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A Raríssima Uruçu-de-Chão (Melipona quinquefasciata) Muita gente não sabe, mas entre as abelhas sem ferrão há uma espécie muito bonita que nidifica no chão. A uruçu-do-chão ou mandaçaia-do-chão (melipona quinquefasciata lepeletier) é uma abelha sem ferrão, nativa do Brasil, que se caracteriza por nidificar no solo. Raríssima, vem a cada dia sucumbindo devido a diversos fatores, principalmente pelo desmatamento indiscriminado, do uso abusivo de produtos químicos na agricultura e avanço do homem em regiões de mata virgem. Seu nome (quinquefasciata) vem exatamente da presença das 5 listras presentes no seu abdomem. Essa é uma abelha que tem a coloração bastante peculiar, a pigmentação das listras nos confunde muito, é a chamada furta-cor, pois não dá pra definir com certeza qual é realmente sua cor, é verde ou amarelo? Muitos pesquisadores acreditavam que essa abelha só era encontrada naturalmente apenas nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Todavia, pesquisas recentes mostraram a ocorrência da uruçu-de-chão no Estado do Ceará, sendo este o primeiro registro dessa espécie para o Nordeste do Brasil (LIMA-VERDE & FREITAS, 2002). As novas descorbertas tem estimulado muitos meliponicultores a estudarem uma forma de mantê-las em caixas de madeira (sob o solo ou bem próximo a ele), tendo em vista a dependência dessa abelha com o solo. Isso se deve ao fato que esse inseto é extremamente sensível a variações de temperatura, necessitando muito de proteção. Há relatos da captura da Uruçu-de-chão a mais de 3 metros de profundidade. O meliponicultor Dr. Francisco das Chagas vem conseguindo, após muitos esforços, manejar essa espécie com certo sucesso em caixas de madeira com algumas adaptações importantes. Uma delas é a criação de um tubo de entrada bem longo, na casa dos 70 cm, pois foi percebido por ele a grande fragilidade que essa abelha tem ao ser atacada por forídeos. Hoje tenho apenas um exemplar dessa raríssima abelha que me foi dada de presente do meu Prezado amigo Chagas. Pensei que fosse perdê-la assim que chegaram, pois inventei de colocar a caixa próxima das uruçus amarelas o que gerou muita briga. Mas após perceber a besteira que tinha feito isolei o enxame em local protegido e venho observando uma ótima recuperação. Pela manhã sempre chegam bem carregadas de muito pólen, fato esse que me traz muita expectativa por um futuro promissor dessa espécie. Ainda é muito cedo pra falar mas acho que conseguirei mantê-las aqui com algum esforço.

Melipona Quinquefasciata Uruçu de Chão

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Descrição da espécie Melipona quinquefasciata.Hábitos, criação e preservação.

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Page 1: Melipona Quinquefasciata Uruçu de Chão

A Raríssima Uruçu-de-Chão (Melipona quinquefasciata)

Muita gente não sabe, mas entre as abelhas sem ferrão há uma espécie muito bonita que nidifica no

chão. A uruçu-do-chão ou mandaçaia-do-chão (melipona quinquefasciata lepeletier) é uma abelha sem

ferrão, nativa do Brasil, que se caracteriza por nidificar no solo.

Raríssima, vem a cada dia sucumbindo devido a diversos fatores, principalmente pelo desmatamento

indiscriminado, do uso abusivo de produtos químicos na agricultura e avanço do homem em regiões de

mata virgem. Seu nome (quinquefasciata) vem exatamente da presença das 5 listras presentes no seu

abdomem. Essa é uma abelha que tem a coloração bastante peculiar, a pigmentação das listras nos

confunde muito, é a chamada furta-cor, pois não dá pra definir com certeza qual é realmente sua cor, é

verde ou amarelo?

Muitos pesquisadores acreditavam que essa abelha só era encontrada naturalmente apenas nas regiões

Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Todavia, pesquisas recentes mostraram a ocorrência da uruçu-de-chão no

Estado do Ceará, sendo este o primeiro registro dessa espécie para o Nordeste do Brasil (LIMA-VERDE &

FREITAS, 2002).

