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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia 3924 MARIO PEDROSA: ARTE E EDUCAÇÃO Vera L. Pletisch Mestranda no PPGArtes/UERJ Mario Pedrosa foi um dos críticos mais atuantes da produção artística brasileira moderna e um dos grandes responsáveis por sua atualização. Sua relevante obra tem sido abordada sob diferentes enfoques e o faremos aqui num ângulo praticamente inédito ao discutir suas idéias sobre arte e educação. Embora a preocupação com o aspecto educativo da arte e da crítica esteja presente ao longo de toda sua trajetória ela aparecerá de forma mais explícita em alguns ensaios que escreveu nas décadas de 40 e 50 sobre a natureza da criação artística e seu papel educativo, o desenvolvimento da cognição visual e a arte das crianças, nos quais encontramos ressonâncias do pensamento de Dewey, Lowenfeld, Read e Arnheim. Por fim discutiremos as repercussões que tiveram no ensino de arte praticado nas escolas. Palavras – chave: Mario Pedrosa – o papel educativo da arte – ensino de arte nas escolas Mario Pedrosa was one of the most active critics of the modern Brasilian artistic production and a major responsable for its modernization. His relevant work has been addressed under different approaches and we here, at a angle almost unprecedented, to discuss his ideas about art and education. Even though the concern with the educational aspect of art and criticism is present throughout all his path it appears more explicitly in some tests that he wrote in the decades of 40 and 50 about the nature of artistic creation and its educational role, the development of cognition and visual art for children, in which we find echoes of the thought of Dewey, Lowenfeld, Read and Arnheim. Finally we discuss the impact that had on the practice of art education in schools. Key Words: Mario Pedrosa - the educational role of art - the teaching of art in schools Mario Pedrosa transitou por diversas áreas do conhecimento como filosofia, psicologia, sociologia, antropologia, teoria da informação, entre outras, buscando fundamentos teóricos para as atividades que exercia. Assim o fez quanto à preocupação com o aspecto educativo da arte e da crítica, presente ao longo de toda sua trajetória, porém será nos textos escritos nas décadas de 40 e 50 que essa preocupação aparecerá de forma mais explícita nos ensaios sobre a dimensão educativa da arte moderna, a natureza da criação artística e seu papel educativo, o desenvolvimento da cognição visual e a arte das crianças. Neles fica evidente sua crença na capacidade da arte transformar o mundo cabendo à atividade crítica ampliar a compreensão desta promovendo novas formas de pensar, sentir, julgar, e agir. A importância que atribuiu ao ensino de arte pode ser constatada também em textos e documentos que escreveu sobre a função educativa dos

MARIO PEDROSA - ARTE E EDUCAÇÃO

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MARIO PEDROSA: ARTE E EDUCAÇÃO

Vera L. Pletisch Mestranda no PPGArtes/UERJ

Mario Pedrosa foi um dos críticos mais atuantes da produção artística brasileira

moderna e um dos grandes responsáveis por sua atualização. Sua relevante obra tem sido abordada sob diferentes enfoques e o faremos aqui num ângulo praticamente inédito ao discutir suas idéias sobre arte e educação. Embora a preocupação com o aspecto educativo da arte e da crítica esteja presente ao longo de toda sua trajetória ela aparecerá de forma mais explícita em alguns ensaios que escreveu nas décadas de 40 e 50 sobre a natureza da criação artística e seu papel educativo, o desenvolvimento da cognição visual e a arte das crianças, nos quais encontramos ressonâncias do pensamento de Dewey, Lowenfeld, Read e Arnheim. Por fim discutiremos as repercussões que tiveram no ensino de arte praticado nas escolas.

