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1 MEMORIA de Ruy Mauro Marini Fuente: Archivo de Ruy Mauro Marini. O mundo de amanhã é o nosso mundo. Em seu nome, exigimos que se façam os grandes sacrifícios e as renúncias forçadas e a arregimentação geral. (Excerto de um poema de juventude) Sumário Advertência 1. O começo 2. O primeiro exílio 3. O segundo exílio 4. O terceiro exílio 5. A volta 6. A guisa de balanço 7. Bibliografia do autor 8. Bibliografia geral 9. Indice onomástico

MEMORIA Ruy Mauro Marini - · PDF fileMEMORIA de Ruy Mauro Marini ... curiosidade em relação ao meu trabalho. 1. O começo ... Meu pai era o primeiro filho de um alfaiate artesão

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    MEMORIA de Ruy Mauro Marini Fuente: Archivo de Ruy Mauro Marini.

    O mundo de amanh o nosso mundo. Em seu nome, exigimos que se faam os grandes sacrifcios e as renncias foradas e a arregimentao geral. (Excerto de um poema de juventude)

    Sumrio

    Advertncia

    1. O comeo

    2. O primeiro exlio

    3. O segundo exlio 4. O terceiro exlio

    5. A volta

    6. A guisa de balano

    7. Bibliografia do autor 8. Bibliografia geral

    9. Indice onomstico

    http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#adv#advhttp://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#1#1http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#2#2http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#3#3http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#4#4http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#5#5http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm#6#6http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#7http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_biblio_port.htm#8

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    Advertncia

    Este texto foi escrito para atender uma exigncia acadmica da Universidade de Braslia. Sua finalidade a de dar conta de minha vida intelectual e profissional, razo pela qual as referncias de ordem pessoal ou poltica que nele se incluem tm o propsito de mera contextualizao. Em nenhum momento, eu pensei na possibilidade de sua publicao, havendo limitado a sua circulao a pessoas para as quais ele pode, a meu ver, revestir algum interesse -essencialmente, familiares e amigos mais chegados, assim como estudantes que manifestaram especial curiosidade em relao ao meu trabalho.

    1. O comeo

    Nasci em 1932. Por minha origem, sou bem um produto das tendncias profundas que determinaram o surgimento do Brasil moderno, que emergiu naquela dcada. Meu pai era o primeiro filho de um alfaiate arteso de Gnova e de uma camponesa da Calbria, que j o trouxeram concebido, ao emigrar para o Brasil, em 1888; minha me, filha caula de uma tradicional famlia de latifundirios mineiros, acompanhou, menina, a mudana de meu av de sua fazenda, perto de Livramento, para Barbacena, aps a quebra que sofreu com a abolio da escravatura, e ali assistiu dilapidao dos restos da sua fortuna, em almoos e jantares que reuniam habitualmente no menos de vinte pessoas. Professor de matemtica na Escola Agrcola local, meu pai, depois do casamento e estimulado pela energia de minha me, ascendeu socialmente, formando-se em Direito e ingressando, por concurso pblico, casta dos ento chamados "prncipes da Repblica" - os fiscais de imposto de consumo. Liberal na juventude, ele adaptou-se bem - embora mais por laos pessoais e familiares - ao cl local vinculado ao Estado Novo e, mais tarde, ao PSD. A imagem que deixou foi a de um homem simples, severo e surpreendentemente -se se tm em conta as tentaes a que seu cargo o expunha-honesto.

    Aps receber a boa formao que o ensino pblico proporcionava, principalmente no terreno humanstico -em sete anos de curso ginasial e cientfico no Colgio

    Estadual de Barbacena, fiz quatro de latim e sete de portugus, inclusive dois anos dedicados literatura brasileira e portuguesa, e aprendi a ler ingls, francs e espanhol, alm de obter uma boa base em matemtica, histria e geografia, e conhecimentos um tanto antiquados (como eu descobriria logo) em fsica, qumica e biologia- transferi-me para o Rio, em 1950, para me preparar para o vestibular de Medicina. A mudana alterou meus planos. Embora, no cursinho, eu me fosse atualizando em cincias fsicas e naturais, estas no eram o meu forte e perdiam de longe para as atraes que a cidade me oferecia em matria de cinema, teatro, praias e boemia. A experincia de um emprego provisrio -como recenseador no Censo Demogrfico daquele ano- fez-me tomar gosto pela independncia e levou-me a, deixando os estudos, ocupar cargos menores, sucessivamente, na Central do Brasil, no Ministrio da Aeronutica e no Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos, onde, havendo entrado tambm por concurso, acabei por ficar. Tradues, em geral do ingls, de matrias para jornais e agncias de notcias ou de histrias em quadrinhos, reviso de textos para impresso, etc., permitiam que, sem grandes apertos, eu me entregasse minha maior paixo - os livros. Junto experincia de vida que eu adquiri, longe da casa de meu pai e do crculo de amigos

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    de infncia, aqueles foram anos que eu dediquei a completar minha formao, principalmente em literatura, poesia e teatro, histria e filosofia.

    S em 1953 eu voltaria a me preocupar com a formao escolar. Mas as vocaes para as cincias humanas no tinham, ento, curso fcil. O ensino de economia apenas se iniciava e se confundia muito -tradio com a qual nunca chegamos a romper totalmente, no Brasil- com o de contabilidade. A Faculdade de Filosofia no abria mais horizonte que o de vir a ser professor de ensino mdio. O grande centro de formao humanstica, no Rio daquela poca, continuava sendo a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Foi para l que eu me dirigi.

