ada sempre como 0 conjunto amigoformal - parceiro [ocoso) corresponderia ainda, em termos16gicos, a n~ao psicol6gica de I;'wmbta", u rn dO H aspectos dapersonalidaGe llrconsciente que, para Jung, contem ao mesmotempo 0 que e rejeitado do consciente e possibilidades criadorasque vimos serem caracteristicas do "trickster", do bufao (C. G ..lung, Ch. Kerenyi, P. Radin 1958 e C. G. Jung 1952).

{

Esta m esm a Iigacao esta presente, pOI exemplo, entre osYoruba, onde Sxy.. Q. , IHUiEkster~',Hermes afr icano, abridor decaminhos, vem a ser ao mesmo tetiipo 0principia da vida individual."Repetindo mais uma vez as palavras de rfa, 'se alguem n a o tiverseu Exu no corpo, nao poderia existir, nao saberia que esta vivo;portanto todo 0 mundo deve ter sen Exu individual', Ele niiosaberia que esta vivo: em outros termos, ele nao ss reconheceriacomo urn ser com sua pr6pria vida, ele continuaria a pertencer it .

rnassa de materia mdiferenciada. Exu e uma parte inseparavel de

..

91

 

qualquer ser ou materia diferenciada. Ele e 0 princfpio da vidaindividualizada" (J. Elbein dos Santos e Deosc6redes M~ dosSantos 1973:56, os grifos sao do artigo original). E mais: esteExu lndividualizante, como todos os elementos da pessoa, tern seu

estado de bem-estar ritual; nas palavras dos pr6prios natives,faz a todos felizes" (D. F. Thomson 1935:475).

Mas e certamente entre os Dogon que a instituicao foi melborestudada. Dagon e Bozo sao parceiros de uma alianca prazenteira

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duplo no Orun, mundo sobrenatural, Ora, onde se situa este duplodo Exu individual s en a o j us tam en te na placenta? "A _p!~centatransmite 0 principio da v i da i ndi vi dua l. :£ 0 duplo da p esso a q ues e d es en vo lv e ju nta m en te c om 0 leta e q ue , s ep ara do do corpo da~~t representa Exu, 0Exu do Orun, a contrapartida do novo Bxuindividual encamado no recem-nascido" (J. Elbein dos Santos e

D. M. dos Santos .1973: 59) .Re tomemos 0- fio da m eada e perguntemo-nos se a discussao

acimu· t raz alguma luz sobre os fatos krah6 descritos: porque sepede ao amigo formal e a sua parentel~ que sofram 0m.es~o da~ofisico da vitima original, picada de marimbondo, de formigao, senaoporque infligir 0 dano ao antbnimo e dobrar, reiterar a negacao e .recobrar assim 'a integridade inicial, Por outre' lado, por que 0

" amigo formal esta ..presente em principia em ritos de passagem?Por que ele se inrerpoe entre as iniciandos e seus atacantes, mem ..bros da aldeia, aliado nessa batalha aos "es t rangei ros , , . de outrasaldeia s? Se a a migo for~;ll_.e 0 outro, a so rn bra , a a ntitese, en ta o~u__.presence atesta a ·dissol~~ao da p~rsonali~at!e, a volta ao caos

ind.i;f.~~n~iado que caractenza os estados 1 1 m l n a r e :_ s ( V. Turner1969). Ao mesmo tempo; 0 confronto tese-anntese, homem--sombra, nome . .. ntonimo, conduz a sintese que ~ 0 novo status

adquirido a tra ves d o rite. I

Assim tambem Exu, novamente ele, DaD e. s6 0 "principia davida indivldualizada, ele e ao mesmo tempo 0 princfpio de restau-' · a r a o " · (J..B. dos Santos e D~M. do s Santos 1~73~57)..h~estaura-~ao'; parece se r um termo particularmente feliz, substitulndo-se .~"purifica~ao" 4 Pols, como G. Dieterlen apontou desde 1947 entre

os D ogon -:-. m as a e xte nsa o d a n~~ao d~ve se r be~, mais . ~pla~ "estar impure" e 0 mesmo que estar incomplete . Purific~~~j

p ois u rn m od o de co~pl~tar a . p es s~~ ) de_restaurar sl!a~integ:idade.~

A fun~ao de restauracao, de p urific ac ao d os parceiros JOcososparece se r comum na Africa, onde Goody (1?62) por e~~emp~o,aassinalou entre os Lo Dagaa do Gana setentrional; m as Ja G ria uletam bem havia cham ado a atencao para esse aspecto da rela'YiPp ra ze nte ir a. P o d e- se ainda supor repres;nta¢es a na logas fora daAfrica: T ho mso n. em 1935, diz da s peninsulas do cabo York, que"do mesmo modo que a observancia dos tabus que regulam acomportamento em relacao it m ae da esposa e c er ta s r el ac o es ,m antem um a rela ca o d e euforia, a r ela ca o p ra zen te ira induz urn

92

mangou, e esta, no mito, e instaurada pela implantacao, gracas apalavra, de uma parte da pessoa bozo na pessoa dogon e recipro-camente. Em artigo publicado em 1971, A. Adler e M. Cartrychegam a conclus5es e xtre m am e nte In tc rc ss an te s q ue te nta rem o s

• 4 •

resumir aqul. .

Adoutrina dogon afinna como vimos que os parceiros iocosos

sao c om p lem e nta res : c ad a u rn possui aque_1aparcela de que 0outree ca~~n~t~~Mas, se se un i ss em , numa algebra r igo rosa , . a l canc a r . . .e-iaD ao u m a p or em duas to ta lid ad es l nd is ce rn fv eis , o u s ej a a totalidadeda gemeleidade, que e a n m es m o tem p o u m a in dif ere nc ia ca o. Orapurificar, ou seja comple tar , restabelecer a inte gridade , e obra dediferenciacao, de individuacao, opondo-se assim a gemeleidadecompleta mas onde 0 individuo e perdido. P or issoo poder purifi-cador supoe uma "boa distancia" que a proibicao do casamentose enca rrega de manter. Eis porque a Raposa, "trickster" dopanteao dogon, primeiro se r a fugi r ao casamento co m sua. gemea"pode se r considerado como 0 primeiro agente de . individuacao:sem ele os homens teriam taIvez sido completes, saciados e imortais,

m as com o seres anenimos, eternamente soldados a su as gem ea s'(A. Adler e M. Cartry 1971 :43).

. . . . .

A partir destas ideias de Adler e Cartry, podemos entenderuma logica formal na qua l 0 homem e · af i rmado como um a propo ..sit;ao duplamente negada .. J3 que dogon e bozo contem cada urn

o que falta ao outro, quando urn mangou injuria seu parceiro, contaOgotommeli, e com o se se injuriasse a si mesrno. "A injuriaendereca-se a forca de si m esm o (nyama) que esta no ou tro ....E·com o se se proclamasse u rn lema a s avessus. Injuriar 0 mangou,

proclamar 0 lema de urn homem, e a mesma coisa' (M. Griaule:948:253, grifos nossos). 0 inverso de urn homem proclama amverso de se u lema: a negacao da sua negacilo restaura a

integridade. ,.. .T entam os aqu i Iancar as. bases do que sera talvez u rn dla

u rn e stu do m a is aprofundado da amizade form al e da gemeleidade,que se enquadra por su a vez nu ma teoria das amizades que, desdeRadcli f fe -Brown nao parece ter progredido, que ainda .esta porfazer,

P rocu ra mos m ostrar com o a a miza de fonnal e 0 companhei-rismo podem ser concebidos com o m odos de se edificar, de sedeterminar a pessoa, a primeira p el a o po sic ao , 0 ult imo pela

. . . .

93

 

semelhanca: uma seria um "eu...outre", 0 outro seria _urn "outreeu", Pais a individuacao, e entendemos por ai a assuncao de valor;igllificativo por u r n I nd iv fd uo , e lem en to de um sis te ma , p ass ajustamente e depende de suas relacoes com outros elementos, desuaInsercilo n o s is tem a global. Dentre essa s rela co es, du as p ode rn

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e -costumarn ser privl legiadas, a de oposicao por u~ la~o, ~ desemelhanca por outro. Talvez por isso encontremos tao difundld~s

os t emas da hom ologia e do contraste, pensados de modo parti-cularmente obsessive na Africa. re sp ec tiv am e nte so b a forma dagemeleidade e da relacao prazenteira. 0 indivfduo s e i ns ta u ra porassim dizer a interseccao de ambas, pelo duplo jogo de espelhos

que th e devolve sua im agem a,? m esm o t~mpo que 0refl~te, inversode seu inverso, em especulacao que 0crrcunscreve e afirrna.

,... Pensarmos nestes termos e liberarmos as instituicoes de

amizade formal companheirismo, relacoes prazenteiras etc. dequalquer dete~inacii~ previa, seja. ela

A

s?cial, psicologica oubioI6gica; D ao e porem negar a influencia destes Iatores 4 ~aelaboracao secundaria de tais inst~tui~oes, na s fonn~s que iraoassu mir em cada grupo social particular, Estamos evldentementeseguin do 0 espirito de Levi-Strauss, e ) antes dele, de Morga~,vendo nas institu icoes sistem as de sinais, cada urn dos quaisarbitrario em relacao ao que pretende significar, determinadopela totalidade do sistema. r

o detalhe que nos induziu a e~miu~armos a a miza de fo~malfoi 0dos presentes oferecidos ao amigo formal do morto no J . ! ! Y ¥ . ! .de lim de lute. Este e j como se sabe desde Hertz" gnl_.rltQ ..depassagem em que s~ integra ao mesmo t empo ? morto e!_11---.-_~~nova morada e se remtegram os enlutados na socied ade dos VlVQ_S~

A presence dos amigos formais aqui na o difere em especie de suapresence em outros ritos de passagem: 0detalhe que nos servin de

ponto de partida revela-se ser entao de pouca importancia, e . .umadigressao tao longa sabre 0 tema da amizade formal poderia

parecer ociosa em um trabalho consagrado it morte, DaQ fora estaurn pretexto, uma estrategia para tentar apreender a no~ao depessoa, 0 qu e tentamos, em ultima analise, fazer aq ui, foi usar

ontra abordagem para e sc la re ce r u rn aspecto do mesmo problema.

94

CAPiTULO VI

o Enterro Secundario

-. Introduciio . .

o enterro secundario qu e foi outrora generalizado entre osTimbira (1) parece te r sido mantido entre os Krah6 ate pelomenos 1926, pais 0 pastor batista Zacarias Campelo que, _nessaepoca, iniciou sua missao , ainda 0 menciona· (Z 4 Campelo 1957 ~55), e ele esta presente alem disso na m em oria dos i nf o rm an te s.

Consistia esse enterro na exumacao do ' cadaver, seguida daIimpeza e lava gem dos ossos que, p in t a dos de urucu , eramembrulhados em uma esteira nova e inumados em urn buracofundo.

Nao parece que todos ten ham . tido . aces~ as se~das

exequias: u rn in fo rm a nte a ss ev ero u que as cnaneas eram exc lu fdas"por terem os ossos moles que acabam logo;'. Entre os Canela, 0

costume parece ter sido niantido por mais t empo em favor doshamren qu e correspondem a o s p ri vi le gi ad os sepultados no patio{c.N im uendaju 1946:98 e 135) 0 que indicaria-que 'a realizaeaodo enterro secundario dependia de certo status minimo. Provavel-mente prevaleciam as m esm as ponderacoes que hoje determinama r ea li za c ao da festa de f im de lu to +

. A movimentacllo ritual gerada por umarnorte e proporcionala importancia social do defunto. Pois, como assinalou Hertz

(1970 [1928]: 70) '~a morte nig se limjta '8 par lim a exjstSnci~

~ oral eta des ~. mo tempo 0 s er s oc ia l enxertado sobre

a individualidade ffsica, ao qua a conscienC la · ~um a maior au men . IS porque as -exequ ias de uma

cnanca praticamente nao saem do ambito familiar, embora a

(I) Nao, aparentemente, entre todos os }8;· presente entre os X;1:riu

(L. Vidal 1972b::200-201) restr ito a uma categoria de idade entre os GOTn-t ire (T. Turner 1966:479 ) , parece estar ausente entre os Xavante (M ay-bury ..Lewis 1987:282) e entre os Suya (infonnac;ao pessoal de A . Seeger- junho de 1973). .

95

 

externa da pessoa, Will, mocas associadas, chefes honorarios,corresponderiam a defini,:;ao externa de urn grupo.

Metaf6ricas neste caso, metonfmicas quando se trata do slideres, estas personagens representam condensadamente 0 con-

emocao gerada possa ser muito moos forte do que por ocas iao damorte de urn velho (cf. Zacarias Campelo 1957:54).

A importancia relativa das exequias e portanto urn in~c~dorfiel da hierarquia publica do Krah6, e mani fes tava-se principal-

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junto da sociedade krah6 (cf, M. C. da Cunha 1973). Nada maisapropriado, portanto, do que seu enterro no patio, espaco da vidapublica, dos homens, da sociedade dos vivos" em contraste com aperiferia, casas e exterior da aldeia, associada a s mulheres , it vida.domestics e aos mortos. Na realidade, er a a si mesma, a seus

grupos politicos e cerimoniais que a aldeia inscrevia no solo com

as ossadas de seus representantes.Quanto ao s outros, seriam seus o ss os p ro va v elm en te in um a d osna casa materna, como ja supoe J. C. Melatti (1970:48). Entravamna determinacao do espaco a ser consagrado ao morto dais tiposde consideracoes. Por urn Iado, enquanto rnorto, ele era afetadoao exterior da aldeia (vide capitulo II) e, sendo este sinonimo dooeste, os cemiterios, ao serem introduzidos, foram naturalmenteIocalizados a oeste (3). Por ~Utm la do, a p~9Ralid.ade social.domoTto ag~ em senti~.!Llf iY_~ii~ . .quan.t~m!rior .JLs, tatus. m _ a i s 'peno ...

~Ji~o ~~(iW i i i I : f v ; g ent er ro l le s; ll u sJArjg i i i " . . . . filt;l mortQJtC[iIe nele na o e er~~¢~ s "mortaU e mais social d·or anto a ossada ser a roxim

mente na pratica do enterro secundario quando este ainda ~ig?rava.Evidenciavam ...e entao tres grupos: os que nao tinham direito aoenterro secundario, aparentemente as criancas e as mulherescomuns; os que a ele tinham direito mas eram inumados nas casas,provave lmente os homens comuns; enfirn, os que aI~m de gozaremdo enterro secundario, tinham seus ossos inumados no patio da

aldeia. Estes inclulam os chetes honorarios representantes deoutras tribos, os wi·trj mocas associadas aos homens e aos meninose meninos associados a s mulheres (2), as mocas associadas aosrituais de iniclacao - ketuaye ..gahiiij krokrok-gahiii etc. - 0 chefeda aldeia e sua mulher, 0 pad re J chefe dos rituais, e sua mulher,e ainda outros personagens de destaque, onde alguns info[mant~sIncluem todos os prefeitos (0 que, se leva do ao pe da let~a" pratt-camente esgotaria a populacao masculina adulta da aldeia) e oskriirigate, chefes de turmas de iniciandos.

. · ·Os hamren sao personagens representativos d e .g ru po s ~ aisamplos: grupo das mulheres, d as m o ca s, dos homens, dos menl.nos(os wi·tl masculines, as witi femininas), grupo dos estrangeiros

(chefe honorario), metades de idade e de estacao (prefeitos) ,grupo de iniciandos (pempkahok-gahai, ketuaye-gahiii, e krQrigate),grupo da aldeia, sob seu aspecto politico (pahi, 0 chefe da aldeiae mulher) e cerimoniaI (padre e mulher),

Suas funcoes sao de dais tipos: de Iideranca ( k ri ir iga te~ pah i,padre e prefeitos) ou de representacao simb6lica e abreviada,. eneste caso sao sempre exteriores . ao g ru p o que representam. ASSlmos wi~(idos homens e meninos sao mocas , os wit; das mulheres sa omeninos, 0 chefe honoraria e exterior a tribo que representa,

Segundo u rn processo que parece recorrente - pois isso sedepreende do estudo da amizade formal - a representacao deum grupo cabe freqiientemente a alguem que lhe e , de fato, alheio.

Do mesmo modo que 0 amigo formal corresponderia a definicao

s na casa rna rna ou no ado. Confirmando esta aproxi-Cl os OSSQS, ur n In ormantelIeclaro~ gu~~.3.. segunoa

inu a o ava a oes e 0 e rovavelm ·vim os a r IstO) mas moos perto a a !!~"Q 9.lle a prim~r!.hruTna¢ao . --

_" , - 'Em15ora portanto, a assignacao do espaco fiinebre resultasseda combinacao de um a forca centrifuga com uma centripeta, au

seja do carater "exterior' do morto enquanto organismo, e docarater "interior" de sua personalidade social, 0 primeiro fatorperdia sua intensidade ao se tratar na o mais de carne mas dosQSSOS, levando 0 enterro secundario a aproximar da aldeia 0

cadaver Kraho, Esta "socializacao' do cadaver corn 0 desnuda-mento dos ossos Iicara mais clara quando analisarmos, mais

adiante, a posicao semant ica do sangue e sua conexao com a Ideiade uma forca vital pessoal, contrastando-a com a natureza "social"atribu fd a aos ossos,

--. . . . . . . . . . .

(2) Contradizendo Informacoes dadas a Melatti (1970:223) que men-clonam apenas run win das mnlheres, tr~s info~antes afi~aram a exi~.-

tencia de <lois wIn para elas: um correspondena is mekpt-ere e mekpre ,isto e a s mulheres sem filhos e outro a s mulheres maduras ..

No entanto, qualquer que seja 0 mimero re~l (provavelm~nte sujei~a variacfies e manipulacoes ) a win por exceleneia, dada sua nnportanctaritual, I: a wit, associada ao grupo dos homens.

( 3 ) A slnonimla do exterior e do oeste fica expressa por exempJo nasaltemativas ramkokamekra e krah6 para 0enterro no pat io . C. Nimuendaju( 1946; 98} menciona que as hamrep.. eram pIimariamente enterrados nafrente da casa, do lado Interne do caminho circular, enquanto Melatti(1970:48) fala de urn enterro no lado oeste da praca,

9697

 

As informacoes quanta ao s executantes das tarefas ligadas a ssegundas exequias sao incertas e impossiveis de testar como 0fizemos para os papeis funerarios. No entanto, a s f lu tu a c oe s sao

paralelas a s que registramos para estes e podemos supor que

\

.,I ,

batista, fala em urn periodo de urn mes, mas um informantemenciona 5 a 7 meses; Nimuendaju afirma que entre os Caneta 0Japso de tempo era de tres a cinco anos depois do primeiro enterro(C. Nimuendaju 1946: 135) e de urn ano entre os Apinaye, Urn

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t J 616

~ Vt

i f i " .

obedeceram a hipotese,tem os as informacoes de Nimuendaju (1939) sabre os Apinayeem que as fun~oes de Iavadores de ossos eram desempenbadas poraqueles que haviam sido os coveiros..Assim a confeccao da esteirae p os siv elm en te a tintura incumbiriam aos c on sa n gtiin eo s ( cf .Melatti 1970 :208) enquanto a lavagem dos ossos e sua inumacaodeveriam se r feitos por .gente "de fora", os maridos de consangui-n ea s s en do habituabnente designados para essas tarefas.