Palavras – chave: Mario Pedrosa – o papel educativo da arte – ensino de arte nas escolas

Mario Pedrosa was one of the most active critics of the modern Brasilian artistic production and a major responsable for its modernization. His relevant work has been addressed under different approaches and we here, at a angle almost unprecedented, to discuss his ideas about art and education. Even though the concern with the educational aspect of art and criticism is present throughout all his path it appears more explicitly in some tests that he wrote in the decades of 40 and 50 about the nature of artistic creation and its educational role, the development of cognition and visual art for children, in which we find echoes of the thought of Dewey, Lowenfeld, Read and Arnheim. Finally we discuss the impact that had on the practice of art education in schools. Key Words: Mario Pedrosa - the educational role of art - the teaching of art in schools

Mario Pedrosa transitou por diversas áreas do conhecimento como

filosofia, psicologia, sociologia, antropologia, teoria da informação, entre outras,

buscando fundamentos teóricos para as atividades que exercia. Assim o fez

quanto à preocupação com o aspecto educativo da arte e da crítica, presente

ao longo de toda sua trajetória, porém será nos textos escritos nas décadas de

40 e 50 que essa preocupação aparecerá de forma mais explícita nos ensaios

sobre a dimensão educativa da arte moderna, a natureza da criação artística e

seu papel educativo, o desenvolvimento da cognição visual e a arte das

crianças. Neles fica evidente sua crença na capacidade da arte transformar o

mundo cabendo à atividade crítica ampliar a compreensão desta promovendo

novas formas de pensar, sentir, julgar, e agir.

A importância que atribuiu ao ensino de arte pode ser constatada

também em textos e documentos que escreveu sobre a função educativa dos

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museus. Exemplo disso é seu projeto para o Museu de Brasília. Explicando que

era necessária uma nova educação artística, pois a modernidade estética

criara uma nova dimensão da sensibilidade que exigia uma nova atitude do

público frente à obra de arte, no projeto para esse museu realizado por

sugestão de Oscar Niemeyer em 19581, propõe a integração das artes,

incluindo aquelas consideradas menores ou populares, e que o museu tenha

um caráter eminentemente pedagógico e documental, oferecendo ao público

cursos de iniciação artística em história da arte, em crítica e em apreciação

estética.

Dentro do campo puramente estético a grande conquista de toda a

revolução da Arte Moderna foi, para ele, a autonomia completa do fenômeno

artístico e o princípio de uma nova atitude do artista em face de sua própria

criação e em face do mundo. Era a expressão da adequação perfeita entre o

espírito e a matéria, explica Mari (2006), que restituía à razão um significado

mais amplo, derivado da ênfase na experiência humana e na qual se

restabelecia o contato com o mundo. A tarefa da Arte Moderna inscrevia-se na

transformação profunda da sensibilidade do homem e no aprimoramento de um

novo processo cognitivo contra o racionalismo abstrato da sociedade burguesa

para a qual tudo deveria ser redutível aos parâmetros da prática ou à moral do

uso.

Ele indicava a conquista de uma razão sensível como ponto de partida

para a função emancipadora da arte por acreditar que a arte e as atividades

livres proporcionavam um ponto de vista crítico novo e uma alternativa eficaz

para a superação da ordem e do poder vigentes.

No artigo “Equívocos do realismo em arte” 2 Pedrosa demonstra não

acreditar ser possível separar observação pura e simples e realidade ideada

visto que o artista se vale da amplitude de sua dimensão espiritual e não de um

ponto de vista naturalista ou objetivo-mecânico para elaborar a obra. Esta era

uma nova maneira de compreender o fenômeno artístico que superava a

separação entre espírito e matéria, conteúdo e forma na obra, e atribuía valor

às suas leis próprias.

Pedrosa (2000) distinguia duas tendências na arte moderna, a

expressionista e a construtiva. Considerava que a construtiva tinha espírito de

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coletividade e participava da construção da nova sociedade e a defendia pela

importância revolucionária que atribuía à dimensão estética, que visava motivar

a ação consciente dos homens para a busca de alternativas políticas,

econômicas e sociais para o Brasil e para o mundo. Acreditava que com sua

especificidade e leis próprias essa arte produziria uma revolução silenciosa.

