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7/23/2019 Médicos de Senhoras http://slidepdf.com/reader/full/medicos-de-senhoras 1/3 Médicos de senhoras Diagnóstico no escuro: em nome do pudor e da decência, a sociedade do século XIX vetava o acesso dos ginecologistas ao corpo feminino Rita de Cássia Marues !os primórdios da ginecologia, havia uma grande diferen"a entre as recomenda"#es médicas e o ue realmente acontecia nos consultórios$ %m dos mais sérios o&stáculos ' reali(a")o de um e*ame completo em pacientes era o acesso ao corpo das mulheres, protegido pelas normas de pudor e decência implantadas crescentemente pela sociedade do século XIX$ + corpo da mulher, até ent)o pouco e*plorado pelos homens, só passava pelas manipula"#es recomendadas pela ciência uando as parteiras entravam em a")o$ introdu")o do médico no cuidado ' sa-de feminina representou, entre outras coisas, a presen"a de um homem, diferente dos familiares, com atri&ui"#es de tocar o corpo das mulheres, especialmente as partes consideradas pudendas$ .á em /010 podemos encontrar numa o&ra de 2hilippe 3ecuet, De l'índécence aux hommes d'accoucher les femmes et de l'obligation aux mères de nourrir leurs enfants (Da indecência de os homens fazerem o parto das mulher es e da obrigação das mães de alimentarem seus filhos), um manifesto contrário ' presen"a dos homens no atendimento 's mulheres na maternidade do convento de 2ort4Ro5al, onde 3ecuet atuava$ Com vários e*emplos históricos, ele mostra ue a profiss)o de parteiro era uma novidade ue atentava contra o pudor das mulheres, argumentando até com as 6scrituras, de onde tira um trecho da carta de 2aulo aos Cor7ntios: 89om seria ue os homens n)o tocassem em mulher$8 pesar das resistências, a atua")o do parteiro crescia, principalmente nos casos de partos complicados$ Diante do risco de morte, os médicos eram acionados$ + parto n)o era o -nico momento em ue a mulher precisava de um médico, mas os e*ames eram cercados por dificuldades$ s consultas,muitas ve(es, eram acompanhadas pelo olhar 8mu"ulmano8 dos maridos, conforme relato do escritor ui( 6dmundo em !io de "aneiro no tempo dos #ice$reis% 8;e o enfermo é mulher e o licenciado consegue penetrar o santuário do casal, previnam4se os maridos, dissimulando, uanto poss7vel, o ci-me mu"ulmano, com maneiras gentis$ 2or causa das d-vidas, entretanto, s)o os esposos ue e*aminam, pelos cl7nicos, as esposas enfermas$ 4 <ueira vossa mercê, di( o médico, a apontar para a doente, espetar4lhe o fura4&olos, aui na altura da virilha, a ver se lhe dói$ + marido aperta o dedo$ mulher dá um &erro$ 6sculápio fa( um movimento de ca&e"a$ + diagnóstico está feito$8 + te*to de ui( 6dmundo fa( referência a uma consulta supostamente ocorrida no tempo dos vice4reis, mas relatos so&re a presen"a de maridos na ante4sala ou mesmo na sala de e*ames, para #igiar o médico, eram fre=entes nos séculos XIX e XX e, em menor n-mero, ocorrem até ho>e$ té ue se instalasse a cumplicidade entre o médico e a mulher, foram usados vários artif7cios, como o mane&uim ou boneca, nos uais as pacientes apontavam o local da dor ou do inc?modo, para evitar 8apalpa"#es desnecessárias8, conforme relato do ginecologista Ru&ens Monteiro de 9arros ' autora$ mais antiga referência ' &oneca como intermediária de consulta surge na antig=idade chinesa, cerca de @$A11 anos antes de Cristo, uando uma estatueta de marfim para diagnóstico era levada pelas mulheres ao médico$ ;e o médico Monteiro de 9arros, ue atuou em 9elo 3ori(onte a partir de /B0, testemunhou o receio 's 8apalpa"#es desnecessárias8, é de se supor ue, anteriormente a esse per7odo, as resistências ao e*ame ginecológico fossem maiores$ +s manuais de medicina do século XIX discorriam so&re as posi"#es dos cl7nicos e das pacientes durante uma consulta$ 6nuanto a mulher ficava de pé, e olhando para o lado, o cl7nico se a>oelhava e e*aminava a paciente introdu(indo4lhe a m)o por de&ai*o da saia$ apalpa")o era feita 's cegas, pois o ginecologista n)o podia o&servar o local e*aminado$ 2ara o parto feito por parteiros, foi muito disseminada a 8posi")o inglesa8, com a paciente deitada de lado e o médico 's suas costas$ evantava4se a perna da mulher e retirava4se a crian"a, de modo ue parteiro e parturiente n)o se olhassem$ +lhar nos olhos da paciente significava grande intimidade, o ue n)o era recomendado$ Com tantas dificuldades de apro*ima")o, para os pro&lemas femininos mais fre=entes e*istiam as parteiras, os chás e demais remédios caseiros, as re(as e &en(eduras, o apelo aos santos, o repouso, os &anhos e as dietas especiais$ medicamenta")o redu(iu o poder ue as mulheres tinham so&re o cuidado de sua sa-de, e as solu"#es domésticas, femininas, foram aos poucos sendo su&stitu7das pelas recomenda"#es médicas$ Diferente das solu"#es caseiras, um ginecologista entretanto nem sempre estava pró*imo e dispon7vel, o ue dificultava sua atua")o$ 2ouco presente no cotidiano das pessoas, raramente atuava fora dos grandes centros$

