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BOLETIM INFORMATIVO DO GBM – ANO XV – N o 66 – JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2014 Debates Críticos A ocorrência do melano- ma cutâneo é determina- da, na maioria dos casos, por um processo multifa- torial resultante de inte- rações complexas entre fatores genéticos, consti- tucionais e ambientais. Apesar disso, cerca de 10% dos casos de melanoma ocorrem em grupos familiares, o que sugere uma mutação herdada ou exposição ambiental comum, ou ambos. Em pacientes classificados nesta categoria familiar, o risco de desenvolver a doença é 30-70 vezes maior do que na população em geral. Dessa forma, é de extrema importân- cia a identificação de pacientes caracteri- zados como portadores da Síndrome do Melanoma Familial e promover ações para redução de riscos e diagnóstico precoce nestes pacientes e seus familiares. Caracterização da Síndrome do Melanoma Familial Como em outras síndromes hereditárias de predisposição ao câncer, onde indiví- duos da mesma família são acometidos por neoplasias malignas, a Síndrome do Melanoma Familial deve ser caracterizada por alguns fatores, são eles: • múltiplos membros afetados por melano- ma cutâneo (na mesma ramificação); • melanomas múltiplos primários (dois ou mais) no mesmo indivíduo; Os membros das famílias acometidas pela síndrome podem apresentar outras neo- plasias associadas, como câncer de pân- creas, tumor de SNC ou melanoma ocular. Genes envolvidos e vias moleculares Existem três genes já bem descritos envol- vidos na predisposição ao desenvolvi- mento do melanoma. Destes, dois são de alta penetrância: 1) o CDKN2A, localizado no cromossomo 9p21, codifica duas proteínas, a p16INK e a P14ARF. Ambas atuam na inibição do ciclo celular e, portanto na supressão de tumor; 2) o CDK4, localizado no cromossomo melan o ma 1 Editorial Mauro Enokihara NESTA EDIÇÃO MAPEAMENTO CORPORAL TOTAL IMPORTÂNCIA DOS CURSOS ITINERANTES 12q13, pode se tornar um oncogene quan- do não regulado corretamente pelo CDKN2A. Mutações neste gene são autossômicas dominantes e conferem alto risco à doen- ça, no entanto são raras. O gene de baixa penetrância, denomina- do MC1R, é um receptor transmembrana expresso nos melanócitos, células endote- liais e queratinócitos de humanos e locali- za-se no cromossomo 16q24.3, sendo res- ponsável pela regulação da melanogêne- se durante a exposição solar. Este gene apresenta muitos polimorfismos, e cerca de 60-80% estão associados ao fenótipo ruivo. Até hoje, mais de 65 variantes já foram identificadas, e isto confere aumen- to no risco de desenvolvimento do mela- noma, especialmente se estiverem associ- adas às mutações em p16 ou p14. Importância da caracterização Os membros de famílias de alto risco para o desenvolvimento do melanoma devem ser alocados em programas de vigilância e prevenção, independentemente do seu status de DNA. Isso porque sabe-se que a mutação em CDKN2A pode estar presente em cerca de 20 a 40% dos casos de mela- noma familial diagnosticados clinicamen- te, e que, portanto, o restante dos casos poderia estar relacionado a outras muta- ções em outros genes, ainda não estuda- dos amplamente (figura 1). Membros de famílias de alto risco (espe- cialmente parentes de primeiro e segun- do grau dos portadores de melanoma) de- vem ser examinados por dermatologista a cada 3-12 meses, da adolescência até que os nevos estejam estáveis, e a partir daí, anualmente. Recomenda-se, inclusive o seguimento daqueles que façam parte de famílias com resultado negativo para mu- tação em CDKN2A, já presumindo que possa haver outro gene de alta penetrân- cia envolvido no processo desta doença. O mapeamento corporal total e dermatos- copia digital têm contribuição significati- va neste processo, tanto para a indicação mais precisa de exérese, quanto para o diagnóstico precoce de um melanoma. Esta edição do Boletim apresenta e discute a ca- racterização do melano- ma familial em artigo do Dr. Elimar Gomes e traz também uma revisão da literatura com a experiên- cia prática do Dr. Renato Bakos sobre o Mapeamento Corporal To- tal e Fotodermatoscopia, a sua importân- cia na prevenção primária e secundária do Melanoma Cutâneo e quando e para quem indicarmos este método auxiliar não invasivo. O Dr. Érico Pampado faz interessantes comentários sobre os cursos itinerantes que estão sendo promovidos pelo GBM, em especial o que foi realizado em agosto últi- mo na Associação Médica de São José de Campos, e convida outros delegados do GBM a tomarem a iniciativa de levar a in- formação e atualização sobre o melanoma a todo o país. Como já ocorreu este ano em Salvador, organizado pelo Dr. Miguel Bran- dão, e na última semana de agosto, em Ma- naus, onde tive a oportunidade de partici- par, coordenado pela Dra. Claudia Zanardo. Temos o retorno do Prof. Fernando Au- gusto de Almeida à coluna do Ombuds- man onde ele externa as preocupações com os dados oficiais sobre a casuística brasileira do melanoma e a necessidade de agregarmos os mais jovens para o GBM. Na coluna ‘Por Dentro do GBM’ o Presi- dente, Dr. Alberto Wainstein, discute so- bre os avanços terapêuticos no melanoma estádio IV, e faz críticas sobre a ingerência com intenções não muito transparentes sobre a indicação, os custos e o uso destas novas drogas, e deixa claro ao final do seu artigo a importância da prevenção primá- ria e secundária com o diagnóstico precoce. Enfim, não deixe de ler com atenção as matérias contidas nesta edição. Aproveitamos para parabenizar o Dr. Ézio Amaral, que escreveu no último número do Boletim sobre a Biópsia do Linfonodo Sentinela, que foi motivo de vários elo- gios a sua revisão e comentários. Melanoma familial Elimar Gomes 11 o Conferência Brasileira sobre Melanoma / Goiânia 2015

