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Módulo 5 – Uso de armas de fogo: prós e contras
Apresentação do Módulo
Em seu famoso e eficiente curso de treinamento de policiais sobre o uso de armas de
fogo, o coronel reformado da PM de São Paulo, Nilson Giraldi, começa por dizer: “Vocês
precisam saber usar seu armamento com competência para se manterem vivos... E para
não serem presos por matarem inocentes, além de protegerem a sociedade”. Esse conselho,
dado por um policial experiente, que elaborou um treinamento a partir do que há de mais
moderno em outros países, dá bem a importância do conhecimento sobre o manejo de armas
de fogo.
Veja mais nos links a seguir:
Manejo de armas de fogo 1 –
www.esmp.sp.gov.br/eventos/passados/giraldi_atuacaopolicia.doc
Manejo de armas de fogo 2 –http://www.youtube.com/watch?v=OZxtxBuIUV4
O policial não pode continuar a ter um entendimento de leigo sobre o uso de armas.
Como parte de sua profissão de risco, ele tem que conhecer a complexidade que envolve o
manejo de armas de fogo.
Não basta coragem para usar arma. Tem que ter competência.
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Analisar os vários aspectos que incidem sobre o uso de armas,
influindo sobre seu uso como instrumento de proteção ou de risco mortal;
Identificar as diferentes situações que se apresentam para o uso de arma
letal ou de baixa letalidade.
Estrutura do Módulo
Este módulo compreende as seguintes aulas:
Aula 1 – Uso de armas de fogo por policiais
Aula 2 – Uso de armas de fogo por civis
Observação: O conteúdo deste módulo tem como fonte bibliográfica o livro Armas de
Fogo: proteção ou risco? (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005).
Aula 1 – Uso de armas de fogo por policiais
Nesta aula, você estudará sobre a capacitação do policial brasileiro no uso de armas e
os feitos positivos para superar as lacunas das capacitações.
O uso do armamento será comentado à luz da orientação da ONU para o uso
diferenciado da força e das armas indevidamente denominadas “não letais”.
1.1. Mau uso da arma e excesso de mortes
Muitos policiais utilizam mal a arma de fogo: morrem demais e matam em excesso. É
possível apontar algumas das razões que afetam as corporações. São elas:
Falta de treinamento com tiro;
Deficiência nas técnicas de abordagem e confronto;
Dificuldades na investigação (que permitiria agir na ofensiva e de
surpresa, evitando mortes de ambos os lados);
Ação solitária (por exemplo, na Alemanha agem em equipe);
Armamentos e Equipamentos de Proteção Individual (EPI) inadequados
(nem sempre recebem coletes e capacetes de proteção).
Importante!
O “método Giraldi” tem sido um grande avanço na capacitação do uso de
armamento.
Segundo pesquisa qualitativa de Haydée Caruso, então antropóloga do Viva Rio, em
geral, os policiais terminam sua formação com pouquíssima prática de tiro e muitas vezes têm
que comprar sua própria munição.
Durante as entrevistas e o trabalho de campo que realizei com policiais
militares do estado do Rio de Janeiro sobre o processo de formação e
aperfeiçoamento desses profissionais, foi apontado que não é valorizada a prática de
tiro, principalmente entre as patentes subalternas. Diversos policiais argumentaram
que terminaram seus cursos de uso de arma praticando apenas 5 tiros. Sendo assim,
analisam que não é feito nenhum tipo de investimento nesse sentido, mesmo que
haja carga horária prevista para tal na grade curricular. (HAYDÉE, 2004)
1.2. Normas estabelecidas pela ONU
Para garantir a segurança dos policiais e proteger as pessoas do abuso da polícia,
a ONU estabeleceu os “PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE
FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI” (VIII Congresso
da ONU sobre Prevenção do Crime e Tratamento das Vítimas, agosto 1990 ).
