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1
Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos
prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará
Maitê Rimekká Shirasu *
Guilherme Diniz Irffi**
Francis Carlo Petterini ***
Resumo Em 2007 o Ceará modificou sua Lei de repasse do ICMS, aumentando a quota-parte dos
municípios que apresentassem melhoras educacionais. O trabalho analisa dois
fundamentos da mudança: i) a premissa econômica de que Prefeitos respondem a
incentivos via necessidades orçamentárias; e, ii) o mecanismo de incentivo aos Prefeitos
é mais eficaz que incentivos aos alunos ou professores. Os resultados corroboram com a
validade dos fundamentos supracitados, e mostram que a mudança na Lei elevou de 4 a
6 pontos da escala SAEB a proficiência média dos alunos da rede de ensino
fundamental.
Palavras-chave: avaliação de impacto; ICMS; qualidade da educação.
Abstract
In 2007 Ceara changed its Law of transfer of ICMS, increasing the municipalities share
that improved the education. The study analyzes two hypothesis for change: i) the
economic premise that mayors respond to incentives via budget restrictions, and ii) the
incentives to mayors are more effective than incentives to students or teachers. The
results corroborate with the validity of these points, and they show that the new Law
increased around 4-6 points in the scale SAEB the average proficiency of students from
the elementary schools.
Keywords: impact evaluation; ICMS; education quality.
* Mestranda em Economia pelo CAEN/UFC, [email protected].
** Doutor em Economia pelo CAEN/UFC e Professor do Departamento de Economia da Universidade
Federal do Ceará, [email protected]. ***
Doutor em Economia pelo CAEN/UFC e Professor do Departamento de Economia e Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected].
2
1. Introdução
O Art. 158 da Constituição Federal de 1988 permitiu aos Estados definir seus
próprios critérios de repasse de parte da arrecadação do ICMS1 aos Municípios. No
texto, determina-se que 75% das receitas do imposto devem ser apropriadas pelos
governos estaduais, e o restante deve ser distribuído entre os governos municipais.
Destes 25% de destinação municipal, pelo menos ¾ devem ser repartidos segundo a
contribuição do Município ao valor adicionado na arrecadação, enquanto que o restante
pode ser distribuído segundo critérios definidos pela legislação estadual2.
Em geral, a quota-parte do ICMS representa de 10% a 30% da receita corrente
dos Municípios, podendo variar acima ou abaixo deste intervalo dependendo do Estado.
Assim, pode-se dizer que é um recurso orçamentário não desprezível para os Prefeitos, e
a Constituição dá suporte legal para os governos estaduais usarem isto a fim de
desenhar mecanismos de incentivo para as Prefeituras buscarem resultados pré-
determinados.
No Ceará, em 2007, se modificou a Lei rateando a quota-parte do ICMS por
função de indicadores de resultado em saúde, educação e meio ambiente, dando maior
peso a educação. O caso cearense é particularmente interessante vis-à-vis a outros
Estados que exploraram o aspecto aqui discutido do Art. 158 da Constituição, por dois
motivos3: (i) a ideia nasceu de uma lógica da Gestão por Resultados
4, isto é, o benefício
social é claramente identificado por indicadores de resultados que (em maior ou menor
grau) dependem das ações dos Prefeitos; e, (ii) devido à ênfase na educação, em
detrimento aos indicadores ambientais como fizeram outros Estados5.
Então o redesenho da Lei de repartição do ICMS busca equacionar o desafio da
melhora da qualidade da educação usando o mesmo volume de recursos já disponível,
apenas mudando sua forma de alocação. Assim, pode-se dizer que essa mudança bem
desenhada é um aperfeiçoamento da gestão orçamentária estadual.
Diante disso, o objetivo específico deste artigo é mensurar o impacto da
mudança da Lei no Ceará sobre a qualidade da educação no nível fundamental, que é de
responsabilidade das Prefeituras. Assim sendo, este artigo se propõe a aferir os
benefícios sociais obtidos a partir do ganho de qualidade em educação.
Ou seja, dado que se conhece a quota-parte, mensurar o benefício social passa a
ser uma forma de instigar uma discussão sobre a eficiência do desenho de mecanismo
de incentivo conforme permitido pelo Art. 158 da Constituição6.
A investigação se justifica na medida em que o Brasil investe cerca de 5% de seu
PIB na educação pública, número igual à média dos países da OCDE7, mas ainda exibe
1 Acrograma do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. 2 Ver Brunozi et al. (2008) para uma discussão sobre as possibilidades legais e contábeis da legislação.
3 O contexto histórico que levou a essa ênfase na mudança da Lei é largamente discutido em Holanda
(Org.) (2006). 4 O termo decorre da expressão em inglês Result Based Management (RBM), e a ideia, de forma
simplificada, é que as ações de governo devem focar em melhorias mensuráveis pelos indicadores de
resultado (mais do que por indicadores de oferta). 5 A reboque do “ICMS Ecológico” implementado de forma inovadora no Paraná em 1991.
6 É importante observar que se esta análise não será Paretiana no sentido stricto sensu, uma vez que a
dimensão analisada foca na educação. Uma análise stricto sensu deveria considerar todas as dimensões
utilizadas na função de bem-estar social (educação, saúde, meio ambiente etc.).
3
índices de qualidade na educação aquém do desejável. Por consequência, é possível que
o financiamento insuficiente não seja um empecilho para se melhorar a qualidade da
educação. Assim, um desenho de mecanismo adequado pode fazer com que o Estado
aumente a qualidade do ensino, sem que haja necessidade de se gastar mais, apenas
realocando os recursos de forma mais eficiente.
Deste modo, o trabalho ainda consiste em analisar uma premissa básica da
Teoria Econômica: os agentes econômicos respondem a incentivos e punições. Ou seja,
é preciso saber se os Prefeitos encontraram suas próprias soluções de melhora nas redes
municipais de educação fundamental em função do prêmio da maior quota-parte do
ICMS.
