Manzini Parte.I.cap.3de3

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    1.3.1 O imaginvel e o possvel

    Ezio Manzini

    A Matria da InvenoLisboa, Centro Portugus de Design, 1993, 223 pp.

    Parte I. A MATRIA E AS IDEIAS

    3. Os percursos do design

    Os castores constroem diques que so perfeitos obras de engenharia hidrulica.Os favos das abelhas so habitats fsicos construdos de acordo com umaorganizao social. A capacidade de transformar a matria do prprio ambiente,adaptando-a a necessidades especficas, ou seja, a tecnicidade, no umaprerrogativa exclusivamente humana. Com efeito, o homem desenvolveu, durantemais de um milho de anos, uma tcnica de tipo fundamentalmente zoolgico:manipulou pedras, paus e ossos de um modo que tem mais a ver com o trabalho docastor do que com o dos modernos engenheiros. A diferena no reside nasofisticao da tcnica empregue: o castor e a abelha no devem nada aoengenheiro. O fulcro da questo est na distncia entre o sujeito e a matria. Umser que pensa pode imaginar-se separado do ambiente em que se insere.

    Naturalmente que esta separao no surgiu de repente: segundoLeroi-Gourham, uma lasca de slex manipulada por um antropide no devia (nopodia( parecer-lhe muito diferente de, por exemplo, uma das suas unhas. O facto

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    dela existir separadamente e exterior ao seu corpo implicava ter que a considerar ereferir-se-lhe. A forma de pensamento e de linguagem da resultante era,

    certamente, to rudimentar como a qualidade tcnica do objecto em questo. Masj se prefigurava algo de radicalmente diferente da tcnica e modo de comunicaoanimais. Continuava a ser uma tcnica quase zoolgico, mas este "quase"representa todo o potencial futuro do homem. A histria do homo sapiens emergedeste longussimo perodo de quase identificao entre sujeito e ambiente, entresujeito e matria. E, se percorrermos a meada que constituda pela relao entretcnica e cultura, assume o aspecto de um processo gradual de separao entre oeu que pensa e a matria sobre a qual age esse eu. Os percursos do designcruzam e recruzam um plano inclinado que vai da tcnica quase zoolgica a umarelao com a matria, que se identifica com um sistema de cdigos, de linguagens,de relaes entre modelos. E sobre este plano que os percursos do design secruzam com numerosos outros caminhos igualmente complexos. Design significatambm planear e escolher, ou seja, receber e processar estmulos, seleccionarmodelos de pensamento e sistemas de valores.

    Sempre assim tem sido, mas hoje em dia a crescente distncia entre o sujeito e amatria torna mais evidente o componente cultural do design responsvel pelacriao da relao entre sujeito e matria , componente que importante nosdois sentidos. Os conhecimentos tcnicos e a linguagem so a fonte qual odesign vai buscar o estmulo para planear, e so tambm a base da organizaodos meios que constituem a prtica do design. Tem havido, por outro lado, perodoshistricos nos quais a evoluo do componente tcnico e o seu impacto tornaramdifcil adequao da linguagem e a produo de modelos de pensamento, desistemas de valores, de formas de conhecimento. Estamos a viver seguramente umdestes perodos: os percursos da experincia e os da matria obrigam o design alidar com um "novo" que est presente em todos os nveis, desde o significado dasnossas aces at s palavras que o expressam, passando pela escolha da reana qual trabalhamos e pelos canais de comunicao do conhecimento e dosestmulos. Redefinir o significado e a prtica do design dentro deste novoenquadramento implica seguir um percurso cultura( exigente e demorado.Podemos, no entanto, tomar como certo um aspecto: o valor humano dopensamento criativo, inventivo e dirigido para o design, bem como a necessidade

    de o estimular e favorecer.A tentativa de tornar mais clara a relao actualmente existente entre sujeito e

    tcnica j, um passo nesta direco.

    possvel imaginar um elefante que voa, abanando as orelhas, ou uma naveespacial mais rpida do que a luz. A mente humana tem a capacidade de imaginarqualquer coisa, "ver" o que no existe.

    H pouco mais de 30 000 anos, teve lugar a ltima mutao gentica importantena espcie humana. O homem actual resultou desta mutao, que libertou a reapr-frontal do crebro, na qual se do as associaes, aumentando

    desmesuradamente a capacidade de projectar na mente coisas que no existem.Desde ento, e sem que at data se tenham registado alteraes substanciais, o

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    homem imagina, Imagina voar como os pssaros, percorrer os mares como ospeixes, correr veloz como as gazelas...

    O homem, no entanto, possua i mos, com as quais manipulava matria hmilhes de anos, transformando pedras e paus em armas e utenslios. A presenade mos acostumadas a transformar o existente, atravs de uma tcnica e de umcrebro capaz de realizar associaes, esteve na origem da histria do homem talcomo o conhecemos. A histria do design comea com a histria do homem. Nasceassim uma categoria particular do imaginvel o imaginvel exequvel, o pensvelbaseado no conhecimento dos meios tcnicos disponveis, a partir dos quais sepode tornar possvel o pensvel.

    Pensar o possvel constitui a base de cada uma das actividades de design. Opensvel-possvel baseia-se na integrao da capacidade de imaginar, especficado homem, e como tal exterior histria (entendose histria humana e nohistria biolgica), com um componente histrico: o desenvolvimento de meiostcnicos disponveis num dado momento, os sistemas de representao e osreferentes que lhe esto associados num momento e cenrio cultural determinados.A partir destes dados historicamente determinados, o pensvel-possvel podeproduzir o novo, pode afastar-se do existente e at neg-lo. No pode, no entanto,prescindir do que existe: o existente o ncleo no qual se forma o pensamentocriativo e onde este vai buscar o estmulo. E o trampolim em que o atleta prepara osalto.

    O pensvel-possvel pode atingir o seu objectivo atravs de vias bem conhecidase muito percorridas, ou pode descobrir novas vias. Destaca-se, no pano de fundoda actividade de design, o caso particular da inveno. Tanto o design como ainveno integram pensamento e prtica, ambos se baseando numa combinao deintuio e de capacidade estratgica. Mas, enquanto no design, a tnica afinalidade (intensa em termos de valores scio-culturais mais abrangentes ou denecessidades produtivas mais exigentes), no caso da inveno, a caractersticadominante a novidade da soluo tcnica encontrada, podendo a motivaosubjacente ser a mera atribuio de um valor ao novo, como abertura de mais umjogo do possvel.

    O design e a inveno tm, pois, histrias diferentes, e o entrelaar da evoluotcnica com as transformaes scio-culturais tem, num e noutro caso,ressonncias diferentes: o ponto de encontro da evoluo e das transformaesconstitui em si mesmo uma atmosfera, um ambiente favorvel, no qual design einveno podem encontrar mais ou menos espao, e onde o impulso para aformao do novo pode verificar-se ou estar ausente.

    Inveno e repetio

    Uma lmpada que se acende subitamente sobre a cabea das personagens daBD uma das mais imediatas representaes do nascimento de uma ideia. O

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    aparecimento do novo uma luz que revela qualquer coisa que anteriormente noexistia e que aparece como por encanto.

    Na formao de uma ideia, h um elemento fortuito e o seu aparecimento podeprever-se em termos de probabilidades (verificando-se determinadas condies, talideia tinha, necessariamente, que surgir no esprito de algum; de resto, a histriarelata muitos casos de invenes simultneas independentes), e no em termosdeterminsticos (no pode comandar-se o aparecimento de uma ideia). Neste seucomponente casustico, a inveno o novo produto do homem tem algo emcomum com o novo produzido pela Natureza. Tal como na evoluo biolgica, onovo nasce de um erro de transcrio do cdigo gentico, ou seja, de um erro deinformao. Tambm no ponto de partida do inveno existe uma utilizao errneado informao, uma inadequada associao mental do que era conhecido e aceite

    at ao momento. A utilizao metafrica e ousada de imagens e modelos mentaistransferidos de um campo para outro cria novas hipteses o novos possibilidadespor experimentar.

    Relativamente evoluo biolgica, o novo, ou seja, a mutao genticaaleatria, pode ou no ser aceite (isto , tem maiores ou menores possibilidades dever reproduzida e consolidada a sua bagagem gentico) em funo da sua respostaao ambiente fsico. A ideia pode tambm ganhar fora se do desafio originalbrotarem outros ideias e se estas originarem um novo pensvel-possvel. Nestecaso, o papel desempenhado pelo ambiente natural nas mutaes genticas passaa ser representado pelo ambiente cultural, tcnico e econmico no qual a nova

    ideia se vai inserir.Os dois plos da novidade e da repetio coexistem nos sistemas social e

    produtivo, alternando perodos de predomnio da continuidade e fases favorveis srupturas com o passodo. Esta uma peculiaridade comum a todos os sistemascomplexos: dos sistemas termodinmicos que esto longe do equilbrio aossistemas biolgicos, das organizaes sociois s estruturas do conhecimentocientfico, dos organizaes produtivas aos sistemas dos objectos.