As novas descorbertas tem estimulado muitos meliponicultores a estudarem uma forma de mantê-las

em caixas de madeira (sob o solo ou bem próximo a ele), tendo em vista a dependência dessa abelha

com o solo. Isso se deve ao fato que esse inseto é extremamente sensível a variações de temperatura,

necessitando muito de proteção. Há relatos da captura da Uruçu-de-chão a mais de 3 metros de

profundidade.

O meliponicultor Dr. Francisco das Chagas vem conseguindo, após muitos esforços, manejar essa

espécie com certo sucesso em caixas de madeira com algumas adaptações importantes. Uma delas é a

criação de um tubo de entrada bem longo, na casa dos 70 cm, pois foi percebido por ele a grande

fragilidade que essa abelha tem ao ser atacada por forídeos.

Hoje tenho apenas um exemplar dessa raríssima abelha que me foi dada de presente do meu Prezado

amigo Chagas. Pensei que fosse perdê-la assim que chegaram, pois inventei de colocar a caixa próxima

das uruçus amarelas o que gerou muita briga. Mas após perceber a besteira que tinha feito isolei o

enxame em local protegido e venho observando uma ótima recuperação. Pela manhã sempre chegam

bem carregadas de muito pólen, fato esse que me traz muita expectativa por um futuro promissor dessa

espécie. Ainda é muito cedo pra falar mas acho que conseguirei mantê-las aqui com algum esforço.

Page 2: Melipona Quinquefasciata Uruçu de Chão

Comentário:

Eu tenho uma abelha dessa em meu meliponario em Brumadinho - MG. Mas peguei essa raríssima e

linda espécie na natuteza, sua casa estava a 3 metros de profundide! A sua colmeia foi retirada intacta

sem ser necessário a retirada do mel, para passar para a caixa racional. Obs: a caixa foi inventada por

mim, sendo 2 caixas, uma menor do que a outra 20cm enchendo de terra o espaço que sobrou para

não ter uma queda brusca de tempetatura.

A uruçu-do-chão (Melipona quinquefasciata) no Nordeste:

extrativismo de mel e esforços

para a preservação da espécie

INTRODUÇÃO

A uruçu-do-chão ou mandaçaia-do-chão (Melipona quinquefasciata Lepeletier) é uma abelha sem

ferrão, nativa do Brasil, que se caracteriza por nidificar no solo. Até o final do último século,

acreditava-se que essa espécie de meliponíneo ocorresse naturalmente apenas nas regiões Sudeste, Sul

e Centro-Oeste (do sul do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul, incluindo áreas de Minas Gerais, Goiás,

Mato Grosso, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul) além de regiões da Bolívia, Paraguai e Argentina

(KERR, 1948; MOURE, 1948, 1975; VIANA & MELO, 1987; SILVEIRA et al., 2002). Em 2000, no entanto, foi

constatada sua ocorrência nos limites sul e oeste do Estado do Ceará, sendo este o primeiro registro

dessa espécie para o Nordeste do Brasil (LIMA-VERDE & FREITAS, 2002). A constatação da ocorrência da

espécie em encraves vegetacionais remanescentes do desmonte do grande planalto central

semelhantes ao cerrado atual, possibilitou que LIMA-VERDE & FREITAS (2002) especulassem sobre a

existência dessas mesmas populações nos Estados vizinhos do Piauí e Pernambuco, cujas divisões

políticas assentam-se em idênticas compartimentações topográficas (planalto da Ibiapaba e chapada do

Araripe) e formações vegetacionais (cerrado, cerradão e carrasco). Mais recentemente essa espécie

também foi encontrada na chapada Diamantina, Bahia (Dra. Marina Castro, comunicação pessoal) e nos

municípios de Pedro II e Campo do Buriti (coletas realizadas pelo Dr. Francisco das Chagas R. Filho), no

Estado do Piauí, e Exu, no Estado de Pernambuco (Ribeiro & Silva, dados não publicados).