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BOLETIM INFORMATIVO DO GBM – ANO XV – No66 – JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2014

Debates Críticos

A ocorrência do melano -ma cutâneo é determina-da, na maioria dos casos,por um processo multifa-torial resultante de inte -rações complexas entrefatores genéticos, consti-tucionais e ambientais.

Apesar disso, cerca de 10% dos casos demelanoma ocorrem em grupos familiares,o que sugere uma mutação herdada ouexposição ambiental comum, ou am bos.Em pacientes classificados nesta categoriafamiliar, o risco de desenvolver a doença é30-70 vezes maior do que na população emgeral. Dessa forma, é de extrema im por tân-cia a identificação de pacientes caracteri-zados como portado res da Síndro me doMelanoma Familial e promover ações pararedução de riscos e diagnóstico precocenestes pacientes e seus familiares.

Caracterização da Síndrome do Melanoma Familial

Como em outras síndromes hereditáriasde predisposição ao câncer, onde indiví-duos da mesma família são acometidospor neoplasias malignas, a Síndrome doMelanoma Familial deve ser caracterizadapor alguns fatores, são eles: • múltiplos membros afetados por mela no - ma cutâneo (na mesma ramificação);

• melanomas múltiplos primários (dois oumais) no mesmo indivíduo;

Os membros das famílias acometidas pelasíndrome podem apresentar outras neo-plasias associadas, como câncer de pân-creas, tumor de SNC ou melanoma ocular.

Genes envolvidos e vias moleculares

Existem três genes já bem descritos envol -vidos na predisposição ao desenvolvi-mento do melanoma. Destes, dois são dealta penetrância: 1) o CDKN2A, localizado no cromossomo9p21, codifica duas proteínas, a p16INK e aP14ARF. Ambas atuam na inibição do ciclocelular e, portanto na supressão de tumor; 2) o CDK4, localizado no cromossomo

melanoma

1

EditorialMauro Enokihara

NESTA EDIÇÃO � MAPEAMENTO CORPORAL TOTAL � IMPORTÂNCIA DOS CURSOS ITINERANTES

12q13, pode se tornar um oncogene quan- do não regulado corretamente pelo CDKN2A.Mutações neste gene são autossômicasdominantes e conferem alto risco à doen -ça, no entanto são raras.O gene de baixa penetrância, denomina-do MC1R, é um receptor transmembranaexpresso nos melanócitos, células endote -liais e queratinócitos de humanos e locali -za-se no cromossomo 16q24.3, sendo res -pon sável pela regulação da melanogêne -se durante a exposição solar. Este geneapre senta muitos polimorfismos, e cercade 60-80% estão associados ao fenótiporuivo. Até hoje, mais de 65 variantes jáforam identificadas, e isto confere aumen-to no risco de desenvolvimento do mela -noma, especialmente se estiverem associ-adas às mutações em p16 ou p14.