    A histria deste sistema, em particular, pode ser representada como um feixe delinhas, cada uma dos quais representa a genealogia de um determinado objecto.Utilizando a terminologia de Kubler, podemos definir estas linhas como "sequnciasformais", ou seja, urna srie de solues encadeadas entre si por laos de tradioe influncia. No interior de cada sequncia, o redesign de novos objectosapresenta-se como uma sucesso de aperfeioamentos que no questionam nem aestratgia tcnica com que o tema foi abordado e resolvido, nem a estrutura formal.Cada uma destas sequncias formais comea por uma inveno e s acabaquando se proporcionar o aparecimento de uma nova inveno que proponhasolues radicalmente diferentes.

    Alm disso, a histria de um objecto, a sua evoluo no tempo, no independente da histria e da evoluo dos outros objectos: a sequncia formal de

    cada um desenvolve-se no interior de um sistema social, cultural e produtivo, cujastransformaes preparam as fases de ruptura da continuidade, as bases das

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    grandes renovaes das formas, os perodos de inveno. Assim, uma variaoimportante numa sequncia, ou o incio de uma nova sequncia, requerem uma

    prvia e significativa acumulao de microtransformaes, de deslocamentosprogressivos quer no domnio dos significados simblicos, quer no dos tcnicas oumesmo em ambos. Esta acumulao pode verificar-se de modos e em perodos detempo diferentes.

    Na vertente tcnica, por exemplo, a inovao chega ao sistema de objectos emduos fases distintas. Na primeira, o novo abre caminho por vias secundrias,modificando to pouco quanto possvel as estruturas produtivis e os modelosorganizacionais existentes. E nesta fase que, por exemplo, se empregam os novosmateriais como imitaes, ou seja, como meros substitutos de materiaisanteriormente utilizados. Na segunda fase, pelo contrrio, todo o sistema

    redefinido em funo do grau de inovao disponvel. No entanto, paro que isto severifique, necessrio que se renom os seguintes condies: oportunidadeeconmica para a mudana, conjuntura cultural apropriada dos agentes sociaisenvolvidos, capacidade inventiva e de design para superar o tradicional modelo dereferncia, tirando o mximo partido de todas as possibilidades do novo.

    No que diz respeito aos significados simblicos e s referncias formais dosobjectos, as rupturas de continuidade podem verificar-se de forma ainda maismarcante. So, mais uma vez, o resultado de uma anterior fase de acumulao.Kubler cita como exemplo a sbito transformao da arte e da arquitectura que severificou nas primeiras dcadas deste sculo, mostrando como as transformaes

    tcnicas se tinham dado anteriormente, com uma certa continuidade no tempo, e deque modo se deu, neste cenrio, a sbita erupo do Movimento Moderno. Estemovimento apresentou-se como se "um grande nmero de homens se tivessesubitamente apercebido de que o reportrio das formas que herdara nocorrespondia j ao significado da existncia" (A Forma do Tempo). O mesmopoderamos dizer do que se passa hoe em dia, sobretudo no que respeita reaoentre a inveno, a renovao lingustica do design e a evoluo da tcnica e daproduo.

    O sculo XX tem assistido a enormes modificaes dos paradigmas cientficos,do potencial tcnico, das estruturas sociais e da prpria percepo da realidade.

    Estas alteraes no encontraram ainda correspondncia em modelos depensamento, prticas de design, referncias culturais adequados. Mesmo no planodas solues tcnicas, a presena do novo verifica-se com maior frequncia nocontexto dos modelos produtivos tradicionais (a primeira fase, atrs referida) do queno contexto de uma radical redefinio do problema.

    No h dvida de que o impulso se generalizou: o pensamento tcnico,mecnico-redutor, reorienta-se para abordagens sistmicas e sinrgicas, a culturaformal do Movimento Moderno ultrapassada por um novo mundo de imagens ecomea a despontar uma nova cultura da complexidade. No entanto, ainda hespao para a inveno: o novo, gerado pela tecnocincia, tem ainda grondes

    potencialidades no campo da transformao tcnica dos produtos e, sobretudo,desafia qualquer classificao cultural ("o reportrio das formas (...) no

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    corresponde j ao significado da existncia"). Design significa, hoje em dia, darincio a novas sequncias formais; design e inveno podem finalmente

    entrelaar-se.

    Local e global

    Um homem crava um prego com um martelo: uma subjectividade livre modifica oque existe cora uma finalidade especfica, por meio de uma ferramenta. Estarelao simples entre sujeito, matria e tcnica, que era a do pensamento dodesign ligado fase histrico do moderno, tornou-se um modelo mais generalizado,

    capaz de se estender a todos os nveis, at abranger o sistema social e produtivono seu conjunto: a tcnica, no seu todo, era como um martelo gigantesco quepermitia ao indivduo decidir o que fazer.

    Hoje em dia, esta abordagem parece-nos inadequada. A interaco de muitosindivduos e de muitos martelos d origem a um sistema que funciona de acordocom uma lgica que no pode restringir-se racionalidade do singular. A tecnologiano um instrumento de utilizao fcil, surgindo antes como uma espcie deorganismo cujo evoluo escapa a todos os controlos subjectivos.

    A histria do design e da relao do homem com a matria , portanto, avivncia de uma formo particular de vida, geneticamente dotada da possibilidade de

    escolher, que produz e suporta um mundo artificial no qual, em ltima instncia,nenhuma objectividade, individual ou colectiva, verdadeiramente determinante E,sim, a histria da relao entre as intenes dos agentes sociais dotados decapacidades locais de escolha e controlo e o funcionamento do sistema complexodo qual fazem parte.

    Logo que o primeira pedra passou do mundo das coisas para a dosinstrumentos, ou seja, quando se tornou um "objecto", estabeleceu-se uma formaembrionria da relao entre finalidades e meios a que chamamos "design". Nesteprimeiro acontecimento, o controle era unicamente local: a pedra servia para caaranimais ou partir cascas. O facto da aco em questo ser o incio da histria do

    homem no tem a ver com o design, mas apenas com o natural, com amanifestao casual de um acontecimento improvvel.

    Os empreendedores ingleses dos meados do sculo XVIII faziam design,localmente, para sou prprio proveito; a imponente transformao do ambiente e dasociedade derivada da revoluo industrial no aconteceu por escolha sua. Hojeem dia, os grandes emprios da informtica esto a conceber novas formos deinteligncia artificial. As suas motivaes so bater a concorrncia e manter-secompetitivas. Mas ser que algum j se deu ao trabalho de prever o influncia detais inovaes?

    A nica verdadeira novidade dos nossos dias que a histria nos permiteapreciar acontecirnentos passados. A velocidade das transformaes em curso

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    faz-nos perceber os sinais de uma mudana cujo alcance intumos, mas cujoresultado no nos possvel conhecer ou controlar.

    Esta sensao difusa de transformao constitui o pano de fundo da nova culturasurgida da crise do moderno. O que se desmoronou foi, particularmente, o mito dodemiurgo, sonho de poder segundo o qual tudo era virtualmente passvel de serconstrudo de forma coerente, do mais pequeno objecto orgnica social maisvasta. Actualmente, comeamos a verificar que no h um nico sistema racionalque possa impor-se, que cada objectivo tem um valor relativo e que nenhumresultado se afirma como permanente. Alm nisso, comeamos a compreender quetudo o que acontece se gera na crista de uma onda do transformaes cujocrescimento teve a contribuio de todos ns, mas que ningum podo,individualmente, controlar.

    Neste contexto, o design perdeu, em certa medida, alguma autoconfiana, esofre a impotncia do indivduo como se de uma derrota da razo se tratasse. Estaauto-consciencializao, no entanto, pode ser interpretada de um modo diferente.Da crise do design demirgico poder emergir um design mais maduro, expressopor uma sub jectividade que se considere parte de um sistema mais amplo no qualse integrem escolhas humanas, dinmicas histricas e leis naturais, voltadas paraum futuro em aberto. Sob este ponto de visto, sendo certo que nenhum indivduo capaz de ter uma opinio definida sobre como ser o futuro, no menos verdadeque todos os indivduos participam num jogo cujo resultado se dever integraoconflituosa de uma srie de opes individuais.

