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Mariátegui Uma sensibilidade socialista autogestionária nos Andes Cláudio Nascimento “Mariategui ainda se ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e politico dos que querem conferir aos latino-americanos a opção pelo marxismo” (Florestan fernandes) 1. Introdução A professora cubana Isabel Monal em ensaio intitulado “Marx, America Latina y el alza del movimiento popular” , ( apresentado no 6º Coloquio Marx-Engels,em novembro 2009, promovido pelo Cemarx-unicamp), afirma que : Com a entrada do seculo XXI a America Latina se converteu em um centro das lutas e levantes populares contra o neoliberalismo e o imperialismo e inclusive se lançou em esboços de superação do capitalismo (grifos nossos ).Parece que assistimos a uma eclosão de efervescência de transformação social que teve seus inícios desde os últimos Anos do seculo recentemente concluído”.( “Capitalismo:crises e resistências”.outras expressões.2012.p.261). Que papel ou influencia tem o marxismo nesse ciclo de novas lutas em Nuestra America.E,sobretudo,no arquipélago dos marxismos,quais os que estão reatualizados ? E,também, qual Marx ? A essa questão Isabel tenta responder em seu ensaio, ressaltando o que chama de “marxismo fundacional latino-americano”, “representado pelo chileno Luis Emilio recabaren, o cubano Julio Antonio Mella e por sua grande figura que se destaca, o peruano José Carlos Mariátegui.(grifo nosso). E esse marxismo constitui uma herança insubistituivel para as atuais lutas antiimperialistas e anticapitalistas”.Monal aproxima esse ‘narxismo fundacional’ às idéias do “Marx tardio”,”em que aspectos essenciais de sua teoria da revolução foram modificados ou enriquecidos”(ibid-p.263). Na visão de Isabel Monal, “Esse legado é tão mais valioso que algumas das idéias e teses com que eles enriqueceram e desenvolveram o marxismo segundo as condições do continente se assemelham com aquelas analises e apreciações dos clássicos desenvolvidas no final de suas vidas apesar de que 9com exceção talvez de Mariategui em relação a carta de Marx a Vera Zassoulitch ) não podiam ter conhecido a evolução de Marx que o aproximava às possibilidades revolucionarias deste distante continente”.(ibid-p.264) Para Isabel Monal, “O Marx tardio está mais próximo da America Latina e de suas problemáticas, inclusive das atuais,porque tanto ele como engels chegaram a superar, entre outras coisas, a cisão, que havia caracterizado sua concepçãoentre a chamada questão nacional e a questão social.” E,faz referencia ao que chamamos de autogestão comunal: “E porque ao complexificar também, cada vez mais, o esquema evolutivo (que nunca foi linear,é bom insistir) chegou a prever a possibilidade, a partir de condições socioeconimicas especificas,de que a Russia saltaria a etapa capitalista de desenvolvimento e que se apoiaria nas comunas agrícolas no processo até o socialismo grifo nosso- (borrador da carta a Vera Zassoulitich), com o qual deixava aberto e assentado esta e outras possibilidades

Mariategui to Góias

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  • Maritegui

    Uma sensibilidade socialista autogestionria nos Andes

    Cludio Nascimento

    Mariategui ainda se ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e politico dos que querem conferir aos latino-americanos a opo pelo marxismo

    (Florestan fernandes)

    1. Introduo

    A professora cubana Isabel Monal em ensaio intitulado Marx, America Latina y el alza del movimiento popular ,( apresentado no 6 Coloquio Marx-Engels,em novembro 2009, promovido pelo Cemarx-unicamp), afirma que :

    Com a entrada do seculo XXI a America Latina se converteu em um centro das lutas e levantes populares contra o neoliberalismo e o imperialismo e inclusive se lanou em

    esboos de superao do capitalismo (grifos nossos ).Parece que assistimos a uma

    ecloso de efervescncia de transformao social que teve seus incios desde os ltimos

    Anos do seculo recentemente concludo.( Capitalismo:crises e resistncias.outras expresses.2012.p.261).

    Que papel ou influencia tem o marxismo nesse ciclo de novas lutas em Nuestra

    America.E,sobretudo,no arquiplago dos marxismos,quais os que esto reatualizados ?

    E,tambm, qual Marx ? A essa questo Isabel tenta responder em seu ensaio,

    ressaltando o que chama de marxismo fundacional latino-americano, representado pelo chileno Luis Emilio recabaren, o cubano Julio Antonio Mella e por sua grande

    figura que se destaca, o peruano Jos Carlos Maritegui.(grifo nosso).E esse

    marxismo constitui uma herana insubistituivel para as atuais lutas antiimperialistas e

    anticapitalistas.Monal aproxima esse narxismo fundacional s idias do Marx tardio,em que aspectos essenciais de sua teoria da revoluo foram modificados ou enriquecidos(ibid-p.263). Na viso de Isabel Monal, Esse legado to mais valioso que algumas das idias e teses com que eles enriqueceram e desenvolveram o marxismo segundo as condies do

    continente se assemelham com aquelas analises e apreciaes dos clssicos

    desenvolvidas no final de suas vidas apesar de que 9com exceo talvez de Mariategui

    em relao a carta de Marx a Vera Zassoulitch ) no podiam ter conhecido a evoluo

    de Marx que o aproximava s possibilidades revolucionarias deste distante

    continente.(ibid-p.264) Para Isabel Monal, O Marx tardio est mais prximo da America Latina e de suas problemticas, inclusive das atuais,porque tanto ele como engels chegaram a superar,

    entre outras coisas, a ciso, que havia caracterizado sua concepoentre a chamada

    questo nacional e a questo social. E,faz referencia ao que chamamos de autogesto comunal: E porque ao complexificar tambm, cada vez mais, o esquema evolutivo (que nunca foi linear, bom insistir)

    chegou a prever a possibilidade, a partir de condies socioeconimicas especificas,de

    que a Russia saltaria a etapa capitalista de desenvolvimento e que se apoiaria nas

    comunas agrcolas no processo at o socialismo grifo nosso- (borrador da carta a

    Vera Zassoulitich), com o qual deixava aberto e assentado esta e outras possibilidades

  • vlidas tambm para outras latitudes a partir, claro est, de condies especificas que o

    permitissem.(ibid-p.265)

    Enfim,especificamente em relao ao nosso ensaio sobre o Amauta,podemos colher na

    escruta de Monal que No caso especifico de Mariategui ficou estabelecido um amplo e profundo nexo entre o conjunto das demandas sociais e nacionais com as lutas dos

    povos indgenas.E comprendeu as possibilidades das comunas indgenas originarias

    ( com sua propriedade comunal ) de um conjunto de pases com numerosa populao indgena como era o caso de sua natal Peru para constituir as bases das

    transformaes at o socialismo-grifos nossos-.(ibid-p.269)

    J no final dos anos 80, vrios pensadores mariateguianos reclamavam uma vuelta Mariategui (Guibal e Ibanez-1987),ou quando da comemorao do centenario do Amauta ,em 1994, o ensaio de F.Guibal mais uma vez reclamava a vigencia de Mariategui (1995).A mesma perspectiva corta os vrios ensaios de M.Lowy sobre Mariategui,sobretudo, o famoso ensaio o marxismo romntico de Mariategui (1994). O ensaio de Florestan Fernandes para o centenario de Mariategui intitulava-se

    Significado atual de J.C. Mariategui (1994).

    Uma nova etapa se abriu para obra de Mariategui justamente no ano do seu

    centenrio,quando em janeiro de 1994,o neozepatismo surge nas selvas de

    Chiapas,marcando um novo ciclo de lutas em Nuestra America.

    As experiencias na Venezuela e na Bolivia , em torno da autogesto comunal,do poder popular,trouxeram uma nova leitura da obra do Amauta. Nesse sentido, o trabalho de Miguel Mazzeo,na Argentina,busca o descobrimento de Mariategui pelos lutadores envolvidos na construo do poder popular.Essa a marca de seus livros: Invitacin ao descubrimento(Enero de 2009) e Vigencia de J.C.Mariategui( Junio de 2009).

    Em relao ao Brasil ,a vigencia da obra de Mariategui adquire mais expresso nesta

    conjuntura marcada por Governos social-desenvolvimentistas de Lula (2003-2010) e de Dilma (2011-2014),que na verdade, um processo de longa durao, relativo ao esgotamento em nvel estrutural , de atores, partidos,idias,etc. Parece que se encerra

    todo um longo ciclo,iniciado nos anos 30.Para as esquerdas, significa mais um momento

    de reestruturao como os j vivenciados no ps Guerra( 1946) , no ps Golpe Militar

    (1964) e no final da ditadura militar (80) , quando surgiu o PT. Nestes vrios momentos,

    viradas de pocas, as esquerdas ,em alguns, conseguiu superar o momento histrico de

    forma relativamente unitria, noutros , atravs de fragmentaes que tiveram

    posteriormente resultados negativos.Mais uma vez, a historia conclama por novas

    opes.

    nesta encruzilhada, que Mariategui traz contribuies fundamentais.

    Em 1994, quando da vitria do neoliberalismo , Florestan Fernandes ,antevendo

    desafios futuros , escreveu sobre a atualidade de Mariategui, levantando questes que constituem uma verdadeira agenda ,ainda vlida para os nossos dias. Afinal, os

    impasses e problemas estruturais ,postos para as esquerdas nos governos dos anos

  • 1994-2002 (FHC), e posteriormente nos dos anos 2003-2012 (Lula-Dilma), no foram

    superados .

    A obra de Mariategui no Brasil

    Se tomarmos com referencia a obra de Leila Scorsim (2006) sobre a vida e a obra de

    JCM,a primeira que aborda de forma sistematica a obra do Amauta no nosso pais,

    veremos que, em nota de p de pgina, a autora ao abordar a herana poltica de Mariategui, traa um pequeno balano da fortuna de JCM no Brasil.Leila assinala que tambm na America Latina, os principais centros de pesquisa ( institutos de investigao e universidades do Mxico, da Argentina, do Chile, de Cuba e da

    Venezuela) dedicam-lhe visvel ateno.Aqui entra a nota:

    O que no se verifica no Brasil.Entre ns, somente se traduziu e tardiamente- uma obra de Mariategui; os 7 ensayos...( traduo de 1974, portanto, com quase 50 anos de

    atraso- nota nossa);h uma Coletanea de escritos seus (Bellotto e Correa,orgs,1982) e

    uns poucos deles figuram em M. Lowy (org. 1999);sob responsabilidade desse

    estudioso,est anunciada,pela editora da UFRJ, a edio de uma antologia

    mariateguiana; tenho noticia mas no pude examinar a edio- da publicao,em Portugal,de alguns textos de Mariategui, pelas edies 70 (Lisboa),logo aps a

    Revoluo dos Cravos.Pouquissimos intelectuais brasileiros, na segunda metade do

    sculo 20, interessam-se pela obra de Mariategui os registros que examinei referem,Ademias de Bellotto e Correa e Michael Lowy, os nomes de Florestan

    Fernandes, Carlos Nelson Coutinho, Alfredo Bosi, Claudio Nascimento, Jorge

    Schwartz,Jos Paulo Neto e Leandro Konder. ( Leila.2007-p.41). Mas, na segunda dcada do sculo XXI,a fortuna da obra de Mariategui no Brasil j

    considervel.Ressaltamos os diversos ensaios de M.Lowy e o livro que organizou pela

    Editora da UFRJ (2005); o imenso trabalho editorial de Luiz Bernardo Perics; a

    iniciativa de Jos Antonio Seggato (2002).Novas edies de Os 7 Ensaios : a 2 edio pela editora Alfa-Omega (com prefacio de Florestan Fernandes) em 2004 e a

    edio da Expresso popular-Clacso em 2008.Entre outras obras, a Editora Boitempo lanou o importante livro de Mariategui Defesa do marxismo(2011).