Importância da caracterizaçãoOs membros de famílias de alto risco parao desenvolvimento do melanoma devemser alocados em programas de vigilância eprevenção, independentemente do seustatus de DNA. Isso porque sabe-se que amutação em CDKN2A pode estar presenteem cerca de 20 a 40% dos casos de mela -noma familial diagnosticados clinicamen -te, e que, portanto, o restante dos casospoderia estar relacionado a outras muta -ções em outros genes, ainda não estuda-dos amplamente (figura 1).Membros de famílias de alto risco (espe-cialmente parentes de primeiro e segun-do grau dos portadores de melanoma) de -vem ser examinados por dermatologis ta acada 3-12 meses, da adolescência até queos nevos estejam estáveis, e a partir daí,anualmente. Recomenda-se, inclusive oseguimento daqueles que façam parte defamílias com resultado negativo para mu -tação em CDKN2A, já presumindo quepos sa haver outro gene de alta penetrân-cia envolvido no processo desta doença. O mapeamento corporal total e dermatos -copia digital têm contribuição significati-va neste processo, tanto para a indicaçãomais precisa de exérese, quanto para odiagnóstico precoce de um melanoma.

Esta edição do Boletimapresenta e discute a ca -rac terização do melano -ma familial em artigo doDr. Elimar Gomes e traztambém uma revisão dali teratura com a experiên- cia prática do Dr. Renato

Bakos sobre o Mapeamento Corporal To -tal e Fotoder ma toscopia, a sua importân-cia na preven ção primária e secundáriado Melanoma Cutâneo e quando e paraquem indicarmos este método auxiliarnão invasivo.O Dr. Érico Pampado faz interessantescomentários sobre os cursos itinerantes queestão sendo promovidos pelo GBM, emespecial o que foi realizado em agosto últi-mo na Associação Médica de São José deCampos, e convida outros delegados doGBM a tomarem a iniciativa de levar a in -formação e atualização sobre o mela no maa todo o país. Como já ocorreu este ano emSalvador, organizado pelo Dr. Miguel Bran -dão, e na última semana de agosto, em Ma -naus, onde tive a oportunidade de parti ci- par, coordenado pela Dra. Claudia Zanardo.Temos o retorno do Prof. Fernando Au -gusto de Almeida à coluna do Ombuds -man onde ele externa as preocupaçõescom os dados oficiais sobre a casuísticabrasileira do melanoma e a necessidade deagregarmos os mais jovens para o GBM.Na coluna ‘Por Dentro do GBM’ o Pre si -den te, Dr. Alberto Wainstein, discute so -bre os avanços terapêuticos no melanomaestádio IV, e faz críticas sobre a ingerênciacom intenções não muito transparentessobre a indicação, os custos e o uso destasnovas drogas, e deixa claro ao final do seuartigo a importância da prevenção primá -ria e secundária com o diagnóstico precoce.Enfim, não deixe de ler com atenção asma térias contidas nesta edição.Aprovei ta mos para parabenizar o Dr. ÉzioAmaral, que escreveu no último númerodo Bole tim sobre a Biópsia do LinfonodoSen tinela, que foi motivo de vários elo-gios a sua revisão e comentários.

Melanoma familialElimar Gomes

11o Conferência Brasileira sobre Melanoma / Goiânia 2015

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Debates Críticos

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Pacientes sabidamente mutados devemser cuidadosamente avaliados a cada seismeses e a realização de biópsia de lesõessuspeitas deve ser precoce. Todos estes pacientes devem receber, emcada consulta, informações sobre a impor -tância da fotoproteção. Devem evitar to -tal mente queimaduras solares, usar vestu -ário de proteção quando os níveis de UVsão elevados e usar um protetor solar deamplo espectro (UVA e UVB) que tenhaFPS 30 ou superior. Quando necessário de -vem receber reposição de vitamina D paraevitar sua deficiência.É importante incentivar o paciente a ter

conhecimento de sua própria pele, fazer umautoexame mensalmente e procurar o mé -dico em caso de detecção de lesão suspeita.