    A ideia de design que aqui se perfila com certeza menos unvoca do que a quetnhamos antigamente. O grande jogo global articula-se, de facto, numamultiplicidade de jogos diferentes, cada um deles com as suas prprias regras eactores, oferecendo ao design diversos cenrios possveis. As opes daresultantes, desde pregar um prego at organizao de uma estratgiaempresarial ou ao estabelecimento de uma poltica de ordenamento do territrio,traduzem-se numa movimentao entre subsistemas com historiais diferentes evrios nveis de complexidade implicando, portanto, uma vasta gama de modelosde funcionamento. O design implica a capacidade de nos movermos atravs destarede de modelos sobrepostos e conexos, negociando pontos de convergncia entre

    organismos sociais, debatendo e determinando, a cada instante, finalidades esignificados.

    Criatividade e conhecimento

    A vaga de transformaes da tecnocincia pode ser entendida como uma foraopressora e incontrolvel, ou ser encarada do ponto de vista do surfista: as grandesondas oferecem excelentes oportunidades para todos quantos tenham a

    capacidade e a coragem de os apanhar.

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    Se e como podemos influenciar tais vagas, como podemos orientar a dinmicado seu movimento, continuam a ser questes em aberto. A imagem do surfista, no

    entanto, tem a vantagem de descrever uma atitude positiva em face da objectivaimpossibilidade do indivduo controlar as profundas transformaes em curso.Longe de ficar de pernas para o ar por causa da onda, o surfista/ designerconsegue servir-se dos seus conhecimentos e experincia para fazer opes e agir,garantindo assim a possibilidade de ser criativo do modo mais apropriado situao. Por outro lado, apanhar uma onda, seguindo-a e dominando-a ao mesmotempo, controlando os factores imprevistos e. ot tirando deles partido, implica umagrande familiaridade com as ondas. O conhecimento da evoluo e dinmicatecnolgicas, bem como dos suas correntes internas, constitui a base de qualquerforma de criatividade que no admite ser marginalizada ou varrida para longe.

    por via deste conhecimento e do relao que consegue estabelecer-se entreideias e matria que o design toma forma, tanto em termos prticos (ou seja,passando da ideia paro a matria) como no sentido contrrio (da matria paro aideia).

    Tradicionalmente, a matria observada e conhecida atravs de umaexperincia directa tem representado, para artesos e artistas, no s umalimitao reol com que se confrontam, mas tambm uma grande fonte de estmulocriativo. Ho[e em dia, o generalizada e profunda artificializao e o progressivadesmaterializao, alteraram este quadro de referncias e o modo como abordado. A nova matria onde se vai hoje buscar o estmulo criativo no

    proporciono j as coractersticas fsicos de um dado material, mas antes umconjunto de possibilidades e desempenhos, um "possvel" que surge daquilo quepode ser fabricado atravs de um sistema tcnico capaz de manipulaes cada vezmais subtis.

    A "matria" do design e da inveno pode, portanto, tomar a forma de umprocesso que nos permite realizar determinado com psito, de um mtodo declculo conducente a novas abordagens de um problema estrutural, de umprocesso produtivo automatizado que, impondo um novo conjunto de limitaes,cria simultaneamenfe novas possibilidades. Outro resultado possvel (e estamosaqui em presena do maior filo de estmulos e referncias) aquele j verificado

    noutros campos e que pode ser transposto para uma novo aplicao, transferindoimagens e deios antes mesmo do transferncia tecnolgica, podendo tornar-seuma fonte de metforas generativas.

    O campo do possvel alarga-se, assim, enormemente, tanto na vertical, emdireco a uma maior especializao, como horizontalmente, em direco ao que jtinha sido realizado noutros sectores. Pe-se aqui um problema de conhecimentono s quantitativo, mas tambm quolitativo: pensar o possvel, tendo comoreferncia esta nova matria mais rica de formos, mois abstracta, mais fludo nunsaspectos e mais rgida noutros.

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    1.3.1 Os modos do saber

    Na histria do homo sapiens, o pensamento mgico, tal como o religioso e ofilosfico, ou seja, todos as formos de pensamento associados capacidade deutilizao da linguagem e de produzir smbolos, atingiu rapidamente um nvel decompiexidade comparvel ao de hoje. O pensamento tcnico, por seu lado, seguiuum percurso diferente; a relao entre a matria e os que com elo trabalhamafirmou-se duronte perodos de tempo mais longos, evoluiu mais lenta egradualmente. A tendncia poro a abstraco parece encontrar, nas caractersticosfsicas dos moteriais, uma ligao duradoura com os aspectos mais prticos e

    imediatos da nossa experincia. Desde o homem da Idade da Pedra, o artesoaparece-nos como umo figuro cujos "conhecimentos" obedeciam a regras ditadaspelo matria; as suas aces e pensamento estiverom sempre ligados esubalternizados s exigncias do material que trabalhava. O conhecimentotcnico do arteso provinha ento de uma profundo familiaridade tanto emtermos fsicos como perceptivos com os materiais. A observao e manipulaoprtica de tais materiais era frequentemente a melhor das escolas tcnicas. Emcada um dos gestos do arteso havia uma acumulao de experincia histrica quetinha filtrado as solues mais favorveis, eliminando as restantes. Este processode elaborao to profundamente determinado pelas propriedades e requisitosdos materiais que a relao entre arteso e matria permaneceu praticamenteimutvel ao longo dos tempos. O conhecimento de um arteso o de algum que,fazendo bem determinada coisa, no consegue explicar porque a faz desse modo.

    A inovao, quando surge, o registo de um acaso fortuito, muitas vezes de umerro feliz, porque com bons resultados, e no de uma deliberada opo de designno sentido que que lhe damos hoje.

    Mgicos, filsofos e sacerdotes, pelo contrrio, agem no reino do pensamento,das imagens, das associaes abstractas e da linguagem. No esto sujeitos aosrequesitos da matria, iro tm que produzir resultados palpveis. O seu modelomental sinttico e no analtico.

    Num determinado ponto da histria, surgiu uma nova estratgia de pensamentoque iorrdia a fundir estes dois modelos mentais: o cincia moderno. A cincia estlimitada pela matria, isto , por resultados, mos parte de hipteses iniciaisbaseadas no pensamento, ou seja, na imaginao de um resultado.

    Artesos e engenheiros

    A cincia no se tornou de imediato um factor de produo. Durante um certo

    perodo, moveu-se paralelamente produo, incidindo mais profundamente nosmodelos de pensamento do que em actividades prticos. Porm, com o dealbar da

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    revoluo industrial, a cincia foi integrado na engenharia, enquanto o critrio deeconomicidade se tornava um poderoso impulso para a inovao, reforado prlo

    crescente concorrncia entre fabricantes o sectores de fabrico. No novo cenriotcnico e cultural, os materiais disponveis mutiplicaram-se e acelerou-se o suaevoluo.

    Todos os anteriores modelos de comportamento o de conhecimento tcnico setomaram inteis. O conhecimento prtico e o formao inicial dos artesos careciade um elemento fundamental para poderem ser reproduzidos: o tempo. Numasituao de Ir r ir do tonrpo, mas com possibilidade de projeces tericas, nasceuma nova figura: a do engenheiro que faz no o que viu outros fazerem mas o quesobe calcular.

    Ao contrrio dos artesos, os engenheiros servem-se de uma linguagemreferencial e de grande preciso na descrio de si prprios e dos seusprocedimentos. Sabem o que fazem e porque o fazem. No vem o novo como umsalto no vazio, porque os seus clculos lhes permitem antever os resultados. Amatria deixou de ser um determinado bloco de madeira ou de pedra a transformar,mas um modelo abstracto caracterizado por parmetros (propriedades) e porrelaes entre estes. Para um engenheiro, um material conhecido desde quesejam conhecidos as respectivas propriedades, o mesmo dizer, desde quetenham sido codificados numericamente.

    A passagem para uma relao abstracta e codificada com a matria no se deucertamente de um dia para o outro. Durante cerca de dois sculos, verificou-se acoexistncia do conhecimento terico e da experincia prtica. O nmero demateriais e o ritmo do seu desenvolvimento eram tais que os designers podiamtrabalhar com um dado material durante um perodo de tempo suficientementeextenso para conseguirem integrar os respectivos desempenhos, expressos emparmetros numricos, no seu conhecimento e efectuar testes empricos s suaspropriedades. Os designers aprendiam pelos livros, mas tinham tempo eoportunidade de descobrir, "com as mos na mossa", os segredos do mister. Esteconhecimento misto tpico da imagem do designer moderno, e ainda a maisvulgarizada.