Alguns exemplos dessas recomendações são suficientes para mostrar que, apesar dos
esforços de várias ações, ainda há de se investir mais para alcançarmos as normas
internacionais:
- Considerando que uma ameaça à vida e à segurança dos policiais deve
ser considerada uma ameaça à estabilidade da sociedade como um todo;
- Considerando situações em que o uso legal da força e de armas é
inevitável, os policiais devem: (a) treinar para seu uso comedido e proporcional à
seriedade da infração e dos objetivos a alcançar; (b) reduzir ao mínimo o dano ou
ferimento causados, respeitando e preservando a vida humana;
- No treinamento de policiais, o governo deve dar especial atenção aos
aspectos éticos e de direitos humanos do comportamento policial, em especial
durante as investigações, criando alternativas para o uso da força, como a
resolução pacífica de conflitos (...), métodos de persuasão, negociação e mediação,
bem como de meios técnicos, com o objetivo de limitar o uso da força e de armas de
fogo;
- O governo deve regular o controle, estoque e uso de armas de fogo,
incluindo procedimentos para assegurar que os policiais sejam responsáveis pelas
armas de fogo e munição entregues a eles.
1.3. A polícia que mais morre e a polícia que mais mata
Em todo os EUA, morrem em média 150 policias por ano. No estado do Rio, até 2004
tínhamos o seguinte quadro:
Tabela 11 - Policiais da PM mortos no estado do Rio de Janeiro.
Ano 1
998
1
999
2
000
2
001
2
002
2
003
2
004
Em
serviço
20
28
20
24
22
43
52
Em
folga
1
02
1
03
1
18
1
04
1
19
1
10
81
Total 1
22
1
31
1
38
1
28
1
41
1
53
133
Fonte: SSP/RJ, 2005.
Segundo o Tenente Melquisedeque Nascimento, presidente da Associação de Militares
Auxiliares e Especialistas, “o Rio responde por 1/3 das mortes de policiais em todo o Brasil.
A situação é assombrosa: em 2004 morreram mais policiais no Rio do que em toda a
Colômbia, que está em guerra civil e teve 65 mortes” (O Globo, Rio de Janeiro, 18.01.05).
De acordo com o então deputado Carlos Minc (PT/RJ), em conversa com o
conteudista, “dos 850 policiais civis e militares que morreram nos últimos 5 anos, 80%
estavam fora de serviço, a maioria trabalhando no ´bico´”.
Conforme a Ouvidoria das Polícias de São Paulo, morrem 4 vezes mais policiais fora
de serviço, isto é, em sua atividade de “bico”, do que no emprego oficial. Em 2003, morreram
76 PMs fora de serviço e 20 dentro; 497 foram feridos em horários de folga e 458 no
exercício da função (SSP/SP, out. 2004). A Bahia é o terceiro estado em mortes de policiais:
de janeiro a setembro de 2004, 39 policiais morreram, 34 PMs e 5 policiais civis, a maioria
fora de serviço. (SSP/BA, set. 2004)
Indo para o outro lado da mesma moeda...
Em todos os Estados Unidos, com cerca de 800 mil policiais, foram mortas pela
polícia 561 pessoas em 2000. (Relatório da Anistia Internacional, 2004). No estado do Rio,
com 49.617 policiais, foram mortos 1.195 indivíduos pela polícia em 2003, embora tenha
havido uma redução em 2004 para 983 mortos (INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA
da SSP/RJ, 2005). Em São Paulo, a matança atingiu 868 civis em 2003. (SSP/SP, 2004) A
especialista Julita Lemgruber estima que a polícia brasileira tenha matado cerca de 2.000
pessoas em 2004 (CENTRO DE ESTUDOS DE SEGURANÇA E CIDADANIA DA
UCAM). Em Portugal, país com pouco menos habitantes do que o estado do Rio (10.524.145,
para 14.713.611 no Rio, em 2005), houve apenas 2 execuções no mesmo ano.
