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julho de 2014 Mariana Candini Bastos A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal Universidade do Minho Escola de Direito Mariana Candini Bastos A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal UMinho|2014

Mariana Candini Bastos - repositorium.sdum.uminho.ptrepositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/44571/1/Mariana Candini... · ... Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

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julho de 2014

Mariana Candini Bastos

A questão da subordinação no contexto doteletrabalho e seus reflexos: uma análisecomparada entre Brasil e Portugal

Universidade do Minho

Escola de Direito

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4

Trabalho realizado sob a orientação da

Profa. Doutora Teresa Coelho Moreira

julho de 2014

Mariana Candini Bastos

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

A questão da subordinação no contexto doteletrabalho e seus reflexos: uma análisecomparada entre Brasil e Portugal

DECLARAÇÃO

Nome: Mariana Candini Bastos

Endereço de correio eletrônico: [email protected]

Título dissertação: A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma

análise comparada entre Brasil e Portugal

Orientador: Doutora Teresa Coelho Moreira

Ano de conclusão: 2014

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO, DE APENAS 5 PÁGINAS,

SOMENTE PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO

INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, / /2014

Assinatura

iii

“Não existem ideias prematuras, existem momentos oportunos pelos quais é preciso saber esperar.”

Jean Monnet

v

À Marina, minha prima, minha irmã. Que o seu sorriso doce, sua gentileza e a inquietude das suas ideias nunca saiam das minhas lembranças.

vii

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, não só pela vida, mas sobretudo pela família que me foi

dada, sem a qual nenhuma das minhas metas teria sido alcançada.

Aos meus pais, Lucília e Branco, por todo amor e dedicação; não existem palavras que

possam expressar com rigor minha gratidão e meu amor. Agradeço pelo exemplo de retidão de

caráter e ética, as lições de humildade e firmeza de propósito. E “se a palavra convence e o

exemplo arrasta”, então o exemplo da minha mãe certamente me “arrastou” até aqui: sua paixão

pelo Direito, a dedicação e o amor aos livros e à solitária tarefa de estudar, seu comprometimento e

sucesso são meus maiores incentivadores a querer seguir seus passos. Agradeço à minha mãe que

de “tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho”.

Ao meu irmão Raphael, meu maior amigo, e aos meus avós, Mary, Eurípedes, pelo carinho.

Aos meus amigos, muitas vezes negligenciados por mim, mas que sempre me apoiaram

em meus propósitos e entenderam que o trabalho de pesquisa é árduo e solitário. Assim, agradeço

pela amizade e pelo apoio à Marcelle,Carol, Samantha, Roberta. À Ana Flávia, pela paciência e pelo

exemplo de serenidade. Aos meus amigos de Portugal, Matheus, Mafer, Paola e Regininha, por

terem feito daquele ano o melhor de nossas vidas. Aos meus amigos portugueses ou de mestrado,

Luís, Jorge, Cesar, Georgina, Marta e Margareth.

Por fim, agradeço à minha orientadora, Dra. Teresa Coelho Moreira pelas lições, atenção e

presteza que só enriqueceram este trabalho.

ix

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada

entre Brasil e Portugal

Resumo

O presente trabalho tem como principal objetivo discutir a questão da subordinação no âmbito do teletrabalho, a partir de uma análise comparativa entre Portugal e Brasil, com vistas a verificar se a regulamentação existente em ambos é adequada.

Para tanto, parte-se da história do trabalho no mundo ocidental até o surgimento do Direito do Trabalho, no contexto da Revolução Industrial. Demonstra-se o impacto que tiveram, nas relações de trabalho, as novas tecnologias de informação e comunicação a partir globalização e a necessidade de revisão do conceito de subordinação, seu elemento anímico.

Analisa-se o Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho de 2002, constatando-se que o mesmo foi implementado em Portugal através da Lei n. 99/2003, que introduziu o Código do Trabalho. Verifica-se que, no Brasil, houve apenas uma alteração na Consolidação das Leis do Trabalho, em 2011, a partir da qual foram equiparados os meios telemáticos e informatizados aos meios diretos e pessoais de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Nota-se que, em Portugal, a par da contribuição da doutrina, inclusive indicando a enorme possibilidade de exercício do poder diretivo através da informática e telemática, a regulamentação do teletrabalho subordinado está bem encaminhada (arts. 165.º a 171.º, CT/2009), sendo que na zona de penumbra ainda se pode aplicar o art. 10.º, que trata da técnica indiciária.

No Brasil, doutrina e jurisprudência vêm se esforçando para dar tratamento adequado aos casos fronteiriços, abordando a subordinação por seu enfoque objetivo, na vertente da subordinação estrutural (Godinho Delgado), utilizada em casos de terceirização ilícita, e na da subordinação integrativa (Vasconcelos Porto), sobretudo para hipóteses de trabalho intelectual. Relevante destacar que não se encontra positivada a tese da parassubordinação, motivo pelo qual, quando invocada, redunda em tratamento como trabalho subordinado.

Para evitar a discricionariedade da jurisprudência, o trabalho legislativo e doutrinário portugueses sobre o teletrabalho podem prestar grande contributo ao Brasil, inspirando projetos de lei adaptados à realidade brasileira.

xi

The issue of subordination in the context of telework and its consequences: a comparative analysis

between Brazil and Portugal

Abstract

The present work aims to discuss the issue of subordination within the telework, from a comparative analysis between Portugal and Brazil, in order to verify whether the existing regulations in both are appropriate.

In order to do so, it starts from the history of labor in the Western civilization until the emergence of labor law in the context of the Industrial Revolution. It demonstrates the impact that had, in work relationships, the new technologies of information and communication since the process of globalization and the need to review the concept of subordination, its soul element.

It analyzes the Framework Agreement on Telework from 2002, stating that it has been implemented in Portugal by Law n. 99/2003, which introduced the Labour Code. It verifies that, in Brazil, there was just a single amendment in the Consolidation of Labor Laws in 2011, from which telematics and computerized means of controlling were equated to the direct and personal means of command, control and supervision of work of others.

It is noticed that, in Portugal, alongside the doctrine’s contribution, including indicating the enormous possibility of exercising governing power through computing and telematics, regulation of telework is on track (Art. 165.º to 171.º, CT/2009), as once being in the twilight zone can still apply the art. 10.º, which deals with the evidentiary technique.

In Brazil, doctrine and jurisprudential standards have struggled to provide adequate treatment for borderline cases, addressing an objective approach to subordination, as the structrural subordination (Godinho Delgado), used in cases of illegal outsourcing, and the integrative subordination (Vasconcelos Porto), especially for cases of intellectual work.

It is worth noting that the thesis of parasubordination does not have a legal basis, which explains why it is often treated as subordinate work when this matter is submitted to Court.

To avoid the discretion of case law, Portuguese legislative and doctrinal effort on telework can make great contribution to Brazil, inspiring bills adapted to the Brazilian reality.

xiii

LISTA DE ABREVIATURAS

abr. - Abril

Ago - Agosto

art(s). - Artigo(s)

Atul. - Atualizada

Coord(s). - Coordenador

Des. - Desembargador

Dez. - Dezembro

Ed. - editora

ed. - edição

Fev. - fevereiro

j. - Julgamento

Jan. - Janeiro

Jul. - Julho

Jun. - Junho

Mar - Março

n. - Número

Nov. - Novembro

Out. - Outubro

p. - Página

R. - Região

Rel. - Relator(a)

Rev. - Revista

Set. - Setembro

Trad. - Tradução

V. - Volume

LISTA DE SIGLAS

AIRR - Agravo de Instrumento em Recurso de Revista

CEC - Confédération Européenne des Cadres

CEE - Comunidade Econômica Europeia

xiv

CEEP - European Centre of Employers and Enterprises providing Public Services

CES - Council for European Studies

CF/88 - Constituição Federal de 1988

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CT - Código do Trabalho

DL - Decreto-lei

ED-RR - Embargos de Declaração em Recurso de Revista

EEA - Área Econômica Europeia

ERR - Embargos em recurso de revista

ETUC - European Trade Union Confederation

EUROCADRES - Council of European Professional and Managerial Staff

EUROFOUND - European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions

GPS - Global Positioning System

PL - Projeto de Lei

PMDB-MG - Partido do Movimento Democrático Brasileiro – Minas Gerais

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OJ - Orientação Jurisprudencial

RO - Recurso Ordinário

RR - Recurso de Revista

SBDI - Subseção de Dissídio Individual

SMEs - Small and Medium-sized entrerprizes

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TIC - Tecnologia de Informação e Comunicação

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

TST - Tribunal Superior do Trabalho

UE - União Europeia

UEAPME - European Association of Craft, Small and Medium-sized Enterprises

UNICE - Union of Industrial and Employers' Confederations of Europe

xv

ÍNDICE

Agradecimentos ................................................................................................................................................... VII

Resumo ............................................................................................................................................................... IX

Abstract ............................................................................................................................................................... XI

LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................................................................... XIII

LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................................................ XIII

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 19

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO E DO DIREITO DO TRABALHO ............................................... 23

2.1 Considerações iniciais .................................................................................................................................... 23

2.2 Da ntiguidade à Idade Média: Direito Romano ................................................................................................. 24

2.3 Idade Média: do Feudalismo ao Mercantilismo ................................................................................................ 25

2.4 Idade Moderna ............................................................................................................................................... 28

2.5 Idade Contemporânea .................................................................................................................................... 32

3 O CONTRATO DE TRABALHO E SEUS PRESSUPOSTOS NO DIREITO PORTUGUÊS E NO DIREITO BRASILEIRO ........ 41

3.1 Pressupostos ou elementos fático-jurídicos do contrato de trabalho ................................................................. 41

3.2 O contrato de trabalho no direito português ..................................................................................................... 43

3.2.1 Os conceitos de contrato de trabalho extraídos do Código Civil e do Código do Trabalho ......................... 43

3.2.2 Elementos do contrato de trabalho ......................................................................................................... 45

3.2.2.1 Contrato prestado por pessoa singular ....................................................................................... 45

3.2.2.2 A retribuição .............................................................................................................................. 48

3.2.2.3 Subordinação ............................................................................................................................ 49

3.2.3 A presunção do contrato de trabalho ...................................................................................................... 52

3.3 O contrato de trabalho no Brasil ...................................................................................................................... 53

3.3.1 A diferenciação entre relação de trabalho e relação de emprego no ordenamento jurídico brasileiro ........ 53

3.3.2.1 Trabalho prestado por pessoa natural ........................................................................................ 55

3.3.2.2 Pessoalidade ............................................................................................................................. 56

3.2.2.3 Não eventualidade ..................................................................................................................... 57

3.2.2.4 Onerosidade .............................................................................................................................. 59

3.2.2.5 Subordinação ............................................................................................................................ 60

4 O TELETRABALHO ............................................................................................................................................ 63

4.1 Noções conceituais ......................................................................................................................................... 63

4.2 Breve análise histórica do teletrabalho ............................................................................................................ 66

4.3. Vantagens e desvantagens do teletrabalho ..................................................................................................... 70

xvi

5 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O TELETRABALHO NO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA ...................................... 73

5.1A política do "diálogo social" ............................................................................................................................ 73

5.2 O Acordo-quadro europeu sobre teletrabalho ................................................................................................... 76

5.2.1 Considerações iniciais............................................................................................................................ 76

5.2.2 Definição de teletrabalho ....................................................................................................................... 77

5.2.3 Caráter voluntário .................................................................................................................................. 78

5.2.4 Condições de trabalho ........................................................................................................................... 79

5.2.5 Proteção de dados ................................................................................................................................. 79

5.2.6 Privacidade do teletrabalhador ............................................................................................................... 80

5.2.7 Equipamento ......................................................................................................................................... 80

5.2.8 Segurança e saúde ................................................................................................................................ 81

5.2.9 Organização do trabalho ........................................................................................................................ 81

5.2.10 Treinamento ........................................................................................................................................ 82

5.2.11 direitos coletivos .................................................................................................................................. 82

5.2.12 Implementação .................................................................................................................................... 83

6 A DISCIPLINA JURÍDICA DO TELETRABALHO NO DIREITO PORTUGUÊS ............................................................... 85

6.1. Considerações iniciais ................................................................................................................................... 85

6.2. A regulamentação do teletrabalho no código do trabalho ................................................................................ 86

6.2.1 Noção e regime de contrato de teletrabalho ........................................................................................... 87

6.2.3 Igualdade de tratamento ........................................................................................................................ 92

6.2.4 Privacidade ............................................................................................................................................ 93

6.2.5 Participação e representação coletiva ..................................................................................................... 97

7 DISCIPLINA JURÍDICA DO TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO ................................................................... 99

7.1. Noções introdutórias ...................................................................................................................................... 99

7.2 Projeto de lei n. 4.505/2008 .......................................................................................................................... 99

7.3 A lei n. 12.551/2011 e a alteração promovida no art. 6º, da clt .................................................................... 102

7.4 A súmula n. 428 do Tribunal Superior do Trabalho ........................................................................................ 105

8 O TELETRABALHO E A QUESTÃO DA SUBORDINAÇÃO ...................................................................................... 111

8.1 Aspectos problemáticos no teletrabalho ........................................................................................................ 111

8.2 A questão da subordinação ........................................................................................................................... 111

8.2.1 Subordinação objetiva .......................................................................................................................... 114

8.2.1.1 Subordinação estrutural ........................................................................................................... 116

8.2.1.2 Subordinação integrativa .......................................................................................................... 119

8.2.3 Parassubordinação .............................................................................................................................. 122

8.3 A subordinação no teletrabalho ..................................................................................................................... 129

xvii

9 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................. 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................................... 141

REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS ..................................................................................................................... 145

REERÊNCIAS LEGISLATIVAS ............................................................................................................................... 149

Introdução

19

1 INTRODUÇÃO

Com a rápida evolução dos meios de comunicação e informação e com a abertura dos

mercados em decorrência da globalização, as empresas e, por conseguinte, os trabalhadores vêm

passando por significativas mudanças.

Apenas a título de exemplificação, vale recordar a antológica cena de Chaplin em Tempos

Modernos, em que o personagem aos poucos se transformava em máquina, em clara crítica ao

modelo de produção em série desenvolvido por Henry Ford.

Antes as fábricas eram verticais, isto é, dominavam de cima para baixo todas as etapas de

produção, fabricavam em série e se valiam de operários que eram obrigados a produzir em larga

escala, desempenhando tarefas repetitivas e padronizadas, muitas vezes sem possibilidade de

discricionariedade, de forma a obterem produtos finais homogêneos.

Este antigo modelo está muito distante da realidade atual, pelos motivos acima já expostos.

A empresa hodiernamente se “reinventa”, divide-se, terceiriza, reorganiza-se. É neste cenário que se

insere o teletrabalho, nova forma de prestação de trabalho à distância, isto é, longe do centro de

atividades das empresas, agora com a utilização das novas tecnologias de informação e

comunicação. Estas mudanças por si só já seriam tema suficiente para fomentar a presente

pesquisa, sob o aspecto sociológico, o que, todavia, não é o objetivo primordial aqui.

Sob certas condições, como se verá ao longo deste estudo, o teletrabalho é viável tanto

para o empregado, quanto para o empregador, sendo, inclusive, recomendável, pois confere maior

autonomia ao obreiro, repercutindo na sua esfera psicológica, e, consequentemente, na qualidade

da tarefa desenvolvida.

Por outro lado, no entanto, essa forma de prestação de serviço pode ser manipulada para

suprimir direitos trabalhistas, assumindo aí grande relevo a questão da subordinação. Dentro deste

contexto, justifica-se a escolha do tema dada a sua atualidade.

O problema que aqui se pretende enfrentar é o de se saber se, diante da nova realidade do

teletrabalho, as legislações portuguesa e brasileira o disciplinaram adequadamente, principalmente

no que concerne à questão da aferição da subordinação.

A hipótese levantada é a de que, em Porgugal, a questão está bem encaminhada, visto que

desde 2003 existe legislação específica sobre o teletrabalho, enquanto que, no Brasil, embora

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

20

bastante sintética, foi promovida alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Lei n.

12.551/2011, a partir da introdução de um parágrafo único ao seu art. 6º, cabendo à doutrina e à

jurisprudência o papel de delinear uma redefinição do concedito de subordinação, minimizando seu

caráter subjetivista, para valorizar seu aspecto objetivo, de modo a colocar sob a proteção do Direito

do Trabalho o obreiro que não presta seus serviços no estabelecimento da empresa.

Para o encaminhamento do problema posto e do acerto (ou não) da hipótese aventada, esta

pesquisa tem como objetivos específicos, além do quanto já exposto acima, que, por ser o problema

cuja solução se busca, é também o objetivo geral deste trabalho, os seguintes: (i) confrontar o

surgimento do Direito do Trabalho com a evolução do trabalho na sociedade ocidental, de forma a

evidenciar as condições históricas que concorreram para tanto; (ii) discorrer sobre os pressupostos

ou elementos para a configuração da relação de trabalho em Portugal e no Brasil, entre os quais

está a subordinação jurídica, tomando-se como referencial os Códigos Civil e do Trabalho (CT)

portugueses e a Consolidação das Leis do Trabalho brasileira; (iii) expor sucintamente as origens do

teletrabalho, dando relevo a tratativas no âmbito da União Europeia, enfocando sua classificação,

vantagens e desvantagens para a sociedade, o teletrabalhador e as empresas; (iv) abordar as

questões do “diálogo social” e dos “parceiros sociais” e do encaminhamento dado ao tema na

Europa, culminando com a assinatura do Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho em 2002; (v) analisar

o tratamento do teletrabalho subordinado em Portugal, regulado no Código do Trabalho em 2003,

na esteira do Acordo-Quadro já referido; bem como no Brasil, a partir do Projeto de Lei n.

4.505/2008, que não foi convertido em lei, mas fornece bom material de estudo para a

compreensão do teletrabalho; a atual redação do art. 6°, da CLT, conferida pela já mencionada Lei

n. 12.551/2011; e a alteração promovida na Súmula n. 428, pelo TST e (vi) discorrer sobre a

evolução da concepção de subordinação jurídica, partindo de sua dimensão subjetiva para chegar à

objetiva, que no Brasil transborda para a estrutural e integrativa, abordando também a

parassubordinação, e sobre a mudança de paradigma na forma de se exercer o poder diretivo, a

partir das novas tecnologias de informação e comunicação, e sua consequente repercussão na

subordinação.

O método que norteará o presente estudo, no sentido de caminho a ser percorrido para

testar a hipótese, é basicamente o categórico-dedutivo, eis que se está no campo das Ciências

Sociais Aplicadas, sendo necessário lidar com construções teóricas sobre os temas imbricados,

através de criteriosa pesquisa bibliográfica. Utilizar-se-á, assim, das abordagens hermenêuticas e

Introdução

21

dialética, na medida em que é necessário extrair normas das regras e princípios pesquisados, bem

como confrontá-las, a fim de exercer um juízo de ponderação e razoabilidade.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

23

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO E DO DIREITO DO TRABALHO

2.1 Considerações iniciais

De acordo com REALE 1, o direito não é um fenômeno estático, mas dinâmico. Desenvolve-

se por meio de um processo que obedece a uma forma especial de dialética na qual se implicam,

sem que se fundam, os polos de que se compõe. De um lado, estão os factos que ocorrem na vida

social; de outro, os valores que presidem a evolução das ideias. Referem-se, pois, às dimensões

fáctica e axiológica. Somados, factos e valores exigem-se mutuamente, envolvendo-se num processo

intenso e intrincado que impulsiona a formação das estruturas normativas, a terceira dimensão do

direito. Assim, da tensão entre factos e valores, que atuam reciprocamente, resulta a norma

jurídica, para a regulação da conduta humana.

A formação do Direito do Trabalho não se excetua a esta regra, posto que se trata de um

complexo coerente de princípios, normas e institutos jurídicos, que resulta de um determinado

contexto histórico.2

MASCARO NASCIMENTO3, discorrendo sobre a gênese deste ramo, afirma que o Direito

do Trabalho foi a consequência de uma "questão social”, precedida pela Revolução Industrial e da

subsequente reação humanista que se propôs a garantir direitos mínimos ao trabalhador.

De toda sorte, o direito não é uma ciência social estanque, razão pela qual deve-se

perquirir sua evolução através dos aspectos sociais, políticos e econômicos, em cada período

histórico, ainda que anteriores ao seu marco inicial mais aceito. Isto porque discorrer sobre a

história do Direito do Trabalho não coincide precisamente com a história do trabalho.

O trabalho é tão antigo quanto o homem. A partir do momento em que o homem fixou-se

à terra e organizou o sistema de trocas, deixando de trabalhar com a sua família para o seu próprio

sustento, surgiu a ideia de utilização do trabalho em benefício de outrem. Ao longo dos tempos, o

trabalho humano foi prestado das mais variadas formas, tais como, em regime de escravidão,

servidão, através das corporações de ofícios ou grilhões, dentre outros.4

1REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. ajustada ao novo Código Civil. 4. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 14-15. 2DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 87. 3NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 34. 4BARRETO, Glaucia; ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito do trabalho. 9. ed. Niterói: Impetus, 2006. p. 1.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

24

Compreender sua evolução, numa análise sociológica e econômica, para, a partir daí,

também analisar os avanços na legislação trabalhista, é o que ora se propõe.

2.2 Da Antiguidade à Idade Média: Direito Romano

Conforme explica MONTEIRO DE BARROS5, na Antiguidade, especialmente entre gregos e

romanos, difundiu-se o trabalho escravo, prestado por pessoa a quem não eram reconhecidos

direitos. O escravo assemelhava-se a um objeto pertencente ao seu amo ou senhor, a partir do

momento em que entrava na esfera de domínio deste.

Sendo o escravo objeto de propriedade, e não sujeito de direito, não se pode sequer

pensar, em tal cenário, em Direito do Trabalho, visto que o núcleo deste é o contrato de trabalho,

que pressupõe a existência de dois sujeitos - empregador e empregado, manifestando sua vontade

de forma livre. É como afirma MONTEIRO DE BARROS6, "ausente um deles, a relação jurídica está

fora de sua tutela".

De todo modo, o aumento da população e a complexidade das relações sociais e

humanas fizeram com que os senhores passassem a se valer também da mão-de-obra de escravos

pertencentes a outros senhores, arrendando-lhes os serviços.7

Esta forma de arrendamento cresceu sobremaneira, fazendo com que até os homens

livres, mas com baixo poder aquisitivo, passassem a arrendar seus serviços a outros. Surgiu, então,

uma modalidade de locação em sentido amplo, denominada locatio, na qual, segundo MENEZES

LEITÃO8, considerava-se incluída tanto a concessão de uso de coisas, como de pessoas, a troco de

uma retribuição em dinheiro, denominada merces. A locatio era, pois, uma espécie de contrato

consensual, em que a vontade das partes era elemento constitutivo de obrigações, dispensando

forma especial.

Noticia MONTEIRO DE BARROS9 que deste gênero derivaram três espécies: a locatio rei, a

locatio operis faciendi e a locatio conductio operarum.. Pela locatio rei, uma das partes se obrigava a

conceder à outra o uso e gozo de uma coisa. A locatio operis faciendi tinha por objetivo a realização

de determinada obra, cujos riscos eram assumidos pelo executor sendo um antecedente do

5BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.p. 45. 6BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 45. 7BARROS, Alice Monteiro de.Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 45. 8LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 24. 9BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 47-48.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

25

contrato de empreitada. Já a locatio conductio operarum implicava a prestação de serviço por

determinada pessoa (locator) a outra (conductor), cuja remuneração era fixada tendo em vista o

tempo gasto na sua execução e não com o serviço em si, consistindo em um antecedente muito

incipiente do contrato de trabalho.

Conclui-se, portanto, com LOBO XAVIER, que na Antiguidade a disciplina jurídica do

trabalho era alicerçada em conjuntos de normas jurídicas de âmbito genérico, como os das

múltiplas formas de propriedade, a locação ou arrendamento. Não havia, pois, um corpo de normas

ou princípios jurídicos tendo o trabalho como objeto específico.10

2.3 Idade Média: do Feudalismo ao Mercantilismo

A decadência da escravidão já vinha se acentuando no Império Romano, na época de

Marco Aurélio e dos Severos, em virtude de uma política igualitária por eles implantada. Tenha-se

em conta ainda o ideal humanitário pregado pelo Cristianismo, acrescido às recorrentes fugas de

escravos, como motivos relevantes da decadência de tal sistema.11

Segundo TEIXEIRA DOS REIS12, a formação do sistema feudal, que marcou a Idade Média

na Europa Ocidental, ocorreu por força de fatores conjunturais e estruturais. Em relação à

conjuntura social, citam-se o isolamento no campo e a consequente “ruralização”, em busca de

segurança contra as constantes invasões de terras pelo Estado e, num segundo momento, contra

as invasões bárbaras. Já do ponto de vista estrutural, difundiram-se as vilas e a descentralização do

poder.

A queda do Império Carolíngio e o consequente enfraquecimento do poder central de

Roma, bem como os altos custos em treinar e equipar guerreiros para manter as guerras e

invasões, também fizeram com que o sistema feudal prosperasse. Isto porque o sistema político,

social e econômico caracterizou-se pela relação de dependência entre servos, senhores e rei. Os

primeiros deviam fidelidade ao seu senhor, recebendo dele proteção contra os invasores e

retribuindo com trabalho e pagamento de taxas incidentes sobre o uso das instalações, das

ferramentas e da terra. O senhor feudal, de outro lado, devia fidelidade ao rei, que lhe cedia terras,

10RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005.p.41. 11MELGAR, Alfrego Montoya. Derecho del trabajo. 24. ed., Madrid: Tecnos, 2003. p. 55.Apud BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 47. 12 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 41.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

26

retribuindo-lhe com o pagamento de taxas e concedendo-lhe guerreiros.13

Neste período, a economia era predominantemente agrária e a sociedade feudal podia ser

dividida basicamente em três grandes classes: sacerdotes, guerreiros e servos, sendo que o homem

que trabalhava produzia para ambas as outras classes e para um senhor feudal.14

A Igreja Católica exercia grande influência na sociedade, além dos limites geográficos dos

feudos ou reinos, e as regras eram por ela impostas, ainda que implicitamente. A ideia difundida é

que era necessária, para a harmonia social, a existência de líderes e subordinados e cada um

deveria contentar-se com o papel que a vida lhe reservara. Um esforço para ascender socialmente

era repudiado com a tese de que o indivíduo que assim o tentasse se afastaria do caminho da

salvação.15

Destacou-se, como expoente da época, São Tomás de Aquino, que questionava até que

ponto um comerciante deveria subir o preço de uma mercadoria e qual seria o preço justo. Segundo

ele, vender mais caro ou comprar mais barato era, em si mesmo, ilícito e injusto. Tal pensamento

almejava proteger tanto o comprador, como o vendedor.16

Os servos não eram escravos, pois, se estes podiam ser vendidos em qualquer parte, a

qualquer tempo, aqueles só podiam ser vendidos juntamente com sua terra. Significa que o senhor

podia transferir a posse do feudo a outro e que isso acarretava ao servo a troca de senhor.17

Já MONTEIRO DE BARROS18 assevera que aos servos se reconhecia a natureza de pessoa

e não de coisa, mas que, pelo menos no Baixo Império Romano19, sua condição era próxima a dos

escravos20, enquanto TEIXEIRA DOS REIS21 afirma que, com o regime servil, o trabalhador deixou de

ser coisa (res) e alcançou a categoria de pessoa, tendo alguns direitos reconhecidos, mas, ainda

assim, bem limitados.

13REIS, Jair Teixeira dos. Subordinação jurídica e o trabalho à distância. São Paulo: LTr, 2007. p.21. 14HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p.1. 15LEKACHMAN, Robert. História das ideias econômicas. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1973. p. 31-33. 16LEKACHMAN, Robert. História das ideias econômicas. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1973. p. 36. 17HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p.7. 18BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 47. 19Entende-se por Baixo Império Romano o período caracterizado pelo absolutismo monárquico, entre os séculos III e VI d.C. Esse período, marcado por sangue e miséria, teve como principal característica o controle do poder pelo Exército, outrora servo do Império. Então, o Estado não conseguia manter sua hegemonia político-administrativa entre seus vários domínios. As riquezas obtidas através das guerras eram grandes, porém também o eram os custos para manter o exército. Verificou-se um agravamento do sistema escravista já que não se vislumbravam mais territórios a serem ocupados de onde se fizessem escravos de guerra. E quanto piores as condições do Império, maiores e mais violentas eram as invasões bárbaras. ROSTOVTZEFF, Michel Ivanovitch. História de Roma. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 253-257. GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 105-107. 20BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 47. 21REIS, Jair Teixeira dos Reis. Subordinação jurídica e o trabalho à distância. São Paulo: LTr, 2007. p.20.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

27

Explica HUBERMAN22 que, no regime feudal, o camponês vivia numa choupana,

trabalhando longa e arduamente em suas faixas de terra, conseguindo arrancar do solo apenas o

suficiente para uma vida miserável. Teria vivido melhor não fosse o facto de ter que trabalhar para o

seu senhor dois ou três dias por semana, sem pagamento. E se houvesse pressa, como na época

da colheita, eram as terras do senhor as primeiras a serem trabalhadas.

A partir do século X, as necessidades dos habitantes do feudo já não podiam ser

completamente satisfeitas ali, pois a população crescia cada vez mais. Mercadorias produzidas

extra-muros passaram a ser adquiridas em feiras e mercados itinerantes, principalmente sediados

às margens de rios e mares. A princípio prevaleceu o regime de trocas, mas, posteriormente, as

feiras foram se transformando em pequenas cidades ou vilas.23

O início das Cruzadas também deu novo ímpeto ao comércio, pois os cavaleiros

necessitavam de provisões ao longo do caminho e, quando regressavam, desejavam adquirir as

roupas e comidas que haviam experimentado no decorrer da jornada, tendo estes produtos

ganhado espaço nos mercados e feiras.24

Gradativamente, o homem começou a deixar o campo para se instalar nas áreas urbanas,

então em ascensão. As relações predominantemente autônomas de trabalho, antes de pequenos

comerciantes e artesãos, foram sendo substituídas por um regime heterônomo, originando as

Corporações de Ofício. Tratava-se de agremiações constituídas por mestres que, em regra,

obtinham o cargo por suas aptidões. A principal preocupação das Corporações era assegurar a

excelência dos produtos manufaturados.25

Explica MENEZES LEITÃO26 que as Corporações e Grêmios reuniam trabalhadores do

mesmo ofício ou áreas afins, que ficavam subordinados a um rígido regulamento, o qual

disciplinava minuciosamente a atuação profissional, organizando-os hierarquicamente. Assim,

iniciava-se no grau de aprendiz, passava-se pelo de companheiro e oficial, até se chegar, em tese,

ao de mestre.

Na realidade, as Corporações de Ofício eram verdadeiros monopólios profissionais, “uma

22HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 5. 23HUBERMAN, Leo. História dariqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 14. 24HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 15. 25BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 48. 26LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 25.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

28

fórmula mais amena de escravidão”. É o que escreve TEIXEIRA DOS REIS:27

Os aprendizes eram jovens trabalhadores, submetidos à pessoa do mestre, que aprendiam o ofício. Essa aprendizagem era um sistema duro de trabalho e os mestres sempre impunham aos aprendizes um regime férreo de disciplina, usando largamente dos poderes que lhes eram conferidos pelas normas estatutárias da corporação. Terminada a aprendizagem, subiam eles à categoria de companheiros, que eram oficiais formados, mas sem condições de ascenderem à mestria, pela compressão exercida pelos mestres, que desejavam, dessa forma, impedir a concorrência, e assegurar a transmissão de privilégios das mestrias aos seus filhos ou sucessores.

De toda sorte, há certo consenso no facto de que os estatutos patronais das Corporações

não eram verdadeiramente normas de proteção ao obreiro, eis que unilateralmente elaborados

pelos mestres, não se levando em conta a vontade dos aprendizes e companheiros. Tal ideia é

trabalhada por PALMA RAMALHO:28

Do facto de essas normas (regimentos coorporativos) conterem uma regulamentação estatutário-profissional muito minuciosa da situação do prestador de trabalho não resulta que já houvesse nessas épocas Direito do Trabalho (na verdade, tratava-se de regimes sem autonomia, ligados aos aspectos técnicos do trabalho e à concorrência). Tais regimentos estavam desprovidos daquele sentido de protecção do trabalhador que é característico do Direito do Trabalho (os regimentos corporativos eram predominantemente emanados pela classe dos mestres, que aproveitava o trabalho e pagava os salários).

Embora ainda não se possa vislumbrar, na Idade Média, as normas protetivas do Direito

do Trabalho, é facto que houve uma evolução, porque, com a criação e desenvolvimento de núcleos

urbanos, surgidos em razão do incremento do comércio, o trabalho passou a ser organizado e

regulado no âmbito das Corporações de Ofício, as quais, a despeito do monopólio nas mãos dos

mestres, previam alguns direitos aos aprendizes e companheiros, diferentemente do que ocorria no

regime de escravidão da Antiguidade Clássica.

2.4 Idade Moderna

Trata-se de um momento específico da História do Ocidente, tendo como marco inicial

mais aceito a tomada de Constantinopla em 1453 e a consequente queda do Império Romano do

27REIS, Jair Teixeira dos Reis. Subordinaçãojurídica e o trabalho à distância. São Paulo: LTr, 2007. p. 24-26. 28RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 41.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

29

Oriente.29

A Baixa Idade Média culminou com a formação de Estados soberanos, o declínio do

sistema feudal, o êxodo da população para as novas cidades, o desenvolvimento do comércio e das

manufaturas e o aparecimento da burguesia, classe social formada basicamente por comerciantes.

Aos poucos, a ideia de preço justo começou a ser ultrapassada e a ascensão para outra classe

social já era possível, embora a Igreja Católica continuasse a rechaçá-la.

Os abusos praticados pelos mestres das Corporações, tanto no que diz respeito às

práticas anti-concorrenciais, como quanto aos cometidos contra os seus subordinados, bem como a

tendência a transformar um ofício em bem de família e o apego a formas superadas de produção,

incapazes de acompanhar os avanços sociais, foram causas para a transição da sociedade

artesanal para o capitalismo mercantil.30

Cada vez mais, fortalecia-se a classe burguesa e a economia baseada no mercantilismo.

HUNT e LAUTZENHEISER31 afirmam que este se originou no período em que a Europa passava por

uma crise, em consequência da escassez de ouro e prata, de forma que a moeda era insuficiente

para atender ao volume crescente do comércio. Dessa forma, foram estabelecidas medidas

protecionistas com o objetivo de se alcançar uma balança comercial superavitária, proibindo-se as

exportações.

Por volta de 1450, a escassez de metais foi parcialmente aliviada com a extração na

Costa do Ouro, África, por parte dos portugueses. Décadas adiante, com a entrada de grande

volume de ouro e prata vindos da América, em razão das grandes navegações, a Europa vivenciou

uma quase instantânea inflação. Os preços dos produtos manufaturados subiram mais rápido que

os aluguéis ou salários, ou seja, a classe trabalhadora e os senhores de terras sentiram o impacto

do processo inflacionário, enquanto a burguesia foi beneficiada, justamente porque se dedicava ao

comércio e à manufatura.32

Outro fator importante que consolidou a Idade Moderna como um período de transição foi

a Reforma Protestante.