    Fazendo uma sntese, em ordem cronolgica:

    -Mariategui: Sete ensaios de interpretao da realidade peruana.editora Alfa-Omega.1975.(prefacio de Florestan Fernandes)

    -Jos Paulo Neto: O contexto histrico-social de Mariategui.Encontros com a Civilizao Brasileira,n.21.RJ.1980

    -Mariategui,Coleo grandes cientistas sociais.Editora tica.1982 -Hctor Alimonda:Mariategui.Coleo Encanto Radical.Brasiliense.1983 -Claudio Nascimento: Mariategui,che Guevara e Carlos Fonseca,fontes da revoluo na Amrica Latina.Ceca-Cedac.1989

    -Alfredo Bosi: A vanguarda enraizada ( o marxismo vivo de Mariategui).estudos avanados-USP.1990

    -Florestan Fernandes:Significado atual de Jos Carlos Mariategui.Andes.Brasilia.1994.

  • - Florestan Fernandes:Significado atual de Mariategui.Em: A Contestao Necessria.Retratos Intelectuais de Inconformistas e Revolucionrios.editora atica.1995

    P.Barsotti e L.B.Perics (orgs):Amrica latina: historia, idias e revoluo.Xam.1998 -M.Lowy (org.): O marxismo na Amrica Latina.Uma antologia de 1909 aos dias atuais.Fundao Perseu Abramp.1999 -M.Lowy:Marxismo e Romantismo em Mariategui.revista Teoria & Debate-PT.1999

    -E.Amayo e Jos A.Segato: J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica latina.Cultura acadmica.Unesp-Araraquara.2002

    -Mariategui,Sete ensaios.2 edio.editora Alfa-Omega.2004

    -M.Lowy (org.): Mariategui.Por um socialismo indo-americanoeditora UFRJ.2005 -Mariategui Do sonho s coisas.retratos subversivos.L.B.Perics (org.).Boitempo editorial.2005

    -Leila Scorsim : Mariategui vida e obra (expresso popular) ,2006. -Mariategui,Sobre educao.L.B.Perics (org.).Xam.2007 - Mariategui, Sete Ensaios.expresso Popular-Clacso.2008.

    -Mariategui,As origens do fascismo.L.B.Perics(org.).Alameda.2010 -Mariategui.Defesa do marxismo.Boitempo editorial.2011 -Mariategui,A Revoluo Russa.L.B.Perics.expresso Popular.2012

    importante assinalar que na monumental Historia do Marxismo,coordenada por Eric Hobsbawm, Jos Arico tem um ensaio em que aborda a obra de Mariategui

    (Mariategui e o surgimento do marxismo latinoamericano).Historia do Marxismo vol 7.editora Paz e Terra.

    Fazendo um longo parnteses , no que diz respeito ao meu interesse, posso assinalar

    alguns elementos ,em ordem cronolgica:

    Nos anos 70,exatamente em 1975,tomei conhecimento da obra de Mariategui na

    Documentao do CEDI *, atravs de documentos e livros que chegavam de vrios

    pases da America Latina, como forma de intercambio editorial com nossas

    publicaes.Nesse sentido, com destaque para as obras publicadas pela editora peruana

    Tarea, sobretudo os ensaios sobre Mariategui escritos por Alfonso Ibanez e Francis Guibal:

    Alfonso Ibanez. Mariategui : Revolucin y Utopia.Ed. Tarea.1978 F.Guibal:Mariategui,um Gramsci peruano ?- Anexo de Gramsci:filosofia, politica, cultura.Ed. Tarea.1981 Emilio Choy:Lenin y Mariategui.Amauta.1975

    Ainda em 1975 foi publicada a obra mariateguiana os 7 Ensayos... ,prefaciado por Florestan Fernandes,trazendo uma viso mais sistematica da obra do peruano.

    Em 1987 participando de um Seminario em Santiago do Chile, encontrei educadores

    peruanos que me presentearam o livro Mariateguy Hoy,publicado em 1987 por tarea.O livro tinha autoria de F. Guibal e A. Ibanez. Nessa obra,os dois autores reclamam uma vuelta a Mariategui. Vamos destacar alguns pontos fortes dessa obra.Para Guibal-Ibanez o que podemos

    achar em Mariategui no um modelo ou receitas,mas todo um estilo de vida, uma

  • concepo singular do marxismo como teoria e pratica da revoluo socialista.(ibid-p.8).

    No nvel poltico os autores realam a principal Idea do socisliamo mariateguiano:o trao mais caracterstico a primazia que sempre outorgou aos movimentos sociais bo

    processo de auto-determinao, as formas autnomas de organizao e de luta do

    movimento operrio e popular.(ibid). Mbos defendem que os novos sujeitos em vias de auto-organizao reclamam uma renovada racionalidade da prxis revolucionaria. O socialismo ter que ser reformulado

    desde seus fundamentos...(idem-p.11). Em um dos captulos falam do socialismo indo-americano.Mariategui pe uma problemtica indita: o fator raa se complica com o fator de classe em forma que uma poltica revolucionaria no pode deixar de ter em conta.deve-se converter o fator raa

    em um fator revolucionrio(ibid-p.65). Para Mariategui Um socialismo peruano,ento,ter que apoiar-se basicamente na comunidade indgena como organismo cooperativo de produo e de consumo para

    torna-la a clula de um Estado socialista moderno (ibid-p.65). E,antecipando os processos em curso nos Andes, Uma conscincia revolucionaria indgena tardar talvez a formar-se;porm, uma vez que o indio tenha feito sua a idia socialista, a servir com

    uma disciplina, uma tenacidade e uma fora em que poucos proletrios de outros meios

    podero acompanha-lo.(ibid). Nessa perspectiva,para Guibal e Ibanez A atualidade de Mariategui, portanto,

    reposaria no profundo esprito libertrio que impregna toda sua obra critico-

    pratica(...).Em todo caso, suscetvel de sugerir a configurao de uma nova cultura

    poltica autogestionria para nosso hoje histrico(ibid-p.76) Qual a estrategia? No partindo do protagonismo dos partidos polticos, que com freqncia tudo submetem a sua virtual ou real administrao estatal, mas desde a

    consolidao do processo de auto-orgnizao dos explorados em forma democrtica e

    unificada.isso supe impulsionar a generalizao das iniciativas autogestionarias de

    democracia direta de base, nas diferentes esferas da atividade social, ao mesmo tempo

    como meio e fim da transformao radical(ibid-p.77). Sem duvidas, um processo de construo de Poder Popular Comunal :construir desde abajo, em meio a vida cotidiana, a democracia, a nao e o socialismo,concluem nossos autores.(idem).

    Guibal e Ibanez j nesse livro recorrem obra de M.Lowy, Marxisme et Romantisme Rvolutionaire),ed. Le Sycomore.1979).A referencia Lowy diz respeito ao comunismo incaico.Mariategui, ao sentar as bases do scoailismo indoamericano,tem muito prsente no s a penetrao do capital imperialista e a industrializao do pais,

    mas tambm as tradies comunitrias do campesinato indgena, onde percebe os

    germens do futuro socialismo(ibid-p.86) Por fim, o ltimo capitulo, Os desafios do socialismo foi de fundamental importncia para meus trabalhos posteriores sobre Mariategui e o socialismo autogestionrio,abraando os trs eixos constitutivos do socialismo :Auto-gesto econmica, Auto-organizao poltica e Auto-criao cultural.(ibid-p.217-255)

    Em 1988 ,participando com um grupo de rurais da regio sul,fomos a Nicaragua e

    Cuba.Na volta preparei um seminrio com o grupo e escrevi um ensaio intitulado Mariategui, Che Guevara e Carlos Fonseca:fontes da revoluo na America latina tentativa de situar um filo marxista romntico.(Ceca-Cedac.1989)

  • Ainda em 1988 participei, a pedido de Mauricio Tragtemberg ,de um curso na UNB

    sobre Planejamento,Administrao e Educao.Na oportunidade tratei das idias de

    Mariategui em um ensaio Educao na Transformao (Editora UNB,1989).

    As idias desse ensaio j tinha usado em final de 1991,logo aps a queda do Muro de Berlim , em um encontro de militantes do PT-SC,para elaborao do Programa de uma Corrente interna chamada de Alternativa Socialista,nome extrado de uma Revista francesa dirigida por Roger Garaudy.Eram as idias extradas da obra de Guibal e

    Ibanez.

    Em 1991 no INCA*,iniciei uma investigao sobre Mario Pedrosa e me surpreenderam

    as afinidades eletivas que o critico de artes tinha com Mariategui.Desse elemento parti para um trabalho traando as afinidades entre os dois marxistas.O ensaio intitulou-se

    Mario Pedrosa e Mariategui, um marxismo embruxado,e foi usado para um Concurso chamado Jos Arico, na Argentina.Terminei com um pequeno ensaio publicado na Revista Amrica Libre n.5-1994: Mario Pedrosa y Mariategui: um marxismo embrujado(um socialismo em la construccin de la hegemonia cultural) .

    Em 1990,em palestra na PUC Recife,um balano sobre os fatos ocorrido em 1989 no Leste eutopeu,sobretudo na Polonia,retomei as idias de Mariategui.

    Para Revista dos Metalurgicos do Sindicato de Campinas apresentei um ensaio Leste europeu,reforma ou revoluo ? (1991), que finaliza com as idias de Mariategui sobre o socialismo autogestionario.

    Determinante foi o contato com os ensaios de M.Lowy sobre o romantismo revolucionrio,um deles sobre Mariategui : -Em espanhol:El marxismo romantico de Mariategui.Revista America Libre-2.1993. -Em Frances:Marxisme et romantisme chez J.C. Mariategui,ensaio para o Coloquio Mariategui et lAmerique Latine au seuil du XXI siecle.University Sorbonne.november 1994.

    Estes ensaios de M.Lowy, foram fundamentais para articular a viso de Mariategui no

    campo do romantismo revolucionario, junto com Mario Pedrosa.Inclusive,a pesquisa que iniciei naquela poca ,sobre os files do romantismo revolucionrio no Brasil

    (nomes como Antonio Candido,S.B.de Holanda,Mario de Andrade,entre outros) vinha

    sob o titulo de Constelao mariateguiana brasileira.Mas, com o tempo o ensaio sobre Mario Pedrosa tomou autonomia e, o sobre Mariategui tornou-se um ensaio com vida

    prpria.

    Nessa perspectiva, continuei trabalhando Mariategui ,com o objetivo de analisar sua

    proposta autogestionaria.Esse trabalho me permitiu intercambiar com vrios

    mariateguianos ,alm de M.Lowy.Desse modo, o italiano Antonio Melis, Roland Forgues e muitos outros.Sobretudo o intercambio com os filhos de Mariategui,Javier e

    Sandro , dos quais recebi toda a obra do Amauta.

    No final dos anos 90, mais precisamente em 1999 , para 1 Conferencia nacional da

    PNF CUT,realizada em outubro, preparei um ensaio: Educao e Cultura:instrumentos de transformao da classe trabalhadora ? , em que abordei as idias de Mariategui,ao lado de Paulo Freire,Gramsci e Raymond Williams.

  • Em 2000, a Revista Utopia y Praxis Latinoamericana de Zulia-Venezuela publicou um outro ensaio :Jos Carlos Maritegui e o especifico nacional.

    Em uma brochura sobre Autogesto e Economia Solidaria (cadernos da cidade futura,2000.Florianopolis), retomei as idias de Mariategui junto as de Mario Pedrosa.

