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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA CLARETH GONÇALVES REIS
ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE
CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO
Juiz de Fora 2003
2
MARIA CLARETH GONÇALVES REIS
ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE
CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr.Roberto Alves Monteiro
Juiz de Fora
2003
3
MARIA CLARETH GONÇALVES REIS
ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE
CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Aprovada em 10 de janeiro de 2003
BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________________________
Profa. Dr. Roberto Alves Monteiro (Orientador)
Universidade Federal de Juiz de Fora
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Iolanda de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria da Glória da Veiga Moura
Universidade de Brasília
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Azuete Fogaça
Universidade Federal de Juiz de Fora
______________________________________________________________________
4
FOTO: Abilio Maiworm-weiand
“PRETO” (in memoriam)
A imensidão do silêncio lhe fez morada desértica num corte de Minas à África. Pulsa a vida nas águas às margens do rio sem ouro serpente linha de ferro. A travessia dos olhos nos escuta os lábios Negra história em telhas raízes fechadura solteira, cuscuzinheira. Quanto labor sabor da terra! Nas espingardas que dizem: lenha cortada rachada e rubra. Abilio Maiworm Weiand Juiz de Fora - MG, 18-dez-2.002.
5
Há o sofrimento do corpo, em si mesmo: dores,
incapacidades, limitações. Mas há a dor terrível
do olhar das outras pessoas. Se não houvesse
olhos, se todos fossem cegos, então a diferença
não doeria tanto. Ela dói porque, no espanto do
olhar dos outros, está marcado o estigma-
maldição: ‘você é diferente’. (Rubens Alves)
6
Agradecimentos
Com muito carinho, agradeço aos meus pais, Norberto e Lourdes, pelas
orações e pela força, embora distantes. Aos meus irmãos e parentes que acreditam em
minha busca contínua.
Agradeço à Fundação Ford, que através do Concurso Negro e Educação -
organizado pela Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação) e pela Ação Educativa - contribuiu não só financeiramente para a realização
desta pesquisa mas, propiciou-me um contato maior com a questão investigada, através
de seminários de formação, encontros e participação em eventos.
Agradeço também à CAPES, pela bolsa de estudos concedida, que foi
fundamental para a realização deste estudo.
Aos professores Azuete Fogaça e Roberto Alves Monteiro, pela colaboração
dada durante o curso, por terem me estimulado a prosseguir, mesmo diante dos
obstáculos e, principalmente, por terem acreditado em mim. Esta vitória também é de
vocês.
Aos moradores da Chacrinha, principalmente, pela acolhida carinhosa que me
deram durante a coleta de dados. À Prefeitura Municipal de Belo Vale, pelo apoio à
realização da pesquisa.
À professora Iolanda de Oliveira, que me acompanhou durante o Concurso
Negro e Educação, contribuindo significativamente para a minha formação acadêmica,
além de ter me encorajado nos momentos de desânimo.
Aos professores Márcio Lemgruber, Edmilson Pereira, Glória Moura e Regina
Pahim, pela contribuição através de sugestões e indicação de material bibliográfico.
Aos senhores Raimundo Duque e Luis Fernando Linhares que, através da
Fundação Cultural Palmares, gentilmente me enviaram material bibliográfico,
contribuindo com informações importantes sobre as comunidades remanescentes de
quilombos.
7
Às amigas Maria Batista, Sônia e Ângela, que também participaram do
Concurso Negro e Educação, pela força nos momentos difíceis, pelos valiosos debates
e pelos descontraídos bate-papos.
A todos os funcionários da Faculdade de Educação, especialmente à Enigmar
e ao Sr. Valmir que, com muita paciência, me acalentaram nos momentos de agonia.
À professora Eleuza Barboza, por ter me socorrido nos momentos de apuro.
À Luiza e Fernanda do CAED, aos colegas do NEC, Ana Emília, Cidinha,
Daniele e Simone; à professora Maria Queiroga, à Laureana e Marilda, secretária do
Mestrado, agradeço pela “torcida organizada”, pelo incentivo e pela colaboração nos
momentos de sufoco. A Andréa Borges, pela sugestão na escolha do tema e pela
contribuição na construção do projeto inicial, compartilhando comigo material
bibliográfico de grande valor. Aos colegas do Curso de Mestrado, Raquel, Paulo
Henrique, Josie, Fred, Carmem, Nádia, Érika, Andréa e Rafael, pelo carinho e apoio. À
grande amiga Telma, pela afeição, pela força e por estar sempre presente nos bons e
maus momentos.
Finalmente, agradeço ao meu poeta e companheiro Abilio Wayand, que esteve
sempre presente nos momentos de angústia e de descobertas, acompanhando cada
passo da pesquisa. Agradeço também pelo belíssimo trabalho fotográfico produzido e
pelas discussões sobre os produtos da pesquisa, que muito contribuíram para o meu
crescimento intelectual. Agradeço principalmente por me encorajar a enfrentar os
desafios inerentes à minha negritude.
8
RESUMO
Esta pesquisa procurou compreender como processos de construção de identidade racial
são abordados em uma escola situada numa comunidade remanescente de quilombo,
levando em consideração as relações estabelecidas pelos professores com os seus
alunos, sem perder de vista o contexto social da comunidade. Foram unidades de
análise: 1) as atividades desenvolvidas pelos professores; 2) o tratamento dado pelos
professores aos conteúdos relacionados à história da população negra; 3) a percepção
dos professores face à discriminação e preconceito racial e 4) os processos de
construção da identidade racial passíveis de serem observados na escola. O caminho
metodológico para essa compreensão foi a etnografia. Recorri ao estudo de caso de uma
escola inserida numa comunidade remanescente de quilombo e, por se tratar de uma
investigação de natureza etnográfica, utilizei como principais instrumentos a observação
participante, as entrevistas não estruturadas, além de fotografias com a finalidade de
documentar ocorrências do cotidiano da comunidade e da escola.
PALAVRAS-CHAVE: comunidade remanescente de quilombo, identidade negra,
escola, discriminação e preconceito racial.
9
ABSTRACT
This study aimed at the comprehension of the way the processes of construction of
racial identity are dealt with in a school placed in a community remaining of a
quilombo, considering the relationships established by the teachers with their pupils,
and also considering the social context of the community. The unities of analysis were:
1) the activities developed by the teachers; 2) the way the teachers dealt with the
contents related to the history of the population of those African descendents; 3) the
teachers’ perception towards discrimination and racial prejudice and 4) the processes of
the construction of the racial identity which are possible to be observed at school. The
methodological way for this comprehension was the Ethnography. A case study of a
school inserted in a community remaining of a quilombo was chosen, and once it was an
investigation of ethnographic nature, the main instruments used were the participatory
observation, the non-structured interviews, and the photos with the objective of
registering the happenings of the everyday life of the community and the school.
KEYWORDS : remnant community of maroons, black identity, education, discrimination
and racial prejudice.
10
SUMÁRIO
1. Caminhos percorridos na escolha do tema 11
1.1 Quilombos: trajetórias e significados 15
1.2 Trilhas metodológicas percorridas 32
1.2.1 A fotografia como instrumentos da pesquisa 34
1.3 Imagens da Chacrinha 40
2. Questão da investigação 48
3. Para além da escola 54
3.1 A educação nos seus aspectos sociais 54
3.2 Situando a escola investigada 58
3.3 Reflexões sobre educação formal na Chacrinha 59
4. Processos de construção de identidade racial: algumas considerações 84
5. Referências bibliográficas 89
6. Anexos 99
11
1. Caminhos percorridos na escolha do tema
Chegar onde cheguei, isto é, num curso de pós-graduação (mestrado em
educação) representou e ainda representa o duro embate da mulher proletária e negra.
O risco de buscar, por caminhos difíceis, uma educação que me promovesse humana e
socialmente fez da minha adolescência um período de tomada de consciência,
principalmente na busca pela justiça, que é uma constante em meu caminhar. Foi neste
período que surgiram os primeiros conflitos de identidade em relação aos padrões
estéticos dominantes.
Este conflito de identidade ocorreu de uma forma sufocante e em meio à
agonia. No entanto, estas questões nós não discutíamos em casa, embora, algumas
vezes, a minha mãe narrasse algumas situações em que ela fora discriminada,
ressaltando o seu enfrentamento de cabeça erguida. É em seu exemplo de força e
persuasão que busco a energia para continuar minha caminhada. Esta "acumulação
histórica" engendra o ambiente cultural da minha formação subjetiva e da
sensibilidade interpretativa com a qual pensei poder abordar as questões da
investigação proposta neste estudo.
Foram grandes as lições desta época. Destaco as idéias defendidas por BOFF
(1985) quanto à essencialidade da busca pela justiça social, solidariedade e
fraternidade, através do engajamento político, no contexto em que ocorre a reflexão, a
discussão e o despertar da consciência crítica. Só assim, foi que compreendi como
atuar na transformação social.
Meu ingresso no Movimento Negro, através do GRUCON (Grupo de União e
Consciência Negra), grupo que continua atuante até hoje, foi bastante significativo.
Minha participação anterior em movimentos sociais não trazia a marca da
preocupação com a questão da negritude. As atividades do GRUCON, ao mesmo
tempo em que ampliaram meu olhar para entender o comportamento da sociedade,
relativamente à população negra, me levavam a inúmeros questionamentos e ao
enfrentamento do medo de ser negro numa sociedade tão racista.
A discriminação racial, algumas vezes, não é fácil de ser percebida. Por
exemplo, até o início de minha juventude não me lembrava de momentos em que eu
tivesse sido discriminada. A exceção vem daqueles em que me perguntavam, ao ver-
12
me entre amigos brancos, se eu trabalhava na casa, como doméstica, reforçando a tese
de SANTOS (1984), de que “o brasileiro se acostumou a ver o negro desempenhando
determinados papéis: mendigo, empregado, operário, artista, jogador de futebol”
(SANTOS, 1984; p.57). Diante desses conflitos, a minha participação no GRUCON
foi o ingrediente principal na mistura de experiências que me levou à consciência de
ser negra.
Neste período eu cursava Pedagogia na FAFIL (Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras) de Montes Claros. É interessante mencionar que no curso
discutíamos vários temas referentes à educação, como: alfabetização, repetência,
evasão, democratização do ensino, etc. Também, as idéias de diversos autores, como
FREIRE (1977), CHAUÍ (1982), SAVIANNI (1986), dentre outros. Com certeza eles
contribuíram muito para a minha formação. Não obstante a exclusão social ser o foco
dos debates, nada se discutia a respeito da exclusão específica do negro na sociedade,
desde o momento em que foram atirados para fora da senzala, através da questionável
"Lei Áurea" (SILVA, 1987, p.36).
Além de cursar Pedagogia, lecionava numa escola particular, de Ensino
Fundamental e Médio, onde eu percebia que os poucos alunos negros que a
freqüentavam eram tratados de forma diferenciada por alguns profissionais. Ressalto
também que, no turno em que trabalhava, eu era a única professora negra. Essa
evidência confirma a desigualdade presente a sociedade brasileira, vivenciada,
sobretudo, pela população negra ao tentar inserir-se no mercado de trabalho.
No currículo da escola, em nenhum momento, se discutiam as questões
referentes ao negro, como sua história e sua cultura, exceto quando se tratava da
"Libertação dos Escravos", para enfatizar que os mesmos foram "libertados" pela
Princesa Isabel após a assinatura da Lei Áurea. E isto, com certeza, não acontecia
somente neste estabelecimento de ensino, pois tive a oportunidade de trabalhar em
outros e o mesmo fato se repetia. Isso contribuía para que questões referentes ao povo
negro fossem mantidas em silêncio.
Terminado o curso de Pedagogia, a vontade de expandir os meus
conhecimentos e, sobretudo, a minha voz, levou-me a cursar Letras na Universidade
Federal de Viçosa. Foi um período de grande crescimento político e cultural.
Militando no Movimento Estudantil, através da Coordenadoria de Cultura do DCE
13
(Diretório Central dos Estudantes) e como presidente do Centro Acadêmico do curso
de Letras, pude compreender que as divergências e conflitos de idéias fazem parte do
jogo dramático da existência e contribuem para o crescimento dos que dele
participam. Foi neste período que tive contato com a teoria marxista, através de
NETTO (1985), MALAGODI (1988), POLITZER (1979), LLANOS (1988), dentre
outros.
Com o materialismo histórico compreendi como se dá a divisão das classes
sociais nos aspectos econômicos e culturais. Através do conceito da "mais-valia"
(SANDRONI, 1991), entendi porquê os ricos estão cada vez mais ricos e a classe
trabalhadora cada vez mais pobre.
Ao percorrer toda a minha trajetória, percebi que os questionamentos a
respeito das desigualdades sociais sempre me impulsionaram a buscar uma melhor
compreensão deste fato, bem como a compreender de que forma eu posso nele
interferir. É neste contexto de vida que re-significo a proposta de FREIRE (1997) de
que, “no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se
apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso
mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a
situações existenciais concretas” (FREIRE, 1977, p.13).
A sociedade brasileira, racista e preconceituosa, precisa então ser
problematizada e investigada, especialmente quanto ao processo de construção de
identidade racial. Tenho percebido que os conflitos que vivenciei diante da aceitação
da minha identidade negra, do mesmo modo, são vivenciados por outras pessoas,
desde a infância até a maturidade. São inúmeros os indivíduos que preferem negar a
sua identidade negra, já que aceitá-la significa enfrentar desafios árduos e sofridos. É
nesse sentido que vejo a importância deste estudo, pois a escola pode ser um dos
locais a trabalhar com a construção da identidade negra, começando desde a infância,
para que, ao chegar na fase adulta, o negro saiba enfrentar os conflitos inerentes à
afirmação de sua identidade.
O objetivo de realizar este estudo numa comunidade remanescente de quilombo
decorre, antes de tudo, do interesse em conhecer e compreender a maneira de viver
daquele povo. Por ser uma população predominantemente negra, pretendia saber como a
questão da identidade negra era vivenciada pelo grupo e como a escola que atendia
14
aquela comunidade, com professoras negras, abordava aspectos concernentes à
população negra nas atividades desenvolvidas.
Diante disso, o objetivo principal deste estudo foi compreender os processos
de construção da identidade racial presentes na escola, através das relações
estabelecidas pelos professores com os seus alunos, sem perder de vista o contexto
social daquela comunidade. Analisando como os professores se percebem diante da
discriminação e do preconceito racial, procurei compreender como eles vêem a sua
participação na construção da identidade racial, tendo em vista o trabalho pedagógico
que realizam; além disso, documentei, através de fotografia, aspectos referentes ao
exercício da cotidianidade escolar e comunitária.
Para situar o leitor no contexto deste estudo, inicio a primeira seção
apresentando os caminhos percorridos na escolha do tema. Apresento, ainda, alguns
aspectos da trajetória da população negra brasileira a partir do período escravista, dando
ênfase aos movimentos desencadeados por essa população, especialmente à formação
de quilombos e os diversos significados do termo quilombo, partindo do conceito
“clássico” até chegar ao “contemporâneo”. As trilhas metodológicas percorridas,
incluindo a fotografia como instrumento da pesquisa e a apresentação de algumas
imagens da Chacrinha também estão incluídas nesta parte introdutória.
A questão deste estudo será explicitada na seção dois. A análise dos dados é
apresentada na seção três, que se subdivide em três componentes. No primeiro, discuto a
educação nos seus aspectos sociais mais amplos, ou seja, a educação como processo que
ocorre para além da escola. Nos componentes seguintes apresento a escola pesquisada e
discuto as informações obtidas junto aos professores, sujeitos da investigação. A seção
intitulada “Os processos de construção de identidade racial: algumas considerações”
abriga a parte conclusiva deste estudo. Completam o estudo as referências bibliográficas
utilizadas e um conjunto de anexos.
15
1.1-Quilombos: trajetória e significados
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado...” (KARL MARX).
Vista como mero instrumento de produção da riqueza e, nesse sentido,
considerada como mais um dentre os bens dos proprietários rurais, à população negra
do período escravista negava-se, inclusive, a própria condição humana. Sobre esse
aspecto, é importante destacar que até mesmo a Igreja Católica se omitia de qualquer
intervenção em defesa dos negros, sob a justificativa de que eram “pagãos” e, por isso,
a escravidão era uma forma de redimir suas almas. Sendo o maior e principal senhor
feudal da Europa, e ao mesmo tempo, a grande legitimadora desse modo de produção,
a igreja católica não apenas defendeu como estimulou a ação das cruzadas e dos
colonizadores; antes mesmo da descoberta do Brasil.
De acordo com MOURA (1987), a maioria dos estudos sobre o regime
escravista centra a sua “ótica nas relações de produção, nos mecanismos de
distribuição1 e nas eventuais e prováveis conseqüências desse período na nossa atual
sociedade” (MOURA, 1987, p. 7). Porém, como afirma esse autor, esses estudos não
dão muita importância ao papel do escravo no processo contraditório de lutas que deu
características ao próprio modo de produção escravista. Nesse sentido, a violência e a
rebeldia negra, usadas como forma de luta contra a escravidão, sempre foram
subestimadas.
Os escravos não foram passivos no sistema escravista; eles tiveram a sua
atuação marcada como “sujeito coletivo” na dinâmica social, embora, em sua maioria,
deparassem com “condições aviltantes da jornada, da alimentação (fome), da negação
de qualquer identidade ou cultura, das regras todas muito bem definidas pelo
servilismo” (REVISTA PALMARES, 2000, p.10). Mesmo diante da repressão dos
senhores, revoltas, rebeliões e fugas foram tentadas, ainda que a história oficial do
Brasil tenha poucos registros desses fatos. Após muito sofrimento, esses negros 1 Mecanismos de distribuição referem-se ao modo pelo qual a riqueza produzida no período escravocrata era alocada entre as diversas classes e camadas sociais.
16
descobriram uma forma de se libertar fugindo para os matos em pequenos grupos, aos
bandos, como fosse possível, buscando garantir a sua sobrevivência e resistência,
mesmo conscientes de que os seus senhores estavam sempre vigilantes. Como aponta
SILVA (1987b), “a possibilidade de rebeliões e fugas dos escravos negros era sempre
temida pelos senhores de engenho. Por isso, mantinham-se em alerta e alimentavam
com certo exagero a idéia de insegurança, sustentando sobre si o status quo da
verdadeira segurança e manutenção de seu domínio sobre os mais fracos” (SILVA,
1987b, p. 12).
Apesar de toda a violência praticada pelos senhores brancos e do respaldo
legal que a ela era dado, a partir do século XVIII a história do negro no Brasil passa a
registrar a luta contra a opressão. Muitos negros conseguiram subverter a ordem
estabelecida, escapando da escravidão, do sofrimento e das humilhações a que eram
submetidos. Essa luta se dava através de diferentes práticas, incluindo o banzo2 e o
suicídio. Das estratégias de enfrentamento da ordem estabelecida a que alcançou
maior repercussão foi a fuga para a criação de quilombos.
Nesse contexto, os quilombos foram definidos como um misto de aldeia e
forte, nos quais os negros tanto se protegiam dos caçadores de escravos fugitivos,
quanto procuravam recriar seus ambientes nativos, recuperando a liberdade e
praticando os princípios e costumes de suas culturas. Porém, outros significados,
também, foram atribuídos à palavra quilombo. Para o rei de Portugal, em documento
de 02 de novembro de 1740, quilombo era “toda habitação de negros fugidos que
passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem
se achem pilões neles” (MOURA, 1987, p. 16).
Para ALMEIDA (2000), essa definição contém cinco elementos básicos. O
primeiro se refere à fuga, sendo a idéia de quilombo sempre vinculada a escravos
fugitivos. O segundo, diz respeito à quantidade mínima de escravos “fugidos”,
claramente definida. O terceiro especifica o lugar onde eram formados os quilombos,
sendo marcado pelo isolamento geográfico - distante da “civilização” e de difícil
acesso. O quarto elemento remete ao “rancho”, mostrando que o quilombo independe
da presença de moradias; o que importa é a existência, no local, de outros elementos
que pudessem beneficiar os escravos. Como quinto elemento básico ocorre o sentido
agregado pelo instrumento “pilão”, que naquele contexto está relacionado à questão
2 “Nostalgia mortal, uma espécie de suicídio provocado pela saudade da sua terra e de sua gente”. (DIC. Aurélio p. 230).
17
do autoconsumo e da sobrevivência.
SANTOS (1984) relata que o nome quilombo veio da África Ocidental, do
norte de Angola, próximo do Rio Kuanga, quando os portugueses e holandeses
iniciaram o tráfico negreiro. Os africanos capturados por outros africanos eram
recolhidos em depósitos provisórios, prisões a céu aberto, ajuntamentos que foram
chamados, naquele contexto, de quilombos. Assim, por extensão de sentido, aos
ajuntamentos de negros no Brasil-colônia foi atribuído o nome quilombo.
No século XIX, os quilombos espalharam-se por todo o Brasil, do Amazonas
ao Rio Grande do Sul, obtendo outro significado: o de comunidades formadas por
negros escravos, em sua maioria fugidos do trabalho forçado e da ação das forças
escravocratas. Para CARNEIRO (2000) o aquilombamento, em geral, é caracterizado
como:
a) Revolta organizada pela tomada do poder político, tal como aconteceu na revolta dos negros malês na Bahia, entre 1807 e 1835; b) Insurreição armada, especialmente no caso de Manuel Balaio, no Maranhão, em 1839 e;
c) Fuga para o mato, de que resultaram os quilombos, tão bem exemplificado por Palmares (CARNEIRO, 2000, p.11).
Na opinião de MOURA (2000) “não podemos deixar de ver o quilombo
como um elemento dinâmico de resgate das relações escravistas. Não foi manifestação
esporádica de pequenos grupos de escravos marginais desprovidos de consciência
social, mas um movimento que atuou no centro do sistema nacional, e
permanentemente” (MOURA, 2000, p. 11). A formação de quilombos foi uma das
possibilidades de os negros manifestarem a sua revolta contra todas as formas de
opressão sofrida, sendo essas revoltas muito bem organizadas, embora, nem sempre
com resultados positivos. Contudo, a formação de quilombos, naquele momento, foi
uma das maneiras mais viáveis para o negro conseguir a sua liberdade, por isso teve
tanta repercussão.
Embora muitos séculos tenham se passado, a idéia de quilombo ainda
continua presente na sociedade brasileira, porém recontextualizada e com sentido
novo. De acordo com O’DWYER (1995), a discussão que norteia os novos
significados de quilombo teve o seu início em outubro de 1994, em reunião realizada
pelo Grupo de Trabalho da Associação Brasileira de Antropologia, quando foi
elaborado um documento contendo posições sobre os diversos significados de
18
quilombo. Conforme o documento, o termo quilombo adquiriu novos significados na
literatura e também para os grupos, indivíduos, associações, além de organizações.
Esse documento era destinado ao Seminário das Comunidades Remanescentes de
Quilombos, promovido pela Fundação Cultural Palmares, pois estava em pauta a
aplicação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT,
da Constituição Federal. A despeito das diversas discussões em busca de um novo
conceito de quilombo, o que se percebe é que nenhum conceito fechado ficou
determinado, pois, por ser um assunto muito polêmico, o debate deveria continuar.
Dessa forma, o conceito de quilombo ainda continua em construção.