Quanto ao momento apropriado para as exequias definitivas

el e se prendia teoricamente ao estado de decomposicao do cadaver.Defrontamo-nos ai com uma representacao que esta longe de setlnedita e que ja Hertz (1970 [1928] :78 et passim) evidenciou, asaber que 0estado de putrefacdo do corpo serve de suporte materialpara as crencas ligadas it condicao da alma (4) ..Mais precisamente,parece . .nos e 0Krah6 define 0 momento do enterro secundario

o mo 0o~:o:t:[e'~ ·m o o d n:~~!!"!ltanto uant acesso aos sos en tm. desnuaal1"t1g-

d

t'lr1tt.tapareCl-~~~~e~~~t~~~~l~~~~~~~~~~~e~~~e~~~~~c~a~~~a~s~e~~~~la~i~~~~'T~"~~'~'~~~"'~

_ . ~"" r o

A razao deste ult imo criteria -- a eliminacao do sa ngue -prende-se, a nosso ver, a e xi ste nc ia d e uma n ot;a o d e "forea vital",que tentaremos evidenciar. Esta tern justamente como suporteorganico 0 sangue e, com o este, sobrevive por certo tempo itmorte biologica, Mas para estearmos esta a s se rc a o , t er emos de nosdeter longamente sabre a posicao semantica do sangue entre osKrah6.

Antes disso, porem, algumas observacoes: a e liminacao dosangue parece ter sido a cond ic ao neces s ar ia do enterro secundario,mas ela c er ta rn en te n a o era suficiente ja que este nao parece tergozado de uma data fixa, Zacarias Campelo (1957:58); 0 pastor

infonnante de Melatti (1970;205) assegurou que acabava 0luto (5) quando se abria a sepultura para retirar os ossos e sercalizava 0enterro secunda rio, 0 q ue nos foi confirmado pelo chefcda aldeia de Pedra Furada, que situou a festa de fim de luto DO

momento da exumacao. Neste caso, as flutuacoes no intervale dasduas in um a co es teria m p ro va velm en te a s mesmas motivaeoes que

condicionam a d ura cd o do Iuto. Mas isto Dao a lter a a c on ce pc aobasica , a saber que os ossos ja deviam teoricamente estar despo-jados de toda a came e todo 0 sangue,

Na realidade consideracoes de outra ordem intervem, DaD

desprezando a condicao do cadaver, mas alterando-a. : e 0 casopor exemplo dos mortos tombados ao longe OU em campo debatalha; avisados, os parentes tratavam sem mais delongas dereaver 0 cadaver. Para tanto acelerava ..se 0 processo de decompo-sit;ao, acabava-se de limpar os ossos trazendo-os dentro de u rncesto para a aldeia onde seriam devidamente tingidos de urucu,envoltos em esteira nova trancada por um consangiiineo e nova-mente inumados.

As manipulacoes que s e in fl in gem ao c ampo ideo16gico

nao 0 neg am po rt an to , antes 0 reconhecem (para melba! 0 iludir)atuando atraves dele. Insistimos neste ponto por ter sido 0 foco dacritica que D. Miles (1965) enderecou a teoria do enterrosecundario de Hertz (6). Miles introduz na discussao fatoreseconomicos que repercutiriam diretamente na realizacao do Tiwah,o enterro secundario dos Dayak que Hertz analisou detalhadamente ..

Miles critica este ult imo "que considera 0 cheque naconsciencia coletiva como a variavel primaria e fatores (7)soc io-economicos como variaveis dependentes' (D. Miles 1965:169) ~Parece-nos que Miles forca as posicoes de Hertz, nem sempre

. . . . ._ - - - - - - - - - - - _ _ . . . . . .. .( 5). Est: inIormante parece dizer que seria 0 luto do c6njuge que

Iinallzarta entao~ 0 que, pelo que expusemos acima, nos parece altamentelmprovavel,

( 6 ) Nao que consideremos que 0 metodo de infereneia de Hertz sej avalidc mas porque nos parece que de intuiu precesses baslcos relativesa s representaeoes mentais que coneernem a morte, e em particular seu

carater de r ito de passagem (0 termo 000 estava ainda eonsagrado, assimele falou em t~iniclaclo") .

(7) As outras acusacoes de Miles P: 169 parecem-nos desprovidas defundamento. Bastaria eonfronta-Ias a Hertz 1970 (1928): p. 22~ p~ 29~p. 78~

i "',.. .~ ,

99

1';-"

( 4 ) "A destruieno grad ual do an t igo corpo terrestre, que proIon gae consuma 0 atentado inieial, expressa coneretamente 0 estado de con-Iusso ("'troubIe'~) em que se encontra a comunidade enquanto a excl usaodo cadaver 000 esti ver tenninada... a materia sobre a qual se exereera de-po is da morte a atividade coletiva e que h a de servir de objeto para osritos, e naturahnente 0 proprio oorpo do defunto .• 4 Assim OS fen6m enosfisicos que constituem ou que seguem a morte , embora nao determinempor si mesmn s as representacoes e as emoeoes coletivas, contrlbuem noontan to para lhes dar a forma deIinida que elas apresentam; des lhes for-necem a e certo modo um supor te material" (R. Hertz 1970 [1928]:78).

98

\

 

claras, para melhor contesta-las, Na realidade, as conclusoes a queMiles chega, que a s v a ri ac o es na forma do enterro secundario s a oatribufveis a fatores economicos "e que 0 atraso na realizacao dos

ritos nao e s implesmente funcao do impacto na 'conscienciacoletiva' c au sa do p ela morte, m as e a fe ta da d ireta m en te p or esse s

carne de vaca. Ao contrario da agua J 0 sangue (kapr6) na a sal,ou pelo menos nao deve sair. Serve para sustentar 0 corpo: sehouver falta de sangue, 0 corpo fica "todo encolhido",

Nao parece existir consenso sobre a procedencia do sangue0

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fatores' (0. Miles 1965: 174), nao vao a lem do simples reconhe-cimento das manipulacoes qu e ja He rt z a s si na l av a (R. Hertz 1970[1928]:5) embora Ihes n eg as se a p ri m az ia : afinaI sobre qu e agiriamos f a to re s e c on om ic o s que el e aponta - necessidade de acumu la ra consideravel riqueza a ser dispendida no enterro secundario --s e n fi o h ou v es se r ep re se nt ac oe s preexistentes?

Os f a to re s s oc lo - ec o nom i c os que Miles aponta nao exp l icamsenao as variaeoes sem invalidar as representacoes mentais quesustentam 0 enterro secundario.

Nio obstante os fatores de Dutra ordem, as inferencias deHertz sao aplicaveis a ideologia krah6: a m orte e um p ro ce sso q uese consuma DaO instantaneamente mas durante t empo mais oumen o s longo, teoricamente ligado ao estado de decompos icao docadaver e mais p a rt ic u la rm e nt e a o d es ap a re cim en to do sangue, a . .para 0 kar"" 0marta (8) e obreviventes urn ritoe passagem,. ao ca 0 0 qual 0 rimeiro e definttiv n e lXa

entre os rno as enquan es es u l t imos rem egram a comum a eaas vivos. P IP ... _..... .._...,_1 ............h __ ~ . - - __ . .

o descaso em que caiu 0 enterro secundario nao alterou,parece-nos, e st as c o nc e p co e s, que estao subjaeentes ao ritual defim de luto.

Mas vol temos agora ao nosso argumento e tratemos dejustificar 0 papel que atribufmos ao sangue, ou antes it sua ausencia ,na determinacao te6rica do enterro secundario.

Sangue e transgressiies de jrontelras

Na carne, hit. agua e ha sangue , A agua sai sob forma de suor

(inak6). ]jesta agu a que a flora quando se sa lga , p or exernp lo, a

(8) Urn dado curiosa Kayapc-Oorotire menciona que 0 enterro se-cuadario seria reservado A s erianeas ainda nao iniciadas (T. Turner 1966~479). Haveria provavelmente muito mais a dizer quanto a s relaeoes dainiciacao e do aeesso ao mundo dos mortos . . Lembremos que Nimuendaju(1946:235) atrlbui. ao Ketuaye Canela 0 objetivo de estabelecer contato dosiniiandos com os espiritos,

,OTECI--100 • Ia \..S 0 f ' ~ E r\t~~I.~t U t l A I i U

-...m1T8. D E f1 l 'p_."..... U N I· ' C -..til

pai (ou dos d iv er so s p a is biologicos, ja que os Krah6 acreditamnuma concepcao progressiva) , cujo semen Uceriakwa: ker = ="tapioca, parte visguenta da comida"; mandioca e milho tern ker)vai p ara a placenta, a qua l por su a ve z a lim en ta 0 feto. 0 papetda m ae se re d uz a fornecer 0 local apropriado, que deve ser fresco("mae

ecomo geladeira; guarda as coisas

l a ,fica tudo fresquinho") I

J e i outro infonnante di z que quase todo 0 sa ng ue v ern da mae, e

um pouco vern do pai. O s inform antes de Melatti (1970:135)

tambem parecern inseguros. Quanto ao aumento de sangue, seriadevido primeiro ao leite materna e depois a came que, inchando, 0produziria.

San e e movimento estao Ii ados:

tr am e 0 sangue vai se espalhando.~ . . . . . . . . . .~-

o s3J?gue e semere periBoso~ mas c er to s s an gu es p a re cem sermais temfveis~ou por serem mais virulentos au por penetraremmais facilmente: as precaucoes que com eles se tomam aumentam

com sua capacidade de penetracao no organismo do homem.P a ra en te nd erm os essa s p rec au co es, tem os de c on sid era r q ue

~aQ_xap2s! oara a.KIabe,. os DlQdos de ,.se .c ru za r a s fro~iras_ ~ _urn ser: destes un ao de in.~orpg!..a~o; C-QriiQ a iilgesta2.. (de _carne, e ve ge ta is , os ban ~ . I b eada a a ara

a c~a ntlo 9 - 0 feiti 0 icadas ou mordidas deanlmalS (10); a audi9ao, ~ 0 a5.~Q_.(e em:: i i@ ! ! i '? " !~41!.~~~~.~~...:. . . . . . . . . . . . _ - - -

(9) A magia propiciadora da caoa e reveladora do modo de aqui ...si~ao au de expulsao de quaJidades. Essencia lmente consiste em: 1.0) lim-par 0 corpo por meio de fumiga~6es e atraves do suor ou de vomitos

(Mela tti 1970: 69 ); 2.0) beber on ban h ar-se em infusdes de folhas ou casca

ou ainda raizes de plantas de que se alimenta ou especificamente caracte-ristlcas do habitat do animal que se deseja abater (0 cano da ssplngardapo de ser suhmetido ao mesmo tratamento ) ; usar folhas on fihras dessasmesmas plantas como pulseiras ou colares, ainda, s6 comer animals cuioshabjtos - noturnos on diumos - coincidam com 0 da presa a cacar (M elattf1970:68-73 )..

(10) A picada do animal (formigao , pephe, e cobra, kanga) numaversau que recolliemos do mito de Turkren, acarreta a introducao do pr6-plio animal (ou seja 0 feiticeiro que nele se transformou ) no corpo davltima: ~'(Turkren ) virou kanga e mordeu a mulher e 0 amante , A mulher

. . . .. 101

 

fumaca) ; enfim a copula, Esta ultima age nos dais sentidos, poiscada urn dos parceiros cede e incorpora ao mesmo tempo proprie-dades do outro (11).

No sentido inverse, 0 vomito, a emissilo de voz e as secrecoesem geral (cuspe, Iagrimas, suer, pus) dilapidam. as propriedades

as precaucoes relativas ao sangue, a saber que sangues diierentesniio devem ser misturados.

Pode-se comer a "agua da carne" mas nunea 0 sangue.. Umpeixe mal assado retem sangue que provoca inchaco em quem 0

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indiyirlpajs, e, como vimos , 0 mesmo se--poae dizer da c 6p iila t --- .

Deve-se notar que essas transgressces podem se efetuar atravesde quaIquer membro do que jii se chamou a "unldade blologica"de urn homem (Melatti 1968:350)~ isto e, quaIquer membro desua familia elementar, indo atacar de preferencia, mas nio exelusi-

varnente, 0 ser mais tragi] dessa unidade: a crianea, cuja pete 8fina e parco 0 sangue, on 0doente momentaneamente enfraque-cido (12). Assim, 0 sangue de uma cobra morta pelo pai poderiaentrar no corpo do filho (vide por exemplo Melatti 1970: 131 ;Dutro exemplo p.. 132), assim como tambem 0 sangue chupado ecuspido por urn medico-feiticeiro na cura de seu paciente (H.Schultz 1949: 5-6). Reciprocamente, em caso de doenca ou picadade cobra, infracoes dos fiIhos,. siblings ou pais afetam 0 estado davitima ..

Para voltarmos ao sangue, ba varies modes de se ser invadidopor ele: comendo-o, matando cruentamente, derramando-o e enfimtocando-o. A capacidade de transgressao de fronteiras de cada umdestes atos e decrescente e 0 primeiro, comer, e certamente 0maiscficaz.

Em consequencia, Dao se pode ingerir sangue de carnealguma - "porque no s ja temos sangue", diz 0 informante, a guisade explicacllo. Vemos af explicitado 0 principio subjacente a todas

ChOfOU e ja estava mole, prestes a morrer, A m a e de Tur~ peJiu paracurar a mulher. .Ele tirou a cobra da eabeca dela, a . cobra ia se enrolandona m ao dele e se metendo dentro dele", Fez a mesma coisa com 0 irmao(0 amante ) porque a m a e pediu",

( 11) Melatti (1970: 71) cita 0 eremplo de um cacador de veado sque, "'"nquan to _ dura sen "tratamento" para apresar veados, deve evitar

reIa~oes sexuais, Se, no entanto, as tiver sem que isso afete suas ca-

cadas poders continuar, recomendando, no entanto a . mulher que n a o cedaa outro homem a fim de que ele proprio n[o perea sua habilidade de ca-cador, Isto mostra claramente que 0 ato sexual pode acarretar modifica-;oes

em ambos os parceiros (vide tbt Melatti 1970:211 ). Sao tao numerososos paralelos afr icanos que seria fasddioso enumerli . .os .

( 12.) 0 cacador, continuamente sujeito a coniuncio resultante da rna..tanca, tera urn cuidado especial com suas fronteiras. Por issa, sen reaguardo

por urn Filho devera durar mais do que 0 da m a e da crianea: por issotambem The ~ negado tomar a crian'Ca no colo. 0 contato das peles, e malsainda 0 contato com a urlna da erianea destr6i suas qualidades venat6rias.

102

coma4 0 sangue do homern assassinado penetra no corpo do seumatador, que fica amarelo e pode morrer. 0 sangue menstrual e 0

sangue placentario penetram no corpo pelo simples contato ecausam, segundo um inform ante, dor de cabeca e febre .. Schultz( 1949 :7) relata 0 caso de uma crianca atingida pelo sangue deurn aborto subseqilente de sua mae . Este acidente foi diagnosticado

como causa mortis da crianca ..Segundo as palavras do informante:"se tivesse 86 comido terra, poderia ter sido cu rada . M as depoisque tern 0 sangue de sua mae dentro de st, nenhum remedio ternrnais efeito. A crianca tern que morrer mesmo",

Para se precaver contra os perigos de penetraeao do sangue,

c costume enterrar-se a placenta (ikhuoti) em um buraco fora dacasa, forrado com folhas e pedras duras e devidamente recoberto;a mae devera urinar nesse m esm o lu gar a te que cesse 0 sangue porcomplete. Ninguem se atrevera a p isa r em tal lugar, par medo dapenetracao do sangue em seu corpo (13) ..

peR~CO comer

Mm

(~

~. .em, . : n f l t ' m Q

- . . .OR IC£M

DOSANCUE

(13) 0 cuspe pareceria set' 0 anUdoto mais usado para combater 0

sangue, It com cuspe que 0 eurador lr' retirar do corpo do paciente 0

103

 

Para flao along arm os indevidamente a enumeracao, dispusemosalguns dad,?s em um grafico, Nele vemos que a periculosidade dosangue vana ao mesmo tempo com a sua origem, 0 modo de

entrada na unidade biol6gica (contato, derrame morte, ingestao)e com a resistencia dessa mesma unidade.. '

Isto se justifica parcialmente por ser 0 conteiidc das proibicoesligadas ao plantio diverso do do resguardo "comum",

Pando de parte este caso, a nossa primeira proposicao e que 0

resguardo seja ligado especiiicamente ao sangue.

Isto resulta, alern dos casos evidentes da menstruacao e da

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. Deve-se observar que 0 que esta em jogo nao e so a naomlst~ra de sangues, mas tambem a manutencao de urn sangueconsldera~o born e a exclusao do mau. Assim deve . ..e expelir 0sangue ruim que se possa porventura conter: para febre que naopassa, 0Krah6 pode se valer de sangrias aplicadas por consangtif-

neos, nos braces, na s pemas, nas coxas, D o peito, nas costas e ateno rosto, Crianca nao pode pisar em cima deste sangue: e estesangue "ruim" tambem que 0 curador retira do corpo do paciente,chupando e cuspindo-o em seguida em lugar seguro (e geralmentequeimado Oil cuidadosamente enterrado).

Alem disso os sangues menstrual e placentario sao especial-mente nocivos, enquanto 0 sangue de urn corte acidental nao terntao forte periculosidade; no entanto nao convern chupar sanguede ferida propria e rnuito menos alheia, pois 0sangue que saiunao deve mais entrar. .

Resguardo, jronteiras e [orca vital

Para podermos prosseguir, teremos de nos deter sabre apratica do "resguardo" (iakri = = fazer resguardo) e sua ligacaocom 0 sangue.

o termo, com qualificativos diversos, designa uma serie derestricoes, alimentares, sexuais e cerimoniais observadas par umaou m ais pessoas durante tempo que varia com a ocasifio.

Ora, as ocasioes sao: assassinato, defloramento, parto (bernou mal sucedido ) ~ aborto, menstruacao, perfuracao da orelha,corte do cordao umbilical, contato com sangue de cachorro, decobra, de onca, doenca grave au picada de cobra (etc.), e antlga-

mente a lavagem dos ossos para0

enterro secundario; possivelmenteplantio de certas especies, em particular 0 amendoim (14). Tere-mas de separar para a analise 0 resguardo do plantio que, por ora,poderia ser considerado como extensao do outro tipo de resguardo ..

sangue exterior que 0 penetrou (H4 Schultz 1949:6) .. Tambem e usado ocuspe, constantememe, para estancar 0 sangue da perfura~ao da orelha,

(14) Dizemos possivelmente porque lgnoramos se 0 termo geral pararesguardo e aplicavel neste case,

104

defloracao, de varias observacoes:

19) em todos os caSDS envolvendo perda de sangue, 0resguardo dura ate que esta cesse;

2Q) nao 86 devem observar resguardo os pais de urn recem--nascido mas ainda, se uma crianca nasce morta ou se a maeaborta, espera-se que tanto ela quanta 0 pai observem resguardoate que cesse 0 sangue;

3Q) 0 resguardo de um matador (panyBgate) pode ser consi-deravelmente diminuido se, ao inves de enterrar 0 morto, ele 0

queimar, eliminando assim 0 sangue, que e a substflncia perigosapor excelencia (15). Esta e a razao, explicitamente formulada, dese queimar 0 corpo do feiticeiro executado pela tribo (16);

49) 0 feiticeiro que matou atraves de seu feitico incruento naofara resguardo pela sua vitirna;

59) enfim, um informante afirmou-nos textualmente "0 res-guardo e feito por causa do sangue",

Podemos concluir que sangue perigoso derramado exigeresguardo, mas, por causa dos casas de doenca, a reciproca naoparece ser verdadeira, isto e, nem todo resguardo supoe derramede sangue.