A Igreja era, sem dúvida, rica em poder e influência na Idade Média. Calcula-se que

29CORVISIER, André. História Moderna. Trad. Rolando Roque da Silva; Carmem Olívia de Castro Amaral. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 5. 30BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 49. 31HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 14. 32HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 14.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

30

possuía entre um terço e metade de toda terra e, não obstante, recusava-se a pagar impostos aos

então formados Estados soberanos. É que as taxas pagas pelas terras da Igreja eram remetidas a

Roma, mas os reis demandavam que o dinheiro fosse usado para custear gastos do Estado. A Igreja

representava, ainda, um rival poderoso para os monarcas. Os reis e o papa divergiam a respeito de

quem era competente para nomear os altos cargos do clero, como bispos e arcebispos, já que se

tratava de cargos muito bem remunerados. Não se entendiam, ainda, sobre a competência para

julgamento de conflitos que, ora tocavam a tribunais religiosos, ora a tribunais normais. Existia,

portanto, um poder supranacional que pouco agradava aos monarcas. 33

Em 1517, Lutero pregou as suas Noventa e Cinco teses à porta da Igreja em Wittenberg,

dando início a um movimento cristão cujo objetivo era a Reforma da Igreja Católica. Antes dele,

contudo, outros tentaram o mesmo, mas, ao contrário destes, Lutero não cogitou derrubar as

classes privilegiadas, pregando um sistema socialista.34

Assim como o reformismo de Lutero, a doutrina de Calvino adequou-se aos interesses da

burguesia, pois afirmava que o homem provava sua fé e demonstrava sua predestinação através do

sucesso material.35

Infere-se que, por trás destes movimentos reformistas, estava o anseio da burguesia em

se livrar das amarras do feudalismo. Havia a clara percepção de que seu progresso estava

bloqueado pelas crenças arraigadas da Igreja Católica, um dos sustentáculos de tal sistema, bem

como pela grande concentração de riqueza em seu poder. Bem por isso, a luta tomou um disfarce

religioso.36

De outro lado, usa-se o termo sociedade pré-industrial para se referir ao contexto sócio-

econômico favorável à industrialização e antecedente à denominada Revolução Industrial, cujo

marco inicial é controvertido, variando entre 1760 e 1802, favorecida também com o declínio da

ascendência da Igreja Católica, a partir da Reforma. Segundo MONTEIRO DE BARROS37, a inovação

tecnológica que decorreu da industrialização foi determinante para o estertor do modo de produção

artesanal.

Ressalte-se, todavia, que, mesmo antes desta, já se verificava uma mudança na forma de 33HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 59-60. 34HUBERMAN, Leo.História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 61-62. 35CORVISIER, André. História Moderna. Trad. Rolando Roque da Silva; Carmem Olívia de Castro Amaral. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 65 e 73. 36HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 63. 37BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 49.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

31

prestação do trabalho. Nota-se que o homem já não vendia um produto acabado ao comerciante,

mas somente seu próprio trabalho.38

Enquanto isso, na França, os fisiocratas, grupo de reformadores sociais e discípulos de

François Quesney, interessavam-se em reformar o país que passava por desordens econômicas e

sociais, causadas por uma combinação das piores características do feudalismo e do capitalismo

comercial. De um lado, inflação, crise fiscal, tributação desordenada, ineficiente e injusta. De outro,

a agricultura mantinha características feudais, não se rendendo às inovações tecnológicas, de tal

forma a inibir o avanço do capitalismo. 39

Nesse contexto, destacou-se ainda Adam Smith, pensador econômico escocês, que esteve

na França no período entre 1764 e 1766, época em que conviveu com os principais intelectuais

franceses, dentre eles o próprio Quesney e Torgo, outro destacado fisiocrata. Esta vivência foi

decisiva para a publicação, em 1776, de sua obra mais expressiva, a Riqueza das Nações.40

Smith propôs a tese de que, embora os indivíduos pudessem agir de forma egoísta e

estritamente em proveito próprio ou da classe à qual pertenciam, havia, nas “leis da natureza” ou

na “divina providência”, algo que chamou de “mão invisível”, capaz de guiar atos que

aparentemente provocavam conflitos na direção da “harmonia benevolente”. Tratava-se, assim, não

de um desígnio do indivíduo, mas simplesmente do funcionamento sistemático de leis naturais. Em

apertada síntese, portanto, pregava a não intervenção do Estado na economia, e,

consequentemente, a livre concorrência e o liberalismo econômico, cujo lema era “laissez-faire,

laissez-passer”. 41

O liberalismo significou uma reação contra o absolutismo monárquico, que se

fundamentava na origem divina e sobrenatural do poder, exercido, por isso, de forma despótica.

Baseou-se ele no contratualismo, inspirado nas ideias de Locke, Rousseau, Montesquieu, Voltaire,

Stuart Mill, entre outros.42

Assim, as ideias de Adam Smith e dos fisiocratas franceses, bem como a complexidade do

sistema de tarifas, restrições, subsídios e privilégios para determinados setores da indústria e do

38HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 10. 39HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 29. 40HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p.33. 41HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p.36-38. 42NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 49.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

32

comércio resultaram num cenário caótico que culminou com a Revolução Francesa em 1789.43

A Revolução objetivava quebrar os paradigmas da sociedade medieval, focando-se

principalmente contra os abusos estatais e do Clero, sob a célebre trilogia da “Liberdade, Igualdade

e Fraternidade”. Todavia, o triunfo da Revolução Francesa foi mesmo a exaltação da liberdade, que

ficou consagrada no preâmbulo da Constituição de 1791 e na “Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão”.44

Diante de tal cenário, não havia mais espaço para as Corporações de Ofício, extintas

definitivamente pela Lei Chapelier, de 1791. A partir daí, todo homem era livre para dedicar-se à

arte ou ofício que lhe conviesse, embora não estivesse desobrigado de prover-se de licença para tal

e o do pagamento de taxas.45

2.5 Idade Contemporânea

Como aduzido no tópico anterior, a Idade Moderna significou um período de transição por

excelência, tendo como marco final a Revolução Francesa.

Por outro lado, a Revolução Industrial Inglesa, período de grande importância para o

Direito do Trabalho, teve sua primeira etapa iniciada entre 1780 e 1802 e manteve-se com

intensidade até cerca de 1840. Muitos historiadores defendem que a Grã-Bretanha reunia condições

ideais para a industrialização, porque possuía grandes reservas de carvão para impulsionar as

máquinas a vapor, técnicas desenvolvidas de manufatura e um contingente populacional expressivo.

De todo modo, o processo de industrialização e de mudanças econômicas e sociais ocorreu de

forma gradual, daí por que não é apropriado o termo “Revolução”. Entre 1840 e 1870 ocorreu o

que os historiadores chamam de "Segunda Revolução Industrial". Portanto, para fins de

periodização da história, parece mais adequado a análise da Revolução Industrial dentro da Idade

Contemporânea muito embora este processo tenha se iniciado na Idade Moderna.46

Antes de se partir para uma abordagem sociológica dos impactos da industrialização na

sociedade inglesa e seus reflexos no Direito do Trabalho, importa entender o contexto histórico.

Entre 1700 e 1770, a demanda do mercado externo por produtos ingleses cresceu mais

43HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 29. 44BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 49. 45BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 49. 46NERÉ, Jacques; História Contemporânea. Trad. Octávio Mendes Cajado. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. P. 120.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

33

que a do mercado interno. HUNT e LAUTZENHEISER47 afirmam que a produção das indústrias que

abasteciam o mercado interno cresceu à época 7%, enquanto a das indústrias voltadas para o

mercado externo cresceu até 80%. A busca pelo lucro crescente, alimentada pela grande demanda

do mercado externo, culminou em uma série de políticas e inovações tecnológicas48, que, reunidas,

desencadearam a Revolução Industrial.

Quanto mais a industrialização avançava e gerava números impressionantes, mais o

sistema capitalista recentemente adotado mostrava-se vantajoso. Os lucros eram acumulados como

capital e este incluía os materiais necessários à produção e ao comércio, consistente na reunião de

todas as ferramentas, equipamentos, fábricas, matérias-primas, produtos em elaboração, meios de

transporte dos produtos e dinheiro. 49

Contemporâneo à industrialização inglesa, David Ricardo apoiava o capitalismo

florescente. Identificava a prosperidade econômica com a acumulação de capital e com o

crescimento e a prosperidade econômica promovidos por essa acumulação. Explicava que, quando

os capitalistas auferiam lucros, acumulavam capital e isso resultava em maior demanda por mão-

de-obra. Já o aumento da demanda provocava um aumento do salário de mercado, que

ultrapassava o salário natural, que era o que garantiria apenas a sobrevivência, verificando-se, via

de consequência, o aumento populacional. Concluía afirmando que, enquanto os capitalistas

continuassem obtendo lucro, essa consequência poderia repetir-se indefinidamente, de tal forma

que a economia permaneceria acelerada e verificar-se-ia a prosperidade geral, eis que os salários

estariam sempre acima do nível de subsistência.50

Porém, é necessário salientar a discrepância entre os progressos dos capitalistas e as

condições de vida dos trabalhadores, durante a Revolução Industrial, como faz HUBERMAN:51

Toda tabela de números mostrava progressos tremendos. A produção de algodão, ferro, carvão, de qualquer mercadoria multiplicou-se por dez. O volume

47HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 34. 48 Como inovações tecnológicas, em relação à indústria têxtil, cita-se a invenção, nesta ordem, da lançadeira móvel (1730), da fiadeira de fusos (1769), com a qual uma só pessoa podia torcer vários fios ao mesmo tempo, do filatório contínuo (1775), que utilizava rolos contínuos, os quais trabalhavam a diferentes velocidades, e da fiadeira automática (final da década de 1770), que combinava características das duas outras, permitindo o aproveitamento da energia a vapor; em referência à indústria metalúrgica, cita-se o desenvolvimento de processo para produção de coque de carvão, em substituição ao carvão vegetal e ao ferro-gusa, para ser usado na fundição, ao qual se seguiu uma série de inovações, como as laminadoras, o alto-forno, o martelo a vapor e os tornos de trabalhar metais, o que levou à generalização de máquinas de ferro em uma grande variedade de indústrias. Todavia, a mais importante inovação foi o desenvolvimento do motor a vapor, que rapidamente substituiu a água como principal fonte de energia na indústria. HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 34-35. 49HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 14. 50HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 82. 51HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 142.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

34

e total de vendas, os lucros dos proprietários – tudo isso subiu aos céus. [...] A Inglaterra, ao que tudo indica, devia ter sido então o paraíso que os autores mencionam sempre. Foi, realmente – para uns poucos. Para muitos, podia ser qualquer coisa, menos um paraíso. Em termos de felicidade e bem-estar dos trabalhadores, aquelas estatísticas róseas diziam mentiras horríveis.

Anteriormente à Revolução Industrial, a estrutura normativa era extremamente

simplificada e de caráter não-autônomo, correspondia a um mundo em que o trabalho não era

posto em discussão, inclusive porque os trabalhadores pouco se importavam com aspectos

econômicos ou políticos. Porém, a partir da desintegração das Corporações e do início da sociedade

industrial e do capitalismo, percebeu-se certa preocupação com aspectos políticos e éticos do

trabalho, assim como no plano da ciência econômica, uma preocupação com a produção acabou

por levantar questões acerca do valor do trabalho.52

Explica PALMA RAMALHO:53

O capitalismo nascente caracterizou-se pelo aproveitamento de formas de energia não humanas e pela máquina. Ele dissociou o capital do trabalho e o trabalhador do produto do seu trabalho, encarou a actividade humana como um mero factor de produção, sujeita à lógica do mercado (e portanto à pressão da diminuição de custos), racional, tornou-a fungível (isto é, podendo ser atribuída a praticamente qualquer pessoa) e submeteu-a aos ritmos das máquinas. Estas geram aparatosamente desemprego e, pelos seus perigos, acidentes de trabalho.

MASCARO NASCIMENTO54 afirma que o processo de industrialização inglês deu origem a

uma nova classe de trabalhadores: o proletariado. Explica que proletário é o trabalhador que presta

serviços em jornadas que variavam entre 14 e 16 horas, sem oportunidades de desenvolvimento

intelectual, cujas condições de habitação eram subumanas, às vezes em cortiços, localizados nas

proximidades das fábricas, com prole numerosa, que acabava também trabalhando nas fábricas

desde muito pequena, mas que ganhava em troca de tudo isso um salário.

O proletário é, portanto, o primeiro protótipo do trabalhador dos dias atuais. É o que se

conclui do seguinte excerto da obra de GODINHO DELGADO:55

[...] a existência do trabalho livre (isto é, juridicamente livre) é pressuposto histórico-material do surgimento do trabalho subordinado (e, via de

52RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 41. 53RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 42. 54NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso dedireito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 38. 55DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 88.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

35

consequência, da relação empregatícia). Pressuposto histórico porque o trabalho subordinado não ocorre, de modo relevante, na história, enquanto não assentada uma larga oferta de trabalho livre no universo econômico social. Pressuposto material (e lógico) porque o elemento subordinação não se constrói de modo distintivo senão em relações em que o prestador não esteja submetido de modo pessoal e absoluto ao tomador dos serviços (como ocorre na servidão e escravatura, por exemplo). Em decorrência dessa conexão histórica, material e lógica, entre o trabalho livre e o trabalho subordinado, percebe-se que as relações jurídicas escravistas e servis são incompatíveis com o Direito do Trabalho. É que elas supõem a sujeição pessoal do trabalhador e não a sua subordinação. (Destaques no original.)

As condições de trabalho impostas pelo empregador ao proletário eram aviltantes. Cita-se

a exigência de excessivas jornadas; a exploração do trabalho de mulheres e de menores, sem

qualquer precaução e com remuneração muito inferior; a insegurança das condições de trabalho

refletida nos frequentes acidentes; tudo sem qualquer norma que regulamentasse o trabalho e

tutelasse o trabalhador contra os abusos cometidos, visando ao capital e ao lucro.56

Por outro lado, as populações nas grandes cidades cresciam aceleradamente, o que

acarretava facilidade de substituição de trabalhadores, favorecendo os empregadores, pois aqueles

acabavam por se sujeitar a trabalhar em condições minimamente adequadas, posto que, se não o

fizessem, outro trabalhador o faria.57

É interessante perceber que, no contexto da Revolução Francesa, a sociedade clamava

por liberdade: liberdade contra os abusos da monarquia absolutista vigente, contra a exclusividade

de produção concentrada nas mãos das Corporações de Ofício, contra o sistema feudal.

Demandavam por liberdade para trabalhar de forma autônoma, produzir e comercializar produtos

sem intervenção do Estado. As ideias de Smith, que afirmava que, sem intervenções, a economia

era autorregulada pela "mão-invisível", floresceram no terreno fecundo dos ideiais liberais na França

e se espalharam pela Europa. No contexto da Revolução Industrial, porém, esse excesso de

liberdade tinha reflexos muito pesados, suportados pelo trabalhador.

Diante disso, surge o que a doutrina trabalhista chama de “questão social”58,

desencadeada pela condição de miserabilidade da classe operária.

56NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 41. 57LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 27. 58MASCARO NASCIMENTO explica que a expressão "questão social" não havia sido formulada antes do século XIX. Os efeitos do capitalismo e das condições de infraestrutura social se fizeram sentir com muita intensidade com a Revolução Industrial, destacando-se o empobrecimento dos trabalhadores, a insuficiência competitiva da indústria que florescia, os impactos sobre a agricultura, os novos métodos de produção e as oscilações no preço. Diante desse cenário, a família viu-se atingida pela mobilização da mão-de-obra feminina e da dos menores pelas fábricas. Os desníveis

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

36

Em resposta ao estado de degradação social provocado pelo capitalismo, tem-se um dos

marcos fundamentais de periodização do Direito do Trabalho: o Manifesto Comunista, de Marx59 e

Engels, datado de 1848 e, anos depois, O Capital.

Não cabe aqui analisar à exaustão as ideias de Marx, posto que, além de não ser objeto

específico desta pesquisa, tal estudo demandaria uma extensa análise que renderia incontáveis

páginas tamanha é a sua importância e seu impacto. Por outro lado, não é possível esquivar-se

desta tarefa, pelo que se passa a uma breve síntese.

Marx relacionou o proletariado com a miséria crescente da seguinte maneira:60

O processo de acumulação primitiva criou uma classe de trabalhadores que nada mais tentava vender além de sua força de trabalho. O que os trabalhadores produziam – capital – passava a controlá-los. A continuação do processo de acumulação estendeu o domínio do capital sobre um número cada vez maior de operários e intensificou o controle do capital sobre todos os assalariados. Na opinião de Marx, todo o processo tinha efeitos extraordinariamente perniciosos sobre os operários. Impedia-os sistematicamente de desenvolver suas potencialidades. Não podiam tornar-se seres humanos emocional, intelectual ou esteticamente desenvolvidos.

Marx considerava que o capitalismo consiste, assim, em uma forma muito severa de

degradação e desumanização da classe operária. Afirmava que, dos restos do antigo sistema

explorador, os operários criariam um sistema socialista, em que a cooperação, o planejamento e o

desenvolvimento humano substituiriam a anarquia do mercado, a exploração e alienação do ser

humano.61

entre classes sociais fizeram-se sentir de tal maneira que o pensamento humano não relutou em afirmar a existência de uma séria perturbação ou problema social. Daí porque Utz, referido por aquele, intenta delimitar a questão social nos seguintes termos: 1) deve tratar-se de uma perturbação do corpo social; 2) mediante essa perturbação resultam prejuízos a um ou a diversos grupos sociais; 3) não se trata de um fenômeno individual e transitório, mas coletivo e prolongado de irrealização do bem comum; 4) é definida como "o problema ou a procura das causas das perturbações que dificultam a realização do justo social na totalidade da sociedade e igualmente o esforço para encontrar os meios para superar essas causas". NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 35. Ver também: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 96. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 42. LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 27. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 51. 59Marx foi influenciado pelas teorias de valor e dos lucros de Smith e Ricardo, de tal modo que, em alguns aspectos, sua teoria pode ser considerada um aprimoramento das ideias daqueles autores. Considerava Stuart Mill como um oponente intelectual. Quanto a Malthus, Bentham, Senior, Say e Bastiat, Marx limitou-se a criticá-los. Segundo ele, excetuando Smith, todos esses pensadores careciam de perspectiva histórica. Defendia que a produção é uma atividade social, que pode assumir diferentes modos dependendo das formas de organização social e das técnicas de produção correspondentes. Se esses autores tivessem feito um estudo acerca dos vários modos de produção, teriam percebido, segundo ele, que em todas as épocas históricas verificam-se certas características comuns. O primeiro passo para compreender todo e qualquer modo de produção, inclusive o capitalismo, era isolar as características que não só eram essenciais, como também específicas de determinado modelo. HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 176. 60HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 207. 61HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 208-209.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

37

O facto é que, de imediato, as ideias marxistas não prosperaram diante do capitalismo

crescente, mas, por outro lado, a centelha da Revolução Socialista estava lançada. O Manifesto

Comunista deu início ao período de sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, o qual se

estendeu até a Primeira Guerra Mundial, segundo afirma GODINHO DELGADO:62

Todo o processo seguinte a 1848 até a primeira Guerra Mundial caracterizou-se por avanços e recuos entre a ação do movimento operário, do movimento sindical, do movimento socialista e, ao mesmo tempo, a estratégia de atuação do Estado. Processo em que a ação vinda de baixo e a atuação oriunda de cima se interagem reciprocamente, dinamicamente, dando origem a um ramo jurídico próprio que tanto incorpora a visão própria ao Estado como assimila um amplo espaço de atuação para a pressão operária vinda de baixo.

Além do Manifesto Comunista, deste período, é de ser destacada a Revolução de 1848,

na França, considerada "a primeira grande ação coletiva sistemática" dos trabalhadores,

principalmente urbanos, através da qual conseguiram o reconhecimento do direito de associação e

greve, a fixação da jornada de trabalho de 10 horas, além do sufrágio universal, no campo político.63

Outros países seguiram o mesmo movimento de reconhecimento do direito de livre

associação sindical: a Alemanha, em 1869; Dinamarca e Inglaterra, em 1874; Espanha e Portugal,

em 1887; e Itália, em 1889.64

Merece destaque, ainda, a Conferência de Berlim de 1890, que reuniu quatorze Estados

e, embora não tenha produzido resultados imediatos, é considerada como o primeiro

reconhecimento formal e coletivo de se regular o mercado de trabalho e de se editar normas

trabalhistas específicas.

Cita-se, ainda, a Encíclica Rerum Novarum, editada no Papado de Leão XIII, defendendo a

intervenção do Estado para a humanização das relações de trabalho.65

Por fim, coroando este período, têm-se a Constituição Mexicana (1917) e a de Weimar,

assim como a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as duas últimas em 1919.66

Diga-se, ademais, que, já no final do século XIX, o capitalismo se reinventou: a livre

concorrência transformou-se em capitalismo de monopólios ou trustes. Os pequenos negociantes

62DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 98. 63DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 96. 64DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 98-99. 65LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 29. 66DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 97.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

38

não prosperaram diante dos grandes. Os próprios Estados passaram a criar mecanismos

protecionistas para coibir a entrada de mercadorias estrangeiras. A indústria promoveu novamente

o desenvolvimento das forças produtivas. 67

Gradativamente decidiram os monopolistas por regular a oferta e estabelecer a procura, a

fim de alcançarem maiores lucros. Fizeram de tal forma que as fábricas já não atingiam a totalidade

de sua capacidade produtiva. Por outro lado, buscavam alternativas para conciliarem os altos lucros

com a produção máxima. Dessa forma, encontraram nas colônias um mercado potencial para

escoarem o excedente da produção; viram nos países sub-desenvolvidos oportunidades de

investirem em obras de infraestrutura de maneira lucrativa. 68

Em 1896, Frederich Winslow Taylor já havia revolucionado os sistemas de produção, a

partir dos chamados "Princípios de Administração Científica", objetivando a racionalização da

produção (maior produtividade, com o mínimo de perda de tempo). Afirmava que o operário deveria

realizar operações repetidas e sincronizadas, na velocidade das esteiras que operava e a empresa

deveria instituir, simultaneamente, formas de controle, disciplina e hierarquização.69

Décadas mais tarde, Henry Ford, incrementou as ideias de Taylor e passou a aplicá-las na

indústria automotiva, criando o famoso "modelo T", provocando o barateamento do produto,

tornando-o acessível aos consumidores. A empresa é verticalizada, controlando todas as etapas da

produção, desde a obtenção da matéria-prima até o transporte do produto acabado. A classe

operária, inserida neste processo, obtinha trabalho, salário e garantias sociais, e, por outro lado,

também era um público consumidor destes produtos.70

A nova realidade do trabalho trazida pelo taylorismo e fordismo, conforme aponta

MENEZES LEITÃO71, não repercutiu imediatamente nos diplomas legais, considerando que, à época,

os Códigos Civis jus naturalistas assentavam-se nas premissas do liberalismo econômico e

individualismo, pressupondo (ainda que erroneamente) igualdade entre empregador e empregado e

relações regidas pela autonomia da vontade.

Afinal, em 1929 ocorreu a Grande Depressão, fenômeno mundial que afetou todas as

67HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 196. 68HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 196-199. 69HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 19. 70HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 19. 71LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 28.

Evolução histórica dos meios de produção e do direito do trabalho

39

economias capitalistas. HUNT e LAUTZENHEISER72 explicam que a Bolsa de Nova York teve uma

queda repentina nas cotações dos títulos, provocando uma desconfiança generalizada na economia.

Os empresários reduziram a produção e os investimentos, causando diminuição da renda e da

oferta de empregos, o que, por conseguinte, redundou ainda em mais desconfiança.

A crise do capitalismo acabou ocasionando, também, a ascensão dos regimes totalitários

socialistas em diversos países da Europa. Tais acontecimentos significaram um retrocesso, ou uma

interrupção, no desenvolvimento do Direito do Trabalho, tendo em vista que tais regimes políticos

eram naturalmente contrários a qualquer forma de associação e opositores das instituições jurídicas

laborais. Tanto foi assim que na Alemanha, por exemplo, a chegada ao poder do Partido Nacional-

Socialista implicou a dissolução dos sindicatos.73

Após a Segunda Guerra Mundial, entretanto, houve um aprofundamento do processo de

constitucionalização do Direito do Trabalho e a hegemonia do Estado do Bem-Estar Social, ou

Estado Providência. Na segunda metade da década de 1940, as Cartas democráticas da França,

Itália e Alemanha incorporaram normas justrabalhistas e diretrizes para a promoção e valorização

do trabalho e incluíram também princípios constitucionais gerais que repercutiram na seara

trabalhista. O mesmo aconteceu em Portugal e na Espanha na década de 70.74

A partir da década de 80 do século passado, verificou-se uma modificação acentuada nas

técnicas e modos de management, isto é, uma transformação do sistema empresarial e da própria

empresa, cada vez mais diversificada. O modelo hierárquico em pirâmide desenvolvido por Taylor e

Ford já não mais prosperava. Nas palavras de LOBO XAVIER75, "a grande empresa holística e quase

auto-suficiente, integrada verticalmente e que dominava todo o ciclo de produção de massa, dá

lugar a uma empresa emagrecida, de outsourcing, recolhendo-se nos sectores nucleares de seu

know how". Assim, as organizações empresariais passaram a se diferenciar para a preparação de

produtos em constante inovação, acompanhando tendências de mercado, identificando-se como

"ilhas de produção", trabalhando "em rede, como arquipélago". Destarte, as empresas organizadas

em rede passaram a colaborar de forma contínua para produzir produtos em inovação constante,

descentralizando-se elas próprias em técnicas de subcontratação, terceirização, etc.

72HUNT, E.K; LAUTZENHEISER, Mark. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 353. 73LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 32. 74DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 100. 75XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 357.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

40

Posteriormente à queda do muro de Berlim em 1989, verificou-se um verdadeiro surto

tecnológico, em decorrência das novas tecnologias de comunicação e da globalização. O comércio

de bens e serviços entre diferentes nações enfatizou a competitividade entre empresários. Percebe-

se o surgimento de novas modalidades de trabalho e o desaparecimento de outras. Sobre o tema,

convém refletir a partir do que afirma POZELLI HERNANDEZ:76

O Direito do Trabalho vigente, que tem origem no final do século XIX, apoiado no período da produção em série, nasceu numa época de rigidez na relação entre o trabalhador e o empregador, em decorrência de conflitos sociais, principalmente da exploração do trabalho humano no período da Revolução Industrial. Naquela época o sistema capitalista permitiu o surgimento das principais leis trabalhistas legitimando o poder hierárquico do empregador sobre a atividade do empregado.

Conclui-se, tal como o fez a autora supracitada, que hodiernamente o Direito do Trabalho

encontra-se em um novo momento histórico, já que os meios tradicionais de produção tornaram-se

obsoletos, bem como o padrão convencional de subordinação do empregado ao empregador.

76HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 100.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

41

3 O CONTRATO DE TRABALHO E SEUS PRESSUPOSTOS NO DIREITO PORTUGUÊS E NO DIREITO

BRASILEIRO

3.1 Pressupostos ou elementos fático-jurídicos do contrato de trabalho

Uma vez analisada a evolução dos meios de produção e, por via de consequência, do

Direito do Trabalho, parte-se agora para um estudo a respeito do contrato de trabalho, tanto em

Portugal, como no Brasil, como antecedente lógico para a compreensão das regras sobre o

teletrabalho em ambos, que, afinal, é o objeto desta pesquisa, mais especificamente no que tange à

questão da subordinação neste.

A doutrina pesquisada, ao se debruçar sobre o contrato de trabalho, começa dissecando os

“elementos essenciais”77 (Portugal) ou seus “pressupostos”78, “elementos”79 ou “critérios de

caracterização”80 (Brasil), extraídos do art. 11.º, do Código do Trabalho de Portugal (CT), e dos arts.

2º e 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do Brasil.

Preliminarmente, portanto, é de fundamental importância a compreensão do que se deve

entender por “pressupostos” ou “elementos essenciais”, que acabam por se revelar sinônimos e

que, tecnicamente, são os termos mais adequados ao escopo da caracterização da relação de

trabalho (ou de emprego, locução também utilizada no Brasil, como se verá oportunamente).

Segundo RIBEIRO DE VILHENA81, o vocábulo “pressuposto” vem do alemão (die

Voraussetzung), tendo sido trabalhado por Windscheid em seus estudos de direito processual civil.

Hodiernamente, na linha do teorizado por Von Thur, ainda segundo RIBEIRO VILHENA82,

emprega-se o vocábulo “pressuposto” no sentido de “fatos-supostos presentes ou passados” em

relação a determinado negócio jurídico.

Em tal acepção, “pressuposto” se diferencia de “condição”, basicamente pelo critério

cronológico, pois, enquanto aquele diz respeito a evento realizado antes ou contemporaneamente

ao ato ou ao seu surgimento, esta se realiza em momento sucessivo.83

77AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 57. LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 116. 78VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 383. 79BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p; 185. 80DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 279. 81VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 384. 82VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 386. 83VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 387.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

42

Outro critério de diferenciação reside em que, em relação ao “pressuposto”, parte-se de

“uma base extra ou infra-jurídica de um estado de coisas”, ou de um “estado de fato”, ao passo

que “a condição assenta-se na vontade do agente, no momento da declaração, fazendo depender a

existência, a eficácia e mesmo a sucessividade” do negócio jurídico de um evento incerto.84

Difere-se também o “pressuposto” do “requisito”, eis que este, embora possa ser definido

como elemento básico indispensável à existência do fenômeno, é apreensível concomitantemente a

ele. Assim, enquanto o pressuposto é “suporte antecedente”, o requisito é “suporte

concomitante”.85

Pode-se então afirmar que o “pressuposto” está “no terreno da interseção, entre o mundo

fático e o mundo jurídico”, ou, que seu nexo é externo, “porque o fato-suporte é considerado fora do

círculo de captação da norma”.86

Vem daí a impropriedade em falar-se em “requisito” de um conceito jurídico, já que este,

como visto, assenta-se em pressupostos, os quais, por sua, vez dizem com elementos fáticos que

são captados pela norma.87

Aplicando-se o quanto visto ao tema deste capítulo, pode-se, com RIBEIRO DE VILHENA88

concordar:

Os requisitos da relação de emprego são empregado e empregador, ou seja, a existência dessas figuras, já definidas e, no plano formal, a ocorrência da validade e da eficácia geral e específica das normas que os conceituam. Os pressupostos da relação de emprego, entretanto, são aqueles elementos fático-pessoais que conduzem à definição do empregado e do empregador como tais.

A explicitação do termo “requisito” e sua diferenciação com outros que se costuma

empregar em lugar de "pressuposto" e sua aproximação com a locução “elementos essenciais” é

importante num contexto de pesquisa acadêmica, especialmente quando se está no campo da

comparação entre normas de diferentes ordenamentos jurídicos, não se tratando, como se possa a

princípio supor, de mera distinção cerebrina.

84VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 387. 85VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 389. 86VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 392. 87VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 393. 88VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 393.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

43

3.2 O contrato de trabalho no direito português

3.2.1 Os conceitos de contrato de trabalho extraídos do Código Civil e do Código do Trabalho

Afirma LEAL AMADO89 que o Direito do Trabalho é o "direito das desigualdades" e por isso

mesmo "desconfia, desde sempre dos automatismos do mercado e do contrato individual, controla,

por sistema, a liberdade contratual e restringe, por definição a concorrência entre os trabalhadores

no mercado laboral".

O facto é que, numa relação alicerçada no sinalagma entre trabalho e salário, é o contrato

de trabalho a figura central e razão de ser deste ramo do Direito, vez que é através dele que

nascem as relações de trabalho.

É do conceito de contrato de trabalho contido tanto no Código Civil como no Código do

Trabalho que se extraem os seus principais elementos, em especial a noção de trabalhador.

O Código Civil trata do tema no Título II, "Dos contratos em especial", mais precisamente

no Capítulo VIII, "Do contrato de trabalho", prescrevendo a noção e o regime aplicável:90

Art. 1152.°: Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta. Art. 1153.°:O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.

Já o Código do Trabalho prescreve em seu art. 11.°o seguinte:91

Art. 11°: Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Diante da conjugação destes dois textos de lei, extraem-se os elementos prestação de uma

atividade por pessoa singular, subordinação jurídica e retribuição, analisados a seguir em tópicos

próprios.

Antes, porém, a fim de oportunizar o estudo detalhado de cada um destes elementos,

convém fazer algumas ponderações quanto à diferença nas redações do art. 1152. ° do Código 89AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 21. 90PORTUGAL. Código do Civil.DL n.º 47344/66. 66ª versão dada pela Lei n.º 23/2013. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis>. Acesso em: 30 jan. 2014. 91PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

44

Civil e do art. 11. ° do Código do Trabalho:

a) no Código do Trabalho, trabalhador é, necessariamente, uma pessoa singular, vedada a

possibilidade de uma pessoa coletiva figurar no polo passivo de um contrato de trabalho.92

b) já no Código Civil, há alusão expressa a que a atividade objeto do contrato deve ser

prestada manual ou intelectualmente. O Código do Trabalho não faz alusão a que tipo de atividade

será objeto da sua tutela. Assim explica LEAL AMADO:93

[...] talvez se justifique, tanto em razão do respeito devido ao princípio da igualdade, como pela tendencial homogeneização do trabalho inerente à revolução tecnológica dos nossos dias, que torna algo evanescente a tradicional distinção de trabalho manual e intelectual.

c) também se observa que o Código Civil utiliza "pessoa”, no singular, para designar o

empregador, enquanto o Código do Trabalho abre margem à pluralidade de empregadores ao

prescrever "outra ou outras pessoas", realidade prevista no art. 101. ° do CT.94

d) O Código Civil determina que o empregado prestará sua atividade sob "autoridade e

direção" do empregador, enquanto o Código do Trabalho prescreve que aquela será prestada "no

âmbito de organização e sob autoridade" do empregador. LEAL AMADO95, neste particular, entende

que tal alteração não ocasiona maiores implicações práticas:

Terá esta nuance implicações práticas significativas? Não me parece. Admito que esta referência expressa ao "âmbito de organização" do empregador venha a dar azo a algum debate doutrinal. Mas, neste plano, convém assinalar que a colocação em relevo do elemento de inserção organizacional que inere ao contrato de trabalho já era feita, antes da reformulação da respectiva noção legal, por ROSÁRIO DE PALMA RAMALHO. Para esta autora, o contrato de trabalho surgia como um "contrato de inserção organizacional necessária", assistindo essa componente organizacional a todos os contratos de trabalho, tivessem ou não escopo empresarial. Dir-se-ia, pois, que essa componente organizacional, antes implícita, foi agora explicitada pelo legislador.

