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MARGO MAGUIRE A NOIVA DE WINDERMERE CAPÍTULO I Northumberland, Inglaterra Fins de abril, 1421 Maldito tolo! Maldito barão Somers! Wolfram Gerhart Colston embre- nhou-se na floresta, em direção ao lago afastando-se de seus homens. Como Somers se acreditava capaz de desafiar as ordens do rei? Quem, em nome dos céus, o tal barão pensava ser? O rei o mandara vir buscar a enteada daquele idiota e era isso o que faria! Por nada deste mundo voltaria de mãos vazias e, além de tudo, o tempo era curto. Não importava quão arduamente Somers se esforçasse para impedir que a garota partisse. Iria levá- la para Londres a qualquer custo. O cavaleiro de elevada estatura evitou com destreza o galho caído de uma árvore, apegar da quase total escuridão, e continuou seu caminho rumo ao lago na esperança de desfrutar de alguns momentos de paz junto às águas escuras. Já era quase meia-noite e ainda não havia conseguido dormir, tão irritado estava com a teimosia de Thomas Somers, um bêbado vil e preguiçoso. Edith, a esposa, era tão desprezível quanto o marido, com suas maneiras pegajosas e olhares insinuantes. Na verdade, precisava admitir que toda a situação o exasperava. Por Deus, o que poderia o rei Henrique V desejar com a pequena Kathryn Somers?, Wolf se perguntou pela enésima vez. Afinal, Henrique retomara há poucos meses da França, onde acabara de se casar com Catherine de Valois. Assim, que importância teria essa menina de Northumberland? E mais, ressentia-se do fato de ter sido ele o homem designado para ir atrás de uma criança naquela parte remota do país. Afinal, não fora sempre reconhecido por sua extrema competência, sua destreza nas batalhas e imunidade a todas as bobagens supérfluas da corte? Havia tantas tarefas mais importantes a serem realizadas pelos comandados de Henrique que incomodava-o ver seus próprios talentos desperdiçados de forma banal. Só esperava não tratar-se de uma daquelas brincadeiras de mau gosto, na juventude tão apreciadas pelo rei. Entretanto, desde que herdara o trono do pai, Henrique se tornara respeitável e muito mais responsável do que antes. Não, não se tratava de nenhuma brincadeira. O único consolo era saber que agora viajava na condição de emissário do rei. Antes de levar a garota Kathryn para Londres, pretendia visitar o castelo de Windermere e encontrar o primo, Philip Colston, atual conde de Windermere. Também pretendia empregar todos os seus esforços para ver aquele usurpador deposto do lugar que ocupava. Wolf não tinha dúvidas de que Philip fora responsável pelas mortes violentas de seu pai, o conde Bartholomew Colston, e de seu irmão mais velho, John. Já haviam se passado vinte anos desde que ambos tinham sido assassinados covardemente. Vinte longos anos. Tencionava, portanto, viajar até Windermere com o objetivo de colher as evidências necessárias para expor a traição de Philip. O único impedimento à perfeita execução de seu plano era lady Kathryn. Por causa da menina, vira-se impedido de viajar diretamente de Londres para Windermere. Agora seria obrigado a carre- gá-la de um lado para o outro nas visitas que programara fazer. Por causa dos rumores de que os escoceses poderiam tentar seqüestrá-la, o rei a quisera segura em suas mãos. Ainda estava um pouco frio para nadar, mas Kit Somers mergulhou nas águas geladas do lago e lavou-se rapidamente, pensando no que a coitada da Bridget diria se soubesse de seu paradeiro. Não que não entendesse as preocupações da velha dama de companhia porém, aos vinte anos, já havia passado da idade de necessitar de uma babá, embora Brigdet parecesse acreditar no contrário. A boa senhora, uma prima distante que também fora babá e dama de companhia

Margo Maguire - A Noiva de Windermere

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MARGO MAGUIRE

A NOIVA DE WINDERMERE

CAPÍTULO I

Northumberland, InglaterraFins de abril, 1421

Maldito tolo! Maldito barão Somers! Wolfram Gerhart Colston embrenhou-se na floresta, em direção ao lago afastando-se de seus homens. Como Somers se acreditava capaz de desafiar as ordens do rei? Quem, em nome dos céus, o tal barão pensava ser? O rei o mandara vir buscar a enteada daquele idiota e era isso o que faria! Por nada deste mundo voltaria de mãos vazias e, além de tudo, o tempo era curto. Não importava quão arduamente Somers se esforçasse para impedir que a garota partisse. Iria levá-la para Londres a qualquer custo.

O cavaleiro de elevada estatura evitou com destreza o galho caído de uma árvore, apegar da quase total escuridão, e continuou seu caminho rumo ao lago na esperança de desfrutar de alguns momentos de paz junto às águas escuras. Já era quase meia-noite e ainda não havia conseguido dormir, tão irritado estava com a teimosia de Thomas Somers, um bêbado vil e preguiçoso. Edith, a esposa, era tão desprezível quanto o marido, com suas maneiras pegajosas e olhares insinuantes.

Na verdade, precisava admitir que toda a situação o exasperava. Por Deus, o que poderia o rei Henrique V desejar com a pequena Kathryn Somers?, Wolf se perguntou pela enésima vez. Afinal, Henrique retomara há poucos meses da França, onde acabara de se casar com Catherine de Valois. Assim, que importância teria essa menina de Northumberland? E mais, ressentia-se do fato de ter sido ele o homem designado para ir atrás de uma criança naquela parte remota do país.

Afinal, não fora sempre reconhecido por sua ex-trema competência, sua destreza nas batalhas e imunidade a todas as bobagens supérfluas da corte? Havia tantas tarefas mais importantes a serem realizadas pelos comandados de Henrique que incomodava-o ver seus próprios talentos desper-diçados de forma banal.

Só esperava não tratar-se de uma daquelas brincadeiras de mau gosto, na juventude tão apreciadas pelo rei. Entretanto, desde que herdara o trono do pai, Henrique se tornara respeitável e muito mais responsável do que antes. Não, não se tratava de nenhuma brincadeira.

O único consolo era saber que agora viajava na condição de emissário do rei. Antes de levar a garota Kathryn para Londres, pretendia visitar o castelo de Windermere e encontrar o primo, Philip Colston, atual conde de Windermere.

Também pretendia empregar todos os seus esforços para ver aquele usurpador deposto do lugar que ocupava.

Wolf não tinha dúvidas de que Philip fora res-ponsável pelas mortes violentas de seu pai, o conde Bartholomew Colston, e de seu irmão mais velho, John. Já haviam se passado vinte anos desde que ambos tinham sido assassinados covardemente. Vinte longos anos. Tencionava, portanto, viajar até Windermere com o objetivo de colher as evidências necessárias para expor a traição de Philip.

O único impedimento à perfeita execução de seu plano era lady Kathryn. Por causa da menina, vira-se impedido de viajar diretamente de Londres para Windermere. Agora seria obrigado a carregá-la de um lado para o outro nas visitas que programara fazer. Por causa dos rumores de que os escoceses poderiam tentar seqüestrá-la, o rei a quisera segura em suas mãos.

Ainda estava um pouco frio para nadar, mas Kit Somers mergulhou nas águas geladas do lago e lavou-se rapidamente, pensando no que a coitada da Bridget diria se soubesse de seu paradeiro. Não que não entendesse as preocupações da velha dama de companhia porém, aos vinte anos, já havia passado da idade de necessitar de uma babá, embora Brigdet parecesse acreditar no contrário.

A boa senhora, uma prima distante que também fora babá e dama de companhia de sua mãe, era a única aliada que possuía na luta constante contra a solidão e brutalidade dos últimos quinze anos, desde que sua mãe morrera. Contudo Bridget dava a impressão de alimentar um número cada vez maior de preocupações. Agora, por exemplo, não se cansava de se lamuriar, incomodada com a presença dos soldados do rei, acampados nos campos que cercavam a mansão de seu padrasto.

A lua pálida se derramava sobre as árvores e uma névoa espessa brotava do chão, dando à floresta uma aparência sobrenatural. O lago era o lugar perfeito para ficar só e tentar elaborar um plano de fuga. Todavia tratava-se de uma situação delicada. Não tinha a menor vontade de obedecer às ordens do rei e partir para Londres, porém sabia não ser possível desafiá-lo abertamente. Entretanto, se acontecesse de estar longe e nunca receber a intimação real, não poderia ser acusada de ignorar o mandato. Infelizmente, tinha certeza de que os malditos soldados dariam um jeito de desentocá-la de qualquer esconderijo. Vira o líder deles a distância, um cavaleiro musculoso, enorme, de cabelos escuros e revoltos. Não lhe parecera um homem capaz de aceitar com facilidade sua recusa em acompanhá-lo.

Talvez conseguisse mantê-lo longe. Montava a cavalo tão bem quanto qualquer soldado e sua habilidade com arco e flecha excedia à de muitos. Não havia motivo pelo qual não pudesse se esconder na floresta e evitar os homens do rei durante semanas a fio. Mas, levando em consideração o cavaleiro moreno, precisava admitir que talvez não fosse bem-sucedida.

E quanto ao padrasto? Se ele a mandasse partir e o desobedecesse... Kit estremeceu. A represália seria ainda mais rápida do que a do rei. Melhor não pensar agora em quais seriam as conseqüências.

Lentamenté Kit voltou para uma das margens do lago. Tão logo saiu da água, soltou os longos cabelos, loiros e encaracolados. Como adorava sentir o ar frio acariciar seu corpo nu. Lânguida, estendeu os braços para o alto, entregando-se ao prazer primitivo de se saber unida à natureza.

Quem sabe a solução para seu dilema lhe viesse à mente enquanto dormisse? Melhor ainda, talvez Rupert retomasse de Londres, tendo cumprido seus deveres. AflnaJ, era possível, a]iás, remotamente possível, que ele chegasse a tempo de salvá-la do destino que Henrique V parecia querer lhe impingir. Sendo um dos cavaleiros do rei, Rupert poderia ser capaz de intervir e conseguir favorecê-la.

Todavia, contrariando sua natureza otimista, Kit precisava reconhecer que pouquíssimas coisas estavam a seu favor e melhor seria não alimentar esperanças vãs. Mais sensato contar com os próprios instintos, e sua grande capacidade de improvisar, na tentativa de salvar-se. Afinal,

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fora capaz de evitar inúmeras surras do padrasto valendo-se da habilidade de tomar atitudes inesperadas.

Perguntava-se o que o barão esperava vê-la fazer agora. Wolf sentou-se num tronco caído nas proximidades do lago, perdido em seus pensamentos. Acreditava firmemente que Philip Colston houvesse planejado a emboscada que vitimara sua família durante a viagem para Bremen, na Me-manha, onde deveriam reunir-se à lady Margrethe. O conde Bartholomew e o filho mais velho, John, tinham sido trucidados diante de seus proprios olhos, o mesmo destino sendo reservado aos servos e soldados que os acompanhavam. De todo o cortejo, apenas Wolf e um jovem escudeiro, Hugh Dryden, tinham sobrevivido.

Precavendo-se caso a emboscada falhasse, Philip conseguira, de alguma forma, implicar Bartholomew numa tentativa de assassinato sofrida pelo rei Henrique IV. Assim, Philíp se assegurara de que o nome do tio ficaria desonrado, transformando o então conde de Windermere, e seus des-cendentes, em renegados e foragidos se, por um milagre, escapassem ao ataque.

Entretanto Phílip e o pai, Clarence, mentores da emboscada, não faziam idéia de que houvera sobreviventes. Para ambos, todo o séquito de Bartholomew fora dizimado. Porém não apenas Wolf salvara-se como mantivera sua identidade em segredo durante todos os anos em que permanecera na Alemanha, preparando-se para o momento em que pudesse voltar à Inglaterra, já adulto, e destruir Philip.

Imerso em lembranças, Wolf demorou a perceber uma outra presença nos arredores. Ao olhar na direção da água, julgou que o luar e a névoa estivessem lhe pregando uma peça. Saindo das profundezas do lago, uma donzela como aquelas dos contos de fada. Imediatamente a irritação e amargura se dissolveram no ar. Sentia-se intrigado.

A pele da desconhecida reluzia sob a luz tênue, os cabelos caídos sobre as costas brilhantes como fios de ouro. Por um momento foi dominado por um desejo intenso de tocá-la.

Sabendo-a ignorar sua presença, Wolf a examinou demoradamente de alto a baixo, reparando nas pemas bem torneadas, nos quadris arredondados, na cintura fina. Quase não foi capaz de respirar ao vê-la erguer os braços e atirar a cabeça para trás, como se tentasse alcançar a lua.

Embora fosse impossível enxergar-lhe o rosto, não era difícil imaginar a beleza das feições delicadas. Vendo a ninfa sair da água e caminhar até um monte de roupas deixadas sobre um banco de areia, Wolf levantou-se num impulso e caminhou ao encontro da figura etérea. Ouvindo passos repentinos atrás de si a dama, que começara a secar-se, lançou uma capa sobre os ombros cobrindo-se tão decentemente quanto era possível nas circunstâncias.

_Sir! Isso é uma intromissão! - Kit murmurou ao virar-se e deparar-se com o estranho. O homem se movera tão depressa que não tivera tempo de apanhar a adaga, escondida no meio das roupas. Por enquanto, preferia não fazer nenhum movimento súbito, temendo revelar o fato de que possuia uma arma. Melhor agir de maneira civilizada e aguardar a oportunidade de pegar a faca sem que fosse preciso envolver-se numa disputa.

_ Entretanto, hesito em desculpar-me - ele retrucou, ainda sem poder enxergar o rosto da dama, inteiramente escondido sob o capuz. - Até instantes atrás, eu não havia percebido sua presença, porém não vou negar ter apreciado bastante os poucos vislumbres de beleza que me fo-ram concedidos.

_ Sem minha permissão!_ Você está com frio. Notei sua pele arrepiada.

Vendo-o aproximar-se, Kit recusou-se a se deixar intimidar pela elevada estatura. A distância, percebia-se tratar-se de um homem grande; de perto, a figura revelava-se absolutamente maciça, sólida. Por mais que desejasse apanhar a adaga, Kit tinha consciência de que seria subjugada de imediato, caso tentasse atacá-lo.

Precisava dar um jeito de escapar, contudo o cavaleiro moreno e musculoso não demonstrava a menor intenção de deixá-la partir. Talvez devesse simplesmente sair correndo dali. Era bem possível que um homem daquele tamanho fosse lento. Mas e se estivesse errada? E se fosse al-cançada? E se ele descobrisse o chalé no meio da floresta, seu único refúgio? Tampouco poderia correr de volta para a casa de lorde Somers vestindo apenas a capa. Os homens de seu padrasto com certeza iriam...

_Onde você mora? - A voz baixa e profunda soou gentil. - Não é seguro para uma dama andar sozinha por aqui. Meus homens estão acampados nas redondezas e eu não poderia me responsabilizar pelo que fariam caso encontrassem uma mulher só nessa escuridão.

Por Deus, tratava-se de um cavalheiro, Kit pensou aliviada, dando graças aos céus. Movido pelo senso de dever, o estranho sentia-se na obrigação de tratá-la com respeito. Assim, uma mudança de tática tomava-se necessária. Embora detestasse a idéia, se agisse de maneira melosa, como suas irmãs de criação adoravam fazer, talvez conseguisse convencê-lo a ir embora.

_Vou apenas apanhar minhas coisas e ir..._Onde é sua casa?_Perto daqui. - Kit se esforçou para falar com

doçura._Não posso permitir que vá desacompanhada. Há

perigos na noite, minha lady.Ela queria gritar com o homem, mas controlou-se.

Melhor agir como uma dama do que berrar feito uma criatura sem classe.

_Por favor, sir, deixe-me pegar minhas coisas e poderá me acompanhar até o chalé onde moro.

Apesar de, aparentemente, estar lidando com um cavalheiro, quem poderia saber como esse desconhecido iria se comportar no meio do nada? Mesmo lorde Somers, seu próprio padrasto, tratava-a de forma brutal e violenta. Ao ver o homem abaixar-se e apanhar seus pertences, Kit engoliu um gemido de frustração. Agora não teria outra chance de pôr as mãos na adaga. Tampouco seria capaz de vencê-lo numa corrida sem calçar as botas. Pelo que observara, embora muito alto e musculoso, o cavaleiro movia-se com elegância e determinação.

_Você me intriga, minha lady._Oh! - Kit virou o rosto e tentou acalmar-se

enquanto punham-se a caminho do chalé._Logo que a vi, julguei-a uma ninfa, como as das

histórias antigas. - Haveria um traço de diversão na voz masculina? - Agora sou levado a crer que você seja de carne e osso. Entretanto, não demonstra sentir o menor medo de mim. Por quê?

Se ao menos ele soubesse que seu único desejo era atacá-lo com a adaga.

_Claro que estou receosa, sir. Compreendo quão vulnerável é minha situação no momento. Ainda me perturba saber que preciso contar com seu senso de decoro e cavalheirismo. Por todos os santos, espero que não queira me fazer nenhum mal.

_Ela cerrou os dentes com força para conter a cres-cente irritação. Se suas irmãs de criação pudessem vê-la, estariam rolando no chão de tanto rir.

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O chalé estava bem perto agora, embora a escuridão e as árvores frondosas impedissem o cavaleiro de o enxergar. Fora sua madrasta quem o mandara construir, sob o pretexto de ser usado pela família nos momentos de descanso, porém Kit sabia que o local costumava ser usado para outros fins. Felizmente lady Edith não estava ali naquela noite, junto de um de seus amigos especiais. Não demoraria muito e estaria atrás da porta trancada, livre do estranho.

_Aqui estamos, sir. Minha.., minha mãe me aguarda - ela mentiu.

Fitando-a atentamente, o cavaleiro aproximou-se, sem dar mostras de que pretendia deixá-la em paz. Inquietava-a ser examinada, de forma minuciosa, por um homem que a vira banhar-se nua. Era indecente.

_Ela está doente e ficará muito preocupada se..._Quem é você?A voz baixa e profunda soou aos seus ouvidos

como uma carícia. Kit sentiu a boca seca. De repente, já não tinha mais medo. Uma curiosidade incontrolável a fazia desejar a proximidade do desconhecido pois ele a perturbava como homem algum jamais havia sido capaz de fàzê-lo.

Antes que pudesse dizer algo, o cavaleiro tomou-lhe o rosto entre as mãos. Logo lábios firmes roçavam de leve os seus. Gradualmente, a pressão foi se intensificando, tomando-se mais exigente, deixando-a ofegante e assustada. Mãos fortes deslizaram sob a capa e a tocaram nos ombros antes de a segurarem pelos quadris. Pressionada contra o corpo musculoso, Kit estremeceu, um calor súbito explodindo em suas entranhas. Nunca experimentara nada assim antes. Nem mesmo Rupert se atrevera a...

Foi ela quem rompeu o contato, em choque._ Por favor!_ Quem é você?_ Solte-me!_Meu nome é Wolf. - Lentamente, ele a tocou nos

lábios com a ponta dos dedos antes de tomar a beijá-la.Kit tentou se desvencilhar. Ninguém jamais a bei-

jara daquela forma e sentia-se abalada até a alma._ Quem é você? - Wolf tomou a perguntar._ Ninguém! Eu não sou ninguém! Deixe-me ir! -

Conseguindo soltar-se afinal, Kit correu para o chalé, a capa esvoaçando ao seu redor. Uma vez dentro de casa, passou a pesada tranca na porta e encostou-se na parede até a respiração voltar ao normal e o coração desistir de saltar pela boca.

Embora tivesse certeza de que a ninfa do lago certamente não queria ser encontrada em seus braços, Wolf pensou em arriscar tudo para acariciá-la e experimentar o gosto da boca macia üma vez mais. Aquela desconhecida era diferente de qualquer outra mulher que jamais conhecera. Bela, sedutora, intrigante. Sua própria reação quando a tocara o surpreendera. Não esperara sentir uma emoção tão forte. Desejava-a como nunca desejara alguém antes.

Porém não podia correr o risco de ofender a nobreza local enquanto estivesse a serviço do rei. Restava-lhe apenas deixar essa mulher deliciosa de lado, pelo menos por enquanto.

Por fim, Wolf retomou o caminho do acampa-mento. Era um homem paciente. Voltaria a procurá-la depois de tudo resolvido em Windermere.

Kit não foi capaz de dormir durante toda a noite. Sentada na escuridão do chalé, uma manta ao redor dos ombros, tremia sem parar, mas não por causa do frio. Seria bom sair e apanhar suas roupas, que o cavaleiro largara no chão ao beijá-la. Contudo, temia que ele a estivesse aguardando.

Realmente precisava encontrar uma maneira de evitar ser descoberta pelos homens do rei, na manhã seguinte. Entretanto, tudo em que conseguia pensar era em Wolf. Os lábios viris, o modo como a lingua impetuosa entrava e saía de sua boca, as mãos fortes tocando-a nos ombros, nas costas, nos quadris...

Rupert nunca sequer a beijara. Ele partira três anos atrás, para juntar-se ao exército de Henrique V, sem nem mesmo pedi-la formalmente em casamento. Apesar de haver prometido voltar logo depois que os territórios franceses fossem reconquistados, nunca mais dera notícias e muito me-nos aparecera para vê-la. Por quanto tempo mais ele a imaginava disposta a esperar?

A questão era que sentia-se envelhecendo a cada dia. Margery, uma de suas irmãs de criação, não tardaria a ficar noiva, o mesmo destino sendo reservado a Eleanor dali a um, ou dois anos. Ansiava tornar-se esposa de Rupert e ir embora dali, ser dona de sua própria casa. E, agora, passara a ansiar por outras coisas também.

Sensações como aquelas despertadas pelo cavaleiro deviam ser pecaminosas. Bastava pensar no que acontecera entre os dois para ser inundada por um calor súbito, que a consumia por inteiro. A lembrança das carícias de Wolf a incendiavam. Isto é, as carícias de Rupert. Claro que iria se sentir assim quando estivesse nos braços de Rupert, depois que se casassem. Tudo seria ainda mais intenso.

Logo antes do amanhecer, Kit espiou por uma das janelas do andar superior para ver se alguém se escondia nos arredores. Certificando-se de que Wolf havia partido, apanhou suas roupas rapidamente e voltou correndo para o chalé. Vestiu-se depressa e tomou o caminho de casa.

Embora a propriedade de Thomas Somers fosse grande, sabia que ninguém iria acreditar se afirmasse haver passado a noite inteira no quarto. Não que o padrasto fosse se importar com seu possível paradeiro. Lorde Somers esperava dela apenas duas coisas: que administrasse seus negócios domésticos com perfeição e que levasse a culpa quando algo desse errado. Todavia, puni-la parecia ser um de seus divertimentos favoritos, as surras sempre memoráveis. Mas Bridget, com certeza, já teria revirado toda a mansão à sua procura e Kit não conseguia fugir ao sentimento de culpa por haver causado tanta preocupação a alguém que a amava como a uma filha. Afinal, sabia que a saúde da velha senhora não andava nada bem, apesar de não ter idéia de que mal a afligia.

Depois de passar pelo pátio interno correndo, Kit buscou refúgio nos estábulos. Não seria essa a primeira vez em que dormiria junto aos cavalos.

O sol já ia alto quando ruídos vindos do pátio a acordaram. Sem dúvida um dos soldados do rei conversava com lorde Thomas. Oh, Deus, e ainda não traçara nenhum plano de fuga. Seu coração pareceu vir à boca ao reconhecer a outra voz, baixa e irritada. Wolf, o homem do lago.

_Explique-se, Somers! - ele exigiu. - Onde está sua enteada?

Não havia traço algum de gentileza naquela voz agora, quando na noite anterior soara aos seus ouvidos como uma carícia.

Thomas Somers tropeçou, já bêbado, embora ainda não fosse o meio do dia. A barba por fazer, as roupas sujas e amassadas, a expressão virulenta do rosto, detalhes tão familiares a Kit, eram quase mais do que podia suportar. Escondida no estábulo, acompanhou o desenrolar da cena. Não era à toa que o cavaleiro estivesse impaciente. Provavelmente ainda não conseguira uma resposta inteligível do barão desde que chegara.

_Eu lhe digo que ela estava aqui e vou trazer a danada de volta. - Os olhos injetados revelavam fúria e desejo

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de vingança. Kít não queria ser pega pelo padrasto enquanto ele estivesse naquele estado.

_Retomarei dentro de uma hora - o cavaleiro falou, sua irritação à altura da raiva do barão.

_Então partirei imediatamente levando a jovem Kathryn comigo. E melhor tê-la pronta ou se prepare para sofrer as conseqüências da ira do rei.

Wolf deu as costas a lorde Somers e afastou-se com uma elegância e fluidez de movimentos pouco comuns a alguém de elevada estatura. Kit aproveitou a oportunidade fugidia de observá-lo antes de sumir dali. As feições bem definidas possuíam uma beleza máscula, perturbadora. Mesmo a cicatriz na têmpora direita em nada diminuía o impacto de seu magnetismo quase animal. Os olhos cinzentos brilhavam frios sob sobrancelhas tão negras quanto os cabelos lisos e rebeldes.

Vendo-o passar as mãos pelos cabelos revoltos, num gesto que revelava crescente frustração, Kit não teve dúvidas de que precisava agir depressa. Não pretendia se deixar apanhar por nenhum dos homens de seu padrasto e muito menos pelos soldados comandados por aquele inflexível Wolf. Iria se esconder e aguardar a chegada de Rupert. So-mente então, ao lado do noivo, é que se dignaria a viajar para Londres, conforme o rei exigira. Afinal, se saísse de Northumberland agora, como Rupert seria capaz de encontrá-la? Com certeza ele já estava a caminho.

Sem fazer barulho, Kit saiu do estábulo por uma das portas do fundo, puxando Myra pelas rédeas. A velha égua fora recentemente comprada pelo barão e tinha esperanças de que, com um pouco de encorajamento, o animal pudesse regressar para as terras do ex-dono, não muito distantes dali. Os homens de lorde Thomas seguiriam o rastro, claro. O detalhe é que não pretendia acompanhar Myra na jornada de volta ao antigo lar.

Depois de levar a égua até o pé da colina, Kit deu-lhe um tapa no flanco e observou-a correr como se o diabo a perseguisse. Então pôs-se a correr também, só que na direção oposta.

Ao chegar nos arredores da aldeia, parou um ins-tante para passar um pouco de lama no rosto e nos braços. Se, por acaso, um dos homens do barão a abordasse, haveria uma boa chance de ser confundida com uma das camponesas. Senão, toda a gente de Somerton sofreria as conseqüências de seu ato, pagando um preço alto nas mãos de lorde Thomas pela rebeldia da enteada. Suspirando baixinho e rezando para que seu plano tivesse dado certo, Kit embrenhou-se no pequeno bosque.

Infelizmente, a velha égua parecia ter planos próprios. Depois de tomar o rumo das terras do antigo dono, Myra se deparara com um obstáculo. O riacho que deveria atravessar estava muito cheio devido às chuvas recentes. Assim, dera meia volta e retomara aos estábulos de lorde Thomas.

Sem a distração proporcionada pelas pegadas do animal, os homens do barão não tardaram a encontrar quem buscavam. De fato, Kit fora muito ingênua ao não considerar o óbvio. Claro que a aldeia seria o primeiro lugar onde iriam procurá-la. Por que não havia subido numa árvore para despistá-los? Nunca ninguém cogitaria em procurá-la nas alturas.

De qualquer maneira, era uma longa jornada até Londres, Kit pensou sem se deixar abater, enquanto era arrastada de volta para casa. Muita coisa podia acontecer antes que chegasse à cidade. Esboçaria um plano que lhe permitisse encontrar-se com Rupert.

_Oh, minha menina, minha pobre menina - Bridget choramingou ao vê-la ser jogada de maus modos no meio do pátio. - Estive tão preocupada sem saber...

_Cale-se, mulher - lady Edith ordenou zangada. Sua vida já havia sido estragada o bastante pela simples existência da enteada para ainda ter que agüentar choramingos de uma velha babá. Virando-se para Kit, continuou: - Vejo que você se vestiu de acordo com sua posição, Kathryn.

Margery e Eleanor levaram a mão à boca para disfarçar os risinhos.

Embora tivesse consciência do estado lastimável em que se encontrava, Kit recusava-se a melhorar a aparência apenas para agradar a terceiros. Endireitando os ombros, ergueu a cabeça, orgulhosa. Seu orgulho e senso de humor eram as duas únicas coisas que ainda não haviam lhe arrancado. Encontrava coragem ao pensar que logo Rupert iria levá-la dali. Se seu verdadeiro pai não houvesse morrido, teria crescido protegida, cercada de carinho.

_Onde está aquela miserável? - Lorde Thomas rugiu, entrando no pátio. O brilho cruel dos olhos embaçados não deixava dúvidas quanto às suas intenções.

Kit manteve-se firme, mesmo quando a mão pesada do padrasto a atingiu com violência na face. O golpe feriu-lhe os lábios e a fez cair no chão. Porém ela logo ficou de pé e começou a correr.

Doía-lhe a alma ouvir as risadas debochadas que a perseguiam e passos em seu encalço. Os homens do barão iriam agir como de costume, feito animais encurralando a presa até cansá-la. Então a arrastariam de volta para o chefe e assistiriam, impassíveis, às cenas de brutalidade que se seguiriam.

Desta vez lorde Thomas apenas a deixara com um olho roxo, apesar de o golpe quase tê-la feito perder os sentidos. Por sorte, alguém a puxou para dentro do quarto e trancou a porta antes que os outros pudessem pegá-la. Vários minutos se passaram antes que Kit se desse conta de onde se encontrava, a cabeça ainda zonza.

_Oh, minha menina querida - Bridget murmurou, lágrimas grossas deslizando pelas faces enrugadas. - O que ele fez com você desta vez? Se minha Meghan estivesse viva, nada disso estaria acontecendo.

Kit abriu o olho direito, o esquerdo deformado de tão inchado, e fitou a serva.

_O que aconteceu? - indagou num murmúrio. Quase não conseguia mover os lábios, que continuavam a sangrar.

_Você deve ir com os soldados do rei. Pelo menos assim estará a salvo da fúria do barão. Ficará livre desse demônio de uma vez por todas.

_Mas Rupert..._Rupert não virá buscá-la, você não percebe? Não

consegue compreender? - a aia argumentou exasperada. Não era a primeira vez que tentava convencer a jovem dama da realidade dos fatos.

_Claro que gosto muito daquele rapaz, mas ele já partiu há muito tempo. Não é possível que a imagine esperando-o, depois de três anos sem lhe mandar uma única notícia, nem uma palavra.

_Oh, Bridget, minha cabeça está doendo. - Não queria pensar na possibilidade de Rupert jamais retornar para buscá-la. Também não queria pensar em Wolf levando-a embora dali.

_O maldito a acertou feio desta vez. Vamos, menina. Você deve ter confiança no futuro. Henrique Hereford era um homem justo. Ouvi dizer que o filho herdou o caráter do pai. Portanto não é possível que o rei Henrique V lhe deseje mal.

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Apoiada em Bridget, Kit conseguiu levantar-se. O raciocínio da serva era lógico, porém impossível não ser dominada pela apreensão ao ouvir sons que indicavam a aproximação de cavaleiros.

Wolfram abaixou a cabeça para cruzar a soleira da porta. O fogo ardia na lareira, e o barão, sentado numa poltrona confortável, bebia na companhia de quatro de seus camaradas. Nenhum deles se levantou em sinal de respeito a um emissário do rei, como seria de se esperar.

_Entre, sir - lady Edith falou, conduzindo Wolf e três de seus homens para junto do grupo.

_Imagino que tenha encontrado a menina._Ela está com a babá e recusa-se a descer._A voz do barão soava mais arrastada do que no

início do dia. Sinal de que bebera sem parar._Então sugiro que vá buscá-la. - Wolf não tinha a

menor intenção de tirar uma criança chorosa dos braços de sua ama. Melhor se um dos padrastos fosse buscá-la.

Thomas Somers olhou para a esposa, como se pedisse assistência, mas foi logo descartado.

_Criaturinha ingrata aquela - Edith protestou. - Nunca me obedeceu, nem uma vez. Não serei eu a ir buscá-la.

_Duvido que ela venha comigo - lorde Somers resmungou, uma expressão furiosa no rosto.

A paciência de Wolf se esgotou. Já estivera lidando com essa gente tempo bastante sem chegar a lugar algum. Pelos céus, se ninguém queria buscar a menina cuidaria disso sozinho, a despeito das consequências.

_Qual quarto? - perguntou irado, começando a subir a escada.

_Terceiro à direita - foi a resposta preguiçosa do barão, antes de completar com descaso - mas você pode precisar da chave.

Porém Wolf já havia saído da sala.A maldita porta estava trancada! Por nada deste

mundo voltaria lá embaixo e pediria algo àquele bêbado insuportável. Assim, apoiou as costas maciças na madeira dura e forçou a entrada.

Vistoriando rapidamente o quarto, Wolf enxergou, num canto, apenas uma velha magra debruçada sobre um rapazinho coberto de sujeira, os lábios sangrando e um hematoma enorme sobre o olho esquerdo, muito inchado. Não havia nenhuma menina ali. O miserável barão tinha lhe mentido! Teria que confrontar o idiota outra vez!

_Onde está ela? - Wolf rugiu, pensando ter ouvido risadas vindas da sala.

O rapazinho ferido levantou-se e caminhou na sua direção. Um capuz marrom, bastante surrado, cobria-lhe por completo os cabelos. Todavia, o que lhe chamou a atenção foi a beleza do olho que escapara aos ferimentos. Era um tom de verde incomum, enfeitado por cílios espessos e escuros. Claramente à beira das lágrimas, o rapazinho piscou várias vezes, esforçando-se para recuperar o controle.

_Eu sou Kathryn.Convencido de que ouvira mal, Wolf lançou um

olhar pelos arredores. Podia jurar de que fora o rapaz quem afirmara ser Kathryn. A voz soara até agradável, delicada como a de uma... mulher.

_E verdade, senhor - a velha murmurou ansiosa. - Essa é Kathryn.

_Você? - Wolf não foi capaz de disfarçar o assombro. O rei não lhe tinha dito exatamente o que encontraria quando chegasse a Somerton contudo, sem dúvida não esperara algo assim. Uma menina delicada e graciosa, talvez. Mas não essa criatura suja e espancada.

Outra vez ele olhou ao redor. Não havia uma dnica peça de mobília, a não ser um colchão de palha num canto do quarto. Entretanto, flores frescas, colocadas numa jarra enorme sob a janela, espalhavam um perfume delicioso, tornando aconchegante um ambiente destituído de ornamentos, à exceção de um crucifixo de madeira dependurado sobre o colchão. Wolf perguntou-se se não seria essa jovem pessoa a responsável pela aparência elegante do salão principal. Acreditava que sim, visto que nenhuma das outras mulheres da casa lhe parecera minimamente capaz. Mesmo cercada de quase nada, a jovem Kathryn soubera criar para si um ambiente de aconchego em meio a um território hostil.

Uma vaga compreensão do que se passava em Somerton começou a tomar forma em sua mente, fazendo-o concluir que não descartaria uma oportunidade de enfrentar o barão. Pelos céus, se aquele bêbado repulsivo não suportava ter a enteada por perto, por que não a oferecia logo em casamento?

_Tenho apenas um pedido a lhe fazer, sir - Kit falou, erguendo o queixo orgulhosa. Não havia dúvidas de que lhe custava pedir algo. - Que minha ama possa nos acompanhar. Ela sempre esteve comigo, desde a morte de minha mãe e...

_Como quiser - Wolfram respondeu abrupto.Queria sair daquela casa o mais depressa possível,

mesmo se isso significasse carregar um fardo adicional. - Então arrume suas coisas, mulher. Temos pouco tempo.

_Paciência, senhor. - Fitando-o de igual para igual, Kit continuou: - Alguns minutos a mais não farão diferença.

Ele não as deixou sozinhas nem um minuto sequer. Se o barão tornasse a espancar a enteada, a viagem acabaria sendo adiada. Além do mais, não queria correr o risco de vê-la desaparecer. Com aquela aparência descuidada, era bem pro-vável que se perdesse no meio dos aldeões, caso decidisse fugir. Ainda não sabia se fora ela ou o barão quem resistira a obedecer às ordens do rei portanto não pretendia correr nenhum risco. Iria levá-la para Londres mesmo se tivesse que amarrá-la sobre a sela.

Barão Somers recusou-se a liberar um cavalo para o uso da enteada. Sem vontade de implorar, ou discutir, Wolf retomou o plano original. Kathryn era um pouco mais velha do que presumira, todavia Janus, seu cavalo de guerra, era grande e forte o bastante para carregar os dois sem que o peso extra o incomodasse. Assim, viajariam juntos. Bridget montou um animal de carga, sendo escoltada por dois dos cavaleiros de Wolf.

_Não consigo imaginar o que o rei possa querer com essa vagabunda suja e imprestável - lady Edith comentou alto o bastante para ser ouvida por Kit.

Woff sentiu-a ficar rígida, porém a jovem dama manteve-se em silêncio, apesar do insulto deliberado.

Trôpego devido à bebida, em plena luz do dia, Tho-mas Somers encostou-se na porta, próximo à esposa, observando o pequeno cortejo que se afastava.

_Quero-a de volta! - berrou, semicerrando os olhos por causa da claridade. Como Wolf não se desse ao trabalho de responder, tornou a gritar, a voz pastosa e incerta: - Você está me ouvindo, sir? Quando o rei terminar com essa miserável, quero-a de volta! Preciso dela para administrar minha casa.

Wolf só esperava que quando o rei Henrique resolvesse seus assuntos com lady Kathryn, não fosse ele o encarregado de levá-la de volta para os domínios do barão Somers.

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CAPÍTULO II

_Não é preciso segurar-me com tanta força, sir. - Kit estava furiosa. - O dorso de seu cavalo é tão largo quanto uma barcaça. Não vejo por que a preocupação de que eu possa cair.

Nunca em sua vida ela se acomodara dessa maneira íntima entre as pernas de um homem. Era uma experiência perturbadora, porém estava tão dolorida depois da noite insone, passada no chalé, que acabara se recostando no peito de Wolf sem que percebesse.

Sabia ser necessário ter cautela. Afinal, tratava-se de um homem e já tivera suficientes experiências desagradáveis com o barão Somers e seus asseclas. Além de tudo, fora o próprio Wolf quem se aproveitara dela na noite anterior.

Todavia, era reconfortante não haver sido re-conhecida como a mulher do lago. A prudência a aconselhava a manter o disfarce durante a jornada para Londres. Conhecia bem as vantagens de ser considerada uma criatura suja e pouco atraente em vez de uma dama bem vestida e cuidada. Seu padrasto, e os homens que o serviam, tinham se encarregado de lhe ensinar a amarga lição anos atrás, numa tarde chuvosa. Por sorte, lady Edith aparecera inesperadamente, interrompendo-os. Saíra com a virtude intacta do incidente e muito mais sábia.

Odiava admitir não ser desagradável ter os braços fortes do cavaleiro ao seu redor agora, mesmo segurando-a tão apertado. Podia quase se permitir acreditar que ele sentia-se inclinado a protegê-la, algo que ninguém nunca fizera antes. Uma sensação estranha essa, imaginar-se amparada.

Enquanto cavalgavam, Kit perguntava-se o que o rei poderia desejar com ela, uma simples moça do campo, criada nos confins de Northumberland. Impossível acreditar que Henrique V, até poucos meses atrás ocupado em lutar contra os franceses e então casar-se com uma princesa francesa, soubesse de sua existência e muito menos se dignasse a pensar a seu respeito.

Muito pouco Kit sabia sobre si mesma, a não ser. que o verdadeiro pai morrera antes de seu nascimento. A mãe, Meghan, era filha do irlandês Trevor Russell, falecido conde de Meath. Como sua mãe viera a casar-se com Thomas Somers, nêo fazia a menor idéia. De qualquer forma, fora o que acabara acontecendo. Ainda guardava vagas lembranças de lorde Somers antes da morte de Meghan. O barão não lhe parecera tão brutal e insensível antes. Na verdade, apenas depois de casar-se com lady Edith e ter as próprias filhas 6<que o padrasto começara a beber muito e sua vida de enteada a deteriorar.

Por mais que tentasse, Kit não conseguia entender qual a razão de o rei mandá-la buscar. Rridget, entretanto, parecia convencida de que o melhor era obedecer às ordens e colocar tanto Rupert quanto Somerton para trás. A velha ama ansiava, desesperadamente, alterar os rumos da vida de sua protegida.

Há anos Kit não se olhava num espelho, porém sabia muito bem não possuir um rosto bonito. Edith e as filhas faziam questão de apontar-lhe cada um dos defeitos que possuia, desde a covinha no queixo até a falta de brilho e cor dos cabelos claros e rebeldes. Todos os Somers eram altos, assim não se cansavam de a ridicularizar pela baixa estatura. Os olhos também eram verdes demais e a pele muito pálida. Graças àquela família, compreendera não haver nada de harmonioso em sua aparência. Não era de se estranhar que Ru-pert ainda não houvesse voltado. Mas ele voltaria, Kit se reassegurou em silêncio. Voltaria, sim.

Talvez por causa de sua falta de beleza, os servos pareciam apreciá-la e acatavam-lhe as ordens facilmente. Porque lady Edith não demonstrava o menor interesse pelas coisas de casa, Kathryn acabara se acostumando a cuidar da administração doméstica. Aliada à boa memória, possuia grande intimidade com os números, o que lhe permitira assumir a contabilidade da mansão depois que o administrador do barão morrera, três anos atrás. Somente então compreendera o valor de ser necessária. Conscientemente, passara a trabalhar para ser essencial ao padrasto.

Acreditara que se Thomas Somers precisasse dela, não iria matá-la num de seus acessos de fúria provocados pela bebida.

Além das habilidades acadêmicas, Kit aprendera bastante sobre o uso de plantas e ervas medicinais com os monges que visitavam Somerton com certa regularidade. De fato, mantinha um canteiro dessas ervas bem ao lado de suas amadas roseiras. Gostava também de acompanhar frei Theodore nas visitas que o velho monge fazia aos doentes da vila e observar os vários métodos de tratamento.

Bridget, contudo, detestava seus passatempos. Kit adorava montar à maneira masculina, usando calça comprida. Nada mais revigorante do que uma boa corrida pelas planícies, sentindo o vento no rosto e nos cabelos. Apreciava usar o estilingue, ou então arco e flecha, para testar sua perícia em comparação ao desempenho dos caçadores de lorde Thómas. Para o completo horror da velha aia, Kit subia em árvores e debruçava-se sobre os galhos maia altos sem temor, como se tudo não passasse de uma grande brincadeira.

Wolf concluiu que ela adormecera, sentindo o con-torno das costas delicadas apoiadas em seu peito. Afinal, passara os últimos quilômetros da jornada segurando-a firme para impedi-la de escorregar da sela. Quantos anos lady Somers teria? Dezesseis, talvez? Os malditos trapos que a cobriam tomavam impossível saber se possuia formas de menina, ou de mulher. Com certeza já tinha idade bastante para estar éasada. Por que, então, continuava solteira? A relação da família do barão com a enteada obviamente era

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péssima. Entretanto Kathryn permanecia morando em Somerton.

O motivo de ainda não haver arrumado marido devia ser essa falta de qualidades femininas. Nunca antes vira uma dama vestir-se daquela maneira, com calça de lã e túnica larga. Observando-a agora, não conseguia decidir se Kathryn tivera culpa, provocando o padrasto até ser espancada, ou se o homem era perverso o bastante para obter prazer surrando a enteada. O mais provável era que o barão fosse o vilão da história. Nunca suportara bêbados capazes de bater em mulheres e crianças, assim sentia-se satisfeito ao arrancar a jovem das garras de Thomas Somers. Canalhas daquela espécie deveriam se meter com homens do próprio tamanho.

Entretanto, lady Kathryn não lhe parecia nenhuma santa. Independente demais para uma mulher. Como fora capaz de escapar-lhe duas vezes não fazia a menor idéia. Revelara-se exigente também, insistindo em trazer a velha dama de companhia e dando ordens aos seus homens como ae fosse ela quem estivesse no comando. Contudo, apesar da aparência desmazelada, não cheirava mal. Na verdade, exalava um delicioso perfume de flores. Rosas talvez. Um aroma sutil e intensamente feminino.

Ainda dormindo, Kathryn moveu-se de leve, pres-sionando os quadris de encontro às suas coxas. No mesmo instante Wolf voltou os pensamentos para a experiência da noite anterior, quando experimentara o gosto da boca da bela desconhecida.

Todavia, não se podia permitir distrações. Tinha uma missão a cumprir. Precisava se concentrar na questão envolvendo Windermere. Já estava a serviço de Henrique há muito tempo agora e, com certeza, ganhara a confiança e o respeito do rei.

Restava-lhe apenas encontrar provas concretas da traição de Philip Colston. Diante do irrefutável, Henrique seria obrigado a lhe restituir Windermere e a limpar o nome de sua família.

Todavia, apesar de suas preocupações mais urgentes, não podia negar quão fortemente a mulher do lago o afetara. Ela encarnava seus sonhos mais íntimos, sonhos que sempre se negara a admitir. Por conhecer muito bem a dor de amar e perder, jurara nunca tornar a cair naquela armadilha outra vez. Perdera o pai e o irmão por causa de um golpe do destino, porém era a letargia da mãe o que mais o atormentara durante todo esse tempo em que se preparara para buscar a justiça.

Wolf sobrevivera ao ataque fatal, mas Margrethe Gerhart Colston não lhe dirigira a palavra uma única vez nesses últimos vinte anos. Nem mesmo dera a impressão de se dar conta de sua existência. Não importava que ela houvesse se refugiado num mundo interior e que não falasse com ninguém. O que doía era saber que sua sobrevivência não dera à mãe qualquer esperança, qualquer partícula de felicidade. Sua vida não significara nada para ela.

_Gerhart.Embora cochilasse confortavelmente, Kit ouviu a

voz de um soldado que agora cavalgava ao lado de ambos. Entretanto não deixou transparecer que acordara. Preferia pensar sobre a necessidade imediata de escapar e esperar por Rupert nas proximidades de Somerton. Precisava observar os arredores enquanto avançavam, para que soubesse voltar quando fosse a hora. Porém era dificil prestar atenção. Sentia-se zonza e o olho direito latejava tanto que dava a impressão de que iria saltar da órbita. Também não entendia por que o soldado chamara Wolf de Gerhart.

_Logo estará escuro - o cavaleiro alto e louro falou, com um sotaque que denunciava ascendência estrangeira - A velha criada está quase caindo da sela.

Kit reprimiu o impulso de virar-se para ver como Bridget estava se saindo.

_Vamos parar daqui a pouco - Wolf anunciou afinal, como se custasse a se convencer de que não era mesmo possível continuar. - Mande dois homens à frente para escolher um lugar adequado onde acamparmos.

Ele devia estar com uma pressa terrível de chegar a Londres para ficar tão irritado com aquele pequeno atraso, Kit concluiu em silêncio. Afinal, cavaleiros não precisavam descansar também? Não sentiam fome? Entretanto Wolf não dava impressão de estar cansado, ou faminto. Parecia ter a resistência de um animal.

Embora não o desejasse, os braços fortes ao seu redor, segurando-a para impedi-la de cair, faziam-na sentir-se segura. Talvez mais tarde conseguisse pensar em escapar, em voltar para onde Rupert pudesse encontrá-la. Exausta, Kit tomou a cochilar, voltando a acordar algum tempo depois, ao ouvir novamente a voz de Wolf.

_Ontem à noite havia uma mulher em Somerton. A princípio ela se surpreendeu, achando que o cavaleiro lhe dirigia a palavra. Mas antes que pudesse retrucar, notou que o soldado alto e louro continuava a cavalgar ao lado de ambos. Assim, fingiu dormir.

_ Depois de levarmos Kathryn Somers para Londres e eu acertar as contas com Philip, voltarei para encontrá-la - Wolf comentou.

_ Quem é essa tal mulher?_ Não sei. Porém ela era.., interessante.

Intrigante.Percebendo faltar palavras ao outro, o soldado riu._ Nunca o vi tão perturbado, primo. Mulheres

têm caído aos seus pés durante anos, entretanto voce..._ Não desta vez. Foi estranho. Ela era diferente. Wolf soava realmente confuso e Kit experimentou

uma estranha satisfação ao constatar que de fato o afetara. Não conseguia pensar em qualquer outro homem, à exceção de Rupert, que a tivesse julgado ? interessante e muito menos atraente. Por outro lado, a idéia de Wolf voltando a Somerton à sua procura era alarmante. Aquele cavaleiro musculoso não era tão delicado e gentil quanto Rupert.

_ Qual era o nome da bela do lago?_ Ela não me disse._ Parece-me promissor. Presumo que não seja a

charmosa e sedutora Jady Edith - o outro completou com uma risada, antes de continuar, sério:

_Ouça, Gerhart, é bem provável que se passem vários meses até termos terminado nossos negócios. Você acha que ela o estará esperando?

_ Que diferença faz se estiver me esperando, ou não? Farei com que seja minha.

No mesmo instante o sentimento de satisfação se extinguiu no peito de Kit. Como ousava Wolf presumir que ela cairia aos seus pés tão logo tornasse a vê-lo?

Contendo a irritação, cerrou os dentes para não falar nada. Jamais conhecera alguém tão convencido. Aquele homem acreditava que o fato de tê-la beijado uma vez lhe dava direitos sobre sua pessoa. Ele nem sequer a conhecia! E nunca chegaria a conhecê-la.

_ Então não sabe de quem se trata?_Não, Nicholas. Ela se recusou a me dizer como se

chamava._Talvez, se você a descrevesse, a pequena lady

Kathryn poderia saber quem e._Talvez.

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_Acho melhor manter os pensamentos voltados para Windermere, primo, não numa esposa em potencial. Além do mais, não podemos nos esquecer de lady Annegret. Afinal; sabemos que deverá se casar com ela.

_Esposa? - Wolf riu friamente. - Não mencionei esposa nenhuma.

Nicholas riu também e Kit conteve uma explosão de fúria. Quantas mulheres esse tal de Wolf se julgava no direito de ter? Quando soubesse que era ela a mulher do lago, com certeza... Não, jamais lhe daria chances de descobrir sua verdadeira identidade. A raiva era tanta que já não conseguia fingir dormir.

_Ah, lady Kathryn está acordando - Nicholas anunciou ao vê-la se mover, inquieta. - Você descansou bem, minha lady?

_Razoavelmente._É difícil tirar conclusões a seu respeito sob essa

camada de sujeira e esses trapos que a cobrem, entretanto sua voz não me parece a de uma criança. Pensamos que viríamos buscar uma menina. - Nicholas observou-a com maior atenção, tentando distinguir as feições femininas.

_Tem razão. Não sou uma criança. - A irritação que a consumia era óbvia agora.

_E você espera que acreditemos estar lidando com uma mulher adulta? - Wolf riu como se a idéia fosse absurda, ridícula.

_Não espero nada de vocês. Exceto uma viagem indesejável a Londres

_Ah, então a jornada a incomoda - Nicholas sorriu, condescendente.

_ Como está Bridget? Ela não tem o hábito de montar. Deve sentir-se exausta.

_ A velha criada está mesmo muito cansada. Porém não tardaremos a parar.

_Como vocês pretendem cuidar da segurança h durante a noite? Dizem que é perigoso viajar por essas estradas.

_Por favor, minha lady. - O tom de Wolf soou debochado. - Nove de meus homens estão presentes e todos odiariam ouvi-la duvidar de suas habilidades de guerreiros.

_ Nove? Você tem apenas nove homens?_ E o suficiente. Agora chega de conversa.A maneira rude como Wolf se impunha encheua de

ressentimentos. Ele não tinha nenhum direito de lhe dar ordens. Mas cara feia não lhe metia medo.

Dali a algum tempo, ao penetrarem numa clareira, o pequeno cortejo parou. Os dois cavaleiros que haviam sido mandados à frente já tinham acendido uma fogueira e iniciado os preparativos para a noite.

Foi com grande alívio que Kit desmontou e ajudou Bridget a apear. A velha senhora estava quase morta de cansaço e embora tivesse o costume de queixar-se de suas dores e desconfortos, mostrava-se estranhamente silenciosa. Juntas, as duas se retiraram para trás de uma fileira de árvores, onde atenderam às necessidades físicas. Nas proximidades, havia também um riacho límpido, onde puderam beber até se fartar.

_Oh, minha menina, seu olho continua inchado e o rosto sujo. Deixe-me lavá-lo.

_Não, Bridget. Prefiro continuar com a aparência imunda de um vagabundo enquanto estiver na companhia desses cavaleiros estúpidos do rei.

_Estúpidos, você diz?_Estúpidos, sim. Estúpidos e grosseiros._Ah, claro. Afinal, minha querida, você já esteve

tantas vezes na França e está tão acostumada a freqüentar a

corte que saberia reconhecer um grosseirão a distância, não é mesmo?

_Não precisa ser irônica, velha amiga. Não é necessário muita experiência, nem muito cérebro, para conhecer esse homem.

_Quem? Sir Gerhart? O líder?_O que você sabe sobre ele?_Bem, sir Clarence e sir Alfred contaram-me

algumas coisas. Acho que para me manter acordada. Contaram-me algumas coisas.

_ Por exemplo?_Por exemplo - Bridget falou de má vontade,

arqueando as costas -, Alfred disse que sir Gerhart e o primo, sir Nicholas, são netos de um príncipe alemão.

_Bobagem._Embora Gerhart tenha também sangue inglês - a

velha serva continuou, ignorando o comentário de Kit. - Os dois têm sido de valor inestimável para o rei Henrique e diz-se que receberão títulos e propriedades quando retomarem a Londres.