Para auxiliar-me nessa investigação, utilizo um dos conceitos proposto por
O’DWYER (2000) que, de acordo com a minha avaliação, melhor atende ao trabalho
realizado na “Chacrinha dos Pretos”, comunidade investigada:
Essas comunidades não são resíduos ou resquícios arqueológicos, nem grupos isolados de uma população extremamente homogênea e, da mesma forma, nem sempre foram constituídas a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados – sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar. (O’DWYER, 2000, p. 14).
Para a autora, quilombos surgem novamente ou “são descobertos”,
contemporaneamente, com um novo conceito, bastante diferente do conceito
clássico. O quilombo, hoje, não está isolado do restante da população e nem sempre
a sua formação decorre de “insurreições ou rebelados”. Um dos objetivos da
formação de quilombos, na atualidade, é a luta ou a resistência procurando a
manutenção da cultura. Essa perspectiva permite pôr em relevo a importância dos
processos de construção da identidade, considerando as características peculiares a
cada grupo.
Pesquisas realizadas por MOURA (2000) nas comunidades remanescentes de
quilombos localizadas em Santa Rosa dos Pretos/MA, Mato do Tição/MG e
Aguapé/RS, confirmam a importância da manutenção da cultura nessas comunidades,
concluindo que a “vivência da identidade contrastiva, elaborada e apreendida através
da cultura da festa, faz com que os quilombolas afirmem vigorosamente sua diferença
e a reivindiquem enquanto direito, vivendo de seu trabalho, quase sempre no campo e,
concomitantemente, cantando, dançando, praticando suas devoções, vivenciando sua
19
fé” (MOURA, 2000, p. 147). A autora afirma, ainda, que o contato dessas
comunidades com as festas tem um papel muito importante no que se refere à
educação, pois as festividades interferem no processo ensino-aprendizagem e na
construção da identidade das crianças, o que, normalmente, não ocorre na escola
tradicional.
A partir de pesquisa, ANJOS (1999) concluiu que, “no Brasil, os
‘remanescentes de antigos quilombos’, ‘mocambos’, ‘comunidades negras rurais’,
‘quilombos contemporâneos’, ‘comunidade quilombola’ ou ‘terra de pretos’ referem-
se a um mesmo patrimônio territorial e cultural inestimável e em grande parte
desconhecido pelo Estado, pelas autoridades e pelos órgãos oficiais” (ANJOS, 1999,
p. 10). Conforme o referido autor, são várias as denominações dadas a essas
comunidades; neste estudo, faço uso do termo “remanescente de quilombos” para
denominar o grupo investigado. São várias, também, as estratégias de sua formação.
De acordo com MESQUITA (2000), essas comunidades se constituíram
através de diferentes formas de ocupação da terra por grupos de escravos ou ex-
escravos, “não necessariamente as do ‘modelo’ de quilombo materializado pela
experiência de Palmares, escravos que, através da fuga, criaram comunidades isoladas
geograficamente” (p. 59). A formação dessas comunidades advém de doações,
alforrias, heranças, compra de terras por escravos alforriados, entre outras situações.
No caso da “Chacrinha dos Pretos”3, comunidade por mim investigada, segundo relato
de alguns moradores mais velhos, a terra foi adquirida por meio de uma herança
deixada pelo último proprietário da fazenda a uma ex-escrava, “tomada como sua
esposa” e por ele emancipada.
Por força do preconceito racial e social, os milhares de descendentes de
quilombolas têm vivenciado, ao longo dos séculos, todo tipo de conflito na sociedade
brasileira. Somente após cem anos da “Abolição” da Escravidão é que surgem, por
exemplo, os artigos 215 e 216 da Constituição, que tratam de “questões relativas à
preservação dos valores culturais da população negra”, elevando “a terra dos
remanescentes de quilombos à condição de Território Cultural Nacional” (REVISTA
PALMARES, 2000, p. 7). Esses artigos determinam a posse das terras que ocupadas
pelos remanescentes de quilombos.
3 Anexo 1: foto – Vista parcial da comunidade Chacrinha dos Pretos (foto: Abilio M. Weiand, 2002).
20
A FCP - Fundação Cultural Palmares4 - tem hoje um importante papel na
consolidação desses artigos, cabendo à instituição a tarefa de praticar e assinar atos
necessários ao cumprimento do artigo 68 das Disposições Constitucionais
Transitórias, que “confere às Comunidades Remanescentes de Quilombos o direito ao
Título de Domínio de posse das terras que ocupam” (SANTOS, 2000, p. 7). Através
de dados divulgados pela FCP, até o momento, 743 Comunidades Remanescentes de
Quilombos já foram identificadas5, 42 reconhecidas e 29 tituladas6. O processo de
titulação envolve identificação, estudo antropológico, delimitação topográfica,
levantamento cartorial e demarcação. Em Minas Gerais, estado onde se situa a minha
investigação, 66 comunidades remanescentes de quilombos já foram sistematizadas
pela FCP 7.
A comunidade investigada, “Chacrinha dos Pretos”8, está situada a 8 Km de
Belo Vale (MG), com aproximadamente 145 moradores e 35 famílias, sendo a maioria
de seus habitantes composta por adolescentes e jovens. Essa comunidade já passou
pelo processo de sistematização, coordenado pela Fundação Cultural Palmares. Para
chegar à titulação, será necessário percorrer alguns caminhos; entre eles, a realização
de laudos que apresentem detalhes sobre as características da comunidade.
As informações devem apresentar dados detalhados referentes à identidade
étnica da população, à sua formação, grau de parentesco, área ocupada, aspectos
culturais e econômicos. Somente após a identificação dessas características é que a
FCP poderá dar início ao processo de titulação. De acordo com a FCP, além do
processo de titulação, essa instituição, juntamente com outros órgãos gestores dos
governos federal, estadual e municipal pretendem buscar a implementação de
“projetos de desenvolvimento local (cultural, econômico e social), que promovam a
auto-sustentabilidade das comunidades” (SANTOS, 2000, p. 8). Esse apoio é
4 “A Fundação Cultural Palmares, entidade direcionada à população negra, tem a missão institucional de trabalhar com a inclusão dessa população no processo de desenvolvimento social, econômico e cultural (...), a FCP tem tarefas fundamentais de liderança e tem obrigações, inclusive com base na própria lei que criou. Isso inclui a questão dos Remanescentes de Quilombos” (PEREIRA, 2000, p. 55). 5 Anexo 2: distribuição nacional das comunidades remanescentes de quilombo já identificadas / 2001
6 Anexo 3: comunidades remanescentes de quilombos tituladas. 7 Anexo 4: Sistematização Nacional das Comunidades Remanescentes de Quilombos por Estado/Minas Gerais. 8 Anexo 5: Mapa de Localização da Chacrinha em Minas Gerais.
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imprescindível para que a comunidade possa usufruir os benefícios advindos da
titulação recebida. Além disso, os moradores de comunidades como a “Chacrinha dos
Pretos” não têm acesso a cursos, oficinas ou outros meios pelos quais possam
aprender atividades que possam lhes trazer um retorno não só econômico, mas
também cultural e social.
Relativamente à titulação das Comunidades Remanescentes de Quilombos,
RODRIGUES (2000) aponta alguns aspectos para os quais devemos atentar na
elaboração dos laudos periciais. Eles têm como objetivo principal o reconhecimento
da comunidade como remanescente de quilombo através da verificação de
características determinadas por procedimentos de natureza antropológica, histórica,
arqueológica, geográfica, econômica. RODRIGUES (2000) chama a atenção, na
realização desses laudos, para o significado do termo quilombo proposto no artigo
216, parágrafo 5º da Constituição Federal e no artigo 68 do Ato das Disposições
Transitórias Constitucionais - ADCT. De acordo com o autor, é a primeira vez que, na
história da República, o conceito de quilombo é utilizado juridicamente.
Embora o conceito de quilombo, como vimos anteriormente, ainda esteja em
construção, RODRIGUES (2000) enumera algumas características que precisam ser
comprovadas na elaboração dos laudos periciais:
a) A composição étnica, desta comunidade, que deve ser composta de negros9; b) Os dados históricos da comunidade (história em comum, como evolução histórica da formação daquele grupo social, note-se que muitas vezes não se afirma um vínculo histórico com o passado quilombola por evidentes razões históricas, o desenvolvimento dessa região em que vive a comunidade, o seu reconhecimento como terra de pretos e outros aspectos que possam reconstruir a vivência da comunidade); c) O perfil antropológico do grupo (o fato daquelas pessoas se sentirem portadoras de uma identidade diversa das outras comunidades que partilham de ambiência similar e outros fatores que possam traçar as características mais marcantes daquele grupo social); d) Aspecto econômico (o fato de terem uma economia comunitária, a reprodução dos bens se dar de acordo com a lógica coletiva, como se relaciona comunidade com outros espaços de reprodução da riqueza); e) A análise etnográfica (os ritos e tradições culturais que os unem
9 “Este é um dos mais importantes critérios, pelo próprio alcance da norma constitucional que visou resgatar um dado cultural, histórico, social vivido pela raça, submetida a um regime de escravidão. Talvez pela sua obviedade não foi devidamente ressaltado na apresentação, no entanto, o debate serviu para reparar essa omissão” (RODRIGUES, 2000, p. 188).
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serem os mesmos, não necessariamente de origem estritamente africana); f) Os fatores geográficos (como é o espaço que habitam, a forma de se relacionar com o solo, como a vocação geográfica proporcionou modus vivendi daquela comunidade) e; g) A questão cultural (as relações de família, de parentesco, de papéis dentro daquela sociedade, as particularidades dessa população em relação aos sistemas de poder vigentes, como se dá a transmissão de conhecimentos) (RODRIGUES, 2000, p. 189).
O autor acrescenta, ainda, que é necessário provar, também, a ocupação da
área pela comunidade, estabelecendo, se possível, “um marco inicial da ocupação,
pois os limites espaciais da ocupação são imprescindíveis para a sua demarcação”
(Ibid., p. 189). Além disso, outras formas de ocupação dessas terras devem ser
consideradas, como o uso de espaços individualizados e o uso das áreas em comum.
Na elaboração dos laudos periciais, entre os vários aspectos considerados
pelo referido autor como pré-requisitos para a concretização da titulação, destaco os
“dados históricos da comunidade”, ou seja, a formação histórica daquele grupo social.
No que se refere aos dados históricos da comunidade “Chacrinha dos Pretos10”, pude
perceber que grande parte dos moradores desconhece a história do seu local de
origem.
Foi somente a partir de 1997 que um grupo de estudantes do município de
Belo Vale, com a participação de dois moradores da Chacrinha11 e com o apoio da
professora de História da Escola Estadual de Belo Vale, iniciou as primeiras
investigações a respeito da história da comunidade. O interesse desse grupo de alunos
surgiu devido à presença de “imponentes ruínas”12 ali localizadas. O fato de os
moradores mais jovens não conseguirem dizer “o que poderia ter sido no passado esse
conjunto de tão bela e rústica arquitetura”13, também contribuiu para a realização do
processo investigativo. Parte desse trabalho, conforme citação abaixo, mostra a
importância de sua realização:
Decifrar esse enigma é de tão grande importância porque conhecendo melhor o passado entendemos melhor o presente e assim poderemos,
10 Anexo 6 – Foto – Comunidade (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 11 Anexo 7 - Foto – Habitação (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 12 Anexo 8 – Foto – Ruínas (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 13 “Inventário de proteção do acervo cultural, histórico e arqueológico das ruínas da fazenda Chacrinha dos Pretos, no município de Belo Vale – Minas Gerais” (Trabalho realizado pelos alunos, p. 2, 1997).
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inclusive, transformar o futuro. Segundo a tradição oral, repassada pela família do Sr. Antônio Rezende, essas ruínas são de uma fazenda construída em meados do séc. XVIII (1752) e pertenceu a um português, José de Paula Peixoto, conhecido pelo pseudônimo de Milhão e Meio por possuir essa fabulosa fortuna em moedas de ouro e prata. Solteiro, Milhão e Meio, tomou uma de suas escravas para esposa e, como não possuía descendentes, seus bens (dinheiro, terras e escravos) com o seu falecimento, ficaram para essa escrava “esposa” que então alforriou todos. (TRABALHO REALIZADO PELOS ALUNOS, 1997).
A partir dos relatos dos moradores e de suas observações, constatei, também,
que são exatamente as ruínas da fazenda as que mais despertam o interesse de visitantes.
A presença de uma pedra, com a data de 1752, levou muitos a deduzirem que esta pode
ser a “pedra fundamental da fazenda” mas, embora tomadas por moradores e visitantes
como verdade, são apenas hipóteses, pois não há registros escritos relativos ao período.
Aliás, toda a história que se sabe, até hoje, sobre a origem daquela comunidade
foi construída oralmente. Apenas recentemente tive acesso à fotocópia de um
documento original, manuscrito e registrado em cartório de Ouro Preto/MG, cedida pela
secretária municipal de turismo de Belo Vale. Consta nesse manuscrito a data
10/07/1841. Por apresentar algumas dificuldades de leitura, esse documento foi
encaminhado a um especialista para fazer a transcrição. Esse procedimento ainda não
foi concluído no momento em que redijo a presente dissertação.
Além da presença das ruínas, outros artefatos ainda se encontram na
comunidade, entre eles dois potes de argila, usados como cuscuzeira14. Esses potes
pertenceram à bisavó de Rafael (portador da história oral do local, no dizer de alguns),
sendo que um deles se encontra sob sua posse e o outro, com a sua mãe. Existem, ainda,
um cadeado15 de ferro, cujas características levam a crer que pertenceu à fazenda que ali
existiu, e uma trapizonga16 (pedra de moinho) que, conforme relato de moradores, foi
utilizada pelos escravos.
Ainda segundo moradores, muitos objetos foram levados do local,
especialmente em 1914, época em que parte da fazenda foi ocupada pela Estrada de
Ferro Central do Brasil com o objetivo de construir um trecho da ferrovia. Naquele
14 Anexo 9: foto – Pote (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2001). 15 Anexo 10: foto – Cadeado (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 16 Anexo 11: foto – Trapizonga (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2001).
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período a casa ainda possuiria muitas peças de sua mobília original, além de quadros,
imagens de santos, vasilhas de prata e de ouro, entre outros objetos de valor. Em
entrevista realizada com Rafael sobre a vinda dos construtores da Central do Brasil, ele
diz: “eles carregaram muitos objetos de valor daqui da fazenda, dizendo que aqui era
assombrado, e a população, com medo, né!(...) enquanto isso, eles aproveitaram e
levaram as coisas...” (ENTREVISTA n.º 05, 22/01/02). Em sua opinião, isso ocorria
porque os habitantes não tinham a noção do valor daqueles objetos. Assim, deixavam
estranhos tomarem posse, sem saber o motivo que despertava o interesse por coisas tão
“antigas”.
Percebi, também, que a presença das ruínas apresenta um certo significado na
vida dos moradores, mesmo daqueles que não conseguiam entender bem o motivo de
tantas visitas e de reportagens sobre aqueles “muros caídos”, no dizer de alguns. Em
visitas a Vó Domingas, uma das moradoras mais idosas da comunidade e, segundo ela
própria, neta de escravos, compreendi que as ruínas têm um significado diferente para
algumas pessoas mais velhas, principalmente aquelas que tiveram a oportunidade de ver
os muros ainda erguidos.
No início das visitas, Vó Domingas evitava falar das ruínas da fazenda, de seus
antepassados e da escravidão. Geralmente, quando se tratava desse assunto, ela dizia
que já estava velha, que a memória já não funcionava mais. Porém, no decorrer da
investigação, comecei a perceber que falar do seu passado a deixava triste e angustiada.
Esses sentimentos eram o seu motivo de não querer lembrar o passado, uma época
sofrida que deixou marcas irreversíveis. Assim, no decorrer das observações, pude
compreender a razão do “não funcionamento” da memória de Vó Domingas.
Entretanto, chegou um momento na história daquela comunidade em que as
ruínas começaram a atrair estudantes, professores, pesquisadores, repórteres de jornais e
televisão, entre outros. Aquelas ruínas, com a história que carregam e cujo passado era
evitado por Vó Domingas, começaram a ter expressividade. A partir daí, Vó Domingas
passou a compreender a importância de seus relatos para a preservação da memória do
local e, ainda acanhada, começou a narrar alguns acontecimentos, entre os quais aqueles
relativos à sua infância:
“...antigamente as casas era tudo de sapé. O pessoal ia pro mato, cortava pau pra fazer as casas, que era toda barriada e envairada. Eles amarrava as varas com cipó. Tudo era na base do pau, vara e
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cipó... A casa do Vô Chagas só tinha quatro cômodos e também era de sapé. Era uma casa firme(...)mas, um dia, veio um vento muito forte e derrubou a casa. A parede da casa caiu “direitinho”, ficou toda deitada no chão, porque era toda amarrada, mas os paus estavam podres e gastos e foi por isso que ela caiu...”
Vó Domingas falou, também, das ruínas:
Passei muito tempo sem ir pro lado das ruínas e, quando eu fui lá, fiquei boba de ver os trem tudo acabado. Era até bonito quando tava tudo em pé. Nós ia lá pra fazenda brincar, cantava roda. Era muito menino naquele tempo. A fazenda era grande, mas não tinha nada, nem um banco, nem uma mesa, nem fogão, nem cama, não tinha nada. Ficou parado, aí começou a cair. Aí tinha um que morava lá: o Beijo, casado com a Jacinta. Desmancharam a casa, tiraram as telhas: ‘Ah, vamos repartir essas telhas’. Tirou pro Vô Chagas, pro Beijo, pro Ramiro. Sei que cada um fez sua casa. (ENTREVISTA nº 16, 09/04/02).
Hoje, Vó Domingas dá entrevistas para pesquisadores e, principalmente, para
jornais e televisão, permitindo a transmissão de sua imagem através de fotografias ou
filmagens. As suas histórias são relatadas sem timidez e com muita espontaneidade,
embora ainda permaneça uma certa melancolia no fundo do seu olhar. Mesmo assim, é
perceptível a satisfação que ela demonstra na sua fala.
Como afirma CARVALHO (2000), por meio das entrevistas obtêm-se “...
certos ingredientes da memória oral, da história oral, da movimentação geográfica,
ingredientes esses que poderão ser utilizados mais diretamente num confronto mais
instrumental, pois cabem mais facilmente à formulação do laudo, e podem conferir com
a documentação da época gerada por historiadores e viajantes” (CARVALHO, 2000: p.
61). Os laudos da Fundação Cultural Palmares, por exemplo, reconhecem a importância
das histórias narradas pelos moradores, especialmente daqueles mais velhos, pois
tiveram a oportunidade de testemunhar cenas da época ou de ouvir relatos dos
familiares que os antecederam.
De uma entrevista realizada com “Vó Noemia”, de 80 anos de idade, moradora
da comunidade desde que nasceu, destaquei um episódio, narrado por ela e vivenciado
pelos seus antepassados (pais, avós, tios, etc), que pode nos levar a crer que, na época,
uma das atividades exercidas pelos escravos da fazenda era a mineração:
Fui nascida e criada aqui. Os antigos que colocaram o nome “Chacrinha”, aqui. Quando nasci, a fazenda já não existia mais (...)
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foi tudo acabando, tudo porque os véios morreram. Aí ficou só o muro. Na igreja velha que desmanchou, tinha muito santo. Quando a igreja começou acabar, eles levô tudo para Lagoinha. Tinha ouro naquela casa onde o meu avô morava. O meu pai achou uma panela de ouro. Eles iam para o moinho, onde moía milho. O moinho era do meu bisavô. Moia para todos da Chácara. Um dia tava dando uma chuva fina, o meu avô tava indo para o moinho com a minha tia. Quando ele ia descer o muro, ele viu uma goteira pingando em cima de uma coisa que parecia uma tampa de panela. Aí ele disse: ´O que será aquilo?` A minha tia disse: ´Pode ser uma panela`. Ele foi e voltou e cavacou; era uma panela de barro com esmeril por cima. Aí ele pegou a panela e foi levar para a bica para lavar o pó. O filho dele chamado Ozório disse: ´Pai, não lava não, isso é ouro!` O pai dele respondeu: ´Que nada, menino! Você não sabe de nada!` Aí ele pegou a panela e colocou debaixo d’água e o pó se espalhou...Estava anoitecendo...Só viram aquela coisa brilhando descendo água afora, levando o ouro. Ele ficou muito sentido, quando viu aquilo. Quando o fazendeiro Valeriano ficou sabendo, veio doido para ver a panela e saber onde estava o ouro, porém só restava a panela. O fazendeiro ficou muito nervoso. (ENTREVISTA nº 03, 12/12/01).
GUIMARÃES (1996), em estudos sobre Minas Gerais no século XVIII, diz
que “a sociedade mineira, constituída a partir de um processo desencadeado pela
descoberta do ouro nos fins do século XVII, teve na escravidão uma das formas
dominantes de organização do trabalho” (Ibid, p. 139). Essa informação é importante
para confirmar o valor da narração de Vó Noemia sobre a questão do ouro encontrado
naquela época, ajudando-nos a entrelaçar os fatos históricos às histórias orais. Além
disso, dados históricos e cronológicos de Belo Vale, município onde está inserida a
“Chacrinha dos Pretos”, mostram-nos que, em 1700, foi descoberto ouro naquela região.
Nesses mesmos dados históricos, consta também que os últimos garimpos de ouro
foram feitos em 1992, através de balsas, no Rio Paraopeba (Dic. Escolar da Prefeitura
Municipal de Belo Vale, gestão 93-96).
Para o registro das histórias orais pude tirar partido de um hábito, relativamente
comum numa das famílias daquele local: bater papo à noite, à beira do fogão a lenha.
Nessas ocasiões conversam sobre vários assuntos, especialmente sobre “casos” do
passado. Esses “casos”, geralmente, são ouvidos com muita atenção e respeito pelas
crianças17, pela família e pelos visitantes. Tive a oportunidade de participar de algumas
17 Anexo 12: foto: Crianças (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002).
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dessas conversas e gravá-las. Durante essas conversas foram narradas histórias sobre a
Chacrinha, especialmente pelo Sr. Zé Dias18.
Num desses encontros, o Sr. Zé Dias19 falou sobre a origem do nome da
comunidade. De acordo com ele, o nome do local, “Chacrinha”, é decorrente de uma
chácara que existia na fazenda com uma grande variedade de frutas, como jabuticaba,
manga, abacate, laranja, mexerica, etc. O nome usado anteriormente era “Chácara”,
como confirma o Sr. Zé Dias: “os antigos mesmos falava era Chácara dos... Chácara
dos... negros? (Rafael, o seu neto interfere: “dos Pretos”). É, dos Pretos, Chácara dos
Pretos. Mas tem muitos aí que não acham graça falar isso, não, mas eu não incomodo,
não” (ENTREVISTA nº 07, 11/02/02)
Perguntei ao Sr. Zé Dias por que os moradores da comunidade não gostam do
nome “Chácara dos Negros ou dos Pretos”. A sua resposta foi a seguinte: “Ah! Tem uns
que não gostam, não, sabe por quê? Porque é negro, porque a turma, o pessoal daqui é
tudo negro mesmo, né? Agora foi, assim, entrando, assim, claro (refere-se às pessoas
brancas que se casaram com pessoas de sua família), né, na família, aonde que pintou
um bocado, né? (dá risadas). Mas, é tudo negro mesmo, é crioulo mesmo, é Chacrinha
dos Pretos, mesmo” (Ibid).