Para alcançar os objetivos, essa avaliação é conduzida por um modelo
econométrico de diferenças em diferenças, com pareamento de escore de propensão. E
tem como indicadores de impacto, as notas dos alunos das redes municipais em exames
padronizados de português e matemática.
A partir desta introdução, optou-se por apresentar o texto em mais quatro seções.
A próxima se dedica a descrever a possibilidade legal de se alterar a distribuição de
recursos aos Municípios e o caso do Ceará. A terceira seção apresenta a técnica
empregada para a avaliação. A fonte e descrição dos dados, bem como uma análise
descritiva é o tema da quarta seção. A análise e discussão dos resultados são reportadas
a seguir. E, por fim, são tecidas as considerações finais.
2. Construindo incentivos pela quota-parte do ICMS
O ICMS é o principal instrumento tributário das Unidades da Federação, além de
ser o imposto que gera o maior volume de receitas públicas no país8. Ademais, a sua
quota-parte é uma transferência do tipo incondicional, uma vez que não impõe qualquer
obrigação de aplicação dos recursos, pela Prefeitura, em despesas específicas. Como
supostamente o Prefeito tem um maior conhecimento das necessidades de sua
comunidade, espera-se que ele possa alocar os recursos de maneira mais eficiente.
Para dar uma ideia da importância da quota-parte do ICMS nas receitas correntes
dos Municípios, observe pelo Gráfico 1, que tal fonte de recursos respondia por mais
30% da receita corrente de capitais como Manaus e Vitória em 2010.
7 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Detalhes em Inep (2006).
8 Ver Cosio et al. (2008).
4
Gráfico 1: Participação da quota-parte do ICMS (em %) nas receitas correntes das
Capitais, em 2010.
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Elaborado pelos autores.
Na outra ponta, as capitais que menos dependiam desta fonte orçamentária eram
Palmas, Curitiba e Florianópolis, mas ainda assim a quota-parte representava mais de
10% de suas receitas correntes. A partir de uma consulta na base de dados da STN,
verifica-se que nos Municípios do interior a situação não é diferente, isto é, a amplitude
dessa dependência financeira na maioria das cidades está entre 10% e 30%.
Quanto ao uso do suporte legal do Art. 158 da Constituição como desenho do
mecanismo de incentivos para mudar a Lei de repartição do ICMS envolve: (i)
mudanças de quota-parte dos Municípios; e, (ii) expectativa de benefícios sociais.
10.8%
11.2%
11.6%
12.2%
13.1%
13.4%
13.8%
14.4%
14.9%
15.0%
15.2%
15.4%
15.5%
16.1%
16.2%
16.6%
17.0%
17.0%
18.1%
18.2%
19.2%
19.3%
19.8%
23.3%
33.3%
35.3%
Palmas
Curitiba
Florianópolis
Rio de Janeiro
Belo Horizonte
Aracajú
Salvador
Maceió
Goiânia
Porto Velho
Porto Alegre
Belém
Boa Vista
Rio Branco
Macapá
Campo Grande
Joao Pessoa
Fortaleza
Teresina
São Luís
Natal
São Paulo
Cuiabá
Recife
Vitoria
Manaus
5
Deste modo, a mudança na Lei pode gerar um resultado Pareto superior9 no
seguinte sentido: sejam Municípios a receber quota-parte; após uma mudança na Lei
os municípios perdem quota-parte no volume monetário de , ao
passo que os municípios ganham . Se a mudança gerar um
benefício social extra, que pode ser monetizado por , e para todo , então a mudança na Lei gerou uma situação Pareto superior para toda a
sociedade.
O Paraná foi o pioneiro quando em 1991 criou o que ficou conhecido por “ICMS
Ecológico”. A Lei paranaense de repartição do ICMS visava preservar os mananciais de
água, funcionando, de forma geral, assim: se o Município aumentar as plantações ou
outras atividades econômicas tradicionais, como o número de indústrias, ele precisava
aumentar também suas áreas verdes para não perder quota-parte. Então, nesse caso, o
benefício social líquido da mudança da Lei é alguma forma monetizada da diferença
entre expandir a atividade produtiva garantindo a preservação ambiental10
.
Com o passar dos anos, outros Estados também desenharam seus próprios
mecanismos para incentivar (ou atingir) certos benefícios sociais11
. Em 1995, por
exemplo, Minas Gerais instituiu a chamada Lei Robin Hood, gerando a quota-parte de
ICMS em função de diversos indicadores sociais.
Brunozi et al. (2008) avaliaram o impacto da mudança da Lei mineira. Para
tanto, focaram nos critérios direcionados à saúde e à educação a fim de verificar se
houveram mudanças significativas nos indicadores sociais associadas à quota-parte do
ICMS.
Foi constatado que, ao contrário do que se esperava, os Municípios não
apresentaram uma melhora significativa nos indicadores de educação, onde as variáveis
intituladas conclusão de séries, atendimento aos alunos e aprovação tiveram uma queda
média de, respectivamente, 10%, 12% e 1%. O que, segundo os autores, indicaria que as
transferências recebidas pelos Municípios não estariam sendo alocadas eficientemente
na educação.
Em relação aos critérios da saúde, Brunozi et al. (2008) verificaram que a Lei
atendeu aos seus objetivos, na medida em que os recursos advindos das transferências
estariam sendo eficientemente aplicados12
.
Noutro caso, em Pernambuco, desde 2000, os Municípios que implantam
sistemas de tratamento de resíduos urbanos e mantém unidades de conservação
ambiental podem aumentar sua quota-parte na distribuição do ICMS13
.