_Posso bem imaginar quem iniciou esses rumores._Não é de sua natureza ser tão mordaz e

desconfiada._E não é de sua natureza engolir tamanha asneira,

Bridget. - Kit pôs-se a andar de volta para o acampamento. - Esses homens não passam de soldados comuns, que vieram até aqui com a incumbência de levar-me para Londres. O mo-tivo de eu ser chamada à presença do rei é que é obscuro. O resto é perfeitamente claro.

A pobre dama de companhia limitou-se a balançar a cabeça.

_Também está claro que Rupert jamais conseguirá me encontrar agora. E pretendo remediar a situação tão logo seja possível.

_Como você pretende fazer isso?_Ainda não sei. Apenas me prometa que não se

preocupará comigo.

A escuridão caiu lentamente sobre o acampamento. A refeição que haviam consumido resumira-se a carne seca e pão. Ao terminarem de comer, os homens se espalharam ao redor do fogo em busca de um lugar confortável para dormir. Enrolado em sua capa, Wolfram encostou-se no tronco de uma árvore e fechou os olhos. Podia ouvir o ressonar da criada e a jovem dama não se movia há séculos.

Quando estava quase pegando no sono, percebeu um movimento do outro lado da fogueira. Lady Kathryn tinha se virado e embora permanecesse muito quieta, a posição em que se encontrava agora lhe parecia muito estranha e descon-fortável para alguém que desejasse dormir. Com certeza a tola estava planejando algo.

Devagar, com extremo cuidado para não perturbar ninguém, ela agachou-se. Então, rastejando, afastou-se do lugar onde todos dormiam. Ao chegar junto às árvores, ficou de pé e começou a correr.

Em questão de segundos Wolf levantou-se. Não conseguia acreditar em tamanha asneira. Aonde aquela criatura estúpida pensava estar indo? Fazendo sinal para que o vigia continuasse em seu posto, foi atrás de Kathryn.

Ao escutar um baque surdo e gemidos abafados, avançou com maior rapidez. Suas ordens consistiam em levar a jovem dama para Londres em segurança, entretanto ela insistia em querer dificultar a execução de uma tarefa tão simples. A escuridão quase o impediu de enxergar a pequena vala em que Kathryn caíra, embora soubesse estar muito próximo, pois a ouvia praguejar.

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_Ai! - Apesar de seus esforços para levantar-se, o tornozelo direito recusava-se a sustentar o peso do corpo, fazendo-a cair outra vez. - Maldição! Por todos os santos, primeiro meu olho, depois minha boca e agora meu tornozelo também está arruinado. Nunca poderei...

_Deixe-me ver seu tornozelo - Wolfram falou, ajoelhando-se ao lado dela. Vendo-a estremecer violentamente de susto, procurou tranqüilizá-la.

_ Calma, sou apenas eu._ Apenas você? Justamente a última pessoa

que eu gostaria de ver.Ele sorriu diante da explosão de sinceridade. Bem

diferente das mulheres da corte. Porém Kathryn Somers era jovem. Acabaria aprendendo a se conter.

_ E provável que seja apenas uma torção. E já começou a inchar.

Kit gemeu baixinho, desanimada._ O que você esperava? - Notando a irritação

na voz masculina, ela não disse nada ao ser pega no colo. De fato, até estranhou a maneira gentil como as mãos fortes a seguravam. Esperara ser jogada nos ombros largos feito um saco de batatas.

_ Não se pode correr a uma velocidade suicida no meio dessas árvores, na mais completa escuridão, sem esperar desastre. Especialmente uma mulher e tão inexperiente quanto voce.

_Oh, é mesmo? - ela retrucou irônica, recusando-se a se deixar intimidar.

A passos largos, Wolf retomou o caminho do acampamento. Sabia estar se exibindo, mostrando quão perfeitamente era capaz de mover-se na escuridão sem que algum acidente acontecesse. Sentindo a pressão dos dedos delicados em suas costas, um pensamento bizarro lhe ocorreu. O perfume dela era tão fresco e sedutor quanto o havia sido pela manhã, quando cavalgaram juntos. Atônito com a própria reação diante dessa criatura com o rosto sujo e inchado, quase a deixou cair.

_Calma, Gerhart! - Kit ordenou seca. - Não tenho a menor vontade de torcer o outro tornozelo.

_Como quiser, minha lady. - Oh, sim, tratava-se de uma mulher confiante demais. Altiva demais.

Ninguém disse nada quando Gerhart sentou-se junto à mesma árvore de antes, as costas maciças apoiadas no tronco largo, com lady Kathryn em seu colo. Ela bem que tentou mover-se, porém as mãos que a seguravam pelos pulsos a prendiam como algemas de ferro.

_Você passará o resto da noite ao meu lado._Não é possível que esteja falando sério - Kit

murmurou surpresa, tendo o cuidado de manter a voz baixa. - E algo inteiramente impróprio.

_Não menos impróprio do que deixá-la correr por aí até cair num buraco e se matar.

Passando a capa ao redor de ambos, Wolf fez com que Kit apoiasse a cabeça em seu peito e acomodou-a entre as pernas abertas. Aquele corpo delgado era muito mais macio do que imaginara. Talvez a jovem lady fosse mesmo adulta, como dissera, não uma adolescente imatura.

_Pelos céus, não vou fitar aqui! - Ela tentou levantar-se, mas Wolf puxou-a pela cintura até que estivessem face a face outra vez.

_ Ficará, sim.Com deliberada atenção, analisou o rosto ferido e

sujo, sentindo seios firmes pressionarem-lhe o peito. Temendo ser traído pelos impulsos da natureza masculina, obrigou-se a se concentrar nos detalhes daquele temperamento obstinado e desagradável.

Sempre se considerara um homem disciplinado, de gostos apurados. Certamente não nutria o menor desejo por aquela jovem mal-educada, suja e sem atrativos físicos. Nunca fora o tipo de possuir uma mulher apenas para aliviar a tensão sexual e sabia que poderia encontrar algo muito melhor quando retornasse em busca da ninfa do lago. Logo, também, teria Annegret. Assim, não precisava daquela jovenzinha que parecia determinada a causar problemas a si mesma.

Kit desistiu de lutar. O rosto doía, o ombro e o quadril direito latejavam, por causa da queda, e o tornozelo parecia em fogo. Já não tinha ânimo para discutir com o cavaleiro alto. Além de tudo, o bruto não a soltaria por nada. Assim, para surpresa de Wolf, lady Kathryn puxou o capuz sobre as faces e adormeceu.

CAPÍTULO III

Wolfram dormiu pouco. Lady Kathryn, porem, enroscada em seu colo como uma gatinha, não tivera problemas de insônia. Pelo contrário, os pequenos suspiros e gemidos eram sinais claros de quão prazerosamente descansava.

Começou a garoar à tarde e o humor de Wolf, que já era péssimo, piorou. Apesar de avançar devagar, para poupar a velha criada, ele percebia que a coitada estava encontrando dificuldades para acompanhá-los e que permanecia sempre no fim da fila. Assim, chamou Nicholas e fez sinal para que a ajudasse.

Kit virou a cabeça para trás a tempo de ver Nicholas acomodar Bridget em seu próprio cavalo, cobrindo a ambos com o manto para mantê-la o mais confortável possível. Seu primeiro impulso foi agradecer Wolf pelo gesto gentil, porém calou-se diante da ferocidade dos olhos cinzentos, O homem, com certeza, não estava de bom humor e preferia não irritá-lo. Pelo menos sentia-se segura dividindo a sela com ele, o calor que irradiava do corpo musculoso aquecendo-a.

Logo a garoa fina se transformava em chuva, mas ainda assim continuaram a jornada, descendo as colinas em direção a Nortumbria. Kit não conseguia entender por que seguiam para o oeste, quando Londres ficava ao sul.

_Você já percebeu estar nos levando na direção errada, Gerhart? - Ela usou o nome pelo qual os homens o chamavam, não “Wolf.”

A resposta foi um mero grunhido._ Pensei que estivéssemos indo para Londres. Se

meu padrasto soubesse desse desvio de rota, duvido de que me tivesse permitido cruzar metade do país com você e seus soldados.

_ O barão é mesmo a pessoa indicada para cuidar de seu bem estar, não é?

O sarcasmo não lhe passou despercebido. Kit, entretanto, se recusava a admitir não ter sido criada como uma lady. O orgulho a impedia de dizer a verdade a um estranho.

_ Meu padrasto prometeu à minha mãe que tomaria conta de mim como se eu fosse sua própria filha.

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_ Então Thomas Somers costuma espancar as próprias filhas também?

Ela apenas deu de ombros, evitando responder. Já se sentia humilhada o bastante.

_ Quantos anos você tem?Por alguns instantes Kit permaneceu em silêncio,

hesitando. De certa forma era embaraçoso confessar a idade, pois as mulheres de sua posição social se casavam muito jovens. Sob aquele ponto de vista podia ser considerada uma velha.

_ Vinte - murmurou afinal._ Por que ainda não se casou? Ou pelo menos

ficou noiva? - De fato podia imaginar as dificuldades do barão para encontrar um noivo disposto a aceitar uma dama tão malcuidada e destituída de graças femininas. Todavia não conseguia entender por que Somers a mantinha em casa, quando a simples presença dela parecia incitá-lo à violência.

_Estou noiva! Bem, quase._Ah, quer dizer que um dos rapazes locais pediu

sua mão em casamento?O tom incrédulo da voz a enfureceu. Wolf agia

como se ninguém fosse capaz de se interessar por seus atributos. Que sabia aquele grande tolo a seu respeito?

_Acontece que meu noivo é um dos soldados da guarda do rei.

_Quem?_Rupert Aires.Wolf explodiu em risadas. Rupert Aires era um

jovem e bonito cavaleiro a serviço de Henrique, conhecido por suas inúmeras aventuras amorosas envolvendo as damas da corte. Sem dúvida Kathryn estava enganada. Apesar de leal ao rei, Aires não passava de um conquistador barato, um homem sem escrúpulos sempre atrás de um rabo-de-saia.

_Você não o conhece?_Claro que o conheço. - Outra vez um traço de

irritação em cada uma das palavras._E então?_Trata-se de um soldado competente._E tudo o que tem a dizer? - Agitada, Kit não

continha a indignação. - Um soldado competente? Os ecos da bravura de Rupert nas batalhas chegaram até Northumberland. Todos sabem de sua destreza no manejo da...

_ Sir Rupert já viu seu rosto?_O que isso tem a ver com o que estamos falando?

Naturalmente ele já viu meu rosto. Crescemos juntos._Perguntei-lhe se ele já a viu livre dessa camada de

sujeira._Que camada de sujeira? Oh. - Kit ergueu o queixo,

desafiante. - Rupert me conhece tão bem quanto às irmãs. Ele me disse que tão logo obtivesse uma licença, viria me buscar. Você não percebe, Gerhart? E por esse motivo que eu precisava tentar voltar para Somerton. Rupert não conseguirá me localizar.

_ Estamos indo ao encontro do rei, minha lady. Você não acha que acabará vendo sir Rupert em Londres? - Incomodava-o senti-la fitando-o fixamente. Além desse comportamento ser franco e direto demais para uma mulher, a beleza dos olhos verdes o perturbava.

Não tenho a menor idéia de como achá-lo. Disseram-me que Londres é enorme e Rupert pode até mesmo estar a caminho de Somerton.

Pelo menos isso explicava a tentativa de fuga da noite anterior. De alguma maneira, não lhe parecia justo que lady Kathryn se preocupasse, e arriscasse a própria pele, por causa de Rupert Aires, um homem que vivia nos braços das mais ardentes e fúteis damas da corte.

Se Aires estava comprometido com Kathryn So-mers, seu modo de agir indicava o contrário. Logo após terem chegado da França, dois meses atrás,

Henrique dera vários dias de licença para os sol-dados de sua guarda pessoal. Aparentemente Aires não se interessara em partir para Somerton, em busca da noiva.

_Nenhum dos guardas do rei está de licença agora. - Apesar de não ter muita certeza do que afirmava, Wolf achou que valia a pena tranqüilizá-la para evitar novas tentativas de fuga.

_Verdade?_E quase certo que sim._E um alivio saber. Precisarei apenas pensar numa

maneira de encontrá-lo, ao chegarmos a Londres. Isto é, se chegarmos a Londres. Você ainda não me disse por que não estamos indo para o sul.

_Não estamos indo diretamente para Londres._Aonde você está me levando?Não estava acostumado a ser interrogado por

ninguém, especialmente por uma jovem maltrapilha, impertinente e insignificante. Assim, sua resposta foi curta e grossa.

_Castelo Windermere._Windermere! Mas fica em Cumbria! Dezenas de

quilômetros fora de nosso caminho._Obrigado pelo esclarecimento, minha lady, porém

estou bastante familiarizado com a localização de Windermere.

_Levaremos um século até chegarmos a Londres. E Rupert...

_Estou começando a entender os métodos dis-ciplinares do barão Somers.

_Por que você não foi a Cumbria primeiro, antes de me buscar?

_Porque iria contrariar minhas ordens._Por quê?_O rei foi bastante enfático e específico. Ele a

queria sob meus cuidados o mais breve possível._Por quê?_Tente dormir um pouco._Mas sir Gerhart - ela insistiu, sabendo que o’

cavaleiro queria pôr um ponto final na conversa.Porém, a expressão severa do rosto másculo a

advertiu de que era melhor deixar as perguntas para depois.

A noite se aproximava e ainda não haviam chegado ao castelo Windermere. A chuva persistia, fina e gelada. Sabendo que a velha criada estava no limite de suas forças, Wolf decidiu pernoitar nos arredores de uma pequena vila, na única hospedaria local. Kit sentiu-se um pouco mais animada. Talvez uma boa refeição quente ajudasse Bridget a recuperar-se.

Após o jantar, ela amparou a serva enquanto subiam a escada até um dos três quartos disponíveis e ajudou-a a deitar-se.

_Vá lavar o rosto - Bridget falou, respirando com dificuldade. - E impensável para uma lady de sua estirpe se apresentar com as faces sujas.

_Não quero parecer uma lady. _E por que não?_Quanto menos souberem a meu respeito, melhor._Suponho que seja por causa do neto do príncipe

alemão._Neto de príncipe ou não, Rupert está me

esperando em Londres._Não estou lhe pedindo para colocar um de seus

vestidos. - Bridget fez uma pausa, o corpo sacudido por um

Page 11: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

acesso de tosse. - Apenas que lave o rosto e me deixe ver o estado dos ferimentos do olho e da boca. Essa sujeira é capaz de fazê-los infeccionar.

De má vontade, Kit lavou o rosto, usando a bacia e o jarro colocados sobre a cômoda. O corte no lábio quase não a incomodava mais, entretanto o olho continuava a doer, embora o inchaço houvesse diminuído.

_Você não imagina como estou feliz de termos escapado das garras do barão Somers e esposa. Aquela mulher...

_E verdade - Kit respondeu distraída. O que queria mesmo era conversar sobre a inesperada viagem a Londres. O instinto lhe dizia que Bridget sabia mais do que imaginava - Por que será que o rei mandou me chamar?

_Não sei - a criada respondeu após breve hesitação. - Talvez ele conhecesse seus pais.

_Por que tenho a impressão de que você não está me dizendo tudo o que sabe?

_Talvez por causa de sua natureza desconfiada, minha lady.

Aquela não era a primeira vez que fazia perguntas sobre seus pais sem que obtivesse respostas satisfatórias. Pelo visto continuaria cheia de dúvidas.

Embora houvesse parado de chover na manhã seguinte, a garoa insistente mantinha o ar úmido e frio. Bridget não teria condições de continuar a viagem enquanto não melhorasse, Kit decidiu. A coitada passara a noite inteira tossindo e parecia exausta. Depois de trançar os cabelos e escondê-los sob o velho gorro marrom, saiu do quarto em busca de algo para comer, não sem antes ordenar que a serva continuasse deitada, descansando.

Depois de alimentar-se e pedir à dona da hospedaria para levar um prato de mingau até o quarto, perguntou por Wolf.

_ Sir Gerhart está num dos estábulos - a mulher respondeu de maus modos, convencida de que não precisava ser educada ao lidar com uma jovem de aparência tão rústica.

Wolf terminou de arrear Janus e ao erguer a cabeça notou que lady Kathryn se aproximava. Bem, supunha que fosse Kathryn, agora que a via pela primeira vez com o rosto limpo.

A exceção do hematoma ao redor de um dos olhos e do pequeno corte no lábio inferior, tratava-se de um rosto impressionante. Não de uma beleza delicada, mas fascinante. Enfeitados por cílios escuros e espessos, os olhos verdes o fitaram de igual para igual, algo raro numa mulher. A boca carnuda e sensual parecia hipnotizá-lo de forma inquietante. Ao perceber que a encarava, desviou o olhar e inspirou fundo. Que diabos acontecera com a criatura maltrapilha que deixara dormindo na estalagem?

Por que Kathryn Somers não pudera ser a criança que esperara encontrar, ou então como as damas que conhecera na corte? Teria sido mais fácil lidar com qualquer uma daquelas duas alternativas do que com essa criatura teimosa, impulsiva e imprevisível. Nunca tinha certeza do que esperar e agora, com o rosto lavado... Sim, ela o perturbava. E irritava também.

_Gerhart. - A voz soava tão firme e direta quanto o olhar. - Não podemos seguir viagem hoje. - Outra vez a mesma entonação imperiosa.

_E mesmo? - Wolf se recusou a perder o controle diante do que julgava uma provocação. Impossível ignorar o efeito que lady Kathryn parecia ter sobre seus sentidos sempre que lhe dirigia a palavra, todavia já havia, resolvido manter-se

indiferente às tentativas femininas de desafiá-lo, ou ao poder de um possível charme sedutor.

_Bridget está doente. Não tem condições de viajar._Partiremos em meia hora. Vários de meus homens

já se puseram a caminho e se você ainda não tomou o desjejum, sugiro que o faça agora porque não terá outra oportunidade de comer.

O grosseirão certamente não a tinha ouvido._Mas Bridget está doente! Não pode viajar na

chuva._Pode e o fará - Wolf retrucou com calma, embora

irritado. - Ela cavalgará com Nicholas. A outra alternativa é que permaneça aqui.

_Você não entende. Sou responsável por ela._Você? Pensei que fosse o contrário. Pensei que

sua babá a estivesse acompanhando para servi-la._Claro que não! Bridget não tem sido capaz de

fazer nada nesses últimos anos. Está ficando velha e não pode mais trabalhar como antes. Além de tudo, é mais do que uma criada. E uma prima distante de minha mãe que...

_Chega! De acordo com o dono da estalagem, Windermere fica apenas a duas horas daqui. Verei a mulher e eu mesmo decidirei se tem, ou não, condições de viajar. A propósito, você faria bem se controlasse essa sua natureza inclinada a discussões. A vida seria bem mais simples.

O comentário fez o sangue de Kit ferver e por pouco não deu um chute na canela do homem que ousava tratá-la daquela maneira impensável. Para completar, ele deu-lhe um tapinha na cabeça, como o faria com um cachorro.

_Você deveria lavar as faces com mais freqüência também, garota. Não possui um rosto tão feio que seja preciso escondê-lo.

_Seu insuportável, arrogante, cabeça-dura... Wolf, porém, seguiu em frente sem se importar com

a explosão de fúria que acabara de desencadear.

Bridget estava sentada na cama, uma bandeja com um prato de mingau fumegante a sua frente. Andando de um lado para o outro do quarto, Wolf lhe fazia perguntas sobre a saúde. De fato, a coitada lhe parecia muito pálida, além de tossir quase sem parar. Por um momento ele pensou em atender ao pedido de Kathryn. Não queria causar à criada maiores desconfortos e ainda culpar-se por uma possível piora. Contudo, Bridget insistia em seguir viagem, dizendo-se em perfeitas condições de enfrentar uma boa cavalgada. Isto é, se dividisse a sela com um dos soldados.

Considerando a brevidade da jornada, Wolf concordou, amaldiçoando o destino que o tornara responsável por duas mulheres. O que sabia a respeito dessas criaturas tolas? Afinal, era um guerreiro, não enfermeiro.

_Sir Gerhart - Bridget o chamou vacilante, vendo-o caminhar para a porta.

Ele parou e virou-se para ouvi-la. Só esperava que o assunto fosse rápido para que pudessem partir. Windermere ficava apenas a duas horas dali.

_E sobre minha Kit. Ela é uma boa menina. Nunca quis causar problemas a ninguém.

_Não - Wolf concordou apressado, preparando-se para sair. As palavras da serva, entretanto, eram opostas à sua experiência.

_Você não compreende - Bridget insistiu. - Kit sempre foi obrigada a ser forte. Independente. Jamais teve quem a protegesse e os momentos difíceis não foram poucos.

_Somers?_Sim. O barão esteve perto de matá-la duas vezes.

O que o impediu foi a certeza de que não conseguiria

Page 12: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

administrar o castelo sem Kit. E também porque nunca sabia quando um dos cavaleiros do rei poderia aparecer para vê-la.

_Cavaleiros enviados por Henrique IV?_Sim. O barão Somers, entretanto, jamais con-

seguiu entender a razão desse interesse pela enteada. Sempre suspeitou haver algo por trás de visitas aparentemente sociais.

_Quando foi a última vez que um dos cavaleiros foi vê-la?

_Bem, há vários anos. Não creio que nosso novo rei tenha mandado alguém até agora.

_Você disse que lady Kathryn ajuda o barão a administrar Somerton. E verdade?

_Não exatamente. De fato, ela faz tudo sozinha. O barão Somers não toma conhecimento do que acontece em sua propriedade.

Não havia dúvida de que lady Kathryn se preo-cupava imensamente com o estado de saúde da serva. Durante toda a jornada de duas horas ela se mostrou impaciente, desmontando tão logo entraram no pátio do castelo Windermere e correndo para junto do cavalo de Nicholas.

_ Tudo ficará bem agora, não se preocupe - Kit falou, ajudando Bridget a desmontar e amparando-a pelo braço. Era óbvio que a velha precisava de descanso..

Então dois homens, Hügh Dryden e Chester Morburn, mandados à frente por Wolf, saíram do castelo.

_Meu lorde, a governanta nos informou de que Philip Colston só estará de volta ao anoitecer - Chester os avisou. - Mas, apesar da ausência do conde, a sra. Hanchaw já providenciou aposentos e provisões. Creio que lady Kathryn e a sra. Bridget dividirão um mesmo quarto. Há outros convidados hospedados no castelo, por causa da Feira de Windermere, que começa amanhã.

Gerhart parecia preocupado e pouca atenção prestou ao relatório do soldado. Todavia, não passou despercebido a Kit o olhar trocado entre ele e Hugh Dryden. Depois de deixar os cavalos no estábulo, o grupo seguiu para o castelo. Percebendo a dificuldade extrema de Bridget para caminhar, Wolf a tomou no colo e subiu os degraus de pedra que conduziam ao salão principal.

Kit nunca havia visto uma construção tão mag-nífica. Se não fosse pelo estado de saúde precário da serva, teria ficado ali parada, admirando a beleza daquela verdadeira fortaleza.

O salão principal tinha as paredes decoradas com ricas tapeçarias, e estandartes coloridos tremulavam, dependurados do teto. A luz da tarde, filtrada através dos vitrais coloridos, criava desenhos delicados no chão.

Porém, um olhar mais atento revelava as cores desbotadas dos estandartes e focos de sujeira espalhados pelos cantos. Um odor azedo emanava de sob as mesas e bancos, provavelmente resultado de restos de comida deixados pelos cães.

Quando se casasse com Rupert, e fosse dona da própria casa, não permitiria tamanho desmazelo. As tapeçarias estariam em bom estado e a limpeza dos aposentos seria impecável, assim como fazia questão de manter em Somerton. E teria flores. Vasos e vasos de flores. Tais condições de negligência num castelo de tal beleza eram imperdoáveis.

_Sir Gerhart, presumo? - Uma mulher, mais velha do que Kit, trajando vestido cinza e avental, aproximou-se. Os cabelos estavam cobertos por uma touca branca, realçando o rosto ainda bonito, com poucas linhas ao redor dos olhos claros.

Embora Gerhart respondesse ao cumprimento com um breve aceno de cabeça, Kit podia sentir a hostilidade do gesto, apesar de não entender o motivo. Afinal, acreditava

estarem sendo bem tratados até agora, exceto pela ausência do conde. E, com certeza, qualquer assunto que Gerhart tivesse para tratar com Philip Colston poderia esperar até a hora do jantar.

_Sigam-me. Sou a sra. Hanchaw, governanta de lorde Windermere - A mulher não escondeu o desagrado diante da aparência doentia de Bridget.

_Senhora, existe por aqui um jardineiro, ou alguém familiarizado com o uso de ervas medicinais? - Kit indagou enquanto subiam a escada que conduzia aos quartos.

_O que ela tem? Espero que não seja nada contagioso, ou fatal.

_Apenas um resfriado. Vou precisar de..._E quem é você? - A voz da governanta indicava

desagrado. - Avisaram-me da chegada de um emissário do rei, escoltando lady Somers. - Olhos frios a examinaram de alto a baixo, cheios de arrogância.

_ Você está falando com lady Kathryn - Nicholas interveio.

_Não há tempo para conversas superficiais agora. - Kit exclamou exasperada. - Por favor, faça o jardineiro vir à minha presença, ou mande-o trazer pétalas de prímula e raiz de íris. Ou qualquer outra coisa que sirva para fazer baixar a febre.

A governanta cerrou os lábios, fitando-a com desaprovaçao.

_Mas minha lady..._Por favor, faça como estou dizendo. Minha prima

está muito doente e preciso cuidar para que se recupere o quanto antes.

Por fim, a sra. Hanshaw abriu a porta de um quarto, fazendo sinal para que o pequeno grupo entrasse.

Nicholas se apressou a acender as velas sobre a cômoda para espantar a escuridão, enquanto Gerhart, gentilmente, depositava Bridget sobre a cama.

Assim que a governanta se retirou, Gerhart indagou a Kit:

_Então a criada é sua prima?_Bem, uma prima distante. - De repente ela se

sentiu intensamente perturbada pela presença máscula, a lembrança do beijo que haviam trocado vindo-lhe à mente com uma clareza espantosa. Wolf era tão atraente e viera em auxílio de Bridget com tanta naturalidade. - Ela é prima de segundo grau de minha mãe. Descendente de nobres.

_Chega. - Gerhart ergueu a mão. - Creio já saber mais sobre sua família do que eu gostaria.

Notando o brilho furioso nos olhos de Kit, Nicholas achou melhor intervir.

_Você tem tudo de que precisa no momento, lady Kathryn?

_Sim, claro - ela retrucou, odiando-se por Wolf fazê-la sentir-se inadequada como uma criança.

_Então até mais tarde, minha lady. - Nicho-las deixou-a a sós com Bridget. Wolf já havia saído momentos antes sem se despedir.

Dali a instantes o jardineiro chegava acompanhado do padre residente no castelo, que afirmava possuir conhecimentos sobre o uso de ervas medicinais. Uma vez que a prescrição do sacerdote não diferia muito do que Kit preten-dera ministrar a Bridget, ela não opôs resistência às sugestões recebidas.

Os homens mal tinham acabado de sair quando criadas entraram, trazendo baldes de água quente, prontamente despejados na banheira de madeira. A mais jovem das duas reavivou o fogo que ardia na lareira, enquanto tagarelava.

Page 13: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_Um banquete especial está planejado para essa noite, milady. Duvido de que a sra. Hanchaw tenha se dado ao trabalho de lhe dizer algo a respeito.

_Maggie! - a outra serva a repreendeu. - Não cabe a nós ficar espalhando histórias sobre a governanta. Claro que ela iria contar sobre a festa.

_Annie, você sabe tão bem quanto eu que aquela -adora maltratar uma verdadeira dama. Lembra-se de como costumava atormentar a pobre lady Clarisse?

_Contenha essa língua, sua tola! Ou acabará sendo posta no olho da rua.

_Como eu ia dizendo, milady - Maggie virou-se para Kit, ignorando o aviso da companheira -, haverá uma grande celebração essa noite, no salão principal, para comemorar o início da Feira de Windermere. Todos os barões da região estarão presentes. E suas esposas também. Claro que milady irá querer se apresentar da melhor maneira possível.

_É uma pena o hematoma em seu olho, todo ama-relado agora. Acho que não tem jeito de escondê-lo. - Kit despachou as criadas, dizendo que seria capaz de banhar-se sozinha. Com tantos convidados no castelo, certamente serviço era o que não faltaria a ambas.

Certificando-se de que Bndget dormia tranqüila, os remédios enfim fazendo efeito, ela entrou na banheira, os pensamentos voltados para as palavras de Maggie.

Quem seria lady Clarisse e por que Anie se mostrara tão preocupada com o rumo da conversa? Era um lugar estranho, esse castelo de Windermere. Ainda mais estranho do que Somerton, onde lorde Somers se embebedava dia após dia enquanto a esposa dormia com todos os vizinhos e visitantes que por ali passassem.

Mesmo Wolf não tardara a compreender o que acontecia entre as quatro paredes da mansão. Seu desprezo pelo barão fora óbvio, assim como a repulsa pelo comportamento vulgar e insinuante de lady Edith.

Deveria ter sido fácil relaxar os membros exaustos depois dos dias passados sobre a sela, entretanto Wolf não lhe saía da cabeça, impedindo-a de ter paz. Bastava lembrar-se do modo como os olhos cinzentos a fitavam para um estremecimento incontrolável a percorrer de alto a baixo.

Que aconteceria se ele descobrisse estar diante da mulher do lago? Podia apostar que aquele guerreiro rude não tornaria a chamá-la de garota.

De qualquer forma, não importava ser tratada feito uma criança por um homem arrogante como Wolf. Afinal, tinha Rupert.

Rupert que nunca a intimidara, que era extro-vertido, engraçado e sorridente. Em nada parecido com esse tal de Gerhart, sempre taciturno. Rupert a conhecia há vários anos e parecia satisfeito com seu modo de ser, embora lhe faltasse a sofisticação das damas da corte. Além do mais, amava Rupert e tão logo chegasse a Londres daria um jeito de encontrá-lo e casar-se com ele. Fora a certeza de que um dia seria levada embora de Somerton que a impedira de enlouquecer. Realizaria o que pretendera e nada a faria mudar de idéia.

Algum tempo depois, quando secava os cabelos perto do fogo, Bridget acordou.

_ Como está se sentindo, velha amiga?_Como se Mathilda, a enorme vaca leiteira de

nosso vizinho, houvesse sentado em meu peito.Kit riu._ Imagino que sim. Você está com um chiado feio

e crises de tosse. Mas vamos curá-la logo._ O que aqueles dois bodes velhos me deram?_ Nada que eu não teria lhe ministrado.

_ Otimo. Não os deixe chegar perto de mim na sua ausência.

_ Claro que não._ Venha, sente-se ao meu lado. - Bridget falou

ofegante, tendo dificuldades para respirar. - Receio que levará um bom tempo até que eu me recupere.

_ Bobagem. Estará se sentindo bem melhor em breve. E pronta para partir para Londres.

_Você deve se vestir de maneira adequada ~- para jantar com o conde.

_ Suponho que sim. - Ela sabia que a velha A~. babá iria insistir para que usasse algo apresentável e não tinha coragem de discutir, vendo-a tão pálida e fraca.

_Use o vestido de veludo verde com o véu marfim. Fica-lhe bem.

_O quê? E não o branco? - Durante anos, Bridget guardara um vestido branco, delicadamente bordado com fios de ouro, que pertencera à sua mãe. Espantava-lhe que a coitada não sugerisse que o usasse aquela noite.

_ Você deve guardar o branco para quando for apresentada ao rei. Prometa-me.

_ Está bem - Kit respondeu, começando a vestir-se. - Prometo-lhe usar o branco somente na grande ocasião. Agora descanse.

Wolf lembrava-se de Philip Colston muito bem. Embora o primo estivesse beirando quarenta anos, pouco mudara. O mesmo bigode bem aparado e a barbicha que cobria o queixo pontudo. Alguns fios grisalhos nas têmporas, o brilho cruel do olhar.

Era-lhe difícil sentar-se à mesa que seu pai presidira uma eternidade atrás. Recordava-se de cada detalhe e a dor das lembranças ameaçava sufocá-lo. Quase podia enxergar os irmãos, John e Martin, entrando pela porta principal, voltando de uma caçada, ou de uma cavalgada até a aldeia, Wolf ainda pequeno demais para acompanhá-los.

A lembrança mais vivida, entretanto, era a do caixão de Martin sendo carregado até a cripta da família, sua mãe desesperada, o rosto distorcido pelo sofrimento. Aquela fora a última vez em que a vira com alguma expressão.

Angustiado, Wolf recordou-se de como haviam sido chamados à Alemanha, no outono de 1401. Margrethe tinha ido visitar os pais após a morte de Martin, numa tentativa de superar o trauma. O mensageiro informara a Bartholomew que a esposa adoecera seriamente em Bremen e que talvez corresse risco de vida, apressando o barão a ir vê-la em companhia dos dois filhos restantes.

No trajeto para Bremen, bandidos os dominaram, atacando-os .cruelmente, retalhando-os, massacrando-os, dando-os todos por mortos.

Os ferimentos de Wolf haviam sido terríveis e ele só sobrevivera por causa do último ato heróico do irmão, que morrera para protegê-lo. E também - devido ao raciocínio rápido de um jovem pajem, Hugh Dryden.

Apesar de também machucado, o servo conseguira levá-lo até uma abadia próxima, logo após o ataque, onde ficara entregue aos cuidados dos monges. Duas semanas depois, os dois rapazinhos retomaram o caminho para Bremen a fim de se encontrarem com Margrethe e os pais dela. Porém Margrethe Gehart Colston, ainda em desespero devido à morte de Martin, nunca se recuperou das perdas sofridas; Passava dia após dia no quarto, o olhar vazio perdido ponto indefinido, o rosto destituído de qualquer expressão. O fato de um dos filhos ter sobrevivido não fazia a menor diferença.

Assim, com o pai e irmãos mortos, Wolfram era o novo duque de Windermere, apesar de não poder reclamar o título. O nome de sua família fora completamente

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desacreditado na Inglaterra e cabia-lhe encontrar as provas necessárias para restaurar a honra perdida. Tivera que adotar o nome do avô materno para retornar à Inglaterra. Somente Nicholas Becker e o pajem, Hugh Dryden conheciam sua verdadeira identidade. Tampouco tinha intenção de que outros descobrissem quem era até que houvesse obtido as provas da traição que vitimara sua família inteira. Apenas então se revelaria e faria com que a justiça triunfasse.

Wolf sabia que Philip herdara a natureza traiçoeira do pai, Clarence. Mas existia algo de perverso na natureza do primo, algo de doentio. Lembrava-se dos atos de crueldade por ele cometidos, sempre contra alguém mais fraco e menor, sempre em segredo. Crianças e algumas das criadas mais novas eram seus alvos preferidos. Entretanto nenhuma das vitimas jamais ousara contar aos pais o que haviam sofrido. Sim, Philip sentia prazer em infligir dor.

Seguindo as ordens da ara. Hanchaw, os servos começaram a servir a comida. O salão estava lotado de convidados. Recordando-se de ter ouvido falar da morte recente da jovem esposa de Philip, lady Clarisse, Wolf julgou de extremo mau gosto tão grande festividade.

Entretanto não devia se surpreender. Afinal, conhecia o verdadeiro caráter do primo, um dos responsáveis pelo massacre de sua família.

_E interessante, e pouco comum, que o rei Henrique mande emissários a uma parte distante do país, não é? - Philip perguntou.

_Quer dizer que você ainda não havia recebido nenhuma visita antes? - Nicholas se apressou a retrucar, percebendo a raiva crescente de Wolf e desejando dar ao amigo tempo de esfriar a cabeça. Philip examinou os dois cavaleiros enviados pelo rei sem disfarçar a suspeita. O homem alto, de olhos cinzentos, lhe parecia vagamente familiar, embora o nome Gerhart não lhe dissesse nada.

_Então eu deveria ter recebido uma visita?_ Claro. - Outra vez foi Nicholtas quem respondeu.

- E uma questão de cortesia. Tendo passado tanto tempo fora do país, essa é a única maneira de Sua Majestade saber como estão seus súditos.

Naquele momento Kathryn entrou no salão, es-coltada por um lacaio. De repente, Wolfjá não ouvia mais nada do que Nicholas ou Philip diziam. A inesperada transformação de lady Somers o deixara assombrado. Apesar de ainda manter os cabelos cobertos por um véu comprido, pela primeira vez a via trajando roupas femininas. O vestido de veludo verde era elegante em sua simplicidade, realçando a brancura da pele do rosto e das mãos pequeninas.

Subitamente ocorreu a Wolf que Kathryn tinha o porte de uma duquesa.

CAPÍTULO IV

A fala só voltou a Wolf quando viu-se ff1.obrigado a apresentar Kathryn a Philip. Ela limitou-se a inclinar a cabeça, num gesto carregado de realeza. Então apoiou a mão de leve no braço que o conde lhe oferecia e se deixou conduzir até a mesa principal, Nicholas e Wolf seguindo-os logo atrás.

Não lhe passou despercebida a maneira como Wolf a fitava, atordoado ao constatar que ela era mesmo o que se dissera ser.

Uma mulher.Adulta._Seu encanto ilumina minha casa, lady Somers -

Philip a elogiou, fazendo-a sentar-se à sua direita.Embora estivessem acomodados um pouco mais

adiante, Nicholas e Wolf podiam escutar grande parte da conversa. Kathryn lhe parecia tão vulnerável e pequenina, o rosto e o lábios, que Wolf cerrou os punhos para conter a an-gústia de sabê-la o tipo de vítima preferida por Philip.

_Muitos meses já se passaram desde que Windermere pudesse apreciar a beleza de uma dama com seu charme - Wolf ouviu o primo dizer.

_Nossas condolências pela perda de sua esposaUm dos barões ofereceu._Oh, sua esposa morreu recentemente? - A voz de

Kit revelava preocupação._ Sim. Clarisse morreu em novembro, pobre

coitada.O nome ‘Clarisse’ a fez ficar atenta. O que mesmo

que Maggie dissera sobre a castelã?Wolf não foi capaz de detectar nem um traço de

emoção na maneira como o conde se referia à jovem esposa morta. Qualquer homem normal teria procurado demonstrar algum sinal de tristeza pela perda ocorrida seis meses atrás. Philip, entretanto, se debruçava sobre Kathryn com avidez e ainda não lhe soltara a mão.

_ Que coisa terrível, meu lorde. Foi repentino? A piedade estampada nos olhos de Kathryn era evidente. Apesar de saber que seria impossível para ela perceber a verdadeira

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natureza do caráter do primo imediatamente, Wofl irritava-se ao vê-la tratá-lo quase com simpatia.

_ Não. Minha esposa esteve doente durante meses. Problemas de estômago.

Notando a forma insensível como seu anfitrião abordava o assunto, parecendo mais preocupado em devorar a comida, Kit aborreceu-se. Embora sua experiência de vida se limitasse a Somerton, sabia que alguma expressão de pesar teria sido apropriada. Já não tinha dúvida de que o conde de Windermere não passava de um homem frio e desprezível.

Os convidados não tardaram a perceber o exa-gerado interesse que Philip demonstrava por lady Somers. Ninguém sabia por que a dama estava sendo levada para Londres, ou que tipo de ligação teria com o rei. Mas especulava-se que Henrique a tomara sob sua proteção e que pretendia lhe arrumar um marido. Wolf nada fez para impedir que os rumores se espalhassem, ele mesmo não sabendo por que o rei a mandara buscar. Também, se acreditasse que Kathryn estava sob a guarda de Henrique, era bem provável que Philip a respeitasse e mantivesse certa distância.

Kit sentia-se exausta quando o conde, finalmente, a acompanhou até a porta de seus aposentos. Não queria mais nada a não ser livrar-se daquela presença desagradável.

_Um petisco tão delicioso você é - ele murmurou de repente, enlaçando-a pela cintura, o hálito nojento fazendo-a sentir- náuseas.

_ Meu lorde, solte-me. Agora._ Você me agrada, jovem tentação. O que devo

fazer para atraí-la?Com um arranco, ela se desvencilhou das mãos que

insistiam em agarrá-la e estava pensando em tomar uma atitude mais drástica quando sir Gerhart, de súbito, apareceu no corredor, segurando um castiçal e cambaleando de leve. Ao chegar perto dos dois, perdeu o equilíbrio e esbarrou, com força, no ombro do conde. Admirava-a que o cavaleiro agisse tão desajeitadamente, quando sempre o vira mover-se com elegância e destreza.

_ Desculpe-me, meu lorde - Gerhart falou, a voz lenta e pastosa. - Otimo vinho. Bela festa.

_ Para trás, animal!_ Por favor - Kit se interpôs entre os dois,

antes que o conde desembainhasse a adaga. Precisava encontrar depressa uma maneira de evitar um confronto. - Meu acompanhante apenas exagerou um pouco no consumo de seu ótimo vinho, depois de um longo dia de viagem. Permita-me ajudá-lo a chegar aos aposentos que lhe foram reservados para que não cause mais embaraços.

Tomando o castiçal da mão de Gerhart, ela o segurou pelo braço, afastando-o do conde.

_Venha comigo, sir. - Uma olhadela rápida para trás a certificou de que Philip não os seguia.

_ Idiota pomposo - murmurou aliviada. Qual é seu quarto? - perguntou depois de alguns segundos, mal conseguindo sustentar o cavaleiro alto e musculoso.

_ Esse aqui. Não, talvez seja mais adiante - ele respondeu devagar, apoiando-se com força no ombro de Kit. - Outra vez você tem o cheiro de rosas, garota.

Surpreendia-a que Wolf percebesse o aroma. Sempre se banhava com um sabonete perfumado, à base de extrato de rosas, porém nunca imaginara que alguém fosse notá-lo.

_ Aqui. - Gerhart encostou-se na porta do quarto que cedeu imediatamente ao peso do corpo atlético. Todavia, por algum milagre, os dois não caíram. Pelo contrário, ele se encarregou de sustentá-la, segurando-a firme pela cintura. Lentamente, Gerhart abaixou a cabeça, os lábios

de ambos quase se tocando. Como se presa de um en-cantamento, Kit entregou-se ao momento. Sabia ser loucura, mas ansiava sentir o toque daquela boca outra vez.

Um pingo de cera quente em sua mão foi o que a trouxe de volta à realidade, fazendo-a pular para trás.

_Você consegue se equilibrar sozinho agora, ou devo chamar alguém para ajudá-lo?

_Por que eu precisaria de ajuda? - Não havia mais nenhum traço de embriaguez na voz profunda.

_ Por quê...? Você não está bêbado, não é? - Então o nobre cavaleiro estivera brincando com ela o tempo inteiro.

_ Claro que não, garota. Nunca bebo muito. - Wolf jamais fingira estar embriagado antes, por isso procurava se convencer de que fora impelido a seguir Philip e Kathryn apenas porque prometera ao rei protegê-la. Depois de observar os olhares cheios de desejo que o primo lançara a lady Somers durante todo o jantar, achara melhor não deixá-la só, na companhia de uma criatura sem escrúpulos.

_ Seu... seu mentiroso! - ela gritou, olhando ao redor na esperança de encontrar algum objeto com o qual pudesse atingi-lo. Sem ver nada por perto, saiu do quarto quase correndo.

Entrando em seus aposentos afinal, Kit fechou a porta cuidadosamente para não acordar Bridget. Sentia o sangue latejar nas veias, mas não sabia se era de raiva, ou de medo pelo que poderia haver acontecido, caso o beijo se consumasse. Teria sido reconhecida como a mulher do lago?

Intrigava-a Wolf ter fingido estar bêbado apenas para protegê-la. Se não fosse pela interferência do cavaleiro no corredor, ou o conde a teria obrigado a ceder aos seus avanços, ou haveria tomado uma atitude igualmente grosseira para livrar-se do assédio. Wolf a poupara dessas duas opções pouco aceitáveis para uma dama. Aliás, seu método de salvá-la fora perfeito, indicando até um certo bom humor.

Será que ele quisera apenas agir com diplomacia, ou então não suportara a visão de Philip tentando agarrá-la? Nunca ninguém viera em seu auxílio antes. Nem mesmo Rupert. -

Depois de vestir a camisola, Kit se preparou para deitar-se numa cama estreita; que descobrira num canto perto da janela. Preferia não perturbar Bridget, que ainda ardia em febre. De repente, um som estranho saiu das sombras que povoavam o quarto. Imóvel, apurou o ouvido. Por fim, uma voz que não passava de um sussurro, seguida de uma risada abafada.

_ Então o galo encontrou uma linda e jovem galinha para enfeitar seu galinheiro!

Assustada demais para se aproximar da aparição, Kit colocou o castiçal sobre a cômoda e foi até a cama onde Bridget dormia, determinada a apanhar a adaga que escondera sob o travesseiro. Não tinha idéia do que a intrusa queria, mas pretendia se defender e à babá também.

_ Quem é você? O que quer?_Acho que desta vez o lobo irá caçar nossa ave e

servi-la para o jantar._Você está falando bobagens. Venha para a luz e

deixe-me vê-la. - A última coisa que Kit queria era enxergar aquele demônio saído das trevas, mas parecia não lhe restar outra alternativa.

A criatura saiu da escuridão e acercou-se da cômoda, onde o castiçal oferecia o único foco de iluminação. Não se tratava de nenhuma figura fantasmagórica, e sim de uma velha encurvada, o corpo muito magro envolvido numa capa escura.

_Ah, será bom vê-lo destruido! - A mulher bateu palmas, feliz.

Page 16: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_Quem é você?_Eu? - A estranha fitou-a incrédula, incapaz de

acreditar que alguém não pudesse reconhecêla. - Sou a condessa de Windermere. - Uma risada muda acompanhou a revelação.

_Pensei que a condessa tivesse morrido em novembro. Será que você não é o fantasma dela?

Mais risadas sinistras._Agatha._O quê?_Meu nome. Eu sou Agatha. Esposa de Clarence, o

usurpador._Quem é Clarence? - Kit estava totalmente confusa

agora._Clarence era o pai do pavão que agora passeia

pelo castelo de Winderinere. Philip é como o chamam.As charadas estavam lhe dando dor de cabeça e Kit

já não tinha dúvidas de estar diante de alguém de carne e osso._O que você quer?_Tenha cuidado. Ele precisa de uma nova fêmea

para lhe dar herdeiros. A última não foi capaz de ficar prenha._Não a estou entendendo. Você não pode falar mais

claro?_Seu lobo encontrará tudo de que precisa, se tiver

tempo e souber onde procurar._Meu lobo? - De súbito ela se deu conta de que a

velha se referia a Gerhart, a quem ninguém ali chamava de Wolf. - A quem você está se referindo?

_Olhos cinzentos. Cabelos negros. O verdadeiro conde.

_Você quer dizer sir Gerhart?_Ah, então é assim que o chamam? Nascido de

Bartholomew e Margrethe. Finalmente voltou em busca do que lhe pertence por direito.

A mulher riu em silêncio e, dando-lhe as costas, desapareceu no meio da escuridão.

Por um longo instante, Kit permaneceu imóvel. Fora a experiência mais esquisita que já tivera na vida e não tinha idéia do que fazer. Será que a criatura se dissolvera no ar? Que mais poderia ter acontecido, se a porta não havia sido aberta? Muito pouco conseguira entender do que ouvira. Se a mulher era mesmo Agatha, esposa do velho conde, por que vagava no meio da noite, comunicando-se em charadas feito uma louca? Que homem de respeito permitiria à própria mãe vestir-se com trapos?

Inquieta por causa dos acontecimentos recentes, Kit acordou bem cedo, antes do amanhecer. Bridget, entretanto, continuava a dormir.

Enquanto despejava a água do jarro numa bacia para lavar o rosto, ela notou um camundongo branco correr pelo quarto e desaparecer atrás de uma tapeçaria enorme, que ia do teto até o chão.

Pensando em bloquear o buraco por onde o ani-malzinho passara, puxou a tapeçaria de lado para examinar a parede. Todavia, em vez de uma simples fenda, descobriu uma porta de pedra. Havia uma abertura pequena na lateral, com espaço suficiente para introduzir dois dedos. Ao colocar os dedos ali, o ferrolho cedeu imediatamente, sem fazer barulho.

Estava muito escuro para ser possível enxergar algo além da pesada porta. Depois de apanhar o castiçal e jogar um xale sobre os ombros, Kit se aventurou pela passagem úmida e estreita, surpreendendo-se ao se deparar com uma escada em espiral. Quando estava começando a achar que os degraus continuariam para sempre, a escada chegou ao fim. Descobrindo-se diante de uma porta idêntica à do quarto que ocupava, usou o mesmo método para abri-la. Logo

encontrava-se atrás de uma tapeçaria grande e antiga. Sem dúvida os aposentos de lady Agatha.

A velha senhora dormia a sono solto. Perguntando-se se seria prudente invadir os domínios de uma louca adormecida, Kit retrocedeu. Mas antes que pudesse retirar-se, Agatha abriu os olhos escuros e fitou-a.

_Bem, bem, bem._Eu... eu fiquei tentando adivinhar como voce

conseguiu entrar no meu quarto - ela murmurou sem jeito. Todavia, embora se sentisse uma intrusa, também tivera sua privacidade invadida poucas horas atrás.

_ Esperei por voce._ Por mim?Agatha sentou-se na cama e sorriu, mostrando mais

gengivas do que dentes._ Por você, claro. - Parecendo bastante animada,

a velha levantou-se. Afastando as cortinas, para certificar-se de que não havia ninguém no pátio, vários metros abaixo, subiu num banquinho e esforçou-se para retirar uma pedra da parede exterior, bem junto à janela.

_ Não consigo movê-la. Você terá que retirá-la.

_ Retirar o quê?_ A pedra! - lady Agatha gritou impaciente._ A pedra da parede! O que ele precisa para...

Vamos, suba no banquinho e puxe gentilmente. Seus dedos encontrarão o prêmio.

As idéias absurdas da velha estavam começando a irritá-la, e Kit desejou nunca ter se deixado levar pela curiosidade indo até ali. Contudo, acabou fazendo o que a outra lhe pedia.

Ao retirar por completo a tal pedra da parede e colocar a mão na fenda, seus dedos tocaram um saquinho de pano, dentro do qual havia um pequeno objeto pesado, de metal. Tratava-se de um anel de sinete, com um pavão lavrado.

_ De quem é esse brasão? - Kit indagou curiosa.

_ E o brasão de Bartholomew Colston, uma vez perdido, uma vez roubado e então refeito de maneira nova e diferente também.

_ Suas charadas me confundem, boa mulher. Você não poderia falar mais claramente?

_Mostre-o apenas para Wolf e a ninguém mais, ou ficará exposta a um grande mal.

_Bem, pois eu acho que vou deixar este pequeno tesouro aqui. - Sabendo-se à beira de perder a paciência, Kit decidiu devolver o anel ao lugar onde o encontrara. Não era problema seu que lady Agatha quisesse mantê-lo escondido de Philip e preferia não ser envolvida numa disputa familiar.

_Não! Você deve levá-lo. Esconda-o e mostre-o apenas a Wolf.

_Por favor, eu não gostaria de me meter nos assuntos pessoais que dizem respeito a você e seu filho.

_Não chame aquele abutre de meu filho! Ele não tem o meu sangue.

_Bem, seja lá quem for Philip, talvez você devesse lhe devolver o anel.

_Por que você se recusa a entender? - Agatha indagou exasperada, obrigando Kit a reter o anel.

_Tome-o! Esconda-o! Wolf saberá o que fazer com ele.

Resignada, Kit aceitou a jóia, apanhou o castiçal e se preparou para voltar ao quarto.

_Está bem, lady Agatha. Farei o que me pede.

Page 17: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_Esperei tantos anos por esse momento. Diga-lhe para procurar Tommy Tuttle, em Londres. Talvez Tommy lhe conte mais alguma coisa.

_Quem é Tommy Tuttle?_Não permita que descubram essa passagem_a velha pediu, não respondendo à pergunta que lhe

fora feita.O corte no lábio de Kit já havia cicatrizado por

completo e ela sorriu feliz ao chegarem à Feira.Lorde Philip lhe emprestara um cavalo e embora

fosse obrigada a montar de lado, por causa do vestido, sentia-se animada com a possibilidade de ficar ao ar livre num dia tão agradável.

A Feira de Windermere lhe pareceu absolutamente maravilhosa, cheia de cores, sons, música e divertimentos. De fato, isso não a surpreendeu muito, considerando o tamanho e a beleza das propriedades de seu anfitrião.

Philip Colston, trajando roupas excessivamente enfeitadas, cavalgava ao seu lado, enquanto Wolf, Nicholas, Hugh e mais alguns dos cavaleiros do rei, seguiam bem atrás. Kit notou que os aldeões mantinham os olhos abaixados à passagem do conde e que murmuravam entre si tão logo o viam de costas.

A hostilidade daquela gente tampouco passou despercebida a Wolf. Não tinha dúvidas de que seria uma tarefa árdua consertar o mal que Philip fizera assim que retomasse o título e as terras que lhe pertenciam por direito.

Observando o primo ajudar Kathryn a desmontar, Wolf sufocou uma pontada de irritação. Os dois não tinham voltado a se falar desde a noite anterior, depois da cena no quarto, quando quase a beijara. Lady Somers não era nenhuma criança e sua falta de afetação, tão comum às mulheres da corte, apenas acentuava a aura de mistério que a envolvia.

O desejo de beijá-la fora tão urgente que o sur-preendera. Precisava admitir que Kathryn o atraía muito mais do que a dama do lago. Bastava pensar em segurá-la nos braços outra vez para sentir-se excitado. Incomodava-o essa falta de disciplina interior. Afinal, tratava-se apenas de uma mulher. Que pertencia a Rupert Aires. Sua tarefa resumia-se a levá-la para Londres em segurança. Nada mais.

Para sua imensa satisfação, estava claro que lady Somers detestava ser obrigada a aturar a companhia do conde. Freqüentemente afastava-se dele, ansiosa para conversar com os outros lordes e suas esposas. Entretanto Philip sempre dava um jeito de tomá-la pelo braço e separá-la do resto do cortejo.