Essa questão que envolve uma aparente polêmica sobre o nome do local está
diretamente ligada ao fato de o indivíduo “dizer-se negro”, expressão usada por SILVA
(1987c) em seu trabalho realizado em Limoeiro (RS) sobre Formação da Identidade e
Socialização. Esse trabalho confirma que a negação da identidade negra ocorre,
também, em outras comunidades. Conforme aponta a autora:
Os negros de Limoeiro se sabem negros. No recinto da casa familiar, podem até se tratar de negros, mas fora se dizem e consentem ser tratados de morenos. A denominação moreno é aceita com constrangimento tanto pelo que diz como pelo que ouve, já que é ambígua e por isso mesmo preconceituosa, além de mostrar que os traços físicos são reveladores da identidade étnica que se quer escamotear. (SILVA, 1987c, p. 146).
18 Anexo 13: foto: Família do Sr. Zé Dias (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002) 19 Os nomes citados neste estudo serão verdadeiros, pois a coleta de elementos da história oral da comunidade poderá contribuir com a realização de laudos periciais necessários para a titulação da comunidade. Nomes fictícios serão inseridos apenas na seção três onde discuto as questões referentes à escola.
28
Na “Chacrinha dos Pretos”, embora esteja inserida num contexto específico, a
questão do “dizer-se negro” também surge, expondo o conflito racial vivido por alguns
moradores dessa comunidade, evidenciado através da negação de sua identidade negra.
Isso decorre do racismo que “descreve as crenças e atos que negam a igualdade
fundamental de todos os seres humanos em função de diferenças percebidas de raça, cor
ou aparência” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20). O negro é visto como
“diferente” e a marca dessa diferença está, principalmente, na sua cor.
Essa “diferença” aumenta ainda mais o índice de rejeição e discriminação por
parte de muitos brancos, que ainda vêem os negros como “seres inferiores”. A negação
da identidade negra por alguns moradores da Chacrinha advém da ação do racismo no
cotidiano daquelas pessoas, sendo, muitas vezes, manifestado por determinados
dirigentes municipais, por professores ou colegas, conforme veremos nos depoimentos
apresentados na última seção do capítulo três, deste estudo. A opção pela negação de
sua verdadeira identidade é o caminho encontrado por esses moradores, já que a sua
afirmação poderá causar transtornos e sofrimentos. Diante disso, é extremamente difícil
para eles assumirem uma identidade racial étnica.
CARVALHO (2000), através do argumento exposto abaixo, pode nos ajudar a
entender melhor o sentimento daqueles moradores diante da forma como são vistos pela
sociedade.
Como vocês sabem, nem todos os quilombos se vêem da maneira como são vistos pela sociedade branca que os cerca; nem todos se vêem como africanos negros, descendentes de escravos. Há muitas diferenças nas maneiras que eles têm de imaginar o seu papel. Se eles estão negando que são ‘descendentes de africanos’ terão suas razões para tanto e cabe a nós registrar as suas razões no momento em que são incluídos como cidadãos. (Ibid., p. 62-63).
Em entrevista realizada, uma das moradoras relata o seguinte acontecimento:
fomos numa festa, em Belo Vale, e todos debocharam da gente, dizendo: “isso tudo é
descendente de escravo” (ENTREVISTA n.º 01, 11/12/01) A expressão, dita por essa
moradora, demonstrou uma certa angústia na sua narrativa, inclusive revelando que esse
sentimento não era somente dela, e sim de todos os presentes naquela festa.
O fato de moradores não se perceberem como descendentes de escravos pode
ser compreendido de diversas maneiras. Uma delas está ligada à forma de tratamento
dada aos escravos. Eles não eram vistos como pessoas, mas como “peças” ou “coisas”.
29
Eram submetidos a maus tratos, à violência, à crueldade e à tortura, prevalecendo um
total desrespeito à sua dignidade. Diante da posição a que os escravos eram
violentamente submetidos, é compreensível que muitos moradores dessas comunidades
neguem a sua descendência.
Assim, a construção dessa percepção é algo que demanda múltiplos elementos,
entre os quais mais discussões e mais contato com esse outro lado da história que, para
eles e também para muitos brasileiros, não deixa de ser algo novo. No caso daquela
população, somente há cinco anos foi iniciada a discussão sobre os aspectos da história
de seus antecedentes.
Há uma diferença muito grande de um quilombo para outro. Cada um tem as
suas próprias características, que foram e continuam sendo construídas no decorrer de
sua história. Apesar da distinção existente entre comunidades, há também algumas
características comuns, em destaque as dificuldades vivenciadas pela população. SILVA
(2000b), um dos representantes da Comissão Nacional das Comunidades
Remanescentes de Quilombos, em reunião realizada pela Fundação Cultural Palmares,
apresenta algumas delas. Para ele, “as dificuldades são imensas, não tem educação e,
quando tem, é só até a quarta série; não tem saúde, não tem estrada – quando tem, é
péssima. Então, você vê o desrespeito que o poder público tem com as comunidades
negras quilombolas” (SILVA, 2000b, p. 64).
Todas esses problemas apresentados por SILVA (2000b), também são
vivenciados pela comunidade “Chacrinha dos Pretos”. Em relação à educação, o ensino
é oferecido apenas até a terceira série do Ensino Fundamental. Após esse período, os
alunos são encaminhados a Belo Vale para continuarem os estudos. A prefeitura
municipal de Belo Vale envia, gratuita e diariamente, um ônibus para fazer o transporte
dos alunos mas, como as condições da estrada não são boas, quando chove, geralmente
esse ônibus não faz o trajeto combinado. O mesmo veículo atende, também, aos demais
moradores,20 porém somente na parte da manhã, nos horários em que encaminha e traz
de volta os alunos, sendo essa a única forma de transporte coletivo a serviço da
comunidade.
20 Esses moradores pagam, atualmente, o valor de R$1,00 pelo preço da passagem.
30
Quanto à saúde, a população não possui atendimento médico local. Assim,
quando alguém adoece, a situação torna-se bastante complicada, inclusive pela falta de
transporte público fora dos horários já mencionados. Algumas vezes, quando o caso é
grave, a família do doente liga para o hospital ou policlínica da cidade pedindo uma
ambulância e, caso haja alguma disponível, a solicitação é atendida.
Na comunidade também não há telefone fixo residencial e nem telefone
público. Somente duas famílias possuem telefone celular e apenas um deles é usado
pelos moradores que pagam uma taxa pelas ligações. Essa é uma situação apontada por
LINHARES (2000), quando afirma que: “de um modo geral, essas comunidades
encontram-se em estado de semi-isolamento social21, sendo, portanto, desprovidas de
infra-estrutura social básica (educação, saúde, saneamento) ou a têm em precaríssimo
estado; não contam ainda com energia elétrica, estrada, transporte e telefonia, por
exemplo”. (LINHARES, 2000, p. 195).
Um aspecto que contribui para a baixa qualidade de vida dos moradores é o
desemprego. Além disso, cabe destacar a falta de atividades extras22, que poderiam,
inclusive, gerar renda para as famílias. Esse último aspecto afeta principalmente as
crianças, os jovens, os adolescentes e as mulheres.
Diante dessas evidências, é fundamental que a Fundação Cultural Palmares dê
continuidade ao processo de titulação iniciado, passando para a próxima etapa, que
consiste na identificação das características possibilitadoras do reconhecimento da
“Chacrinha dos Pretos” como uma comunidade “Remanescente de Quilombos”, para
que a população possa legalmente tomar posse das terras que vem ocupando há anos. 21 De acordo com LINHARES (2000), “o estado de semi-isolamento social não deve ser entendido jamais somente sob ponto de vista geográfico, pois sabe-se que mesmo os quilombos tinham suas formas de comunicação com partes dos grupos dominantes do período colonial, de modo particular os comerciantes, ambulantes ou não, como por exemplo os chamados regatões da região amazônica, com os quais os quilombolas mantinham relações de comércio e amizade, tendo inúmeras vezes essas relações lhes rendido informações das milícias oficiais no sentido da prisão de negros quilombolas e a conseqüente desarticulação dos quilombos. Contudo, não se pode deixar de observar que após a abolição da escravatura os negros foram deixados à margem dos serviços sociais de atribuição do Estado. As chamadas comunidades negras rurais, em particular, após a Abolição ficaram praticamente sem qualquer assistência da parte dos órgãos oficiais, ficando, pela falta de serviços sociais básicos imprescindíveis ao exercício da cidadania, socialmente, muito distantes de outros grupos sociais que habitam no meio rural” (p. 196). 22 Atividades esportivas, culturais, como: oficinas de artesanato, capoeira, dança, além de atividades destinadas à conservação do meio ambiente, visto que muitos moradores não demonstram preocupação com esse assunto.
31
Ainda nesta seção, discuto a metodologia adotada na investigação para que o
leitor tenha, desde o início da leitura a compreensão dos aspectos metodológicos
adotados.
32
1.2. Trilhas metodológicas percorridas
No desenvolvimento desta pesquisa, utilizei a abordagem qualitativa, por
entender, de acordo com MONTEIRO (1998), que ela privilegia essencialmente a
compreensão e a interpretação dos fenômenos sociais ao invés de sua explicação em
termos da relação causa e efeito. Nesse processo, conforme BOGDAN & BIKLEN
(1994), enfatizei a descrição, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais,
visando compreender como processos de construção da identidade racial são abordados
em uma escola situada numa comunidade remanescente de quilombo, considerando as
relações estabelecidas pelos professores com os seus alunos, sem perder de vista o
contexto social da comunidade. A descrição, nesta investigação, foi do tipo “descrição
densa” das experiências de vida dos sujeitos tal como proposta e caracterizada por
GEERTZ (1982), que a apresenta como: “... um esforço descritivo da experiência vivida
das pessoas, num exercício de procurar constantemente um caminho interpretativo por
entre estruturas superpostas de inferências e implicações” (GEERTZ apud MONTEIRO,
1998, p. 11).
Tal empreendimento requer a aplicação da sensibilidade interpretativa23 do
investigador (MONTEIRO, 2001). Parte dessa sensibilidade refere-se à construção dos
"dados" da pesquisa. Esses dados surgem a partir de minha construção das
interpretações das pessoas escolhidas como sujeitos. O exercício interpretativo supõe
um movimento de aproximação/distanciamento. No primeiro caso visando à
familiaridade e no segundo a reflexão acerca do que foi aprendido com os sujeitos.
A opção metodológica foi, pois, pela etnografia inclusive em face de esta
abordagem se "referir ao estudo do modo como os indivíduos constroem e
compreendem as suas vidas cotidianas” (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.17). O
principal objetivo da etnografia é compreender o significado que têm as ações e os
eventos para as pessoas ou os grupos estudados, sendo esses significados expressos de
forma direta pela linguagem ou transmitidos indiretamente através das ações. De acordo
com os referidos autores, esses significados é que dão sentido à compreensão de si e do
outro, bem como do mundo em que estão inseridos.
23 A expressão “sensibilidade interpretativa” trata-se de notas de aulas, ainda não publicadas, da disciplina Pesquisa I, ministrada no Programa de Pós Graduação em Educação, sob a orientação do prof. Roberto Alves Monteiro.
33
Etimologicamente, etnografia significa “descrição cultural”. De acordo com
ANDRÉ (1995) o termo apresenta dois sentidos: 1) um conjunto de técnicas que eles
(os pesquisadores) usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as
práticas e os comportamentos de um grupo social e; 2) um relato escrito resultante do
emprego dessas técnicas.
Na perspectiva etnográfica recorri ao estudo do caso de uma escola inserida
numa comunidade remanescente de quilombo. A escolha justifica-se pela conveniência
em estudar, em sua unicidade, processos de construção da identidade racial abordados
pela escola no contexto da comunidade escolhida. Segundo STAKE (1988) “um estudo
de caso que retrate um problema educacional em toda a sua complexidade individual e
social é uma descoberta preciosa” (ibid, p. 254). No desenvolvimento da investigação
utilizei alguns instrumentos tradicionalmente ligados à etnografia, como a observação
participante e a entrevista não estruturada. Conforme argumenta MONTEIRO
(1998):
... freqüentemente o pesquisador empreende um tipo de observação dita participante (SPRADLEY, 1980, BRANDÃO, 1982), porque ele tenta fazer parte do universo das relações sociais que circundam as pessoas que pretende estudar. Não pode se tornar uma pessoa local, no exato sentido do termo, mas tenta ganhar entrada na vida destas pessoas locais, em nível suficiente para compreender seus pontos de vista sobre a sua própria experiência de vida (MONTEIRO, 1998, p. 15).
De acordo com ANDRÉ (1995), “a observação é chamada participante porque
parte do princípio de que o observador tem sempre um grau de interação com a situação
estudada, afetando-a e sendo afetado por ela” (ANDRÉ, 1995, p. 28). As entrevistas têm
como objetivo o aprofundamento dos aspectos que foram observados e serão utilizadas,
preferencialmente, as não estruturadas, na tentativa de evitar impor aos sujeitos uma
percepção do pesquisador relativamente aos processos de construção da identidade
racial. Como apontam BOGDAN & BIKLEN (1994), a entrevista não estruturada
“permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua perspectiva pessoal, em vez de
terem de se moldar a questões previamente elaboradas” (Ibid, p. 17). Com o auxílio
desses instrumentos, procurei exercitar a etnografia enquanto portadora de uma
dinâmica em que o pesquisador realiza interpretações das interpretações dos sujeitos,
"buscando compreender pelo descrever, não tanto pelo explicar" (MONTEIRO, 1998, p.
11)
34
1.2.1- A fotografia como instrumento da pesquisa
A fotografia possui uma linguagem particular, expressando-se pela disposição dos seus diversos elementos dentro de um campo delimitado e bidimensional. Portanto, ela constitui uma representação particular, enquanto forma para expressar as relações sociais ou dimensões particulares da natureza (...) Como as demais artes, refere-se e retrata, com maior ou menor fidelidade, mas nunca exatamente, o mundo real através da expressão pessoal de quem a utiliza. Assim, ela é uma forma peculiar de expressão e investigação da realidade objetiva. (Wayand, 2002).
É importante acentuar que, neste estudo, também, lancei mão de fotografias, de
modo a apoiar a compreensão dos contextos em que os sujeitos da investigação se
situam. Para isto, recorri a alguns autores como LOIZOS (2002), GURAN (2000),
BITTENCOURT (1998), SAMAIN (1998), NOVAES (1998), entre outros, que
discutem a importância do uso da fotografia na pesquisa, sem desconsiderar os riscos
que isto poderá acarretar, caso a sua utilização não seja muito bem elaborada.
A utilização da fotografia na pesquisa científica vem se expandindo cada vez
mais, transmitindo, no mundo contemporâneo, valores fundamentais da cultura. Para
SAMAIN (1998), “essas imagens não falam por si sós, mas expressam e dialogam
constantemente com modos de vida típicos da sociedade que as produz”. (p. 116).
Questões culturais e políticas estão contidas nesse diálogo, onde a diversidade de grupos
e de ideologias é expressa, considerando determinados momentos históricos. Através da
análise das imagens produzidas podemos perceber as mudanças e transformações por
que passaram os diferentes grupos sociais. Nesse aspecto, pode-se dizer que fotografia
também é memória, pois registra fatos que marcaram ou marcam a vida de indivíduos
ou de grupos. SAMAIN (1998) reforça, ainda, que a imagem é mais flexível do que o
texto, por possuir múltiplos significados em sua estrutura narrativa, mesmo que ela
possa ser lida e compreendida como um texto. Para isto, é importante entender que a
fotografia não é uma extensão do real “mas, sim, uma criação interpretativa que é fruto
de um imaginário social ...” (Ibid, p. 117).
GURAM (2000) amplia a discussão sobre o uso da fotografia como instrumento
da pesquisa, apresentando algumas funções deste uso. Entre as funções apresentadas,
destaco duas, pela proximidade com a investigação desenvolvida na comunidade
“Chacrinha dos Pretos”. A primeira função refere-se à possibilidade de se desenvolver
uma reflexão a partir dos elementos contidos na cena, buscando uma compreensão da
35
experiência, da forma de organização e representação do grupo social ou dos indivíduos
em estudo. Outra função apresentada pelo autor, e que, para ele, tem um destaque
especial, refere-se à visibilidade da fotografia. Através da imagem é possível tornar
visível àquilo que está subentendido no texto.
Acrescenta, ainda, GURAM (2000), que a fotografia é um dado adicional que,
além de evidenciar aspectos descritos ou interpretados no texto, pode suscitar o debate,
já que ela é parte integrante do discurso. A fotografia tanto pode ser utilizada como
instrumento da pesquisa quanto ser o seu próprio objeto. Ainda de acordo com o autor,
durante a pesquisa a fotografia produzida pode ser de dois tipos:
a) a fotografia feita com objetivo de se obter informação: corresponde àquele momento de observação participante em que o pesquisador se familiariza com o seu objeto de estudo, e formula as primeiras questões práticas com relação à pesquisa de campo propriamente dita. É o momento em que o pesquisador vivencia o cotidiano de uma comunidade e começa a perceber alguma coisa, sem entretanto saber exatamente do que se trata;
b) a fotografia feita para demonstrar ou enunciar conclusões: corresponde ao momento em que o pesquisador compreende e de certa forma domina o seu objeto de estudo e, portanto, pode utilizar a fotografia para destacar com segurança aspectos e situações marcantes da cultura estudada, e desenvolver sua reflexão apoiado nas evidências que a fotografia pode apontar. (GURAM, 2000, p. 201).
Assim, a fotografia pode servir para dar início e/ou concluir uma pesquisa, sendo
o seu uso capaz de abrir possibilidades inovadoras para a compreensão e absorção de
determinados fatos. Outro ponto positivo no uso da fotografia, destacado também por
GURAM (2000), é que esta tem a potencialidade de “destacar um aspecto particular de
uma realidade que se encontra diluído num vasto campo de visão, explicitando assim a
singularidade e a transcendência de uma cena.” (p. 202). Enfim, é grande a contribuição
que a fotografia pode trazer à pesquisa. Além disso, as imagens poderão colocar em
evidência aspectos que dificilmente poderiam ser compreendidos apenas através da
linguagem escrita. A fotografia constitui-se, portanto, “num dado suplementar ao
mesmo tempo em que ilustra uma etapa da reflexão antropológica.” (Ibid, p. 207).
De acordo com as propostas dos autores anteriormente citados, as fotografias
foram usadas em meu estudo na “Chacrinha dos Pretos”, não como possuidoras, em si
mesmas, de potencial descritivo da “realidade”: seu uso não tem uma intenção
meramente descritiva. Ao contrário, elas objetivam: 1) compreender e absorver o fato
36
estudado; 2) recolher e transmitir informações sobre os sujeitos, 3) permitir ao leitor o
acesso a informações que não estão contidas no texto e, 4) uma melhor reflexão sobre o
texto. NOVAES (1998) complementa os argumentos apresentados antes dizendo que
“imagens, tais como os textos, são artefatos culturais. É nesse sentido que a produção e
a análise de registros fotográficos (...) pode permitir a reconstituição da história cultural
dos grupos sociais, bem como um melhor entendimento de processos de mudança
social, do impacto das frentes econômicas e da dinâmica das relações interétnicas”.
(p.116).
Outro objetivo do uso da fotografia nesta investigação decorre do próprio
conceito de quilombo. Geralmente, as pessoas têm apenas a noção ou o conhecimento
do termo quilombo no sentido clássico, conforme SANTOS (1984), não apresentando
nenhuma familiaridade com a utilização do termo no sentido contemporâneo, segundo
O’DWYER (1995), ambos já discutidos na primeira seção deste estudo. A tentativa de
visualizar através da imaginação um quilombo contemporâneo torna-se, muitas vezes,
um exercício extremamente difícil, devido aos “velhos” conceitos incorporados
historicamente. Nesse sentido, o uso da imagem é bastante profícuo, já que possibilita
ao leitor aproximar-se de uma realidade que parece estar distante dos seus sentidos, e,
com isso, compreendê-la melhor.
Percebi essa evidência ao apresentar a projeção das fotos positivas (eslaide) a
um público de professores universitários. Um deles ficou surpreso com a representação
de todo aquele cenário: os moradores, as suas atividades, os seus costumes, enfim, o
contexto em que vivem aquelas pessoas. Por ter um conhecimento maior dos antigos
quilombos, principalmente o de “Palmares”, tão bem exemplificado no filme “Zumbi”,
este professor imaginava algo totalmente diferente do que foi projetado, tendo em vista
imagens preconcebidas.
Isto também ocorreu na divulgação das fotografias da “Chacrinha dos Pretos”
em eventos de que participei. Novamente as fotos contribuíram para evidenciar
equívocos sobre o conceito contemporâneo de quilombo. Conforme argumenta
BITTENCOURT (1998), “as imagens e os meios visuais, quando utilizados como
instrumentos etnográficos, ampliam as condições para o estabelecimento de um diálogo
fecundo com outros universos”. (p. 200). Estabelecer esse diálogo contribui sem dúvida,
para a compreensão do estudo.
A discussão dos argumentos apresentados no decorrer desta seção visou
esclarecer o uso da fotografia como um dos instrumentos da pesquisa que realizei na
37
comunidade remanescente de quilombo “Chacrinha dos Pretos”. Durante a pesquisa,
para colocar em prática esta intenção, foi necessária uma negociação prévia com os
integrantes da comunidade, visando obter a sua autorização. Isto ocorreu através de uma
reunião com os moradores e a diretoria da Associação local, na qual os objetivos e os
instrumentos da pesquisa foram apresentados a todos os participantes. Nesta reunião,
como em todos os momentos das observações e coleta de dados, o fotógrafo esteve
presente, já que neste tipo de investigação é imprescindível que haja uma interação entre
quem está coletando dados e os sujeitos da pesquisa.
Assim, a seriedade e a sensibilidade presentes no trabalho do fotógrafo teve
uma grande repercussão entre os que viram as fotos, devido à grande qualidade das
imagens. Aliás, esse aspecto é fundamental na pesquisa que faz uso deste instrumento,
pois uma fotografia mal feita pode impedir que o leitor perceba as nuances da
representação, colocando em risco a interpretação e a reflexão sobre a imagem
apresentada.
No início da produção do registro fotográfico percebi que alguns moradores
sentiram-se intimidados diante da máquina. Isto ocorreu apesar da presença constante
do fotógrafo no campo. No primeiro momento, alguns moradores não quiseram se
expor, argumentando que estavam “mal vestidos”, “despenteados” ou que “não
gostavam de ser fotografados”. Porém, no decorrer da pesquisa, esse comportamento foi
se modificando, talvez devido à aproximação maior com a proposta da pesquisa, com o
pesquisador e com o fotógrafo24. Em alguns momentos, como reflexo da interação
alcançada, percebíamos que alguns moradores disponibilizavam-se para serem
fotografados e, orgulhosamente, expunham-se diante da câmara.