PALMA RAMALHO96 afirma que "a componente organizacional do contrato de trabalho

evidencia-se na influência quotidiana que a organização predisposta pelo empregador tem neste

vínculo" e conclui afirmando que este elemento merece relevo na construção dogmática do contrato

92AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p.57. 93AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p.57. 94AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p.58. 95AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p.58-59. 96RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005.p. 425.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

45

de trabalho.

Essa questão será melhor analisada sob a luz da subordinação estrutural ou objetiva,

assunto de um capítulo próprio.

3.2.2 Elementos do contrato de trabalho

3.2.2.1 Contrato prestado por pessoa singular

Da exegese dos artigos supra transcritos, percebe-se que, no Código do Trabalho, há

menção expressis verbis de que quem se obriga a prestar determinada atividade é uma pessoa

singular, logo, a contrario sensu, não é permitido que figure como trabalhador uma pessoa

coletiva,97 como também não o é uma pluralidade de pessoas singulares, celebrando um único

contrato.98

Neste sentido, posiciona-se LEAL AMADO99 aduzindo que a prestação de trabalho tem

caráter eminentemente pessoal, devendo ser, por isso, prestado por pessoa singular. Ademais,

trata-se de prestação laboral infungível, pois no cumprimento de seus deveres contratuais não pode

uma pessoa se fazer substituir por outra senão em casos em que haja consentimento do

empregador.

Pondera o mesmo autor que o caráter intuitu personae nem sempre é suficientemente

definido ou unânime, seja na doutrina, seja na jurisprudência, tecendo as seguintes

considerações:100

a) é necessário o consentimento do empregador, sem o qual o trabalhador não pode se

fazer substituir na execução do contrato, enfatizando-se assim o caráter infungível da obrigação;

b) o contrato é, em regra, intuitu personae, embora existam alguns poucos casos em que

essa característica possa não ser verificada pelo facto de as qualidades do trabalhador não

97 ROSÁRIO PALMA assevera que "a possibilidade de o trabalhador ser uma pessoa colectiva foi avançada na nossa doutrina por MENEZES CORDEIRO, como consequência lateral das conclusões deste autor sobre a natureza da relação de trabalho. Acentuando o pendor patrimonial deste vínculo, observando a tendência geral para o anonimato dos vínculos laborais de hoje, que tornaria menos relevante os aspectos da personalidade do trabalhador, e, por fim, reconduzindo a subordinação jurídica a um estado de sujeição, este Autor sugere que, tecnicamente, a posição de trabalhador subordinado pode caber tanto a uma pessoa singular como a um ente coletivo". Sequencialmente, a mesma autora rebate a afirmação ponderando que a posição de MENEZES CORDEIRO "contraria a essência do vínculo de trabalho e, designadamente, a especificidade da prestação laboral". RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 305. 98AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 58. 99AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 65. 100AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 65.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

46

constituírem o motivo determinante da contratação;

c) regra geral, o contrato de trabalho não é um negocio fiduciário, não pressupondo uma

"especial relação de confiança".

Já MENEZES LEITÃO101 afirma categoricamente que o contrato de trabalho é intuitu

personae, vez que as características de ambas as partes são fatores relevantes para a celebração

do contrato. O empregador, ao selecionar um empregado, toma em consideração as aptidões,

qualidades, experiências profissionais, caráter e até mesmo sua aparência. Por outro lado, o

empregado, ao aceitar uma oferta, leva em consideração as condições de trabalho e promoção na

carreira, a situação econômica do empregador, dentre outros.

Também PALMA RAMALHO102 refuta o entendimento de que pessoas coletivas poderiam

figurar como trabalhadores e apresenta um argumento novo: o de que se observou que "a maioria

dos regimes laborais não teria aplicabilidade se o trabalhador fosse uma pessoa colectiva, o que

claramente evidencia que foram pensados para pessoas singulares (assim, o regime de férias e das

faltas, o regime disciplinar, os direitos da personalidade, etc...)".

A propósito do tema, observe-se trecho do acórdão 684/06.6TTLRS.L1.S1, do Supremo

Tribunal de Justiça:103

Não resultando provada uma intervenção directa da Ré no modo como deveria ser prestada a actividade do Autor, quedando, daí, improvado, que aquela detivesse o poder conformativo da prestação; não resultando provado que as horas e entradas do Autor fossem controladas pela Ré ou que esta controlasse a sua assiduidade e resultando, ao invés, provado que o Autor, nas suas ausências, poderia fazer-se substituir, na prestação, por outra pessoa – o que é incompatível com o carácter intuitu personae do contrato de trabalho e a natureza infungível da prestação laboral – não pode concluir-se que, entre as partes, vigorasse um contrato de trabalho. (Destacou-se.)

Confira-se, ainda, trecho do acórdão n. 07S3906, do mesmo Tribunal:104

[...] como corolário do princípio da boa fé na execução dos contratos, é habitual apontar-se o dever de lealdade do trabalhador para com a sua entidade empregadora, pedra de toque do contrato de trabalho. Tal dever tem como

101LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 122-123. 102RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 307. 103PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. 684/06.6TTLRS.L1.S1. 4ª Secção, j. em 10/11/10, Rel. Souza Grandão. Disponível em: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2010.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014. 104PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. 07S3906, j. em 06/02/08, Rel. Bravo Serra. Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/00432bea38e918b1802573f400370de7?OpenDocument>. Acesso em: 20 fev. 2014.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

47

correspectivo a confiança, aquele elemento fiduciário, infungível e intuitu personae, que é pressuposto fundamental do referido contrato, seja nos preliminares ou na sua celebração, mas sobretudo na sua execução. [...] Sendo o contrato de trabalho intuitu personae, as qualidades de honestidade, lealdade e confiança não admitem gradações ou ser postas em causa. (Destacou-se.)

Em razão do caráter intuitu personae da relação entre empregado e empregador, é possível

a anulabilidade do contrato de trabalho na hipótese de erro quanto à pessoa do trabalhador, nos

termos do 251.º, do Código Civil, que trata do erro sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio.105

Salienta-se que apenas o trabalhador deve ser pessoa singular, não existindo nenhum óbice

para que o empregador seja uma pessoa singular ou coletiva. Aliás, na prática, é mais frequente

que se verifique um empregador pessoa coletiva, levando-se em consideração o grau de

organização das estruturas produtivas.

Outrossim, não se aplica o princípio da infugibilidade ao empregador em caso de

transmissão do estabelecimento, porque se transmite também ao adquirente os contratos de

trabalho em vigor, sem sequer se oportunizar oposição por parte do trabalhador, por força do art.

285. ° do CT.106

Ainda, a morte do empregador não provoca a caducidade imediata do contrato de trabalho,

subsistindo este nas hipóteses da manutenção da atividade pelos herdeiros ou de transmissão do

estabelecimento, nos termos do art. 346. °, n. 1, do CT.107

105LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p.123. Prescrevem os arts. 251.º e 247.º, do Código Civil: 251.º: Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio. O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º Art. 247.º: Erro na declaração: Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. PORTUGAL. Código do Civil.DL n.º 47344/66. 66ª versão dada pela Lei n.º 23/2013. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis>. Acesso em: 30 jan. 2014. 106LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p.124. Prescreve o art.285.º, do CT: Artigo 285.º: Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento:1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta. 3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. 4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. 6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3. 106PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 107LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p.124. Prescreve o art. 346.º, do CT:

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

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Finalmente, há ainda a hipótese da celebração de um contrato de trabalho em que figurem

como partes um único trabalhador e vários empregadores, consoante art. 101.°, do CT. Dessa

forma, a lei autoriza que, verificada a existência de determinados requisitos, o trabalhador se

obrigue, através de um único contrato, a prestar trabalho a vários empregadores, desde que "entre

eles exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que

tenham estruturas organizativas comuns".108

3.2.2.2 A retribuição

Consiste a retribuição na contrapartida paga pelo empregador pela alienação da força de

trabalho pelo empregado.

LEAL AMADO109 relembra que a formação do Direito do Trabalho se deu com a tomada de

consciência de que a retribuição paga ao trabalhador não poderia ser fixada em função das leis de

mercado, como a da oferta e da procura, devendo, portanto, ser estabelecida em sede de

negociação coletiva e respeitando as diretrizes fixadas pelo governo.110

Pois bem. Afirma MENEZES LEITÃO111 que:

Artigo 346.º: Morte de empregador, extinção de pessoa colectiva ou encerramento de empresa: 1 - A morte de Empregador em nome individual faz caducar o contrato de trabalho na data do encerramento da empresa, salvo se o sucessor do falecido continuar a actividade para que o trabalhador se encontra contratado, ou se verificar a transmissão da empresa ou estabelecimento. 2 - A extinção de pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho. 3 - O encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações. 4 - O disposto no número anterior não se aplica a microempresas, de cujo encerramento o trabalhador deve ser informado com a antecedência prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 363.º 5 - Verificando-se a caducidade do contrato em caso previsto num dos números anteriores, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º, pela qual responde o património da empresa. 6 - (Revogado.) 7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 5. PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 108AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 58. Prescreve o art. 101.º, do CT: Artigo 101.º: Pluralidade de empregadores:1 - O trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns. 2 - O contrato de trabalho com pluralidade de empregadores está sujeito a forma escrita e deve conter: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação da actividade do trabalhador, do local e do período normal de trabalho;c) Indicação do empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho. 3 - Os empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro. 4 - Cessando a situação referida no n.º 1, considera-se que o trabalhador fica apenas vinculado ao empregador a que se refere a alínea c) do n.º 2, salvo acordo em contrário.5 - A violação de requisitos indicados nos n.os 1 ou 2 confere ao trabalhador o direito de optar pelo empregador ao qual fica vinculado. 6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2, sendo responsáveis pela mesma todos os empregadores, os quais são representados para este efeito por aquele a que se refere a alínea c) do n.º 2. PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 109AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 61. 110AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 61. 111LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 120.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

49

o contrato de trabalho é um contrato oneroso, uma vez que gera sacrifícios económicos para ambas as partes. Efectivamente, o empregador tem que pagar a retribuição, enquanto o trabalhador tem o sacrifício do valor da sua força de trabalho. Quer a prestação da actividade do trabalhador, quer a correspondente retribuição, surgem como elementos essenciais do contrato de trabalho, o qual não pode por isso ser celebrado a título gratuito.

O conceito de retribuição extrai-se do art. 258. °, n. 1, do CT, o qual estabelece que

"considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou

dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho". A "retribuição compreende a

retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em

dinheiro ou em espécie", conforme dispõe o n. 2, deste mesmo artigo.112

Ademais, dispõe o art. 276. °, do CT, que a retribuição pode ser satisfeita em dinheiro ou,

estando acordado, em prestações não pecuniárias, nos termos do artigo 259.º, n. 2, o que significa

dizer que a retribuição deve consistir, ainda que apenas em parte, de prestação pecuniária, devendo

as demais prestações serem suscetíveis de valoração econômica.113

3.2.2.3 Subordinação

O último elemento essencial do contrato de trabalho é justamente o mais importante deles,

a subordinação.

A subordinação é a forma como o trabalhador desempenhará suas funções, ou, nas

palavras de LOBO XAVIER114, "é necessário que o empregador fixe o como (os termos em que o

112 PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 113LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 120. p.117. Prescevem os arts. 276.° e 259.º, ambos do CT: Artigo 276.º: Forma de cumprimento: 1 - A retribuição é satisfeita em dinheiro ou, estando acordado, em prestações não pecuniárias, nos termos do artigo 259.º 2 - A parte pecuniária da retribuição pode ser paga por meio de cheque, vale postal ou depósito à ordem do trabalhador, devendo ser suportada pelo empregador a despesa feita com a conversão do título de crédito em dinheiro ou o levantamento, por uma só vez, da retribuição. 3 - Até ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber. 4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1, contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 2 e contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3. Artigo 259.º: Retribuição em espécie: 1 - A prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região. 2 - O valor das prestações retributivas não pecuniárias não pode exceder o da parte em dinheiro, salvo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 113PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 114XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 37.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

50

trabalho deve ser prestado), o onde (qual o local exacto do posto de trabalho) e o quando (horário

de trabalho)".115

Assim, o empregador estabelece os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro

dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, como prevê o art. 97. °, do Código

do Trabalho, que trata do poder de direção, bem como exerce seu poder disciplinar sobre o

trabalhador ao seu serviço, autorizado pelo art. 98, do mesmo diploma legal.116

PALMA RAMALHO117, explica que a noção de trabalhador subordinado delimita-se a partir da

conjugação de dois critérios: objetivo e subjetivo.

i) De acordo com um critério objectivo, o trabalhador é a pessoa que presta sua actividade produtiva mediante uma remuneração. Este critério permite excluir da qualificação de trabalhador, para efeitos laborais, o chamado trabalhador voluntário, que presta sua actividade gratuitamente e, quiçá, com subordinação. ii) De acordo com um critério subjectivo, a posição do trabalhador caracteriza-se pela sua sujeição à "autoridade e direção" do empregador. Esse critério permite distinguir o trabalhador subordinado do trabalhador autónomo ou independente, que organiza, ele próprio, a sua prestação. (Itálicos no original.)

Conclui a autora que, dos dois critérios apontados, o segundo deles, é fundamental,

"porque é pela sua posição subjectiva de dependência perante o credor do seu trabalho que o

trabalhador laboral se singulariza perante os outros". Confira-se:118

A importância desta componente subjectiva da subordinação na delimitação da noção de trabalhador é reconhecida tradicionalmente pela doutrina, sobretudo nos sistemas jurídicos em que a ausência de uma noção legal de contrato de trabalho ou a não autonomização deste contrato dos contratos congéneres de prestação de serviços na lei, fez com que a tarefa essencial de delimitação da figura do contrato de trabalho coubesse à jurisprudência e à doutrina, entre outros, nos sistemas francês e germânico. Ora, em prossecução deste objectivo de delimitação do contrato de trabalho, a posição de subordinação ou dependência do trabalhador perante o empregador [...] é considerada como o traço mais relevante para a delimitação da pessoa do trabalhador e, em consequência, alguns autores entendem mesmo que o conceito de trabalhador, assim delimitado, é o conceito-chave de todo o Direito do Trabalho.

115XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 37. 116PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 117RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p.300. 118RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p.300-301.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

51

Diante de todo exposto, têm-se a noção de que trabalhador é a pessoa singular, que presta

sua atividade de forma produtiva e livre, recebendo pela alienação de sua mão de obra uma

remuneração paga por outrem que, exercendo seu poder de direção e disciplinar, organiza a

atividade à qual o trabalhador se vincula subordinativamente.

De todo modo, como pondera PALMA RAMALHO e como será visto quando esta análise for

feita com relação ao Direito brasileiro, nem sempre o contrato de trabalho refletirá a verdadeira

situação do trabalhador. Não raro será possível encontrar na jurisprudência casos que demandem a

apreciação do Poder Judiciário para dirimir dúvidas quanto à existência ou não de um contrato de

trabalho.

Por extremamente elucidativo e objetivo, transcreve-se trecho do Acórdão n.

168/10.8TTVNG.P3, do Tribunal da Relação do Porto, cujo objeto era justamente se o contrato em

questão era de trabalho ou de prestação de serviços:119

Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte. Não sendo sempre fácil a distinção entre as duas figuras já que todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele, a tónica que permite diferenciar estes dois contratos é, a maior parte das vezes, colocada na forma como o relacionamento entre as partes se desenvolve, nomeadamente, se há subordinação ou autonomia. A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Conforme refere JOÃO LEAL AMADO, ob.cit. p. 59 “a subordinação jurídica consiste no reverso do poder directivo do empregador, ou seja, no poder do credor da prestação conformar, através de comandos e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, definindo como, quando, onde e com que meios deve esta ser executada.”. (Destacou-se)

Em casos como o transcrito, cabe ao Judiciário, ao analisar os indícios que pressupõem a

existência de um contrato de trabalho, presumi-lo ou negá-lo, como já adiantado.

119 PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto. 168/10.8TTVNG.P3. 4ª Secção, j. em 03/02/14, Rel. PAULA LEAL DE CARVALHO. Disponível em: < http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/fc8958a47212df3e80257c7f0036f3b5?OpenDocument&Highlight=0,subordina%C3%A7%C3%A3o,contrato,trabalho>. Acesso em: 20 fev. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

52

3.2.3 A presunção do contrato de trabalho

Deve-se ressaltar que é possível a presunção de um contrato de trabalho, nos termos do

art. 12. °, também do Código do Trabalho:120

Artigo 12.º: 1. Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. 2. Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 3. Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos. 4. Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º

Este artigo foi objeto de muita celeuma nas redações anteriores. O que objetivava o

legislador português era traçar uma fórmula, através da aferição de certos e determinados indícios

constantes do rol do art. 12. °, para combater possíveis dissimulações das relações laborais,

mormente tendentes a obstaculizar a incidência das normas trabalhistas.

LEAL AMADO121, ao comentar a redação originária do art. 12. °, do CT de 2003, afirma que

a "extensão da base da presunção (exigência da verificação cumulativa dos diversos factos

indiciários) convertia aquele artigo numa norma inútil." Quanto à subsequente redação deste

mesmo artigo, ainda no CT de 2003, diz que “a nova redacção do mesmo transformava esta norma

numa disposição obtusa e, digamo-lo, sem rodeios, mentirosa". Ademais, "a base da presunção

120PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 121AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 75-77.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

53

mostrava-se, assim, mais exigente do que os próprios requisitos da noção legal de contrato, pelo

que, em bom rigor, não existia entre nós qualquer presunção legal de laboralidade.122

Afinal, sobre a atual redação do dispositivo legal em questão, escreve o mesmo autor que

"à terceira tentativa, o legislador finalmente acabou por estabelecer uma 'presunção de

laboralidade' com algum sentido útil”. Dessa forma, o prestador da atividade pode, no caso

concreto, invocar (e provar) a existência de alguns dos requisitos elencados no art. 12. °, restando

presumida, relativamente, a existência de um contrato de trabalho, cabendo à parte adversa realizar

a contraprova.123

Por fim, importa destacar que uma das características do moderno Direito do Trabalho, em

razão do pluralismo das formas de realização do trabalho, é o reconhecimento de certas relações de

trabalho subordinado que, dadas as suas especificidades, possuem regimes próprios distintos do

regime geral, tais como: i) o contrato a termo; ii) o contrato de trabalho a tempo parcial; iii) o

contrato de trabalho intermitente; iv) o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço; v) o

trabalho temporário; vi) o contrato de trabalho doméstico; vii) o contrato de trabalho desportivo; viii)

o contrato de trabalho de artistas de espetáculos; ix) o contrato de trabalho a bordo; x)o contrato de

trabalho em funções públicas; xi) e o contrato de teletrabalho.

Este último, como objeto desta pesquisa, será analisado detalhadamente em capítulo

próprio.

3.3 O contrato de trabalho no Brasil

3.3.1 A diferenciação entre relação de trabalho e relação de emprego no ordenamento jurídico

brasileiro

No Brasil, as duas expressões são tidas com significados distintos, tendo em vista que

relação de trabalho tem caráter genérico, absorvendo todas as formas de prestações

essencialmente centradas em obrigações de fazer consubstanciadas em labor humano. Refere-se,

pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível, tais como a

122AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 75-77. 123AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 79.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

54

relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, a de trabalho

avulso, entre outras.124

Já relação de emprego, espécie da qual aquela é gênero, corresponde, do ponto de vista

técnico-jurídico, a um tipo legal próprio e específico, sendo inconfundível com as demais

modalidades de relação de trabalho, em razão de pressupostos sobre os quais abaixo se

discorrerá.125

A despeito desse caráter de “mera espécie do gênero a que se filia”, a relação de emprego

constitui-se, do ponto de vista econômico-social, na “modalidade mais relevante de pactuação de

prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos”, desde a instauração do capitalismo.

Foi em torno dela que se estruturou o Direito do Trabalho, como visto no capítulo anterior.126

Aliás, há uma nítida tendência expansionista no sentido de submeter às suas regras as

demais fórmulas de utilização de mão de obra, bem como de se lhes aplicar seus institutos, regras

e princípios.127

Neste sentido, bastante elucidativa a lição de GODINHO DELGADO128:

Em face da relevância, projeção e tendência expansionista da relação empregatícia, reduzindo espaço às demais relações de trabalho ou assimilando às suas normas situações fáticas originariamente não formuladas como tal, firmou-se, na tradição jurídica a tendência de designar-se a espécie mais importante (relação de emprego) pela denominação cabível ao gênero (relação de trabalho). Nessa linha utiliza-se a expressão relação de trabalho (e, consequentemente, contrato de trabalho ou mesmo Direito do Trabalho) para se indicarem típicas relações, institutos ou normas concernentes à relação de emprego, no sentido específico. (Destacou-se.)

Feita a diferenciação, por questão de rigor científico, é facto que, no Brasil, muitas vezes

se utiliza a expressão relação de trabalho ou contrato de trabalho, como o faz a própria CLT,

quando tecnicamente seria melhor se utilizar a expressão relação de emprego ou contrato de

emprego.

3.3.2 Pressupostos da relação de emprego

124DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 275. 125DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 276. 126DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 276. 127DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 276. 128 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 276

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

55

Por força do art. 442 da CLT129,"o contrato individual de trabalho é o acordo expresso ou

tácito, correspondente à relação de emprego".

Aqui também cabe a crítica de MONTEIRO DE BARROS130, de acordo com a qual o contrato

não corresponde à relação de emprego, mas cria tal relação jurídica, a qual, por sua vez, “é o

vínculo que impõe a subordinação do prestador de serviços ao empregador, detentor do poder

diretivo”.

Os elementos fático-jurídicos ou pressupostos, caracterizadores de tal relação (ou contrato,

como quer a lei), emergem da conjugação das prescrições constantes do caput dos arts. 2º e 3º, da

CLT, que tratam respectivamente das figuras do “empregador” e do “empregado”, como já

adiantado no item 3.1:131

Art. 2º: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [...] Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Assim, o trabalho deve ser prestado por pessoa natural, com pessoalidade (intuitu

personae), de forma não eventual, com onerosidade e subordinação.

3.3.2.1 Trabalho prestado por pessoa natural

A própria palavra “trabalho” já denota que se está diante de atividade realizada

necessariamente por pessoa natural, para quem importam os bens jurídicos tutelados pelo Direito

do Trabalho, tais como a vida, a integridade física, o bem-estar, o lazer, os quais não podem ser

desfrutados por pessoa jurídica.132

Por isso, é clara a legislação brasileira no sentido de que só as pessoas naturais podem ser

consideradas empregados, sendo tal condição vedada às pessoas jurídicas. É possível, no entanto,

que sejam considerados empregadores, tanto pessoas naturais, quanto pessoas jurídicas.

129BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Disponível em: 24 abr. 2013. 130BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p; 185. 131BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Disponível em: 24 abr. 2013. 132DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 280.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

56

3.3.2.2 Pessoalidade

A pessoalidade é pressuposto vinculado ao primeiro, mas que com ele não se confunde.

Significa que, para a configuração da relação de emprego, é necessário que a prestação de serviço

feita pela pessoa natural tenha caráter de infungibilidade, no que diz respeito ao empregado, ou

seja, este não poderá fazer-se substituir por outro trabalhador. Acaso isso ocorra, a não ser nas

exceções abaixo, descaracterizada estará a relação de emprego, porque perderá seu caráter de

infugibilidade.133

A primeira exceção diz respeito à substituição eventual consentida pelo empregador. A

segunda refere-se a substituições normativamente autorizadas (por lei ou por convenções / acordos

coletivos), tais como férias, licença-gestante, afastamento para cumprimento de mandado sindical,

etc. Melhor é dizer que, nestes últimos casos, está-se, na realidade, diante de hipóteses de

suspensão ou interrupção do contrato de trabalho.134

Obtempera, todavia, RIBEIRO DE VILHENA135 que, se o empregador consente com a

substituição, “forma-se vínculo novo e direto entre este e o substituto, com disciplina específica

apenas no que diz respeito a efeitos de rescisão (CLT, art. 475, § 2º).”

A título de exemplo, confira-se como interpreta este pressuposto o Tribunal Regional do

Trabalho da 3ª Região:

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. PESSOALIDADE - O contrato de trabalho regido pelas normas consolidadas é intuito personae, o que implica na prestação pessoal de serviços por pessoa física que não pode transferir a outrem a execução das suas tarefas. Inquestionável que diariamente a reclamante, costureira, era auxiliada por terceiros para dar conta da produção de calçados que confeccionava em sua residência para a reclamada, não há que falar em vínculo empregatício. Recurso da reclamante a que se nega provimento. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RO 19300/00, 5ª Turma, j. em 29/11/00, Rel. Des. Márcia Antônia Duarte de Las Casas. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=3432>. Acesso em: 5 jun. 2013. Destacou-se.)

133DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 281. 134DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 281-282. 135 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 398. Prescreve o art. 475, § 2º, da CLT: Art. 475 - O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício. [...]§ 2º - Se o empregador houver admitido substituto para o aposentado, poderá rescindir, com este, o respectivo contrato de trabalho sem indenização, desde que tenha havido ciência inequívoca da interinidade ao ser celebrado o contrato. BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Disponível em: 24 abr. 2013.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

57

Diga-se ainda que o elemento fático-jurídico da pessoalidade, por óbvio, incide somente

sobre a figura do empregado. Assim, impõe-se a extinção da relação empregatícia, em caso de

morte deste, mas não em caso de sucessão empresarial, nos termos dos artigos 10 e 448, da

CLT.136

Excepcionalmente, todavia, a doutrina admite o caráter intuitu personae em relação ao

empregador, como na situação de um jornalista que trabalha para sociedade que sofre radical

mudança na sua orientação editorial.137

3.2.2.3 Não eventualidade

É bem controvertido o conceito de não eventualidade no Direito do Trabalho, conforme

explica GODINHO DELGADO138, referindo-se ele a quatro teorias que buscam explicar a

eventualidade, quais sejam, a da descontinuidade, a do evento, a da dos fins do empreendimento e

a da fixação jurídica.

Segundo a teoria da descontinuidade, eventual é “o trabalho descontínuo e interrupto em

relação ao tomador enfocado”. No Brasil, tem-se entendido que a CLT repudiou tal teoria ao

prescrever seu art. 3º que um dos pressupostos para a caracterização da figura do empregado é a

prestação de “serviços de natureza não eventual”, ao invés da expressão “serviços de natureza

contínua”, utilizada na lei do empregado doméstico (Lei n. 5.859/72, art. 1º).139

Neste norte, desde que presentes os demais pressupostos legais, é empregado, por

exemplo, o garçom de clube que preste serviços durante diversos meses seguidos, mas apenas aos

domingos (CLT), mas não o é a diarista que trabalha um ou dois dias por semana na residência do

136Prescrevem os arts. 10 e 448, da CLT: Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Disponível em: 24 abr. 2013. 137BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 188. 138DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 282-287. 139DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 284-285. Prescreve o art. 1º, da Lei n. 5.859/72: Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei. (Destacou-se.) Disponível em: BRASIL. Lei n.5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão do empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm>. Acesso em: 4 mar. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

58

patrão, tendo em vista que a Lei n. 5.859/72, acima referida, encampou a teoria da

descontinuidade.140

Pela teoria do evento, eventual é o trabalhador que é admitido em função de “um

determinado e específico fato, acontecimento ou evento, ensejador de certa obra ou serviço”, ou

seja, aquele relacionado com a incerteza ou a casualidade.141

Já a teoria dos fins do empreendimento informa que eventual é o trabalhador contratado

para realizar tarefa não incluída nos fins normais da empresa, as quais, por isso mesmo, são

esporádicas e de curta duração.142

Por fim, a teoria da fixação jurídica ao tomador dos serviços indica que eventual é o

trabalhador que não se fixa a uma determinada fonte de trabalho, ao contrário do que ocorre com o

empregado.143

Esta última é a teoria adotada por MASCARO NASCIMENTO144, conforme se verifica da

análise da definição de trabalho eventual proposta por ele. Confira-se:

Eventual é o trabalho que, embora exercitado continuamente e em caráter profissional, o é para destinatários que variam no tempo, de tal modo que se torna impossível a fixação jurídica do trabalhador em relação a qualquer um deles. (Destacou-se.)

Assim como GODINHO DELGADO, RIBEIRO DE VILHENA145 propõe que a eventualidade

ou não seja aferida pelo sopesamento harmonioso de vários elementos, os quais, para o segundo,

podem ser os seguintes, devendo prevalecer os objetivos sobre os subjetivos, sob pena de se

resvalar para o arbítrio:146

a) função desempenhada pelo prestador na empresa, se necessária e permanente ou não; b) forma subordinativa ou não da prestação, c) condição social de biscateiro do prestador, que denuncia autonomia negocial; d) ajuste prévio ou não da natureza da prestação; e) serviços estranhos, não só ao curso da atividade empresária como à própria expectativa do credor do trabalho; f)

140DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 284-285. 141DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 285. 142DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 285. 143DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 285. 144NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de dirito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 670. 145DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 286. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 418. 146DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 286. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 418.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

59

preponderância ou não do resultado a ser alcançado pelo trabalho e não deste como pura atividade.

Mas, como ressalta GODINHO DELGADO147, difícil será configurar-se a eventualidade se a

atuação do trabalhador inserir-se na dinâmica normal da empresa. Em casos que tais, a hipótese

normativa incidente poderá ser a dos contratos a termo (art. 449, CLT) ou a do trabalho temporário

(Lei n. 6.019/74), mas não a do trabalhador eventual, em linha de princípio.148

3.2.2.4 Onerosidade149

O contrato de trabalho implica uma alienação do tempo e do esforço do empregado em

favor da atividade produtiva do empregador, ensejando, assim, o pagamento de remuneração por

este àquele, como já explicado no item 3.2.2.2. Por óbvio, o empregado não será pago pelo valor

absoluto da venda dos bens produzidos pelo empregador, pois o preço é calculado, na verdade, em

razão do custo que engloba, grosso modo, os meios de produção, os insumos e a remuneração da

força laborativa, acrescidos da mais-valia, que é, em última análise, o lucro de quem assume os

riscos da atividade empresarial.

De qualquer forma o empregado aceita trabalhar em favor do empregador em troca de uma

remuneração, que não se descaracteriza se a obrigação de dar (pagar salário) do empregador for

147DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 286. Prescreve o art. 449, da CLT: Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. § 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. § 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência. 148DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 286. Prescreve o art. 449, da CLT: Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. § 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. § 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência. 149 Segundo RIBEIRO VILHENA, o salário, previsto no art. 3º, da CLT, deveria ser tomado na acepçãode requisito, e não de pressuposto, ou então em nenhuma das duas, eis que se constitui no objeto da obrigação visado pelo empregado, reconhecendo ele mesmo que se está diante de um contra-senso. Confira-se: “O requisito, porém, que já se localiza dentro dos fatos jurídicos, portanto, dentro do mundo jurídico, pode encobrir ou desfigurar a relação. É o caso do salário, a que se refere o art. 3º da CLT, que aqui se toma por requisito, quando deveria sê-lo na acepção de pressuposto, se fosse possível, ou então, nem na de um nem na de outro, por constituir o objeto da obrigação, a que visa o empregado, ou seja, a contraprestação dos serviços entregues. Cair-se-ia, então, nesse contra-senso: o obrigação não existe, proque há prestação, mas não contraprestação.” 149 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 393.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

60

parcialmente cumprida pelo fornecimento in natura, como a alimentação ao rurícola, por exemplo.150

Caso não estivesse presente a contraprestação ao trabalhador em função da alienação do

trabalho prestado, estar-se-ia diante de trabalho escravo, proscrito nas sociedades democráticas,

embora, infelizmente ainda praticado na ilegalidade.151

De outro lado, há também relação de trabalho sem remuneração, como é o caso do

trabalho voluntário. Havendo controvérsia sobre sua configuração é imprescindível o exame do

plano subjetivo, isto é, da intenção contraprestativa conferida pelas partes.152

3.2.2.5 Subordinação

Segundo MASCARO NASCIMENTO153, o empregado, nos moldes da CLT, é subordinado ao

empregador. Contudo, essa subordinação não é econômica, pois o empregado pode possuir

situação financeira superior a do seu empregador. Tampouco, trata-se de subordinação técnica,

sendo observado eventualmente que o obreiro poderá deter técnica de trabalho que seu

empregador não possui. Prevalece o entendimento de que a subordinação é jurídica, no sentido de

que o empregado deve sujeitar-se ao poder de direção e comando do empregador, que decorre da

lei.

Observe-se como entende a subordinação o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no

Brasil:

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO - NÃO CONFIGURAÇÃO. Para configuração do vínculo empregatício, mister se faz averiguar a existência ou não dos pressupostos legais previstos no art. 3º da CLT, quais sejam: prestação de serviços de forma habitual, pessoal, mediante remuneração e sob subordinação jurídica, lembrando-se que se trata este último requisito - a subordinação -, do elemento anímico da relação de emprego. No caso de pedreiro contratado para obra determinada e mediante pagamento de quantia certa, em prédio de âmbito residencial do reclamado, cujas atividades fogem ao ramo da construção civil, evidencia-se a prestação de serviços nos moldes de uma pequena empreitada, sendo o contrato de natureza autônoma, cível. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. RO 01784-2011-059-03-00-1, 4ª Turma, j. em 06/03/13, Rel. Des. Júlio Bernardo do Carmo. Disponível

150BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 188. 151FRANCO, João Vitor Sias; TIRONI, RommeroCometti. O reconhecimento do vínculo empregatício entre supostos "motoristas-auxiliares" e proprietários autônomos de táxis. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2453, 20 mar. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14551>. Acesso em: 24 maio 2013. 152DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 288. 153 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de dirito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 672.

O contrato de trabalho e seus pressupostos no Direito português e no Direito brasileiro

61

em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=3437>. Acesso em: 5 jun. 2013. Destacou-se.) EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO - CORRETOR DE IMÓVEIS. Existem elementos comuns ao corretor de imóveis autônomo e à relação de trabalho subordinado envolvendo o mesmo profissional. Mas essa última não é a situação que mais se observa, sendo de ordinário os contratos firmados entre esses profissionais autônomos e pessoa jurídica que explora a mesma atividade. É o exame de cada caso concreto que permitirá a verificação da existência ou não dos pressupostos caracterizadores do vínculo empregatício, previstos no art. 3º CLT, notadamente a subordinação, que é o traço de distinção do vendedor de imóveis empregado e o corretor autônomo de imóveis, que nesse caso deve ficar robustamente provado, porque a presunção milita em favor da autonomia do corretor, prevista na Lei 6.530/78. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho do 3.ª Região. RO 00573-2012-138-03-00-0, 4ª Turma, Rel. Convocada Taisa Maria M. de Lima. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=3449>. Acesso em: 5 jun. 2013. Destacou-se.)

Depreende-se que o pressuposto subordinação é de todos o mais importante, sendo, em

muitos casos, de difícil apreensão pelo Judiciário, dependente de um contexto fático-probatório para

a sua configuração.