Ele interpretava as possibilidades de transformação do mundo pela arte

abstrata ou concreta como verdadeira reeducação da sensibilidade, associando

a invenção artística à imaginação livre, desvinculada de todas as convenções,

sensível a todas as experiências novas, espontânea, da primeira idade mental

ou cultural, como os desenhos infantis, a pintura dos doentes mentais e a arte

dos povos ditos primitivos, a que chamava de “arte virgem”, como explica

Arantes (2004). Acreditava que a revolução dos sentidos ocorrida com o

advento da arte abstrata permitia, para além da visão convencional, antever “os

horizontes longínquos da utopia”, com conseqüências sociais inestimáveis.

Esta seria a dimensão social da arte.

É essa função de recondicionadora dos sentidos que será o grande tema das reflexões estéticas de Mário Pedrosa ao longo de sua crítica futura, mesmo quando vier a relativizar muitas de suas formulações teóricas desse primeiro momento de militância em prol da arte abstrata. (ARANTES, 2004, p. 59)

A tendência construtiva nas artes era uma alternativa contra a

transformação da arte em objeto de consumo e contra o embotamento estético

do homem contemporâneo. Todo o esforço dos artistas construtivos na

produção moderna visava ampliar a consciência dos homens, motivando novas

formas de agir e de compreender a realidade. Assim, a arte incentivaria todo

tipo de experiência capaz de não se limitar às estruturas mentais do dia-a-dia,

e possibilitaria uma nova percepção do mundo, desenraizando o homem de

seu cotidiano empobrecido e promovendo a consciência transformadora,

conclui Mari (2006).

Esta, a essência da lição de Mário Pedrosa: o artista deve buscar na força expressiva da forma a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, de modo a fazê-lo ‘transcender a visão convencional’, obrigando-o a enxergar o mundo com outros olhos e, assim, a ‘recondicionar-lhe o destino.’ (ARANTES, 2004, p. 16)

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Segundo Arantes (2004), Pedrosa acreditava que a luta pela libertação

da humanidade passava pela preservação e ampliação daquele mínimo de

iniciativa de que o homem pode dispor na sociedade capitalista, daquelas

possibilidades que lhe sobram de “exercício experimental da liberdade”, sendo

a arte uma dessas possibilidades.

Será essa função recondicionadora dos sentidos e da percepção um dos

grandes temas das discussões estéticas ao longo de sua atividade além da

busca de uma síntese entre a projeção catártica ou o extravasamento

espontâneo dos afetos e a expressão formalmente construída, sem dissociar

objetividade e subjetividade.

Pedrosa escreveu ensaios publicados entre os anos de 1947 e 1957

onde apresenta suas idéias sobre arte e educação e discute algumas

abordagens e experiências levadas a efeito nesse período. Todos foram

republicados na coletânea “Forma e Percepção Estética” organizada por Otília

Arantes em 1996. São eles: “Arte, necessidade vital” (1947), “A ação de

presença da arte” (1947), “A força educadora da arte” (1947), “Arte infantil”

(1952), “Crescimento e criação” (1954), “Crianças e arte moderna” (1957).

Como escreve Kern “Pedrosa prepara os artistas e o público para o

entendimento da arte, quando escreve com regularidade no Correio da Manhã

(1946-51) e, em 1957, no Jornal do Brasil.” (KERN, 2008, p. 493)

O ensaio “Arte, Necessidade Vital” 3 (PEDROSA, 1996, p.41-57) foi

resultado de uma conferência pronunciada no encerramento da exposição de

pintura organizada pelo Centro Psiquiátrico Nacional em 1947 e chama a

atenção para o papel educativo e terapêutico da arte.