A expressão maior dessa política “de guerra”, própria do modelo militar – e não do
modelo policial –, baseada na investigação e prevenção, foi a orientação implantada pelo
General Nilton Cerqueira, secretário de segurança do Rio de 1995 a 1998. Ele estabeleceu a
denominada “gratificação faroeste”, em que seus homens recebiam prêmio em dinheiro por
cada bandido morto, podendo dessa maneira aumentar em até 150% o seu ordenado. O
número de civis mortos pela polícia dobrou em pouco tempo, segundo pesquisa do sociólogo
Ignácio Cano. Seus estudos provaram que a maioria dos “bandidos” mortos naquele período
era de trabalhadores honestos, executados à queima-roupa com tiros na nuca e nas costas por
maus policiais ávidos de receber um extra (Cano, Ignácio: Letalidade da Ação Policial no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ISER,1997).
De 2003 a 2010, 8.708 pessoas foram mortas pela policia no estado do Rio,
o que torna o estado campeão de brutalidade policial. A vítima é homem, jovem,
pobre, quase sempre negro e morador da periferia. Desse número de mortos, 35%
são considerados confrontos com pessoas armadas, e o resto são execuções
extrajudiciais. Raramente a Justiça considera o ato um assassinato, identificando-o
como “desvio de conduta individual”. Em geral, a vítima e o policial são do mesmo
grupo de origem, mas o policial entrou para a corporação, foi treinado e aprendeu
que deve matar para “salvar a sociedade”. Em determinado dia, ele arrisca a vida e
mata. Mais de mil casos todos os anos. Esse número já aponta para um padrão
previsto. Podemos fazer projeção para tais atos. Isto é, é uma política de governo
que se reproduz, é uma prática institucionalizada e não um desvio individual de
conduta. O julgamento, portanto, deveria ser não apenas do indivíduo, mas da
corporação, do governo, e de nós, população, por nosso silêncio. Isso só mudará
quando tivermos todos um compromisso com a mudança. (Palestra no V Encontro
Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana, Rio de Janeiro, 10.06.2011)
Os dados mais recentes, fornecidos pelo Instituto de Segurança Pública da SSP/RJ,
apontam queda de 32,4% nos “mortos em confronto com a polícia”, comparando abril de
2011 com abril de 2010, mas admite um aumento de 33% nos registros de “encontro de
cadáver” (quando não se consegue identificar a causa da morte), índice controverso e que,
segundo alguns, serve para ocultar “execuções extrajudiciais”. (O Globo, Rio de Janeiro,
14.06.2011)
Como saída dessa situação, alguns autores sugerem que a polícia brasileira deveria
incorporar as chamadas “armas não letais”, ou mais acertadamente denominadas “armas de
menor potencial ofensivo”, porque podem matar. É importante que o policial saiba disso, para
usá-las com precaução. São as balas de borracha, taser, bastões de choque, gases e outros
instrumentos, que servem para controle sem morte, poupando vidas.
1.4. Falta de assistência aos policiais
Há grande carência de apoio psicológico aos policiais submetidos ao enorme estresse
provocado pela violência. Compreende-se melhor suas condições de trabalho se forem
comparados aos militares envolvidos em conflito bélico, submetidos ao risco de serem
mortos, obrigados a matar, vendo seus companheiros sendo abatidos, o que com frequência
gera o “trauma de guerra”. A situação de nossos policiais não é melhor. Devolver ao front da
luta contra o crime homens deprimidos e nervosos pelo intenso esforço despendido sob
tensão, revela indiferença pelas condições de atuação de policiais que arriscam a vida para nos
proteger. Demonstra também grande irresponsabilidade, pois estressados podem cometer
desatinos que coloquem em perigo suas vidas e de outros. Hoje, já existe um termo médico só
para definir trauma causado pelo envolvimento em situações de violência: transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT).
Importante!
Pesquisa realizada não na “guerra das favelas cariocas”, mas entre policiais de São
Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, por agência especializada, constatou que “82% deles
tinham ansiedade crônica, 78% angústia e 52% comportamento agressivo decorrente de
intensa pressão”. (INTERNATIIONAL STRESS MANAGEMENT ASSOCIATION DO
BRASIL, agosto 2004). Segundo o ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São
Paulo, Marco Vinicio Petrelluzzi:
Muitas mortes seriam evitadas, principalmente se consideramos a geografia
desfavorável das favelas e das periferias, se as condições psicológicas dos policiais fossem
monitoradas e provida a assistência adequada. No entanto, poucas polícias no Brasil oferecem
esse apoio. Pelo contrário, impera uma cultura de soldado “durão”, de incentivo permanente
ao confronto e de ocultamento dos problemas psíquicos causados pela rotina de guerra.
