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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Memorial da Procuradoria-Geral da República Tema central: Início de execução da pena após condenação em segunda instância, mas antes do trânsito em julgado da decisão Habeas Corpus nº 136720 Relator: Ministro Ricardo Lewandowski Habeas Corpus nº 144712 Relator: Ministro Marco Aurélio Habeas Corpus nº146818 Relator: Ministro Gilmar Mendes Gabinete da Procuradora-Geral da República Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 16/11/2017 11:54. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 27FAA2C7.2B91AC30.475CC1D7.FF9419F7

Memorial da Procuradoria-Geral da República · A presunção de inocência continua ativa e impede, por exemplo, a produção dos efeitos extrapenais (indenização do dano causado

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MINISTRIO PBLICO FEDERALPROCURADORIA GERAL DA REPBLICA

EXCELENTSSIMA SENHORA MINISTRA CRMEN LCIA,

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Memorialda Procuradoria-Geral da Repblica

Tema central:Incio de execuo da pena aps condenao em segunda instncia, mas

antes do trnsito em julgado da deciso

Habeas Corpus n 136720 Relator: Ministro Ricardo Lewandowski

Habeas Corpus n 144712Relator: Ministro Marco Aurlio

Habeas Corpus n146818Relator: Ministro Gilmar Mendes

Gabinete da Procuradora-Geral da Repblica

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CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. EXECUO PROVISRIA DA PENA.

ARE 964246. REPERCUSSO GERAL. PRECEDENTE VINCULANTE. O CASO NO

DISTINGUISHING OU OVERRULING. PRECEDENTE AINDA DOTADO DE

CONGRUNCIA SOCIAL E CONSISTNCIA SISTMICA. MANUTENO DO

PRECEDENTE.

1. Percebe-se a progressiva inobservncia, por decises monocrticas proferidas por

Ministros do STF, do precedente oriundo do julgamento do ARE n. 964246, em que o Pleno

desta Corte, em virada jurisprudencial histrica, passou a entender ser constitucional o

incio do cumprimento de pena quando ainda pendentes de julgamento recursos extremos

aos Tribunais Superiores.

2. luz da atual feio assumida pela ordem jurdica ptria, as decises proferidas

pelo Plenrio do STF no julgamento de recursos extraordinrios em que reconhecida a

repercusso geral, de que exemplo aquele oriundo do julgamento do ARE n. 964246,

ostentam eficcia vinculante geral; da que a ratio decidendi desse precedente deve ser

obrigatoriamente observada por todas as instncias jurisdicionais do pas, a menos que se

esteja diante de hipteses que autorizem o distinguishing ou o overruling.

2. A circunstncia de algumas sentenas penais condenatrias conterem o clusula de

execuo apenas aps o trnsito em julgado no apta a ensejar o afastamento do

precedente firmado no ARE n. 964.246/SP. que tal clusula carece de contedo decisrio

e no faz coisa julgada, de modo que a sua previso em sentenas condenatrias fato

juridicamente irrelevante - que no rende azo aplicao da tcnica do distinguishing.

3. Se, por um lado, um sistema de precedentes vinculantes engessado e imutvelestaria fadado falncia por rapidamente se tornar obsoleto, um sistema que permitisse a

reviso sbita e acelerada de seus precedentes vinculantes, por outro lado, estaria fadado ao

mesmo destino por, tambm rapidamente, revelar-se despido de credibilidade e utilidade.

No haver sistema jurdico estvel, coeso e previsvel se as Cortes Superiores no se

submeterem a critrios especiais formais e materiais - para revogar os seus precedentes

obrigatrios.

4. Quanto forma, um precedente obrigatrio somente pode ser revogado pelo

mesmo rgo jurisdicional que o produziu e em deciso que comprove ser cabvel o

overruling, o que no tem sido observado pelas recentes decises que tm afastado a

aplicao do ARE n. 964.246/SP. Quanto substncia, o precedente deve no mais

corresponder aos padres de congruncia social e de consistncia sistmica, a tal ponto que

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se justifica o sacrifcio dos valores que a preservao de precedentes vinculantes objetiva

proteger (a estabilidade, unidade e previsibilidade do sistema jurdico correspondente) o

que no ocorre no caso do precedente ligado ao ARE n. 964.246/SP.

5. O referido precedente vinculante observa o duplo grau de jurisdio , o primado da

segurana jurdica e no ofende a presuno de inocncia, porque garante o percurso de

todas as instncias judiciais que examinam fatos e provas, alm de questes legais. Tambm

afasta a impunidade.

6. Como o julgamento de recursos especiais ou extraordinrios no enseja reexame de

provas sobre a materialidade e a autoria delitivas, ou da culpabilidade do ru, ao se

possibilitar a priso de condenado nas instncias ordinrias, mesmo na pendente de tais

recursos que no tm efeito suspensivo, dificilmente se estar levando priso algum que

ser absolvido pelos tribunais superiores. Eventuais prises indevidas podero ser revistas

em habeas corpus.

- Parecer pela manuteno do precedente vinculante firmado pelo Plenrio do Supremo

Tribunal Federal.

1. A Procuradora-Geral da Repblica, no uso de suas atribuies constitucionais, vem,

respeitosamente, apresentar memorial, pelas razes adiante expostas.

I

Definio do objeto deste memorial

I.a) O novo entendimento do STF acerca da execuo provisria da pena.

2. A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade do incio do

cumprimento da pena aps condenao em segunda instncia, mas antes do trnsito em julgado da

condenao,1 tem apresentado variaes desde a promulgao da Constituio de 1988.

3. Nessa linha, de 1988 at 2009, o Supremo Tribunal Federal tinha jurisprudncia pacfica que

autorizava o incio de cumprimento da pena quando ainda pendente de julgamento recurso especial

1 A chamada execuo provisria da pena.

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ou extraordinrio2 no Superior Tribunal de Justia ou no Supremo Tribunal Federal, por entender

que no havia ofensa ao princpio constitucional da presuno de inocncia, inscrito no art. 5, inc.

LVII3.

4. Em 05.02.2009, no julgamento do HC n. 84078 pelo Pleno, por maioria de 7 votos a 4, o

Supremo Tribunal Federal adotou posio oposta e passou a entender ser inconstitucional a

execuo provisria da pena antes do trnsito em julgado da sentena condenatria;

5. Em fevereiro de 2016, no julgamento do HC n. 126.292/SP pelo Pleno, o Supremo Tribunal

Federal declarou a constitucionalidade da execuo de pena privativa de liberdade ainda que

pendentes de julgamento recursos extremos pelos Tribunais Superiores. Em seguida, em 05.10.16, o

STF reafirmou a nova jurisprudncia no julgamento de medidas cautelares nas Aes Declaratrias

de Constitucionalidade n. 43 e 44. Finalmente, em dezembro de 2016, esta Suprema Corte, no

julgamento do Recurso Extraordinrio com Agravo n. 964.246/SP, em que reconhecida

repercusso geral do tema, restaurou seu entendimento em acrdo assim ementado:

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTAORDINRIO. PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA

PRESUNO DE INOCNCIA (CF, ART. 5, LVII). ACRDO PENAL CONDENATRIO.

EXECUO PROVISRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSO GERAL RECONHECIDA.

JURISPRUDNCIA REAFIRMADA.

1. Em regime de repercusso geral, fica reafirmada a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal no

sentido de que a execuo provisria de acrdo penal condenatrio proferido em grau recursal,

ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinrio, no compromete o princpio constitucional

da presuno de inocncia afirmado pelo artigo 5, inciso LVII, da Constituio Federal.

2. Recurso extraordinrio a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercusso geral do tema

e a reafirmao da jurisprudncia sobre a matria.

6. Os fundamentos do precedente proferido por esta Suprema Corte no julgamento do Recurso

Extraordinrio com Agravo n. 964.246/SP, so, resumidamente, os seguintes:

(i) O princpio da presuno de inocncia estabelece, nos exatos termos do art. 5, inc.

2 Como se sabe, no Direito Brasileiro tais recursos ordinariamente carecem de efeito suspensivo.

3 So exemplos disso os seguintes precedentes: no Plenrio: HC 68.726, Rel. Min. Nri da Silveira, HC 72.061, Rel.Min. Carlos Velloso; na Primeira Turma: HC 71.723, Rel. Min. Ilmar Galvo; HC 91.675, Rel. Min. Carmen Lcia;HC 70.662, Rel. Min. Celso de Mello; e na Segunda Turma: HC 79.814, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 80.174, Rel.Min. Maurcio Corra; RHC 84.846, Rel. Min. Carlos Veloso e RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie.