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Apesar de se haver documentado a presença de M. quinquefasciata na região Nordeste somente agora,

essa abelha já era conhecida e explorada pelas comunidades locais desde a época colonial. No entanto,

o crescimento populacional humano recente, acompanhado de desmatamentos indiscriminados, do uso

abusivo de produtos químicos na agricultura e da valorização de produtos naturais, têm imposto uma

grande pressão nas áreas onde as populações remanescentes de M. quinquefasciata sobrevivem. A

venda de mel por meleiros sempre existiu nas localidades próximas de suas áreas de ocorrência e nas

feiras das cidades próximas, já que o mel desta abelha é muito saboroso e muito apreciado. Porém, os

meleiros, ao escavarem o solo para retirarem o mel, provocam a destruição dos ninhos e contribuem

para o desaparecimento da espécie. No Nordeste, essa prática pode, em parte, ser atribuída à falta de

informação de que a uruçu-do-chão pode ser criada em caixas de madeira mantidas sob o solo

(NOGUEIRA-NETO, 1997) ou talvez em colméias no nível da superfície do solo, como proposto por

FREITAS et al. (2002). Por outro lado, nos estados sulinos, o desestímulo ao criatório de M.

quinquefasciata dá-se pela necessidade de temperatura relativamente alta e estável no ninho durante

todo o ano e, principalmente, pelo hábito da espécie nidificar subterraneamente, o que dificulta a

captura de colônias. NOGUEIRA-NETO (1997) descreve a sua primeira captura de uma

mandaçaia-do-chão, em Luziânia, Goiás, caracterizando-a como um trabalho perigoso e demorado

devido ao risco de desmoronamento de terra e ao prolongamento por três dias, com cinco homens

escavando o solo, para encontrar um ninho a aproximadamente 3 metros de profundidade.

No presente relato, procuramos documentar o trabalho dos meleiros na extração de colônias de

uruçu-do-chão, semelhante ao esforço necessário para meliponicultores capturarem ninhos silvestres.

Também apresentamos nossas investigações no sentido de estudar essa espécie visando o seu criatório

racional.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Visando estudar o trabalho dos meleiros no extrativismo de mel da uruçu-do-chão documentamos, por

meio de anotações e fotografias, a escavação de um ninho dessa abelha localizado no distrito de Juá,

município de Viçosa do Ceará, Estado do Ceará. Essa localidade situa-se nas proximidades da divisa do

Ceará com o Piauí, no planalto da Ibiapaba a aproximadamente 685 metros de altitude e coordenadas

próximas a 3º33'44'"S e 41º05'32'"L. O solo do local é muito profundo, com o horizonte C composto de

areia avermelhada e muitas pedras, e o horizonte A caracterizado como Areia Quartzoza Distrófica

(IPLANCE, 1993). A precipitação média anual é de 1.350 mm, com temperatura média anual variando

entre 22ºC a 24ºC e vegetação predominante caracterizada como Savana Estépica Arborizada (Carrasco)

(VELOSO et al., 1991).

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ESCAVAÇÃO DO NINHO

Em entrevistas com meleiros e criadores de abelhas do município de Viçosa do Ceará constatamos que a

urucu-do-chão pode nidificar a profundidades que variam de 40 cm a 4,80 m. A profundidade do ninho e

o seu volume dependem das características do cupinzeiro ou formigueiro abandonado ou, ainda, da

falha geológica natural que as abelhas encontrarem. A sabedoria popular acredita que, quando tem

abeia careca (operária sem pêlos), o buraco é fundo. Em outras palavras, isto quer dizer que, quanto

mais fundo o ninho, mais elas têm que caminhar pela galeria raspando-se e perdendo os pêlos de seu

tórax. Esta crença não condiz necessariamente com a realidade, haja vista que normalmente as abelhas

perdem os pêlos à medida que envelhecem.

A escavação é iniciada com a introdução de um cipó ou graveto fino na entrada do ninho (figura 1) para

servir de guia durante a remoção do solo, que é feita sempre ao lado do túnel de acesso das abelhas,

seguindo o cipó (figura 2). Este trabalho requer grande atenção porque o túnel que leva ao ninho possui

muitas curvas (figura 3) e, quando menos esperamos, a escavação pode estar por cima da galeria que

aloja o ninho. Isso faz com que o trabalho seja demorado, podendo levar horas removendo terra,

cascalho e pedras (figura 4), principalmente se o ninho estiver muito profundo. Em um dos casos que

acompanhamos, o trabalho começou às 7:00h e o ninho só foi encontrado às 16:00h, pois estava a

quase 4 m de profundidade. Nesse intervalo de tempo, a escavação parou por apenas uma hora para o

almoço, quando o buraco estava com aproximadamente 1,3 m de profundidade, e sobre uma laje de

pedra com quase 40 cm de espessura, a qual foi quebrada com uma marreta e uma cunha para permitir

sua remoção e a continuidade do trabalho (figura 5).