Observemos que por ocasiao do defloramento e das regras,os parceiros sexuais fazern resguardo; quando da perfuracao da

{I5} OS Xikrln parecem compartiIhar a mesma representaciic: osguerreiros) regressando de uma expedi~ao,l postavam-se sohre pedras, nocentro da a ldeia e ao sol) para "secar 0sangue do indio kuben" ou "des-Iazer-se do sangue dele" (L. Vidal 1972b; 177 ) . Isto confirma tambem arefutacdo feita por Francisco de Paula Ribeiro em 1841~ da antropofagiados Sakamekra~ tribe timbira or iental que so fundiu com os Ramkokamekrano inieio deste seeulo. A antropofagla que Ihes era imputa da decor ria de

se ter achado0

cadaver do comandante Eugenio Antonio desenterrado,'~espargido s seus ossos, e tostados como que t ivessem sido assadas as carnesque os haviam coberto, e ate com sinais de haverern sido roidos (p. 300)".Objeta com clarlvid~cia Francisco de Paula Ribeiro que nao era essa"nnpreterivel prova da pretendida antropophagia, porque ainda que comeffeito Fosse por estes Indi os desenterrado 0 cadaver ~ como e fa etivel, parao queimarem tambem e mais factlvel que seus rues Ihe roesscm os OSSOSJI

dQ .que eles Indios the comesscm a came .... t,

- ( 16 ) Outra ramo que indicamos alhures (M. C~ da Cunha 1973)e provavelmente a de impedir raencamacdes.

105

 

orelha, paciente e operador; quando do parto au aborto, pa~~biologicos e mae, mas nfio 08 irmaos (1 7); quando de um horni-cidio, s6 0assassino pot razoes 6bvias. Disto podemos deduzir

que todos aqueles envolvidos diretamente no derrame de sangue

e ..omente eles devem observar resguardo.

e assim por diante. As categor ias tambem devem ser nitidamentedistinguid as.

Significativo e que. como T. Turner observou entre os Kayapo,as primeiras carnes permitidas sejam as de animais de couro iorte,anta, tamandua ..bandeira, boi ou seja aqueles cujas fronteiras sao

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Devemos entender que este envolvimento supoe os varies

modos krah6 de transgressao de fronteiras que exp l ic i tamos acima:contato tatil, e derrame. Alem disso, sangue mens trua l e sanguc

placentario sao ambos vistas como consequencias da transgre~saofisica operada pelo ato sexual. 0que implica que todos os parcerros

sexuais estao envolvidos. Esta concepcao explica urn curiosopostulado timbira: e 0 que afirma que as primeiras regras de

uma mo~a s o podem sobrevir com seu defloramento. Assim a moca

que ficar pubere antes do casamento e Iorcada a indicae seu amantepara a indenizacao devida (18).

Vimos que estar diretamente envolvido no derrame de sanguc6 expor-se a ser penetrado por ele. Isto leva a supor que 0

resguardo visa it protecao contra este sangue. Esta hip6tese seacha corroborada pela analise das praticas envolvidas no resguardo:para todos os casas de resguardo 0 principio subjacente e 0

restabelecimento do discrete: ingestao de cornida seca ou de cascagrossa (conforme os informantes: batata-doce, milho branco,

inhame, macaiiba (19»), farinha de mandioca, e e especificado"puba nao", abstinencia de carne que pode por acidente conterainda algum sangue (20), abstinencia sexual.

Enfim durante qualquer resguardo, nio e permitido misturar-sealimentos: comer-se-a 86 batata, de outra feita so milho branco,

(17) Os siblings 56 observant resguardo por ocasiao de doeaca df :um. irmao (hiiyakri, resguardo de doenea, hii~doenca) mas nao participant

do resguardo de parto (ipyakri).

( 1 8) Este postulado e valldo, alem de entre os Kraho, tarn he mentre os Apinaye (C .. Ntmuenda]u 1939~75) e entre os Hamkokamekr. i(C. Nimuendaju 1946:120) onde muito intrigou Nimuendaju pols contra..

dizia os fates de modo f lagrante ja qne as moeas dessa tribo casavaru rel~-

tivamente tarde, em geral depois d a . pube rda de..

( 19 ) A diferen~a do COCo rnacauba com o utro s c oc os tais 001\10 ha-caba e buriti reside justamente na casca, que nestes e amoleoida na a_g ~ i : . ,A casca do coco macauba ao contrarlo, e dura, 86 se podendo descasca-l : _ r .

com faea.

( 20 ) Urna apUcagao deste princlpio de eomtda seea esta patent - :na informaQAo inovat6ria seguinte: f lln io se pode come r came fresca de

caca , 56 carne e eca de gado".

106

bern definidas (21).

o termo Krah6 para pele e khii, que recobre extensa gama designificados que poderiam ser enfeixados na nocao de "limite" ou

"fronteira", Assim khii e tambem a beirada, 0 limite da aldeia,constituido pelas casas; kh6 e ainda casca de arvore ou de fruta,

couro ou carapace de animal; puriakhb e 0 l imite da roca (pur ~

roca) como parkhii e 0 sapato (literalmente, couro do pe , par) ekhreyakhii e a margem de um buraco (khre). A pele e paisconcebida como a "fronteira' do organismo ..

Assim, embora pcrsista pela vida afora a unidade biologica

da familia elementar, pelo faro essencial de seus membros

comparti lharem uma certa quantidade inicial de sangue (22), 0

intuito do resguardo nos parece ser, antes de mais nada, separar"biologicamente", restabelecer fronteiras entre sangues perigosos de

origem diversa: entre estes figuram em primeiro lugar 0 sanguemenstrual e plaeentario, 0 sangue de certos animals e 0 sangue doassassinado,

Devemos distinguir a obrigafiio do resguardo que reeai sobre

o s c on sa ng U in eo s m a is proximos, com conseqilsncias perigosas senno for observado, do resguardo voluntario, em geral feito como

prova de afeto que e freqfientemente praticado pelo conjuge e

sogros da pessoa envolvida ..

E porque os fates Krah6 diferem dos Apinaye, onde naoconsta que baja resguardo por ocasiao de um aborto ou de urna

crianca que nasce morta, que na o podemos apliear aos primeirosainterpretacao dada por R.. Da Matta (1971:32), que escreve:

"a chamada couvade portanto, ao menos na sua expressao

(21 ) T. Turner (1966 :475-17 ) apontou de modo brilhantc - apartir de fatos aruilogos e da teoria kayap6 de que a inobservdncia de

resguardo acarreta doeneas de peIe - a importlncla entre os Kayape, ciapele como fronteira fisica e social de um individuo. Veremos mais adiant t~ate que ponto os fatos krah6 di£erem Ott corroboram os fatos kaiap6. Naocremes seja possivel ligar essa preocupaeao com a pele como frontei ruindivid ual co m a ti po lo gia q u e Mary Douglas estabeleceu em Natural Sy zn-

hob (M~ Douglas 1970) t quando mais nlio fosse por que nao parecoexistfr n en h um a c au te la ligada ls outras i:~entradas e saidas" do _ corpo,

(22) W. Crocker (19M! 167) afinna que, para os Canela, os "'~pa.rentes' compartilham UIP mesmo sistema sangdineo,

107

 

Apinaye, pode ser considerada como urn rito de passagem, ondetanto os genitores quanta 0 filho (a) estao numa posis:ao marginale perigosa, Ela nao s o define, poe em foco e racionaliza os lacos'entre genitor, genitrix e recem-nasc ido, como t ambem uma area oucampo social que devera ser ocupado por uma familia nuc lear

mos de uma informacao que, embora isolada, nos parece signifi-cativa: e a que diz que "os mortos. n an r e m sangue", ja que este"coalhou quando morrcram", Nao sabemos se, como entre osBororo, esta forca diminui com a Idade e com a tncontinencia,mas ha razoes de pensar que este e 0caso, ja que a inobservancla

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totalmente estabelecida" . Roberto Da Matta ainda distingue asprecaueoes e abstinencias do parto que geram 0 que ele chama uma"comunidade de substancia' na familia elementar, liquidandoIronteiras, da abstinencia por ocasiao de uma "comunidadeaflitiva", doenca e assassinato, que reordenaria fronteiras. Con..forme vimos , tal distinc;ao na o e apli cave l aos fatos kraho, onde

a cada vez, 0 res ardo implica 0 restabelecimento de fron iras . ..~~dllaiL£2.~grome!i a S 0 1 s ~ ,p.!>rl:_.! : . . . ~ a : ! ! ! ~ a a::_~!.~e.

:e de se notar que Terence Turner tem uma interpreta~aoinversa da de R. Da Matta: para ele como para nos, 0 resguardodo parto destina-se it separacao dos individuos envolvidos: pai, maee filho, JN o entanto, os fatos kayapo, onde , ao contrario do que seregistra entre os Kraho, os fi lhos llao fazem resguardo pelos pais,onde os siblings participam do resguardo do parto, e onde 0 sogroe sogra observam resguardo por doenca do marido da filha, levamTumer a concluir que a abstinencia alimentar e observada poraqueles parentes cuja posicao pode obscurecer os Iimites de ego,·enquanto se r social (T. Turner 1966:477). Nos Kraho, foi 0 que

procuramos mostrar, trata ...e de garantir nao as fronteiras socialsde urn individuo, mas suas fronteiras enquanto organismo, atravesdo que no s chamariamos s fmbolos bioI6gicos (23).

Este sangue born que deve permanecer nos estritos Iimitesde cad a individuo e cuja diminuicao desestrutura 0 corpo, pareceser a reificacao de uma forca vital , semelhante ao rakare bororo,distinguindo cada individuo (24): esteando esta hip6tese dispo-

-

(23) Isto e reforcado pela observacao de Melat ti (1970~133), .de.que s a o so os pais (incluindo os que "ajudaram" a fazer 0 filho), filhose irmaos biol6gi c os" e nao os classificat6rios que f azem resguardo por·ocasffio do nascimento, enfermidade ou ataque de animals venenosos,

( 24 ) Enquanto os Bororo tern no rakare uma nocao independente de'Sua manifestaeiio fisio16gica 11 os Krah6 nfio parecem dissociar 0 velc ul o que6 0 sangue da ideia de fo~a vital, para a qual n a o tem urn termo proprio . .Para os Bororo, rakare e Ulna "forca on substincia vital" veiculada pelo

sangue, 0 semen, 0 leite materno e 0 : f luxo menstrual. A ausencia derakare coincide com a morte, ~ rokare do semen e do sangue menstrualque formam 0 £eto e muito rakare dos pais e gasto em cada ato sexu al:n e ste entram em contato rakare antiteticos cuja conjun~ao J .. Chr. Crookercompara a uma descarga eletrica ( J . . Chr ..Crocker 1967:55-69) ..A analisedas nocoes bororo cond uz Crocker a conclusoes urn pouco diferen tes das nos. .

108

dos resguardos e portanto 0 enfraquecimento dos Iimites fisicosleva, segundo os Krahn, ao embranquecimento do cabelo. Aponta-yam-me Ituap, cognominado "cabeca branca", como prova destafunesta conseqiiencia: ele havia passado longos anos fora da aldeiae os regionais te-lo-iam convencido a nao seguir as resguardos,