As políticas meramente repressivas apenas levaram à exacerbação da violência,
gerando uma espiral ascendente de violência, dizimando policiais e provocando um
morticínio entre os delinquentes, substituídos imediatamente por um exército ilimitado de
reserva, como dramaticamente mostrou o excelente documentário de João Moreira Sales,
Notícias de Uma Guerra Particular. Os filmes Tropa de Elite 1 e 2, com Wagner Moura,
mostram bem os efeitos perversos do estresse no cotidiano do policial.
Aula 2 – Uso de armas de fogo por civis
Se os policiais “estão condenados” a usarem armas devido aos riscos inerentes ao seu
trabalho de “protetor da sociedade”, é essencial que saibam dos riscos que envolvem o seu
uso indevido. E o que dizer do uso de armas de fogo por civis? Quais os principais
argumentos a favor e contrários à autodefesa do cidadão? Essa é a temática da aula.
Argumentos centrais serão analisados, tomando por princípio a maior segurança do
usuário, policial ou civil. Argumentos usados em outros países, como “Não são as armas que
matam, mas as pessoas”, bem como produzidos aqui, como “direito à legítima defesa”, serão
confrontados com a realidade dos fatos, com base nas pesquisas oficiais de governos de
diferentes países e universidades de renome. Afinal, armas dão mais segurança ou aumentam
os riscos de quem as empunha? Com a palavra, os especialistas internacionais.
2.1. “Armas não matam. Quem mata são as pessoas.”
Este é o slogan mais repetido pela Associação Nacional de Fuzis dos EUA, o lobby
bilionário da indústria de armas daquele país. É convincente à primeira vista. A armadilha
está, primeiro, em afirmar o óbvio, como seria dizer que, “se o carro está em excesso de
velocidade, a culpa não é do carro, mas do motorista”; segundo, em concentrar o foco
exclusivamente num aspecto sobre o qual há unanimidade: a necessidade de boa educação.
Segundo a Associação Nacional do Rifle, da indústria de armas dos Estados Unidos, o que
importa são pessoas “bem educadas” e basta. Elas sempre farão bom uso de sua arma e,
portanto, não só estão aptas a usá-la, como devem usá-la na autodefesa.
Não se pode ser ingênuo de imaginar que a educação, embora essencial, pode tudo.
Ela tem seus limites, dados pela natureza humana. Em psicologia, existe o que se denomina
“transtorno de conduta”. Segundo a psicanálise, essa é a denominação diagnóstica para
classificar desvios de comportamento. É aquele momento em que “a pessoa perde a cabeça”,
quando a emoção se sobrepõe à racionalidade. Como o ciúme, por exemplo. Esse é um
sentimento tão poderoso e dominador, que até nos tribunais é considerado atenuante para um
crime cometido sob sua forte influência.
Independentemente da cultura e da educação que se tenha, há momentos na vida em
que as pessoas se descontrolam e são dominadas pela raiva, como numa briga de trânsito. São
situações em que uma arma ao alcance da mão faz toda a diferença. Se não se tem, pode-se
agredir de forma verbal ou até física. Armadas, as pessoas atiram impensadamente,
provocando uma tragédia para, no momento seguinte de lucidez, se arrepender amargamente.
Armas devem ser classificadas como “mercadorias perigosas”, como produtos
químicos, explosivos ou inflamáveis e certos agrotóxicos. Têm que ser fiscalizados, e seu uso
exige muito cuidado. Ninguém discute que tais produtos sejam “passivos”, e que “o problema
sejam as pessoas” que os manipulam.
Sobre a afirmação inicial, “Armas não matam. Quem mata são as pessoas”, devemos
desfazer o sofisma e contrapor a realidade dos fatos: “Armas não matam. Quem mata são
pessoas armadas”.