Em relação à mudança da Lei pernambucana, Silva et al. (2010) conduziram
uma avaliação indicando que não houve significativa mudança comportamental por
parte dos Municípios com a finalidade de serem favorecidos com a nova política.
9 A Teoria Econômica postula que uma situação é ótima no sentido de Pareto se não for possível melhorar
a situação, ou, mais genericamente, a utilidade de um agente, sem degradar a situação ou utilidade de
qualquer outro agente econômico. Complementarmente, uma situação “Pareto superior” é aquela em que
todos os agentes estão em situação igual ao melhor à situação do status quo. 10
Em outras palavras, o Município não perde quota-parte, , na medida em que ele mantém uma relação
de benefício/custo, da expansão econômica vis-à-vis preservação ambiental, acima de uma meta. Em
termos formais, é preciso manter , onde é uma meta definida pela Lei. 11
Uma boa contextualização deste processo é exposta em Riani (2000). 12
Riani (2000), em outra avaliação, apontou que o novo critério de repartição em Minas Gerais teve um
grande efeito sobre a redistribuição de recursos em favor dos Municípios mais carentes. 13
Para mais detalhes ver Hempel (2008).
6
Passando o foco para o caso em tela neste artigo, em 2007 o Ceará também
modificou os critérios de rateio da quota-parte do ICMS. A nova maneira de distribuir o
recurso pode ser resumida pela equação [1], abaixo:
Sendo o percentual que o Município recebe da arrecadação de ICMS (em relação à
repartição permitida nos termos do Art. 158 da CF); Notas da 5ª série é um índice de 0 a
1, calculado com base na nota média dos alunos da 5ª série do ensino fundamental da
rede municipal em exames padronizados de português e matemática do Sistema
Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE) ou da Prova Brasil,
dependendo do ano; Aprovação da 4ª para a 5ª série é a taxa de 0 a 1 de aprovação na
rede municipal; Alfabetização da 2ª série é um índice de 0 a 1 calculado com base na
nota média dos alunos da 2ª série do ensino fundamental da rede municipal em exames
padronizados de leitura e compreensão do SPAECE; TMI é um índice de 0 a 1 que
mede o avanço na redução da taxa de mortalidade infantil; e, Meio Ambiente é uma
variável binária, sendo 1 para municípios certificados pela Secretaria Estadual do Meio
Ambiente quanto ao tratamento do lixo e 0 no caso contrário.
Em relação à regra de distribuição exposta em [1], o que se observa como
particularidade do caso cearense, em relação aos outros Estados, é que a potencial
competição entre os Prefeitos está mais presente na melhora das Notas da 5ª série, isto
é, na melhora da qualidade do ensino fundamental, pelos motivos que serão
apresentados adiante.
Como primeiro motivo, note que o Prefeito poderia manipular o indicador
Aprovação da 4ª para a 5ª série orientando suas escolas a não reprovarem os alunos.
Todavia, isso levaria para a 5ª série alunos potencialmente despreparados, que não terão
boas notas nos exames e acabarão por penalizar a quota-parte. Então, essa estratégia não
é sustentável em anos subsequentes, uma vez que dada à racionalidade de que o
indicador Aprovação acaba por, em parte, condicionar o indicador Notas da 5ª série.
O segundo motivo é que o Prefeito também poderia dar ênfase na melhora do
ensino nos primeiros anos do ciclo fundamental, para ganhar quota-parte pelo indicador
Alfabetização da 2ª Série. Todavia, o Governo do Estado do Ceará executa, desde 2004,
o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), que age em cooperação com todos
os Municípios de forma igual, gerando mesma formação aos professores das séries
iniciais e usando mesmo material didático. Assim, tal indicador dá pouca margem para a
diferenciação e a competição pela quota-parte.
O terceiro motivo é que a Taxa de Mortalidade Infantil é a variável chave do
Programa Saúde da Família (PSF), também gerenciado pelo governo estadual. Deste
modo, além da TMI ser uma variável difícil de modificar no curto prazo, até porque já
está em níveis relativamente baixos, ela é contemplada como indicador de impacto de
7
outros programas dos governos estadual e federal, por ser uma das oito metas do
milênio14
.
Então uma ação para reduzir a TMI acaba se tornando maior que a ação direta da
Prefeitura. O que também não dá margem ao Prefeito para usá-la em uma estratégia
para obter maior quota-parte.
Por fim, o quarto motivo que faria o Prefeito focar na educação está relacionado
à variável de meio ambiente, que além de seu peso ser baixo na quota-parte, ela é uma
variável simples de se obter (basta o credenciamento junto a Secretaria Estadual do
Meio Ambiente)15
.
Por esses motivos se acredita que o maior impacto da mudança da Lei se
encontra na mudança da qualidade da educação fundamental, gerenciada pela Prefeitura,
e mensurada por exames padronizados refletindo uma melhora no desempenho escolar.
Assim, a investigação do caso cearense se justifica na medida em que um
desenho de mecanismo voltado para a melhora da educação pode ser uma forma eficaz
de o Estado aumentar a qualidade do ensino (e sem custos, dado que a mudança na Lei
de repartição do ICMS apenas realoca recursos já existentes), desde que haja evidência
empírica de seu funcionamento.
Por consequência, busca-se responder se o avanço dos indicadores é decorrente
da mudança da Lei. Caso seja, pode-se concluir que há como incentivar os Municípios a
adotarem uma gestão mais eficiente voltada para melhorar a educação. Para isto, é
preciso mensurar o impacto da mudança da Lei de rateio do ICMS sob os indicadores de
qualidade da educação dos Municípios cearenses, onde, supostamente, o Prefeito pode
encontrar soluções para aumentar seus recursos orçamentários.