_Minha querida lady Kathryn, venha por aqm. Quero lhe mostrar uma loja no final da rua.

Enquanto os dois caminhavam pela ruela la-macenta, um bando de meninos passou correndo, chutando uma pedra arredondada. No auge da brincadeira, uma das crianças tropeçou e caiu numa poça, inadvertidamente respingando barro no vestido e na capa de Kathryn.

A reação de Philip foi tão imediata quanto des-propositada. Segurando a criança por uma das orelhas, apertou-a com tanta força e a esbofeteou com tal violência que o menino, de apenas dez anos, começou a chorar.

_Por favor, meu lorde. Desculpe-me, eu não quena...

_Seu mendigo selvagem! Você não tem um pingo de bom senso? Vou mandar enforcá-lo e aos miseráveis imundos que lhe deram a vida.

Wolf teve que se conter para não intervir, furioso com a atitude de Philip diante de uma ofensa não tão grave assim. Um pouco de lama na capa de Kathryn não justificava que uma criança fosse espancada até quase perder os sentidos.

_Quero que esse menino seja punido! Prendam-no! - lorde Colston gritou, fazendo sinal para que um de seus soldados cuidasse do caso.

_O que podemos fazer? - Nicholas indagou baixinho, percebendo a ira de Wolf.

_Nada, maldição. Nada._Se você intervier, Philip se mostrará ofendido e

então Henrique..._Eu sei, Nick! - Entretanto, precisava encontrar

uma maneira de impedir o primo de mutilar a criança. Se não agisse logo, o garoto acabaria tendo uma das orelhas arrancadas, ou a mão decepada. Não iria se omitir.

_Misericórdia! - Kit passou um braço ao redor dos ombros da criança, protegendo-a com o próprio corpo, impedindo que os soldados a levassem. - Por favor, meu lorde, reconsidere. Uma vez que sou eu a vítima, creio que poderia permitir a mim punir o acusado.

_Acusado? Você o chama apenas de ‘acusado’? Pois eu digo que se trata de uma ameaça que deveria ser...

_Por favor, meu lorde. - Apesar do tom suave da voz, Kit fervia de ódio. O brilho maligno dos olhos frios do conde a fazia pensar no barão Somers, quando prestes a surrá-la. - Deixe-me decidir o destino do menino.

_Por que não, meu lorde? - um dos convidados, que seguia atentamente a cena, sugeriu.

_Sim - outro apressou-se a concordar -, seria divertido. Deixe lady Kathryn dar a sentença.

_O que você tem em mente? - Philip perguntou procurando demonstrar que essa mudança de curso era perfeitamente aceitável. Entretanto as narinas fremiam e as feições distorcidas revelavam a raiva descomunal.

Wolf observou Kathryn fitar o garoto como se tentasse acalmá-lo com o simples olhar. Entretanto deveria parecer severa para aplacar a ira do conde.

_Uma vez que o garoto não tem nada melhor para fazer a não ser perturbar damas indefesas, quero que passe o dia inteiro ao meu dispor, carregando embrulhos, atendendo aos meus pedidos.

_ Um murmúrio de aprovação percorreu o grupo. Poucos estavam de acordo com o castigo que o conde pretendera impingir à criança. - Acho que seria uma punição suficiente para alguém que gostaria de passar um dia bonito como o de hoje brincando com os amigos.

Se estivesse mais perto de Kathryn, Wolfram pen-sou, teria sido diflcil conter o impulso de beijá-la pelo senso de justiça demonstrado e pela tentativa de proteger o menino de uma punição brutal.

_Que seja então! Você ouviu a dama - Philip declarou afinal. - Pare de choramingar, criatura estúpida, e obedeça às ordens da senhora.

_Obrigada, meu lorde. - O coração de Kit batia tanto que era quase impossível ouvir a própria voz. Apertando os ombros do menino de leve, perguntou-lhe o nome.

_Alfie, milady. Alfie Juvet._Muito bem, Alfie. Sua primeira tarefa será me

ajudar a limpar a lama da capa. Venha, leve-me até onde está sua mãe. Logo me reunirei a você, lorde Colston - ela se despediu, afastando-se do grupo. - Você mora aqui por perto?

_Sim. No final da rua._Sua mãe está em casa?_Não tenho certeza. Com a feira e tudo mais...Percebendo que o garoto estava prestes a chorar

outra vez, Kit se esforçou para tranqüilizá-lo._Está tudo bem, Alfie. Daremos um jeito. - Ao

virar-se para trás, ansiosa para se certificar de que não era seguida por um dos soldados do conde, surpreendeu-se ao ver Wolf. Na verdade preferiria manter distância, pois a simples

Page 18: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

presença do cavaleiro a fazia lembrar-se das charadas de lady Agatha e, no momento, tinha muitas outras coisas com o que se preocupar. O conde, por exemplo, iria exigir toda sua atenção. Tratava-se de um homem perigoso. Deveria controlar-se quando junto dele para não explodir de raiva.

_Chegamos, milady. - Alfie entrou primeiro, chamando pela mãe. Ninguém respondeu.

_Aparentemente ela não está - Wolf observou, seguindo-os até o interior da casinha pequenina mas bem cuidada. - Agua e um pano limpo servirão perfeitamente, garoto. Vá buscá-los.

_Sim, milorde. - Enquanto se esforçava para tirar a mancha, Alfie desculpou-se: - Perdoe-me por estragar sua capa. Eu não tinha intenção de fazer isso.

_Sei que não. E não se preocupe que a mancha sairá depois de uma boa lavada.

Wolf apanhou urna tira de pano limpo e depois de o molhar, limpou cuidadosamente o rosto de Kathryn.

_Você devia ter mencionado a Philip que aprecia um pouco de lama - ele comentou, observando-a de perto.

Enrubescendo, Kit se esforçou para ignorar a pro-ximidade do cavaleiro alto e imponente. Sentia-se tão nervosa que o coração dava a impressão de querer saltar pela boca. Para disfarçar o embaraço, desviou o olhar. Oh, Deus, como ficar imune ao cheiro másculo que emanava do corpo musculoso?

_É o melhor que posso fazer, lady Kathryn - o garoto murmurou tímido, afastando-se para contemplar o trabalho. Embora a mancha não houvesse saído de todo, a capa não tinha mais uma aparência tão feia.

_Bom trabalho, Alfie. - Quase não podia respirar, sentindo Wolf tão perto. Se ao menos ele tornasse a tocá-la... a beijá-la. Estremecendo de leve, Kit afastou o pensamento absurdo. Porém, fitando os olhos cinzentos, pela primeira vez já não conseguia se lembrar da cor dos olhos de Rupert.

CAPÍTULO V

Orgulhosamente, o conde mostrou a aldeia como se fosse ele o responsável direto pela beleza que o cercava, incluindo-se pontes, muralhas e construções em geral. Kit não tardou a fartar-se da companhia maçante.

Aliás, logo na noite anterior, tivera péssima im-pressão de Philip. Julgara-o não apenas vaidoso ao extremo, mas de uma frieza que beirava a crueldade. Adoraria poder partir imediatamente, todavia o estado de Bridget exigia cuidados. Também precisava considerar Wolf, que só partiria depois de finalizar os negócios que o tinham levado até ali.

Não lhe passou despercebido o interesse do ca-valeiro em conversar com os aldeões e mercadores, sempre que possível. Aquela gente simples parecia gostar dele e o respeitar naturalmente.

Irritada, Kit notou que várias damas, convidadas do conde, lançavam olhares sedutores na direção de Wolf e que, uma vez ou outra, ele recompensava a atenção de que era alvo com sorrisos fascinantes.

Porém, o mais dificil de agüentar era a simpatia especial que Wolf demonstrava ter por lady Christine Wellesley, filha de um barão vizinho. Ruiva, de olhos azuis e covinhas nas faces, Christine se sobressaía também pela elegância dos trajes. Sempre que Wolf sorria para ela, Kit tinha vontade de matar a mulher.

Mas por quê? Afinal, era a primeira a admitir não possuir nenhum direito sobre sir Gerhart e tinha consciência de não poder se comparar à bela lady Christine. Então, como explicar a dor na alma sempre que os via juntos? Mal podia esperar até chegarem a Londres. Quando estivesse junto de Rupert tudo voltaria ao normal.

Ao regressarem ao castelo, Philip não permitiu que Kathryn entrasse. Tomando-a pelo braço, praticamente arrastou-a para os jardins.

_Você está tão quieta, minha cara - o conde falou, fazendo-a sentar-se num banco de pedra, junto ao lago.

_E porque estou um pouco cansada. Tem sido um dia longo e fatigante - mentiu, ansiosa para ficar só. - Além do mais, minha prima está doente e...

_Há um assunto que eu gostaria de tratar, embora não tenha muita certeza a quem devo me dirigir. Quem é seu tutor?

Além de apreciar rodeios, o homem não demons-trava a menor sensibilidade quanto a sua preocupação com o estado de Bridget.

_Seu pai, barão Somers? Ou o rei, como os boatos sugerem?

_Desculpe-me, sir, mas eu mesma não sei.Ninguém me disse uma palavra sobre isso, apesar

de sir Gerhart afirmar que estou agora sob a proteção real._ Hum. - Philip acariciou a barbicha pontuda

com a ponta dos dedos. - Estou precisando de uma esposa.Ela quase engasgou._ Como você sabe, lady Clarisse faleceu

alguns meses atrás._ Meu lorde, você me pegou de surpresa. Eu

não fazia idéia..._ Sim, sim, entendo. A quem devo fazer o pe-

dido? Ao rei? Ao seu pai?Por Deus, o conde era mesmo pomposo e rude.

Pobre Clarisse. A coitada nem mesmo esfriara na sepultura e o marido já tentava colocar alguém em seu lugar. Furiosa, Kit levantou-se. Em vista de tamanha indelicadeza, não havia razão para se comportar com diplomacia. Philip agira com

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extrema grosseria durante todo o dia. Primeiro com o menino, depois com alguns camponeses que tentaram lhe falar. Essa fora a gota d’água. Não suportaria mais um segundo sequer ao lado daquela criatura asquerosa.

Todavia, antes que pudesse dizer algo, um grupo de homens surgiu perto do lago, rindo alto como se um dos três tivesse acabado de contar uma piada. Imediatamente Kit os reconheceu. Hugh, Edward e Douglas, todos soldados de Wolf.

Nem um pouco satisfeito com a interrupção, Philip resmungou violentamente e puxou Kathryn pela mão, tomando o caminho de volta para o castelo.

Wolf estava no pátio interno, perto da porta principal, aparentemente entretido em ajustar um alforje de couro na sela. Ele mal ergueu os olhos ao vê-los passar, contudo a expressão do rosto viril revelava imensa satisfação, como a de um gato que houvesse acabado de engolir um rato.

Blanche Hanchaw, bastante desassossegada, aguardava o conde à entrada do salão.

_Sim, sim, Blanche. Estamos de volta - Philip resmungou.

_Eu gostaria de lhe falar um momento, meu lorde. E um assunto de certa importância sobre um de seus convidados.

Percebendo o nervosismo da governanta, Philip soltou o braço de Kit, embora vacilante. Mas não sem antes beijar-lhe a mão.

_Até a hora do jantar, milady.Grata por ver-se livre de companhia tão indesejada,

ela subiu a escada quase correndo, ansiosa para abrigar-se no refúgio de seus aposentos. Passara o dia inteiro preocupada com Bridget e sentia-se culpada por tê-la deixado entregue aos cuidados das servas.

Ao se aproximar do quarto, parou de súbito. Wolf parecia aguardá-la do lado de fora, os braços cruzados sobre o peito largo, o alforje de couro jogado sobre o ombro. Desnecessário dizer que a figura viril dominava todo o corredor.

_Acho que devo lhe agradecer por me salvar novamente, meu lorde.

_Pelas minhas contas, agora são três vezes._Quando partiremos de Windermere, sir Gerhart? -

Kit indagou, ignorando o comentário provocador._ Cansada do lugar?_ Não. E nosso anfitrião quem me esgota a

paciência. Windermere é uma propriedade maravilhosa e a aldeia a mais bela qúe jamais vi.

Satisfeito com a resposta, Wolf avisou-a de que partiriam dentro de dois dias.

O estado de Bridget havia piorado bastante nas últimas horas. Sentada na beirada da cama, Kathryn tocou-a de leve na testa, agora fria e úmida.

_ Não vou negar a verdade. - A velha babá murmurou ofegante... - Sinto-me mal. Sei que nao tenho apenas uma gripe.

De repente, a pobre senhora foi sacudida por um acesso de tosse, o sangue escorrendo da boca trêmula.

Alarmada, Kit puxou a coberta para o lado, des-cobrindo os pés, tornozelos e pernas da serva terrivelmente inchados. Então auscultou-lhe o peito, como frei Theodore a ensinara.

Os sintomas indicavam sérios problemas de coração.

_ Maggie, vá buscar Will Rose, o jardineiro. Depressa! Se não for capaz de encontrá-lo, tente achar alguém que possa me trazer um pouco de pó de dedaleira.

A babá caíra num estado de letargia profunda, que logo poderia resvalar para a inconsciência.

_ Há quanto tempo seus pés estão inchando? Kit perguntou aflita, esforçando-se para esconder o pânico. Sabia que somente um milagre poderia salvar a prima querida.

_ Oh... Já faz alguns meses. Frei Theodore me deu um remédio para ajudar a diminuir o inchaço. - Bridget fechou os olhos por um instante, as pálpebras quase translúcidas. - Você gostou da feira?

_Sim, foi uma beleza. - Oh, Deus, como pudera passar o dia inteiro fora, enquanto a babá jazia sobre a cama, tão doente?

_E o conde? Que tipo de homem ele é?_Você deve guardar suas forças, velha amiga.

Contarei sobre a feira e o conde depois, quando estiver se sentindo melhor.

Bridget concordou com um aceno e tornou a dormir. Quando o jardineiro chegou, bastou um exame rápido das condições da doente para que chegasse à mesma conclusão de Kit.

_Como você bem sabe, pó de dedaleira é veneno, milady. Dê-lhe apenas essa dose e nada mais, ou o coração da coitada irá parar de bater. Creio que é melhor eu ir buscar o padre Fowler também. Para ministrar a extrema-unção.

Durante toda a noite, Kathryn esteve ao lado de Bridget, segurando-lhe a mão, acalmando-a nos poucos momentos em que recuperava a lucidez. Um lacaio veio buscá-la para o jantar, porém Kit mandou-o dizer ao conde que seria impossível comparecer à refeição diante do estado grave em que se encontrava a prima.

Tendo percebido a ausência de lady Somers no salão principal, Wolf foi procurá-la. Ao descobri-la debruçada sobre a moribunda, tocou-a de leve no ombro, indagando baixinho:

_Como está ela?Bastou ouvir a voz profunda para Kathryn sentir-se

à beira das lágrimas. Conseguira manter o controle das emoções até agora, mas começava a fraquejar.

Por um breve instante Bridget acordou, e vendo Wolf, de pé perto da cama, sorriu debilmente.

_Ah, é você... Cuide de minha Kit._Eu o farei. - A resposta era tão simples. Tão

definitiva._Não a permita voltar para a casa do terrível barão.

Ele a matará.., tenho certeza de que acabará matando-a._Não permitirei que isso aconteça - Wolf a

tranqüilizou._Minha Kit tentou fugir uma vez._Fique quieta agora, velha amiga. Poupe o fôlego.

Por volta da meia-noite, Bridget tornou a recuperar a consciência. Somente Kathryn estava ao seu lado.

_Preciso falar com você. - As palavras saiam entrecortadas do peito magro e ofegante. - Sei por que o rei Henrique mandou buscá-la. O segredo... tão bem guardado durante todos esses anos. Era a vontade de Meghan, mas agora voce deve saber.

_Descanse, por favor. Deixe para me contar amanhã, quando se sentir melhor.

_Agora. - A urgência do tom silenciou Kit._ Sua mãe conheceu Henrique Hereford, pai de

Henrique V, em Londres. Ela era uma moça bonita, inexperiente. Hereford se encantou...

Bridget respirava com tanta dificuldade, que Kath-ryn desejava fazê-la parar, porém a babá insistia.

_Eles... eles...

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_Que aconteceu? O que eu preciso saber?_Hereford mandou-a para Somerton, para que se

casasse com lorde Thomas. Era um lugar remoto e longe o bastante para manter-se distante dos ataques dos escoceses. Ele sabia que assim ambas ficariam seguras.

_Quem? Minha mãe e eu?Apesar de se esforçar para falar, Bridget não

conseguiu emitir mais som algum, as forças se esvaindo. Pela primeira vez na vida Kit sentiu-se perdida. Completamente. Segurando a mão enrugada entre as suas, abaixou a cabeça e chorou em silêncio.

Wolf não conseguia entender por que se preo-cupava tanto com lady Somers, sozinha à cabeceira da prima doente num quarto frio e escuro. Ali estava em Windermere pela primeira vez, depois de vinte anos, o inimigo ao alcance da mão. Seus pensamentos insistiam em voltarem-se para Kathryn, apesar de saber da necessidade de se concentrar em Philip. Nada deveria distraí-lo de seus planos.

Por volta da meia-noite, quando todas as damas já haviam se retirado, os homens se reuniram junto ao fogo para um último copo de vinho. Wolf aproveitou a chance para induzir Philip a recontar a história do ‘traidor’, Bartholomew Colston.

_Meu caro tio Bart foi idiota o bastante para contratar assassinos profissionais que dessem cabo do rei Henrique IV. Oh, sim, havia outros nobres envolvidos na conspiração, todavia ninguém se comportou de maneira tão estúpida quanto meu tio.

_ Não estou a par dos detalhes da história, meu lorde - Nicholas falou. - Como foi provado que Bartholomew contratou assassinos? Afinal, o conde e os filhos não morreram no exterior por ocasião do ataque ao rei?

_ O plano falhou, claro._ Se me lembro bem, o matador deixou cair a

bolsa que trazia presa ao cinto, com as moedas de ouro que recebera para executar o serviço e um documento, assinado e autenticado com o brasão de Bartholomew, contendo as ordens que deveria seguir. - O barão Wellesley balançou a cabeça tristemente. - Nunca consegui entender o que se passou. Nada para mim fez muito sentido na época.

Então essa era a prova do envolvimento de seu pai no complô contra o rei, Wolf pensou. Um documento selado com o brasão da família.

_ Ouvi dizer que o anel de sinete de Bartholomew tinha sido roubado alguns meses antes do ataque - Nicholas insistiu.

_ Natural que meu tio fizesse circular essa história - Philip apressou-se a retrucar pois sabia que logo o brasão dos Colston seria usado para fins ilegais.

Um barão idoso, de pé junto à lareira, cerrou o cenho como se estivesse se esforçando para lembrar-se de algo.

_ Creio que Bartholomew mandou fazer um novo brasão. Diferente do anterior.

_Nunca pude entender por que Bart preferiu não usar o novo anel de sinete para autorizar o ataque ao rei - disse um outro convidado.

_Sim, sim. Mas esse novo anel também foi perdido. - Philip parecia nervoso.

_Ficou provada a identidade dos assassinos contratados? - Wolf manteve a voz controlada, apesar da emoção que o consumia.

_Bandidos. Assaltantes. Ninguém sabe._Seu pai, lorde Clarence, investigou o caso, não é?

- Wellesley perguntou a Philip.

_Foi impossível encontrar respostas para as dúvidas levantadas. Ninguém sobreviveu ao massacre na Alemanha. - Philip esvaziou o copo de vinho num único gole. - Tenho a impressão de que invocamos todos os velhos fantasmas do passado essa noite. Vamos falar de assuntos mais alegres.

Quando a conversa começou a girar em torno da caçada planejada para o dia seguinte, Wolf deixou Nicholas na companhia do conde e saiu em busca de comida. Sabia que Kit havia perdido o jantar e imaginava que necessitasse se alimentar um pouco para enfrentar o que seria uma longa noite.

Ao bater na porta do quarto, não obteve resposta. Assim, entrou sem fazer barulho e colocou a bandeja com pão e queijo sobre a mesa. Ao vê-la ajoelhada no chão, debruçada sobre a babá, chorando silenciosamente, sentiu um aperto no coração, uma sensação nunca experimentada antes.

Bridget jazia inconsciente, a respiração difïcil. Wolf sabia que a velha senhora não passaria daquela noite.

Notando que o fogo apagara na lareira, reacendeu-o. Então aproximou-se de Kit e, tomando-a pelo braço, ajudou-a a levantar-se.

_Você não quer comer alguma coisa?Exausta, fisica e emocionalmente, Kathryn apoiou a

cabeça no braço forte do cavaleiro._A pobre serva recuperou a consciência?_Apenas uma vez._Você fez tudo o que estava ao seu alcance._ Vendo-a tão vulnerável, tão abatida, Wolf se deu

conta de que lady Somers encontrava-se ainda mais só no mundo do que ele próprio. De repente foi tomado por uma urgência incontrolável de protegê-la, de guardá-la do sofrimento que a perda de Bridget lhe causaria. Conhecia muito bem a dor da perda, embora não tivesse experiência em oferecer conforto.

_Você tentará descansar agora?_Lembro-me de quando minha mãe morreu_Kit murmurou, ignorando a pergunta. - Bridget

ficou ao lado dela horas e horas. Pensei que deveria amar apenas minha mãe, não a mim.

_Venha comer alguma coisa.Sem apetite algum, ela recusou o oferecimento.

Então lembrou-se de algo e abriu uma das gavetas da cômoda, retirando um pequeno objeto embrulhado numa meia de lã marrom.

_Uma mulher estranha me deu isso hoje. Disse-me para entregá-lo somente a você.

Quando Wolf deparou-se com o anel de sinete do pai, o que havia sido roubado, surpreendeu-se com a própria reação, quase de indiferença. Tudo

parecia de pouca importância agora. No momento, desejava apenas ser capaz de oferecer conforto e apoio àquela mulher que estava para perder uma velha amiga, provavelmente a única amiga que conhecera a vida toda.

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CAPÍTULO VI

Bridget parou de respirar bem antes do amanhecer.Imóvel, Kit observou Wolf puxar o lençol para

cobrir o rosto pálido, o rosto de uma amiga querida. Ela sabia que deveria chorar, entretanto a dor era tão grande que apenas sentia-se nauseada, esgotada, vazia por dentro.

Sentando-se numa poltrona perto do fogo, Wolf tomou-a no colo e a acalentou como o faria com uma confiança, transmitindo-lhe paz e segurança, coisas que jamais conhecera em seus vinte anos de vida. Em silêncio, os dois aguardaram o nascer do sol.

Kathryn Somers era diferente das centenas de mulheres que haviam cruzado seu caminho. Quando começara a considerá-la bela? Com suas roupas despojadas, às vezes pobres, nunca seria aceita pelas damas de companhia da rainha Catherine como uma igual. Fora espancada pelo padrasto bêbado vezes sem conta, mas ainda assim tentara voltar para Somerton e, fielmente, aguardar a volta de Rupert Aires. Protegera o garoto Juvet com a bravura de um justiceiro e cuidara ternamente da prima em seu leito de morte.

Como poderia considerá-la outra coisa que não fosse bela?

_Ela nunca teve filhos - Kit murmurou, acon-chegando-se a Wolf. - Rupert e eu éramos tudo o que Bridget tinha. Ele deveria ter estado aqui.

As palavras ditas num tom baixo o chamaram de volta à razão.

Rupert. Por Deus, iria entregá-la sã e salva a sir Rupert. Tão rápido quanto Janus seria capaz de levá-los a Londres.

A missa de corpo presente e o enterro aconteceram antes mesmo do meio do dia. E apesar do comportamento pomposo do conde, sempre buscando impressionar Kit, ele não se deu ao trabalho de acompanhar o funeral, preferindo ir caçar.

Assim, sentia-se grata pelo comparecimento de Wolf e seus homens, além de alguns servos do castelo. Surpreendente mesmo foi a presença de Alfle e de vários aldeões.

Depois de tudo terminado, não suportando ficar sozinha nos aposentos sombrios que partilhara com a velha babá, Kit vestiu as roupas de viagem, escondeu os cabelos sob

o gorro marrom e saiu para os estábulos. Logo, montando uma égua, galopava pelos prados, além das paredes sufocantes.

Wolf foi à sua procura minutos depois. Não en-contrando-a no quarto, perguntou aos servos se a tinham visto, porém ninguém soube informar-lhe nada. Pensando que talvez Kathryn houvesse decidido voltar ao cemitério, foi até lá também. A preocupação inicial cedeu ao pânico. Tenso, or-denou ao cavalariço que selasse Janus.

_Indo atrás de lady Kathryn, sir? - o rapazinho perguntou-lhe, terminando de ajeitar os arreios.

_ Lady Kathryn? O que você sabe a respeito dela?

_ Nada, apenas que saiu para uma cavalgada minutos atrás.

_ Sozinha?_ Sim._ Em que direção ela foi?O cavalariço apontou-lhe com a mão.Em disparada, Wolf saiu à procura de Kit. Estar

sozinha fora das muralhas do castelo era perigoso para uma mulher. Que tolice, não, que estupidez, se aventurar num território desconhecido, principalmente quando tantos estranhos perambulavam pelas estradas de Windermere, atraídos pelo movimento da feira. O rei o tornara responsável pela segurança de lady Somers, porém preocupava-se não apenas por uma questão de dever.

Percorrendo aqueles prados verdejantes, Wolf reconheceu cada canto onde brincara com os irmãos, vinte anos atrás. Alguém que não conhecesse o terreno acidentado, estaria correndo sérios riscos de quedas violentas. Seus piores medos se concretizaram ao avistar um cavalo vagando sozinho perto do lago, tantas vezes usado para pescarias com o pai e irmãos. Alarmado pela idéia de que Kit havia sido atirada para fora da sela e que estaria seriamente machucada, Wolf des-montou em questão de segundos.

Sentada no tronco de uma árvore caída, Kit ba-lançava os pés descalços sobre as águas geladas do lago. Já estava ali fazia algum tempo antes de perceber a aproximação de um cavaleiro. Aliviada, constatou tratar-se de Wolf, que parecia procurar algo caído na grama. Kit sentiu-se um pouco desapontada por não ser ela o alvo da busca, em especial depois da noite anterior, quando fora confortada de uma maneira que jamais imaginara possível. Nunca esperara ser tratada com tanta atenção e delicadeza por ninguém, muito menos por Wolf.

O som repentino de um assobio agudo o sobres-saltou. Vistoriando os arredores, seus olhos finalmente pousaram em lady Somers, ainda com dedos nos lábios, pronta para tornar a assobiar. Ela estava sentada no tronco de uma árvore, quase escondida pela vegetação espessa. Com a calça arregaçada na altura dos tornozelos, tinha os pés imersos na água gelada sem se importar com o frio. Por um instante a imagem da misteriosa ninfa, com os braços erguidos para a lua, veio-lhe à mente sem que entendesse o motivo.

Devagar, Wolf aproximou-se e sentou-se na outra extremidade do tronco. Fora sua intenção fazê-la pagar caro pela preocupação que lhe causara. Entretanto, vendo a profunda tristeza estampada nos olhos verdes, conteve-se.

_Cuidado, ou suas botas ficarão ensopadas - ela falou, observando-o estender as longas pernas na direção da água. - Estava procurando algo?

_Você.A resposta a agradou, embora o tom de voz não

fosse dos mais amigáveis. Como um homem podia ser tão bonito, perguntou-se, admirando as linhas

Page 22: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

do perfil másculo. Mesmo a enorme cicatriz numa das têmporas não diminuía em nada a beleza viril, muito pelo contrário.

_Procurando por mim? Na grama? Pelos céus, Gerhart, eu podia jurar que você procurava sapos.

_Não sapos, mas buscava uma certa menina que se afastou demais do castelo.

_Bridget costumava me chamar de menina_Kathryn murmurou, engolindo as lágrimas. - E

você? Como gosta de ser chamado? Sempre de Gerhart?_Apenas em algumas ocasiões sou Gerhart._E seus pais? Como eles o chamam?_Meu pai está morto. Minha mãe costumava me

chamar de mein Sohn, que significa simplesmente ‘meu filho’._Costumava chamá-lo?_Tempos atrás._Então ela ainda está viva?_Sim._Você a vê com freqüência?_A ültima vez foi há cinco anos. - Não era

necessário visitá-la sempre para saber que o estado de Megham Colston continuava inalterável. No castelo do pai, em Bremen, passava os dias sentada junto à janela, o olhar vazio, sem nada escutar, alimentando-se somente se alguém lhe levava uma colher à boca. Vegetando. - Porém sei que está sendo bem tratada e em segurança.

_Eu mal conheci minha mãe. Tinha apenas cinco anos quando a perdi. Ontem à noite, Bridget me contou que o rei Henrique IV mandou minha mãe para Somerton para que se casasse com Thomas Somers. Sempre me perguntei por que ela teria se casado com o barão. Bridget morreu antes de me contar algo que julgava muito importante.

_A questão principal é porque orei teria enviado sua mãe para Somerton pois, com certeza, ele não devia conhecer Thomas Somers pessoalmente.

_Parece que fui escolhida para receber todo tipo de informações incompletas aqui em Windermere.

_Você está se referindo ao anel de sinete, não é?_Esperava que me fizesse mais perguntas sobre

isso._Estive mais ou menos pensando no assunto._Era verdade. Apesar da importância do fato, Wolf

estava mais preocupado com o bem estar de Kit agora, sujeita ao assédio de Philip, do que com o anel que fora roubado de seu pai. Desejava poder se obrigar a não se importar tanto com ela, porém era uma tarefa impossível.

_Uma mulher estranha me deu o anel. A princípio julguei tratar-se de um fantasma, então descobri que ela havia entrado em meu quarto através de uma passagem secreta.

_Passagem secreta? Não sei de nenhuma... bem, nunca ouvi falar de passagens secretas no castelo Windermere. - Há anos não colocava os pés em seu antigo lar. Todavia, era a penas um menino de nove anos quando partira dali. Talvez houvesse coisas das quais não se lembrava.

_Posso lhe mostrar a porta secreta, quando voltarmos.

_Quem era a tal mulher? Ela lhe disse como se chamava?

_ Disse chamar-se Agatha._ Agatha?Kit o fitou sem entender a razão do assombro._ Agatha era a segunda esposa de Clarence, o

pai de Philip. Acreditava-se que ela estivesse morta há muito tempo.

_ Pois posso lhe garantir que não se tratava de um fantasma e sim de uma mulher de carne e osso. Eu mesma

a vi duas vezes, a segunda em seus aposentos, quando retirou o anel de um esconderijo na parede.

_ E ela mandou que o entregasse a mim?_ Sim. Mandou-me entregá-lo apenas ao ho-

mem de olhos cinzentos e cabelos negros, a quem chamava de lobo.

Os dois caminhavam de volta para o cal onde os cavalos pastavam, Kit indagava-se qual seria a importância desse anel e por que Agatha insistira para que fosse confiado somente a Wolf, um simples hóspede no castelo.

Que fora mesmo que a velha senhora dissera sobre o ‘legítimo conde’? De qualquer forma, não tinha importância agora. Philip era o atual conde e Agatha já devia estar senil.

_ Quem mais anda lhe fazendo confissões inesperadas, milady?

_Oh, apenas lorde Philip. Ele afirma que irá pedir minha mão em casamento ao barão Somers, ou então ao rei.

_ O quê?Ela parou para fitá-lo de frente, como se quisesse

enfatizar cada palavra._Posso não ser nenhuma beleza, mas também não

sou tão desinteressante quanto você parece pensar, Gerhart, ou destituída de atrativos.

_Nunca afirmei que você não era interessante._Não foi o que você disse, exatamente..._Foi o que deixei implícito? - Nem sempre as

primeiras impressões revelavam-se acuradas, Wolf pensou, lembrando-se de como a julgara imponente ao vê-la entrar no salão de Windermere, logo na primeira noite. Ou de como admirara sua habilidade diplomática ao manipular Pbilip no incidente envolvendo Alfie. Os olhos de Kathryn Somers eram intensamente verdes, os lábios os mais sensuais que jamais vira numa mulher. Ela podia ser tudo, menos destituída de atrativos, ou desinteressante.

O brilho dos olhos cinzentos, fixos nos seus, a perturbava tanto que Kit experimentou uma vaga sensação de perigo. Depressa, retomou a caminhada, mudando de assunto.

_E uma vergonha o que acontece em Windermere, não?

_Vergonha?_Windermere é a herança de Philip, certo?

Entretanto ele mantém um administrador incompetente e uma governanta desmazelada. Os aldeões detestam todos eles e se sentem prejudicados em seus direitos.

_Como você sabe de tudo isso? - Wolf perguntou surpreso com tamanha perspicácia.

_Bem, tenho olhos, ouvidos e o bom senso com o qual nasci. Não é necessária muita inteligência para se perceber o que anda acontecendo aqui, ou o que é preciso ser feito para consertar os estragos.

_ O que você faria, Kit, se fosse a castelã de Windermere?

_ A primeira providência seria despedir o ad-ministrador e a governanta. Ela não tinha nenhum direito de atormentar lady Clarisse. Depois contrataria artesãos...

_ Que história é essa envolvendo lady Clarisse?

_ Oh, algumas das criadas acreditam que a sra. Hanchaw perseguia a pobre dama.

_ Hum. E quanto aos artesãos?_ Eles teriam trabalho suficiente consertando

os estragos no castelo._ E Philip?_ Eu estava pensando em Windermere sem

Philip no comando. Duvido de que o conde aceitaria despedir a governanta, ou o administrador.

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_ Bridget me contou que não havia adminis-trador em Somerton.

_ Bridget tinha uma língua grande.Wolf lembrava-se bem dos vasos de flores frescas,

da limpeza reinante em cada aposento, dos campos produtivos que cercavam a propriedade. Com certeza era Kit a responsável Nem o barão bêbado nem sua esposa vulgar demonstravam ter as habilidades necessárias para administrar um patrimônio do tamanho de Somerton. Não era de se estranhar que o homem quisesse a enteada de volta.

_ Que aconteceu quando você tentou fugir de Somerton? Bridget disse que o barão a mataria se tentasse escapar outra vez.

_ Eu... Não aconteceu nada. - Preferia não pensar no olhar malevolente do padrasto, ou no sorriso odioso que sempre distorcia as feições cruéis quando a ponto de espancá-la. Sim, a velha babá tinha razão. Fora melhor partir.

_Mas com certeza houve algum incidente. - Wolf não tinha idéia por que a pressionava em busca de detalhes. Por algum motivo, sentia-se compelido a saber a verdade.

_Foi há muito tempo. O barão embriagou-se depois da visita de um cavaleiro do rei, cujo nome não me lembro. Não sei o que fiz para irritá-lo, ou ofendê-lo. Recordo-me apenas de ter sido esbofeteada e jogada escada abaixo. - Kit fez uma pausa, perigosamente à beira das lágrimas enquanto relembrava os eventos daquele dia terrível. - Devo ter ficado inconsciente durante vários minutos, porque ao acordar o sangue do ferimento na testa já havia secado. Porém a dor no ombro não podia ser resultado de um simples machucado. Minha clavícula estava rachada.

_Quantos anos você tinha?_Onze, doze anos. Pensei que talvez, indo até a

aldeia, conseguiria encontrar o cavaleiro que estivera em Somerton e parecera tão preocupado com meu bem-estar. Escondi-me num chalé, esperando a noite chegar, èntão...

_Então o quê? - A fúria de Wolf aumentava a cada minuto. Thomas Somers tivera sorte por ele ainda desconhecer essa história quando fora buscar Kathryn a mando do rei.

_Meu padrasto mandou queimar dois chalés antes que eu compreendesse o que estava acontecendo.

_O barão sabia que você havia se escondido entre os aldeões?

_Creio que não. Queria apenas que alguém lhe dissesse onde eu estava.

_Quer dizer que ele ameaçou o povo, seu próprio povo, queimando suas moradias? Que estupidez.

_Quando entendi o que o barão tentava fazer, saí do esconderijo e implorei-lhe para parar. Ele me arrastou de volta para casa e jurou me matar se eu, algum dia, tentasse fugir outra vez. Cheio de ódio, tomou a me bater. Muito. Pensei que fosse morrer naquele dia mesmo. Mas lady Edith acabou chamando o marido à razão.

_Então sua madrasta gostava de você?_Não. Ela estava mais preocupada com o cavaleiro

enviado pelo rei, que mal saíra de Somerton. Nunca entendi bem a história.

Wolf prometeu a si mesmo jamais permitir que Kathryn retornasse para o barão Somers. Mesmo se fosse obrigado a forçar Rupert Aires a comparecer ao próprio casamento.

_Por que ele costuma surrá-la?_Por favor, Gerhart, eu..._Por quê? O que o leva a querer feri-la tanto?_Não sei. Porém meu padrasto nunca perdeu uma

oportunidade de me machucar.

Os dois voltaram para o castelo juntos.

_Venha - Kit falou, segurando-o de leve pelo braço. - Quero lhe mostrar algo.

Entrando no quarto que dividira com Bridget, ela apanhou um castiçal e abriu a porta secreta, conduzindo-o pela passagem estreita e úmida. Ao chegarem aos aposentos de Agatha, não havia ninguém.

Na verdade, o cômodo apertado estava com-pletamente vazio. Nenhum sinal de móveis, tapetes. Nada.

_Mas ela estava aqui! - Kit exclamou, incrédula. - Juro por todos os santos!

_Sua Agatha?_Sim! Havia uma cama ali, naquele canto. Um

armário e um banquinho. O que poderia ter acontecido?_Você tem certeza?_Claro que sim! Se não, como eu poderia saber da

existência desse lugar? Olhe aqui. - Depressa, Kit abriu a janela e retirou a pedra solta, que tapava o nicho. - Aqui estava escondido o anel de sinete. E verdade, juro!

Wolf vasculhou a abertura estreita com a ponta dos dedos e descobriu um pequeno saco de couro.

_Acredito em você - falou, abrindo o saco. Dentro, encontrou umas poucas moedas e parte de um pergaminho, já bastante amarelado, a mensagem escrita e o brasão quase inteiramente obscurecidos pela umidade e pela passagem do tempo. Entretanto via-se com clareza que o documento havia sido endereçado a Clarence Colston, em 22 de agosto de 1401.

_Que terá acontecido a Agatha? Esse saco de couro não estava aqui antes. Que você acha...

_Ouça, preciso levá-la embora de Windermere imediatamente.

_Por quê?_Philip não quer que a presença de lady Agatha seja

descoberta, por isso a tirou desse quarto. Ele também deve suspeitar de que a pobre coitada a tenha procurado... Talvez, se for levado a pensar que você acredita haver visto um fantasma.

_ Agatha não era nenhum fantasma. Era tão real quanto qualquer um de nos.

_ Creia-me, não podemos confiar em Philip. Vou dizer a ele que você recebeu a visita do fantasma de alguma condessa e que essa experiência traumatizante, aliada à morte de Bridget, a deix ou ansiosa para partir.

_ Ansiosa para sair de Windermere?_ E o mais breve possível. Se partirmos agora,

ainda teremos umas quatro, ou cinco horas de viagem, antes do anoitecer.

_ Mas deveríamos ficar no castelo até amanhã. Philip não suspeitará de algo?

_ Não se eu disser que você está tão abalada que exige ser levada embora daqui. Se ele suspeita de seu encontro com Agatha e não mencionarmos nada, aí sim, terá motivos para se preocupar.

_ Compreendo. O conde acreditará que estou escondendo alguma coisa. E quanto ao anel de sinete? A quem pertence? E esse pergaminho, que significado terá?

_ Vamos sair de Windermere - Gerhart falou, conduzindo-a pela passagem secreta. - Então lhe explicarei o que for possível.

Enquanto seus homens preparavam os cavalos para a jornada, Wolf foi à procura de Philip. Preferia que fosse ele quem explicasse a razão da partida repentina e não Kit.

_ Lady Kathryn está desolada por causa da morte da prima e aflita para seguir viagem. Como se não bastasse, foi vítima de outro choque inesperado.

_E mesmo? - O olhar do conde media o outro, ameaçador.

_Aparentemente, existe um fantasma no castelo.

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_Um fantasma?_Sim. Parece que uma velha condessa apareceu no

quarto de lady Kathryn... - Wolf deixou a frase no ar, dando ao primo oportunidade de oferecer uma explicação qualquer.

_ Ah, sim, aquele fantasma._Então você sabia que o castelo era assombrado?Embora muita gente acreditasse em aparições, Wolf

não partilhava dessa crença. Todavia, esperava ser capaz de convencer Philip que tanto ele quanto Kit acreditavam firmemente em almas penadas.

_Já ouvi falar da existência do fantasma, porém nunca vi a tal condessa com meus próprios olhos. Dizem que ela fala...

Wolf balançou a cabeça. Não queria que o primo soubesse do que se passara de fato.

_Lady Somers me contou que o fantasma emitiu apenas sons incompreensíveis. Aterrorizantes. O acontecido a abalou consideravelmente e, portanto, não se sente capaz de passar mais nem uma noite em Windermere.

_Talvez eu possa persuadi-la a ficar, oferecendo-lhe outro quarto.

_Receio que não. - Tudo o que Wolf queria era manter Philip o mais distante possível de Kathryn. - Já discutimos o assunto e ela se mostra irredutível, determinada a partir.

_Então só me resta despedir-me de lady Somers. Eu gostaria muito que você aceitasse uma escolta de Windermere. As estradas não são muito seguras.

_ Obrigado, porém não será preciso. Meus homens são bastante competentes.

_ Mas eu insisto.Wolf não tinha a menor intenção de ser vigiado

pelos capangas de Philip durante a longa jornada até Londres. Em especial quando levava consigo o anel de sinete e o documento encontrado no quarto da torre.

_ O rei, em pessoa, escolheu os homens que deveriam me acompanhar. Seria um insulto à Sua Majestade aumentar a escolta sem seu consentimento.

_Como quiser, sir Gerhart. - A irritação de Philip era evidente. E a questão só não gerou maiores debates porque ambos foram interrompidos pela chegada de Kit. - Minha lady - o conde exclamou, tomando-a pela mão. - Quase não a reconheci vestindo essas roupas de viagem.

_ São adequadas para enfrentar a estrada, sir._ Espero que o tal fantasma não a tenha afas-

tado definitivamente de Windermere, minha querida dama._ Claro que não. Eu poderia até ter achado a

experiência fascinante, se a situação fosse diferente. Mas com a morte recente de minha prima...

_ Entendo. - O conde a levou até o pátio interno, onde Wolf os aguardava, já montado em Janus. - Permita-me lhe oferecer um pequeno presente, uma amostra de minha admiração irrestrita.

Logo um cavalariço surgia, trazendo pelas redeas a égua que Kathryn montara horas antes.

_ Meu lorde, não posso aceitar presente tão valioso.

_Claro que sim. A égua a transportará com conforto e segurança. E espero que um dia a traga de volta a Windermere. Muito em breve. Venha, deixe-me ajudá-la a...

No mesmo instante Wolf abaixou-se e, segurando Kit pela cintura, acomodou-a diante de si, na sela.

_Lady Somers cavalgará comigo.Notando que Philip pretendia argumentar, cortou-o

imediatamente.

_Dessa forma iremos mais rápido. Todavia gostaria de agradecer o presente em nome do rei. Trata-se de um belo animal.

Com as costas apoiadas no peito musculoso de Wolf, Kit fechou os olhos, inteiramente relaxada. A princípio pensara que teria preferido montar a égua presenteada pelo conde, mas não tardara a mudar de idéia. Sentia-se bem dividindo a sela com Wolf, sentia-se segura com aqueles braços longos ao seu redor. Algum dia experimentaria a mesma sensação de aconchego com Rupert?

A tarde estava agradável e ensolarada, por isso Wolf cavalgava sem as luvas. Kit observava as mãos morenas, notando como transmitiam força e suavidade também.

_É uma longa história - ele começou. - Da qual só posso contar parte.

Era gostoso ouvir a voz profunda e intensa soando bem perto dos seus ouvidos, embalando-a docemente. Estava quase dormindo quando a saga envolvendo o misterioso anel de sinete a despertou.

_O pai de Philip era Clarence Colston, irmão mais jovem de Bartholomew Colston, conde de

Windermere. A esposa de Bartholomew chamava-se Margrethe, filha de Rudolph, príncipe alemão. Bartholomew e Margrethe tinham três filhos. - Surpreendia-o a facilidade com que falava de sua família com Kathryn. Nunca antes contara essa história a quem quer que fosse. - O povo de Windermere ainda tem Bartholomew Colston em alta conta. Dizem ter sido um homem corajoso, justo, que fazia questão de se cercar de auxiliares honestos. A aldeia prosperava sob seu jugo. Os problemas eram sempre causados pelo irmão, Clarence, que parecia ter prazer em oprimir os camponeses de todas as formas possíveis.

O anel que Agatha lhe deu pertencia a Bart-holomew e fora roubado há mais de vinte anos. Na época, havia rumores de que Clarence, ou Philip, eram os responsáveis pelo furto, porém nada ficou provado.

_ Por que o irmão do conde iria querer o anel? O que seria capaz de fazer com ele?

_ Tenho minhas suspeitas de que Clarence e Philip usaram o brasão ilegalmente para implicar Bartholomew num crime capital. Traição.

_ Por que você acha que Agatha me deu o anel? Que possível significado teria isso agora?

_ O anel poderia ajudar a esclarecer os eventos que cercam a morte de Bartholomew e seus filhos.

_ Como, exatamente?_ Ainda não sei - ele mentiu. - Mas pretendo

descobrir quando chegarmos a Londres._ Por que será que Agatha o aconselhou a

procurar Tommy Tuttle, em Londres?_ Ela disse o quê?!_Creio que me esqueci de mencionar esse detalhe,

não é? Agatha afirmou que o tal de Tommy Tuttle poderia lhe explicar algumas coisas.

_Que mais que Agatha disse? Tente se lembrar de tudo, Kit.

_Havia algo sobre o herdeiro legítimo retornar a Windermere para reclamar o título. Porém a mulher falava em charadas. Eu não conseguia entender nada.

Olhos cinzentos. Cabelos negros. Conde legítimo. De repente as palavras da velha começaram a fazer mais sentido diante da história que acabara de ouvir. Seria possível que Wolf fosse filho de Bartholomew Colston? Mas ele não dissera que os filhos do antigo conde tinham morrido há vinte anos?

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_Diga-me, Gerhart, quais eram os nomes dos filhos de Bartholomew Colston? - Kathryn indagou, controlando a tensão da voz.

_Os mais velhos chamavam-se John e Martin. O mais novo, Wolfram.

CAPÍTULO VII

Logo antes do anoitecer, Wolf decidiu parar numa pequena clareira. Não se sentia particularmente preocupado com a possibilidade de serem atacados, pois bandidos sempre haviam sido escassos na região. Os homens acenderam uma fogueira e prepararam uma refeição rápida, à base de pão e carne. Kit se alimentou pouco e, enrolando-se num cobertor, sentou-se perto do fogo. Terminando de comer, alguns dos soldados também procuraram lugares confortáveis onde se acomodarem, enquanto outros permaneciam vigilantes em seus postos.

Kit não foi capaz de dormir. Evitando pensar em Bridget, a dor da perda ainda recente, considerou as implicações da história que ouvira, sobre o conde Bartholomew e o anel roubado. Apesar de seu contato com Philip haver sido breve, podia muito bem acreditar que o atual conde tivesse algo a ver com o desaparecimento do brasão. Pena que Agatha não fora mais específica em seus comentários.

Entretanto, agora não alimentava nenhuma dúvida de que Wolf, Wolfram, fosse o legítimo conde de Windermere, o único filho sobrevivente de Bartholomew Colston e que, por algum motivo, necessitava manter segredo sobre sua identidade. Talvez por que Philip continuasse representando uma ameaça?

Quantas outras propriedades ainda iriam visitar antes de alcançar Londres... e Rupert? Tinha a impressão de que tanto tempo se passara desde que o vira pela última vez. Depois de apenas três anos de ausência, mal podia lembrar-se do rosto do noivo. Evidentemente recordava-se da cor dos cabelos e dos olhos claros, mas os detalhes das feições bonitas haviam se apagado em sua memória. A questão é que Rupert jamais a excitara da maneira como Wolf fora capaz. Quase desejava que aquela viagem durasse para sempre.

De repente, tudo ficou muito quieto. Kit notou que Wolf, Nicholas e Hugh já não conversavam entre si e mantinham-se imóveis, o olhar fixo no fogo. Contudo, não pareciam relaxados. Aliás, nenhum dos soldados se mostrava à vontade. De fato, davam a impressão de estar apanhando as armas. Um arrepio a percorreu de alto a baixo, uma sensação de perigo iminente inexplicável.

Dali a instantes, homens desconhecidos começaram a se mover pelo acampamento, no meio da escuridão. Kit levantou-se rapidamente e correu para junto dos cavalos, os sons de luta explodindo no ar. Pelas suas contas, o número de bandidos excedia ao dos soldados do rei.

Obrigando-se a manter a calma, tentou lembrar-se onde havia guardado o estilingue e as pedras que costumava carregar consigo. Se seu padrasto estivesse ali, com certeza iria surrá-la por interferir no desenrolar dos acontecimentos, mas tinha esperança de que Wolf apreciaria seus esforços para ajudar a todos numa hora difícil.

Por fim, remexendo na bagagem, conseguiu en-contrar a arma. Em geral o estilingue servia para caçar pequenos animais porém, se sua mira fosse boa, talvez acertasse algo maior.

Depois de guardar as pedras no bolso, Kit montou na égua que Philip lhe dera de presente. Daquela posição elevada teria uma visão melhor dos assaltantes.

A batalha rugia. Tão concentrada estava ela [ em usar o estilingue com habilidade, que não percebeu um dos bandidos aproximar-se por trás. Com um arranco, foi puxada de cima da égua e arrastada para longe do local de combate.

_Tem uma faca pressionando sua garganta, milady. Se eu fosse você, não tentaria pedir socorro.

Quando por fim chegaram junto ao riacho, o bandido a jogou no chão e rasgou-lhe as roupas.

Desesperada, Kit gritou._Cale-se! - Enfurecido, o agressor a esbofeteou. -

Ou vou cortá-la antes de tê-la.Com todas as suas forças, Kit resistiu. Se aquele

monstro pretendia matá-la, que diferença faria resistir, ou não? Certamente não pretendia morrer sem lutar. Todavia ao sentir as roupas sendo arrancadas de seu corpo com selvageria, entrou em pânico, pondo-se a gritar e espernear.

De súbito, ouviu a voz de Wolf, chamando-a._ Maldito seja! - O bandido murmurou en-

tredentes, segurando-a ainda mais violentamente, tornando a esbofeteá-la.

Quando o cavaleiro os alcançou, tudo estava ter-minado em questão de segundos. Logo o criminoso caía morto no chão e Wolf a carregava no colo, para longe do local onde fora atacada. E, pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, Kit descobriu-se chorando feito uma criança nos braços fortes do guerreiro.

Apenas um dos soldados do rei tinha ficado ferido e todos os assaltantes mortos, à exceção de dois, que conseguiram fugir ao compreender não haver chances de vitória contra os experientes guerreiros.

Incrivelmente a sorte virara em favor de Wolf por causa da interferência de Kit. Ele a vira manejar o estilingue com destreza, desnorteando o inimigo e ajudando-os a vencer a batalha.

Outra vez ela o surpreendera, agindo de forma totalmente inesperada. O estranho é que essas atitudes imprevistas não mais o irritavam. Paciente, aguardou-a parar de chorar e, levado por um impulso, beijou-a de leve na testa, aspirando o perfume de rosas.

_Você acha que consegue andar de volta para o acampamento? - perguntou, apertando-a junto ao peito ao senti-la estremecer. A idéia de que poderia tê-la perdido o angustiava de um modo que não conseguia entender.

_Claro. - Devagar, Kit saiu do colo de Wolf, segurando a túnica rasgada com ambas ás mãos. Porém seus joelhos se vergaram imediatamente e teria caído se Wolf não a amparasse, tomando-a nos braços outra vez.

Por um instante ele hesitou, então beijou-a na boca, exultando diante da reação feminina, tão imediata quanto intensa. Kit gemeu baixinho quando as línguas de ambos se encontraram, entregando-se ao momento de paixão com absoluto abandono. Oh, como aquele homem podia afetá-la tanto? Como tinha coragem de deixar isso acontecer?

Com as costas apoiadas no tronco de uma árvore, Wolf puxou-a ainda mais para perto e massageou um dos mamilos enrijecidos, primeiro com a ponta dos dedos, depois com a língua. Kit gritou de prazer, enterrando as mãos nos cabelos negros e macios enquanto o beijava no pescoço.

_ Doce Kit... tão incrivelmente bela.As palavras ditas em voz baixa e profunda a

arrancaram da espécie de torpor em que caira._ Oh, não. Rupert. Eu traí Rupert - exclamou

aflita, desvencilhando-se dos braços musculosos e escondendo

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o rosto nas mãos. Não podia encará-lo agora, não depois que ele a tocara de forma tão íntima.

_ Você não traiu Rupert. - Apesar da calma aparente, Wolf sentia-se profundamente abalado pela cena entre os dois. - Isso é natural.., depois do que aconteceu hoje. No calor após a batalha, é fácil descontrolar-se.

_ Sim, compreendo. - Porém Kit ainda acre-ditava ter traído Rupert. Por Deus, bastara alguns beijos de Wolf para perder a cabeça e ansiar por muito mais.

Rupert, todavia, a aguardava em Londres, enquanto Wolf, filho de conde e neto de um príncipe alemão, tinha uma noiva Anna-qualquer-coisa, o esperando em algum lugar do país.

_Dê uma olhada, primo - Nichoias falou, mostrando uma bolsa de couro que fora encontrada perto do corpo de um dos bandidos.

_Havia um mercador vendendo esse tipo de bolsa na Feira de Windermere - Kit comentou, enrolando-se num cobertor para esconder a túnica rasgada. - Robert Cross era o nome dele. Veja, aqui estão as iniciais.