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Médicos de senhoras

Diagnóstico no escuro: em nome do pudor e da decência, a sociedade do século XIXvetava o acesso dos ginecologistas ao corpo feminino

Rita de Cássia Marues

!os primórdios da ginecologia, havia uma grande diferen"a entre as recomenda"#es médicas e o ue realmenteacontecia nos consultórios$ %m dos mais sérios o&stáculos ' reali(a")o de um e*ame completo em pacientes era oacesso ao corpo das mulheres, protegido pelas normas de pudor e decência implantadas crescentemente pelasociedade do século XIX$

+ corpo da mulher, até ent)o pouco e*plorado pelos homens, só passava pelas manipula"#es recomendadas pelaciência uando as parteiras entravam em a")o$ introdu")o do médico no cuidado ' sa-de feminina representou,entre outras coisas, a presen"a de um homem, diferente dos familiares, com atri&ui"#es de tocar o corpo dasmulheres, especialmente as partes consideradas pudendas$

.á em /010 podemos encontrar numa o&ra de 2hilippe 3ecuet, De l'índécence aux hommes d'accoucher lesfemmes et de l'obligation aux mères de nourrir leurs enfants (Da indecência de os homens fazerem o parto dasmulher 

es e da obrigação das mães de alimentarem seus filhos), um manifesto contrário ' presen"a dos homens noatendimento 's mulheres na maternidade do convento de 2ort4Ro5al, onde 3ecuet atuava$ Com vários e*emploshistóricos, ele mostra ue a profiss)o de parteiro era uma novidade ue atentava contra o pudor das mulheres,argumentando até com as 6scrituras, de onde tira um trecho da carta de 2aulo aos Cor7ntios: 89om seria ue oshomens n)o tocassem em mulher$8

pesar das resistências, a atua")o do parteiro crescia, principalmente nos casos de partos complicados$ Diante dorisco de morte, os médicos eram acionados$ + parto n)o era o -nico momento em ue a mulher precisava de ummédico, mas os e*ames eram cercados por dificuldades$ s consultas,muitas ve(es, eram acompanhadas pelo olhar8mu"ulmano8 dos maridos, conforme relato do escritor ui( 6dmundo em !io de "aneiro no tempo dos #ice$reis%

8;e o enfermo é mulher e o licenciado consegue penetrar o santuário do casal, previnam4se os maridos,dissimulando, uanto poss7vel, o ci-me mu"ulmano, com maneiras gentis$ 2or causa das d-vidas, entretanto, s)o osesposos ue e*aminam, pelos cl7nicos, as esposas enfermas$ 4 <ueira vossa mercê, di( o médico, a apontar para adoente, espetar4lhe o fura4&olos, aui na altura da virilha, a ver se lhe dói$ + marido aperta o dedo$ mulher dáum &erro$ 6sculápio fa( um movimento de ca&e"a$ + diagnóstico está feito$8