    Dos cursos, ficaram na minha memria com maior relevo as aulas brilhantes de Hermes Lima, assim como de Pedro Calmon -estas ltimas, menos substanciosas- e

    as exposies fascinantes, embora obscuras e algo confusas, de um professor de que no recordo o nome, que substitua Lenidas de Rezende na ctedra de Economia Poltica. Mas, aluno do curso noturno, o mais politizado e a que concorriam pessoas mais maduras, muitas j bem sucedidas em sua profisso, foi com meus colegas que aprendi mais. Particularmente no que era o corao da Faculdade, o ponto onde idias e inclinaes assumiam perfil mais acusado, enfrentando-se com determinao: o CACO, expresso maior do movimento estudantil da dcada de 50, movimento que fazia ento o supremo esforo de -superando a ideologia meramente democrtica da dcada anterior- forjar-se um projeto de pas, ao calor das campanhas nacionalistas e desenvolvimentistas. Apesar da distncia que eu tomava deles -irritado, como todos os independentes de esquerda, com a sua prtica instrumentalista e prepotente- justia seja feita aos comunistas que ali militavam (sob a direo de um jovem que se chamava nada menos que Lenine!), os quais, no importa quo minoritrios e sectrios fossem, muito me ensinaram sobre o Brasil e sobre o mundo.

    Mas era o estudo das cincias humanas que me interessava e a Nacional de Direito no me podia dar mais que o que estava dando, com as limitaes que alm disso me impunha o emprego diurno. Foi quando a Fundao Getlio Vargas, com o apoio da OEA, decidiu -aps inici-la com uma turma experimental- dar um grande passo na implementao da Escola Brasileira de Administrao Pblica, abrindo concurso de ingresso em todo o Brasil para jovens que estivessem dispostos a dar-lhe tempo integral, os quais receberiam bolsa de estudos. A prpria EBAP oferecia, no Rio, um cursinho que fiz e que me facilitou aprovar o concurso em primeiro

    lugar, o que me garantia a bolsa. O apoio oportuno de um "pistolo" permitiu-me obter do IAPI licena remunerada para fazer o curso, que foi considerado como "de interesse do servio". Abria-se uma nova poca em minha formao.

    Nova poca, em todos os sentidos. Frente ao clima intelectual tradicionalista e rarefeito que privava na Universidade de ento, a EBAP abria amplo espao s cincias sociais e recrutava seu corpo docente na intelectualidade mais jovem, que a universidade mandarinesca exclua, ou no exterior. Figura marcante era ali Alberto Guerreiro Ramos, professor de Sociologia, crtico irreverente de tudo que cheirasse a oficialismo, ecltico incorrigvel, aberto s novas idias que se originavam de Bandung e da CEPAL; sua influncia sobre mim, naqueles anos, foi absoluta. Diferente, mas tambm decisiva, foi a influncia que exerceu Julien Chacel, professor de Economia, rigoroso, ortodoxo, cuja timidez raiava a agresso e que recm-chegava da Frana para iniciar uma carreira acadmica irreprochvel. A Franois Gazier, que viria a ser o primeiro diretor do futuro Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econmico e Social (IEDES), de Paris, e que ocupou a cadeira de Cincia Poltica, alm de suas aulas sempre exatas e bem fundadas, devo minha

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    iniciao nas regras do mtodo de anlise e exposio, o produto mais genuino do gnio francs. Entre muitos outros nomes a mencionar, justo registrar os de Marcos Almir Madeira, graas a quem conheci os cursos e os chs da Academia Brasileira de Letras; Marialice Pessoa, que, num portugus americanizado, buscava transmitir-nos sua f inquebrantvel em Boas, Linton e Herskovitz; Mrio Faustino, sempre borbulhante de vida, malcia e ironia; Jos Rodrigues de Senna, figura humana admirvel, e, last but not the least, Benedito Silva, diretor da Escola, cuja dedicao ao belo projeto que ela representava no foi por mim cabalmente compreendida, naquele momento.

    A EBAP proporcionou-me o atingimento do que eu vinha buscando, i. e., a possibilidade de iniciar-me de maneira sria no estudo das cincias sociais; j no segundo ano do curso, eu comeava a atuar como professor assistente de Guerreiro

    Ramos, em seu curso de sociologia na Escola de Servio Pblico do DASP. natural que o diploma de Administrador que ela me daria no tivesse a meus olhos a menor importncia e que, bem antes de concluir o curso, eu me preocupasse com o modo pelo qual seguir adiante. A orientao e o apoio pessoal de Guerreiro Ramos me encaminharam para a Frana, de cujo governo obtive bolsa de estudos, sustentado em meu pedido por Gazier e por Michel Debrun, que o substituira. Segui para l em setembro de 1958, a fim de cursar o Instituto de Estudos Polticos da Universidade de Paris, o badalado SciencesPo. Mas no sem, antes, fazer uma interessante experincia em pesquisa, graas a Jos Rodrigues de Senna, que -chefiando, ento, o setor de pesquisas da Petrobrs- deu-me a oportunidade de realizar, no norte e no norde