Observa-se da análise da jurisprudência colacionada que os casos de terceirização154,

subcontratação e trabalho autônomo são os mais frequentemente levados ao Judiciário para que o

vínculo de emprego do prestador de serviços seja aferido em face do tomador.

Pois bem, em vista da diversidade de relações jurídicas atualmente existentes, cada qual

com uma diferente configuração, como é o caso específico do teletrabalho, nota-se que o conceito

clássico de subordinação jurídica passa por um processo de readequação, ainda mais se se levar

em consideração que foi ele elaborado tendo-se em mente os primórdios do trabalho assalariado,

prestado no chão das fábricas, iniciado no contexto da Revolução Industrial.

Fala-se hoje em subordinação estrutural ou objetiva e parassubordinação, das quais se

tratará em capítulo à parte, eis que objeto específico desta pesquisa.

154FERRAZ ANDRADE explica o que se deve entender por terceirização, nos seguintes termos: “consiste em uma técnica administrativa de descentralização produtiva, segundo a qual o empresário deixa de concentrar toda a produção em sua empresa, repassando a outras pessoas físicas ou jurídicas, com as quais estabelece contratos de ordem civil, com o objetivo de reduzir custos e melhorar a qualidade do serviço, para que sua produção se concentre na atividade-fim”. Explica que, se houver transferência dos poderes diretivo e disciplinar do empregador ao tomador, não se estará diante de terceirização, mas na contratação mediante interposta pessoa (“marchandage”), vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ver: ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 83-84.

O teletrabalho

63

4 O TELETRABALHO

4.1 Noções conceituais

Hodiernamente, o desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação (TICs) e a

globalização da economia proporcionaram a transformação dos esquemas tradicionais de

organização do trabalho, hoje tendencialmente descentralizados geograficamente do processo de

produção.155

Assim sendo, as modernas formas de comunicação acabaram por possibilitar que os

trabalhadores não mais estejam vinculados aos espaços físicos das empresas, podendo realizar

suas tarefas aonde se encontrem. Pode-se dizer, portanto, que as tecnologias de informação

possibilitaram o surgimento de novas formas de prestação de serviços, notadamente o trabalho à

distância, bem como são de crucial importância para mantê-las.156

Aponta POZELLI HERNANDEZ157 que não consta o termo teletrabalho no Dicionário de

Língua Portuguesa, mas o mesmo é usado coloquialmente. Seu derivado em inglês, telework, surgiu

em 1973, nos Estados Unidos, quando Jack Nilles se valeu dele para se referir ao uso da tecnologia

que permitia o trabalho à distância e evitava os deslocamentos dos trabalhadores até a sede da

empresa.158

Segundo informa a mesma autora, nos Estados Unidos, muito embora seja utilizado o

termo telework, emprega-se também a palavra telecommuting. Na Alemanha, usa-se telearbeit ou

fernarbeit, na Itália, telelavoro, na Espanha, teletrabajo, e na França, téletravail.159

De acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), teletrabalho “é

a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório ou centro de produção, que permita a

separação física e que utilize uma nova tecnologia que facilite a comunicação”.160

155PONTES, Carlos da Silva. A caracterização do teletrabalho perante a ordem jurídica brasileira. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14381/a-caracterizacao-do-teletrabalho-perante-a-ordem-juridica-brasileira>. Acesso em: 9 maio 2013. 156O conceito de trabalho à distância será trabalhado no próximo sub-item. 157 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 53. 158 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 53. 159 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 53.

160ESTRADA, Manuel Martin Pino. A escravização digital no teletrabalho e nos mundos virtuais e

comentários à Lei 12.551 de 2011. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

64

Tendo em vista o reduzido custo para o empregador e, ao menos em teoria, as boas

condições de trabalho para o trabalhador, tal forma de labor vem sendo recomendada

mundialmente, especialmente em face da recente crise que assola a economia global.

Conforme TEIXEIRA DOS REIS161, o trabalho executado longe dos domínios da organização

empresarial e sem controle rígido do horário e do modo pelo qual ele é desenvolvido é traço

característico do trabalho à distância.

Segundo POZELLI HERNANDEZ162, este gênero compreende o teletrabalho, o qual, de

acordo com o local em que é realizado, pode ser subdividido em teletrabalho em domicílio163,

teletrabalho nômade164, teletrabalho transnacional165 e em telecentros166.

Já MACHADO DRAY167, afirma que o teletrabalho pode ser dividido segundo quatro critérios:

a) quanto ao local de prestação do trabalho; b) quanto ao horário; c) quanto à ligação que mantém

com o empregador e demais colegas de trabalho e; d) quanto à situação sócio-profissional e a

relação jurídica que se mantém entre o teletrabalhador e o beneficiário da respectiva atividade.

Do critério de divisão proposto por MACHADO DRAY168, importa melhor detalhar o primeiro,

isto é, o atinente ao local onde o trabalho é prestado, que, inclusive, coincide com o preconizado

por POZELLI HERNANDEZ, acima informado, o qual é sub-dividido por aquele da seguinte forma:169

Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11525>. Acesso em: 8 nov. 2012.

161REIS, Jair Teixeira dos. Subordinação jurídica e o trabalho à distância. São Paulo: LTr, 2007. p. 55. 162HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 38. 163Trabalho em domicílio: também chamada de electronichomeworkpermite que o trabalhador execute seu serviço em sua residência ou em outro lugar de sua escolha, evitando seu deslocamento até o escritório ou centro de trabalho da empresa. HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 38. 164Trabalho nômade: ocorre quando o posto de trabalho não está situado em lugar determinado. O trabalhador não tem lugar fixo para a prestação de seus serviços e dispõe de equipamentos telemáticos que permitem o desempenho de seu trabalho em qualquer lugar do mundo. HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 40. 165Trabalho transnacional: realizado por meio de ligações eletrônicas, permitindo que uma empresa em um país contrate seus serviços de processamento de dados de trabalhadores em outros países. HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 41. 166Trabalho em telecentros: ocorre em locais de trabalho situados fora da sede central da empresa, que disponibilizam recursos e todas as instalações de informática e de telecomunicações necessárias ao desenvolvimento desta forma de trabalho. O trabalhador não se desloca de seu domicílio até a sede da empresa, mas até um centro especificamente preparado para o desenvolvimento do trabalho. HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho:o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 38. 167DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabaho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3 . p. 268-269. 168DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 268. 169DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 268.

O teletrabalho

65

a) na casa do trabalhador, situação em que o obreiro permanece em casa mas liga-se à um

escritório central ou à sede da empresa através de tecnologias de informação e comunicação,

modalidade de prestação tradicionalmente chamada de home-based telework;

b) em locais não fixos, situação em que se fala em teletrabalho móvel, nômade ou

itinerante, também chamado de mobile telework;

c) em centro-satélite ou escritório-satélite, isto é, o trabalho prestado em local pertencente à

empresa, mas situado em lugar diferente da respectiva sede. Pode ocorrer de o centro-satélite

situar-se em países menos desenvolvidos onde se verifica uma maior dificuldade em recrutar mão-

de-obra altamente qualificada, por isso essa modalidade também é conhecida como "off-shore";

d) num centro de teletrabalho ou de prestação de serviços partilhados, isto é, num centro

de prestação de serviços utilizado por teletrabalhadores pertencentes a várias empresas, visando à

redução e ao fracionamento dos custos de organização da atividade. Em locais como Inglaterra,

Irlanda e Hungria, esse tipo de telecentro é frequentemente instalado longe dos centros urbanos,

por vezes em zonas rurais subdesenvolvidas objetivando aproximar os cidadãos dessas localidades

às novas tecnologias, gerando maior oferta de mão de obra. A essa modalidade dá-se o nome de

"telecottages".

Quanto aos demais critérios utilizados por MACHADO DRAY170, sucintamente, tem-se o

seguinte:

a) quanto ao horário de trabalho, o teletrabalho pode ser exercido a tempo inteiro ou a

tempo parcial. A diferença crucial entre ambos é que no segundo, parte da atividade do

teletrabalhador é exercida em regime de trabalho normal;

b) quanto à ligação que mantém com o empregador e demais colegas de trabalho, pode ser

exercido em sistema online ou offline, sendo o primeiro realizado em tempo real, porque o

computador do usuário está ligado em rede ao sistema do empregador, enquanto no segundo isso

não ocorre, e

c) quanto à relação jurídica que é mantida entre o teletrabalhador e o beneficiário da

respectiva atividade, o teletrabalho pode ser exercido por um trabalhador subordinado ou por um

trabalhador autonômo, sendo a diferença determinante entre ambos, o facto de que o segundo

170DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 269-270.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

66

exerce seu mister em regime de autodeterminação e de forma independente (self-employed

teleworker).

O que importa, por ora, é que se compreenda o teletrabalho como todo e qualquer trabalho

realizado à distância, isto é, fora dos limites físicos tradicionais do estabelecimento empresarial,

com a utilização de tecnologia da informação e da comunicação, especialmente através de

computadores, telefonia fixa e móvel, ou qualquer outra que venha a ser desenvolvida, recebendo e

transmitindo informações, arquivos de texto, imagens, sons ou qualquer outra mídia relacionada à

atividade laboral.171

4.2 Breve análise histórica do teletrabalho

Após analisada a evolução dos meios de produção e delineadas algumas noções

conceituais sobre o teletrabalho, convém uma pequena reflexão sobre o surgimento e evolução do

teletrabalho.

Cita-se como seu provável antecedente o trabalho remoto ou à distância concebido em

1857 por J. Edgar Thompson, proprietário da Estrada de Ferro Penn, nos Estados Unidos. À época,

J. Edgar descobriu que poderia usar o sistema privado de telégrafo de sua empresa para gerenciar

divisões remotas, desde que o controle do uso de equipamentos e mão de obra fosse delegado a

um responsável de cada divisão, método denominado de "administração à distância".172

Um século mais tarde, por volta de 1960, reaparece na sociedade europeia o trabalho em

domicílio, praticamente extinto desde o final do século XIX, concentrando-se essa forma de

prestação de trabalho, inicialmente, nos setores de vestuário, têxtil e calçados, expandindo-se, uma

década depois aos setores de embalagem e montagem de artigos eletrônicos, bebidas, cosméticos,

entre outros. Diz-se, então, que “da convergência do trabalho a distancia e o trabalho em casa,

surge o conceito de teletrabalho".173

Ressalte-se, todavia, como visto no tópico anterior, que a origem do termo teletrabalho é

atribuída à Jack Nilles, em 1973.174

171SOCIEDADE BRASILEIRA DE TELETRABALHO E TELEATIVIDADES. O que é teletrabalho? Disponível em: <http://www.sobratt.org.br/faq.html#p06>. Acesso em: 9 maio 2013. 172WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 63. 173WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 63. 174 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 53.

O teletrabalho

67

O facto é que Nilles se interessou pelo estudo do teletrabalho devido a alguns fatores de

cunho econômico e tecnológicos de sua época, em especial a crise energética do petróleo, a

diminuição dos preços dos computadores e o surgimento da telemática. Diante desse contexto,

passou a investigar a forma como as tecnologias poderiam auxiliar a reduzir os custos de

deslocamento dos trabalhadores e o congestionamento do tráfego.175

O incremento desta forma de trabalho nas décadas seguintes está intrinsecamente

relacionado à extensão das novas tecnologias de informação e à crescente tendência de

descentralização dos modelos de organização do trabalho. Citam-se, como setores pioneiros a

utilizarem o teletrabalho, os ramos dos seguros, telecomunicações, jornalismo e publicidade,

marketing, contabilidade e desenvolvimento de software. Ademais, atividades de supervisão,

inspeção, assistência técnica e vendas passaram a ser cada vez mais desenvolvidas nas instalações

dos clientes, dos fornecedores, evitando-se os deslocamentos até a empresa.176

As estatísticas a respeito do crescimento do teletrabalho na Europa não deixam dúvidas

sobre a importância que o tema tem tomado. LOUREIRO WINTER177 afirma que uma pesquisa

realizada em 1984 entre mais de 10.000 trabalhadores na França, Itália, Reino Unido e Alemanha

concluiu que em um universo de 90 milhões de pessoas, cerca de 13 milhões aceitariam prestar o

trabalho fora do ambiente empresarial.178

Já MACHADO DRAY179 noticia que na União Europeia o número de teletrabalhadores

ascendia em 1999 a cerca de 9 milhões, o que correspondia à época a cerca de 6% do total da

força de trabalho, estimando-se, ainda, que o número alcançaria os 10 milhões no ano seguinte.180

Sucintamente, eis que o teletrabalho no âmbito europeu será tratado oportunamente

quando da análise do Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho, convém esclarecer que o

teletrabalho está intimamente ligado ao conceito de "sociedade da informação"181 e esta suscitou o

175 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 46. 176HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 46. 177WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 65. 178WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 65. 179DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 261. 180DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 261. 181A "sociedade de informação", também denominada "sociedade pós-industrial", "economia da informação" ou "terceira vaga", tem na sua origem o aparecimento das tecnologgias de comunicação, remonta a meados dos anos 70 e assenta-se na ideia de que a informação assume, na sociedade hodierna, um papel fulcral e decisivo. O centro da vida econômica não reside na produção de bens ou serviços, mas sim na informação. A informação, sendo o recurso que está na base da produtividade e do crescimento econômico, acaba por substituir o trabalho como fonte de valor. DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 262-263.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

68

interesse da União Europeia em 1993, com o aparecimento do "Livro Branco", relativo ao

“Crescimento, competitividade e emprego: desafios e pistas para entrar no século XXI". O tema

central do Livro Branco diz respeito à questão do desemprego, razão por que a Comunidade

Europeia entendeu que uma das medidas necessárias e aptas a reduzi-lo consistia no

desenvolvimento da sociedade de informação, mediante o incremento de tecnologias de informação

e multimídia.182

Assim, em 1994, a Comissão elaborou um "Plano de Ação" objetivando a criação de mais

postos de emprego na Europa. Neste documento identificou-se o teletrabalho como a primeira

medida para a implementação da sociedade da informação.

Entre 1996 e 1997 a Comunidade Europeia criou dois "Livros Verdes", o primeiro,

intitulado "Viver e trabalhar na sociedade da informação: as pessoas em primeiro lugar", que apelou

para o diálogo entre os parceiros sociais e para a criação de medidas protetivas para os

teletrabalhadores e o segundo, "Parceria para uma nova organização do trabalho".183

Já em 1998, a Comunidade Europeia instituiu o programa "Tecnologias da sociedade da

informação", cujo objetivo era simultaneamente apontar a necessidade de as empresas melhorarem

a qualidade de vida dos seus trabalhadores e buscar mais eficiência. Em 2000, observou-se dois

marcos importantes: o primeiro deles, em fevereiro, no âmbito do Conselho Europeu de Lisboa, a

União Europeia elaborou a "Estratégia para o emprego na sociedade de informação"; o segundo,

em junho, no Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, com a adoção do "Plano de Ação e-

Europa", cujo objetivo era a criação de uma "Europa on-line" até o final de 2002.184

Ademais, o Conselho Europeu de Lisboa, em março do 2000, elevou a objetivo comum a

criação, na Europa, da "economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do

mundo, capaz de garantir um crescimento econômico sustentável, com mais e melhores empregos,

e com maior coesão social".185

Deve-se ter em mente que, com a transição para o atual estágio da União Europeia, após o

Tratado de Maastricht de 1993, possibilitando a livre circulação de pessoas e bens nos países da

182DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 263. 183DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 264. 184DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 264-265. 185DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 262.

O teletrabalho

69

Comunidade, bem como a criação e instituição da moeda única, o Euro, cuja entrada em circulação

se deu em 2002, o advento das tecnologias de informação e a globalização, tudo isso influindo no

dinamismo econômico, com reflexos no consumo e no campo das forças produtivas, o Direito do

Trabalho foi sobremaneira influenciado, tal como explica LOBO XAVIER186:

[...] assiste-se a um recuo da força dos meios jurídicos destinados a actuar na esfera do trabalho, já que as forças de mercado actuam fora do domínio dos Estados soberanos. Os empresários podem jogar no investimento em países sem regulamentação social e que praticam dumping social, em termos dificilmente controláveis pelas organizações votadas à vigilância da lealdade da concorrência. A chamada "globalização", que permite aos empresários uma fácil deslocalização das empresas (aliás, cada vez mais ágeis no plano físico-material, já que progressivamente alicerçadas nos fluxos financeiros, na comunicação e no conhecimento), é assim demasiadas vezes nefasta para certos estratos de trabalhadores, agora sem quadros jurídicos-nacionais de referência. E se tal não tomar em conta, o Direito do trabalho dirigir-se-á em vão a entidades económicas que fogem para um mercado global, extremamente competitivo, sem regras, e em que muitos se privilegiam da anomia, isto é, da falta de normas para uma exploração desenfreada.187

Pois bem. É neste contexto que o desejo de se tornar uma economia globalizada e eficiente,

valendo-se de tecnologias de informação, objetivando, sobretudo, valorizar o emprego e aumentar a

competitividade, que a Europa comunitária deparou-se com a realidade do teletrabalho. Por outro

lado, a falta de regulamentação sobre o tema, acrescida da facilidade de mobilidade tanto de

pessoas como de capital, alertou os Estados-membros, assim como os representantes dos

trabalhadores e das empresas, para a possibilidade da prática recorrente de dumping social188 ou o

uso equivocado de mão de obra.

Tamanha a relevância do tema que, como se verá no capítulo seguinte, os parceiros sociais

europeus encetaram negociações para a elaboração de um conjunto de normas aptas a

regulamentarem o tema, surgindo daí o Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho.

186XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo, 2011. p. 357-358. 187XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo, 2011. p. 357-358. 188 Sobre o dumping social, explica MASCARO NASCIMENTO: "O dumping social vem sendo utilizado para justificar o repúdio a certas leis e atos do empregador na esfera trabalhista. Com tal finalidade, a nossa impressão é de que houve um desvio na compreensão da figura, que nada mais é que uma idéia a ser combatida, a do trabalho precário, com salários mais baixos num país, como meio de concorrência empresarial. Logo, quando se utiliza esse argumento, seria necessário, em primeiro lugar, explicar o que é dumping social. E isso não tem sido feito em algumas decisões judiciais, principalmente de primeiro grau. É preciso, de início, o enquadramento jurídico do dumping social na área das relações comerciais ou das relações trabalhistas. Outra coisa é o dumping social com efeitos que se projetam sobre as relações do trabalho. Nessa situação em particular, a questão nos parece que tem dois principais aspectos. Primeiro o da prova desses efeitos: é preciso demonstrar que uma empresa praticou dumping social com a finalidade de rejeitar o sistema jurídico vigente ou de utilizá-lo de modo abusivo, o que nem sempre é muito fácil. Em segundo lugar é preciso realçar que o dumping social não é um fenômeno originariamente interno a um país. A sua aplicabilidade exige, quase sempre, uma relação entre o que se faz em mais de um país. Sem citar exemplos correntes de todos conhecidos, a economia de um país pode revitalizar-se com o dumping social, o que é indesejável na medida em que sejam sacrificados os direitos do trabalhador". NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Dano social e dano moral coletivo trabalhista. Disponível em: <http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=276:7-dumping-social-e-dano-moral-coletivo-trabalhista&catid=68:decisoes-comentadas&Itemid=206>. Acesso em 10 dez. 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

70

4.3. Vantagens e desvantagens do teletrabalho

O teletrabalho apresenta uma série de vantagens, quer sejam para o trabalhador, quer para

o empregador, ou até para a sociedade. Em contrapartida, apontam-se algumas desvantagens,

conforme se verá.

No tocante às vantagens, citam-se as seguintes:

a) para a sociedade:

a1) a difusão do trabalho em zonas isoladas ou periféricas, aproveitando-se melhor o

contingente populacional e a força de trabalho e, ao mesmo tempo, incentivando o crescimento

econômico de determinadas áreas, especialmente localizadas longe dos centros urbanos189.

a2) a inclusão no mercado de trabalho de pessoas com deficiência física ou com a

capacidade de locomoção reduzida, tais como gestantes, mulheres em período de amamentação,

etc.190

a3) a diminuição do tráfego urbano, que reduz, consequentemente, os níveis de poluição

atmosférica e permite melhor gestão dos espaços urbanos, assim como a redução das

desigualdades socioeconômicas através do desenvolvimento de zonas menos favorecidas e

remotas.191

b) para o teletrabalhador:

b1) a possibilidade de maior convívio familiar, maior autonomia para organização do tempo

disponível para o trabalho, melhorando a articulação da vida profissional e privada, especialmente

para o teletrabalhador em domicílio. Tal situação redunda, de forma geral, em aumento de

produtividade, menos estresse para o trabalhador e maior motivação para o trabalho.192

b2) a redução ou eliminação do tempo despendido no deslocamento entre a residência do

teletrabalhador e a sede da empresa, bem como a redução ou eliminação das despesas inerentes

ao exercício da atividade profissional longe de casa, tais como transporte e alimentação.193

189WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 128. 190WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 128. 191DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 272. 192WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 128-129. 193DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 271.

O teletrabalho

71

c) para o empregador:

c1) a diminuição dos custos de manutenção de grandes instalações para acomodar muitos

trabalhadores, o que acarreta redução de despesas com locação, energia, transporte, segurança,

equipamentos, etc.194

c2) novas possibilidades de esquemas de gestão por objetivos ou resultados, assim como

uma maior flexibilização de gestão empresarial como um todo.195

c4) maior facilidade para recrutar mão de obra, tendo em vista o aumento da oferta

proporcionado pela inclusão de trabalhadores de localidade diversas.196

Interessante exemplificar as vantagens do teletrabalho com uma notícia do The Wall Street

Journal, que destacou que o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 contra o World Trade

Center teria impulsionado o desenvolvimento do teletrabalho. Segundo a empresa Center for

Workforce Effectiveness, especializada em desenvolver ambientes de trabalho virtual, após o

atentado, a demanda pelos seus serviços triplicou. As empresas americanas têm facilitado o

trabalho em casa, verificando-se um crescimento de cerca de 30%. Cita-se, ainda, o exemplo da

American Express, cujas instalações eram no World Trade Center e, após, passou a fornecer aos

seus funcionários equipamentos para a realização de trabalho em domicílio; o mesmo se verificou

com a Zurich Financial Services Group, sediada nas proximidades das Torres.197

Por fim, aponta-se que, no México, após o episódio da gripe suína que assolou o país,

muitos trabalhadores têm realizado suas atividades profissionais a partir de suas casas.198

Por outro lado, verifica-se no teletrabalho algumas desvantagens que afetam tanto

trabalhadores, como empregadores, quais sejam:199

a) para o teletrabalhador:

a1) a possibilidade de isolamento, verificada com maior frequência com relação àquele que

exerce suas atividades em domicílio, repercutindo nos aspectos profissionais, pessoais e

194DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 271 195DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 271. 196DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 272. 197HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 48. 198HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 51. 199DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho.Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 272-273.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

72

psicológicos, o que pode, inclusive, favorecer a prática de atos abusivos por parte do empregador e

o enfraquecimento da participação do teletrabalhador em sindicatos e associações profissionais na

defesa de seus interesses;

a2) a confusão entre a vida profissional e pessoal, contrariando a reserva da intimidade e

da vida privada.

a3) a prestação de serviço além dos períodos normais do trabalho, acarretada pela

flexibilidade para organização do tempo.

b) quanto ao empregador:

b1) dificuldades no exercício do poder de direção, face à distância existente entre

trabalhador e empregador.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

73

5 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O TELETRABALHO NO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

5.1 A política do "diálogo social"

Desde a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço já existia uma tradição de

envolvimento dos sindicatos e das organizações patronais no processo de formação de políticas

daquela. A explicação para tanto é que a Comunidade não era um mero acordo bilateral entre as

Instituições comunitárias e os Estados membros, mas um complexo regime que abarcava outros

atores na formação e implementação de políticas sociais.200

No final da década de 1970, entretanto, o Reino Unido adotou uma rigorosa política

interna de exclusão do movimento sindical e de enfraquecimento das negociações coletivas de

trabalho, pretendendo também obstar a adoção de uma política de legislação trabalhista no âmbito

da Comunidade Europeia. Tal postura, ironicamente, foi, mais tarde, crucial para que se percebesse

a necessidade de transformação da estratégia legal para a política social e a legislação trabalhista

na União Europeia.201

Com efeito, em 1985, a conjuntura do Mercado Comum Europeu foi de tal forma

ameaçada pelo veto ao desenvolvimento de uma dimensão social paralela à econômica pelo Reino

Unido, que o então futuro Presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, apresentando o

programa desta ao Parlamento Europeu, afirmou que a criação de um grande mercado teria que se

fazer acompanhar da criação e estruturação de uma área social europeia, sendo “que um de seus

pilares deveria ser o 'diálogo social', as negociações entre as organizações de empregadores e

empregados em nível comunitário".202

Em razão disso, Delors salientou a necessidade de os vários grupos econômicos e sociais

se mobilizarem, convidando a participar de uma reunião no castelo de Val Duchesse, na Bélgica, os

presidentes e secretários-gerais de todas as organizações nacionais afiliadas à UNICE, CEEP e

ETUC, sobre as quais abaixo se discorrerá.203

Passa-se, assim, a se falar em “parceiros sociais" (social partners) e em “diálogo social”

(social dialogue). Os primeiros podem ser entendidos como organizações de empregados e de

200BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 126. 201BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 126. 202BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 128. 203BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 128.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

74

empregadores em nível comunitário, cujo desenvolvimento foi incentivado pela Comissão,

proporcionando-lhes oportunidade de se engajar em vastas negociações envolvendo questões de

emprego no contexto da Comunidade. O segundo foi desenvolvido pela experiência e pelo

pragmatismo, baseado no princípio democrático, de acordo com o qual os “atores sociais”

formulam as regras que norteiam suas relações. O “diálogo social” parte da premissa de que a

relação entre a negociação coletiva e a lei assume uma multiplicidade de formas entre os Estados

membros, sendo sua aplicação extremamente flexível no contexto da política social comunitária.204

São “parceiros sociais” desde o início do “diálogo social” em Val Duchesse, a ETUC, a

UNICE e o CEEP.

A European Trade Union Confederation (ETUC), fundada em 1973, é reconhecida pela

União Europeia, como a única representante de organização sindical de trabalhadores multi-setorial

em nível europeu. Até 2009, reunia setenta e oito confederações sindicais de um total de trinta e

quatro países europeus, como também onze federações industriais europeias, perfazendo um total

de sessenta milhões de membros. A ETUC procura influenciar a legislação e as políticas da União

Europeia articulando junto a várias instituições e autoridades europeias. Também procura

estabelecer relações com empregadores ao nível da União Europeia.205

A UNICE, antiga designação da Business Europe, é a organização europeia do setor

privado de empregadores. Os seis Estados membros fundadores da Comunidade Europeia estavam

todos representados através das oito federações fundadoras membros da UNICE: uma da Itália,

duas da Alemanha, duas da Holanda, uma da França, uma da Bélgica e uma de Luxemburgo. A

missão da Business Europe inclui fomentar a solidariedade entre suas organizações membros,

encorajando a política industrial em escala europeia e atuando como porta-voz das instituições

comunitárias. Em 2003, existiam trinta e cinco membros e quatro observadores de vinte e oito

países, incluindo os da União Europeia, da Área Econômica Europeia e alguns da Europa Central e

do Leste Europeu.206

Por fim, o Centre Européendes Entreprises à Participation Publique et dês Entreprises

D'internet Économique General / European Centre of Enterprises with Public Participation and of

Enterprises of General Economic Interest (CEEP) é a organização internacional basicamente dos

204BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 127. 205BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 128-129. 206BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 130.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

75

empregadores no setor público, em nível europeu, fundada em 1961, embora congregue também

empresas que, mesmo não sendo públicas, desenvolvem atividades de interesse geral. É a

contrapartida, do setor público, à Business Europe.207

Tendo em mente que originariamente a preocupação dominante do Direito

Comunitário é econômica, o Tratado de Roma cuidou dos temas laborais, ou sociais, terminologia

usual no léxico comunitário, porque é mais abrangente, já que inclui também matéria de seguridade

social, apenas pontualmente.208

A despeito disso, a questão do “diálogo social” foi reconhecida formalmente e inserida

no Tratado de Roma, através do Ato Único Europeu de 1986, por meio do art. 118-B, conferindo

oficialmente à Comissão, como mais uma de suas tarefas, a promoção dele:209

A Comissão deve se empenhar para desenvolver o diálogo entre os parceiros sociais ao nível europeu que podem, se ambos considerarem desejável, conduzir a relações baseadas em consenso.

O tema foi prestigiado com a aprovação da Carta Comunitária para os Direitos Sociais

Fundamentais dos Trabalhadores (1989), e, principalmente, com o Acordo Anexo ao Protocolo de

Maastricht sobre a Política Social (1991), assinado por todos os Estados membros, à exceção do

Reino Unido, por meio do qual os parceiros sociais acordaram sobre suas consultas obrigatórias

relativamente a propostas da Comissão na área de assuntos sociais, inclusive com a possibilidade

de eles mesmos iniciarem um processo de negociação conducente à celebração de acordos-

quadros em nível comunitário.210

Com o Tratado de Amsterdã, que incluiu o Acordo relativo à Política Social no Tratado da

Comunidade Europeia, foi possível a aplicação de um acordo-quadro único ao “diálogo social” na

União Europeia, tendo derivado daí os primeiros resultados práticos: os acordos-quadro sobre

licença parental (1995), sobre trabalho a tempo parcial (1997) e sobre o trabalho a termo (1999),

que foram implementados por Diretivas do Conselho.211

207BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 131. 208RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 168-169. 209Tradução livre de: "The commission shall endeavour to develop the dialogue between management and labour at European level which could, if the two sides consider it desirable, lead to relations based on agreement". BERCUSSON, Brian. European labour law. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 132. 210PARLAMENTO EUROPEU. Diálogo social. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_5.10.7.html>. Acesso em: 25 dez. 2013. 211PARLAMENTO EUROPEU. Diálogo social. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_5.10.7.html>. Acesso em: 25 dez. 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

76

No Tratado de Lisboa, em vigor desde 2007, consta o Título X, intitulado "A Política

Social", que, entre os artigos 151.º a 161.º, detalha, entre outros temas, o processo de participação

dos parceiros sociais no diálogo social.212

5.2 O Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho

5.2.1 Considerações iniciais

Conforme noticia MACHADO DRAY213, o desenvolvimento do teletrabalho no contexto

comunitário relaciona-se ao incremento e desenvolvimento desta nova forma de trabalho e está

alicerçado na “sociedade de conhecimento” e no compromisso assumido no Conselho Europeu de

Lisboa, em março de 2000, pelo qual os Estados membros elevaram a objetivo comum a criação,

na Europa, da “economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz

de garantir um crescimento econômico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior

coesão social”, conforme já dito no item 3.2.1.

Assim, em consulta sobre a modernização e a melhoria das relações de trabalho, a

Comissão Europeia de Modernização das Relações de Emprego, atendendo ao art. 139 do Tratado

da União Europeia, convidou os parceiros sociais europeus a encetarem negociações sobre a

questão do teletrabalho. Como resultado destas negociações, os principais parceiros sociais

europeus - ETUC (e o comitê de ligação EUROCADRES / CEC)214, UNICE / UEAPEME215 e CEEP -

concluíram e assinaram o Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho (Framework Agreement on

Telework), em 16 de julho de 2002, que, em suma, regulamenta questões como as condições de

emprego e de trabalho, saúde e segurança, formação e direitos coletivos dos teletrabalhadores.216

Preferiu-se que a transposição deste – do direito comunitário, para o direito interno de cada

212UNIÃO EUROPEIA. Versão consolidada do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0047:0200:pt:PDF>. Acesso em: 25 dez. 2013. 213DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho.Coimbra: Almedina, 2002. v. 3. p. 262. 214EUROCADRES .The Council of European Professional and Managerial Staff. Disponível em: <http://www.eurocadres.org/>. Acesso em: 29 dez. 2013. 215EuropeanAssociationofCraft, SmallandMedium-sizedEnterprises (UEAPME)é uma organização patronal que representa os interesses de manufaturas, comércio e pequenas e médias empresas (SMEs) em nível europeu, sem fins lucrativos e não-partidária. Abriga em seu corpo cerca de oitenta organizações-membro de trinta e quatro países, representando mais de doze milhões de empresas, que empregam por volta de cinquenta e cinco milhões de pessoas pela Europa.UEAPME. The voice of the SMEs in Europe. Disponível em: <http://www.ueapme.com>.Acesso em: 24 dez. 2013. 216O teletrabalho também é bem visto pelos parceiros sociais como uma forma de integração de grupos em desvantagem no mercado de trabalho, como os deficientes físicios. Também é um meio de superar problemas de mobilidade urbana ou de manter empregos em regiões que enfrentem dificuldades. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

77

Estado membro – fosse feita por procedimento autônomo, ou seja, segundo “os processos e

práticas próprios dos parceiros sociais e dos Estados-membros”, contrariando a prática das

diretrizes comunitárias adotadas em acordos trabalhistas anteriores, tais como os acima já referidos

sobre licença parental, trabalho a tempo parcial e contrato a termo.217

Esclareça-se, pois, que o termo “acordo-quadro” é um marco geral de cooperação, devendo

ser complementado por instrumentos posteriores que implementem seus amplos dispositivos no

plano concreto e que estes tipos de acordos estabelecem um escopo institucional que passará a

orientar a execução da cooperação.218

Sendo assim, o Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho é, em síntese, um compêndio

de doze normas gerais (a primeira delas destinada às “considerações gerais”), que objetiva,

sobretudo, estender aos teletrabalhadores os mesmos benefícios e a mesma proteção legal

concedida aos empregados convencionais.219

Na época em que o Acordo-Quadro sobre Teletrabalho foi assinado, a Comissão Europeia

estimou que havia cerca de quatro milhões e meio de empregados teletrabalhadores na União

Europeia.220

A seguir, tratar-se-á, em breves linhas, de cada um dos demais onze itens que compõem o

“Acordo-Quadro”, fazendo-se também, quando conveniente, referência às conclusões constantes do

Relatório da UNICE.