    Por fim, quando trabalhava com Economia Solidaria no Governo Olivio Dutra-RS,em

    2002,elaborei um verbete para publicao A Outra Economia (2003),intitulado Socialismo autogestionario,em que abordei Mariategui ( junto com R.Williams) no que chamamos de socialismo indo-americano.

    O ensaio atual foi iniciado a pedido do MST para uma coleo da Expresso Popular.Mas, terminei por escrever um texto mais complexo que o demandado, ao retomar os ensaios de F.Fernandes sobre Mariategui.

    Todavia, a partir dessa iniciativa ,abordar Mariategui pelo olhar de Florestan Fernandes, busquei sistematizar a viso do Amauta sobre o socialismo e a

    autogesto.As experincias em curso na Bolivia,Venezuela me impulsionaram ainda

    mais ao estudo da obra de Mariategui.Nesse sentido,os livros de Miguel Mazzeo na

    Argentina foram importantes,e as obras do boliviano Alvaro Garcia Linera, com

    destaque para La Potencia Plebeya.

    Numa poca em que fortuna da obra mariateguiana no era das mais ricas no Brasil ,

    do ponto de vista qualitativo, podemos afirmar que houve um olhar brasileiro em relao a sua obra.Um dos grandes marxistas do nosso pais,dedicou carinho especial a

    obra do Amauta.

    Neste sentido, no Brasil, uma das formas mais plenas de possibilidades de abordagem

    da obra de Mariategui, atravs das reflexes de Florestan Fernandes sobre o legado do

    Amauta. Este o sendero que vamos trilhar.

    Voltando a Florestan: no ano de 1994, quando se comemorava o centenrio do

    Amauta, Florestan voltaria a obra de Mariategui, com um texto publicado no Anurio Mariteguiano(volume 6,numero 6,de 1994),com o titulo de Significado Atual de Mariategui. No ano seguinte, a editora Atica publicou a ultima obra de Florestan, que morreu em

    agosto desse mesmo ano, significativamente intitulada de A Contestao Necessria- retratos intelectuais de incomformistas e revolucionrios.Nesta obra, Florestam busca responder as novas questes postas para a esquerda brasileira com a vitoria de FHC.

    2. O contexto (ps)neoliberal

    No centenrio do marxista peruano , um novo bloco dominante se constitua no Brasil,

    articulando uma grande aliana conservadora que unificou o conjunto das classes

    dominantes e elegeu FHC Presidncia do pais.

    Oito anos aps este fato, uma outra frente poltica,desta vez de centro-

    esquerda,elegeu nas eleies de 2002 ,Lula,um ex-operario metalrgico,ex-presidente

    da CUT e do PT, Presidncia do pais.Assim, cria-se a perspectiva de superao de

    uma onda longa conservadora ,do neoliberalismo.

  • Dizia-se que a esperana venceu o medo.Na verdade, as expectativas da sociedade,sobretudo,dos setores mais pobres, imensa.O novo presidente,quando da

    posse em Braslia, simbolicamente rendeu homenagem varias geraes da esquerda

    brasileira: citou na manifestao da avenida Paulista, a Mario Pedrosa; visitou Celso

    Furtado ,Maria da Conceio Tavares,Apolnio de Carvalho;a viva de Sergio Buarque

    de Holanda.

    Nos primeiros meses lanou o combate fome.

    Durante o III Frum Social Mundial,realizado em Porto Alegre,em janeiro de

    2003,ms da posse de Lula,em Seminrios e Conferencias, intelectuais de vrios paises

    discutiram as novas perspectivas e possibilidades abertas historia pela eleio de Lula.

    Possibilidades entre a esperana e a frustrao

    Os inmeros debates ocorridos durante o terceiro Frum Social Mundial ,e, diversos

    ensaios publicados em jornais,revistas , e debates na Mdia, nos permitem ter uma idia

    da perspectiva que se abria no Brasil

    As anlises mostram que no se trata apenas de uma nova conjuntura,mas de uma

    mudana que est grvida de possibilidades para transformaes qualitativas. No

    conjunto, entre otimistas e pessimistas, podemos ver que se trata acima de tudo de uma

    aposta pascaliana: ambas as possibilidades, de derrota e de vitria, esto presentes.

    O cientista poltico grego SAMIR AMIN , em debate no Frum Social Mundial ,

    sobre o tema O novo Brasil no mundo atual, afirmava que a situao do pais potencialmente revolucionaria, e, que seria um terceira etapa na historia do pais : -a primeira se encerrou com o fim da escravido;

    - a segunda contempla desde a Republica, passando pelo populismo de Vargas at o

    regime militar;

    - a eleio de Lula, o inicio da 3a etapa, pois permitir a entrada em cena das classes

    populares.

    Esta tem sido a tnica em relao ao momento atual brasileiro: uma abordagem que

    implica temporalidades longas e contradies profundas.

    Nesta mesma perspectiva, o cientista poltico brasileiro Francisco de Oliveira,

    escreveria: Na periodizao da longue dure brasileira, a eleio de Lula...tem tudo para ser uma espcie de quarta REFUNDAAO da historia nacional, isto , um

    MARCO de NO-RETORNO, a partir do qual impom-se novos desdobramentos. Ela

    pode ser a liquidao do que tem sido chamado a LONGA VIA PASSIVA brasileira, essa forma autoritria da expanso capitalista, uma modernizao sempre truncada pela

    limitao da cidadania. Na periodizao de Oliveira,

    -a Abolio seria a primeira refundao;

    - a Republica seria a segunda;

    -a Revoluo de Trinta, a terceira.

    Enfim, o momento atual est marcado pela possibilidade de que as classes dominadas convertem-se no novo eixo republicano e democratico. No final do ensaio, nosso Autor adverte que, O resultado eleitoral no significa hegemonia, mas apenas sua possibilidade. a poltica que ser instaurada que pode

    transformar o resultado em hegemonia.O carater do novo perodo que se abre ainda enigmtico.

  • O critico literario Antonio Candido, tambm fazendo uma analise de onda de longa

    durao afirma que h um simbolismo na eleio de Lula: cansado das injustias e dos

    erros cometidos pelas elites, o povo brasileiro resolveu confiar o seu destino a algum

    da classe operaria. Candido define a singularidade de Lula, pelo fato de que, continua

    essencialmente identificado aos intereses da sua classe. Sob esse aspecto, a sua vitria

    coroa um PROCESSO HISTORICO iniciado com as lutas sociais do fim do sculo 19 e

    acelerado depois de 1930 devido ao incremento da industrializao. Candido ressalta as

    esperanas do ps-Guerra, em 1945, e que, talvez, o momento decisivo veio com as

    greves do ABC em meados do decnio de 1970.

    Candido recorre a analogia com a conjuntura aberta em 1945 , afirmando que a utopia

    dos socialistas naquela poca, expressa por Paulo Emilio de juno da classe media, do

    campesinato e do operariado, pode agora ser uma realidade:

    Talvez as trs foras definidas por Paulo Emilio possam agora compor uma aliana capaz de mudar a face do Brasil.

    Por sua vez, Jose Luiz Fiori declara que dos 3 projetos que disputaram o poder e as

    idias no Brasil, o terceiro est se iniciando agora: nunca ocupou o poder estatal nem comandou a poltica econmica de nenhum governo republicano, mas teve enorme

    presena no campo da luta ideologico-cultural e das mobilizaes sociais. Nos anos 60, a vertente nacional,popular e democratica do desenvolvimento chegou a

    propor uma reforma do projeto. Para Fiori, a historia no se repitir, mas no nenhum anacronismo retomar velhos objetivos frustados e reprimidos atravs da historia para

    reencontrar novos caminhos. Todavia, com a mesma metodologia da longue dure, encontramos vozes que alertavam para a possvel frustao, titulo do ensaio de Csar Benjamin . Este afirma que ningum sabe descrever, com um mnimo de preciso, que pais Lula vai governar.O Brasil que temos pela frente um quebra-cabeas

    que ainda no foi montado.. E que, Da trajetria percorrida no sculo 20, at cerca de vinte anos atrs, j temos interpretaes mais ou menos consagradas. De l para c estamos em vo cego.

    Csar afirma que a crise brasileira no apenas uma crise de Estado, mas uma crise que perpassa o conjunto da sociedade, e que sua soluo implica algo muito difcil: revolucionar relaes sociais.

    Em relao a via passiva brasileira, lembrada por Francisco de Oliveira, Perry Anderson nos advertia que: H tambm o peso da tradio cultural que se far sentir sobre os agentes de qualquer renovao. Muito mais ainda que a Itlia, que lanou o

    conceito para o mundo, O Brasil por excelncia o pais do transformismo, a capacidade que possui a ordem estabelecida de abraar e inverter as foras

    transformadoras, at que fica impossvel distingui-las daquilo que se propunham a

    combater. o lado sombrio da incomparvel cordialidade brasileira. O paz e amor , por antecipao, um vocabulrio de indigesto e derrota. Uma causa pode sobreviver

    a um slogan, mas , sem slogans melhores do que este, as presses objetivas no vo

    demorar a esmagar os desejos subjetivos.

    Um longo ciclo : 1973 2003...

    Emir Sader, analisou o momento da Amrica Latina a partir do fato de que : 2003 promete ser o ano mais importante para o continente desde 1973...A partir de 2003

    enfrentamos uma aberta crise de hegemonia na Amrica latina, com o esgotamento dos

  • blocos no poder, sem que se tenham formado ainda novas foras em condies de

    preencher esse vazio. Se o continente aponta para um horizonte pos-neoliberal, 2003 ter sido um ano

    histrico, como foi 1973, porm desta vez, para um patamar de avano das lutas

    histricas. Assim, abre-se , Um perodo novo em que os espaos de alternativa esto abertos, representando para o movimento popular e o movimento de massas possibilidades

    novas de interveno, com governos que podem ser expresso e interlocutores de suas

    reivindicaes e que, por sua vez, tero seu significado condicionado pela prpria ao

    das foras sociais, poltiticas e culturais que a esquerda latino-americana acumulou nas

    decadas de resistncia ao neoliberalismo.

    O cientista poltico argentino Atlio Boron, afirma que: a eleio de Lula da Silva representar o comeo do ciclo histrico pos-neoliberal na America Latina.A vitoria de Lula constitui,para Boron, um fato histrico comparvel, no ultimo meio sculo, com o triunfo da Revoluo Cubana em janeiro de 1959, com o de Salvador Allende no

    Chile em setembro de 1970, coma vitria insurreicional infelizmented derrotada depois- dos Sandinistas e com a irrupo do zapatismo no Mxico em janeiro de 1974. Contudo ,Boron tambm adverte para as enormes dificuldades do processo. Diz que as

    reformas propostas no so suficientes para a construo de uma sociedade pos-

    capitalista;mas, podem,se forem realizadas sob uma forma democrtica, auto-

    gestionaria,participativa, constituir um aporte considervel para avanar em direo a

    uma nova sociedade.

    Revoluo ativa ou iluso de hegemonia ?

    Todavia, os primeiros meses de Governo Lula, no corresponderam s

    expectativas(...).Sobretudo, a continuidade no campo da poltica economica

    ,emperrando os projetos de cunho social e as polticas publicas,eixos fundamentais e

    determinantes do Programa de Governo do PT.Alguns Ministrios e Agencias

    financeiras foram ocupadas por foras empresariais conservadoras.Ministerio da

    Industria e Comercio, Ministrio da Agricultura , Banco Central,por exemplo.Este

    processo explicaria algumas dificuldades e mesmo derrotas do campo popular-

    democratico: meioambiente com a questo dos transgenicos;a disputa pela

    representao do mundo do trabalho, sindical e cooperativo,travada no Frum Nacional

    do Trabalho.