Ao encontrar o ninho (figura 6), o procedimento dos meleiros é retira-lo com todo o cuidado (figura 7)

para em seguida separar os potes de mel (figura 8) e colocá-los em uma vasilha para o consumo, ou para

uma oportuna venda do mel envasado. Há uma superstição entre os meleiros em que ao acharem uma

rainha devem comê-la viva, pois isso torna a pessoa um eterno achador de abeia. Porém, em nosso

trabalho, não permitimos o consumo de nenhuma rainha.

Na etapa final da coleta do ninho, toda atenção é pouca, pois é preciso chegar ao ninho de forma a

evitar que caia terra por entre os favo de cria (figura 9) e os potes de mel. O meleiro sabe da

proximidade do ninho quando escuta o barulho mais intenso das abelhas. No nosso caso, a preocupação

era capturar e acomodar a colônia em caixa de madeira na superfície do solo (figura 10). Para isto,

tomamos o ninho e promovemos a retirada de areia dos potes de alimento e dos favos de cria os quais

foram dispostos convenientemente dentro da caixa. Em seguida fixamos em torno do orifício de entrada

da caixa um pouco de cera de seus potes, tornando-a mais atrativa para as operárias. Logo que a grande

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maioria das abelhas estava no interior da colméia, providenciamos o lacre e os preparativos para o

transporte ao local definitivo. Finalizamos, então, fechando o buraco feito no solo, para se evitar

acidentes com pessoas ou animais.

Durante o processo promovemos a demonstração aos nativos dos passos a serem seguidos para que os

mesmos assim o fizessem daquele momento em diante, trocando o simples extrativismo pela tentativa

de criação e preservação dos ninhos, já que a retirada de mel como é feita irremediavelmente leva à

destruição das colônias.

Três ninhos de M. quinquefasciata foram escavados e acondicionados em caixas de madeira. Estas

caixas foram colocadas em local sombreado acima do nível do solo, sendo mantidas na cidade cearense

de Sobral, a uma altitude aproximada de 69 metros, com temperatura média anual variando entre 26ºC

e 28ºC, precipitação pluviométrica média anual de 821,6 mm (www.ipece.ce.gov.br) e vegetação de

Savana-estépica Arborizada (VELOSO et al., 1991). Diariamente fornecíamos alimentação artificial e,

após seis meses, duas destas colônias foram divididas, formando outras duas novas colônias. Neste

processo, procedemos à divisão dos favos de crias, colocando na nova colméia aqueles com crias

próximas a emergirem, juntamente com provisões de alimento. A colméia com rainha fecundada

permaneceu com cria nova e alimento. Após isto, as colônias foram entregues a um criador local para

que o mesmo cuidasse das colônias.

No entanto, apesar de sobreviverem por algum tempo, as novas colônias nunca se fortaleceram e após

cinco meses definharam até sucumbirem totalmente. Neste mesmo período, as três colônias iniciais

também pereceram; a primeira devido a um ataque de uma aranha caranguejeira que se instalou em

uma parte da caixa sem acesso para o tratador e passou sistematicamente a consumir as abelhas, a

segunda foi invadida por operárias de uma colônia de jandaíra (M. subnitida) que se apoderaram do

ninho após eliminarem as M. quinquefasciata, e a terceira definhou lentamente.

Outras tentativas para manter estas abelhas por mais tempo vêm sendo realizadas no Laboratório de

Abelhas da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Foram capturados ninhos em Araripe,

Guaraciaba do Norte e Santana do Cariri (Ceará). Alguns ninhos foram divididos e apenas uma parte foi

levada ao laboratório. Os resultados foram semelhantes, isto é, as colônias mantém-se estáveis por

alguns meses antes de serem dizimadas por ataques inesperados de formigas (apesar de todos os

esforços para evitar tais ataques), ou por outras razões ainda desconhecidas.

