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Presidente da República: Fernando Henrique Cardoso

Ministro de Estado da Educação e do Desporto: Paulo Renato Souza

Secretário Executivo: Luciano Oliva Patrício

Secretária de Educação Fundamental: Iara Glória Areias Prado

Diretora do Departamento de Política da Educação Fundamental: Virgínia Zélia de Azevedo Rebeis Farha

Coordenadora Geral de Apoio às Escolas Indígenas: Ivete Maria Barbosa Madeira Campos

Equipe Técnica: Deuscreide Gonçalves Pereira, Deusalina Gomes Eirão, Andréa Patrícia Barbosa de Carvalho, Cristiane de Souza Geraldo.

Comitê de Educação Escolar Indígena: Iara Glória Areias Prado-Presidente, Susana Martelleti Grillo Guimarães, Meiriel de Abreu Sousa, Luís Donisete Benzi Grupioni, Sílvio Coelho dos Santos, Aldir Santos de Paula, Rosely Maria de Souza Lacerda, Jadir Neves da Silva, Darlene Yaminalo Taukane, Alice Oliveira Machado, Valmir Jesi Cipriano, Algemiro da Silva, Nietta Lindemberg Monte, Bruna Franchetto, Terezinha de Jesus Machado Maher, Nilmar Gavino Ruiz, Marivânia Leonor Furtado Ferreira, Júlio Wiggers, Álvaro Barros da Silveira, Gersen José dos Santos Luciano e Walderclace Batista dos Santos.

Publicação financiada pelo MEC - Ministério da Educação e do Desporto, dentro do Programa de Promoção e divulgação de Materiais Didático-pedagógicos sobre as Sociedades Indígenas, recomendada pelo Comitê de Educação Escolar Indígena.

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS

SECRETÁRIO: João Batista dos Mares Guia

PROGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE MINAS GERAIS

Convênio SEE MG, UFMG, FUNAI, IEF.

COORDENADORA: Márcia Maria Spyer Resende

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Maria Inês de Almeida

ORGANIZAÇÃO E REVISÃO: Alenice Motta Baeta

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:

Vitor Ribeiro

Mauricio Gontijo

PESQUISA, TEXTOS E ILUSTRAÇÕES: Professores Krenak em formação

no Parque Estadual do Rio Doce - MG - 1997

Mauricio Krenak

José Carlos Krenak

Marcos Krenak

Osmar Krenak

Itamar Krenak

REVISÃO FINAL:

Mauricio Krenak

José Carlos Krenak

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É PRECISO CONHECER PARA AMAR CADA PÁGINA DESTE LIVRO. TEM

MARCA DE SAUDADE E SOFRIMENTO, DO ASSOPRO DO VENTO ENTRE AS ÁRVORES,

DO BRILHO DA LUA, DA NOITE FRIA, DO SOL ILUMINANDO O CÉU AZUL.

NA ALDEIA, CRIANÇAS QUE BRINCAM, QUE DESCOBREM MELHORIAS

NA ALDEIA, O MUNDO SONHA QUE CADA UM ESCREVA PENSAMENTOS E

SENTIMENTOS, POIS ACORDA A ALMA.

N A S ASAS DE M I N H A I M A G I N A Ç Ã O , ME FAÇO UM Í N D I O

E BUSCO VIVER E PARTILHAR DO RESPEITO DE TODA ESSA GENTE, QUE ME

FAZ TRABALHAR FELIZ, QUERENDO CONSTRUIR UM M U N D O MELHOR ONDE

POSSAMOS CANTAR JUNTOS E R E P A R T I R M O S OS S O N H O S .

MARCOS E MAURÍCIO

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ÍNDICE

A P R E S E N T A Ç Ã O 6

N O S S A HISTÓRIA VEM DE LONGE 9

A CHEGADA DOS INVASORES 11

C O M O SURGIU O NOME KRENAK 13

J O N K I O N - D E U S DOS ÍNDIOS KRENAK 15

S O U ÍNDIO KRENAK 1 7

C O M O ERA A VIDA KRENAK 19

O DESAPARECIMENTO DE ÍNDIO EM CUPARAQUE 20

O TEMPO QUE OS ÍNDIOS ESCONDIAM NA LOCA DE PEDRA 24

O MASSACRE NO PATRIMÔNIO DO EME 27

TARU R U N D H I O - DANÇA DO CÉU 29

A MORTE DOS ÍNDIOS NO BATATAL 31

O TEMPO QUE DEUS ANDAVA NO MUNDO 32

A L D E I A KRENAK 35

A MORTE DO C A P I T Ã O KRENAK 36

A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA DE FERRO 39

AS RETIRADAS E O RETORNO DOS KRENAK 40

TERRA KRENAK 43

O S O N H O CONTINUA

V O C A B U L Á R I O K R E N A K

A L G U M A S PALAVRAS 48

A L G U M A S FRASES 63

ESTA HISTÓRIA NÃO ACABA 67

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APRESENTAÇÃO

ÊSTE LIVRO APRESENTA A HISTÓRIA DE UM POVO QUE FOI, POR MUITO

TEMPO, OMITIDA.

OS BURÚM, HABITANTES DO VALE DO RIO D O C E , ATRAVÉS DO

PROGRAMA DE EDUCACÃO INDÍGENA DE M I N A S GERAIS, ESTÃO COMEÇANDO A

ESCREVER A SUA PRÓPRIA HISTÓRIA - VIVIDA, SENTIDA.

É TAMBÉM O RESULTADO DE PESQUISAS ORAIS, ONDE OS PROFESSORES

KRENAK GRAVARAM E TRANSCREVERAM AS HISTÓRIAS CONTADAS POR SEUS

PARENTES MAIS VELHOS.

ÊSTE LIVRO É SOBRETUDO O RESULTADO DE UMA PRODUÇÃO ARTÍSTICA

COLETIVA, EXPRESSA ATRAVÉS DA HARMONIA DOS SEUS TEXTOS E ILUSTRAÇÕES.

ALENICE MOTTA BAETA ORGANIZADORA

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N O S S A H I S T Ó R I A V E M D E L O N G E

— Antigamente, no tempo de nossos mais antigos parentes, não existia o nome Brasil. Também eram desconhecidos nomes com Tupã, civilizado, cristão, navio, garimpeiro, madeireiro, soldado. Nem se conhecia o dinheiro, a prost i tuição, a cachaça, os enlatados, o machado de ferro, o poder do governo, do padre, do militar. E as pessoas não morriam de doença infecciosa, contagiosa, ou simplesmente com um tiro.. . — Antigamente, contam os antigos parentes Krenak, habitavam no céu uma enorme quantidade de espíritos chamados TOKÓN. Eles receberam este nome dos homens comuns que podiam vê-los, porém, não podiam entrar em contato com eles. Essas pessoas chamam, os TOKÓN, de raça dos espíritos MARÉT.