    O cientista poltico Francisco de Oliveira, profundo conhecedor dos processos

    polticos brasileiros tentou analisar o novo momento poltico.Na introduo nova

    edio de sua Critica razo Dualista, o sociologo pernambucano,em ensaio chamado de Ornitorrinco, conclue que:

    A representao de classe perdeu sua base e o poder poltico a partir dela estiolou-se. Nas especificas condies brasileiras, tal perda tem um enorme significado: no esta

    vista a ruptura com a longa via passiva brasileira,mas j no mais o subdesenvolvimento

    Em um ensaio, significativamente intitulado H vias abertas para a America Latina?, apresentado como palestra de abertura da Assemblia geral da CLACSO (Cuba,out.

    2003), Chico de Oliveira ,faz referencia ao Governo Lula:

  • A vitria nas eleies e o governo Lula so outros casos de advertncia que podem dar a iluso de hegemonia das foras do trabalho; mas, examinando-se o desempenho

    presidencial, a verdade pode ser o oposto.Toda a longa acumulao de experiencia dos

    movimentos sociais brasileiros,incluindo-se nele o prprio movimento sindical do qual

    originou-se Lula,produziu uma quase hegemonia nos termos de Gramsci...O governo

    Lula nega, na pratica, essa quase hegemonia e, pelo contrario, entrega-se reiterao de

    tudo que combateu.Para no cairmos no registro simples da denuncia moral que continua sendo urgente e continua sendo um elemento da poltica-, faz-se preciso

    ESCAVAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS DE TAIS DESVIO(grifo nosso).

    Ainda h vias abertas para Amrica latina?, ou tambm podemos nos perguntar: H , ainda, um grito parado no ar : as possibilidades esto esgotadas ,ou, ser possvel

    uma mudana na relao de foras que permita o avano das foras democrticas e

    populares?

    Por paradoxal que possa parecer, a conjuntura aberta com o neoliberalismo (em 1994)

    e a conjuntura aberta com a eleio de Lula, ambas portam questes similares para as

    esquerdas. Questes que s podem ser respondidas ,seguindo a advertecia de Chico de

    Oliveira: escavando as as causas estruturais, analisando ondas de longa durao. Neste sentido, a reflexo de Florestan Fernandes ,traada em 1994 , tambm diz

    respeito aos dilemas atuais .

    3. o retorno a reflexo de Florestan .

    Logo aps a derrota de Lula em 1994, o sociologo Florestan Fernandes, atravs de

    reflexes sobre a atualidade do pensamento de Mariategui, punha varias questes na

    ordem-do-dia.Florestan tentava responder as novas questes ento postas para as

    esquerdas brasileiras,no contexto da vitria do neoliberalismo com FHC na presidncia.

    O centenrio do marxista peruano Mariategui realizou-se no mesmo ano em que, no

    Brasil, o novo bloco dominante constitudo por uma grande aliana

    conservadora,unificando o conjunto das classes dominantes, chegou ao poder ,com

    FHC, nas eleies presidenciais de 94.

    Como falamos acima, quando do centenrio do Amauta,em 1994,Florestan voltou ao

    nosso autor, com um texto : "significado atual de Mariategui". Enfim,em julho de 1995,

    tivemos a ultima obra de Florestan ,"A Contestao Necessaria-retratos intelectuais de

    inconformistas e revolucionrios".

    Nesta obra Florestan,num mpeto Benjaminiano,afirmaria :

    " No Brasil,ocorreu um deslocamento de rumos do socialismo e da social-

    democracia.Esta se amalgamou ao controle conservador,interno e externo,da

    economia,da cultura e do Estado.Serve como instrumento de continuidade no poder das

    elites das classes dominantes e de contemporizao com os baixos salrios e a excluso

    de milhes de indivduos da sociedade civil.O socialismo, porem, encontrou canais de

    defesa relativa. O pensamento radical enervou-se e reativou nichos de sobrevivncia

    construtiva."

    No prefacio,escrito em julho de 95, aps situar o contexto,Florestan levanta algumas

    questes:

    Essas condies novas provocam indagaes sobre os papeis dos intelectuais nos

    movimentos sociais ou sobre o destino de sua produo.

  • - Sucumbiram onda conservadora ou ainda contam com os meios para criar idias

    suscetveis de elaborao pratica, no plano poltico - cultural ?

    - De outro lado, estas tendncias radicais ou revolucionarias do passado In flux possuem

    vitalidade suficiente para desencadear novas composies partidrias e na "

    transformao do mundo" ?

    - Por fim, o radicalismo burgus ainda pode ou no suscitar impactos positivos sobre

    processos centrpetos de modernizao autctone da ordem social ?

    A busca de Florestan tem, claramente, um espirito Benjaminiano:

    " As perguntas apontam a necessidade de sondagens sobre o passado que se incorporam

    ao presente e no podem impedir um futuro com outras perspectivas."

    Florestan particulariza a questo em termos de " nossas condies":

    "O quadro catastrfico no to sombrio . O atraso aninha potencialidades que esto

    sendo arrasadas nos pases imperiais.H um vazio poltico que protege a emergncia ou

    o reaparecimento de foras sociais que no puderam ser eliminadas confuso que os

    controles ultraconservadores impuseram sobre a inteligncia e o comportamento radical

    no surge, aqui, com o mpeto destrutivo que apresenta na Europa e nos Estados

    Unidos."

    Para Florestan, " A periferia,contudo, no esmagou todas as modalidades de

    radicalizao social e poltica. A revoluo anticolonial e nacionalista subsiste e o

    significado do socialismo preservou-se ou enriqueceu-se em diversas regies".

    Prossegue,ento,definindo o papel de seu livro neste contexto: " A Contestao

    Necessria" uma tentativa de reter e discutir manifestaes dessa natureza.Apesar de

    suas insuficincias, em vista dos materiais utilizados e da falta de um fio condutor na

    reelaborao interpretativa adotada, representa um ponto de partida para outras

    reflexes de maior envergadura. O que importa, no momento, que restabelece o valor

    de uma herana intelectual e poltica que parecia condenada ao esquecimento ou

    supresso pela violncia".

    " A Contestao Necessria focaliza como seu objeto o eclodir de aspiraes

    utpicas, que foram destroadas pelas classes dominantes e pelo recurso extremo de

    duas ditaduras. Assinala esperanas frustadas, que se encontram pairando sobre a

    sociedade brasileira. O livro no tem a pretenso de ser mais inclusivo, como ocorre

    com a obra j clssica de Carlos Guilherme Mota, A Ideologia da cultura

    brasileira(1933-1974)"

    Para Florestan, o titulo " Contestao necessria", "repe o imperativo de salvar

    esperanas, que sobrevivem e crescem no substrato de uma sociedade capitalista

    fomentadora de contradies que convertem a radicalidade em estilo de pensamento e

    de ao, indispensveis construo de um futuro limpo da canga arcaica e

    ultraconservadora".

    Entre os incorformistas e revolucionarios,Florestan traa uma constelao que abrange

    Antnio Cndido, Caio Prado Jnior, Carlos Marighella, Claudio Abramo, Fernando de

    Azevedo, Gregorio Bezerra, Henfil, Herminio Sachetta,Mariategui,Jose

    Marti,Prestes,Lula,Octavio Ianni,Richard Morse,Roger Bastide.

    No capitulo primeiro, " O Intelectual e a Radicalizao das Ideias",Florestan inicia-o

    com a figura de Lula, em seguida aborda Marti, e, a seguir Mariategui.

    Pontua: "Recorri a uma simulao fecunda: o que faria J.C. Mariategui nesta era de

    incerteza para o socialismo ?

    Ele sucumbiria moda e propaganda demolidora do marxismo nas naes capitalistas

    hegemnicas?

  • Minha suposio que Mariategui possua uma personalidade incorruptvel e

    indomavel.Baseio-me no fato de que ele foi pioneiro em duas frentes:

    1-na pugna com conservadores, que encaravam o marxismo como iluso;

    2-e na critica a companheiros que no avanavam com sua fibra e perspiccia na

    interpretao da situao histrica peruana e latino-americana.No cedeu o passo.Levou

    seus combates s ultimas conseqncias, oferecendo a todos as mesmas respostas de

    quem sabe o que faz e por que faz.Em conseqncia, sua figura admirvel eleva-se

    como exemplo em um universo de oportunismo e capitulao".

    "Exagerava suas opes tericas ou praticas ? O xito do capitalismo acarretava o

    abandono da utopia ? Nada disso. A historia avana por um curso que construdo por

    seres humanos, e as contradies que os separam aumentaram sem cessar.Ele lembra

    que nossas razes brotam e sobrevivem na Amrica Latina.A escolha entre o colonial, o

    privilegio e a rebelio pode medrar segundo ritmos histricos lentos e sinuosos. Mas ela

    no se desvanece como as nuvens. A menos que a subalternizaro penetre e paralise os

    que sofrem a opresso e a misria, sucumbindo condio de escravos".

    Aps Mariategui,Florestan nos fala sobre Caio Prado Jnior, que, " como Mariategui,

    portanto, plantou o marxismo na Amrica Latina e esperava deste seu partido (o PCB)

    uma orientao revolucionaria especifica e coerente".

    Em trs ocasies, Florestan escreveu sobre Mariategui:

    No Prefacio (escrito em outubro 1974) aos "7 Ensaios" . No texto para o Anurio (1994)

    dos 100 anos de Mariategui, 20 anos aps aquele Prefacio. E, em " A Contestao

    Necessria" (1995), que de um lado, traz um Prefacio escrito em 1995 e, de outro,

    retoma o texto escrito para o Anurio de 1994.

    No prefacio aos "7 Ensaios", Florestan Lamentava que " somente agora, depois de

    quase meio sculo aps sua publicao original em livro, ela se torne acessvel ao

    publico e aos estudioso brasileiros". Para Fernandes, Mariategui teve 2 objetivos nestes

    Ensaios,

    1- contribuir para a critica socialista dos problemas e da historia do Peru;

    2- concorrer para a criao de uma verso peruana do socialismo.

    " Mariategui o nosso " irmo mais velho", numa CADEIA DE LONGA

    DURAO, a qual mostrou sua primeira florada na dcada de 20, atingiu um

    clmax histrico com a revoluo cubana..."

    " O que ficou desse intento revolucionario (...) ? Ficou a proposio de uma tica

    revolucionaria, que no um ersatz intelectual, mas uma resultante coerente da

    aplicao do materialismo histrico interpretao da realidade peruana (e, por

    desdobramento e ampliao, da realidade latino-americana). fcil, hoje, dizer-se

    que se poderia Ter ido mais longe nisto ou naquilo e condenar a interferncia de

    fontes no-marxistas ou para-marxistas sem eu pensamento.

    Tomando-se o "aqui" e o "agora" ,porm : quem foi mais longe ? e quando ? Essas

    perguntas no so retoricas.Mariategui no se afirma apenas como pioneiro.Ele

    promove as primeiras analises concretas, de uma perspectiva marxista, de vrios

    temas cruciais:

    - a formao do capitalismo na Espanha;

  • - a irradiao do capitalismo da Europa para a Amrica Latina;

    - as transformaes da dominao imperialista sob o impacto do aparecimento e fortalecimento da grande corporao ou da presena norte-americana;

    - e, sobretudo, as relaes entre a base econmica e as estruturas sociais e de poder da sociedade peruana, nas varias fase do perodo colonial e do perodo

    nacional.