Por outro lado, o Dr. Paulo Nogueira-Neto (info. pessoal a M. Ribeiro) tem conseguido manter com

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sucesso várias colméias desta espécie em Luziânia, Goiás. As colméias são acondicionadas dentro de

abrigos contendo serragem ou serragem e areia, o que ajuda a manter estável a temperatura e imita as

condições naturais de nidificação destas abelhas. Esta técnica tem sido utilizada também por nós,

embora com sucesso muito reduzido. Outros fatores, como a deficiência de recursos alimentares

(apesar da alimentação artificial com pólen fresco e mel diluído), e os inimigos constantes, devem estar

dificultando em muito a manutenção adequada destas abelhas em laboratório.

Estes dados preliminares mostram que há uma grande possibilidade de se manter esta espécie em

colméias acima do nível da superfície do solo. Porém, também ressaltam a necessidade de desenvolver

manejos que possibilitem a sobrevivência desta espécie em colméias nestas condições, especialmente

no que diz respeito a sua proteção contra predadores, uma vez que seus sistemas naturais de defesa,

desenvolvidos para a vida subterrânea, não se têm mostrado eficiente sobre o solo.

CONCLUSÕES

O trabalho de extração do mel de M. quinquefasciata por meleiros caracteriza-se por ser árduo (usam as

mãos para raspar a piçarra e arrancar pedras), cansativo e arriscado (trabalham dentro de um buraco

quente e profundo, de 1m de diâmetro, durante 10 a 12h), nem sempre bem sucedido (podem trabalhar

o dia todo e não ter sucesso em localizar o ninho ou obter quantidade satisfatória de mel), perspicaz (há

de se ter experiência para não perder o conduto que leva ao ninho) e destrutivo (só retiram uma única

vez o mel de um enxame e o destroem, impossibilitando a produção continuada de mel). Assim sendo, o

desenvolvimento de técnicas de criatório racional desta abelha pode contribuir para a melhoria da

qualidade de vida das pessoas que exploram seus produtos, bem como contribuir para a conservação da

espécie em seu habitat natural.

Figura 1: A discreta entrada do ninho de uruçu do chão (Melipona quinquefasciata) na superfície do

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solo.

Figura 2: Escavação do ninho de uruçu do chão (Melipona quinquefasciata) sendo iniciada após introdução de um cipó no túnel de entrada.

Figura 3: Galeria subterrânea utilizada pelas abelhas uruçu do chão ligando seu ninho a superfície do solo.

Figura 4: Retirada de pedras e areia torna a obtenção de um enxame de uruçu do chão (Melipona quinquefasciata) muito difícil.

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Figura 5: Escavação torna-se cada vez mais profunda, encontrando pedras que necessitam ser quebradas.

Figura 6: Após a quebra de lajes de pedra, o ninho de Melipona quinquefasciata é encontrado.

Figura 7: Ninho de uruçu do chão (Melípona quinquefasciata) sendo retirado com todo o cuidado.

Figura 8: Separação dos potes de alimento e da cria para acondicionamento do enxame em caixa

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racional.

Figura 9: Favo de cria de Melipona quinquefasciata a ser alojado em caixa de madeira.

Figura 10: Colméia do tipo cortiço com enxame de urucu-do-chão nidificado esperando a entrada do restante das operárias que estavam voando.

MANEJO DE URUÇU DO CHÃO (Melipona quinquefasciata) NO INTERIOR DO CEARÁ E PERNAMBUCO

INTRODUÇÃO

A Melipona quinquefasciata, a uruçu do chão ou mandaçaia do chão ocorre nos estados do Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul (NOGUEIRA-NETO, 1970; SILVEIRA et al., 2002). No Nordeste brasileiro há registros desta

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espécie no Ceará (nas chapadas de Ibiapina e Araripe), Piauí, Pernambuco e Bahia (LIMA-VERDE & FREITAS, 2002; CASTRO, 2005a; PEREIRA, 2006; ALVES, et al., 2006; informação não publicada). Seu mel é muito apreciado e ela tem sido mencionada como uma abelha rara.

UMA ABELHA EM EXTINÇÃO?

As abelhas sem ferrão têm sofrido muito pela destruição das matas e outros ecossistemas, pois isso ocasiona o desaparecimento de seus locais para nidificação (principalmente ocos de árvores), e de suas fontes de alimento. Além disso, o uso excessivo de defensivos agrícolas também tem contribuído para a extinção de espécies em muitos locais, uma vez que estes produtos são letais para elas. Nas espécies que nidificam subterraneamente, soma-se a destruição do solo pela aragem e preparação para ocupação agrícola e atividade pecuária. Finalmente, as abelhas sofrem com a intensa extração do mel por meleiros (KERR et al., 2001; LIMA-VERDE & FREITAS, 2002; CASTRO, 2005b; ALVES et al., 2006). Neste processo os ninhos são abandonados depois do mel ter sido colhido e acabam sofrendo ataques de formigas ou outros animais.