Nele encontramos alguns dos principais temas que tratará ao longo de

sua trajetória, como a natureza da criação artística, seus fundamentos vitais e

psíquicos, pessoais e universais, que superariam a dissociação entre

subjetividade e objetividade. Encara a arte como linguagem não verbal, do

inconsciente, e por isso mesmo capaz de novas possibilidades de comunicação

e conhecimento, uma experiência integral e intuitiva tanto no âmbito da

produção quanto no da produção da obra. Procurou mostrar através da análise

das obras apresentadas que a arte, em sua origem, está próxima das criações

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infantis, dos loucos e dos povos chamados “primitivos”, apoiado em teorias

psicológicas que tentavam explicar as bases subjetivas da expressão artística.

Nesse sentido até as garatujas dessas crianças e menores mentais são da mesma natureza fundamental das obras dos grandes artistas universais, obedecendo a idêntico processo psíquico de elaboração criadora tanto nos adultos artistas conscientes quanto nos doentes e crianças. Em todas essas múltiplas e diversas manifestações em maior ou menor grau de intensidade, o que se trata, em essência, não é senão de emprestar forma simbólica aos sentimentos e imagens do eu profundo. (PEDROSA, 1996, p. 54)

Discorrendo sobre a história da arte discute o conceito de arte ligado à

representação da realidade que a arte moderna vai revolucionar.

Destaca ainda a relevância das experiências realizadas nas escolinhas

de arte e as experiências artísticas com os doentes mentais.

Em “A Ação de Presença da Arte” 4 (PEDROSA, 1996, p.59-60), discorre

sobre a arte como atividade inútil e desinteressada porém presente e

indissociável na vida de todos os seres humanos, que brota com a infância.

Defende em “A força educadora da arte” 5 (PEDROSA, 1996, p.61-62),

que a arte é uma atividade como outra qualquer, que tem seu campo de ação

específico e leis próprias e autônomas, atuando pelo dinamismo das formas e

não pelos temas, criando no homem um aparelho melhor de apreensão e

recepção. Atuar diretamente sobre a sensibilidade é a peculiaridade da arte.

Que a arte é um elemento decisivo para a formação dos homens e que as

atividades artísticas agem sobre eles como o álcool, a religião e o amor.

A educação artística é entendida como a educação dos sentidos e da

emoção, e deve preceder a educação do intelecto e do espírito, para que se

aprenda primeiro a ver os objetos, a distinguir os sons, a “sentir a vida

palpitante das coisas por si mesmas”.

No texto “Arte Infantil” 6 (PEDROSA, 1996, p.63-70) apresenta as

observações e experiências de Franz Cizek, criador de um programa de

renovação do ensino artístico na Áustria em fins do século XIX, a partir de seus

estudos sobre o desenho espontâneo das crianças.

Lembrando que Maria Richardson, com o apoio do crítico de arte inglês

Roger Fry, incluiu trabalhos infantis de seus alunos numa exposição de artistas

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adultos modernos na Inglaterra, com os quais trabalhou sob a influência do

método de Cizek, Pedrosa reconheceu que as exposições de trabalhos dos

alunos de Ivan Serpa tinham também caráter de mostra de arte.

Cita as experiências de K. Holmes e de H. Collinson sobre o ensino de

arte na educação, para quem o desenvolvimento artístico ocorre relacionado ao

desenvolvimento psicológico e físico, numa síntese dinâmica, para justificar o

trabalho realizado por Ivan Serpa na escolinha de arte do MAM-RJ, e descreve

todas as fases do que chamou de “imaginação visual” à partir das obras de

alunos de 2 a 14 anos dessa escolinha presentes numa exposição: Desde os desenhos de pequerruchos de dois e três anos até os da

meninada mais taluda de catorze anos, sente-se o crescer paulatino desses seres como criadores. É como um organismo só, que passasse diante de nossos olhos por todas as fases da imaginação visual: da mais primária delas, de movimentos mal controlados, em que o desenho vale por sua intencionalidade e é geralmente caracterizado por seus contornos irregulares fechados, numa deformação continuada como nas figuras da geometria topológica, às fases intermediárias, em que os contrastes de direção vertical-horizontal se complicam pouco a pouco em outras variações de direção, para afinal subordinar-se a um princípio de unidade. Depois é o agrupamento de figuras já situadas em um todo coerente, é o aparecimento das linhas de base com as quais se constroem os altos e baixos até os balbucios da profundidade espacial que se desenvolvem como o bla bla bla infantil, que na linguagem acaba se articulando em fala. E por fim chega-se aos jogos de sombra e luz, às ambivalências perceptivas de figura e fundo, o último estágio de amadurecimento da imaginação visual, transição para a adolescência, passagem definitiva do ser ao domínio da expressão verbal e do pensamento discursivo. (PEDROSA, 1996, p. 67-68)