    Hoje em dia, a situao mudou. O conhecimento abstracto e terico dosmateriais j no apenas um dos vrios modos de conhecer admissveis, mas onico possvel. H ainda lugar para um conhecimento e prticos parecidos com osdos artfices tradicionais, graas multiplicidade de opes produtivas e demarkerting, mas o design tem que levar em conta a tendncia dominante onmero de materiais disponveis impede a aquisio de experincia prticarelativamente a todos eles; o aparecimento dos materiais "feitos por medida", queno existiam antes do design, tornam essa aquisio conceptualmente impossvel.

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    O novo cognoscvel

    Hoje em dia, um designer que tencione trabalhar no campo das possibilidadesabertas pela inovao tcnica no s tem que se orientar entre numerosas opes,mas tem sobretudo que adaptar a sua capacidade intuitiva, a sua criatividade e oseu mtodo de trabalho tendncia geral para a abstraco, imaterialidade e mutiplicidade de parmetros que deve equacionar para trabalhar com a matria.

    O material tradicional, no "especializado", definia limites que tinhamrepercusses na imagem final do objecto, caracterizando-a fortemente. Ao mesmotempo, a adopo do sobredimensionamento imposto pelo material noespecializado no s permitia uma certa liberdade de manobra, em termos formaise funcionais, mas deixava margem para excessos ou mesmo erros. Alm disso,

    tendo o designer interiorizado, pela prtica, o conhecimento de certaspropriedades, podia concentrar-se num nmero reduzido de parmetros, tomandoos restantes por adquiridos. Em presena de materiais novos ou at de materiaisfeitos "por medida" tudo mudo. Estes materiais tm um conjunto especfico depropriedades que so utilizadas em condies cada vez mais prximas dos seuslimites de desempenho. E exactamente porque cada uma das caractersticas optimizada que, se no se considerar um s parmetro ou se se negligenciar umas das suas condies de utilizao, pode dar-se o colapso do produto.

    Assim, enquanto, por um lado, a evoluo tcnica e cientfica d nova dimensoao campo do possvel, necessrio, por outro, um alargamento mais do que

    proporcional do nmero dos factores que devem ser conhecidos e controlados. Asoma de conhecimentos necessria tal que o design se est a tornar, cada vezmais, uma actividade colectiva, desenvolvido por um nmero crescente deintervenientes, cada um dos quais contribui de um modo especializado.

    Esta multiplicao de conhecimentos tcnicos parcelares constitui mais umdistanciamento entre o indivduo e a matria. Durante a primeira fase industrial,entre a matria e o engenheiro havia apenas os clculos e modelos. Nos dias dehoje, entre cada indivduo e a matria, est no s a sua parcela de conhecimento,mas tambm a dos restantes intervenientes no processo global. A possibilidade depensar de cada um dos indivduos depende assim, em larga medida, de um

    intercmbio de informaes e da capacidade de estabelecer um contacto com todosos que estejam envolvidos num determinado processo.

    O possvel reveste-se, assim, de dois aspectos: um, puramente terico, o dasilimitadas combinaes da matria, resultado de tudo o que a tecnocincia pensoue produziu; o outro, de aplicao prtica, o possvel que advm da comunicaoentre vrias reas do conhecimento.

    Por outro lado, o prprio pensvel-possvel tem duas faces: uma delas acrescente possibilidade de manipulao em reas de competncia bem delimitadas,que decorre de um saber especfico (a inveno de um novo polmero, oaperfeioamento de um algoritmo); a outra deriva da abertura de novos canais de

    comunicao entre reas diferentes um pensvel-possvel que se baseia numconhecimento transversal capaz de se relacionar com mundos, lnguas e dialectos

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    tcnicos. A tecnocincia consolidou o primeiro destes nveis, enquanto o segundo,se bem que sempre tenha existido, tem sido preterido pela tradio tcnica recente.

    A multiplicao das linguagens

    A especializao do conhecimento tcnico uma consequncia directa daprioridade dada a uma das metas do pensamento moderno: o manipulao maisrefinada e profunda do existente. As linguagens que o conhecimento tcnico usoso um modo sinttico de ultrapassar o que j bem conhecido e chegardirectamente frente de batalha do novo. A delimitao do campo de batalha a

    nica maneiro de evitar o desperdcio dos energias intelectuais dos investigadores.A criao de uma prtica e de uma cultura de grupo (e da respectiva viso domundo) a resposta natural descoberta do significado e das motivaes de todosquantos fazem parte desse grupo.

    O aparecimento e a consolidao desta tendncia produziram uma exploso dopotencial tcnico-cientfico. Os resultados tm sido excepcionais. Mas, como todosos grandes xitos, tambm este factor conduziu a resultados imprevistos.

    O primeiro foi a tendncia que nos levou a constatar que a especializaoparece ser infindvel. Com efeito, o conhecimento especializado reve(a uma sriede novos problemas que geram, por sua vez, novas especializaes. At h pouco

    tempo, este facto no era reconhecido, pelo que o modelo comum s esferastcnicas e cientficas apresentava o cognoscvel como uma quantidade finita deinformao: o conjunto do saber podia imaginar-se como uma pirmide baseada naespecializao.

    Esta imagem entra em crise quando conforntoda com a impossibilidade deestabelecer uma base para a totalidade da estrutura. Quanto mais a cincia penetranos fenmenos que regem a Natureza, mais interrogaes se colocam; quanto maisa especializao tcnica restringe a sua esfera de interesse, mais vulgar surgiremnovos problemas e incertezas fora do seu mbito de aco. O conhecimentoespecializado aparece-nos, assim, muito diferente de uma pedra basilar numa

    pirmide; vmo-lo antes como um ponto onde se encontra um feixe de linhas rectas representando problemas que se abre em leque para montante e jusante darea limitada que se est a considerar. Quando a nossa ateno est concentradanum aspecto, abre-se um leque de problemas nos campos da cincia, dastecnologias de processamento, dos mtodos de clculo...

    O segundo resultado imprevisto lembra-nos a Torre de Babel. Num determinadoponto da construo desta, a multido de trabalhadores apercebeu-se de que jno conseguia comunicar entre si todos falavam lnguas diferentes. Os camposespecializados do saber tm problemas, competncias e linguagens em comumcom os campos que lhe esto a montante e a jusante, mas a grande dificuldade

    est em estabelecer uma comunicao horizontal.

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    A multiplicao das competncias, lnguas e canais de comunicao resfringe acompreenso e at a simples percepo de novas possibilidades, tornando cada

    vez mais difcil reproduzir o conhecimento tcnico transversal de que o designerprecisa para poder avaliar as opes. Esse conhecimento era, tradicional-mente,construdo a partir da juno de vrios elementos do conhecimento especializado.

    O conhecimento transversal

    Temos falado do designer em termos genricos, como um indivduo que fazescolhas, que toma decises a partir de uma srie de opes baseadas numa

    hierarquia de valores. Na realidade, os designers so muito diferentes uns dosoutros, tanto em termos de formao como do sistema de significados que utilizamcomo referencial. A tradio consolidou dois esteretipos o do engenheiro e o doarquitecto-designer. O primeiro tem sido geralmente identificado com a evoluo damoderna tecnologia. O segundo tem na sua bagagem cultural uma tradio maisantiga e uma interseco mais complexa de problemas tcnicos no estrito menterelacionados com aspectos de produo.

    As histrias destes dois esteretipos so bem diferentes. Os engenheiros tm-seespecializado progressivamente, adoptando sistemas de valores que existem nombito da sua actividade: melhorar o design em termos tcnicos e econmicos,

    atravs da resoluo de problemas especficos. Os arquitectos, por outro lado, tmcontinuado a confrontar-se com toda a gama das possibilidades tcnicas,recorrendo a um sistema de valores que compreende atitudes sociais, expresseslingusticas e consideraes estticas.

    Esta diferena de atitudes tem normalmente levado os arquitectos a ter cada vezmenos domnio sobre o conjunto das reas tcnicas, enquanto os engenheiros graas progressiva restrio do seu campo de interesse tm sido capazes dedominar alguns aspectos das novas tecnologias.

    No entanto, a actual crise da cognoscibilidade da tcnica tem atingido at osengenheiros que at h pouco eram considerados especialistas. No captulo

    dedicado a "Os percursos da matria", falmos brevemente de determinadossectores produtivos, tradicional mente associados a um s material e aosrespectivos processos de transformao, que tendem hoje a afastar-se das suasculturas de produo especializada. As novas alternativas de design nestessectores devem, portanto, ser avaliadas com base numa percepo horizontal, queno faz parte de um conhecimento especializado. Para alm disso, em severificando a evoluo do sistema produtivo para uma situao em que sorealadas as funes "servio" e "comunicao", os aspectos tcnicos deverocruzar-se, em todos os nveis do design, com outros problemas complexos. Afinal, anecessidade de conhecimento no especializado parece no apenas ter

    sobrevivido mas estar destinada a permanecer uma das pr-condies de base doconhecimento, incluindo o tcnico.