Eles se parecem com os índ ios comuns , v ivem no céu em fartura e riqueza. Possuem tudo que os brasileiros têm, sem nunca terem precisado trabalhar. Para os MARÉT não há doença. Por isso, são muito bondosos para os Krenak. Nunca ficam zangados com eles. Nesse tempo, quando a terra era coberta de matas, os Krenak não t inham necessidade de trabalhar, os MARÉT, seus prote­tores, lhe davam tudo de que necessitavam. Quando precisavam de alguma coisa, o índio recorria aos MARÉT, e logo eles mandavam o que pedia. Nas caçadas, tam­bém não era preciso muito esforço, faziam-se os pedidos nos r i tuais , e as caças apareciam com facilidade. Os MARÉT tam­bém faziam roçados e davam força para as plantas.

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A C H E G A D A D O S I N V A S O R E S

Por volta de 1500, começou a história triste, quando navegadores europeus chegaram neste paraíso. E esta gente estranha, vejam só tamanho engano: a tantas nações tão diversas, deram nome único — "índios" E a terra em equilíbrio, nunca mais foi o que era, pois a gente que chegou não tinha intenção sincera, mostrava-se amiga e com presentes adulava para que os índios retribuíssem com as riquezas da terra. E os estrangeiros chegaram, passando alí a reinar... E o solo da terra fértil, marcaram com sua cruz e rezaram sua missa pra donos da terra ficar.! E dali foram levando Pau Brasil, ouro, animais, indiferentes ao chorar da terra a lamentar... Estes invasores precisavam de gente prá trabalhar e não tiveram vergonha de os índios escravizar. E assim, fizeram com os índios, também o que fizeram com os negros. Se os escravos queriam parar, com chicote faziam continuar... E tiveram as missões religiosas que queriam amansar com suas rezas, com seus cantos, fazer os índios trabalhar. Mas os índios revoltados, resolveram se organizar, se reuniram também aos negros com coragem foram guerrear. Mas os brancos tinham arma de fogo e prendiam mulheres, crianças, botavam fogo na aldeia. Com covarde, não dá pra lutar.

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DESENHO. MARCOS KRENAK.

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C O M O SURGIU O N O M E K R E N A K

Krenak é o nome tradicional que usamos, antes de cantar. Significa cabeça na terra. Colocamos a cabeça sobre a terra por um minuto, em seguida, dançamos.

Há muitos anos atrás, quando eu não existia, os mais velhos contaram uma história para minha mãe, e minha mãe me contou.

Havia um casal de índios passando por um caminho, de repente, a índia passou mal, para dar à luz uma criança. O índio colocou a índia sobre o barranco deitada e saiu correndo desesperado, pedindo ajuda aos "KRAÍ". Ele não sabia falar português.

Nesta época, havia uma porção de homens trabalhando na companhia, construindo a estrada de ferro de Vitória a Minas, eles vieram correndo e começaram a fazer o parto. De repente a criança sai e bate a cabeça na terra. O índio desesperado grita:

— AGRÃNA TONDONE KREN NO NÁK! (O bebê bateu a cabeça na terra!)

O homem mandou o índio repetir o que ele tinha falado, o índio repete:

— AGRÃNA TONDONE KRÊN NO NÁK! (O bebê bateu a cabeça na terra!)

O homem juntou as duas palavras e disse: — Esta estação terá o nome Krenak. E ficou para sempre o nome Krenak. Esta história foi contada

para os mais velhos, dos mais velhos contada para os mais novos, dos mais novos contada para os mais jovens.

Assim ela é passada, por cada geração. Esta história nunca morrerá.

História escrita por Marcos Krenak

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J O N K I Ó N

D E U S D O S Í N D I O S K R E N A K

JONKIÓN sumiu, foi roubado. A gente não sabe onde está, faz muito tempo, roubaram o nosso Deus! Por ele, nós tínhamos uma religião forte, o nosso canto e tradição. Ele nos protegia através dos MARÉT bons.

Aos poucos, nós vamos sobrevivendo e resistindo ao sofrimento, porque nós temos um sangue forte.

Estamos com ele na mente, na cabeça. Sei que ele não está aqui no meio do nosso povo, mas está longe, olhando por nós todos.

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Sou índio Krenak NHIM BURÚM KRENAK

Tenho orgu lho de viver NHIM CÓM MUIM CANJAM QUÁM

Sou t ronco de uma árvore THÉ THÍON ARERRÉ

Sou forte pra valer THÉ ARERRÉ PRÃMO

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C O M O ERA A VIDA K R E N A K E C O M O OS K R E N A K C O M E Ç A R A M

A E N X E R G A R

Há milhares de anos atrás, surgiu no mundo um homem sozinho. Caminhando de um lado para o outro, por muito tempo, esse homem sozinho olhava sua sombra. Pensava se não existia outra pessoa igual a ele. Por outros lugares, uma mulher andava também sozinha, se via nas águas e pensava: será que não tem ninguém igual a mim também?

Passaram a andar, a procurar alguém igual a eles. E assim foi por muito tempo, até que um dia, depois de muitos anos andando se encontraram, ficaram assustados, mas depois de tanto tempo, ficaram juntos. E desse encontro tiveram quatro filhos.