. Para voltarmos ao nosso ponto inicial, podemos agoraentender que 0 organismo cessa d~ existir quando se exaure suaf_2!£_~. vital, ist(i~-e,-quanao'arcarne a c a b ~ ' ·O e - s eccir romper e com -,.~

~~~.Qesapare~.r ~_~sang1!eque(£on~j~ g . i~9~!.~¥.J~~~st~~~~t~aRloeriao'f) para as exequias defi Ii It i vas . .

. ._ . _ _ _ . . .. .. - - . -. .. .. .. .. .. .. .. . ~ : . £ .O . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . r

~el'q~~¥O~f,~~~e~-"i~d~l!~~~~~~~~@i~c:acada~E, (Z5?, e -~~~~,~a.!!!_g~ P.~~,P!~~~!,.. ligaaas a T a va g e~ _~~QS.SCSL; a It1Z d o q ue acabamos de ver, 1.61mt.£!!W etutJ ' - q r m 0

resguardo do lavador de ossos se refere ao contato com 0 sangueque el e e encarregado de eliminar, alem de remediar ao contatocom os mekaro.

sas.' ··t.~A rninha hip6tese e que ocorre perigo ritual quando todo 0 rakarede uma pessoa esta "exposto' , tal como 0e pelo sexo, nascimeoto e morte,a um con tata com 0 'outre mundo" Oll quando esta simplesmente fora dapessoa" (p.. 69). No entanto, ele mesmo da. indicacoes de que a confusaode .categorias e temida, por exemplo nas proihi~es alimentares depois dop a rt o, s in g u la rm en te semelhan tes a s proibicoes do Leoiiico (p, 72 ) ana li -sad a s por M. Douglas (1966) . . Mas a convergencia dos ncssos resultadose tanto mais signmcativa que conduzimos nossa analise sem ter conheci ..mento da de Crocker. Ainda entre os Sanema-Yanoama defrontamn-noscom representacoes analogas ligadas a ideia do hikola ou Iorca vital: "en-

quanto dure a podridao da carne e dos musoulos, nos quais cireula va 0sailgue, este elemento vital pr.incipal dos Sanema -Yanoama, h a ameaea de

contagio~ 0 contagio de uma forea vital temivel e agre5siva~ a do hikola

sol to e desorlen tado do defunto" (·D. de Barandiaran 1967: 30) .. .

(25) Ao cabo deste de s envolvimen to sobre 0 sangue, folhe .ando. 0

caderno de campo de rninha primeira viagem aos Kraho, em 1970~ veinesta . anotacao que nunea mais relerai "o que importa e 0 sangue no res-guardo do . assassino, este tem de se defender do sangue do morto. P orIsso no enterro seoundarto ja nao existe periculosidade no S ossos que po -dem portanto £icar em casa", Ism rna foi dito por R ..Da Matta, que voltavado s Apinaye~ e que en contrei num onihus na Belffin- Brasilia. Evldente-mente a ideia frutifieou embora a tlvesse aparentementa esquecido ..

109

IO-M..D. 

£ significative que nenhuma proibi~ao Oll resguardo recaiasabre os coveiros mas unicamente sabre os lavadores de ossos qu-cprovavelmente seriam as mesmas pessoas,

Costumava 0 lavador, como 0 assassino, dormir atras da casa

e evitar contato com criancas, mais suscetiveis ao ataque das

Seria de se esperar en tao que houvesse urn tercejIQ termo

mediador entre sangue e ossos, e teriamos de procura-lo tambem 'p

ao nivel das qualidades sensiveis. 0 (DIego ou ~~soprovital" poderiacorIes onder a tal termo, ja ue sendo ar se cltferencia ao m!siliO ~

~'p,2__ 0 san e 1 ossos sohdos4 •

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almas, Segundo u rn in fo rmante, 0 lavador d ev eria to m ar 0 suco

·c esfregar as maos nas tolhas de varias plantas, das quais uma co pephiikakoho, usada no ritual de inicia~ao Ketuaye para recon-

fortar os novices atacados pelas almas,

Para se desfazer do contato com 0 sangue, 0 lavador devia

se restringir aos mesmos alimentos que ja conhecemos: farinhade mandioca (puba naol), macaiiba, batata-doce, milho branco .....

Segundo 0 atual padre de Pedra Branca, ate satr a pestilencia(ikroti) da carne podre, que adere ao lavador de ossos, este na ndeve encostar em crianca alguma: se esta cheirar .Q ikroti fica

amarela, definha e morre,

Tiremos algumas conclusoes.

No ca ftulo I dis ue 0 kraho quaHfica de ratiJk

_aq~ele cUJ 'L eg~ e cora2ao cessar~m1 ~_.A __ .~__:'-- ' s~2..~xi!P..!l~a~mente--~steestado po~,:,mortoH. N? el!ta!1~o..!~p~~~r~~..g~~_~"ttfo~a vital" contInUal) a I e it o r a nism o, au at ent:e - = . .

a s gue, polS r co sao equivalentes: .."_ . . . . . . . . . . . . . . . ~

a mOl e nsuma 0 -=1!!i::vi82 ..1!es!.eW';" SQ. egtio_"alalente_~.sa--&··

, ~ l S D s : Dla:"so: enquanto 0 sangue define also gJOlQ UQl.

uindividuo bioI6gico'· os ossos em ser 0 sustento de uma,no~ao de U er son a , e ur n conjunto de

110

O ra 0 f61ego parece ir mudando progressivamente na motte,e poderiamos caracterizar esta mudanca dizendo que de irnpulso

interior de se tornar impulso exterior, ja que se atribui a s vezes aosmekaro uma resplracao parca e uma ausencia de movimento

proprio, impelidos que seriam pelo vente (vide capi tulo VII).

Mediadores realmente entre corpo e sociedade seriam os

mekaro, individuais ate certa ponto e ao mesmo tempo pseudo--sociais como tentaremos mostrar que sao no proximo capitulo.

Talvez resida, de certa forma na sua pos icao intermedin a

impossibilidade dos mekaro de conciliarem, como verernos, aconsangiiinidade com as exigencias de uma sociedade ..

III

 

,CAPITULO VD

.

[ 2 dentro de um mesmo conjunto de crencas, pressupoe uma ideologia.monoliti~a. Esta dific?l~ade ~ode, no entanto, ser contornada, por

[uma" vanante da posrcao a~lma, que vt! nas representacoes algomanipulavel por grupos de Interesse aderindo a crencas distintas ..

/ ~ A m b a s , xa~p~~ ..PCLepl!!fY!~:u.l.an\:.Q..~representas.Oes sao, ~

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r A escato logia pede ser definida com o ur n conjunto derepresentacoes relativas 30 destino post mortem do homem. Talconjunto faz parte de uma heranca cultural de um acervo dasociedade, e nao pode portanto, como assin~la Max Gluckman(1937 ~117) ser tido como uma resposta individual a ideia de

mo~te. Esta p...s i « , ; i i o . " que hoje nenhum antrop6logo poria emdtivida, tanto e enraizada a heranca durkheimiana, leva a novosproblemas, que se podem situar no contexto mais amplo do estudo=.represe~ta~es simbolicas: posto que a escatologia e urn

{ conjunto social de representacoes, quais as relacoes precisas entrelela e a sociedade?

A esta p-ergunta foram dadas, pelas escolas antropo16gicasque se preocuparam com a "Ietra" das crencas e nao apenas comsu a fun<;ao o~ manipulacao, !Cspos!.as que talvez pudessemos~agrupar grosse~ram~te ;e"mdais dogmas. 0 primeiro afirma quelas representacoes simbolicas reproduzem a sociedade: um autor

que ~e debrucou sabre problemas escatol6gicos, ernbora nao

propnamente sobre seu conteudo, Raymond Firth, escreve limpi-damente: "6 intrfnseco ao carater da crenca religiosa que tenha

alguma relacao com 0 estado da sociedade em que vigora.. Estasa finna D es sob estino da a lm sao reafinna~5es. da estruturasocial, em niyel simbolico" (R. Firth 19 5: 22) . urkheimianos e

neodurkheimianos admftem uma projecao da sociedade sobre

as representacoes, esta refletindo algo como a morfologia daquela.t {Uma interpretacao de ste tip o nao explica o bv iam en te v ar ia co es

112

Escatologia

"Nons autres, civilisations, nons savonsa present que nous sommes mortel-Ies .. < t~ (P. Valery)

Rejlexo e reilexiio

[

\

1 . ,

/

L ~ a lsuma maneira, reI§_'E2sja ~i~ -~ ...,...•~.,..,.....-"........

((7 Q segund<r-[ogma afirrnaria a independencla relativa de) ~I representac;oes e so~iedade, na medid~ em que a propria sociedade

' / ' 1 I pode tambem ser vista como urn conjunto de representacoes sabrerelacoes sociais, e ambas dependendo em ultima instancia portanto

I da 16gica simbolizante do espfrito humano. Nesta perspectiva, al._ nalise da "Ietra' da s crencas nao se prende a s representacoes

como sfmbolos - isto e , alga ligado intrinsecamente ao quepretende significar - mas como sinais, cuja relacao ao objeto e

," aleat6ria e que s6 adquirem sentido atraves do sistema como urn. J ~!odo (cf. J" P. ~~rna~t 1974)~ Dat a possibilidade de admitir e: L lmcorporar na analise divergentes versoes de u rn m esm o m ito .

/ Os antropologos tambem ja estao habituados a pelo menosachar, senao considerar, variacoes apreciaveis nas teorias escatolo ...gicas das sociedades que estudam. Dentre eles, Raymond Firthparece ter sido senao 0 primeiro a aponta-las - 0 privilegio creioque caberia a A" R. Radcliffe-Brown (1964 [1922]:168 ..170) -

pelo menos 0 primeiro a tentar analisa-las, acabando por atribuiras flutuacoes na escat010gia dos Tikopia a difereneas "estruturais'isto e ~ a variacoes na posicao do informante na estrutura social.Sua f un { rao seria pennitir diferencas de interpretacao de acordocom os grupos de interesse (Ucommital of interest") ..Em situacoesde mudanca, como na conversflo dos Tikopia ao cristi ani smo,crencas escatol6gicas conteriam ainda um juizo de valores de cadafac~ao on tendencia sobre a fac9RO adversa. A Inexistencia de urndogma unificado permitiria enfim poder jogar sabre estes doisteclados, 0 situacional e 0 etico, sem desembocar em inconsistencias(R. Firth 1955:23, 44-45 et passim).

A analise de Firth supoe que se possa consistentemente

correlacionar 0 grupo de interesse do informante com sua infor...r ' { m a c a o . Ver-se-a que 0 material kraho, que exibe assustadoradiversidade, nao e passivel de tal correlacao, Resta a opcao desuper que a consistencia na escatologia krah6 deva ser procuradaem urn nivel subjacente a informacao, evidenciando-se prlncipios"que regulem 0 surgimento inesgotavel de novas versoes, Vereinos\ que esta escolha nos leva a descobrir na escatologia na o apenas 0i reilexo da sociedade que a originou, mas tambem e principalmente--uma reitexao sabre ela. .

113

 

As [ontes

Entre os Kraho, 0 dominio do consenso sobre a existenciapost mortem e, a primeira vista" muito restrito, embora em seusestreitos limites seja part icularmente forte.

por mais aparentemente desconexas que sejam, Metodologicamente ,o que tentaremos fazer e , a partir das informacoes confirmadas,procurarmos evidenciar os principios subjacentes e usarmos asinformacoes isoladas para testa-los.

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Ha, em p rim e ir o l ug a r, varios mitos que fazem intervir ~smortos ou as metamorfoses que sucedem a m orte, m as su a auton-dade "em sempre e invocada. :- -,

conheciifierrto-di 0 e.-reSefva 0 a uma categona_ pessoas os akriigaikri: ou "cabecas leves", que com eles tem{' · bri a1_; d1 a experiencia pessoal. Esta categona parece r~o or, em os~ curadores que js receberam seus poderes, tambem as curadores~ em potencial. Tais pessoas podem entrar em contato com o~ mortos,t . , falar com eles, ir ate a sua aldeia e no entan~ co_nse~~~r Y Q I ~ . ~ r 4 .

s curadores nte Cl aaos ~Como-~autoridades n oassunto: costumam se vangloriar de mirabolantes in~ursoes...e sa otonte de inovacoes constantes na escatologia. E ss as m o v ac oe s noentanto nao sa o necessariamente aceitas nem perpetuadas, Elas. se rv em d e c erto modo para atestar 0 conhecimento de visu que os.curadores te rn d os mekaro e firmar-lhes 0prestigio. Mas podemosdistinguir nas versoes dos curadores principios basicos que, ligadosa tradicao, lhes atestam 3. autenticidade e perrnitem a . inco~porac ;ao

de suas h is to r ie s . Es te s princfpios serao analisados mars adiante,Outra fonte de especulacao sobre os mekaro, esta a o a lc an cede cada urn" sao os sonhos. Karti e t raduzivel, como ja vimos, maisp re cis am e nte p o r "imagem' e as imagens vistas nos sonhos saoportanto mekarti. S e em sonho vemos gente, isto e , imagens tendoc e rt a s a t iv idade s, cacando, correndo co m toras etc., isto pode se rprova suficiente para deduzirmos q ue os mekaro tern tais atividades ..

E xistem ta m bem recorrentes hist6rias de Krah6 qu e sedefrontaram com mekarii, no mato ou no ribeirao. Esta e sempreuma experiencla individua l ~ j6 que os mekarii aparecem a quemesta s6 - que e em seguida comentada e confrontada com ao rto do xia p ara se d ec id ir se 0 encontro foi realm ente com q uemse supoe. . .

D e vem os e vid en te m en te c ritic ar as fontes de acordo com aposi(t!o do inform ante e a origem da inform a~o (visao decu rador, sonho ou "tradicao"): todas estas fontes afetam m assao ao m esm o tem po afetadas pelas representacoes vigentes

r ela tiv as a os m o tto s. Embora p os sam o s e Ii m in ar e ve ntu a lm e nteinformacfes "aberrantes' quando estas s a o 80 mesmo tempo

isoladas e contraditas por outras, devemos procurar construir nossomodelo de tal forma que d e conta do conjunto das informacoes

]14

\.\\

As metamorioses do karo

Vimos, no capitulo I, que 0 karo, ao _Pespren~_f"'~ dohomem~ torna:se-- f'&£ "'«SSiIII ·-dizer---uma' ~"iii~&.~~I. JiY!$~~n ! 9 _ ~cire!£ji"sffifa,J~~.~~Q~Q:x;m=JLimnC-rQOua p Ie c i s a, ·lllaS._J~l~

E~iw.Qkar~t~~P-9.4~.a~~~.1p~! .~ . ! l~~]q~~~..~.:~ eJlt~,.as~lames entao 0 karo nunca se a c h a d e sp r ov ido de m[terla. eJe.. D aoJ ! ina~:~ im,: '~~~e@?,~",~ ,~~-~".~ -~- . . ._ . "~ 0 kayo "livre" e passiYel de q'Jalq.u.e£ metamoffo~~) 110

entantO,-e-dlto ' a o - m e s m o t e m p o que se n ~P~~!g_.\,~~i~_,c,O~.~~~Bl~ e m queSeenc6f1tra~"fj~".1m!'IaffO podem .~}~O,

morrer r e l t e r a o a s ' " ' v e z e s e r h_ e am en e a aparencia O e

afumais·~ grand~> POrtt· j . i j i fu i~.pQiif .m.~1ft !1! ! t ! !cs<Eiv~:~!~!em ~~J_~~~~~_ .tf~~~.u.~~~~~!!,~~~i.~.5:.~!~·_.~e,~lUllesvaria ~SJ!ll~I m l i te . .com caca In orll1,a!l1~·

_ " _ - • 7 - i 7 ._ - . . .. : . . .. . r __ ~ . _ i- I • •

. ~ _ - Vm a informacao C ( j " 1 I 1 i d a po r Vilm a C hia ra de ur n c u r a d o r ,

menciona a existencia de mekaro multiples, cujas mor t es suc es s ivas

levam a s tr an sf orm ac oe s d e estado. Justifica assim atraves de um ainovacao te6rica os estagios tradlclonais do s mekaro. "En estouvivo, tenho quatro karo. Quando morrer, tenho tres k?TO aind..a.Um ana depois (i..e. algum tempo depois) morre um, ficam dOIS.

o terceiro karii vira p o (veado-galheiro). 0 cacador de veadomata, ele ja us a asa, vira kokonre. (passar_? coa?), anda d~ noite,vira c obr a . . Se matar de novo, vira veve (borboleta) , dia vernchegando vira to co, lagartixa; se bicho m ara , at..pronto, acabou~Se fica na aldeia (de mekaroy nfio acontece de virar. Mas mekarogosta de andar, a te que acabe os mekarii dele, ai acaba tudo.

t

'

(Comunicacao pessoal V. Chiara).

Daqueles mekaro que estao n a fo rm a animal, alguns sao bichos

de caca, anta, veado, papa.. .mel, tatu, etc. Deles se dira que "naotern gosto", que " tern g os to ruim" ou que sa o "magros", mas suacarne e c orn es tiv el , A p en as u rn curador a firm ou qu : ~ came d~tatupeba (autxet) quando este e urn avatar de mekarii, e azul e dador de barriga.

Segundo um inform ante de Melatt i (1970:211)~ esta carne,c on s u m id a p elo s p ar en te s e a causa da se m elh aa ca d as cnancascom a q ue le s q u e ja m orrera m : os mekaro, a fin na va ele , se re en ca r-

115

 

nariam nas criancas, no ventre de suas miles. Esta is a 6nica men~aoque temos de reencarnacoes em humanos, e talvez seja prudenteacolhe-la com reservas,

Mas os mekarii que suscitam algum interesse e que interagemeventualmente com os vivos sao os que se encontram no primeiro

{o sol quente (2); de dia, ficam na aldeia m as vagam pela mat ade noite,

S Em particular os mortos estao ligados a cor preta, tek;Ladjetivo que significa ao mesmo tempo "morro". Assim tep tek etraduzivel altemativamente por peixe preto au peixe morto; eratek, onde 0 prefixo ra des ign a estado, significa "defunto" ou

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estagio, e, salvo mencflo contraria, e destes e somente destes que

estaremos Ialando quando usarmos, de ora em diante, 0 termo.

N an devem os necessariamente ter es t as representacoes porcontraditorias embora cause escandalo afirmar ao mesmo tempoque 0 karo se metamorfoseia livremente e que e cerceado em

formas que dependem de se u estagio: se pensarmos que sao estasaf i rmacoes em niveis on dominios distintos, a contradicao se desfaz,

(~A indeterminacao da forma do karti livre, isto e , daquele que naoI mais se liga a urn homem vivo, se refere a dissolucao progressivanele do elemento pessoal: veremos que a "Qessoahah6 reside

· seu co 0 e assim seu karo, uma vez liberto

9!sso]ye os l~s com 0 como que e emprestara.llma fo~ m]is._estavel. Porem 0 que dizem as formas dos mekaro em seus sucessi-vos es tag io s , apequenando-se, tomando-se Insignificantes no sentidoproprio, · e que ha, de certa forma, uma deterioracao, uma involucao

do que fora u rn dia a imagem de urn homem , e is to se re f ere a u rnoutre nivel de ideias que 0 resto deste capitulo esforcar-se ..a p~r

esclarecer. . ,

•a espa~o dos mekarb

r 0 espaco dos mortos e complementar e oposto ao espacoI . . ,

/

J

1

dos vivos: "a Lua (Pedlere) e 0Sol (Ped) dos mekaro", disseram

frequentemente os informantes. Os mekarn gostam da escuridao

do mato, e nfio da chapada ou do "Iimpo' (po), que e a paisagem

lonita por excelencia para os Kraho, e corresponde a vcgetacao

dosope do morro. Os Krah6 sao ate chamados pelos seus vizinhosCanela e Xerente de Kenpokhrare, l iteralmente "filhos do l impo

lOmorro" (1)..Os mekaro, em contraste, comprazem ...e em lugares

reconditos e escuros, nos dias de inverno (i.e. da chuva) e teme~

- ,.

{I ) Nimuendaju (1946:26) menciona corretamente Kenpo1w.teye co-mo designando as aldeias de Pedra Branca e Pedra Furada, mas traduz 0tenno por ,...hose of the flat rock", quando a trad u~ao exata seria "os dolimpo a o morro"4 Deixaremos de !ado neste tra balho a discuss.5.o da S suD- +divisoes tribais e seus nomes. :~ :

116

"finado" e precede a mencao do nome de urn morto.

"A'tuk" (= atek, 0 prefixo a e urn possessivo) e alias 0nome que Nimuendaju da a metade Ramkokamekra justamenteassociada aos mortos e ao preto, e que corresponde a metadeKatamye entre os Krah6. Fica assim esclarecida a l igacao queMelatti apontou entre as metades Canela e Krah6 (Melatti 1970:319) e p ara a qual faItava 0 elo constituido pelo significado dapalavra atek: au a'tuk.

Segundo Levi-Strauss (1966 [1955]:207) os Bororo acreditamfque a cor preta torna invisivel aos mortos. Urn Kraho, por sua)

lez,afirmou-nos que os mekarti tern medo do preto: porisso Q < r