5.2.2 Definição de teletrabalho

Segundo a definição do Acordo-Quadro, constante do item n. 2, teletrabalho é uma forma

de organização ou realização de trabalhos, utilizando a tecnologia da informação no contexto de um

contrato de trabalho, no qual este, que também poderia ser prestado nas instalações do

empregador, é realizado regularmente fora do estabelecimento, sendo o teletrabalhador qualquer

217EUROFOUND. Teletrabalho na União Europeia. Disponível em: <http://www.eurofound.europa.eu/pubdocs/2009/961/pt/1/EF09961PT.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 218MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Atos internacionais: prática diplomática brasileira. Manual de procedimentos. Disponível em: <http://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/IRBr/pt-br/file/CAD/LXI%20CAD/Direito/MANUAL%20de%20procedimentos%20-%20atos%20internacionais.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 219MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Atos internacionais: prática diplomática brasileira. Manual de procedimentos. Disponível em: <http://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/IRBr/pt-br/file/CAD/LXI%20CAD/Direito/MANUAL%20de%20procedimentos%20-%20atos%20internacionais.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 220BLANPAIN,Roger. European labour law. 12. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2010. p. 484.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

78

pessoa que exerça o teletrabalho nessas condições.221

De acordo com o já citado Relatório da UNICE, esta definição legal foi alterada em alguns

países. Assim, a Hungria define teletrabalhador como a pessoa que repassa os resultados de seu

trabalho através de dispositivos eletrônicos. Na França, a noção de teletrabalhador engloba ainda o

trabalhador nômade. Já na Itália, há dois tipos diferentes de teletrabalhado: o realizado em

domicílio e o realizado à distância.222

5.2.3 Caráter voluntário223

O item n. 3 do Acordo-Quadro diz respeito ao caráter voluntário do teletrabalho, podendo o

empregado ser contratado já neste esquema, ou ser para ele transferido depois de já em curso o

contrato de emprego, mas sempre de forma consensual.

Em ambos os casos, o empregador deverá fornecer por escrito ao trabalhador as

informações relevantes, de acordo com a Diretiva n. 91/533/CEE, tais como a descrição do

trabalho a ser realizado, acordos coletivos aplicáveis, etc. Normalmente, as especificidades do

teletrabalho são entregues em apartado, tais como o departamento a que o teletrabalhador se

vincula, a quem deverá se reportar, etc.

Importa ressaltar, pois, que nem o trabalhador, nem o empregador, estão obrigados a

aceitar o teletrabalho, se este não for parte da descrição inicial do contrato de trabalho.

Destarte, a transição para o teletrabalho como tal, porque apenas modifica a forma como o

trabalho é realizado, não afeta a situação de emprego do teletrabalhador. Do mesmo modo, a

221Tradução livre de “telework is a form of organizing and/or performing work, using information technology, in the context of an employment contract/ relationship, where work, which could also be performed at the employer’s premises, is carried out away from those premises on a regular basis. This agreement covers teleworker. A teleworker is any person carrying out telework as defined above”. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 222 UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 223Tradução livre de “In both cases, the employer provides the teleworker with relevant written information in accordance with directive 91/533/EEC, including information on applicable collective agreements, description of the work to be performed, etc. The specificities of telework normally require additional written information on matters such as the department of the undertaking to which the teleworker is attached, his/her immediate superior or other persons to whom she or he can address questions of a professional or personal nature, reporting arrangements, etc. If telework is not part of the initial job description, and the employer makes an offer of telework, the worker may accept or refuse this offer. If a worker expresses the wish to opt for telework, the employer may accept or refuse this request. The passage to telework as such, because it only modifies the way in which work is performed, does not affect the teleworker’s employment status. A worker refusal to opt for telework is not, as such, a reason for terminating the employment relationship or changing the terms and conditions of employment of that worker. If telework is not part of the initial job description, the decision to pass to telework is reversible by individual and/or collective agreement. The reversibility could imply returning to work at the employer’s premises at the worker’s or at the employer’s request. The modalities of this reversibility are established by individual and/or collective agreement”. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

79

recusa do trabalhador em optar pelo teletrabalho não é, por si só, um motivo para terminar a

relação de emprego ou mudar os termos e as condições de trabalho desse trabalhador.

De outro lado, se o teletrabalho não é parte da descrição do contrato inicial, a decisão de

passar para o teletrabalho deve poder ser reversível, por acordo individual ou coletivo.

5.2.4 Condições de trabalho

No que tange às condições de trabalho, prescreve o item n. 4 que os teletrabalhadores têm

os mesmos direitos garantidos pela legislação e acordos coletivos aplicáveis aos empregados que

trabalham nas instalações do empregador. No entanto, a fim de ter em conta as especificidades do

teletrabalho, pode ser necessária complementação por acordos individuais ou coletivos224.

Segundo o relatório da UNICE, este princípio, em regra, tem sido adotado em todos os

países exatamente como consta no Acordo-Quadro.

Inobstante isso, alguns Estados-membros têm ampliado as garantias nele recomendadas.

Tal é o caso, por exemplo, de Luxemburgo, cujo acordo coletivo nacional prevê que, quando a

passagem para o teletrabalho implicar perda de direitos pré-existentes em benefício do trabalhador,

ou em que o trabalhador não poderá se valer de determinado benefício da mesma forma que o

empregado convencional, o empregador deverá garantir alguma vantagem compensatória. De outro

lado, em alguns casos, o legislador nacional eventualmente acrescentou ao texto original do Acordo-

Quadro algumas considerações particulares sobre o teletrabalho. É o caso do Código do Trabalho

Húngaro que prevê regras específicas a respeito do direito do empregador de entrar no local onde o

trabalho é realizado, de controlar o trabalho desempenhado, o tempo de descanso, etc.225

5.2.5 Proteção de dados

Outro ponto importante do Acordo, diz respeito à proteção dos dados, conforme dispõe o

item n. 5. Neste particular, o empregador é responsável por tomar as medidas adequadas,

224Tradução livre de “Regarding employment conditions, teleworkers benefit from the same rights, guaranteed by applicable legislation and collective agreements, as comparable workers at the employer’s premises. However, in order to take into account the particularities of telework, specific complementary collective and/or individual agreements may be necessary.” UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 225UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

80

nomeadamente no que diz respeito ao software, para garantir a proteção dos dados utilizados e

processados para fins profissionais. Cumpre ainda ao empregador informar ao teletrabalhador toda

a legislação pertinente, as normas da empresa sobre proteção de dados, bem como as restrições

ao uso dos equipamentos de informática ou de outras ferramentas, como a internet, sendo

responsabilidade do teletrabalhador obedecê-las, sob pena de sanções, também previamente

comunicadas.226

5.2.6 Privacidade do teletrabalhador

Já segundo a previsão constante do item n. 6, deverá o empregador respeitar a privacidade

do teletrabalhador. Assim, se qualquer tipo de sistema de monitoramento é colocado no local de

trabalho, deverá ser proporcional ao objetivo e introduzido em conformidade com a Diretiva n.

90/270 do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de

saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor.227

5.2.7 Equipamento228

No tocante ao equipamento, disciplinado no item n. 7, todas as questões relativas, tais

como a responsabilidade e custos, serão claramente definidas antes de se iniciar a prestação de

serviços sob a forma de teletrabalho. Como regra geral o empregador será responsável pelo

fornecimento, instalação e manutenção dos equipamentos necessários para o teletrabalho

realizado, a menos que o teletrabalhador opte por usar seu próprio equipamento.

Se o trabalho for realizado tal como acordado, o empregador arcará também com os custos

226Tradução livre de “The employer is responsible for taking the appropriate measures, notably with regard to software, to ensure the protection of data used and processed by the teleworker for professional purposes. The employer informs the teleworker of all relevant legislation and company rules concerning data protection. It is the teleworker’s responsibility to comply with these rules. The employer informs the teleworker in particular of: any restrictions on the use of IT equipment or tools such as the internet; sanctions in the case of non-compliance.” UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 227Tradução livre de “The employer respects the privacy of the teleworker. If any kind of monitoring system is put in place, it needs to be proportionate to the objective and introduced in accordance with Directive 90/270 on visual display units “.UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 228Tradução livre de “All questions concerning work equipment, liability and costs are clearly defined before starting telework. As a general rule, the employer is responsible for providing, installing and maintaining the equipment necessary for regular telework unless the teleworker uses his/her own equipment. If telework is performed on a regular basis, the employer compensates or covers the costs directly caused by the work, in particular those relating to communication. The employer provides the teleworker with an appropriate technical support facility. The employer has the liability, in accordance with national legislation and collective agreements, regarding costs for loss and damage to the equipment and data used by the teleworker. The teleworker takes good care of the equipment provided to him/her and does not collect or distribute illegal material via the internet.” UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

81

decorrentes diretamente do trabalho, especialmente os relativos aos de comunicação, bem como

com os de assistência técnica.

Contudo, deverá o teletrabalhador zelar pelo bom uso dos equipamentos, não podendo

coletar ou distribuir materiais ilegais através da internet.

5.2.8 Segurança e saúde229

O item n. 8 diz respeito à segurança e saúde do empregado e dispõe que o empregador

será responsável pela proteção da saúde e segurança ocupacional do teletrabalhador em

conformidade com a Diretiva n. 89/391 e demais Diretivas que versem sobre o tema, respeitando

ainda a legislação nacional e os acordos coletivos. Ademais, deverá o empregador informá-lo sobre

a política da empresa acerca de saúde e segurança no trabalho, em especial sobre os requisitos

das unidades de exibição visual. Cabe, porém, ao trabalhador seguir corretamente tais políticas.

Como forma de aferição da aplicação destas políticas, o empregador, os representantes dos

trabalhadores e as autoridades competentes terão acesso ao local do teletrabalho, dentro dos

limites da legislação nacional e dos acordos coletivos. Se o teletrabalho for realizado no domicílio do

empregado, o acesso estará sujeito à prévia notificação e ao consentimento do teletrabalhador. De

outro lado, trabalhador tem direito de solicitar visitas de inspeção.

5.2.9 Organização do trabalho230

No que toca à organização do trabalho, determina o item n. 9 que, no âmbito da legislação

aplicável, dos acordos coletivos e das regras da empresa, o teletrabalhador administrará a

organização de sua carga horária de trabalho. Ainda, prescreve que os padrões de produtividade e

229Tradução livre de “The employer is responsible for the protection of the occupational health and safety of the teleworker in accordance with Directive 89/391 and relevant daughter directives, national legislation and collective agreements. The employer informs the teleworker of the company's policy on occupational health and safety, in particular requirements on visual display units. The teleworker applies these safety policies correctly. In order to verify that the applicable health and safety provisions are correctly applied, the employer, workers' representatives and/or relevant authorities have access to the telework place, within the limits of national legislation and collective agreements. If the teleworker is working at home, such access is subject to prior notification and his/her agreement. The teleworker is entitled to request inspection visits.” UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 230Tradução livre de “Within the framework of applicable legislation, collective agreements and company rules, the teleworker manages the organization of his/her working time. The workload and performance standards of the teleworker are equivalent to those of comparable workers at the employers premises. The employer ensures that measures are taken preventing the teleworker from being isolated from the rest of the working community in the company, such as giving him/her the opportunity to meet with colleagues on a regular basis and access to company information. “.UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

82

desempenho do teletrabalhador serão equivalentes ao dos trabalhadores que atuam nas instalações

das entidades patronais.

Para impedir o risco de isolamento do teletrabalhador do restante dos colegas que seguem

trabalhando no regime convencional, o empregador garantirá, entre outras medidas, que tenha a

oportunidade de reunir-se com eles, bem como que tenha acesso às informações da empresa.

5.2.10 Treinamento

Quanto ao treinamento, estabelece o item n. 10 que os teletrabalhadores terão o mesmo

acesso à formação e oportunidades de desenvolver-se na carreira que os colegas que trabalham nas

instalações do empregador e estão sujeitos às mesmas políticas de avaliação de desempenho. O

empregador deverá ainda proporcionar formação adequada destinada ao equipamento utilizado, a

qual pode ser demandada inclusive pelo supervisor do teletrabalhador e pelos colegas diretos

deste.231

5.2.11 Direitos coletivos232

Dispõe ainda o Acordo-Quadro a respeito das questões de direito coletivo, no item n. 11, no

sentido de que os teletrabalhadores terão os mesmos direitos coletivos dos trabalhadores que

atuam nas instalações da entidade patronal.

Não se deverá obstaculizar a comunicação destes com os representantes dos

trabalhadores, sendo-lhes concedidas as mesmas condições de participarem e de se elegerem nas

instâncias representativas.

Os teletrabalhadores serão incluídos nos cálculos para determinação dos limiares para

231Tradução livre de “Teleworkers have the same access to training and career development opportunities as comparable workers at the employer's premises and are subject to the same appraisal policies as these other workers. Teleworkers receive appropriate training targeted at the technical equipment at their disposal and at the characteristics of this form of work organization. The teleworker's supervisor and his/her direct colleagues may also need training for this form of work and its management “. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 232Tradução livre de “Teleworkers have the same collective rights as workers at the employers premises. No obstacles are put to communicating with workers representatives. The same conditions for participating in and standing for elections to bodies representing workers or providing worker representation apply to them. Teleworkers are included in calculations for determining thresholds for bodies with worker representation in accordance with European and national law, collective agreements or practices. The establishment to which the teleworker will be attached for the purpose of exercising his/her collective rights is specified from the outset. Worker representatives are informed and consulted on the introduction of telework in accordance with European and national legislations, collective agreements and practices. “. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

Breves considerações sobre o teletrabalho no Direito da União Européia

83

constituição de associações com representação dos trabalhadores, de acordo com a legislação

europeia e nacional, as convenções coletivas ou com os costumes.

5.2.12 Implementação233

Finalmente, o item n. 12 prescreve que o Acordo-Quadro deverá ser implementado pelos

membros dos parceiros sociais signatários, de acordo com os procedimentos e práticas específicos

para gestão e de trabalho nos Estados membros. Tal implementação deveria ser feita no prazo de

três anos após a data da assinatura do Acordo-Quadro.

Outrossim, as Organizações membros deveriam apresentar um relatório sobre tal

implementação a um grupo ad hoc criado pelas partes signatárias, sob a responsabilidade da

"Comissão de Diálogo Social".

Este grupo deveria preparar um relatório conjunto sobre as ações de implementação

adotadas, no prazo de quatro anos após a data da assinatura do Acordo. Em caso de dúvidas sobre

seu conteúdo, os envolvidos poderiam isolada ou conjuntamente demandar as partes signatárias.

Por fim, estes deveriam rever o Acordo no prazo de cinco anos, a partir da sua assinatura,

se assim fosse solicitado.

Pois bem. O relatório conjunto sobre as ações de implementação do Acordo-Quadro foi

adotado pelo "Comitê de Diálogo Social" em 28/06/2006 e comunicado à Comissão em setembro

de 2006. Ressalte-se que, à época de sua assinatura, a União Europeia tinha apenas quinze

membros, mas o relatório conjunto apresentado em 2006 contou com a colaboração recebida de

vinte e três Estados membros e de outros da Área Econômica Europeia (EEA).234

O processo de implementação começou com a tradução do Acordo-Quadro para as línguas

de cada Estado membro. Seguiram-se campanhas de disseminação e informação levadas a cabo

junto a empregadores e sindicatos, às vezes em conjunto, outras, separadamente. Os meios

233Tradução livre de “In the context of article 139 of the Treaty, this European framework agreement shall be implemented by the members of UNICE/UEAPME, CEEP and ETUC (and the liaison committee EUROCADRES/CEC) in accordance with the procedures and practices specific to management and labor in the Member States. This implementation will be carried out within three years after the date of signature of this agreement. Member organizations will report on the implementation of this agreement to an ad hoc group set up by the signatory parties, under the responsibility of the social dialogue committee. This ad hoc group will prepare a joint report on the actions of implementation taken. This report will be prepared within four years after the date of signature of this agreement. In case of questions on the content of this agreement, member organizations involved can separately or jointly refer to the signatory parties. The signatory parties shall review the agreement five years after the date of signature if requested by one of the signatory parties. ”. UNICE. Implementation of the European framework agreement on telework: report by the European social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 234UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

84

utilizados para tanto incluíram, entre outros, boletins informativos, publicação de estudos,

seminários e conferências.235

Em junho de 2006, o Acordo-Quadro sobre Teletrabalho já tinha sido implementado na

maioria dos Estados membros da União Europeia e da Área Econômica Europeia. Estavam em fase

de implementação na Áustria, República Checa e Eslovênia. Parceiros sociais da Bulgária e da

Romênia já tinham expressado interesse no tema, mas ainda não tinham dado início aos

trabalhos.236

A implementação, que variou de acordo com o modo como as relações industriais estão

organizadas em cada Estado membro, de facto, deu-se basicamente de duas formas: através de

acordos, que tanto foram coletivos, feitos em nível nacional, setorial ou empresarial (Bélgica,

França, Itália, Luxemburgo, Grécia, Dinamarca, Suécia, Alemanha, etc.), como entre os parceiros

sociais (Finlândia, Espanha, Letônia, Holanda, etc.), ou por meio de legislação (Portugal, Polônia,

Hungria, etc.).237

Pode-se concluir que o Acordo-Quadro sobre Teletrabalho, por si, não é vinculativo,

dependendo sua implementação em cada Estado membro da vontade dos empregadores,

empregados e/ou da própria atividade legiferante do Estado membro, através das formas acima

explicitadas, que diferem, em grau de intensidade, de Estado para Estado. Bem por isso,

BLANPAIN238 afirma que "this looks more to liquid law than to soft law".

235UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 236UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 237UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 238BLANPAIN, Roger. European labour law. 12. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2010. p. 488.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

85

6 A DISCIPLINA JURÍDICA DO TELETRABALHO NO DIREITO PORTUGUÊS

6.1. Considerações iniciais

De acordo com a UNICE, a transposição do "Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho"

para o Direito Português foi feita pela Lei n. 99/2003, que instituiu o Código de Trabalho, de 27 de

agosto de 2003 (CT/2003), mais especificamente nos seus artigos 233 a 243. Os sindicatos

pretendiam encetar negociações com os empregadores a fim de que dois novos pontos, não

tratados no Acordo-Quadro, fossem incluídos na legislação portuguesa, quais sejam a organização

do trabalho em callcenters e a questão do teletrabalhador autônomo, mas não obtiveram êxito.239

Em Portugal, havia uma enorme dispersão legislativa na seara trabalhista, o que fez surgir a

necessidade de sistematização. Assim, em 2001, após um modesto projeto de consolidação da

legislação, surgiu em 2002, um projeto de Código do Trabalho, o qual, depois de discussão sobre a

conformidade constitucional, esclarecida pelo Tribunal Constitucional em sede preventiva, veio a ser

aprovado como o Código do Trabalho referido no parágrafo anterior.240

Pois bem, a legislação do trabalho tradicionalmente disciplina a generalidade dos contratos

de trabalho. Todavia, a riqueza e a diversidade das situações profissionais impõe a necessidade de

"regimes especiais", a serem aplicados nos chamados "contratos de trabalho especiais", isto é,

naqueles que fogem ao esquema tradicional, nascido a partir da Revolução Industrial, cujas notas

marcantes são (i) trabalho a tempo integral, exercido no mesmo emprego, no qual o trabalhador faz

carreira, (ii) com execução de tarefas predominantemente manuais e repetitivas, demandando, por

isso pouca especialização; (iii) de forma dependente e subordinada a uma autoridade hierárquica e

(iv) por trabalhador que experimenta estreita dependência econômica em relação ao empregador,

porque está desprovido de outros bens que não a sua força de trabalho. Com o envelhecimento de

tal modelo, é imperioso um processo de diferenciação das regras laborais a serem aplicadas em

função do tipo de trabalho realizado e da posição que o trabalhador ocupa na escala produtiva.241

Neste contexto, estava prevista a publicação de um Livro III no Código do Trabalho de 2003

com os regimes especiais, além dos contratos de trabalho já objetos de enquadramento legal

239 UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. 240 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 61. 241XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 355-359.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

86

específico (trabalho doméstico, trabalho portuário, trabalho marítimo, trabalho nos espetáculos,

etc.). Isso não foi possível, tendo o referido Código eleito certas formas contratuais de trabalho na

Seção IX, designada por "Modalidades de Contrato de Trabalho", em que estão agrupadas, sem

especificação de critério, realidades díspares, como, (i) o contrato a termo, (ii) o contrato a tempo

parcial, (iii) o trabalho intermitente, (iv) a comissão de serviço, (v) o teletrabalho e o (vi) trabalho

temporário, cada um deles preenchendo uma subseção.242

6.2. A regulamentação do teletrabalho no Código do Trabalho

Até a aprovação do Código o Trabalho de 2003, que consagrou expressamente, pela

primeira vez, o regime jurídico do teletrabalho, tal instituto não representava uma categoria legal. À

época, a definição de teletrabalhador derivava, a priori, da verificação cumulativa de estar o

trabalhador desempenhando suas atividades à distância do local de trabalho e de se valer do

recurso às tecnologias de informação e comunicação. Feito isso, cabia aferir se a prestação estava

sujeita a indícios de subordinação jurídica, sendo que, em caso negativo, tratar-se-ia de um

trabalhador autônomo.243

Nota-se, portanto, segundo RABELO que244:

com a emergência do Código do Trabalho - e a inclusão de um regime jurídico específico para o teletrabalho subordinado - ficam de iure resolvidas algumas questões, nomeadamente no que respeita ao estatuto jurídico do teletrabalhador, às suas condições de trabalho (que têm a ver, nomeadamente, com a inevitável confusão entre a vida profissional e a vida privada), à igualdade de tratamento e, ainda, à resolução de problemas transfronteiriços.

Tal como explica MENEZES LEITÃO245, originalmente, o teletrabalho era regulado pelos arts.

233.º e seguintes da primeira versão do Código do Trabalho, instituído pela Lei n. 99/2003, de

onde transitou para os arts. 165.º e seguintes da oitava versão, conferida pela Lei n. 69/2013, do

Código do Trabalho de 2009, instituído pela Lei n. n. 7/2009, mantidos pela Lei n. 27/2014, que

introduziu sua atual nona versão.

Assim, o tratamento jurídico do teletrabalho está organizado no Código do Trabalho vigente,

ao longo de sete artigos, da seguinte forma: 1) noção de teletrabalho; 2) regime de contrato para 242XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Manual de direito do trabalho. Lisboa: Verbo. 2011. p. 359-360. 243RABELO, Gloria. Flexibilidade e diversidade laboral em Portugal. ISCTE: Lisboa, 2006.p. 17. 244RABELO, Gloria. Flexibilidade e diversidade laboral em Portugal. ISCTE: Lisboa, 2006.p. 17. 245 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 537.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

87

prestação subordinada de teletrabalho; 3) regime no caso de trabalhador anteriormente vinculado

ao empregador; 4) instrumentos de trabalho em prestação subordinada de teletrabalho; 5)

igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho; 6) privacidade de trabalhador

em regime de teletrabalho; 7) participação e representação coletivas de trabalhador em regime de

teletrabalho.246

6.2.1 Noção e regime de contrato de teletrabalho

No que diz respeito à noção de teletrabalho constante do art. 165.º, pouca mudança se

verifica em relação à redação original247, estando em vigor o seguinte: onde antes se lia que a

atividade era prestada "habitualmente fora da empresa do empregador" passou-se a ler

"habitualmente fora da empresa"248:

Artigo 165.º Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.

Deve-se observar que o Código do Trabalho optou por apenas disciplinar o teletrabalho com

subordinação jurídica249, ou seja, o trabalho realizado sob as ordens e direção do empregador250, o

que, a priori, parece redundante, levando-se em consideração que o art. 11.°, como já visto no item

3.2.1, ao tratar da noção de contrato de trabalho, dispõe que "[...]é aquele pelo qual uma pessoa

singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no

âmbito de organização e sob a autoridade destas".251

Contudo, ressalta-se novamente que a transposição do "Acordo-Quadro Europeu sobre

Teletrabalho" foi feita quando da revisão do Código do Trabalho em 2003 e, na oportunidade, as

246PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 247Trazia o Código do Trabalho de 2003 a seguinte redação: "Artigo 233º: Noção: Para efeitos deste Código, considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do empregador, e através do recurso a tecnologias de informação e comunicação." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 248MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009.p. 439. PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 249Como já apontado anteriormente, o teletrabalho pode, todavia, ocorrer em situação de trabalho autônomo ("no caso de o teletrabalhador exercer a sua atividade com independência perante a outra parte, sem subordinação jurídica") ou em situação de trabalho parasubordinado ("no caso de, apesar da inexistência da subordinação jurídica, o teletrabalhador se encontrar em dependência económica do beneficiário da actividade"). LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 537. 250MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009.p.437. 251PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

88

confederações sindicais pretendiam dar início a negociações para regulamentar também o

teletrabalho de profissionais autônomos, pleito rechaçado pelos representantes dos empregadores

já que o "Acordo-Quadro" nada dispunha sobre isso.252

De toda forma, ROMANO MARTINEZ253 aduz que, em situação de teletrabalho, o método

habitualmente utilizado para aferição da subordinação jurídica deve ser relativizado e adaptado.

Sobre essa questão, uma análise mais minuciosa será feita em capítulo próprio.

O facto é que o preceito em comento adota um conceito amplo de teletrabalho, exigindo-se

que a atividade laboral seja habitual e primordialmente prestada fora da empresa (elemento

geográfico ou topográfico254), não sendo, portanto, necessário que seja desenvolvida exclusivamente

fora; devendo, por outro lado, envolver a utilização de tecnologias de informação e de comunicação

(elemento tecnológico ou instrumental255).256

São, portanto, características do teletrabalho, constantes do núcleo do art. 165.º, as

seguintes: a distância do trabalhador das instalações do tomador de emprego e a utilização de

meios telemáticos para a execução do contrato sem que, no entanto, perca-se a subordinação

jurídica.

Neste sentido, explica PALMA RAMALHO257 que:

a subordinação jurídica é o traço verdadeiramente delimitador da situação juslaboral do trabalhador, no sentido em que é este elemento que o diferencia de outros prestadores de uma actividade laborativa: com efeito, o trabalhador não se obriga apenas a prestar determinada actividade de trabalho, mas obriga-se a desenvolver esta actividade sob a "autoridade e direção" do empregador (art. 10.ºCT), ou seja, colocando-se numa posição de dependência perante o credor.

MACHADO DRAY258 aponta ainda que “o teletrabalho, em regra, diz respeito a trabalhadores

252Tradução livre de "In Portugal, the transposition of the EU framework agreement on telework was made by law (Law 99/2003 from 27 August 2003, articles 233 to 243 of the Labor Code). Social partners disagreed on the opportunity to implement the EU Framework agreement through legislation at national level. Nevertheless, the government took the decision to integrate the provisions of the EU framework agreement through a revision of the Labor Code in 2003. Trade unions wish to enter negotiations with employers on two further issues, namely the organization of work in call centres and the status of self-employed teleworkers. However, employers are not in favor of doing so since these two forms of telework were not covered by the EU agreement. UNICE. Implementation of the european framework agreement on telework: report by the european social partners. Disponível em: <http://resourcecentre.etuc.org/linked_files/documents/Framework%20agreement%20on%20telework%20EN.pdf>. Acesso em: 9 maio 2013. A propósito, diga-se que, no que diz respeito ao trabalho em domicílio, o qual está regulamentado pela Lei n. 101/2009, estão abrangidos os trabalhadores não subordinados e os em situação de dependência econômica, nos termos do seu art. 1º. PORTUGAL. Lei n. 101/2009. Estabelece o regime jurídico do trabalho no domicílio. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1157&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=.> Acesso em: 21 jun. 2014. 253MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 439. 254AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 151. 255AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 151. 256MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado.8. ed. Coimbra: Almedina, 2009.p. 439. 257RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do trabalho: dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2005.p. 413.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

89

subordinados da empresa, que a dado momento adoptam esta nova modalidade de prestação

laboral”.

Prossegue ele no sentido de que as três características acima apontadas conferem

amplitude ao conceito de teletrabalho, permitindo que nele se possam inserir várias modalidades de

prestação de serviços.259

Já o art. 166.º do Código do Trabalho trata do regime de contrato para a prestação

subordinada de teletrabalho:260

Artigo 166.º 1. Pode exercer a actividade em regime de teletrabalho um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de teletrabalho 2. Verificadas as condições previstas no n.º 1 do artigo 195.º, o trabalhador tem direito a passar a exercer a actividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a actividade desempenhada. 3. O empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nos termos do número anterior. 4. O contrato está sujeito a forma escrita e deve conter: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação da actividade a prestar pelo trabalhador, com menção expressa do regime de teletrabalho, e correspondente retribuição; c) Indicação do período normal de trabalho; d) Se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de teletrabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a actividade a exercer após o termo daquele período; e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respectiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização; f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empresa em cuja dependência fica o trabalhador, bem como quem este deve contactar no âmbito da prestação de trabalho. 5. O trabalhador em regime de teletrabalho pode passar a trabalhar no regime dos demais trabalhadores da empresa, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador. 6. A forma escrita é exigida apenas para prova da estipulação do regime de teletrabalho. 7. Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 3 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 4.

O dispositivo em tela corresponde, em essência, ao art. 234.°, do CT/2003.261 Em síntese,

258 DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v. 3. p. 267. 259 DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v. 3. p. 267-268. 260 PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

90

prescreve que, para exercer a atividade em regime de teletrabalho, é necessária a celebração de

um contrato de prestação subordinada de serviços em regime de teletrabalho. Este contrato é um

negócio jurídico formal, sujeitando-se à forma escrita e à observância das demais formalidades

elencadas no art. 166.º.262

Infere-se que o contrato deve ser firmado previamente à sujeição do trabalhador ao regime

do teletrabalho, o que, por certo, reveste a relação de maior segurança jurídica.

Decorre da exegese deste artigo que a atividade tanto poderá ser realizada por um

trabalhador regular da empresa, que exercia suas atividades na própria sede, como por um outro

trabalhador, admitido desde o início em regime de teletrabalho. Neste último caso, a liberdade

contratual é plena, podendo as partes acordarem em celebrar um contrato por período determinado

ou fazê-lo a título definitivo, podendo, em qualquer caso, por acordo mútuo, ser o mesmo

modificado.

Porém, na primeira hipótese, isto é, em que o trabalhador fazia parte do corpo de

empregados da empresa e passa a desenvolver suas atividades em regime de teletrabalho, a

legislação é mais cautelosa, pois não permite que tal mudança se opere a título definitivo, como se

verá a seguir.263

É que sobre o tema deve-se observar a disciplina do art. 167.º, disposta sob o título “regime

no caso de trabalhador anteriormente vinculado ao empregador":264

Artigo 167.º 1. No caso de trabalhador anteriormente vinculado ao empregador, a duração inicial do contrato para prestação subordinada de teletrabalho não pode exceder três anos, ou o prazo estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 2. Qualquer das partes pode denunciar o contrato referido no número anterior durante os primeiros 30 dias da sua execução.

261Dispunha o Código do Trabalho de 2003 o seguinte : "Artigo 234º: Formalidades. 1. Do contrato para prestação subordinada de teletrabalho devem constar as seguintes indicações:a) Identificação dos contraentes; b) Cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de teletrabalho; c) Duração do trabalho em regime de teletrabalho; d) Actividade antes exercida pelo teletrabalhador ou, não estando este vinculado ao empregador, aquela que exercerá quando da cessação do trabalho em regime de teletrabalho, se for esse o caso; e) Propriedade dos instrumentos de trabalho a utilizar pelo teletrabalhador, bem como a entidade responsável pela respectiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização; f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empresa ao qual deve reportar o teletrabalhador; g) Identificação do superior hierárquico ou de outro interlocutor da empresa com o qual o teletrabalhador pode contactar no âmbito da respectiva prestação laboral.2. Não se considera sujeito ao regime de teletrabalho o acordo não escrito ou em que falte a menção referida na alínea b) do número anterior." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. º 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 262MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 442. 263AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 145. DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v. 3. p. 267. 264PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

91

3. Cessando o contrato para prestação subordinada de teletrabalho, o trabalhador retoma a prestação de trabalho, nos termos acordados ou nos previstos em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 4. Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.

6.2.2 Instrumentos de trabalho

O próximo preceito em análise diz respeito aos instrumentos de trabalho em prestação

subordinada de teletrabalho, conforme o atual art. 168.º,265 também em consonância com o item n.

7 do "Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho", e que correspondia ao art. 238.º, do

CT/2003:266

Artigo 168.º 1. Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas. 2. O trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados. 3. Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho.

Os instrumentos de teletrabalho tanto podem pertencer ao teletrabalhador, como ao

empregador, mas o dispositivo em análise determina, em suma, que, uma vez verificada a falta de

estipulação contratual, presumir-se-ão que os instrumentos de tecnologias de informação e de

comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as

respectivas instalação e manutenção, bem como o pagamento das correspondentes despesas267.

Observe-se que este artigo estabelece uma presunção relativa sobre a propriedade dos

equipamentos de trabalho, dispondo, ainda, sobre a responsabilidade a cargo do empregador pelos

265PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 266Dispunha o Código do Trabalho de 2003 o seguinte : "Artigo 238.º Instrumentos de trabalho. 1. Na ausência de qualquer estipulação contratual, presume-se que os instrumentos de trabalho utilizados pelo teletrabalhador no manuseamento de tecnologias de informação e de comunicação constituem propriedade do empregador, a quem compete a respectiva instalação e manutenção, bem como o pagamento das inerentes despesas. 2. O teletrabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados.3. Salvo acordo em contrário, o teletrabalhador não pode dar aos equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe forem confiados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. º 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 267BATALHA, António Lopes. A alienabilidade no direito laboral: trabalho no domicílio e teletrabalho. Edições Universitárias Lusófonas: Lisboa, 2007. p. 383.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

92

custos e encargos decorrentes da instalação e manutenção destes no posto de trabalho.268

Ademais, o n. 2 do presente artigo trata do dever geral de custódia ao dispor que o

trabalhador deve zelar pelos instrumentos e observar as regras de utilização, ficando adstrito ao uso

para finalidades profissionais, a menos que haja acordo prévio em sentido contrário.269

6.2.3 Igualdade de tratamento

Sobre a igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho, a atual redação

do art. 169.º, corresponde à redação do art. 236.º, do CT/2003,270 o qual, por sua vez, originou-se

da conjugação dos itens n. 4 e 10, do "Acordo-Quadro Europeu sobre teletrabalho":271

Art. 169.º 1. O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. 2. No âmbito da formação profissional, o empregador deve proporcionar ao trabalhador, em caso de necessidade, formação adequada sobre a utilização de tecnologias de informação e de comunicação inerentes ao exercício da respectiva actividade. 3. O empregador deve evitar o isolamento do trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os demais trabalhadores.

Consagra o dispositivo em cotejo a igualdade de tratamento entre o teletrabalhador e o

trabalhador interno, mormente no que diz respeito à formação, à promoção profissional e às

condições de trabalho.272 Ademais, objetiva que o regime de teletrabalho não seja desfavorável ao

trabalhador, se comparado a um trabalhador em regime regular.273

Explica ROMANO MARTINEZ274 que, se no CT/2003, haviam sido criadas normas

268REDINHA, Maria Regina Gomes. Anotação aos arts. 233º a 243º do Código do Trabalho de 2003. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.cije.up.pt%2Fdownload-file%2F216&ei=kqruUqShA8_PkQeBx4F4&usg=AFQjCNHKjrPCOQtyaJZl_rP7jh-Jr7eKDg&sig2=4Uio3w8F7dMeUvRnaUMa3A>. Acesso em: jun. 2013. 269 MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 446. 270Dispunha o Código do Trabalho de 2003: "Artigo 236.º Igualdade de tratamento.O teletrabalhador tem os mesmos direitos e está adstrito às mesmas obrigações dos trabalhadores que não exerçam a sua actividade em regime de teletrabalho tanto no que se refere à formação e promoção profissionais como às condições de trabalho." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 271PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 272BATALHA, António Lopes. A alienabilidade no direito laboral: trabalho no domicílio e teletrabalho. Edições Universitárias Lusófonas: Lisboa, 2007. p. 379. 273MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 447. 274MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado .8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 447.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

93

específicas para a organização do tempo de trabalho, tais como os arts. 240. °275e 241.°276, na

redação atual optou-se por prescrever que a igualdade de condições se estende, inclusive, aos

limites e condições do período normal de trabalho, segurança e saúde e reparação de danos

emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.