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BURÚM CRÃNA NÕ MATO MOGUNDÁ

BURÚM CRÃNA E'NHOC NO MATO KÃNTA BURÚM CRÃNA UYRRÁ CRÃNA NE E'NHÕC, NHÁ E'NHÕC, NHÁ NÕ MATO UYÁ AGRÃNA KINO DHIAK HÉ FATA'ÕN, TEMBRANA DHIAK AGRÃNA NE, FATA'ON UYRRA MOGUNDA KRAÍ, BURÚM APEC UM BYP TE'KUEME BYP, TE'KUEME BYP AGRÃNA BURÚM E' KUEME PERY NYN NHILMI GEK, KRAÍ YARRA NE TAKRUK NÕ MATO NHÕC DIÕNDATO, DIÕNDATO KRAÍ KRÃNA, KRAÍ YARRA BURÚM, BURÚM KRÃNA KRAÍ UYARRÁ PYPY NÚN MÓ NYN DIÕNDATO KRAÍ CRÃNA DHIEME NHE KÃ, NHE KÃ Ã'NHOC BÃNTA RIÕNRA TERAN A'MANGUTO RUMUN DIÕNDATO KRAÍ CRÃNA IYORÉ THÚ MU KRAÍ PYPY, KRAÍ HÉ DHIOMDHIONE HÉ NHÕC

RIÕNRÁ DIÕNDATO PYPY RIÕNRÁ THUPU NÃN RIÕNRÁ CRUC KATC

THUPU KRAÍ DIÕNDATO, KRAÍ MÉN HÉ NUN MÉN HENURANANTA, DIUMDHIONO PENO NO RATA, RATA NYN RUMU RÃ

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O D E S A P A R E C I M E N T O D E Í N D I O E M C U P A R A Q U E

Antigamente, quando tinha muita mata, os índios saíam e faziam acampamento. Faziam a sua caçada e depois voltavam, e faltava um deles.

E todas as vezes que os índios caçavam, tinha que faltar um deles. Aí o capitão YOKION descobriu que estava sumindo índio, e falou para o chefe branco Xi Cristino.

Aí o meu avô, que é o pai da minha mãe, juntamente com Zé Amato que é Krenak e hoje mora em São Paulo, em Vanuíre, foram para Aimorés, porque na época, Resplendor era um patrimônio e não tinha como comunicar-se com as autoridades. Chegando em Aimorés, eles falaram com o sargento que estava sumindo índio. Aí o sargento mandou a polícia para Cuparaque.

Chegando lá, o cacique com mais três índios mostraram a mata, aí a polícia olhou e saiu perguntando a cada morador da redondeza se tinha gente viajando, aí eles respondiam que não. Chegando na última casa, eles respondiam a mesma coisa, que não tinha ninguém viajando. Aí eles continuaram a andar. Chegando na beirada da mata, eles viram uma roça e uma mulher.

Aí perguntaram para a mulher, aonde estava o marido dela. Ela disse que ele estava viajando.

Eles voltaram e esconderam, ficaram vigiando a mulher até tarde. Finalmente, ela saiu com um caldeirão de comida e foi andando pela mata, até uma loca de pedra. Os policiais a seguiram, e viram o marido dela. Eles o esperaram terminar de comer e o prenderam. Eles descobriram um chucho na loca. Era o instrumento que ele matava os índios desaparecidos. A polícia o levou. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com este homem, se ele está vivo ou morto.

História contada por Maria Sônia Krenak Traduzida e escrita por Marcos Krenak

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COINHOCO RIM H Ü M NÃGRÃM BURÚM NUMAT KANTÃM

KRAÍ KÃM RIM HŨM NÃM BURÚM TÉMŨM JÃP TAKRUK

MAM HÍM MRÃNO KRAÍ CUKRÍM RIM HŨM BURÚM

MŨM JÃME RIM HŨM JÃME TAKRUK KANTÃM CUJUM

NUTIK BURÚM GRÃM NÃM GRÃM TONDÕM PUCHÁP

TÃUM TAKRUK MAM CATAM HÃMDIUK ÊRROK RUMEI

UE HÃMO CUTO TAKRUK HUPOK CATAM HACÓ TAKRUK

MÁ KATÃM NÃGRAM RUME RIM HÜM BURÚM ÊK TAKRUK

PÍ H Ü M NAGRÃM NÉRI HÃMDIUK RUME UE TAKRUK MÁ

CATAM CÓM QUA, QUA HIÊP TAÍTÜM TÕM KRAÍ TÊ

RUÃN RUÃN TÍNÃT TAKRUK MÁ CATAM BURÚM

CRÃM TAKRUK MÁ CATAM RUOK QUA QUA DIEMÕ PÃUI

QUA QUA TARRA BURÚM RUME TÁHÜM QUA QUA CATAM

HÍEP CATAM CÓM TUÃM TIÕBEK KÃM KÃM Ê BRUM TÁHUM

TIÕBEK KÃM KÃM BOK JÊK TIM JEK BACANA JEK GUNDHIUM

JÊK CATAM NANGRÃM ANÜRA QUA QUA TÁRRÃ CÕM JEK

TÁHÜM BURÚM CRÃM TIODAT CUQUIN TARÜKRAI MÁ

CATAM RUOK RÍUM BURÚM Ê HÕM TÁHÜM MÜM KRAÍ Ê HÕM

TÊNÍM BURÚM PUTHIK NÍM RIM H Ü M MINHARAT CATAM

BURÚM NUMAT MÜM MÜM MÜM TÁHUM TEMBRÃM AMBÍM

NIN KRAÍ Ê HÕM TÁHUM MINHA RAT CATAM DALLO

CRISTINO MÜM GUIÁK BURÚM GRÃM TIÕM MÜM ÊH

CRÃM NIMPARÉM

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O T E M P O EM Q U E OS ÍNDIOS E S C O N D I A M N A LOCA O E P E D R A

Antigamente, havia uma pedra que tinha um papagaio encantado, que três índios descobriram. Esses índios eram o capitão, o cacique e o pajé. Eles estavam procurando alimentos, quando viram uma pedra alta, e foram lá vê-la.

Chegando lá, tinha um cipó dependurado na pedra. Eles subiram pelo cipó e a pedra ficou "baixa". Então, eles alcançaram a loca. Eles foram entrando, lá era muito grande, e no canto havia um papagaio. Eles voltaram e chegaram no acampamento deles e falaram para os seus parentes que eles haviam encontrado um local mais seguro, que dava para esconder todo o povo do ataque dos brancos.

Todos os índios foram para a loca de pedra. Nesta época, não havia território indígena demarcado.

O local onde é hoje a aldeia Krenak, era antigamente denominado MINHÃN RAT. O governo entrou por MINHÃN RAT e nomeou "Dallo" Cristino para reunir os índios da região neste local. Desde menino, "Dallo" Cristino sabia falar Krenak. Ele saiu pela mata procurando os índios. Neste momento, os índios já estavam fugindo dos brancos. Ele saiu pela mata e encontrou um dos índios e perguntou onde estavam os outros. O índio não disse nada, foi então até o capitão e contou que um KRAI estava procurando o local onde os índios se escondiam. O capitão mandou o índio conversar com o "Dallo" Cristino e mandá-lo ir até o esconderijo para conversarem. Quando ele chegasse perto da pedra, se ele tivesse com a polícia, era para ele assoviar; caso o chefe estivesse sozinho, era para ele chamar na língua indígena.