    Naquele momento, outubro de 1974, marcado pelo inicio da " abertura

    politica",inicio do fim da ditadura militar no Brasil, Florestan dizia que :

    " Por fim, coloca-nos diante de um exemplo que , em si mesmo, um desafio.

    Mariategui pagou um alto preo sua independncia, honestidade e firmeza

    revolucionaria. Ele o tipo de autor que devemos ler e reler com ateno,numa

    poca que exige de ns que botemos todo o nosso sangue na defesa de nossas idias-

    e na qual a alternativa para a luta sem trguas por uma sociedade de homens livres

    para homens livres a servido".

    J o texto para o Anuario,de 1994 e,sobretudo, o Prefacio de 1995 para o livro " A

    Contestao Necessria", o momento era outro: o bloco no poder saia vitorioso em

    mais um processo de " revoluo passiva" brasileira, iniciado em 1985 ,com a

    Nova Republica, e 1989 ,com a derrota de Lula para Collor,em conjunto com a

    derrocada do socialismo estatal burocrtico no Leste europeu.Tomava corpo a

    poltica neoliberal.

    Florestan ,ento, retoma o Prefacio de 1975 ,ampliando-o.Mantm o texto para o

    Anurio de 1994 e, situa os desafios novos no Prefacio para seu livro sobre os

    Intelectuais e Revolucionrios(1995).

    No texto intitulado " Significado atual de J.C.Mariategui", Florestan nos d sua

    viso da obra do Amauta.

    No epigafre,citando Anbal Quijano,Florestan capta o ncleo gerador da obra

    mariateguiana:

    "O recurso diversa realidade entre Europa e Amrica Latina, como defesa perante

    o eurocentrismo...".Ou seja, a base da reflexo que conduz a dialtica entre tradio

    x modernidade.

    Vejamos em longas citaes as idias de Fernandes.

    J se discutiram muito as contribuies de Mariategui...Nenhum dos assuntos e

    atributos chegou a ser esgotado.Ele escapou, entretanto, s falhas da memria

    coletiva e sua presena superou todas as formas de isolamento que ameaaram sua

    obra ainda em vida.isso aconteceu porque FOI MAIS QUE ' UM FERMENTO

    RADICAL' da ordem - um autentico revolucionario, que exerceu influencias

    pioneiras com razes profundas na realidade americana.

    INTERESSA-NOS O QUE ELE REPRESENTARIA, HOJE ,GRACAS S

    PECULIARIDADES DO SEU PENSAMENTO E AO,NESTA TRAGICA

    ETAPA DE NEGAO DO SOCIALISMO. Parece que o capitalismo oligopolista

    automatizado e "global" suprimiu para sempre as diversas correntes do anarquismo

    ,do socialismo e do comunismo...

  • uma aventura arriscar-se s indagaes que proponho... obvio que Mariategui

    no engoliria a mistificao do " socialismo est morto". Ele sabia

    amadurecidamente que o capitalismo no consegue resolver os " problemas

    humanos" , que ele gera e multiplica...Sua convico era clara: os progressos do

    capitalismo redundam em aumento geomtrico da barbrie. Essa realidade sempre

    foi subestimada de uma perspectiva eurocentrica.Um marxista peruano, todavia, no

    tem porque se enganar a respeito.Basta olhar para trs ou para o presente.Exitos e

    progressos trazem consigo contradies crescentes - no extremo fatal, implosivas.

    Uma civilizao que repousa na riqueza, na grandeza e no poder, por quaisquer

    meios exige um sistema social de excluso, opresso e represso....".

    Florestan expe o modo como o peruano via o sistema capitalista, como expresso

    de uma civilizao. E no somente um modo de produo.

    " Por isso, o dialogo com Maritegui deve possuir a natureza de uma opo lcida.

    O que est dado como uma " sociedade aberta" ou como uma " ordem social-

    democratica" fecha-se para a imensa maioria ( silenciosa ou contestadora) e s

    oferece "democracia" s elites no poder (isto , s classes dominantes). A questo

    no abarca todas as tcnicas, instituies e valores sociais dessa civilizao. Mas

    seus fundamentos axiologicos e tecnolgicos, asfixiantes e incoercivelmente

    corrosivos."

    Florestan, formula,ento,toda uma serie de questes sobre o capitalismo em sua

    etapa atual:

    " Portanto, nos dias que correm, Maritegui - ao contrario de tantos anarquistas,

    social-democraticos, socialistas e comunistas - encontraria dentro de si a indagao

    fundamental:

    - como representar e explicar a totalidade histrica intrnseca ao capitalismo monopolista automatizado ?

    - O que ele promete de novo evoluo da humanidade e da " civilizao ps-moderna" ?

    - O que reserva aos de baixo, "escoria", ao "trabalhador mecnico" inativo, aos estratos inferiores e intermedirios das classes medias ?

    - O que ele remete e arranca da periferia, subcapitalista ou em desenvolvimento capitalista, e aqueles pases nos quais a lenta transio para o socialismo no foi

    ainda arrasada?

    - Ciencia, tecnologia, tecnocracia racionalizada foram, por fim, colocadas a servio dos " homens livres e iguais" ou servem apenas concepo romana de

    riqueza, grandeza e poder - repetida no "destino manifesto" dos Estados Unidos

    e na conglomerao de potncias que encarnam a mesma aspirao de atingi-la ?

    - E qual a essncia civilizatoria desse mesmo capitalismo ultramoderno ?

    - Ele contm a propenso para abolir as classes, a dominao de classes e a sociedade de classes?

  • - Ou as oculta por trs de uma miragem pela qual a "ideologia" escamoteada reaparece com vigor nunca pressentido no "neoliberalismo" ?

    Sem nenhuma dvida, questes para as quais as esquerdas, em reestruturao,

    necessitam escavar nas profundezas .

    Para Florestan , Os 7 Ensaios de interpretao da realidade peruana e, Em Defesa do

    Marxismo,"delimitam a postura de Mariategui". Florestan critica o erro das ticas

    eurocentricas e bolcheviques no seio do marxismo e, v em Mariategui " o intelectual

    mais puro e apto para perceber o que sucedeu ,se estivesse vivo, para traar os caminhos

    de superao que ligam dialeticamente a terceira revoluo capitalista plenitude

    madura do marxismo revolucionario".

    Para Fernandes, no debate de Mariategui com Haya de la Torre, " patenteia-se,pois,o

    quanto Mariategui transcendeu a orbita do marxismo triunfante do seu tempo e o quanto

    ele compartilha conosco a necessidade de ir mais longe para ver".

    " Desse angulo, Mariategui o farol que ilumina, dentro da pobreza e do atraso da

    Amrica Latina, os limites intransponveis da civilizao capitalista e as exigncias

    elementares da " civilizao sem barbrie", que as revolues proletrias no lograram

    concretizar.

    - Era cedo demais?

    - Elas perderam o rumo?

    Essas so perguntas que s a historia em processo poderia responder.As equaes de

    Mariategui classificaram precises contidas na tradio clssica, paradoxalmente como

    se ele fosse um Max Weber a servio do comunismo ( repetindo, de certa maneira, a

    tragdia de Gramsci)".

    A "condio de peruano"

    Florestan avana na definio do carter do " especifico nacional" em Mariategui.

    " natural que o Peru ocupe uma posio privilegiada no pensamento de

    Maritegui.Ele procede, no obstante, rente tradio marxista- Peru no se desloca das

    varias Amricas e da insero passiva-ativa de todos os envolvidos nos mundos

    histricos dos "conquistadores",antigos e modernos sua condio de peruano

    bsica.Ele tinha atrs de si e sob seu olhar uma grande civilizao, o destino dos seus

    portadores e os seus escombros.Isso o impelia ao estudo do passado e do presente que

    nenhum outro marxista de envergadura poderia realizar. E o obrigava no s a busca de

    analogias e de diferenas que procediam ou da situao homologa das "naes

    emergentes" das Amricas de matriz ibrica, ou do carter varivel da colonizao e da

    independncia como processos de longa durao".

    Florestan define esse resumo como " suprfluo e desnecessrio", mas que o fez para

    salientar a experincia europia de Mariategui:" Os 7 Ensaio de interpretao da

    realidade peruana permitem sondar por que ele mergulhou sem retorno nessas vias

    e,depois, ultrapassando-as, props-se enriquecer o marxismo fora e acima dos eixos

    eurocentricos".

    Enfim,para Florestan " A atrao de Mariategui pelo marxismo,malgrado outras

    influencias divergentes e em dados momentos muito fortes, brota da descoberta de uma

  • resposta sua ansiedade de observar, representar e explicar PROCESSOS

    HISTORICOS DE LONGA DURAO e de uma PROPOSTA REVOLUCIONARIA

    concomitante, QUE VINCULA DIALETICAMENTE PASSADO, PRESENTE E

    FUTURO". A inteligncia de Mariategui "deitava razes mais profundas no

    esclarecimento do ser, no ENTENDIMENTO INTEGRAL DE UMA CIVILIZAO

    NATIVA ESTIOLADA PELA COLONIZAO e na necessidade de romper com um

    oprbrio que esta s explicava parcialmente".

    Com o desabamento do socialismo estatal e a ascenso do neoliberalismo ,para

    Florestan Fernandes, " encerrou-se um perodo de longa durao da historia

    recente".Nosso autor assinala uma " ironia da historia":

    " O fantasma das sociedade pobres e subdesenvolvidas da Amrica Latina resultava de

    uma contradio: fascismo ou socialismo ?. Neste contexto, as proposies de

    Mariategui marchariam como antes, de acordo com a reduo de Engels: socialismo ou

    barbrie ? So proposies que no foram varridas pela tempestade.Maritegui ainda se

    ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e poltico dos que querem

    conferir aos latino-americanos a opo pelo marxismo".

    Aps esta "abordagem global" por Florestan da obra de Mariategui,voltemos nossa

    questo:

    4. Porque Mariategui ?

    Carlos M. Rama, em sua obra pioneira sobre a Historia Del Movimiento Obrero y Social Latino Americano , destaca o que chama de uma corrente desviacionista no socialismo de nosso continente.Assim, afirma que Desde o ponto de vista ideolgico, interessante destacar como surge uma constante tendncia latinoamericana a favorecer

    a heterodoxia , a marginalidade, em respeito s correntes fundamentais do socialismo

    europeu.Isto vem desde o xito inicial dos socialismos utpicos, saintsimoniano ou

    fourierista... C.Rama destaca os progressos estritamente tericos do marxismo latinoamericano de nosso sculo, que tem personalidades de grande relevo, desde Jos Carlos Maritegui

    at Anbal Ponce. As experincias e lutas revolucionarias da Amrica Latina reencontram o pensamento

    de Mariategui. No por acaso. A crise dos sistemas ps-ditaduras militares e a presso

    das alternativas democrticas, suscitam mais que questes de ordem conjuntural; dizem

    respeito ao carter especifico da realidade latino-americana e a definio de um

    "marxismo latino-americano", para o qual Mariategui referencia obrigatria. Para os

    revolucionrios do continente, Mariategui , acima de tudo, um exemplo nico de

    unidade dialtica entre a especificidade nacional e a perspectiva mundial.