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LVII da Constituio/88, que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de

sentena. Admitir o incio do cumprimento da pena pelo ru condenado significa que vlida a

condenao pelas instncias judiciais que analisam fatos, provas de demais aspectos legais,

esgotando o duplo grau de jurisdio, pois os recursos subsequentes tm efeito devolutivo, mas no

suspensivo da condenao. A presuno de inocncia continua ativa e impede, por exemplo, a

produo dos efeitos extrapenais (indenizao do dano causado pelo crime, perda de cargo e funo

pblica etc.) e penais secundrios (reincidncia, aumento do prazo da prescrio na hiptese de

prtica de novo crime) da condenao antes do seu trnsito em julgado.

(ii) como os recursos extraordinrio e especial no permitem rediscutir fatos e

provas4, mas, apenas, unificar e uniformizar a interpretao da Constituio e das leis, seu

julgamento no altera a deciso sobre a culpa, j feita nas instncias ordinrias, nem sobre a

autoria, a materialidade delitiva e a culpabilidade do ru. Tal circunstncia (ii.a) refora a

legitimidade da opo adotada pelo legislador ordinrio de, deixando de conferir efeito suspensivo

legal aos recursos extremos5, permitir o incio do cumprimento da pena confirmada por Tribunal

intermedirio. O ru duplamente condenado, ou condenado por Tribunal, esgotou o duplo grau de

jurisdio6 e; (ii.b) esvazia a exigncia de se aguardar o julgamento dos recursos extremos para, s

ento, iniciar-se o cumprimento da pena imposta. Esta espera contribui para a inefetividade do

direito penal, incentivando a incessante interposio de recursos pela defesa, apenas para evitar o

trnsito em julgado da condenao e alcanar a prescrio da pena, o que refora o sentimento de

impunidade e descrdito na Justia;

(iii) como a interposio de recursos extremos no interrompe a fluncia do prazo

prescricional, a necessidade de se aguardar o seu julgamento para, s ento, iniciar o

cumprimento da pena imposta pelo Tribunal, tem conduzido ocorrncia da prescrio da

pretenso executria. O ltimo marco interruptivo do prazo prescricional antes do incio do

cumprimento da pena a publicao da sentena ou do acrdo recorrveis (art. 117, IV, do CP).

Permitir-se o cumprimento da pena antes do trnsito em julgado afasta a prescrio executria, pois

interrompe o seu fluxo (art. 117, V, do CP). Por bvio, isso tambm diminui a conhecida prtica de

interpor recursos extremos protelatrios com o nico intuito de provocar a ocorrncia da prescrio,

4 Smulas 279 do STF e 07 do STJ5 Os recursos extraordinrio e especial no possuem, em regra, efeito suspensivo, que poder ser pleiteado nos termosdo 5 do artigo 1.029 do Cdigo de Processo Civil. 6 Segundo dados oficiais da assessoria de gesto estratgica do STF, referentes ao perodo de 01.01.2009 at19.04.2016, o percentual de recursos extraordinrios providos em favor do ru irrisrio, inferior a 1,5% Maisrelevante ainda: de 1.01.2009 a 19.04.2016, em 25.707 decises de mrito proferidas em recursos criminais pelo STF(REs e agravos), as decises absolutrias no chegam a representar 0,1% do total de decises.

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o que refora, como j se disse, a sensao de impunidade e descrdito na Justia;

(iv) o sistema processual penal brasileiro tem vrios mecanismos processuais que

permitem a correo de eventuais execues provisrias da pena injustas ou equivocadas,

como, por exemplo, medidas cautelares voltadas a conferir efeito suspensivo aos recursos

extremos e habeas corpus. Ambos podem ser usados para pleitear o sobrestamento de execues

provisrias indevidas.

(v) finalmente, como argumento lateral, mas que no deixa de reforar o acerto do

entendimento adotado pelo STF no julgamento do ARE n. 964246/SP, vale mencionar que,

conforme clebre observao feita pela Ministra Ellen Gracie no julgamento do HC n. 85.886, de

6.9.2005, em pas nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdio, a

execuo de uma condenao fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema. Este

fundamento confirmado por amplo estudo realizado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen,

Mnica Nicida Garcia e Fbio Gusman. Aps analisar o tratamento dado ao tema na Inglaterra,

Estados Unidos, Canad, Alemanha, Frana, Portugal, Espanha e Argentina, concluem que a quase

totalidade da comunidade internacional incluindo pases pioneiros na positivao e

reconhecimento dos direitos fundamentais interpreta a presuno de inocncia de modo a

compatibiliz-la com a necessidade de efetividade estatal na resposta ao crime7. O uso do direito

comparado conduz seguinte pergunta: ser que todos estes pases desprezam a presuno de

inocncia, contida em seus ordenamentos jurdicos, ao admitirem a execuo da pena aps o duplo

grau de jurisdio?

I.b) A progressiva inobservncia, por decises monocrticas, do novo entendimento desta

Suprema Corte acerca da execuo provisria da pena

7. Este movimento mais recente de formao e consolidao de precedentes favorveis

constitucionalidade da chamada execuo provisria da pena representou, a um s tempo, uma

verdadeira virada jurisprudencial e uma mudana de paradigma para a persecuo penal no

pas. Ocorre que, apesar da existncia de sucessivos precedentes oriundos do Pleno do Supremo

Tribunal Federal, seu rgo colegiado mximo, um deles, inclusive, deliberado sob a sistemtica da

repercusso geral (REA n. 964.246/SP), tem-se observado a sua progressiva inobservncia em

decises monocrticas proferidas por Ministros do STF, geralmente em sede de Habeas Corpus

impetrados com o fim de obstar a priso de pacientes condenados em sentenas confirmadas por7 Execuo Provisria da Pena: um contraponto deciso do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 84.078,

em Garantismo Penal Integral. Verbo Jurdico, 4a edio, 2017, p. 451.

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tribunais intermedirios, quando ainda pendentes recursos extremos apresentados ao STF e STJ.

8. Exemplificam mas no exaurem - estas situaes as decises monocrticas proferidas nos

autos dos HCs n. 147.452 (Relator Ministro Celso de Mello), n. 129.663 (Relator Ministro Celso de

Mello), 136.720 (Relator Ministro Ricardo Lewandowski), 137.063 (Relator Ministro Ricardo

Lewandowski) e 144.712 (Relator Ministro Marco Aurlio), todos proferidos aps o julgamento do

REA n. 964.246/SP (em dezembro de 2016), das quais se extraem, em resumo, os seguintes

fundamentos:

(i) os precedentes em que o STF passou a considerar constitucional o incio do cumprimento

da pena antes do respectivo trnsito em julgado no tm efeitos vinculantes e j vm sofrendo

temperamentos por parte de alguns Ministros, de modo que j se antev a reviso deste

entendimento;

(ii) nos casos em que a sentena condenatria expressamente condicionar o incio da

execuo da pena ao seu trnsito em julgado, a eventual priso de pacientes antes deste momento,

fora das situaes que ensejam prises cautelares, ofende a coisa julgada;

(iii) decises que determinam a priso como efeito decorrente da confirmao da sentena

condenatria por Tribunal, sem apresentar motivos individualizados, em especial quanto

necessidade da custdia do paciente, transgridem o dever de motivao imposto pelo art. 93, inc. IX

da Constituio; e

(iv) a execuo provisria de sentena condenatria quando ainda pendentes recursos

extremos apresentados aos Tribunais Superiores viola o princpio da presuno de inocncia

inscrito no art. 5, inc. LVII da CF/88, alm de contribuir para a conhecida situao de superlotao

carcerria existente no pas (situao que, por violar direitos fundamentais dos detentos, foi

reconhecida como inconstitucional pelo STF no julgamento da ADPF n. 347).

9. Vale registrar, ainda, que o Ministro Gilmar Mendes, seguindo entendimento do Ministro

Dias Toffoli no julgamento do acima referido HC n. 126.292/SP, tem proferido decises

monocrticas no sentido de que a execuo da pena confirmada por deciso de segundo grau deve

aguardar o julgamento do recurso especial pelo STJ, mas no de recursos extraordinrios, j que a

instituio do requisito de repercusso geral dificultou a admisso do recurso extraordinrio em

matria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e no de natureza geral ao

contrrio do recurso especial, que abrange situaes mais comuns de conflito de entendimento

entre tribunais.

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10. Este memorial examina, basicamente, os argumentos que tm conduzido superao, em

decises monocrticas recentemente proferidas nesta Suprema Corte, do entendimento consagrado

no julgamento do HC n. 126.292/SP, das medidas cautelares nas ADCs n. 43 e 44 e do ARE n.

964.246/SP.

11. o que se passa a fazer a seguir.