Para Pedrosa não bastava ao homem o conhecimento conceitual e

discursivo, ou o conhecimento confundido com a mera acumulação de

informações quantitativas sobre as coisas, era necessário que o homem

desenvolvesse o seu todo psicofísico e sua imaginação visual criadora, porém

a civilização temia a educação dos sentidos e das emoções embotando-as. Ela (a educação dos sentidos e das emoções) lhes dará um estalão

precioso para julgar e apreciar, sem desajustes e prejuízos, tornando-os aptos ao fazer e ao agir, ao pensar e ao sentir, com menos incoerência ou melhor sincronizados de mente, de atos, de impulsos e de gestos. (PEDROSA, 1996, p. 68, parênteses meus)

Inicia “Crescimento e Criação” 7 (PEDROSA, 1996, p. 71-79), elogiando

o trabalho que Ivan Serpa realiza na escolinha de arte do MAM-RJ, enfatizando

que, seguindo as propostas da educação moderna, não tinha a intenção de

transformar as crianças que a freqüentavam em artistas profissionais mas

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prepará-las “para pensar certo, agir com justeza, manipular as coisas

judiciosamente, julgar pelo todo e não parcialmente, apreciar com proporção e

confiança, gesticular com propriedade, utilizar-se das mãos com precisão, tirar

alegria não só das grandes como das coisas insignificantes e pequeninas.”

Tece críticas ao que considerava certos exageros da pedagogia artística

moderna, que fazia da arte “mera expressão de emoções e conflitos”,

“manifestação egocêntrica”, ou “técnica de desabafos”, que visava provocar a

catarsis nos indivíduos, o que, segundo ele, é empobrecedor e retarda o

desenvolvimento e a busca da organização do todo, da criação da forma.

Afirmando que esse trabalho de Ivan Serpa estava muito próximo das

concepções de Rudolf Arnheim buscou apoio teórico nesse autor, que havia

publicado o livro “Art and Visual Perception” em 1954 8, mesmo ano da

publicação deste texto, escreve: A educação pela arte – e é o único processo educacional realmente

eficaz – ensina sem dúvida à criança não temer as emoções, permitindo, ao contrário, que elas aflorem e desabrochem; mas deve ensinar-lhes também a integrá-las, como o fator dinâmico, por excelência; é indispensável e salutar, dá personalidade própria. Seu coroamento só se completa quando nele se encontram, como os seus componentes principais, o poder de visualização global das coisas e um pensamento condutor, coerente e racional, quer dizer, estético. (PEDROSA, 1996, p. 74)

O papel do professor nesse processo, para Pedrosa, era chamar a

atenção do aluno para a ação dos efeitos visíveis resultantes de seus

experimentos espontâneos e a possibilidade de controle sobre os mesmos. O que ele faz é simplesmente centrar a atenção do garoto sobre o

nascimento da forma, desde as mais simples, privilegiadas no sentido gestaltiano – o círculo, o oval, o quadrado, as formas simétricas, enfim – às mais complexas e ambivalentes. Ele vai assim, no sentido das prioridades formais estabelecidas pelas leis da percepção, ajudando o processo na sua crescente complexidade. (PEDROSA, 1996, p. 76)

Assim a pura percepção sensorial, resultante dos exercícios dos

movimentos motores e dos impulsos inconscientes, se cristaliza em conceito

visual, abrindo uma nova etapa de desenvolvimento, a do controle visual. Com

esse controle visual as formas passam a se diferenciar e é possível

compreender visualmente as qualidades formais do objeto. Nasce a

conceitualização percepcional. “A passagem do conceito visual para o conceito

representacional é, segundo Arnheim, a passagem da forma ainda

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percepcional para a forma artística.” (PEDROSA, 1996, p. 78) Para Mario

Pedrosa o início de toda criação artística, o início da forma, se dá no contato

entre o conceito visual e a experiência sensível.