_Você tem mesmo certeza de ter visto essas bolsas na feira?

_Sim. Lembro-me de que a esposa do barão Edward comprou uma delas.

_Os criminosos carregavam muitas moedas de ouro para nos atacarem de maneira tão desesperada em busca de mais dinheiro - Hugh observou pensativo. - De fato, não acredito que estivessem atrás de dinheiro.

_Philip Colston mandou-os atrás de nós - Wolf afirmou convicto. - Você se lembra de como ele tentou nos convencer a aceitar a escolta de alguns de seus homens, Kit?

_Sim._Com certeza para nos eliminar enquanto

dormíamos._Mas por quê? Porque você tem agora o anel de

sinete? Ou o documento? Como poderia o conde adivinhar?_Ele sabe que você viu Agatha, mas tem dúvidas

quanto ao que a velha possa ter lhe dito.Provavelmente Agatha fez parte da conspiração

contra Bartholomew, e Philip já não confia nela._Você está dizendo que o conde mandou aquela

gente para me matar?Embora odiasse assustá-la, Wolf não tinha outra

alternativa a não ser confirmar as suspeitas horríveis._O homem que me arrastou para a beira do lago me

chamou de milady - Kit confessou, a voz quase sumida. - Como poderia adivinhar quem eu era, se estava vestida coma um rapaz?

_Porém ele sabia - Nicholas falou baixinho.

Enrolada no cobertor, Kit tentou dormir, porém tremia tanto que os dentes batiam uns contra os outros.

Sem dizer uma palavra, Wolf sentou-se ao seu lado e abraçou-a. Segura junto ao peito musculoso, como se fosse ali seu lugar, ela fechou os olhos e adormeceu.

Lentamente, Kit foi tomando consciência de que pássaros cantavam há algum tempo. Obrigando-se a despertar afinal, permaneceu imóvel, apreciando a paz do momento e o calor do corpo masculino abraçado ao seu.

Um homem? Abraçando-a?Afastando as pernas rapidamente, sentou-se de-

pressa e encarou Wolf, que continuava deitado de lado na

grama, parecendo muito confortável com o braço flexionado e a cabeça apoiada na mão.

_ Bom dia, minha lady - ele falou sem se alterar. - Espero que tenha dormido bem. - Os olhos cinzentos fixaram-se em seus lábios um instante antes de demorarem-se em suas curvas suaves.

Enrubescendo, Kit notou que a túnica rasgada tinha se aberto durante a noite, expondo parte dos seios. Nervosa, procurou se recompor da melhor maneira possível.

Wolfram engoliu em seco e sentou-se, colocando o cobertor sobre os ombros delicados.

_ Encontre algo decente para vestir. Partiremos dentro em breve.

Durante os três dias seguintes da viagem, Kit usou vestidos, tendo o cuidado adicional de cobrir-se com a capa ainda manchada de lama. Wolf permaneceu muito quieto durante toda a jornada, mal se dando ao trabalho de responder as poucas perguntas que lhe eram feitas. Kit não conseguia entender a razão dessa mudança brusca de comportamento. Desde que haviam se beijado, depois do terrível embate com os bandidos, ele passara a tratá-la quase com aspereza, ignorando todas as suas tentativas de iniciar uma conversa.

Homens! Como poderia um dia entendê-los?Logo antes da partida, Wolf lhe havia informado

que fariam apenas mais uma única parada, antes de alcançarem Londres, no castelo de John Beauchamp, marquês de Kendal. Porém ele não mencionara ter sido o marquês o maior amigo de Bartholomew Colston que, após a tragédia, fizera várias tentativas junto ao rei Henrique IV para que uma investigação minuciosa fosse conduzida com o objetivo de esclarecer as mortes de Bartholomew e dos filhos. Na ocasião, reinava na corte um clima de suspeitas e desconfianças. Assim, o rei não se sentira inclinado a reconsiderar as graves acusações lançadas sobre o conde.

A intenção de Wolf, com essa visita, era ganhar a confiança do marquês, além de obter apoio e assistência, duas coisas de valor inestimável quando fosse à presença do rei para acusar Philip. Talvez esse Henrique aceitasse reabrir o caso e julgá-lo por si mesmo.

Sufocada estava a preocupação de que não tar-dariam a chegar a Westminster e seria obrigado a entregar Kathryn ao rei. E a Rupert Aires. A idéia não o agradava nem um pouco. O fato de aquela dama ter tanto efeito sobre seus sentidos o perturbava profundamente. Não, não era possível. Devia ser apenas imaginação. Afinal, mulher alguma jamais ocupara seus pensamentos além de um brevíssimo espaço de tempo. Tampouco costumava se preocupar com quem quer que fosse como se preocupava com Kit. Tal insanidade precisava ter um fim.

Que será que o rei queria com ela? Talvez per-mitisse que se casasse com Rupert, embora existisse a possibilidade, remota, de lady Somers possuir certas conexões políticas, ainda que obscuras. Talvez o rei a quisesse casada por razões diplomáticas. O fato é que, tão logo alcançassem Londres, Kathryn passaria a estar à mercê da benevolência real, não importando o quanto ele desejasse o contrário.

Os pensamentos de Wolf voltaram-se para An-negret, filha de um nobre alemão com quem seu avô buscava uma aliança. Até então, conseguira evitar o noivado com aquela criatura pálida e dócil, completamente diferente de Kit. Todavia, as duas famílias o pressionavam para que assumisse o compromisso. Sabia que seria obrigado a tomar uma posição em breve.

Enquanto se dirigiam ao castelo Kendal, Wolf procurava definir um plano de ação. Pediria a John Beauchamp que fosse a Londres e fizesse uma pesquisa discreta sobre a existência de provas contra Bartholomew

Page 27: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Colston. Talvez agora o filho de Henrique Hereford consideraria a possibilidade de investigar o papel de Bartholomew na alegada tentativa de assassinato do pai. Afinal, a situação mudara um pouco desde então. Estava de posse do antigo anel de sinete, além do pergaminho onde figurava o nome de Clarence e um misterioso brasão.

Wolf também esperava conseguir localizar Tommy Tuttle, de quem Agatha falara. Seria esse um nome muito comum? Comprovaría-se uma tarefa impossível achar alguém ligado, embora de maneira obscura, a um crime cometido vinte anos atrás? Na última das hipóteses, voltaria para buscar Agatha e a faria testemunhar diante do rei.

Por último, Wolf decidiu que, a qualquer custo, precisava se afastar de Kit. Ela era uma verdadeira ameaça à sua paz de espírito. Seria loucura cair prisioneiro de uma paixão absurda.

Eles chegaram ao castelo Kendal logo antes do anoitecer e foram recebidos por uma mulher rechonchuda, ricamente vestida. Wolf a reconheceu de imediato, como a marquesa Mary Beauchamp.

_ Bem-vindos a Kendal - a dama os cumprimentou efusiva, as palavras se atropelando umas às outras. - E um prazer receber hóspedes em casa, pois são raras essas ocasiões. Vocês me parecem exaustos. Com certeza viajaram o dia inteiro. Também devem estar famintos e sedentos, ansiosos para descansar. Vamos ver o que pode ser feito. Oh, Deus, aqui estou eu outra vez, falando pelos cotovelos. - Tomando Kathryn pelo braço, afastou-a dos cavaleiros. - Sou lady Mary, esposa de Kendal. E tão bom tê-la comigo. Se ao menos Charlotte, minha nora, estivesse aqui também.

Kit sorriu diante da recepção calorosa. Era agra-dável escapar da companhia sombria de Wolf por alguns momentos, embora tivesse dúvidas de que lady Kendal fosse lhe dar uma única oportunidade e falar.

_Você é lady Kathryn, não é? Foi o que os me informaram. Venha, deixe-me levá-la o seu quarto.

Nicholas e Wolf atravessaram o salão principal e seguiram um dos cavaleiros do marquês, que os conduziu até um escritório pequeno, numa das torres.

O marquês de Kendal não era um homem muito alto, porém o corpo sólido, de músculos ainda bem definidos, guardava vestígios do guerreiro exímio da juventude. Os cabelos estavam grisalhos nas têmporas e o brilho penetrante dos olhos azuis era exatamente o mesmo do qual Wolf se lembrava. Enquanto tentava se decidir qual a melhor maneira de abordar o assunto que o levara até ali, o marquês rompeu o silêncio.

Olhando diretamente para Wolf, indagou apenas:_Você me tomou por um velho tolo e senil, menino,

ao pensar que eu não reconheceria o nome Gerhart?

CAPÍTULO VIII

Nunca Wolf considerara a possibilidade de lorde Kendal lembrar-se do nome alemão e desgostava-o pensar que o marquês pudesse se sentir ofendido pela sua pequena falta de franqueza. Queria o homem do seu lado, não na oposição.

_ Você seria John ou Wolfram? Evidentemente alguém escapou ao ataque no caminho para Bremen com vida. Suponho que seja Wolf, embora todos os meninos se parecessem muito com o pai.

_Kendal recostou-se na cadeira e o observou bem. - Se não me falha a memória, você é um pouco jovem demais para ser John.

_ John morreu com meu pai.Apesar de ter sabido e aceito o fato há vinte anos,

as palavras ditas em voz grave perturbaram o marquês._Por que está aqui agora? Quais são suas intenções?_ Eu esperava convencê-lo a me ajudar a re-

cuperar Windermere e a limpar o nome de meu pai. Só não tinha muita certeza de como pedir-lhe auxílio.

_Irei ajudá-lo - lorde Kendal afirmou sem vacilar. - Sempre acreditei que Bartholomew havia sido traído de alguma forma. Não tenho dúvidas de que Clarence, e o filho Philip, planejaram o ataque de sua família na Alemanha. Ambos também foram os responsáveis por aquela história do envolvimento de seu pai na tentativa de assassinato do rei Henrique Hereford.

_ Você tem alguma prova disso? - Wolf indagou, atônito diante das palavras do velho marquês.

_Não. Mas eu conhecia seu pai e Clarence muito bem, em nossos anos de juventude. Clarence cobiçava Windermere e o título de conde. Não podia suportar a idéia de que nada daquilo lhe pertenceria. Jamais duvidei de que Clarence era capaz de qualquer coisa, inclusive de assassinato, para obter o que desejava.

_Acabamos de chegar de Windermere._E mesmo? Você deve ter cuidado ao lidar com seu

primo Philip. Ele é tão perverso quanto o pai. Clarence sempre

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agiu motivado por um ciiime e inveja doentios do irmão, a quem odiava. Philip, porém, consegue ter uma mente ainda mais doenfia. Muitos incidentes estranhos ocorreram na região, embora tenham sido sufocados, é claro.

_Meu lorde, Agatha Colston ainda está viva._Ouvimos dizer que ela havia morrido anos atrás. -

Kendal levantou-se, intrigado._A velha condessa entregou isso a lady Kathryn e

pediu-lhe que o desse apenas a mim. - Wolf colocou o anel de sinete e o pergaminho manchado sobre a mesa.

_Como as duas se encontraram?Em breves palavras, Wolf explicou como Agatha

procurara Kit e o que se passara entre ambas._ Ela devia estar envolvida no complô contra meu

pai desde o início. Todavia não consigo entender por que deseja trair Philip agora.

_ Talvez porque tenha se transformado numa verdadeira prisioneira no castelo, a mando de Philip. Assim, quando o viu chegar a Windermere, aproveitou a chance de vingar-se.

_ Mas como a condessa soube quem era eu?_ Porque você é a imagem perfeita de seu pai,

meu filho._Se é assim, por que Philip não o reconheceu

também? - Nicholas indagou curioso._ Talvez, depois de vinte anos, Philip não acre-

ditaria ser possível um dos filhos de Bart Colston retomar dos mortos. - Atentamente, o marquês examinou o anel de sinete. - Trata-se mesmo do brasão de Bartholomew. Agatha o tinha guardado?

_ Sim. Escondido num nicho, na parede do quarto.

_ Nossa missão será ridiculamente fácil - Kendal exclamou sorrindo, depois de ler partes do pergaminho manchado. - Quando partiremos para Londres?

Kit não havia visto Wolf, ou qualquer um dos soldados, desde a chegada ao castelo. Sentia falta da presença daquele cavaleiro soturno e mal podia esperar o momento de tomar a encontrá-lo. Não iria permitir que continuasse a ignorá-la.

Tudo era muito injusto. Logo quando Wolf co-meçara a tratá-la com cortesia, acabara beijando-a. Agora não apenas a frágil amizade de ambos ficara ameaçada, como sentia-se completamente perdida, atordoada por emoções conflitantes.

As circunstâncias em que se achava eram muito difíceis. Palavras não podiam descrever a dor que a perda de Bridget lhe causara. Com freqüência descobria-se à beira das lágrimas e não tinha ninguém com quem partilhar o sofrimento, pois Wolf erguera uma barreira intransponível entre os dois, fazendo questão de mantê-la a distância.

Depois de vestir-se para o jantar, Kit desceu a escada que conduzia ao salão principal. Lá descobriu Wolf conversando com outro homem, perto da lareira de pedra.

_ E então, Gerhart - o desconhecido falou, brindando-a com um sorriso -, nem você nem meu pai me disseram nada sobre a beleza dessa dama. - Tomando a mão de Kit entre as suas, ele a beijou galante.

_ Não creio que seu pai já a tenha visto - Wolf retrucou seco, o olhar fixo em William Beauchamp, filho do marquês. - Permita-me apresentar-lhe lady Kathryn Somers, protegida do rei Henrique e noiva de sir Rupert.

_ Sir Rupert Aires?!_ Sim, meu lorde - Kit afirmou. Como ousava

Wolf mencionar o nome de Rupert agora, a não ser para lembrá-la da duplicidade de seu próprio comportamento?

_ Eu o conheço. Um ótimo soldado. Desejo-lhe felicidades. A propósito, meu irmão Robert está em Londres com a esposa e o filho. Talvez você possa...

_ Ah, aí está você, lady Kathryn! .- Era MaryKendal acabando de entrar no salão de braços

dados com o marido. - Vejo que já foi apresentada a William. Sir Gerhart, seu primo Nicholas jantará conosco, não é? A cozinheira preparou um jantar especial e...

_ Querida - o marquês a interrompeu -, por que você não providencia os cálices de vinho? Parece que William se esqueceu.

Kit havia planejado falar com Wolf durante o jantar sobre a maneira fria como ele a vinha tratando nos últimos dias, porém entre as atenções de William e as conversas intermináveis de lady Mary, não encontrou oportunidade de abordá-lo.

Quando a refeição terminou, os homens se reti-raram imediatamente.

_ Para onde foram todos? - ela perguntou à anfitriã, enquanto ambas subiam a escada para os quartos. Já estava tarde e lady Mary bocejava sem parar.

_ Quem pode saber? Homens gostam de andar por aí e checar a segurança. Meu marido sempre verifica se os sentinelas estão alertas e em seus postos antes de se recolher para a noite. - Ao pararem diante dos aposentos de Kit, a marquesa lhe desejou boa-noite. - Se você não for capaz de dormir, a cozinheira deixou um jarro de vinho doce sobre a mesa, perto da lareira. Ajuda a acalmar os nervos e relaxar depois de um longo dia de viagem.

_ Obrigada. Seguirei sua sugestão se necessário. Bastou fechar a porta do quarto, para Kit ter cer-teza de que não conseguiria conciliar o sono. Ansiosa para deixar o confinamento das quatro paredes, desceu em busca de um cálice de vinho doce.

Depois de servir-se de uma dose generosa, sentou-se numa das enormes poltronas perto do fogo, envolta pelo silêncio. Mais do que nunca, estava determinada a dizer a Wolf, logo na manhã seguinte, como se ressentia por estar sendo ignorada. Afinal, não era criança e merecia, no mínimo, ser tratada com alguma cortesia. Seria bom para ambos esque-cerem a cena perto do riacho, e muito melhor se Wolf não mencionasse mais o nome de Rupert. Será que ele não conseguia entender como era difícil estar noiva de um homem e desejar outro?

Kit tomou um segundo cálice de vinho e, por fim, começou a relaxar. O fogo lhe esquentava a pele e o álcool lhe aquecia o sangue. Logo, cochilava confortavelmente na poltrona, enroscada feito uma gatinha. Assim, não percebeu quando os homens retomaram e se retiraram para seus apo-sentos, deixando apenas Wolf no salão.

Excitado demais para dormir, ele pensava como tivera sorte ao decidir procurar Kendal. Utilizando uma Lente de aumento, o marquês fora capaz de estudar o pergaminho que continha provas irrefutáveis contra Philip e Clarence. Lorde Kendal também se prontificara a acompanhá-lo a Londres e a apresentar o caso ao rei, insistindo para que providências fossem tomadas no sentido de esclarecer o crime e corrigir as injustiças feitas. Logo teria o título de volta e veria Philip punido pelos danos causados à sua família.

Para um homem sem futuro, Wolf descobria-se subitamente com toda uma vida pela frente. Claro que, ao recuperar Windermere, teria uma série de problemas a resolver. O castelo necessitava de reparos urgentes e tanto o administrador quanto a governanta deveriam ser demitidos. Os aldeões não estavam nem contentes, nem prósperos, com a situação. Quem poderia saber quantas atrocidades haviam sido praticadas durante os anos em que Philip governara?

Page 29: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Seria possível descobrir o paradeiro de Stephen Prest, antigo administrador de seu pai? Aquele homem o ajudaria imensamente a colocar as coisas nos eixos, pois sempre fora honesto e respeitado pelos camponeses. Sim, teria muito trabalho a fazer quando retornasse ao seu antigo lar.

Mais uma vez WoJf tornou a se perguntar se em vista dos acontecimentos recentes, o avô insistiria no casamento com Annegret, tentando se convencer de que não tinha a menor importância a identidade da mulher a quem se unisse. Precisaria de uma condessa para Windermere e de her-deiros também. Assim, tanto fazia uma esposa escolhida pelo avô quanto outra qualquer. O problema era que não conseguia esquecer o toque de Kit, a doçura dos lábios macios, a maneira como suspirava de prazer em seus braços.

Até conhecê-la, jamais havia considerado a possibilidade de se envolver emocionalmente com a futura esposa. Sempre julgara isso uma tolice, algo que servia apenas para tornar um homem vulnerável. Annegret era uma boa candidata a condessa. Apesar da timidez, com certeza se transformaria numa esposa exemplar, obediente e previsível.

Um suspiro suave interrompeu o curso de seus pensamentos. Ao virar-se, Wolf deparou-se com Kit, adormecida, a cabeça apoiada num braço, as pernas encolhidas sob o corpo. Sabia o quanto ela estava irritada com seu comportamento, aliás, com razão. Nos últimos dias, se recusara a lhe dirigir a palavra e até lhe atirara o nome de Ru-pert na cara, quando tinha consciência de que ela se sentia culpada por haver traído o noivo.

Entretanto não lhe restava outra alternativa a não ser tratá-la dessa forma abominável, ou estaria correndo sérios riscos de se envolver sentimentalmente com uma mulher, algo que jurara nunca deixar acontecer. Iria levá-la para Londres e entregá-la aos cuidados do rei, depois trataria de resolver os assuntos referentes a Windermere sem qualquer distração. Tão logo recuperasse o título, começaria a reparar os estragos feitos por Philip nos últimos vinte anos. No momento certo, casaria-se com Annegret, ou com qualquer outra dama tranqüila e maçante.

Devagar, Kit abriu os olhos, percebendo a presença de Wolf.

_ Você deveria estar na cama - ele observou muito calmo.

_ Eu não estava cansada._ Entendo._ Pelo menos, para variar, você está falando

comigo. - A voz macia exsudava sarcasmo Silêncio._ Você percebe que nesses últimos três dias não

me dirigiu mais do que vinte palavras?Wolf apanhou o cálice vazio deixado sobre a mesa

e o contemplou por um instante. Tinha a impressão de que lady Kathryn bebera um pouquinho além da conta.

_É muito indelicado de sua parte me ignorar assim, Gerhart. Até o barão Somers me prestava mais atenção.

Vendo a expressão do rosto viril se tornar ainda mais sombria, Kit soube tê-lo atingido ao compará-lo ao padrasto.

_ Você está zangado comigo? - ela insistiu, temendo havê-lo ofendido. - Fiz algo que...

_ Não - Wolf retrucou gentil, não querendo feri-la mais. - Venha, deixe-me ajudá-la a ir até seu quarto.

_ Talvez eu não esteja necessitando de ajuda.Ele sorriu. Podia lidar melhor com uma audaciosa e

insolente Kathryn do que com mulher magoada por seu comportamento insensível.

Com passos incertos, Kit pôs-se a caminhar na direção da escada. Se Wolf pretendia tratá-la com indiferença,

então não precisava se dar ao trabalho de observar as regras de etiqueta, segundo as quais o cavaleiro devia sempre acom-panhar a dama. Não precisava dele e não o queria ao seu lado.

_Bem, de qualquer forma irei com você, pois o caminho para meu quarto.

_Não se incomode comigo, sir. Sou perfeitamente capaz de.... - Kit tropeçou nos degraus e teria rolado escada abaixo se Wolf não a segurasse pela cintura. Então ele a tomou nos braços e esmagou a boca carnuda com a sua, sem lhe dar chance de se afastar. Kit obedeceu ao comando da língua imperiosa e entreabriu os lábios, rendendo-se. A in-tensidade do momento foi tal, que ela sentiu os joelhos vergarem-se. Numa reação instintiva, ergueu os braços e o enlaçou pelo pescoço, exultante.

O abandono com que se entregava àquele beijo a assustava, todavia não tinha forças para resistir, ou se reprimir. Wolfjá a havia beijado antes, porém o efeito dessa carícia explosiva sobre seus sentidos era, agora, simplesmente devastador. Trêmula, sentia-se arder, dominada pela paixão. A boca de Wolf parecia devorá-la e enquanto suas línguas se contorciam, ela por fim compreendeu que o desejava, de corpo e alma. Queria ser tocada, acariciada.

Lentamente, as mãos dele se fecharam ao redor dos seios túrgidos, os dedos longos massageando os mamilos eretos até fazê-la gemer de prazer.

Wolf sabia que precisava se obrigar a parar antes que fosse tarde demais, antes que chegassem ao ponto de onde não havia retomo. Entretanto o gosto de Kit o embriagava, o calor dela o consumia. Iria enlouquecer de tanto desejo, sabendo não haver futuro para ambos. Kathryn era protegida de Henrique e ele fora designado para guardá-la, não para seduzi-la. Não quando Rupert e o rei os aguardavam em Londres. Não depois de já haver decidido manter-se distante. O que estava acontecendo entre os dois naquele momento era apenas um erro, uma perda momentânea de controle. Precisava pensar no bem-estar de Kit. Precisava considerar a existência de Windermere.

E ainda havia o compromisso implícito com Annegret.

Apelando para um resto de autocontrole, Wolf afastou-se. Vendo os lábios macios inchados por causa de seus beijos, ansiou carregála de volta para perto da lareira e possui-la. Essa urgência tão completamente desconhecida acabaria em desilusão. Não havia dúvida de que os olhos de Kit refletiam o mesmo desejo que ardia em suas veias. Precisava pôr um ponto final naquilo tudo. Agora. Ela nunca poderia ser sua, não quando Rupert a esperava.

Ele engoliu em seco, então sorriu para disfarçar a angústia que ameaçava sufocá-lo. Depois beijou-a sensualmente na mão.

_Eu... tenho uma desculpa para meu compor-tamento grosseiro dessa noite, garota. Suponho que há muito tempo não me deite com uma rapariga.

Chocada pelas palavras cruéis, Kit o esbofeteou com força e virando-se, subiu correndo a escada sentindo-se humilhada até a alma. Atirando-se na cama, tapou a boca com a mão para abafar os soluços que a sacudiam. Oh, Deus, só esperava que Wolf não a ouvisse chorar.

Rapariga, fora do que ele a chamara? Ou seria prostituta?

Nunca mais o permitiria chegar perto dela outra vez.

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CAPÍTULO IX

Depois de chorar até a completa exaustão, Kit adormeceu. O dia seguinte foi passado na companhia da marquesa, a tagarelice constante de sua anfitriã ajudando-a a superar as horas difíceis. Durante o desjejum vira Wolf rapidamente, porém não permitira que os olhares de ambos se encontrassem e mostrara-se indiferente à presença viril.

Há anos Wolf não se sentia tão infeliz. Kit Somers era, de longe, a mulher mais desejável que jamais conhecera e a maneira ardente como correspondia aos seus beijos o enlouquecia. Ela era vibrante, dona de uma impetuosidade profundamente atraente. A verdade é que a queria para si.

Doía-lhe vê-la abatida, sentada à mesa ao lado de lady Kendal. Os olhos vermelhos e inchados traíam o pranto recente e embora soubesse que Kit possuía muitos motivos para chorar, além de seu insulto da noite anterior, considerava-se culpado por haver aumentado essa carga de pesares.

Determinado como estava a mantê-la a distância, e até encorajado pela óbvia animosidade feminina, não existia nada que pudesse fazer para suavizar a agonia de que ela era vítima. Assim como nada podia fazer para superar o tormento interior. Para aliviar a extrema inquietude, Wolf passou o dia todo na companhia de lorde Kendal e de William. Juntos, percorreram as terras ao redor do castelo e dedicaram algumas horas à pesca; o velho marquês aproveitando a oportunidade para contar muitas histórias do passado envolvendo o grande amigo, Bartholomew Colston.

Apesar de apreciar as reminiscências de seu an-fitrião, Wolf não conseguia parar de pensar em Kit. Como se permitira chegar a esse ponto? Nenhuma mulher, em toda a Inglaterra, merecia ser alvo de tanta atenção.

_ .. .realmente irá se casar com Rupert Aires? - William indagou.

Wolf concordou com um aceno de cabeça, embora não houvesse escutado parte da pergunta. Todavia percebera a reação de William à presença de Kit e bem podia imaginar do quê se tratava.

_ Ela é ruiva, não é? - o filho do marquês insistiu.Porém, antes que Wolf pudesse dizer algo, lorde

Kendal interveio._ Eu sabia. Com aqueles olhos verdes, ela só podia

ter cabelos vermelhos._ Lady Somers não está disponível. - A voz de

WoJf soou mais áspera do que pretendera. Seria Kit ruiva? Estranho, mas nunca a vira com a cabeça descoberta. Quando chegassem a Londres, tão logo descobrisse a moda adotada pelas damas da corte, ela provavelmente passaria a usar os cabelos soltos, decotes profundos e vestidos apertados. Uma pena, pois a julgava perfeita assim como era.

_ O que Henrique deseja com ela? - o marquês perguntou, curioso. -

_ Não faço a mínima idéia. Talvez deseje vê-la casada com Rupert o mais breve possível.

_ Hum... Então lady Somers está mesmo com-prometida com sir Rupert?

_ Acabei de dizer que sim - Wolf resmungou.Wolf sentia-se dividido. Parte de si ansiava escapar

do salão para não ser obrigado a encarar Kit durante o jantar.

Outra parte não desejava nada além de uma oportunidade de vê-la com os próprios olhos para se reassegurar de que ela estava bem. Maldição! Era uma situação terrível essa. Como pudera ser tão grosseiro, tão insensível na noite anterior? Tódavia dissera aquelas palavras cruéis apenas para obrigá-la a desprezá-lo, para destruir qualquer possibilidade de um dos dois voltar atrásl E pelo visto fizera um bom trabalho.

Dentro de vinte e quatro horas, Kit estaria em Londres. Casaria-se com Rupert Aires e regressaria a Northumberland como planejara fazer.

Quanto a ele... Só Deus sabia quanto tempo passaria tentando esquecê-la, tentando não compará-la a qualquer outra mulher que cruzasse seu caminho, inclusive Annegret.

_ Boa noite, sir Gerhart - lady Kendal o cum-primentou enquanto se acomodava à mesa para o jantar. - Você se manteve praticamente invisível hoje. Assim como meu marido e meu filho. Há muito tempo lorde Kendal não se mostra tão satisfeito na companhia de um hóspede. Na ver-dade, meu marido parece extremamente animado com a perspectiva de seguir viagem amanhã.

Sentada ao lado do marquês, lady Somers parecia ter toda a atenção concentrada no prato de comida, porém Wolf notou que ela quase não se alimentava e que evitava fitá-lo.

A angústia óbvia de que Kathryn era vítima o incomodava muito. Os olhos verdes estavam excessivamente brilhantes, por causa das lágrimas não derramadas, e ele sabia que todo seu auto-controle iria por terra se a visse chorar. Então a tomaria nos braços e a acalentaria, implorando perdão pelas palavras rudes que dissera.

Não podia suportar vê-la assim. Preferia mil vezes estar diante da mulher voluntariosa e determinada que conhecera dias atrás, do que diante dessa criatura cabisbaixa e chorosa.

Durante a refeição, a conversa girou em torno do ataque sofrido pelos soldados do rei durante a jornada para Kendal. Wolf aproveitou a oportunidade para provocar alguma reação em Kit.

_Lady Kathryn teve sorte bastante para conseguir atirar uma ou duas pedras certeiras e espantar os bandidos.

_O quê? - Kit indagou, tendo dificuldade em acreditar no que ouvia.

_Eles ficaram tão surpresos ao serem atingidos por pedras, que nossos homens foram capazes de aproveitar a distração momentânea, oferecida por milady, para subjugá-los, embora os assaltantes fossem em número maior.

_Os bandidos ficaram mais do que meramente surpresos, sir. - A voz suave vibrava de indignação.

_E mesmo, milady?_Eu fiz muito mais do que apenas surpreendê-los. -

Kit não podia aceitar que Wolf depreciasse sua contribuição à batalha. Afinal, acabara salvando-lhes a pele ao intervir.

_E verdade. Os criminosos se distrairam e meus homens...

_Teriam sido dizimados se eu não houvesse feito a balança pender para nosso lado.

_Lady Somers - seu tom era propositadamente condescendente agora -, todos nós apreciamos seus esforços.

_Chester Morburn teria sido cortado em dois e Douglas Henley perdido um braço se não fossem minhas ‘pedras certeiras’, conforme voce as chama!

O marquês seguia a conversa cheio de curiosidade, perguntando-se por que Wolf provocava tanto a jovem lady. Claro que ela estava certa ao mostrar-se irritada diante das tentativas do cavaleiro em diminuir a importância de sua parti-cipação. Que será que estava acontecendo entre os dois?

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Pretendia dar um jeito de descobrir, ou imediatamente, ou então em Londres.

_ . . .e mais, não é próprio para uma dama montar à maneira dos homens e ficar atirando pedras a esmo, esperando não ser notada pelo inimigo. Se eu não a tivesse visto ser carregada por um bandido para o meio da floresta, você poderia ter sofrido algo mais sério do que...

_ Fui obrigada a suportar ser salva por você!Com certeza eu teria conseguido me libertar so-

zinha e escapar. Se ao menos...Wolf sorriu superior, o que a enfureceu ainda mais.

Numa tentativa de acalmá-la, lady Kendal a tocou de leve no braço.

_Que tal se nós, mulheres, nos retirássemos agora? Vamos deixar os cavalheiros entregues aos seus interesses masculinos por alguns instantes.

A viagem para Londres foi deplorável. Kit insistiu em montar a égua que Philip lhe dera de presente, recusando-se a passar mais uma hora perto de Wolf, dividindo a mesma sela. Um dos soldados sempre cavalgava ao seu lado, porém nunca Wolf. Se ele, por acaso, se dignava a lhe dirigir a palavra, a voz soava sempre áspera, impaciente.

O homem era mesmo odioso e mal podia esperar o momento de chegar a Londres e se ver livre dele para sempre.

Entretanto, sentia-se desolada ao alcançarem Westminster. Temia dizer adeus a Wolf e já sentia falta da presença marcante e insolente antes mesmo de terem se despedido. Bastava pensar na possibilidade de não encontrá-lo nunca mais para lágrimas amargas virem-lhe aos olhos. Haviam passado por tantas coisas juntos. Tinha a impressão de que se conheciam há uma eternidade. O que faria sem ele?

Ao chegar ao palácio real, a tristeza de Kit era tão profunda que não foi capaz de apreciar a beleza esplêndida do lugar, ou a importância de sua presença ter sido requisitada pelo próprio rei. Assim, dominada pela angústia, procurou se ocupar com detalhes prosaicos como apanhar a bagagem e mandar a égua para o estábulo. Queria pensar em qualquer coisa, menos em deixar Wolf. Em certo momento o apanhou fitando-a e achou ter visto um brilho significativo iluminar os olhos cinzentos. Porém foi tudo tão rápido, que acreditou haver se enganado. Sabia muito bem que aos olhos de Wolf, apenas a tal de Annelise importava. Uma simples rapariga do campo representava apenas diversão.

Lady Maude Teasdale, uma prima distante do rei, recebeu o grupo de Wolf no pátio e enquanto o cavaleiro fazia um breve relato da viagem, lorde Kendal puxou Kit de lado.

_ Acabou de me ocorrer que talvez você possa levar algum tempo até se adaptar à rotina do palácio. Se encontrar qualquer tipo de dificuldade, sinta-se à vontade para me chamar. Não sou destituído de influência na corte.

_Obrigada, meu lorde. - Kit ergueu-se na ponta dos pés e o beijou no rosto. As palavras delicadas do marquês suavizavam um pouco a dor da separação. - Irei chamá-lo, se necessário.

_E não se esqueça de mim, lady Kathiyn - William apressou-se a dizer. - Também estou ao seu serviço.

_E quanto a você, sir Gerhart? - ela indagou hesitante, esperando ouvir uma resposta gentil, não querendo que ambos se separassem com amargor. - Você também estará por perto, caso eu precise de sua ajuda?

_Tenho a impressão de que você já tem cavaleiros suficientes ao seu dispor. - A voz fria soou baixa e tensa. - Com certeza não precisará de mim.

Lady Maude tomou Kit pelo braço e a levou embora, Juntamente com dois guardas e o criado encarregado

de cuidar da bagagem. Logo o pequeno grupo se embrenhava nas profundezas do palácio de Westminster Kit ainda virou-se uma vez e notou Wolf parado sob a arcada, observando-a se afastar. Pela expressão angustiada dos olhos cinzentos, talvez finalmente tivesse lhe Ocorrido que era grande a Possibilidade de os dois nunca mais se tornarem a ver. Sufocando um ge-mido e a sensação de absoluta solidão, ela continuou a caminhar rumo ao seu destino, ansiando desesperadamente uma última chance de se aninhar entre aqueles braços fortes.

_Nós não sabíamos a data certa de sua chegada, lady Kathryn - Maude comentou, conduzindo-a através de um emaranhado de galerias.

_Mas seus aposentos já foram preparados e duas camareiras experientes estarão ao seu serviço até o retorno de Sua Majestade

_Retorno? - Quer dizer que o rei não estava em Londres? Por que, então, ele a mandara chamar se nem sequer se encontrava na cidade?

_Sim. Infelizmente Sua Majestade não está no palácio, todavia deverá regressar dentro de quinze dias, quando a receberá em audiência.

Kit queria perguntar o que o rei desejava com ela, mas temia causar má impressão ao admitir não fazer idéia por que fora chamada. Talvez fosse mais sensato guardar suas dúvidas para si e tentar agüentar a estada em Londres. Além de tudo, poderia usar o tempo livre para encontrar Rupert. Afinal, não havia sido para vê-lo que se deixara levar a Londres?

Por fim, Maude a conduziu até um aposento enorme, ricamente decorado. Tamanho esplendor não a atraía muito, pois sempre admirara a simplicidade. Agradava-a, porém, as janelas altas que se debruçavam sobre o pátio, agora envolto pela Luz do entardecer. Pena que seu quarto estivesse do lado oposto de onde havia deixado Wolf. Não seria possível vê-lo partir.

_A saleta adjacente é também para seu uso, lady Kathryn - Maude falou, abrindo a porta de conexão. - Sem dúvida as outras damas estarão ansiosas para conhecê-la e ouvir notícias sobre suas viagens. Você poderá recebê-las aqui, ou em outro lugar qualquer que desejar. Fomos instruí-das para ajudá-la a fazer do palácio seu lar.

_Obrigada. Sinto-me muito grata. Mas quem..._O que você gostaria primeiro? Um banho? Comer

alguma coisa?Enquanto falava, Maude fez sinal para que duas

servas se aproximassem, Meg e Jane. Ambas eram muito jovens e se mostravam entusiasmadas em conhecer a dama a quem deveriam servir dali em diante.

_Um banho seria ótimo - Kit afirmou, desejando ser deixada só. Sentia-se péssima e nem mesmo a perspectiva de encontrar Rupert a animava.

_A propósito, no palácio residem os conselheiros com suas famílias, além das damas de companhia da rainha Catherine. Por coincidência, algumas das esposas e filhas dos conselheiros também se chamam Catherine como você, embora a grafia seja diferente. Aliás, Kathryn é um belo nome.

_Obrigada._Amanhã você deverá conhecer várias das damas.

Todos a temos esperado ansiosamente._É mesmo? - O comentário a surpreendeu. Será que

era de conhecimento geral o motivo pelo qual o rei a mandara chamar? Será que apenas ela não sabia de nada?

_Claro que sim. Sua Majestade nos mandou aguardá-la. Ah, aqui está seu banho. - Criados entravam no quarto carregando baldes de água fervente e despejando-os na

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banheira que fora colocada junto à lareira. - Vou deixá-la aos cuidados de suas servas.

De alguma forma, Kit conseguiu sobreviver aos oito dias mais solitários de sua vida.

Antes de partir, o rei havia dado ordens expressas para que lady Kathryn fosse muito bem cuidada e todas suas necessidades atendidas. Imediatamente as costureiras se puseram a preparar um novo enxoval para Kit, depois dos comentários das damas sobre a simplicidade campestre de suas roupas. Com uma pontada de embaraço, ela pensou como deveria ter parecido ridícula e simplória diante dos olhos de Wolf, acostumado à elegância e ao estilo das mulheres da corte. Seus vestidos largos já não estavam na moda. Por sorte as costureiras eram experientes e o enxoval ficaria pronto antes da chegada do rei.

As damas de companhia da rainha freqüentemente falavam em francês, língua que Kit nunca tivera necessidade de aprender. Nenhuma delas costumava se dar ao trabalho de traduzir a conversa, o que apenas aumentava seu tédio.

Assim, passava as manhãs caminhando pelos jardins, em geral só, desejando poder vislumbrar Wolf em algum lugar, mas sabendo que nunca mais o tornaria a ver.

Durante as tardes, juntamente com as outras damas, dedicava-se às ocupações femininas: bordar, costurar, tecer. Enquanto trabalhavam, as mulheres não paravam de falar, dando preferência às fofocas que reinavam na corte.

O nome de Rupert Aires era bastante mencionado, entre risinhos e rubores. Kit não entendia bem o que se passava, todavia pôde concluir que ele estava na cidade. Com certeza já soubera de sua chegada, apenas não quisera ir visitá-la. Nem sequer lhe mandara um bilhete. Por quê? E por que essas damas sempre riam e coravam ao mencionar o nome dele? Seria possível...? Não, de forma alguma.

Sir Gerhart também costumava ser tema das conversas e muitas das mulheres pareciam ansiosas para obter informações sobre o cavaleiro através de Kit. Lady Catherine Montfort se mostrava particularmente interessada.

_ Oh, sir Gerhart - lady Catherine suspirou_Aquele sim é um homem de verdade. A maneira

como se move.., a beleza do corpo musculoso..._Sir Gerhart alimenta uma paixão na Alemanha,

como você bem sabe - Jacqueline Meaux a interrompeu. - Ele nunca se envolveu com nenhuma dama da corte.

_Pois eu digo que ele não tem nenhuma mulher o esperando na Alemanha. - Catherine retrucou irritada. - Ele apenas...

_Au contraire - Claire fez questão de esclarecer. - Mon père diz já ter conhecido a futura noiva de Gerhart e ela é très belle.

_Então ele voltará para a Alemanha para se casar? - Kit perguntou a Jacqueline.

_Talvez a noiva venha para a Inglaterra. Ou ambos resolvam se encontrar em Paris. Ouvi dizer que sir Gerhart aprecia muito Paris.

E assim os dias se passaram, a inquietação de Kit aumentando a cada momento. Não era preciso saber francês para imaginar o que très belle significava. A tal da Annamarie devia ser uma dama linda e sofisticada. Com certeza Wolf se ressentira de ter sido obrigado a viajar até Northumberland quando poderia ter usado esse tempo para ficar ao lado da noiva.

No nono dia de sua estada em Westminster, lorde Kendal veio visitá-la, trazendo a nora para conhecê-la. Muitas vezes Wolf conversara com o marquês sobre sua preocupação a respeito de Kit, sozinha no palácio. Kendal prometera ir vê-la, embora não entendesse por que Wolf não cuidava disso

pessoalmente. Mais um mistério a resolver, apesar de já ter suas suspeitas.

_Esse lugar pode ser um ninho de cobras, lady Kathryn - o marquês a avisou. - Pensei que talvez gostasse de ver um amigo.

Lady Charlotte Kendal era um pouquinho mais velha do que Kit. Alta, morena, de olhos castanhos e amigáveis, em nada se parecia com as fúteis damas da corte.

_Estava ansiosa para conhecê-la, Kathryn. Gerhart nos contou sobre a longa jornada que enfrentaram.

_Você viu Gerhart? - Oh, Deus, angustiava-a pensar que ele pudesse estar tão perto, e tão longe.

_Sim. - Charlotte riu. - Nossa casa tem recebido muitos visitantes, amigos de meu sogro e de meu marido também.

_Logo - você ficará livre de todos nós, minha querida - o marquês se dirigiu à nora, brincando.

_Partiremos para Arundel em breve._Quando você partirá para Arundel? - Kit

perguntou interessada._Amanhã._Gerhart irá também?_Sim. Sir Gerhart nos acompanhará. Farei questão

de lhe dar notícias suas.Kit sentiu-se desolada. Embora não houvesse mais

visto Wolf desde que chegara ao palácio, gostava de pensar que o tinha por perto. Mas agora, ele partiria para longe. Longe demais.

CAPÍTULO X

Arundel Fins de maio,1421Henrique V ficou satisfeito ao ver o marquês de

Kendal. Aliás, o monarcaandava de muito bom humor. O recente casamento

com Catherine de Valois estava se provando uma união satisfatória e as vitórias na França haviam lhe angariado apoio e respeito em casa. Assim, sentia-se inclinado a tratar velhos amigos com generosidade, e lorde Kendal sempre fora um dos mais fiéis. O velho marquês provara sua lealdade em vários períodos de crise do reinado de Henrique IV e continuara a apoiá-lo incondicionalmente.

A presença de sir Gerhart também foi apreciada. O rei pôde, então, ficar a par dos detalhes da jornada de Kathryn Somers, embora ouvisse com pesar notícias sobre a morte de Bridget. Henrique recebeu um relatório completo de tudo o que acontecera, inclusive do ataque sofrido pelo grupo após a partida de Windermere.

_Como a dama se comportou durante a breve batalha? - o rei indagou alarmado. - Ficou ferida?

_Não, Majestade. Apesar de ter se envolvido no conflito.

_Como assim?_Lady Somers escapou sem ser vista - Wolf

explicou com um sorriso -, e depois de montar em seu cavalo,

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à maneira masculina, atirou pedras nos bandidos com um estilingue. Posso lhe garantir que possuía uma mira certeira.

Henrique não escondia o assombro. Nunca soubera da existência de damas capazes de manejar uma arma e muito menos que se envolvessem em batalhas, expondo-se a perigos mortais.

_Conte-me mais sobre Lady Kathryn - ele ordenou, intrigado tanto pela história quanto pelo evidente fascínio que essa mulher parecia exercer sobre Wolf.

O pedido o surpreendeu, pois presumira não haver nada a respeito de Kit que o rei não soubesse. Aparentemente, não era esse o caso. Por que será que Henrique mandara buscá-la, se mal a conhecia? Gostaria de poder perguntar porém, apesar da amizade que os unia, não lhe cabia ignorar o protocolo e questionar as razões por trás das atitudes reais.

Estivera preocupado com Kit há dias, presa no palácio entre as damas de companhia da rainha, cuja vida se resumia a alimentar intrigas da corte. Sentia-se grato ao marquês de Kendal por apresentá-la à nora, lady Charlotte. Embora tivesse desejado, desesperadamente, vê-la, não o fizera, convencido de que não seria bem-vindo depois da cena desagradável acontecida entre ambos. Com certeza, a essas alturas, Kit já estaria junto de Rupert Aires.

Wolf contou ao rei tudo o que descobrira a respeito de Kit durante a viagem. De como administrara Somerton sozinha, da maneira rude como era tratada pelo padrasto, do carinho com que cercara Bridget em seu leito de morte, de como agira com diplomacia para evitar que Alfie Juvet fosse punido por Philip Colston.

Não apenas as histórias envolvendo a jovem dama intrigavam Henrique, mas também o comportamento incomum de sir Gerhart. Aquele nobre alemão sempre lhe parecera tão contido e reservado, tão frio e destituído de paixão, nunca se deixando fascinar por mulher alguma. Sem dúvida Kathryn Somers tivera um efeito significativo sobre o cavaleiro e gostaria de saber mais sobre isso.

O rei reprimiu um sorriso enquanto reconsiderava alguns de seus planos e opções iniciais, especialmente no que dizia respeito a lady Somers. Havia muita coisa a ser feita antes de partir para a França e gostaria de deixar certos assuntos resolvidos na Inglaterra.

_Fale-me sobre a aparência dela._Na verdade, acho que nunca a vi realmente, sir -

Wolf murmurou pensativo, passando as mãos pelos cabelos rebeldes. - Quando nos encontramos pela primeira vez, lady Somers usava roupas típicas de camponês, calça comprida, tú-nica e um gorro na cabeça. O rosto e as mãos estavam cobertos de lama, um dos olhos muito inchado e o lábio inferior cortado. Assim, não foi possível analisar a aparência dela.

_Imagino que, eventualmente, a dama tenha lavado o rosto?

Claro que Kit lavara o rosto, Wolf pensou, um calor súbito inundando-o. Que será que o rei queria saber? Que os olhos dela eram tão verdes quanto a esmeralda mais pura? Ou que a pele sedosa tinha o brilho do cetim?

_Ela tem uma covinha no queixo similar à sua, Majestade Wolf falou abrupto. Tudo o que desejava agora era poder mudar de assunto. - Possui uma aparência agradável, embora eu nunca a tenha visto com os cabelos descobertos. As roupas largas que costuma usar também não revelam as formas do corpo. Não é muito alta e se acomoda perfeitamente na minha sela.

Então o cavaleiro estava mesmo enfeitiçado, Henrique concluiu. Muito interessante. Aquela breve conversa deixara claro que lady Cathryn simplesmente o tinha nas mãos.

O rei sentia-se satisfeito com Gerhart. Não apenas por haver levado Kathryn Somers em segurança até Londres, mas também pela constante lealdade demonstrada à Coroa. Há anos planejava recompensá-lo pelos serviços excepcionais e agora, diante do novo detalhe envolvendo Kathryn, era bem possível que conseguisse resolver duas questões de uma só vez.

_E bom vê-lo, Kendal - Henrique falou, virando-se para o marquês que permanecera em silêncio durante o relatório de Wolf. O velho nobre estava tão intrigado pelo que acabara de ouvir quanto o rei. - Vimos seu filho durante a coroação da rainha Catherine.

_Sim, Sua. Majestade. Meu filho e a esposa ficaram muito felizes em poder dar as boas-vindas a Catherine. Nós todos lhes desejamos felicidades, sir. Agora, quanto aos meus motivos para pedir essa audiência... - Lorde Kendal colocou os papéis e as provas sobre a mesa, ante o olhar interessado do rei, e começou a argumentar em favor de Wolf.

Palácio de Westminster

Kit deparou-se com Rupert numa manhã enso-larada, enquanto caminhava pelos jardins. Na verdade, praticamente caiu sobre o cavaleiro.

Sentindo-se solitária e deprimida, ela decidira enveredar por uma das alamedas menos movimentadas, na esperança de que a mudança de cenário pudesse animá-la. Um pequeno riacho corria no final do jardim e sob a sombra de um velho carvalho, havia um banco de madeira, onde poderia sentar-se.

Notando uma pequena variedade de ervas que cresciam à beira do riacho, em meio aos arbustos, parou para investigar, pensando que talvez pudessem ter uso medicinal.

Foi ao abaixar-se para examiná-las melhor que acabou tropeçando nos pés de alguém. Pelo visto Rupert e sua companheira estavam tão ocupados, tão entretidos com os encantos mútuos, que não perceberam a presença de Kit nas imediações até ser tarde demais. Rupert sentou-se abruptamente, pronto para ralhar com a intrusa, quando, de re-pente, compreendeu de quem se tratava.

Apenas então lady Catheryn Hayward, uma das damas da corte, sentou-se também, esforçando-se para tirar tufos de grama dos cabelos e da roupa. Embaraçada, ela corou e sorriu, sem ter outra alternativa a não ser enfrentar a situação desconfortável.

_Que surpresa! - Rupert exclamou, enrubescendo e brindando-a com um sorriso sem graça.

_Como vai? - ela retrucou distante.Surpreendentemente a situação não a abalava nem

um pouco e tampouco lhe despertava a menor emoção. Ali estava Rupert, enfim. Nos braços de Catheryn Hayward, uma tola idiota e detestável, sempre choramingando. E ali estava ela, Kit, frente a frente com Rupert e sem ter nada para dizer. Imaginara que fosse se atirar nos braços dele quando tomasse a vê-lo, ansiosa para contar-lhe sobre Bridget, sobre o chamado inesperado do rei...

_Ouvi dizer que você estava aqui, Kit.O rosto de feições regulares tinha se tornado ainda

mais bonito nos últimos três anos, porém em nada a atraía. Notando as faces afogueadas e os lábios inchados de Cathryn, começava a entender os comentários maliciosos que corriam entre as damas da corte. Também se dava conta de que os sentimentos que acreditara nutrir por Rupert no passado estavam mortos e enterrados. Ele pertencia àquelas mulheres, não a ela. E, francamente, não se importava a mínima.

_Há quanto tempo você está de volta? - Kit perguntou.

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_De volta a Londres?_Sim?_Oh, bem, há alguns meses, suponho. Vários dos

cavaleiros vieram antes, na companhia do rei._ Você deve ter andado muito ocupado aqui, no

palácio..._De forma alguma. Sua Majestade nos deu um

longo período de licença, depois dos meses passados na França. E bom tornar a vê-la.

_Eu... nós imaginamos que você voltaria para Northumberland. - Era estranho. Devia estar chateada por Rupert não ter ido à sua procura, entretanto experimentava apenas um enorme alívio por não haver ficado oficialmente noiva daquele conquistador barato.

_ Não, não pretendo voltar para o norte a menos que seja obrigado. Prefiro Londres. - O sorriso sedutor deixava claro quais eram os interesses que o prendiam à capital.

_Entendo. - Kit lançou um olhar rápido para Catheryn que, de costas, procurava ajeitar o corpete do vestido. Escutara rumores de que Rupert estaria cortejando lady Alice e agora o descobria às voltas com Catheryn.

Que tipo frívolo ele era. Sem dúvida não levara a sério a promessa que haviam feito um ao outro e tampouco agira com responsabilidade em relação à família. Seu dever teria sido ao menos visitá-los.

Ou mandado notícias ao pai idoso. Tanto descaso a irritava.

_Kit..._Rupert - Catheryn choramingou. - Acho que está

na hora de você me levar de volta. Mamãe ficará preocupada._Daqui a um momento, Kate. Por que você está

aqui, Kit? Por que o rei mandou chamá-la?_Não sei. Ainda estou aguardando-o regressar a

Westminster._Ouvi dizer que Henrique estará de volta dentro de

quatro dias. - Catheryn recomeçou a puxá-la pela manga, ansiosa. - Bem, creio que devo acompanhar a dama ao castelo.

_Adeus, Rupert._Adeus, não. Com certeza tomaremos a nos ver.Observando-os afastarem-se, Kit pensou que talvez

devesse se sentir indignada, porém Rupert continuava a ser o que sempre fora: descuidado, inconseqüente. Agora que olhava para trás, concluía que nunca o vira mostrar sinais de responsabilidade, ou de compromisso. Por que acreditara que uma criatura tão desmiolada fosse levar a sério a promessa de um noivado futuro? Sentia-se aliviada, sim. Por outro lado, tinha a impressão de que a única certeza de sua vida cessara de existir.

Castelo de Arundel

O marquês de Kendal estava eufórico. Enquanto atravessava os longos corredores na companhia do filho de Bartholomew Colston, mal conseguia conter a satisfação. As coisas não podiam ter transcorrido de maneira melhor. O rei ouvira suas acusações contra Philip, estudara as provas apresentadas e tirara as próprias conclusões.

Henrique V considerava Bartholomew Colston inocente da tentativa de assassinato de seu pai, Henrique IV, durante a revolta de 1401. E mais, as provas de que Clarence e Philip tinham conspirado contra a vida do rei e que haviam mandado matar Bartholomew e os filhos eram irrefutáveis.

O rei julgava a sobrevivência de Wolf um mi-lagre e graciosamente o perdoou por esconder a verdadeira identidade. Compreendia a necessidade do cavaleiro de usar o nome alemão até que pudesse provar a inocência do pai.

Imediatamente Henrique despachou um pequeno exército, sob o comando de sir John DuBois, para prender Philip, também os instruindo a encontrar lady Agatha. Ambos deveriam ser levados para Londres, onde Agatha seria interrogada oficialmente e Philip julgado pelas mortes de Bar-tholomew e John Colston.

Wolf tomou a liberdade de mandar Hugh Dryden para Windermere, com o objetivo de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.

_O que o está preocupando agora, rapaz? - lorde Kendal indagou ao chegarem ao pátio. - Suas terras lhe foram restituídas, assim como seu título. Para completar, você agora é duque de Carlisle. Possui não apenas Windermere, mas muitas outras propriedades.