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Como só foram o "Dallo" Cristino e o índio, o capitão foi ao seu encontro. Aí o chefe falou para o capitão que o governo man­dou demarcar a terra, que era para os índios ficarem sossegados. Fez uma reunião com os índios de Panças e de Cuparaque para todos irem para MINHÃN RAT. Os índios também queriam ir para lá. Então o governo demarcou a terra que hoje se chama Krenak. Depois de um tempo, "Dallo" Cristino queria conhecer o antigo esconderijo dos índios. Eles contaram que se encontrava no local da pedra e que lá tinha um papagaio. Lá também tinha ossos de peixe, tatu, de muitas caças que provavelmente serviram de ali­mento para o papagaio. O capitão morreu e o seu irmão assumiu o seu lugar. "Dallo" Cristino queria buscar o papagaio. Pegou uma gaiola e chamou dois índios, e seguiram, mas o irmão do capitão disse que eles iam perder a viagem. Mesmo assim, eles foram. Chegando lá, a loca da pedra tinha "crescido". Aí o índio falou: — T A K R U K ! (A pedra cresceu!)

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« KUPARAK UYÁ NA ALDEIA CONE RANRÁ CONE INDHIAK UYÁ NA ALDEIA, KRAÍ CRANÃ BURÚM CRÃNA PANDA ÂAMÃN ÕN THIN PÚCRIK ABÃN BÚRUM CRÃNA KÕN THÍN ÔN BURÚM CRÃNA PÃN CÚN RÚ'PRYNE BU RU'PRYNE AKÃNTA ÕN THIEK KÃNTA, THIEK KÃNTA KRAÍ CRÃNA NÉ CAPITÃO MUNRÁ KIYÁ PANDA MUNRÁ RU'PRYNE BUMPY JOP UYÉ KUMO CAPITÃO MUNRÁ, MUNRÁ, MUNRÁ, MUNRÁ KIYADÃNDA MUNRÁ RU'PRYNE BUMPY JOP UYÉ KRAÍ RYMPÁ RU'PRYNE PÚN JOP THIÁ MUNRÁ KIYADÃNDA MUNRÁ MUNRÁ KIYADÃNDA RU'PRYNE JOP UYÉ AGRÃNA TONDONE KATK BURÚM PÃNDÃ THU'MURA KRAÍ THU'MUN PORTÃO UYAPOK NÚN PHÓ KRAÍ CRÃNA BURÚM KRÃNA PÃ RU'PRYNE BUM JOP BURÚM KRÃNA RU'PRYNE BU JOP, JOP NÔ RÕU BURÚM KRÃNA PHÃMPA KÚMU ÚMPU BÃNTHA KRAÍ KIEMÁ BRATHA KRAÍ CRÃNA NHAUYITO BÃN, BÃN BURÚM BURÚM UYE PÚN BURÚM ATHOL BURÚM YPIM NHIN THIÕNE KÍNTOL MÁ BURÚM UYÃN ÃMBIMY BURÚM ABÃN BURÚM FAZENDO KÃNTÁ THIEK KÃNTÁ BURÚM HÉ KUEME INHAUITO BURÚM TONDONE BURÚM CAPITÃO ABÃNKA IYÁNIM BÃNTHA BURÚM CRÃNA PÃNDÃ AROMA KRAÍ CRÃNA, KRAÍ CRÃNA BURÚM BÃNKA INHAUITO BURÚM PRÃNA PÃNDÃ NO BÃNKA BURÚM GÃMA DHIOKU MUNDEPY NHIKÃN ONY AGRÃNA TONDONE KINO INHÉPA NO KIEME, KIEME KÃNTÁ NHÕC MÕ BÃN DHIOC KUYÁN AGRÃNA KUBÃNA NYN ÚM KRENAK KÃNTÁ.

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O M A S S A C R E

N O P A T R I M Ô N I O D O Ê M E

Longe da aldeia tinha um acampamento de brancos que

os índios freqüentavam. Os homens brancos os convidavam

para tomar garapa, matavam boi e os índios comiam carne. Ali,

os índios festejavam com alegria, cantavam e dançavam, até o

dia amanhecer.

Naquela época, o índio era bravo e os brancos, para

amansá-los, tentavam de tudo. Os índios não sabiam o risco

que estavam correndo. Eram inocentes e os homens brancos

trabalharam durante cinco meses para fazer um cercado para

pegar os índios. Em seis meses, o branco atacou os índios,

matando a tiros. Alguns índios tentaram correr, mas ficaram

presos dentro do cercado.

As mulheres grávidas e não grávidas, eles amarravam

no toco e depois cortavam com facão, mas alguns meninos

correram e escaparam do massacre.

Morreram muitos índios, principalmente o capitão que

os comandava.

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M ú s i c a K r e n a k

NYN PARE N O N TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO N O N TARÚ CÃNDE, CÃNDE NÕN TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO RERRÉ ÕN NÊN GÃMA

NYN PARE NON TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO N O N TARÚ CÃNDE, CÃNDE N O N TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO RERRÉ ÕN NÊN GAMA

NYN PARE N O N TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO NÕN TARÚ CÃNDE, CÃNDE NÕN TARÚ RÚNDHIO, RÚNDHIO RERRÉ ÕN NÊN GAMA

TARÚ ABÃN RERRÉ RAKARY, RUAN

Vem o céu vamos dançar vamos dançar balanceio vamos dançar direi to este aqui.

Céu, vamos dançar direi to vira, roda.

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KRAÍ BATATA EMBIM, KRAÍ BATATA IMBIK KRAÍ BURÚM BUKAKA, THLEK TUPIK PANA BURÚM BUKAKA, BURÚM TÃNY, MUN BURÚM MURY THIEK CAKA TÃN, BATHA BURÚM MURY, BURÚM KUE'TUMPUM BURÚM ABÃNKA, NO BÃNKA BATHA NAK UYÍN, BURÚM KÃNTA, BURÚM KÚEME THINRROU NAK UYÍM, BURÚM KÚEME THINRROU NAK UYÍM, BURÚM ANMA PANDA, KRAÍ BÃN, BURÚM PANDA ABÃNKA, BURÚM KÃNTA TETHIÕM BURÚM TETHIÕM GAMA NHENHOC KÃNTA, RYN BURÚM KÃNTA NHOC BURÚM PANDA MONMOU RYNRYN E'THIO MONMOU PANDA E'KÚEME KÚEME ARROUM, KRAÍ CRÃNA KRAÍ CRÃNA KI Ẽ MA ARROUM PUTHIK, PUTHIK, AKO E'THION KRAÍ CRÃNA KÃNTA PYMO AMÃNGUTO.