Com efeito, LOPES BATALHA277 afirmou em 2007 (e, portanto, antes da entrada em vigor da

primeira versão do CT/2009) que o art. 236. °, que hoje corresponde ao 169.°, não poderia ter

uma interpretação restritiva, posto que assim “em vez de proteger a igualdade cimentava a

desigualdade do teletrabalhador”.

E assim, concluiu:278

A igualdade de tratamento do teletrabalhador e do trabalhador interno recebe o seu fundamento na própria noção de teletrabalho, ou seja, este é uma forma ou uma variante de se realizar o mesmo trabalho, mas à distância, sem vigilância e topograficamente fora da empresa. Este fundamento não é mais que a tradução social e jurídica do trabalho por conta alheia no processo e modo de produção capitalista para o mercado, que se funda na "compra" de frutos - cessão de frutos - para satisfazer os interesses do empregador, que só podem ser conseguidos no mercado e que por sua vez satisfaz também os interesses do trabalhador (salário).

6.2.4 Privacidade

Dispõe o art. 170.º do atual Código do Trabalho279, com equivalência no art. 237.º, do

CT/2003280, sobre privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho, que também encontra

respaldo no item n. 6 do "Acordo-Quadro":

Artigo 170.º 1. O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas

275Dispunha o Código do Trabalho de 2003: "Artigo 240.º Período normal de trabalho.O teletrabalhador está sujeito aos limites máximos do período normal de trabalho diário e semanal aplicáveis aos trabalhadores que não exercem a sua actividade em regime de teletrabalho." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 99/2003.1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 276Dispunha o Código do Trabalho de 2003: "Artigo 241.º Isenção de horário de trabalho. O teletrabalhador pode estar isento de horário de trabalho." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 99/2003.1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 277 BATALHA, António Lopes. A alienabilidade no direito laboral: trabalho no domicílio e teletrabalho. Edições Universitárias Lusófonas: Lisboa, 2007. p. 380. 278 BATALHA, António Lopes. A alienabilidade no direito laboral: trabalho no domicílio e teletrabalho. Edições Universitárias Lusófonas: Lisboa, 2007. p. 380-381. 279 PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 280PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. º 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

94

condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico. 2. Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objecto o controlo da actividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efectuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada. 3. Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Inicialmente, é oportuno salientar que as questões relativas à privacidade do teletrabalhador

são de suma importância e poderiam ser, elas próprias, objeto de pesquisa exclusiva, mas, por

questão de delimitação de tema, são aqui tratadas pontualmente. Pode-se mesmo afirmar que o

direito à privacidade do trabalhador é a face oposta ao poder de controle do empregador, este

último, derivado da sujeição jurídica do empregado àquele.

O poder de controle do empregador pode ser definido como a faculdade de vigilância e

controle necessários para a organização empresarial, sendo este poder inerente ao próprio contrato

de trabalho, até porque não é razoável que o empregador tenha o poder de ordenar sua produção e

instruir trabalhadores sem que a lei também lhe autorize a verificar se suas ordens estão sendo

cumpridas.281

Explica COELHO MOREIRA282 que:

Actualmente, as transformações na organização da empresa e na estrutura produtiva e as mudanças na organização do trabalho, originadas pela introdução das novas tecnologias, estão a afectar o poder de controlo e a exigir novas formas de racionalização e de gestão dos recursos humanos, assim como a favorecer o aparecimento de novas formas de controlo e de vigilância. Se o controlo por parte do empregador não é novo nem proibido, a novidade provém do facto de surgirem novas tecnologias que têm maior efectividade de controlo e com uma capacidade de recolher dados que, por vezes, parecem não ter limites. Estas novas tecnologias, directamente conexas com meios informáticos, poderão mesmo determinar uma mudança no poder de controlo do empregador na medida em que grande parte da direcção, controlo e vigilância será realizada à distância através do computador.

281MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controle electrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p.13-14. Nesse sentido, ainda, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português. "O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais." PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. 73/12.3TTVNF.P1.S1. 4ª Secção, j. em 13/11/13, Rel. Mário Belo Morgado. Disponível em: < http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e32eab3444364cb980257c2300331c47?OpenDocument&Highlight=0>. Acesso em: 10 jan. 2014. 282MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controle electrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p.16-17.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

95

A propósito das repercussões do uso de tecnologia no local de trabalho, a OIT acabou por

considerar que o uso de tecnologias de vigilância “constitui uma violação da dignidade humana e de

direitos básicos, sendo frequentemente levada a cabo sem adequada avaliação dos interesses em

presença”, na medida em que a utilização de bancos de dados, de comunicações telefônicas e de

câmaras de vídeo “facilitam a invasão da vida privada dos trabalhadores”, induzindo nestes “o

sentimento de que não são confiáveis”, ademais de possibilitar sua aplicação com “intuitos

persecutórios ou discriminatórios”.283

Verifica-se, pois, que o poder de controle do empregador vem sendo cada vez mais exercido

através de meios indiretos e telemáticos, tanto no que diz respeito aos empregados regulares

quanto aos teletrabalhadores.

O uso da internet para a realização do poder de controle dos empregadores, sem que se

respeite a privacidade e a intimidade e se conserve os direitos da personalidade do trabalhador, é o

verdadeiro panóptipo das relações de trabalho. A criação de Bentham284, aprimorada por Foucault

em "Vigiar e Punir"285, pode perfeitamente ser uma metáfora para o atual leque de possibilidades de

controle de empregados (e.g., internet, telefone, GPS).

283REDINHA, Maria Regina. Utilização de novas tecnologias no local de trabalho - algumas questões. In:IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. p. 115. 284FOUCAULT, em referência a Bentham, explica o panóptico da seguinte forma: "cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entre contato com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de uma informação, mas nunca sujeito numa comunicação. A disposição de seu quarto, em frente a torre central, lhe impõe uma visibilidade axial; mas as divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral. Essa é a garantia da ordem. [...] Daí decorre o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado de consciente e permanente visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce." FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: a história da violência nas prisões. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 190-191. Já TOMAZ TADEU, ao traduzir e organizar para edição no Brasil a obra Panopticon, de Jeremy Bentham, assim como os ensaios de MILLER, PERROT e WERRETT, explica que "O Panóptico não é uma prisão. É um princípio geral de construção, o dispositivo polivalente da vigilância, a máquina óptica universal das concentrações humanas. É bem assim que Bentham o entende: com apenas algumas adaptações de detalhe, a configuração panóptica servirá tanto para prisões quanto para escolas, para usinas e os asilos, para os hospitais e as workhouses. Ela não tem uma distinção única: é a casa dos habitantes involuntários, reticentes ou constrangidos". BENTHANM, Jeremy et al. O panóptico. 2.ed. Org. Tomaz Tadeu. Trad. Guacira Lopes Louro, M. D. Magno, Tomaz Tadeu. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 89-90. O facto é que, com a publicação da obra "1984" escrita por GEORGE ORWELL e que consagrava a frase "Big Brother is watching you", assim como a ideia do Panóptico de BENTHAM, aprimorada por FOUCAULT, em concomitância com aparecimento desenfreado de tecnologias de informação e comunicação, tudo isso fez com que a Sociedade Disciplinar de FOUCAULT evoluísse para uma Sociedade de Controle. Assim, nos dizeres de OLGA POMBO, "a sociedade contemporânea é descrita por Debord (1994), como a sociedade do espectáculo, que substitui o lema “Penso logo existo”, por um outro ditado: “sou visto, logo existo” (Quinet, 2002). Ainda segundo esta autora, a sociedade é dominada pelo olhar, que é omnividente sob diversas formas, que vai desde a proliferação dos programas televisivos de voyerismo e exibicionismo explícitos até à difusão epidémica da vigilância, que multiplicam as câmaras encontradas a cada passo do indivíduo. Vive-se hoje, numa sociedade escópica que tem como espectáculo, a disciplina e controle. O olho que vigia e pune, é o mesmo que possibilita a fama." POMBO, Olga. Sociedade de controle. Disponível em: < http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20de%20controle.htm>. Acesso em 25 fev. 2013. 285 À guiza de ilustração, cita-se o seguinte trecho de "Vigiar e Punir": " Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos – isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar. A ordem responde à peste; ela tem como função desfazer todas as confusões: a da doença que se transmite quando os corpos se misturam; a do mal que se multiplica quando o medo e a morte desfazem as proibições. Ela prescreve a cada um seu lugar, a cada um seu corpo, a cada um sua doença e sua morte, a cada um seu bem, por meio de um poder onipresente e onisciente que se subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do indivíduo, do que o caracteriza, do que lhe pertence, do que lhe acontece". FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: a história da violência nas prisões. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 187-188

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

96

Com COELHO MOREIRA pode-se concordar:286

Considera-se, assim, que as características das novas tecnologias aplicadas à relação laboral estão a permitir a substituição de um controlo periférico, descontínuo e parcial, realizado pela hierarquia humana, por um controlo centralizado e objectivo, incorporado na máquina, que se verifica em tempo real, originando o aparecimento de um novo e sofisticado tipo de controlo que consiste na reconstrução do perfil do trabalhador, através do armazenamento e reelaboração de uma série de dados aparentemente inócuos.

Ademais, como já mencionado, alguns autores apontam como uma desvantagem do

teletrabalho a confusão entre a vida privada e a profissional do teletrabalhador287, justificando-se por

isso mesmo a grande preocupação com sua privacidade.

Pois bem, cumpre, quanto ao dispositivo legal em análise, destacar que a existência da

regra nele contida não afasta a aplicação dos direitos da personalidade do trabalhador288 de que

tratam os arts. 14.º a 22.º, do CT/2009.

Sobre a relação de tais direitos com o Direito do Trabalho, cita-se, mais uma vez, COELHO

MOREIRA:289

Os direitos de personalidade encontram-se ligados à dignidade da pessoa humana e, por isso, justifica-se a sua consagração ao nível do Direito do Trabalho. O contrato de trabalho pressupõe o reconhecimento da dignidade do trabalhador, sendo que a execução das obrigações que dele decorrem não pode traduzir-se num atentado à dignidade da pessoa do trabalhador, tendo o ordenamento jurídico que lhe garantir os direitos fundamentais que tem enquanto pessoa.

Verifica-se, portanto, que o Código do Trabalho, no que concerne aos direitos da

personalidade, buscou conferir maior proteção à situação pessoal do trabalhador face aos avanços

tecnológicos, como "o desenvolvimento da informática, a utilização e o manuseamento de

tecnologias de informação e comunicação, o incremento e utilização de técnicas de captação e

armazenamento de imagens e dados pessoais".290

Por tudo isso, o art. 170.º em análise concretiza o direito à reserva da intimidade da vida

286MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controleelectrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p. 30. 287DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 272-273. 288MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado.8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 448. 289MOREIRA, Teresa Coelho. Direitos da personalidade. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p.65. 290MOREIRA, Teresa Coelho. Direitos da personalidade. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p.70.

A disciplina jurídica do teletrabalho no Direito português

97

privada, previsto no art. 16.º, porque dispõe, quando o teletrabalho for realizado em domicílio, que

as visitas ao local de trabalho só devem ter por objeto o controle da atividade laboral e dos

instrumentos de trabalho, como manifestação do poder de controle do empregador. Ademais,

prescreve que essas visitas aconteçam entre as 9 e as 19 horas, sempre com a assistência do

trabalhador ou pessoa por ele designada, determinando, ainda, que a violação deste preceito

constitui contra-ordenação grave.291

6.2.5 Participação e representação coletiva

O último preceito do Código do Trabalho a tratar especificamente do teletrabalho é o art.

171.º que versa sobre a participação e representação coletivas de trabalhador em regime de

teletrabalho 292, que corresponde ao art. 243.°,do CT/2003293, e relaciona-se estritamente com o

item 11, do Acordo-Quadro:

Artigo 171.º 1. O trabalhador em regime de teletrabalho integra o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação colectiva, podendo candidatar-se a essas estruturas. 2. O trabalhador pode utilizar as tecnologias de informação e de comunicação afectas à prestação de trabalho para participar em reunião promovida no local de trabalho por estrutura de representação colectiva dos trabalhadores. 3. Qualquer estrutura de representação colectiva dos trabalhadores pode utilizar as tecnologias referidas no número anterior para, no exercício da sua actividade, comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, nomeadamente divulgando informações a que se refere o n.º 1 do artigo 465.º 4. Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n° 2 ou 3.

Interessante recordar que alguns autores costumam apontar como desvantagem do

teletrabalho o facto de a participação em órgãos de representação coletiva restar prejudicada.294

Pois bem, o dispositivo em análise pode ser entendido, assim, como uma forma de

291MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 448. 292PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 293Dispunha o Código do Trabalho de 2003 o seguinte : " Artigo 243.º: Participação e representação colectivas: 1. O teletrabalhador é considerado para o cálculo do limiar mínimo exigível para efeitos de constituição das estruturas representativas dos trabalhadores previstas neste Código, podendo candidatar-se a essas estruturas. 2. O teletrabalhador pode participar nas reuniões promovidas no local de trabalho pelas comissões de trabalhadores ou associações sindicais, nomeadamente através do emprego das tecnologias de informação e de comunicação que habitualmente utiliza na prestação da sua actividade laboral. 3. As comissões de trabalhadores e as associações sindicais podem, com as necessárias adaptações, exercer, através das tecnologias de informação e de comunicação habitualmente utilizadas pelo teletrabalhador na prestação da sua actividade laboral, o respectivo direito de afixação e divulgação de textos, convocatórias, comunicações ou informações relativos à vida sindical e aos interesses sócio-profissionais dos trabalhadores." PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. º 99/2003. 1ª versão. Disponível em: < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=441&tabela=lei_velhas&nversao=1>. Acesso em: 30 dez. 2013. 294Neste sentido: DRAY, Guilherme Machado. Teletrabalho, sociedade da informação e Direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2002. v.3. p. 272-273.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

98

oportunizar a representação coletiva, eis que DE MASI outrora afirmou que “existirão dificuldades

para a organização sindical até o momento em que o sindicato aprenda a usar estas tecnologias e

se transformar em telessindicato”.295

Em síntese, portanto, o art. 171. ° pretende garantir ao teletrabalhador o exercício dos

direitos de participação e representação coletivas. Prescreve, inclusive, que as mesmas tecnologias

usadas para o desenvolvimento da atividade de trabalho sejam usadas também para participar de

reuniões promovidas por órgãos de representação coletiva.296

295DE MASI, Domenico. Ócio criativo. Trad. Lea Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 207. 296MARTINEZ, Pedro Romano (et. al.). Código do Trabalho anotado. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 449.

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

99

7 DISCIPLINA JURÍDICA DO TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO

7.1. Noções introdutórias

No Brasil ainda não existe uma lei específica que regule o teletrabalho, a despeito de já se

poder observar preocupação do legislador com o tema.

Assim, deve-se referir ao Projeto de Lei n. 4.505/2008, à Lei n. 12.551/2011 e à Súmula

n. 428, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

7.2 Projeto de Lei n. 4.505/2008

Tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 4.505/2008, de autoria do Deputado

Luiz Paulo Vellozo Lucas, por meio do qual se almejava a regulamentação do trabalho à distância.

O Projeto era composto por dez artigos, os quais, resumidamente, tratavam das seguintes

questões: 297

a) art. 1º: definia o teletrabalho, que podia ser exercido pelo empregado ou pelo autônomo,

desde que por cota superior a 40% (quarenta por cento) do tempo de trabalho, em um ou mais

lugares diversos do local de trabalho regular;

b) art. 2º: discorria sobre os locais em que o teletrabalho poderia ser realizado;

c) art. 3º: prescrevia que o teletrabalho deveria servir como instrumento para o aumento

dos índices de emprego;

d) art. 4º: elencava as medidas que o Estado deveria adotar para estimular e implementar o

teletrabalho;

e) art. 5º: dispunha que a relação de trabalho deveria cumprir os mesmos requisitos

elencados na CLT, em especial em seu art. 3º;

f) art. 6º: tratava dos direitos conferidos ao teletrabalhador;

g) art. 7º: elencava os deveres do empregado;

297BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

100

h) art. 8º: ditava os moldes em que o contrato de teletrabalho deveria se dar, com especial

atenção à carga de trabalho;

i) art. 9º: tratava da lei competente para regulamentar o teletrabalho transnacional, e

j) art. 10: definia o início da vigência da lei.

Apresentava, ainda, sua justificação, pautada numa abordagem constitucional, mais

especificamente no art. 7º, XXVII, que garante proteção ao trabalhador em face da automação, bem

como na modernização dos meios de telecomunicação e informática298. Demais disso, fazia uma

análise de direito comparado, citando especificamente os Estados Unidos e a Europa, para depois

traçar um panorama da evolução legislativa do teletrabalho no mundo. Por fim, tratava das

vantagens e desvantagens da adoção do trabalho à distância no Brasil, tanto para o empregado,

como para o empregador, e fazia uma análise da legislação existente e de outras questões

relevantes.

Ressaltava o Projeto que “o teletrabalho nada mais é do que uma inegável consequência da

modernização tecnológica, gerando um avanço nos meios e sistemas de produção, que alteram a

forma de realização do trabalho, senão do próprio trabalho”. Conceituava também o teletrabalho

como "atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da sede

principal da empresa, de forma telemática”. 299

Contudo, o projeto travou já que o deputado Paulo Piau (PMDB-MG) apresentou recurso

contra a apreciação conclusiva do projeto. Aduziu que300:

o recurso é tempestivo e a presente iniciativa fundamenta-se, entre outras, no fato da matéria, por demais relevante, demandar apreciação pela composição plenária da Casa, para que seja analisada sob diferentes pontos de vista, como a adequação conceitual e viabilidade prática de regulamentar o trabalho à distância e conceituar as relações de teletrabalho.

Como já salientado, o Projeto, ainda que não tenha vingado, representa o anseio do

legislador brasileiro em ver regulamentado tema característico das sociedades pós-modernas, sendo

298BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 5 jun. 2013. 299BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012. BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012. 300BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012.

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

101

louvável a tentativa, destacando-se a preocupação em aumentar os índices de emprego e em

promover a inserção dos trabalhadores com capacidade física reduzida, conforme dispunham os

arts. 3º e 4º.301

Inobstante isso, não está imune a críticas. Ressalte-se, por exemplo, a redação do art. 5º,

especialmente as ressalvas constantes de sua parte final, o qual, grosso modo, corresponde hoje à

atual redação do art. 6º, da CLT, conforme será visto no próximo item. Confira-se302:

Art. 5º. A relação de teletrabalho terá os mesmos fundamentos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, [...], atendendo aos princípios e prerrogativas ali dispostos, em especial em seu art. 3º, ressalvadas as disposições e particularidades aplicáveis ao tema e previstas nesta Lei, bem como em convenção ou acordo coletivo. (Destacou-se).

Outra crítica é ao disposto no art. 1º, também reproduzido303:

Art. 1º Para os fins desta Lei, entende-se como teletrabalho todas as formas de trabalho desenvolvidas sob controle de um empregador ou para um cliente, por um empregado ou trabalhador autônomo de forma regular e por uma cota superior a quarenta por cento do tempo de trabalho em um ou mais lugares diversos do local de trabalho regular, sendo utilizadas para realização das atividades laborativas tecnologias informáticas e de telecomunicações. (Destacou-se).

Note-se que, ao tratar da conceituação de teletrabalho, referido dispositivo estendia sua

aplicação também aos trabalhadores autônomos. Ora, equiparar o empregtado em regime de

teletrabalho com o trabalhador autônomo no mesmo regime é uma impropriedade técnica, pois não

estão presentes em relação a este os requisitos da relação de emprego e, por isso, sua

regulamentação é feita pelo Código Civil, não pela CLT. 304

Outro problema suscitado, também em face do art. 1º, é a técnica matemática pretendida 301Projeto de Lei n. 4.505/2008: Art. 3º O teletrabalho deve servir como instrumento para o aumento dos índices de emprego, além de patrocinador a inserção de trabalhadores com reduzida capacidade física no mercado de trabalho, estimulando ainda o crescimento econômico eco-compatível. Art. 4º O Estado brasileiro adotará as medidas necessárias para: a) estimular a criação de postos de teletrabalho; b) potencializar a competitividade industrial incentivando a adoção do teletrabalho nas empresas privadas e na Administração Pública; c) aumentar a capacitação profissional dos trabalhadores via mecanismos tradicionais e inovativos de formação; d) promover novas formas de organização do trabalho baseadas no teletrabalho nos setores privado e público. BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012. 302BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012. 303BRASIL. Projeto de Lei n. 4.505/2008. Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=420890>. Acesso em: 10 nov. 2012. 304COSTA, Geovana Specht Vital da. Teletrabalho: análise do Projeto de Lei 4.505/2008, Lei 12.551/2011 e o Código de Trabalho português/2003. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, ago 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11796&revista_caderno=25>. Acesso em: 8 nov. 2012.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

102

para considerar como teletrabalhador a pessoa que trabalha mais de quarenta por cento do tempo

fora do local de trabalho regular. O termo local de trabalho regular, por si só, já abre um vasto leque

de possibilidades que não se restringe somente ao estabelecimento ou à sede da empresa.

Ademais, é uma peculiaridade do teletrabalho a possibilidade de se trabalhar em qualquer lugar,

sem as ingerências do empregador, o que dificulta a averiguação da porcentagem de tempo

trabalhada fora do estabelecimento, especialmente nos casos em que o trabalho é desenvolvido em

parte neste, em parte fora dele.305

Finalmente, pondera PINO ESTRADA306, o Projeto vai de encontro aos princípios do não-

retrocesso social, que impede qualquer diminuição quanto aos direitos já conquistados, bem como

ao da proteção, peculiar ao Direito do Trabalho, tendo em vista que a proposta não contemplava o

pagamento das horas extras virtuais, em total descompasso com o art. 7º, XIII, da Constituição.307

7.3 A Lei n. 12.551/2011 e a alteração promovida no art. 6º, da CLT

A despeito da inexistência de uma lei que regule o teletrabalho no Brasil, em vista da não-

conversão do Projeto de Lei n. 4.505/2008, conforme visto no item anterior, deve-se enfatizar que,

com a promulgação da Lei n. 12.551/2011, deu-se início a uma incipiente regulamentação do

tema.

A princípio, cumpre noticiar que a Lei em tela teve sua origem no Projeto de Lei n.

3.129/2004, da Câmara dos Deputados, de autoria do parlamentar Eduardo Val Verde, do Partido

dos Trabalhadores, tendo tramitado no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara sob n.

102/2007308.

É conveniente ao estudo a justificativa apresentada ao Congresso Nacional pelo autor do

305COSTA, Geovana Specht Vital da. Teletrabalho: análise do Projeto de Lei 4.505/2008, Lei 12.551/2011 e o Código de Trabalho português/2003. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, ago 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11796&revista_caderno=25>. Acesso em: 8 nov. 2012. 306ESTRADA, Manuel Martin Pino. Projeto de Lei 4.505/08 sobre teletrabalho não dá direito às horas extras aos teletrabalhadores. Disponível em: <http://revistadeteletrabalho.blogspot.pt/2012/02/projeto-de-lei-450508-sobre.html>. Acesso em: 15 nov. 2012. 307CF/1988: Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; [...] 308LIMA, Marco Antônio Aparecido de. A nova redação do artigo 6º da CLT: teletrabalho, home office ou anywhere Office. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI148522,21048-A+nova+redacao+do+artigo+6+da+CLT+teletrabalho+home+office+ou>. Acesso em: 18 set. 2012.

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

103

Projeto em referência: 309

A revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho exigem permanentes transformações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade mutável. O tradicional comando direto entre o empregador ou seu preposto e o empregado, hoje cede lugar, (sic) ao comando à distância, mediante o uso de meios telemáticos, em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle. O Teletrabalho é realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisão, retire ou diminua a subordinação jurídica da relação de trabalho.

Pois bem, prescrevia o art. 6º, da CLT:310

Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

A Lei n. 12.551/2011, todavia, alterou a redação do caput do citado dispositivo legal e lhe

acrescentou o parágrafo único:311

Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a (sic) distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Destacou-se.)

Percebe-se, com a simples leitura do art. 6º, antes e depois da alteração promovida pela Lei

n. 12.551/2011, que houve apenas e tão-somente uma equiparação entre o teletrabalhador e o

empregado em regime de controle direto pelo empregador.

À primeira vista, parece ter andado bem o legislador brasileiro ao equiparar o

teletrabalhador ao empregado sujeito aos meios diretos de controle pelo empregador e desde que

presentes os pressupostos da relação de emprego. Contudo, se for feito raciocínio inverso, verifica-

se que, preenchidos os pressupostos da relação de emprego que emergem da conjugação dos arts.

309BRASIL. Projeto de Lei n. 3.129/2004. Altera o art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=155964>. Acesso em: 5 jun. 2013. 310BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Disponível em: 24 abr. 2013. 311BRASIL. Lei n. 12.551/2011. Altera o art. 6o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12551.htm>. Acesso em: 24 abr. 2013.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

104

2º e 3º, da CLT, estaria configurada tal relação, do mesmo modo, incidindo as normas trabalhistas,

mostrando-se, neste particular, portanto, redundante a nova redação.

De toda maneira, para o trabalhador, na maior parte dos casos hipossuficiente em relação

ao empregador, especialmente no aspecto econômico, a alteração pode ser vista como uma

reafirmação literal de um direito implícito dos teletrabalhadores que preencham os pressupostos da

relação de emprego e, neste caso, a alteração na redação do caput do art. 6º é digna de encômios.

O ponto forte da alteração legislativa, contudo, foi a equiparação dos meios telemáticos e

informatizados de controle e supervisão aos meios pessoais e diretos de controle e supervisão do

trabalho alheio, para fins de caracterização da subordinação jurídica. Este requisito, analisado

casuisticamente, ou é extremamente claro, e, portanto, sequer é colocado em questão, ou é bem

manipulado, tornando-se de difícil percepção e comprovação. 312

A demonstração da subordinação, como se verá em capítulo próprio, é um dos obstáculos

para que reste configurada a relação de emprego, em tema de teletrabalho. E assim o é porque

muitas vezes o teletrabalhador está subordinado ao empregador, mas a distância física entre ambos

é fator que dificulta a aferição do vínculo de emprego, possibilitando que o empregador se valha

disso para tratá-lo como autônomo.

Muito embora tenha o legislador brasileiro seguido as tendências mundiais de demanda por

regulamentação do teletrabalho, nota-se que a Lei n. 12.551/2011 foi tímida, na medida em que

não tratou do tema com a amplitude e profundidade observadas no direito comparado, como, por

exemplo, no Acordo-Quadro sobre Teletrabalho e no Direito Português, nos quais é nítida a

preocupação do legislador com a privacidade do teletrabalhador, as condições de trabalho,

segurança e saúde, os custos de manutenção e implementação dos meios telemáticos que servirão

ao trabalhador, dentre outros.

No âmbito deste trabalho, portanto, sustenta-se que a alteração legislativa em cotejo carece

de complementação, como se fosse uma norma de eficácia limitada.

Recorde-se que o Projeto de Lei n. 4.505/2008 pretendia disciplinar sobre o local de

trabalho, medidas para estimular a adoção desta nova forma laborativa, direitos e deveres do

teletrabalhador, etc.

312VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005.p. 509-510

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

105

Sobre nada disso versou a Lei n. 12.551/2011. Questões que carecem ainda de

regulamentação, com especial destaque para a duração da jornada, configuração de horas extras,

privacidade do trabalhador e o controle patronal, especialmente nos casos em que a prestação de

serviços for realizada em home office ou trabalho externo sem sistema de GPS, continuaram não

enfrentadas.

7.4 A Súmula n. 428 do Tribunal Superior do Trabalho

Após a Lei n. 12.551/2011, o Tribunal Superior do Trabalho percebeu a necessidade de

alterar a redação da Súmula n. 428, a qual, originariamente, tratava do período de sobreaviso, para

melhor adequá-la à nova realidade. Confira-se a redação antiga: 313

O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço.

A redação atual, alterada em 14/09/2012, dispõe que:314

I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.

Ora, a questão do sobreaviso guarda relação com o teletrabalho, sobretudo a partir da nova

redação da súmula em comento.

Antes, porém, de partir para a análise dela, conjugada com a Lei n. 12.551/2011, convém

entender os precedentes que a nortearam.

Quanto ao primeiro item da Súmula, serviram de referência os seguintes julgados: ERR

130300-69.2001.5.09.0089, ERR 717377-56.2000.5.03.5555, ERR 86700-70.2003.5.03.0064,

ERR 421874-92.1998.5.09.5555, RR 109400-69.2003.5.16.0002, RR 124500-

10.2002.5.03.0019 e RR 36500-15.2006.5.09.0023, todos decididos por unanimidade, e ERR

313BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 428. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-428>. Acesso em: 10 nov. 2012. 314BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 428. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-428>. Acesso em: 10 nov. 2012.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

106

106196-47.1994.5.02.5555, ERR 51326-23.1992.5.02.5555, ERR 598-80.1989.5.02.5555 e ERR

3583-85.1990.5.02.5555, decididos por maioria.315

Destes, destaca-se o ERR 86700-70.2003.5.03.0064, de relatoria do Ministro

Vantuil Abdala, em que a Turma não conheceu do Recurso de Revista do reclamante por entender

que o uso do celular não caracteriza horas de sobreaviso. Transcreve-se o seguinte trecho do voto

do relator:

A v. decisão recorrida adotou a tese de que, a simples utilização do telefone celular, não configura hora de sobreaviso, pois o empregado não é obrigado a permanecer em sua casa aguardando o chamado para o serviço, não estando, portanto, à disposição do empregador. O regime de sobreaviso, definido no artigo 244, § 2º, da CLT, é destinado a disciplinar o trabalho dos ferroviários, só podendo ser estendido, por analogia, a outras categorias profissionais se o empregado "permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço", como exigido na citada norma consolidada. A utilização de telefone celular pelo empregado, por si só, não permite que seja considerado regime de sobreaviso.316 (Destacou-se).

Cita ainda o relator, neste julgado, outro, de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho,

o RR 736/2002-023-04-00, cuja ementa abaixo se reproduz:

HORAS DE SOBREAVISO - EQUIPARAÇÃO DE CELULAR COM BIPE POSSIBILIDADE - NÃO-CARACTERIZAÇÃO DO SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 49 DA SBDI-1 DO TST. Como dispõe o art. 244, § 2º, da CLT, considera-se de sobreaviso o empregado efetivo que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. No caso, é incontroverso que o Reclamante permanecia, durante uma semana por mês, usando telefone celular e aguardando ser chamado a qualquer hora pela Reclamada. Todavia, é entendimento predominante nesta Corte Superior que o mero uso de telefone celular não enseja o pagamento de horas de sobreaviso, pois não obriga o empregado a permanecer em sua residência esperando ter seus serviços solicitados pela empresa, condição exigida em lei para o reconhecimento do direito. Aplica-se ao caso, de forma analógica, o assentado na Orientação Jurisprudencial nº 49 da SBDI-1 do TST, sendo possível equiparar o uso do telefone celular com o do bipe. Recurso de revista conhecido em parte e provido. (1BRASIL.Tribunal Superior do Trabalho. RR 73600-81.2002.5.04.0023, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 04/05/2005, 4ª Turma, Data de Publicação: 27/05/2005. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printIntei

315BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 428. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-428>. Acesso em: 10 nov. 2012. 316BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. E-RR - 86700-70.2003.5.03.0064 , Relator Ministro: VantuilAbdala, Data de Julgamento: 25/08/2008, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 05/09/2008. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=E-RR%20-%2086700-70.2003.5.03.0064&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAoC3AAO&dataPublicacao=05/09/2008&query=>. Acesso em: 3 jun. 2013.

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

107

roTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2073600-81.2002.5.04.0023&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAjfVAAD&dataPublicacao=27/05/2005&query=>. Acesso em: 30 maio 2013.)

Por seu turno, do voto do Ministro João Oreste Dalazen, relator do RR 124500-

10.2002.5.03.0019, extrai-se o seguinte trecho:

Aplica-se, por analogia, o entendimento da Eg. SbDI-1 do TST no sentido de que o uso do aparelho Bip não caracteriza, necessariamente, tempo de serviço à disposição do empregador, já que o empregado que o porta pode deslocar-se para qualquer parte dentro do raio de ação do aparelho e até mesmo trabalhar para outra empresa, quando não esteja atendendo chamado pelo Bip. Este é o sentido da Orientação Jurisprudencial nº 49 da SBDI-1. Pela mesma razão, o empregado que utiliza telefone celular não precisa, necessariamente, permanecer em sua residência aguardando o chamado para o serviço por ser um aparelho móvel de comunicação. Este empregado tem toda a liberdade de movimentação. Não permanecendo o empregado estritamente à disposição do empregador, como previsto no art. 244 da CLT, em face do uso do telefone celular que lhe permite afastar-se de casa sem prejuízo de uma eventual convocação do empregador, não se reconhece em tal circunstância regime de sobreaviso.317

Observa-se que em todos os julgados analisados demandava-se que, para a caracterização

do regime de sobreaviso, o empregado devesse sofrer alguma restrição na sua liberdade de

locomoção, bem como estar vinculado ao empregador por BIP (ou pelo telefone celular, por

analogia).Tal entendimento, como restou claro, estava em consonância com a Orientação

Jurisprudencial n. 49, da SBDI-1318, que foi cancelada quando a redação da Súmula n. 428 foi

alterada.

Quanto ao segundo item da Súmula, serviram como precedentes para a atual redação os

seguintes julgados: ERR 83900-29.2009.5.09.0020, ERR 2800-69.2004.5.09.0071, ERR 17800-

53.2001.5.17.0181, ERR 4158700-05.2002.5.01.0900, RR 38100-61.2009.5.04.0005, RR

131440-48.2003.5.01.0039, RR 541-46.2010.5.07.0007, RR 1966700-60.2005.5.09.0002, RR

414200-15.2006.5.09.0016, RR 164000-94.2007.5.09.0325, RR 31800-16.2006.5.17.0009 eRR

618100-52.2009.5.09.0069, todos decididos por unanimidade, e o ERR 404622-

317BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR - 124500-10.2002.5.03.0019 , Relator Ministro: João OresteDalazen, Data de Julgamento: 03/05/2006, 1ª Turma, Data de Publicação: 02/06/2006. Disponível em:<http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20124500-10.2002.5.03.0019&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAQtRAAG&dataPublicacao=02/06/2006&query=>. Acesso em: 30 maio 2013. 318Prescrevia a OJ N. 49, da SBDI-1: (BRASIL, 2013): "Horas extras. Uso do bip. Não caracterizado o 'sobreaviso'”.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

108

78.1997.5.03.5555, decidido por maioria 319

Dentre estes, ressalta-se o ERR 83900-29.2009.5.09.0020, de relatoria do Ministro

Horácio Raymundo de Senna Pires, cujo voto também é parcialmente reproduzido no ponto em que

trata do cerne do problema do sobreaviso e da verdadeira ratio para a atual redação da Súmula n.