_Tudo foi muito fácil - Wolf murmurou, ainda tentando absorver o que acontecera durante a audiência com o rei. - Durante todos esses anos, pensei que seria obrigado a lutar com unhas e dentes para reaver Windermere. Nunca me ocorreu... Bem, não importa agora. Windermere me pertence.

_É verdade, Alteza - o marquês retrucou, usando o novo título do amigo. - Você agora é um duque do reino, tão importante quanto qualquer um dos irmãos de Henrique.

Sim, e sentia-se gratificado por haver sido am-plamente recompensado. Voltaria para Windermere e as terras que haviam pertencido ao seu pai recuperariam a grandeza anterior.

Henrique sabia o quanto Wolf ansiava regressar a Windermere, contudo pediu-lhe que permanecesse mais alguns dias em Arundel para ajudá-lo na finalização de certos planos.

_Gostaria de lhe falar sobre um assunto de grande importância para mim - o rei começou ao darem por encerrado os trabalhos daquela tarde. - Fui recentemente informado de que possuo uma irmã. Não me recordo de haver conhecido a mãe dela, porém encontrei um documento entre os papéis de meu pai que atestam o nascimento dessa criança, uns vinte anos atrás, logo depois de meu pai tomar-se rei.

Wolf sabia que a primeira esposa de Henrique IY morrera há mais de vinte anos e que ele só voltara a se casar com Joanna de Navarro, ao subir ao trono, em 1399. A menina deveria ter nascido no período entre essas duas esposas.

_A existência de minha meia-irmã tornou-se relativamente conhecida e ela se tornará presa fácil de escoceses hostis se eu não puder zelar pela sua segurança. Até mesmo os malditos Lollards ameaçaram invadir o palácio e seqüestrá-la. Não tenho condições de pagar um resgate altíssimo.

_Lollards, Sua Majestade? - Wolf não fazia idéia de que aquele grupo herético de Londres fosse militante. - Você espera violência?

Existe sempre essa possibilidade. Basta’ alguns religiosos fanáticos... Armei um forte esquema de segurança para proteger minha irmã, porém receio de que não será o bastante.

_O que você pretende fazer?_Casá-la. Ela precisa de um marido com poder e

autoridade para protegê-la. Alguém com terras e posição. Um duque.

Westminster

Na tarde em que o rei deveria chegar a Wes-tminster, Rupert foi à procura de IKit, que já nao podia tolerar mais nem um dia sequer trancafiada entre quatro paredes na companhia daquelas mulheres fúteis e desinteressantes. Rupert havia organizado um torneio de arco e flecha nas

Page 35: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

proximidades dos portões do castelo e todos os soldados deveriam participar. Seria divertido ver as expressões deles diante do traquejo de Kit no manejo do arco.

Mas como as notícias sobre o convite feito a Kit se espalharam rápido pelo castelo, logo outras damas insistiram em comparecer também. Catherine Beauvais, Katherine Courtnay, Alice Trevelyan e Margaret Troyes se vestiram em suas roupas mais coloridas, ordenaram que fosse preparado um cesto de piquenique e mandaram que arreassem seus cavalos.

_Gostaria de ter meu próprio arco comigo - Kit comentou, enquanto cavalgava ao lado de Rupert até o local onde aconteceria o torneio.

_Não se preocupe. Um de nossos arcos lhe servirá bem.

Mesmo a distância, já era possível enxergar as roupas coloridas das damas se misturando aos soldados. Kit quase caiu na risada ao perceber a preocupação das mulheres ao vê-la, só, com Rupert.

_Ah, bom - ele murmurou satisfeito, estudando a pequena multidão à frente. - O plano funcionou.

_Posso saber sobre o quê você está falando?_Jackie Meaux. A pobrezinha foi informada de que

sua querida tia, do lado materno, está doente.Rapidamente, Kit fez um inventário das damas

reunidas. Katherine Courtnay, Catherine Beauvais, Margaret e... Alice!

_Seu aproveitador! - ela exclamou, finalmente começando a compreender o que se passava.

_Você deu um jeito de mandar lady Jacqueline embora para poder seduzir lady Alice Trevelyan sem interferência.

_Jackie é um espírito forte. Sem dúvida conseguirá se recuperar da desilusão.

_Mas isso é cruel. - Kit estava indignada agora. - Você não pode... seduzir todas as damas de Westminster como se fossem objetivos a ser conquistados, uma depois da outra. E injusto. imoral Pense nos sentimentos delas.

_Você é muito sentimental, minha querida Kit. - Rupert riu. - Nenhuma delas tem coração.

Tudo o que desejam é seduzir a mim. Apenas per-mito que o façam.

De certa forma, Rupert tinha razão. A maioria daquelas damas de fato merecia Rupert.

Decidida a se entregar ao esporte para esquecer suas preocupações, Kit se divertiu enormemente. Sabia que o rei estava para chegar e logo descobriria por que fora chamada a Londres.

_Você tem uma mira melhor do que eu me lembrava! - Rupert gritou entusiasmado ao vê-la atingir o centro do alvo. - Será que consegue acertar outra vez?

Ela sorriu diante do desafio e, colocando nova flecha no arco, disparou. Mais uma vez no centro do alvo.

Exultante, Rupert beijou-a na face, para a cons-ternação de lady Alice.

_Estive treinando desde que você partiu - Kit o informou, rindo também. Era assim que se lembrava de Rupert. Brincalhão. Divertido. Estava tão concentrada no que acontecia ao seu redor, que não reparou num séquito que se aproximava dos portões externos do palácio.

O rei e a rainha cavalgavam escoltados por tre-zentos soldados e vários dos conselheiros. Wolf Colston pouca atenção prestava ao que Henrique dizia à esposa sobre o banquete planejado para a noite seguinte. Ele já havia se decidido a retornar a Windermere e preferia não participar dos festejos, se o rei pudesse dispensá-lo.

De repente, a atenção de Wolf foi atraída por um grupo de arqueiros, do outro lado do portão. Não havia dúvida de que lady Kathryn era o centro das atenções, especialmente quando acabava de atingir o alvo num tiro certeiro. Ele também viu Rupert beijá-la.

Kit, para seu desespero, apoiou as mãos nos ombros do cavaleiro e retribuiu o gesto.

CAPÍTULO XI

Edward Markham, conde de Maude Teasdale informou a Kit Langston, que iria visitá-la naquela noite. O conde, um dos diplomatas em quem o rei mais confiava, havia retornado da França semanas antes. Trazendo nas mãos um documento enrolado e amarrado com uma fita dourada, Langston, um senhor de cabelos brancos e idade suficiente para ser avô de Kit, saudou-a cortês.

_Minha querida lady Kathryn, que prazer econhecê-la afinal. Devo dizer-lhe que você é a

imagem de sua mãe.Extremamente tensa, ela experimentou um choque

ao ouvir as palavras do cavaleiro, mas manteve a compostura. Ninguém nunca tocava no nome de sua mãe, exceto Bridget.

_Como vai, sir? Você conhecia minha mãe?_E seu pai também.Oh, Deus, ali estava alguém que conhecera seu pai.

Jamais encontrara uma única pessoa que admitira tê-lo feito._Fui informada de que você queria falar comigo. -

Apesar do tom de voz calmo e controlado, ela mal podia conter a expectativa.

_Sim. O assunto é de certa forma delicado. _ Langston apontou para uma cadeira. - Por que não se senta enquanto conversamos?

Apreensiva, Kit obedeceu. Não tinha dúvidas de que estava para ser informada do motivo pelo qual fora chamada a Londres.

_Conheci sua mãe quando ela esteve aqui, vinte anos atrás. Uma coisinha vivaz e um pouco difícil de lidar também.

_Está me dizendo que minha mãe era voluntariosa, sir? - Por fim Kit sentiu os nervos começarem a relaxar. Os modos do conde, diretos e amigáveis, ajudavam-na a ficar à vontade.

_No mínimo._Desobediente? - Intrigava-a imaginar a mãe sob

esse novo prisma. Bridget jamais falara algo negativo a respeito de Meghan. Para a velha babá, Meghan sempre fora perfeita.

_Basta dizer que sua mãe era uma dama alegre e extrovertida, uma presença apreciada na corte. Você deve ter em mente que enfrentávamos tempos difíceis então, quando Henrique Hereford assumiu o trono, ocupando o lugar deixado vago por Ricardo Coração de Leão. Nem todos apoiavam o novo monarca. Lady Meghan Russell havia chegado da Irlanda logo antes da coroação e apaixonou-se por Henrique.

_Minha mãe? - Kit sorriu atônita. A idéia lhe parecia absurda. - E o rei?

_Ela... bem, ela o atraia. - lorde Langston continuou. - Muitas das damas buscavam a atençao de Henrique, porém ele tinha olhos apenas para lady Meghan.

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Você precisa entender que as pressões sobre Henrique eram enormes na época, e as cobranças, constantes. Cabia ao rei manter a monarquia, consertar os erros cometidos pelo seu antecessor, preservar a unidade do país. - O velho cavaleiro fez uma pausa e pôs-se a desenrolar o documento. - Não existe uma maneira fácil de lhe contar isso, lady Kathryn. Todavia o jovem Henrique desejou que fosse eu a lhe dar a notícia. Afinal, testemunhei os acontecimentos e conheci tanto sua mãe quanto o rei.

_Você conheceu minha mãe.., e o rei? - chocada, Kit fitou o documento aberto sobre a mesa, reconhecendo imediatamente o brasão real.

_Henrique Hereford, o rei Henrique IV, era seu pai._Henrique Hereford - ela repetiu pasma, tendo

dificuldade de acreditar no que acabara de ouvir._Sim. E o rei Henrique V é seu irmão. Meio-irmão,

para ser mais preciso.Durante longos segundos, Kit permaneceu em

silêncio, incapaz de articular qualquer som. Oh, Deus, isso tudo era impossível. Intolerável.

_Ninguém nunca me disse nada - murmurou afinal, a boca muito seca quase a impedindo de falar. - Por que agora? Por que mandaram me chamar agora?

_Os últimos desejos de seu pai eram desconhecidos até recentemente, quando esse documento foi descoberto. O rei não pôde casar-se com sua mãe, embora o desejasse ardentemente. Assim, escolheu Somerton para abrigá-las, confiante de que seria um lugar seguro. Henrique estava muito preocupado com a segurança de ambas, em especial porque o país parecia à beira de uma guerra civil. Seus inimigos poderiam tirar vantagem da situação sem nenhuma dificuldade, se soubessem de sua existência. E por essa razão que sua identidade foi mantida em segredo.

_Mas e agora? - Kit secou as lágrimas que teimavam em lhe escorrer pelas faces. Todos aqueles anos acreditando que o pai fora o primeiro marido de sua mãe, um nobre honrado, morto numa batalha. Entretanto Bridget sabia de tudo e tentara lhe contar a verdade, antes de morrer.

_Esse documento foi encontrado há pouco tempo, entre velhos papéis do rei. Ele menciona você várias vezes, a filha querida.

_Eu. Filha do rei. - Filha bastarda do rei, ela pensou amarga.

_Muitas pessoas sabem agora de sua existência e logo outras também descobrirão sua identidade. Não são poucos os inimigos da Coroa que poderiam tirar vantagem dessa informação.

_Como?_A primeira ameaça, claro, seria rapto._Você está dizendo que alguém poderia tentar me

seqüestrar?_Sim. E por isso que Henrique V mandou trazê-la

para Londres tão logo soube de sua existência. Para mantê-la protegida.

_Por quê... por que eu deveria acreditar nesse documento? Por que devo aceitar sua palavra de que sou bastarda?

Lorde Langston enrolou o documento devagar.Não se sentia muito satisfeito com o desenrolar da

conversa, lady Kathryn mostrando-se tão obviamente abalada pelas notícias recebidas. Pelo menos dava-lhe crédito por manter o controle das emoções, sem cair na histeria. Por outro lado, devia ser mesmo difícil fingir indiferença ao descobrir que a própria vida havia sido, até então, uma mentira. Com certeza não a invejava.

_Porque eu estava presente quando tudo aconteceu, minha lady - o cavaleiro respondeu suavemente. - Seu pai me

fez confidências. Creia-me, não era minha intenção ofendê-la ao lhe revelar fatos do passado.

Apesar de saber que o cavaleiro era sincero, Kit não experimentou nenhum alívio.

_Por que agora? - tornou a insistir._O rei, seu irmão, deseja que você se case._Casar?_Sim. Ele escolheu um homem poderoso para seu

marido, alguém em quem confia como se fosse um irmão. O duque de Carlisle.

_Suponho que esse duque saiba que sou bastarda? - As palavras, ditas em voz embargada, transpiravam amargura.

_Sim, ele foi informado._E ainda assim, concordou? O duque está disposto

a casar-se com uma bastarda?_Sem dúvida._E se eu me recusar?_Ninguém se nega a cumprir uma ordem real, lady

Kathryn. Você é irmã do rei e ele está fazendo apenas o que julga melhor para protegê-la, conforme o desejo expresso do pai de ambos.

_E qual era esse desejo?_Que você se casasse com alguém de seu nível

social. Um homem capaz de mantê-la em segurança.Lorde Langston calou-se, dando a Kit oportunidade

de digerir a proposta. Ela não tinha outra escolha e precisava entender isso. Vendo-a um pouco mais calma, continuou:

_Sua Majestade não poderá, abertamente, re-conhecê-la como irmã, embora muitos suspeitem do fato. Henrique pede-lhe que não confirme nada, e tampouco o negue. Certamente ninguém terá coragem de lhe fazer perguntas diretas.

_Então continuarei a me chamar Kathryn Somers?_Não. Você será conhecida como a duquesa de

Carlisle. O rei espera vê-la amanhã, logo antes do banquete. E quer que se sente à sua esquerda, no lugar de honra.

Kit concordou com um aceno. Que mais lhe restava fazer? Sentia-se pega numa armadilha.

Inquieto, Wolf caminhava com o primo Nicholas pelos arredores do palácio. Durante o banquete oferecido naquela noite seria anunciado suas bodas com a irmã do rei. Claro que apenas os irmãos de Henrique, e um grupo seleto de conselheiros, sabiam da existência dessa irmã e o fato não seria admitido publicamente. Outros suspeitavam, porém nada seria confirmado.

Wolf não tinha dúvidas de haver recuperado Windermere muito facilmente. O casamento com a irmã do rei era o preço, e estava determinado a pagá-lo.

_Mas Wolf..._Não tem importância, Nick. Uma mulher me

servirá tão bem quanto outra qualquer. E estar de certa maneira ligado ao trono não me fará mal nenhum.

_Você nunca a viu, homem - Nicholas protestou. - Como foi capaz de concordar em aceitar uma daquelas malditas Catherines para esposa?

_Pois fique feliz em não ter sido feito duque pelo rei - Wolf retrucou irônico -, ou seria você o afortunado noivo.

_Felizmente agora sou apenas visconde de Thornton. Posso escolher minha própria esposa. A tal Catherine já foi informada sobre o casamento?

_Sim. Parece-me que ontem à noite.De repente, eles ouviram vozes a distância._Meu Deus - Nicholas exclamou boquiaberto, os

olhos fixos numa visão inesperada. - Quem é aquela? Seria Kit Somers? - indagou incrédulo, apontando para uma dama que,

Page 37: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

sentada num dos bancos do jardim, conversava com um cavaleiro.

Ela trajava um vestido verde-escuro, o corpete justo delineando a cintura fina e realçando a brancura dos seios firmes. Os cabelos caíam soltos sobre as costas, uma cascata encaracolada de fios dourados e sedosos. Estava claro que a mulher chorava, os ombros delicados sacudidos por soluços incontroláveis.

Definitivamente, a dama em questão era Kit e o reconhecimento atingiu Wolf com a força de um raio. Sim, tratava-se da bela e sensual ninfa do lago. Irritado, compreendeu que, o tempo todo, ela soubera quem era ele e, no entanto, preferira não revelar a própria identidade.

Mas por quê? Com o coração batendo forte, lembrou-se da maneira como Kathryn correspondera aos seus beijos, da paixão que fora capaz de sentir ao tê-la nos braços, uma paixão que jamais experimentara por mulher alguma. E fora sempre assim, esse mesmo abandono e ardor, todas as vezes em que haviam se beijado. Agora, vendo-a desesperada, buscando apoio junto a outro homem, ansiava confortá-la como o fizera em Windermere. Porém não tinha mais nenhum direito. Estava noivo e provavelmente Kit também. Maldição! Era o peito de Rupert Aires que ela encharcava de lágrimas.

Foi preciso toda sua autodisciplina para controlar a urgência de arrancá-la dos braços de Rupert e exigir uma explicação. Seu dever era casar-se com a irmã do rei, quer gostasse da idéia, quer não. Kit Somers poderia apenas tornar tudo mais difícil. Enfim via-se obrigado a admitir para si mesmo que a queria desesperadamente. Também tinha consciência de que esse desejo poria em risco a palavra empenhada. Prometera casar-se com a meia-irmã do rei e não voltaria atrás. Pagaria o preço por ter recuperado Windermere, embora fosse um preço muito mais alto do que imaginara.

Precisava tirar Kit da cabeça, ou seu casamento seria insustentável.

Kit ensopou a camisa de Rupert com lágrimas. Mas dando-se conta de que andava chorando muito ultimamente, decidiu parar. Quando se casasse com o tal duque não iria se permitir derramar mais uma única lágrima.

_Tudo dará certo - Rupert a acalmou. - Acredite-me.

_Mas eu sempre pensei que me casaria com você. - Na verdade, não tinha coragem de confessar a verdadeira razão de suas lágrimas. Não passava de uma bastarda. A vergonha era maior do que podia suportar.

_Casar-se comigo? - A revelação inesperada o surpreendeu. Sempre a considerara uma irmã. De fato, quando crianças, costumavam dizer que se casariam um com o outro, quando crescessem. Porém tudo não passava de uma brincadeira, nada sério. Pelo menos fora o que pensara.

_Até eu vir para cá e compreender que você estava longe de ser quem eu pensava.

_O quê, exatamente; você está querendo dizer? - Rupert indagou, fingindo-se ofendido. Deus, Kit se tornara uma linda mulher. Não que quisesse se casar, contudo, havia outras coisas deliciosas que podiam fazer juntos, se ela desejasse.

_Apenas que você não seria uma boa escolha para marido.

_Bem, é um alivio. Eu detestaria pensar que alguém me quisesse para esse horrível papel.

_Não. Porém..._Porém o quê?_Nada. Eu não devia estar aqui fora, chorando feito

uma tola. Se alguém nos visse...

_Não se preocupe. Ninguém em Westminster costuma se levantar tão cedo.

Kit tomou um banho quente e demorado para acalmar os nervos. Então Jane lhe aplicou compressas nos olhos, para diminuir a vermelhidão e o inchaço depois das longas crises de choro. Exausta, acabou adormecendo perto do fogo enquanto a criada secava seus cabelos.

Ao acordar, Jane e Meg a ajudaram a se preparar para o banquete. Kit escolheu o vestido branco bordado com fios de ouro, assim como prometera a Bridget usar quando fosse apresentada ao rei. As costureiras do palácio tinham feito os ajustes necessários, e a roupa, que pertencera à mãe, lhe caía como unia luva.

Jane a convenceu a não usar um véu para cobrir os cabelos. Em vez disso, prendeu-os numa trança única, intercalando as mechas com uma fita de veludo branca e fina. Sem nenhuma jóia, Kit personificava a elegância simples e angelical ao ir ao encontro do rei.

A rainha Catherine, embora formal e reservada ao cumprimentá-la, deixava transparecer um calor interior ao fitá-la com benevolência e também parecia nutrir genuína afeição por Henrique, os sinais da proximidade emocional entre os esposos bastante evidentes no modo como se tratavam.

Frente a frente com o irmão, a primeira impressão de Kit era de que os dois não partilhavam nenhuma semelhança física. O único traço vagamente similar seria a covinha no queixo e o formato dos olhos, apesar de os dele serem castanhos.

_Por fim nos encontramos - Henrique falou caloroso, tomando-lhe a mão e ajudando-a a sentar-se. - Soube que costumam chamá-la de Kit.

_Mas como..._O marquês de Kendal me contou tudo o que sabia

a seu respeito. E, claro, o relatório de sir Gerhart foi bastante detalhado.

Ela enrubesceu, perguntando-se se o incidente na escada também teria sido incluído no tal relato.

_Gerhart descreveu-me de maneira completa o ataque sofrido por vocês nas cercanias de Windermere. - O rei serviu a irmã de vinho, divertindo-se ao vê-la reagir à simples menção do nome do cavaleiro. - Fui informado de que o desfecho da batalha poderia não ter sido tão positivo se não fosse por seu estilingue.

_Gerhart lhe disse isso?_Claro. E é verdade, não?_Então por que ele me provocou...? - Kit calou-se,

ofegante. Já era perturbador saber-se irmã bastarda do rei, a um passo de se casar com algum duque decrépito. Seria desastroso pensar numa paixão impossível agora. - Desculpe-me, sir, porém Gerhart não pareceu julgar minha ajuda par-ticularmente valiosa.

_Pelo contrário. Ele fez questão de frisar seu desempenho durante o ataque e acredita que suas atitudes foram tão valorosas quanto a de qualquer soldado da tropa.

_Mas..._De fato, essa foi uma das razões porque decidi

casá-la com o duque. Carlisle precisa de uma mulher forte, alguém capaz de vê-lo além de seus defeitos, como o temperamento explosivo. Ele deve se casar com uma igual, não com alguma dama frágil, dada a choramingos.

_Sua Majestade, talvez eu não esteja pronta._Bobagem. - Henry riu com prazer. - Nosso pai

estipulou que você se casaria com um nobre poderoso, de preferência antes de completar dezessete anos. Infelizmente ele não achou necessário me informar de sua existência. Descobri-a por acaso, pouco tempo atrás.

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_Será que não poderíamos ignorar nosso parentesco e deixar tudo como antes? - ela pediu, tomando um pouco de vinho para controlar o nervosismo. - Ninguém sabe de nada e eu gostaria de esquecer esse detalhe.

_De forma. alguma, querida irmã. Existem muitos que estão a par da verdade e outros tantos logo a descobrirão.

_Não. - A voz contida não passava de um sussurro._Como seu rei, e irmão, tenho certas respon-

sabilidades em relação a você. Nós, os Lancaster, já possuímos inimigos suficientes. Facções hostis elaboram estratégias para atingir seus fins e muitas delas, como os Lollards, já se provaram imprevisíveis e perigosos. Pensei que, ao lhe dar a notícia, Langston houvesse conseguido encontrar uma forma de tornar as coisas mais fáceis para você, todavia agora compreendo que trata-se de uma revelação muito perturbadora para ser aceita com tranqüilidade.

_Sim. - Sentindo-se à beira das lágrimas, Kit fechou os olhos por um instante. Como dizer ao rei que não tinha a menor vontade de ser irmã dele? Que dispensava seus esforços para mantê-la em segurança? Que os fanáticos Lollards viessem à sua procura.

_Deixe-me lembrá-la de que em nossa família existem muitos membros ilegítimos. Nosso avô, John, teve filhos com a amante, a quem tomou por esposa mais tarde.

_Sim, os Beaufort, seus tios._Nossos tios._Entretanto nosso pai nunca se casou com minha

mãe._Porque não foi possível, Kit. Havia sérias

complicações na época, que exigiam um casamento político. Um rei nem sempre é livre para escolher.

A rainha Catherine tocou-a de leve no ombro, como se quisesse confortá-la.

_Lorde Langston nos disse que o rei amava muito sua mãe e que lamentou a morte dela até o fim da vida.

_Não se trata de um grande consolo._Porém verdadeiro - a rainha insistiu. - Tente não

alimentar mágoas sobre a pequena felicidade que seus pais partilharam tantos anos atrás.

_Tentarei - Kit respondeu, embora tivesse dúvidas de que um dia conseguiria entender aqueles dois que haviam lhe dado a vida.

_Vamos - disse-lhe o rei -, recomponha-se. Está na hora de comparecermos ao banquete.

_Alteza. - A voz de Langston atraiu a atenção de Wolf, que estivera conversando com Nicholas até então. - Deixe-me ser o primeiro a parabenizá-lo. Sua noiva parece ser uma mulher de personalidade marcante, além de muito bonita.

_Também quero lhe dar os parabéns, Alteza- acrescentou lorde Kendal, na companhia do filho

e da nora. - Quando será o casamento?_Sua Majestade deseja que a cerimônia se realize

dentro de três dias.Ouvindo o movimento repentino ao seu redor, Wolf

soube que o rei havia acabado de entrar no salão. Porém, ao virar-se para contemplar o casal real, teve olhos apenas para Kit, à esquerda de Henrique.

Ela estava simplesmente maravilhosa, vestida de branco e dourado, os cabelos loiros, presos numa trança, evidenciando a delicadeza do rosto suave. Sim, ela era tão bela quanto se lembrava e doía-lhe pensar que a tinha perdido para Rupert Aires. Recordava-se das longas horas em que haviam dividido a sela de Janus, o corpo delgado colado ao seu, a pele macia, os lábios doces e inebriantes. Kit era tudo o que

desejara no mundo, tudo o que sonhara. Talvez o rei aceitasse...

De súbito, a verdade dos fatos o atingiu, deixando-o zonzo por um momento. Kit ocupava a posição de honra, à esquerda de Henrique. Pelos céus! Ela era a irmã do rei, a Catherine com quem deveria se casar.

Entretanto a vira chorando ainda naquela manhã, obviamente depois de receber ordens para se casar com ele, em vez de com o amado Rupert.

O rei fez sinal para que Wolf se aproximasse. Vendo-o, Kit sentiu o coração disparar. Wolf era muito mais do que Rupert, algum dia, chegaria a ser. Ele vestia uma túnica azul celeste, o que ressaltava o negro dos cabelos e o cinzento dos olhos. Se ao menos... Não, impossível. Ainda que não estivesse noiva do duque, o que Wolf iria querer com a filha bastarda de Henrique IV?

Sabendo que ele estava a ponto de descobrir sua origem vergonhosa, Kit teve vontade de fugir dali e se esconder. Entretanto os cavaleiros mais próximos já o estavam cumprimentando formalmente, chamando-o de ‘Alteza’. Estranho, pois Wolf era conde e apenas os duques mereciam essa forma de tratamento.

Por Deus! Seria Wolf um duque? Mas como?Por que tudo ao seu redor parecia girar de repente?

Por que a dificuldade de respirar? Kit mal ouviu o rei pronunciar a palavra Carlisle antes e desmaiar.

CAPÍTULO XII

Kit recuperou-se do desmaio minutos depois e descobriu-se a sós com Wolf, numa saleta ao lado do local onde acontecia o banquete. Queria atirar os braços ao redor do pescoço forte, mas a expressão do rosto viril a impedia. Estava claro que ele já soubera de sua origem ilegítima e que o desagradava a perspectiva de ter uma esposa bastarda. Não podia culpá-lo por fitá-la daquela maneira hostil.

_Não espere que eu vá acreditar que esse desmaio foi real. - Os olhos cinzentos brilhavam de raiva. - Lembre-se de que já a vi enfrentar circunstâncias piores.

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Estaria Wolf falando sério? Poderia pensar que o choque não passara de encenação? Ela, que nunca antes desmaiara na vida? Não, não iria permitir-lhe tratá-la como a bastarda que de fato era.

_Não existem circunstâncias piores do que essa! - exclamou, vibrante de raiva.

_Concordo. Mas estamos presos um ao outro por vontade expressa do rei. E pretendo levar essa história até o fim.

_Verdade? - Kit estava furiosa agora. Como ousava ele comparar o casamento a uma prisão? Ainda zonza, levantou-se, determinada a fugir dali, porém suas pernas recusavam-se a sustentá-la. Assim, tomou a sentar-se.

_ Nem pense em fugir. - Estaria ela se ima-ginando resgatada por Rupert Aires? - Voltaremos para o banquete tão logo você seja capaz de andar. Juntos.

- Voltarei se e quando me sentir pronta. E não na sua companhia.

_ Mas sou seu noivo, embora o fato possa lhe causar asco.

Apenas os soldados da guarda pessoal de Henrique haviam percebido o desmaio de Kathryn. Quando vira o sangue desaparecer do rosto delicado, Wolf se movera rapidamente, amparando-a antes que caísse e carregando-a para fora do salão. Primeiro ficara atônito ao presenciar a reação de Kit, depois furioso diante da rejeição experimen-tada. Casar-se com um duque não era motivo de desonra para mulher alguma, todavia Kit dava a impressão de preferir Rupert.

Bem, de nada adiantariam seus ataques de nervos, pois Kathryn Somers se tornaria duquesa de Carlisle. E muito em breve. O rei ordenara que a cerimônia fosse realizada dentro de três dias.

_ Você está mais sombrio do que nunca - Ni-cholas disse ao primo, na noite que antecedia ao casamento. - Será que prefere Annegret tanto assim? - Na verdade, ele sabia muito bem que Wolf não sentia nenhum afeto por Annegret e queria apenas provocá-lo, obrigá-lo a romper o silêncio em que se fechara desde o banquete. Na sua opinião, Wolf deveria ter-se sentido aliviado ao descobrir a identidade da noiva, não irritado. De posse, novamente, de Windermere e casado com Kathryn Somers, do quê iria se queixar?

_Annegret..._Sei que ela seria uma esposa mais dócil._Pelos céus, Nick! Kathryn prefere outro homem._Absurdo._Você a viu com Rupert Aires, depois de ter sido

informada que deveria se casar comigo._Você acredita que ela prefere Rupert?_ Não. Tenho certeza que sim._Então ela escolheria um cavaleiro qualquer em vez

de você, um duque? - Nicholas brincou, finalmente começando a compreender que era orgulho ferido o que corroía o primo. Estava claro que Wolf a queria. - Kit não é nenhuma tola.

_Não._Pois então é preciso convencê-la._Convencê-la? - Nunca antes tivera que convencer

mulher alguma. Ou ela o desejava, ou nao. Simples assim._Sim, convencê-la de que o rei escolheu o marido

certo para a irmã. Demonstrar sua superioridade.Ainda não lhe ocorrera que seria capaz de con-

quista-la. Afinal, Kit estivera apaixonada por Rupert desde criança. Como fazer para mudar isso? Não que tivesse importância, pois sempre planejara para si um casamento de

conveniência, sem envolvimento afetivo. Se Kit pretendia manter-se distante, faria o mesmo.

Pois se ficasse perto, tinha certeza de que acabaria perdido.

Ela jurou não tornar a derramar uma lágrima. Todavia, enquanto Jane a ajudava a vestir-se para o casamento, após o banho, quase não foi capaz de conter o pranto. O dia, bonito e ensolarado, estava perfeito para a cerimônia, entretanto as circunstâncias não podiam ser mais dolorosas. Wolf era um noivo relutante.

Kit olhou-se no espelho enquanto Meg terminava de abotoar a fileira de botõezinhos às suas costas. O vestido escolhido para o casamento era num tom marfim, com corpete justo, decote acentuado e mangas compridas. Um cinto de ouro, fino e ricamente trabalhado, caía-lhe sobre os quadris, o único complemento necessário à beleza do tecido. Sem dúvida, a roupa mais bonita que jamais possuíra.

Apesar de as duas criadas servirem-na com de-dicação, Kit desejou que Bridget pudesse estar ao seu lado naquele momento. Nunca sonhara estar tão só num dia como esse, sem amigos e a ponto de se casar com um homem que não á queria.

De repente, uma batida na porta a fez desviar o curso dos pensamentos. Um lacaio trazia nas mãos uma pequena caixa de veludo.

_ Sua Majestade lhe envia esse presente, minha lady. Espera vê-la usando em suas núpcias.

_ O rei estará presente? - Kit perguntou._ Sim. O rei e a rainha estarão presentes na

abadia. E Sua Majestade também planeja comparecer à festa logo após a cerimonia.

_Por favor, leve meus agradecimentos ao rei pelo presente.

Tão logo o homem saiu do quarto, Kit abriu a caixa de veludo, contendo um belo colar de ouro. Quando Meg o colocou em seu pescoço, teve vontade de chorar. Teria preferido muito mais uma simples lembrança da parte do noivo, em vez dessa jóia maravilhosa, vinda do irmão.

Wolf observou lady Kathryn atravessar a nave da abadia, trazendo nas mãos uma única rosa vermelha. Outra vez assombrou-se diante da própria reação à simples visão daquela mulher. Imperfeita, mas bela, sensual, porém inocente. Vários dos soldados do rei a estavam escoltando e, para sua irritação, notou que Rupert Aires era um deles.

Não passou despercebido a Wolf que durante toda a cerimônia Kit se dignou a fitá-lo apenas duas vezes. Primeiro, quando colocou o anel em seu dedo, uma jóia delicada, enfeitada com quatro esmeraldas. Surpreendia-a que o noivo não houvesse se decidido por uma simples aliança, destituída de ornamentos. Não esperara ser honrada de tal forma. Fora então que, num impulso, lhe entregara o botão de rosa. Claro que não se tratava de uma preciosidade, todavia simbolizava sua esperança de que houvesse entendimento entre ambos.

A segunda vez em que Kit o fitou foi quando a beijara, após as bênçãos finais do sacerdote. O beijo, apesar de breve e superficial, o perturbara profundamente. Que será que ela fizera? Banhara-se em perfume de rosas? Consumira algum néctar para fazê-lo desejar beijá-la com sofreguidão? Assim, afastou-a de si antes que fosse tarde demais, antes que a devorasse diante de todos.

Wolf não tinha idéia do quão desesperadamente Kit ansiava abraçá-lo, dizer o quanto lamentava vê-lo obrigado a aceitá-la como esposa por ordem do rei. Queria ser beijada e acariciada como o fora no castelo de Kendal, ou mesmo em Somerton, quando ele ainda não conhecia sua verdadeira

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identidade. Agora que sabia de suas origens, não a queria para si. A dor dessa rejeição era tão grande, que mal conseguira segurar as lágrimas durante a cerimônia.

A festa foi um acontecimento marcado pelo re-quinte e luxo. Toda a nobreza compareceu para assistir ao casamento e estar com o rei uma vez mais antes que ele partisse para a França. Centenas e centenas de convidados, a quem nem Kit nem Wolf conheciam, enchiam o ar com suas risadas e votos de felicidades.

Finalmente, antes de Henrique deixar o banquete, ele ergueu um brinde aos noivos, pedindo-lhes que selassem o compromisso assumido com um beijo. Wolf o atendeu, roçando os lábios da esposa com os seus.

_Meu lorde duque - o rei o repreendeu com um sorriso malicioso -, uma carícia como essa não é suficiente. Dê à sua esposa um beijo de verdade. Como um homem beija uma mulher.

Kit sentiu-se enrubescer, sabendo não lhes restar outra alternativa a não ser satisfazer o capricho de Henrique, embora estivessem na presença de centenas de pessoas. Entretanto, a atração que o marido exercia sobre seus sentidos era tal, que ansiava tocá-lo para transpor a barreira que se erguera entre os dois. Oh, lembrava-se muito bem de como era ser consumida pelo calor daquele corpo. Pena que a idéia de afagá-la parecesse repugná-lo agora.

Segurando-a de leve no queixo, Wolf obrigou-a a fitá-lo. Havia uni calor, um brilho febril nos olhos cinzentos, que a fez estremecer, cheia de expectativas. Ao sentir a boca firme roçar a sua, Kit deixou escapar um gemido sufocado de prazer. Foi o bastante para Wolf aprofundar o beijo.

Nenhum dos dois ouviu os gritos e aplausos da multidão enquanto se beijavam sofregamente, as mãos de Kit enlaçando o marido pelo pescoço como se quisesse encurtar a pequena distância que os separava. Perdidos de paixão, esqueceram-se de tudo, ainda que por breves momentos.

Oh, Deus, que isso seja real, ela rezou em silêncio, o coração batendo descompassado, a respiração ofegante. Quando Wolf, por fim, se afastou, não foi capaz de desviar o olhar do rosto viril, o desejo insatisfeito latejando em suas veias. Os vivas da multidão, gradualmente, foram trazendo-a de volta à realidade. Embaraçada por haverem se exposto tanto, ela recolheu os braços.

Porém Wolf não a soltou e continuou a segurá-la pela cintura, a visão dos lábios úmidos e entreabertos da esposa hipnotizando-o.

_ Muito bem! - o rei gritou entusiasmado. - Se vocês continuarem assim, logo terão muitos herdeiros para ocupar suas vastas propriedades.

Um dos soldados destacados para cuidar da se-gurança real atravessou a multidão e, aproximando-se da mesa principal, segredou algo junto ao ouvido de Henrique. Notando que o rei se levantava, pronto para retirar-se sob a escolta de cinco escudeiros, Wolf o acompanhou.

_Pode haver problemas Henrique informou-o, satisfeito ao perceber que Kathryn seguira o marido.

_Que tipo de problemas?_Owen Tudor me trouxe informações de que

Lollards se infiltraram entre os guardas - o rei explicou, enquanto saíam do salão e entravam num dos corredores laterais. - Com certeza, alguns fanáticos, ansiosos para mostrar o quanto meu apoio à Igreja os desagrada.

_ Espere um momento, majestade. Mande os soldados à frente - Wolf o advertiu, alarmado. Tudo dava a impressão de estar acontecendo depressa demais e Henrique não agia com a habitual cautela. O corredor parecia-lhe

estranhamente escuro. - O que foi feito com a iluminação? Os tocheiros não deveriam estar sempre...

A porta do salão onde acontecia o banquete foi fechada atrás do pequeno grupo. Kit gritou ao ver o brilho de metal das espadas desembainhadas. A escuridão era quase completa, à exceção de um único castiçal que Owen Tudor deixara cair no chão. Em pânico, Kit o apanhou, tentando enxergar o marido no meio daquele breu.

Incapaz de vê-lo, esforçou-se para abrir a porta do salão, onde acontecia o banquete. Em vão. A porta fora trancada. Embora soubesse da existência de outras passagens que conduziam ao corredor, levaria algum tempo até que alguém aparecesse ali, pois a festa estava no auge. Aflita, pro-curou enxergar o que se passava.

Henrique não tinha arma nenhuma, porém Wolf e um dos guardas o estavam defendendo. Tudo acontecia muito rápido e era difícil saber o número exato dos agressores todos, providencialmente, vestidos de preto. Entretanto Kit calculou que fossem onze.

Um soldado perto dela matou um dos atacantes e, no mesmo instante, viu-se obrigado a enfrentar novo oponente. A espada do morto caiu no chão com estridência. Kit nunca aprendera a usar uma espada, porém pretendia tentar agora. Ainda que não fosse capaz de usar a arma com destreza, pelo menos não se sentiria uma inútil.

De repente, mãos rudes a puxaram por trás. Gritando de ódio, ela virou-se e, erguendo a espada, desferiu um golpe na - cabeça do agressor com força bastante para fazê-lo desmaiar. Então, cheia de terror, percebeu que o marido havia acabado de ser ferido no peito. E embora o sangue jorrasse do corte, Wolf continuou lutando, conse-guindo matar o homem que o atingira. Henrique, que agora lutava após haver arrancado uma espada das mãos de um soldado machucado, ainda não tinha notado a situação crítica em que se encontrava Wolf.

Desesperada, Kit viu o marido enfrentar dois inimigos simultaneamente e matá-los, antes de cair de joelhos, sangrando profusamente. Ela largou a espada e correu, temendo o pior. Rasgando a barra do vestido, improvisou uma bandagem e pressionou o ferimento para estancar o sangue.

_Kit - a voz profunda soava com dificuldade saia daqui. Não se exponha...

_ Silêncio, marido - ela retrucou lutando contra as lágrimas. - Cuidarei de você.

_Não.Depois de o silenciar com um suave beijo nos

lábios, fez outra bandagem e cobriu o corte feio numa das pernas. Não lhe permitiria morrer antes que pudesse entender o significado do beijo que haviam trocado no banquete.

A batalha prosseguia furiosa ao redor de ambos. Lágrimas de pavor e impotência escorriam pelas faces de Kit ao ter certeza de que nada mais poderia ser feito. De pé, apenas Henrique e Tudor, bravamente enfrentando quatro inimigos.

De súbito, ouviu um barulho. Dali a instantes, sons de vozes e luz inundavam o corredor. Dentre os homens do rei, destacavam-se lorde Kendal e o filho, Rupert Aires, Nicholas Becker. A força de seus braços unidos foi suficiente para destruir os inimigos restantes.

Mal terminou a batalha, Henrique correu para perto de Kit que, sentada no chão, amparava a cabeça do marido no colo, a mão pressionando a bandagem ensangüentada, as feições desfeitas por causa das lágrimas angustiadas. Embora muito pálido e inconsciente, a respiração de Wolf mantinha-se normal.

Depois de ordenar que trouxessem liteiras para carregar os feridos, Henrique ajudou Kit a se levantar.

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_Venha comigo. Precisamos levá-lo para..._Três de nossos homens estão mortos, meu rei - um

dos recém-chegados anunciou._E os atacantes?_Todos._Nem uma palavra sobre essa emboscada deve sair

daqui - Henrique afirmou veemente. - Se os Lollards são os responsáveis, não devem saber que obtiveram algum sucesso. Disponham dos corpos dos traidores. Que ninguém saiba do que se passou. Kathryn, nós levaremos Wolf para... para a casa de Kendal. Kendal?

Imediatamente o marquês concordou._Claro, senhor._Meu médico particular cuidará de seu marido, Kit.

Ele ficará bom outra vez, prometo-lhe._Majestade, Wolf não tem condições de ser

removido para tão longe._Temo que ela esteja certa - Nicholas concordou,

erguendo a bandagem para examinar o ferimento profundo no peito. - Seria um risco enorme colocá-lo na estrada. Pelo menos até que a ferida seja costurada. E a perna...

_Deve haver aposentos vagos no palácio - Henrique falou depois de pensar alguns instantes.

_ Quem suspeitaria de recém-casados que parecem preferir passar dias inteiros no quarto? Acho que dará certo.

_E minhas criadas, senhor?_ Você deverá dispensá-las - o rei respondeu._ Creio que também não se oporá à presença de

dois guardas do palácio para atender suas ordens, não é?_ Não. Entretanto eu gostaria muito se os ho-

mens de meu marido ficassem por perto.

Quando a ausência do duque e esposa foi final-mente percebida, nenhum dos convidados se surpreendeu. Afinal, haviam testemunhado o beijo ardente trocado entre ambos, sinal de que mal podiam esperar o momento de ficarem sozinhos.

Kit observou colocarem Wolf numa cama grande enquanto lorde Kendal saía para buscar o médico.

Rupert e Nicholas a ajudaram a despir o marido e lavar os ferimentos, dizendo-lhe que as feridas, apesar de sérias, não pareciam fatais.

Diante da figura de Wolf, inconsciente, Kit quase não teve forças para conter as lágrimas. Era desesperador imaginá-lo à beira da morte. Não poderia suportar a dor de perdê-lo.., não agora, depois de descobrir que o amava.

_ Já vi muitos ferimentos como esse no campo de batalha - Nicholas a confortou. - Veja, os pulmões não foram perfurados. - Era verdade, Kit pensou aliviada, notando que a respiração do marido mantinha-se firme e silenciosa. - E apenas a primeira camada de músculos da perna foi atingida. A cicatrização será perfeita.

Porém, ela só se sentiu mais sossegada depois de ouvir as palavras tranqüilizadoras do médico, lorde Blackmore, que cobriu o ferimento do peito de Wolf com um ungüento antes de fazer o curativo.

_ É melhor não costurar feridas como essa, pois tendem a infeccionar - Blackmore explicou, mostrando a Kit como deveria agir caso a bandagem saísse durante a noite. - O que freqüentemente mata um homem é a infecção, não o ferimento em si.

Tão logo o médico se retirou, lorde Kendal se despediu também, satisfeito com as condições atuais de Wolf.

_Você precisará apenas mandar me chamar se necessitar de assistência, minha lady. Seu marido e eu somos ligados por fortes laços familiares. Algum dia lhe falarei sobre isso.

Exausta, ela sorriu para o velho marquês._ Também conheci seu pai. E lhe falarei sobre ele,

algum dia.O significado das palavras de Kendal por fim

pareceu atingi-la, fazendo-a enrubescer._ Não se aflija, Kit. De minha parte, ninguém

saberá da verdade. Muito menos lady Kendal. - Uma piscadela do marquês a fez sorrir. Contar para lady Kendal seria o mesmo que espalhar a notícia para o mundo.

Depois de tirar o vestido ensangüentado e colocar roupas mais confortáveis, Kit sentou-se à cabeceira do marido, velando-o durante horas seguidas, banhando-lhe a testa e o pescoço de vez em quando. Ele continuava muito frio, o que afastava o perigo de febre, pelo menos por enquanto. Entretanto aquela palidez excessiva a fazia querer chorar.

_Wolf Colston, não ouse me deixar agora - murmurou junto ao ouvido do marido.

_ Tentarei não deixá-la - ele respondeu num sussurro, erguendo a mão para acariciá-la nos cabelos e então cair novamente na inconsciência.

Mais tarde, Nicholas insistiu em fazer companhia a Wolf, dizendo a Kit que precisava dormir, ou não teria forças para enfrentar o longo dia seguinte. Deitando-se na cama ao lado do marido, ela acabou adormecendo, vencida pelo cansaço. Ao amanhecer, Rupert assumiu o lugar de Nicholas na vigília. Inquieta, Kit levantou-se e sentou-se perto da janela, à espera do sol, pensando no dia em que Bridget morrera e como Wolf a consolara. Então, acreditara que gostaria de estar ao lado de Rupert.

Agora, aguardava ansiosa o momento de poder dizer ao marido que jamais havia precisado estar junto de Rupert. Wolf Colston sempre fora o homem por quem esperara a vida toda.

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CAPÍTULO XIII

Wolf mal tinha consciência do que acontecia ao seu redor. Em certos instantes, parecia que alguém o estava ferindo com ferro em brasa no peito, em outros, era a perna que latejava loucamente. Porém, sabia que Kit permanecia ao seu lado e isso era tudo o que importava. Houve um instante em que as lágrimas dela caíram em seu rosto. Tentara confortá-la, contudo faltaram-lhe forças para dizer, ou fazer alguma coisa.

A luz do amanhecer ainda não era suficiente para iluminar o quarto, e ele encontrava dificuldade para enxergar quem conversava com a esposa, embora reconhecesse a voz de Rupert Aires.

_Aposto que agora você está arrependida por não ter se casado comigo - o cavaleiro disse baixinho.

_Com você, Rupert? Já há algum tempo com-preendi que você seria um péssimo marido. Não, nunca antes estive tão satisfeita com minha escolha. Se ao menos Deus o poupasse...

Os momentos de lucidez eram poucos, enquanto Wolf lutava contra a febre e a infecção. Kit temia vê-lo ceder à gravidade dos ferimentos, apesar do otimismo do médico.

Na tarde do quarto dia, ajoelhada junto à cama do marido, ela esteve a ponto de se entregar ao desespero. Fechando os olhos, implorou a Deus pela recuperação do homem a quem amava. Mesmo tendo uma longa história de preces não atendidas, agarrava-se à crença de que seria ouvida desta vez. Profundamente imersa na oração, escutou uma voz estranha, distante.

_Você parece a imagem da ira divina.Ela virou-se para o lado, tentando enxergar quem

falara, porém estava sozinha com o marido no quarto. Confusa, limpou as lágrimas e sentou-se. Sem dúvida alguém entrara ali sem seu conhecimento.

_Ira divina, pois sim - resmungou, não vendo ninguém. Talvez fosse apenas sua imaginação, produto da fatiga extrema.

_É verdade, Kit. O que a preocupa?Virando a cabeça rapidamente na direção do som,

Kit descobriu-se olhando para Wolf. Os olhos dele estavam abertos e límpidos, o cenho franzido, o primeiro ato consciente dos últimos três dias.

_O que me preocupa? - ela repetiu atônita._Você esteve chorando. - A voz soava fraca, os

olhos cinzentos a fitavam gentis.Com as costas das mãos, Kit limpou uma nova

enxurrada de lágrimas. Sim, por Deus, estivera chorando. Aliás, isso se tornara corriqueiro desde que o conhecera.

_Chorando? Eu estava aterrorizada, sem saber se você sobreviveria.

Ouvindo vozes no quarto, Nicholas e Edward entraram apressados, parando imediatamente diante do olhar fulminante de Wolf. A conversa com a esposa estivera chegando a um ponto interessante. Pensara ser possível descobrir por que ela andara tão aterrorizada diante da possibilidade de perdê-lo.

_Nicholas! - Kit exclamou, vendo o cavaleiro na companhia de sir Edward, Alfred e Ranulf. Com certeza o grupo os escutara conversando.

_Que aconteceu, milady?_Wolf está consciente! - Ajoelhando-se junto à

cama do marido, ela tomou a mão forte entre as suas._Qual o problema com minha esposa? - Wolf

perguntou aos homens. - E por que meu peito dói tanto?_Então não se lembra, primo? O rei foi atacado

quando deixava a festa de seu casamento - Nicholas esclareceu. - Você, e vários outros, caíram prisioneiros de uma emboscada, num dos corredores do palácio.

Embora tentasse se lembrar dos fatos, nada lhe vinha à mente com muita clareza. Recordava-se da festa.., bela Kathryn... o ataque ao rei... Kit chorando... Kit deitada ao seu lado, abraçando-o?

Ele procurou se sentar porém a esposa o impediu, segurando-o pelos ombros.

_Solte-me, mulher - Wolf protestou, surpreso diante da firmeza feminina. - Não vou ficar na cama por mais tempo.

_Você ficará sim, até recuperar as forças.Wolf sorriu diante da expressão decidida da esposa.

A aparência delicada escondia uma determinação férrea._ Então você ousa dar ordens a um duque do

reino?_ É um direito e um dever da esposa, Alteza -

Edward brincou. - Talvez seja até o objetivo dela._ Entendo. - Wolf fitou seus homens que, ob-

viamente, apoiavam a posição de Kit. Só não conseguia imaginar como, em tão pouco tempo, ela conseguira dobrá-los à própria vontade. - E desde quando você, Edward, ainda solteiro, se tornou um especialista em esposas?

_ Não em ‘esposas’, Alteza - Edward riu. _Mas em sua esposa, primo - Nick completou divertido. - Ela não saiu deste...

_Nicholas! - Kit interveio. - Você poderia mandar alguém avisar ao rei que meu marido recobrou a consciência? - Embora seu coração pertencesse a Wolf, não se sentia capaz de assumir a verdade agora, diante de todos, sem saber como ele receberia a informação. Temia ser rejeitada.

_ Quer dizer que serei mantido prisioneiro aqui dentro, até minha esposa resolver o contrário?

_ O médico do rei é quem determinará quando você poderá se levantar da cama e se mover livremente - Kit o corrigiu gentil, percebendo o quanto aquela imobilização forçada o devia incomodar. - Lorde Blackmore esteve cuidando de você desde os primeiros momentos.

_ Blackmore?_ Sim, o médico particular do rei._ E não você, esposa? - Wolf indagou, meioBrincalhão, meio sério, a voz profunda fazendo-a

estremecer. - Você não cuidou de mim?A intensidade dos olhos cinzentos fixos nos seus

perturbou-a tanto que, por um instante, hesitou, sem saber como reagir.

_Sua esposa é quem o manteve vivo, primo_Nicholas acabou por dizer.Durante vários minutos marido e mulher apenas se

fitaram, esquecidos de tudo ao redor. Finalmente, Wolf rompeu o silêncio.

_Sua intenção é me matar de fome, então?_Matá-lo de fome? - Alguns segundos se passaram

antes de Kit voltar à realidade. - Oh, sim, claro, você deve estar faminto.

_Como um urso._Nicholas, você poderia cuidar disso? - Kit pediu. -

Tenho certeza de que em algum lugar de Westminster será

Page 43: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

possível encontrar alguma coisa adequada para um homem doente comer.

_Não - Wolf protestou. - Traga-me algo decente. Nada de mingau, ou papinhas.

Dois dias depois, Wolf começava a se sentir me-lhor, as forças retornando gradualmente. Porém a inatividade o irritava, levando-o, freqüentemente, a tratar a esposa e os homens que o serviam com certa aspereza. Kit, entretanto, não se sentia ofendida, procurando ter em mente as palavras ternas que ele lhe dissera quando consumido pela febre.

Assim que esse período de convalescença ter-minasse, rezava a Deus para que pudessem chegar a um entendimento. Talvez, percebendo os sentimentos que ela lhe dedicava, o marido pudesse até aceitá-la como verdadeira esposa, apesar de sua origem bastarda.

Wolf, todavia, permanecia confuso. Seja lá o que acontecera enquanto estivera delirando, nada lhe parecia muito claro e não sabia se podia confiar em seus instintos. Kit realmente confessara a Rupert Aires ter se casado de livre e espontânea vontade? Que estava feliz com o marido que es-colhera? Ou será que ouvira tudo isso apenas em sonhos? Será que as lágrimas derramadas pela esposa, os cuidados enternecidos que dela recebera, não passavam de frutos de sua imaginação febril? Chegara mesmo a acreditar que Kit hou-vesse dormido ao seu lado enquanto estivera inconsciente apesar de que, agora, ela passasse as noites no quarto ao lado. Lembranças vagas e doces insistiam em povoar sua mente, as mãos pequeninas e delicadas tocando-o, amenizando suas dores, curando-o. Já não tinha certeza do que era sonho, ou realidade.

Também fora atormentado por visões do pai e irmão massacrados, na estrada para Bremen; de ser levado à presença da mãe e chorado com a cabeça no colo dela enquanto os olhos vazios davam a impressão de não enxergá-lo. Tudo isso também lhe parecera tão real.

No dia anterior à sua partida para a França, Hen-rique fez uma visita a Wolf Assegurado por lorde Blackmore de que a saúde do duque melhorava a cada dia, o rei decidiu abordar assuntos sérios e colocar o amigo a par dos últimos acontecimentos, desde o ataque de que haviam sido vítimas. Como

Wolf e Kathryn estavam sós, a conversa pôde transcorrer no clima de privacidade necessária.