II

II.a) Qual a extenso erga omnes ou interpartes - dos efeitos vinculantes produzidos pela

deciso proferida no julgamento do ARE n. 964.246/SP?

12. Como antes relatado, em dezembro de 2016 esta Suprema Corte, no julgamento do Recurso

Extraordinrio com Agravo n. 964.246/SP, em que reconhecida repercusso geral do tema, decidiu

que o incio de execuo da pena aps condenao em segunda instncia, mas antes do trnsito em

julgado da deciso, compatvel com o princpio da presuno da inocncia previsto no art. 5, inc.

LVII da CF/88.

13. Um dos fundamentos que tem levado superao, em decises monocrticas nesta Corte,

do mencionado precedente (precedente paradigma) o de que ele despido de eficcia vinculante

geral, de modo que a sua observncia no se mostra obrigatria para alm das partes naquela ao.

Alm disto, este precedente j estaria sofrendo temperamentos no STF, em tendncia de reviso de

entendimento exposta no julgamento do HC 136.720/PB, iniciado em 08/08/2017, em que formou-

se maioria na Segunda Turma no sentido de impedir a execuo provisria da pena antes do

respectivo trnsito em julgado8.

14. Diante deste argumento e das implicaes que dele advm, o ponto de partida lgico deste

memorial precisar a extenso do efeito vinculante9 do ARE n. 964.246/SP: se seria um

8 O julgamento desse HC, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, foi suspenso em 08.08.2017, em razo dopedido de vista apresentado pelo Ministro Edson Fachin. De todo modo, o Relator, em seu voto, concede a ordem afim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trnsito em julgado da sentena penal condenatria, e osMinistros Gilmar Mendes e Celso de Mello j anteciparam seu voto, acompanhando o entendimento do Relator.

9 Inteiramente cabvel, aqui, a ressalva feita, em obra doutrinria, pelo Ministro Lus Roberto Barroso: Todas as decises judiciais produzem efeitos vinculantes. Quando tais efeitos obrigam apenas s partes do casoconcreto, afirma-se que os efeitos so vinculantes e inter partes; quando a orientao firmada em um julgado temde ser observada nos demais casos futuros e idnticos, afirma-se que produzem efeitos vinculantes e gerais (ergaomnes). Entretanto, o jargo jurdico vem utilizando a expresso efeito ou precedente vinculante para referir-se aesta segunda categoria de precedentes, cujos efeitos obrigatrios ultrapassam o caso concreto e equivalem aosefeitos dos binding precedents do common law. Trata-se de uso menos tcnico, porm consolidado na

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precedente com eficcia vinculante erga omnes (com fora para vincular todos os rgos

jurisdicionais e a Administrao Pblica Direta e Indireta)10, ou inter partes (com fora para

vincular apenas as partes na ao em que foi proferido, servindo de mero reforo argumentativo e

fonte de interpretao do direito para os demais rgos jurisdicionais)11.

15. Para responder a esta questo cujo deslinde prejudicial analise das demais questes

tratadas neste memorial -, vale relembrar que, tradicionalmente, eram apontadas duas diferenas

essenciais para apartar as decises da Suprema Corte, em sede de controle concentrado, daquelas

proferidas em controle difuso de constitucionalidade, no julgamento de recursos extraordinrios:

1 - a prpria natureza das decises: as proferidas em controle concentrado resolveriam

questes jurdicas em tese e a priori, de forma objetiva e geral, como o pedido principal de

uma ao originria (principaliter tantum); e as proferidas em controle difuso, nos

julgamentos de recursos extraordinrios, enfrentariam questes jurdicas a posteriori, luz

das peculiaridades do caso concreto submetido a julgamento e em ateno aos interesses

subjetivos das partes, sempre de forma incidental (incidenter tantum);

comunidade jurdica. Por essa razo, a meno a efeitos ou a precedentes vinculantes neste trabalho designarsempre aqueles entendimentos que firmam orientaes gerais obrigatrias para o futuro. (BARROSO, LusRoberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2015, p. 160-161 e 235-248).

10No ensinamento doutrinrio do Ministro Gilmar Ferreira Mendes o efeito vinculante aquele: "que tem por objetivo outorgar maior eficcia s decises proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando fora vinculante no apenas parte dispositiva da deciso, mas tambm aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Grnde)"(MENDES, Gilmar Ferreira. O efeito vinculante das decises do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas).

11 H inmeras classificaes a respeito da qualidade da eficcia dos precedentes judiciais no Brasil, sendo que, emboa parte delas, faz-se referncia, pelo menos, aos dois tipos de eficcia citados neste memorial (embora no rarosob outra nomenclatura) eficcia vinculante geral ou erga omnes e eficcia meramente persuasiva. A esse respeito,vale citar classificao forjada por Patrcia Perrone Campos Mello e Lus Roberto Barroso :

Diante das consideraes acima, pode-se afirmar que os precedentes judiciais, no direito brasileiro, produzemtrs espcies de eficcia2. H, primeiramente, os precedentes com eficcia meramente persuasiva. Esta aeficcia que tradicionalmente se atribua s decises judiciais em nosso ordenamento, em razo de sua prpriaraiz romano-germnica. Os julgados com esta eficcia produzem efeitos restritos s partes e aos feitos em queso afirmados, so relevantes para a interpretao do direito, para a argumentao e para o convencimento dosmagistrados; podem inspirar o legislador; e sua reiterao d ensejo produo da jurisprudncia consolidadados tribunais. So, contudo, fonte mediata ou secundria do direito. H, no outro polo, os precedentesnormativos em sentido forte, correspondentes aos julgados e entendimentos que devem ser obrigatoriamenteobservados pelas demais instncias e cujo desrespeito enseja reclamao. Nos pases do common law, uminstrumento como a reclamao prescindvel para que a eficcia normativa se torne efetiva. O respeito aosbinding precedents pressuposto e tradio do sistema. A experincia mostrou, contudo, que no isso o queocorre no Brasil. O cabimento de reclamao essencial, em nosso sistema, para a efetividade do respeito aoprecedente. No h, aqui, tradio neste sentido. Ao contrrio, h mesmo alguma resistncia em aceitar aampliao dos precedentes vinculantes, por se considerar que estes interferem indevidamente na independncia eno livre convencimento dos juzes. E a correo das decises que violam os precedentes judiciais pelo sistemarecursal tradicional pode levar muitos anos. Consequentemente, s possvel falar em eficcia normativa forte,por ora, para aqueles casos em que cabvel a reclamao.H, ainda, em nosso sistema, um conjunto de julgados que produzem uma eficcia intermediria. (Trabalhandocom uma nova lgica: A ascenso dos precedentes no direito brasileiro. Encontrado emhttps://www.conjur.com.br/dl/artigo-trabalhando-logica-ascensao.pdf).

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2 - a extenso dos efeitos vinculantes: as decises proferidas em controle concentrado

teriam eficcia vinculante geral; e as proferidas em controle difuso teriam eficcia vinculante

inter partes, que somente passaria a se estender a terceiros caso a lei reconhecida como

inconstitucional tivesse a sua eficcia suspensa por Resoluo editada pelo Senado Federal,

nos termos do art. 52, inc. X da Constituio.

16. Acontece que esta perspectiva tradicional tem sido alterada, h algum tempo no Brasil, por

decises que aproximam a natureza e a extenso da eficcia vinculante das decises proferidas

pelo STF nas duas modalidades de controle de constitucionalidade das leis, naquilo que, na

feliz expresso do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, revela-se como uma tendncia de

"dessubjetivao das formas processuais, especialmente daquelas aplicveis ao modelo de controle

incidental, antes dotadas de ampla feio subjetiva, com simples eficcia inter partes".

17. Deste modo, as decises do STF no julgamento de recursos extraordinrios, em sede de

controle difuso de constitucionalidade, sempre que oriundas do seu rgo Plenrio, tm assumido

um carter objetivo, j que desprendido do caso concreto e de suas peculiaridades. O controle difuso

de constitucionalidade, neste passo, quando exercido pelo Pleno da Suprema Corte, abandona a

marca que tradicionalmente o vinculava ao chamado "controle concreto" (pois feito luz das

peculiaridades do caso concreto), assemelhando-se -- tanto quanto o exercido na modalidade

concentrada-- ao "controle abstrato", em que a questo jurdica levada apreciao analisada em

tese, ainda que de forma incidental. Mais uma vez, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes,

citadas por Fredie Didier, "o recurso extraordinrio deixa de ter carter meramente subjetivo ou

de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a funo de defesa da ordem

constitucional objetiva. (...) A funo do Supremo nos recursos extraordinrio - ao menos de modo

imediato - no a de resolver litgios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os

pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido Corte via recurso

extraordinrio, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que

transcende os interesses subjetivos"12 E, com isso, esta Suprema Corte, ao assumir de modo pleno a

funo de intrprete mximo e final da Constituio, passa a contribuir decisivamente para a

unidade, previsibilidade e estabilidade da ordem jurdica ptria valores indiscutivelmente

associados a qualquer sistema jurdico que valorize a autoridade de seus precedentes13.