+ te*to de ui( 6dmundo fa( referência a uma consulta supostamente ocorrida no tempo dos vice4reis, mas relatosso&re a presen"a de maridos na ante4sala ou mesmo na sala de e*ames, para #igiar o médico, eram fre=entes nosséculos XIX e XX e, em menor n-mero, ocorrem até ho>e$

té ue se instalasse a cumplicidade entre o médico e a mulher, foram usados vários artif7cios, como o mane&uimou boneca, nos uais as pacientes apontavam o local da dor ou do inc?modo, para evitar 8apalpa"#esdesnecessárias8, conforme relato do ginecologista Ru&ens Monteiro de 9arros ' autora$ mais antiga referência '&oneca como intermediária de consulta surge na antig=idade chinesa, cerca de @$A11 anos antes de Cristo, uandouma estatueta de marfim para diagnóstico era levada pelas mulheres ao médico$

;e o médico Monteiro de 9arros, ue atuou em 9elo 3ori(onte a partir de /B0, testemunhou o receio 's8apalpa"#es desnecessárias8, é de se supor ue, anteriormente a esse per7odo, as resistências ao e*ameginecológico fossem maiores$

+s manuais de medicina do século XIX discorriam so&re as posi"#es dos cl7nicos e das pacientes durante umaconsulta$ 6nuanto a mulher ficava de pé, e olhando para o lado, o cl7nico se a>oelhava e e*aminava a pacienteintrodu(indo4lhe a m)o por de&ai*o da saia$ apalpa")o era feita 's cegas, pois o ginecologista n)o podia o&servar

o local e*aminado$ 2ara o parto feito por parteiros, foi muito disseminada a 8posi")o inglesa8, com a pacientedeitada de lado e o médico 's suas costas$ evantava4se a perna da mulher e retirava4se a crian"a, de modo ueparteiro e parturiente n)o se olhassem$ +lhar nos olhos da paciente significava grande intimidade, o ue n)o erarecomendado$

Com tantas dificuldades de apro*ima")o, para os pro&lemas femininos mais fre=entes e*istiam as parteiras, oschás e demais remédios caseiros, as re(as e &en(eduras, o apelo aos santos, o repouso, os &anhos e as dietasespeciais$ medicamenta")o redu(iu o poder ue as mulheres tinham so&re o cuidado de sua sa-de, e as solu"#esdomésticas, femininas, foram aos poucos sendo su&stitu7das pelas recomenda"#es médicas$

Diferente das solu"#es caseiras, um ginecologista entretanto nem sempre estava pró*imo e dispon7vel, o uedificultava sua atua")o$ 2ouco presente no cotidiano das pessoas, raramente atuava fora dos grandes centros$

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;ilviano 9rand)o, ao descrever o cotidiano de um médico no interior de Minas erais nos anos de /B@1 e /B1, fa(referências ' prática das 8enforma"#es8, e ao 8tirador de enforma"#es8, ue redigia cartas endere"adas ao cl7nico,e*plicando o ue se passava com o doente:

83avia mesmo sempre ' m)o um ca&ra &om, especiali(ado, o Etirador de enforma")oE, um pouco mais sa&ido ue osdemais e ue sa&ia ler e escrever dauele >eito, >á se sa&e como$ !)o há colega, tenho certe(a, ue ha>a &riuitadoFtra&alhadoG no interior ue n)o guarde em seus aruivos uma ruma FpilhaG dessas preciosas Eenforma"#esE$8

6ssas 8enforma"#es8, ou 8cartas4consultas8, podem ser encontradas, por e*emplo, no aruivo dos ginecologistasHrancisco Huruim ernecJ e 3ugo Huruim ernecJ, doado pela fam7lia ao Centro de Memória da Medicina daHaculdade de Medicina da %niversidade Hederal de Minas erais KCememor4%HML$ ais cartas oferecem, ainda,outras informa"#es so&re a época em ue foram escritas$ 6m sua grande maioria, foram redigidas por homens dafam7lia e n)o por um 8tirador de enforma")o8 ualuerN eram pais, ou maridos, ue se transformavam na vo( dasmulheres uando elas sofriam de algum pro&lema ginecológico$ s cartas procuram ser &em e*plicativas, de modoa facilitar o diagnóstico do médico, ue, sem e*aminar a paciente, teria de medicá4la através do relato feito poraueles ue se comportavam como 8guardi#es8 de suas mulheres, como neste e*emplo:

8&ril @ de /OOConsulta: Minha filha, Dr$ ernecJ, sofre muito de cólicas uterinas em todas as ocasi#es de seus inc?modosmensais, o corrimento é regular, as cólicas s)o muito dolorosas$!essas ocasi#es tem os F$$$G v?mitos secos e 'sve(es com alimentos uando tem se alimentado antes das cólicas$ 2recisa4se ue P$;a$ indiue um tratamento uelhe minore as dores e o meio de a&randar as cólicas ue repetidas amiudadas ve(es e dirá se convém as duchas ecomo deve tomá4las$ receita P$;Q$ entregará ao meu correspondente, para ele mandar preparar o medicamentoem farmácia acreditada e remeter4me sem demora a fim de aui chegar antes do fim do mês K$$$L$