_Sabemos que a emboscada na noite do casamento de vocês foi obra dos Lollard - Henrique começou. - Existe alguma dúvida quanto ao objetivo final do ataque, se pretendiam, ou não, me matar. Talvez tenham sido pegos de surpresa diante da ferocidade de nossa defesa e então forçados a lutar com igual brutalidade.

_Mas... - Kit quis argumentar, porém o irmão a silenciou com um gesto paciente de mão.

_De qualquer forma, foram todos mortos e os corpos enterrados. Mesmo se não os houvéssemos identificado, não teríamos dúvidas de que se tratavam de membros do grupo de fanáticos religiosos. Atitudes já foram tomadas para que incidentes semelhantes não voltem a acontecer.

_Como eles conseguiram chegar tão perto de você, Henrique? - Wolf indagou.

_Infiltrando-se entre os guardas. Sabemos quem foi o responsável, também morto durante o ataque.

_Graças a Deus a rainha Catherine não estava ao seu lado naquela noite, Majestade - Kit falou aliviada. - Se ela tivesse sido ferida...

_É verdade. Até o momento em que pude apanhar uma arma, estive indefeso. Você deve agradecer sua esposa, Wolf, por ela lhe ter salvo o pescoço. Não me recordo de já ter visto uma mulher brandir uma espada com tal vigor como lady Kathryn o fez naquela noite. Querida irmã, seu desempenho foi algo digno de ser visto.

Surpreso, Wolf fitou a esposa._Eu sabia de sua habilidade no manejo do

estilingue e no uso do arco e flecha. Agora a descubro capaz de manipular uma espada que deve ter a metade de seu peso.

_Majestade, fiz apenas o que julguei necessário, embora de forma bastante desajeitada - Kit confessou, corando de embaraço. - Eu... Nunca me ensinaram a usar uma espada.

_Ainda assim, nós dois lhe devemos a vida por ter demonstrado tanta presença de espírito e agido com presteza. Obrigado.

Embora achasse não ter feito coisa alguma para defender o rei, Kit aceitou os agradecimentos. Naquela noite, agira movida apenas pelo desejo de proteger o marido.

_As próximas notícias não são muito boas - Henrique dirigiu essas palavras a Wolf. - Proibi seus homens de tocarem no assunto até que pudéssemos ter certeza de sua recuperação.

_O que houve?_Philip Colston desapareceu._O conde de Windermere? - Kit indagou._Pelo contrário, minha querida. Windermere

pertence a seu marido agora. Mandei um destacamento para prender Philip e trazê-lo para Londres. Meus soldados voltaram há três dias, sem Philip, ou Agatha.

_De alguma maneira, ele deve ter descoberto o que estava acontecendo.

_E provável. Os servos foram interrogados e todos pareciam pensar que Philip estivesse em algum lugar do castelo, apesar do desaparecimento súbito.

_Eu o enfrentarei._Tenho certeza de que sim - Henrique retrucou. - E

quando o encontrar, tome as atitudes que achar necessárias. Depois que você o trouxer para Londres, Philip será julgado de acordo com as provas que me foram apresentadas. Claro que já o destituí do título de conde de Windermere.

_Agradeço-lhe, Majestade._Também, é melhor você saber que homens do

barão Somers estiveram aqui e estão a par de seu casamento com Kit. Fui informado de que o grupo retornou para Somerton vários dias atrás, portanto fique preparado para eventuais problemas. Kathryn deve ser protegida do padrasto, apesar de que o homem seria um completo idiota se pensasse em ofender um duque e, muito menos, o rei. E de conhecimento geral que tenho um interesse especial em Kit, assim como meu pai que, uma ou duas vezes ao ano, mandava um homem a Somerton para avaliar as circunstâncias.

Isso explicava os cavaleiros que visitavam Kit periodicamente, Wolf concluiu. Pena que nunca vissem a criança espancada e ferida.

_Agora, quanto ao seu pedido anterior, minha resposta é não.

Kit olhava de um para o outro, sem entender essa parte da conversa. Não tinha idéia de qual seria o pedido que o marido fizera ao rei.

_Você permanecerá aqui, na Inglaterra, resolverá a questão com Philip, porá Windermere em ordem e cuidará de suas outras responsabilidades de duque. - Henrique levantou-se, preparando-se para sair. - Não, fique sentado. Deixe os ferimentos cicatrizarem por completo. Precisamos fortalecer o norte do pais, Wolf, e conto com você para proporcionar uma boa porção dessa força.

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Wolf concordou com um aceno, enquanto Kit acompanhava o rei até a porta.

_Não se esqueça de que também tem uma esposa a quem dedicar atenção. - Henrique abraçou a irmã. - Adeus. Vocês receberão notícias minhas, de Paris. E claro que vou querer saber do desenrolar da situação envolvendo Philip.

Nicholas e Chester entraram no quarto logo após a saída do rei. Imediatamente os três homens puseram-se a discutir Windermere e o que poderia ter acontecido com Philip. Conversaram também sobre o que estaria fazendo Hugh Dryden, mandado a Windermere antes do casamento de Wolf.

Enquanto a conversa se estendia, Kit tentava descobrir qual teria sido o pedido que o marido fizera ao rei. Henrique insistira para que o amigo fortalecesse o norte e colocasse Windermere em ordem. Isso significava que Wolf não pretendera retornar ao castelo imediatamente? Havia planejado viajar para outro lugar qualquer, com a intenção de ficar longe dela? Afinal, o rei fora bastante claro ao dizer que ele possuía uma esposa agora, a qqem dedicar atenção.

Quando, por fim, a compreensão da verdade atingiu-a, Xli sentiu o coração parar de bater. Wolf pedira para acompanhar o rei na viagem à França. Sem levá-la.

_Philip deve ter amigos._Existem muitos lugares onde se esconder._Alguns de nós podem se infiltrar no castelo._Precisamos descobrir o paradeiro de Hugh. A

discussão seguiu adiante sem que Kit compreendesse o sentido de uma única palavra. Lágrimas amargas faziam seus olhos arderem e o anel de esmeraldas em seu dedo tinha um peso insuportável. Desesperava-se ao saber que jamais poderia alcançar um entendimento com o marido. Ele a queria longe. Não conseguia suportar sua presença. Fora apenas uma ordem expressa do rei que o impedira de abandoná-la. O que iria fazer, Deus do céu? Talvez casar-se com Rupert acabasse sendo uma punição menos dolorosa. Pelo menos ele não detestava sua companhia.

_Partiremos para Windermere dentro de cinco dias - Wolf afirmou. - Então serei capaz de cavalgar. Todavia, um grupo de quatro ou cinco homens irá na frente. Quero que se juntem a Hugh e vasculhem a vizinhança, vistoriem a aldeia, sigam qualquer indício possível.

CAPÍTULO XIV

Fins de junho, 1421

O ferimento na coxa de Wolf já não era nada além de uma cicatriz avermelhada, porém a ferida no peito ainda exigia cuidados e precisava ser enfaixada, especialmente durante longas cavalgadas. Um pequeno exército os acompanhava na jornada até Windermere. Nenhum dos homens leais a Wolf teria sossego enquanto Philip estivesse solto.

A princípio Kit duvidara de que o marido fosse querer levá-la consigo, depois de deixar claro que preferia manter-se distante. Assim, espantara-se quando, na véspera da viagem, Wolf lhe perguntara se já havia arrumado suas coisas. Também a mandara comprar o que necessitasse nas lojas de Londres, uma vez que em Cumbria não encontraria tais luxos.

Dominada por sentimentos conflitantes, Kit se preparara para deixar Westminster. Não havia nada que quisesse das lojas de Londres, pois Rupert já a tinha ajudado a encontrar um artesão capaz de criar o único item que desejava comprar: seu presente de casamento para Wolf. E enquanto o vira se debater, lutando contra a febre e a infecção, quase chegara a acreditar que jamais teria oportunidade de lhe entregar o precioso embrulho.

No dia da partida, ficou claro que o marido ca-minhava com facilidade, sem mancar, contudo mostrava algum desconforto ao mover o torso. Kit mandara selar a égua que trouxera de Windermere, porém não teve chance de montá-la.

_ Nicholas irá erguê-la, Kit _ Wolf falou, já sobre o garanhão enorme. _ Você cavalgará comigo.

_ Mas seu ferimento..._ Não me incomoda o bastante para ser obrigado a

diminuir o ritmo da marcha por causa de sua bela égua. _ O tom de voz não era dos mais gentis. _ A jornada até Windermere levará seis dias e não pretendo sofrer nenhum atraso.

Assim, Kit acomodou-se entre as pernas mus-culosas e partiram.

Apesar de o marido quase não lhe dirigir a palavra durante todo o dia, a proximidade do corpo viril a confortava. Ansiava lhe dizer tanta coisa, no entanto não sabia como transpor o abismo que fora cavado entre os dojs. Assim, permaneceu em silêncio durante quilômetros e quilômetros, tentando se convencer de que não o desagradava tanto quanto

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imaginava. Talvez, com o tempo, Wolf a aceitasse. Podia elaborar um piano para atraí-lo...

A proximidade da esposa o agradava intensamente. O perfume dela, como sempre, o fazia lembrar de flores frescas. Kit era tão doce e macia. Sentia-se grato por Henrique não ter permitido que o acompanhasse a Paris. Fora antes de casar-se que levara essa idéia ao rei, não querendo ficar junto de uma mulher que o rejeitava. Agora, entretanto, se sabia incapaz de suportar a distância. Kathryn Somers se tornaria. sua esposa de fato tão logo chegassem a Windermere. E era melhor que ela aceitasse o fato.

O tempo se manteve bom, o que lhes permitiu acampar ao ar livre, sem erguer tendas para protegê-los em caso de chuva, ou de vento forte. Kit sempre adormecia olhando para o céu estrelado, imaginando maneiras de fazer o marido notá-la. Wolf, porém, sempre dava um jeito de deitar-se apenas quando ela já havia pego no sono e, ao acordar, tampouco o encontrava por perto. Estava claro que se tratava de uma atitude intencional.

Ao anoitecer do quarto dia de viagem, Kit sentia-se frustrada e desencorajada. .Percebia uma aspereza no marido dificil de ser vencida. Não consegui a entender por que ele acatara a ordem do rei e a aceitara como esposa, sendo um homem que encontrava dificuldades em se curvar a vontades alheias.

Por fim, pararam numa clareira. Bastou notar a expressão abatida de Wolf para saber que o ferimento no peito o incomodava. Tão logo desmontaram, Kit apanhou um balde de água fresca no riacho e o pacote de ervas medicinais que sempre carregava consigo, algumas que lhe tinham sido dadas por lorde Blackmore.

_ Deixe-me trocar o curativo do machucado en-quanto ainda temos luz suficiente, marido.

_ Esse curativo está bom _ Wolf respondeu, receando tirar a túnica e enfrentar o toque daquelas mãos delicadas. Em Westminster, a esposa tratara de seus ferimentos cuidadosamente, continuando a fazê-lo durante todos os dias da viagem. Porém, quanto mais ela o tocava, mais a desejava. E agora não era o momento, nem o lugar, de mostrar-lhe a quem pertencia.

_ Esse curativo não serve _ Kit retrucou firme._ Você está sentindo dor e eu gostaria de saber por

quê.Se estivesse de melhor humor, Wolf teria con-

siderado cômico o modo como a esposa, quase a metade de seu tamanho, tentava arrastá-lo para perto do riacho puxando-o pelo braço.

Cedendo aos apelos afinal, ele se permitiu conduzir até um local isolado do resto do acampamento, onde havia um resto de claridade. Depois de obrigá-lo a sentar-se num tronco caído, Kit o mandou tirar a túnica enquanto preparava um bálsamo, misturando dois tipos de ervas diferentes.

_ Você esteve sangrando _ ela murmurou ansiosa, notando a mancha vermelha que cobria parte da bandagem. _ Eu não deveria tê-lo permitido sair de Westminster tão cedo.

_ Você nunca deveria ter permitido? _ A voz profunda soou levemente divertida, embora Kit não percebesse devido à extrema preocupação com o estado de saúde do marido.,

_ Exatamente, Alteza. _ Depressa, ela limpou o machucado, avaliando a extensão do estrago. Felizmente apenas uma pequena área sangrara e a ferida se mantinha fechada. Aliviada, aplicou o bálsamo que deveria auxiliar na completa cicatrização.

_ Uma vez que já chegamos tão longe, acho que não vale a pena voltarmos para Londres e...

Wolf riu, algo que não o via fazer há semanas. Embora o som agradável lhe aquecesse a alma, não a agradava ser motivo de chacota. E verdade que, por um capricho do rei, os dois estavam agora unidos pelo matrimônio, todavia não se sentia na obrigação de transformar-se em objeto de risos. Aliás, já estava sendo bastante dificil conviver com o conhecimento de que o marido a aceitara porque se vira obrigado, quando gostava de outra mulher.

_ Creio que não tardaremos a alcançar Windermere, portanto seria tolice...

_ Sempre pensei que você tinha talento para dar ordens como uma duquesa _ ele falou sorrindo.

_ Não precisa rir de mim._ Não estou rindo de você._ Sou uma duquesa, caso tenha se esquecido disso _

Kit respondeu baixinho, os olhos se enchendo de lágrimas.Oh, como o incomodava vê-la sofrer tamanha

agonia, Wolf pensou, o sorriso se apagando em seus lábios. Não a culpava por sentir-se assim, desesperada. Afinal, havia se casado com um homem a quem não queria e estava agora sendo arrastada para um velho e sombrio castelo, onde deveria passar o resto da vida ao lado de alguém a quem jamais teria escolhido para marido.

Maldito Henrique! Era evidente que Kit detestava a idéia de ser sua mulher. O rei deveria ter, pelo menos, consultado a irmã sobre o assunto antes de tomar uma decisão definitiva. Apesar de não saber o que fazer para tornar as coisas mais fáceis para Kit, Wolf se sentia na obrigação de tentar.

_ Sim, você é uma duquesa. Mas antes, uma princesa.

_ Uma princesa ilegítima, bastarda _ ela respondeu, afastando-se do marido e dando-lhe as costas.

Ilegítima? Bastarda? Que importância dava ele à identidade dos pais da esposa? Nenhuma. Todavia a questão parecia perturbá-la terrivelmente, por isso os olhos marejados de lágrimas. Seria esse o motivo do comportamento arredio? Vergonha pelo fato de os pais não haverem se casado?

Impossível. A suposição era ridícula.Movendo-se depressa, Wolf levantou-se e alcan-

çou-a. Segurando-a pelo braço, obrigou-a a fitá-lo. Então, depois de hesitar apenas um instante, beijou-a de leve na boca antes de secar-lhe as lágrimas com as pontas dos dedos.

_ O problema sou eu, esposa?Vendo a incerteza estampada nos olhos cinzentos,

Kit não soube como analisá-la. Esperara sarcasmo do marido, ou até completa rejeição. Mas não dúvidas, beijos ternos, ou carícias suaves.

_ Não. Não você. Nunca voce.Foi o bastante para levá-lo à loucura. Avidamente,

Wolf se apossou dos lábios carnudos como se quisesse devorá-la. Kit se entregou ao beijo apaixonado com igual ardor, desejando consumir-se no fogo que emanava do corpo musculoso.

Ele a queria mais do que nunca, porém não podia possuí-la ali, não no meio de seus homens, num acampamento de beira de estrada. Iria torná-la sua esposa quando chegassem ao castelo, na cama digna de uma duquesa.

_ Você sabe o quanto é desejável, mulher? Mas nossa primeira vez juntos deve ser especial...

Embora relutante, Wolf se desvencilhou dos braços femininos, surpreso ao ver um desejo feroz estampado nos olhos verdes. Kito queria também! Porém ela era muito inexperiente para entender por que hesitava.

_ Kathryn, devo possuí-la de maneira apropriada _ ele falou gentil. _ Não aqui, nao com meus homens a nossa volta.

Page 46: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Ela abaixou o olhar, embaraçada com a própria ousadia. O que o marido iria pensar a seu respeito? Mas nunca tinham lhe explicado como uma esposa deveria agir.

_ Esperaremos até chegarmos a Windermere. Somente então a farei minha mulher.

Havia gentileza embutida em cada uma das pa-lavras de Wolf e foi isso que a fez compreender a razão do comportamento masculino. Ele não a estava rejeitando, apenas mostrando-lhe respeito e consideração.

Sensibilizada, Kit ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o no rosto, murmurando:

_ Creio que esperei toda minha vida por você, meu lorde. Dois dias a mais não farão diferença.

Quando, finalmente, Wolf deitou-se para dormir horas depois, ele estava certo de que aqueles seriam os dois dias mais compridos que já enfrentara.

Kit estava decidida a fazer o casamento dar certo. Apesar de haverem dado um passo gigantesco em direção ao entendimento, ainda tinham um longo caminho a percorrer antes de desfrutarem de uma plena união de corpos e almas. Não esperava que Wolf se apaixonasse por ela imediatamente, mas pretendia fazê-lo esquecer-se de Annelise e das outras mulheres de seu passado. Sabia que uma certa visão, no lago de Somerton, o encantara e era isso que lhe dava coragem para tentar seduzi-lo, embora suas habilidades sedutoras fossem escassas.

A noite estava fresca e agradável. Kit estendeu a manta no chão e deitou-se, desejando que Wolf terminasse de conversar com os homens e viesse logo para junto de si. Quando, por fim, ele acomodou-se ao seu lado, não lhe disse uma palavra, além de dar-lhe as costas também.

Mesmo desejando abraçar Kit, Wolf não ousou se mexer. Não depois do beijo apaixonado que haviam trocado perto do riacho. Chester e Alfred estavam a poucos passos de distância. Alex, Claude e Nicholas tampouco tinham procurado um lugar mais afastado onde dormir. Portanto, não podia se deixar tentar além de sua capacidade de resistir. Sentir o perfume da mulher, mesmo sem tocá-la, já era difícil o bastante.

Incomodada pela aparente falta de consideração do marido e sem entender os motivos que o faziam manter-se distante, Kit passou um braço ao redor da cintura firme e aconchegou-se junto a ele.

_ Durma bem, marido _ sussurrou antes de adormecer.

O calor do sol ainda lhes queimava a pele quando pararam para o que seria a última noite passada na estrada. Estava terrivelmente úmido, a ameaça de uma tempestade no ar, e tudo o que Kit desejava era tirar as roupas pegajosas e banhar-se no lago que vislumbrara entre as árvores. Enquanto os homens montavam o acampamento, ela desceu a colina, levando consigo várias peças de roupas limpas.

O pequeno lago ficava no meio de árvores fron-dosas, a grama macia e verdejante se estendendo a perder de vista como um tapete espesso. Não se tratava de um lago onde se pudesse nadar e Kit sabia ser tolice aventurar-se sozinha em águas que não lhe eram familiares. Depois de certificar-se de que estava mesmo sozinha, tirou as meias, sapatos e vestido, ficando apenas com a túnica de tecido fino. A água estava deliciosamente fria, perfeita após um dia inteiro sob o sol.

Wolf vira a esposa afastar-se momentos antes e, a princípio, não se deu conta de suas intenções, pois não era incomum que ela buscasse alguns instantes de privacidade antes do cair da noite.

Mas agora, ao lembrar-se de tê-la visto levar uma muda de roupas limpas nas mãos ao descer a colina, começou a se preocupar. Com aquela propensão natural para a água, era bem provável que Kit tentasse nadar num lago estranho sozi-nha. Largando o que estivera fazendo, embrenhou-se no meio das árvores em busca da mulher.

Ao avistar Kit, seus pés pareceram fincar raízes no chão. Diante de si, estava a ninfa dourada do lago de Somerton. A única diferença era que não se encontrava nua agora, o corpo sinuoso coberto por uma túnica transparente e molhada.

Notando os mamilos rígidos e eretos sob o tecido fino, Wolf sentiu o sexo enrijecer também. Ainda seria preciso enfrentar mais uma noite horrível e um outro dia dificil sobre a sela até que chegassem a Windermere. Claro que já decidira esperar até lá, porem...

Apesar do desejo desesperador que ameaçava con-sumi-lo, sabia que devia ser paciente. Kit ficaria muito sensível para cavalgar no dia seguinte se...

_ Venha e lavarei suas costas, marido _ ela falou surpreendendo-o.

Ouvindo aquela voz rouca, convidativa, Wolf deu um passo à frente, os olhos fixos na esposa que continuava a lavar os braços e os seios lentamente, quase o enlouquecendo. Nunca antes vira uma mulher se mexer com tanta sensuali-dade. Kit era bela, sedutora. E lhe pertencia. Estava impaciente para provar o gosto daquele corpo. Oh, céus, como a quena.

Observando-o fitá-la com tanta intensidade, Kit soube que a urgência de tocar e ser tocada era mútua. Ao vê-lo mover-se em sua direção, ela começou a tremer, cheia de expectativas. Enquanto caminhava, Wolf tirou o gibão e a túnica, expondo o peito nu aos olhares ávidos da esposa.

Seu marido era um homem grande, de presença marcante. Ombros largos, cintura estreita, braços bem torneados, pernas longas e musculosas. Adorava a elegância e a graça felina com que se movimentava.

Ao entrar na água, Wolf deu-lhe as costas, es-perando que fossem lavadas. Kit ergueu as mãos para alcançar os ombros fortes, fazendo-o sentir o roçar de seus seios. Incapaz de se conter nem mais um segundo sequer, Wolf virou-se e tomou-a nos braços.

_ Que doce tortura é essa? _ indagou, beijando-a no pescoço, os lábios deslizando sensualmente até o colo muito branco.

_ Não é tortura, meu lorde _ Kit retrucou, gemendo baixinho quando um de seus mamilos foi sugado com força.

Ignorando a dor causada pelo ferimento ainda não de todo cicatrizado, Wolf tomou a esposa nos braços e carregou-a até uma das margens do lago, depositando-a sobre a grama macia e verdejante.

O céu estava se tornando avermelhado, as nuvens volumosas e o vento insistente prenunciando tempestade, entretanto nenhum dos dois percebeu a mudança no ar. Kit tinha olhos somente para o marido ansiando, desesperadamente, ser possuída.

_ Isto não está sendo como eu planejei._ Como poderia a cama de um duque ser mais

adequada _ ela sussurrou, acariciando-o nos cabelos -, ou mais grandiosa? _ Sem experiência anterior para guiá-la, Kit se deixou levar pelo instinto, deslizando as mãos pelo corpo do marido, explorando cada centímetro da pele morena. _ Quero apenas você.

Instigado pelas palavras da mulher, Wolf arrancou a túnica molhada que a cobria e a acariciou no meio das coxas, até tocá-la intimamente, exultando ao senti-la estremecer.

Page 47: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Ao redor de ambos, o vento uivava, o céu, antes vermelho, agora quase negro. Mas nada importava. Desde tempos imemoriais, o mundo daqueles que se entregam à paixão se resume aos corpos um do outro. Mãos, lábios e línguas transformados em meros instrumentos de prazer.

_ Toque aqui..._ Não pare..._ Você é tão incrivelmente deliciosa..._ Por favor. Wolf...Trovões rugiam ao longe, porém nenhum dos dois

parecia ouvir, consumidos no fogo eterno. Cada nervo de Kit vibrava. Nunca se sentira tão viva, tão poderosa.

_ Doce Kit, receio machucá-la._ Você irá me machucar apenas se continuar se

reprimindo. Por favor, me ensine, me mostre como lhe dar prazer.

Enquanto a beijava na boca, Wolf penetrou-a com uma única investida. O ritmo inicial, lento e cadenciado, foi se tornando frenético até que ambos explodiram num clímax violento, nascido do desejo mútuo.

_ Você não está muito dolorida? _ Wolf perguntou depois de muito tempo, aconchegando-a ainda mais junto a si.

_ Não, meu lorde. E você? Eu o machuquei? _ ela indagou com um sorriso malicioso, enquanto o acariciava no peito sensualmente.

_ Sim _ foi a resposta provocante._ Então, diga-me, como posso remediar o

problema?_ Deixarei que você decida como _ ele murmurou,

estremecendo ao senti-la tomar um de seus mamilos na boca. _ Estou inteiramente a sua mercê.

CAPÍTULO XV

Quando ficou claro que a tempestade desabaria sobre o local onde haviam erguido o acampamento, os homens armaram tendas para protegê-los da chuva~ Wolf os ajudou, só se reunindo a Kit depois de certificar-se de que os animais e suprimentos estavam seguros.

Encontrou-a cochilando no centro da pequena tenda reservada aos dois, coberta por várias camadas de peles. Despindo-se, acomodou-se junto à mulher, puxando-a para junto de si.

_ Está chovendo _ falou baixinho, notando que acabara por acordá-la.

_ Posso ouvir _ Kit murmurou, sentindo-se como se ambos estivessem sós no mundo, aninhados dentro de um casulo quente e aconchegante. Experimentava uma sensação maravilhosa de segurança entre aqueles braços fortes, a vela acesa num canto, a única fonte de luz. Podia ficar assim dias e dias, desde que o marido continuasse ao seu lado.

_ Você está aquecida o bastante?_ Hum, hum... _ Ela estendeu braços e pernas e

suspirou, contente.O modo como as curvas suaves da esposa o

pressionavam o fazia arder de desejo. Temia que tudo estivesse acontecendo depressa demais para o bem de Kit e embora a tivesse possuído apenas uma hora atrás, desejava-a novamente.

Determinado a sufocar a ânsia de tê-la, apoiou o antebraço no chão e perguntou-lhe sobre uma das coisas que Henrique dissera antes de partirem de Londres.

_ Você não me falou nada sobre como salvou minha vida na noite do ataque.

_ O rei exagerou._ Acho que não. Pelo contrário, Henrique sempre

foi parcimonioso em seus comentários._ Suponho que sim._ Então o que aconteceu? Lembro-me de que estava

escuro quando entramos no corredor e os atacantes surgiram de todos os cantos.

_ Henrique não tinha uma arma com a qual se defender _ Kit respondeu, mergulhando nos olhos penetrantes do marido, notando o rosto recém-barbeado. Agradava-a que ele houvesse tido esse cuidado antes de deitar-se. _ Você o protegeu até que o rei, finalmente, pôde apanhar uma espada de um dos homens caídos.

_ Recordo-me de ter sido atingido nessa hora._ Sim... no peito. Estávamos em desvantagem

numérica. Dois dos Lolltards o atacavam ao mesmo tempo e temi que você não fosse capaz de se defender... Tive medo de que acabasse sendo morto.

_ E?Kit contou como conseguira arrancar uma espada

de sob um dos corpos e usá-la para se proteger até alcançá-lo._ . . .então eu dei uma pancada no homem.

Pancada?_ Sim. Dei uma pancada naquele que o cortou na

perna _ ela repetiu, enfatizando a palavra boba. _ Girei a espada com toda a força possível e o acertei na cabeça.

_ Você lhe deu uma pancada. _ A presença espírito e o destemor da esposa tanto o divertia quanto impressionava. Duvidava de que existisse uma outra mulher, em toda a Inglaterra, que teria ido em seu auxílio com uma espada cujo peso mal podia sustentar.

_ Realmente, Wolf, minha técnica pode ter deixado a desejar, mas o resultado final me satisfez por completo.

_ A mim também _ ele devolveu sorrindo._ Meu lindo vestido ficou arruinado. Você o cobriu

de sangue._ Lembro-me de ouvir alguém chorando._ Não era para você ter escutado nada._ Por quê? _ Mãos fortes a acariciaram no rosto

devagar, como se quisessem gravar na memória cada detalhe da beleza delicada.

_ Sempre pensei que não se deve chorar perto um moribundo _ ela explicou com um sorriso maroto. _ Acaba fazendo-o perder as esperanças.

Page 48: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Ao acordar, Kit descobriu-se só. Envolvida pela tênue luz matinal, que penetrava na tenda através de minúsculos orifícios, vestiu-se. Então saiu e olhou ao redor. Ninguém por perto. Como oitenta homens haviam conseguido desaparecer sem fazer ruídos suficientes para despertá-la?

Aproveitando os momentos de completa solidão, foi até o riacho e lavou-se rapidamente, perguntando-se onde estaria o marido. Por um breve instante pensou na possibilidade de haver sido deixada para trás, mas logo se repreendeu pela tolice. Gostaria de acreditar que Wolf jamais a abandonaria, depois da noite anterior, marcada pela in-timidade e paixão, contudo sabia ser apenas o dever o que o mantinha ao seu lado. O orgulho e o profundo sentimento de honra não o permitiriam abandonar a esposa, por menos que a apreciasse.

Ao voltar para o acampamento, sentou-se perto do fogo para secar os cabelos, agradecendo a Deus pelo fato de o duque de Carlisle não ser o velho decrépito que imaginara. Os sentimentos que nutria pelo marido eram tão fortes que apagavam a vergonha de ter se entregado a Wolf com tanto abandono e despudor.

Wolf mandara a maioria de seus homens seguir adiante logo cedo, não desejando despertar a esposa e colocá-la sobre uma sela ao amanhecer. Queria saborear mais uns momentos a sós com ela, antes de chegar a Windermere e ser soterrado pelas inúmeras responsabilidades e problemas que o aguardavam.

Apenas doze homens permaneceram, com ordens para acompanhá-los a uma distância discreta.

Ao retomar ao acampamento, encontrou a esposa sentada junto ao fogo, desembaraçando os longos e perfumados cabelos.

_ Você está com fome? _ indagou, aproximando-se. _ Aqui está um pouco de carne do jantar de ontem à noite. Darby, nosso cozinheiro, fez questão de lhe reservar a melhor parte.

Enquanto a esposa se alimentava, Wolf pôs-se a lhe escovar os cabelos com uma delicadeza extrema.

_ Não os prenda hoje, Kit. Seus cabelos soltos me agradam tanto.

Vendo-a em silêncio, quase tímida, ele desejou deixá-la à vontade, embora não soubesse como. Mulheres eram criaturas tão diferentes. O que fazer para relaxá-la? Tocá-la? Manter unia conversa?

_ No quê está pensando agora?_ Pensando?_ Sim. Quando cheguei, percebi que você sorria,

enquanto penteava os cabelos. Dava a impressão de que algo a divertia.

Kit enrubesceu, lembrando-se de que pensava na noite tórrida passada nos braços do marido.

_ Não estava pensando em nada._ Ora, vamos. Com certeza não era nada. Ouça,

ontem à noite..._ Não, não _ ela o interrompeu, temendo dar a

entender que algo a desagradara, o que estava longe da verdade. _ Eu estava apenas me lembrando de uma coisa.

_ Sim?_ Quando o conde de Langston me disse que eu

deveria me casar com o duque de Carlisle, imaginei que o duque seria um homem já bastante idoso, frágil.

_ Você está me dizendo que Langston não lhe falou que eu era Carlisle?

_ Isso mesmo, Wolf. Ninguém me disse nada._ Por que você acha que desmaiei quando o vi na

noite do banquete?

_ Por quê, Kit? Por que você desmaiou?_ Eu... eu realmente não sei _ ela murmurou,

embora soubesse que fora a simples presença de Wolf o que a afetara tão profundamente. _ Eu já andava preocupada desde que fui informada sobre Henrique, o velho rei, ser... meu pai. Sempre fui levada a crer que meu pai havia sido um cavaleiro honrado, que morrera em batalha antes de meu nascimento. _ Kit estremeceu, tendo dificuldades para enfrentar, mais uma vez, a mentira que fora sua vida e a verdade que poderia arruiná-la dali em diante.

Wolf passou um braço ao redor dos ombros da esposa. Seria verdade que ela não soubera mesmo a identidade do homem com quem deveria casar-se? Que chorara junto ao peito de Rupert por outro motivo qualquer e não por ser obrigada a aceitá-lo para marido?

_ Num mesmo dia descobri que era bastarda e que deveria me casar com um velho duque... Assim, estava sorrindo hoje pela manhã porque me agrada muito meu marido ter se revelado uma pessoa bem diferente da figura de um nobre idoso e vacilante. Aliás, meu marido é um cavaleiro dos mais fortes e imensamente talentoso.

Cheio de ternura, Wolf beijou-a nos lábios. Diante da reação ardente da mulher, aprofundou o beijo enquanto a despia.

Dali a instantes, nenhum dos dois foi capaz de pensar mais coisa alguma.

_ Fale-me sobre Windermere _ Kit pediu, dividindo a sela de Janus com o marido, feliz entre os braços fortes que a rodeavam.

_ Nasci em Windermere. _ Nunca antes ele se sentira à vontade para falar do passado, ou de sua família, com quem quer que fosse. Porém descobria-se ansioso para abrir a alma a Kit. De uma maneira indefinida, seu passado era agora dela também. E assim que lhe contasse tudo, talvez conseguisse fechar aquela porta para sempre. _ Era o filho mais novo de Bartholomew e Margarethe Colston. John, o primogênito, era seis anos mais velho do que eu e havia também Martin, que morreu de uma doença dos pulmões aos doze anos. Na ocasião, eu devia ter uns seis, sete anos. Minha mãe deixou a Inglaterra após a morte de Martin, para passar um tempo com os pais. John e eu não parecíamos capazes de confortá-la e tampouco nosso pai, embora eu fosse muito novo na época para entender o que se passava, ou muito do que aconteceu.

Durante meses a depressão de Margrethe, devido à morte de Martin, foi se acentuando até chegar a um grau insuportável. Preocupado com a saúde mental da mulher e achando que lhe faria bem mudar de ares, Bartholomew resolvera mandá-la para Bremen, na esperança de que, sob os cuidados dos pais, ela conseguiria se recuperar mais rapidamente.

O plano poderia ter dado certo, se não fosse pelo que acontecera a Bartholomew e John no caminho para Bremen, muitos meses depois. Então o destino de Margrethe fora para sempre selado. Ela nunca conseguiu sair do estado de profunda prostração em que caíra, passando os vinte anos seguintes praticamente vegetando.

_ Mas sua mãe tinha você, não tinha? Sua sobrevivência não lhe deu motivos para...

_ Não. Minha sobrevivência não teve importância. Durante algum tempo eles cavalgaram em silêncio. Kit só conseguia pensar no marido, ainda menino, sofrendo a perda do pai e irmãos, precisando partilhar a dor extrema com a mãe. Entretanto Margrethe se fechara num mundo interior, onde não havia espaço para o filho. Naquele instante ela jurou que estaria sempre ao lado de Wolf, apoiando-o. E aos filhos que teriam juntos.

Page 49: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_ Quem foi o responsável pela emboscada que resultou na morte de seu pai e irmão? A identidade do criminoso foi descoberta?

_ O marquês de Kendal, aliado e amigo de meu pai, tentou investigar o ataque e os rumores que se seguiram à tragédia. Mas o rei o desencorajou. Henrique V estava vivendo uma fase bastante insegura na época, tendo que abafar revoltas e ameaças constantes. Vários anos se passaram antes que Henrique soubesse em quem confiar. Mesmo assim, não podia ter muita certeza da lealdade daqueles que o cercavam. Kendal me disse ter certeza de que Clarence e Philip Colston estavam por trás da emboscada, embora não pudesse provar. Até que eu lhe mostrei o anel e o pergaminho encontrados no quarto de Agatha.

Quando meu pai e os filhos partiram para a Alemanha, houve uma tentativa de assassinato contra o rei. O matador de aluguel, contudo, conseguiu escapar, quando o plano fracassou. Entretanto, ao fugir, deixou cair uma bolsa contendo algumas moedas de ouro e uma carta com o velho brasão dos Colston. Foi o bastante para convencer Henrique de que o conde de Windermere tinha atentado contra sua vida. Para completar, Bartholomew havia saído da Inglaterra, portanto, fugido, temendo que a tentativa de assassinato falhasse.

Um dos escribas de seu irmão, em Westminster, conseguiu decifrar o que estava escrito no pergaminho. Kendal já havia reconhecido a assinatura e o brasão de Owen Glendower, um galês inimigo de Henrique IV. O problema eram as palavras, desbotadas e distorcidas, quase impossíveis de serem lidas.

_ E o que diziam?A voz de Wolf soou fria._ Na carta, Glendower meramente parabenizava

meu tio Clarence e o filho, Philip, por terem planejado dar cabo de Henrique e ainda obter o título de conde no processo. Fora uni golpe de génio fazer com que Windermere caísse nas mãos de Clarence, além de jogar a culpa sobre os ombros de Bartholomew. Tommy Tuttle havia sido uma boa escolha para executar o serviço.

_ Tommy Tuttle!_ O homem contratado para matar o rei. Nunca

consegui localizar Tuttle _ Wolf falou _ , porem alguns de seus companheiros de crime ainda continuam perambulando por Londres. Soube apenas que Tuttle tinha ligações com os galeses, pois ninguém parecia muito disposto a falar sobre atividades envolvendo Glendower vinte anos atrás.

_ Então você não precisou de Tuttle para confirmar suas suspeitas diante de Henrique?

_ Não, apesar de eu haver desejado apresentar cada prova obtida. Todavia, descobri que Tuttle não sabia ler.

_ Não devia ser uma grande surpresa, Wolf. Não são poucos os que não podem ler.

_ Não, não foi uma grande surpresa. Por outro lado, por que uma criatura analfabeta iria carregar consigo instruções por escrito de como matar o rei, além de possíveis rotas de fuga? Por que, convenientemente, deixar cair no chão uma bolsa com o bilhete e o dinheiro do pagamento?

_ Hum... Suponho que Henrique acabou concluindo que seu pai foi vítima de um complô, sendo acusado injustamente?

_ Sim. Foi o que aconteceu._ E quanto a Philip agora? E Agatha?_ Bem, quanto a Agatha... Nós sempre presumimos

que ela houvesse feito parte do plano._ Nós?_ Meu avô e eu. Meu avô se chama Rudolph e mora

em Bremen.

Então Bridget estivera certa. Wolf era neto de um príncipe.

_ Quando Hugh me levou para a abadia, depois do ataque...

_ Hugh?_ Hugh Dryden. Você o conhece, Kit. Ele me

acompanhou a Somerton.Sim, claro que lembrava-se de Hugh, um soldado

valente e reservado, alguns anos mais velho do que Wolf._ Foi Hugh quem salvou minha vida e me levou

para a abadia de São Lúcio, depois do ataque no caminho para Bremen. Eu não teria sobrevivido sem sua ajuda. Meu avô imediatamente suspeitou de que Clarence e Philip fossem os responsáveis pelas mortes de meu pai e irmão. _ A voz de Wolf vibrava de emoção, porém ele seguiu em frente. _ Eu era muito jovem para entender o que acontecera na época porém, quando cheguei a uma certa idade e comecei a falar sobre voltar para a Inglaterra, meu avô me falou de suas suspeitas.

_ E por isso que você passou a usar o nome de seu avô ao voltar para a Inglaterra?

_ Sim. Eu não podia retomar afirmando ser Wolf Colston, herdeiro de Windermere, não é? Meu avô nunca chegou a acreditar, realmente, que eu conseguiria provar a culpa de Philip. Todavia, como não sou seu herdeiro, ele não se incomodou muito ao me ver partir da Alemanha. Quanto a Nicholas... Bem, Nicholas tampouco foi um de seus netos favoritos. O velho Rudolph vai ter um ataque quando for informado de que Nicholas é agora visconde.

Kit sorriu, mesmo sem entender por que o velho príncipe alemão ficaria irritado ao descobrir o sucesso dos netos.

_ Meu plano era servir bem a Henrique e lhe conquistar a confiança. Depois então eu iria para Windermere e tentaria encontrar uma maneira de expor Philip. Nunca me passou pela cabeça que Agatha poderia apresentar as provas de que eu necessitava. Aliás, dizia-se que ela havia morrido anos atrás. Porém você a viu e não se tratava de um fantasma.

_ Não. Agatha era de carne e osso._ Quer ela estivesse, ou não, envolvida na cons-

piração contra minha família, está claro que me reconheceu ao chegarmos a Windermere.

_ Acho que a velha dama queria me dizer que você era o herdeiro legítimo, mas só falava em charadas. Talvez fosse louca.

_ Por algum motivo, Agatha queria ver Philip destruído. Não posso pensar em nenhuma outra razão para haver mandado me entregar o anel de meu pai. De fato, John Beauchamp acredita que Agatha tem sido mantida como prisioneira dentro do castelo.

_ Fico me perguntando se alguém sabe da exis-tência daquela passagem secreta _ Kit comentou estremecendo.

_ Duvido. Passei os nove primeiros anos de nunha vida dentro de Windermere, explorando cada centímetro do castelo, e fiquei surpreso quando você me contou sobre a porta atrás da tapeçaria.

_ Que será que aconteceu com ela?_ Francamente, estou mais interessado no que possa

ter acontecido a Philip._ E Hugh? Onde ele tem estado nessas últimas

semanas?_ Em Windermere. Mantendo meu primo Philip sob

cerrada vigilância.

Page 50: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

CAPITULO XVI

Eles estavam cavalgando há horas quando Wolf finalmente conduziu Janus para fora da estrada. Depois de ajudar Kit a descer, tomou-a pela mão e a conduziu por um caminho estreito, cercado de árvores. Então puseram-se a subir uma colina de densa vegetação, o barulho de água caindo cada vez mais próximo.

_ Onde estamos? _ ela perguntou, imaginando se iriam subir até o topo.

_ Em Windermere. Quero lhe mostrar algo. Agradava-a que o marido quisesse levá-la a um lugar especial, pois o gesto simples revelava consideração. Embora ele nunca houvesse lhe dito uma única palavra amorosa, percebia que começava a ser aceita. De fato, quando se deitavam juntos, se o prazer de Wolf era tão grande quanto o seu, estava certa de que lhe inspirava pelo menos sentimentos temos. Assim, cultivava a esperança de que essa relação ainda poderia ser satisfatória.

_ É lindo! _ Kit exclamou ao chegarem ao topo da colina. De lá, escondidos no meio de árvores frondosas, avistavam uma cachoeira a uns dez metros adiante e, ao norte, o castelo de Windermere.

_ Minha mãe adorava esse lugar _ Wolf falou com uma pontada de melancolia. _ Meus irmãos, meu pai e eu costumávamos vir aqui. A última vez em que estivemos juntos, nesse mesmo local, foi logo antes de partirmos para Bremen. Queriamos olhar Windermere antes de nos pormos a caminho. Esta é a primeira vez que volto aqui desde que era criança. _ Por um longo instante, ele ficou em silêncio, considerando o que estava para dizer. _ Ouça, Kathryn, até meu primo Philip ser encontrado, não terei sossego. Você deve ter cuidado. Sempre sair acompanhada.

Embora a preocupação do marido a sensibilizasse, Kit preferia não se tornar uma carga, uma fonte de ansiedade extra.

_ Você acha mesmo que ele me faria mal?

_ Sem dúvida _ Wolf tomou-a nos braços, os olhos cinzentos fitando-a atentamente. _ Não se pode confiar em Philip. Você entende? Não aniscarei sua segurança.

_ Mas até agora sempre consegui tomar conta de mim mesma e não...

_ Você não se dá conta da extensão do perigo. Não o conhece como eu o conheço.

Percebendo a inquietação de Wolf e a determinação de convencê-la a cooperar, concordõu.

_ Está bem. Diga-me o que você quer que eu faça.Uma enorme sensaçao de alívio inundou-o. John

Beauchamp estava certo quando dissera haver algo de doentio na personalidade de Philip. Lembrava-se de incidentes acontecidos durante a infância de ambos que comprovara o fato.

Tomando a esposa pela mão, Wolf a fez sentar-se à sombra de uma árvore.

_ Em primeiro lugar, nunca subestime Philip. Trata-se de um homem traiçoeiro, violento, apesar da impressão contrária que pode ter lhe causado quando você o conheceu.

_ Pois ele me pareceu frio e insensível._ Duas de suas características menos perigosas.

Torno a repetir, esposa, não sei onde meu primo está escondido, embora seja possível que Hugh já o tenha encontrado agora. Senão, quero-a atenta, vigilante. Um de meus homens a acompanhará sempre que desejar sair do castelo. Não vá cavalgar sozinha, ou tente ir à aldeia desa-companhada, informe a alguém de seu paradeiro se pretender se ausentar.

Mas Wolf... _ Kit protestou um tanto hesitante, em pânico diante da idéia de que o marido planejava deixar Windermere sem levá-la consigo.

_ Onde você estará?_ Eu? _ O sorriso dele, belo e sugestivo, a fez

prender a resplrãção._ Sim. Não tenho o menor desejo de permanecer

em Windermere se você não.., isto e..._ Você acha mesmo que eu poderia abandoná-la

outra vez? _ ele indagou, fitando-a atentamente._ Outra vez?_ Deixei-a sozinha em Londres._ Sim, é verdade. _ Lembrava-se de como se

sentira desolada em Westminster, depois da partida de Wolf. Lembrava-se de haver descoberto, então, que o homem a quem queria não era Rupert e sim o cavaleiro alto, de cabelos negros e olhos cinzentos. O cavaleiro que a rejeitara.

Acariciando os cabelos da mulher, Wolf puxou-a para si, beijando-a de leve na testa. Kit era tão imprevisível, tão diferente de tudo o que sempre imaginara desejar.

_ Seus cabelos... Você nunca os deixou descobertos até chegarmos a Londres.

_ Eu tinha medo _ ela confessou simplesmente. _ Pensei que acabaria me reconhecendo como a mulher do lago de Somerton. Afinal, quando estávamos no castelo de Kendal, e eu era apenas eu, você deixou claro que não me queria.

_ Apenas porque sabia não ter nenhum direito de tomá-la para mim. Afinal, estava comprometida.

_ Mas eu pensei..._ Pois pensou errado. A verdade era que eu não

suportava a idéia de entregá-la a Rupert Aires quando chegássemos a Londres. Achei que seria melhor fazê-la se zangar comigo, manter distância, me agarrar à realidade sem alimentar sonhos impossíveis.

Num impulso, Kit levantou-se, cruzando os braços sobre o peito. O bom senso mandava-lhe ter cautela, entretanto o coração ansiava acreditar no que acabara de ouvir.

Page 51: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Queria crer que o marido colocara distância entre os dois apenas para se poupar da dor de vê-la nos braços de outro.

E quanto à tal da Annelise? Wolf teria hesitado porque alimentava sentimentos ternos em relação à ex-noiva?

Por um longo instante, ela manteve-se em silêncio, os olhos fixos na bela cascata de água. Deveria contar a Wolf como se desesperara em Westminster, temendo nunca mais tomar a vê-lo? Como sua vida lhe parecera tão vazia e sem sentido?

_ Senti sua falta terrivelmente _ ela confessou afinal, a voz apenas um murmúrio.

_ Eu não fazia idéia. Pensei que você e Rupert..._ Rupert foi um enorme erro de minha parte. Não

tardei a perceber que ele era bem diferente do que eu havia idealizado durante aqueles anos todos.

_ O que você está dizendo, esposa? Por acaso não se arrepende de haver aberto mão do noivo de infância?

_ De maneira alguma. E disse isso mesmo a Rupert, embora creia que o tenha insultado. De fato, quando conversamos sobre esse assunto, eu estava bastante abalada pois, na noite anterior, o conde de Langston havia me contado a verdade sobre minhas origens. Por obra do acaso, encontrei-me com Rupert no jardim do palácio, mas não tive coragem de lhe falar sobre Meghan e o rei. Assim, contei sobre meu noivado com você, ou melhor, com o duque de Carlisle.

O sol estava começando a se pôr e Kit fitou o castelo de Windermere, a construção imponente envolvida num halo de luz avermelhada. Não tinha idéia de como Wolf aceitaria a revelação que acabara de lhe fazer. Chorara por causa de sua origem bastarda, não porque ia se casar com ele.

_ Falei a Rupert ter sempre imaginado que, um dia, iríamos nos casar. Claro que o coitado se surpreendeu quando afirmei que ele seria um péssimo marido.

_ E verdade _ Wolf respondeu, aproximando-se da mulher, a voz suave e sedutora. _ E quanto a mim? Que tipo de marido você acha que serei?

Kit mergulhou nos olhos cinzentos, desejando encontrar uma resposta fácil. Não sabia como um cavaleiro, do porte e da força de Wolf, reagiria se lhe abrisse o coração. Como dizer-lhe que o considerava afetuoso e gentil, terno e atencioso, apesar de ser obrigado a suportar uma esposa que não escolhera?

Devagar, retirou um pequeno embrulho que trazia guardado no bolso da saia desde a partida de Westminster, à espera do momento certo de o entregar. Queria que o marido compreendesse ser essa sua resposta.

_ Mandei que fosse feito para você, em Londres. Wolf desembrulhou o presente e, ao erguer a tampa da caixinha, deparou-se com um anel de ouro. Kit desejava que esse se tornasse o brasão do duque de Carlisle. Dentro de um pequeno círculo, a cabeça de um lobo, em cujo peito fora gra-vada uma rosa. Abaixo do círculo, dois rubis de tamanho médio.

Ao erguer os olhos para fitá-la, a expressão de Wolf revelava a mais profunda compreensão. Ficando na ponta dos pés, Kit o beijou na boca, seduzindo-o, incitando-o a corresponder à carícia com igual ardor. E quando os dois se abraçaram, já não se sabia onde começava um e terminava o outro.

Tão logo iniciaram a descida da colina, uma nuvem de pó ao sul de Windermere chamou-lhes a atenção. Uns seis ou sete cavaleiros galopavam a uma velocidade vertiginosa.

_ Quem você acha que são? _ Kit perguntou ao marido.

_ É difícil ter certeza a essa distância, embors me pareça Nicholas na dianteira.

_ Mas por que essa pressa toda?_ Talvez tenham encontrado Philip e estão ansiosos

para me informar. Se for o caso, nossas preocupações estarão resolvidas.

Apesar de saber que o marido não acreditava muito nessa possibilidade, sentiu-se grata pela tentativa de tranqüilizá-la.

_ Vamos aguardaï aqui, onde é possível enxergá-los com clareza. Nossa escolta irá interceptar quem quer que se aproxime.

_ Escolta?_ Temos doze homens cuidando da retaguarda.Doze homens? Seguindo-os? Kit enrubesceu,

lembrando-se dos momentos de paixão perto da cachoeira. Envergonhava~a pensar que doze soldados haviam estado tão perto, quem sabe até vislumbrando-os, enquanto...

_ Não fique agitada, esposa _ Wolf apressou-se a acalmá-la, percebendo o que a afligia. _ Escolhi aqueles poucos que entendem o significado da palavra privacidade.

_ Não estou agitada _ ela respondeu nervosa._ Nunca fico agitada. Mas você podia ter me dito

que havia homens ao nosso redor._ Não ao nosso redor. Para ser exato, são setenta e

tres soldados a nossa frente e doze atrás, a uma distância segura para proteger a retaguarda.

_ Hum._ Veja. É Nicholas. _ Tomando-a pela mão, Wolf

pôs-se a caminhar na direção da estrada, puxando Janus pelas rédeas. _ Dougltas, Alfred e Claude estão com ele também. Três dos homens que partiram de Londres, dias atrás. Vamos descobrir a razão dessa pressa?

Apesar da crescente escuridão, Wolf a conduziu através do bosque com a rapidez e segurança de quem conhecia cada centímetro daquele chão.

Os cavaleiros diminuíram a velocidade ao avistá-los e, imediatamente, os oito desmontaram.

_ Está... tudo bem, Alteza? _ sir Edward indagou, lançando um olhar de soslaio para Nicholas. De repente, Kit teve certeza absoluta de que todos sabiam onde ela e o marido haviam estado e o que estiveram fazendo. Envergonhada, corou até a raiz dos cabelos.

Sem pressa, Wolf fitou cada um dos homens, como se os examinasse.

_ Tudo está, definitivamente, muito bem. _ O sorriso naquele rosto desconsertava vários dos soldados, sempre acostumados ao semblante sombrio.

_ Que notícias urgentes me trazem para cavalgarem nessa velocidade suicida? Não nos falamos ainda pela manhã, Nicholas? Que aconteceu em Windermere em tão poucas horas para fazê-lo vir à minha procura?

_ Temos muito a discutir, primo. Como a noite caía, começamos a ficar preocupados com sua ausência. Em primeiro lugar, ninguém viu HTugh Dryden nos últimos três dias.

O sorriso de Wolf se apagou no mesmo instante._ Em segundo lugar, alguns dos capangas de Philip

foram vistos na aldeia, mas desapareceram antes que pudessem ser apanhados. Só terei sossego quando você, e lady Kathryn, estiverem cercados pelas muralhas do castelo.

_ Conte-me o resto enquanto nos pomos a caminho. _ Num movimento rápido, Wolf colocou a esposa sobre a sela.

Antes de montar, Nicholas o avisou:_ O barão Robert Wellesley e a filha o aguardam

em Windermere. Além do barão Somers e três de seus homens.

_ Somers! Eu deveria ter imaginado.

Page 52: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_ Wolfl _ Kit gritou no momento em que uma flecha cortou o ar, ficando espetada na sela de Janus. Assustado, o cavalo empinou o corpo e ela só não caiu porque se agarrou na crina escura com todas as forças. Antes que Wolf pudesse controlar o enorme animal, outra flecha passou zunindo. Lançada para fora da sela, Kit perdeu a consciência.

Temendo que a esposa acabasse pisoteada pelo garanhão, Wolf atirou as rédeas para Nicholas e correu para livrá-la do alcance das patas maciças. Tomando-a no colo, carregou-a para junto das árvores, protegendo-a com o próprio corpo das flechas que continuavam a cortar o ar. Enquanto alguns dos soldados procuravam se abrigar também, três deles saíram ao encalço dos arqueiros que, com certeza, estavam escondidos num ponto mais alto da colina, no meio da vegetação espessa.

Sentado no chão, com a mulher nos braços, Wolf indagou ansioso, vendo-a voltar a si:

_ Você está bem? _ Gentil, acariciou-lhe os cabelos.