Mais ainda, como discutido inicialmente, um mecanismo de incentivo desenhado
pela mudança na Lei de repartição do ICMS envolve: (i) mudanças de quota-parte; e,
(ii) expectativa de benefícios sociais. Assim, a mudança na Lei pode ser “Pareto
superior” se, para Municípios, após uma mudança na Lei os municípios
perdem quota-parte no volume monetário de , ao passo que os municípios
ganham ; se a mudança gerar um benefício social de , e
para todo , então a mudança na Lei gerou uma situação “Pareto
superior” para toda a sociedade.
A estratégia de identificação de em termos de melhoria da educação no Ceará
é o tema da próxima seção e, em seguida, é apresentada a estimativa de e uma
discussão sobre a eficiência no sentido de Pareto.
3. Estratégia de identificação do impacto da mudança da Lei
A estratégia de identificação do impacto da Lei deve resolver o problema da
impossibilidade de se observar um contrafatual para responder a seguinte questão: o
que teria ocorrido nos Municípios cearenses, em termos das notas de proficiência de
português e matemática dos alunos da 5ª série do ensino fundamental, caso a Lei não
tivesse sido modificada em 2007?
14 Foram estabelecidos oito objetivos do milênio, que focam em ações de combate a pobreza e a fome,
promoção da educação, da igualdade entre os gêneros, de políticas de saúde, saneamento, habitação e
meio ambiente. Para mais detalhes ver IPEA (2010). 15
Nogueira et al. (2011) avaliaram o impacto da Lei cearense sobre o indicador ambiental. Verificaram
que existe uma tendência do mecanismo privilegiar Municípios que já estavam, de maneira geral, com
melhores condições ambientais. Assim, concluem que sobre o aspecto ambiental a Lei apresenta certa
inconsistência como mecanismo de incentivo.
8
Como é de praxe neste tipo de avaliação, para cada Município definem-se dois
resultados potenciais do indicador analisado: e . Onde o subscrito 0 indica o que
teria acontecido sem a mudança da Lei, enquanto 1 refere-se ao que aconteceu.
A medida de impacto comumente contempla o efeito tratamento médio sobre
tratados, ATT, definido por: . Onde é uma variável binária que
indica que o efeito é medido por meio dos Municípios cearenses (designados como
tratados).
Mas como não se dispõe do contrafatual, não há como estimar .
Assim, a estratégia ingênua é usar em seu lugar; ou seja, a média do
indicador de um grupo de não tratados (chamados controles, isto é, Municípios de outro
Estado semelhante ao Ceará, mas que não possui Lei semelhante a cearense). Todavia,
esta estratégia gera um viés na aferição do ATT16
.
Em um trabalho seminal, Rosenbaum e Rubin (1983) estudaram condições para
mitigar este viés. Nesse sentido, primeiro é necessário um conjunto de covariadas, ,
que permita a comparação de Municípios entre grupos de tratamento e controle.
A ideia é que se os Municípios forem suficientemente parecidos em suas
covariadas, então e, por consequência, o ATT pode
ser aferido de maneira consistente por .
Na prática, segue-se um protocolo para parear os grupos de tratamento e controle
(a fim de deixá-los suficientemente parecidos em termos das covariadas), retirando da
amostra, por determinados critérios, os Municípios que possam vir a causar viés de
aferição17
.
O grupo de controle deve ser definido de forma a corroborar com a hipótese de
que, na ausência da Lei, o contrafatual médio dos tratados possuiria a mesma trajetória
do factual médio dos controles. Assim, é natural imaginar que o grupo de controle seja o
conjunto de Estados da região Nordeste.
Nesse sentido, Pernambuco e Piauí devem ser descartados, pois adotaram Leis
semelhantes ao Ceará. Portanto, os Municípios de Alagoas, Bahia, Maranhão, Paraíba,
Rio Grande do Norte e Sergipe são bons candidatos a grupo de controle.
Tendo o grupo de controle e feito o pareamento, a avaliação de impacto poderá
ser realizada pelo modelo econométrico de diferenças em diferenças, doravante
denominado de DD. Vale ressaltar que este modelo tem sido amplamente utilizado em
análises de impacto, e pode ser descrito como uma versão simples do modelo de efeitos
fixos para dados em painel18
, definido por:
Neste caso, é um indicador relevante do município no período ( refere-se ao
período antes da mudança na Lei, enquanto significa depois), pois é o indicador
de resultado usado para se mensurar o impacto; é um termo de erro para o município
no período ; e, as letras gregas são parâmetros (ou vetores) a serem estimados.
16 Para detalhes, ver Angrist e Pischke (2008), Becker e Ichino (2002) ou Khandker, Koolwal e Samad
(2010). 17
Esse protocolo pode ser consultado em Becker e Ichino (2002), e é resumidamente apresentado no
ANEXO. 18
Por considerar dois grupos (tratados e controles) em dois períodos de tempo (antes e depois da
mudança na Lei).
9
No modelo DD, após a execução do protocolo de pareamento, a estimativa do
parâmetro equivale à medida de ATT aqui discutida. Mais ainda, observa-se que os
parâmetros da equação [2] podem ser estimados a partir do método de mínimos
quadrados19
.
4. Fonte e análise descritiva dos dados
Para aferir o impacto da mudança Lei sobre na qualidade da educação,
empregam-se como indicador de impacto (variáveis dependentes da equação [2]) as
notas médias das provas de proficiência de português e matemática da Prova Brasil de
2007 e 200920
por município.
A Tabela 1 reporta à média e o desvio padrão das notas médias na Prova Brasil
das escolas municipais para os grupos de tratamento e controle, para os anos de 2007 e
2009, respectivamente, o ano de discussão da proposta de Lei na Assembleia
Legislativa e o ano em que a Lei passou a vigorar; ou seja, antes e depois da Lei.
Note que, com exceção do Maranhão, todos os Estados avançaram em termos de
notas médias, em ambas as proficiências, o que pode ser considerado como uma
melhora de qualidade no todo. E que, sem controles adicionais, o avanço das notas do
Ceará foi maior que nos outros Estados (15,34 e 5,67 pontos na escala da Prova Brasil
para português e matemática, respectivamente21
).