Ambulatório especializado em Melanoma Familiar

Após uma experiência bem sucedida departicipação do AC Camargo Cancer Cen -ter no consórcio internacional Geno mel(www.genomel.org), através do patolo-gista Gilles Landman e do dermatologistaAlexandre Leon, foi criado um ambulató -rio especializado em acompanhar famíliasque preenchessem critérios para a Síndro -me do Melanoma Familial. Desde 2010,

sob coordenação dos dermatologistasBianca Sá e Elimar Gomes e da enfermeirade pesquisa Luciana Facure este ambula -tó rio funciona em colaboração com ossetores de Oncogenética e de BiologiaMole cular e Genômica.Após critérios rigorosos de seleção, estespacientes podem ser submetidos a pes qui -sa de mutações no genes de alta pene -trân cia descritos até o momento (CDKN2Ae CDK4) por sequenciamento direto doDNA através de uma amostra de sangue.Atualmente este exame é disponibilizadona rotina laboratorial do AC CamargoCancer Center, e os pacientes seleciona-dos recebem orientação e aconselhamen-to de um médico geneticista antes edepois da realização do exame.Até o momento, foram avaliados 140casos-índice e seus familiares neste ambu-latório. Essas famílias formam uma coorteprospectiva de alto risco de melanomaque merece atenção e cuidados especiaispara prevenção primária e detecção pre-coce de novas lesões de melanoma. Todosos pacientes e seus familiares são avalia-dos e acompanhados por mapeamentocorporal total e, quando indicado, por der-matoscopia digital. Apesar do curto perío-do de seguimento, 16 novos casos de me -la noma já foram detectados neste grupo,sendo 7 melanomas in situ e 9 melanomasfinos, reforçando a necessida de de moni-toramento destes pacientes.

Fig.1 - Prevalência de mutações e genes envolvidos na SMF (modif. de Lancet Oncol 2004; 5: 314-19)1

Nossa delegacia do Vale doParaíba pôde comprovarcomo os cursos itineran tessão benéficos para a socie -da de médica local e paratoda população da re gião.No mês de agosto realiza -mos o I Curso de Atu ali za -

ção em Melanoma Cutâneo na Re giãoMe tropolitana do Vale do Paraíba.Além do conhecimento específico adqui -rido, o tema veio à tona na im pren sa lo -cal, o que dá visibilidade e confiança pelaexposição do próprio GBM.Durante a Conferência Brasileira de Mela -noma em Belo Horizonte, no ano de 2013,nosso presidente, Dr. Alberto Wainstein,em seu discurso de posse frisou que suagestão seria: “menos focada em recursose resultados imediatos e mais no GBM eresultados a médio prazo”. Entendi suapro posta em “descentralizar” o GBM.Esti mular a educação médica nas pontas,ou seja, nas regionais, nas delegacias do

GBM espalhadas pelo Brasil.Dito e feito, em janeiro de 2014 a direto-ria do GBM divulgou o edital para realiza-ção de cursos itinerantes. Nossa regionalabraçou a ideia e iniciamos todo trabalhopara realização do I Curso de Atualizaçãosobre Melanoma. O GBM em suas prer ro -gativas de fomentar o estudo e conheci-mento do melanoma estimula os cur sositinerantes, subsidiando financeiramentee logisticamente sua realização.Contamos com o apoio de várias institui -ções: serviços de residência médica, hos-pi tais, clínicas, médicos que nos ajuda -ram a divulgar e finalmente a rea lizar ocurso e com sucesso. O foco foi o estudodo melanoma através da união de servi -ços e de equipes de diferentes hospitaise clínicas. O im portante foi a atualizaçãosobre o assunto melanoma sem melin-dres amparados na vaidade individual.Contamos com nove gabaritados profes-sores: Dra. Flávia Ferreira, Dr. André Pes -sa nha, Dr. Mauro Enokihara, Dra. Marcia

Alva ren ga, Dr. Francisco Belfort, Dr. Nil -ton Hanaoka, Dr. Fernando Moura, Dr. Sa -mu el Mandelbaum e Dr. Sergio Hirata.Uma plateia de mais de 80 profissionaisde saúde entre médicos e enfermeiros.E como diz o grande mestre, ProfessorDr. Nelson Proença: “o ovo de galinha émais conhecido do que o da pata porquea galinha cacareja depois que bota”.Aproveitamos e divulgamos na imprensaa importância do estudo, do diagnósticoprecoce, da prevenção e dos perigos domelanoma. Televisões locais, jornais, rá -dios, blogs e revistas noticiaram nosso e -ven to. Importante não para nossa vaida -de, mas sim para a divulgação do assun-to e do GBM.Convido, em nome do GBM, que os dele-gados façam em suas regionais os cursositinerantes. Com certeza teremos maisprofissionais querendo se filiar ao grupo,mais conhecimento entre os médicos emaior cuidado com a prevenção pelanossa população