assassino passa carvao no corpo inteiro enquanto dure 0 seUJresguardo, para que 0 karo de sua vitima, assustado, se afaste,Assim tambem, por ocasiao de diversos rituals, aqueles que estive-rem mais vulneraveis aos ataques dos mekaro, tracam, POf precau-~ao,. riscos pretos no canto da boca e no peito. Bnfim, na s criancasja "durinhas", desenham-se pintinhas pretas com brotos novos

de pau de leite que nunca tenha sido usado (afim de que a crianca"nao estranhe")': esses desenhos sao feitosepara que "os mekariinflo peguem na crianca" e a "assustem",

L( ~ Note-se que para os Kraho, 0 preto nao corresponde, deforma alguma, it ausencia de cor, esta sendo hakati, que design a acor da pele, da cestaria, a cor cinzenta, branca, beige, numa

{

palavra a ausencia de pintura. Do mesmo modo, a escuridao, a.~noite (alias "as noites" no plural: augapot) nao sao descritasnegativamente c om o a use nc ia de luz, mas positivamente como-seres que, de dia, se retraem e escondem nos buracos do nariz,por baixo das pedras, nos ocos das arvores, nos lugares reconditos(informacao oral de V. Chiara) ~

~

.4 Nao entraremos aqui no problema das cores que merecenaLestudo separado. Em relacao ao pre to , ao mesmo tempo temidopelos mortos e a eles associado, a primeira interpretacao que surge

e it. qual nos ateremos e a de uma defesa "par mimetismo", e a

(2} Por isso, explicou urn curador, para tentar reaver urn karD quesbandonou seu corpo hospedeiro, n a o se pode deixar 0 cadaver no sol"quente, mas sempre em Iugar fresco e sombrio.

117'

 

explicacao bororo se enquadra convenientemente. Mencionemosenfim que 0 antonimo do preto, como em outras tribos J~; e 0

vermelho, intepti, associado a vida, e que significa tamberu"maduro" .

{ as mekaro, dizem-nos, quando vem a aldeia dos vivos, nuneaalguns, no

Tr~£~.~~,_.~~~ _~1~..~~_i.~.,..?S ~~_~_~i!.~.~.~~!J.P-!..~~ contato _~OU1 .pessoas que e ~ ! M t _ s 6 . 5 .. .. ~ _ P Q r~ssomuitos sao os que nao ~_aventuram~~@_tp~!.~ ..P~~ temer-Ihes a encontro J lQWm.o -{5} t

Vem os par este conjunto de rep:esenta~~s que...,os ~l?~.p§_JiQ_tidos como '''exteriores'' em relacao a . t ; :omuwda.d~ ¢..~.~.-.ij9.~!~t.4q~,~

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krikape, caminho circular que passa a frente das casas; segundo a

maioria, &6~~ nas casas.p!?los ~'fundos", ~to ~ pela,P2rta g~.d B . para 0 m aio ~ ue muitas vez ..... ' e _n eVitar-lhes a_ .1 pcao. sta porta po e alias ser chamada de atekrumpe ar wa~iiae 1ilfrKwa aqui significa porta (harkwa

etambem boca, lingua-

.gem e cantiga) ; rumpe indica direcao e atek que significa "morto"e "preto" designa aqui 0 "mate' (mato e normalmente ir6m). Narealidade, portanto, a e x pr F~ ss aQ s ig ni U ca l . .~!,~er;tt~,_''-po ..ta no _ ..!}lmO dQ OOQtt,,:' w -

[gm oumS pa]avqs, ~u os~m~.!.~osa£..£~~ados_ ao...!~rior

92 - espa20 , .§Qcial da ..ldeJli:WJ, m : g j j j f m a d Q ~ l!~~S~~, domesu<:a'.··Veremos que esta irternativa, que se reencontra em ouft6s"nfvets,e por exemplo na associacao com 0 oeste ou com a aldeia do

enterro, depende da perspectiva em que se coloca a especulacao,

, 9s mekaro t~m aparencia humi:!a. !l1J.ID!doestao em suaaldeia, 'O!! duran,t~"!J!oi!~,iiiDdQiOstam,q_~ an~~,~_!~~_9d~a

s surpreende fora de..JUJa aldeia, t ra n sf o rmam . .s e .e m ~UJp1.~:'s e J akokoiir~'(p~!ii"Q cOil .. . ._~q;:gytret~~i.ijleba~:ue cav~.,s,l!~oea e$._s;warss..e(3) ~£ja . k D f i w . q . w U Q ) . le r _!!li~ginp~ ratvez p~r i s s ose lhes tl:trihua receio de cachorros e gatos, e medo do esl~dnaasespingardas e o o - s · l a l i a o s · -ct"S'tAe~~-Poru t i o ~ · T a d o : · - L o s -l~~~Q~~gentam-nos das ' C a s a s do s VIVOS e relegam-nos"a6"·~esp~o-ext£riC!.~_.a ' a IdeTa: -Me!f tlC>·D~11l i2Us~clor ia - -_ 1 ! e ' " ·o s - -m o m r s - temem,; U 6 i j1 - t l i? t 1@ ~ ,A .~~~ij;l-<!t . 9 g , . " E F ~ " i § / ' t ! S · f i r 1 i i T o n i i a ~ l o " m tcontestada por nossos informantes que argumentaram que os mortospassam a maior parte do sell tempo cantando e dancando ao 80mdos maracas dos seus cantadores. No entanto a in formacao dadaa Melatti pode perfeitamente ser entendida como se referindo a

e_!£, !~sao dos mekE.!£jQ.~.pt~~ ..d_~~\jY9j~i~<Q.,.mar~£le..2.q~c~iR s t i : z i m e n t o 'fiiiiiical aue nunca StUaa aldeia (4) t• -1 . _• I ~ H~ . t -- . .. . ~ . .. .. . ~ . .. .. .. " " '= • • , . , . . - . . .. . . .. .o III II l: : : : 4 ~ ~ . ~ ~ ~ ~ ~ - . . .

(3 ) ~ deste tatu, cu jo eplteto e regularmente '"'0 comedor de eada-veres" que se precaveem os K:rah6 forrando 0 tUmulo com pans. Segundourn Informante, dis tingue . .se dentre os tatu pe bas necr6fagos pela cor do~lo da barn.ga~ que nestes e preto em vez de branoo.

(4 ) Para os Xikrin, segundo Lux Vidal (1972 ~148 )" 0 maraca estasimbolica mente Iiga do ao centro da praca.

118

V i vos ;S O a pa recendo -~. ,_U e m . .es t i l · tempo r ar iamen te se gregado desta, ~c ? i f i i u n t 0 espaco social que a significa ..~ P • - _ •

A oposiciio vivos/monos

\~ b.~ .:Q ~~ ti4.u ~a.mlwdo Q .. 2 ~ 1?o~~~~~~mel~a:se a l?~ss~gemLpjl:~a~Q campo_ad.Y . .~ rso , . .g1!aQ4Q._-Jl~__~ ~ . , . 1 J : i . ~ 1 a . _ .;r~J~_9~ }~~_~o_ em.t?-.~~~~outras socieW!a~~.~_.~~~!~,~._ ! p . ! ? ~ ~~_e.0 ~~ to es ta particular-mente bern de~~p.!Q, . .para-cs. CaiDg~!1g_es.tudados por J. Henry

( 1964: 67 · s · s . j:" ~.~parentes recrimi~p. _.~_E~~.~~~._P.5~~.J~19S .aban-r_do~ado! .~2 _~~s~g. , .t.~roP~~R1!~~~]_4Q,'1_~~~. ~ _ _quecer dos seus:~0 corte deve , ,. . s e x_ . s ; .Q u s u m . a d o * , _ ~ v: para tan t0, oferece-se ao karo

. , l i i n i h i f o " uma derradeira refeicao .~,,~ 0 contenta .u~~ Ultima vez• _ j ~~= I •

~ com 0 ritual de eticerratberito~d6luto, ...... • . ...... - ......... !- -I "::-- . .............-,.........-.......... :. :. _' "

A analogia entre as rupturas ocasionadas pela morte e pelocasamento ja foi observada por Melatti (1970: 163) que escreve:

"Ha pois alga em comum entre os termos de afinidade e os ter?1osdos mortos. Isso parece ser 0 reflexo de algo comum que existe,iambem, entre 0 comportamento para com os afins e 0 comporta-mento para com os mortos' (6). Parece-nos que esse "alga emcomum" na terminologia a que Melatti se refere seja a disuinciadenotada pelo tratamento ye, e que convem a arnbas categorias ..

Analogia s eme1 ha n te f oi evidenciada pOT Maybury-Lewis entre

os Xavante (1967:291-292) como expressao de uma dicotomia

. . . .

(5) Nessas ocasices, urn modo de se afugentar os mekarii que tnuitotemem os estra ngeiros {kupi )~ e ussob ir a rnoda destcs, distin ta do as-~Obi ar Krah6.

( 6 } Varios termos para parentes mortos sao constituidos pela adjuncaodo sufixo ye 30 tenno de parentesco aplicado 30 parente vivo (Melatti1970; 126-127). Ora, como em Can ela e Krikatl , 'Ie e 0 tratamento cerimo..nioso, na segunda pessoa do singular l' em eontraste com ka que denotainfonnalidade. "Em relacoes com uma pessoa a qual s e dirige pOT !Ie, 0locutor deve expressar semple respeito e honra e nunea descortesia . . r

Por exernplo, mna boa mulher cauela nero deveri a falar a seu f ilho sobreo· s casas smorosos de sua esposa pais ela deveria se sentir 0brigada pelahonra de proteger sua nora a qual ele se dirige par yl.l' (W. Crocker1964:30) .

119

 

subjacente opondo 0 "n6s" ao "eles". Se aceitarmos, como deverasaceitamos, 1i Inierpretacao-ae Mayb'ury ...Lewis, a correlacao vivos:.mortos: .consangufneos.afins nfio nos autoriza a deduzir nenhumasemelhanca entre os termos vivos e consangufneos por uma parte,e mortos e afins por outra, A semelhanca est a na relaciio, queconsiste numa oposicao em ambos os casos, niio no s termos

.Os mortos e a consangilinidade

, Sao os arentes mortos e especialmente os consangQineos

J1;1_~~riI3tera~.g,~_~J .. Q_ ~J1 e--P3,!a;{,ev!-~Oa a I d e 1 : : [ " 'o Q S mekaro Sao eles tambem os que tentam rete-lo l a ,r n d l i z r ~ r o ~ - aceitar comida, a participar das corridas de tora s, a so

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em si (7).

Os mekarii opoem-se portanto aos vivos e reciprocamentecomo imagens especulares, e e 0 que se depreende da af i rma~acque fez, certa feita, urn curador: "os mekarti chamam-nos de_

mekaro, eles nao se cham am (a si m ~ s i n 9 s r a e ~ m e k ' a r o ;les ternm e a a · .. . .. .. .. ..S ) . , . ~ ' . ~ - . : . - . . '' . . ~ " ' "o . .J ~ r ,. .. ..... .:. ·,·6 , __..~--.. ..... ..... ... """" ..... .. ..- .. . ..

Que e a relacao e na o os terrnos que siio relevantes ficaespecialmente claro se nos detivermos na analise da localizacaodos mortos. A cosmografia e, como se sabe, um indicador precisede categorias do pensamento,

r Quando os mekarii sao congregados em aldeia, 0 que nemsempre e , como veremos, 0 caso, esta e habitualmente situada· aoeste" mediante a associacao q ja descrevemos da sociedade, 0

dentro e 0 Ieste, or uma parte, dos mortos, 0 exteri este

r ou ra. sto diz respeito a to 'mekaro Kraho, mas

os mortos nllo abriga estrangeiros,Se agora introduzirmos esta nova variavel que sao os

estrangeiros, a geografia se altera: segundo 0 chefe da aldeia dePedra Furada, os mortos Krah6 ficam a leste enquanto osmekarii de gente branca se aldeiam a oeste. 0 que se tornourelevante neste contexto foi a oposicao Krahn/estrangeiros e ·a

localizacao respectiva ex rime que sociedade r ex _cJa Q o I ! . _ .h . .

k,ahP_~.~J;'2!"l~~7Tto . este) enquanto estrangelros sao ..Q~~E~~~~~_(.E9E~nto_a o e~ \e )~ w~· · _

Podemos inferir para os Xavante uma 16gica semelhante .aesta, Enquanto os Xavante orientais situam seus mortos a oeste,

os Xavante ocidentais, organizados segundo metades exogamasalteram es t a assignacao. Cada metade situa seus proprios mortos

a leste, relegando os mortos da metade adversa ao ocidente (p .Maybury-Lewis 1967: 292).

. (7) :e : importante men cionarrnos isto para que niio se nos a eusc d econtradicao po t afirmarmos que vivos:mot tos ~:consanguineos: afins e logoa seguir P0nllOS em realco que entre os mottos reina a eonsangiiirridade ..

120

pintar e cortar 0 cabelo, atos que acarretam todos a impossibilidadede reto ..ar a aldeia dos vivos, Mas se urn desses parentes fizervaler qu outros consangiiineos vivos - filhos pequenos ou paisidosos ainda precisam do amparo do visitante, poder-lhe-a seroncedid a volta entre os vivos. As maes defuntas s a o tidas por

especi ente sequiosas de guardar seus filhos com elas, e 0

mediado familiar, que podera advogar a volta destes e que 0

conseguir ~ se tiver autoridade e habitualmente 0 ketl (Im, Pm, PPetc.) (8) j.

. E 0~aso por exemplo, da historia que Hoktxa conta, ~~tada itp. 26: "os \~rmaos (defuntos) ofereceram banana, agua, khworgupu,convidaram para correr com tora, mas ele (0 irmao da m ae deHoktxa) nao aceitou. Cbegou 0 keti defunto e dlsse: 'nao oferecamnao, Os seus parentes estao com saudade', Levou de volta ... "(vide foto 1).

Veremos mais adiante que esta atitude, atribuida it categoriaem que se recruta 0 nominador, e coerente com 0 carater da

nominacao que g a r a n t e a continuidade de uma sociedade igual a+

SI mesma .Que a existencia post mortem e concebida como 0 reino da

consangtiinidade e pitorescamente ilustrado pelo relata do primeiroevangelizador dos Krah6, 0 capuchinho Frei Rafael Taggia (ouTuggia? ) que, em 1852, se lamentava do fracasso de su a campanhade batismos, baseada nas promessas de irem as almas para 0 ceu,argumento pouco propfcio para motivar uma conversao: "Pensamque tornando-se cristaos nao podem mais ir a m orar na companhiade seus parentes fallecidos, os quais tanto amam ... " (Frei R.Taggia 1898 [escrito em 1852]:123). ... Urn detalhe curiosa que parece reunir a maioria das vozes e

o papel dos parentes matrilaterais como "psychopompos", Quandoum Kraho esta doente, disse-nos 0 padre de Pedra Branca, ur nkaro vai avisar na aldeia dos mortos que ele est a querendo chegar,Entao as parentes da mile vern olhar 0 doente, e seja ele homem,mulher ou crianca, sao eles que 0 levam para a aldeia dos mekarii.

. . . . . . . . . . . .

.(8) £ nesta categoria que e escolhido 0 nominador; no entanto trata-se aqui de qualquer keu. Para uma mulher, al6m do keti, a tin (iP, mP,mm, etc., categoria em que se recruta a nom inadora ) pode Intervir. .

121

 

Tambem uma crianca que nasce morta e alimentada (L 'naO marnan30"') pelos parentes da mae..Representacoes identicas se encon-tram entre os Cane1a (C. Nimuendaju 1946:235).

o Krah6, ao morrer, nao vai pois ' tad patres" m~s Ha d

avunculos", 0 que leva a certa perplexidade, em uma sociedadetida hoje par cognatica (9) ..

mento. Mas naD se trata nunca, parece-nos, ·da alianca tal como econcebida pelos Kraho, ja que nao e mencionada a uxorilocalidadee 0 respeito aos afins que a caracterizam ..

;- Isto e resumido unanimemente na afirmacao de que os monosi "nao tern juizo ' '' , "vivem desem bestados 1,~ nurna pala vra, que saolpahamno isto e , privados de paham.

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• . r jI"

( 0 que e importante ressaltar e que a opostcao ~~~ e a~,ue contrasta os vivos com os mortos. Embora a consanguinidadeseja realcada, ela fica subordinada a essa oposlcao primaria: na.

realidade sa o os consangumeos vivos que se opoem 80S consa~-

giiineos r'nortos e as recrimmacces funerarias exprimem 0 S~?l1-mento de abandono ao mesmo tempo que a ruptura desejavel

com os parentes defuntos, Contra as investidas ou a seducao destes,s consangtiineos vivos defendem os seus membros (10) ..

Os Krah6 'partilhariam pois com os Xavante (D. Maybury-...Lewis 1967: 292) e os longinquos e exemplares Adamaneses

(vide Levi-Strauss 1967 [1949] :616-617) a concepcao de outraexistencia onde se estaria "en tre si", joio e trigo afinal separados.

A eliminacdo da aiinidade: a ausencia de paham

\ . ~ ~_ ~? ~~ _~ ?~ ~! .o s. t. ._ ~! _~ ~_ a. ~~ _ ,~e . .~.~4~.~ Este e u~,I prmcrpio subjaceiite a urn grande numero de atirmacoes das quais

a mais radical seria esta: ' :Q_!.m~,~tl?~~~?r.e.m~: por. isso n~~ _.Qs!!!!+_Mas "trabalham' (copuTaml. Manao e Munier mortos somoram juntos uma noite e se apartam. Conhecem as cunhados,sogros, mas n a o respeitam mat s" ~

. Outros informantes mencionam que 0 karo torna a casar, sejaarrastando 0 cOnjuge para 0 tumulo, seja contraindo novo casa-

(9 ) Selia in t er e s sa n te s aber-se quem sa o os "psyehopompos' entre.os patrilineares Xavante e Xerente.. Infelizmente Maybury-Lewis (1967: 289 )e Nimuendaju (1942:98) falam em eonsanguineos (kin) sem majores pre-cisoes. Ou 0 sistema de descendsnoia Kraho deve ser revisto, ou, 0 que {~mais verossimil...nao e este, mas antes por exemplo a nocao de "casa",o tra co relevante e expliea tivo aqu i .

( 10 ) Nimuendaju cita 0 comentano de um informante Canela sobreo ritual d e i ni ci a c; a .o Ketuag e : .'... ..os espiritos se aproximam, desejosos deIevarem embora suss aIm as...ombras ('fshadow souls"). Se conseguissem, os

individuos em questao rnorrerlam imediatamente. . Porisso as parentes dosrapazes Beam sentadas atras deles com a s maos em seus ombros, enquantoseus parentes masculines fiearn de pe na retaguarda t, ( C + N imuendaj 111946:235) ..

122

o paham e um conceito fundamental que ja foi estudado porRoberto da Matta (1971 :24-25) que acentuou seu aspecto de"distancia social" entre os Apinaye, e, entre os Bororo, POf RenateB..Viertler (1972: 35 ss.) que 0 traduziu por "vergonha" +

r 0 paham krah6, que pretendemos estudar separadamente em

\ mais detalhe, denota timidez, rcserva, autocontrole, observancia da. etiqueta, distancia social, desempenho dos papeis sociaisj e opoe-senestes sentidos a hobr€ que significa bravo, aguerrido, zangado;mas como entre os Bororo, e tambem humilhacao, ferida de

"honra", vergonha .o paham a fe ta a s relacoes interpessoais e intergeneraciouais e

regula urn campo muito vasto de atividades: 0 canto, a emissao dequalquer ruido, onde e com quem comer, a quem se dirigir, e, deurn modo geral, 0 desempenho adequado dos papeis ..

As criancas naa tem paham: por isso, explica-se, nao seimportam os meninos de voltar de maos vazias de suas pescarias.Aos estrangeiros, e sobretudo aos regionais, e freqiientemente

negado 0 paham, pois Dao observant a uxorilocaIidade e nem,segundo os Kraho, a proibi~ao do incesto: "gostam de casar comirmao de pai e mae". Os animals, que DaO conhecem regras socials,tambem sao desprovidos de paham; enfim os "namoradeiros", os

inconstantes, sao ditos pahamno (sem paham) e assim tambemos mortos.

Em sfntese~ sec pahamn6 e viver desregradamente, e nao ter

te&W:~2~~smoi ' f6 '§ / a 1 i d m n t r . · · U s e m ~tg"6iilui"', Imo SAmse compo ,. ignoram etiqueta e em particular desconhecem 0

rincfpio fundamental das relacoes apropriadas para com os afins.

A morjologia da aldeia dos mortos

Como conciliar em uma linguagem espacial os principios quevimos ate agora, e urn problema que suscita vasta especulacao eque nos coloca diante de urn corpus contradit6rio de informacdes ..

Ora se diz que os mekarii vagam ao acaso, com suas famfliaselementares, ora se diz que vivem em aldeias.

Vimos que as mottos parecem estar ligados a terra que lhesrecolheu a ossada nas aldeias antigas onde foram enterrados ..

1 2 : - t

 

Possivelmente por isso muitas estorias s i tuam-nos nas ald~iasabandonadas (11). No entanto, os informantes costumam localizara aldeia dos mekarii no khoikwa-yih6t~ literalmente 0 "fim do ceu",

~. 0_ Q"cidenteondeo--50t· s t ' ! : P " ! . = - - - · - . ~ - 'Cremos que nenhuma contradi~ao existe entre as loca~a~o~s

respectivas, mas sim a selecao em cada uma de f ' . 1 ! - r I ! prmclpl.o

parada", De dia, os mekarti transferem ..se para a segunda a1deia, e13 . d orm em . "Mekaro DBO tern. kii (patio) nao, ne m krikape(caminho circular), e tudo limpinho, 86 tern f7 i (arvores) em redorda a ld eia , I Smuito. Tern caminho para r oe a g ra nde , uma s6".

Esta descricao esta em contradieao com a de outro curador,

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diferente: no primeiro caso, e ressaltada a consangtiinldade, poiso morto era enterrado na casa em que ja repousam OS ossos de seusparentes. No segundo caso, e a o_po$..g30 mottos/vivos (e aassociacao do "nos" co m 0 Ieste) que se torna relevante.