Embora tenha reconhecido os excelentes resultados obtidos e a fecunda

experiência alcançada pela pedagogia artística moderna, que se apoiava na

liberdade de criação e no esforço de explicitação dos impulsos e anseios de

expressão da personalidade da criança, exigindo determinados meios e

técnicas, no texto “Crianças e Arte Moderna” 9 (PEDROSA, 1996, p. 81-84)

avalia que isso se transformou numa atitude estereotipada reduzindo esse

impulso criador a “uma simples técnica de exprimir emoções e conflitos”, e

procuram exclusivamente aprimorar essa técnica de desinibição e desabafo,

desprezando a forma, a integração, para ele o essencial, transformando essas

produções em traduções imediatas de um estado emocional subjetivo.

Nesta coletânea do pensamento de Pedrosa podemos reconhecer a

sintonia com o que havia de mais atual sobre o assunto, principalmente nas

ressonâncias das idéias de Dewey, Lowenfeld, Read e Arnheim, quanto à

ênfase no processo criativo por meio da experiência, à valorização do aspecto

psicológico do aluno e o desenvolvimento de suas aptidões individuais, à busca

da integração do indivíduo com seu meio e da capacidade para mudá-lo

através do desenvolvimento harmônico dos sentidos e da sensibilidade, do

equilíbrio interno das emoções, da liberdade criadora e da livre expressão, ou

seja, o discurso da arte como meio de educação para a construção de um novo

mundo.

Mario Pedrosa influenciou decisivamente o meio artístico nacional no

período em estudo e publicou artigos sobre o assunto em jornais de grande

circulação porém não encontramos qualquer referência sobre uma possível

influência de suas idéias no ensino de arte praticado nas escolas.

Barbosa (2008) na introdução de seu livro “Ensino de arte: memória e

história” conta que interessada em pesquisar o período que vai de 1930 a 1948

deparou-se com a inexistência de pesquisas sobre esse período.

O único trabalho encontrado até o momento é de Iná Camargo Costa “A

educação pela arte segundo Mario Pedrosa”, no qual explica o apoio teórico

que encontrou nos textos dele para, conforme suas palavras “resistir aos

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métodos da chamada ‘criatividade’ no ensino de redação”, quando professora

de língua portuguesa na rede pública de ensino em fins dos anos 70. (COSTA,

2001, p. 57-67)

Teriam essas idéias sido apropriadas no contexto escolar ou, como

acontece ainda hoje, a produção crítica de arte, a produção artística

contemporânea e a produção acadêmica não chegam às salas de aula?

Alguma explicação, entre as várias possíveis, advém do fato de ter sido

recente a criação de cursos de licenciatura e de pós-graduação em artes,

formando professores habilitados para ministrarem as aulas dessa disciplina,

função exercida na maioria das escolas por professores de outras áreas do

conhecimento, fato que ocorre até hoje, bem como a não oferta da disciplina.

Esses poucos anos de existência da formação profissional determinaram

também um número ainda pequeno de pesquisadores e estudiosos do assunto.

O acesso à informação especializada sobre arte e sobre o seu ensino

pode ser apontado como uma outra explicação, uma vez que esta tem sido

produzida geralmente nos grandes centros do país. Embora o surgimento da

Internet tenha possibilitado o acesso a estas, a realidade que observo atuando

profissionalmente no Pólo Regional Arte na Escola – UENF é a de que os

professores de artes utilizam para suas pesquisas os serviços oferecidos pelos

buscadores como Google e outros, desconhecendo fontes confiáveis e

especializadas, como por exemplo as revistas em versão digital Concinittas,

Revista Art&, a enciclopédia de artes visuais disponível na home page do

Instituto Cultural Itaú ou a home page do Canal Contemporâneo.