428:

Urge homenagear a interpretação ideológica do preceito legal do artigo 244, (sic) 2º, da CLT, buscando-se o alcance social da norma, tal como a dada no voto de lavra do Exmo. Ministro Marco Aurélio de Mello (in REPERTÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA - João de Lima Teixeira Filho - RJ 1983. v. II - p. 960), quando ainda ocupava o honroso cargo de Ministro da Excelsa Corte Trabalhista, quando do julgamento do Recurso de Revista 2.123/81. Nessa ocasião, o Exmo. Ministro expôs que a interpretação literal da norma citada deve dar espaço à interpretação que busca a ratio legis, de modo que o sobreaviso não se restrinja ao cumprimento do regime na própria residência, bastando que haja meio eficiente de localização e convocação do empregado, nas situações em que o empregador solicita seus préstimos laborais, o que já caracteriza a limitação da locomoção do obreiro, o qual deve portar qualquer tipo de aparelho que permita a sua localização. Comungo desse entendimento, também adotado pela d. maioria desta E. Segunda Turma, no sentido de que é devido o pagamento das horas de sobreaviso quando comprovada a limitação de locomoção do obreiro. Assim, no caso concreto, considero que ao portar celular e sistema de caixa postal, podendo ser chamado para trabalhar a qualquer momento, o autor tinha a sua liberdade de 'ir e vir' comprometida, devendo permanecer de prontidão para eventual atendimento, circunstância que, a meu ver, configura regime de sobreaviso. Desse modo, por aplicação analógica do disposto no art. 244, § 2º, da CLT, as horas de sobreaviso devem ser remuneradas à base de um terço da hora normal, excluídas as horas efetivamente trabalhadas pelo autor durante o apontado período de sobreaviso (que já se encontram incluídas entre as horas extras), pois não se trata de remunerar o labor prestado, mas o tempo à disposição da empregadora320. (Destacou-se).

Percebe-se que, avançando em relação à redação anterior, a Súmula n. 428, do TST, deixa

claro que o regime de sobreaviso não precisa resultar em limitação da liberdade de locomoção do

empregado, bastando o “estado de disponibilidade”, em regime de plantão, para que tenha direito

ao benefício.

Por outro lado, há quem defenda que a Súmula em estudo não guarda relação com o tema 319BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 428. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-428>. Acesso em: 10 nov. 2012. 320BRASIL.Tribunal Superior do Trabalho. E-RR - 83900-29.2009.5.09.0020, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 10/11/2011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 25/11/2011. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=E-RR%20-%2083900-29.2009.5.09.0020&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAETgAAJ&dataPublicacao=25/11/2011&query=>. Acesso em: 30 maio 2013.

Disciplina jurídica do teletrabalho no Direito brasileiro

109

do teletrabalho. Segundo RESENDE321, o verbete não trata propriamente de trabalho realizado à

distância, mas tão-somente da possibilidade de manutenção do trabalhador conectado, por meios

tecnológicos, às necessidades do empregador.

Uma interpretação literal da Súmula n. 428 pode realmente levar a tal conclusão, ainda

mais que a referência ali feita é apenas ao sobreaviso.

Todavia, fazendo-se uma interpretação teleológica do § 2º, do art. 244, da CLT322 -

inclusive enfatizada no voto do relator do ERR 83900-29.2009.5.09.0020 – dispositivo legal que

serviu de referência para a edição primeira do verbete, constata-se que o regime de sobreaviso,

originariamente, estava intimamente ligado às particularidades das atividades laborais dos

ferroviários, numa época em que não existiam as facilidades tecnológicas de hoje.

Assim, a nova redação da Súmula n. 428, atenta à nova realidade, não condiz mais com a

restrição de liberdade de locomoção que se exigia para a configuração do regime de sobreaviso em

tempos passados.

Ora, a Lei n. 12.551/2011 prescreve que não se distinguirá o trabalho realizado no

estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância,

se presentes os pressupostos da relação de emprego. É bastante razoável, ou melhor, coerente,

que a jurisprudência, no caso através da Súmula n. 428, assim, conceda a mesma liberdade de

locomoção ao empregado em regime de plantão ou equivalente.

Mas o cerne da questão – a relação intrínseca entre a Lei n. 12.551/2011 e a Súmula n.

428, do TST – além da de causalidade, porque, recorde-se, foi em razão daquela que esta foi

alterada – é a de continência, na medida em que, se para o teletrabalho, desde que presentes os

pressupostos da relação de emprego, é indiferente o local onde o trabalho é realizado, com

bastante razão, este aspecto não deve interferir também para a caracterização do regime de

sobreaviso, ressaltando-se, mais uma vez, que o avanço tecnológico não impinge ao empregado

manter-se preso ao seu domicílio, bastando que esteja disponível para receber ordens do

321RESENDE, Ricardo. Súmula 428 do TST e art. 6º da CLT: incompatíveis?. Disponível em:<http://direitodotrabalhoaprova.blogspot.pt/2012/01/sumula-428-do-tst-e-art-6-da-clt.html>. Acesso em: 15 nov. 2012. 322Prescreve o art. 244, § 2º, da CLT: (BRASIL, 1943). Art. 244. As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobre-aviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada. [...] § 2º Considera-se de "sobre-aviso" o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de "sobre-aviso" será, no máximo, de vinte e quatro horas, As horas de "sobre-aviso", para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

110

empregador.

O teletrabalho e a questão da subordinação

111

8 O TELETRABALHO E A QUESTÃO DA SUBORDINAÇÃO

8.1 Aspectos problemáticos no teletrabalho

Como observado até agora, percebeu-se que a Lei n. 12.551/2011 mostra-se incipiente

para a regulamentação do teletrabalho no Brasil, sobretudo em razão da questão da subordinação

jurídica como pressuposto para a configuração da relação de trabalho subordinado.

Já em Portugal, em princípio, o problema parece de mais fácil solução tendo em vista as

mudanças introduzidas pelo de Código do Trabalho de 2009, mais notadamente no tocante à

evolução dos critérios para a presunção da relação de trabalho (art. 12.º).

Vários outros aspectos problemáticos podem ser apontados, como a questão da intimidade

do teletrabalhador, correlacionada com a do seu possível isolamento em face da empresa e o

consequente enfraquecimento do direito coletivo do trabalho.

Tendo em vista a necessidade de delimitação do tema, conforme exposto na Introdução

deste trabalho, tratar-se-á aqui apenas do problema da subordinação.

8.2 A questão da subordinação

Sabido que a subordinação é um dos requisitos para a configuração da relação de trabalho

(no sentido de “relação de emprego”, locução utilizada no Brasil, como já explicado no item 3.3.1),

é desejável que possa ser aferida com certa facilidade pelo Judiciário quando invocado em uma

ação trabalhista. A questão, todavia, nem sempre se apresenta assim tão clara.

Muito oportuno para este estudo é a explicação de RIBEIRO DE VILHENA.323 Segundo ele,

nada é mais pacífico e controvertido em Direito do Trabalho, do que a subordinação – pacífico como

linha divisória, mas controvertido como dado conceitual. Como linha divisória, está-se referindo ao

marco distintivo entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, ou de prestação de serviços.

Por dado conceitual, está fazendo alusão à chamada “zona grise”, isto é, àquelas situações em que

a questão da subordinação é um dado de difícil apreensão, fugidio e muitas vezes encoberto.

No mesmo sentido, LEAL AMADO324, fazendo uma comparação entre o contrato de

323 VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 509-510. 324AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 67-69.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

112

prestação de serviços, previsto g

enericamente no artigo 1.154.º, do Código Civil, e o contrato de trabalho, regulado no art.

11.º, do Código do Trabalho, ambos de Porgual, fala sobre os critérios de diferenciação entre estes,

enumerando o conteúdo da obrigação (resultado do trabalho versus atividade laboral,

respectivamente), a remuneração (não necessariamente presente no contrato de prestação de

serviços) e as instruções do credor da prestação (necessariamente presente no contrato de

trabalho), e ressalta que o verdadeiro diferencial reside na (in)existência da subordinação jurídica

entre as partes. Aduz então que “a riqueza e a variedade das situações da vida revelam-nos não

poucas zonas cinzentas”, problema que se acentua na medida em que “este elemento foi-se

flexibilizando, tendendo a jurisprudência a detectá-lo perante formas cada vez menos vincadas de

exercício dos poderes empresariais”.

Segundo MONTEIRO DE BARROS325, o controle das atribuições inerentes à função a ser

realizada e o modo de realizá-la é um critério tradicional de subordinação jurídica, que realça a

submissão funcional do empregado às ordens do empregador, sendo este sistema de análise

adequado e suficiente numa sociedade agrícola ou industrial primitiva. É o que se costuma referir

como “subordinação clássica” ou “subordinação subjetiva”.

RIBEIRO DE VILHENA326, referindo-se à doutrina juslaboralista alemã da década de 30 do

século passado, vai além, para enfatizar a submissão pessoal do trabalhador, reduzido à condição

de “peça de uma engrenagem (empresa)”, disposto na ponta inferior da pirâmide em cujo topo

estava o “chefe”, “detentor do poder incondicionado da ordem, a que obedeciam os escalões

inferiores”.

Na realidade, foi a partir da percepção do trabalho pela ótica da subordinação subjetiva que

se fundou o Direito do Trabalho, oportunidade em que se destacou da locação de serviços,

originária do instituto romano da locatio operarum, o contrato de trabalho.327

Não se pode, porém, crer que este critério estanque seja suficiente na sociedade de hoje,

Prescrevem os citados dispositivos legais do Código Civil português: “Artigo 1154.º (Noção) Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado o seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” PORTUGAL. Código do Civil.DL n.º 47344/66. 66ª versão dada pela Lei n.º 23/2013. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis>. Acesso em: 30 jan. 2014. 325BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 223. 326VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 513. 327VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 511.

O teletrabalho e a questão da subordinação

113

em que a tecnologia interfere tanto na forma de prestação dos serviços, como na forma de fiscalizá-

los. Não significa isso pensar que tal critério deva ser abandonado, a não ser pelo detalhe da

sujeição pessoal, mas sim revisto.

Bem por isso, fala-se hoje em “insuficiência da subordinação jurídica” e “precarização das

relações de trabalho”328, ou em “flexibilização das relações de trabalho”329, ou ainda em “fuga ao

Direito do Trabalho” ou “fuga ilícita para o trabalho autónomo”330.

Diante do objetivo de lucro, os empresários buscam formas de reduzir encargos trabalhistas

e uma das maneiras de se atingir tal desiderato é a não configuração da relação de emprego. Ora,

se as fontes produtivas e os modelos de produção evoluíram nas últimas décadas, optando-se,

agora, pela descentralização da produção, nota-se também que as relações de emprego clássicas

vêm dando lugar a novas formas de prestação de serviços que primam pela maior especialização e

menor custo. Observa-se o crescimento da prestação de trabalho autônomo, especialmente através

da terceirização de mão de obra.

Vale lembrar que a segunda geração de direitos humanos, de caráter positivo e que

consolidou os direitos sociais, deu-se a partir da necessidade de se proteger o trabalhador em

relação ao capital, numa época em que a sociedade industrial empregava mão de obra infantil,

pagava salários aviltantes, oferecia péssimas condições de trabalho e jornada incompatível com a

preservação da saúde e dignidade do trabalhador. Hoje, mais sutilmente, vê-se a necessidade

premente de que certos conceitos sejam melhor definidos, ampliando-se a proteção daquele.

Esforçam-se, pois, os doutrinadores por criarem novas acepções para o conceito de

subordinação, tendentes a alargá-lo e, com isso, possibilitar que novas formas de prestação de

serviços, bem como de controle e supervisão, sejam alcançadas e acabem por abrigar um leque

maior de trabalhadores, antes à deriva da proteção conferida pelas leis trabalhistas.

Além disso, há a questão da dissimulação fraudulenta, referida por AMADO LEAL,331

traduzindo-se numa simulação relativa sobre a natureza do negócio, cujo objetivo é evitar a

aplicação da legislação juslaboralista. Assim, tem-se um negócio ostensivo ou simulado, consistindo

no contrato de prestação de serviço (“recibo verde”), que oculta o negócio dissimulado – o contrato 328 FRAGA, Cristiano. Subordinação estrutural: um novo paradigma para as relações de emprego. 2011. Disponível em: <<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/cristiano_fraga.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2012. 329 WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005.p. 17. HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas perspectivas das relações de trabalho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011. P. 35. 330 AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 71. 331 AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 71-72.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

114

de trabalho. Embora o trabalhador dele participe, existe aí a singularidade de que o mesmo é

imposto pelo empregador como condição sine qua non para proceder à admissão do empregado na

empresa, sendo exatamente este o principal, senão único, prejudicado.

Diante de tal panorama, surgem novas abordagens sobre a subordinação, dentre as quais

citam-se a subordinação objetiva, que no Brasil desdobrou-se em subordinação estrutural e

subordinação integrativa e a parassubordinação, melhor analisadas a seguir.

8.2.1 Subordinação objetiva

Segundo GODINHO DELGADO332, a dimensão objetiva da subordinação foi introduzida no

Brasil por RIBEIRO DE VILHENA.333

Já VASCONCELOS PORTO334, concordando com Godinho Delgado, aponta como precursores

Ghidini, na Itália, e também Sayão Romita, no Brasil.

Pois bem, RIBEIRO DE VILHENA335, partindo da concepção de que empregador e empregado

constituem duas esferas jurídicas que se antepõem uma à outra, explica que àquele é conferido o

poder jurídico de intervir, dentro dos limites objetivos do contrato, na esfera deste, a qualquer

momento, mas no tocante à atividade que é objeto do contrato de trabalho, restando ultrapassada a

ideia de sujeição pessoal, isto é, a concepção de subordinação dos primórdios do Direito do

Trabalho. Confira-se:

[...] a intervenção patronal verifica-se na e sobre a atividade do trabalhador e não na e sobre a sua pessoa. Se o trabalho a ser prestado, como energia, não se separa da pessoa do trabalhador, surgem as interposições da intervenção na pessoa deste. Contudo essas interposições não têm sua razão de ser senão e enquanto digam respeito à correção e à normalidade daquela prestação. (Itálicos no original.)

Assim, dissertando sobre o poder de direção do empregador, “verso da medalha” da

subordinação, leciona o mesmo autor que este se compõe de um feixe de ações que classifica em

(i) previsão, (ii) organização, (iii) comando, (iv) coordenação e (v) controle, expondo que a

organização e a coordenação além de se constituirem via de regra em atitudes impessoalmente

332DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 293-294. 333VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 517 e 523. 334PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 68. 335VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 517 e 524-525.

O teletrabalho e a questão da subordinação

115

dirigidas, dizem respeito às linhas gerais do desenvolvimento da atividade empresária; o comando

relaciona-se com a força executória direta sobre o pessoal; enquanto o controle assegura sua

regularidade e a previsão está diretamente relacionada com a garantia dos meios com que conta ou

de que necessita a empresa para a continuidade de sua atividade.336

Nestes termos, se a subordinação parte da e se concentra na atividade, apenas a execução

do trabalho, ou sua “potenciação”, é que autorizam a intervenção do empregador, com medidas

corretivas de ordem “técnica e funcional”, visando à normal continuidade da atividade da empresa.

Em outros termos, a dimensão objetiva da subordinação tem em conta a inserção da atividade do

prestador na atividade da empresa, resultando em um estado de mútua dependência.337

VASCONCELOS PORTO, sobre a subordinação objetiva e com base na lição de Ribeiro de

Vilhena, sintetiza:338

A subordinação se faz presente quando o objeto do contrato de trabalho, isto é, a função a ser exercida pelo empregado, as tarefas que ele deve executar, se integram e se incorporam na atividade empresarial, compondo a dinâmica geral da empresa, em seu processo produtivo ou de fornecimento de bens e serviços. Assim, a atividade obreira é crucial para a consecução dos objetivos empresariais, sejam eles econômicos, técnicos, operacionais ou administrativos.

Em sentido semelhante, pondera FRAGA339 que, para aferição da subordinação, deve-se

levar em conta não a pessoa do trabalhador propriamente dita, mas a atividade desempenhada por

ele e a natureza dela, isto é, se é ou não essencial ao funcionamento da estrutura organizacional do

empregador.

Do mesmo modo, aponta MONTEIRO DE BARROS340 que uma das tentativas de se encontrar

o ponto diferenciador entre o trabalho subordinado e o autônomo “é a integração do trabalhador na

organização empresarial”, ou seja, a base para se definir a relação de emprego está no facto de o

trabalhador ser tido como parte integrante da organização, traduzindo-se na “substituição da

subordinação-controle ou subjetiva pela subordinação-integrante ou objetiva”.

Assim, a grande contribuição da abordagem objetiva da subordinação jurídica está na

superação da tese de que subordinado é o trabalhador que se encontra constante e intensamente

336 VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 258-259. 337 VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 522-523. 338 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 69. 339 FRAGA, Cristiano. Subordinação estrutural: um novo paradigma para as relações de emprego. 2011. Disponível em: <<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/cristiano_fraga.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2012. 340 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 223.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

116

sujeito ao exercíco do efetivo poder diretivo do empregador, bastando que este, por força do

contrato de trabalho, e diante da inserção da atividade do prestador na atividade do tomador, possa

exercer tal direção.341

Em outros termos, a ideia central desta teoria é a de que se torna dispensável o comando

direto do empregador, o qual passa a ordenar apenas a produção como um todo.342

Esta a interpretação melhor explica a regra do art. 6º, da CLT, já analisado no item 7.3,

pelo qual se equiparam os meios indiretos de supervisão e controle aos meios diretos, para fins de

caracterização da subordinação.

Ressalte-se, ainda, a inclusão, na redação do art. 11.º, do Código de Trabalho português, da

“inserção organizacional”, ausente na redação do art. 1.152.º, do Código Civil português, já referida

no item 3.2.1, de modo a explicitá-la, levando à conclusão de uma mudança de perspectiva, ou

atenuação da concepção clássica de subordinação.

8.2.1.1 Subordinação estrutural

No Brasil, tem-se ainda a contribuição de GODINHO DELGADO343 que coloca, a par das

concepções subjetiva e objetiva, também a estrutural, que assim define, enfatizando, todavia, que

antes de se excluírem, completam-se em harmonia:

Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. (Itálicos no original.)

A diferença subjacente entre a concepção objetiva e estrutural não é de fácil apreensão,

conforme opina FERRAZ ANDRADE.344

Como ponto comum está o enfoque sobre a atividade desempenhada pelo trabalhador em

detrimento à submissão hierárquica deste em relação ao empregador, característica da 341GASPAR, Danilo Gonçalves. A crise da subordinação jurídica clássica enquanto elemento definidor da relação de emprego e a proposta da subordinação potencial. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado em Direito Privado e Econômico, 2011. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12378/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado%20-%20A%20Crise%20da%20Subordina%C3%A7%C3%A3o%20Jur%C3%ADdica%20Enquanto%20Elemento%20Definidor%20da%20Rela%C3%A7%C3%A3o_0.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014. p. 207. 342FRAGA, Cristiano. Subordinação estrutural: um novo paradigma para as relações de emprego. 2011. Disponível em: <<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/cristiano_fraga.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2012. 343DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. 2007. p. 37. Disponível em : <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n2/1.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2014. 344 ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 105.

O teletrabalho e a questão da subordinação

117

subordinação subjetiva.345

Como ponto diferencial, na visão de GODINHO DELGADO346, está a desproporção entre a

formulação proposta pela subordinação objetiva e as metas alcançadas, porque a teoria acabou

tratando como subordinados trabalhadores efetivamente autônomos, principalmente quando a

atuação destes se dava fora da planta da empresa, em franco desprestígio a ela.

Assim, ao que parece, a subordinação estrutural pretende manter os avanços da

subordinação objetiva, mas sem descartar totalmente a teorização da subordinação subjetiva, com

vistas principalmente a combater a terceirização para atividades-fim da empresa. Confira-se:347

A idéia de subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico de subordinação tem demonstrado, dificuldades que se exarcebaram em face, especialmente, do fenômeno contemporâneo da terceirização trabalhista. Nessa medida, ela viabiliza não apenas alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho, como também conferir resposta normativa eficaz a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores, em especial, a terceirização. (Itálicos no original.)

Deve-se salientar, conforme FERRAZ ANDRADE que, no Brasil, a terceirização da atividade-

fim é vedada em razão do entendimento jurisprudencial exarado no Súmula n. 331, do Tribunal

Superior do Trabalho.348

Em análise à jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, onde Godinho

Delgado já foi Desembargador, sendo atualmente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, nota-se

345 ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 102. 346DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. 2007. p. 37. Disponível em : <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n2/1.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2014. 347DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. 2007. p. 37. Disponível em : <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n2/1.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2014. 348 Prescreve a Súmula 331: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 331. Diponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em; 29 jun. 2014.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

118

uma tendência à adesão à concepção da subordinação estrutural, como desdobramento da

concepção objetiva. Transcreve-se para exemplificação ementa de recentes julgados neste sentido:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO. MEIO BANCÁRIO. CONGLOMERADO. A terceirização é o ato pelo qual a empresa produtora, mediante contrato, entrega a outra empresa certa tarefa não incluída nos seus fins sociais, para que esta a realize habitualmente com empregados desta. Quando não fraudulenta, é manifestação de modernas técnicas competitivas. A terceirização não é uma prática ilegal por si só; é hoje uma necessidade de sobrevivência no mercado. Contudo, a sua utilização de forma a impedir a formação correta do vínculo empregatício, em precarização das relações de trabalho, não pode ser prestigiada. No estudo da terceirização, importa lembrar que o Direito do Trabalho contemporâneo evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o conceito de subordinação estrutural, de modo que esta também passou a ser considerada elemento caracterizador do vínculo empregatício. A subordinação estrutural é aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica da atividade econômica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não ordens diretas deste, mas, sim, se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento, caso em que, presentes os demais requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT (trabalho prestado a um tomador, com pessoalidade, não eventualidade e onerosidade), tem-se uma autêntica relação de emprego com o tomador, sendo esta exatamente a hipótese desses autos. Ademais, a existência de conglomerado do qual fazem parte um Banco e empresas do grupo que intermediam e coordenam vendas de produtos bancários, entre os quais, previdência privada, seguro de vida, investimentos, empréstimos, cartões de crédito e financiamentos, tudo em benefício do conglomerado, notadamente, do Banco, como no presente caso, autoriza a conclusão de que o trabalho do empregado de uma das empresas é aproveitado pelo complexo econômico como um todo, aplicando-se o art. 2º da CLT. Lembre-se da Súmula 129/TST, que traduz o entendimento de aglutinar um só vínculo. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RO 02515-2012-104-03-00-3, 4ª Turma, j. em 11/12/13. Rel. Convocada Taísa Maria M. de Lima. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=237824>. Acesso em: 29 jun. 2014 Destacou-se.)

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. ATIVIDADE-FIM. FRAUDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Contratar, através de empresa interposta, prestadora de serviços, mão-de-obra para o desempenho de funções intrinsicamente ligadas à atividade-fim da tomadora de serviços ou a atividade essencial aos fins do empreendimento (subordinação objetiva), mediante a integração do trabalhador à dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços (subordinação estrutural), ao invés de fazê-lo, como seria correto, de forma direta, contraria o escopo da terceirização legalizada, conduzindo ao manifesto desequilíbrio entre capital e trabalho, o que deve ser repudiado por esta Justiça Especializada. Destarte, tendo as reclamadas agido em conluio, restando configurada fraude na terceirização, perpetrada com o intuito de impedir a aplicação dos preceitos trabalhistas, ambas são solidariamente responsáveis por todas as verbas devidas ao reclamante, decorrentes do

O teletrabalho e a questão da subordinação

119

contrato de trabalho, visto que agiram em desconformidade com a lei, cometendo ato ilícito, causador de dano aos direitos do obreiro, conforme preceito que emana dos artigos 186, 927 e 942 do Código Civil c/c art. 8º, parágrafo único e art. 9º da CLT. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. RO 01053-2010-038-03-00-4, Turma Recursal de Juiz de Fora, j. em 30/11/10, Rel. Heriberto de Castro. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=237953>. Acesso em: 29 jun. 2014. Destacou-se.)

Ressalte-se, pois, que a construção da subordinação estrutural está diretamente relacionada

ao combate da fraude através da terceirização de atividades-fim da empresa.

8.2.1.2 Subordinação integrativa

Outra construção que tem ganhado fôlego no Brasil é a da subordinação integrativa,

atribuída a PORTO VASCONCELOS, que, por sua vez, admite ter haurido inspiração na doutrina de

Rolf Wank e de Piergiovani Alleva e na noção espanhola de “alienação, em suas diversas

dimensões”.349

Trata-se de um aprimoramento da tese da subordinação objetiva, mantida a crítica de que é

por demais abrangente, podendo eventualmente tratar autônomos como subordinados, e, por isso,

necessitando de critérios que excluam a autonomia. Avança em relação à construção da

subordinação estrutural, na medida em que introduz aponta que a prestação, na zona do limbo

entre a autonomia e a subordinação, pode ocorrer não só no que diz respeito às atividades-fim (que

são “nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços”), mas

também nas atividades-meio (que são “atividades periféricas”, mas nem por isso deixam de integrar

a dinâmica empresarial”, inserindo-se, portanto, no “quadro das necessidades normais da empresa,

sendo relevantes para que esta alcance os seus fins”).350

Assim, partindo da premissa de que a subordinação na sua dimensão clássica não pode ser

abandonada, eis que, a despeito das inúmeras mudanças nas relações de emprego, continua

presente na maioria delas, propõe a seguinte definição:351

A subordinação, em sua dimensão integrativa, faz-se presente quando a

349 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 253-254. 350 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 251-253. 351 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 253.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

120

prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume verdadeiramente riscos de perdas ou de ganhos e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, que pertencem, originariamente, à organização produtiva alheia para a qual presta sua atividade.

A jurisprudência brasileira vem acolhendo tal concepção, como se observa nas ementas dos

acórdãos abaixo reproduzidas:

EMENTA: ADVOGADO. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO. DIMENSÃO CLÁSSICA E INTEGRATIVA. Em se tratando de advogado que presta serviços em favor de escritório de advocacia, a aferição da existência ou não da subordinação, para os fins de caracterização da relação de emprego, deve considerar a mitigação ou atenuação desse pressuposto, não sendo necessária a constatação da subordinação em seu conceito clássico, que se manifesta por meio de ordens intensas e constantes do empregador quanto ao modo de prestação de serviços. Isso porque se trata de trabalhador intelectual, que detém o conhecimento técnico quanto aos serviços a serem prestados, sendo mais tênue, em regra, o grau de sujeição às ordens patronais. Em casos tais, há que se recorrer ao que a doutrina passou a denominar de dimensão integrativa da subordinação, que conjuga a noção de subordinação objetiva com critérios que excluem a autonomia. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RO 01788-2009-008-03-00-2, 7ª Turma, j. em 28/02/13, Rel. Marcelo Lamego Pertence. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=237907>. Acesso em: 29 jun. 2014. Destacou-se.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - AVON - EXECUTIVA DE VENDAS - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - SUBORDINAÇÃO - REEXAME CONCEITUAL - PONDERAÇÃO EM FACE DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA - ESSENCIALIDADE NA IDENTIDADE DO TRABALHADOR - ANÁLISE CRITERIOSA DO JULGADOR. O conceito de subordinação tem recebido tratamento especial pela doutrina, na qual se destaca a necessidade de seu reexame, a fim de amparar, nas palavras de Otavio Pinto e Silva, -a diversificação das relações jurídicas entre os sujeitos que prestam serviços (trabalhadores) e os que deles necessitam para o desenvolvimento de seus negócios (empresários)-, impondo-se, desta via a -ampliação dos vínculos de atributividade entre capital e trabalho-. Nessa evolução quanto à abordagem do conceito de subordinação, parte-se do conceito de -subordinação clássico-; trata-se, com brevidade, a defesa de Otavio Pinto e Silva do conceito de -parassubordinação-; passa-se à ampliação conceitual proposta pelo Ministro Maurício Godinho Delgado para análise da terceirização, -subordinação estrutural-; e, por fim, destacando a proposta de expansão do direito de trabalho, é examinada a proposta de Lorena Vasconcelos Porto de -subordinação integrativa-. Essa evolução conceitual serve para destacar a necessidade de análise do preenchimento dos elementos definidores do vínculo empregatício, com olhar sensível à realidade atual, com as bases legais estabelecidas, mas com a interpretação orientada pelos princípios que justificam

O teletrabalho e a questão da subordinação

121

e fundamentam o direito do trabalho. Por outro lado, não se pode desconsiderar o princípio da livre iniciativa, que, nos termos do art. 170 da Constituição Federal, é fundamento da ordem econômica. Nesse sentido, com base em elementos dos autos e nas regras de experiência, reconheço que a reclamada, AVON, destaca-se por se dedicar a um segmento de clientes brasileiros que por muito fora negligenciado pelas empresas brasileiras, as mulheres, sobretudo, aquelas com menor poder aquisitivo. A estratégia de marketing empresarial adotada pela AVON, na qual desenvolveu, com qualidade, produtos especialmente para o fenótipo das mulheres brasileiras, preços acessíveis ao público destinado e, para tanto, tendo em vista a rede de distribuição, permitiu a complementação de renda de grande quantidade de trabalhadoras brasileiras: empregadas domésticas, manicures, cabeleireiras, secretárias, donas de casa, entre muitas outras, não merece ser desencorajada. Dessa via, também, a adoção de critérios para decisão judicial sem atenção a um juízo de ponderação pode inviabilizar todo o modelo de negócio desenvolvido pela reclamada e tornar imperiosa a necessidade de revisão do negócio pela oclusão da rede de vendedoras articulada. Entretanto, não parece razoável que empresas, que atendem o varejo, tenham um imenso contingente de vendedores, os quais compõem uma desmesurável força de vendas em relação aos concorrentes, tenham um número mínimo de empregados, aos quais ficam restritos os -privilégios- dos direitos trabalhistas. Com essas ponderações, destaco que, além de se apoiar na nova doutrina, em que os arts. 2º e 3º da CLT têm recebido interpretação fundada na efetividade ao direito fundamental ao trabalho digno, o reconhecimento do vínculo empregatício, em situações limítrofes, como a discutida nos autos, deve abordar a questão da -identidade- do trabalhador como elemento determinante da relação empregatícia. Max Weber, no clássico estudo sociológico -A Ética Protestante e o 'Espírito' do Capitalismo-, já destacava o papel central do trabalho como elemento a fornecer a identidade do indivíduo na modernidade. Por tudo isso, defendo que cabe ao Julgador o papel fundamental de buscar depreender das provas se aquele trabalho desenvolvido, a princípio de forma autônoma, passou, em determinado ponto da relação entre as parte, a representar um papel mais significativo na vida do trabalhador, essencial do ponto de vista de sua identidade. No caso dos autos, foi registrado pela Corte a quo que a reclamante fora contratada como revendedora AVON e, posteriormente, elevada à condição de -Executiva de Vendas-, na qual passou a ser responsável pela arregimentação, treinamento e gerenciamento do desempenho das revendedoras que indicava, inclusive recebendo cobranças pela quantidade de vendas que essas vendedoras realizavam. Nessa perspectiva, a intensidade dos trabalhos realizados desempenhou papel significativo para trabalhadora, sendo certo, ainda, que o vigor dos questionamentos por produtividade levou, inclusive, à formulação de pretensão de indenização por assédio moral, a qual ainda que julgada improcedente revela a centralidade daquela relação na identidade da reclamante. Assim, os elementos destacados pela Corte regional indicam que, efetivamente, houve o correto enquadramento jurídico da questão, esbarrando-se qualquer conclusão de forma diversa na incidência objetiva da Súmula nº 126 desta Corte. Agravo de instrumento desprovido. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR - 394500-42.2009.5.09.0018, 4ª Turma, j. em 18/12/2012, Rel. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20394500-

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

122

42.2009.5.09.0018&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAKIcAAW&dataPublicacao=01/02/2013&localPublicacao=DEJT&query=parassubordina%E7%E3o%20and%20Vasconcelos>. Acesso em: 6 jul. 2014. Destacou-se.)

Insta ainda salientar que a doutrinadora, explicitando ponto de diferenciação com a

subordinação estrutural, aduz que prefere não incluir entre os critérios de exclusão da autonomia “o

fato de o trabalhador ‘acolher, estruturalmente, a dinâmica de organização e funcionamento’ do

empregador”, porque isso é consequência e não caracterísica da subordinação integrativa, na

medida em que o trabalhador não possui uma organização produtiva própria, logo, não assume os

riscos de ganho e de perda.352

8.2.3 Parassubordinação

As mudanças nos modelos de produção e gestão aliadas à incorporação de inovações

tecnológicas, principalmente a partir do último quartel do século passado, como já aventado,

produziram impacto na organização do trabalho.

A parassubordinação, por exemplo, figura originária da Itália, foi aí positivada pela primeira

vez pela Lei n. 741, de 1959. Todavia, os estudiosos dão grande ênfase ao § 3º, do art. 409, do

Códice de Procedura Civile (Código de Processo Civil), a partir da reforma implementada pela Lei n.

533, de 11 de agosto de 1973, em razão da qual se estendeu o processo do trabalho a prestadores

de serviço que não se enquadravam à perfeição na categoria de trabalhadores e cuja redação é a

seguinte:353

Art. 409 - Controvérsias individuais de trabalho Observam-se as disposições do presente capítulo nas controvérsias relativas a: [...] 3 - relações de agência, de representação comercial e outras relações de colaborações que se concretizam em uma prestação de trabalho continuativa e coordenada, prevalentemente pessoal, ainda que não a caráter subordinado.354

O objetivo, de acordo com VELOSO AMANTHÉA355, era coibir a “prova diabólica” que

incumbia ao prestador de serviços em alguns casos, ou, na visão de VASCONCELOS PORTO356,

352PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 254. 353PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.p. 119. 354ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 88-89. 355AMANTHÉA, Dennis Veloso. A evolução da teoria da parassubordinação: o trabalho a projeto. São Paulo: LTr, 2008. p. 41. 356PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 119.

O teletrabalho e a questão da subordinação

123

garantir uma tutela processual célere e incisiva a todos os trabalhadores, subordinados e

autônomos, cuja renda dependesse, com certa estabilidade, de determinada relação profissional.

Ainda de acordo com VASCONCELOS PORTO, foi Guiseppe Santoro-Passarelli, o qual, em

obra de 1979, intitulada “Il lavoro parasubordinato”, individualizou de forma mais completa essa

categoria conceitual, ao identificar repercussão da norma processual no direito material, eis que

positivava “a existência de um desequilíbrio contratual entre as partes” .