2.2. “Direito à legítima defesa no uso de arma.”
Essa opinião contraria a jurisprudência da maioria esmagadora dos países, que entende
que possuir arma de fogo não é um direito do cidadão, mas uma concessão do poder público
diante de situações excepcionais.
A “legítima defesa”, no Brasil, é assim definida pelo artigo 25 do Código Penal:
“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários,
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
Essa definição, ao contrário do que pensam os leigos, é altamente restritiva, pois se
espera que a autodefesa armada seja praticada de forma moderada e, conforme se admite,
apenas como último recurso. A possibilidade de alguém exorbitar no uso de armas contra
ladrões desarmados ou menos armados pode levar a vítima a ser condenada por homicídio,
passando de vítima a agressor. É numerosa a jurisprudência condenando o que se denomina
“excesso na legítima defesa”.
Para os defensores da autodefesa armada, esse direito é inquestionável porque decorre
do direito essencial à vida. Mas, se a autodefesa, ou a legítima defesa, são decorrentes do
direito à vida, devem ser proibidas quando ameaçam o direito que visam assegurar. Quando as
estatísticas demonstram que uma arma é mais um risco que uma proteção para o lar, o alegado
direito à autodefesa para se usar uma arma viola o direito da família à segurança, segundo
decisão do Supremo Tribunal Federal (ver mais em “Proteção da Família” no Módulo 6).
2.3. “Casas sem arma são convite ao assalto e casas com armas estão protegidas?”
Para o especialista Luciano Bueno, “o efeito rede, em que os que usam armas acabam
por proteger os vizinhos que não usam, pois o bandido vai achar que é um bairro bem armado,
na verdade gera o efeito radicalização, porque, sabendo que pode haver arma na casa, o
assaltante, antes de mais nada, trata de imobilizar as vítimas por ferimento ou morte”. Na
cidade de Boston, pelo fato de haver poucas casas com armas em função da lei estrita, apesar
de existirem altas taxas de roubos, verificam-se poucas mortes e ferimentos por arma de fogo.
2.4. Roubo de armas legais
Há quem afirme que é o mercado ilegal de armas que abastece a criminalidade. É mais
complexo que isso. Segundo o Instituto de Segurança Pública da polícia do RJ, “no estado do
Rio, a cada 5 horas uma arma comprada legalmente é roubada e em 27% dos casos são
obtidas nos assaltos a residências”. (INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA da SSP/RJ,
julho 2003). No estado de São Paulo, “das 77 mil armas apreendidas em 1998, 71.400 foram
roubadas e 5.500 extraviadas”. (DIVISÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS DA POLÍCIA
CIVIL DE SÃO PAULO, 2000). Em São Paulo, em média, 11.000 armas são roubadas
anualmente de pessoas sem histórico criminal ou de agentes de segurança privada, segundo a
Divisão de Produtos Controlados da Polícia Civil”. (citado por CORDANI, DORA
CAVALCANTI. “A Sociedade Desarmada. Projeções e Perspectivas” in Estatuto do
Desarmamento, 2005), Para outro analista, “uma redução significativa das armas de fogo
legalmente em circulação acabaria por reduzir também o contingente daquelas
comercializadas clandestinamente”. Em 5 outros países, há os seguintes dados:
Tabela 12 – Roubo de armas legais.
Países A
no
Armas
roubadas
Total de armas
legais
Austrália 2
001
4 195 2 165 170
Canadá 2
001
3 638 1 938 338
Inglaterra e País
de Gales
1
996
3 002 1 793 712
África do Sul 2
001
23 000 3 500 000
Estados Unidos 1
997
500 000 260 000 000
Fonte: Small Arms Survey, 2004.
Relatório de uma conhecida fundação norte-americana avaliou: “Uma arma roubada
vale ouro para um criminoso porque ela pode ser rapidamente revendida sem risco de ter sua
origem rastreada; e mais de 80% das armas roubadas foram frutos de assaltos a residências e
carros”. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.21)
2.5.“Carros, garrafas e facas também matam. Vamos proibi-los?”