!$9$ Minha filha é solteira e tem a idade de @1 anos$8

!um momento em ue o sa&er do médico ainda carecia de &ons manuais e em&asamento cient7fico, essa cartaoferece algumas pistas importantes$ + pai da mo"a 8incomodada8 escreve uma carta com os principais elementospara a constru")o de um diagnóstico e com as orienta"#es a serem seguidas pelo destinatário para ue ele resolva opro&lema$ Impossi&ilitado de fa(er um e*ame, ao cl7nico ca&eria somente proceder ' medica")o ue deveria chegar' doente, até o pra(o determinado pelo remetente, ou se>a, antes do fim do mês$ intermedia")o do pai é muitomais importante do ue a própria doente, tanto é ue as informa"#es so&re a paciente, solteira e com @1 anos,aparecem somente no fim da carta, na forma de nota$ + remetente dessa carta é o &ar)o de 9emposta, um no&reaparentado do dr$ernecJ e provavelmente com &oa forma")o, o ue e*plicaria a &oa reda")o e o fornecimento dedados importantes para a constru")o do diagnóstico$Mas nem sempre o remetente tinha conhecimentos suficientespara oferecer ao médico, como nesta outra carta:

83á meses consultei ao Dr$, so&re os inc?modos de minha senhora, e P$;a$ receitou4lhe F$$$G 9rasois o ue tem feitousando >á de @ vidros$ ssim tem vindo regularmente todos os meses, porém findo ou S dos dias, ue aparecemcom F$$$G a&undTncia, continua pouca até o mês seguinte, e uando usa vinho ou outras &e&idas, ou comidas

uentes aparecem dores nas virilhas F$$$G dese>o ue P$;a$ manda4me outra receita a fa(er com ue desapare"amessas dores e a continua")o dos inc?modos K$$$L$8

6m&ora o pro&lema da mulher n)o parecesse importante, poderia ser ind7cio de uma patologia mais grave,imposs7vel de identificar sem um e*ame$ + marido, ao apresentar sua vers)o so&re os 8inc?modos8 da mulher,poderia n)o estar transmitindo e*atamente o ue a mulher estava sentindo e com isso complicar o diagnóstico$ 6ledá ao médico as informa"#es ue >ulga importantes para a sua avalia")o e pede ue se>a receitado algo ue cure deve( o mal ue aflige sua esposa$

!os casos relatados, fica dif7cil en*ergar a nova mulher, aut?noma e independente, e*altada em pu&lica"#es pré4feministas do final do século XIX$ +s @1 anos e a 8solteirice8 da filha do &ar)o s)o só um detalhe no pé de página$ m)e, ue pelo novo papel deveria estar cuidando (elosamente da filha, n)o é citada uma -nica ve($ !o outro caso, omarido fe( a primeira consulta pela mulher e, como o pro&lema n)o se resolveu, fe( uma segunda por carta$ ;uaprimeira ida ao médico era referência suficiente, e nem no pé de página veio alguma informa")o so&re a identidadeda mulher$ ;eu -nico v7nculo com o mundo do médico era ser esposa do remetente$

s cartas masculinas, porém, n)o s)o os -nicos ind7cios da interferência dos homens nos assuntos referentes '

sa-de de suas mulheres e nem mesmo eram e*clusivas dos 8&ar#es8$Considerando ue, nas classes maispopulares, as m)es assumiam um n-mero maior de atri&ui"#es, como a cria")o dos filhos, afa(eres domésticos eaté a garantia da so&revivência, chega a surpreender a ausência de mulheres como depoentes nos processos

 >udiciais so&re e*erc7cio ilegal da medicina$

;egundo pesuisa reali(ada no ruivo de 2rocessos do Hórum afaiette K2HL, em 9elo 3ori(onte, as mulheresnunca estavam desacompanhadas ao se consultarem, a n)o ser ue estivessem fa(endo consultas para seus filhos,como no caso de Carlota de ;á, vi-va, AA anos, testemunha num processo de e*erc7cio ilegal da medicina$ 6la teriaido ' casa do denunciado, em &usca de um remédio para seu filho &ue se acha#a perturbado das faculdadesmentais$ 6*cetuando os relatos dessa m)e, os depoimentos eram sempre masculinos$