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    O facto da figura do designer individual dever ser substitudo por uma equipa dedesign modifica e complica o panorama, sem no entanto lhe retirar o significado

    original: sendo o colectivo formado por diversas figuras, cada uma das quaisfornece um tipo de conhecimento, necessrio que estabeleam entre si umaforma de comunicao e uma percepo recproca da especialidade de cada um,ou seja, o conhecimento do que cada um sabe e do que capaz de fazer.

    Assim, apesar das considerveis diferenas prticas e ideolgicas existentesentre designers de vrias origens e interesses diversificados, na rea da matria ou, para sermos mais especficos, na rea das tcnicas atravs das quais podemosalterar a matria a separao j no existe entre os dois esteretipos histricos,o do engenheiro e o do arquitecto-designer. A fronteira, hoje, separa os quetrabalham com a pergunta "O que ?" laqueles para quem o conhecimento

    especializado e vertical ainda til) e os que lidam com a questo "De que preciso,e porqu?" (que so aqueles para quem necessrio o estabelecimento de novasbases na reloo com o possvel). A segunda pergunto, com efeito, implica umconheci- mento e uma percepo que no se organizam em redor das entidadesfsicas ds materiais, mas volta de certos funes e de uma variedade de opes.

    Esta percepo tcnico assemelha-se mais a um mtodo operativo do que a umsistema de classificao. De facto, uma classificao completa das possibilidadesfuncionais impossvel. A pergunta e a resposta possvel implicam um componentesubjectivo. O ponto de visto da pessoa que faz o pergunta no pode ser ignorado,como sucede ao da pergunto tradicional "O que ?".

    Alm disso, o significado da pergunta "De que preciso?", por estar associado auma opinio subjectiva e no a um objecto fixo, pode tambm mudar durante opercurso: os meus interlocutores podem introduzir, com as suas respostas,elementos que podem levar-me a modificar os meus objectivos (e com eles, umaalterao do "De que preciso?"). No processo de formao da percepo, ouconhecimento, introduzido um elemento de retroaco. E a criao destasretroaces torno impossvel representar o design e os estratgias cognitivasatravs de modelos simples: o campo de possibilidades em que o designer se movehoje um sistema complexo, no s por ser extenso e mutvel, mas tambmporque o indivduo que o explora , ele prprio, parte desse sistema.

    Um dos pontos cardiais da cincia contempornea partir do princpio de que oobservador parte integrante do sistema observado, mais tarde alargado o vriasreas do conhecimento, desde os sistemas biolgicos aos sociais. As questesanteriormente analisadas atravs de filtros de solues simples ou simplificadoraspodem agora considerar-se a partir de outro ponto de vista. Neste novo ambiente, oacto de design pode ser reconsiderado como a base da sua racionalidade distintiva,que deriva de um processo que no nem inteiramente casual nem perfeitamentesistemtico, mas que leva a investigao a tomar gradualmente forma, atravs deuma srie de contactos e de intercmbios comunicativos.

    Para que isto se posso reolizar eficazmente, , no entanto, necessrio que odesigner saibo ou tenha a intuio de como e com quem deve comunicar. A

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    determinao de quais as pessoas com quem se deve comunicar o fundamentodo conhecimento tcnico transversal. Conseguir, com estas pessoas, uma

    comunicao profcua requer um tipo especial de organizao do conhecimento eda percepo que, parafraseando Edgar Morin, pode definir-se como "sabedoria doconhecimento", Isto significa saber quem sobe o qu, reconhecer que porte desseconhecimento pode ser interessante e conseguir comunicar com esse algum.

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    1.3.3 Simples e complexo

    Para Miguel ngelo, esculpir consistia em extrair de um bloco de mrmore oforma que a sua intuio de artista (he dizia estar nele encerrada e libert-la detodas os partes excedentrias. Projectar tambm dar forma matria, mas hojeesse acto bastonte menos linear. D-se maior nfase conscincia de que odesigner condiciona o processo, mas que tambm condicionado pelo sistema emque opera. Alm disso, torna-se claro que a forma do produto acabado sempre,de algum modo, influenciada pelo processo cognitivo do designer, antes ou durantea sua actividade.

    Tal como no passado, h um fluxo de informaes no base do actividade de

    design. Os designers trabalham sobre esse fluxo, introduzindo-lhe a suacapacidade de prefiguroo e de inveno, gerando tonto a informao fornecidapor outros como aquela que encontram "congelada" nos materiais e componentesde que se servem. Entre o bloco de mrmore original e a esttua de Miguel Angelo,existe um conjunto intermdio de informaes que o artista conferiu matria,atravs da transformao de uma forma mais provve) (o bloco) numa menosprovvel (a esttua).

    A nova qualidade da matria, no entanto, reside na maior articulao eformalizao a gerir, com a consequente dificuldade de interagir com uma srie deopes, que aparecem como uma quantidade crescente do sinais emitidas numa

    multiplicidade de cdigos diferentes. Dada a falta de instrumentos interpretati- vosadequados, existe o perigo de que o possvel possa permanecer moro potencial,no conseguindo tornar-se pensvel para o designer devido a dificuldades decomunicao. Os sinais que no so descodificados no se tornam informao;pouco mais so do que barulho.

    Por outro lado, impossvel (no s em termos prticas, mas tambmconceptuais) atingir uma inteligibilidade total, ou seja, um conhecimento dosomatrio de tudo aquilo que transmitido pelos vrios cdigos. Quem a tentassealcanar ver-se-ia na situao dos cartgrafos do imperador, descrita por JorgeLus Borges, que, para representar os territrios do seu soberano com o maior

    pormenor possvel, produziram um mapa to grande como o prprio imprio, dondeintil.

    Qualquer abordagem da realidade que queira apresent-la de maneiracompreensvel dever recorrer utilizao de um filtro, um modo de organizar ainformao bruta de acordo com um modelo aproprtado ao tipo especfico deinformao que se pretende obter. A qualidade do que conhecido depende daqualidade (ou sea, da adequao) do referido modelo. Am do mais, objectivosdiferentes requerem modelos diferentes. Para atravessar a Europa, precisamos deum mapa de estradas ( escala 1:5 000 000); para nas orientarmos no centro deVeneza, precisamos de uma mapa das ruas e canais (1:5000).

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    A dificuldade em aumentar e tornar mais orgnico o nosso conhecimento de tudoo que a tecnologia possibilita est na falta de uma "cartografia" com mapas a

    escalas diferentes, que permitam ao designer-via jante ora sobrevoar continentes(ou seja, compreender-lhes a dinmica geral) ora orientar-se nas viojas das reasde actividade mais especficas. Em suma, falta efectuar a imensa tarefa deorganizar a informao especificamente dirigida s necessidades do utilizador.

    A reorganizao das vrias reas especializadas em redor de funes dadas,bem como a criao de bancos de dados e de sistemas inteligentes capazes deajudar o designer na tomada de decises (Computer Aided Material Design, ver1.2.2), constituem tarefas importantes e de vulto na ressistematizao do saber,muito embora no esgotem os problemas com que o designer se depara aotrabalhar com a "nova matria". Mesmo na hiptese (ainda longinqual de uma

    efectiva disponibilidade destes instrumentos, nem sempre o que conhecido emtermos prticos corresponde ao que teoricamente possvel. Um banco de dados, contudo, um mundo por explorar, tal como um sistema inteligente pode respondera determinadas perguntas mas h que fazer as perguntas primeiro. Estas spodem basear-se numa imagem inicial do problema, que o interlocutor deve, deuma maneira ou de outra, formular.

    O principal problema do designer continuar ento a ser o de colocar asperguntas correctas, formando imagens mentais apropriadas realidade com basena qual ir organizar a sua explorao. Quer esta consista em visitas a fbricas elaboratrios, na leitura de livros e revistas, em conversas com especialistas, quer

    num dilogo com um computador, o problema mantm-se: como fazer com que ainformao surja do rudo, como criar filtros e cdigos interpretativos capazes deextrair, da massa de dados disponveis, os dados providos de significado.

    Referindo-se o termo "design" a um conjunto extremamente complexo ediferenciado de actividades mentais e de ndole prtica, o designer necessita de umconjunto de filtros e modelos de referncias igualmente complexos e diferenciados.Aqueles de que falaremos nos pargrafos seguintes no constituem certamente umquadro exaustivo, mas so suficientes para indicar o modo como as propriedadesda matria pem em causa as bases tradicionais do pensamento tcnico, indicandoas caractersticas de um conhecimento do designer adequado nova atmosfera

    tcnica e cultural em que trabalha o "conhecimento do conhecimento" a quefizemos referncia.