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A M O R T E D O S

Í N D I O S N O B A T A T A L

Quando havia muitos índios, os brancos queriam matá-los. Os brancos fizeram uma cerca de arame e plantaram muita

batata. Quando a batata estava boa, eles foram lá na aldeia e chamaram os índios, dizendo que a batata estava na hora de arrancar.

Pegaram os índios e levaram para o batatal, alí eles já tinham cercado toda área. Armaram um cerco quando os índios entraram e começaram a arrancar batata. Entrou uma turma de homens brancos armados, atirando. Mataram muitos índios.

Agora tem estes poucos índios que sobreviveram, que somos nós, muitos se espalharam, fugiram. Foram morar com pessoas diferentes que não eram índios, mas, longe daquele lugar, que houve muita morte, com muita tristeza e sentimento. Uns poucos foram morrendo. Os que eram pequenos, cresceram, foram vivendo o seu dia-a-dia tentando não se lembrar daquele horrível acontecimento.

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O T E M P O Q U E D E U S A N D A V A N O M U N D O

Quando Deus andava no mundo, para ver quem era bom e quem era ruim, ele encontrou no meio da mata, uma aldeia e ficou prá saber se os índios eram bons ou ruins. Então Deus virou taman­duá que era manso, e eles o levaram pra casa. O tamanduá ficou lá. Os índios falaram para o tamanduá olhar os meninos. O tamanduá ficava e os índios iam caçar, pescar, e pegar raiz nativa, que se chama Caratinga. Eles traziam, para o tamanduá, formigas. O tamanduá olhava para as formigas e ficava quieto, os índios saíam de novo. Ficavam só os meninos e o tamanduá. Só que o tamanduá falou, na língua, que estava com fome. Os meninos ficaram assus­tados de ver o tamanduá falar. Aí os meninos perguntaram:

— Você fala, tamanduá?— O tamanduá respondeu: — Eu falo, mas não é pra vocês falarem com os outros não.

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Quando eles chegarem, vocês falam que eu comi as formigas. Eles chegaram com mais formigas para o tamanduá, o tamanduá falou para os meninos: — Eu quero mel, Caratinga e beiju. Os meninos responderam ao tamanduá: — Você não é gente igual a nós, você é tamanduá. Tem que comer formigas. O tamanduá falou: — Eu não sou tamanduá. Quando os índios iam dormir, os meninos pegavam um gomo de bambu com mel e água, e caçavam Caratinga para o tamanduá. Toda vez quando os índios chegavam com caça, os meninos davam para o tamanduá, até que Deus foi embora. Aí Deus falou para os meninos: — Aqui tem gente boa e gente ruim. Os meninos falaram que os outros índios não sabiam que ele era Deus, mas sim tamanduá. Aí Deus falou para os meninos: — Não vai faltar nada para vocês, vocês vão ser índios bons e sabidos. Eu vou ajudar vocês em tudo que vocês precisarem, eu ajudo. E Deus foi embora.

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A L D E I A K R E N A K

Antigamente, meu pai contava que lá para o lado do Panças, quando tudo era mata, os índios não conheciam branco.

Os índios estavam caminhando pela mata, quando um dos índios disse que vieram os brancos — era o capitão da polícia e o chefe do posto. Estavam caçando índios para matar.

Disseram que eles estavam medindo terra para índio. Vieram para abrir mata para fazer casas para os índios. Eles disseram para os índios, que iam protegê-los, que tinham dinheiro e que tinham que fazer uma roça grande para ensiná-los a trabalhar.

Quando esses homems foram embora, os brancos começaram a matar os índios e invadir as suas roças. Os índios, para se defenderem, começam a matar os brancos.

O chefe de Posto voltou, e disse que era governo, e que os índios não podiam matar branco. Por sua vez, os brancos também não podiam matar índio.

Os índios pegaram o chefe e o colocaram dentro de uma casa, dando uma surra nele, e disseram que ele era um matador de índios.

O Doutor Silva Lobo o soltou, e falou: — Vocês vieram aqui para abrir a mata, para fazer casa para

o branco, para matar os índios. Você vai dar conta dos índios que morreram!

Deram outra "coça" nele. O homem fugiu, desaparecendo. Os índios disseram: — O dia que voltar, te pegamos!

História contada pelo Cacique José Alfredo em 1996.

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A M O R T E D O C A P I T Ã O K R E N A K C A P I T Ã O M U I M O C U P A S E U L U G A R

Tudo parece sempre igual, a cada lua que passa. Novo mesmo é o povo Krenak, se juntando, afirmando suas raízes. Por isso, os rituais são sempre renovados e se prepara sempre para o começo de uma nova festa!

Com sabedoria, o Capitão Krenak acompanhava seu povo. Ele se deitava cedo e, à noite, os espíritos contavam-lhe sobre as coisas ruins que aconteceriam nas aldeias. E sabiamente ele as afastava. Dia seguinte, ele reunia o seu povo. Ele dizia: — Vem muita doença ruim para vocês! Fui avisado pelos MARÉT.

Mas, não tenham medo. Eu ja afastei tudo! A aldeia inteira se alegrava e dançava os Krenak e junto do

velho Pajé acendiam fogueira para aquecê-lo, e durante horas todos o acariciavam, passando a mão com ternura sobre seus cabelos...Traziam-lhe carne assada para agradecer-lhe!

ERÊ-HÉ! ERÊ-HÉ! E o tempo passou, sentimos o fim de suas energias. Krenak chamou seu povo: — Eu vou morrer, mas não quero que vocês me enterrem.

Faça um jirau e me coloque em cima dele. E acendam uma fogueira para mim. Quero que vocês continuem gostando de mim. Se lembrando de mim. Passando a mão pelo meu cabelo. Que eu sempre vou olhar por vocês!

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Veio outra lua e a alma principal do velho Krenak deixou seu corpo. Todos se juntaram no seu kieme e acompanham suas seis esposas no choro ritual. As mulheres cortaram o cabelo em sinal de luto. Seu corpo foi colocado sobre um jirau, conforme seu desejo, sentado olhando para a frente, para pedra do Krenak. Acenderam a fogueira e fizeram roças! E dias e noites os Krenak rezavam, mantendo o fogo aceso, acariciando-o eternamente, conversando com ele. Sua carne foi secando, secando e seu rosto murchou. Na face apenas os bonitos olhos continuavam vivos. Seu corpo não se desfez! Para o povo Krenak, ele continua vivo, mantendo sua promessa de olhar por seu povo. Daí sua força e resistência.