Com o objetivo de apresentar o resultado parcial da pesquisa aos moradores, eu,
o fotógrafo e o orientador da pesquisa realizamos uma reunião com a comunidade, onde
mostramos algumas fotos aos moradores; através da projeção dos diapositivos (eslaide),
algumas fotos aos moradores. Para nossa satisfação, todos, inclusive as crianças,
observaram com muita atenção cada palavra dita por nós, e cada foto apresentada na
tela era admirada por todos que, algumas vezes, teciam algum comentário. Para eles,
aquele aparelho desconhecido, projetando as suas fotos na tela, era uma novidade muito
24 É importante destacar que eu, também, estive presente nos momentos do registro fotográfico, inclusive auxiliando o fotógrafo no uso do equipamento e na negociação prévia, que sempre ocorria com aqueles que estavam sendo fotografados, além de selecionar os aspectos a serem fotografados de acordo com o objetivo da pesquisa.
38
grande, pois a maior parte dos presentes desconhecia aquela técnica de apresentação de
imagens. No final da reunião, um dos moradores procurou o fotógrafo para parabenizá-
lo e para saber porque ele não havia sido fotografado. Sensibilizado pela qualidade e
pela beleza das imagens, esse morador, que esperava que sua imagem surgisse na tela,
revelou que queria também fazer parte daquele registro. Outro aspecto positivo daquela
exposição foi ter propiciado àqueles moradores o aumento de sua auto-estima, já que,
no início da pesquisa muitos se diziam “feios”, “despenteados” e “despreparados” para
tirar as fotos. Através de suas expressões faciais e dos comentários positivos sobre a
projeção com outros moradores, percebi que, diante da exposição de suas imagens,
sentiam-se orgulhosos e belos.
A repercussão causada pela exposição das imagens, aos moradores, sujeitos da
investigação, a aceitação e apoio que expressaram quanto ao uso das imagens
produzidas reafirmaram a importância de ter enveredado por este caminho. Autores
como DARBON, NOVAES, SAMAIN (1998), GURAN (2000), GOMES & PEREIRA
(2000) publicaram suas pesquisas utilizando a fotografia como instrumento em suas
investigações.
Entre estes, destaco a tese produzida por GURAN (2000), em cuja apresentação
SILVA (2000a) assegura ser “fruto de um olhar sensível, de uma pesquisa séria e da
meditação demorada, nele a fotografia não ilustra o texto, nem serve àquela de legenda:
palavras e imagens se elucidam mutuamente e se completam”. (p. XIII). Desenvolvido
na África Ocidental, tendo como proposta a investigação do processo permanente de
construção social da identidade étnica diferenciada dos agudás, este estudo reveste-se de
suma importância, na medida em que tece, através de depoimentos da comunidade,
fotografias e descrições etnográficas, a imbricada rede de relações sociais desenvolvidas
no Benin.
Sua proposta de compor uma “monografia visual” através da fotografia foi
efetivamente concretizada, principalmente nas análises das representações que as
famílias “brasileiras” constroem de si mesmas, desvendando a importância dos recursos
iconográficos na construção da identidade. Assim, a proposta da utilização da fotografia
aliada ao trabalho etnográfico pareceu-me bastante conveniente, o que se confirma em
BITTENCOURT (1998) quando afirma que as “imagens fotográficas retratam a história
visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e
39
rituais, e aprofundam a compreensão da cultura material, sua iconografia e suas
transformações ao longo do tempo”. (BITTENCOURT, 1998, p. 199-200).
Fotografar a “Chacrinha” significou registrar a identidade, a memória e a
história de um povo que perpassa séculos e que poderá se perder se não tivermos a
sensibilidade de preservar, estudar e interpretar os elementos que compõem essa
história. As imagens produzidas na comunidade poderão ser utilizadas para narrar
visualmente determinados aspectos da comunidade em estudo com a mesma intensidade
de um texto escrito.
A seguir apresentarei algumas fotografias por representarem alguns dos
elementos mais significativos na pesquisa, outras estarão anexadas ao final deste estudo.
40
1.3. Imagens da Chacrinha
FOTO I
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
A pedra apresentada na foto I é um artefato de grande valor para os moradores
da Chacrinha. Embora não exista nenhum documento escrito ou estudos sobre os
registros que nela se encontram – MD 1752 – a tradição oral a toma como a “pedra
fundamental”, que marca a origem da comunidade.
Localizada numa calçada de cimento grosso, ao lado da casa do Sr. Miguel, na
entrada principal das ruínas, esta pedra tem sido um dos principais pontos apresentados
pelos moradores aos turistas, repórteres, pesquisadores e visitantes.
O conteúdo simbólico da imagem apresentada na foto significa para mim a
trajetória da população da Chacrinha, além do retorno ao passado do povo brasileiro,
precisamente ao século XVIII, marcado pela vigência do sistema escravocrata. Em
Minas Gerais, esse período foi marcado pela exploração de minérios (ouro, diamante).
As histórias narradas por alguns moradores mais velhos da Chacrinha, relembrando
passagens vivenciadas pelos pais e avós, são evidências importantes, que nos levam a
crer que há muitos anos houve exploração de ouro naquela região.
41
FOTO II
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
A foto II, intitulada “a praça” e denominada pelos moradores como “pé de
fruta”, representa um dos locais de grande significado social, político e cultural no
contexto dos moradores da Chacrinha. Situada na parte central da comunidade, debaixo
de alguns pés de jabuticaba, com um enorme caule de coqueiro utilizado como banco,
“a praça” é um local onde os moradores geralmente se encontram, não tendo nem
horário e nem dia determinado para tal. A foto II, por exemplo, foi produzida ao meio
dia, horário que o ônibus retorna de Belo Vale trazendo os estudantes e os demais
moradores à Chacrinha. Antes de retornarem às suas respectivas residências, esses
moradores dedicam parte do seu tempo aos amigos, debaixo do “pé de fruta”, conforme
a cena apresentada na foto.
A primeira reunião que realizei com os moradores, objetivando iniciar o
processo de negociação para a realização da pesquisa na comunidade, ocorreu
justamente na “praça”. Reuniões da Associação de Moradores, recepção de turistas e
pesquisadores também ocorrem neste local.
Apesar de não determinarem horários para encontros, os finais de tarde são
mais movimentados; crianças, adolescentes, jovens e adultos descansam ou divertem-
42
se, conversam ou brincam, cada um à sua maneira. As crianças correm livremente, sem
o risco de algum carro atrapalhar as brincadeiras. Os adolescentes e jovens estendem um
barbante entre uma árvore e outra e constroem a “rede” para dar início ao jogo de vôlei.
Enquanto isto, os mais velhos conversam, ouvem rádio ou jogam baralho. E assim,
todos os dias, no mesmo local, as “mesmas” cenas se repetem.
Durante as observações que realizei na comunidade percebi, ainda, o uso da
“praça”, por alguns moradores, como um espaço para meditar, pensar ou refletir sobre
os acontecimentos de suas vidas.
43
FOTO III
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
A foto apresentada acima foi produzida numa das manhãs de domingo que
passei na “Chacrinha”. Ao chegar da igreja, deparei-me com várias crianças, entre dois
a seis anos, me esperando para brincar. A manhã estava muito bonita, principalmente
por ter tantas crianças juntas! Embora estivéssemos nas primeiras visitas à comunidade,
a presença do fotógrafo representou para elas um motivo de grande alegria.
Brinquei bastante com as crianças; de roda, de passar o anel, de imitar animais e
outras brincadeiras conduzidas por mim e por elas. Foi a segunda vez que as vi
brincando na presença de um adulto. Pareceu-me que os adultos não incentivam e nem
participam das brincadeiras das crianças, principalmente das cantigas de roda. Neste dia,
brincamos até o horário do almoço. O que achei mais interessante foi o prazer das
crianças ao serem fotografadas: até na hora das brincadeiras ficavam preocupados com a
máquina fotográfica.
44
FOTO IV
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
A imagem do ônibus que aparece na foto IV foi produzida na entrada da
Chacrinha, no horário de chegada de Belo Vale. Algumas pessoas olham atentamente
para outras que estão descendo do ônibus. É um momento atrativo, marcado por
reencontros, novidades, surpresas ou, até mesmo, por decepções. Esta imagem tem uma
grande representatividade para os moradores da “Chacrinha”, pois as professoras que
trabalham na escola, os estudantes e os demais moradores dependem desse ônibus.
A estrada que liga Belo Vale à Chacrinha tem apresentado vários problemas,
dentre eles os buracos, que vêm desgastando as peças dos ônibus e provocando quebras
constantes. Além disto, estes buracos têm causado preocupações aos moradores, já que,
por várias vezes, o ônibus correu o risco de tombar, deixando todos apavorados. Para
tentar amenizar esse problema, os próprios moradores se reuniram para tapar os buracos
que ofereciam maior perigo, já que a prefeitura não havia tomado nenhuma providência.
Mesmo assim, o trabalho não ficou muito bom, pois não tinham os equipamentos e nem
material suficiente para fazer o que era necessário.
45
Apesar de todos os contratempos, os moradores dão muito valor a esse meio de
transporte, pois é o único que possuem, principalmente para ir até a cidade fazer
compras. Além disso, o ônibus é também uma distração para os moradores, pois todos
os dias, aproximadamente às doze horas, muitos se dirigem para seu ponto de chegada
com a finalidade de reencontrar as pessoas que chegam, para receber alguma
encomenda ou notícias ou, até mesmo, sem algum motivo declarado.
Geralmente os moradores descem do ônibus com compras de todas as espécies,
como botijões de gás, rodas de bicicleta e sacos com mantimentos. As pessoas que estão
ali, observando a descida dos outros moradores, logo se disponibilizam para ajudá-los a
carregar as suas compras. Esta cena (foto nº V) foi observada por mim, várias vezes,
representando a solidariedade presente na vida daqueles moradores.
FOTO V
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
46
FOTO VI
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
A foto apresentada é de “Vó Domingas”, uma senhora de 80 anos,
aproximadamente, em companhia de seu neto. Vó Domingas é uma das moradoras mais
velhas da comunidade, de aparência tranqüila e serena. Conforme ela mesma relatou, os
seus avós foram escravos e trabalharam na antiga fazenda, atualmente em ruínas,
localizada na comunidade. Apesar da idade e de uma enfermidade que tem numa das
pernas, Vó Domingas é uma pessoa muito disposta e animada. Algumas vezes, é
internada para obter um melhor tratamento para a sua perna, pois não costuma deixar
outras pessoas da família ajudá-la, especialmente nos curativos. Além disso, o seu
marido teve derrame cerebral e agora, depende dela e de outras pessoas para qualquer
atividade. Numa das visitas, ela me disse, melancolicamente, que a pior coisa do mundo
é o marido e a mulher ficarem no estado em que eles se encontram. Isto, muitas vezes, a
deixava “desanimada para viver”.
Quando a dor na perna não a incomoda, Vó Domingas lava e passa roupa,
cozinha, torra e mói café, tarefas constantes no seu dia-a-dia. Apesar destes problemas
ela é uma pessoa alegre e comunicativa com as pessoas mais próximas. No decorrer da
47
pesquisa, tive a oportunidade de conquistar a sua confiança, tornando-me uma ouvinte
assídua de seus relatos. Essa aproximação não foi muito fácil; porém, quando ocorreu,
percebi que isto a deixava bem, pois tinha alguém interessado em ouvir as suas
histórias. Mesmo sabendo que os seus avós passaram por momentos sofridos na fazenda
que existiu naquelas ruínas, Vó Domingas tinha boas recordações da infância, das
brincadeiras de roda, dos momentos em que subiam nos muros para pegar frutas e que
corriam pelos cômodos vazios da fazenda. Com um brilho nos olhos, após relatar todos
esses fatos, ela falou, quase suspirando: “Era um tempo bão esse tempo! Tempo calado!
Só pensava bem”! Ver as ruínas significa para Vó Domingas o retorno ao passado,
rememorar os diversos acontecimentos ali vivenciados.
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2. Questão da investigação
...O racismo esconde assim seu verdadeiro rosto. Pela repressão ou persuasão, leva o sujeito negro a desejar, invejar e projetar um futuro identificatório antagônico em relação à realidade de seu corpo e de sua história étnica e pessoal (Jurandir Freire Costa).
A discussão que proponho nesta seção se apóia no conceito mais amplo de
identidade, extraído de CIAMPA (1999) e que adoto neste estudo. Esse conceito se
relaciona com a questão investigada: a construção da identidade racial da criança negra
e a contribuição da escola nesse processo, sem perder de vista o contexto social.
A abordagem do conceito de identidade é iniciada por CIAMPA (1999) com
uma pergunta aparentemente simples: “quem é você?”. Entretanto, as análises feitas por
esse autor revelam que a questão não é tão simples como poderíamos imaginar; pelo
contrário, ela é complexa e, muitas vezes, polêmica. Devido à sua complexidade, o tema
vem sendo estudado por psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, além de outros
profissionais que buscam compreender as diversas questões que o envolvem.
Segundo o referido autor, se a resposta à pergunta “quem eu sou?” remete à
nossa identidade, podemos dizer, então, que estamos nos descrevendo como um
personagem, como em um filme, por exemplo, em que os aspectos da nossa vida
aparecem como uma narrativa. Porém, uma questão importante é colocada nessa
discussão: qual é o papel que assumimos nessa narrativa? Afinal, somos personagens ou
autores? Como nas histórias do nosso cotidiano não existem autores, CIAMPA (1999)
conclui que “todos nós, eu, você, as pessoas com quem convivemos – somos os
personagens de uma história que nós mesmos criamos, fazendo-nos autores e
personagens ao mesmo tempo” (p. 60). Podemos considerar que somos autores e
personagens de uma história que construímos coletivamente. Nesse aspecto, acrescenta
o autor que cada identidade constitui elementos da identidade do outro com o qual
convivemos e vice-versa.
Um dos primeiros grupos sociais do qual fazemos parte é a família; é através
dele que recebemos o nosso primeiro nome: “Nosso primeiro nome (prenome) nos
diferencia de nossos familiares, enquanto o último (sobrenome) nos iguala a eles.
49
Diferença e igualdade” (Ibid, p. 63). Essa é a primeira noção de identidade: igualamo-
nos e nos diferenciamos, de acordo com o grupo social do qual fazemos parte. No
entanto, é preciso fazer uma reflexão sobre a existência objetiva de cada grupo.
Conforme CIAMPA (1999), “um grupo existe através das relações que estabelecem
seus membros entre si e com o meio onde vivem, isto é, pela prática, pelo seu agir (...)
Nós somos nossas ações, nós nos fazemos pela prática” (Ibid, p. 64).
Nessas relações, diversas transformações podem nos ocorrer, pois não
permanecemos sempre os mesmos. As nossas características identitárias sofrem
modificações constantes. Algumas vezes, o reflexo dessas modificações pode nos causar
conflitos e transtornos, pois a nossa identidade, que até então era percebida como uma, é
ameaçada, causando-nos insegurança diante do que realmente somos (ou do que
pensávamos ser).
Ainda na percepção de CIAMPA (1999), não é possível desvincular da
sociedade o estudo da identidade do indivíduo, pois os elementos políticos, sociais e
econômicos que compõem a sociedade interferem significativamente na construção
identitária desse indivíduo. Para uma pessoa que vive numa sociedade globalizada, sob
o sistema capitalista, é extremamente difícil constituir-se como sujeito, já que nesse tipo
de sociedade o sujeito “se torna algo coisificado, como mero suporte do capital, que o
determina, negando-o enquanto homem” (Ibid, p. 72).
A constituição da identidade vai depender das diversas maneiras de cada
sociedade, já que o problema está na relação sociedade-indivíduo. Portanto, é necessário
um projeto político de identidade constituído no contexto histórico, democrático e
coletivo, para que o homem seja verdadeiramente humano. Assim, na concepção de
CIAMPA (1999), identidade “é movimento, é desenvolvimento do concreto, é
metamorfose. É sermos o Um e um Outro, para que cheguemos a ser Um, numa
infindável transformação” (p. 74). Dessa forma, a identidade é um constante vir a ser, é
impulsionada e ao mesmo tempo delimitada pelo locus societário, numa constante
tensão entre a transformação e a conservação.
Após a apresentação do conceito de identidade adotado neste estudo, passo
agora à discussão do tema de maneira mais específica, ou seja, da identidade racial da
criança negra e da contribuição da escola nesse processo, dialogando com SILVA
(2000c), FERREIRA (2000), COSTA (1983), MUNANGA (1999), SOUZA (1983),
BARBOSA (1987), entre outros.
50
Inicialmente, como pesquisadora negra, retomo um dos momentos vivenciados
por mim, na adolescência, quando surgiram os primeiros conflitos em relação à
construção da minha identidade racial. Comecei a perceber que o fato de ser negra me
tornava diferente num ambiente em que houvesse a presença de brancos, mesmo que
não fosse a maioria. Esse momento, conforme aborda BARBOSA (1987), não é
marcado apenas pela conscientização das diferenças raciais, “mas pelo significado
dessas diferenças e da importância que elas têm para suas futuras relações sociais”
(BARBOSA, 1987, p. 54). A experiência vivenciada me fez perceber que, na maioria
das vezes, para ser aceito, o negro precisa ser “igual” aos brancos ou “agir” como eles.
Revisitada em minha maturidade, a situação experimentada permitiu-me compreender
melhor os fundamentos da ideologia racial.
Essa ideologia, elaborada no século XIX e meados do século XX, tem como
característica o “ideal do branqueamento” (MUNANGA, 1999; D’ADESKY, 2001),
que surge para fortalecer a mestiçagem no Brasil, tendo como conseqüência a busca do
embranquecimento da sociedade e, por conseguinte, a desvalorização da raça negra. A
ideologia racial reforça a homogeneização da sociedade, estimulando a assimilação da
cultura branca pelos negros. O ideal do embranquecimento favorece a alienação e
dificulta a construção de uma identidade negra numa sociedade que tem a manutenção
da cor branca como aspiração. Nesse sentido, para se ajustarem, os negros, tomados
como “os outros”, têm que “se adaptar”, seguindo um modelo externo de cultura e seus
requerimentos. Conforme SILVA (2000c), numa sociedade em que a população no
poder é composta por brancos, a identidade branca é vista como “desejável”, como
“única”, de força tão grande que não é vista apenas como uma identidade possível, mas
como “a identidade”.
Assim, construir uma identidade negra numa sociedade em que a classe
dominante é predominantemente branca não tem sido uma tarefa fácil. Sabendo que é
através do contexto sócio-cultural, incluindo a família, a comunidade, a igreja, a escola
e os meios de comunicação, que ocorrem os processos de construção da identidade,
destaco o papel da família e da escola: a família, por ser o meio de contato mais
próximo do indivíduo com o mundo, e a escola, por ser um lugar formal de educar, de
formar o cidadão e de construir saberes. O foco principal neste estudo é a escola e a
maneira como a diversidade é tratada por ela, sem perder de vista o contexto social no
qual está inserida.
51
O trabalho de MUNANGA (2000) permite compreender que, na maioria das
vezes, o despreparo dos professores, somado aos preconceitos que carregam no
decorrer de suas vidas, interfere na discussão do tema racial pela escola. Minha
vivência profissional também me possibilitou observar crianças negras ocupando
posições isoladas nas salas de aula, pois as crianças brancas as evitavam, formando,
assim, grupos determinados pela cor. De modo geral, o professor não tem iniciativa ou
não está preparado para solucionar tal impasse e, muitas vezes, evita se manifestar
sobre o assunto. Permanece o silêncio, que serve apenas para reforçar a discriminação
a essas crianças.
Para MUNANGA (2000), esses professores “não sabem lançar mão das
situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula como
momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus
alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade
nacional” (p. 7-8). Infelizmente, a formação da maioria dos professores se deu numa
sociedade que, desde o seu início, buscou manter a distinção entre negro e branco,
privilegiando a raça branca e tentando provar, inclusive através dos fatores biológicos,
a superioridade de uma raça sobre outra; isso contribui para a permanência da omissão
e do silêncio do professor.
Historicamente, as estratégias de dominação de um povo sobre outro incluem a
tentativa de destruição da cultura do povo dominado. Ao negro tem sido negado o
direito da expressão cultural das suas origens, principalmente de suas crenças religiosas.
SOUZA (1983) aponta a dificuldade da construção identitária do negro, o que se
confirma em COSTA (1983) que destaca a “violência racista” a que ele é submetido, o
que emperra esse procedimento, pois “a violência racista do branco exerce-se, antes de
mais nada, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro” (COSTA,
1983, p. 2). Nessa violência, inclui-se, também, a tentativa de destruição da sua história
e do seu passado. Como exemplo, cito a queima de documentos que registravam fatos
históricos da população negra, autorizada por Rui Barbosa, em 1889 (REVISTA
PALMARES, 2000). Este foi um ato extremo de violência simbólica, já que a
construção da identidade de um povo depende, também, do conhecimento dos seus
antecedentes históricos.
Nas nossas escolas, até hoje, pouco se fala da cultura do negro, a não ser em
datas comemorativas, quando os negros são aproveitados para ilustrar aspectos de sua
história através de dramatizações em que aparecem personagens escravos ou por meio
52
da dança, folclorizando a produção cultural da população negra. Mas, ao terminarem
essas comemorações, o negro sai de cena e volta a ocupar o seu lugar, à margem dos
acontecimentos. Além dos aspectos sócio-culturais implicados na construção da
identidade negra, os estereótipos criados pelo olhar do outro (o branco, nesse caso), que
se originaram no decorrer de sua história e que dão ao negro uma condição inferior, são
os mais significativos percalços na sua construção identitária.
Às dificuldades de construção da identidade negra acrescenta-se ainda a
questão dos padrões estéticos que classificam o branco como símbolo da beleza.
Diante disso, fica extremamente difícil para os negros assumirem uma identidade
racial ligada às suas raízes étnicas. O resultado é que grande parte da população negra
se sente reprimida e insegura em se reconhecer como negra. Para o negro, no exercício
de seu cotidiano, assumir a negritude significa assumir uma luta feroz contra o peso
massacrante de toda a sociedade. É ser, agir e pensar ininterruptamente contra as mais
desveladas ou disfarçadas formas de discriminação. É assumir uma condição
desgastante de enfrentamento, o que o leva, muitas vezes, a “negar” a sua verdadeira
identidade como forma de autodefesa psicológica e social. Diante das manifestações
racistas, especialmente para a criança negra em formação, lidar com os entraves que
prejudicam a construção de sua identidade racial se revela uma situação bastante
complexa. (MEDEIROS, 2001).
Histórica e culturalmente, o negro sempre foi inferiorizado. Assim, é
extremamente difícil para o educador trabalhar com a questão racial de forma tranqüila
e satisfatória, já que também ele, consciente ou inconscientemente, assimilou as
características negativas que foram impostas ao negro. Por outro lado, alguns
educadores vêem a entrada do debate sobre a questão racial na escola como uma forma
de discriminação, declarando que é melhor deixar as coisas como estão, isto é, em
silêncio, para não piorar.