12DIDIER JR., Fredie. Transformaes do Recurso Extraordinrio. In: Processo e Constituio. Estudos em homenagem a professor Jos Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Jnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). So Paulo: RT, 2006. Pg. 122. 13 Constituio compete um papel unificador do direito no Estado Constitucional. Ao Supremo, nessa quadra, outratarefa no poderia restar que no contribuir para a unidade do direito no Estado Constitucional brasileiro, estabilizando-

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18. Esse carter objetivo das decises do Plenrio do STF, em sede de controle difuso de

constitucionalidade, atingiu o seu apogeu com a criao do instituto da repercusso geral e a sua

previso como requisito de admissibilidade dos recursos extraordinrios (ex vi do art. 102, 3 da

Constituio, includo pela Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004). Em razo

disto, apenas os recursos que tratem de questes constitucionais relevantes do ponto de vista

econmico, poltico, social ou jurdico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, so

apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, dando origem a precedentes que resolvem questes

jurdicas em tese.

19. Portanto, no h dvida de que, no cenrio jurdico atual, no mais existe o critrio que

tradicionalmente distinguia as decises do Supremo no controle concentrado de constitucionalidade

e no controle difuso, a saber, a natureza - objetiva ou subjetiva - de cada uma delas. Resta saber,

todavia, se a segunda diferena tradicional entre estas duas modalidades de deciso qual seja, a

extenso erga omnes ou inter partes da eficcia vinculante delas emanada -- ainda persiste.

Adianta-se que a resposta negativa, e por mais de um motivo.

20. Primeiramente, a feio objetiva e definitiva assumida pelas decises do Pleno do STF no

julgamento de recursos extraordinrios com repercusso geral, em nada difere da que marca as

decises em controle concentrado, e suficiente para que se confira sua eficcia o carter

vinculante erga omnes. Nas palavras de Lus Guilherme Marinoni, como a questo

constitucional com repercusso geral necessariamente tem relevante importncia sociedade e ao

Estado, a deciso que a enfrenta, por mera consequncia, assume outro status. No h como

conciliar a tcnica de seleo de casos com a ausncia de efeito vinculante, j que isso seria o

mesmo que supor que a Suprema Corte se prestaria a selecionar questes constitucionais

caracterizadas pela relevncia e pela transcendncia e, ainda assim, estas poderiam ser tratadas

de maneira diferente pelos tribunais e juzes inferiores. A ausncia de efeito vinculante constituiria

mais uma afronta Constituio Federal, desta vez norma do art. 102, 3., que deu ao Supremo

Tribunal Federal a incumbncia de atribuir luz do instituto da repercusso geral unidade ao

direito mediante a afirmao da Constituio. Quer dizer, em suma, que o instituto da repercusso

geral, ao frisar a importncia das questes constitucionais com relevncia e transcendncia e, por

consequncia, demonstrar a importncia do Supremo Tribunal Federal para garantir a unidade do

direito, deu nova nfase imprescindibilidade de se ter as decises da Suprema Corte como

o e desenvolvendo-o unitariamente em seu cotidiano (cf. Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Repercussogeral... cit., item 1.1). V. Zagrebelsky, Gustavo. Op. cit., p. 47-49; Neves, Antnio Castanheira. Op. cit., p. 656.

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precedentes constitucionais dotados de eficcia vinculante14.

21. Alm disso, so praticamente idnticos os procedimentos que antecedem as decises do

Pleno do STF nos modelos concentrado e difuso, pelo que no h razo substancial para diferenciar

os efeitos das decises tomadas em cada um deles. Neste sentido, ensina, mais uma vez, o Ministro

Gilmar Ferreira Mendes que a natureza idntica do controle de constitucionalidade, quanto s

suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado,

no mais parece legitimar a distino quanto aos efeitos das decises proferidas no controle direto

e no controle incidental15.

22. Finalmente, atento mencionada tendncia de progressiva valorizao da autoridade dos

precedentes no Brasil e de aproximao da ordem jurdica ptria (de tradio romano germnica,

ligada civil law) common law, o legislador ordinrio, ao editar a Lei n. 13.105/2015 (Novo

Cdigo de Processo Civil), recentemente positivou o carter vinculante erga omnes dos

precedentes do Pleno do STF em sede de recursos extraordinrios com repercusso geral16. o

14 Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero. E-book, Precedentes Obrigatrios.15 Voto proferido pelo Ministro no julgamento da Reclamao n. 4.335-5/AC16 Esse novo sistema de precedentes resulta de progressiva tendncia de aproximar a ordem jurdica ptria, de tradioromano germnica, common law. Conforme ensina Haroldo Loureno, no Brasil sempre se afirmou que a lei fonte

primria do direito, com fundamento do positivismo jurdico1. A partir de tais influncias construiu-se um sistema todo

escrito, conhecido como civil law, como o dos pases herdeiros da famlia romano-germnica (basicamente todo o

continente europeu). Adota-se a civil law, ainda, na Itlia, na Frana, na Alemanha, na Espanha e em Portugal, assim

como em toda Amrica Latina colonizada por portugueses e espanhis. A influncia de tais doutrinas facilmente

perceptvel no Brasil, onde h muita influncia, por exemplo, da doutrina italiana de Liebman,Chiovenda e Carnelutti,

principalmente em nossa teoria geral do processo. H, contudo, nos pases de origem anglo-saxnica uma viso muito

bem desenvolvida dos precedentes judiciais, o denominado sistema do common law, informado pela teoria do stare

decisis, termo de origem latina (stare decisis et non quieta movere) que significa mantenha-se a deciso e no se moleste

o que foi decidido. Tal teoria tambm denominada de doctrine of binding precedent, que teve incio na Inglaterra, nas

primeiras dcadas do sculo XIX, tendo sido devidamente reconhecida em 1898, no caso London Tramways Company

v. London Country Council, oportunidade em que a Cmara dos Lordes inglesa no s tratou do efeito auto-vinculante

do precedente, como tambm estabeleceu a sua eficcia vinculativa externa a todos os juzos de grau inferior,

denominada de eficcia vertical do precedente.

(https://www.researchgate.net/publication/267708506_PRECEDENTE_JUDICIAL_COMO_FONTE_DO_DIREITO_A

LGUMAS_CONSIDERACOES_SOB_A_OTICA_DO_NOVO_CPC)

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que se extrai da leitura conjugada dos artigos 489, inc. VI17, 927, inc. III18 e 988, 5, inc. II19 do

Novo Cdigo de Processo Civil (CPC). Assim, atualmente, a ratio decidendi destes precedentes

deve ser obrigatoriamente observada por todas as instncias jurisdicionais do pas, e o seu

desrespeito por qualquer delas enseja o cabimento de Reclamao Constitucional20.

23. Feitas estas consideraes de ndole mais terica, j possvel, respondendo a questo que

inaugurou este tpico, concluir que o precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do

ARE n. 964.246/SP, tem inequvoca eficcia vinculante erga omnes (geral), ao contrrio, data

venia, das decises monocrticas que, nos ltimos meses, tm deixado de segui-lo. A eficcia

vinculante geral da ratio decidendi contida no julgamento do (Agravo em) Recurso Extraordinrio

n. 964.246/S decorre diretamente do fato de se tratar de precedente formado em sede de repercusso

geral, oriundo do Plenrio do Supremo Tribunal Federal.

24. O precedente contido no ARE n. 964.246/SP tem eficcia vinculante geral que produz duas

consequncias de interesse deste memorial:

a primeira a de que a sua ratio decidendi obriga a todos os rgos jurisdicionais do pas.

17Art. 489. So elementos essenciais da sentena: 1o No se considera fundamentada qualquer deciso judicial, seja ela interlocutria, sentena ou acrdo, que:VI - deixar de seguir enunciado de smula, jurisprudncia ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar aexistncia de distino no caso em julgamento ou a superao do entendimento.18Art. 927. Os juzes e os tribunais observaro: ().III - os acrdos em incidente de assuno de competncia ou de resoluo de demandas repetitivas e em julgamento derecursos extraordinrio e especial repetitivos;

19Art. 988. Caber reclamao da parte interessada ou do Ministrio Pblico para: (). 5 inadmissvel a reclamao: ().II proposta para garantir a observncia de acrdo de recurso extraordinrio com repercusso geral reconhecida ou deacrdo proferido em julgamento de recursos extraordinrio ou especial repetitivos, quando no esgotadas as instnciasordinrias.20Cabimento. Cabe reclamao sempre que se vislumbrar a usurpao de competncia de tribunal, a violao deautoridade de deciso, a ofensa autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instnciasordinrias, art. 988, 5., II, CPC/2015) e de jurisprudncia vinculante. A opo legislativa a respeito do seu cabimentotem uma clara vinculao, portanto, no s com a prestao da tutela dos direitos em sua dimenso particular, isto ,para busca de uma deciso de mrito justa e efetiva para o litgio (arts. 6. e 988, I e II, CPC/2015), mas tambm com apromoo da unidade do direito, isto , com a tutela dos direitos em sua dimenso geral (arts. 926 e 988, III e IV,CPC/2015).