Como é costume, seu filho Muim o substituiu. Sábia e inteligentemente ele fora preparado para ocupar o lugar do velho pajé. Muim passou a colocar os enfeites nos jovens. A comandar os guerreiros na defesa da terra, a proteger o povo. E passará para seus descendentes!

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A C O N T R U Ç Â O D A E S T R A D A D E F E R R O

V I T Ó R I A - M I N A S V A L O R I Z O U A S T E R R A S

E P R O V O C O U M A I S I N V A S Õ E S

Na década de 30, a companhia do Vale Rio Doce executa o projeto de construção da EFVM. A vale cortou o território Krenak em 1905 sob protesto dos Burúm. Estes nunca foram indenizados pelos prejuízos. A companhia trouxe as fazendas de café, a exploração de minérios, a poluição sonora para a região.

Várias vezes, à sua maneira, os Burúm reagiram, bloqueando a estrada, colocando pedras e paus nas trilhas para impedir a passagem.

A Companhia Vale do Rio Doce fez muitas promesas. Durante muito tempo, os Burúm acreditaram que eles poderiam usar a ferrovia sem pagar passagem...

O trem hoje passa milhares de vezes, dia e noite, diante da aldeia Krenak.

Vários morreram ali atropelados. O último a morrer foi Humberto, em 1984, quando voltava de um congresso indígena realizado em B.H.

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A S R E T I R A D A S

E O S R E T O R N O S D O S K R E N A K

Nós fomos retirados do território Krenak em 1957 para a aldeia Maxakali. Nesta época, eu estava com doze anos de idade. Quando eles nos tiraram daqui, foi assim:

Eles jogaram duas bombas na casa do chefe que se chamava Américo, quando ele estava para Resplendor. Aí veio o Capitão Pinheiro com a polícia florestal, dizendo que ia descobrir quem tinha jogado as bombas na casa do chefe. Eles pegaram os índios, colocaram todos na balsa e, depois, no caminhão. Levou para a cidade de Maxacali, quando chegou lá, eles nos despejaram e voltaram. Nós ficamos três dias lá na cidade, depois veio o senhor Juquinha, funcionário da FUNAI, e nos levou para a aldeia dos Maxacali. Nos colocou numa casa grande de engenho de cana, e ficamos ali algum tempo. Depois fomos morar numa casa, onde o meu tio comprou ali dentro da aldeia. Mas meu pai desgostou, porque tudo que nós plantávamos, os índios Maxacali comiam. Aí nós nos mudamos para a fazenda, do Tarcílio Bahio. Onde meu pai plantou um arrozal à meia, com ele. Quando estava quase "cachian-do," ele pegou tudo e trocou numa tarrafa e num pouco de farinha, e viemos para a beira do Rio Pampãm. Nós pescávamos e vendíamos num lugar que se chamava São Pedro. Com o dinheiro, nós comprá­vamos comida. Depois viemos para Carlos Chagas e fazíamos a mesma coisa, depois viemos para Teófilo Otoni. Dali viemos para o Suassuí. Depois, seguimos de viagem até Governador Valadares. Ficamos na casa do tio Deco, nós não tínhamos roupas. Depois fomos para a Ilha perto de Conselheiro Pena.

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Depois viemos para o território Krenak, onde estava sendo vigiado pelo Zico Bragança. Ele nos deixou ficar, mas, trabalhando à meia com ele. Com pouco tempo, ele morreu. Ficou o Eraldo no lugar dele, quando conseguimos trabalhar para nós mesmos. Veio o Capitão Pinheiro para fazer aldeia, dizendo que era para prender todos os índios de todos os lugares. Nós ficamos quatro anos, depois nós ganhamos a terra na justiça, só que a gente não sabia, e fomos obrigados a sair. Fomos para a Fazenda Guarani (município de Carmésia). Alguns índios não queriam sair para outro lugar. Eles foram obrigados a sair, amarrados e tirados daqui. Nós moramos sete anos lá. Descobrimos que nós tínhamos ganhado a terra, fizemos reunião durante um ano, planejando para vir embo­ra para a terra Krenak. Somente duas famílias nos acompanharam: a da Laurita e a da Eva Dora. Quando voltamos, éramos vinte pes­soas, depois foram chegando mais Krenak, agora nós somos noven­ta pessoas. Espero que sempre cheguem mais. E também espero que agora, desta vez, nós ganhemos mesmo na justiça, de verdade, a terra.

Esta história foi contada pelo Cacique José Alfredo em 1996.

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T E R R A K R E N A K

Este mapa apresenta a área total do território Krenak, situada na margem esquerda do Rio Doce, conforme o decreto de doação de terras de 1920. A área que está delimitada representa a região que os índios ocupavam até pouco tempo. O restante da área indígena era ocupada pelos posseiros. A FUNAI discutiu judicialmente a legitimidade da ocupação da área indígena pelos brancos. A FUNAI entrou na justiça pedindo anulação dos títulos de terras doados aos fazendeiros pela Ruralminas. Retornando do congresso indígena, os Krenak ocuparam uma das fazendas tituladas pela Ruralminas. Por decisão do juiz da região, eles foram despejados. Mas um juiz de Belo Horizonte, vendo que a terra é da União, e reconhecidos os direitos dos Krenak, levou a causa a ser julgada na capital do estado. E assim os brancos foram reintegrados e receberam as fazendas de volta. Os Krenak continuaram ampliando seu sonho. Viajaram para as áreas onde estão os seus parentes; tentando o seu retorno à terra. Conseguiram finalmente a reintegração de posse do seu território. Atualmente, estão reocupando as suas terras.

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O S O N H O C O N T I N U A

O exílio não acabou para muitos Krenak! Mas os filhos dispersos estão se juntando sôbre a terra Mãe, às margens sagradas do Watu.

Queremos sonhar l ivremente, sem cercas, sem solitárias, sem policiais, descer e subir de bote pelo Watu, recolhendo os peixes das armadilhas, sem medo de tocaias. Suas águas um dia estarão limpas, porque os brasileiros também despertarão para proteger nossa fonte comum de vida!

Hoje, os peixes se reproduzem. E sobre nossas cabeças, o sol, a lua e as estrelas continuam fazendo seu caminho, dia e noite, sempre! As crianças e adultos procuram reaprender nossa linguagem e religião. E todos aqueles que morreram nesse tempo de agonia e luta, sonham também descansar em paz.