Especificamente quanto à M. quinquefasciata, na região Nordeste, os meleiros têm sido os principais responsáveis pelo desaparecimento da espécie (ALVES et al., 2006). Seu mel, extremamente saboroso, denso e pouco ácido, é muito apreciado e pode alcançar o preço de R$20,00 a R$30,00 o litro. Recentemente uma lista de espécies de abelhas ameaçadas de extinção incluiu 18 espécies com algum risco no estado do Paraná, e M. quinquefasciata aparece como "criticamente em perigo" (SCHWARTZ-FILHO et al., 2004). KERR et al. (2001) também cita que, de modo geral, "as Melipona são as abelhas mais próximas da extinção". Entre as espécies de abelhas silvestres que são mais susceptíveis à extinção estão aquelas que são altamente endêmicas, ou seja, que ocorrem apenas naquele local, e que possuem distribuição geográfica restrita. No caso do Paraná, M. quinquefasciata ocorre no cerrado, um ecossistema extremamente ameaçado (SCHWARTZ-FILHO et al., 2004). No Nordeste, esta abelha está restrita a campo cerrado, cerradão e carrasco, em planaltos de altitude e chapadas, em altitudes que variam de 600 a 900m (LIMA-VERDE & FREITAS, 2002). Na verdade, esta abelha tem sido mencionada como cada vez mais rara nas regiões onde há alguns anos atrás era muito freqüente (CASTRO, 2005a; informação não publicada).

NIDIFICAÇÃO E DIFICULDADES NA CRIAÇÃO RACIONAL

Ela é uma abelha que nidifica no solo, em cavidades pré-existentes (de cupins ou formigas, principalmente), localizadas a vários metros de profundidade. Nos ninhos que escavamos no Ceará esta profundidade variou de 0,40-4,80 m (ALVES et al., 2006). O solo pode ser argiloso ou pedregoso, coberto por gravetos ou folhagem, ou totalmente nu. Externamente visualiza-se apenas uma torre de barro, que pode variar de 0,3-4,8 cm de altura e diâmetro de 0,9-2,6 cm. Entretanto, se o ninho se encontrar em lugar de passagem de outros animais, ou pela ação humana (queimadas, aragem do solo), esta torre pode ser constantemente destruída (fig. 1). Encontramos grande variabilidade na forma e altura da torre de entrada dos ninhos. A figura 1 mostra parte desta diversidade. Há torres maiores e menores, e com ou sem raias, típicas do gênero Melipona. Esta variabilidade poderia ser devida à idade da torre. Assim, torres recém construídas (seja pela recente fundação do ninho, ou pela destruição da torre anterior por ação de um predador), seriam menores e sem raias; outras mais velhas, seriam mais altas e possuiriam

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raias. Mas não foi isso o que observamos. Outra possibilidade poderia ser a textura do solo em que o ninho está alojado, que permitira ou não a formação das raias. Mas apenas experimentos poderiam comprovar ou não esta hipótese.

Figura 1 - Exemplos de entradas de ninhos de M. quinquefasciata,

mostrando sua variabilidade em termos de tamanho (a e c),

coloração e presença de raias (a,b e d),

além do tipo de solo (a, b e d)

em que os ninhos estão localizados.

Criar racionalmente abelhas que nidificam no solo não é tarefa fácil. Há poucos relatos sobre a criação tradicional destas abelhas no interior do Ceará e Pernambuco, regiões onde desenvolvemos nosso trabalho. A maioria das pessoas consultadas sobre a criação se refere a tios ou avôs que criavam estas abelhas antigamente, em potes de barro. Mas este conhecimento se perdeu, pois atualmente pouquíssimas pessoas tentam criá-las ou conhecem as técnicas de manejo utilizadas anteriormente.