Esta é uma frase de efeito, e, se analisada com atenção, se revela absurda. Todo
mundo sabe que automóveis matam por acidente e não de forma intencional. Ao contrário,
armas de fogo são desenhadas para matar – e com eficácia – diminuindo o risco de dano ao
agressor por matar à distância e sem dar chance à vítima. Elas permitem matar várias pessoas
em frações de segundos, podendo atingir inocentes com balas perdidas, que em 2003
causaram uma morte a cada 6 dias no estado do Rio, segundo a Secretaria de Segurança
Pública do estado. Portanto, comparar armas de fogo com objetos caseiros e automóveis,
considerando-os igualmente inofensivos e “inertes”, principalmente na frente de crianças, é de
extrema irresponsabilidade.
2.6. Armas brancas e armas de fogo: uma comparação
Há quem pense que “quando se quer matar, e não se tem uma arma de fogo, usa-se
qualquer outra arma, principalmente facas ou facões”, as chamadas armas brancas. Ora,
facas e facões, como copos e pedras, têm múltiplos usos, pacíficos e úteis, e só
excepcionalmente são usados para agredir. Armas de fogo são feitas exclusivamente para
matar, e sua letalidade e eficácia são muito maiores e as chances de sobrevivência da vítima,
muito menores. Nas cidades, o uso de arma de fogo para defesa acaba, com frequência,
atingindo terceiros. Já a arma branca “implica um envolvimento maior com a vítima, uma
aproximação física, uma coragem e uma determinação maiores com relação ao ato.
Diferentemente da arma de fogo, que pode ser acionada à distância, sem envolvimento”.
(Phebo, Luciana. “O Impacto da Arma de Fogo na Saúde da População do Brasil” in
DREYFUS, PABLO et al. BRASIL: AS ARMAS E AS VÍTIMAS, 2005).
No Brasil, 63,9% dos homicídios são cometidos por arma de fogo, enquanto
19,8% são causados por arma branca. Já no universo dos feridos, 39% das internações por
agressão ou tentativa de homicídio são causadas por arma branca e só 30% por arma de fogo,
devido à sua alta letalidade. A chance de se morrer numa agressão com arma de fogo é de
75%, enquanto com arma branca é de 36%. De cada 4 feridos nos casos de agressões por arma
de fogo, 3 morrem. (DATASUS/ISER, 2002). Em outras palavras, hoje em dia, as armas
brancas ferem mais do que matam, enquanto as armas de fogo matam mais do que
ferem.
Só 5 % das tentativas de suicídio são com arma de fogo. Por quê? Porque tentativas de
suicídio com arma de fogo geralmente são bem sucedidas e as pessoas acabam mortas e não
feridas. O custo do tratamento de ferimentos causados por arma de fogo é 12 vezes maior do
que ocasionados por objeto cortante (SMALL ARMS SURVEY, 2004).
No segundo semestre de 2004, cinco massacres foram perpetrados com arma branca
contra estudantes nas escolas chinesas, ferindo 46 crianças e jovens e matando nove. O
resultado certamente seria o inverso se tivessem sido usadas armas de fogo, o que sucederia
caso não fosse tão difícil para civis adquirirem estas últimas na China. Nos Estados Unidos,
“em 1992, armas de fogo mataram 37.776 pessoas e armas cortantes mataram 4.095. Houve
134.000 sobreviventes a impacto de bala e 3.100.000 sobreviventes a ferimento de arma
cortante que receberam tratamento médico”. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.25)
2.7. “As mulheres estão mais seguras com armas?”
Os defensores do uso de armas dos EUA afirmam que sim. Os pró-desarmamento
contestam: “O truque aplicado pela indústria de armas contra as mulheres é dizer: se você é
mulher, um estranho vai tentar estuprá-la e você deve comprar uma arma para se defender. Na
verdade, as mulheres sofrem mais risco de serem atacadas por conhecidos. De acordo com o
Centro Nacional de Vítimas, dos Estados Unidos, 75% de todos os estupros foram praticados
por agressores que conheciam a vítima, como vizinhos, amigos, maridos, namorados e
parentes”. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.54)
No Brasil, embora nasçam mais homens, eles já são minoria em relação às mulheres,
devido principalmente às mortes por arma de fogo. Segundo o censo de 2010 do IBGE, há 4
milhões a mais de mulheres, sendo o Rio o estado com pior proporção: 91,2 homens para cada
100 mulheres.