A ausência desse debate no âmbito escolar contribui para a permanência do
racismo, que tem reflexos, inclusive, na evasão escolar. As taxas de evasão são bastante
elevadas entre os alunos negros, que se encontram nos grupos de mais baixa renda e
possuem as piores condições de vida. Outro reflexo do racismo, ainda presente na
sociedade brasileira, é o alto índice de analfabetismo da população negra. Conforme
HENRIQUES (2001), os dados coletados pelo – IPEA – Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada de 1999 mostram que a taxa de analfabetismo da população negra
53
de 25 anos ou mais atinge 25,9% enquanto na população branca essa taxa é bem
inferior, alcançando apenas 10,4%. Em relação ao número de pobres e indigentes, o
IPEA comprovou que a grande maioria se concentra na população negra. Esse
contingente reforça a dimensão da desigualdade social brasileira.
Assim, a escola deixa de cumprir a sua função de oferecer oportunidades iguais
para todos e de contribuir para a formação de um indivíduo que pense, que questione e
que contribua para a transformação desta sociedade, que, afinal, o oprime. O debate
sobre os processos de construção da identidade racial é imprescindível para que as
crianças negras se orgulhem de serem negras ao invés de assimilarem uma identidade
imposta pela classe dominante branca.
Sem atribuir à escola maior influência do que ela possa ter na formação social
brasileira, pode-se supor que a educação escolar, no Brasil, tem contribuído muito
pouco para a efetiva discussão de questões referentes à população negra. É nesse
contexto que oriento a investigação dirigida a professores e alunos de uma comunidade
remanescente de quilombo, procurando compreender como os processos de construção
da identidade racial são abordados na escola através das relações estabelecidas pelos
professores com os seus alunos, sem perder de vista o contexto social.
Nesse sentido, procurei conhecer as atividades desenvolvidas pelos
professores, buscando interpretar a relação delas com o contexto social da comunidade
e o tratamento dado pelos educadores aos conteúdos relacionados à história da
população negra. Embora propostas inicialmente na investigação, as datas
comemorativas foram excluídas dessas unidades de análise, pois percebi que a sua
permanência poderia levar muitos leitores a constatarem que a história da população
negra se restringe apenas a comemorações esporádicas, como o dia 13 de maio
(Abolição da Escravatura) e o dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência
Negra). Acredito que a discussão sobre a questão racial deve estar presente no
cotidiano da escola e não apenas em datas excepcionais. Finalmente, analisei a
percepção dos professores face à discriminação e preconceito racial e os processos de
construção da identidade racial passíveis de serem observados na escola.
54
3.- Para além da escola
3.1. A educação nos seus aspectos sociais:
A realidade educacional se dá em um contexto histórico, e não podemos mais teorizar sobre a educação sem levarmos em conta que a nossa educação é hoje, em grande parte, aquilo que o passado forjou (Paulo Ghiraldelli Jr.)
O tema de que trata este estudo - “Escola e identidade racial” – embora pudesse
apontar para um estudo limitado ao interior da escola, indica que o processo de
escolarização não se dá no vazio social, implicando, tanto dentro quanto fora da escola,
a incorporação de relações sociais de diversas naturezas. Na Chacrinha não é diferente.
Aspectos sociais, políticos, econômicos e religiosos compõem a vida cotidiana
das crianças envolvidas neste estudo e participam de forma significativa da sua
construção identitária. As crianças que freqüentam a escola são aquelas que também
freqüentam a igreja, as reuniões da Associação de Moradores da Comunidade, que
capturam pássaros canoros e os negociam, que participam de mutirões, que ajudam a
fazer biscoitos, doces, entre outras atividades.
Para explicitar melhor essa questão, recorro às idéias de SAVIANI (1984) e
LIBÂNEO (1993), por tratarem de uma tipologia da educação, mostrando que esta pode
ocorrer além da escola.
Em sua exposição, SAVIANI (1984) reflete sobre o processo de escolarização
a partir do saber espontâneo e do saber sistematizado. Para ele, o saber espontâneo
(popular ou fragmentado) diz respeito aos acontecimentos que o indivíduo constrói
através do meio social, sendo este iniciado, na maioria das vezes, pelo contato com a
família. Ao refletir sobre os dois tipos de saberes apresentados, SAVIANI (1984),
procura esclarecer a relação existente entre eles:
pela mediação da escola, dá-se a passagem ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita. Cumpre assinalar, também aqui, que se trata de um movimento dialético, isto é, a ação escolar permite que acrescentem novas determinações que enriquecem as anteriores, e estas, portanto, de forma alguma são excluídas. Assim, o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de
55
novas formas através das quais se pode expressar os próprios conteúdos do saber popular. (SAVIANI, 1984, p. 6). [grifo meu].
Esse argumento, exposto por SAVIANI (1984) mostra que o saber sistematizado
reforça o valor do saber espontâneo, da cultura popular, através das novas formas de
expressão que lhe são atribuídas.
Para LIBÂNEO (1993), a educação é compreendida em dois sentidos: amplo e
estrito. No sentido amplo, a educação compõe processos de formação que se dão nos
meios sociais nos quais os indivíduos estão envolvidos (família, igreja, comunidade,
grupos de lazer, etc.). Esse tipo de educação acontece necessária e inevitavelmente, isto
é, basta que a pessoa exista socialmente para que ele ocorra. Neste sentido, a prática
educativa está presente “numa grande variedade de instituições e atividades sociais
decorrentes da organização econômica, política, da religião, dos costumes, das formas
de convivência humana” (LIBÂNEO, 1993, p. 17). No sentido estrito, a educação
ocorre em instituições específicas, destinadas a esse fim, sendo essas escolares ou não.
Esse tipo de educação apresenta objetivos específicos, como “a instrução e ensino
mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se
daqueles processos formativos gerais” (Ibid).
LIBÂNEO (1993) acrescenta, ainda, os aspectos que influenciam a educação,
que são tratados pelas várias modalidades educacionais como não-intencionais e
intencionais. Os primeiros “referem-se às influências do contexto social e do meio
ambiente sobre os indivíduos” (p. 17). Essas influências são denominadas de educação
informal e estão ligadas aos conhecimentos que são adquiridos através da convivência
com outros indivíduos. De acordo com LIBÂNEO, esse tipo de educação ocorre:
...através das experiências, valores e práticas que não estão especificamente ligados a uma instituição e não são intencionais e conscientes (...) São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade. (LIBÂNEO, 1993, p. 17).
Na educação intencional, as influências são realizadas com objetivos definidos
de forma consciente. A educação escolar é um bom exemplo desse tipo de educação,
pois o educador organiza, propositalmente, os objetivos que pretende alcançar através
56
das atividades trabalhadas com os seus alunos. Além da escola, outras instituições tais
como empresas, igrejas e sindicatos, também realizam a educação intencional, ainda que
a educação escolar tenha um destaque entre as outras instituições mencionadas por ser
sustentáculo delas.
Embora todas os tipos de educação apresentados tenham suas características
próprias, eles se integram, pois o processo educacional, independentemente de onde se
realiza, está estritamente ligado a questões sociais, políticas, econômicas e culturais da
sociedade, sendo portanto, a educação um fenômeno social, conforme salienta
LIBÂNEO (1993). Por esse motivo, a educação no sentido estrito não pode ser
compreendida de forma isolada dos acontecimentos sociais. Para o autor, não há uma
exclusão de um tipo de educação em detrimento do outro; pelo contrário, são processos
complementares.
Conforme SAVIANI (1984), a educação escolar acrescenta novos elementos que
podem contribuir para a ampliação dos conhecimentos que o aluno já trás consigo,
dando continuidade ao processo educativo já iniciado pelo meio social. A educação
ocorrida no sentido amplo é extremamente importante já que, muitas vezes, a escola não
aborda questões ligadas à história de vida dos seus alunos e que podem ser importantes
para a construção de suas identidades. Uma narração sobre fatos históricos da
comunidade, feita por um dos moradores mais velhos da “Chacrinha dos Pretos” a
várias pessoas presentes, entre elas crianças que estudam na escola local, exemplifica
essa questão. Essa narração por mim observada, relata como os fazendeiros tomaram
posse das terras que pertenciam aos antigos moradores, descendentes dos escravos que
lá habitaram:
Os antigos falaram que o terreno, igual o tal o muro onde tem a porteira de chave era dos povos dos negros. Então, nisso é, eles prantaram e o terreno foi cansando e, nisso os fazendeiros fez uma proposta pra eles, pra trocar, prantar no terreno deles enquanto o terreno aqui descansava, e aí eles aceitaram a proposta. O fazendeiro colocou o gado deles pra cá do terreno e foi tomando posse do terreno e foi indo, foi indo, até que chegou nesse ponto aqui, que os pobres aqui, era assim, não tinha assim, não era disponível, né! Não tinham aquela disposições assim, porque eram muito pobres, não tinham condições também de poder tocar o negócio pra frente e tornar possuir novamente o terreno. E o fazendeiro foi tomando conta, foi tomando conta, até chegar nesse ponto aí que eles perderam os terrenos pro fazendeiro, né! Escritura nenhum dos pobres tinha, né! Nenhum tinha. Quem passou a
57
escritura foi o fazendeiro, ele que conseguiu a escritura e os negros ficou aí sem, sem terreno e, nisso também, agora no momento, agora... é, do meu tempo pra cá o pessoal começou a comprar, o fazendeiro começou a vender terreno. Igual eu mesmo comprei, se eu quis possuir o meu barraco, eu tive que comprar, e outros mais, parentes...(ENTREVISTA Nº 07, 11/02/2002).
Esse tipo de aprendizagem, geralmente não ocorre na escola, inclusive porque os
professores desconhecem fatos históricos do local. Por outro lado, os professores não
incluem no seu planejamento escolar conteúdos que possam favorecer aos alunos da
comunidade a aquisição de conhecimentos sobre a sua ascendência negra. Na escola
investigada, durante as aulas, em nenhum momento percebi na fala dos professores a
inclusão de aspectos históricos da comunidade. Isso reforça a importância do contato
que as crianças têm com os adultos através do meio social.
As reflexões de SAVIANI (1984) e LIBÂNEO (1993), indicam aspectos
semelhantes ao discutir o processo de escolarização. Os dois autores apontam dois tipos
de educação. SAVIANI (Ibid) ao falar de saber espontâneo e saber sistematizado
enfatiza que o segundo possibilita uma melhor apropriação do saber popular.
Reforçando essa tese, LIBÂNEO (Ibid), ao discutir a educação no sentido amplo e no
sentido estrito mostra que os dois tipos se integram.
Diante disso, pude compreender o movimento dialético que ocorre entre a
passagem de um tipo de educação para outro, sem que se anulem. O que prevalece nessa
passagem é a integração, a complementação, ao invés da exclusão. Portanto, fica difícil
falar de uma sem mencionar a outra. Essa discussão permitiu-me compreender os
aspectos que, compondo as relações sociais de diversas naturezas, incorporam o
processo de aprendizagem e a constituição da identidade de cada criança que freqüenta
a escola em busca de um saber sistematizado. Isso justifica a inclusão, nesta
investigação, da dimensão educativa da comunidade ao invés de considerar apenas a
educação sistematizada (intencional, formal) realizada pela instituição escolar.
58
3.2- Situando a escola investigada
Situada na parte central da comunidade “Chacrinha dos Pretos”, a Escola
Municipal Joaquim José da Silva Xavier25 possui duas salas de aula, uma cozinha, dois
banheiros e um pequeno espaço coberto que dá acesso às salas de aula. Na entrada há
uma pequena horta com cebolinha, alface, couve e mostarda, plantada pela servente da
escola. Essas verduras são utilizadas no complemento da merenda servida diariamente
aos alunos. Uma área de terra, que fica ao redor da escola, é usada pelas crianças para as
brincadeiras do recreio e, nos fundos, um campo de futebol, improvisado, é utilizado
para as aulas de Educação Física. A estrutura do prédio está bem conservada. De acordo
com a servente que trabalha há mais ou menos quatorze anos na escola, o prédio foi
construído há 13 anos, sendo que a escola já existia há mais tempo naquela comunidade,
tendo apenas mudado o seu local de funcionamento.
Meu primeiro contato com a escola ocorreu em dezembro de 2001, quando tive
a oportunidade de conhecer os alunos e a professora Ângela, que lá trabalha desde 1989.
Relatou-me Ângela que há alguns anos havia duas professoras na escola, uma
lecionando para a primeira e segunda séries e outra para a terceira e quarta séries. Nos
últimos anos, porém, somente uma professora tem trabalhado na escola, devido ao
número de alunos matriculados. Durante a coleta de dados, tive contato com mais duas
professoras que também trabalharam na escola da Chacrinha: Teodora e Luzia. Isto se
deu devido à mudança de professoras ocorrida no período da pesquisa. Além dessas,
conheci as professoras Sônia e Laura, que residem na comunidade mas lecionam em
outro local.
25 Anexo 14: foto: Crianças na escola da comunidade. (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002).
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3.3 – Reflexões sobre a educação “formal” na Chacrinha
A escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier oferece as quatro primeiras
séries do Ensino Fundamental, em salas multisseriadas. De um modo geral, as crianças
da Chacrinha iniciam a sua escolarização aos sete anos. Esta foi uma das questões
colocada pela professora Ângela, que não se conforma muito com essa realidade; acha
que é necessária a passagem das crianças pela Educação Infantil porque quando isso não
ocorre, as dificuldades de aprendizagem nas séries posteriores são evidentes, o que vem
sendo observado por ela junto à maioria dos alunos que freqüentam a escola na
Chacrinha (1ª a 4ª série) e em Belo Vale (a partir da 5ª série).
Compreendi no comentário feito por Ângela que a Educação Infantil é, para
ela, essencial para preparar o aluno ao acesso às primeiras séries do Ensino
Fundamental. No entanto, esse argumento apresentado por ela contraria os objetivos da
Educação Infantil, apontados pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, MEC/SEF, 1998) que compreende a Educação Infantil como a
primeira etapa da educação básica e tem como objetivo propiciar às crianças o acesso e
a ampliação dos conhecimentos da sua realidade social e cultural. É importante que o
professor compreenda que o processo ensino-aprendizagem não ocorre somente na
escola; antes de tudo, ele ocorre na família, que é o primeiro grupo social a que criança
tem acesso.
A Educação Infantil é oferecida para expandir a socialização e a construção dos
conhecimentos que a criança já apreendeu no seu núcleo familiar. Face ao exposto,
ressalto que as crianças da “Chacrinha” podem até iniciar a sua escolarização aos sete
anos, porém, a aprendizagem já vem ocorrendo desde os seus primeiros anos de
existência, e isto tem que ser levado em conta no momento em que entram na escola. O
professor deve aproveitar essa formação anterior à escola para dar continuidade à
formação dos seus alunos, respeitando o desenvolvimento e as características adquiridas
por eles no seu contexto social.
Ângela enfatiza outros aspectos que a seu ver reforçam a necessidade de se
implantar a Educação Infantil na comunidade. O primeiro refere-se ao aproveitamento
do espaço ocioso que a escola possui, já que apenas uma sala está sendo ocupada. Além
desse, há diversos contratempos que, atualmente, as crianças dessa faixa escolar e suas
famílias enfrentam: 1) o deslocamento até a cidade para freqüentar a escola de
60
Educação Infantil; 2) o despertar às cinco e meia da manhã; 3) a viagem num carro que
não oferece segurança; 4) as condições precárias das estradas da zona rural.
Visando aprofundar minha compreensão acerca das questões apontadas por
Ângela, procurei a Supervisora Pedagógica responsável pelas escolas situadas na zona
rural de Belo Vale. Ao falar da situação da Educação Infantil na Chacrinha, a
supervisora relatou-me que essa modalidade de ensino ainda não foi implantada naquele
local devido à demanda, que, a seu ver, é muito pequena. Ela acrescentou, ainda, que a
comunidade pode encaminhar um pedido à Secretária de Educação, caso sinta a
necessidade de oferecimento dessa modalidade de ensino.
Após ter ouvido a professora Ângela e a supervisora, compreendi que há uma
falta de diálogo entre os atores envolvidos com a educação no município. A professora
fez um depoimento mostrando a necessidade da Educação Infantil na escola da
comunidade e as implicações que a sua inexistência vem acarretando. Já a supervisora,
embora diga que não há demanda para tal, envia um carro para levar as crianças da
comunidade para freqüentar a escola de Educação Infantil em Belo Vale. Essa atitude
desconsidera o seu argumento em relação à demanda pois, se o número de alunos não
fosse significativo a Prefeitura Municipal não colocaria um carro para fazer essa
locomoção. Creio que seria mais vantajoso tanto para o município quanto para os
moradores da Chacrinha a inserção de uma classe de Educação Infantil na escola local
e, de preferência, com uma professora da própria comunidade.
Nas visitas que realizei à Chacrinha, conheci mais duas professoras, residentes
na comunidade, que exercem o cargo de docentes na Secretaria de Educação da
Prefeitura Municipal de Belo Vale. Sônia, uma delas, atualmente trabalha em Pandeiros,
uma comunidade bem distante da “Chacrinha”. Sônia relatou-me que teve que se mudar
para a zona urbana de Belo Vale, para facilitar o acesso ao local de trabalho, deixando
duas filhas, ainda pequenas, aos cuidados da mãe e da irmã caçula. Penso que Sônia
poderia estar lotada na escola da Chacrinha, pois é residente na comunidade, atua como
secretária na Associação de Moradores local, tendo uma participação política e social
ativa, além de ter demonstrado, através de entrevistas, preocupação com a questão racial
na escola, apresentando reflexões que podem colaborar com a construção identitária das
crianças da Chacrinha.
Laura, por sua vez, trabalha como empregada doméstica e também está
exercendo o magistério como professora substituta na zona urbana de Belo Vale.
61
Enquanto isso, Ângela, professora efetiva da escola da Chacrinha, há um bom
tempo vem tentando a sua transferência para Belo Vale, local onde mora. Até hoje,
entretanto, não conseguiu realizar o seu desejo.
De acordo com a Supervisora Pedagógica, a distribuição e o remanejamento de
professores nas escolas são feitos no início do ano letivo sob a coordenação da
Secretária Municipal de Educação e das Supervisoras Pedagógicas. Para isso, um dos
critérios destacados é a atuação da professora na comunidade onde trabalhou no último
ano, não só em relação ao seu desempenho na sala de aula mas, também, ao seu
relacionamento com os pais dos alunos e com os demais moradores do local.
Outra questão que procurei explorar em diálogo com a supervisora foi referente
ao professor que mora em um local e é encaminhado para trabalhar em outro, como é o
caso de Sônia, que reside na Chacrinha e trabalha em Pandeiros. Para a supervisora,
especificamente no caso de Sônia, isso tem ocorrido porque a professora Ângela, lotada
na escola da Chacrinha, é efetiva, tendo prioridade na escolha do local de trabalho. Já a
professora Sônia, por ser apenas contratada, pode ser enviada para o local que a
comissão responsável pela distribuição de professores achar conveniente.
A reflexão sobre as informações obtidas através das falas da professora Ângela
e da supervisora do município, contribuiu para a minha compreensão a respeito da atual
situação do ensino nas comunidades rurais, especialmente na Chacrinha. O diálogo
entre a Secretaria de Educação do município, as professoras e os moradores da
Chacrinha parece inexistente. Há um desencontro de informações explicitado nas falas
da professora e da supervisora. O desejo da professora Ângela em transferir-se para o
local onde reside e a fala da supervisora afirmando que o professor efetivo tem
prioridade em escolher o local de trabalho exemplifica esse desencontro. Diante dessa
situação, as crianças são as mais prejudicadas, pois uma escola que não tem uma
estrutura sólida poderá influenciar negativamente na construção dos conhecimentos dos
seus alunos.
Para tentar solucionar os problemas discutidos, acho que há necessidade de
uma reunião onde a coordenação da Secretaria Municipal de Educação, as supervisoras,
professoras e os moradores da Chacrinha estejam presentes para, juntos, buscarem uma
solução para os problemas por eles enfrentados, além de discutirem o planejamento da
escola, a distribuição e o remanejamento de professores, procurando rever as situações
das comunidades da zona rural, considerando as especificidades de cada uma. A
62
“Chacrinha”, por exemplo, é uma comunidade negra, remanescente de quilombo e, estas
características precisam ser estudadas, discutidas e refletidas no cotidiano da escola. A
inclusão de estudo do contexto histórico em que a comunidade está inserida e de temas
referentes à população negra certamente ajudará a criança a valorizar a sua origem, a
sua cultura, os seus antecedentes, além de contribuir para o crescimento de sua auto-
estima, favorecendo a construção de sua identidade negra.
Dando prosseguimento ao diálogo, Ângela aponta as dificuldades de
aprendizagem das crianças por não terem, segundo ela, nenhum acompanhamento dos
pais nos deveres de casa, ou seja, elas só estudam na escola. A esse respeito
CARVALHO (2000) discute a situação vivenciada pelas famílias que, muitas vezes, são
tomadas como responsáveis pelo sucesso dos seus filhos na escola, ou então, pelo
fracasso. Para a escola, conforme reflete a autora, a família que não se dispõe a
contribuir com a educação dos filhos, auxiliando-os nos deveres de casa, é vista como
culpada pelo seu insucesso. Outro ponto, também, abordado pela autora, refere-se ao
“desvio do foco da melhoria educacional da sala de aula para o lar” (CARVALHO,
2000, p. 151).
Isto ocorre a partir do momento que a escola envia o dever de casa para que os
pais o façam com os seus filhos, tornando-se, de certa forma, isenta dessa tarefa. O
professor parece não compreender que “o dever de casa integra uma concepção
particular de instrução, de organização de aprendizagem, de trabalho escolar e de papel
de docente” (Ibid., p. 151). Ao assumir essa rotina a escola demonstra não dar
importância às especificidades do grupo com o qual trabalha, desconsiderando que uma
escola se diferencia de outra em aspectos bastante relevantes, que vão determinar a
maior ou menor participação da família na educação escolar de seus filhos:
No caso da escola privada de classe média, supõe-se que a sua aceitação (principalmente pelos pais) como uma prática rotineira esteja associada ao fato de a jornada letiva diária e anual serem percebidas como curtas e insuficientes para o progresso escolar. No caso da escola pública, reconhece-se que os baixos níveis de escolarização e renda de sua clientela desestimulam tanto a participação dos pais nas reuniões escolares quanto a adoção de deveres de casa.” (CARVALHO, 2000, p.147).
63
A escola da “Chacrinha” se encaixa no segundo caso, apontado por
CARVALHO (2000). Ao refletir sobre o assunto, percebi que alguns aspectos têm
interferido na atuação dos pais, especialmente no caso das mães, em relação a esse
acompanhamento dos deveres de casa. As mães das crianças que estudam na escola da
“Chacrinha”, de um modo geral, tem baixo nível de escolarização; exercem muitas
atividades domésticas, como lavar e passar roupa, cozinhar, buscar lenha, entre outras,
que tomam quase todo o seu tempo, levando-as a um desgaste físico que dificulta o
acompanhamento dos filhos nessas tarefas. Além disso, muitas vezes, se deslocam para
Belo Vale em busca de recursos para complementação da renda familiar, trabalhando
em algumas residências como domésticas ou faxineiras, quando seus cônjuges não têm
emprego fixo e dependem de trabalhos temporários para o sustento da família.