Resta a outra aparente contradicao: como podem para DDS,vagarem os mortos com mulher e filhos, e para outr~ viv~remeles em aldeia? 0 primeiro tipo de informacao confirmaria 0

princfpio da inexistencia da alianca, mas 0 segundo tipo pareceinfirma-Io, Para esclarecermos urn pouco a questao, devemos nosdeter na morfologia da aldeia dos mortos ..

Dispomos de duas descricoes mais detalhadas, uma de umcurador Dutra de u rn homem velho que n os p a re cem elucidar estas, ~

divergencias, Nao se trata de conceder a qualquer vers~o u~a"autenticidade" que supere a das outras, mas de tentar evidenciar

os principios estruturais que 0 conjunto das variantes sup00.

Segundo Davi, chefe de seu grupo do~estico"e e~~uadra~o ~acategoria de idade mevei (corruptela de velho) , mekaro n~ovive em aldeia redonda, nao, Vive em Iuga r escu ro (m ata ) q l1 :~nem lugar na roca .. A s fam ilias na .? ficam com o na aldeia: os q~en a o t e rn filha ficam sozinhos na beirada, mas sempre andando, naoaquietam. Nao tern patio. Para cantar, se ajuntam em qualquerIugar. Nao donnem nas proprius casas, mas nas ~ca~as dosoutros ... Mekaro nao lorna banho; s6 faz e beber muita agua •.•

~

Nao canta no patio nao: se encontra pessoa no maio, se poe .acantar".

A segunda descricao, recolhida por V. Chiara de um curador,Juarez menciona duas aldeias. Uma e constitufda de casas de palha

de bacaba ao redor de uma lagoa (hipoti), onde os mekarii passama noite - noite que e , como vimos, 0 se u "dia", ja que nela

exercem suas atividades ____:mergulhando. A agua dormente desta

lagoa, Letes tropical, provoca 0 esquec}mentoa "Na agu~ que ;fi,,?~fora, 0 karii DaQ banha; nao banha na agua que corre, so em agua

( 11) Parece ser esta tambem uma concepeao Canela (c. Nimuenda~u.1946:234-5) e Krikati (J ~ C. Lave 197.2 ms.) ..r:

. '\~124\

"

que atribui aos mekarii uma aldeia igual it . dos vivos; segundo ele,a aldeia dos mortos tern kii (patio), prikarii (caminhos radiais) ekrikape (caminho circular diante das casas), isto e , todos os ele-mentos espaciais da aldeia dos vivos.

56 podemos resolver esta contradicao se mais uma ve zaceitarmos que os informantes estejam. especulando em planesdiferentes. Na medida em que esta ultima vcrsao estiver se refe-rindo a l igacao com a aldeia que contem os restos funebres, e ondese era enterrado ou nas casas ou no patio, conforme 0 status,podemos entender um plano identico ao dos vivos.

A questao vem entao a ser porque as duas descricoesdetalhadas acima se afastam desta opcao e 0 que elas pretendemsignificar.

Note-se, em primeiro lu ga r, q ue em ambas inexiste 0 patio ..Na primeira, a desorganizaeao das casas e patente na sua disposi-~a o e expressa na meneao de que se "dorme na casa dos outros",

o patio mexistente e substituido peIo ribeirao, Interne as casasem ve z de externo, como 0 e na aldeia do s vivos. 0 conjuntolembra muito a disposicao das rocas e convem ressaItar que ir

morar na casa da roca com sua familia e 0 unico meio de fugir itvida social da aldeia sem ter de se expatriar (12).

Na segunda versao, 0 esquema se desdobra: sao duas aIdeias,em vez de uma, e em ambas novamente nao existe patio. Em umadas aldeias, a agua e interior e dormente, em uma dupla inversao,ja que a aIdeia dos vivos supoe 0 ribeirfio, ou seja, agua exteriore corrente. Ambas as versoes mencionam 0 fato de que os mekariinao se banham em agua corrente e veremos 0 significado distomais adiante.

Enfim, nesta segunda versao, existe uma roca iinica, coletivacomo se toda a aldeia fosse uma unidade de producao, tal comoo e ; entre os vivos, 0 grupo domestico, Talvez seja este mai s urnt race da consangiiinida de - a aldeia sendo associada a u r n t in ic ogrupo domestico - imputada a aldeia dos mekarti.

(12) Foi este 0 adotado por Bopkure, 0 malogrado Uder me s siA n ic oKrah6 (Melatt i 1972) que optou nor viver retitado da aldeia.

125

  ».,'

urn fio e a cauda se encurva, designando ao jogador a casa em. ..que ITa casar ..

A terminologia de parentesco kraho, conforme estabeleceMelatti (1970:175), e de tipo Crow, com certos traces Omahapara ego feminino. Ora Levi-Strauss (1969[1965]) situa nessessistemas 0 ponto de passagem das estruturas elementares do

'A s aldeias das duas descricoes sao portanto, na realidade,negacoes de aldeia, como 0 e a af i rmacao de que os ~ortos vagamao acaso, e mais particularmente, negacoes da alianca .. Ve~osassim que as varias versoes podem ser enfeixadas em urn conceitocomum subjacente,

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Dindmica e permanenci«f'Y""v\(J--' '"

Uma afirmacao que, esta eune 0 consenso geral, e a que

atribui aos mekaro uma plet6ric tividade ritual, digna ~~sC~posElfsios: os m ortos sao divididos em metades, tem Wl·ti~ CO[rl~asde toras tocam todos os instrumentos a seu modo caracteristico.Assim, ~ esfera cerimonial, Ionge de se evanescer juntamente como patio, e pelo contrario, ressaltada ..

Recap i tu1emos sucintamente os resultados a que. chegamos.Vimos que os mortos sao a imagem inver~da dos vivos: ha~it~tesda escuridao, tendo a Lua por Sol, 0 exterior e para eles 0 interior.

Vimos tambem que entre os mekaro, a afinidade e esquecida:e 0 reino da consangiiinidade, 0 paraiso perdido est ·

Vimos enfim que entre eles, a e era cerimonial se mantemintegralmente .. Se nos concederem a validade destas deducoes,

podemos concluir que a inversao ou simetria (usando os termosnum sentido 1ato) deixa invariante a esfera ritual, exalta a consan-giiinidade e abole a alianca ..

Para entendermos 0 s ign if i cado soc io I6gi co disto, t emos deevocar a estrutura da sociedade Krah6. Esta parece ser embasadaem dais sistemas ate certo ponto contraditorios.

Os Kraho praticam um casamento que nao e orientado porregras prescritivas nem sequer preferenciais. Segundo dois bons

informantes, tanto 0 casamento patrilateral (i,e. de eg o masculinocom a fiP) quanta 0matrilateral (i.e. com fIm) sao vergonhosos,"mesmo que galo e galinha", e no entanto, a troca de Irmas e bemconsiderada (13). Mas estes comentarios n un ca s urg em esponta-

neamente, nem parecem ser do dominic comum. Mais elucidativedo sistema de casamento e 0 jogo praticado pe los rapazes, co mum brinquedo de palha que representa uma cauda de btu: puxa-se

parentesco - determinadas por uma prescricao matrimonial _para as estruturas complexas: neles esmaece a no~ao de ciclos dereciprocidade na troca de mulheres, para que se introduza, decertofalaciosamente, a n~ao de hist6ria, ou seja; 0 acaso e a escolha.

Tais caracterfsticas sa o consistentes com um a concepcao queveria na alianca urn fator de dlsrupcao: 0 casamento absorvehom ens (14) sem garantias de que 0 cicio matrimonial se tome

a fechar,

o unico mecanismo que parece compensar a absorcao continuados homens e permitir a subsistencia de uma sociedade iguaI a simesma seria 0 processo de transmissiio de D om es, q ue e basicopara se entender 0 sistema Krah6.

A atribuicao de nomes faz com que os nomes masculinos ,que sao a "persona" para os Timbira.. sejam transmitidos de talmodo que voltem para a casa de origem (15), compensando assima circnlacao do s homens (vide Melatti 1970:183-184) ..Ao contra-

rio, os nomes feminines, transferidos preferencialmente de ifparafI, circulam juntamente corn os homens, de casa em casa, compen-sando a imobilidade feminina em um sistema uxorilocal (16).

A ausencia de regras de casamento que' lmplica no que podeser visto como uma hemorragia matrimonial POllCO controlavel,teria pais seu reverso no sistema de nomeacao que acarretateoricamente uma reciprocidade a curto prazo, estavel, segura.Bs ta r famo s e nt li o diante de uma sociedade cuja permanencia seria

( 14) Pols sa o h om en s na verda de, qu e aqui c.irculam e que trans-Ierem seus servicos de run grupo resideneial para outre, 0 que n a o altera,como jAse observou

( J4 Guiart et Cl. Levi-Strauss 1968: 85 e 87 D. 1) as

r eg ra s do jogOt .

( 15) "Para dar 0 nomeUt dlsse-no s urn i nf o rm a n t e, tt'espera - se quenasca u rn menino na casa do keti do qual .s e ganhou urn nom e" ( ket(.oategorla em que e recrutado 0 nomeador , e que Inclui entre SUBS espe-cificacfies 0 1m ~ 0 Pm e 0 P P " entre outros) t

(16) Deve-se ter em mente, no entanto, que os nomes femininos n a of f i m 0 peso e a significa-gao cerimonial dos masculines. A sociedade idealkrah6 e masculina, e as mulheres s6 S a o destacadas enquanto associadasa grupos masculinos, 0 que independe de seus nomes..

(13) Dizemos aqui un o entanto" em virtude da teoria da s Structuresltlementaires que seria inconciliavel com estes £atos: a troca de irm..is n a apoderia se repetir par duas gerac3es seguidas.. Mas e precise ter presente,como mostrou Needham (1958) que nR o se pode deduzir as mesmas eonse-qij,encias de ur n sistema prescrit ivo e de urn sistema preferenciaI.

~26 127

 

embasada nao na allanca, considerada desagregadora, mas nanomeacao, que seria urn modelo estatico e permanente,

Oaf nos parece decorrer a atitude do keu devolvendo aosvivos seu itamtxua: a hist6ria toma fei~es de parabola sabre aimportancia da nomeacao na permanencia da sociedade,

Restringir-se a consangilinidade e it esfera ritual e pois, nos

J corren~es nas quais, segundo urn informante, seriam transformadosL em peixes,

Aos mekarii sao ainda atribuidos por Davi, olhos paradesassestados Dum a iinica dire~ao e que s6 veem um a imagem disso~Ciada de seu contexto. Podemos agora avaliar melhor a propriedade

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termos krah6, cristalizar a sociedade no que ela tem de permanente,no que a faz perdurar igual a si propria, e conseqiientemente,negar-lhe 0aspecto dinamico contido na al ianca. .

( Essa redu~Ao aos elementos estaticos percorre toda a fisiologia

\ atribuida aos mekoro, cujo olho e parade e 0 sangue qt?a1hado \1 sao s6 pele e OSSO, nio tam came - elementos que, c o o o o I v im o s~di~, caracterizam a vida e 0movimento. Segundo u m in fo rm a nte ,falam fininho como passarinho, comem e respiram pouco .. Demodo geral, toda a sua existencia e atenuada: a agua que bebem, e morna, a comida que ingerem insfpida, Segundo varies informan-tes, eles. nao tem movimento proprio, sao impeIidos pelo vento(khw6k) que sempre sopra de teste a oeste, dirigindo-os para 0

khoikwa- yiMt. S e quiserem voltar para teste, teraa "de virarrodeando", explica um informante (17) t .

Segundo Davi, '~o..m.ekaro anda no rastro ue ele ja andou.

S e .9uando ~_~~ueJJ..Ql.. . . . .Y!.V1!L. nautr.o-r+-lugar,__~e n . .YO .para. O .S

lugares---(Da mesm~y,~9r~II!): P E ! ! 1 e k .o__n< ? _ _ l ! - } g a r e l ! l _ gue nasceu,l t e p g i s - n t ' r 1 i " C 1 l ~ U ,i1ijj{ns.llQJ41le m Q ~ u . . : ~Quando morrer, 0

indio trabaJaoor nao passa fome, m as na o trabalha mais nao . .Elefica comendo de suas rocas antigas ..Mekaro s6 tem os filhos queja teve. Come 0 que ja comeu mesmo, Mekarii 86 tern lembrancado que conheceu: nao conhece coisa nova".

Nesta versao, os mortos revivem sua vida, is to e , 0 acaso e aescolha, que caracterizam entre os Krahl) a alianca, sao novamentenegados ..

Podemos agora entender nao s6 a mencao da agua dormentedo Iago interior, mas tambem porque os mortos nao se banham

em agua corrente: conformeJ . iWjlp lq&. evidenciar alhures (M. C ..da Cunha 1973), a imersao na a g 1 . l a ~corrente e concebida como

um processo de amadurecimento e e a base simbolica dos ritos deiniciacao. Ora os mekaro, privados de qua1quer elemento dinamico,nfio sao suscetiveis de maturacao, e evitam portanto as aguas

( 17 ) Este mesmo informante distingue os mekar6 recem ..chegadosque ainda t~m braces e se movimentam por saltos, do! mais anngos quet e r n . asas de borboleta e que voam. 0 andar dos rnekaro e em todos oseasos diferen te do dos vivos.

128

t do termo karo para traduzir em krah6 "fotografia" e "imagem":ele conota 0 aspecto estatico, a ausencia de po rv ir..

r - - - A sociedade do s mekarii fornece a sociedade dos vivos a -I, imagem alentadora de uma continuidade, de uma permanencia que

lhe .resgata a morte dos membros: mas isto s O

econseguido

mediante a supressflo do que, ~a sociedade dos vivos constitui aomesma tempo 0elemento de disrupcao e 0 fator dinamico a saber

a alianca, ~~dade a~!'1ejada revela-se sec entao ~m ardill

.~m_}c:J_~~.?--~--~"Pf1:-ii:~_l!9r. ela a. "QQdenaj Dois. ne,aandg a:@"~n~a, _ a _soc!~da.-me.km:.i!_ acaba, Ilpr Be negar enquanto.~ocl~~ade (f8). EIS 0 que ta lvez d1Zia Juarez quando 3firmava rrque, enquanto os mekaro nao saissem de sua aldeia na o morre-~iam. T~vez seja isso tambem 0 que pretende signific~r a continuainvolueao dos mottos: uma sociedade sem alianca e inviavel levaao estado de natureza, e de imagens de homens, os mekdro setornam imagens de bichos, ate que, ao cabo de suas metamorfosesalcancem a perenidade da pedra ou do toco, ao mesmo tempo qu~

a negacao de qualquer vida gregaria, .

{

Ao cabo de toda esta analise veladamente estrutural a

escatologia reveIa-se naQ urn reflexo da sociedade mas antes ~mareflexao sobre ela.

"Os mortos tem pensamento de outro jeitoOs mortos fieam se escondendo atrds de qualquer

drvore (~ao estiio morando na aldeia)Eles licam em qualquer lugarEles jicam de p e em qualquer lugar

Porisso (meus] companheiros I tem medo da morte.Para onde vamos nos?

N6s todos caminhamos pra iicar atrds do pau{drvore],

(18) Compare-se a esta conclusso uma observaedo de L. Vidal refe ..re~te aos ~rin: '~A alde~a dos mortos, embora seja um Iugar isento deInc95es SOClaI.S, onde 0 indiO reencontra os seus parentes, e vista ao mesrnotempo, como urn oonjunto confuso , ja que os m§karon s a o multos e DaO

morrem. :B urn mundo sem ordcm e sem estrutura onde faltam asdivisoes nitidas da sociedade dos vivo ~~J (L I Vidal 1972b: 200) .

129

 

E eu, pra onde vou eu ?N os so mo s aqueles q ue e sta mo s ViVOSf Estar-se

vivo e bom.Se voce esta vivo1 vai ver os outros no pdtio,C omo os outros caminham no pdtioJ•

Voce corre com a to ra ( at ra s d os outros)

._..

CAPiTULO vm

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130

Se eles cantam, v oc e e sta caminhando (por entreeles) .

Isso e qu e e bom. , .Os mottos , t e r n pensamento rulm (niio tem juizo]",

(Reilexoes de Raporo1traduzidas literalmente

do kraho).

Heranca e Culto dos Ancestrais:

sua Inexistencia

A h eranca

Tradicionalmente, em quase todas as tribos J!, a propriedadede urn Indivfduo era ou destrufda Oll enterrada com seu proprietarioou tomada por estranhos. Entre os Xavante e os Caingang, porexemplo, que imavam-se os bens do morto (J. E.. Pohl 1951[1837]: 136 e J. Henry 1964:185); entre os Gorotire enterra ..vam...e...os com 0 dono (T..Turner 1966:391); entre os Krah6tambem, Buell Quain (1939: 11) afirma que objetos de uso pessoaleram enterrados com 0 defunto. Mas na 6nica morte que elepresenciou, a de urn homem que havia ficado seis meses doente,

na Q existia mais propriedade: sen dono a distribufra aos poucosdurante sua doenca, .

Nao se pode realmente chamar de heranca 0 que se transmitiatradieionalmente a morte de um Krah6: as rocas, nao enquantoterra, que nao e propriedade privada, mas enquanto cultura, saoposse conjunta da familia elementar e 0 vhivo (a) continua ausufruir do seu produto que alias e efemero, Tambem nio se podepensar em sucessao de direitos sabre a esposa ja que na o halevirate institucional, apenas, como vimos, prestacoes matrimoniaisentre afins que se podem prolongar alem da morte de ur n conjuge.

- Sendo os papeis rituais atribufdos com 0 nome e assumidos emconjunto por todos os detentores deste nome, sendo os cargos

politicos nao hereditarios, a t in ic a s u ce ss ao coneebivel se refeririaIi autoridade domestica, assumida pelo genro a morte do sogro(se nao houver na casa irmaos da esposa capazes de contesta-Ia),Quanto aos objetos pessoais - arco, enfeites, instrumentosmusicals, batoques auriculares - eles sa o on enterrados com 0morto (e 0 caso da esteira .por exemplo) ou destruidos pelosparentes au, ainda, se mais valiosos, tornados par estranhos. Se setratar de insignias de status, Dutro Kraho, je i detentor do mesmo

131

 

status, desde que nao seja parente, "herdara" 0 objeto: u rn khoire j

machado de pedra, insignia de bons cantadores, revertera a u rncantador; 0maraca d e An to nio Pereira, chefe dos ri tuais de PedraBranca, foi tornado por z e Cabelo, cantador de Pedra Furada,

Tudo se passa como se, a morte do Kraho, se procedesse aum a "hecatombe", a uma d estru ic ao o u d isp ersa o do que serela cio na va co m seu corpo, su a aparencla, seu organismo ..

Teoricamente, e vedado ao s parentes c on se rv are m o s pertences domorto, sob pena de incorrerem em sua ira e ele os atacar quandoestiverem s6s no m ato. Mas a proibicao visivelmente nio incluiobjetos mais cobicados, conhecidos desde 0 contato com os

regionais, A introducao das espingardas, panelas, enxadas , alemd os a nim a is d om estic os v eio aIterar sensivelmente 0 sistema deheranca (2). Estes bens sa o c om um en te subtraidos pela familia

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Poderiamos pensar os objetos d estr uf do s c om o f aze nd o partedo individuo, de u rn individuo com suas "ex tens5e s me tonim i cas " ,as "appartenances'' de que fa1ava Levy-Bruhl (L. Levy-Bruhl1963: 318) que as distingue da propriedade no sentido lato: aquila

T Ie 0 home f z com sua ... a uno ue mai1usem...qu_!_o~c. tlWma..laria r o o de sua indivi ua 1 a e.

Ha, em kraho, dais tipos de possessivos: rr-se- ifiyokri,

minha aldeia (kri, aldeia) J m as iipar, meu pe; dir-se-a iiiyorop,

meu cachorro (rop, cachorro) m as iikhra, meu filho, lilya , queisolado, quer dizer "minha comida", usado como prefixo e umpossessivo da primeira pessoa (1). S e seguirmos 0 argumento queMaurice Leenhardt d es en vo lv e em Do Kamo (1971), diremos queo segundo modo possessivo e 0 das coisas que fazem parte doindividuo. Estes t ermo s, a l ia s , ao contrario dos outros, nao podemser isolados d e seu p ossessiv o: n ilo se podera assim dizer "0filho",ou "filho", mas tao-somente "meu filho", iikhra, "teu filho" t akhra,