Tabela 1: Média e desvio padrão das notas na Prova Brasil das escolas municipais nas
Unidades da Federação selecionadas.
UF Português Matemática
(a) 2007 (b) 2009 (b) – (a) (c) 2007 (d) 2009 (d) – (c)
AL 206,15 215,62 9,47 218,41 220,32 1,90
(9,12) (10,00)
(9,13) (9,02)
BA 213,53 222,14 8,61 224,63 225,78 1,15
(12,02) (14,24)
(12,08) (13,44)
CE 211,71 227,05 15,34 222,91 228,58 5,67
(11,37) (10,98)
(10,65) (13,69)
MA 208,32 216,35 8,03 218,29 217,61 -0,68
(12,15) (12,47)
(13,18) (11,46)
PB 212,27 221,79 9,52 223,61 225,80 2,19
(13,13) (13,30)
(11,59) (11,79)
RN 215,18 225,94 10,76 226,33 229,54 3,21
(11,65) (13,31)
(11,41) (13,89)
SE 212,93 224,76 11,82 227,32 230,73 3,41
(14,53) (15,33)
(12,90) (15,06)
Fonte: INEP. Elaborado pelos autores. Desvio padrão entre parênteses.
19 No entanto, o estimador utilizado é o de mínimos quadrados generalizados usando uma matriz de
consistência de White. Para mais detalhes, ver Angrist e Pischke (2008). 20
A Prova Brasil foi criada em 2005 para avaliar de forma mais detalhada o sistema educacional
brasileiro. Tendo como objetivo diagnosticar o desempenho dos alunos em termos de aquisição de
habilidades e competências, além da aprendizagem dos conteúdos, por meio de testes de desempenho que
se concentram em Língua Portuguesa (com foco em leitura) e Matemática (resolução de problemas). A
amplitude da escala vai de 0 a 500. 21
Estes números referem-se a simples diferença de médias entre os anos.
10
Quanto às covariadas a serem usadas no pareamento e na estimativa da equação
[2], usou-se uma série de candidatas contempladas pela literatura de economia da
educação como, por exemplo, número de escolas per capita, número de professores por
escola, percentual de escolas com laboratórios de ciências e informática, percentual de
escolas com bibliotecas etc.
Contudo, seguindo o protocolo de pareamento dado por Becker e Ichino (2002) e
Khandker, Koolwal e Samad (2010), acabou-se por verificar que o melhor ajuste do
grupo de controle era dado apenas pela taxa de aprovação da 4ª série e pelo gasto
municipal per capita com educação.
O que é intuitivo em certa medida, dado que o gasto sintetiza o conjunto de
varáveis de infraestrutura e operacionais das escolas (laboratórios, professores,
bibliotecas etc.), enquanto a taxa de aprovação pode ser entendida como uma variável
que capta tanto o efeito da frequência e da motivação dos alunos (seja pelo incentivo
dos pais, elogio do professor e do ambiente escolar) quanto da qualidade escolar.
Adiante, a Tabela 2, por sua vez, reporta à média e o desvio padrão das
covariadas utilizadas. Note, primeiramente, que a taxa média de aprovação no Ceará já
era maior que a dos controles em 2007, e permaneceu sendo a maior em 2009 (76,82% e
79,37%, respectivamente). Mais ainda, a taxa média de aprovação no Ceará avançou
2,55% entre os anos analisados, mas em Alagoas e no Maranhão os avanços foram
maiores (3,50% e 3,15%, respectivamente).
Tabela 2: Média e desvio padrão da taxa de aprovação da 4ª para a 5ª série do ensino
fundamental do gasto com educação per capita dos Municípios nas Unidades da
Federação selecionadas (a preços de 2009 corrigidos pelo IPCA).
UF Taxa de aprovação da 4ª série Gasto com educação per capita
(a) 2007 (b) 2009 (b)-(a) (c) 2007 (d) 2009 (d)-(c)
AL 59,34 62,85 3,50 281,93 320,86 38,93
(9,59) (9,55)
(68,17) (73,46)
BA 62,65 64,75 2,09 291,05 306,63 15,57
(11,97) (11,28)
(94.22) (98.66)
CE 76,82 79,37 2,55 281,82 295,16 13,34
(8,99) (9,26)
(60,84) (55,57)
MA 73,68 76,84 3,15 266,87 319,03 52,16
(10,07) (9,10)
(79,41) (95,44)
PB 60,30 61,82 1,52 263,68 272,72 9,03
(12,44) (12,75)
(86,91) (84,76)
RN 53,47 53,03 -0,44 273,79 292,28 18,49
(14,35) (11,94)
(87,95) (91,24)
SE 54,34 52,76 -1,58 349,55 354,64 5,09
(13,68) (11,38)
(154,06) (125,74)
Fonte: INEP e STN. Elaborado pelos autores. Desvio padrão entre parênteses.
Outro ponto interessante é que os desvios padrão no Ceará são menores que nos
outros Estados. O que indicaria um comportamento mais homogêneo entre os
municípios cearenses no que tange a taxa média de aprovação.
Assim ao combinar o aumento das notas de proficiência na escala da Prova
Brasil com o aumento da taxa média de aprovação, pode-se, precipitadamente, dizer que
isto seja em decorrência da melhora de qualidade. No entanto, observe que a aprovação
por si só também pode ser em decorrência da interferência do gestor municipal sobre a
administração escolar (para, por exemplo, providenciar uma progressão continuada).
11
Então não é possível tirar maiores conclusões sem adicionar controles a esta análise – o
que será feito adiante por meio da estimação da equação [2].