A discussão acima nos oportuniza uma melhor compreensão do
comportamento dos pais diante do “problema” colocado pela professora Ângela, ou
seja, o “acompanhamento dos pais nos deveres de casa”. Face ao exposto, entendo que o
grande desafio colocado para o professor, junto com os demais membros da
comunidade escolar, seja desenvolver uma sensibilidade maior para compreender como
os fatores sócio-econômicos, políticos e culturais interferem na construção da
aprendizagem dos alunos. Ao invés de culpar a família pelo problema do insucesso e do
fracasso escolar, o professor deveria aproveitar todos os momentos de vivência na
escola para favorecer a construção do conhecimento dos alunos naquele espaço.
Em outro momento de diálogo com Ângela, ela afirmou que na opinião dos
alunos a comunidade é um bom lugar para se viver, classificando-a como melhor que
Belo Vale. Em relação à questão racial, Ângela, que também é negra, disse que “entre
eles não há comentários a esse respeito, principalmente pelo fato da maioria dos
alunos ser negra”. Atualmente, na turma há apenas um aluno branco; mesmo assim, não
se registra o uso de apelidos pejorativos que se refiram às características fenotípicas. A
professora elogiou a turma, dizendo que todos são muito educados e que a respeitam
muito.
No que se refere aos conteúdos trabalhados em sala, é estudado apenas o que
está nos livros didáticos adotados. A história da comunidade onde moram os alunos, por
exemplo, não é abordada. A professora confessa que, por, também desconhecer essa
história, fica difícil “transmiti-la” aos seus alunos. O pouco que sabe, alguns “casos”,
foi devido ao contato com alguns moradores mais velhos. Ela diz ainda que, se fosse
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moradora da comunidade, seria mais fácil repassar informações sobre o local. Além
disso, Ângela vê a necessidade de um material escrito narrando a história da
comunidade, para poder transmiti-la aos seus alunos. Ao expor esse ponto de vista,
Ângela não percebe a presença de pessoas da própria comunidade que guardam na
memória ricas passagens da história local e que poderiam suprir a falta do material
escrito reclamado por ela. Ao mesmo tempo, ao dizer que o pouco que conhece lhe foi
transmitido através dos “casos” narrados pelos moradores mais velhos, expressa, talvez
inconscientemente, o valor da história oral.
Ainda a respeito da ausência da inserção do contexto histórico da comunidade
na escola, destaco um fragmento de estudos realizados por GONÇALVES (1985), no
qual afirma que “educar a criança negra pressupõe, entre outras coisas já analisadas,
quebrar o silêncio que a cerca. Tarefa difícil, à medida que o silêncio manifesta-se como
ritual pedagógico e como tal impõe-se a todos os membros da escola, sem exceção,
embora o ato de ‘silenciar’ tenha para cada um significados diferentes” (GONÇALVES,
1985, p. 318). A questão do “silêncio”, analisada pelo autor como um ritual pedagógico
a favor da discriminação racial, ilustra a realidade de muitas escolas, onde há uma
permanente omissão por parte de seus representantes de conteúdos que focalizem a
história da população negra e o não reconhecimento das diferenças culturais.
Em relação ao “silêncio” presente na escola da Chacrinha, acredito que uma
das formas de enfrentá-lo seria a busca da inserção de moradores da comunidade nas
atividades escolares, para que possam conversar com os alunos sobre a história local,
“história nunca esquecida, sempre resgatada, recontada, ressignificada” (KRAMER,
1995). Que esse contato seja realizado, também, fora do ambiente escolar,
possibilitando que aquelas crianças vejam os locais visitados por turistas e repórteres de
uma outra forma, já que o contexto histórico estará sendo incluído naquele momento.
Acredito que, a partir dessa iniciativa, os alunos poderão adquirir uma melhor
compreensão de sua própria história, de sua origem, além de conhecer os seus
antecedentes. Na percepção de NEGRÃO (1988), essa proposição “apóia-se na
concepção de que a recuperação da história acarreta o fortalecimento da identidade da
população negra, uma vez que os negros podem, assim, apropriar-se de suas histórias e
da história de suas lutas” (p. 56). Para favorecer esse processo, a escola poderá
oportunizar estudos e debates de conteúdos que abordem a história da população negra,
sua cultura, suas lutas, entre outras informações. Esses estudos e debates poderão,
inclusive, permitir que as crianças sintam-se mais valorizadas, orgulhando-se de suas
65
origens. Entendo, assim como D`ADESKY (2001), CAVALLEIRO (2000), CANEN
(2001), que iniciativas como essa podem dar contribuição à constituição da identidade
racial das crianças, além de levá-las a compreender melhor o porquê de aqueles ônibus,
cheios de estudantes de outras cidades e estados, estarem visitando as ruínas presentes
em sua comunidade.
Em relação à Escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier, os dados
coletados, até o momento, parecem indicar que a professora tem sido fiel ao livro
didático, não conseguindo extrapolar o que, oficialmente, deve ser cumprido. Em
fevereiro de 2002, devido à saída de Ângela para usufruir a licença maternidade, outra
professora, também de Belo Vale, foi designada para atuar na escola da Chacrinha.
Teodora, a nova professora, demonstrou um certo interesse pela pesquisa, apesar do
pouco contato que tivemos.
Nas primeiras observações que realizei durante as aulas ministradas por
Teodora, o tema que ela trabalhava com os alunos, em Estudos Sociais, intitulava-se: “a
comunidade”. Ao saber da minha pesquisa, Teodora convidou-me para falar com as
crianças sobre a Chacrinha, ou seja, um pouco da origem do local, considerando os
estudos que já havia empreendido e os dados já obtidos. Disse-lhe que teria o prazer em
contribuir futuramente, mas sugeri que convidasse Rafael que, além de ser morador da
comunidade, já vinha desenvolvendo um trabalho de recepção a visitantes que vêm
conhecer a Chacrinha. Teodora concordou e disse-me que iria entrar em contato com
ele. Porém, fui informada pelas crianças que essa atividade não foi realizada,
desfazendo a minha expectativa sobre a inserção da comunidade na escola.
Teodora mostrou-me, animada, parte do material didático a partir do qual
estava desenvolvendo os estudos com os seus alunos, como o mapa das comunidades
situadas na zona rural de Belo Vale26 e um pequeno texto sobre o tema em estudo, que
dizia o seguinte:
A COMUNIDADE Ninguém gosta de viver sozinho, longe dos familiares e dos amigos. É por isso que as pessoas procuram viver em comunidade: COMUNIDADE É UM GRUPO DE PESSOAS QUE VIVEM, TRABALHAM, SE DIVERTEM NUM MESMO LOCAL E TEM UMA CERTA VIDA EM COMUM: As pessoas de uma comunidade devem procurar viver respeitando a ordem, cultivando a ordem, união e a cooperação. Em uma comunidade todas as pessoas
26 Anexo 15: relação das comunidades rurais do município de Belo Vale.
66
têm direitos e deveres. Os direitos são as coisas justas que merecemos e podemos exigir. Os deveres são as coisas que temos obrigação de fazer. Converse com alguém de sua família e descubra alguns direitos e deveres que devem ser comuns a todos (s/r).
Tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos
promovidos por Teodora junto aos alunos, utilizando o referido texto, já que naquele dia
eu estava na escola. Com pouco entusiasmo as crianças leram o texto e responderam às
perguntas feitas pela professora. Parecia que aquilo que liam estava distante e não
conseguiam compreender o sentido daquelas frases. Respondiam às questões de forma
automática, como se fosse uma obrigação. Chegaram a memorizar, conforme solicitação
da professora, o que era comunidade, direitos e deveres. Observei, também, que o
enfoque principal da professora, nesse estudo, era a comunidade urbana, no caso, a de
Belo Vale.
Antes de fazer uma análise do texto em questão, acho pertinente discutir alguns
pontos sobre as comunidades urbanas e rurais, para uma melhor compreensão do
enfoque dado pela professora à comunidade urbana. O termo “rural”, adotado nesta
investigação, “refere-se essencialmente ao contexto ambiencial e cultural da vida no
campo, estando mais ligado a maneiras de viver, do que a maneiras de produzir”
(DEMO, 1987, p. 55). Sabemos que qualquer comunidade apresenta características
peculiares e uma comunidade especificamente rural se diferencia da urbana
principalmente por possuir formas próprias de sobrevivência e organização.
No que se refere à educação, estudos sobre as escolas rurais feitos por
WHITAKER & ANTUNIASSI (1993), AZEVEDO (1984), e RAMOS (1991) mostram
alguns pontos comuns existentes entre elas. Conhecer esses pontos, contribui para
evidenciar aspectos indicativos do distanciamento que muitas vezes se apresenta entre o
que o professor ensina e o que o aluno apreende.
Geralmente, as escolas rurais oferecem o Ensino Fundamental (de 1ª a 4ª
séries) em turmas multisseriadas, nas quais um único professor leciona para duas ou até
três séries diferentes, o que, segundo AZEVEDO (1984), compromete
significativamente a qualidade do ensino. A autora enfatiza ainda que as decisões sobre
os problemas da escola estão centralizadas no poder municipal (Prefeito, Secretária de
Educação, Supervisor Pedagógico), sendo os critérios de nomeação de professores
elaborados pelo poder municipal, sem a participação de outras pessoas interessadas na
questão educacional do município. Além disso, em geral, os professores possuem baixa
67
qualificação, contribuindo para que a “escola rural seja um tosco arremedo da escola
urbana” (Ibid., p. 35). Em algumas escolas, além das atividades docentes, os professores
exercem múltiplas funções, como tarefas administrativas e controle de material. Os
salários, de uma maneira geral, são baixos.
Quanto aos currículos, os autores destacam também que são idênticos aos das
escolas urbanas, pois normalmente o planejamento é centralizado na sede do poder
municipal. As escolas rurais, geralmente, seguem o mesmo modelo de organização das
escolas urbanas, deixando de lado as suas especificidades. Como conseqüência, o
ensino torna-se monótono, cansativo, repetitivo, levando o aluno ao desinteresse e à
falta de estímulo. Sobre o conteúdo escolar, na opinião de AZEVEDO (1984), “não se
trata de introduzir conteúdos ´ruralizantes` na escola; articulá-los à vida concreta dos
trabalhadores do campo significa que tais conteúdos devem explicitar as relações
existentes entre o urbano e o rural...” (AZEVEDO, 1984, p. 40). A proposta dos autores
citados não é isolar as escolas rurais dos acontecimentos da sociedade urbana, pois
torna-se necessária a presença de conteúdos considerados como “típicos da cultura dita
´urbana`” (WHITAKER & ANTUNIASSI, 1993) no meio rural.
Entendo, assim como esses autores, que o que escolas dessa natureza devem
fazer é oferecer aos seus alunos maiores estímulos à construção de seus conhecimentos,
considerando as especificidades de cada grupo, sem desconsiderar a necessidade de
conhecimento sobre outros contextos com os quais esses alunos podem se relacionar. O
professor deve proporcionar-lhes condições de serem pessoas ativas no processo de
aprendizagem e não meros receptores de um conhecimento pronto segundo uma visão
“bancária” de educação, tão bem discutida por FREIRE (1987).
Para ele, a relação educador-educando apresenta um caráter especial e
marcante: de os educadores serem especificamente narradores e dissertadores. Nessa
relação, o sujeito ou aquele que faz a narração ou a dissertação é o narrador (nesse caso,
o educador), enquanto os ouvintes são os educandos. Essas narrações ou dissertações
são, geralmente, alheias à realidade dos educandos, impossibilitando a construção de
seus conhecimentos e de sua consciência crítica. FREIRE (1987), na citação abaixo,
faz-nos compreender melhor a visão “bancária” da educação:
A tônica da educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar. Falar da realidade como algo parado, estático (...) Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos
68
conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí, que seja mais som do que significado e, assim, melhor seria não dizê-la. (FREIRE, 1987, p. 57).
A visão “bancária”, na argumentação do autor, tolhe a criatividade dos
educandos, pois eles apenas recebem os conhecimentos que lhes são transmitidos pelos
educadores, adaptando-se a essa visão de educação. O educando, em nenhum momento,
é estimulado a participar da construção dos conhecimentos; pelo contrário, ele é levado
a se ajustar, já que nesse tipo de educação o educador é aquele que possui o saber; aos
educandos cabe apenas ouvir, memorizar e repetir o que lhes foi transmitido sem
compreender o seu verdadeiro significado.
O texto trabalhado em sala pela professora Teodora, intitulado “Comunidade”,
poderia ter sido utilizado como um forte instrumento para a inserção do debate sobre a
comunidade onde vivem as crianças, caso o enfoque principal não tivesse recaído sobre
Belo Vale e os exemplos não tivessem sido totalmente alheios às experiências daquelas
crianças. Pelas aulas observadas, pude constatar que o texto não contribuiu muito para a
construção da aprendizagem das crianças, principalmente nos aspectos que se referem à
comunidade onde moram (rural e remanescente de quilombo). Essa prática está em
consonância com a visão bancária discutida anteriormente, desfavorecendo o interesse e
a criatividade dos educandos em relação a temas que poderiam enriquecer o processo
ensino-aprendizagem e a construção da cidadania individual e coletiva.
Apesar dessas evidências, ao observar a prática de Teodora, percebi que havia
um certo interesse em inovar, vendo na pesquisa uma oportunidade para avançar nessa
direção. Ela deixou-me o número de seu telefone e se dispôs a me apresentar a algumas
autoridades de Belo Vale que possuem alguns documentos sobre a Chacrinha. Disse
também que iria fazer uma visita às ruínas com as crianças, de preferência com o
acompanhamento de Rafael, para contar os fatos históricos ocorridos no local. Na aula
de Educação Artística pediu às crianças que desenhassem aspectos que ilustrassem a
comunidade27. Essa oportunidade, entretanto, foi interrompida devido à sua
transferência para uma outra escola. Tentei buscar uma resposta que justificasse a saída
27 Anexo 16: Desenhando a Chacrinha.
69
de Teodora, mas obtive apenas informação de que ela havia trocado de escola com
Luzia, a outra professora que assumiria a turma.
Penso ter colaborado com Teodora em seu propósito de promover entre seus
alunos um estudo sobre a comunidade. Em julho de 2002, eu, o fotógrafo e o orientador
da pesquisa realizamos uma reunião com os moradores para apresentar as fotos que
fizemos e para dar um retorno parcial da pesquisa à comunidade. As crianças e os
adultos, ao verem as suas fotos expostas no painel, demonstraram alegria e orgulho pela
beleza expressa nas imagens. Além disso, ouviram, atentamente, a nossa explicação
sobre a importância da pesquisa para a comunidade e para a população negra, de um
modo geral.
Pelo que percebi, aquele encontro propiciou às crianças, inclusive aos alunos
de Teodora e aos demais moradores da comunidade, uma oportunidade para refletir
sobre as suas raízes, sobre o valor do local onde moram para a história de Minas Gerais
e do Brasil, compreendendo, também, as visitas de repórteres de televisão e de jornais
ao local. No final do encontro, através de depoimentos, os moradores demonstraram
respeito e admiração pelo nosso trabalho, reafirmando a continuidade do apoio à
pesquisa
Em abril de 2002, conheci Luzia, a professora contratada para substituir
Teodora. O fato significativo é que, em apenas três meses letivos, as crianças estavam
recebendo a terceira professora. Nesse período, aproveitei para conversar com Luzia
sobre os seus alunos, os livros didáticos utilizados, o planejamento escolar da Rede
Municipal de Ensino e sobre a sua percepção a respeito da discriminação e do
preconceito racial.
A nossa primeira conversa foi iniciada pela professora que, de forma
descontraída, dizia da sua maneira de ensinar. Luzia ressaltou que a turma era
multisseriada, como na maioria das escolas rurais, e se dividia em três séries: na
primeira e na segunda havia dois alunos e na terceira, três. Relatou-me que, em sua
prática, ela distribui as atividades por série, ou seja, enquanto uma turma copia o que é
passado no quadro, as outras fazem exercícios do livro didático ou de folhas
mimeografadas e, assim, as atividades vão sendo alternadas. Sobre o seu planejamento
diário, informou-me que segue os livros didáticos adotados pela Secretaria Municipal de
Ensino. Alguns exercícios, mimeografados, usados por professores de algumas escolas
da zona urbana de Belo Vale, também são aproveitados no seu plano de aula.
70
Em relação às provas, Luzia relatou-me que os seus alunos “só não passam se
não quiserem”, pois as provas elaboradas por ela geralmente são fáceis. A esse respeito,
MATTOS (1999) diz que a avaliação não deve ser um procedimento de verificação de
conhecimento, objetivando apenas a mudança de série anual, ela deve ser “uma ação
processual e dinâmica de intervenção contínua no processo de construção do
conhecimento, inerente a aprendizagem” (p. 122). A compreensão da professora Luzia
sobre avaliação aponta para uma prática que não contribui para a construção do
conhecimento de seus alunos, estando mais voltada para o atendimento de aspetos legais
estabelecidos para que os alunos cumpram seu processo de escolarização, ao invés de
propiciar o conhecimento, a compreensão e a reflexão.
Conversei com Luzia, um pouco mais, sobre os livros didáticos adotados pela
escola. Tive a oportunidade de conhecer alguns deles e aproveitei o momento para
analisar a proposta de cada um, observando os conteúdos e as imagens apresentadas e o
seu uso pela professora; procurei fazer uma conexão entre eles e o tema da investigação
desenvolvida naquela escola.Os primeiros livros que observei foram os de História,
Geografia e Ciências.
Para minha agradável surpresa, a maioria dos personagens negros que ilustram
os textos não aparece como nos livros didáticos das décadas anteriores à de noventa,
onde ao negro são atribuídas características como preguiçoso, feio, favelado, onde ele é
caricaturado e retratado exercendo atividades subalternas e com características físicas
depreciadas (SILVA, 1987).
Nos livros mencionados, o negro é apresentado em posições sociais
semelhantes às dos brancos. As crianças negras são mostradas em momentos de lazer e
de realização de atividades na escola, juntamente com as crianças brancas. Meninos e
meninas negras aparecem comendo frutas, biscoitos, tomando leite, enfim, alimentando-
se adequadamente, cuidando da higiene pessoal, sendo vacinadas como as crianças
brancas. O personagem negro, adulto, também é mostrado em situações similares às dos
personagens brancos; em um dos textos, inclusive, um senhor negro é apresentado
andando pela praça de terno e gravata. Juntos, os adultos negros e brancos participam de
eventos e manifestações em defesa do meio ambiente.
Em um dos capítulos do livro de Ciências, em que a unidade em estudo
focaliza o nascimento de uma criança, os personagens são representados por uma
mulher loira e um homem negro e, após o parto aparece um bebê negro, imagem rara na
71
maioria dos livros didáticos que, de maneira geral, apresentam bebês brancos. As
características físicas dos personagens não são exibidas de forma estereotipada e
depreciativa. Os lábios e o nariz não são desenhados em espessura e tamanho
exagerados. Assim, nos livros de Ciências, as imagens dos negros, mostradas para
ilustrar textos e outras atividades propostas, trazem um grande avanço para as escolas
no que se refere à questão da representação do negro em livros didáticos. Esse material,
geralmente, torna-se um companheiro bastante íntimo de cada criança que a ele tem
acesso, sendo os seus conteúdos utilizados por ela para construir conceitos ou
preconceitos e identidades. Por isso, é muito importante que cada educador observe com
olhos críticos o que cada um desses livros propõe.
Nos livros de Geografia e História que observei, destaco especialmente a
presença de conteúdos apresentados pelos autores que se relacionam à pesquisa
desenvolvida na escola da Chacrinha. Um dos propósitos do livro “História em
construção”, por exemplo, “é oferecer um estudo analítico e crítico da sociedade
brasileira, bem como para a compreensão das relações espaço-temporais. Sua meta é
viabilizar a análise e a reflexão sobre as mudanças que ocorreram e ocorrem na
sociedade, como ela é organizada e como pode ser modificada através das ações
humanas” (LOPES e SILVEIRA, 1994). Esse livro me pareceu interessante, pois os
conteúdos sugeridos, dependendo da forma com que forem explorados, poderão dar
uma grande contribuição para a construção da identidade racial das crianças que
freqüentam a escola da comunidade investigada.
O capítulo do livro mencionado que propõe uma discussão sobre a casa, a
família e os vizinhos, pode ser extremamente rico, se for bem explorado, pois falar da
casa, da família e dos vizinhos é falar da história de cada criança daquela escola. Sobre
essa questão, algumas casas da Chacrinha apresentam, ainda, características bastante
distintas das casas de outras localidades, como paredes de adobe. Essas características
estão relacionadas com a própria origem da comunidade. A temática da família na
Chacrinha também merece ser explorada, para que os alunos daquela escola possam
perceber, através da árvore genealógica sugerida pelos autores, a relação e o grau de
parentesco entre os moradores da comunidade, buscando a compreensão da relação
existente entre o morador atual e os antigos moradores, incluindo os ex-escravos que ali
habitaram séculos atrás.
Outro tema bastante relevante na discussão que envolve os processos de
construção da identidade daquelas crianças, também é colocado no livro em análise: é a
72
questão da identificação. A discussão do tema é iniciada com aspectos que envolvem o
nome, mostrando a importância e o significado do nome que cada criança possui. Nesse
estudo, o professor poderá debater com os alunos outros assuntos relacionados com a
identificação, como problemas que envolvem os apelidos pejorativos que, muitas vezes,
são dados a crianças negras.
Embora os livros de Geografia e História em análise apresentem propostas de
conteúdos que poderão contribuir para a construção identitária das crianças da
Chacrinha, percebi que poucas imagens de pessoas negras são neles mostradas, ao
contrário do livro de Ciências, mencionado anteriormente. Quanto à representação do
negro em idade adulta, no livro de História, por exemplo, apenas uma imagem é
mostrada: a de um policial, no capítulo que discute profissões e locais de trabalho.
Já em um dos livros de Português, publicado em 1995, o negro ainda é exibido
de forma caricatural, com nariz enorme, lábios extremamente grossos e cabelos
encarapinhados. O nome, também, demonstra a diferença entre o negro e o branco,
tornando irônica a relação do negro com o personagem. Em um dos textos do livro
aparece a figura de um homem negro que trabalha como zelador de um prédio, com
todas as características caricaturadas, e o pior: o nome dado a ele é “Golias”, “Sr.
Golias”. O filho desse personagem se assemelha à figura do pai e tem um nome bastante
incomum: “Filisteu”. Já os nomes dos personagens brancos que contracenam com eles
são mais comuns: a menina se chama “Gabriela” e a mãe “Da. Felicidade”.
Ainda no livro mencionado, a maioria das crianças negras só aparece em
posição de destaque quando estão jogando futebol. Aliás, nesse livro, esses são os
poucos momentos em que crianças negras aparecem demonstrando felicidade. Em outra
unidade, um menino negro chamado Beto, aparece olhando, com muita tristeza e
sofrimento, para outro menino, branco, que está colocando bolas coloridas em sua
árvore de Natal. Beto, como o próprio enunciado do texto diz, é um menino que tem um
sonho: ter uma árvore de Natal. Porém, o seu pai, por ser pobre, não pode realizar o
sonho do filho. Essa cena, embora retrate a realidade da maioria das crianças negras,
não contribui para o aumento de sua auto-estima, pelo contrário, poderá desencorajá-las
a acreditar num futuro melhor. Somente em três páginas desse livro é que aparecem
algumas crianças negras brincando ou fazendo outras atividades com os colegas de cor
branca.