No obstante, at que as Cortes Supremas, as Cortes de Justia e os juzes de primeiro grau assimilem umaefetiva cultura do precedente judicial, imprescindvel que se admita a reclamao com funo de outorga de eficciade precedente. E foi com esse objetivo deliberado que o novo Cdigo ampliou as hipteses de cabimento dareclamao. Esta finalidade est clara nos incisos III e IV do art. 988 do CPC/2015, e tambm nos 4. e 5., inc. II,que admitem a reclamao no controle da aplicao indevida de precedentes e da ausncia de sua aplicao, desde quedevidamente esgotadas as instncias ordinrias.

A propsito, embora o art. 988, 5., inc. II do CPC/2015 trate de acrdo oriundo de julgamento derecurso extraordinrio com repercusso geral reconhecida e em acrdo proferido em julgamento de recursoextraordinrio ou especial repetitivos, a reclamao tutela todo e qualquer precedente constitucional e federal, poucoimportando a forma repetitiva. A restrio que interessa a diz respeito necessidade de esgotamento da instnciaordinria para o cabimento da reclamao.

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Deste modo, segundo o art. 489, 1 do CPC, nula qualquer deciso que, apreciando

questo jurdica idntica, deixar de seguir enunciado de smula, jurisprudncia ou

precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existncia de distino no caso em

julgamento ou a superao do entendimento;

a segunda, de certo modo contida na primeira, a de que a sua inobservncia s possvel

em um caso especfico que apresente peculiaridades capazes de o distinguir do caso

paradigma (tcnica conhecida como distinguishing); ou, ento, luz de determinados

requisitos formais e materiais que autorizem a revogao do precedente (tcnica conhecida

como overruling).

25. Portanto, preciso verificar se as decises monocrticas que tm deixado de observar o

precedente vinculante contido no ARE n. 964.246/SP dizem respeito a casos de distinguishing, ou

de overruling. o que analisaremos a seguir.

II.b) Est-se diante de hipteses em que cabvel o distinguishing?

26. A clusula da sentena condenatria que expressamente condicione o incio de sua execuo

ao respectivo trnsito em julgado tem afastado o uso do referido precedente no Supremo Tribunal

Federal. A eventual priso de pacientes antes disto, se ausentes motivos para a priso cautelar,

representaria ofensa coisa julgada,21 dizem algumas decises monocrticas. Este fundamento tem

justificado a no aplicao do precedente do ARE n. 964.246/SP a tais situaes, caracterizadas por

um fato relevante (a coisa julgada) distinto dos considerados na deciso paradigma.

27. Todavia, a inobservncia de um dado precedente vinculante, com fundamento em

distinguishing, depende de haver fatos relevantes subjacentes ao novo caso, que sejam diversos dos

subjacentes no paradigma. Na lio de Patrcia Perrone Campos Mello, uma nova causa pode

apresentar fatos diferentes, mas juridicamente irrelevantes, circunstncia em que se afirmar a

identidade entre as duas aes e na qual, por consequncia, a deciso da nova demanda dever

observar o entendimento proferido no caso anterior. Um novo caso pode, contudo, envolver

situao de fato sutilmente diferente, porm a diferena pode ser relevante do ponto de vista

21Embora, por bvio, este argumento no esteja sempre presente j que nem todas as sentenas condenatrias que

fundamentam execues provisrias de penas trazem previso expressa neste sentido. certo que tem se observado ser

tal fato bastante comum, quase de praxe, em sentenas proferidas antes de dezembro de 2016 (data do julgamento do

ARE n. 964.246/SP, em que o STF definiu, sob a sistemtica da repercusso geral, ser constitucional a execuo

provisria de sentena penal condenatria).

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jurdico. H diferena juridicamente relevante quando a nova situao de fato atrair o debate

sobre regras ou sobre princpios que no se aplicavam situao anterior22.

28. Ocorre que a circunstncia de uma dada sentena penal condenatria conter o comando de

sua execuo depender do trnsito em julgado no apta a afastar o precedente oriundo do ARE n.

964.246/SP, por um motivo singular: esta clusula no faz coisa julgada, de modo que fato

juridicamente irrelevante, que no enseja o distinguishing.

29. No direito, coisa julgada a indiscutibilidade que se agrega quilo que ficou decidido no

dispositivo da sentena de mrito de que no caiba mais recurso23. Isto significa que a coisa

julgada material e formal incide apenas sobre as decises acerca das questes suscitadas pelas partes

que integram a chamada lide processual24, ou mrito da demanda e efetivamente resolvidas

pelo Juzo na concluso da deciso (dispositivo)25. A contrario sensu, tudo o que est fora do

dispositivo tambm est fora, consequentemente, dos limites objetivos da coisa julgada26.

30. Logo, no fazem coisa julgada material ou formal, no ordenamento jurdico ptrio,

justamente por no resolverem a lide processual e, assim, no ostentarem carter decisrio sobre o

pedido, os chamados despachos de mero expediente, que tm contedo ordinatrio e se destinam a

impulsionar o processo. Ora, exatamente o que ocorre com os comandos constantes de sentenas

penais condenatrias que determinam a expedio da respectiva carta de execuo apenas aps o

respectivo trnsito em julgado.

31. Tal clusula frequente em sentenas proferidas antes de dezembro de 2016 (data do

julgamento do ARE n. 964.246/SP), tpicas da praxe forense27, sem contedo decisrio passvel de

se revestir da imutabilidade prpria da coisa julgada. Ao contrrio, tal clusula encerra apenas

ordem dirigida Secretaria da Vara ou do Tribunal, constituindo uma orientao procedimental aps

22 O Supremo e os precedentes constitucionais: como fica a sua eficcia aps o Novo Cdigo de Processo Civil.Encontrado em https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/jus/article/viewFile/3596/2842.

23 Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero, Daniel. E-book, Cdigo de Processo Civil Comentado.24Lide processual o conflito, efetivo ou virtual, de pedidos contrapostos.

25Apenas as questes efetivamente afirmadas pelas partes e que compem a lide processual que constituem objetodos limites objetivos da coisa julgada. (Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero, Daniel. E-book, Cdigo de ProcessoCivil Comentado). 26 Este entendimento, alm de ser pacfico no mbito doutrinrio e jurisprudencial, decorre da interpretao conjunta

dos artigos 489, inc. III, 502, 503, 504, 27Depsito de dados da experincia: a palavra praxe corresponde ao grego - epraxo, significando aquilo que tem sidosempre praticado; a palavra prtica refere-se ao prprio exerccio de atividade, isto , no s ao que j tem sidopraticado, como ao que presentemente praticamos, como o que ainda vamos praticar.(http://www.dicionarioinformal.com.br/praxe+forense/).

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o trnsito em julgado da sentena (ou acrdo) condenatria. Trata-se, portanto, de clusula com

caracterstica de despacho de mero expediente, que vem sendo inserida no texto da sentena penal

condenatria, e que, por sua natureza intrnseca, no abrangida pelos limites objetivos da coisa

julgada penal.

32. Por isso, no h diferena nos fatos que embasaram o precedente firmado no ARE n.

964246/SP e nos que embasaram sentena com clusula de incio da execuo provisria aps o

trnsito em julgado que seja relevante o suficiente para ensejar o uso do distinguishing e,

consequentemente, o afastamento do referido precedente.

33. O dever de fundamentao, contido no artigo 93-IX da Constituio, outro fundamento que

tem sido usado para afastar a deciso vinculante firmada no ARE n. 964.246/SP. Indica que as

decises que autorizam a priso aps condenao pelo Tribunal precisariam apresentar motivos

individualizados, em especial quanto necessidade da custdia cautelar do paciente. Todavia, tal

particularidade, que justificaria o distinguishing e o afastamento do ARE n. 964.246/SP, termina por

lhe negar a prpria essncia.