Antes da reforma de 1973, o trabalho parassubordinado era considerado como um tertium

genus; após, passou a ser visto como espécie de trabalho autônomo, embora fossem atribuídos aos

prestadores assim classificados alguns direitos trabalhistas, a despeito da não conversão em lei do

projeto de Lei Smuraglia, de 4 de fevereiro de 1999.357

Depois de discorrer sobre as duas vertentes doutrinárias italianas relativas aos direitos de

que são titulares os parassubordinados, isto é, a que defende a aplicação apenas daqueles

previstos na lei e em eventuais contratos coletivos, e a que prega, além destes, a extensão parcial,

por analogia, de outros compatíveis com as situações fáticas de tais trabalhadores, VASCONCELOS

PORTO informa que a primeira é majoritária e que a disciplina protetiva do parassubordinado “é

bastante modesta, sendo muito inferior, quantitativa e qualitativamente, àquele prevista ao

empregado”, consistindo basicamente em:358

Aplicação do processo do trabalho [....]; da disciplina especial sobre os juros e correção monetária dos créditos trabalhistas [...]; da disciplina das renúncias e transações [...] e do regime fiscal do trabalho subordinado [...]. Inclui ainda: a cobertura previdenciária da aposentadoria e da maternidade e os auxílios familiares [...]; o seguro obrigatório contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais [...] e o reconhecimento da liberdade sindical e do direito de greve.

Facto é que, com a Reforma Biagi, o Decreto Legislativo n. 276, de 2003, passou a prever

em seu art. 61, a figura do trabalho parassubordinado a projeto, fazendo referência ao já

mencionado § 3º, do art. 409, do Código de Processo Civil, mencionando expressamente as

“relações de colaboração coordenada e continuada, prevalentemente pessoal e sem vínculo de

subordinação”, eis por que passou a ser chamada de “co.co.co”, porém com regras específicas.359

357ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 89. De acordo com a autora, referido projeto garantia, entre outros direitos o de “filiação ao regime de Previdência Social, a fim de usufruírem de proteção contra infortúnios; liberdade sindical; regras para pagamento, contratação, extinção antecipada, duração etc. 358 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 126-127. 359PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 120. ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 90.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

124

Todavia, é possível extrair um núcleo essencial comum ao trabalho parassubordinado na

Itália, consistente nos pressupostos da coordenação, continuidade e prevalente pessoalidade. O

cerne da questão é a coordenação que se diferencia da subordinação, porque não há que se cogitar

no poder diretivo tal qual concebido na acepção clássica desta, mas podendo se exteriorizar de

formas variadas, inclusive em relação ao modo, tempo e lugar da atividade, com o objetivo de

melhorar a inserção do trabalhador na organização do tomador. A continuidade deve ser entendida

como “a estabilidade, a não eventualidade e a reiteração no tempo da prestação”, o que não

significa que necessite de repetição ininterrupta, mas de duração razoável. Já a prevalência da

atividade pessoal (e não exclusividade) é a compatibilidade com a utilização de meios técnicos e de

colaboradores, desde que a prestação do parassubordinado permaneça decisiva e não meramente

limitada à organização do trabalho alheio.360

Como explica VELOSO AMANTHÉA:361

Na relação parassubordinada, o tomador de serviços continua, como no contrato de trabalho autônomo, perseguindo a consecução de resultado. Mas não se restringe à realização de apenas uma atividade, havendo uma ligação entre os resultados. Consequentemente, há uma continuidade na relação, que não mais se extingue com o cumprimento de apenas um resultado, eis que se perpetuará até um evento futuro que cinda a relação estabelecida entre as partes. Demais disso, o trabalhador parassubordinado não determina tempo, modo e lugar do adimplemento da obrigação, de forma isolada, como o faz o autônomo. Há uma coordenação entre as partes, de modo que, consensualmente, organizam de qual forma o trabalho será prestado, quantidade, lugar de entrega etc.

A partir dessa concepção, figuras análogas têm surgido em outros países europeus,

podendo-se exemplificar com o trabalho autônomo dependente (Trade), na Espanha, preocupada

em assegurar tutela diferenciada a trabalhadores que, embora autônomos, são considerados

dependentes do ponto de vista econômico. A grande diferença em relação à Itália, carente de

legislação específica, foi a criação de um Estatuto, através da Lei n. 20/2007, que define os

trabalhadores economicamente dependentes, em seu art. 11.1, como aqueles que:362

[...]‘realizem uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, direta e predominantemente para uma pessoa

360PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 121. 361AMANTHÉA, Dennis Veloso. A evolução da teoria da parassubordinação: o trabalho a projeto. São Paulo: LTr, 2008. p. 43-44.. 362ANDRADE, Tatiana Guimarães Ferraz. As novas faces da subordinação e os impactos para o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 90.

O teletrabalho e a questão da subordinação

125

jurídica, denominada cliente, do qual dependam economicamente’ com 75% de seus rendimentos [...].

Saliente-se que a dependência econômica não surge como requisito legal para a

caracterização da parassubordinação na Itália, ao contrário do que acontece na Espanha, na

Alemanha e em Portugal, como se verá a seguir. Parte da doutrina italiana sustenta que ela está

implícita, enquanto a grande maioria discorda, aduzindo que, embora possa ser a a ratio da norma,

não compõe seu suporte fático-jurídico.363

Para VASCONCELOS PORTO, em Portugal, diante da redação do art. 10º, do Código do

Trabalho, infere-se que foi acolhida a tese da parassubordinação pelo pressuposto da dependência

econômica, mas, ao contrário do legislador espanhol, não estabeleceu o português critérios para

sua definição, tarefa que cabe então à doutrina e à jurisprudência.364 Confira:365

Artigo 10.º Situações equiparadas

As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade. (Destacou-se.)

A despeito de tal opinião, MENEZES LEITÃO366, por exemplo, embora disserte sobre as

dificuldades de se extremar o trabalho autônomo do subordinado em certas situações, refere ao

trabalho “para-subordinado” na Itália, mas nada diz sobre sua incorporação no direito português.

No Brasil, não há lei que ampare a aplicação da parassubordinação, entretanto o tema já é

objeto de variados e numerosos estudos pela doutrina, contando com a simpatia de alguns.367

MASCARO NASCIMENTO368, por exemplo, relata que participou de Congresso na Università

Degli Studi di Roma Tor Vergata, em fevereiro de 2008, o qual contou com a participação de

renomados juslaboralistas europeus e coloca-se de acordo com a principal conclusão ali exarada: a

da insuficiência binária “autonomia-subordinação” para abranger “toda a multiplicidade de

363PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 110. 364PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 113. 365PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Lei n. 27/2014. 9ª versão. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis>. Acesso em: 20 jun. 2014. 366LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 149-154. 367PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 194-199. 368NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 224-225.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

126

situações que se desenvolvem na sociedade pós-industrial e a nova tipologia de contratos de

trabalho que não se enquadram rigorosamente nem como autônomos nem como subordinados”,

sendo, pois, necessária a dimensão tricotômica “autonomia-subordinação-parassubordinação”.

Dissertando sobre a regulação do tema na Itália, MONTEIRO DE BARROS369 afirma que “a

instituição do trabalho parassubordinado, ao lado do trabalho autônomo e do trabalho subordinado

implica, sem dúvida, redimensionamento do Direito do Trabalho”, porque se tende a ampliar seu

âmbito tutelar aos trabalhadores que estão a meio caminho entre a autonomia e a subordinação,

salientando, todavia, a necessidade de análise “sobre quais institutos seriam devidos ao

trabalhador”.

Facto é que nas zonas de incerteza, embora faça referência à parassubordinação na

doutrina italiana, a jurisprudência laboral brasileira não a aplica, ou quando a reconhece dá ao caso

o tratamento dispensado aos empregados (art. 3º, da CLT). Confira-se:

EMENTA - PARASSUBORDINAÇÃO - JORNALISTA CORRESPONDENTE - NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º, da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º, da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites, adveio o denominado fenômeno da desverticalização da subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de coordenação, de amarração da prestação de serviços ao empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos. Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação, para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem

369BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.p. 226-229

O teletrabalho e a questão da subordinação

127

indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador num sistema de trocas coordenadas de necessidades, cria a figura da parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de maneira justa as cláusulas deste contrato. (TRT 3ª Região, RO 00073.2005.103.03.00.5, j. em 21/09/05, Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=3419>. Acesso em: 5 jun. 2013. Destacou-se.).

EMENTA: SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E OBJETIVADA, COM POUCOS TRAÇOS SUBJETIVOS - MÉDICOS E OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR OU DE ALTA QUALIFICAÇÃO CONTRATO DE EMPREGO - SUBORDINAÇÃO SEM AÇÃO E SEM ROSTO- RESTOS DE UM MODELO QUE SE DESPEDAÇOU E CUJOS FRAGMENTOS SE REDIRECIONAM PARA AS CÉLULAS DE TRABALHO COM OUTRA CONFORMAÇÃO- APROXIMAÇÃO DE CONCEITOS: NÃO EVENTUALIDADE E SUBORDINAÇÃO- NORMA-TEXTO E NORMA AMBIENTE -TIPO DO SERVIÇO PRESTADO E NÚCLEO MATRICIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL- IMPUTAÇÃO JURÍDICA QUE SE FAZ NECESSÁRIA SOB PENA DE DESPOVOAMENTO DA EMPRESA E DA SUA FUNÇÃO SOCIAL PARASSUBORDINÇÃO SENTIDO E SIGNIFICADO INTELIGÊNCIA DA EXPRESSÃO - Subordinação é, simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência (sic) que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expressão do grande Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás. Do plano subjetivo- corpo a corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial, própria do toyotismo, que se caracteriza pela qualidade total e pelo sistema just in time. Do modelo norte-americano de plantas pesadas, com todas as consequências que lhe são inerentes (país de grande extensão territorial) passamos, pouco a pouco, para o modelo japonês (país de modesta dimensão territorial), de onde veio a concepção do small is beatiful. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto de suas presas. Enxugou-se; tornou-se ágil e flexível. Manteve-se fiel ao compromisso primeiro com o lucro. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras em células de produção, pelos próprios companheiros. Empregado é aquele que não faz o que quer e, sob essa ótica, não se pode negar que haja uma transferência de parte do seu livre arbítrio em troca de salário. Empregado é quem faz o que lhe é determinado por quem comanda a sua prestação de serviços. Autônomo, ao revés, é aquele que dita as suas próprias normas. Tem a liberdade de trabalhar, pouco ou muito, e até de não trabalhar. Faz o que quer, como quer e quando quer, respeitando, obviamente, os contratos que livremente celebra. Diz-

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

128

se que a subordinação é jurídica: nasce e morre para e no contrato de emprego, dela se servindo a empregadora, dentro da lei, para atingir aos seus objetivos. Liricamente, haveria um sistema de freios e contrapesos, porque todo direito (principalmente de pessoa para pessoa, de subordinante para subordinado) tem de ser exercido com parcimônia, sem abuso. Cruamente, sabe-se que não é bem assim. Faltam ao empregado o freio e o contrapeso, vale dizer, o direito de resistência, que é irmão gêmeo da garantia de emprego. Assim, a subordinação deve ser analisada como quem descortina o vale do alto de uma montanha - repleto de encantos e de cantos, de segredos e de gredas. Múltiplas e diversificadas são as formas de subordinação: inclusive aquela caracterizada por muita sub e pouca ação. As suas cores, as suas tonalidades e sonoridades variam: a voz da tomadora de serviços pode ser grave ou aguda, como pode ser um sussurro, ou mesmo o silêncio. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Trabalhadores com vínculo e sem vínculo empregatício. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fog jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma (sic) produz sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica. Nessa perspectiva de mudança de eixo, a subordinação deixa de caracterizar-se pela ação. Subordinação sem ação. Restos de um modelo taylorista/fordista que se despedaçou e cujos gomos ou fragmentos se redirecionam para as células de trabalho. Tempos info-info, nova fórmula, que se decompõe da seguinte maneira: sub(sob)ord(ordem)inação(destituída de ação). A preposição para significa, segundo Cândido Jucá, "na direção de; com destino a" (Dicionário Escolar de Dificuldades da Língua Portuguesa), pelo que a parassubordinação denota um tipo de trabalho que se dirige, que se destina à subordinação e não à autonomia, senão a expressão seria outra para-autônomo. A legislação trabalhista brasileira não prevê a figura do parassubordinado, que, se admitida por migração, deve ter uma inteligência de natureza inclusiva, de modo a valorizar o trabalho do homem numa sociedade em mudanças e em fase de assimilação de valores neoliberais. Não precisamos reproduzir cegamente soluções alienígenas, distante das nossas experiências, para que não

O teletrabalho e a questão da subordinação

129

corramos o risco de positivar o que não vivenciamos. O Direito deve ser o reflexo de experiências vividas pela sociedade onde se pretende seja instituído e aplicado e não o receptáculo de uma vivência de país estrangeiro. Nem tudo que é bom para os europeus é bom para os brasileiros e vice-versa. Assim, se se quer copiar a figura do parassubordinado, não previsto na nossa legislação com direitos próprios, então que se faça essa movimentação na direção do subordinado com todos (sic) as vantagens previstas na CLT e não no sentido contrário de sua identificação com o autônomo, gerando um tercius genus, isto é, o para-autônomo. Portanto, parassubordinação dentro e não além do modelo traçado no art. 3º, da CLT, que necessita de uma intro legere em consonância com a realidade social. (TRT 3.ª Região, RO 00546-2007-091-03-00-0, 4ª Turma, Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAcordao=578693&acesso=d88e7a6a2bfa2d1cb077da0550bfad27>. Acesso em: 5 jun. 2013. Destacou-se.)

8.3 A subordinação no teletrabalho

Se, por definição, o teletrabalho é considerado espécie do trabalho à distância, para o que é

fundamental a utilização de tecnologias de informação e comunicação, pode causar a princípio

perplexidade a questão da operacionalização do poder diretivo do empregador com repercussões na

sua contrapartida: a subordinação jurídica do empregado.

Como visto, “a realidade corre mais depressa do que o Direito”.370 Destarte, as novas

tecnologias da informação e comunicação exigem respostas cada vez mais céleres do legislador

(assim como soluções pela doutrina e jurisprudência, num processo de retro-alimentação), que não

podem se basear em esquemas antigos e hodiernamente ineficazes.

Não devem, portanto, causar estranheza as lições de COELHO MOREIRA371 e de

VASCONCELOS PORTO372 de que a revolução tecnológica propicia um poder de controle muito maior

e muito menos aparente, tendente até a ser imperceptível, mas nem por isso menos eficaz, do que

aquele feito pelo superior hierárquico, de forma física, no esquema tradicional da subordinação

clássica.

Assim, se a atividade é prestada de forma interativa (on line), isto é, de forma que o

trabalhador esteja em contato direto com o sistema informático da empresa, esta pode lhe dirigir

instruções e controlar a execução do trabalho em tempo real. Se o trabalhador presta sua atividade

370MOREIRA, Teresa Coelho. O controlo das comunicações electrónicas dos trabalhadores. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p. 63. 371MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controlo electrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p. 11-34. 372PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 86-91.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

130

de forma desconectada (off line), mesmo não se podendo falar em controle em tempo real, ele

igualmente existirá se aquele utiliza software fornecido pela empresa, o qual pode “registrar tempo

efetivo de trabalho, o respeito às pausas obrigatórias, o número de operações realizadas e os erros

cometidos”. Ainda que não esteja submetido a tais controles, mesmo assim receberá instruções

através de e-mails ou de telefonemas, podendo o “controle patronal não se exercer durante a

prestação da atividade, mas, sim, sobre os resultados”, de modo que se torna inadequada a

dicotomia dos critérios “atividade” versus “resultado”, respectivamente, para estreitar as fronteiras

entre trabalho subordinado e trabalho autônomo.373

Nesse diapasão, não tem tanta importância a perquiração sobre quem é o proprietário dos

instrumentos de trabalho, mormente à vista do barateamento dos equipamentos de informática

(hardware), mas sim “a titularidade do software, que frequentemente incorpora o know-how da

empresa”.374

Retomando a ideia de panóptico de Jeremy Benthan, tratada no item 6.2.4, COELHO

MOREIRA375 fala em ubiquidade, pois a possiblidade de controle através das novas tecnologias de

informação e comunicação é praticamente ilimitada, com a particularidade de que o próprio

trabalhador, na medida em que utiliza o computador e os programas ali instalados para produzir,

acaba se tornando agente de seu controle pela empresa, eis que a municia de informações. Bem

por isso, expressa sua preocupação com os limites desse controle e com as repecurssões dele na

esfera dos direitos do trabalhador, notadamente os referentes à sua dignidade e privacidade.

Digno de transcrição o seguinte trecho do artigo em que trata do poder de controle

eletrônico do empregador:376

Defende-se a existência de um novo tipo de controlo, agora de natureza electrónica, controlo des-verticalizado, objectivo, incoporado na máquina e no sistema com o qual interage, tornando-se um controlo à distância, em tempo real, com uma enorme capacidade de armazenamento, capaz de memorizar, cruzar e reelaborar detalhadamente todos os comportamentos dos trabalhadores.

Diante de tudo isso, tem-se que a questão da subordinação jurídica não se esmaeceu no

373PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 88. 374PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 90. 375MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controlo electrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p. 11-34. 376MOREIRA, Teresa Coelho. As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controlo electrónico do empregador. In: MOREIRA, Teresa Coelho. Estudos de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2011. p. 34.

O teletrabalho e a questão da subordinação

131

teletrabalho. O facto de ele ser realizado longe das vistas do empregador não significa que este não

exerça seu poder diretivo, que, como visto, pode se dar de forma até mais intensa (e deletéria) do

que no esquema tradicional.

As zonas de penumbra entre a subordinação e a autonomia aqui também continuarão a

despertar questionamentos.

Em Portugal, que já conta com mais tradição no tema, visto estar inserido no contexto da

União Europeia e possuir legislação específica sobre o tema, a questão parece ser de mais fácil

solução, podendo-se apelar para a técnica do conjunto de indícios, prevista no art. 12º, do Código

do Trabalho.

Já no Brasil, embora não exista lei específica sobre o teletrabalho, não se pode deixar de

reconhecer que a introdução do parágrafo único, no art. 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho,

pela Lei n. 12.551/2011, representa um avanço, na medida em que equipara os meios telemáticos

e informatizados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão para fins de

subordinação jurídica, o que, inclusive, redundou na alteração da Súmula n. 428, do Tribunal

Superior do Trabalho.

De qualquer forma, a jurisprudência, com o valioso auxílio da doutrina, vem reconstruindo o

conceito de subordinação, para incluir, além da heterodireção da prestação laborativa, também a

inserção do trabalhador na organização produtiva da empresa (acepção objetiva), aliada a indícios

que revelem a falta de autonomia (subordinação integrativa), sendo que, entre os aqui indicados,

sobressai a utilização de softwares cedidos e atualizados pelo empregador.

Conclusão

133

9 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, podem ser enunciadas as seguintes conclusões:

1. A gênese do Direito do Trabalho não coincide com a origem do trabalho, sendo esta

muito mais antiga do que aquela e relacionada com o momento em que o homem fixou-se à terra e

organizou o sistema de trocas, deixando de trabalhar com sua família para seu próprio sustento.

Desde então, a humanidade já passou pelas agruras da escravidão, em que o homem era

considerado um mero objeto, desprovido de qualquer direito, restando desta época um antecedente

muito incipiente do contrato de trabalho, consistente na locatio conductio operarum, em que

determinada pessoa (locator) prestava serviço a outra (conductor), cuja remuneração era fixada

tendo em vista o tempo gasto na sua execução e não com o serviço em si, ao contrário da locatio

operis faciendi, antecedente do contrato de empreitada.

Seguiu-se o regime da servidão, característico da Idade Média, em que os doutrinadores

tendem a enxergar o trabalhador, integrante da classe social mais baixa, como sujeito de direito,

porém com limitações, visto submeter-se a regime de sujeição pessoal ao dono das terras onde

lavorava, não recebendo remuneração, mas proteção, em troca de serviços prestados, não podendo

ser vendido como o escravo, mas tendo sua sorte ligada ao destino da terra por ele arrendada.

Vários fatores contribuíram para a fixação do homem nas vilas, principalmente o

incremento do comércio. Surgiram então as Corporações de Ofício, organizadas de forma

hierarquizada, estando no ápice o mestre e na base o aprendiz, nas quais imperava o modo de

produção artesanal, e havia estatutos que normatizavam basicamente as questões técnicas, sem

prescrição de direitos aos trabalhadores, de modo a se manter o status quo dos mestres, que assim

se perpetuavam no comando daquelas através de seus descendentes.

Foi somente após a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, quando o trabalhador

(incluída a mão de obra infantil) passou a exercer suas atividades no chão de fábrica, submetendo-

se a jornadas e condições degradantes, o que se refletiu em índices alarmantes de acidentes de

trabalho e miserabilidade, que surgiu a “questão social”. A partir daí, gradativamente, foram

aparecendo normas que buscaram proteger a integridade física e psíquica do trabalhador, podendo-

se, então, vislumbrar a origem do Direito do Trabalho, com o escopo de tutela do hipossuficiente.

De lá para cá, sob o modo de produção capitalista, acompanhando a evolução dos meios

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

134

de produção e, mais recentemente, os avanços da tecnologia da informação e comunicação, pari

passu com a globalização, novas formas de trabalho vêm se desenvolvendo, colocando os

operadores do direito às voltas com questões antes impensadas, tal como o trabalho desenvolvido

em função das atividades da empresa, mas não necessariamente dentro de suas instalações, de

que é exemplo o teletrabalho.

2. Partindo da noção conceitual de que “pressuposto”, normalmente referido pela doutrina

trabalhista brasileira, é evento cronologicamente anterior a determinado ato ou ao seu surgimento,

independendo da vontade do agente no momento da declaração, mas sim consistindo num estado

de facto, sendo, pois suporte antecedente do fenômeno estudado, diferindo, assim, de condição e

requisito, tem-se que há aproximação com a noção de “elemento”, vocábulo empregado no art.

11.°, do Código de Trabalho português, que trata da relação de trabalho.

Destarte, comparando tal dispositivo legal com os artigos 2º e 3º, da CLT, onde estão

enunciados os conceitos de empregador e empregado, respectivamente, estes sim requisitos da

relação de trabalho, no Brasil, muito comumente referida como relação de emprego, num claro

exemplo de se tomar o gênero por uma de suas espécies, depreende-se que são pressupostos

comuns o facto de ser o sujeito passivo uma pessoa natural (Brasil) ou singular (Portugal), que

aufere remuneração, para prestar serviço de forma subordinada.

Saliente-se que no Brasil outros dois pressupostos são explicitamente apresentados, quais

sejam, a pessoalidade, no sentido de que a prestação é infungível, ou seja, o trabalhador não pode

se fazer substituir por outrem, o qual também é encontrado na doutrina e jurisprudência

portuguesas, e o da não eventualidade, significando que referida prestação deve se dar de forma

habitual, havendo tendência no Brasil a se adotar, para explicar tal pressuposto, a teoria da fixação

jurídica ao tomador de serviços, contrapondo o empregado ao trabalhador eventual.

Com relação ao pressuposto da subordinação, não restam dúvidas de que tanto em

Portugal como no Brasil, é considerado o elemento anímico da relação de trabalho, contrapondo-se

à prestação de serviços de forma autônoma ou independente. Bem por isso, os doutrinadores

pesquisados costumam compará-la ao reverso dos poderes de direção, comando e disciplinar do

empregador, o qual predispõe sobre o modo e em que condições o trabalho deve ser prestado,

devendo o empregado acatar tais determinações. Enfatiza-se, neste particular, a dimensão subjetiva

da subordinação, que remonta às origens do Direito do Trabalho, quando o labor era exercido sob o

Conclusão

135

paradigma liberal, que reinou absoluto até 2ª Guerra Mundial.

Tal inspiração é marcante na legislação brasileira, cujo art. 3º, ao invés de se referir à

subordinação, menciona a “dependência”, numa alusão à causa da necessidade de tutela conferida

pelo Direito do Trabalho, consistente na estrita e premente dependência econômica do trabalhador

em relação ao patrão, hoje superada, visto que a subordinação deve ser encarada como de

natureza jurídica, afastando-se assim a conotação de sujeição pessoal de um ao outro, mais

consentânea com o cânone da dignidade da pessoa humana.

Digna de encômios é a alteração promovida no art. 11.° do Código do Trabalho português

ao introduzir a noção de prestação “no âmbito de organização” de outra(s) pessoa(s), que vai

descortinando o ângulo objetivo da subordinação, assim como também a enumeração de indícios

para a configuração da relação de trabalho no art. 12.°, os quais não mais necessitam estar

presentes cumulativamente e podem ser considerados para levantar o véu de relações de trabalho

subordinado travestidas de trabalho autônomo.

3. O antecedente do teletrabalho remonta a 1873, quando J. Edgard Thompson

implementou a utilização do telégrafo para gerir as atividades nas diversas estações da Estrada de

Ferro Penn, nos Estados Unidos.

De outro lado, desde 1960, o trabalho a domicílio, praticamente extinto desde o final do

século XIX com a industrialização, reapareceu, ligado a atividades relacionadas com a indústria têxtil

e calçadista, daí se expandindo para outros setores.

O facto é que a Organização Internacional do Trabalho dele já se ocupou, definindo-o como

uma espécie de trabalho à distância, no qual são utilizadas tecnologias da informação e

comunicação (TIC).

Entre as classificações para ele propostas, sobressaem aquela relacionada com o lugar

onde o teletrabalho pode ser prestado, emergindo o trabalho em domicílio (home based work), o

nômade, o transnacional e o em telecentros, bem como a referida ao modo de relacionamento do

teletrabalhador com a empresa, que pode ser em tempo real (on line) ou não (offline).

Na Europa vem sendo tema de debates desde a criação da União Europeia em 1993, pelo

Tratado de Maastricht, oportunidade em que se tornou livre a circulação de pessoas e bens, bem

como foi criado o euro, o qual, afinal, entrou em circulação em 2002. Já nos Estados Unidos,

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

136

recebeu forte impulso a partir do atentado terrorista de 2001.

Sobre sua adoção, existem vantagens e desvantagens para o trabalhador, para a sociedade

e para as empresas.

Entre as vantagens citam-se a possiblidade de difusão do trabalho em zonas mais isoladas,

de inclusão de pessoas com deficiências físicas e de redução do tráfego urbano, com economia de

recursos materiais e de tempo para todos, proporcionando maior autonomia e oportunidade de

convívio familiar para o teletrabalhador.

Como desvantagens, elencam-se a possibilidade de isolamento deste em relação à

organização empresarial, com o enfraquecimento de sua participação em sindicatos e associações

de classes e a ameaça de violação de sua privacidade.

4. Na Europa, a partir da percepção da necessidade de se estender a integração entre os

Estados para além da área econômica, a Comissão Europeia passou a incentivar o “diálogo social”

entre os “parceiros sociais”, entendidos como organizações de empregados e de empregadores em

nível comunitário, de que são exemplos a ETUC (organização sindical de trabalhadores multi-

setorial), a BUSINESS EUROPE, anteriormente denominada de UNICE (de empregadores privados) e

a CEEP (de empregadores públicos).

O “diálogo social” partiu da premissa de que a relação entre a negociação coletiva e a lei

assume multiplicidade de formas entre os diversos Estados membros, havendo necessidade de

acordos-quadros, que são marcos de cooperação em nível comunitário, os quais devem ser

complementados por instrumentos posteriores, hábeis a implementar seus amplos dispositivos no

plano concreto. Desde então já foram celebrados acordos-quadros sobre licença parental, trabalho a

tempo parcial e contrato a termo.

Em 2002, foi assinado o Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho, compêndio de doze normas

gerais, cujo objetivo foi estender aos teletrabalhadores os mesmos benefícios e a mesma proteção

legal concedida aos empregados convencionais, abordando, entre outras, questões relativas ao seu

caráter voluntário, às condições em que deve ocorrer, à privacidade, segurança e saúde do

teletrabalhador.

A inovação deste em relação aos demais acordos-quadros referidos foi a opção para que

sua transposição do direito comunitário para o direito interno de cada Estado membro fosse feita

Conclusão

137

por procedimento autônomo, isto é, de acordo com as práticas específicas para gestão e de

trabalho de cada um.

Destarte, passados quatro anos de sua assinatura, isto é, em 2006, o Acordo-Quadro sobre

o Teletrabalho já havia sido implementado na maioria dos Estados membros da União Europeia e

da Área Econômica Europeia, basicamente de duas formas, isto é, através de acordos, que tanto

foram coletivos, feitos em nível nacional, setorial ou empresarial (e.g., Bélgica, França, Itália,

Luxemburgo e Alemanha), como entre os parceiros sociais (e.g., Espanha e Holanda), ou por meio

de legislação, como foi o caso, por exemplo, de Portugal.

5. Efetivamente, a regulamentação do teletrabalho subordinado em Portugal, na esteira do

Acordo-Quadro sobre o tema, deu-se no âmbito da sistematização da legislação trabalhista

portuguesa, através do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n. 99/2003, ambientada

nos seus artigos 233.º a 243.º, inserida na Seção IX, intitulada “Modalidades de Contrato de

Trabalho”.

A partir da sua oitava versão – Código do Trabalho de 2009 –, introduzida pela Lei n.

69/2013, o teletrabalho passou a ser regulado nos seus artigos 165.º a 171.º, cuja redação foi

mantida na nona e atual versão, dada pela Lei n. 27/2014.

Basicamente, trata-se aí da noção de teletrabalho; do regime de contrato para prestação

subordinada; do regime no caso de trabalhador anteriormente vinculado ao empregador; dos

instrumentos de trabalho; da igualdade de tratamento, da privacidade e da participação e

representação coletivas de trabalhador em regime de teletrabalho.

Saliente-se que, a despeito de mobilização do movimento sindical para incluir em tal

regulamentação o teletrabalho em callcenters e o teletrabalhador autônomo, a ideia não vingou, sob

o argumento de que não eram matérias inseridas no Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho. Bem por

isso, o Código do Trabalho enfatiza que a regulamentação ali prescrita aplica-se apenas ao

“contrato para prestação subordinada de teletrabalho”, o que não significa que não possa existir a

prestação autônoma de teletrabalho ou de forma parassubordinada, como salientado por MENEZES

DE LEITÃO, apenas não estão sob a tutela do CT/2009.

Percebe-se que a questão do teletrabalho subordinado está satisfatoriamente regulada em

Portugal.

A questão da subordinação no contexto do teletrabalho e seus reflexos: uma análise comparada entre Brasil e Portugal

138

6. Em compensação, no Brasil, tal regulamentação tem deixado muito a desejar.

Além do Projeto de Lei n. 4.505/2008 que não logrou aprovação, a única incursão

legislativa no tema se deu através da Lei n. 12.551/2011, que conferiu nova redação ao caput do

art. 6º, da CLT, introduzindo-lhe um parágrafo único, de tal forma que não interessa onde o trabalho

é prestado (se no estabelecimento do empregador, na casa do empregado ou à distância), mas se

há subordinação, para o que os meios telemáticos e informatizados são equiparados aos meios

pessoais.

Fora isso, não houve preocupação do legislador em detalhar as intercorrências dessa nova

modalidade de prestação de trabalho à distância, tal como observado no Acordo-Quadro Europeu e

no Código de Trabalho Português.

Em razão da alteração legislativa supracitada, todavia, o Tribunal Superior do Trabalho

houve por bem reformular a Súmula n. 428, que trata do tempo de sobreaviso, originariamente

editada para uniformizar questões relativas ao tempo à disposição do empregador pelos ferroviários,

para admitir, além do uso de BIP, pager e aparelho celular, qualquer instrumento telemático ou

informatizado fornecido pela empresa.

Numa interpretação sistemática e teleológica, tem-se entendido, a partir da alteração de tal

Súmula, que não é mais necessária a limitação na liberdade de locomoção do empregado, para que

se configure o regime de sobreaviso, bastando seu estado de disponibilidade para cumprir as

ordens do empregador.

Verifica-se que, embora citada Súmula se restrinja ao sobreaviso, guarda uma relação de

causalidade e de continência em relação ao teletrabalho, eis que sua alteração ocorreu em razão da

Lei n. 12.551/2011 e que, se o lugar onde a prestação do trabalho não deve interferir para a

caracterização deste, com muita razão também não pode ser empecilho para a daquele.

7. Doutrina e jurisprudência tendem a não considerar mais a subordinação meramente pelo

critério subjetivista e personalista, fazendo uma releitura do instituto, com seu alargamento. Assim

destaca-se a concepção objetiva, consistente no enfoque sobre a inserção da atividade do prestador

na empresa, o que, entretanto, pode dar margem ao tratamento do autônomo como se fora

subordinado.

Por isso, no Brasil, vem se cogitando da subordinação estrutural, que preconiza a inserção

Conclusão

139

do trabalhador na dinâmica da empresa (Godinho Delgado), invocada em casos de terceirização

ilícita, e da subordinação integrativa, que alia a subordinação objetiva a critérios de exclusão da

autonomia (Vasconcelos Porto), que tem a vantagem sobre a primeira de não tomar consequência

como característica.

A despeito do interesse que vem despertando, a parassubordinação, oriunda da Itália, não

foi positivada no Brasil, sendo que em Portugal pode-se vislumbrá-la no art. 10º, do Código do

Trabalho, que faz referência a trabalho autônomo e à dependência econômica.

Com relação especificamente ao teletrabalho subordinado, em Portugal, a questão se

encontra bem encaminhada, visto haver legislação específica (atuais arts. 165º a 171º), podendo,

nas zonas de incerteza, ser utilizada a técnica de indícios, positivada no art. 10º, do CT/2009.

No Brasil, tem-se a equiparação dos meios telemáticos e informáticos de comando, controle

e supervisão aos meios pessoais e diretos, por meio do parágrafo único, do art. 6º, da CLT,

introduzido pela Lei n. 12.551/2011. No mais, nas zonas de fronteira tem atuado a jurisprudência,

com o auxílio da doutrina.

A fim de que a questão não fique sob a discricionariedade exclusiva dos jurisconsultos, no

âmbito deste trabalho, embora se reconheça o esforço daqueles, entende-se que o legislador

deveria dotar o Brasil de legislação específica sobre o tema, nos moldes do que ocorreu em

Portugal.

De todo modo, é engano supor que o distanciamento físico do teletrabalhador do

estabelecimento empresarial gere barreiras incontornáveis para a aferição da subordinação jurídica.

Muito ao contrário, o poder diretivo do empregador continua sendo exercido, notadamente através

dos softwares instalados na máquina do teletrabalhador, numa dimensão antes nunca imaginada,

eis que feito normalmente em tempo real e de forma mais contundente do que no padrão

tradicional, despertando questionamentos quanto aos seus limites, como faz Coelho Moreira.

Referências bibliográficas

141

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