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Experimentalmente, algumas tentativas têm sido feitas para a manutenção dos ninhos em abrigos no solo (NOGUEIRA-NETO, 1997), ou em caixas racionais mantidas ao nível do solo (FREITAS et al., 2002). No Laboratório de Abelhas da Universidade Federal do Ceará (UFC), mantivemos colméias de M. quinquefasciata dentro de outras caixas, contendo areia ou serragem (fig. 2) (segundo o método de Nogueira-Neto, adaptado a partir do modelo descrito por NOGUEIRA-NETO, 1970 e Nogueira-Neto, info. pessoal). Entretanto, embora o Dr. Paulo Nogueira-Neto tenha tido sucesso em Luiziânia (GO), os ninhos mantidos em Fortaleza (CE) sobreviveram relativamente pouco tempo (1 ou 2 anos).

Figura 2. Colméias de M. quinquefasciata mantida

dentro de outras caixas com serragem (a) ou areia (b)

no Laboratório de Abelhas da UFC, em Fortaleza.

Outra experiência que tem sido relativamente bem sucedida é a do sr. Francisco Chagas, em Igarassu (PE), que cria um ninho alojado em caixa dupla, com espessura final de 3,2 cm. Porém, as mesmas técnicas nem sempre são adequadas para todos os locais, o que nos leva a pensar que detalhes relativos ao seu manejo ainda precisam ser aprimorados e adaptados. Certamente a temperatura deve ser mantida com pouca variação, uma vez que abaixo de 20 cm da superfície do solo, há muito pouca variação da mesma. E por isso, areia, solo, ou madeira reforçada devem ser importantes para manter estável a temperatura do ninho. Outro fator importante deve ser a umidade relativa. Em ninhos naturais deve haver algum sistema de drenagem, e isto ainda não foi imitado nas caixas racionais, exceto pelo modelo de abrigo sugerido por PANIGASSI (2000), mas que ainda não foi testado para M. quinquefasciata. Em estudos recentes (RIBEIRO et al., 2006), verificamos a variação da temperatura e umidade relativa de um ninho natural durante alguns dias, com "dataloggers", aparelhos que medem e registram temperatura e umidade relativa. Nossos resultados mostraram que a temperatura perto do favo de cria permanece constante (entre 24-26oC) e a umidade relativa é bem alta (65-85%). Porém, ao tentarmos aumentar a umidade relativa em ninhos mantidos em laboratório não obtivemos sucesso. Finalmente, não sabemos qual a influência de microorganismos e insetos associados aos ninhos

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naturais. Eles podem ser importantes para a manutenção da saúde da colônia como sugeriu PANIGASSI (info. pessoal).

Ninhos de M. quinquefasciata podem conter 4-5 Kg de mel (KERR et al., 2001 e info. pessoal de meleiros). Além disso, ele é muito apreciado pelo seu sabor e baixa acidez e pode alcançar alto valor de mercado, como já mencionado. Isto indica que esta espécie tem grande potencial para a meliponicultura. Além disso, ela também pode ser importante na polinização de algumas culturas agrícolas e plantas nativas (RIBEIRO, 2006). Portanto, precisamos incentivar o desejo das populações locais à sua criação racional, resgatando o conhecimento tradicional do seu manejo e experimentando novas técnicas. Entretanto, devido ao fato de ainda não termos uma técnica eficiente de manejo, devemos estimular a preservação dos ninhos naturais, assim como seus locais de nidificação, impedindo sua destruição. O objetivo de trabalho foi, portanto, de realizar um levantamento das técnicas de preservação e manejo de ninhos da uruçu do chão existentes no interior do Ceará e Pernambuco.

TÉCNICAS DE PRESERVAÇÃO E MANEJO

Em 2006 e 2007, foram feitas seis viagens à diferentes localidades dos estados do Ceará e Pernambuco: Guaraciaba do Norte, Santana do Cariri, Barbalha, Betânia, Moreilândia, Cariri Mirim, Exu e Jardim, para localizar ninhos de uruçu do chão e obter informações sobre seu manejo.

Muitas pessoas, como o sr. Valdino Cruz (em Exu), e os srs. Antonio José dos Santos e Ernani Sebastião Fernandes, (em Betânia), simplesmente impedem que animais, pessoas ou meleiros destruam e/ou retirem os ninhos dos locais originais, protegendo sua entradas com gravetos, tijolos ou mini-cercas (fig. 3). Por terem consciência de que se trata de uma abelha rara e de difícil criação, estas pessoas mantém estes ninhos intactos, abstendo-se de extrair seu mel. Dessa forma, contribuem muito para a preservação da espécie e da biodiversidade da flora local, uma vez que estas abelhas realizam a polinização das plantas da região.