Quanto ao gasto com educação per capita22
, observa-se que, todos os Estados
analisados aumentaram seus investimentos entre os anos analisados. E o Ceará não é o
Estado que mais investe, e tampouco foi o que mais avançou neste quesito. Todavia,
mais uma vez observa-se que é o que possui menor desvio padrão, indicando um
comportamento mais homogêneo entre seus Municípios do que nos Municípios dos
Estados usados como controles.
5. Análise e discussão dos resultados
A apresentação dos resultados adiante segue o protocolo exposto em Becker e
Ichino (2002) e Khandker, Koolwal e Samad (2010). Assim sendo, em primeiro lugar, a
Tabela 3 reporta a estimação do escore de propensão do Município pertencer ao Ceará,
dadas suas taxas de aprovação e gasto per capita com a função educação. Como de
praxe, o escore de propensão foi estimado para o ano anterior a implementação da Lei
(isto é, 2007), envolvendo 832 municípios dos grupos de tratamento e controle.
Com os resultados expostos na Tabela 3 para o escore de propensão, a hipótese
de balanceamento de Rosenbaum e Rubin (1983) é satisfeita ao considerar o suporte
comum selecionando o intervalo [0,2004; 0,6804]. Assim, 206 observações, todas do
grupo de controle, foram descartadas da amostra por não encontrarem par semelhante
no grupo de tratamento.
Tabela 3: Resultados da regressão Probit para a construção do escore de propensão, ano
de 2007.
Variável dependente: dummy para o Ceará.
Covariadas Parâmetro estimado Desvio Padrão Estatística z
Constante -4,9661 0,4336 -11,4519
Taxa de aprovação 0,0576 0,0052 10,9272
Gasto com educação per
capita 0,0012 0,0007 1,6486
Número de observações: 832 | Pseudo-R2: 0,2045
Fonte: Elaborado pelos autores.
A Tabela 4 contempla o resultado da estimação do modelo usando apenas as
unidades pareadas, apontando um Pseudo-R2 próximo de zero, o que reflete a boa
qualidade do pareamento.
Outro teste para a qualidade do pareamento é a inspeção visual da densidade
Kernel das probabilidades do Município pertencer ou não ao Ceará, antes e depois do
pareamento, como exposta adiante no Gráfico 2.
Tabela 4: Resultados da regressão Probit após o pareamento, ano de 2007.
Variável dependente: dummy para o Ceará.
Covariadas Parâmetro
estimado Desvio Padrão Estatística z
Constante -3,0788 1,1050 -2,7900
Taxa de aprovação 0,0031 0,0134 0,2360
22 Os valores monetários foram deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo como base o ano de 2009.
12
Gasto com educação per capita 0,0010 0,0010 0,9756
Número de observações: 626 | Pseudo-R2: 0,0188
Fonte: Elaborado pelos autores.
Note que depois do pareamento há uma sobreposição entre as densidades de
tratados e controles, o que também indica que o pareamento foi bem feito. Portanto,
assumindo-se que o pareamento foi bem feito, o próximo passo é estimar a equação [2]
usando os 626 municípios que estão sobre o suporte comum (considerando o painel para
os anos de 2007 e 2009).
Os resultados estimados são expostos na Tabela 5. Vale destacar que para
estimar a equação [2], optou-se por considerar de maneira desagregada os Estados do
grupo de controle por meio de variáveis binárias deslocadoras de intercepto, a fim de
comparar um a um com o Ceará.
Assim, note que as notas de proficiência de português e matemática dos
municípios alagoanos e maranhenses são em média inferiores aos cearenses (5,87 para
português e 3,85 para matemática em Alagoas, e 4,66 para português e 6,17 para
matemática no Maranhão). Por outro lado, os paraibanos, baianos e sergipanos não
apresentam diferenças estatisticamente significantes frente aos cearenses. Enquanto que
os municípios potiguares superam os cearenses.
Gráfico 2: Inspeção visual da qualidade do pareamento: densidade Kernel das
probabilidades de tratamento antes e depois do pareamento
Antes do pareamento Depois do pareamento
Fonte: Elaborado pelos autores.
Observe ainda que a taxa de aprovação não exerce impacto estatisticamente
significante sobre as proficiências de português e matemática. Por outro lado, e de
forma intrigante, há indícios de que maiores gastos com educação per capita estão
associados a menores notas médias de português e matemática. Entretanto, esta redução
é ínfima, e, por isso, não tende a comprometer a melhora no desempenho dos alunos
sobre as proficiências23
.
Mas afora as observações anteriores, e outras discussões que poderiam decorrer
delas, o que é realmente importante de se observar nos resultados expostos na Tabela 5
é o efeito do ATT (representado pela interação Tempo × Tratamento). A partir do qual
23 Isto também pode corroborar com a ideia de que os municípios podem melhorar seus indicadores
educacionais sem precisar aumentar seus gastos, bastando ao Estado alinhar adequadamente os incentivos
para tornar a gestão pública municipal mais eficiente.
13
pode-se inferir que a mudança da Lei do ICMS no Ceará impactou positivamente a
qualidade da educação.
O ATT estimado da Lei cearense sobre as notas é 5,6514 pontos da escala da
Prova Brasil em português, e de 3,7424 pontos em matemática. Ou seja, em decorrência
da mudança de cálculo das quotas-parte e da competição criada entre os Prefeitos, se
aceita a hipótese de que os Municípios cearenses aumentaram, em média, a nota de
português em 5,65 pontos em relação aos demais Municípios nordestinos, enquanto o
desempenho em matemática foi superior em 3,74 pontos.
Com base nestes resultados, se aceita a hipótese de que os agentes respondem a
incentivos, haja vista que a Lei alterou o mecanismo de transferência de recursos do
Tesouro do Estado para os Municípios. Em outras palavras, se aceita a hipótese de que
os gestores municipais tendem a induzir os diretores e professores municipais a agirem
de forma mais eficiente no sentido de melhorarem o nível educacional e, por
conseguinte, aumentar o desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental.