O livro Viver e aprender, também observado, ilustra muito bem um dos
argumentos apresentados por SILVA (1987a) em estudos realizados sobre os
73
estereótipos e preconceitos em relação ao negro no livro de Comunicação e Expressão
do 1º grau. Segundo a autora, esses livros aparecem “como instrumentos de transmissão
de uma ideologia de inferiorização que objetiva dominar, dividir e eliminar, racial e
culturalmente, o negro através do branqueamento e da desculturalização” (SILVA,
1987a, p. 96). O foco do estudo realizado pela autora incide, também, no trabalho
exercido pelo professor ao explorar esses livros. A ideologia da classe dominante
transmitida pelos livros didáticos poderá ser reproduzida, ainda que inconscientemente,
pela prática pedagógica adotada pelo professor. Isso pode se dar face a dificuldades e
falhas na formação dos professores, desfavorecendo uma visão crítica dos conteúdos e
das formas de representação do negro presentes nesses livros.
Diante do exposto e face à discussão sobre os processos de construção da
identidade racial, em especial, das crianças da Chacrinha, percebi, durante as
observações que realizei, que aquelas crianças não têm recebido estímulos que
permitam o seu desenvolvimento crítico e reflexivo, além de não estarem sendo
estimuladas a participar de atividades que contribuam para construção dos diversos
conhecimentos gerais e específicos sobre a história da população negra.
Ainda como fruto das minhas conversas com a professora Luzia a respeito dos
conteúdos dos livros didáticos utilizados, tive a oportunidade de não apenas ouvir, mas
também de presenciar uma atividade desenvolvida por ela, em sala, sobre a data em que
se comemora a Abolição da Escravatura – 13 de maio, ilustrando como o livro didático
estava sendo usado pela professora. Nessa atividade, o destaque foi dado, como ela
mesma disse, a “quem libertou os escravos, em que ano...” Além disso, foi pedido aos
alunos que colassem gravuras nos cadernos de Estudos Sociais para ilustrar o texto que
ela pediu que copiassem. Esse texto foi retirado de um livro de Estudos Sociais e diz o
seguinte:
13 de maio – Dia da Libertação dos Escravos Lá pelo ano de 1550 os portugueses começaram a trazer negros da África para
trabalhar no Brasil como escravos na lavoura e mais tarde nas minas de ouro. Eles
eram trazidos nos navios negreiros. No dia 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel
assinou a Lei Áurea que libertou os escravos.
Atividades
74
- De que lugar vinham os negros para trabalhar como escravos no Brasil? - Onde os negros trabalhavam? - Quem libertou os escravos? Em que dia? - O que você acha das pessoas que prendiam, maltratavam e faziam os negros
trabalharem como escravos? - Faça uma pesquisa e escreva sobre os escravos no Brasil.
A leitura do texto proposto e a observação da atividade desenvolvida fortalecem
as evidências de que os livros didáticos, no caso, da década de 80, atendiam à ideologia
da classe dominante, negando a história das lutas escravas na construção do
conhecimento escolar. Com isso, conforme argumenta GONÇALVES (1985), “silencia-
se a história da rebeldia dos grupos étnicos raciais negros, cuja conseqüência na
educação das crianças negras é: o silenciamento enquanto cidadão” (p. 325). O texto e a
atividade desenvolvida reforçam também minha compreensão de que a reflexão e o
debate sobre o negro nos livros didáticos ainda estão ausentes nas escolas, embora o
movimento negro, pesquisadores e algumas instituições, há alguns anos venham
alertando sobre esse problema e denunciando-o.
Uma ação importante nessa direção é apontada por NEGRÃO (1988): o
trabalho da Secretaria de Educação de São Paulo que, no ano de 1986, instituiu o dia 13
de maio como o Dia do Debate e Denúncia contra o racismo na rede de ensino oficial.
Instituiu-se, então, ampla discussão sobre a questão racial junto a alunos, professores e
demais integrantes das escolas. Nesse espaço, busca-se recuperar a história do negro,
além de denunciar a situação discriminatória vivida pela população negra em nossa
sociedade.
Outra ação é apresentada por LEITE (1987). Ela nos informa que no Maranhão
foi criado o CCN - Centro de Cultura Negra, composto por profissionais liberais,
estudiosos e universitários, com o objetivo de discutir a questão racial naquele Estado.
O CCN propõe como linha de ação uma perspectiva social, cultural, política e
educacional. Sobre o dia 13 de maio, esse Centro destaca os questionamentos referentes
à educação, cultura e socialização do povo negro, tendo como foco principal a
reprodução do racismo pela educação e pela escola.
Os exemplos citados evidenciam a existência de inúmeras formas de se debater o
dia 13 de maio, sem se apegar a fatos históricos ultrapassados que ainda se encontram
nos livros didáticos usados por muitas escolas.
75
Neste estudo, outro aspecto para o qual chamo a atenção é a especificidade dos
alunos daquela escola, ou seja, são moradores de uma comunidade predominantemente
negra e remanescente de quilombo. Portanto, esse seria um motivo crucial para se
trabalhar com questões que envolvessem não somente a data em debate, mas conteúdos
do patrimônio histórico-cultural da população negra.
Em relação à avaliação das atividades, durante as observações realizadas na
escola, pude também observar uma prova de religião que Luzia estava aplicando a todas
as turmas. A estrutura da prova apresentava o modelo defendido por ela, ou seja, de
fácil compreensão, com questões de completar, de assinalar “Verdadeiro” (V) ou
“Falso” (F), ligar e desenhar. As crianças não demoraram muito tempo para fazer a
prova, reforçando as evidências de que parecia muito fácil. A religião enfocada pela
escola é a católica. Visando a uma melhor compreensão sobre o ensino religioso nas
escolas, consultei a Lei 9.475, de 22 de julho de 1997 SAVIANI (1997) que dá nova
redação ao artigo 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996; a de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Sobre o ensino religioso, a Lei 9.475 diz o seguinte:
Art. 1º - O art. 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão de professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidades civis, constituídas pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso...(SAVIANI, 1997).
Ao participar de alguns eventos na igreja e na Sociedade de São Vicente de
Paula, como cultos e reuniões de Conferências, percebi que muitos moradores da
comunidade, inclusive as crianças, se identificam como católicos, embora apenas um
pequeno grupo participe das atividades promovidas pela igreja. Conversando com
moradores da Chacrinha, fui informada de que apenas três famílias do local não são
católicas, são evangélicas. Diante dessas informações, pareceu-me que a opção da
escola pelo ensino religioso dá-se pelo motivo de as crianças da escola pertencerem a
famílias de crença católica. Quanto aos conteúdos da disciplina, de acordo com Luzia,
76
são elaborados pela Secretaria de Educação do município de Belo Vale, como as demais
disciplinas. O ensino religioso é trabalhado, nessa escola, como as outras disciplinas,
por meio de atividades que privilegiam repetições e memorizações desconectadas da
história de vida, do quotidiano do educando.
Paralelamente à questão do ensino religioso, apresento algumas constatações
decorrentes de conversas com a professora a respeito da discriminação e do preconceito
racial, em destaque na escola. Luzia inicia sua fala, expondo sua indignação contra as
injustiças que ocorrem dentro do ambiente escolar, principalmente em relação às
crianças pobres e humildes. Ela dá destaque às desigualdades sócio-econômicas.
Acrescenta, ainda, que um dos motivos de ter pedido transferência da escola em que
trabalhava antes foi a maneira como a coordenadora da escola tratava as crianças mais
pobres. Na aula de informática, por exemplo, a preferência, geralmente, era dada aos
alunos de melhor condição financeira.
A atitude da coordenadora e o silêncio dos colegas diante daquela situação
claramente desigual deixava Luzia indignada. Essa desigualdade, conforme argumenta
HENRIQUES (2001), “resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a
cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em
decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes” (Ibid.,
p. 1). Luzia percebia toda aquela desigualdade presente no ambiente escolar e se
manifestava declarando o seu descontentamento diante do comportamento da
coordenadora. Porém, apenas ela se manifestava. Diante do silêncio dos colegas e da
permanência das atitudes discriminatórias da coordenadora, Luzia optou pela mudança
do local de trabalho. A atitude tomada por Luzia, pareceu-me inadequada, pois entendo
que fugir de uma situação com a qual não concordamos não contribui para sua solução,
pelo contrário, colabora, ainda mais, para a sua perpetuação.
Prosseguindo o diálogo com a professora Luzia sobre desigualdade, aproveitei
a oportunidade para saber do seu ponto de vista sobre a questão racial na escola. Na sua
opinião, ainda existe racismo, apesar de existir uma lei que o pune. Luzia complementa
a sua idéia dizendo que (...) “pode até ter discriminação racial, mas só que agora é cri-
me. Chamar os outros de negro é crime! Agora o povo tá mais reservado, mas ainda
tem gente que fala, mas não é no público”. Em seu relato a professora evidencia a
discriminação contra as crianças pobres: “Eu trato todo mundo igual e, ainda, tem outra
coisa, eu gosto de tratar melhor os pobres”. Além dos pobres, Luzia prioriza as
crianças que residem na zona rural pois, acredita que elas também sofram discriminação
77
por serem “da roça”. A fala de Luzia explicita que, apesar de existir uma lei que pune a
prática do racismo, ele ainda permanece, ainda que em forma mais sutis:
Antigamente tinha muito isso. Os professores preferiam os meninos ricos, de cor clara, era assim...Agora parece que mudou um bocado, né? Por causa do racismo no Brasil que é até crime você chamar uma pessoa de negra, né? É crime, então acho que agora mudou um bocado, mas mesmo assim ainda tem alguma coisa, não deixa demonstrar (grifo meu), mas ainda tem, mas da minha parte não tem não, eu gosto muito da minha cor, viu? (ENTREVISTA Nº 15, 11/04/02)
Nas fala de Luzia, percebi evidências que demonstram a sua percepção sobre o
racismo e a discriminação racial. A primeira evidência surge quando ela diz que o povo,
por causa da lei contra a prática do racismo, está “mais reservado”. Posteriormente, ela
afirma que ainda existe racismo, mas as pessoas “não demonstram”. Essas duas
expressões ditas pela professora fortalecem minha compreensão de que a discriminação
racial ainda se faz presente na escola, porém de forma dissimulada. O silêncio dado a
essa questão contribui para a permanência das desigualdades, não somente sócio-
econômicas, mas também raciais. Se a família, a escola e a sociedade em geral não
quebrarem esse silêncio, é provável que as crianças negras jamais consigam constituir
uma identidade sem traumas e sentimentos de inferioridade; jamais consigam construir
a sua identidade negra. Como conseqüência, conforme reflete CHAGAS (1997), a
dificuldade na construção da identidade da criança negra, “marcada pelo preconceito,
acaba por determinar sua automarginalização” (p. 73).
A seguir, apresento alguns detalhes da entrevista realizada com a professora
Sônia, que, embora não lecione na escola da Chacrinha, é moradora do local e se
preocupa com a questão racial na educação. Sônia discute, sem nenhum
constrangimento, várias passagens de sua vida como aluna, como professora e como
mãe, apontando evidências de sua preocupação com a inserção do debate sobre a
diversidade cultural e enfatizando os problemas raciais vividos pelos negros,
especialmente no âmbito educacional.
Sônia tem 22 anos, é moradora da Chacrinha, tem duas filhas e, atualmente,
está trabalhando como professora contratada pela Prefeitura Municipal de Belo Vale em
Pandeiros, comunidade rural pertencente a esse município. Apesar de não estar
lecionando na Escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier, escola foco desta
investigação, Sônia, com muita disponibilidade e interesse, deu uma contribuição
78
bastante significativa à discussão do tema proposto. Através de entrevistas, ela
menciona vários aspectos relacionados à sua prática docente, destacando a questão da
discriminação racial na escola, na família e em outras instituições, além de falar da sua
própria construção identitária como negra, mulher e moradora de uma comunidade
negra.
Darei destaque, principalmente, às discussões realizadas em torno da escola, já
que tenho como objetivo compreender como os processos de construção da identidade
racial se dão nessa instituição, levando em consideração as relações estabelecidas pelos
professores com os seus alunos. Não quero dizer com isso que fatos ocorridos na
comunidade não tenham importância para a investigação, como já discuti no início desta
seção, mas no momento darei ênfase à questão mencionada acima.
Nas entrevistas feitas com a professora Sônia, pude perceber a tranqüilidade
demonstrada por ela ao falar sobre o assunto, chegando, algumas vezes, a falar por
longo tempo, sem pausa, ao contrário da professora Ângela, que manifestou certo
constrangimento em conversas sobre o assunto.
Antes de entrar nos detalhes que priorizo nas entrevistas da professora Sônia,
acho pertinente indicar os conceitos nos quais me fundamento para uma melhor
compreensão das discussões posteriores. Destaco, inicialmente, os conceitos de raça
defendidos por APPLE (2001) e por MUNANGA (2001) com ênfase nas idéias deste
último, que orientam este estudo. Em seguida abordarei os conceitos de racismo e
discriminação racial na concepção de NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000).
Apresento, a seguir, uma primeira aproximação do conceito de raça. Estou
consciente de sua complexidade e da impossibilidade de esgotá-lo neste texto, mas ao
mesmo tempo ciosa de que, para entender, como pretendo, os processos de construção
da identidade racial, sua história, o seu estado atual e os efeitos da política educacional
sobre esses processos, é preciso entender a idéia de raça; é preciso conhecer o seu
significado, como e por quem é usado esse termo e qual o seu papel nas políticas
sociais e educacionais. A noção de raça possui um forte componente histórico. De
acordo com APPLE (2001), não podemos continuar entendendo raça como uma
simples entidade biológica: “raça é uma construção, um conjunto inteiro de relações
sociais.” (p. 62).
79
MUNANGA (2001)28 conceitua raça partindo do pressuposto de que conceitos
têm uma historicidade através da qual podemos alcançar uma melhor compreensão do
seu significado. Alerta ainda que conceitos são objetos de manipulação política e
ideológica, sendo necessário atenção em sua análise para perceber sua eficácia em
retratar a realidade contemporânea. Para ele, historicamente, raça já teve vários
significados. Foi utilizado na Zoologia e na Botânica para classificar espécies (animais
e vegetais) e como referência de “pureza” de sangue através da expressão “raça
nobre”. Como exemplo, cita os gauleses (plebe), que, não sendo considerados como
portadores de sangue puro, podiam ser dominados e até escravizados.
No século XVIII, o conceito é transportado da Zoologia e da Botânica para as
Ciências Humanas, a fim de classificar a diversidade humana, reforçando o
determinismo biológico, usado para justificar a superioridade e o domínio de uma raça
sobre outra. Somente nos anos 70 do século XX, essa versão biológica do conceito de
raça foi mudada. Assim, segundo MUNANGA (2001), “raça passa a ser um processo
de construção política e sociológica”. Em sua revisão do conceito, o autor afirma que
raça é um conceito inexistente biologicamente; porém, dessa versão tão arraigada em
nossa cultura é que decorre o racismo, caracterizado por qualquer atitude de rejeição,
não só pela cor da pele de um povo, mas também pela negação da sua história. Raça
associa-se conceitualmente a racismo e discriminação racial, conceitos que passo a
examinar abaixo.
NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000) afirmam que “mais do que a
rejeição da cor da pele de um povo, o racismo se constitui na negação da história e da
civilização desse povo...” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 18). Quando
pessoas ou instituições deixam de abordar a história da população negra, elas
“diretamente” ou “indiretamente” estão praticando o racismo. Quando, por exemplo, o
ministro Rui Barbosa, em 1889, queimou documentos que registravam momentos
trágicos presentes na escravização do negro, ele, violentamente, tentou apagar da
memória do povo a sua verdadeira história, para evitar transtornos e punições a seu
28 Conferência do I Seminário do “II Concurso Negro e Educação”, realizado pela ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) no período de 22 a 24 de agosto de 2001.
80
governo (REVISTA PALMARES, 2001, p.12). A escola, quando omite essa história
ou se omite quanto a ela, faz o mesmo.
Conforme documenta NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000), a
Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,
promulgada pelas Nações Unidas e ratificada pelo Brasil, África do Sul e pelos
Estados Unidos, assim define a discriminação racial:
(...) qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em condições iguais, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e qualquer outro da vida pública. (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20).
O racismo pode também ser visto como um “padrão de comportamento das
pessoas, grupos ou instituições” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20). As
ações racistas praticadas pelas pessoas pertencentes a um determinado grupo, mesmo
que não sejam intencionais, são também discriminatórias.
Diante do exposto, acredito que uma das formas de combater o racismo e a
discriminação racial é fazer com que a sociedade reconheça as conseqüências desse
tipo de prática para si própria, pois grande parte do seu potencial de desenvolvimento
estará reprimida. A busca da população negra pela defesa de seus direitos como seres
humanos “iguais” e não “inferiores” é parte desse processo, portanto, imprescindível
para desmistificar idéias e pressupostos que deram origem ao preconceito racial.
A discriminação racial presente em nossa sociedade interfere, cotidianamente,
na construção da identidade racial da população negra. Para exemplificar isso, Sônia
relata alguns momentos vividos por ela desde a quinta série, período em que começou a
freqüentar a Escola Estadual Vinícius de Moraes, em Belo Vale. Conforme relatos de
Sônia, o lugar é duplamente discriminado, primeiro por ser uma comunidade negra e
segundo por ser rural. O que tem maior peso, nesse caso, é a questão racial, conforme
ressalta nesta fala:
“...se tem uma festa aqui na Chácara, é um dos lugares que vem menos gente é pra festa aqui na Chácara. Por quê? Porque eles falam que todo mundo aqui é preto. É igual eu tô falando, tem branco que não gosta de preto. E é onde eles não vem de lá pra cá, nas festas. Na Boa Morte, se tem uma festa na Boa Morte, Boa
81
Morte fica cheio, fica superlotado de gente. Por quê? Porque lá tem branco, lá tem negros, lá é uma mistura de povos e aqui na Chácara não, a maioria é negro e muitas pessoas não saem dos outros lugares pra não vir pra cá, porque fala assim: ‘Ah não, chegar lá eu vou namorar com uma menina preta!’ Então é onde muitas pessoas não vem e esta discriminação, igual quando chega em Belo Vale, aí chega o ônibus do pessoal da Chacrinha, aí todo mundo fala: ‘Nó, olá, o ônibus do pessoal da Chacrinha dos Pretos já tá chegando’. Porque a comunidade é mais é...é descendência de escravos, né? É onde a maioria do pessoal é negro, a maioria é...são raças negras mesmo...” (ENTREVISTA Nº. 3,10/02/02).
A relação dos moradores da zona urbana de Belo Vale e de outras comunidades
com a Chacrinha evidencia a questão da discriminação contra o local, por haver a
predominância de negros. A atitude dessas pessoas confirma a discriminação racial,
demonstrando, também, sua falta de entendimento sobre o significado de “ter sido
escravo”, de estar morando numa comunidade negra que tem uma história rica de
acontecimentos os quais, ainda que com marcas pouco conhecidas, fazem parte da
história do povo brasileiro.
Os motivos para o não comparecimento de pessoas de outras comunidades às
festas da Chacrinha, conforme relata Sônia, evidencia também os fundamentos da
ideologia racial já discutido na questão deste estudo. Conforme relata MUNANGA
(1999), apesar do fracasso deste processo de branqueamento, “seu ideal inculcado
através de mecanismos psicológicos ficou intacto no inconsciente coletivo brasileiro...”
(ibid, p.16). Essa ideologia pode nos ajudar a entender por que as festas realizadas na
Boa Morte fazem sucesso e as festas na Chacrinha ficam vazias.
Outro episódio vivenciado por Sônia na escola ocorreu na sexta série, conforme
relato abaixo:
“Na sexta série eu fui muito discriminada na sala de aula. Desde o primeiro dia que eu cheguei na escola, na sexta-série, que eu já percebi que a professora já foi me discriminando assim a partir do momento que eu cheguei dentro de sala e ela só passou a reconhecer que eu era assim inteligente, que eu tinha é... educação, porque muitas pensam que negro não tem educação, que às vezes não conhece a pessoa e já vai falando: ´Nó, essa pessoa não presta porque é negro` e isto aconteceu comigo, porque eu só passei a ser valorizada dentro de sala, devido às notas boas que eu comecei a tirar na sexta série e ela separava a turma e colocava os da cidade, ou seja, da cidade de Belo Vale eles colocavam na frente e eu como era negra... me colocou lá atrás , como se fosse uma exceção da sala e eu fiquei muito triste porque eu acho que todos devem ser tratados da mesma maneira, seja branco, seja preto, seja mulato, seja cafuzo,
82
acho que todos têm o seu jeito de pensar...” (ENTREVISTA Nº. 3, 10/02/02).
O motivo de a professora ter colocado Sônia nos últimos lugares da sala,
conforme ela mesma relata, tem dois significados: um deles diz respeito ao fato de ela
não ser moradora da cidade e o outro, na sua interpretação, ao de ser negra.
No caso de Sônia, apesar de ter sofrido bastante, ela conseguiu superar esse
acontecimento em sua vida escolar, inclusive enfrentando a professora. Porém, sabemos
que as pessoas têm características distintas, sendo, por exemplo, umas mais
extrovertidas que outras.
Diante dessa reflexão, fico imaginando quantas crianças não devem estar
passando por uma situação semelhante à vivida por Sônia, sem ter forças suficientes
para enfrentá-la. Então o que lhes resta é aceitarem, caladas, o sofrimento que as exclui
do grupo, da sociedade e da vida. A escola, nesse caso, está invertendo o seu papel: ao
invés de incluir, está excluindo e fazendo com que a criança se sinta, cada vez mais,
insegura, tímida, oprimida, com medo e vergonha de ser negra. Assim, a sua opção pelo
silêncio vem ao encontro da negação de sua identidade racial.
Continuando a reflexão sobre o tema, Sônia narra a seguinte situação ocorrida
com sua filha, que entrou na escola recentemente:
“Nas escolas, a discriminação já ocorre desde o momento que a criança entra no prezinho, isto é, no primeiro ano que a criança vai para escola. Muitas crianças assim, de 5, 6 anos, quando elas começam a freqüentar as escolas, até os coleguinhas já olham para elas de um jeito diferente, por que o jeito de vestir é diferente, o jeito de pentear o cabelo é diferente,então as coleguinhas perguntam: ‘Nó, por que que você usa o cabelinho desse jeito?’ Um dos exemplos é minha filha, Ana, porque ela entrou na escola este ano e, no primeiro dia que ela chegou na escola, as coleguinhas dela perguntaram: ‘Nó, mas por que você tem o cabelinho cheio de trancinha?’ Ela falou assim: ‘Ah!, porque minha mãe gosta’. Aí a coleguinha dela disse: ‘Nó, mas nosso cabelo é tão lisinho. Por que você fica com o cabelinho assim?’ ‘Ele tá assim, ah, porque o de vocês é lisinho e o meu não, o meu já é mais enroladinho, então é por isso que minha mãe penteia o meu cabelo assim’. Então, essa discriminação já ocorre a partir do momento que a criança já começa a ter amizades na escola”. (ENTREVISTA Nº. 3, 10/02/02).