Necessária e urgente é a criação de licenciaturas nas diferentes

linguagens artísticas em todas as regiões do país bem como de programas de

pós-graduação e de educação continuada para que os profissionais sejam

qualitativamente inseridos no mercado de trabalho e o ensino de arte nas

escolas seja reconhecido como importante e indispensável área de

conhecimento, realizado com sólidos suportes teóricos e não apenas como

horário de lazer e preparação de festas.

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Notas

1 Projeto para o Museu de Brasília in PEDROSA, Política das Artes, (org. Otília B. F. Arantes) São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 287 – 294.. 2 PEDROSA, M. “Equívocos do realismo em arte” In Política das artes, (org. Otília B. F. Arantes). São Paulo: EDUSP, 1995, pp. 99-102. 3 Conferência pronunciada por ocasião do encerramento da exposição de pintura organizada pelo Centro Psiquiátrico Nacional, sob os auspícios da Associação dos Artistas Brasileiros na ABI, em 31 de março de 1947, publicado no Correio da Manhã, nos dias 13 e 21.04.47. Republicado em PEDROSA, Arte, Necessidade Vital, Rio de Janeiro: Livraria Casa do Estudante do Brasil, 1949, In PEDROSA, Forma e Percepção estética, 1996, p.39-57. 4 De uma série de pequenos artigos sobre a “função” da arte, publicados em 1947 no Correio da Manhã. Republicado em Arte, Necessidade Vital, op. cit., pp.217-219, conforme nota de Otília Arantes (Pedrosa, 1996, p. 59) 5 Da mesma série do texto anterior, no Correio da Manhã. Republicado em Arte, Necessidade Vital, op. cit., pp.221-223, conforme nota de Otília Arantes (Pedrosa, 1996, p. 61) 6 Introdução ao catálogo da Exposição Infantil do Museu de arte Moderna do Rio de Janeiro, em dezembro de 1952. Republicado em Dimensões da arte, Rio de Janeiro, MEC, 1954, pp. 117-123, conforme nota de Otília Arantes (Pedrosa, 1996, p. 63) 7 Publicado pelo MAM/RJ, com seleção dos trabalhos dos alunos de Ivan Serpa, em 1954. Republicado posteriormente em várias coletâneas e revistas, a última reedição tendo sido em Dos Murais de Portinari aos Espaços de Brasília, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981, pp.63-69, conforme nota de Otília Arantes (PEDROSA, 1996, p. 71) 8 O livro “Arte & Percepção Visual” de Rudolf Arnheim foi publicado no Brasil em 1998. 9 Publicado no Jornal do Brasil em 18 de julho de 1957, conforme nota de Otília Arantes (PEDROSA, 1996, p. 81)

Referências

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KERN, M. L. B. Mario Pedrosa: diálogos entre a crítica e a história da arte. In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 17, 2008, Florianópolis. Anais eletrônicos. Florianópolis. Disponível em : <http://www.anpap.org.br/2008/artigos/046.pdf. Acesso em 01 mar. 2009.

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MARI, M. Estética e Política em Mário Pedrosa (1930-1950) São Paulo, 2006. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Celso Fernando Favaretto.

PEDROSA, M. Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhidos III (Org. Otília Beatriz Fiori Arantes) 1ª edição, 1ª reimpressão, São Paulo: EDUSP, 2004.

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___________ Política das Artes (org. Otília B. F. Arantes) São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

READ, H. A Educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Vera L. Pletitsch: Especialista em Arte-educação e mestranda no

PPGARTES/UERJ. Coordenadora de acervos e divulgação do Pólo Regional

Arte na Escola da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Coordenadora

das ações educativas em artes visuais no SESC de Campos.