Tabela 5: Modelo estimado pela equação [2] com Desvio padrão robusto
Covariadas Variável dependente
Nota de Português Nota de Matemática
Constante 215,0881 221,6297
(2,6382) (2,5452)
Tempo × Tratamento (ATT) 5,6514 3,7424
(1,4439) (1,5295)
Tempo 9,4430 1,5687
(0,6935) (0,6639)
Dummy Alagoas -5,8775 -3,8533
(1,3615) (1,3147)
Dummy Bahia 1,0062 1,8012
(1,2386) (1,1923)
Dummy Maranhão -4,6651 -6,1745
(1,2841) (1,2431)
Dummy Paraíba 0,1234 1,4638
(1,4134) (1,3214)
Dummy Rio Grande do Norte 3,2140 4,7573
(1,6241) (1,6161)
Dummy Sergipe 2,2018 6,3683
(2,0473) (1,9223)
Gasto com educação per capita -0,0080 -0,0061
(0,0035) (0,0032)
Taxa de aprovação -0,0098 0,0434
(0,0301) (0,0301)
Número de observações: 1.252 R2: 0,1889 R
2: 0,0835
Fonte: Elaborado pelos autores. Erro padrão entre parênteses.
Vale ressaltar que esta política de incentivo não necessita de aumento do
montante de recursos a serem transferidos para os gestores municipais, uma vez que
estes recursos já são destinados aos Municípios segundo a Constituição Federal de
1988.
Além do mais, ao comparar a magnitude do impacto obtido pelo incentivo aos
Prefeitos (via aumento de receita da quota-parte do ICMS) em relação aos programas
14
que incentivam as escolas (ou com foco no aluno), verifica-se que o impacto do
incentivo ao gestor é superior (em média).
Por exemplo, segundo Vasconcellos, Biondi e Menezes-Filho (2009), o impacto
do programa Escrevendo o Futuro no desempenho das escolas públicas na Prova Brasil,
projeto ligado as Olímpiadas Brasileiras de Português24
, é de 1 a 2 pontos na média de
português das escolas submetidas ao projeto (menor do que o impacto descrito na
Tabela 5 – que é de 5,65 pontos).
Noutro estudo, sobre os impactos das ações da Olimpíada Brasileira de
Matemática das Escolas Públicas (OBMEP25
) sobre a proficiência dos alunos, Biondi,
Vasconcellos e Menezes-Filho (2009) estimam que, se a escola se submete as ações da
OBMEP, a média dos seus alunos na nota de matemática da Prova Brasil aumenta de 2
a 3 pontos (o que também é menor que o impacto descrito na Tabela 5 – que é de 3,75
pontos).
Diante destas evidências, se aceita a hipótese de que o efeito repercussão da
política de incentivo aos Prefeitos é maior do que o das políticas focadas na escola ou
nos alunos. Ou seja, programas desenhados para incentivar as escolas públicas tende a
gerar menores impactos do que o incentivo aos Prefeitos. Portanto, o alinhamento do
incentivo deve ser no gestor público (Prefeito) em detrimento ao aluno ou a escola.
De uma maneira geral, as evidências empíricas indicam que o uso de incentivos
via rateio da quota-parte do ICMS podem elevar a qualidade da educação na rede
municipal de ensino.
Como o mecanismo de incentivo desenhado pela mudança na Lei de repartição
do ICMS envolve mudanças de quota-parte ( e expectativa de benefícios sociais ( ),
um exercício para se refletir sobre a expectativa de benefícios sociais, com base no ATT
estimado, é fazer . Onde seria um valor monetário do ganho de um ponto na
escala SAEB e é o número de alunos na rede de ensino do Município (o total de
beneficiados). A mudança na Lei terá sido “Pareto superior” se para todo . Para concluir esta seção, a seguir se procura fazer um exercício de
custo/benefício da mudança da Lei a fim de instigar a reflexão sobre o potencial
impacto social desta mudança. Para tanto, observa-se que segundo Barbosa et al.
(2007), o Município cearense que sofreu a maior mudança de quota-parte foi a capital,
Fortaleza. Usando os números deste trabalho, é possível pensar para este caso algo
como um , negativo, de R$ 25 milhões ao mês (valores de 2009).
Curi e Menezes-Filho (2007) avaliam que o desempenho nas avaliações
educacionais (que usam a escala SAEB) impacta os salários futuros com elasticidade
estimada de 0,3. Dessa forma, ao se tomar um salário mínimo para 2009 no valor de R$
465,00 um valor possível de se usar neste exercício que discute a questão de Pareto
superior seria R$ 120,00. Ou seja, um suposto aluno médio da rede pública de
Fortaleza, na 5ª série, ganhará a mais R$ 120,00 ao mês por ter sido mais bem
qualificado na escola.
Como havia aproximadamente 35 mil alunos matriculados na 5ª série do nível
fundamental da rede de Fortaleza, e considerando pelas estimativas do ATT, o
24 A Olimpíada de Língua Portuguesa e o programa Escrevendo o Futuro são realizados pelo Ministério
da Educação e pela Fundação Itaú Social. O programa Escrevendo o Futuro é uma ação complementar de
formação de professores, com o objetivo de contribuir para ampliação do conhecimento e aprimoramento
do ensino da escrita. 25
A OBMEP é promovida desde 2005 pelo Governo Federal em parceria com o IMPA (Instituto de
Matemática Pura e Aplicada). E tem como objetivo incentivar o estudo de matemática e contribuir para a
melhoria da qualidade da educação básica.
15
benefício social estimado para quando estes alunos começassem a trabalhar seria da
ordem de R$ 16,8 milhões ao mês (durante todo um ciclo de vida produtivo,
considerando 30 anos).