A importância dos cursos itinerantes promovidos pelo GBM

Érico Pampado

Mutações ao acaso90% dos casos

Mutações hereditárias6-12% dos casos

Genes desconhecidos60% dos casos

CDKN2A20-40% dos casos

Outros genes(CDK4, P14ARF)1% dos casos

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Atualização

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de risco associados, como história familiare pregressa de melanoma, fototipo claro,entre outros. O acompanhamento destespacientes torna-se extremamente difícilpelo grande número de lesões suspeitas. A caracterização de lesões novas empacientes com múltiplos nevos, sabendo-se que mais de 60 % dos melanomas ocor-rem de novo e não associados a nevos, ésempre desafiadora. O exame geral dapele é realizado rotineiramente nos con-sultórios dermatológicos, especialmenteem pacientes com este quadro clínico. Ainspeção em áreas inclusive que não sãoqueixas dos pacientes determina a obser-vação de neoplasias de pele em uma sériede casos.(2) Neste cenário, as fotografiasde todos segmentos da superfície cutânea(mapeamento corporal total) prestamgrande auxílio na documentação e acom-panhamento de forma mais acuradadestes pacientes de maior risco.A técnica que agrega o mapeamento cor-poral total à dermatoscopia digital delesões melanocíticas suspeitas foi propos-ta inicialmente por Malvehy e Puig, de -nominando-se método em 2 etapas. (3)No relato inicial, analisaram 5.978 imagenscorporais e 3170 imagens de seguimentodermatoscópico de lesões suspeitas (mé - dia de 10,9 lesões por paciente). Des taslesões, apenas 42 mostraram altera çõesmorfológicas à dermatoscopia após mé -dia de 5 meses de seguimento, sendo que8 se comprovaram melanomas (2 in situ e6 com Breslow < 0,75 mm), além de 1 le -são previamente inexistente tambémdiagnosticada como melanoma. Com isso,demonstraram que o método em duasetapas poderia ser útil para detecção pre-coce do melanoma. Recentemente, omesmo grupo publicou experiência de 10anos com a técnica. Neste período, 1152lesões foram removidas por apresentaralguma modificação de estruturas derma -toscópicas (779 lesões) ou por seremnovas no mapeamento corporal total (373lesões). Destas lesões, 98 comprovaram-semelanomas, sendo que 60 eram do grupode lesões em seguimento dermatoscópi-co e 38 eram novas no mapeamento cor-poral total.(4)Haenssle e colaboradores também avalia -ram a eficácia da dermatoscopia digital ali-ada a mapeamento corporal total paradetecção de melanomas. Foram 688pacientes seguidos e estratificados por fa -to res de risco para a neoplasia. Identifica -ram que os melanomas detectados pela

dermatoscopia digital apresentaram índi -ce de Breslow médio de 0,41mm enquan-to aqueles detectados por outros méto-dos apresentaram média de 0,62mm.Além disso, o índice de melanomas/lesõesbenignas removidas foi de 1:4 nos casosde alto risco (melanoma familiar + síndro -me do nevo atípico), 1:18 nos pacientescom síndrome do nevo atípico e 1:79 noscasos de pacientes com mais de 50 nevossem outros fatores de risco. Isto demons -tra que a técnica parece ser mais significa-tiva justamente nos pacientes de maiorrisco. Frente aos resultados, os auto res su -gerem que o seguimento digital de pa ci -entes de alto risco seja feito com periodi ci-dade de 3 meses e de 6-12 meses de inter-valo para pacientes com síndrome donevo atípico, dependendo de outros fato -res de risco associados.(5) É fato que ospacientes com síndrome do nevo atípico,história pessoal ou familiar de mela nomae presença de múltiplos nevos são os quemais se beneficiam deste acompanha -mento.As lesões que apresentam modificaçãodurante o mapeamento coporal total edermatoscopia digital usualmente apre-sentam aumento assimétrico das mesmas,alteração focal de estruturas dermatos -cópicas ou de pigmentação.(6) Além dis -so, recente algoritmo para acompanha -mento de lesões pigmentares demons -trou além destas modificações que desar-ranjos arquiteturais e aumento ou dimi -nuição global de pigmentação das lesõespodem ser características de suspeita.(7)Finalmente, o método requer uma boaadesão por parte do paciente derivada deuma boa relação médico-paciente e doesclarecimento quanto à necessidade derepeti-lo periodicamente para que seusbenefícios possam ser sentidos. Defi niti -vamente o mapeamento corporal total e adermatoscopia digital estão associados aum número superior ao esperado na po -pulação de melanomas finos e in situ,(8)entretanto, outros estudos poderão escla -re cer se a técnica permite uma melhora nasobrevida de pacientes com melanoma,fato ainda não definido na literatura.