    Problem setting e problem solving, ou sela, estabelecer os termos em que secoloca um problema e organizar os meios para o resolver, so duas vertentes domesmo design. Correspondem a prticas e actividades mentais muito diferentes,baseadas em estilos de racionalidade e formas de conhecimento tambmdiferentes.

    No esquema tradicional do processo de design (mormente em reas sobretudoorientadas para a engenharia e para a produo), o problem setting verifica-se a

    montante e frequentemente tido como um dado adquirido; o problem solving esta jusante e considerado uma actividade que pode ser dominada atravs de uma

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    racionalidade funcional, linear e terica. Trata-se de um esquema simplificado que,salvo casos particulares, est muito distante da prtica concreta.

    verdade que existe sempre um ponto de partido, no qual o problema colocado, mas no verdade que o problem setting se limite a esta fase inicial.Durante todo o desenvolvimento de projecto, apresenta-se constantemente anecessidade de definir problemas parciais associados a vrios componentes esubcomponentes e, destes problemas e respectivas solues, pode surgir anecessidade de redefinir o problema global. Isto introduz no processo de designnovos valores, aleatrios e no codificveis, caractersticos do problem setting, quetornam a fase de problem solving mais complexa e dificilmente codificvel.

    Com efeito, o problem sertting tem origem numa imagem mental, uma metforacapaz de produzir outras imagens e, portanto, aces, interaces de sujeitos eintervenes sobre a matria. E este salto da imaginao que d ao problema a suadefinio inicial e que prepara a respectiva soluo. "Resolver um problema",segundo Herbert A. Simon, "significa simplesmente represent-lo de modo a tornartransparente a sua soluo". Por outras palavras, na origem de cadadesenvolvimento sucessivo iproblem so(ving), est sempre um acontecimento queno pode ser formalizado, h sempre o nascimento de uma metfora generativa, oapresentao de uma ideia simples, mas dotada da capacidade de sintetizar umasrie de elementos complexos.

    A qualidade desta ideia, a capacidade generotiva da metfora, no deve sertomada como um dado adquirido; um elemento do acaso, cuja probabilidade dese revelar eficaz depende de muitos factores, mas sobretudo da bagagem cultura)de quem formulou a ideia. Esta base um conjunto complexo de conhecimentostcnicos especficos e de modelos de referncia, dois elementos que, apesar decombinados de maneiras diversos e em propores diferentes, esto semprepresentes em simultneo.

    O designer precisa, portanto, de dois instrumentos de qualidades opostas: um"microscpio" e um "macroscpio".

    O "macroscpio" serve para manter agregada a tecnocincia, para observar osseus movimentos, as suas relaes com a sociedade e a cultura, as transformaes

    que induz nas propriedades dos objectos e nas relaes entre objectos e sujeitos.O "macroscpio" uma cultura tecnolgica que decorre da utilizao de modelosde pensamento apropriados. A qualidade da imagem que o ponto de partidapara o problem setfing e o mapa global do possvel do qual se podem obteroutros mapas mais pormenorizados sobre os quais podemos traar o percurso doprob/em solvng tm a sua origem no macroscpio.

    Tm aqui a sua origem, mas no se esgotam aqui. E tpico do processo dedesign a inspirao de uma soluo poder deslocar-se no sentido inverso, surgindoda observao pontual de um pormenor, de um caso nico, e chegar a uma imagemque tem, para o designer, um valor mais geral. Por isso, a par do "macroscpio", o

    designer precisa de um "microscpio". Se o primeiro serve para satisfazer a suacuriosidade sobre o que est a acontecer (uma curiosidade comum ao designer e a

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    todos os intervenientes nas tomadas de deciso em reas como os planeamentoseconmico ou regional(, o segundo satisfaz um tipo de curiosidade que lhe mais

    prpria: saber como funcionam as coisas, at ao mais nfimo pormenor.Se bem que a curiosidade sela uma qualidade fundamental para um designer,

    deve ser acompanhada por uma habilidade acrobtica, de modo a que possainteressar-se simultaneamente pelas transformaes sociais e culturais que seroinduzidas pela propagao da inteligncia artificial, pela maneira brilhante como feita a uno de uma perna de mesa ao tampo, pea soluo empregue nomecanismo de abertura do colector solar articulado do vaivm espacial. De facto, odesigner pode coligir, destas pequenas observaes localizadas, ideias einspirao para serem aplicadas noutro contexto.

    O processo de penetrao transversal das novas tecnologias baseia-se nacapacidade dos designers utilizarem aquilo que foi l conseguido como fonte deideias, a partir da qual podem alimentar a sua prpria criatividade. Esta capacidadede observao do pormenor requer, por seu turno, uma capacidade de leiturafundada num sistema de referncias adequado s propriedades que a "novamatria" apresenta. Por outras palavras, o "macroscpio" e o "microscpio" deveroambos ultrapassar alguns modelos de pensamento Fulcrais na recente tradiotcnica. E precisamente nesta rea que a adaptao ao novo se revela mais difcil.O pensamento tcnico especializado baseia-se, em larga medida, em modelosimplcitos, formados num ambiente cultural que est hole muito distante. Osprimrdios da cincia moderna e os vrios comeos da indstria basearam-se numa

    viso mecnica e redutora da realidade, bem como numa racionalidade que pareciasempre tranparente, nica. O estrondoso xito da cincia e da indstriaconfirmaram a correco desta abordagem, tornaram-na absoluta (fazendo-aparecer a nica possvel), interiorizada como algo perfeitamente certo que nohavia que questionar de cada vez que se utilizava. Hole em dia, o panorama dasreferncias culturais oferece uma imagem de menos certeza (ver 1 .3.11 e asrelaes com a tecnologia tendem tambm a modificar-se. A necessidade de umareviso dos modelos de pensamento no , portanto, apenas uma necessidadecultural bsica, mas tambm a necessidade de produzir, em sentido mais estrito,instrumentos de trabalho mais adequados.

    H quatro aspectos desta situao que so especialmente importantes: a criseda cognoscibilidade dos materiais atravs da classificao de elementos; anecessidade de ultrapassar o que h de redutor na concepo de oblectosaltamente integrados; a no linearidade do processo de design; a mutiplicidade dasformas de racionalidade.

    O inclassificvel

    Toda a orgnica taxonmica formada com base num conlunto limitado deoblectos que diferem entre si e que so estveis atravs do tempo. Trata-se de uma

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    forma de conhecimento que tem tido grande importncia na histria da cultura asgrandes classificaes dos remos mineral, vegetal e animal foram fundamentais

    para a construo do saber moderno. Apesar de serem teis sob certas condies,isso no significa que os princpios que as regem se possam aplicar a qualquerrea de estudo. Foram teis, por exemplo, porque segundo a nossa escala detempo, podamos considerar que os elementos a serem organizados num sistemaeram diferentes uns dos outros e estveis. Se, no entanto, imaginarmos umagrande acelerao na histria biolgica e geolgica, podemos ver que a tarefa doclassificador se tornaria impossvel, dadas as constantes alteraes que sofreriacada uma das categorias.

    Essa situao no provocaria necessariamente uma crise da cognoscibilidade,mas poderia criar uma crise num dado modelo do conhecimento. Continuaria a ser

    possvel um conhecimento sobre a "realidade veloz" que imaginmos, mas poroutras vias: atravs da individualizao dos fluxos, tendncias e modelosinterpretativos dos factores que implicam estabilidade e sobre as condiesambientais que induzem transformao e ruptura, de modo semelhante ao quetentam fazer actualmente as teorias da evoluo.

    A cincia contempornea prope numerosos modelos cognifivos deste gnero.Tambm o conhecimento tcnico, se quiser encarar a nova realidade da matria,ter de desenvolver modelos adequados para captar qualidades num sistema emque as identidades se sobrepem e a mudana prevalece sobre a estabilidade.

    Se olharmos para o mundo dos plsticos (ver 2. 1), as dificuldades associadas sua classificao por propriedades so bem notrias. Os designers e tcnicos quetrabalham de perto com estes materiais tm, desde h muito (e com considervelesforo), adoptado estratgias cognitivas que tm pouco a ver com uma rgidaclassificao em famlias e subfamlias. As novas estratgias baseiam-se naindividualizao de caractersticas dominantes e dos seus campos de variao, delimites e dos intervalos entre estes, de interaces intuitivas e anti-intuitivas. Poroutro lado, esta forma de conhecimento, que admite a complexidade e avariabilidade do objecto estudado, est a tornar-se cada vez menos umaprerrogativa dos plsticos e cada vez mais uma forma adequada ao conhecimentode todo o campo dos materiais. O simples arquivo de objectos (culturais e fsicos)

    sobre os quais o pensamento da engenharia moderna edificou o seu conhecimentoe prtica tem agora que ser substitudo por referncias mais mveis, por "objectos"que variam em intervalos maiores ou menores. Parafraseando Michel Serres, opensamento tcnico deve ser capaz, quando necessrio, de abandonar o mundorgido de Marte para entrar no mundo fluido de Vnus.