Ilustrativamente, apenas a título de exercício para instigar a reflexão, ao se
calcular a Taxa Interna de Retorno (TIR) de um fluxo de caixa que gera saídas de R$ 25
milhões no primeiro ano, mas que gera um fluxo de benefícios sociais mensais de R$
16,8 milhões ao longo de 30 anos, obtêm-se um valor perto de 9% ao mês26
. Ou seja,
neste cenário, é como se a Prefeitura Fortaleza tivesse perdido orçamento em um ano
por conta da Lei, mas a mesma Lei gerou fluxo de benefícios sociais que remunera a
sociedade a uma taxa superior a muitos outros investimentos que poderiam ter sido
feitos.
Logo, a mudança na Lei parece ter sido um bom investimento mesmo para o
Município que mais perdeu orçamento. E, então, parece ter gerado uma situação Pareto
superior para toda a sociedade cearense.
6. Considerações finais
A Constituição Federal de 1988, por meio do dispositivo que regulamenta os
repasses do ICMS aos Municípios, permitiu aos Estados legislar sobre parte do rateio
deste tributo. Diante desta possibilidade, em 2007 o Estado do Ceará modificou sua Lei
de repasse guiado pela lógica de Gestão por Resultados.
Para isto, elegeu indicadores de resultados em saúde (taxa de mortalidade
infantil), educação (taxa de aprovação de primeira a quinta série e a média das notas dos
estudantes da quinta série em exames padronizados de português e matemática) e meio
ambiente como determinantes da quota-parte municipal do ICMS.
Claramente se privilegiou os indicadores educacionais. Uma vez que dos 25%
do montante que se deve distribuir aos Municípios por meio de legislação estadual, 18%
dos recursos são distribuídos com base nos indicadores de educação, 5% aos de saúde e
2% pelo de meio ambiente.
A partir destes percentuais, se propôs analisar se a modificação na Lei foi capaz
de satisfazer a premissa econômica de que Prefeitos respondem a incentivos (e
punições). Mais ainda, foi analisado se o mecanismo de incentivo aos gestores públicos,
com maior poder de ação, pode ser mais eficaz que mecanismos de incentivo a agentes
privados para melhorar a qualidade da educação.
Para aferir tais resultados, utilizou-se um modelo econométrico de diferenças em
diferenças com pareamento, considerando os anos de 2007 e 2009, antes e depois da
vigência da Lei. O grupo de tratamento foi composto pelos Municípios cearenses,
enquanto que o grupo de controle foi formado pelos demais Municípios nordestinos,
com exceção dos pernambucanos e piauienses por possuírem Lei semelhante a cearense.
Os resultados apontam que, primeiramente, a premissa de que os gestores
respondem a incentivos é satisfeita. Além disso, também apontam que para melhorar a
proficiência dos alunos o alinhamento de incentivos deve focar no gestor público, isto é,
no Prefeito, em detrimento ao aluno ou a escola.
Isto possivelmente se deve ao fato de que incentivos aos alunos mobilizam
apenas um agente econômico, o próprio aluno. Por outro lado, o incentivo ao gestor
público possibilita a mobilização de uma gama de outros agentes: diretores, professores,
26 A hipótese do exercício é que para cada ano de perda de quota-parte está se aumentando em 30 anos o
benefício social. É uma hipótese forte, mas semelhante ao que é feito em trabalhos similares como
Vasconcellos, Biondi e Menezes-Filho (2009) e Biondi, Vasconcellos e Menezes-Filho (2009).
16
alunos, secretários etc., haja vista o maior número de instrumentos que o Prefeito
possui.
A partir destas evidências, conclui-se que as políticas de incentivo que usam a
redistribuição do ICMS podem gerar uma situação Pareto superior para a sociedade em
termos de qualidade da educação fundamental. Desde que os incentivos sejam
corretamente alinhados pela legislação.
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ANEXO – Protocolo de Pareamento
O viés discutido neste artigo pode ser mitigado, de forma a se computar a
diferença de médias condicionais entre os grupos de tratamento e controle como ATT,
se as seguintes condições forem satisfeitas:
(a) Y0 é independente a T | X. Isto é, se pode identificar as unidades tratadas
e não tratadas por suas características X, independentemente dos resultados e impactos;
e,
(b) . Isto é, existem unidades tratadas e não tratadas
com mesmas características.
A literatura já apontou como proceder à avaliação de forma a mitigar o viés e
testar as hipóteses acima. Tal técnica consiste no chamado “pareamento no escore de
propensão”, cujo protocolo de ação é dado por:
i) Estima-se por um modelo econométrico padrão, via de regra,
um Probit para um período inicial dos tratamentos;
ii) Testa-se o chamado balance score, isto é, procede-se um teste estatístico para
verificar a hipótese de que existem suficientes unidades tratadas e não tratadas com as
mesmas características X – a hipótese “b” posta acima. Se a hipótese for aceita, segue-
se para o próximo passo. Caso contrário, escolhe-se um vetor X mais apropriado e
retorna-se ao Passo 1;
iii) Define-se um suporte comum para unidades tratadas e não tratadas, isto é,
uma região , de tal forma a excluir-se da amostra as unidades não
conectadas ao suporte comum;
iv) Repete-se o modelo Probit do Passo 1 com as unidades conectadas ao
suporte comum. Se o poder de explicação dessa regressão (Pseudo-R2) for nulo equivale
a aceitar a hipótese “a” posta acima, então se segue para o próximo passo. Caso
contrário, escolhe-se um vetor X mais apropriado e retorna-se ao Passo 1; e,
v) Com as unidades conectadas ao suporte comum, pode-se estimar o ATT por
meio de um modelo econométrico padrão adequadamente especificado (mínimos
quadrados ordinários, diferenças em diferenças etc.).