Um dia, contaremos para nossos parentes , para os brasileiros, para outros povos, porque lutamos tanto para realizar este sonho!

Muitos brasileiros nos procurarão para saber onde está nossa força.

E nós lhes explicaremos: — Nós somos como o capinzinho que amarelou de tanto

ficar debaixo da pedra e agora se levanta. A vida não acabou no passado de sofrimento. Vamos ter força no futuro, porque lutamos, não nos entregamos, geração por geração. Muitos dos que fizeram nosso povo sofrer estão vivos! Esperamos que respeitem nosso jeito de viver. Somos cidadãos do mesmo país!

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N Ó S , PROFESSORES KRENAK, ESCREVEMOS ESTE LIVRO JUNTAMENTE

COM OS VELHOS BURÚM.

ANTIGAMENTE, FOMOS PROIBIDOS DE FALAR A NOSSA LÍNGUA

MATERNA. A O S POUCOS, ESTAMOS INICIANDO O SEU REGISTRO ESCRITO.

EIS AQUÍ ALGUMAS PALAVRAS E FRASES ESCRITAS EM KRENAK.

DESEJAMOS QUE VOCÊS GOSTEM E APRENDAM. N Ó S VAMOS GOSTAR

MUITO DE SABER QUE VOCÊS APRENDERAM UM POUCO COM O NOSSO POVO.

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AMBIM - Noite ANGUI - Agulha ÃNGRI - Cantar AMANGÜTO - Comer ARERRÊ - Bonito ARAKYU - Porco doméstico ÂM ÃM - Galinha ÂM ÃM INGÚ - Ovo de galinha ARERRÊ AMBIMBIM - Bom dia ANDÚ - Andorinha ATHIÚCO - Açúcar AMITHIÁ - Abafado AMAPÃ - Abanar ÃMEREK - Abraçar AMBÃ - Urubu ÃMBIMO - Escuro

Mandioca - Ele - Perdiz Aranha Piolho

ÃMIGIK -AGRÃNA AM RAM ANGURI ANRAM -AMÕN - Sanfona AMBURÚ - Frio ANQUI - Comida cheirosa ARMRUNJAT - Mal-me-quer ANGRÃNA INHAUITO - Muita gente

LGUMAS PALAVRAS

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BURÚM - Índio BURÚM INHAUITO - Muito índio BUNTEINI - Lagosta BRÕN - Estrada BACANA RIM - Tico Tico BACANA - Passarinho BAKATÍ - Abacaxi BOK - Peixe BITÍM - Gato BUTI KRAK - Casco de tar taruga BATCHÓK - Vassoura

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CÃ CÃ - Fumaça CAUÃM - Cavalo CÕNÉ BRAT - Abridor CONÔ BRAT - Aberto CONÔ ANGRACANA - Borracha de desmanchar CONÔ PÚ ETO MIMO - Lápis de escrever CRÃUM - Laranja CRÕMO - Abacaxi CONNAUÃN CONNA'KUIM - Flauta CRENYTHA - Cocar CHTOM - Árvore CAPÉ IN - Pó de café CURRÉ - Jacaré CANO - Canoa CUJUM - Cipó CHTAOM - Salão CACAK - Coco CRUKRI - Joelho CROT - Mamão CÃM - Rosto CHAPORT - Grilo CAT ERNEK - Caneco CHTOM EAT - Casca de pau CAT NEK - Panela

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DHIK NAN - Mulher DHIÕN BRÉ - Você DHIŨM DHIŨM - Gambá DATEOM - Falar de novo

EHET ERNET - Cocota E NÁ - Siriema

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GIPET - Espelho GAYAPA - Goiaba GANÚT - Anu GÕN - Cachorro GUNDHIUM - Tatu GRIMBÓ - Dois GUTO - Tartaruga GARARÃ - Calango GATÁM - Lagartixa GRAÃM - Cobra GRI - Cantar GICAM - Pai GUÃ GUÃ - Guacho GANÚT JIRUM - Anu-branco GUTEKRAK - Casco de tar taruga

HA HA - Galinha HOCOMÃ - Sobaco HÕM HÕM - Gavião HANYMI - Oi! HÚ HÚ - Calor

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IRMIN KRUK - Meu filho INJAK - Irmão IRMAC IRMIAM - Perna grossa IRMAC - Perna fina IUPI - Mono IMRÃM - Grande INHAUITO - Muito INHAUT - Quatro IRMINHAM - Água IRMINHAM JIRUM - Água branca IRMINHAM PÓ - Chuva INDU INDU - Lagarta IRMAK - Asa IARÁ JOKE - Erva de bico IRMINHAM-CROP - Pinga IRMINHAM-NEK - Água doce IRMINHAM-CHAK - Água salgada IMPIM - Grávida IUPU - M ã e

JAMUNIK - Preguiça JIMBIANG - Urinar JIRUM - Branco JAM - Semente JUQUINIK - Pica-pau JAKÁ - Pelado

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casa de Religião KIÊME RÉJA

KRAK - Faca KAÃN - Testa KITÓM - Olho KIUPÓ - Joelho KRÉN - Cabeça KRENGE - Cabelo KRENGE JIRUM - Cabelo branco KAONKE - Sombrancelha KIPIKI - Boca KUAN - Barriga KRAÍ - Homem branco KRAÍ KRENTÓNE - Homem doido KRAÍ INHAUITO - Muito homem branco KROWM - Laranja KROTÓ - Mamão KRUK - Criança KIEME - Casa KUEME - Morrer KUM - Fumo KUZAN - Tamanduá KINGO - Sapo KUPARAK - Onça KYO - Vagina KULHINO - Chocalho KIÊNI - Nariz KRẼNO WETO WETO - Bem-te-vi

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MAIHÕPAK - Casca MAKIÃM - Velho MARANDINA - Melancia MARÉT - Espírito protetor dos Krenak MAROTO - Arroz MARRÕNE - Abóbora MẼK MẼK - Baixo MẼM - Paca MITIRIK - Mixirica MŨM RÃRÁ - Vai MUM - Foi MANGUKÃ - Pereba

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NAK - Terra NIN - Vem NATHIA - Sala NÃN - Menino NOMPI - Vamos trabalhar. NAN NIK - Batata da perna NÃN TON DONE - Menino pequeno NANDHIÕN - Espírito mal NAY - Ilha NEK - Doce NOMIAK - Lua NÕN - Não NẼNMA - Bodoque NÃM - Ele NYM - Nem NAMBÃM - Banco NAMETE - Mesa NAK NE NUK - Morador da terra