34. Com efeito, antes de o Plenrio do Supremo Tribunal Federal ter tomado a deciso

vinculante no ARE n. 964.246/SP, o incio do cumprimento da pena, com a priso do ru, dependia

do trnsito em julgado da condenao para todas as partes. Fora dessa hiptese, ou seja, antes do

trnsito em julgado da condenao, eventuais prises de rus somente poderiam ser decretadas por

razes cautelares, sob determinados requisitos legais.

35. A deciso vinculante veio, justamente, permitir a priso de rus em decorrncia da

condenao e antes de seu trnsito em julgado, independentemente dos requisitos que autorizam a

priso cautelar. Assim, a essncia deste precedente vinculante, ou seja, aquilo que ele traz de novo

para a persecuo penal, permitir o incio do cumprimento da pena aps o duplo grau de

jurisdio, ou seja, aps a deciso do Tribunal, ainda que pendentes de julgamento recursos

extremos. preciso dizer que tais recursos extremos no tm efeito suspensivo, mas apenas

devolutivo. Significa que no impedem os efeitos dos acrdos condenatrios por eles impugnados

(j que eles so despidos de efeito suspensivo). Logo, o citado precedente vinculante significa que a

execuo da condenao confirmada pelo Tribunal intermedirio, com a priso do ru, pode ser

iniciada como efeito imediato do acrdo condenatrio.

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36. Pelo novo entendimento do STF, a priso antes do trnsito em julgado da condenao

independe da presena dos requisitos que autorizam a priso cautelar, pois resulta da prpria

condenao por Tribunal, ainda que venha a ser impugnada por recurso extremo, sem efeito

suspensivo.

37. Nesta linha de raciocnio, a inobservncia do precedente vinculante firmado no ARE n.

964.246/SP, sob o fundamento de ofensa ao dever constitucional de motivao viola, data venia, o

precedente, pois no se trata de hiptese que autoriza o distinguishing.

38. No sendo caso de distinguishing, imperioso, por lei, aplicar o precendente vinculante

firmado no ARE n. 964246/SP aos casos penais similares, a menos que se esteja diante hiptese de

superao do precedente (overruling). No , todavia, o que ocorre no presente caso, conforme

restar demonstrado adiante.

II.c) Est-se diante de hiptese em que cabvel o overruling?

II.c.1 Requisitos formais e pressupostos materiais indispensveis aplicao do instituto

39. A revogao de precedentes vinculantes, de que exemplo o oriundo do julgamento do ARE

n. 964246/SP, s pode ocorrer em situao que autoriza o overruling, ou seja, da tcnica atravs

da qual um precedente perde a sua fora vinculante e substitudo por outro precedente28. A

aplicao desta tcnica jurdica subordina-se a requisitos formais (quanto ao modo de realizao - o

como) e pressupostos materiais (quanto s hiptese de cabimento o quando) especiais.

40. Tais requisitos e pressupostos no constam de lei. Derivam, todavia, da prpria lgica do

sistema de precedentes vinculantes recentemente adotado no Brasil. Tais mecanismos so

adotados para dar estabilidade, unidade e previsibilidade ao sistema jurdico ptrio. No o

contrrio. De fato, no haver sistema estvel, coeso e previsvel se as Cortes Superiores no

adotarem critrios especficos para revogar seus prprios precedentes. A estrita observncia de

critrios claros para revogao do precedente vinculante essencial para a estabilidade, unidade e

previsibilidade da prestao jurisdicional e caracteriza a eficcia vinculante geral de que se revestem

determinados julgados. Do contrrio, bastaria o precedente comum, de eficcia persuasiva. A se

deteriorar o uso do novo modelo, restar um sistema de precedentes vinculantes despido de28 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev.,

ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013, v.2, p.456.

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credibilidade e, assim, efetividade e utilidade.

41. Entre os requisitos formais necessrios para revogao de precedente vinculante distingue-

se, como primeiro entre seus pares, a dispensar maiores explicaes, a competncia especfica:

somente o rgo jurisdicional que o produziu poder revog-lo. Vale dizer, a competncia para a

superao do precedente judicial do rgo jurisdicional prolator do precedente judicial29, o que

parece ser essencial para se preservar o carter efetivamente vinculante do precedente e, assim,

permitir a consecuo das finalidades acima mencionadas.

42. Alm disso, entre os requisitos formais, consta a fundamentao. A revogao de precedente

vinculante exige fundamentao especfica pelo rgo jurisdicional que o editou. Ele deve

desincumbir-se, com adequado e elevado nus argumentativo, a demonstrao de se tratar de

situao de overruling (demostrando-se a presena dos pressupostos materiais da revogao, adiante

tratados). Ou seja, sempre que um juiz ou tribunal for se afastar de seu prprio precedente, este

deve ser levado em considerao, de modo que a questo do afastamento do precedente seja

expressamente tematizada30. Para tanto, segundo o art. 927, 2 do CPC, a alterao de tese

jurdica adotada em enunciado de smula ou em julgamento de casos repetitivos poder ser

precedida de audincias pblicas e da participao de pessoas, rgos ou entidades que possam

contribuir para a rediscusso da tese.

43. A doutrina diverge acerca dos pressupostos materiais necessrios para revogar o precedente

vinculante, mediante overruling. A jurisprudncia do STF ainda praticamente silente sobre o

assunto, dada a escassez de casos de revogao de precedentes em seu histrico.

44. De todo modo, embora seja ampla a gama de entendimentos doutrinrios sobre o tema, todos

eles caminham em substncia para um mesmo sentido: para que seja cabvel a revogao, o

precedente obrigatrio deve, nas palavras de Melvin Eisenberg31, no mais corresponder aos

padres:

(i) de congruncia social32, ou seja, revelar-se errado, injusto, obsoleto, agredindo o

29 Jesus, Priscilla Silva. TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL E O NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL.30 Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero. E-book, Precedentes Obrigatrios.31 Eisenberg, Melvin Aron. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press. 1998, p. 104.32 Um precedente deixa de corresponder aos padres de congruncia social quando passa a negar proposies morais,

polticas e de experincia. (). possvel dizer que as proposies morais determinam uma conduta como certa ou errada a partir do consenso moral

geral da comunidade, as proposies polticas caracterizam uma situao como boa ou m em face do bem-estargeral e as proposies de experincia dizem respeito ao modo como o mundo funciona, sendo que a maior classedessas ltimas proposies descreve as tendncias de condutas seguidas por subgrupos sociais (Marinoni, Luiz

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sentimento de justia do cidado comum, e

(ii) de consistncia sistmica33, o que ocorre quando os seus fundamentos se mostrarem

incompatveis com os fundamentos afirmados em outros precedentes do mesmo tribunal ou de

Tribunais Superiores. Estes so os pressupostos materiais bsicos para o overruling34.

45. Mas no basta. Somando-se a estes dois fatores, a incongruncia e inconsistncia devem ser

robustas o suficiente, a ponto de justificar o sacrifcio dos valores que a preservao de precedentes

vinculantes protejam, ou seja, a estabilidade, unidade e previsibilidade do sistema jurdico

correspondente. Trata-se, aqui, de ponderar se os benefcios possivelmente decorrentes da eventual

revogao do precedente obrigatrio superam os custos que isso causar estabilidade, unidade e

previsibilidade do sistema, em um processo de ponderao que deve ser iluminado por cautela e

parcimnia, j que o uso indiscriminado ou precipitado do poder de revogar pode gerar

dvida sobre a real fora vinculante dos precedentes, e, assim, provocar o descrdito do

sistema jurdico.

46. Neste ponto, por sua preciso e adequao ao tema deste memorial, menciono a doutrina de

Luiz Guilherme Marinoni sobre o atentado estabilidade da ordem jurdica causado pela alterao

indiscriminada de precedentes obrigatrios:

Em outra perspectiva, a segurana jurdica reflete a necessidade de a ordem jurdica ser estvel.

Esta deve ter um mnimo de continuidade. Pouco adiantaria ter legislao estvel e, ao mesmo

tempo, frentica alternncia das decises judiciais. Para dizer o mnimo, as decises judiciais devem

ter estabilidade porque constituem atos de poder. Ora, os atos de poder geram responsabilidade

quele que os instituiu. Assim, as decises no podem ser livremente desconsideradas pelo prprio

Poder Judicirio.

47. Marinoni tambm se refere aos valores - previsibilidade e unidade que um sistema que

respeita a autoridade de seus precedentes almeja proteger:

Guilherme, Mitidiero. E-book, Precedentes Obrigatrios.33 De outra parte, o precedente no tem consistncia sistmica quando deixa de guardar coerncia com outras

decises. Isso ocorre quando a Corte decide mediante distines inconsistentes, chegando a resultados compatveiscom o do precedente, mas fundados em proposies sociais incongruentes. (Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero.E-book, Precedentes Obrigatrios).