    Sinergias

    Um compsito avanado um material em cujo design um mais um no so dois.As suas qualidades no so dadas pela soma das propriedades dos seus

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    componentes, mas pelo resultado de uma interaco mais complexa que se crianas superfcies em contacto. Projectar um compsito significa, portanto, trabalhar

    com um sistema de relaes e de sinergias possveis.Este papel central atribudo ao aspecto sinrgico uma nova atitude mental

    relativamente ao pensamento tcnico tradicional que, durante dois sculos, seconstruiu e reforou segundo uma posio diametralmente oposta: o pensamentode design tradicional apoiava-se na decomposio do problema em elementossimples e na sua subsequente recomposio mecnica.

    Todavia, a necessidade de superar o pensamento tcnico tradicional tem ummbito bastante mais extenso e generalizado do que o campo dos compsitosavanados. Abrange todo o sistema de objectos, sob o impulso da integrao defunes, que constitui uma das tendncias mais importantes da tcnicacontempornea. O tipo de salto cultural necessrio pode ser visto indirectamente,comparando a imagem de um objecto tpico da fase mecnica com a imagem aque anteriormente nos referimos como sendo quase orgnica de um objecto emque se verihca uma integrao mais acabada de materiais e funes. O objectoparece mais denso, mais difcil de dividir em partes, regido por fenmenos poucointeligveis para o observador. O primeiro objecto, pelo contrrio, parece"transparente"; mesmo no caso de objectos complicados, de uma idade maisrecuada, como um relgio ou uma locomotiva a vapor, a complicao pelo menoslegvel para todos quantos estejam familiarizados com a gramtica e sintaxeelementares da mecnica. Os componentes e as funes podem ser claramente

    associados; as peas so macroscpicas; as ligaes, evidentes; e lineares asrelaes de causa-efeito.

    Este salto da imagem contm um salto cultural no menos notvel, que tem a vercom a formulao da ideia de partida do design e os modos como este desenvolvido. O objecto nascido sob o signo do pensamento mecnico fruto deprocessos de design baseados em estratgias funcionais o que, em termostericos, implica decompor o problema em peas elementares, estabelecendo umafuno para cada uma delas e um componente que a possa executar. Poderepresentar-se este processo por um grfico em rvore. Existe um s tronco sobre oqual convergem vrios ramos. No topo de cada ramo est uma funo com o

    correspondente componente elementar. E com estas ligaes elementares que seconstri o objecto. A qualidade do design baseia-se nas qualidades doscomponentes elementares. A sua sucessiva montagem exigir, sem dvida, algunsajustamentos e um certo esforo para os tornar coerentes, mas o ponto de partidaser sempre o das suas qualidades individuais. Seguir esta estratgia funcionalsignifica um movimento ascendente e descendente entre os ramos da "rvore dasfunes", o que implica que estes se podem considerar independentes uns dosoutros.

    Ouando o resultado que se procura alcanar um objecto altamente integrado,isto deixa de ser possvel. O grfico que representa as relaes entre as funes e

    peas contm ligaes mais imbricadas, que devem ser tidas em conta desde oincio a rvore de funes torna-se, pois, uma teia de relaes. Os elementos

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    fundamentais no so j os componentes elementares individuais na suaespecificidade fsica, mas as relaes entre as peas, o sistema de que fazem parte

    e os "interfaces" com que deparam.A crise do modelo mecnico-redutor, de consequncias generalizadas, surge

    sobretudo no campo da actividade tcnico-produtiva, sob o impulso daspossibilidades oferecidas pelos novos materiais. A tecnologia pe em questo obero cultural em que nasceu e no qual encontrou energias para crescer.

    Retroaces

    Indicmos j que a introduo de um novo material num campo de aplicaesimplica normalmente duas fases. A primeira uma fase de substituio e imitao,enquanto a segunda conduz ao reequacionar do objecto como um todo (ver 1 .3. 1).O potencial para novos desenvolvimentos da gerao de materiais e processosactualmente disponveis exerce uma certa presso nas estruturas culturais eprodutivas consolidadas, levando a uma redefinio drstica da abordagem deacordo com a qual os objectos so tecnicamente resolvidos.

    Ento, o designer, no decurso da explorao que efectua com base numa dadaabordagem de um problema, pode ver-se perante uma situao tcnica que exige,para poder tirar dela o maior partido, o reequacionamento da imagem original, da

    abordagem que comeou por utilizar no incio do trabalho. A presena de materiaiscom grande potencial de inovao capaz de tornar o design um processo nolinear. O modelo subjacente dever, portanto, ser de molde a poder abarcar acomplexidade que resulta da frequncia com que, a todos os nveis, ocorrem estescircuitos de retroaco.

    Claro que a possibilidade de reexaminar a estrutura tcnica e formal de umobjecto no depende exclusivamente da capacidade do designer para ultrapassar ainrcia mental; na continuidade das sequncias formais dos objectos, a inrciatcnico-produtiva tem um papel importante (ver 1.2.2). No entanto, o papelespecfico do designer precisamente o de buscar novas possibilidades.

    A vaga de inovaes potenciais produzidas pelo desenvolvimento tecnolgico epela cincia prepararam o terreno para uma nova era de invenes, capaz dedespoletar um redesign sistemtico e generalizado do sistema de objectos e dasrelaes entre os objectos e o homem. A qualidade dos resultados finais depende,em larga medida, da capacidade dos designers ultrapassarem a inrcia cultural;esta pode impedi-los de "ver" o novo, bem como reduzir a sua capacidade deorientar o processo de design de modo a que consiga aceitar o novo. Tudo isto, noentanto, depende, por sua vez, da preparao de um pano de fundo constitudo poruma percepo do carcter no linear do processo de design, bem como daelasticidade mental e organizacional criadas por essa percepo.

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    O panorama que de(inemos tende a dar nfase a aspectos que podem serconsiderados rupturas com o passado recente: os elementos fsicos so

    substitudos por relaes, os modelos simples e estticos do lugar a outros, maiscomplexos e dinmicos. No entanto, no dizer de Edgar Morin, para fazer face complexidade de problemas no suficiente passar do reducionismo, que privilegiaas partes, para o holismo, que d nfase ao todo. E tambm necessrio ter emconta as relaes entre as partes e o todo. Por outro lado, a capacidade de avaliaro "circuito de relaes" que liga os dois nveis do problema, no s corresponde auma necessidade terica, referente correcta compreenso do objecto em estudo,mas tambm a uma necessidade prtica e concreta do designer. Com efeito,projectar significa ser capaz de passar dos elementos constituintes para o todo eainda fazer o percurso no sentido inverso, sem perder de vista a riqueza dasrelaes, o potencial sinrgico que faz a ponte entre os dois nveis. A. descobertada complexidade que a nova matria gera no deve necessariamente resultar numarendio face ao indomvel imbricamento de relaes que caracteriza o sistema.Significa sim movermo-nos no seu interior, com a perfeita conscincia de que osmodelos que construmos so vlidos na medida em que "funcionam" relativamentea um determinado programa.

    Por outras palavras, a complexidode no , por si s, um dado do problema, no uma coisa que o designer tem de dominar antes de iniciar o trabalho,dispendendo enormes quantidades de energia para criar modelos para um nmeroinfinito de relaes "oblectivas" no interior do sistema. A complexixidade umarepresentao aberta do problema, construda segundo um processo dereajustamentos contnuos.

    A qualidade do designer reside na qualidade destas representaes, pelo modocomo estas conseguem tornar compreensveis os problemas, sem, no entanto,eliminarem a possibilidade de interagir com outras representaes e modelos.