Sala de Religião NATHIÁ RÉJA

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ONO-ONO - Caburé Õ Õ - Gavião

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PÃN WÃNNA - Abelha PAUÍM - Alto PAUÁ - Devagar PAPEK - Papel PANGOTA - Forró PANDIOCO - Coco PEINHÃO - Feijão PITAK - Lagoa PRIK - Formiga PÓ DHIÁ - Pé PÓ KRUK ITÁ - Anel PÓGIRUM - Mão branca POMBA - Pato PUN - Espingarda PUNGO NON - Não chora PUKRI - Boi PITAM - Mosquito PUK - Chorar PÃRAK - Peito

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QUITOK - Língua QUIUIM - Dente QUIEM HÃ - Barba QUIERMÁ - Porta QUICROK - Bambu

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RATHICAN - Carat inga RAPÃNRANRÁ - Abandonar RARANRATA - Arara REBRÁ - Lembra RICÃNRANNO - Espírito RIÓNO - Beija-flor RIN BÃM - Rosto RIN GUK - Fezes RINNUNI - Braço RYNUNYTHAR - Braseiro RINHAIK - Umbigo RINUNIK - Músculo RIRÉM - Macaco ROTHIRI - Você ROK ROK - Garça RUIM RUIM - Amendoin RUÃM - Gritar RICARÉ - Virar RUÃM RUÃM - Papaga io RUMRIMI - Cama RYN RYN - Ariri RAQUE KIK - Borboleta RUMBÃM - Garantir RUM - Banho RUME - Dormir RINHÉP - Sentar RIM - Preto RÁ - Sapucaia RIMBONO - Capivara RIMBONO TONDONO - Capivara pequena

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TAKRUK - Pedra TAOMEETE - Vagalume TARIMO - Cama TERÃ - Boa tarde THAPOROTO - Gafanhoto THIAKUEQUETO - Borboleta THIÕM CACA - João Graveto TEPÓ - Sol TETHUM - Coração THIUMTHIUNO - Lança THINGURANA - Estou com fome. TRIK - Trigo TYR - Vou TARU - Céu TUPÃ - Deus THIÁ - Tanga TONDON - Pequeno THÍAC - Sal

Lança THIUMTHIUNO

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UET UET - Me lanc ia

Flecha WUAGIK

WATI - Mi lho WUAGIK - Flecha WATU - Rio g r a n d e WATO - Trem de ferro W H É N O - Vento WATI - Mi lho WUAGIK PÓK - Arco

YUPI - M o r r o

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L C I L J M A S F R A S E S

KRAÍ YNHAK YNHANMO - Que homem bravo ! RYNHONRA DHUM NAN - Que mulher brava ! TÍHON DÃNTO MONTÕNO - Que polícia ruim ! NÁNBOK NHOKHEKI - Vamos pescar ? AMÃ NHA MANRANMO - Não fale muito. BOK KRUNCO NUNCO - Que peixe muito esperto ! NÃN AM MANRANO - Vamos falar juntos ?

THEA PRANMO - Vamos namorar. TÉ AMANGRU UẼ - Assombrar TÉ COMNẼ INHAM - Pisar THÉ PÚ - Eu vou chorar. TEPÓ RULTO YN - O sol está saindo. TEPÓ TUMURA YN - O sol está ent rando. T É C O M N N Ê RANIMUÉ - Encomendar BURÚM JÃKÁ - O índio está pelado.

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ÃNDHICO PANDA ARERRE - Você está muito bem. CONÔ ÃMPÃM RÃNRÃM - Largue aquela coisa. NIN PÓ ANGÕN - Já está amanhecendo. NON RUMEM - Vamos dormir. NORMIANCA TUPURAIM - A lua está entrando. NYN NHARIA - Espera lá ! NYN THÉ KROCO NUCO - Eu gosto de você. NYN THÉ KRUNCO NUNCO - Eu estou esperto. PE PI NUK - Eu não vi. PÓ RINHOK - Fica quieto. AM GÕM AM GÕM - Balancear CONÔ RERRE - Abençoar IRMINHAM IAPÉ - Beber água.

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THÉ KIHÉMI HÃNE - Eu vou casar. THÉ RUME NE - Eu vou dormir. THÉ ATHIANO - Eu sonhei. THÉ MONRON DHI - Eu vou correr.

THÉ KIŨM NÉ - Eu vou tomar banho. THÉ GRIM NÉ - Eu vou cantar. THÉ RUIN YN - Aborrecer THÉ RYIN - Abalar

THÉ MÕM MÕM - Eu estou doente. THÉ MINHA PRANMO - Eu estou com sede. THÉ DIM GUM RANNO - Eu estou com fome. THÉ PUM AMBANTA - Nunca mais vou chorar. THÉ PAW HA HOM - Fale baixo comigo, tá bom ? THÉ HÃ PUCACA RIM RIM - Eu estou chamando.

THÉ RUHANNA KIHEMO CANTAN - Eu estou muito longe de casa.

THÉ CURMANMO PRANMO - Eu estou com vontade de fumar cigarro.

THÉ GANDIANO YN UPÚ GANDIANO - Eu estou muito alegre com a minha família.

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IRNOM EPI - Nós vamos trabalhar. TARU MRE - Está re lampiando. TARU TE MRE MRE - Relampiou para chover. RU KITÓM ARERRÉ - Seus olhos estão bonitos. RIM AMÃNGUT - Eu vou comer.

RUÃM RUÃM TCHOM CATA NHÉP - O papagaio está no pau.

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ESTA HISTÓRIA NÃO ACABA

Só mudou um pouco a cara, ainda hoje os índios lutam, pra preservar sua aldeia. Muita terra é t irada, muita vida é roubada. Hoje os índios são poucos, por volta de duzentos mil, gente forte que resiste. Com sua fé, esperança, tentando do jeito que dá, celebrar a sua dança, fortalecer seus costumes, retomar a sua herança. Ainda é preciso ser dito que os índios guardam um segredo: tem força que resiste por fora, tem força que resiste por dentro, pois tem muita gente que pensa que os índios estão derrotados. Isto é um grande engano, senão teriam acabado! Eles crescem dia-a-dia em gente, alegria.. .em vida!

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Impressão e acabamento: Prática Gráfica e Editora Ltda.

Tal. (0<61| 344-1819 - Fox: (0611 344-1844 Brasília ■ DF

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