    Um dos mariateguianos , que aprofundou a via do peruano sobre o socialismo,Csar

    Germana,na introduo a seu livro El socialismo indo-americano de Jose Carlos Mariategui(Amauta,1995) , nos fala da vigncia de Mariategui: Em minha opinio, neste momento crucial da humanidade Mariategui tem algo que nos dizer. Desde o ponto de vista privilegiado de nossa atualidade , possvel por em

    relevo aqueles aspectos da concepo socialista do Amauta que no conduzem a aporias

    socialismo burocrtico nem a passividade das democracias liberais. bom notar que,

    apesar do tempo transcorrido desde sua morte, em sua obra se mantm vivos alguns

    temas que permitem contribuir com novas perspectivas ao velho debate sobre o

    socialismo

  • E,que : A problematizao do socialismo parece com mais urgncia em um momento histrico,como o que estamos vivendo, em que se tem a impresso de que um periodo

    da humanidade chega a seu fim e que outro est surgindo,sem que as exigencias de

    liberdade e igualdade tenham sido realizadas pelo capitalismo e pela democracia

    liberal. Nas palavras de Roland Forgues, "aps a queda do muro de Berlim e a derrocada do

    'socialismo realmente existente' na ex-URSS e nos pases da Europa do Leste,o

    redescobrimento da obra de Mariategui tornou-se uma necessidade histrica".

    Na apresentao Coletnea J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica Latina, publicada em 2002, podemos ler que: A importncia desta reapresentao,torna-se ainda mais relevante num momento de crise e de dificuldadess mltiplas enfrentadas

    pela(s) esquerda(s) em geral.Seu marxismo,altamente criativo e renovador,pode

    oferecer elementos e subsdios,no s tericos e histricos,mas sobretudo polticos,para

    todos aqueles que buscam construir uma sociedade mais democrtica,igualitaria e

    fraterna. O socialismo,na viso de Mariategui,porta elementos fundamentais na perspectiva da

    autogesto socialista: a democracia direta tem um papel importante em sua viso; o papel das diversas formas de auto-organizao dos trabalhadores.

    A reconstruo da esquerda na Amrica Latina, neste contexto de inicio de sculo,

    com todas suas questes, "Em muitos sentidos responde ...a histrica viso do inicio do

    sculo, que tiveram Marti, Mariategui, Haya de la Torre, Sandino, Zapata, Recabarren e

    outros: "NACIONALIZAR A TEORIA".

    Corresponde ao que, no mesmo perodo na Europa, foi sintetizado por Gramsci.

    Abordando a situao pos-1917, afirma G.Vacca, "A reelaborao do marxismo e a

    definio de suas tarefas atuais so uma necessidade, porque no seu desenvolvimento

    histrico e no seu estado atual o marxismo lhe (para Gramsci) aparece largamente

    imprestvel. O seu deslocamento do marxismo da Segunda e Terceira internacionais

    consuma-se de forma profunda; assim, em aberta polmica com esses que Gramsci

    culmina o prprio programa de pesquisa na reelaborao da forma terica do

    marxismo".

    Dentre os problemas atuais com os quais se defronta a esquerda, cinco fatos de porte

    mundial condicionam o debate sobre socialismo e democracia na Amrica Latina:

    1) O colapso do modelo capitalista liberal na Amrica Latina, evidenciado no que ficou conhecido como " dcadas perdidas";

    2) A desintegrao do modelo do "socialismo estatal burocrtico" na Europa do Leste e na URSS;

    3) A intensificao da concorrncia inter-imperialista;

    4) O declnio da potncia industrial dos EUA e o aumento da sua influencia ideologico-militar;

    5) O fim da Guerra Fria, com a abertura de um novo ciclo de conflitos no Oriente e

    entre Ocidente e Terceiro Mundo.

  • 6) Os problemas colocados s esquerdas, pelos possveis fracassos ou vitrias, de

    superao do neoliberalismo ( governos Lula , Tabor e Chaves,por exemplo).

    7) a necessidade de referenciais tericos para o novo perodo de reestruturao das esquerdas.

    Pensamos que o aporte terico de Mariategui nos d elementos valiosos para tratar

    estas questes, como tambm sua insistncia sobre o "sentido herico e criador do

    socialismo", combinando com sua defesa da solidariedade internacional.

    Marxismo e Eurocentrismo

    Estudando o marxismo latino-americano, Portantiero afirma: "A no ser

    ocasionalmente, em momentos muito pontuais ou parciais da produo terica e da

    pratica poltica, os socialismos clssicos ligados a... tradio das Internacionais foram

    capazes de elaborar um projeto hegemnico ou de avanar problemticas que pudessem

    colaborar nesta direo... Na obra de Mariategui aparece pela primeira vez um projeto

    amplo de constituio de uma vontade coletiva nacional-popular... As proposies de

    Mariategui ficaram no meio do caminho, por sua morte prematura e pelo bloqueio que a

    elas fez a III Internacional".

    Da mesma forma, para Orlando Nunez e R.Burbach : " necessrio compreender o

    legado histrico do marxismo nas Americas. Com a notvel exceo de Cuba e, em

    certo sentido, o Chile, nenhum pais capitalista no hemisfrio tem uma tradio marxista

    plantada".

    A triste realidade que o marxismo no tem podido enraizar-se profundamente nas

    Americas... Uma possvel explicao poderia ser que o marxismo... no foi capaz de

    desenvolver uma abordagem teorico-estrategica que responda ...as condies histricas

    especificas que existem nas Americas".

    Em parte, isso se deve as origens europias do marxismo... Ate a Revoluo Cubana,

    as Americas tinham poucos estrategistas e teoricos revolucionarios capazes de formular

    programas de luta poltica prprios. Um rpido percorrer pela historia dos movimentos

    sociais e comunistas nos EUA, Amrica Latina e Caribe, ilustra as carncias nesse

    sentido.

    "A submisso dos PCs nas Americas em relao as propostas polticas da Terceira

    Internacional refletem a debilidade fundamental do marxismo no continente: sua

    incapacidade para desenvolver uma estratgia revolucionaria independente e nativa.

    Durante os anos de seu apogeu (anos 20 e 30) o movimento comunista fracassou no

    objetivo de produzir seu prprio corpo de teoricos marxistas capazes de desenvolver

    programas e estratgias polticas especificas em resposta ...as condies polticas

    especificas enfrentadas pelos comunistas em seus prprios pases.

    Isso no quer dizer que no houve alguns intelectuais nos partidos que fizeram

    contribuies valiosas, tal o caso de Mariategui no Peru, ou Julio Antonio Mella em Cuba. Porem, em geral, o trabalho intelectual surgido nas Americas era uma mera

    adaptao das idias e princpios polticos que se haviam desenvolvido na Europa".

    Onde o socialismo foi vitorioso na Amrica Latina, o foi sob formas originais. Em

    Cuba e Nicargua, a luta socialista processa-se dentro de uma matriz de cultura poltica

    policlassista, nacionalista e anti-imperialista. Neste processo, o marxismo no se

    "esconde", simplesmente se nacionaliza. Trata-se do problema sobre o estilo de como

    pensar o marxismo na Amrica Latina. Nas palavras do poeta revolucionrio Ricardo

    M.Aviles: "Temos que estudar nossa historia e nossa realidade como marxistas e estudar

  • o marxismo como nicaraguenses". Nas pistas de Mariategui, no seu sentido de "um

    socialismo indo-americano", a revoluo sandinista ps o marxismo sobre os ps.

    Para, Jos Arico, um estudioso de Mariategui, "uma genuna e criadora interpretao

    da doutrina de Marx ocorreu no Peru, com Mariategui, que sentou as bases para um

    efetivo processo de nacionalizao do marxismo. Este processo assumiu caractersticas

    contraditrias ... no como forma acabada de uma teoria sistemtica. Surge em forma

    inorgnica de intuies. O que Mariategui produziu foi a iluminao de um caminho, ao

    incorporar a experincia europia como lio". Para Jos Arico, a "via crucis" do

    marxismo na Amrica Latina, foi sempre a dificuldade para tratar o "nacional", o que

    pe questes de ordem estratgica, pois, o objeto da pesquisa e da analise, "o

    movimento real", est sempre "nacionalmente" situado.

    Como dizia Mrio de Andrade, "A arte musical brasileira... tem inevitavelmente de

    auscultar as palpitaes rtmicas e ouvir os suspiros meldicos do povo, para ser

    nacional e por conseqncia, ter direito a vida independente no universo (porque o

    direito de vida universal s' se adquire partindo do particular para o geral, da raa para a

    humanidade, conservando aquelas suas caractersticas prprias, so o contingente que

    enriquece a conscincia humana. O querer ser universal desraadamente uma utopia.

    A razo est com aquele que pretender contribuir para o universal com os meios que

    lhe so prprios e que vieram tradicionalmente da evoluo do seu povo".

    Os comunismos ou marxismos latino-americanos basearam-se mais que numa

    confrontao sobre estratgias nacionais, na vontade de "aplicar Lenin, Trotsky, Mao,

    etc.".

    A polemica histrica entre A.Mella e Haya Torre, sobre a criao do APRA, foi

    marcada pelo sectarismo: Mella afirma que a revoluo mundial o determinante e que

    os processos nacionais so secundrios. Existia uma viso sectria em relao aos

    movimentos que tentassem dar vida a um movimento "indo-americano". Mariategui

    reagiu contra estes simplismos, afirmando que: "o socialismo na Amrica Latina

    impossivel sem resolver a questo nacional".

    Usamos o "nacional" diferentemente do "nacionalismo". Assim, nas palavras de Victor

    Tirado: "ir a razes da ptria, reivindicar e usar o pensamento nacional como fonte para

    construir a teoria revolucionaria prpria, no ser nacionalista, no sentido de fechar-se

    em si mesmo".

    Como dizia Arguedas: "Por isto no pode surpreendernos que o criador autentico

    latino-americano em todos os campos, resulte em ultima instancia, um nacionalista, pelo

    simples fato de ser original e autentico". Da mesma forma, Arguedas define o papel de

    Amauta, "A revista Amauta instou os escritores e artistas a que tomassem o Peru como

    tema".

    A experincia dos anos 20, marcada de um lado, pela COMINTERN, e pelo outro,

    pelo APRISMO, tinha como elemento comum dominante o "ESTATISMO". Para

    ambas estratgias, s o poder estatal possibilitaria a transformao social na Amrica

    Latina. Por isso, a vigncia de Mari tegui repousa no profundo espirito libertrio que

    toma conta de sua obra critico-prtica, suscetvel de "sugerir uma nova cultura poltica

    autogestionaria para nossos dias. No a partir do protagonismo principal dos partidos

    polticos... mas, desde a consolidao do processo de auto-organizao dos explorados

    em forma democrtica e unitria. O que supe impulsionar a generalizao das

    iniciativas autogestionarias de democracia direta de base, nas diferentes esferas da

    atividade social... deste modo, a "criao herica" de que falava Mariategui, significa o

    desafio de construir desde baixo, em meio a vida cotidiana, a democracia, a nao e o

  • socialismo". Eis um "cardpio" contrario a todo tipo de "Socialismo estatal e

    burocrtico".

    Um pensamento Gramsciateguiano

    Em relao a Gramsci, Mariategui evocava, com outras palavras, a preocupao com a

    construo de uma vontade nacional-popular, coletiva, e uma reforma intelectual e

    moral, como premissas do socialismo. A questo gramsciana, de como se pode suscitar

    esta vontade nacional-popular, tanto o APRISMO quanto a COMINTERN,

    responderam desde a perspectiva do Estado. A sociedade fica excluda do processo. Na

    viso do "Amauta", o determinante a sociedade, incluindo a reforma intelectual-moral:

    para que a revoluo fosse algo mais que um processo "por cima", uma "revoluo

    passiva", deveria previamente modificar a conscincia dos homens e romper a inrcia da

    tradio que mantm as massas populares na passividade. Percebemos, aqui, a dimenso

    da "Revoluo Ativa de Massa", derivada do conceito gramsciano de "revoluo anti-

    passiva".