Na era das grandes novi-dades nas terapias alvo, aprevenção do melanomaainda é o grande e princi-pal objetivo a ser atingido.As campanhas de cons ci-entização e, consequen -temente, a disseminação

do conhecimento acerca de indivíduosfenotipicamente mais susceptíveis e doscarcinógenos ambientais, no caso a expo -sição à radiação ultravioleta, constituemas principais ações em nível primário.Ainda, a prevenção secundária, ou seja, odiagnóstico precoce do melanoma persis -te também como uma forma adequada decontrole da potencial progressão da neo-plasia. A dermatoscopia aumenta a acuráciadiagnóstica do melanoma. Além disso, elapermite uma seleção mais criteriosa para aremoção de lesões suspeitas. Estudo re -cente, inclusive, demonstrou que o nú me -ro necessário de remoções cirúrgicas emserviços especializados de 1998 a 2007 foide 1:12,8 melanomas/nevos melanocíticosno início do período caindo para 1:6,8. (1)A inferência natural é de que este de sem-penho mais favorável, poupando remo -ção desneces sária de nevos benignos,tenha sido conquistado a partir da utiliza-ção da dermatoscopia e da maior experi -ência adquirida na utilização deste méto-do. Mesmo sendo uma ferramenta impor-tantíssima na avaliação de lesões pigmen -tares, a dermatos co pia oferece limitaçõespara lesões incipi entes sem característicasinequívocas de melanoma (zona cinzentadermatoscópica). Frente a esta dificuldade e com o adventode equipamentos que permitem a capturade imagens dermatoscópicas, o segui-mento digital de determinada lesão dediagnóstico incerto se tornou uma ma nei -ra interessante de examinar a sua evo lu -ção. Faz-se uma avaliação dinâmica em 3-6meses, apenas para lesões planas e semcomemorativos inequívocos ou altamentesuspeitos de melanoma. Para o pacientecom lesão única ou poucas le sões estasestratégias – dermatoscopia e seguimen-to digital a curto prazo, são acuradas emobservar mudanças à derma toscopia indi -cativas de melanoma e de terminam aindaa remoção e o diagnóstico precoce.A grande dificuldade incide justamentenos pacientes de maior risco. Pacientescom múltiplos nevos, presença de nevosatípicos, muitas vezes com outros fatores

Mapeamento corporal total e dermatoscopia digital

Renato Bakos

As referências bibliográficas deste artigo encontram-sedisponíveis no site do GBM

www.gbm.org.br

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Fernando Almeida

Felizmente nossos paci -en tes com melanoma a -van çado estão vivendomais e o controle da do -ença metastática não émais um sonho. Entre -tan to, este aumento desobrevida ainda não re -

presenta cura, que só é plenamente al can -çável com o diagnóstico dermatológicoprecoce e tratamento cirúrgico preciso.Além das drogas alvo específico, os maio -res avanços recentes vêm da imuno-onco -logia. O antigo e ambicioso projeto de en -sinar o sistema imunológico a reconhecere destruir as células tumorais já é reali-dade. Temos bioativos para influenciar eotimizar a apresentação antigênica e fazercom que as células apresentadoras deantígenos (células dendríticas) gerem lin-fócitos cada vez mais competentes, nu -merosos e capazes de reconhecer e des -truir o melanoma. Também podemosinfluenciar o processo de reconhecimen-to, lise e destruição tumoral, impedindoque o melanoma induza a apoptose doslinfócitos. Com estas novas plataformastecnológicas dos produtos emergentes,ingressamos de maneira efetiva no trata-mento do melanoma metastático. Toda esta complexidade científica e tec-no lógica nos remete ao tratamento inte-grado e multidisciplinar do melanoma. Pa -ra a completa e efetiva atenção ao mela -noma, a equipe, além de dominar con-ceitos de dermatologia, cirurgia e patolo-gia, precisa entender a biologia molecular,alvos específicos e a imunologia do mela -noma. Isso é importante para otimizarnossos esforços, uma vez que, em breve, omelanoma metastático deverá ser um dostumores com melhores respostas clínicasà quimioterapia e imunoativos. Por outrolado, o tratamento sistêmico do melano -ma possivelmente será uma das terapiasoncológicas mais onerosas e questionadas.