"filb ote de ar ara", piikhra.Todos os termos de parentesco s ao u sa d os com possessives do

segundo tipo, todas as visceras tambem e todas as partes do corpom enos, a nosso c on he cim e nto , a lg um as e xc ec oe s: 0 lado da frentedo pescoco, iiiyokre, 0 peito, iiiy6khuot, 0 antebraco, iiiyiifoihi, amao, ifiyiikra e seus derivados (unhas, dedos etc.) , meu umbigo,iiiyot6t.

Reciprocamente, dentre os objetos, a l gu n s ob je to s "pessoais"sa o possessivados como as partes do corpo: iaraps, minha braea-deira, mas paradoxalmente iiiyokhui1 meus batoques au r ic u l a re s . .Uma hipotese plausivel postularia que f os se m es tes os objetosdestrufdos a morte de seu dono, isto e , aque les que, mais "proxi-

mos", seriam p o ss es siv ad os c om o as partes do corpo: no entanto,a fa lta d e d ad os c on clu siv os n este p on to na o DOS permite avancar-mos mais adiante.

Os objetos do morto sa o tidos por terem perdido 0 karo econseqiientemente se quebrarem o u g asta rem muito depressa,

(1) i " y o , rneu, oiiyiJ, seu, ten" 'hQj dele, pai1ylJ~ nosso de mim e vocA(dual) tmeinyo, nosso (de m o o e de outros) meanyo~de voces, meh6~ dele~

132

a dispersflo e constituem urn embriao de heranea, Sao bens muitovaliosos, e certo, m as nao crem os que seja s6 esta a razao: saotambem bens introduzidos pelo contato e que puderam ser ordena-do s segundo outra escala de valores, que just ificasse sell tratamento

diferente (sugestao de Peter Fry). Acima de tudo, nao sao obrade "maos d e h om em ", isto e , nenhum Krah6 os confecc ionou, etalvez por isso, a semelhanca das raquetes introduzidas entre os

I Esquim6s, nao se incluam no rol da propriedade privada. Maspercebe-se, como em surdina, uma certa r n a consciencia em relacaoa esta categoria de objetos herdaveis, pois de uma espingardat ambem se afinna que perdeu 0 karo ao ter morrido seu d on o, eque portanto, nao ha de durar multo.o gada, em particular, tomou-se "0" p ro bl em a s uc es s6 rio .

Nao p arec e ex istir a in da u m direito cos tume i ro regu la rnen tando 0-

assunto eo moribundo, como ja v im o s, p od e d isp or dos seus bens,m a s su as d ec iso es devem se r publicamente ex posta s p ara serem

respeitadas. No entanto a tendencia parece ser de deixar espin-gardas e utensf lios p ara os filhos hom ens ou para 0 pal, e asgalinhas e panelas, propriedade feminina, para as filhas. As reses,segundo Melatti (1970:79) tendem a ser doadas aos filhos, numasucessao inter vivos. A morte de seu proprietario, 6 possfvel que

p assem ta m bem a os filh os. Mas se 0morto nao t ive r de sc endenc iad ir et a, c om o no caso ja mencionado d e E ste va o , s eu s c on sa ng u in eo spodem arrebatar-Ihe 0 g ada . . L emb remos que 0 c ov eiro q ue nao eja p re viam e nte u rn devedor, g an ha im p o rta nt es p re se nte s e sc ol hid osnormalmente entre os bens do morto. A presence de artigos valiosospoderia ser causa da tendencia dos Krah6 de recorrerem aosiwawe (Ei, Ef) eternos devedores, para evitarem a perda de tais

objetos.A questao que surge e entao a da e qu iv a le nc la p re sum f ve l d e

tre s o pc oe s: p are ce ria que tanto fa z serem os bens do morto

destrufdos, enterrados ou arrebatados por estranhos.

(2) A mesma evolu~o parece ter prevalecido entre os Xavante (D.

Maybury-Lewis (1967:.280) e os Kayap6-Gorotire (T.. Turner 1966:395n. l)t

133

  .. . "

Tudo concorre, parece-nos, para apontar novamente a abso . .luta estranheza que caracteriza 0 motto. EIe se tomou "outro", eseus bens, pelo menos os que chamanamos pessoals, adqulremjuntamente com ele esse atributo da alteridade, Daf a equivalenciaentre acompanharem 0 morto senda enterrados com ele, seremd es tr uf do s c om o ele 0 foi, ou pertencer doravante a estranhos jaque estranhos eles proprios se tomaram. A beranca nao poderia

"um antepassado nomeado que tern descendentes vivos de umac l a s s e geneal6gica dada representando a. permanencia de suarelevancia estrutural, No culto do s ancestrais, tal ancestral recebeoffcio e service, rituals que Th e s a o enderecados pela classe ade-quada de seus descendentes' (M. ~ort.e~ 1965: 124) . A nom~acao,cementa apropriadamente Fo rt es , s ig n if ic a que 0 ancestral e ~ Y " ~ -

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portanto concemir senao bens que nao f o ss em c onc eb ido s comoparte da p e ss oa . .

o culto dos ancestrais: sua inexistencla

1 a muito se escreveu acerca do culto dos ancestrais naliteratura antropo16gica .. Se m remontarmos ao dihivio, lembremosapenas a querela de Frazer e dos funcionalistas britanicos, Frazer"como antes dele TyIor, fazia derivar a existencia de cultos daexistencia anterior de crencas: assim por e x emp l o • . J ! . rev,,§acialos ancestrais proviria da combina~ao da ere im ·dadea a, quase niversa e a a af ra e de u rn m edo dosrno articularmellte...!.~§l!Ltq_.1!W.--'"M~I"IMIIr,""_ emI!_rirnjtiyo" (J. G. F ra zer 1 96 6 [ 19 33] ).

A este tipo de explicacao, a escola funcionalista opos analises

que se podem resumir numa frase de Meyer Fortes: "os Tallensitem um cuIto dos ancestrais.... porque sua estrutura social 0

requer" (M. Fortes 1959:66).

B no entanto a exata articulacao entre a estrutura social e 0

culto dos ancestrais que variou segundo o s a de pto s desta escola..o proprio coneeito e v ag o e p arec e ser usado em ac ep c oe s diferentesao sabor dos antares. Radcliffe-Brown, por exemplo, distinguiuos ritos que se referem aos mortos do culto dos ancestrais, no qual"0 grupo cultuador consiste exc lus ivamente de pessoas relacionadasumas a s outras pela descendencia em uma linha do mesmo ances-tralou ancestrais" (A~R~Radcliffe-Brown 1952 [1945]: 163, g ri fo snossos). Note-so que esta definicao exclui ab i ni ti o a existencia de

tal culto em sociedades cognaticas. Mais tarde Goody haveria deestender-lhes 0 culto dos ancestrais, que ele define como sendoaquele "em que as vivos e os mortos sao parentes um do outro'

(J. Goody 1962:381, grifos nossos), ressaIvando no entanto que a

congregaeao "tfpica' do culto dos ancestrais e 9 grupo de linhagem.A esta forma tipica e1e chama de culto dos manes. ""

Meyer Fortes foi sem d6vida quem mais procurou cercear an~ao de ancestral. Su a definicao draconiana exige qu e este seja

134

tide com os uma pessoa. Note-se esta deflnt!;aOcorresponde 80S fantasmas (~'ghosts~~~de J. Middl~ton (1960),que reserva 0 term.o "ancestors" p a ra j us tament e designar os ante-passados nao individualizados.

Embora 0 uso de uma mesma expressao possa in~~ ~m

erro, nao haveria, ate agora, maiores dificuldades: ba~t~a distin....guir 0 que cad a autor entende par "culto dos ancestrais e ter emm ente q ue as dedu coes de cada um se apli cam. exclusivamente aoque sua defini~ao particular recobre, A d if ic u ld ad e s ur ge . ~tes ~moutro nivel, no momento em que as autores pret.endem engir ~quiloque definiram em "institui~ao nuclear" e r ed u zir -I he a s manifesta-~es "semelhantes" (seria ainda preciso entender-se sobre esta

"semelhanca") .. . ..

Isto me parece escl~ecer os m~anismos. da _expenencla. n~antropologia social britanica, Como disse Popper, nao h a experiencia que nao se assente sobre urna teoria~.Se se q~r .proper aexpli cacao de u rn traco cultural e o necessario, em pnmeno Iugar,defini-Io, Ora, as coisas nao se p~ss~ s~mpre nesta ordem, S e ateoria que deve servir para a explic~ao, tsto e , aquela que acolhecomo submodelo OU como caso particular 0 modelo proposto (G~Granger 1970:33), nao d a conta senao de uma parte do campo,e pratica corrente excluirem-se o~ dados emb~a~sos, propondo-seconsidera ..los como manifestacces secundarias de u r n . campobatizado "central", "nuc lear" on "prlmario", aquele precisamente

ao qual a teoria se ajusta,As explicacoes do culto dos ancestrais sao um exemplo dessas

praticas. Lembremos algumas de. s"?as et.ap~s. Radcliffe-Brown,dentro de uma perspectiva durkheimiana, Iimlta-se a observar queo culto dos ancestrais e a replica, a proj~ao na esfera do sob rena-tural, do sistema de linhagens. E Middleton, que se consagra antesao aspecto operatorio do culto, faz-lhe no enta~to e~ quandoescreve que "os valores que estao no centro da VIda social, os doparentesco e da linhagem, sao sustentadas no culto dos mortos"(J. Middleton 1960:35)~

Alem disso do m esm o modo que os ancestrais sio como q ueuma projecao drreta das linhagens, _as ayije~, as _dis~si95es,benevolentes ou vingativas que lhes sao atribuidas sao tidas por

135-

 

F.?rte! (1949), ~oody (1962)~ e Bradbury (1966) como a proje-~:o nao menos dlr~ta das r e lacoe s en tr e pais e fi lhos. Bssa concep-~ ao p arece ~ ~ en ra iza r em u rn Freud r ev is to p o r Ma l in ow sk i, isto e ,onde a variavel cultural, .por exemplo a matrilinearidade, viesseaIterar 0 complexo de Ed lPO: "ha um a continuidade direta entreas re !a~Oes dos pais e d~s f ilhos enq uanto em vida e su as relacoesdepois da morte do s paIs. 0 cullo dQS 3ncestra.is e urns projft9io

M a s v eja m os rums de p erto a s co nc lu s6 es. de F ortes. S uadefini~ao de ancestral se assenta no caso Tallensi, elevado pelascircunstancias ao status de paradigma (vide M..Fortes 1965: 124).Como escreve H. .Scheffler, a prop6sito desta vez da analise dossistemas de descendencia em Fortes, "0modelo Tallensi toma-seo modelo analitico preferido" (H, Scheffler 1966:545). Alem disso,entre os p rop ri os Ta l lensi , a defini~ao de Fortes deixa de considerar

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culturalment r OO lz ad a n o lano mlstico do em.aranhado1 1 a 5 ta ODlsmos su mersosI~ g_ am p ais e filhQS uns. aos Qutros euguantQ em vi i!. 4 > . . O s pa ismortos - · dos ancestrais .. t (M. Fortes 1969

[1949];234). E a mes ma p osic ao re rmada , dez anos maistarde no conhecido ensaio Oedipus and lob in West AfricanReligion: "nos termos mais gerais, portanto, 0 culto dos ancestrais~ a t~ansposi~ao para 0plano religiose das relacoes de pais e filhos:ISS0 ~ 0 que ~?~~ero dizer quando 0 !!escrevo como a ri tualizaeaoda piedade fillal (M..Fortes 1959:30); e ainda, "os pais, meta-morf~seados em ancestrais, s a o r es ta u ra dos em um lugar na vidados filhos que reflete, so b forma simb61ica atributos c ritic os d apaternidade ("parenthood") na vida real" e M . Fortes 1959:63).Mas quais sao, mais precisamente, esses atributos?

+ Em 1960, em urn. coI6quio sobre sistem a s de pensamento: rr ?~ anos , Me : r~ r Fortes enunciava ~ s def in iC 5 es que c i t amos no

micro, e explici tava urn pouco m ats suas teorias: 0 culto dosancestrais seria "a representacao ou a extensao do elemento deautoridade nas relacoes "jurais" (jural) de geracoes sucessivas"(M. Fortes 1965:133). No mesmo ano, na "Henry Myers Lecture",Fortes acrescentava subrepticiamente ao elemento de autoridade 0da propriedade, quando usava, para apolar s eu a r gumen to , 0exem-plo dos Wodaaba, que nao conhecem culto dos ancestrais e ondea e m an cip ac ao e co nom ic a e j ur id ic a nao se d a a morte do pai, m ase gradativamente adquirida pelo filho (M. Fortes 1961: 188) < Seriainfluencia da posicao de Jack G oody q ue encara os grupos corpo-ra dos c om o aquel~s em .q ue se herda p r op r ie d ad e t ang iv e l, e que ,em 1962, apontaria 0 sistema de heranca como determinante doculto dos ancestrais (J. Goody 1962:415)? Goody, por su a vez,presta hom enagem ao seu m estre quando afirma que "0 soci6..logo ..· + v e (no culto dos ancestrais) as normas da sociedade e 0

proprio sistema de autoridade projetado no plano sobrenatural"(J. Goody 1962:412). Mas, mais prudente do que Fortes, elesu ge re q ue 0 cuIto dos anoestrais seja uma "modalidade possivel'de reifica~ao C'embodiment") ritual em sociedades nas quais adescendeneia (e a cont igUidade) sao centrais para 0 recrutamentoe a orga nizaea o dos gru pos soc ia is (p . 412) I

136

pelo menos duas s er ie s d e fatos. Assim, exclui do campo de analiseem primelro lugar 0 culto dos antepassados como urn todo, aquiloque Freedman chamou de "memorialism", e que carateriza 0 cultodomestico dos a nc estr ais n a China d o su deste (M. Freedman

1965:84). Ora, a China e, de pa r com Roma , 0 e x emp l o c la s si codo culto dos ancestrais. Tambem entre os Lugbara de Uganda,magistra1mente descrito por Middleton, os a ntep ass ad os c om o ur ntodo indiferenciado (as "a ncestors" de Middleton) sa o reveren-ciados por um culto paralelo aos dos ancestrais (que Middletonchama, como vimos, de "ghosts").

Em seg un do Iugar, a d ef in i~ ao de Fortes exclui da analise 0

culto dos antepassados na fi liacao complementar, isto e , dos ante..passados matrilaterais (respectivamente patrilaterais) e m s iste m asd e d es ce nd en cia a g na tic a (respectivamente matrilinear) ..A existen-cia deste culto e no entanto atestada entre os pr6prios Tallensi, eentre os Lugbara tambem e foi magistralmente evidenciada pol

R. Keesing (1970) que propoe para os p a ra d igm a tic os T a I1 en si umn ov o p a ra digm a ,

Os dois cultos que mencionamos nao s ao , r e almen te , cobertospela definj~ao de Fortes: no primeiro, os objetos do culto n a ote rn re le va nc ia e str utu ra l p or n ao se re m in div id ua liz ad os , n o se gu n-do, a congregacao de fie-is na o obedece estri tamente a s d iv is o es d elin ha ge ns c orr es po nd en do a os a ntep ass ad os c ultu ad os .

Meye r Fortes justifica seu procedimento afirmando suaconviccao de que "a melhor manei ra de chegar a h ip 6 te se s c la r ase isolar para analise aquilo que e geralmente aceito como sendo ainstituicao nuclear do culto dos ancestrais ' (M. Fortes 1961 :137,grifos nossos) : isto p arece ser fundamental, enquanto expoe os

perigos da dellmitacao do fato a ser ana1isado. Os contornos e osIimites desse fato 86 sao "geralmente aceitos' em virtude deeventu al convencao eivada de p ressu postos te6ricos. E m ou trostermos, parece que s6 se exclui do c ampo de a n al is e o s cu1tos aosa ntep assa do s n a lin ha d e filia~ao complementar , a cu sa do s d e screms ec un da rio s o u d eriv ad os, p or qu e eles escapam a essa "hipoteseclara" que se procura formular. A partir dai, a demonst raeaotorna-se tautol6gica: definem-nos os ancestrais como ligados a s

137

  ____. . . . . . . . .

llnhagens, para nos afinnarem urn pouco mais adiante que elesencarnam (Uembody~~) essas mesmas linhagens.

No entanto, mesmo na corrente britanica, outras exp l icacoeseram possfveis, Gluckman, em urn artigo de 1937" pouco conhecidohoje em dia, laneava a hipotese de que 0 culto dos ancestrais nanaparecia cada vez que linhagens e st iv e ss em p re se n te s, mas que

hipotese de Fortes - embora nao a hlpotese mais prudente deGoody - DaO estao presentes e multo menos sancionam umaautoridade na fa~o.

Note ..se, de passagem, que nao sendo estas teorias nomologicas,e dificil dizer que urn fato as Infirma: quando muito,. poder-se-aindicar que 0 fato contradiz a hip6tese sugerida.

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(que poderiam ser bilaterals) se organizassem em grupos socialscom tendencia a se cindirem. 0 cu1 to dos ancestrais , e aqui 0 termoancestral parece ser tornado na acepcao mais ampla de antepassado,isto

e "de ascendente bilateral, seria um processo mnemonico

destinado a lembrar, expressar e manter relacoes socials, maisespecificamente, relacoes de parentesco (M~ Gluckman 1937: 129e 133).

Qual a posicao dos fatos krah6, e porque relembramos todaesta discussao? Pois bern, os fatos krah6 nao colocam problemaalgum, e se ajustam a todas e a cada uma destas explicacoes.t OsKrah6 nao possuem Iinhagens, ergo nflo tern e portanto naocultuam ancestrais; a heranca era ate recentemente desprezivel epoder-se-ia argumentar urn descompasso nas representacoes emrelacao a pratica social; enfim, a autoridade domestica, como emtodos os grupos J!, n a o se acha norma1mente investida na figura

do pai. Para um homem, devido

auxorilocalidade, ela

eassumida

primeiro pelo pai da mae ou pelo irmao da mae antes de seu

proprio pai e, posteriormente, em sua casa de procr iacao , pelo se usogro Oll irmao da esposa. Nao haveria assim possibilidade de se"estender" ao finado pai nem ao irmio da mae uma autoridadeque nern sempre, quando em vida, lhes competira na esferadomestics.

Tudo estaria muito bern e os Krah6 teriam razdes de sobrapara nao reverenciarem ancestrais, nflo fossem os J.§ centrais, osXavante por exemplo, Entre eles, a organizacao politica repousaem linhagens patrilineares agrupadas em cla.s. No entanto, na o s6nao existe entre eles urn "culto dos ancestrais" (D. Maybury .. .Lewis1967:287) mas nem parece existir a pratica de se singularizaremantepassados, com talvez uma ressalva, D. Maybury-Lewis (1967:288) menciona comunicacao com "dead kin", sem maiores especi-fica~5es" mas relata que a linhagem dominante de Sao Domingoscostumava se comunicar com um pai ou urn irmao do pai, 0 queconstitui a iinica indicacao de uma "preferencia" pelos agnatasdefuntos, No entanto, nenhuma autoridade deriva dessas comuni ...cacoes. Assim, embora a sucessao e a descendencia sejam 0 prin-cipia organizat6rio da vida politica, os ancestrais, contrarian do a

138

Urn tanto ambigua e a posicao do caso Xavante em relacaca hip6tese de Gluckman, segundo a qual 0 culto dos ancestraisestaria presente quando os grupos de parentesco tendessem a secindir. Maybury-Lewis (1967:177 e 168) mostrou que nao ha ,

no plano ideol6gico, cisao ao longo das linhagens, embora a hajana pratica: isto porque cisoes reais sao reinterpretadas, imputando--se a s fac~oes que se separam linhagens originals diferentes, Namedida em que s a o na realidade as fac90es que usam a linguagemdos grupos de descendsncia para se expressarem, homens da mesmaf~ao considerar-se-ao pertencentes a mesma linhagem, 0 queresulta assim na demonstracjo tautol6gica de que naQ h a cisao naslinhagens.

Embora a hip6tese de Gluckman nao seja clara neste ponto- ness a epoca ainda se podia acreditar que a genealogia determi-nasse grupos de descendeneia - pode-se super que ele a teriaapIicado a uma situ~ao deste tipo, e que teria argumentado que 0