    A relao Gramsci-Mariategui, poderia se encaixar no que M.Lowy chama de

    "afinidades eletivas". Vejamos a definio de Lowy: "Designamos por 'afinidades

    eletivas' um tipo muito particular de relao dialtica que se estabelece entre duas

    configuraes sociais ou culturais, que no reduzvel ... a determinao causal direta

    ou ... 'influencia' no sentido tradicional. Trata-se, a partir de uma certa analogia

    estrutural, de um movimento de convergncia, de atrao reciproca, de confluncia

    ativa, de combinao podendo chegar a fuso".

    Portantiero define o pensamento de Gramsci como "uma obra aberta a cada historia

    nacional, concepo para teoria e pratica polticas que buscam expressar-se em 'lnguas

    particulares', e, conclui: "no e' por acaso que esta abertura de estilo gramsciano influiu

    sobre a primeira possibilidade de aplicao criadora do marxismo no plano intelectual

    na Amrica Latina: o pensamento de Mariategui".

    Como afirmou mais recentemente A.Bosi, "Falar dos ideais polticos de Mariategui

    nos dias de hoje, em tempos de Perestroika e Glasnost, e em vias de encerrar-se (ou

    quase) o escuro ciclo das ditaduras do Leste europeu, deixa na boca um sabor agridoce

    de ambivalncia... Mas, a nossa imagem do pensador peruano no se constri apenas

    com aquelas suas expectativas que o socialismo real em parte frustou. A sua memria e'

    acre, repito, mas tambm doce. Relendo os "Sete Ensaios" e outros textos de critica

    ideolgica, v-se o quanto se exerceu a sua inteligncia em funo de problemas ainda

    hoje bsicos para o marxismo e para a vida publica latino-americana".

    Enfim, o que doce e o que acre em Mariategui? O que est vivo e o que est

    morto no "Amauta"?

    No conjunto das questes atuais do marxismo, em que incide mais o pensamento de

    Mariategui?

    Por certo, no h em Mariategui uma teoria do Estado, e, pouco material sobre o

    problema da revoluo, o partido, alianas, tticas, etc. Mas, com certeza, onde sua

    contribuio mais importante no que diz respeito a analise dos modos de produo, o

    campo da teoria das superestruturas: a questo da conscincia social, os modos de

    "representao", o problema das ideologias, a teoria da cultura, contra os mecanicismos,

    a questo da tica, etc.

  • Portanto, o marxismo de Mariategui no provinciano, mas antecipatorio, nas pistas

    de Gramsci. Talvez, o que poderamos chamar de um "materialismo cultural" ou na feliz

    expresso de Z.Bauman, "a cultura como praxis".

    Julio Gdio nos chama a ateno para o fato de que j nos anos 60, sob a influencia direta da revoluo cubana se introduziu a categoria de Revoluo Continental, Rodney Arismendi e outros destacados polticos se preocuparam em impedir as

    simplificaes...A desigualdade de desenvolvimento econmico,social e poltico, se

    expressa em nossos paises atravs de indicadores acerca de situaes de crises ou

    estabilidade polticas; de distintas historias culturais; coexistncia de diferentes lnguas;

    caractersticas de classe diferentes....

    "Entretanto possvel encontrar um "elo de metodologia poltica" que una a

    diversidade. Godio assinala em relao a Revoluo Nicaraguense, "o elo politico-

    cultural que uniu organicamente os sandinistas ...as massas trabalhadoras foi o

    Sandinismo. Este elo politico-cultural um 'dado' a ser construdo por todos os

    revolucion rios da Amrica Latina, um elemento comum no meio da diversidade

    continental. Significa construir um 'estilo de pensar' e de 'fazer poltica', no qual as

    categorias universais do marxismo se tornam concretas via categorias politico-culturais

    nacionais".

    Isso, no tem sido pratica corrente entre os teoricos marxistas da Amrica Latina; ao

    contrario, atuam anulando e desintegrando as categorias nacionais dentro das categorias

    universais, as quais perdem, assim, sua operatividade historico-concreta. A experincia

    das revolues em processo e, tambm, as inconclusas da Amrica Latina, indicam a

    primeira regra para levar em conta, para formao de um bloco histrico "Nacional-

    Hegemonico": verificar na pratica as formulaes tericas, estuda-las em seu

    movimento real e, este movimento real das categorias existe na linguagem popular,

    como resultado de uma nova praxis. O fundamental consiste em organizar e orientar o

    'movimento real' das classes sociais, e neste sentido, o marxismo "um guia para a ao" e no um conjunto de receitas.

    Na verdade, so muitas as afinidades entre Gramsci e Mariategui. Neste sentido,

    A.Ibanez realizou uma espcie de "leitura gramsciana de Mariategui". Aponta a

    principal convergncia na questo da "hegemonia" e da "reforma moral e intelectual".

    Jos rico, outro estudioso de Gramsci-Mariategui, aponta que o significado de

    Gramsci para a esquerda argentina dos anos 60, condensou-se na "busca da realidade":

    "No fato de que ele contribuiu decisivamente para trazer a cultura marxista para a

    concreticidade, para o encontro com uma realidade da qual estvamos alienados".

    Como o conjunto da esquerda da Amrica Latina, a Argentina "nasceu e se

    desenvolveu sem a herana e o suporte de uma tradio nacional". A exceo, foi

    Mariategui. E, conclui Arico: "... Mas s' descobrimos Mariategui atravs de Gramsci".

    S os caminhos divergentes das convergncias. Ora, o comandante Omar Cabezas

    "conheceu" Sandino atravs de "Che" Guevara.

    Arico resume e sintetiza sua experincia gramsciana: "Gramsci nos permitiu fixar duas

    orientaes... a) a busca do contexto nacional a partir do qual pensar o problema da

    transformao e do socialismo; b) a plena adeso a perspectiva socialista, entendida

    como um processo que se desenvolve a partir da sociedade, das massas, de suas

    instituies e organismos... O tipo de marxismo que buscvamos e para o qual o

    pensamento de Gramsci nos ofereceu os mais altos estmulos e contribuies, no

    tentava encontrar a razo de sua prpria validade em si mesmo, mas na sua capacidade

    de se confrontar com os fatos de uma realidade em transformao".

  • Tambm para Mariategui, o marxismo no era uma bblia, mas um instrumento de

    analise, um modo de interrogar a realidade. No era um conjunto de definies e regras.

    Como lembrava Carlos Fonseca, "O importante no declamar frases dos grandes

    revolucionrios universais, mas aplicar a realidade, com criatividade seus ensinos. Em

    todo caso, estes revolucionrios no nos legaram meras frases, mas toda uma ao

    criadora".

    A partir de sua peculiar articulao entre marxismo e nao, Mariategui elaborou um

    modo especial, peruano, indo-americano e andino, de pensar Marx; precisamente por ser

    mais peruano, converteu-se em universal. Consegui propor um marxismo to diferente

    quanto o de Gramsci e Lukacs e, to valioso como o de ambos".

    Mariategui usou uma "chave hermenutica" atravs do verbo "agonizar": um marxismo

    agonico, elaborado longe de quaisquer academias, envolto nos fatos cotidianos das

    multides, das ruas, submerso na vida cotidiana, no senso comum. "Agonia como

    smbolo de luta, contra a morte, como 'criao herica'".

    O Amauta rompeu o circulo de ferro da Comintern. Pois, para esta, no existia

    realidade peruana, to s' os "pases coloniais". Peru, Argentina, Brasil, etc., eram todos

    iguais. Existia na Comintern um "assombroso desprezo pelo reconhecimento do campo

    nacional". Neste sentido, o "mariateguismo" pode significar a tentativa de articular

    socialismo e nao.

    Nesta perspectiva, dois aspectos se destacam no pensamento de Jos Carlos

    Mariategui:

    1) a relao teoria-pratica, ou seja, o Mtodo;

    2) o "Carter Nacional".

    Em relao ao primeiro aspecto, Mariategui no encarava a teoria de Marx como um

    fetiche, um conjunto de regras que deveriam ser aplicadas "mecanicamente" a quaisquer

    realidades. Questionou o mtodo da "aplicao", substituindo-o por uma "verdadeira

    recriao da teoria em contato, sempre vivo e novo, com a realidade socio-historica

    concreta". Segundo Arico, "A universalidade do marxismo no reside em sua

    capacidade de ser aplicado a qualquer circunstancia, mas na possibilidade que tem de

    recriar-se em circunstancias determinadas".

    Seguindo as "Notas" gramscianas do QC, em termos gerais, uma teoria s' torna-se

    organicamente operativa quando e' "traduzida" ao "nacional". Para isto, precisa apoiar-

    se em uma forca social de carter estratgico e, mesclar-se na cultura nacional-popular.

    Diz Gramsci: "as idias no nascem de outras idias, as filosofias no engendram

    outras filosofias, so sempre expresso renovada do desenvolvimento histrico real". A

    verdade do marxismo se expressou em Mariategui na linguagem da situao concreta do

    Peru.

    Em relao ao segundo aspecto, do campo nacional, ocorre uma tenso dialtica e

    fecunda entre a validade tendencialmente universal da ferramenta "cientifica" do

    marxismo e, a necessidade de verificar concretamente o acerto de suas colocaes a

    partir de realidades socio-historicas determinadas nacionais".

    Portanto, um marxismo metodolgico, criador, nacional e aberto. No caso do peruano a

    "captura" do tema indigenista operou a "nacionalizao" e a "peruanizao" do seu

    marxismo.

  • Em seu prlogo ao livro "Peruanicemos Al Peru", Csar Mayorga afirma que, para

    "peruanizar o Peru", Mariategui operou com dois princpios:

    1- Conhecer a realidade nacional. classe feudal no lhe interessava nunca o este conhecimento, a burguesia que intentou faze-lo , em parte com fins particulares,

    mais que sociais ou nacionais: conhece-lo um pouco para explora-lo mais.S o

    socialismo aspira a conhecer um pais para liberao e servir s classes exploradas e

    oprimidas.isto no exclui o dever inelutvel de conhecer a realidade internacional.

    "Temos o dever de no ignorar a realidade nacional; mas tambm temos o dever de

    no ignorar a realidade mundial" (Mariategui);

    2- o conhecimento da realidade peruana deve comear da realidade nacional deve comear fundamentalmente pelo conhecimento da realidade econmica." No

    possvel compreender a realidade peruana sem buscar e sem olhar o fato

    econmico"(Mariategui)

    Viagem ao Mundo Inca

    Entre 1916 e 1923 , ocorreu no Peru um novo ciclo de rebelies indigenas andinas de

    carater milenarista.O Governo de Leguia (1919-1930),com suas reformas sociais

    ,possibilitou uma presena ativa de velhos e novos atores sociais,e,entre eles, os

    ndios.Os grupos tnicos realizam em Lima, seus primeiros Congresso Nacionais,os

    operrios lutavam pela jornada de 8horas e os estudantes viviam as lutas pela reforma

    universitria;uma nova intelectualidade surgia com as universidades populares,

    debatendo a reflexo nacional em contato com ndios e operrios.