A maioria das drogas em pesquisa clínica,e as já aprovadas, apresentam resultadospromissores de maneira isolada. Comoelas se baseiam em tecnologias comple -xas e de altíssimo custo de validação clíni-ca, chegam ao mercado com preços muitoelevados, tanto isoladas como em combi-nações. Isso tem chamado a atenção dosgestores de saúde, que até 2 anos atrásconheciam melanoma apenas pela suagravidade, já que financeiramente, o trata-mento não representava nenhum impac -to. Apenas o lançamento de uma drogaalvo específica e outra imunoativa mobili-zou o governo federal a publicar no DiárioOficial um documento aparentementecientífico onde contraindica estas ino-vações. O GBM não tem nenhum poder ouinteresse em fazer apologia ao uso de fár-macos ou tratamentos, mas enfatiza que aciência e beneficio clínico devem ser avali-ados de maneira distinta à capacidade dosistema público e privado de disponibili -zar certos tratamentos. Os benefícios, ris -cos, toxicidade e indicações de cada drogasão inatos e constantes para todos os paí -ses. Por outro lado, cada país tem autono-mia para decidir se recomenda ou não ouso de cada droga para seus cidadãos, deacordo com suas prioridades. O que o GBMrepudia são publicações e diretrizes quetentam desqualificar qualidades e respos -tas clínicas de alguns produtos para justi-ficar o seu não uso. Com a responsabilida -de e comprometimento que o GBM tempara com o melanoma, também nos pre-ocupamos com o custo e acesso a estasno vas drogas e em especial suas com bi-nações. O grande alento é que para se evitar gas-tar grandes somas com os pacientes commelanomas metastáticos, é muito maissimples, lógico e barato investir na pre-venção primária e secundária. A preven -ção é missão e o maior compromisso doGrupo Brasileiro de Melanoma.

Por dentro do GBMAlberto Wainstein

O GBM vem contribuindohá quase 20 anos para acons tan te atualização epa dro nização da avalia -ção do melanoma no Bra -sil. Re presenta hoje umgrupo de estudo do me -la noma que agrega cole-

gas e pro fissionais da área da saúde con-ceituados no Brasil e no exterior.Através de Conferências Nacionais, Reu ni -ões Regionais, por intermédio da internetou deste Boletim, os colegas brasilei ros dasvárias especialidades e de outras á re as desaúde vêm se mantendo atualizados.No momento existem preocupa ções: • dados oficiais da casuística nacional• maior integração com o INCA (Instituto

Nacional de Câncer), e• maior esforço para agregarmos colegas

mais jovens de todas as áreas da saúde,pois sem renovação corremos o risco de,no futuro, deixarmos de alcançar osobjetivos para os quais o GBM foi criado.

Presidente Ombudsman

DIRETORIA 2013-2015Presidente: Alberto Wainstein

1º Vice Presidente: Flávio Cavarsan2º Vice Presidente: Flávia Bittencourt

Secretário Geral: Elimar Gomes1º Secretário: Renato Bakos

Tesoureira: Bianca Soares de Sá1º Tesoureiro: Miguel Brandão

Diretor Informática: João Duprat NetoEditor do Boletim: Mauro Y. Enokihara

Assuntos Internacionais: Francisco BelfortDiretor Científico: Rafael SchmerlingOmbudsman: Fernando A. Almeida

EXPEDIENTEPublicação trimestral do GBMTiragem: 11.000 exemplares

Jornalistas Responsáveis: Maria Lúcia Mota.Mtb: 15.992 e Adriana Mello

Secretaria Executiva: R. Joaquim Nabuco, 47,s.103, 04621-000, São Paulo, SP

tel (11) 5542.8216 e fax (11) [email protected] – www.gbm.org.br

Edição: Informedical Publicações Médicas