_ Sim. Apenas um pouco dolorida. _ A cabeça latejava terrivelmente, o tornozelo, ombro e quadril esquerdos também doíam, porém já havia sofrido coisas piores. Daria um jeito de sobreviver a esse pequeno episódio, como sobrevivera aos outros.

Wolf entretanto, não conseguia enfrentar a situação de maneira tão filosófica. Visões sangrentas da emboscada que resultara na matança de sua família vinham-lhe à mente com uma clareza assustadora. Queria urrar de ódio. Seus homens, talvez a unidade mais bem treinada da Inglaterra, não tinham sido capazes de impedir que Kit se ferisse. No auge da raiva, jurou a si mesmo jamais tornar a se encontrar numa posição tão vulnerável outra vez.

_ Onde está doendo, esposa? _ ele perguntou, fitando-a ansioso.

_ Minha cabeça dói um pouco, mas o resto não é nada. Ficarei bem.

_ Mostre-me seus ferimentos._ Não, meu lorde. Não aqui... com todos os seus

homens em volta._ Ninguém está perto de nós, esposa. Mostre-me

seus ferimentos.Devagar, Kit abaixou um pouco o corpete para que

o marido pudesse examinar-lhe o ombro. Então levantou a saia, expondo o tornozelo e o quadril.

_ Está vendo? Não é assim tão mal. Já convivi com machucados piores. Além do mais, me recupero depressa. _ Apesar da dor, ela se esforçava para falar animadamente, tentando dar a impressão de que tudo fora apenas um acontecimento banal.

Furioso que a esposa tivesse sido, mais uma vez, vitima de violência, Wolf cerrou os dentes.

_ Irá sarar logo _ ela insistiu. _ Mesmo quando o barão Somers quebrou meus...

A expressão sombria do marido a fez compreender que não deveria ter mencionado o padrasto. Assim, calou-se.

_ Quebrou o quê?_ Bem, eu só queria reassegurá-lo de que ficarei

boa. Costumo me recuperar com facilidade._ Somers quebrou o quê?_ Meus dois dedos _ Kit respondeu depois de

alguma hesitação. _ Mas foi anos atrás, meu lorde.Conhecendo o ódio que Wolf nutria pelo barão, ela

desejou não ter dito nada. Não fora boa idéia dar ao marido mais motivos para odiar Somers, que os aguardava no castelo de Windennere. Porém o grande vilão dessa história era Phulip Colston, não Thomas Somers e era importante se lem-brar sempre disso.

_ Como está ela? _ Nicholas perguntou, apro-ximando-se de Wolf. _ Um pouco pálida... Será capaz de cavalgar?

Kathryn concordou com um aceno de cabeça._ Então está na hora de levar sua noiva para casa,

primo.

CAPÍTULO XVII

Castelo de Windermere1 de julho de 1421

Os doze homens que os haviam escoltado até então foram encarregados de perseguir os atacantes, enquanto os outros oito, vindos de Windermere, acompanharam o duque e a duquesa até o castelo. Wolf cavalgava devagar, mantendo Kit praticamente no colo, temendo que os ferimentos pudessem piorar. Irritava-o não ir, pessoalmente, atrás dos bandidos, todavia a segurança da esposa vinha em primeiro lugar.

Amargurava-o sabê-la ferida, vulnerável. Já es-tivera em tantas batalhas, já presenciara tantos combates sangrentos sem que perdesse a calma. Entretanto, quase ficara fora de si ao vê-la inconsciente, sob as patas de Janus.

Ao chegarem a Windermere, Wolf carregou Kit até os aposentos principais e depositou-a na cama, dizendo a Nicholas para acender todas as velas. Tudo ali, a mando de Wolf, tinha sido limpo e totalmente redecorado. Não havia

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nada da atmosfera escura e úmida do cômodo que Kit partilhara com Bridget ao visitarem o castelo pela primeira vez. Aliás, os aposentos destinados ao duque e esposa se sobressaíam pela simplicidade e elegância. Nem sinal de tapeçarias pesadas nas paredes, para esconder passagens secretas, ou de cortinas escuras nas janelas. As ervas secas que costumavam cobrir o chão tinham sido varridas e substituidas por um tapete de lã, igual ao que vira apenas nos aposentos do rei, em Westminster. Um vaso grande de rosas vermelhas fora colocado sobre um dos baús e havia mais rosas enfeitando a cornija da lareira. As flores a faziam lembrar-se de seu jardim em Somerton. Não podia ser mera coincidência. Só não sabia como o marido havia feito para que as coisas fossem preparadas ao gosto dele tão rapidamente.

_ A situação não é nada boa, primo _ Nicholas falou, tão logo ficaram os três sozinhos no quarto, longe da curiosidade dos servos. _ Mas um homem, correspondendo à descrição de Hugh, foi visto na aldeia ainda na semana passada. O problema e que ninguém tornou a vê-lo. Hugh simplesmente desapareceu.

_ Desapareceu? _ Wolf indagou atônito. _ Como pode um homem adulto desaparecer?

_ Não sei. Sei apenas que o cavalo e os pertences de Hugh continuam na hospedaria da aldeia, embora ele não tenha ido até lá nos últimos três dias.

_ E quanto a Philip? _ Sentando-se na cama, ao lado da esposa, Wolf tomou-lhe as mãos entre as suas. Bastou sentir aquele simples toque para

Kit estremecer de prazer esquecida, por um mo-mento, das dores que a afligiam. Não queria pensar em Philip, Hugh, ou em Windermere.

_ Aparentemente, quando John DuBois e seus homens chegaram aqui, há duas semanas, Philip ainda se encontrava nas imediações do castelo. Pelo menos foi o que os criados disseram.

Os soldados do rei, sob o comando de sir John DuBois, tinham sido recebidos pela governanta, Blanche Hanchaw. A mulher fizera sir John aguardar no pátio, enquanto procurava localizar o conde. Quinze minutos se passaram e nem sinal de Philip. A governanta, então, pedira desculpas aos cavaleiros, afirmando que, mesmo ausente, o conde gostaria de vê-los desfrutar da hospitalidade de Windermere antes de retornarem a Londres, na manhã seguinte. Também se dissera convencida de que Philip não tardaria a retornar, deixando claro ser costume de Colston se ausentar do castelo sem avisar ninguém.

Sir John, não pretendendo se apresentar diante do rei de mãos vazias e não confiando muito na história contada pela governanta, mandou seus homens vasculharem o castelo à procura do conde. Em vão. A busca feita na aldeia também resultou em nada.

Depois de distribuir os soldados em locais es-tratégicos, como nas estradas e nos arredores da aldeia, sir John esperou vários dias, confiante de que conseguiriam capturar o nobre foragido. Por fim, decidiu voltar para Londres com a notícia do desaparecimento do conde.

_ Seguindo ordens suas, quando nossos homens chegaram aqui _ Nicholas falou _ , mandaram que todos os aposentos em uso fossem desocupados e as coisas de Philip guardadas em baús. Claude Montrose não tem dúvidas de que Philip ainda estava em Windermere no momento da chegada de DuBois e que saiu do castelo às pressas, deixando seus pertences para trás.

Pela primeira vez, Wolf olhou ao redor e descobriu-se gostando do que o rodeava. Não havia mais vestígios de Philip. Os aposentos tinham sido limpos de alto a baixo, o chão fora coberto com tapetes macios e havia arranjos de

rosas por todos os lados, como se lembrava de haver visto no quarto de Kit, em Somerton. Sua esposa tinha paixão por rosas.

_ Coloque homens em todo o castelo e na aldeia também. Quero que essas áreas sejam constantemente vigiadas. E bastante improvável que Philip apareça, mas talvez consigamos localizar um de seus capangas. Se for o caso, devemos segui-los e não prendê-los, pelo menos por enquanto. Tenham cuidado para que tudo seja feito de maneira discreta.

_ E quanto a Somers? _ Nicholas indagou. _ O barão requisitou uma audiência com você tão logo chegasse ao castelo.

_ Somers pode esperar. E possível que se passem vários dias antes que eu me sinta disposto a vê-lo.

_ Mas, meu lorde _ Kit começou._ Não a quero perto daquele homem, esposa. Não

confio nele. A propósito, Nicholas, Stephen Prest já foi localizado? _ Prest havia sido o leal administrador de Bartholomew Colston durante anos e Wolf não conhecia um candidato melhor para ocupar essa mesma posição durante a gestão do duque de Carlisle.

_ Ainda não. Ouvimos dizer que ele se encontra em Elton, a dois dias daqui. Chester e William foram, até lá, tentar localizá-lo.

_ Otimo. Conto com a ajuda e a honestidade de Prest para começarmos a reparar os estragos causados por Philip.

_ Ja, primo.Despedindo-se com uma breve inclinação de

cabeça, Nicholas retirou-se cóm a missão de encontrar o jardineiro e mandá-lo até os aposentos de Kit com uma boa porção de ervas medicinais, embora ela afirmasse não precisar de cuidados especiais.

_ Como você está se sentindo, esposa? _ Wolf indagou, acariciando os cabelos loiros gentilmente.

_ Como se tivesse rolado colina abaixo _ ela retrucou com uma careta. Mas vendo a expressão preocupada do marido, tentou consertar. _ Oh, não é assim tão mal.

Devagar, Kit levantou a saia e examinou o quadril. O hematoma parecia ter dobrado de tamanho desde que olhara pela última vez. Será que o estado do ombro também piorara?

_ Você pode me ajudar a tirar o vestido, Wolf? E melhor ficar quietinha até o jardineiro chegar com as ervas.

_ Não há nada que Will Rose possa fazer. Quero apenas dar uma olhada.

Will Rose insistiu em tratar dos ferimentos de Kit usando sanguessugas, coisa que ela jamais vira frei Theodore utilizar em Somerton. Will, entretanto, a assegurou de que aqueles insetos nojentos eram freqüentemente capazes de chupar o sangue dos ferimentos, limitando o tamanho e diminuindo a dor. Pena que não tivesse sabido dessa prática anos atrás, ou poderia tê-la usado muitas vezes.

Quando os sanguessugas estavam saturados, eles se desprendiam da pele e eram recolhidos numa tigela de barro.

_ Dentro de uns dois dias você estará bem, milady. Mas é melhor permanecer de repouso até que o inchaço do tornozelo desapareça.

_ E o que farei. Obrigada, Will _ Kit murmurou bocejando. Sentia-se tão cansada que já não conseguia manter os olhos abertos.

_ Descanse agora _ Wolf falou, cobrindo-a com a colcha e apagando a maioria das velas.

Uma breve batida na porta o fez levantar-se para atender. Era Nicholas, juntamente com sir Edward, que

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estivera nas colinas, perseguindo os bandidos que os tinham atacado.

_ Alteza _ Edward o comunicou, inclinando a cabeça _ , perdemos o arqueiro. Na verdade, acreditamos que fosse apenas um.

_ O quê?_ De fato, acabamos por matá-lo. Inadvertidamente.

Já o tínhamos cercado e não havia por onde escapar. Então o sujeito decidiu tentar correr, enquanto gritava palavras ininteligíveis. Tropeçou perto do penhasco. Foi uma queda e tanto.

_ Quem era ele? _ Wolf perguntou depois de alguns instantes de silencio.

_ Um tal de Broderick Ramsey. _ Nicholas o informou. _ Trabalhava para Philip.

_ Você tem idéia de quantos homens ainda são leais a Philip? E quantos desses podem estar nas proximidades do castelo, ou nos arredores da aldeia?

_ Não, porém nossa gente tem feito interrogatórios. Creio que logo saberemos...

Uma nova batida na porta os interrompeu. Tratava-se de um lacaio, trazendo uma enorme coroa de flores silvestres, lindamente trançadas.

_ Um menino, acompanhado dos pais, pediu para que essas flores fossem entregues à duquesa, meu lorde _ o criado anunciou.

_ Quem são eles? _ Wolf quis saber. _ Como se chamam?

_ Vieram da aldeia. Juvet, com a esposa e o filho, Alfie.

_ Mande-os me aguardarem no hall._ Sim, Alteza. E também o barão Somers... ah,

exige vê-lo._ Pois pode mandá-lo de volta para o lugar de onde

veio. _ A voz de Wolf soou irada. _ Não pretendo recebê-lo essa noite.

_ Sim, Alteza._ Venha comigo, Nicholas. Vamos falar com os

Juvet enquanto Kit dorme.Depois de colocar um guarda na porta do quarto da

esposa, Wolf tomou o caminho do hall._ Você já esteve com Somers? _ perguntou ao

primo._ Apenas rapidamente._ O que ele quer?_ O barão não me disse nada. Embora estivesse

sóbrio e se portasse de maneira comedida.Wolf sabia que precisava se preparar antes de

encontrar-se com o padrasto da esposa. Necessitaria de todo seu autocontrole para não espancar o homem até transformá-lo numa coisa disforme. Olhos roxos, lábios cortados, costelas e dedos quebrados... Odiava pensar no que mais o canalha poderia ter feito.

_ O que você fará em relação ao barão Wellesley, primo?

Wolf fez uma pausa no meio da escada._ Suponho que ele tampouco disse o que deseja

comigo?_ Não. Apesar de me parecer ansioso para lhe dar

as boas-vindas._ Não lhe parece estranho o barão querer me dar as

boas vindas dentro de minha própria casa? Você o considera confiável?

_ Não sei. Talvez deseje apenas agradá-lo._ Não tenho a menor intenção de confiar em

ninguém dentro deste castelo até ser capaz de determinar

quem é leal a mim. Porém precisarei de alguém que possa cuidar de minha esposa até que se recupere por completo.

_ A governanta não serve?_ Blance Hanchaw seria minha última escolha._ Somers?_ Preferiria deixar Kit à mercê de um animal

selvagem._ Que tal o barão Wellesley?_ Existe a possibilidade de que seja aliado de

Philip._ E a filha do barão, lady Christine? Creio que a

conhecemos na Feira de Windermere. Se me lembro bem, a dama pareceu se interessar muito por voce.

_ Não estou interessado em outra esposa, Nick._ Não, todavia lady Christine está aqui. Talvez ela e

o pai ainda não saibam de seu casamento._ Se não sabem, saberão amanhã. Por que você não

tenta conquistar a dama? _ Wolf o provocou com um sorriso. _ Boa noite, primo.

Os dois se separaram ao pé da escada e Wolf foi encontrar-se com a família de Alfie sozinho. Os Juvet eram um jovem casal, educados e bem vestidos. Com certeza mercadores, não camponeses. Uma idéia súbita ocorreu a Wolf, embora ele duvidasse de que a sra. Juvet aceitasse uma posição no castelo.

Alfie foi o primeiro a falar, a expressão do rosto infantil dividindo-se entre a ansiedade e o nervosismo.

_ Eu esperava ver milady, sir. Queria lhe dar a coroa que fizemos e lhe agradecer por...

_ Minha esposa está indisposta. Ela sofreu uma queda nos arredores da aldeia, mas estou certo de que se recuperará logo.

_ Ela está muito ferida? Dói muito? _ Alfie indagou aflito.

_ Creio que esteja sentindo dor sim, todavia é provável que já se levante amanhã.

_ Eu gostaria de lhe dizer, sir, que nós, da aldeia, ficamos muito perturbados ao ouvir notícias sobre a emboscada que lhe prepararam na colina _ Juvet falou, dando um passo a frente.

_ São muitos os homens que gostariam de ajudá-lo a fazer justiça, a punir quem lhe desejou mal e à sua esposa também.

_ Seus esforços são apreciados. Tudo o que lhes peço agora é me informar caso alguns dos capangas de Philip apareçam na aldeia. Talvez um desses possa nos conduzir ao esconderijo de meu primo.

_ Sim, Alteza. Também quero lhe dizer que todos nós ficamos muito satisfeitos ao saber que você, sir Gerhart, é na verdade Wolfram Colston, duque de Carlisle. Foi Alfle quem nos deu a notícia de seu casamento com lady Kathryn, uma dama generosa, delicada.

_ Lady Kathryn sempre terá minha eterna gratidão e lealdade, Alteza _ a mãe de Alfie falou, vencendo a timidez. _ Nunca vou me esquecer do que fez por meu filho, na feira...

_ O povo da aldeia tampouco se esqueceu de sir Gerhart _ o marido a interrompeu. _ Nunca haviam conhecido um homem, um forasteiro, que se interessasse por seu trabalho, ou pelo resultado das colheitas. O conde jamais se importou conosco, desde que lhe pagássemos em dia. _ Juvet falava devagar, escolhendo as palavras cuidadosamente. Afinal, não era todo dia que um simples mercador se dirigia a um duque. Além de tudo, fora escolhido pelo povo da aldeia para agir como porta-voz, portanto sua responsabilidade era grande. _ Bem, desde que os soldados do rei vieram prender o conde, as pessoas mais velhas começaram a falar sobre seu pai, lorde Bartholomew, e como tudo costumava ser então. O

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ânimo dos camponeses melhorou muito depois de desco-brirmos que você estaria retomando a posição de lorde de Windermere.

_ Obrigado, Juvet. Agrada-me estar em casa._ E lady Kit? _ Alfie perguntou. _ Quando posso

vê-la?_ Creio que amanhã, por volta da hora do almoço.

Porém há um problema _ Wolf falou, dirigindo-se à sra. Juvet. _ Minha esposa precisa da companhia de uma mulher de confiança, com quem possa passar os dias no castelo.

_ Oh, Alteza! Sou a pessoa indicada._ Verdade?_ Oh, sim. Tenho um débito com a duquesa e, com

prazer, serei dama de companhia de uma lady tão bondosa e destemida. Não posso nem pensar no que teria acontecido a Alfie se ela não o tivesse protegido.

Emma Juvet concordou em assumir a posição de dama de companhia na manhã seguinte. Alfie obteve permissão para acompanhar a mãe, pois Wolf sabia o quanto a presença do menino alegraria sua esposa.

Ansioso para voltar para junto de Kit, ele subiu a escada correndo quando, no meio do caminho, deparou-se com Thomas Somers. O canalha o estivera aguardando escondido nas sombras.

_ Então você não queria me receber, hein? _ A voz pastosa indicava o grande consumo de bebida. _ Não pode ceder alguns minutos de seu tempo para conversar com o pai de sua preciosa esposa?

_ Como você não pode clamar a honra de ser pai de minha esposa, a resposta é não! Saia de Windermere imediatamente, Somers. Não há nada que o prenda aqui.

_ Não irei embora enquanto não a vir. Não sei por que o rei a mandou chamar em Londres, mas você deve obrigações a mim. Levou-a consigo e se aproveitou de sua inocência. Não tente negar. E não pense que não sei das mentiras que aquela vagabunda andou dizendo...

O punho de Wolf atingiu o rosto do barão, man-dando-o pelos ares, impedindo-o de continuar a falar.

Apoiando-se na parede, Somers conseguiu se le-vantar, um filete de sangue escorrendo pela boca flácida.

Sem se importar com o ódio estampado nos olhos do outro, Wolf deu-lhe as costas e saiu dali. O que não sabia era que alguém testemunhara a cena escondido numa alcova.

Sentado junto da esposa, Wolf a observou dormir por alguns instantes. Doía-lhe a alma vê-la tão pálida e vulnerável. Pelo menos conseguira livrá-la do padrasto e mantê-la em segurança.

Exausto, despiu-se e entrou na banheira cheia de água quente que os servos haviam colocado diante da lareira. Estava em casa afinal, embora só considerasse Windermere seu lar porque tinha a esposa consigo. Não podia imaginar o que seria sua vida sem ela. De que valeria o título de duque?

As vastas propriedades, as riquezas, sem a pessoa a quem queria acima de tudo?

Depois de secar-se e vestir-se, Wolf apagou as velas e deitou-se ao lado da mulher, que continuava a dormir.

_ Tomarei conta de você, amor _ sussurrou, contemplando o novo anel de sinete. _ Estamos em casa agora... um lobo e sua rosa.

CAPÍTULO XVIII

Kit dormiu a noite inteira e durante manhã seguinte também. Wolf odiava deixá-la, porém não teve outra alternativa quando dois de seus homens, que haviam estado patrulhando as colinas, vieram dizer-lhe ter encontrado sinais de acampamento recente ao sul do castelo. Era a primeira pista que poderia conduzir ao paradeiro de Philip. Quanto ao barão Somers, com certeza já saira de Windermere, apos a cena do dia anterior.

_ Não deixe minha esposa só nunca, sra. Juvet, a menos que Ranulf esteja por perto _ Wolf a instruiu. Ranulf fora o cavaleiro escolhido para permanecer no castelo e atender às necessidades da duquesa.

_ E possível que haja problemas, Alteza? _ Emma perguntou.

_ Não. Trata-se de simples precaução. Sem dúvida alguns dos servos devem se ressentir pelo que aconteceu a Philip e não pretendo arriscar a segurança de lady Kathryn.

Depois de beijar a testa da mulher, num gesto carregado de ternura, Wolf partiu.

A sra. Juvet passou horas seguidas sentada perto da janela, costurando, enquanto lançava olhares ocasionais na direção da cama de lady Kathryn. Por fim, a viu acordar.

_ Bom dia, Alteza.Kit apoiou-se num cotovelo, os olhos ansiosos

procurando a figura alta de Wolf._ Seu marido saiu logo pela manhã, na companhia

dos soldados. E deu ordens de que ninguém deveria perturbá-la. Sou Emma Juvet, da aldeia. Alfie é meu filho:

_ Ah, sim... Alfie _ Kit murmurou. Oh, como o corpo inteiro doía. Mas não tanto quanto o coração. Por que o marido a abandonara? Tudo parecera bem entre os dois no dia anterior, porém agora já não tinha tanta certeza. Claro que não havia razão para Wolf passar o tempo inteiro ao pé de sua cama, todavia gostaria de tê-lo visto ao acordar.

_ Ontem à noite meu marido, meu filho e eu viemos lhe fazer uma visita. _ Emma colocou a costura de lado e depois de encher um copo com água, entregou-o a Kit. _ O duque me pediu para passar o dia com você, pois não queria deixá-la só. Irei lhe fazer companhia até que esteja em condições de escolher uma criada de seu agrado.

_ Entendo. _ Enfim estava começando a entender o motivo de Wolf para mandar-lhe a mãe de Alfie. Philip devia continuar a ser uma ameaça.

_ Meu marido não falou quando deveria retornar, sra. Juvet?

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_ Por favor, Alteza, me chame de Emma. Não, meu lorde não falou nada.

_ Alguma noticia de Philip? Algum sinal dele?_ Parece apenas que alguém esteve se escondendo

naquele bosque, ao sul da aldeia. O duque foi até lá verificar, juntamente com os soldados.

_ Oh. _ Kit estava desapontada. Como gostaria de ter acordado com o marido. Nem sequer se lembrava de haverem dormido na mesma cama embora, em seus sonhos, Wolf a abraçasse e segredasse palavras doces junto aos seus ouvidos. Com certeza não passava de uma fantasia tola.

_ O arqueiro que atirou a flecha na sua sela está morto.

_ Então o mataram?_ Não foi o que ouvi dizer _ Emma respondeu,

ajudando Kit a vestir-se. _ Pelo visto, o homem caiu de um penhasco. Quebrou o pescoço na queda. Tratava-se de Broderick Ramsey, braço direito de lorde Philip. Aliás, ele nunca foi bom no manejo do arco. Por isso mesmo é que a flecha atingiu a sela e não o pescoço de seu marido.

Como o duque não mencionara nenhum tipo de restrição quanto às atividades da esposa, Emma ajudou-a a descer a escada quando Kit mostrou desejo de ir até o salão principal. Apesar de sentir-se quase uma inválida, amparada pela dama de companhia e por sir Ranulf, Kit tinha um semblante alegre. Alfie fez uma verdadeira festa ao vê-la.

Tão logo se acomodou numa poltrona perto do fogo, vários servos vieram se apresentar, ansiosos para satisfazer o menor de seus desejos.

_ Imagino que a maioria dos criados esteja satisfeita com a presença de uma castelã _ Emma comentou assim que as duas ficaram sozinhas outra vez. _ Creio que ninguém lamentará a partida de Philip Colston.

_ Windermere realmente necessita de reparos, não é? _ De fato, a aparência do castelo não podia ser mais descuidada, ou sombria.

_ Sim, é verdade._ Existem tecelões na aldeia? _ Kit indagou, uma

idéia súbita ganhando contornos em sua mente._ Claro, milady._ E carpinteiros e pedreiros?_ Sim, temos profissionais muito competentes.Kathryn sabia que o marido, no momento, preo-

cupava-se apenas em localizar Philip e não podia imaginar quanto tempo isso iria levar. O castelo precisava de reparos urgentes, portanto, tomaria a tarefa para si. Era perfeitamente capaz de cm-dar da administração doméstica de Windermere. Dali a uma hora, Gilbert Juvet encontrava-se no salão, ajudando-a a decidir quais materiais deveriam ser comprados primeiro e a quem deveriam chamar para executar os serviços.

A hora do jantar, Kit já havia estudado a situação financeira de Windermere e organizado uma agenda de trabalho. Sentada à mesa que fora colocada perto da lareira para sua conveniência, ela partilhou a refeição com a família Juvet e o velho Darby, um soldado experiente, encarregado de servi-la.

Tão imerso estava o pequeno grupo na discussão sobre a restauração do castelo, que ninguém se deu conta da chegada do barão Robert Wellesley e filha.

Blanche Hanchaw, entretanto, os conduziu até a mesa principal, onde os hóspedes costumavam se sentar apenas na companhia do duque e da duquesa.

_ O quê? Sua Alteza ainda continua fora? _ o barão reclamou.

_ Que coisa desagradável o duque manter_ se ausente durante tanto tempo _ lady Christine comentou petulante.

_ O duque esteve em Windermere durante toda a manhã _ Blanche fez sinal para que o barão e a filha ocupassem os lugares de honra.

_ Sim, porém tivemos que sair muito cedo para visitar o barão Edward, em Brington. _ Christine lançou um olhar furioso para o pai. _ Eu tinha certeza de que o duque voltaria a tempo de jantar conosco.

_ Sim, mas agora vamos nos distrair, filha._ Distrair? Como é possível haver alguma distração

sem a presença de sir Gerhart?Ouvindo toda a conversa, Kit se deu conta de que

cometera uma gafe. Nicholas dissera que os Wellesley estavam hospedados no castelo, porém se esquecera do fato por completo. Não fora nada cortês de sua parte ignorá-los, o lapso não intencional podendo ser interpretado como uma afronta deliberada.

_ Sra. Hanchaw _ ela chamou, ciente de que a governanta agira propositadamente, passando por cima de sua autoridade. _ Por favor, arrume os lugares do barão e de sua filha aqui, perto de mim. Não está certo deixá-los sós, quando não tenho condições de me reunir a ambos na mesa principal.

Blanche Hanchaw franziu os lábios e obedeceu à ordem, enquanto lady Christine resmungava, dizendo não ser direito sentar-se entre servos e mercadores.

_ Por favor, aceitem minhas desculpas. É que ainda encontro dificuldades para me locomover

_ Kit falou gentil. _ Sou Kathryn Colston. Creio que nos conhecemos na última primavera.

_ Ah... sim, claro, Alteza. _ O barão Wellesley foi o primeiro a se recobrar da surpresa. Ele e a filha não estavam a par dos rumores que corriam entre a criadagem e duvidavam do pouco que haviam escutado.

_ Então é verdade? _ Christine indagou áspera._ Sim, é verdade _ Kit concordou, fitando a bela

ruiva. _ Fomos atacados ontem, na estrada. Sofri uma queda violenta.

Christine começou a rir, fazendo o pai corar de puro embaraço. Por fim Kit se deu conta de que ela e os Wellesley estavam discutindo dois assuntos completamente diferentes.

_ Por favor, desculpe minha filha, Alteza. Ela... bem...

_ Sim, entendo. O duque e eu nos casamos no mês passado, em Londres.

Um longo silêncio caiu sobre a mesa, até o ponto de tornar-se desconfortável. Com alguma dificuldade, Christine Wellesley recuperou o c&ntrole e dirigiu-se à sua anfitriã.

_ Conte-nos como é ser ferida numa batalha, Alteza. Sempre senti ciúmes das aventuras dos homens nas guerras.

Embora lady Wellesley dificilmente se tornasse sua amiga, Kit teve a impressão de que haviam feito uma trégua.

Nicholas puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de Kit, que o apresentou aos convidados.

_ Talvez você se lembre do barão Wellesley e sua filha, Christine.

Depois de cumprimentá-los, o cavaleiro virou-se para Kit.

_ Wolf ainda não voltou?_ Não _ ela respondeu, começando a sentir-se

preocupada. _ Pensei que vocês estivessem juntos._ Não. Wolf se dirigiu para o leste, enquanto eu fui

para o sul._ Onde ele poderá estar? _ A cada momento ficava

mais difícil conter o nervosismo. Pensara no marido milhares de vezes durante o dia e o aguardava ansiosamente.

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_ Não se preocupe, milady. Tudo acabará bem. Seu marido é mais do que capaz de lidar com o primo. Porém meu palpite é que Philip não será encontrado com facilidade.

_ Pode contar com isso _ Wellesley concordou._ Sempre tive minhas suspeitas sobre o conde.

Parecia-me esquisito._ Barão, você conhece esses arredores muito bem.

Se fosse Philip Colston, onde se esconderia?_ Philip sempre gostou de caçar a oeste de

Windermere, perto das cavernas ao longo da costa. Ouvi dizer que uma dessas cavernas foi até praticamente mobiliada para acomodar o conde com conforto.

_ Então você acredita que ele esteja se escondendo na caverna? _ Nicholas insistiu.

_ Talvez. Philip é uma criatura estranha, cheia de segredos e muito imprevisível.

Wolf, de fato, detectou sinais de que havia homens acampando nos bosques, entretanto não encontrou ninguém.

Ao voltar para Windermere, a noite ia alto. Preo-cupara-se com Kit o tempo inteiro, se os ferimentos doíam muito, se o inchaço do tornozelo melhorara, se passara o dia na cama, repousando...

Pretendia ir diretamente para os aposentos de ambos. Só pensaria em jantar e em cuidar dos outros problemas de Windermere depois de certificar-se de que a esposa se encontrava bem. Ao entrar no salão principal, jurou a si mesmo não tornar a deixá-la até que estivesse plenamente recuperada.

Para sua completa surpresa, descobriu Kit sentada perto da lareira, rodeada de pessoas, muitas das quais não conhecia. Ela parecia escrever sem parar enquanto conversava com Gílbert Juvet. Dois outros homens também davam palpites e um terceiro apontava para as janelas do salão. Emma mantinha-se ao lado de Kit, apoiando a cabeça do filho adormecido no colo.

Aproximando-se do grupo, Wolf tinha dificuldades de acreditar nos próprios olhos. Kathryn lhe parecia ótima e animada, o rosto rosado revelando concentração. Quando, por fim, ela o fitou, brindou-o com um sorriso de tal esplendor que quase o fez explodir de alegria.

Deus, sua mulher era linda, Wolf pensou beijando-a no alto da cabeça e cumprimentando os homens ali reunidos, todos de pé para saudá-lo.

No mesmo instante, Kit apresentou os artesãos, chamados ao castelo por Juvet para dar uma estimativa de tempo e do custo envolvidos na limpeza e nos reparos a serem realizados no salão, na cozinha e escadas.

Agora que o marido estava ali, ela começou a ter dúvidas sobre seus planos de restaurar Windermere à antiga glória. E se Wolf não os aprovasse? E se a considerasse afoita demais, por ter tomado a iniciativa sem consultá-lo?

_ Ouvi dizer que existe um solarium na torre norte, onde algumas das aldeãs poderão trabalhar na confecção de seu novo estandarte _ Kit falou.

_ Meu novo estandarte?_ Sim. E Edwárd, o carpinteiro, afirma ser possível

começar os reparos no salão depois de amanhã._ Reparos no salão... _ Wolf olhou ao redor como

se visse o lugar pela primeira vez._ Você gostaria de estudar os cálculos das des-

pesas? Tenho-os anotados._ Não será preciso. Qualquer coisa que você decida

será aceitável, Kathryn. Windermere estará bem em suas mãos capazes.

Aliviada, ela suspirou fundo. Não apenas o marido retornara para càsa são e salvo, como confiara em sua capacidade de fazer Windermere recuperar a antiga majestade.

Wolf podia não amá-la ainda, porém apreciava suas habilidades. Já era um começo.

_ Suponho que você não tenha obtido sucesso na empreitada _ Nicholas falou.

Wolf limitou-se a balançar a cabeça._ Sua duquesa passou parte da noite na companhia

de lorde Wellesley. O barão se ofereceu para ajudar-nos a localizar Phi]ip. Além de conhecer bem a área, não me pareceu apreciar seu primo.

_ Discutiremos o assunto amanhã. Você teve um dia cheio, esposa. Será que consigo persuadi-la a deixar esse grupo e se juntar a mim em nossos aposentos?

_ Você deve estar fatigado, meu lorde. _ Kit levantou-se devagar. _ Por favor, dêem-nos licença, cavalheiros. Está tarde e preciso providenciar o jantar de meu marido.

Porém Wolf a impediu de caminhar, tomando-a nos braços. Apesar de sentir-se embaraçada ao ser alvo dos olhares de todos os presentes, Kit adorou a sensação de estar aninhada junto ao peito forte. Sentira tanta falta do marido.

_ Vejo-a amanhã, Emma? _ indagou, antes de ser carregada escada acima.

_ Sim, milady. Bem cedinho.

Ao entrarem no quarto, WoJf sentou-se na cama, ainda com a mulher nos braços. Tudo o que queria fazer agora era beijá-la. Entretanto um beijo levaria a outro, e mais outro, até que não conseguisse parar. E a esposa não se recuperara o suficiente do acidente sofrido no dia anterior para se entregar aos aspectos fisicos da paixão.

_ Eu poderia ter andado, você sabe _ ela falou baixinho, traçando o contorno dos lábios do marido com a ponta dos dedos. Não havia compreendido quão desesperadamente ansiava ser tocada.

_ E é capaz de andar agora? _ Wolf mal resistia à sensualidade daquela simples carícia em sua boca, o sangue já fervendo nas veias. Sua mulher tinha idéia do que lhe provocava?

_ O fato é que acabei ficando preguiçosa em Windermere, com tanta gente para me servir. _ Devagar, ela o puxou pelo pescoço, até que os lábios de ambos se encontraram. Todavia o beijo suave a deixou insatisfeita. O marido a estava tratando como se fosse um vidro frágil, que poderia quebrar-se a qualquer momento. E se ele não a tocasse logo, se não a pOSSUISse, com certeza iria se estilhaçar em mil pedaços.

_ Kit, eu..._ Beije-me, marido. Toque-me._ Se eu a beijar, não serei capaz de parar._ Deixe-me despi-lo _ ela murmurou, a voz rouca

vibrante de desejo. Sem pressa, Kit desfez os laços da túnica e deslizou as mãos sobre o peito largo, apreciando os contornos dos músculos bronzeados. O ferimento estava quase inteiramente cicatrizado agora, embora a pele continuasse avermelhada no local. Inclinando-se, beijou a cicatriz enquanto o obrigava a deitar-se de costas na cama. Depois, tirou-lhe as botas e o cinto.

Alucinado, Wolf segurou-a pelos pulsos, deba-tendo-se entre a urgência de possuí-la e a vontade de apenas abraçá-la. Precisava ter cautela, pois temia ferir o corpo ainda dolorido da esposa. Afinal, mulheres eram criaturas frágeis.

Ousada, Kit tirou o corpete e a saia, ficando apenas com a túnica branca, o tecido transparente mais revelando do que escondendo. Depois, tornou a beijá-lo nos lábios, lenta e sensualmente

_ Devo mandar Darby lhe servir o jantar? _ perguntou provocante, acariciando-o nas coxas.

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_ Kathryn _ ele respondeu num sussurro, incapaz de responder à pergunta, os pensamentos coerentes se perdendo em meio ao tumulto interior.

Os lábios da mulher, doces e sedutores, o estavam enlouquecendo. Mas não podia amá-la agora, não quando os ferimentos provocados pela queda ainda não tinham cicatrizado. Assim, valendo-se de um resto de autocontrole, impediu-se de tocá-la, sabendo que a inexperiência de Kit não a deixava perceber o quanto o perturbava.

_ Talvez você gostaria de dormir agora _ ela insistiu, beijando-o no pescoço, certa de que poderia seduzi-lo. Bem devagar, deslizou a lingua pelo peito forte, prendendo os mamilos eretos entre os dentes, provando o gosto da pele coberta por uma fina camada de suor. _ Senti tanto sua falta.

_ Kit..._ Estive esperando por você _ ela sussurrou, os

lábios vorazes cobrindo-o de beijos. _ Quero você agora... desesperadamente.

Por fim, Wolf já não pôde conter-se. Chegara ao seu limite.

CAPÍTULO XIX

Nem mais um sinal de Philip foi detectado e tampouco os homens de Wolf conseguiram chegar a uma conclusão sobre o que poderia ter acontecido a Hugh. Todavia descobriu-se que o barão Somers continuava na única hospedaria local.

Nos dias que se seguiram, Kit e o marido de-dicaram-se as diferentes tarefas que haviam decidido empreender. Wolf fez uma inspeção minuciosa de todo o castelo e arredores, determinando quais áreas necessitavam ser fortificadas, além de estudar a contabilidade detalhadamente e deixá-la em dia antes que fosse entregue ao novo administrador. As horas passavam depressa e mal via a esposa, exceto ao jantar.

A presença dela ao mesmo tempo o excitava e acalmava, uma força estabiljzadora pela qual seu espírito inquieto sempre ansiara.

Sob o olhar atento de Kit, um grupo de traba-lhadores se encarregava de limpar o salão principal, tirando

das janelas e paredes a sujeira acumulada durante anos de descaso. Aos outros ser vos, ela encarregara de fazer uma faxina geral nos quartos e cozinha.

Nunca em sua vida sentira-se tão útil, ou necessária. Os criados pareciam ter prazer no serviço incessante e procuravam agradá-la. De fato, tinha a impressão de que Windermere não havia sido limpo há décadas e perguntava-se por que Philip mantivera a governanta quando Blanche Hanchaw não se importava a mínima com a manutenção do castelo.

A busca por Philip continuou, embora não houvesse sinal do antigo conde mesmo depois de quatro dias de intensa procura. Muitos diziam que ele havia, de alguma maneira, conseguido fugir para a Escócia, ou até mesmo para a Irlanda. Porém ninguém podia afirmar nada com certeza. Entretanto, a própria natureza de Wolf o impedia de confiar na possibilidade de Philip já não ser fonte de perigo. Batedores continuavam a patrulhar a área ao redor do castelo diariamente, tentando descobrir sinal de Philip, ou de seus comparsas.

Os dias no castelo de Windermere eram cheios e produtivos, para a alegria de Kit. Claro que morria de saudades do marido, porém sabia haver muito a ser feito num curto espaço de tempo e Wolf era um só para atender às várias exigências de seu cargo. Além do mais, todas as noites, ele procurava recompensá-la dessas ausências prolongadas. Assim, na intimidade do quarto de ambos, esquecia-se do ciúme provocado pela presença de lady Christine Weflesley, até que tornasse a vê-los juntos.

Certo dia, enquanto descansavam do trabalho numa das torres, Kit e Emma sentaram-se perto da janela enquanto saboreavam um lanche rápido e apreciavam a beleza da tarde ensolarada.

_ Veja, é o duque, seu marido _ Emma exclamou apontando para o pátio.

Kit viu quando Wolf cruzou o portão, montando Janus. O barão Wellesley cavalgava à sua direita e lady Christine à esquerda, cheia de sorrisos e olhares sugestivos.

_ Que foi, milady?_ Nada, Emma _ ela respondeu, afastando-se da

janela no momento em que Wolf ajudava Christine a desmontar.

_ Você não gosta de ver seu homem ao lado daquela ruiva, não é?

Apenas um breve aceno de cabeça como resposta._ De fato lady Christine é muito bonita, porém seu

marido tem olhos apenas para voce._ Oh, ele nao..._ Por que não o submete a um teste? _ a dama de

companhia sugeriu confiante. Já convivera o bastante com o duque e esposa, naqueles últimos dias, para saber que uma única mulher interessava ao nobre. _ Aposto que ele não acha a menor graça na bela ruiva.

_ O que devo fazer?_ Chame-lhe a atenção e veja o que acontece,

milady. Reivindique seus direitos. E o que eu faria.Kit considerou a idéia por um instante. Emma tinha

razão. Wolf era seu marido e não sentia a menor vontade de o partilhar com alguém. Amava-o de todo o coração.

Devagar, tirou a touca que lhe cobria os cabelos e a jogou pela janela. Imediatamente Wolf e os outros olharam para cima.

Ele sorriu ao vê-la e afastou-se dos convidados, mal prestando atenção no que lhe diziam. Kit o fitava sorrindo, os cabelos louros, soltos ao vento. Uma sensação maravilhosa o inundou. Sentia-se bem-vindo ao lar.

Page 59: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Christine Wellesley deu-lhe as costas, irritada, não querendo testemunhar a ansiedade com que o duque de Carlisle corria para junto daquela sua esposa pequenina e insignificante. Kathryn era tão inadequada. Impossível que Wolf a pudesse tolerar. A mulher chegava ao cúmulo de usar roupas de trabalho e sujar as mãos, entregando-se a tarefas desprezíveis ao lado dos criados. Com um pouco de sorte, Kathryn Colston, duquesa de Carlisle, acabaria sucumbindo a uma febre, ou a uma outra doença grave. Afinal, nenhuma dama possuía constituição física para trabalhar feito escrava.

Subindo os degraus de dois em dois, logo Wolf chegava à torre onde vira a esposa. Em silêncio, fez sinal para que Emma os deixasse a sós, Kit ainda não tendo percebido sua presença.

_ Emma, você acha... _ Kit parou no meio da frase, surpresa. _ Wolf! Você veio!

A visão do rosto bonito com manchas de pó, dos olhos verdes, diretos e límpidos, o fez sorrir. Sim, a mulher estava satisfeita de vê-lo. Num movimento rápido, tomou-a nos braços, o coração a ponto de explodir de ternura. Kit fazia idéia de o haver resgatado de uma vida marcada pela previsibilidade e indiferença? Esse casamento fora sua salvação.

_ Que tipo de tentação é você, que me basta vê-la para desejar provar seu gosto? _ Wolf indagou, beijando-a avidamente.

_ Tentação? _ ela riu feliz, afastando-se alguns centímetros para fitá-lo. _ Eu? Sua visão deve estar iludindo-o, meu lorde. Não fui abençoada com cabelos vermelhos, nem com olhos da cor do céu.

_ Não. Seus caracóis dourados e olhos cor de esmeralda me impedem de apreciar qualquer outro modelo de beleza.

As palavras do marido a fizeram estremecer de prazer porém, ainda assim, continuava insegura. Lady Christine era tudo o que jamais poderia ser.

_ Mas temo que se tenha atrelado a uma esposa maçante. Machucada, incapaz de cavalgar, lenta para mover-se. Uma mulher reduzida a mandar um pedaço de pano pela janela para ganhar sua atenção, sir.

_ Você tem minha completa atenção agora _ ele retrucou, beijando-a de leve no pescoço.

_ Eu te amo, Wolf _ Kit murmurou. _ Deus sabe o quanto te amo.

Por um momento, ambos foram envolvidos pelo mais completo silêncio. Então mãos fortes a acariciaram nas costas, nos quadris, nos braços.

_ Nunca pensei que um dia a ouviria dizer isso e não havia nada que eu mais desejasse ouvir. _ A voz terna vibrava de emoção. _ Porque eu também te amo, Kit. Eu te amo como nunca julguei possível amar alguém.

Emma trouxe um castiçal para iluminar o pequeno depósito onde Kit descobrira velhas tapeçarias estocadas. Depois da tragédia que se abatera sobre a vida do marido, ainda criança, Kit estava disposta a se desfazer de tudo que o ligasse ao passado. Assim, pretendia transformar o castelo em um lar limpo, eficiente e alegre, sem nenhum dos fantasmas de Windermere que ainda pudesse assombrá-lo.

Windermere seria o presente e o futuro de ambos. Juntos, ela e Wolf construiriam uma família, algo que nenhum dos dois jamais tivera e que sempre desejaram.

_ E um cômodo estranho esse, não é minha lady? _ A luz da vela lançava sombras trêmulas sobre as paredes de madeira, toscas e inacabadas.

_ Ajude-me aqui, sim? _ Kit pediu, fazendo sinal para que Emma colocasse o castiçal sobre a cornija da lareira enquanto tentava remover uma tapeçaria grande e pesada, já completamente puMa. _ Sim, é mesmo um lugar estranho. Fico me perguntando por que não jogaram essas coisas velhas e gastas fora. Não faz sentido guardá-las se... O que é isso?

_ O quê?_ Olhe aqui. _ Kit apanhou o castiçal e levou-o para

junto de uma das paredes. _ E uma porta secreta, exatamente igual à do quarto que dividi com Bridget na última primavera.

_ Ah, sim, sua prima, aquela que morreu._ Onde será que essa porta vai dar?_ Acho melhor chamarmos alguns dos homens para

inspecionar a área, milady. Por que eu nao..._ Bobagem. Venha, vamos tentar descobrir. As-

seguro-lhe de que nada desagradável aconteceu da última vez. De fato, era apenas uma passagem que conduzia ao... Aqui. Venha me ajudar. Essa porta é pesada.

Com a curiosidade aguçada, Emma a auxiliou. Logo as duas mulheres espiavam a passagem estreita, tentando romper a completa escuridão com a unica vela.

_ Segure o castiçal bem alto, Emma. Vou apenas... Ai!

_ Que foi?_ A maldita porta! Bateu em meu tornozelo ao

fechar._ Você está bem?_ Sim. Apenas me ajude a abrir a porta outra vez. O

cheiro de mofo aqui é horrível. Sinta a umidade das paredes.Ambas se esforçaram para abrir a porta enorme e

pesada sem que conseguissem movê-la._ Olhe, tem uma escada naquela direção, milady._ E verdade. Porém a escada vai para baixo desta

vez. Que será que existe nos porões do castelo?_ Não sei. Talvez devêssemos tentar abrir a porta

outra vez._ Tem razão _ Kit retrucou estremecendo.Mas apesar dos esforços desesperados de ambas,

nada. Estavam presas numa passagem fria e escura, apenas vagamente similar àquela que conduzira ao quarto de Agatha. Os degraus à frente conduziam a um pavimento inferior, de onde parecia vir um estranho cheiro de podridão.

Movidas pela esperança de que alguém pudesse escutá-las, começaram a bater na porta desesperadamente. Embora à beira do pânico, as duas lutavam para manter a calma e a fortaleza de espírito.

Por fim, desistiram. Erguendo o castiçal, Kit examinou os arredores.

_ Quem sabe, se descermos a escada, encon-traremos uma saida.

_ Não, milady. _ A voz de Emma revelava urgência. _ Devemos ficar aqui. Seu marido com certeza nos encontrará.

_ Como? Ninguém pode nos ouvir, ou já teriam aberto a porta. Precisamos tentar descobrir a saída por nós mesmas.

_ Você acha que..._ Diga, Emma._ Ah... nada._ Fale._ Bem, eu estava pensando, imaginando, se, talvez,

alguém tenha trancado a porta às nossas costas. Seu marido não confia em todos do castelo.

_ Você está sugerindo que alguém nos fechou aqui de propósito?

_ Sim.

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Por um momento Kit considerou a possibilidade. Sem dúvida era algo que precisava levar em conta. E se um dos servos houvesse mesmo trancado-as ali, com certeza também teria fechado a porta do depósito, para impedir que seus gritos fossem ouvidos, adiando ainda mais a descoberta de que ambas haviam sumido.

Receando que a madeira não suportasse o peso de seu corpo, Kit desceu os dois primeiros degraus devagar, Emma seguindo logo atrás. Tratava-se de uma escada curta, que terminava num cômodo minúsculo, de terra batida. Um movimento súbito, num dos cantos, as fez gritarem, assustadas.

_ Ratos!_ Sim. Deve haver comida aqui embaixo._ Milady, esse não me parece o caminho para a

saída. Se ao menos..._ Veja, Emma. Outra passagem._ Era o que eu temia._ Vamos, não seja tão medrosa. Duvido de que

alguem tenha estado nesse lugar nos últimos anos.Cautelosas, elas seguiram a passagem estreita, na

esperança de encontrar uma outra porta secreta. Kit mantinha o castiçal o mais alto possível, ansiosa para descobrir a saída do que parecia estar se transformando num labirinto. Também receava. que uma corrente de ar apagasse a vela, lançando-as na mais completa escuridão.

_ Com certeza existe mais do que um único túnel _ Kit murmurou, quase que para si mesma. - Essa brisa deve vir de algum lugar.

_ Oh, o mau cheiro está ficando pior _ Emma cobriu o nariz e a boca com a mão.

_ E verdade. Qual será a causa? Olhe, acho que chegamos a um novo cômodo. Tem uma tocha na parede! Graças a Deus. Vou acendê-la.

O grito de pavor de Emma ecoou pelo subterrâneo silencioso, fazendo Kit virar-se instantaneamente. Então, sob a luz da tocha, seu olhar chocado pousou sobre lady Agatha, condessa de Windermere, sentada no chão imundo, os pulsos algemados presos à parede.

Sufocando um grito, Kit levou a mão à boca. Ali estava a fonte do cheiro fétido. Sem dúvida, a condessa jazia morta há várias semanas e se não reconhecesse o vestido negro e os cabelos grisalhos, com certeza não desconfiaria tratar-se de Agatha.

_ Deus do céu, foi Philip _ ela falou, a voz quase sumida. _ Philip fez isso.

_ Sim, milady. Precisamos encontrar a saída. Depressa. _ Emma segurou-a pelo braço, tentando obrigá-la a mover-se. _ Por favor, milady.

_ Um momento. _ Cobrindo o nariz e a boca, Kit ergueu a tocha, examinando os arredores. Havia muito mais ali além do par de algemas que prendiam os restos de Agatha. Podia ver três esqueletos, um deles impressionantemente pequenino. Sobre uma mesa de madeira, vários instrumentos cortantes, todos de aparência grotesca. De repente, um ruido estranho a surpreendeu. _ Que foi isso? Você escutou?

_ Vamos embora, milady. Por favor.Ignorando os apelos de Emma, Kit caminhou para o

lado oposto do cenário tétrico, até que uma massa no chão, envolta em trapos, a fez parar.

_ Mãe de Deus! E um homem! E ele está vivo!_ Jesus, Maria e José _ Emma clamou, enquanto

Kit ajoelhava-se junto ao desconhecido. _ Quem será?_ Hugh! Oh, Deus, é ele! Hugh, você consegue me

ouvir?Engolindo em seco repetidas vezes, Kit segurou o

vômito. Os ferimentos causados ao amigo de Wolf eram

atrozes e precisava de toda sua coragem para fitá-lo. Mal podia suportar a visão do que lhe tinham feito.

Hugh gemeu debilmente._ Não creio que ele esteja consciente._ Graças a Deus não _ Emma respondeu, puxando

Kit pela manga do vestido._ Como o tiraremos daqui?_ Como nós conseguiremos sair daqui, milady?_ O homem estava à beira da morte e arrastá-lo

escada acima sem dúvida era impossível._ Hugh, se você consegue me escutar, sou eu, lady

Kathryn. Iremos atrás de ajuda. Vamos tirar você desse lugar horrível.

_ E agora, milady? Você acha que existe uma passagem em algum lugar, que leve à saída?

_ Oh, céus._ O quê?_ Oh, meu Deus._ Que foi?_ Que tola eu sou! _ Kit engoliu em seco. _ Philip!

Provavelmente ele está se escondendo aqui embaixo, em algum lugar.

CAPÍTULO XX

Page 61: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

Sir Alfred havia sido encarregado de cuidar da segurança de lady Kathryn, porém logo descobrira não ter muito o que fazer, vendo-a trabalhar ao lado dos servos como uma simples camponesa. Assim, permanecera no salão principal, limpando e polindo as armas e prestando pouca atenção no que se passava ao redor. Se Philip Colston planejava um ataque no interior do castelo, teria primeiro que passar por cima de seu cadáver, algo um tanto dificil de ser conseguido.

Somente quando os criados começaram a preparar a mesa para o jantar, foi que Alfred se deu conta de não ter visto a duquesa, e sua dama de companhia, já há algum tempo. Curioso, procurou as duas pelo salão, sem no entanto encontrá-las.

Então preocupou-se. O duque lhe arrancaria a pele se algo acontecesse à esposa. Ansioso, vasculhou o solarium, as torres e até os aposentos reservados aos hóspedes. Nada.

Numa última tentativa, vistoriou o pátio e os jardins, na esperança de lady Kathryn e Emma haverem escapulido por uma das portas laterais para aproveitar o entardecer. Era até possível que estivessem aguardando a chegada de Gilbert Juvet, que costumava buscar a mulher no final do dia.

Wolf retornou a Windermere logo antes do jantar. Kit não estava no salão principal, porém isso não o preocupou. Afinal, a esposa vinha trabalhando num ritmo acelerado, determinada a pôr o castelo em ordem no menor espaço de tempo possível. Maravilhava-o aquela habilidade de orgamzar grupos e de participar das tarefas com empenho. Não tinha muita certeza de que fosse um comportamento apropriado para sua mulher, e filha de um rei. Todavia Kit o fazia por ele, para apagar o passado.

Ela o amava. Sua bela, imprevisível e destemida Kathryn o amava. Ainda não conseguia acreditar em tamanha felicidade.

_ Leve água quente para meus aposentos _ Wolf ordenou a um servo, enquanto atravessava o salão que, a cada dia, tornava-se mais habitável. As grossas camadas de sujeira estavam desaparecendo e já era possível enxergar as nuvens através das janelas.

Talvez Kít o estivesse aguardando no quarto, pensou, subindo a escada rapidamente. Não havia nada que desejasse mais do que se banharem juntos agora. Ansiava abraçar o corpo esguio e sensual, beijar a boèa macia.