34 A superao de precedentes geralmente ocorre quando estes so socialmente incongruentes (e, portanto, norefletem a compreenso social sobre o que justo), ou, ainda, quando so sistemicamente inconsistentes (porqueconflita com outras normas, com outras decises do rgo vinculante ou, ainda, com outras decises reiteradamenteproferidas pelas instncias inferiores). (Mello, Patrcia Perrone campos. O Supremo e os precedentes constitucionais:como fica a sua eficcia aps o Novo Cdigo de Processo Civil. Encontrado emhttps://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/jus/article/viewFile/3596/2842)

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A previsibilidade constitui razo para seguir precedentes. Interessante notar, ainda, que a

previsibilidade relacionada aos atos do Judicirio, isto , s decises, mas garante a confiabilidade

do cidado nos seus prprios direitos. Um sistema incapaz de garantir a previsibilidade no permite

que o cidado tome conscincia dos seus direitos, impedindo a concretizao da cidadania. ().

O sistema jurdico brasileiro, em tal dimenso, afigura-se completamente privado de efetividade,

pois indubitavelmente no tem sido capaz de permitir previses e qualificaes jurdicas unvocas.

No obstante as normas constitucionais que preveem as funes do Superior Tribunal de Justia e do

Supremo Tribunal Federal respectivamente, de uniformizar a interpretao da lei federal e de

afirmar o sentido das normas constitucionais , torna-se estarrecedor perceber que a prpria

misso de garantir a unidade do direito federal, atribuda e imposta pela Constituio ao Superior

Tribunal de Justia, completamente desconsiderada na prtica jurisprudencial brasileira35.

48. Em suma, se, por um lado, um sistema de precedentes vinculantes engessado e imutvel

estaria fadado falncia por rapidamente se tornar obsoleto, um sistema que permite a

reviso sbita e acelerada de seus precedente, por outro lado, est fadado ao mesmo destino

por, tambm rapidamente, revelar-se despido de credibilidade e utilidade. O (difcil) equilbrio

entre a necessidade de se atualizar (diante de novos sentimentos sociais) e a capacidade de se

manter (mesmo diante das oscilaes de humor e opinio que marcam a realidade de qualquer corpo

social, dinmico por natureza) o que parece fazer de um sistema de precedentes vinculantes um

elemento realmente benfico ao sistema de administrao de justia e sociedade que o adota.

II.c.2- As decises monocrticas que tm deixado de observar o acrdo oriundo do

julgamento do ARE n. 964.246/SP satisfazem os requisitos/pressupostos formais e materiais do

overruling?

49. A anlise das mais recentes decises monocrticas que tm deixado de observar o precedente

vinculante firmado no ARE n. 964.246/SP permite que se conclua que no foram observados os

requisitos formais e pressupostos materiais prprios do overruling.

50. Quanto aos requisitos formais, v-se que o precedente vinculante firmado no ARE n.

964246/SP, tendo sido proferido pelo Pleno do STF, somente pode ser revogado por este mesmo

rgo, e no por suas Turmas ou por decises monocrticas, como tem ocorrido. Note-se que tal

prtica inobservncia monocrtica de precedentes do Pleno - transmite a mensagem de que

membros do Supremo Tribunal Federal podem, a qualquer momento, descumprir os precedentes

vinculantes decididos pelo Pleno.

35 (Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero. E-book, Precedentes Obrigatrios)

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51. A principal mensagem do sistema de precedentes vinculantes deixa de ser enviada aos

jurisdicionados, e o resultado disso, como no poderia ser diferente, o descaso dos juzes de

primeiro grau de jurisdio e dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais em relao s decises

tomadas pelas Cortes Supremas. Isso configura um atentado contra a essncia do direito e contra a

efetividade do sistema jurdico. Como bvio, tambm porque a segurana jurdica direito

fundamental e subprincpio concretizador do princpio do Estado de Direito, tais decises no

podem ser ignoradas, admitindo-se a sua fcil e constante alterao no mbito da Corte e

permitindo-se que os juzes de primeiro grau e tribunais ordinrios possam livremente delas

discordar ou nem sequer consider-las.36

52. As decises monocrticas precisariam conter fundamentao sobre a presena dos

pressupostos materiais autorizadores da revogao do precedente vinculante firmado no ARE n.

964246/SP. Ou poderiam demonstrar que tal precedente carece de congruncia social ( errado,

injusto, obsoleto, agride o sentimento de justia do cidado comum) e de consistncia sistmica, o

que no tem sido feito. No sistema de precedentes vinculantes, no basta que a deciso que pretenda

superar o precedente vinculante manifeste sua discordncia quanto a ele. necessrio que adote

fundamentos especficos para demonstrar que o precedente em foco j no representa o que a

sociedade atual entende por justo e correto.

53. O fato que os pressupostos materiais para o overruling do precedente vinculante oriundo

do julgamento do ARE n. 964246/SP no esto presentes.

54. O entendimento de que a execuo provisria de acrdo penal condenatrio proferido em

grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinrio, no compromete o princpio

constitucional da presuno de inocncia afirmado pelo artigo 5, inciso LVII, da Constituio

Federal, consolidado em julgamento ocorrido h menos de um ano, foi o resultado maduro de

um longo debate travado no Supremo Tribunal Federal. Por sua importncia, esta deciso

reverberou em toda a sociedade civil poca em que editada. E a revogao deste importante

precedente, menos de um ano aps a sua formao, vai de encontro necessidade de se garantir um

sistema jurdico estvel e previsvel duas finalidades importantes do sistema de autoridade de

precedentes.

55. Como j exposto, o sistema de respeito aos precedentes vinculantes, comprometido com os

valores da estabilidade, coerncia e previsibilidade do direito, no admite que precedentes sejam

alterados ou revogados em funo de fatores como a mudana da composio do Tribunal, que nada36 (Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero. E-book, Precedentes Obrigatrios).

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dizem sobre a justia ou a adequao do precedente (ou, em outros termos, sobre a sua congruncia

social e consistncia sistmica).

56. No h como sustentar que, menos de um ano aps a formao do precedente no ARE n.

964246/SP, este deixou de ostentar congruncia social e consistncia sistmica. Ora, estes dois

fatores no so alterveis de sbito; pois constroem-se ao longo do tempo, pois expressam

coerncia e estabilidade.

57. O citado precedente vinculante traduz a expectativa de celeridade, segurana jurdica, e

fundamentao que se exige de toda deciso judicial. No favorece impunidade e evita o erro

judicial, pois o duplo grau de jurisdio o critrio constitucional usado para afastar dubiedades e

incertezas superveis pela reviso judicial da deciso condenatria. Sobre este ponto, consta do voto

do Ministro Luiz Fux, no julgamento do HC n. 126292/SP:

E, como hoje, efetivamente, essa presuno de inocncia no corresponde mais quilo que

se denomina de sentimento constitucional, eu colho da obra da professora Patrcia Perrone Campos

Mello, sobre precedentes, que, s vezes, fundamental o abandono dos precedentes em virtude da

incongruncia sistmica ou social. E, aqui, cito um trecho que eu tambm repisei no voto da "Ficha

Limpa", quando se alegava presuno de inocncia irradiando-se para o campo eleitoral. Aqui, eu

trago um texto muito interessante dessa eminente doutrinadora da nossa Universidade. Ento afirma

ela:

[] A incongruncia social alude a uma relao de incompatibilidade entre as normas

jurdicas e os standards sociais; corresponde a um vnculo negativo entre as decises

judiciais e as expectativas dos cidados."

Por outro lado, Konrad Hesse, na sua obra sobre "A Fora Normativa da Constituio", com

traduo escorreita do eminente Ministro Gilmar Mendes, na obra da Fabris Editor, afirmou:

"[...] Quanto mais o contedo de uma Constituio lograr corresponder natureza singular

do presente, tanto mais seguro h de ser o desenvolvimento de sua fora normativa."

58. A ampla e disseminada percepo de impunidade, que gerava certa sensao de desconforto

social e descrdito na Justia, foi superada no julgamento do ARE n. 964246/SP (e dos processos

que o precederam), traduzido e avaliado por esta Suprema Corte luz da Constituio de 1988. O

Supremo Tribunal Federal decidiu, em julgamento histrico, que o princpio da presuno da

inocncia compatvel com o incio do cumprimento da pena de priso antes do trnsito em julgado

da respectiva condenao.

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59. Os fundamentos do precedente proferido por esta Suprema Corte, que devem ser mantidos

no apenas por que continuam congruentes socialmente e consistentes sistemicamente, mas tambm

por que refletem a melhor posio jurdica a respeito do tema, so os seguintes conforme j

referido em momento anterior deste memorial:

(i) O princpio da presuno de inocncia estabelece, nos exatos termos do art. 5, inc.