    A razo demonstrativa e a razo sagaz

    A tcnica moderna desenvolveu-se num mundo em que a razo era consideradanica, em que se tinham por completas as informaes disponveis e em que optimo absoluto era algo que podia, virtualmente, ser atingido. A prtica do design,com estas premissas, corresponde ao percurso de um viajante a quem foi dada aoportunidade de, antes de iniciar a viagem, ver de um avio a terra que iriaatravessar. No incio desta viagem, o viajante-designer sabe exactamente ondetenciona chegar e pode avaliar os percursos alternativos, de modo a escolher omelhor de entre eles. Esta abordagem, que corresponde estratgia funcionalatrs referida, parte do princpio de que o designer (ou a equipa de design( omnisciente e de que est provido, no momento de iniciar um trabalho, de todas asinformaes potencialmente disponveis. Na prtica, porm, as coisas no se

    passam bem assim. O designer possui, partida, informaes parciais, que lhe vmda sua base cultural e da acumulao das suas experincias anteriores. E a partir

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    destas informaes que forma uma ideia, que esboa uma estrutura conceptualinicial do tema e que procede a um reconhecimento que lhe permitir reunir,

    progressivamente, novas informaes. O design final no produto de uma procurado ptimo baseada em todas as informaes disponveis, o resultado de umaprocura do satisfatrio, que ser atingido quando o designer tiver acumulado umaquantidade de informaes que podem ser ulgadas suficientes, com base emconsideraes de custos-benefcio.

    Alm disso, esta soluo depender de factores bastante difceis de Formalizar eprever, como selam a qualidade da ideia de partida e as particularidades doprocesso cognitivo seguido, particularidades estas que, por seu turno, dependemda abordagem inicial, da intuio e at do acaso que rege os encontros do designerdurante a sua procura de informaes.

    Todo este processo, que definido como uma "estratgia heurstica" ou deaprendizagem, representa uma descrio do processo de design. Na definio dospercursos cognitivos do designer entram sempre a intuio subjectiva e a variaodo sistema de relaes que definem o xito do iter de design. A estratgia que nospermite captar os estmulos para a criatividade, ou reunir e organizar informaespara o desenvolvimento de um design, s muito raramente corresponde a umprograma perfeitamente planeado, com cada fase inequivocamente activada poruma racionalidade perfeitamente explcita, a que podemos chamar "racionalidadedemonstrativa". A principal directriz deste percurso um entrelaar de intuio,bom senso e acaso, que pode designar-se "racionalidade sagaz" a metis dos

    antigos gregos. Metis, na Teogonia de Hesodo, era o nome da deusa, me deAtena, que Zeus devorou para se apropriar das suas qualidades. Como substantivocomum, abarcava uma srie de atitudes mentais tais como o instinto, a sagacidade,talento multifacetado ou polimorfo e aplicava-se a conceitos variveis ou fugazes,privados de medidas exactas ou de racionalizaes rigorosas (ver Detienne eVernant(. A meUs tem sido a base de todo o conhecimento prtico. Ambos ossignificados foram progressivamente postos de parte, medida que se reforavamformas de racionalidade mais lcidas. O estatuto marginal relativamente aosmodelos de pensamento dominantes no significa, contudo, a sua eliminao total.O conhecimento prtico, sombra de um saber mais formalizado e terico, tem,apesar de tudo, continuado a ser o fio condutor de variadssimas operaes. E, semdvida, a metis que guia a mo no processo fsico-qumico complexo que fazeruma mayonnaise Iparo apreciarmos a veracidade desta afirmao, basta tentarexplicar a tcnica que a operao comportal e h, com certeza, uma grande dosede metis na prtica do design e na formao dos conhecimentos tcnicos dodesigner.

    A multiplicao dos materiais e dos processos no modifica tanto a estruturadeste processo como a conscincia que dele podemos ter. A evidncia docrescente distanciamento entre o potencialmente possvel e o sub jectivamentecognoscvel reala o facto do design, mesmo quando envolve a soluo de

    problemas tcnicos, seguir um percurso culos diversos degraus no so definveisa priori. Tem-se apenas uma ideia da direco a seguir e alguns pontos de

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    referncia. Qual ir ser o percurso, quem e o que encontraremos, so perguntasque s podem ser respondidas durante a viagem.

    Claro que, tal como um viajante avisado sobe ao cimo das colinas sempre quepossvel para poder ver mais alm e estudar o melhor caminho, tambm o designerprossegue atravs da definio de aspectos e condies relativas a determinadossubsistemas e deles deduz, racional e directamente, um certo nmero deconsequncias. Estes componentes de razo demonstrativa so integrados ecompletados por um tecido de razo sagaz que serve de guia sempre que a falta deinformaes ou a necessidade de encontrar um atalho sejam o nico caminhopraticvel. O facto de existir mais do que uma racionalidade, do design ser um ogode informaes incompletas e do resultado final ser um de entre vrios possveis,pode ser encarado como uma perda. Perda de certeza, de transparncia, da fora

    da razo. Mas sobre esta percepo que se pode construir uma maneira maisaberta de ver a nossa prpria relao com a tecnologia e com os restantesintervenientes do processo de design; com base nestas premissas que ocomponente de racionalidade sagaz na prtica do designer deixa de serforosamente rejeitado e escondido por detrs de uma imaculada fachada de razodemonstrativa, para passar a ser utilizado e defendido explicitamente como critriotil Ise no mesmo nicol para fazer face complexidade do sistema no qual setrabalha.

    Com uma diferena: antigamente, a metis podia ser empregue tanto noconhecimento prtico do arteso como no componente prtico do conhecimento do

    engenheiro, mediante a experincia directa de um cognoscvel limitado e presenteem toda a sua fisicidade; hole em dia, perante uma matria que tende adesmaterializar-se, apresentando-se como um conjunto de cdigos, linguagens etcnicas especficas, a metis tem que encontrar novos percursos e novas formas.

    O novo terreno sbre o qual deve mover-se a razo astuta, integrandofragmentos de razo demonstrativa, o da lngua.

    Vimos j como o crescente distanciamento entre o suleito pensante e a fisicidadedos materiais est a ser preenchido por formas de conhecimento abstracto, ou seja,por lnguas. Poderia contar-se a mesma histria colocando no centro do palco afigura do designer, visto como actor que fala, e estudando a evoluo da sualngua.

    Nesta histria, o ponto de viragem que leva o designer a falar uma lnguamoderna em tudo semelhante ao esforo dos compiladores de enciclopdias nosculo XVIII para transformar os conhecimentos tcnicos dos artesos conhecimentos esses dominados por comunicaes simblicas e analgicas,reproduzidos por imitao e iniciao num saber que pudesse ser comunicadoem lnguas referenciais e prescritivas.

    Desde que o design entrou na esfera do saber prescritivo, em que necessriodizer como se devem fazer as coisas e verificar como foram feitas, o designer

    tornou-se um "actor que fala", no sentido estrito da expresso, O designer fala paraadquirir estmulos e informaes de modo a poder prescrever o que deve ser feito e

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    ajustar a sua ideia com as de outros... A qualidade final do design baseia-se naspropriedades da lngua: h problemas que no podem sequer ser formulados,

    porque a lngua empregue na sua exposio inadequada para expressar a suaverdadeira natureza.

    Perante a nova matria, que se apresenta como um conjunto de informaescodificadas, a capacidade de comunicao do designer torna-se cada vez maisuma caracterstica central da prtica do design. A soluo mais simples seria formaruma nova lngua ideal, falada por todos os actores que intervm no processo dedesign. Esta hiptese, no entanto, sendo perfeitamente coerente e complementar com as estratgias funcionais atrs referidas, encontra obstculosinultrapassveis; mas, mesmo que fosse praticvel, conduziria a umempobrecimento do design. No que diz respeito exequibilidade de uma nova

    lngua, basta referir que o dicionrio tcnico mais completo contm cerca de quatromilhes e meio de entradas; i um bom dicionrio da lngua tem apenas cem mil e alngua falada serve-se apenas de cinco mil. Para l de consideraes quantitativas,qualquer tentativa para unificar a lngua falada por todos os actores que intervmno processo de design criaria um elevado grau de formalizao. Isto facilitaria esimplificaria as interaces dos actores, reduzindo consequentemente aprobabilidade de emergncia do imprevisto: estaria eliminada a inveno. Nestaatmosfera, de facto, a inveno o resultado de um jogo lingustico semprecedentes, criado pelo novo contacto entre as lnguas.

    A complexidade da tarefa do designer est, ento, em poder falara lngua de

    todos lou no facto de ele no poder esperar que todos falem a mesma lngual. Ter,no entanto, pelo menos em teoria, que comunicar com toda a gente ou favorecer acomunicao gera!, sem o que se criaria uma nova situao do tipo "Torre deBabel". Este impasse no pode ser ultrapassado simplificando o problema por meioda introduo de uma super-lngua tcnica, vlida para todos. Pelo contrrio, epradoxalmente, a soluo complicar ainda mais o problema, introduzindo umanova linguagem, especfica do designer, baseada em perguntas como "Para queserve?" e "Como funciona?", que permita traduzir imagens mentais e intuiesformais em desempenhos e parmetros, que admitam uma definio de interfacespraticveis com o maior nmero de lnguas.

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