Nunca antes experimentara um desejo tão urgente por mulher alguma, nem prazer tão completo na posse. A inquietação que sempre o consumira desaparecera. Sentia-se em paz quando junto de Kathryn, e sabia poder confiar no amor da esposa, não importando o que acontecesse, ou o que tivessem que enfrentar. Kit jamais o abandonaria.

A única coisa que o incomodava era o fato de ainda não terem descoberto o paradeiro de Philip, embora a ameaça daquela presença doentia diminuísse com o passar dos dias. Existia a possibilidade de que o primo tivesse embarcado para a Irlanda e nunca mais retornasse. Todavia não era assim tão ingênuo para acreditar que seus problemas seriam resolvidos tão facilmente.

A água para o banho chegou sem Kit, e Wolf banhou-se só. Quando estava terminando de se vestir, alguém bateu na porta do quarto. Chester Morburn.

_ Chester! Você está de volta!_ Sim, meu lorde. E trouxe comigo um convidado

bastante satisfeito._ Onde está ele? _ Wolf indagou sorrindo._ No salão, sir. Aguardando-o.

Sir Stephen Prest pouco mudara naqueles anos todos, à exceção dos cabelos, antes de um vermelho vivo, e agora repletos de fios brancos. O rosto inteligente mantinha a expressão astuta e os olhos penetrantes nada perdiam do que se passava ao redor. Quase tão alto quanto Wolf, movimentava-se com dignidade e confiança. Vê-lo era trazer à tona lembranças do passado. Dos dias felizes vividos em Windermere.

_ Bem-vindo ao lar, Alteza _ Prest falou pousando a mão sobre o ombro de Wolf, a voz cheia de emoção. _ Este é um dia que pensei nunca chegar a viver.

_ Agrada-me muito que você tenha vindo com meus homens.

_ Não tanto quanto me sinto feliz por estar aqui. E você é um duque agora. Seu pai teria ficado orgulhoso.

_ Obrigado, sir.Chester retirou-se para ordenar que trouxessem uma

refeição rápida a ser servida ao recém-chegado enquanto Wolf interrogava William Guys sobre a viagem.

_ Problemas na estrada, William?_ Não, Alteza._ Nenhum outro problema a não ser o fato de que

não sou mais um rapaz _ Prest comentou suspirando. _ Já se passaram anos desde que fiz uma viagem tão longa. E bom tê-lo de volta a Windermere, Wolfram.

Uma pequena mesa foi colocada para Prest e Wolf tomou um copo de vinho para lhe fazer companhia durante a refeição. Estava ansioso para colocar o velho amigo a par dos últimos acontecimentos.

Stephen balançou a cabeça, tristemente, depois de ouvi-lo durante vários minutos.

_ Suponho que eu deveria estar mais surpreso diante do que acabei de saber. Rumores sobre as atrocidades cometidas por Philip chegaram a alcançar Elton. Clarence e Philip eram criaturas idênticas. Ambiciosos. Invejosos. Cruéis. Tentei, várias vezes, convencer seu pai a mandar Clarence embora de Windermere, porém o conde não me dava ouvidos.

_ Meu pai confiava muito nos outros._ Seu pai era um homem bom e justo. Assim,

acreditava que todos possuiam um certo grau de honra.Por um instante, Wolf considerou o comentário de

Prest. Bartholomew perdera Windermere e acabara morto, juntamente com o filho, porque confiara nas pessoas erradas.

_ Não vou cometer os mesmos erros de meu pai, Stephen, sendo leaIt a quem não merece.

_ Foi o que pensei. - Estava claro que as cicatrizes de Wolf iam além daquelas que lhe marcavam o rosto.

_ Minha esposa viu lady Agatha na ültima primavera.

_ Oh? Acreditava-se que lady Agatha houvesse morrido anos atrás. De fato, logo depois de Clarence.

_ Kathryn assegurou-me que a mulher com que conversou era de carne e osso. Um pouquinho maluca, talvez, porém bem viva.

_ E posso lhe perguntar onde lady Agatha está agora?

_ Não fazemos idéia. Ela simplesmente desapareceu.

_ Philip nunca se relacionou bem com a madrasta. Surpreende-me que estivessem morando sob o mesmo teto.

_ Parece que as coisas não iam bem entre os dois - Wolf esclareceu. - Ele a mantinha prisioneira numa das torres do castelo, na ala oeste. Aparentemente Agatha conseguia escapar do quarto, usando uma passagem secreta. Foi assim que se revelou à minha esposa.

_ Seus pais estavam sempre preocupados que

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um de vocês se embrenhasse numa dessas passagens e se perdesse. Alguns dos corredores foram lacrados permanentemente, por insistência de sua mãe.

_ Eu nunca soube de nenhuma passagem._ Deliberadamente seus pais esconderam a

existência delas._ Então é verdade que existem mesmo?_ Oh, sim. Ficarei feliz em lhe mostrar algumas

amanhã._ Escadas secretas também? - Wolf insistiu curioso.

- E quartos escondidos?_ Sim. Intrigante, não é? O primeiro conde de

Windermere, o avô de seu pai, era bastante excêntrico. Gostava de ter meios de escapar do local onde se encontrava.

_ Suponho que haja certas vantagens._ Sem dúvida. - Prest riu. - Fale-me de seus planos

imediatos. Parece-me que alguém já andou cuidando das reformas necessárias no castelo.

_ Sim. Minha esposa._ Organizou tudo isso? - Assombrado, Prest

examinou o salão principal, onde andaimes chegavam até o teto.

_ Sim._ Sua esposa é uma mulher capaz. E necessário

uma boa dose de experiência e habilidade para organizar uma tarefa de tal magnitude.

_ Lady Kathryn é experiente. De fato, era ela quem administrava o castelo do padrasto antes de nos casarmos.

Stephen arqueou as sobrancelhas._ Que incomum. Uma mulher administrando

propriedades?_ Logo você irá conhecê-la. - Wolf pediu a um dos

servos que trouxesse a duquesa até o salão.Dali a instantes, Nicholas chegava. Depois das

apresentações, ele também perguntou sobre o paradeiro de Kit._ Um dos criados foi buscá-la - o primo o

informou. - Com certeza anda ocupada com alguma tarefa urgente. Melhor assim, pois mantém-se distante do perigo representado por Philip. A propósito, Stephen, minha esposa não estará se trajando como uma duquesa deveria. Sempre usa roupas de trabalho durante...

_ Gerhart!Os três homens viraram-se na direção da voz._ Wolf, sir... Alteza! - Sir Alfred Dunning

aproximou-se rapidamente, o rosto de uma palidez mortal, a expressão do rosto alterada.

Uma sensação de pavor explodiu no peito de Wolf, fazendo-o levantar-se tão depressa que a cadeira caiu no chão.

_ Que foi?_ Sua lady, sir..._ Que aconteceu?_ Não consigo encontrá-la - Alfred respondeu

tenso, a voz baixa e ansiosa._ Como assim, você não consegue encontrá-la?_ Lady Kathryn estava trabalhando com a sra. Juvet

perto da cozinha. Eu fiquei aqui, no salão. Ela não poderia sair do castelo sem que passasse por mim. Entretanto, desapareceu.

Nicholas olhou pela janela._ E quase noite, primo. Vou juntar os homens e

faremos uma busca pelos arredores._ Já vasculhei o pátio e os jardins - Alfred falou._ Conte-me tudo outra vez - Wolf pediu, pro-

curando manter a calma. - Onde você estava e onde estava minha esposa?

Alfred levou-os até a mesa enorme, a espada e a adaga que estivera afiando ainda no mesmo lugar.

_ Eu estava exatamente aqui. Havia trabalhadores espalhados pelo salão e lady Kathryn estava bem ali, com a sra. Emma - o cavaleiro apontou na direção da cozinha. - Eu podia enxergá-las com clareza. Então, sumiram.

_ O que as duas estavam fazendo? - Stephen Prest indagou, enquanto o grupo caminhava para o local onde as mulheres tinham sido vistas pela última vez.

_ Mexendo com algumas tapeçarias velhas - Alfred retrucou.

_ Aqui perto? - Prest aproximou-se de uma porta de madeira, trancada.

Wolf acercou-se do velho amigo, os olhos traindo o início de pânico. Todas as suas esperanças de um futuro feliz estavam desaparecendo rapidamente. Sem Kit nada valia a pena.

_ Quem teria a chave desse cômodo, Alteza?_ A governanta, Stephen. Por quê? Você não crê

que ambas acabaram sendo trancadas..._ Se não me falha a memória, sir, esse é um

pequeno depósito e, se me lembro bem, existe uma parede falsa lá dentro. Com uma passagem secreta.

_ Traga luz - Wolf ordenou a Alfred, derrubando a porta sólida com uma única investida dos ombros maciços. - Onde está a passagem secreta, Stephen? Onde?

Devagar, Prest apalpou as paredes, um pouco inseguro depois de tantos anos ausente.

_ Creio que seus pais haviam mandado selar essa passagem porque conduzia diretamente à masmorra.

_ Aqui está o trinco - Wolf exclamou, depois de uma busca frenética. - Mas de nada serve. Parece quebrado.

_ Pelo visto, intencionalmente - Prest observou preocupado.

_ Alfred - Wolf o chamou. - Ajude-me aqui. Foram necessários vários golpes até que os dois cavaleiros conseguissem colocar a porta abaixo, o som dando a impressão de ser engolido pela escuridão do corredor que se abria à frente de ambos. Wolf lutou contra o desespero ao imaginar Kit lá embaixo. Na toca de Philip.

_ Stephen - ele perguntou, erguendo o castiçal sobre o vazio -, você tem idéia para onde vai esse corredor? Existem outras saídas das quais se lembra?

_ Existem duas saídas, meu lorde._ Mande alguém chamar Chester e William. Diga-

lhes para juntar tantos homens quanto possível. Quero um guarda postado bem aqui e outros nas duas saídas. Você terá que lhes mostrar o local, Stephen.

_ Claro, meu lorde._ Venha comigo, Alfred.Reconhecendo a urgência na voz de seu líder, o

cavaleiro não hesitou.

Kit permaneceu absolutamente imóvel. Era possível ouvir a própria respiração e a de Emma também. Ambas tinham a sensação de haver percorrido quilômetros dentro do túnel escuro, sem no entanto descobrirem a saída.

Apesar de seus passos serem abafados pela sujeira acumulada no chão e paredes, Kit não tinha dúvidas de que alguém as seguia.

Imediatamente seus dedos fecharam-se ao redor do cabo da faca encontrada no local onde Hugh jazia à beira da morte. Erguendo a arma, preparou-se pára atacar, apesar de enxergar muito pouco, a tocha quase se apagando. Um arrepio a percorreu ao ouvir sons de risadas.

Oh, Deus, queria tanto que Wolf estivesse a caminho. Porém sabia que o marido não podia ficar sempre à

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sua dispoéição, pronto para protegê-la. Pobre Wolf, preso a uma esposa inútil.

Sentindo que alguém se aproximava, fez sinal para que Emma apressasse o passo. Melhor seguir em frente do que acabar aprisionada naquele labirinto.

Rapidamente as duas voltaram ao ponto de partida, onde haviam encontrado Hugh. Talvez descobrissem uma outra tocha. Talvez fossem capazes de localizar o caminho para o quarto de onde saíram. Já não lhe parecia tão absurda a idéia de tentar abrir a porta trancada pelo lado de fora e gritar até que os pulmões explodissem.

A sensação de estar sendo seguida continuou ao chegarem ao local onde Agatha apodrecia, a figura macabra lembrando-as de qual poderia ser seu fim.

_ Creio que não há outra saída - Kit murmurou, colocando a tocha na arandela presa à parede. - Logo ficaremos sem luz. Vamos ver se conseguimos achar algo que sirva para queimar.

A respiração ofegante de Hugh deixava claro que o pobre cavaleiro continuava vivo. Os lábios estavam ressecados e rachados, o corpo cheio de bolhas. Um dos olhos parecia bastante inchado, uma camada grossa de sangue seco cobrindo-o. Todavia Kit não saberia dizer se o olho continuava na órbita. Com certeza muitos ossos do corpo ti-nham sido quebrados e temia movê-lo por receio de o machucar ainda mais.

_ Você acha que alguém irá nos procurar aqui embaixo, milady? - Emma não tinha coragem de fitar Hugh Dryden e assombrava-se de ver Kathryn tocar o rosto do cavaleiro tão gentilmente, como se querendo confortá-lo.

_ Claro que sim - Kit respondeu, esforçando-se para falar com firmeza. - Sir Alfred sabia que estávamos trabalhando perto da cozinha, não é? Sem dúvida não tardará a sentir nossa falta.

_ Mas se a porta está trancada e escondida... Que foi isso?

_ Apenas um rato, Emma._ Não consigo encontrar nada capaz de queimar,

milady. Esses trapos no chão estão úmidos demais._ Podemos rasgar nossos vestidos, em caso de

necessidade. - Acompanhando os movimentos do rato atentamente, Kit tirou o sapato devagar. Ao ver o animal nojento aproximar-se dos pés descalços de Hugh, acertou-o com o sapato, fazendo-o correr para um canto escuro.

Enquanto isso, Emma já havia rasgado parte da barra do vestido para alimentar a tocha.

_ Fico satisfeita de estar usando uma de minhas roupas mais velhas para trabalhar no castelo.

_ Eu lhe darei um vestido novo. Dois vestidos novos! - Kit retrucou, começando a rasgar a própria roupa.

_ A essas horas, sir Alfred deve estar investigando o depósito perto da cozinha. Mesmo se...

As duas mulheres estremeceram quando a tocha foi arrancada da parede e lançada no chão, sendo pisoteada até apagar. A escuridão era absoluta, não se podendo enxergar um palmo adiante do nariz.

Kit e Emma se abraçaram, incapazes de emitir um som. Tudo acontecera tão depressa que não haviam visto o rosto do agressor, apenas as botas. Mas agora ouviam risadas, baixas, guturais, cruéis.

- Eu sabia, desde o primeiro momento em que a vi, que você era uma mulher hábil. Uma consorte de valor, em nada parecida com minha pequenina e frágil Clarisse. - Outra vez a mesma risada maligna. A risada de Philip.

De súbito, Kit escutou Emnia gritar e cair no chão. Depois do baque surdo, completo silêncio. Na sua aflição, sem

saber o que havia acontecido à pobre mulher, acabou tropeçando e caindo também.

Então sentiu dedos frios roçarem-lhe o tornozelo. Apesar de saber que aquela mão talvez pertencesse a Emma, o instinto lhe dizia que era Philip quem a tocava. Tentou se afastar, porém não conseguiu. Num arranco, ele a jogou no chão e segurou-a pelos cabelos com força, fazendo-a gritar de dor.

_ Se seu querido marido algum dia a encontrar, nunca mais tornará a desejá-la - a voz malévola soou no meio das trevas. - Não tenha dúvida disso.

Oh, Deus, Philip pretendia aleijá-la como fizera com Hugh? Quase cega de pavor, Kit lutou para se desvencilhar dos dedos que a prendiam feito tenazes. Então lembrou-se da faca que trazia no bolso e procurou não entrar em panico até poder apanhá-la.

Philip continuava mantendo-a presa sob o próprio corpo, divertindo-se ao vê-la se debater. De súbito, ficou imóvel e ergueu a cabeça, como se tivesse ouvido algum ruido.

Num impulso, temendo perder a oportunidade, ela o atacou com a lâmina, exultando ao escutá-lo berrar enraivecido. Philip, entretanto, a fez largar a pequena faca e, gemendo de dor, esbofeteou-a violentamente, jogando-a de encontro à parede. Caída no chão, Kit esperou um novo ataque, pois embora o tivesse ferido sabia não ser fácil livrar-se da fúria de um louco.

Mas nada aconteceu. Para sua completa surpresa, Philip pareceu sê afastar, embrenhando-se num dos túneis escuros. Todavia, dali a segundos, escutou outros ruídos abafados, confusos. Oh, Deus, seria atacada novamente?

Trêmula, estendeu a mão em busca de Emma, convencida de que a pobre coitada não deveria estar muito distante. Os sons estranhos estavam se tornando mais próximos, vindos da direção do depósito.

_ Aqui! - Ao ouvir a voz do marido, ela foi dominada pela esperança. - Meu Deus, esposa, você está bem? - Jogando a tocha de lado, ele ajoelhou-se ao lado da mulher. Vendo-a coberta de sangue, foi dominado por um terror absoluto.

- Vá atrás dele, Alfred - ordenou, antes de voltar-se para Kit, o tremor das mãos denunciando o medo que o afligia. - Onde você está ferida?

_ Fui eu quem o feriu, marido._ Por favor, não é hora de brincar - Wolf pediu,

abraçando-a com força, jurando nunca mais deixá-la longe de si.

_ Não sei quão seriamente ele está ferido, porém sei que o cortei. Philip.

_ Quer dizer que esse não é seu sangue? Não. E o sangue de Philip - Kit murmurou, sentindo a cabeça rodar. - E de Hugh. Ele está aqui.

Então, pela segunda vez em sua vida, desmaiou nos braços do marido.

Page 64: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

CAPÍTULO XXI

Wolf carregou Kit para fora dos túneis escuros enquanto servos ajudavam Emma Juvet a subir a escada e prestavam os primeiros socorros a Hugh Dryden. Raiva e frustração o faziam ferver por dentro, embora mantivesse uma expressão serena. Não havia dúvidas de que a porta do depósito havia sido trancada intencionalmente.

Nicholas foi ao seu encontro tão logo o viu surgir no salão, seguindo-o até os aposentos principais. O cavaleiro não escondia o choque provocado pela aparência de Kit.

_ Como está ela?_ Ainda não sei - Wolf respondeu angustiado.- Antes de desmaiar, garantiu-me não estar ferida._ E esse sangue?- E de Philip. Kit o esfaqueou._ Mulher corajosa - Nicholas sorriu enquanto o

primo colocava a esposa inconsciente na cama. Alguns instantes de silêncio se passaram antes que voltasse a falar. - Vi Hugh. As coisas que aquele carniceiro fez com o pobre coitado são inimagináveis.

_ Mande chamar Will Rose e o padre para atendê-lo.

_ Jáo fiz. Também coloquei guardas nas saídas das passagens subterrâneas.

_ Quero que cada um dos túneis, cada vão, cada buraco seja vasculhado. Quero todas as possíveis rotas de fuga bloqueadas. Quero Philip esta noite. De um jeito, ou de outro.

_ Mas WoJf, Stephen nos mostrou todas as saídas e já as tínhamos guardadas antes mesmo de você voltar da masmorra. Se fosse para apanharmos Philip...

_ Nesses últimos vinte anos, meu primo pro-vavelmente construiu novas rotas de fuga, ampliando a rede subterrânea. Ou ele conseguiu escapar de alguma maneira, usando um caminho desconhecido por Stephen, ou continua lá embaixo, em algum lugar sob o castelo. Aguardando, como uma aranha desprezível em sua teia.

_ Verei se é possível encontrar um modo de obrigá-lo a sair.

A sós com a esposa, Wolf sentou-se na cama e beijou-a de leve na testa, rezando para que recuperasse a Consciência. Embora lutasse contra a idéia, sentia-se aterrorizado diante da possibilidade de que ela jamais recuperasse a razão, que o choque provocado pela experiência na masmorra a lançasse num estado de estupor eterno, como acontecera com sua mae.

Porém Kit tinha um espírito forte. Possuía uma tenacidade que sua mãe jamais conhecera. Talvez, se Margrethe tivesse um pouco dessa força não teria sucumbido ao desespero e desistido de viver, desistido dele.

_ Volte para mim, amor - Wolf sussurrou. - Não me abandone agora que sei que você é minha.

Gentilmente, ele a despiu, livrando-a das roupas ensangüentadas. Apesar de não recobrar a consciência, Kit deixou escapar um gemido.

_ Meu amor, abra seus olhos. Acorde para mim. Você é minha vida. Windermere e todo o resto não são nada sem você.

Depois de cobri-la com uma manta, Wolf deitou-se ao lado da mulher, aquecendo-a com o próprio corpo, acariciando-lhe os cabelos na ânsia de acordá-la.

Quando, por fim, Kit abriu os olhos, sua expressão revelava pânico. Porém, ao reconhecer onde estava, suspirou aliviada, apesar de tremer violentamente.

_ Está tudo acabado, minha querida. Você está a salvo agora. Não permitirei que nada lhe aconteça.

_ Onde está Philip? Ele já..._ Ainda não. Nicholas é o resto dos homens saíram

ao seu encalço. Não é possível que esteja muito longe._ E Hugh? - ela indagou num murmúrio,

aconchegando-se ao marido. - E quanto ao pobre Hugh?_ Ele está vivo, embora muito mal._ Oh, Wolf._ Philip nunca mais terá oportunidade de ferir

alguém. Prometo-lhe. Quando penso como esteve perto de... Você está bem, querida? - ele indagou nervoso, vendo-a estremecer.

_ Apenas me abrace. - Ainda se sentia dominada pelo mais profundo horror, porém os braços fortes do marido ao seu redor davam-lhe segurança.

_ Sim, meu amor. Eu a abraçarei essa noite e o dia inteiro, se for preciso.

_ Você me disse que Philip era perigoso, que não merecia confiança. Sempre soube do que ele era capaz?

_ Sim. Sempre.

_ Realmente estou bem, marido. - Kit insistiu horas depois, enrolada numa manta grossa. - Vá com Nicholas descobrir o paradeiro de Philip.

Contudo, Wolf hesitava. Não havia nada que desejasse mais do que encontrar o primo, porém relutava em deixar a esposa sozinha..

_ Você sofreu um choque terrível.Uma batida tímida na porta os interrompeu. Era

Maggie, trazendo água quente para o banho de lady Kãthryn._ Por favor, vá com seus homens. Ficarei bem.

Tomarei um banho e o aguardarei aqui mesmo, no quarto.Por fim, Wolf decidiu-se, prometendo a si mesmo

não se ausentar mais do que uma, ou duas horas._ Em caso de algum problema, chame o guarda nos

aposentos de Hugh. Não demorarei muito a retornar._ Sei que não. - Ela sorriu, beijando-o de leve nos

lábios.

Page 65: Margo Maguire - A Noiva de Windermere

_ Eu te amo._ Então volte para mim depressa._ Onde está Emma? - Kit perguntou, enquanto a

criada ajudava-a a vestir-se com roupas limpas e perfumadas. Recusara-se a colocar a camisola, querendo estar apresentável quando trouxessem Philip.

_ Foi pára casa, com o marido._ Ela está bem?_ Sim. Apenas um pouco abalada._ Gostaria de vê-la, para me tranquilizar._ Mas o duque, milady. Ele não a quer fora do

castelo. Não agora. Não até..._ Tem razão.Maggie suspirou aliviada._ Posso providenciar seu jantar, milady? Com

certeza encontrarei algo especial na cozinha._ Jantar? - Até o momento, a idéia de comer não lhe

passara pela cabeça, todavia descobria-se repentinamente faminta. - Sim, creio que gostaria de um lanche rápido.

_ Então estarei de volta daqui a alguns minutos. - Apanhando as toalhas molhadas, Maggie retirou-se.

O silêncio profundo que a cercou, depois da saída da criada, começou a enervá-la. Sentada num banco, pôs-se a desembaraçar os cabelos para se ocupar, atenta ao menor ruído. Sentia-se ridícula, preocupando-se com tudo, até com a própria sombra. Não era possível que Philip estivesse à es-preita, esperando o momento certo de surpreendê-la. Porém, bastara pensar nele para um estremecimento de pavor a sacudir por inteiro. Tensa, levantou-se e foi até a cômoda, onde havia guardado a adaga que ganhara de Rupert, anos atrás.

Somente depois de colocá-la no corpete do vestido é que começou a sentir-se melhor. Embora tentasse se convencer de que Philip não se encontrava nos arredores do castelo, temia tornar a vê-lo e, por nada deste mundo, ficaria frente a frente com aquele louco sem ter como se proteger.

De súbito, escutou o barulho de uma porta se fechando e passos no corredor. Certa de que era Maggie, trazendo-lhe o jantar, Kit abriu a porta do quarto. Para sua surpresa, tratava-se de lady Christine Wellesley, que parecia procurá-la.

_ Lady Kathryn! - Christine exclamou, tomando-a pelo braço. - Acabei de saber da experiência horrível pela qual passou. Como fiquei feliz ao ser informada de que a resgataram antes de Phuip a...

_ Não tão feliz quanto eu - Kit retrucou entrando no quarto, imediatamente seguida por Christine. - Minha criada foi até a cozinha. Por que não se senta?

_ Mas não podemos nos sentar - a outra falou aflita, levando a mão ao coração. - Seu marido me mandou buscá-la.

_ Wolf? - Por um momento ela sentiu-se confusa. Por que o marido mandaria Christine Wellesley à sua procura? Embora não fizesse sentido, acabou abrindo a porta do quarto e saindo para o corredor pouco iluminado. - Ele descobriu o paradeiro de Philip? Oh, Deus, está ferido?

_ Não, não - Christine a assegurou, andando depressa. - O duque quer sua ajuda.

_ Minha ajuda?_ Não posso explicar agora.Kit perguntou-se o que o marido estaria fazendo

naquela ala afastada do castelo. Ninguém costumava ir para aqueles lados.

_ Ele não falou por que queria minha ajuda? _ tornou a insistir.

_ Não. Apenas me pediu que a apressasse.

_ Wolf deve estar ferido - Kit murmurou quase que apenas para si mesma. - Não consigo imaginar o motivo dessa...

_ Aqui. Rápido.Christine abriu a porta de um pequeno aposento,

iluminado por uma única vela. Dando um passo para o lado, esperou por Kit. Não havia sinal do duque.

_ Mas...? - Antes mesmo que ela completasse a frase, Christine a empurrou para dentro do quarto, batendo a porta com força.

Um movimento num dos cantos escuros chamou-lhe a atenção. Não era Wolf, contudo um outro homem escondia-se ali e agora se aproximava.

_ Muito bem - falou o barão Somers naquela sua voz pastosa, saindo do meio das sombras, um sorriso malvado iluminando as feições inchadas pela bebida. - Esses não são modos de dar as boas-vindas ao seu carinhoso pai.

_ Eu... eu não entendo._ Você pensou que seu querido marido estaria aqui?

- A mão pesada a atingiu violentamente no rosto antes de segurá-la pelos cabelos com força até obrigá-la a fitá-lo. - Sua idiota! Tão crédula.

_ Por favor, pare com isso._ Otimo! Implore! Suplique minha piedade! - ele

falou, torcendo-lhe os cabelos até deixá-la à beira das lágrimas. - Seu marido não chegará a tempo de salvá-la desta vez.

_ O que está querendo dizer com isso?O barão riu, o hálito recendendo a álcool._ Philip Colston o destruirá._ Como? - Kit indagou, esquecendo o próprio

medo. - Como Philip irá destruir Wolf?_ O duque foi enfrentá-lo sozinho. Philip tem um

esconderijo sob a ponte, no lado oeste da cidade. - Somers tornou a rir. - Logo seu precioso duque não passará de um homem aleijado e morto.

No mesmo instante Kit desvencilhou-se dos braços que a prendiam e correu para a porta. Trancada, claro. O barão não tinha a menor intenção de deixá-la éscapar.

_ E lady Christine? - perguntou, esforçando-se para falar com voz firme. - O que ela tem a ganhar com tudo isso?

As risadas bêbadas de Somers soavam ainda mais malignas.

_ A nobre e poderosa lady Christine acredita que acontecerá apenas o que ardentemente deseja, ter você fora do caminho. Afinal, planeja casar-se com seu marido tão logo ele fique viúvo.

_ Casar-se com meu marido? - Kit gritou._ Ela..._ Ela não sabe que agora, nesse exato momento,

Wolf Colston caminha direto para a armadilha preparada por Philip.

_ Preciso ir em auxílio de meu marido! Você deve..._ Eu devo agir como me agradar. - Novamente

Somers a esbofeteou, fazendo-a cair no chão. - Você aprenderá a respeitar seu pai! Você e aquele seu maldito marido arruinaram Somerton! Culpa sua. Tudo culpa sua.

Kit apoiou-se nos joelhos, uma expressão confusa no rosto.

_ Tenho que puni-los e destruí-los - o barão repetia sem parar. - Os vilões tentam me enganar o tempo inteiro. Já não existe nenhum respeito. Eles acham que não sei de nada, porém os vejo rindo às minhas costas. Rindo de mim!

As palavras iam se tornando indistintas à medida em que Somers voltava a se aproximar, ameaçador, da enteada. Vendo o brilho perverso daquele olhar, ela soube que seria surrada com mais violência do que nunca. O padrasto

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sempre agia com grandes requintes de crueldade depois de passar horas bebendo.

_ Pois vou mostrar-lhes! E a você também.De pé, Kit analisou a situação, apesar do pavor que

a consumia. Não havia sinal de armas de nenhuma espécie por perto, tampouco o barão parecia ter uma faca, ou espada, consigo. Pelo menos restava-lhe uma chance de tentar escapar. Sabia que sua única chance seria apanhar a própria adaga para se defender.

Assim, quando o padrasto tornou a esbofeteá-la, Kit caiu no chão e rolou para o lado, ficando imóvel. Queria fazê-lo acreditar ter sido seriamente ferida. Com movimentos contidos, retirou a arma escondida no corpete e aguardou, sem saber como o barão agiria. Era até possível que ele quisesse matá-la a pontapés, porém o mais provável era que desejasse prolongar a punição, agredindo-a de diversas formas.

Kit sabia ser necessário manejar a faca com maior precisão desta vez. Nada de atacar às cegas como quando enfrentara Philip Colston. Deveria estar absolutamente segura ao desferir o golpe mortal. A vida de Wolf dependia de sua fuga.

Então Soiners a obrigou a virar-se de costas e tomou-lhe a cabeça entre as mãos. Porém só teve chançe de bater seu crânio no chão uma única vez, fazendo-a berrar de dor. Mas apesar de zonza, Kit consegmu cravar a adaga sob as costelas do padrasto. Com a força nascida do desespero, enfiou a lâmina bem fundo, rompendo camadas de músculos. Naquele exato minuto escutou-o gritar, o sangue jorrando da ferida e ensopando-lhe o vestido.

O barão caiu pesadamente sobre seu corpo, im-prensando-a. Kit o empurrou para o lado, a cabeça latejando, a visão turva. Todavia, apesar do choque, sabia ser preciso agir depressa. Aproximou-se da porta e tentou abri-la, apesar de a saber trancada.

Embora relutasse em olhar para Thomas Somers e enfrentar o que lhe tinha feito, ajoelhou-se junto ao corpo caído. O barão ofegava, o rosto redondo tomado de uma palidez mortal, os olhos sem brilho indicando a morte iminente.

_ Você não me deixou outra escolha! - gritou angustiada.

Ele virou a cabeça para o lado oposto._ Onde está a chave?Nenhuma resposta._ Maldito seja! Eu a encontrarei! - Ignorando o

sangue que jorrava da ferida, Kit o revistou até descobrir a chave da porta, metida no bolso do casaco. Quando estava para sair do quarto, lembrou-se da adaga enterrada no corpo do padrasto e voltou para apanhá-la.

A lua crescente e as estrelas iluminavam o caminho pouco familiar. Kit estivera na aldeia apenas uma vez e tinha a sensação de que fora anos atrás. Enquanto percorria as ruas desertas, quase cega pelas lágrimas, tentava desesperadamente lembrar-se da localização da ponte oeste. Precisaria aproximar-se do esconderijo de Philip sem ser notada. Mas como salvar o marido sem que os outros dessem conta de sua presença? Como subjugar Philip, se descoberta?

Limpando as lágrimas com as costas da mão, esforçou-se para analisar os fatos friamente. Não poderia agir sozinha. Devia traçar um plano antes de atacar Philip às cegas.

Ao reconhecer um dos chalés, desmontou. Ainda havia luz no interior da casa onde Alfle a levara para limpar a capa suja de lama, naquela longínqua primavera. Talvez estivesse ali a solução que buscava.

O menino atendeu a porta, surpreso ao reconhecê-la.

_ Pai, venha depressa, é a duquesa._ Gilbert - Kit falou ansiosa, aceitando o convite

para entrar._ O que aconteceu, milady? - Juvet indagou,

assustado ao vê-la coberta de sangue._ Preciso de sua ajuda. - A voz de Kit, trêmula e

incerta, revelava a aflição que a consumia... - Philip... meu marido...

_ Sente-se aqui, Alteza, e procure se acalmar._ É possível que ele já tenha aprisionado meu

marido._ Philip tem o duque? Onde?_ Meu padrasto, o barão Somers, disse que Philip

preparou uma armadilha para pegar Wolf e o prender em algum lugar, sob a ponte oeste. Eu estava indo para lá sozinha, mas não sei se seria capaz de...

_ Você agiu bem vindo me procurar, milady, pois precisará de ajuda. - Virando-se para o filho, ordenou: - Rápido, menino, vá chamar Daniel Page e Robert Abovebrook. Peça a Robert para avisar William Smith e Kenneth Gamel também.

_ O que você pretende fazer, Gilbert?_ Ainda não tenho muita certeza, lady Kathryn.

Duvido de que Philip tenha mais do que três, ou quatro homens consigo. Quanto a mim, posso reunir tantos homens quantos forem necessários para libertar seu marido, o duque.

Kit levantou-se, dominada pela urgência. Qualquer atraso poderia ser fatal. Entretanto a pressa acabaria conduzindo ao fracasso.

_ Você conhece o local para onde Philip levou meu marido?

_ Não exatamente. Todavia estou certo de que seremos capazes de localizar o esconderijo.

_ Será que conseguiremos fazer com que os comparsas de Philip saiam de lá? Somente assim teremos uma chance de libertar Wolf.

_ Eu preferiria que não se envolvesse nisso, milady. Pode ser perigoso.

_ Mas eu preciso participar! Não abandonarei meu marido! - Xli retrucou determinada. – Já matei um homem essa noite e não teria remorsos em dar cabo de Philip. Pretendo libertar Wolf e não me importo com os riscos que venha a correr.

Dali a instantes, dois homens entravam na sala._ Daniel, Robert - Juvet os cumprimentou._ Alfie nos colocou a par da situação enquanto

estávamos a caminho - Daniel esclareceu. - Os outros chegarão a qualquer momento.

_ Otimo - Gilbert respondeu satisfeito. - Agora, tudo de que temos necessidade é de um plano.

CAPÍTULO XXII

Chovia sem cessar e Kit sentia-se satisfeita por se ver livre do cheiro de sangue que lhe impregnara as roupas depois da cena com Thomas Somers. Os doze aldeões con-vocados para o resgate do duque aguardavam agora, nas proximidades da ponte.

Minutos atrás Gilbert e o ferreiro tinham voltado com a notícia de que havia mesmo uma espécie de buraco enorme cavado na base da ponte, o alçapão parcialmente

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coberto por uma vegetação espessa. Chegara o momento de Kit e Tom Partridge colocarem a primeira parte do plano em ação.

Tom correu atrás da duquesa na direção do banco de areia e então a segurou pelo braço.

Ela gritou e o atingiu no peito com um soco, o que apenas o fez rir.

_ Solte-me, seu bruto! Alguém me ajude! - pediu, antes de cair de costas na lama.

_ Oh, milady - Tom murmurou em pânico._ Deixe-me ajudá-la._ Seu maldito! - Kit tornou a gritar, na esperança de

atrair a atenção daqueles dentro da toca. - Tire essas mãos de cima de mim!

Percebendo a intenção de lady Kathryn, Tom fingiu esbofeteá-la antes de permitir que saísse correndo na direção do esconderijo. Então a jogou no chão outra vez.

_ Oh, não, você não vai fazer isso comigo. - Kit esperneou e berrou, como uma mulher a ponto de ser subjugada contra a vontade. - Você me pagará caro, Tom Partridge!

_ Ei, o que está acontecendo aqui? - soou, afinal, a voz de um homem.

_ Quem é você? - desafiante, Tom encarou o intruso, fazendo bem o papel que lhe coubera. - E de onde surgiu? Não pense que pretendo dividi-la com alguém.

De súbito, o sujeito acertou o queixo de Tom com um murro possante, nocauteando-o.

No mesmo instante, Kit pôs-se a correr na direção oposta, perseguida de perto pelo comparsa de Philip, só parando ao ouvir um baque surdo às suas costas. Com o coração aos pulos, os músculos doloridos, virou-se a tempo de ver Gilbert e outros dois aldeões segurarem o agressor.

_ Não se aproxime, milady - Kenneth Gamel a advertiu. - Deixe esse canalha conosco.

_ Milady? - o homem repetiu, reconhecendo-a afinal sob a camada de lama que lhe cobria o rosto. - Pelo sangue de Cristo, eu deveria ter imaginado.

_ Cale a boca, Tuck - avisou-o o ferreiro. - Responda apenas às perguntas de milady.

_ Quem está naquele esconderijo sob a ponte?_ Quer dizer, além do conde e de seu marido?Daniel Page o golpeou nas costas._ Nada de insolência. Limite-se a responder à

duquesa._ Se eu não responder, o que acontecerá? - Tuck

indagou cheio de desprezo. - Vocês não passam de um bando de aldeões. Ninguém tem coragem de me enfrentar.

_ E mesmo? - Lentamente, Kenneth deslizou a ponta da faca ao redor da orelha do outro, deixando claras suas intenções.

_ Está bem, pare! Contarei tudo! Já não tenho nada a perder.

_ Exceto algumas partes do corpo. Vamos, fale._ Estão apenas o conde e Saladin no esconderijo._ E meu marido?_ Também está lá._ Vivo? - Gilbert Juvet fez a pergunta que Kit não

fora capaz de formular._ Sim. Philip planeja mantê-lo vivo como fez com

Dryden, usando certos métodos._ Em que condições se encontra o duque agora?_ Ele.., ele...Kenneth deslizou a faca por trás da outra orelha de

Tuck._ Estou tendo alguma dificuldade para acreditar em

você, sr. Tuck. Parece-me um tanto imprudente da parte de

lorde Philip estar metido naquele buraco com apenas dois de seus homens.

_ Mas é a verdade!A faca se moveu devagar, a ponta fina tirando

sangue._ Pare! lEu lhe imploro! Você está certo! Jack

Hartford está lá embaixo também._ Hartford! - Kit repetiu atônita ao descobrir que

fora um dos criados de Windermere que, provavelmente, atraíra Wolf para a armadilha.

_ Mesmo se quiséssemos, não teríamos como impedir o conde de agir à sua maneira. Planejávamos partir para a Irlanda, todos nós, o conde também. Ele queria apenas... A questão é o duque. Ele odeia o duque.

_ Amarrem as mãos desse canalha - Juvet ordenou. - Depressa, rapazes. Lady Kathryn, tem mesmo certeza de que pretende continuar?

_ Sim, seguirei em frente. Irei atrás de meu marido._ Foi o que pensei, milady.

Enquanto o pequeno grupo se encaminhava para o local do esconderijo, Kit tentava não pensar no pior, sufocando imagens de Hugh Dryden que insistiam em lhe vir à mente. Wolf saíra do castelo poucas horas atrás. Com certeza não era tempo suficiente para Philip cometer todo seu ritual de atrocidades.

_ Chame-os - Kenneth ordenou a Tuck ao chegarem perto do alçapão. - Dê a impressão de que encontrou alguma coisa, de que precisa do auxílio de ambos.

Depois de alguma hesitação e apenas sob a ameaça da faca, Tuck concordou:

_ Saladin! Hartford! Venham me ajudar! O homem é muito pesado para eu carregar sozinho.

_ Você está louco de ficar gritando aí fora dessa maneira? - Saladin falou, saindo do buraco. - O conde não quer...

Um golpe certeiro calou Saladin no mesmo instante em que Hartford era dominado, aliás, sem ter oportunidade de oferecer resistência.

William Smith fez sinal para’que Kit o seguisse. Sendo ele o mais alto e corpulento dos aldeões, parecia sensato tomar a dianteira. Com sorte, apenas Philip e o duque estariam lá embaixo, o que representaria um perigo menor à segurança de lady Kathryn.

Com a faca em punho, Kit seguiu-o em silêncio. Depois de percorrerem alguns metros de um túnel escuro, William parou de repente, apontando para a direita. Rastejando, protegidos pelas sombras, os dois se aproximaram de um cômodo pequeno e úmido, iluminado pela luz de uma única tocha. Imediatamente os olhos de Kit pousaram sobre a figura do marido, jogado numa cadeira, as mãos atadas atrás das costas.

Blanche Hanchaw estava de pé num canto, re-torcendo as mãos, enquanto Philip forçava o duque a erguer a cabeça segurando-o pelos cabelos.

_ Olhe para mim! - ele gritou, jogando um copo de água no rosto de Wolf, coberto de sangue.

_ Quero que você me veja! Quero que tenha per-feita consciência do que acontece aqui. Não é nem um pouco divertido se você estiver desacordado.

_ Meu lorde - Blanche interveio aflita. - Por que aqueles tolos estão demorando tanto?

_ Provavelmente se deitando com a rapariga. Idiotas. Estúpidos.

_ Não estou gostando nada disso, Philip. Alguém poderia vê-los.

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_ Não se preocupe. Você sabe perfeitamente bem que esse pequeno esconderijo já me serviu diversas vezes. E quando eu terminar, partiremos para a Irlanda. - Apanhando uma barra de ferro pontuda, Philip a estudou pesaroso. - E uma pena não podermos acender um fogo aqui.

Para Kit estava claro que Philip não era apenas cruel, mas louco também. Ninguém, com um pingo de consciência, teria feito a Hugh o que aquele insano fizera, cometendo as barbáries mais horrendas.

_ Temos que agir depressa - William segredou-lhe ao ouvido. - Especialmente você, milady. Eu cuidarei do conde enquanto você mantém a mulher ocupada. Provavelmente ela a verá antes que o conde perceba nossa presença. Gilbert e os rapazes estarão aqui a qualquer momento. Sente-se pronta?

O brilho feroz dos olhos de Kit foi resposta su-ficiente. Juntos, invadiram o cômodo. Ela ostentando a faca, ele brandindo um porrete.

Wolf mantinha-se consciente, apesar de brutal-mente espancado. Desde o princípio concluíra que sua única chance de tentar escapar seria mostrar-se incapacitado. Philip poderia, assim, baixar a guarda, talvez até desamarrá-lo. Sabendo que o primo preferia lidar com uma vítima consciente, não tinha a menor intenção de cooperar.

Todavia, chegara a hora de tomar uma atitude. Os comparsas de Philip encontravam-se lá fora, inclusive Hartford, que o atraira para aquela armadilha. Sem dúvida os dois voltariam a qualquer minuto, diminuindo drasticamente sua margem de sucesso. Wolf jogou o corpo para o lado e caiu da cadeira.

Era a distração que William e Kit esperavam para entrar no cômodo sombrio. No exato instante em que Philip se inclinou sobre o primo caído, Wolf o chutou selvagemente, atingindo-o no peito e fazendo-o perder o equilíbrio. Depressa, William o acertou na cabeça com o porrete, deixando-o inconsciente.

Compreendendo o que se passava, Blanche tentou escapar, porém Kit a derrubou no chão lamacento e sentou-se sobre ela, segurando-a com firmeza.

_ William?_ Sim, milady?_ Philip está inconsciente?_ Sim._ Então venha cuidar dessa mulher enquanto atendo

meu marido.Wolf continuava caído, as mãos ainda atadas, o

corpo bastante ferido.

_ Kit! - A voz profunda não passava de um sussurro.

_ Sim, meu amor, vim buscá-lo - ela respondeu chorosa, ajudando-o a sentar-se e soltando-lhe os pulsos.

_ Mas como?_ O barão Somers acabou salvando-lhe a vida. Oh,

Wolf, seu olho está tão inchado. E esse corte no rosto precisa de pontos.

_ Não é nada._ Como não é nada? Você sabe que entendo dessas

coisas._ Onde está Somers? - Wolf indagou, levantando-se

com dificuldade. - Juro que o mandarei de volta para casa a pontapés.

Então Gilbert Juvet e alguns dos outros entraram, Tom entre eles.

_ Tom! - Kit gritou ao vê-lo, ansiosa para certificar-se de que o aldeão não fora seriamente ferido.

_ Milady, eu queria me desculpar._ Desculpar-se, Tom? Por quê?_ Porque a derrubei no chão.Kit riu, aliviada._ Tratava-se de seu papel, não é mesmo? Con-

seguimos enganá-los direitinho, como havíamos planejado._ Era você? - Wolf perguntou à mulher. Ouvira

ruidos lá fora, claro, porém não dera muita atenção, preocupado apenas em aproveitar a chance proporcionada pela saída dos comparsas de Philip.

_ Não conseguimos pensar em nenhuma outra maneira de forçarmos os homens do conde a saírem daqui - Gilbert explicou. - Assim, criamos um tumulto.

_ Onde estão Hartford e os outros?_ Presos, meu lorde. Mais da metade da aldeia está

lá fora, esperando para ver Philip ser arrancado desse buraco.Daniel Page jogou um pouco de água no rosto de

Philip Colston e o obrigou a ficar de pé. Recuperando a consciência, o conde pôs-se a praguejar violentamente, o ódio concentrado em Wolf. Os aldeões, entretanto, apenas riam da figura agora ridícula, coberta de lama e espumando feito um cão raivoso.

_ Assuma o comando aqui, está bem, Juvet? - Wolf pediu ao saírem do buraco imundo. - Eu gostaria de levar minha esposa para casa.

_ Sim, meu lorde - Juvet retrucou, satisfeito com a autoridade que o duque lhe concedera. - A propósito, John Carpenter foi à procura de lorde Nicholas. Imagino que ele logo estará aqui.

_ Meus agradecimentos, Gilbert, por ajudar minha esposa a salvar minha vida.

Juvet apefias balançou a cabeça e afastou-se, deixando-os a sós.

_ Não creio que sua Annalouise teria feito tão bem. - Kit não resistiu ao impulso de comentar, apesar de ter jurado a si mesma nunca mencionar a outra mulher da vida de Wolf.

_ Quem?_ Sei que você era noivo antes de Henrique ordenar

que se casasse comigo.Ele riu com prazer._ Annegret? Nunca fui noivo de Annegret._ Annalouise, Annegret, tanto faz._ E Henrique não me mandou casar-me com você e

sim com a irmã dele. Se, desde o primeiro momento, eu tivesse sabido que era você, o rei jamais teria tido chance de me dar a ordem. Eu me anteciparia.

_ Tem mesmo certeza?_ Annegret representava uma aliança para meu avô.

E não significava nada para mim. Não poderia haver outra mulher em minha vida, a não ser você.

Eram tantas as tochas acesas, que mais parecia dia do que o meio da noite. Como Gilbert dissera, pelo menos metade da aldeia se encontrava reunida, ansiosa para testemunhar a queda de Philip. Uma pequena multidão aguardava o antigo conde de Windermere do outro lado da ponte, insultando-o e atirando tomates e ovos na criatura odiada. Philip gritava de volta. Blanche apenas cobria o rosto, insegura quanto ao que o destino lhe reservaria.

Wolf e Kit ficaram para trás, saboreando o reen-contro. As emoções das últimas horas finalmente a tinham vencido e já não era capaz de conter as lágrimas.

_ Preciso levá-lo para casa e cuidar desses fe-rimentos, marido.

_ Sim. E, pela primeira vez, conseguirei dormir em paz na nossa cama em Windermere. Já era hora...

_ O que está havendo? - Kit perguntou, notando um início de tumulto no meio da ponte.

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Mas de súbito não se ouvia nada, a não ser a voz de Philip, completamente alteradà. Ele estava fora de si, falando coisas sem nexo. Então um grito agudo e uma figura se atirando, do ponto mais alto, sobre as pedras que cobriam grande parte do leito do riacho. Kit fechou os olhos por um segundo, a cena forte chocando-a.

Philip. Tinha que ser Philip.Wolf desceu até o local onde se dera o acidente,

cercado por um silêncio absoluto. Todos viram quando o duque retirou o corpo inerte do primo da água. Ninguém desejou que aquele ser cruel sobrevivesse, ou rezou pela salvação de sua alma.

CAPÍTULO XXIII

Castelo de WindermereOutubro, 1421

O fogo ardia na enorme lareira do salão principal, onde um belo estandarte dominava a cena. Flores frescas enfeitavam cada mesa e, durante o dia, enxergava-se o céu através dos vidros impecavelmente limpos das janelas.

Os túneis sob Windermere estavam sendo lacrados um a um. Tratava-se de uma tarefa gigantesca, porém Wolf estava determinado a apagar todos os traços das depravações de Philip.

Lady Christine Wellesley havia deixado Win-dermere com a reputação arruinada.

Barão Somers fora levado de volta a Somerton para ser enterrado.

Blanche Hanchaw, Tuck, Saladin e Hartford tinham sido julgados em Londres, acusados de vários delitos. Os homens acabaram condenados à forca e a mulher sentenciada a passar o resto da vida numa masmorra, em Wessex.

Os ferimentos de Hugh Dryden começavam a sarar, depois de intensos cuidados, embora o cavaleiro ainda necessitasse de muito repouso antes de tomar posse das terras que lhe tinham sido concedidas pelo duque de Carlisle.

Kit reprimiu um bocejo. Estava tarde e embora se sentisse faminta, preferiria pedir à criada que lhe levasse uma bandeja até o quarto. Contudo Wolf dissera fazer questão da presença da duquesa durante o jantar, pois além de terem convidados, planejava fazer alguns anúncios importantes.

Maggie ajudou-a a se vestir. Kit, entretanto, não conseguia entender por que continuava cansada, se acabara de tirar um cochilo.

_ Trouxe-lhe um lanche - a criada falou. - Notei como seu apetite aumentou nos últimos dias.

_ Estranho, não é? Não me lembro de comer tanto assim antes.

_ Talvez seja...Uma batida na porta as interrompeu. Tratava-se de

Emma Juvet, que passara a visitar o castelo com freqüência depois de o marido haver assumido um cargo de confiança. As duas se abraçaram amigavelmente.

_ Não consigo entender - Kit comentou, terminando de se arrumar. - Já descansei e continuo com sono.

_ Você teria compreendido a razão se pensasse no assunto - Emma retrucou rindo. - Por acaso já lhe passou pela cabeça a possibilidade de estar esperando um bebê?

_ Oh, céus, será que estou mesmo grávida?Os últimos meses tinham sido tão movimentados,

que não dera pela ausência de menstruação. Tampouco conversara com o marido sobre seu desejo de ter filhos por absoluta falta de oportunidade. Porém, quanto mais pensava no caso, mais feliz ficava.

_ O engraçado é que não tenho enjôos. Sempre ouvi dizer que grávidas enjoam muito.

_ Pois eu nunca tive náuseas enquanto esperava Alfie.

Que será que Wolf diria quando lhe contasse a novidade? Aguardaria o momento certo de lhe falar, talvez pela manhã, ao acordarem. Só esperava que a notícia o deixasse contente.

Kit foi a última a entrar no salão, Wolf já a ponto de levantar-se da mesa para ir buscá-la pessoalmente.

_ Kathryn, você está bem? - ele indagou preo-cupado, beijando-a de leve nos lábios.

_ Claro. Por que não deveria estar? - Sorrindo, Kit cumprimentou os amigos, todos vestidos com roupas de festa. - Nicholas, Edward, como vocês estão elegantes.

Ao terminar a refeição, Wolf anunciou estar re-compensando alguns de seus homens, Kenneth, Egbert e Chester, com vários hectares de terras. Os três planejavam se casar dentro de pouco tempo.

_ Eu preferiria que vocês não partissem agora, todavia suas propriedades ficam perto de Windermere e sei que nos veremos com freqüência. Cabenos também dizer adeus ao meu primo Nicholas, visconde de Thorriton. - Vários protestos ecoaram das mesas. - Sentiremos a falta dele, mas já é hora de reclamar o título que lhe pertence por direito e as inúmeras propriedades também. De fato, Nicholas, recebi recentemente uma carta de nosso avô exigindo a presença do neto bastardo em Bremen. - Um coro de risadas seguiu as pa-lavras do duque. - Eu ainda não tinha lhe contado que meu tio jamais se casou com a mãe de Nicholas? - Wolf perguntou, vendo a surpresa estampada no rosto da esposa. - Nick é um homem de mais valor do que todos os meus pnmos legítimos juntos. Eu o amo como a um irmão. Por último, gostaria de convidar os presentes para retornar a Windermere em maio, quando será batizado meu primeiro filho.

A pequena multidão explodiu em gritos festivos. Kit olhou boquiaberta para o marido. Ele sabia!

_ Claro que não posso lhes dar a data exata, porém o nascimento da criança será na primavera.

_ Quando você desconfiou de que eu estava esperando um filho seu? - Kit perguntou horas depois, ambos deitados na cama enorme.

_ Acho que na manhã em que você terminou seu desjejum e devorou parte do meu. Ou quem sabe foi quando dormiu até o meio do dia e então se retirou logo após o jantar?

Kit o beliscou no braço, brincalhona._ Oh, mulher, como eu te amo. - Rindo, Wolf a

abraçou. - Sei que sua menstruação cessou logo depois de nossa chegada a Windermere. Isso significa que o bebê nascerá no final de abril. Eu ficaria muito feliz se ela nascesse na mesma data em que levei você embora de Somerton.

_ Ela?_ Claro. Quero uma filha exatamente igual a você.

Serei um pai que a amará e protegerá sempre._ E quanto a filhos?

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_ Podemos ter tantos quantos você desejar, esposa. Mas quero minha filha primeiro.

Devagar, Wolf despiu-a, beijando cada centímetro da pele branca e macia.

_ Eu te amo, marido._ Sei disso._ Minha vida não teria sido nada se Philip..._ Você me salvou e agora está tudo bem._ Muito melhor do que um dia fui capaz de sonhar.Sem palavras, Wolf mostrou à mulher o quanto a

amava e como a vida de ambos seria plena desde que tivessem um ao outro.

Fim!