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6ntre as cartas, a maior parte escrita por pais ou maridos para resolver pro&lemas dif7ceis e graves, s)o raras as deautoria feminina e, mesmo assim, solicitando a visita do médico, >á ue as remetentes n)o podiam ir ao consultório:

8Dr PernecJ,;i o Dre$ 2oder vir me ver e um crande favor e caridade com forme o Dr$ promete me n)o v)o a seu 6scriptorio porn)o poder ser sua cliente e n)o pode vir e favor mandar um receita para me aliviar a Ca&esa e os +lhos ue est)omuito vermelhas e ardedo pasei muito mal a noute tenha pena de uma doente ue tanta fé tem no Dr$ ;a&e o meu

estado ho>e tenho estado com muitas Dores n)o sei se é para ter a criansa

!$9 esto na rua ! de ; iopoldo n$/@@;ou de P$;$+&rigada e Cincera respeitadora/A de >aneiro de /OOAmélia Ce(ar6spero o seu &om Coras)o caridoso$8

falta de referência a outros mem&ros da fam7lia pode ser mera coincidência, ou ind7cio de ser mélia Ce(ar umam)e solteira, o ue e*plicaria tam&ém a sua impossi&ilidade de ir ao consultório$ escrita precária, por sua ve(, ésinal de uma educa")o deficiente e, talve(, de ue a cliente perten"a a uma classe social inferior$ + mais provávelera ue ela n)o tivesse fam7lia ou, mais especificamente, pai ou marido$ +s homens dificultavam o acesso do médicoao corpo de suas esposas e filhas, como pode ser visto no seguinte &ilhete:

8Ilmo$ Dr$ernecJ$Minha mulher n)o tem o&tido melhoras com a tintura de iodo, e, n)o tem podido ir aos &anhos, porue todas as

manh)s tem en>oado muit7ssimo$

6la pede Ke eu estou de acordoL para ue se fa"am as cauteri(a"#es, ao menos uma, di( ela, a fim de ver se o&témprimeiramente alguma melhora, ue a anime a ir aos &anhos$ 2e"o4lhe, pois, para marcar4me o dia e hora para uelhe se>a poss7vel fa(er esta medica")o K$$$L$8

pesar de contar com elementos comuns 's demais cartas do tipo, esta contém uma novidade importante na frase86la pede Ke eu estou de acordoL8$ men")o ao dese>o da mulher, apesar de se=enciado pela aprova")omasculina, n)o era comum$ De ualuer maneira, é uma &oa altera")o, pois a mulher n)o aparenta estarcompletamente ' mercê do homem$

s cartas4consultas continuaram mesmo uando as mulheres se tornaram mais familiari(adas com o consultório$o mesmo tempo em ue os maridos continuavam a ser os porta4vo(es de suas mulheres, surgiam as cartas4relatórios, mencionadas ' autora deste artigo pela dra$ Iracema 9accarini$ + surgimento das primeiras médicas,ocupando principalmente as cl7nicas de ginecologia e pediatria, facilitou a ida das mulheres aos consultórios$scartas funcionavam como relatórios das pacientes, com todas as atividades ue, a seu ver, pudessem interessar ao

médico$ 6m seu depoimento, a dra$ Iracema 9accarini lem&ra4se dessas cartas e relata ue algumas delas eramescritas e lidas pelas mulheres, no consultório$ médica, a sós com sua paciente, funcionava como uma psicólogacuidando n)o apenas do corpo, mas tam&ém ouvindo seus pro&lemas pessoais$

8 médica tinha ue ser médica e psicóloga 4 muitas pacientes tra(iam relatórios escritos em folha de papel alma"oso&re sua doen"a e liam e repetiam várias ve(es, esuecendo4se do horário e ali ficavam uma hora inteira ou mais$;endo médica e paciente do mesmo se*o, se e*pandiam contando detalhes os mais simples, aos uais procuravamdar um grande valor ' aten")o ue lhes dispensava$8 6sses relatórios funcionavam como uma oportunidade de amulher falar de si mesma, depois de tanto tempo dependendo de porta4vo(es$ + pró*imo passo seria o de seli&ertar da folha de papel$$$ o ue n)o tardou a acontecer$

Rita de Cássia Marques é professora na 6scola de 6nfermagem da %niversidade Hederal de Minas erais$

Acervo Particular