A discriminação racial praticada contra os negros é freqüente na sociedade
brasileira, inclusive na escola, conforme os acontecimentos narrados. O negro é visto
como “diferente” pela cor, aparência, traços físicos, etc. Se ele assume a sua
identidade negra, é criticado, desrespeitado e rejeitado pelos brancos, que acham que,
83
para ser valorizado e visto como “gente”, o negro tem que se “igualar” aos brancos. O
caso da filha de uma amiga da Sônia, também moradora da Chacrinha, confirma o que
eu disse anteriormente.
De acordo com Sônia, essa garota, que havia iniciado a quinta série na escola
de Belo Vale, foi vítima de muito deboche por parte dos colegas por causa dos
penteados usados nos cabelos, ou seja, ela usava trancinha, do tipo africana. Sônia,
condoída pela menina, avisou à mãe da garota o que estava acontecendo com a filha
dela no colégio. A mãe apenas disse: “Ah, não! Pode deixar que eu vou arrumar o
cabelo dela”. E a mãe começou a alisar o cabelo da garota, que, a partir daí, passou a
ser aceita pelos colegas, pois começou a usar arquinhos, a fazer rabo no cabelo etc.
Como disse Sônia, “aí eles já começaram a vê-la de maneira diferente”.
Essa situação, manifestada na escola, tão comum na sociedade brasileira
mostra o quanto a cor da pele e o tipo do cabelo interferem na inclusão social.
Conforme discute GOMES (2002): “Nesse processo, o entendimento do significado e
dos sentidos do cabelo crespo pode nos ajudar a compreender e desvelar as nuances do
nosso sistema de classificação racial o qual, além de cromático, é estético e corpóreo”
(Ibid.). Esse conflito vivido pelos negros, especialmente em relação ao cabelo e à cor
da pele, conforme exemplificado acima, exerce grande influência sobre sua construção
identitária, pois são impostos pela elite branca dominante padrões de beleza que os
negros acabam assumindo para serem aceitos como “iguais”.
Diante disso, vejo o quanto se torna difícil a construção da identidade do negro
numa sociedade tão discriminatória, onde nem mesmo a escola, que é responsável pela
construção do conhecimento, tem dado a sua colaboração. Os acontecimentos que tenho
presenciado confirmam o quanto a instituição escolar precisa refletir sobre questões
concernentes à população negra, inserindo o tema no seu dia-a-dia, nos planejamentos
dos professores, na sala de aula. Enfim, é preciso que a escola deixe de ser omissa e saia
do silêncio, que comece a falar, a construir, a discutir, a se envolver com a vida, com a
história dessa população que há séculos vem sendo oprimida e marginalizada.
84
4- Processos de construção de identidade racial: algumas considerações
Tanto o indivíduo, quanto suas concepções de realidade são constituídos nas relações interpessoais. Essas inter-relações são mediadas por crenças, padrões, práticas e normas de toda uma sociedade e esta, por sua vez, em parte, é constituída por esse mesmo indivíduo dela participante, em um processo contínuo e dinâmico de mútua construção, cuja direção não é casual, mas determinada pelo somatório das ações de todos os indivíduos que a constituem...” (FERREIRA, 2000, p.44).
A realização desta investigação na Escola Municipal Joaquim José da Silva
Xavier, inserida na comunidade remanescente de quilombo “Chacrinha dos Pretos”
propiciou-me uma melhor compreensão sobre os processos de construção de identidade
racial, especialmente naquele local. A pretensão inicial deste estudo era priorizar a
escola, porém o andamento dos trabalhos indicou a necessidade de observar, também,
aspectos da comunidade que contribuem para a construção da identidade racial das
crianças daquele local. Além disso, a escola está inserida numa comunidade
remanescente de quilombo, portanto não é possível desvincular o cotidiano da escola
dos acontecimentos sociais que ali ocorrem.
A comunidade investigada possui algumas características que a diferenciam
das outras comunidades situadas na zona rural de Belo Vale. A formação da
comunidade e a composição étnica da população são dois elementos que marcam essa
diferença. A forma como moradores de Belo Vale e de outras comunidades da zona
rural percebem a Chacrinha é influenciada por esses elementos. Como fruto dessa
percepção surge a discriminação racial ao grupo. Os depoimentos de diversos
moradores confirmaram a discriminação sofrida por eles, inclusive por parte de
autoridades que exercem ou exerceram cargos públicos na cidade, de motoristas que
trabalharam na comunidade e de professores da escola estadual de Belo Vale. A atitude
dessas pessoas reflete negativamente sobre os moradores da Chacrinha, desfavorecendo
a sua auto-estima em vista da condição inferior que lhes é atribuída.
As observações feitas na escola fizeram-me perceber o seu pouco
envolvimento com o contexto da comunidade. Em diversos momentos presenciei
evidências que comprovam a minha afirmação, manifestadas através das atividades
desenvolvidas pelos professores ou mesmo pelo tratamento dado aos conteúdos
85
relacionados à história da população negra, tornando a reflexão e o debate sobre a
questão racial ausentes do cotidiano da escola. As observações e entrevistas revelaram
que o professor, mediador do processo ensino-aprendizagem, encontra-se distante dessa
questão e, principalmente, despreparado para tomar iniciativas que propiciem aos alunos
a construção de conhecimentos que favoreçam a constituição de sua identidade negra.
O professor tem assumido uma postura de transmissor de um conhecimento
pronto, numa perspectiva de “educação bancária” (FREIRE, 1987) e ainda, ao não
refletir sobre sua própria identidade, ele acaba por desenvolver ações voltadas para a
absorção de crenças e valores da cultura branca e dominante, como mostrei na parte
dedicada às entrevistas com a professora Teodora, na terceira seção do capítulo três,
deste estudo. Percebi, também, que os professores com os quais dialoguei têm sido fiéis
ao livro didático, não inserindo outros elementos que favoreçam uma participação mais
dinâmica dos alunos no processo ensino-aprendizagem, além de não avaliar
criticamente a proposta apresentada em cada livro utilizado.
Em consonância com a prática dos professores, o planejamento de atividades da
escola não tem considerado as especificidades da comunidade onde ela está inserida.
Essa distância tem levado o educando ao desestímulo e ao desinteresse diante do que lhe
é transmitido. Percebi, também, a necessidade de mais diálogo entre a supervisora das
escolas rurais e as professoras. Esse diálogo poderia contribuir não somente para uma
melhor distribuição das professoras nas escolas, mas propiciar um conhecimento mais
amplo da realidade de cada uma delas. Sônia, por exemplo, reside na Chacrinha, tem
atuação sociopolítica ativa na comunidade, com reflexão e atitudes que podem colaborar
com a constituição identitária das crianças do local e, no entanto, leciona em escola de
outra localidade da zona rural de Belo Vale.
Pelas conversas com essa professora, tratando da questão racial e da escola, pude
perceber a sua preocupação com o tema. Além de relatar descontraidamente vários
episódios ocorridos em sua trajetória escolar, Sônia tomou a iniciativa de escrever um
texto29 com o propósito de colaborar com a pesquisa, mostrando a sua percepção sobre
o racismo na sociedade brasileira. Diante dessas observações, não consegui perceber
processos que favoreçam a construção da identidade racial das crianças que freqüentam
a escola da Chacrinha.
29 Anexo 17: Redação escrita pela professora Sônia, em 12 de dezembro de 2001.
86
No entanto, a comunidade, apesar de ter demonstrado a existência de conflitos30
em relação à sua própria identidade, manifestou, ainda que inconscientemente, algumas
situações que evidenciaram a existência de processos que contribuem para a
constituição da identidade negra das crianças. Duas situações por mim observadas e
consideradas como marcantes no processo identitário das crianças ilustram o meu
entendimento a respeito da ação inconsciente praticada por moradores da comunidade.
Por ser remanescente de quilombo, a comunidade tem recebido vários jornalistas
interessados em conhecer e divulgar a sua história local. A chegada desses jornalistas,
geralmente, desperta a atenção dos moradores, especialmente das crianças que,
juntamente com o guia da Associação de Moradores, os acompanham em todos os
pontos que marcam a origem da comunidade. As informações que os guias transmitem
aos jornalistas são ouvidas também pelas crianças.
As histórias que lembram a origem da Chacrinha, contadas pelos mais velhos,
também exemplificam ocasiões que favorecem a construção identitária das crianças, já
que, nesses momentos, a sua cultura31 está sendo reconstituída. Essas situações
observadas por mim ocorreram nos instantes em que esses moradores estavam sendo
entrevistados pelos jornalistas ou por mim, como pesquisadora. Isso demonstrou que a
presença de pessoas que não moram na comunidade, mas se interessam pela história do
local, possibilita às crianças não somente a oportunidade de conhecer aspectos de sua
própria história, mas, acima de tudo, maior valorização deles. Além disso, colabora para
o fortalecimento e a reconstituição da história oral, a partir do momento que incentiva,
nos moradores o retorno ao passado através das lembranças.
Essas situações confirmam que a identidade negra, conforme abordo na seção
dois deste estudo, não deve ser compreendida como algo constituído; pelo contrário, ela
é uma construção, e deve ser percebida como um “processo identitário”. HALL (apud
KREUTZ, p. 81, 1999) reforça essa concepção argumentando que “a identidade étnica
30 Esses conflitos referem-se a “negação” da identidade negra por parte de moradores da comunidade (ver p. 24). 31 BETANCOURT (1997 E 1994) e GEERTZ (1973) entendem a concepção de cultura no sentido em que esta não significa uma esfera abstrata, porém processo concreto pelo qual uma comunidade humana determinada organiza sua materialidade com base nos fins e valores a que se propõe. A cultura está vinculada à vida social. Movimentos sociais, conflitos, instituições, espaço social, a linguagem e a visão de mundo dos indivíduos, tudo isso é uma expressão culturaL. As culturas, mesmo as marginalizadas e excluídas, não são realidade mudas, mas fontes de sentido e de construção do real. O ser humano, de fato, nasce culturalmente situado, o que no entanto não representa um destino, uma vez que ele redefine o modo de situar-se na cultura, retomando constantemente o conflito de tradições oculto sob o signo de uma ‘identidade estabelecida’ ” (BETANCOURT & GEERTZ apud KREUTZ, 1999, p. 82).
87
vai se reconstituindo e reconfigurando ao longo do processo histórico. Não se pode
entendê-la como algo dado, definido plenamente desde o início da história de um povo”.
(Ibid., p. 82). O estudo desenvolvido pelo grupo de alunos com o objetivo de conhecer a
história da Chacrinha, a presença de visitantes, jornalistas e pesquisadores elevaram a
auto-imagem de moradores que, há alguns anos, se sentiam ofendidos ao serem
apontados como “descendentes de escravos”. Hoje, essa denominação adquiriu um
outro sentido, contribuindo para uma afirmação positiva da identidade de moradores da
comunidade.
Outro ponto tomado por mim como positivo, na realização desta investigação,
refere-se à questão da titulação das terras remanescentes de quilombos. A comunidade
Chacrinha dos Pretos já passou pelo processo de sistematização coordenado pela
Fundação Cultural Palmares; porém, para que a comunidade seja titulada, será
necessária a realização de laudos antropológicos, históricos, geográficos e econômicos.
O estudo desenvolvido na comunidade poderá contribuir para a construção desses
laudos, necessários ao processo de identificação, e, posteriormente, para a titulação das
terras. A coleta de elementos da história oral, a produção de aproximadamente 700
fotografias que registram objetos que marcam a origem da comunidade, os seus
costumes, tradições, além de outros dados sobre a economia e o meio ambiente são
informações que poderão ser úteis à concretização dos laudos periciais.
Porém, a vontade e o empenho da comunidade são imprescindíveis nesse
processo, pois terá que partir primeiramente deles o interesse pela titulação de suas
terras. Nesse sentido, percebi que alguns moradores demonstram interesse pela causa,
enquanto outros ainda não estão entendendo direito o que representa a titulação para a
sua comunidade. Para isso, Rafael, um dos representantes da Associação, vem tentando
esclarecer aos demais moradores o valor da compreensão e do envolvimento de todos
nesse propósito. A tarefa exercida por Rafael é necessária, embora seja lenta e às vezes
angustiante, porque alguns não dão a ela a importância devida.
Após esse período de contato com os moradores da Chacrinha, ao ter
acompanhado vários momentos importantes no cotidiano deles, como reuniões de
Associação de Moradores, cultos, festas, percebi que a minha presença também teve
significado para eles. De forma não proposital, através da minha fala, das minhas
atitudes, eu os estimulei a refletir sobre o racismo, a discriminação racial e sobre a
valorização da cultura negra. Acredito que a pesquisa realizada, além de ter colaborado
para o meu entendimento sobre como a comunidade e a escola investigada abordam a
88
questão racial, estimulou-me a dar continuidade a este estudo, que não considero como
acabado, com o objetivo de ampliar a entrada do debate e da reflexão sobre a questão
racial nas escolas. Conforme afirma MUNANGA (2000), “a educação é capaz de
oferecer tanto aos jovens, quanto aos adultos a possibilidade de questionar e
desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram
introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados” (p. 9).Vejo a inserção
desses elementos, na escola, como uma possibilidade de melhoria da auto-estima da
criança negra, que, por não ter elementos que contribuam para tal, prefere a negação de
seus valores culturais.
89
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99
ANEXOS
100
Anexo nº 1: – Imagens da Comunidade
Vista parcial da entrada da comunidade Chacrinha dos Pretos
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
101
Anexo nº 2
DISTRIBUIÇÃO NACIONAL DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO JÁ IDENTIFICADAS / 2001
Fonte: www.palmares.org.br
102
Anexo nº 3
Comunidades Remanescentes de Quilombos Tituladas
Nº Comunidade Município Estado População estimada
Área/hec Título SITUAÇÃO DE
REGISTRO JUNTO AOS CARTÓRIOS
1 Comunidade Remanescente de Quilombo de Itamoari
Cachoeira do Piraí
PA 146 hab 5377,6020 07.07.98 OK
2 Comunidade Remanescente de Quilombo de Curiaú
Macapá AP 538 hab 3268,9400 03.12.99 OK
3 Comunidade Remanescente de Quilombo de Barra, Bananal e Riacho das Pedras
Rio de Contas
BA 740 hab 1339,2768 22.12.99 OK
4 Comunidade Remanescente de Quilombo de Campinho da Independência
Paraty RJ 295 hab 287,9461 21.03.99 OK
5 Comunidade Remanescente de Quilombo de São José, Matá Cuece, Apui, Silêncio, Castanhaduba.
Óbidos PA 445 famílias
17189,6939 08.05.00 OK
6 Comunidade Remanescente de Quilombo de Porto Corís
Leme do Prado
MG 65 hab. 199,3001 08.07.00 Título registrado
7 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mangal e Barro Vermelho
Sítio do Mato
BA 295 7615m1641 14.07.00 Título registrado
103
Continuação
8 Comunidade Remanescente de Quilombo Ka
lunga
Monte Alegre,
Teresina e Cavalcante
GO 4.000 hab 253191,7200 14.07.00 Aguardando parecer do juiz sobre a área da comunidade incidente no município de Monte Alegre. A FCP estará encaminhado nos próximos dias o memorial descritivo das tres áreas.
9 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mocambo
Porto da Folha
SE 130 famílias
2100,5400 14.07.00 Título registrado
10 Comunidade Remanescente de Quilombo de Rio das Rãs
Bom Jesus da Lapa
BA 300 famílias
27200,0000 14.07.00 Título registrado
11 Comunidade Remanescente de Quilombo de Ivaporanduva
Eldorado SP 119 3158,1100 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da Lei 6.015/73
12 Comunidade Remanescente de Quilombo de Furnas do Dionísio
Jaraguari MS 500 1031,8905 14.07.00 Aguardando retorno da comunidade sobre o registro do título.
13 Comunidade Remanescente de Quilombo de Furnas da Boa Sorte
Corguinho MS 150 1402,3927 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da Lei 6.015/73
104
Continuação
14 Comunidade Remanescente de Quilombo de Santana
Quatis RJ 828,1200 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da lei 6.015/73
15 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mangal/Barro Vermelho
Sítio do Mato
BA 295 7615,1641 14.07.00 Título registrado
16 Comunidade Remanescente de Quilombo de Castainho
Garanhuns PE 825 183,6000 14.07.00 Título registrado
17 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mata Cavalo
Nossa Senhora do Livramento
MT 17 famílias 11722,4613 14.07.00 Cartório recusou-se a efetuar o registro. Foi encaminhada cópia do processo para a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão para que o Ministério Público Federal atue junto aos cartórios quanto a situação do registros
18 Comunidade Remanescente de Quilombo de Conceição da Crioulas
Salgueiro PE 130 2100,5400 14.07.00 Título registrado
TOTAL 253115,6300
105
Continuação
19 Comunidade Remanescente de Quilombo de Santo Antônio dos Pretos
Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA
20 Comunidade Remanescente de Quilombo Eira dos Coqueiros
Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA
21 Comunidade Remanescente de Quilombo Mocorongo
Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA
22 Comunidade Remanescente de Quilombo Pacoval
Alenquer MA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA
23 Comunidade Remanescente de Quilombo Água Fria
Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA
24 Comunidade Remanescente de Quilombo Bacabal, Aracuam de Cima, Aracuam do Meio, Aracuam de Baixo, Serrinha, Terra Preta II e Jarauacá
Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA
25 Comunidade Remanescente de Quilombo de Pancada, Araçá, Espírito Santo, Jauarí, Boa Vista do Cuminã, Varre Vento, Jarauacá e Acapú
Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA
106
Continuação
26 Comunidade Remanescente de Quilombo de Abacatal
Ananindeua PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA
27 Comunidade Remanescente de Quilombo de Maria Rosa
Iporanga SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP
28 Comunidade Remanescente de Quilombo de Pilões
Iporanga SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP
29 Comunidade Remanescente de Quilombo de São Pedro
Eldorado SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP
Fonte: www.palmares.org.br
107
Anexo nº 4
Sistematização Nacional das Comunidades Remanescentes de
Quilombos por Estado/Minas Gerais
COMUNIDADE
MUNICÍPIO 1-Açude Cipó Em identificação
2-Arturos Contagem
3-Arraial dos Crioulos Araçuaí
4-Arraial do Farrancho Taobim
5-Barririnhos Joaíma
6-Brejo dos Crioulos Divisa dos municípios de São João da Ponte e
Varzelândia
7-Buriti do Chega Nega Serra do Cabral
8-Cabula Belo Horizonte
9-Catumba Itaúna
10-Chacrinha dos Pretos Belo Vale
11-Chapada Em identificação
12-Gravatá (Quebra-Bateia) Chapada do Norte no Vale do Rio
Jequitinhonha
13-Cubpoçõesa Chapada do Norte no Vale do Rio
Jequitinhonha
14-Bom Jesus Chapada do Norte no Vale do Rio
Jequitinhonha
15-Paiol Chapada do Norte no Vale do Rio
Jequitinhonha
16-Misericórdia Chapada do Norte no Vale do Rio
Jequitinhonha
17-Colônia do Paiol Bias Fortes/Zona da Mata
18-Comunidade da Boa Morte Belo Vale
19-Comunidade da Luz Nova Era
20-Curralinho dos Paula Resende Costa
21-Fazenda Conceição São José da Lapa
22-Gorutubanos Janaúba
108
23-Itapanhuacanga Conceição do Mato Dentro
24-Jequitibá/Lagoa Trindade Sete Lagos
25-Lavras Novas Ouro Preto
26-Martinho Campos Três Pontas
27-Mata de Tição Jaboticatubas
28-Mata Cavalo Não especificado
29-Matrona Salinas
30-Milho Verde/Baú Serro
31-Porto Coris Leme do Prado
32-Quartel de Indaiá Diamantina
33-São Domingos Paracatu
34-São domingos Oliveira
35-Sape Brumadinho
36-Serra das Araras São Francisco
37-Serra do Cipó Morro do Pilar
38-Tabatinga Bom Despacho
39-Vale do Jequitinhonha Nanuque
40-Vale do Jequitinhonha Chapada do Norte
41-Vale do Peruaçu Januária
42-Em identificação Caximbu
43-Em identificação Ferros
44-Em identificação Guanhães
45-Em identificação Itaiutaba
46-Em identificação Lavras
47-Em identificação Machado
48-Em identificação Minas Novas
49-Em identificação Muzambinho
50-Em identificação Paracatu
51-Em identificação Paraopeba
52-Em identificação Patrocínio
53-Em identificação Pitangui
54-Em identificação Ponte Nova
55-Em identificação Santa Luzia
56-Em identificação Santa Maira de Itabira
57-Em identificação São João da Chapada
109
58-Em identificação Teófilo Otoni
59-Em identificação Uberlândia
60-Em identificação Virgem da Vitória
61-Açude Cipó Em identificação
62-Espinho Em identificação
63-Mato do Barreiro Em identificação
64-Pontinho Em identificação
65-Rio da Lapa Em identificação
66-Santa Rita de Jacutinga Em identificação
Fonte: Revista Palmares, nº 5, p. 35-37, 2000.
110
Anexo nº 5:
111
Anexo nº 6:
“Comunidade”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
112
Anexo nº 7:
“Habitação”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
113
Anexo nº 7
“Ruínas”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
114
Anexo nº 9 - Artefatos
“Pote”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
115
Anexo nº 10
“Cadeado”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
116
Anexo nº 11
“Trapizonga”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
117
Anexo nº 12
“Família do Sr. Zé Dias”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
118
Anexo nº 13
“Crianças da Chacrinha”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
119
Anexo nº 14
“Crianças na escola da comunidade”
FOTO: Abilio Maiworm-Weiand
120
Anexo nº 15
Relação das comunidades rurais do município de Belo Vale
- LAGES
- COSTAS
- PALMITAL
- VARGEM DE SANTANA
- ROÇAS NOVAS DE CIMA
- ROÇAS NOVAS DE BAIXO
- LARANJEIRAS
- CHÁCARA
- BOA MORTE
- PINTOS
- CHACRINHA
- ARROJADO
- CURRAL MOREIRA
121
Anexo nº 16
“Desenhando a Chacrinha”
(elaborado pelos estudantes da escola da comunidade)
122
123
124
125
126
127
Anexo nº 17
“Texto escrito pela professora Sônia”
Data: 12 de dezembro de 2001
O RACISMO
Milhares e milhares de pessoas sofrem com o racismo no mundo todo.
Pessoas estas, que são julgadas pelo desemprego, pela fome e principalmente
pelo caráter de se um cidadão.
Cada vez mais, estamos nos transformando num país de pessoas burras e
ignorantes que se mostram ser superiores e acabam se rebaixando por discriminarem
certos negros.
Para eles, não somos capazes de nos eleger como poderosos e conscientes, mas,
como ladrões e indefesos nas nossas capacidades de nos transformarmos em seres
humanos.
Somos pessoas, assim como todo o branco, mulato, cafuzo, mas, muitas vezes,
somos julgados sem saber o porquê.
Dizem que, no Brasil não existe discriminação, mas, ela existe em todos os
lugares, seja num bar, num clube, na escola e, principalmente dentro da nossa própria
casa.
Somos capazes de criar e modificar esta situação, pois somos seres que não
somos destruídos facilmente, pois o que existe é povos e raças diferentes, mas nunca
raças superiores