culto dos ancestrais serviria justamente para impedir, no planoideologico, 0 esfacelamento das linhagens ..

Poderiamos portanto, mediante certos remendos, encaixar 0

caso Xavante no leito de Procusto da teoria. No entanto, se, comoafirma Maybury-Lewis (1969), as sociedades J e sao variacoessocio16gicas sobre um m esm o tema, entao d ev er ia h a ve r uma expli-cat ;ao global" valida para todas, sem qu e se tivesse de excluir osXavantes e parcelar as razfies da fncristsncta em cada tribo deculto de ancestrais.

A admiravel harmonia que Fortes (1973) e seus seguldoresexibem entre linhagens, ancestrais e sentlmentos, e construfda,como vimos, a custa de cortes da reaIidade, tida como ganga

informe na qual se pode e deve isolar 0 fenomeno "nuclear",central, e excluir-se os outros fates sob a acusacao de serematipicos on aberrantes.

Conta 0mesmo Fortes que Mauss T h e disse, certa feita, a elee a Evans-Pritchard que 0 tinham ido visitar em urn hotel deLondres, que qualquer que fosse a rede que se [ogasse ao mar,sempre haveria de trazer algum peixe, A rede das lin ha ge ns q ueseus interlocutores iriam lancar exp l icou muita coisa, mas muitospeixes Ihe escaparam peIas malhas. Poderiamos tentar outra rede,

139

 

outro tipo de explicacao, cujo valor residira apenas na quantidadede fatos que puder apresar. . Nito s6 esta nova tentativa n a oinvalida a anterior, mas tambem jii foi evocada por exemplo porum Bradbwy ·que,. em seu estudo dos costumes funeranos do

Benim, menciona sem descreve-h, a existencla de um outro modelo

.c~mp~ementar ~o primelro, e de carater mais abstrato, cujos termo~nao sao ~ela~oes SOCl31S e categorias de status, mas dicotomlas

cas,? particuIa!, uma aplicacao do principia m o o s geral que expli-can~ porque lllstament~ se reerutam membros para os grupos apartir de uma genealogia reconhecida..

A nossa hipotese e que, entre os Krah6, de modo consistente. ~ . . ..;

com a oposicao maior VIVOS x mortos, as genealogias sao secundariasp~ra a iden~ficac;ao ..;Os mortos sao tao radicalmente opostos aosVIVOS que nao e posslvel reparar completamente a cisao criada na

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·c?n~pturus que permitem ordenar um campo mais vasto da expe-riencia humana (R. E. Bradbury 1966:152). Nao nos arrogamosportanto nenhum pioneirismo, apenas tentamos um modo diferentede encarar os dados e que permite ordena-los mais ou menos

coerentemente num todo,Pensemos a posiC;ao dos mortos dentro da problematica mais

.ampla da identificacao ..Sabe-se que os mortos sao usados comu-mente para estabel~er genealogias, p~~igrees, que sirvam parafundamentar pretensoes de status e explicitar relacoes pohticas, NaEuropa medi~v~ abundaram as genealogias fantasticas que faziamremontar os italianos aos romanos, estes a Eneias que por sua vez'era enxertado no mito de origem bfblico como descendente de Jafefilho de Noe; os franceses se tinham por descendentes de Heitor

ode Troia, de Franciao seu filho e de seu trisneto Faramondligando-se a s genealogias bfblicas por intermedio de Kitim net~de Jafe; os ingleses do seculo XII procIamavam-se descender:tes de

Sem, outro filho de Noe e pai dos semitas (L. Poliakov 1974).Sabe:se desde Malinowski e Leach como se manipulam mitos

para sancionar relaeoes existentes: as genealogias sempre consti.-

tufram uma linguagem para se arrogarem direitos on se ratificaremrelay6es entre. grupos. 0 que talvez nao esteja ainda claro e arazao de .preclSamente se escolher a genealogia como instrumentopara tal lim. Parece-nos tao natural seu USO, a n6s que vivemos emsociedades que a manipulam, que n a n nos perguntamos a razao de~seu.p.oder. Este nao poderia derivar apenas da existencla de gruposSOCialS para os quais a ascendencla seria urn titulo de admissio

pois, co~o vil1!~s~me~mo entre os patrilineares Tallensi, antepas-sados nao- agnatic os sao recordados e reverenciados, emhora nao

assegurem acesso a nenhum grupo, 0 poder das genealogias.pa;ece-~?S, :eside na ~ap~~idade que e atribufda a "origem" par~.a identiiicacdo de urn indivlduo. 0 que pretenderia responder uma.geneal.ogi~ e ao "de onde venho?" que, segundo Freud, precederia

.e ~Uscltarla 0 "quem sou?" (citado apud L.Poliakov 1974:XVII) ..Vln;t~S que este .argumento nao e redutivel f a existencia de grupos~OCl~S. qu:_ servmam Jllstame?te para prover essa identificacao: aIdentificacfo, no caso d e e x is ti rem tais grupos, e Q ue seria om

l40

genealogia pela morte de urn ascendente, Nao haveria dentm.desteponte _ d e ~vista. nenhuma razao par~. s.i!!&Ylamar ~u cultuar asmortos,. e ista naa &6 entre os Ie setentrionais mas igualmente.entre os Xavante. Nada Impede que se concebam linhagens e ao

mesmo tempo se postule a primazia 9~ oposicao vivos/mortos, 0que resultaria no enfraquecimento ou na ruptura dos laces deIinhagem it morte de seus membros, ou seja na separacao de cadasegmento de linhagem dos vivos do correspondente segmento delinhagem dos mortos,

Cremos que se possa interpretar "a nosso favor", e nao comouma posicao it la Fortes 0 que Roberto Da Matta escreveu:" •f. eu diria que a continuidade em sistemas unilineares e dadanum continuum (H. W. Scheffler 1966) orientado em termostemporals (mais perto ou mais longe do ancestral comum), aopasso que a continuidade entre os IS do Norte seria obtida por

meio de substituieoes. Nesta sociedade uma pessoa assume a

m~scara social da outra e a sul5sbfui cenmoniaI e 1uIidicamenti."Nanli§ Dtila w e J3 paw;vd de a;JtlfilUium, mai ljijia ideia nitidaIeddualidade, mesmo guandQ_Je trata d e &ubstitl1j~6es ao longe d O . .~ Por isso as Timbira nao exibem nenhuma ideologia rela-c i o n w a a ancestrais ou que demonstre uma preocupacjio comantepassados Ionginquos" (R. Da Matta 1971 :61).

Em suma, 0que suspeitamos e que os mottos e as genealogiasque os usam n a n sirvam para a identificacao entre os Je , e essasuspeita repousa em outra hipotese, a da primazia da distincilovivoa/rnortos.

E 0 valor explicativo de tal hip6tese que tentaremos sintetizarem nossa conclusao .

141

 

CONCLUSAO

f~ ' A sociedade lq~6 percebe-se pols fundamentalmente como

, uma sociedade _de. vivps. Mais ain~a, ao nfvel , < l a s ~epresen~s. ela ·s e quer uma sociedade essencialmente cerimonial, - e istotalvez explique alga do famoso conservantismo krah6 - e tentaescamotear 0 Iaccionalismo que a divide, e se assenta em gruposde parentesco.

n Ao nivel pessoal, a dupla lealdade, ao grupo como um todo,

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Os Mo rto s sao Outros

. S e considerarmos 0 problema apenas de urn ponto de vista

I ogi co , pooe remos distinguir dUM o~es (1 ) entre outras possiveisp~ra uma sociedade: ela pede, por urn Iado, enfatizar a oposicaovtvos/morros e coloca-la sempre como divisao primaria, Mas pode

tambem fazer prevalecer a continuidade dos consangiiineos e relegara oposicao vivos/monos ao segundo plano,

Es~ Ul t ima o~ao podera vir ex pressa - m as nao viranecessanamente - em grupos de descendencia unilineares esera consistente com existencla de ancestrais concebidos comoproIongamento senao parte integrante da sociedade.

No primeiro. :a80, ao. contrario, mesmo que haja Ilnhagens,a.ruptura, a oposrcao dos VIVOS e dos mottos e posta em tal realceque as relacoes entre eles s6 possam ser de antagonismo: os mortos

serflo relegados a s trevas exteriores e os la go s d e parentesco comeles . carregado~ _ de ~ us pe i! fa o p oi s 0 apego a tais Iacos abre 0

caminho a traJ.~ao, a passagem ao campo adverso, i t morte, Emtal concepcso, DaO ha lugar, na sociedade do s vivos onde caibamlancestrais ..

A ven tu ra ria m os a hip6tese de que esta primeira o~ao tenhasido a de muitas tribos brasiloiras.

A segunda estaria presente, ao contrarlo, em varias sociedadesafrican as. ~ este pelo menos 0 argum.ento recente e controvertido(por J..Brain 1973) de I. Kopytoff: segundo eIe seria umadistorsao etnocentrica da visao do mundo africana a de insistir na

primazia c on ce ptu al d a divisao entre viv os e m ortos (1. Kopytof f1971 :136); afirma que. pelo menos entre as Suku do Congo e

outros povos bantos, DaD h a diferenea qualitativa entre anciaos dalinhagem (elders) e ancestrais: "0 termo 'ancestral' coloca umadicotomia onde hi n a rea lid ad e u rn continuum" (p, 140) .

(~) Sem qu e no usa desse termo e.steja implicada qnalquer reifi~aoda socledade ne.m sua conscisncta do proprio modelo.

142~

I e a parentela, pode se r sentida como conflitiva: haveria entia umaI antinomia intema a representacao dos mottos, na medida em quea continuidade dos laces que se tenta fazer prevalecer entreconsangtlfneos se choca com a descontinuidade qu e a sociedade

exige. E ¢ ,_ PQf.q~~.!l: ,~~orma da ~~d~d-_e..:~~.mp. _!1~~~~~~o~~eve,eti~~~e, levar a melho r, ~ ·q ti e ·· ·~ 'apego e a rendicao aos T a t ; o s - ,com os m oitP § _potte s e c c on ce b! ~~ ~~ _! l} 1; ~Q _ ,: .. _ _ . .. _ _ m ~ ~ ~ _

. .. . .,_ ~~...= ... . .~ ... . . ~ ~ .,... .

. A oposi~ao maio r vivos/mortos foi evidenciada de modo par-ticularmente brilhante entre os Guayakl do Paraguai e do . Brasilpor Helene Clastres (1968): da analise dos rituais funerariosprofundamente diferentes de dois bandos - os Ache Gatu que

comem seus mortos e os Ache Kwera que os enterram --- ela

[deduziu que ambos traduzem uma atitude comum em rela~aoaosmottos, a de os qualificar como inimigos. "A morte interrompe detal forma as trocas que 0grupo nao pode senao compreender soba forma da mais radical hostilidade aquele que assim Theescapa".(H. Clastres 1968:72)t Assim os Ache Kwera qualificam comoonca - 0 pior dos inimigos - aquele a quem estao Inumando,

i~ Admit irmos esta hip6tese no s Ievaria 'a entender globalmentea 16gica da reparticao do s papeis funerarios, da e sc ato lo gia e da'definicao Krah6 da pessoa.

One, WmOIl, eem efeitCJ9. Os tres grupos qu e se configuramdurante os funerals sao os consangtilneos, os alins e a comunidadecomo urn todo, 0 quarto grupo esta subentendido e no en tantoinsistentemente presenter e ele 0 grupo dos mortos. Se, comopostulamos, a d iv is a o f u nd ament a l e a q u e s eg re ga e opoe os vivos.aos mortos, e a continuidade dos Jacos de consangiiinidade er el eg ad a a o s eg un do plano, podemos entender a p o si ca o de coveirospotenciais dos afins nos funerais: eles sao

tem relacao aos consan-

guineas 0 que os mortos sao em rela~ao ROS vivos. C om o a morte

que nao devolve sua presa, 0 casamento retira homens do meiod e s eu s p ar en te s, s em g ar an ti as , ja qu e nao ha regras de casamento,de reciprocidade. E, ao mesmo tempo, as services dos coveirostem alga de uma vinganca . Como eles proprios foram retiradosdentre os seus, it morte de seus in-laws eles raptam 0 cadaver econsumam a separacao, enquanto atestam a mudanca de condicao

,

143

 

do morto: de "nosso", ele se tornou "deles", alhelo, outro, e naadjun-;ao de suflxos que marcam a distancia social aos termos deparentesco, para se referir aos mottos, transparece, sollie L';':IIt9&,

um a noCO O analogs ...H9 tim das captas. jA conteQ a s e r um_~ _lra np o a gu e1 e qJJe e.str8'; 'hps CMmgam para a s ep ultu re •

A proximidade das nocoes de inimigo, motto e afim ficaparticularmente clara entre os antigos Tupi da costa, Do Inimigoaprisionado e que deveria ser comido fazia-se um afim, dando-lhe

.I.

Consumo dos ossos pelos parentes ou consume da carne pelosInimlgos sao os traces recorrentes da antropofagia brasiliana (Of'Zenies 1960), em sua dupla forma de endocanibahsmo OU. de."exocanibalismo ..Os costumes funerarios kraho exibem metaforica-; mente ambas as formas: consume das carnes' daquele que, Krah6) morto, se tornou urn inimigo, consumo e Jmplantacao na casamaterna dos ossos e do nome daquilo que, DO ; Krah6 morto, perten-

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uma esposa, e os conceitos parecem tao vizinhos que 0 mesmoterm°, tovaia, designava "3;0 mesmo tempo inimigo e cunbado (H .Clastres 1972:73); ~~le~e.Clastres conclui que era necess8ri~ aos

Tupinamba transformar-em cunhados aqueles sobre os quais seiriam vingar (p . . 81).. Ha que lembrar aqui 0 costume bororo: 0

amigo formal (~-or~b.adari remawu reu, pertencente a urn elimatrilinear da metade eposta a do parceiro) assume, depois de 0

vingar, a personalidade cerimonial do morto, tendo 0 privilegio deostentar os ornamentos exclusives da Iinhagern do defunto (J. Chr,Crocker 1967:152-154 e 120 n. .1) . .Ora, se lembrarmos aqui queo amigo formal e Q . _ · u A ." __ . > - : _ ~ . .. . ~ . . . ~ _ . . .. .ossa hip6tese de--ue os m e n L o s sa o caracterizados pew sua 3lten<la e un amental.em relacao aos vivosL.~_ a l~ca desta -ai!~]!ifitl:~onomeiif1ffor(i)v~eOoutroi e 0 autro e oami8o~DiiJC Pew jogod e s t a s - e q U f v a l S n c l8S) uiii.nomem' e n c a r n a

v

0 s e u-amigo formal, nuncaenquanto vivo, mas plenamente quando morto,

Como 0 amigo formal b o ro ro , s u bs ti tu to do morto, assimtambem 0 cativo tupinamba assumia objetos e paramentos daque lemorto da triba que sua pr6pria morte iria vingar (H. Clastres1972:76) 4 A vinganca pareceria entao e~er~er-se n a o tanto contraurn estranho qualquer, mas contra alguem laboriosamente .qualifi-cado como uma imagem do morto da tribo: dos mortos tupinamba,m a ta va -se e c om ia -se- lh es 0 substitute, OU, equivalentemente,comia-se os inimigos em que se haviam convertido os pr6priosmortos.

Entre os Kraho, este lento processo de "alheamento" domorto parece estar ligado, como tentamos mos:trar no capitulo VI,

it id6ia de u ma forca vital veiculada pelo sangue. Ao se corrompe-rem as carnes e se libertarem os OSSOS, 0 que havia de individual,e em particular os Iacos de afinidade, estaria definitivamenteanulado: findava 0 luto, libertava-se 0 vhivo, Restava 0 que, noKraho, e perene: a suaossada e seus names, e ambos - quandoainda vigorava 0 enterro secundario - reverteriam a casa materna,Hoje apenas os nomes tornam a casa de origem! "0 nome de u r n .bomem Dao pede sair. Vai indo, vai indo) mas depo ls v o lt a" .

144

cia a sua persona e portanto it sociedade que : com ele n a o desa-. parece (2). Pais que e 0 canibalismo senao uma forma desepultura? . . .

Zelosa de seu patrimonio de nomes repartidos pelas casas, asociedade tambem se arrogava, com 0 enterro' secundario, 0 direitode conservar 0 que transcendia o status atribufdo pelo nome, asaber os cargos e oficios ao s quais ela elevara alguns de seusmembros. No patio da aldeia ela guardava t=- autofagia - suapropria imagem, microcosmo f6nebre das ossadas de seus witi

J

chefes, mocas associadas aos ritos de inicia-cRo,. prefeitos, canta-dores + t • Lembremos que sao na verdade grupos e nao as pessoasque os representam que estavam assim inscritos rio patio. E atravesdo grafico que tracam no solo os despojos dos seus, a sociedadeafirma a consclencia do que ne1a res is te a morte de seus membros .

. .. ..

(' E e esta sociedade macabra e subterranea, com seu cfrculo de

nomes a volta de um patio de grupos politicos e cerimoniais,j enraizados sob a aldeia emergente, que a. aldeia dos mekarii con-~I testa, P ois na tentativa de c on cilia r a . continuidade post mortem

I dos Iacos de sangue com a alteridade dos mottos, ela desembocaI Dum s imulacro de sociedade, A aldeia dos mekarii, paradlsiaca-

mente consangtifnea, revela-se Inviavel: SU~ propria perenidade, sua

. imobilidade a condenam. Sem trocas, e sem alianca, a sociedade dos\_mortos e sociedade morta.

I J Tidos por fundamentalmente diversos, os mortos servem para

f afirmar, circunscrever os vivos. 0 pensamento krah6 parece pro-

_.! ceder, vimo-lo, por complementaridades, por negacoes: en so uaquila que 0 que ell nao sou n a o e . Os inimigos, os afins, os amigosformals, sao outras tantas formas que reveste 0Dutro para que seestabeleca 0 eu . E este eu e ser-se vivo, ser-se Krah6, ser-se de

I'~ certo segmento residencial, ostentar-se urn certo n om e . .

( 2 ) as Guayaki, que parecem querer reificar quaIquer metafora,eonsomem nomes DO sentido pr6prio: pols a erianea tomara seu nome( bykwa) dos mortos ingerldos pel a r n a e durante a gravidez (P. Clastrese L. Sebag 1963:180). . '.

145

 

A qualidade de estar vivo seria ponanto um atributofundamental do Kraho: poder-se-ia esperar entao 0 que ja sechamou de individuacjlo pelo corpo. (M. Leenhardt 1971) ..Poispode-se equacionar de dais modos a pessoa, atribuir pesos relativosa s suas partes constltuintes: au a pessoa ':esta" essencialmente D O .

corpo, au a pessoa "esta" de modo priyi1cajado em SCll princillio~spiritual (3). Neste "iJtjwo caso, a pessoa perdura,. seu..nome i l O d is~ lembrado e sens I!SQ s de parentes:o com .o s vivos P9gem _ser . Refe renci as Bib li og ra f ie a s

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reafirmados aleni a a morte co ~ soIn a o de

continuida el.po ena ca er at um a ~de ancestral e doutrinasge =ama!¥!,o-com a assun"ig da peWlDBlida.d, de Wlte.PAssado_....edjante, por

ex£:mpl lh0 porte do

mesmoDom,.

Mas se 0 u:tt ide riviIe "adamente n co OJ : 0 uadro,i al~!a:-:!_e:privados do ~rte IS1CO que instaurava a pessoa, ~] p or to s s er ia t! ! entia puras . lIr!~PS, sombras evanescentes, fonnassem conte6do; ao nivelldobal, isto scria consistente com a primazia

dad" OE_osr~ao_!! .!O~(~~rto!,que se p o n e traauzi_: ~a imagemdos mortos como anti-sOc~edade. e como grupo antagonico ao do svivos ..Isto seria consistente tambem com a ausencia de sucessaoe de qualquer autoridade investida nos mortos: pois se a pessoase funda em um corpo, ela nio e "transmissfvel" it motte de sendetentor.. no entanto a ociedade deve te e meios d rar ue

[as ersona ns sejam assumidaS: a transmissao do no e e de tu 0

l_ _ . Q 1 le - ._ e g ei m p r ca In er v , · ~._,.~.~~.aos cargos publicos e

a s honrarias sao- ~~es~dattas_~·~6.~·prQ!?1.~~a~·--·~-~-·~-- - __~

;- Assumir a dominiilcia '- da oposicao dos vivos e dos mortos, permitiu-nos assim Iigare eselarecer de um modo global represen-

la¢es e praticas s oc ia is q u e pareciam desconexas. Mas a conclusaofinal e a de Haporo;: "Estar vivo e . bom".

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