    Flores Galindo retrata este momento: O descobrimento das classes populares esteve acompanhado nestes anos com o encontro com uma espcie de onda ssmica para empregar uma metfora do prprio Mariategui- que desde os departamentos do sul

    peruano parecia irradiar-se ao conjunto do pais:estas massas indgenas aparentemente

    resignadas e vencidas, se rebelam e no mundo cinzento da Republica Aristocrtica

    defendem uma reivindicao que parece em um principio absurda ou incompreensvel:

    querem voltar atrs ,recusam toda a historia que tem suportado desde a conquista e

    desejam recuperar um idealizado imprio Incaico,e assim mostram uma imagem

    diferente do pais e da Nao.Explode em fins de 1915 e incios de 1916 em Puno,na

    provncia de Azangaro,o efmero levantamento de Rumi Maqui: um sargento maior da

    cavalaria cujo nome era Teodomiro Gutierrez Cuevas,de formao

    ,parece,anarquista,que opta em apoiar as massas camponesas e dirigir uma grande

    rebelio.Lamentavelmente, foi descoberta sem seus incios e foi facilmente

    sufocada.Porem isto no impediu que fosse uma alternativa que abria os caminhos da

    esperana. Mariategui,escrevendo para imprensa, anotou elementos das rebelies messinicas.O

    fracasso de sua experincia jornalstica,ao ter seu jornal invadido pelos militares,leva

    Mariategui a fazer uma viagem pelo interior do pais.Assim, viaja durante 20 dias (1918)

    visitando cidades na serra central, conhecendo de perto com os ndios huanca.

    Esta nica viagem de Mariategui ao interior do pais, foi acompanhado por Ricardo

    Martinez de la Torre.Foram ao vale do Mantaro e alguns dias em Huancayo.

    Vrios testemunhos falam de um encontro de Mariategui com a vanguarda indgena ,nas

    vsperas de sua viajem para Europa,no final de 1919.Em Lima,o Amauta teve encontro

    com o lder Carlos Conderona,um dos principais dirigentes do Comit pro direito Indgena Tahuantinsuyo,de orientao anarco-comunista. Mariategui tambm

  • conheceu os lideres Carlos Qana e Julian Ayar Quispe, animadores regionais do

    movimento tahuantinsuyo. Juan H.Perez lembra de ter visitado Maritegui em sua casa

    limena; afirmou que Mariategui fazia parte de um grupo de intelectuais que assessorava

    o movimento indigena.

    Foi de Mariategui a idia de convocar um Congresso Nacional de dirigentes

    indgenas.A viagem a Europa interrompeu esta serie de contatos.

    Todavia, em sua volta da Europa(1923) ,Mariategui participa da Universidade Popular

    Gonzalez Prada e,assim,retoma contatos com o movimento indigenista

    peruano.Portanto, busca decifrar teoricamente o problema indigena,e formular as bases de um projeto socialista indo-americano.

    Quasndo volta ao pais, Mariategui encontra o fim de uma grande convulso agrria,que

    afetou sobretudo os departamentos do sul andino.A ocorrncia quase simultnea de

    motins e revoltas rurais no altiplano puneno, nas alturas de Cuzco,tanto em Ocongate

    como em Espinar,a onda rebelde chega a Andahuaylas,inclusive Ayacucho ,Cailloma e

    as alturas de Tacna. Por exemplo,em 1921,em Tocroyoc os comuneros das alturas

    tomam ao povoado ,pedindo a expulso dos mistis dos fazendeiros e defendem a

    restaurao do Tawantinsuyo.As noticias destas rebelies chegam a Lima,sobretudo,

    quando da realizao de Congressos da raa Indgena,que Mariategui chegou a

    assistir;em um destes,conhece,ento,o lder puneno Ezequiel Urviola.

    Estas rebelies fazem parte de um amplo ciclo, iniciado desde o sculo XVI,na

    resistncia nativista a conquista,prolongado depois na revoluo de Tupac Amaru.

    Mariategui descobre que o termo tradio no exclusivo do pensamento reacionrio,mas que, existe uma relao diferente com o passado que no passiva venerao dos mortos,mas que luta pela defesa de uma cultura que resiste a morrer. Aps a represso a rebelio indgena em Puno,a Universidade Popular acolheu alguns

    lideres.Carlos Conderona levou Mariano Lario a casa de Mariategui. Em 1923,Hiplito

    Salazar fundo a FIORP (Federao Indgena Operaria Regional Peruana, junto com

    dirigentes comunais de Puno,Arequipa,Huancavelica e Lima. Hipolito foi um dos

    lideres sobreviventes da rebelio de 1923,em Huancane. Estes lideres indgenas,

    estavam em contato permanente com Mariategui Este ctiticava a orientao anarco-comunista da FIORP,contudo,reconhecia sua franca orientao revolucionaria da vanguarda indigena .A casa de Mariategui era um espao de traduo do castelhano e,do quchua e do aymara.

    Nesta dcada de 20, um elemento foi importante no Peru; as Escolas

    Comunais,autogestionarias,bilnges e bicultarais.Em Cuscus ,Francisco Chuquiwanka

    Ayulo tinha um escola segundo o modelo de Ferrer Guardi, que defendia a volta ao

    ayllu,a comunidade livre,ao municpio comunista.

    Todo este trabalho entno-cultural permitiu a resemantizao do socialismo.O lider andino Manuel Camacho Alga afirma que o Amauta semeou palavras,e,dizia que Os 7 Ensayos foram escritos para mim. Ricardo Bao, afirma que o prprio Mariategui lembrado como um homem de conhecimento no sentido no ocidental do termo,embora ao mesmo tempo se reconhea

    sua outredade,isto , suas evidentes ligaes com a cultura urbana criolo-mestia.No contexto aymara, a sabedoria tem,sem duvidas,de forma anloga a outras culturas

    andinas, conotaes mgico-religiosas.Mariategui um bruxo,um laika para los quecguas,ou um yatiri para os aymaras . Se os Amautas desapareceram com o fim da civilizao incaica,pela ao devastadora

    da colonizao espanhola,os bruxos e os ancios,como homens de

    conhecimento,sobreviveram no seio dos espaos comunais.

  • A verso de Mariategui,como bruxo,foi veiculada por Ezequiel Urviola,lder mestio(1895-1925),que fez juramento ante a memria de Pedro Vilca Apaza (1741-

    1780),lder do movimento Tupac Amaru,nas vsperas da insurreio andina de 1923.

    Muitos dirigentes indgenas,vinculados ao projeto socialista mariateguista,eram bruxos

    em suas comunidades, alem de dirigentes sindicais e polticos.

    Lario lembra que : Ezequiel Urviola falava que Mariategui,conhecia bem tudo o que tinha acontecido.Tinha lido muito Mariategui;dizia que pegava um livro de Mariategui e

    bastava toca-lo,e j sabia o que tinha dentro,quando lia as folhas do livro era exatamente

    igual ao que tinha pensado,era um Yatiri Jose Carlos Mariategui

    5. A Vida *

    A Agonia de Mariategui

    Jos Carlos Mariategui nasceu em Moquegua , no Sul do Peru, em 14 de Junho de 1894.

    O pais andino tinha sado ha pouco tempo do desastre da guerra do Pacifico (1879-

    1883), tendo sido humilhado pela coupao militar do Chile e perdido parte de seu

    territrio.Nesses anos, Manuel Gonzalez Prada acirrava o debate poltico chamando a

    ateno do pais para a presena dos ndios,como elemento fundamental da

    nacionalidade.

    Mariategui filho de Francisco Javier Mariategui ,descendente de uma das famlias

    mais ilustres do Peru, e de Amlia La Chiora,que pertencia a uma famlia de origens

    indgenas.Logo cedo o pai abandona a famlia, e Marietegui ,primeiro de trs filhos,

    cresce sob a influencia da me, caracterizada por uma forte religiosidade que deixar

    marcas no jovem .Desde a infancia,devido a um acidente de jogo,Mariategui sofre de

    um problema na perna, que o obriga a um longo internamento em Hospital.Neste

    perodo,de imobilidade forada, se dedica a vastas leituras , que formaram a base se sua

    primeira formao.Mariategui, um autodidata e ter orgulho desta condio.

    Nestes primeiros anos,outro elemento importante ser a experincia precoce do

    trabalho.Aps a mudana de sua famlia para Lima,comea a trabalhar,com 15 anos, na

    Tipografia do dirio La Prensa.Aps o exercicio de varias funes no jornal, passa da crnica policial a cronica poltica do Parlamento.Isto o leva a uma profunda averso a

    politica crioula,dominada pela mediocridade. Nesta mesma poca, com o pseudnimo de Juan Croniquer, dedica-se a crnica da vida mundana da capital.Colabora em Lulu,dirigida a um publico feminino. coeditor de El Turf,revista de hipismo,onde publica crnicas de costumes das corridas dominicais,e contos inspirados no ambiente dos cavalos.Estas atividades, do ponto de

    vista estilstico,lhe permite afinar sua prosa; do ponto de vista das relaes sociais, lhe

    d ocasio de conhecer profundamente o ambiente oligrquico e snobe de Lima.

    Alm deste mundo frvolo de cavalos, cafs e teatros, existe um outro Peru subterrneo

    que no aparece nas crnicas.Aps trabalhar em El Tiempo, 1916 , Mariategui comea a escrever peas em que o ndio aparece como sujeito.No Departamento de

    Puno, na fronteira entre Peru e Bolvia, ocorre uma revolta camponesa de carter

    tnico.Entusiasmado,Mariategui aborda as gestas de Teodomiro Gutirrez Cuevas,

    militar do exercito que liderou a revolta e que assume o nome quchua de Rumi Maki (

    Mo de Pedra ).No plano mundial Mariategui aprecia de forma favorvel Revoluo

    na Rssia,em 1917.

  • Nesta fase de sua vida, prevalece o interesse pela atividade artstica e pela vida boemia.

    Participa da revista Colonida, dirigida pelo dannunziano Abraham Valdelomar.Escreve poemas. Realiza um retiro em um Convento, onde escreve versos

    msticos.Neste clima contraditrio, em 1917, com amigos organiza uma dana noturna

    no cemitrio de Lima, que tem como protagonista uma bailarina chamada Norka

    Rouskaya,e que provoca grande escndalo nos setores tradicionais da capital.Mariategui

    obrigado a se defender publicamente,alegando motivos estticos.

    Em 1918, junto com Csar falcon e Felix del Valle, cria uma editora de orientao

    socialista. Publica a revista Nuestra poca,que assinala a sada de Mariategui a campo aberto,inclusive sendo agredido por um grupo de militares,devido a um artigo sobre

    gastos militares. Participa de uma comisso de propaganda e organizao socialista,da

    qual se afastar quando caminha para formao do Partido socialista, cuja fundao

    considera prematura. Nestes anos, surgem grande movimentos de massa.Os

    trabalhadores,sob hegemonia anarquista,lutam pela jornada de trabalho de 8 horas e

    contra a alta do custo de vida. Nas Universidades, sob impulso da experiencia iniciada

    em Crdoba(Argentina), desenvolve-se um movimento pelo reforma universitria. No

    inicio de 1919, Mariategui,ento,abandona o jornal El Tiempo,e funda um dirio que possa acompanhar estes acontecimentos: La Razn,que se torna um ponto de referencia para estas lutas. Assim, Mariategui torna-se uma figura publica; surge o lder

    poltico e desaparece o artista refinado e decadente.

    O Exlio na Europa

    As classes dominantes perseguem este novo Mariategui: o Governo e a Igreja fecham

    seu dirio.Neste ano, assume o poder o populista Augusto B. Legia , no inicio com um confuso programa populista que despertou atenes. Todavia,sua Presidncia, chamada de Oncenio, uma verdadeira ditadura. Mariategui e seu amigo Csar Falcon so obrigados a deixar o pais.Em fins de 1919,ambos partem para

    Europa.Inicialmente,passam por New York,onde entram em contato com a luta operaria

    dos porturios;sem eguida, chegam a Frana,onde encontram intelectuais e

    polticos,como,Henri Barbusse.

    Ao passo que Falcon vai para espanha, Mariategui parte para Itlia,onde permanecer

    trs anos, que sero fundamentais em sua formao poltica e intelectual.

    A Itlia vivia os anos excepcionais de turbulncia da primeira ps-guerra: uma crise do

    movimento operrio dividido entre a ala reformista e a maximalist