2.8. “Proibição vai aumentar o mercado clandestino?”
Não é o que está ocorrendo. Conforme noticiado e confirmado por nós com o então
chefe do SINARM do estado de Santa Catarina, delegado Eduardo Chaklian, “É a lei da oferta
e da procura, como diria Henrique Meirelles. O mercado paralelo de armas encolheu com esta
campanha do desarmamento. Segundo a Polícia Federal de Santa Catarina, o revólver 38, que
antes era negociado entre os marginais por R$ 80, não custa agora menos do que R$ 350”.
(Coluna do Ancelmo Gois, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30.08.2004).
Fala-se como se houvesse um grande número de armas legalmente registradas e uma
pequena quantidade de armas em situação ilegal. É justo o contrário, como demonstram as
pesquisas. As armas legalizadas em mãos de cidadãos de bem não ultrapassam ¼ das armas
em circulação. Vemos assim que a fórmula eficiente de controle não é ampliar o mercado
legal, que é pequeno, mas alimenta de armas o tráfico clandestino; é reduzi-lo, para que afete
negativamente o tráfico ilícito.
2.9.“Por que desarmar os homens de bem e deixar armados os bandidos?”
A “doutrina Bush” distinguia as “armas do bem” das “armas do mal”. Essa é uma
percepção simplista, ou propositalmente simplista (no caso do governo Bush, financiado pela
maior indústria de armas do mundo), sobre o mercado de armamento. De onde vêm as armas
e munições ilegais no Brasil? Elas não brotam em árvores, não são produzidas pelos
bandidos, e menos de 10% vêm do exterior, como vimos. Elas são fabricadas aqui, como
“armas do bem”, antes de “se perderem” por falta de fiscalização adequada.
Mais de 30% das armas apreendidas pela polícia no Rio de Janeiro, entre 1951 e
2003, tinham sido vendidas legalmente antes de serem desviadas para o tráfico ilícito. Não
há essa separação entre o mercado legal e o mercado ilegal, porque praticamente 100% das
armas são legalmente fabricadas (diferentemente das drogas, ilegais da produção ao consumo)
e, em um certo ponto, por falta de fiscalização, mergulham no mercado clandestino. Sem se
controlar o mercado legal, não há como se impedir que tais armas venham a submergir na
ilegalidade, tornando-se “armas do mal”.
Mesmo considerando que desarmamento civil e desarmamento dos bandidos são
políticas diferentes, uma acaba por afetar positivamente a outra, embora não seja essa a meta
principal do desarmamento voluntário. Veja o depoimento a seguir:
Depoimento:
“Ladrões invadiram a casa do pai de um amigo meu e mantiveram a esposa e ele sob a
mira de armas por quase uma hora. Entre os bens roubados do casal estavam duas armas de
fogo. Então eu pergunto: adiantou ter arma em casa? Agora são duas armas a mais nas mãos
dos criminosos, que invadirão outras casas e roubarão outras armas...”. (Gerson Carlos Voligt,
Gazeta do Povo, Curitiba).
Por outro lado, a proibição do porte de armas tem baixado as apreensões de armas nas
ruas pela polícia. As pessoas pensam duas vezes antes de saírem armados. Quantas brigas de
rua, quantas balas perdidas deixaram de existir? Bandidos perigosos têm sido presos em todo
o País por andarem armados. Está acontecendo aqui o que sucedeu em Nova York.
Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:
No uso de armas por civis, as aparências enganam. Como regra, ela
representa mais um risco que uma proteção. Sua utilidade é excepcional. A arma
transmite uma ilusão de segurança;
Temos altíssimos índices de mortes de policiais e de civis por policiais;
A polícia não provê assistência satisfatória ao policial envolvido em
homicídio.