Uma tentativa de manejo racional está sendo realizada pelo sr. Raimundo de Brito e Silva, que montou um abrigo (fig. 4) com o objetivo de alojar colméias de meliponíneos que fazem ninhos subterrâneos. Entretanto, o abrigo está em construção e ainda não foi testado.

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Figura 3. Exemplo de entrada de ninho de M. quinquefasciata

protegida, para impedir sua destruição.

Figura 4. Abrigo destinado à criação de meliponíneos

subterrâneos: vista geral e (b) vista interna.

Finalmente, a única técnica local de que temos conhecimento que tem alcançado muito sucesso é a de "assituar" o ninho. Ela consiste em cavar o ninho, obter o mel, e com todo cuidado para não danificar o ninho e seus componentes, colocá-lo no mesmo local, mas a menor profundidade, mantendo o túnel de entrada original. Assim, um dos ninhos que estudamos em Betânia (7o27'36,4"S; 39o25'53,0"W), que

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estava a uma profundidade de aproximadamente 2,5m, foi retirado e colocado a uma profundidade de 0,7m. Apenas depois de um ano, nova escavação foi feita para a extração do mel (fig.5). Esta técnica tem sido usada pela população local (como por ex. o sr. Antônio José dos Santos e sr. Ernani Sebastião Fernandes), e tem se mostrado muito eficiente. Entretanto, exige alguns cuidados que sugerimos a seguir. A manipulação do favo de cria é de extrema importância, pois ele deve ser colocado na mesma posição em que foi encontrado, para impedir que os ovos possam ser submersos pelo alimento larval (semilíquido) e assim, não vingarem. A rainha, que não deve ser tocada com a mão, para evitar alteração do seu odor e possível ataque das abelhas operárias. Para extração do mel, deve-se usar uma seringa, e mãos e garrafa ou pote de armazenamento limpos, para máxima higiene do produto e preservação da saúde de seus consumidores. Após a retirada do mel, os potes de alimento devem ser lavados em água corrente e devolvidos ao ninho. A lavagem dos potes de cera se faz necessária para evitar que restos de mel fermentado atraiam uma mosquinha praga, o forídeo, que pode causar um grande dano à colônia. Além disso, é essencial que a entrada do ninho (torre) e o túnel sejam mantidos intactos, evitando que as abelhas se desorientem e gastem muita energia com nova construção. Acreditamos que, ao menos por enquanto, esta técnica permite a extração do mel localmente. Entretanto, continuaremos estudando novas técnicas de manejo racional, o que permitirá no futuro a prática da meliponicultura de modo sustentável e viável economicamente.

Recentemente também encontramos o sr. José Monteiro (seu Dedú), da Fazenda Redenção, em Jardim, que nos últimos dois anos tem encontrado sucesso criando uruçu do chão em caixas racionais (fig. 6). Ele forra as caixas de madeira com barro, e aloja o ninho inteiro (fig. 6 a), que logo fica totalmente coberto com uma fina camada de batume (fig. 6b), típica nos ninhos naturais.

Gostaríamos de ressaltar que encontramos iniciativas muito louváveis da preservação da uruçu do chão entre as pessoas das localidades que visitamos. Isso nos estimulou muito a continuar nosso projeto, pois estas pessoas já compreendem profundamente a importância da preservação de nossas abelhas (não só para sua futura utilização em meliponicultura, mas pelo papel essencial de polinizadoras de plantas nativas e cultivadas). As abelhas certamente agradecem!

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Figura 5. Seqüência de fotos que mostra:

(a) entrada do ninho de M. quinquefasciata 'assituado' anteriormente;

(b) escavação do ninho, colocado a pouca profundidade;

(c) ninho exposto;

(d) sr. Antônio segurando o ninho extraído do solo; detalhes do ninho:

(e) potes de alimento, batume fino e

(f) favo de cria e invólucro.

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Figura 6. Interior de caixas racionais de M. quinquefasciata,

forradas com barro, mostrando: (a)ninho ainda sem batume,

(b) ninho totalmente recoberto com batume.

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