LVII da Constituio/88, que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de

sentena. Admitir o incio do cumprimento da pena pelo ru condenado significa que vlida a

condenao pelas instncias judiciais que analisam fatos, provas de demais aspectos legais,

esgotando o duplo grau de jurisdio, pois os recursos subsequentes tm efeito devolutivo, mas no

suspensivo da condenao. A presuno de inocncia continua ativa e impede, por exemplo, a

produo dos efeitos extrapenais (indenizao do dano causado pelo crime, perda de cargo e funo

pblica etc.) e penais secundrios (reincidncia, aumento do prazo da prescrio na hiptese de

prtica de novo crime) da condenao antes do seu trnsito em julgado.

(ii) como os recursos extraordinrio e especial no permitem rediscutir fatos e

provas37, mas, apenas, unificar e uniformizar a interpretao da Constituio e das leis, seu

julgamento no altera a deciso sobre a culpa, j feita nas instncias ordinrias, nem sobre a

autoria, a materialidade delitiva e a culpabilidade do ru. Tal circunstncia (ii.a) refora a

legitimidade da opo adotada pelo legislador ordinrio de, deixando de conferir efeito suspensivo

legal aos recursos extremos38, permitir o incio do cumprimento da pena confirmada por Tribunal

intermedirio. O ru duplamente condenado, ou condenado por Tribunal, esgotou o duplo grau de

jurisdio39 e; (ii.b) esvazia a exigncia de se aguardar o julgamento dos recursos extremos para, s

ento, iniciar-se o cumprimento da pena imposta. Esta espera contribui para a inefetividade do

direito penal, incentivando a incessante interposio de recursos pela defesa, apenas para evitar o

trnsito em julgado da condenao e alcanar a prescrio da pena, o que refora o sentimento de

impunidade e descrdito na Justia;

(iii) como a interposio de recursos extremos no interrompe a fluncia do prazo

prescricional, a necessidade de se aguardar o seu julgamento para, s ento, iniciar o

cumprimento da pena imposta pelo Tribunal, tem conduzido ocorrncia da prescrio da

37 Smulas 279 do STF e 07 do STJ38 Os recursos extraordinrio e especial no possuem, em regra, efeito suspensivo, que poder ser pleiteado nos termosdo 5 do artigo 1.029 do Cdigo de Processo Civil. 39 Segundo dados oficiais da assessoria de gesto estratgica do STF, referentes ao perodo de 01.01.2009 at19.04.2016, o percentual de recursos extraordinrios providos em favor do ru irrisrio, inferior a 1,5% Maisrelevante ainda: de 1.01.2009 a 19.04.2016, em 25.707 decises de mrito proferidas em recursos criminais pelo STF(REs e agravos), as decises absolutrias no chegam a representar 0,1% do total de decises.

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pretenso executria. O ltimo marco interruptivo do prazo prescricional antes do incio do

cumprimento da pena a publicao da sentena ou do acrdo recorrveis (art. 117, IV, do CP).

Permitir-se o cumprimento da pena antes do trnsito em julgado afasta a prescrio executria, pois

interrompe o seu fluxo (art. 117, V, do CP). Por bvio, isso tambm diminui a conhecida prtica de

interpor recursos extremos protelatrios com o nico intuito de provocar a ocorrncia da prescrio,

o que refora, como j se disse, a sensao de impunidade e descrdito na Justia;

(iv) o sistema processual penal brasileiro tem vrios mecanismos processuais que

permitem a correo de eventuais execues provisrias da pena injustas ou equivocadas,

como, por exemplo, medidas cautelares voltadas a conferir efeito suspensivo aos recursos

extremos e habeas corpus. Ambos podem ser usados para pleitear o sobrestamento de execues

provisrias indevidas.

(v) finalmente, como argumento lateral, mas que no deixa de reforar o acerto do

entendimento adotado pelo STF no julgamento do ARE n. 964246/SP, vale mencionar que,

conforme clebre observao feita pela Ministra Ellen Gracie no julgamento do HC n. 85.886, de

6.9.2005, em pas nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdio, a

execuo de uma condenao fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema. Este

fundamento confirmado por amplo estudo realizado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen,

Mnica Nicida Garcia e Fbio Gusman. Aps analisar o tratamento dado ao tema na Inglaterra,

Estados Unidos, Canad, Alemanha, Frana, Portugal, Espanha e Argentina, concluem que a quase

totalidade da comunidade internacional incluindo pases pioneiros na positivao e

reconhecimento dos direitos fundamentais interpreta a presuno de inocncia de modo a

compatibiliz-la com a necessidade de efetividade estatal na resposta ao crime40. O uso do direito

comparado conduz seguinte pergunta: ser que todos estes pases desprezam a presuno de

inocncia, contida em seus ordenamentos jurdicos, ao admitirem a execuo da pena aps o duplo

grau de jurisdio?

60. Estes fundamentos recomendam a manuteno do precedente vinculante firmado no ARE n.

964246/SP.

61. Revog-lo, mesmo diante de todos os argumentos jurdicos e pragmticos que o sustentam,

representaria triplo retrocesso: para o sistema de precedentes incorporado ao direito brasileiro

que, ao se ver diante de julgado vinculante revogado menos de um ano aps a sua edio, perderia

40 Execuo Provisria da Pena: um contraponto deciso do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 84.078, em Garantismo Penal Integral. Verbo Jurdico, 4a edio, 2017, p. 451.

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estabilidade e teria sua seriedade posta a descrdito; para a persecuo penal no pas, que voltaria

ao cenrio do passado e teria sua efetividade ameaada por processos penais infindveis, recursos

protelatrios e penas prescritas; e para a prpria credibilidade da sociedade na Justia, com

restaurao da percepo de impunidade que vigorava em momento anterior ao julgamento do ARE

n. 964246/SP.

III

III.d) Outros argumentos e alguns nmeros

III.d.1 Exigncia de a execuo provisria da pena aguardar o julgamento de recurso pelo

STF

62. Como relatado, o Ministro Gilmar Mendes, seguindo entendimento vencido do Ministro

Dias Toffoli no julgamento do HC n. 126.292/SP, tem proferido decises monocrticas no sentido

de que a execuo da pena confirmada por deciso de segundo grau deve aguardar o julgamento do

recurso especial pelo STJ, mas no de recursos extraordinrios. Este entendimento se funda no

pressuposto de que a instituio do requisito de repercusso geral dificultou a admisso do

recurso extraordinrio em matria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e no

de natureza geral ao contrrio do recurso especial, que abrange situaes mais comuns de

conflito de entendimento entre tribunais.

63. Este respeitvel entendimento no se coaduna com o sistema de precedente vinculante,

porque equivale a revogar parcialmente o julgamento do ARE n. 964246/SP (overruling parcial), o

que encontra os mesmos bices expostos anteriormente, referentes inexistncia dos requisitos

formais e materiais necessrios para tanto.

64. O entendimento de que o incio do cumprimento da pena somente pode ocorrer aps o

esgotamento da via recursal aberta quando da interposio de recurso especial ao STJ e no aps a

prolao de acrdo condenatrio por Tribunal de 2a instncia, como definido no julgamento do

ARE n. 964246/SP acarretar, caso sufragado por esta Suprema Corte, os mesmos problemas que

levaram superao do antigo entendimento jurisprudencial acerca do tema: a interposio de

recursos especiais incabveis (e de outros expedientes processuais passveis de serem manejados em

seu bojo), voltados a alongar o processo e a forar a ocorrncia da prescrio punitiva ou executria.

No desenho do sistema recursal em vigor no Brasil, a ao penal s termina quando o ru se

conforma com a sua condenao e deixa de contra ela interpor recursos.

65. Ocorre que, tal qual se d com recursos extraordinrios, recursos especiais tambm tm

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mbito de cognio restrito matria de direito, no possibilitando a rediscusso de fatos e provas41.

E, na mesma linha do que ocorre com recursos extraordinrios em matria penal e agravos

interpostos em seu bojo (os quais geram decises absolutrias em menos de 0,1% dos casos, e so

providos em favor do ru em menos de 1,5% deles)42, os recursos especiais tambm tm mostrado

pouca potencialidade de alterar a situao do ru condenado nas instncias ordinrias.

66. Neste sentido, colhe-se do voto do Ministro Luis Roberto Barroso no julgamento das

medidas cautelares nas ADCs 43 e 44, que o Superior Tribunal de Justia (STJ) deu provimento a

apenas 10,29% dos recursos especiais criminais interpostos em favor do ru no perodo de

01.01.2009 at 20.06.2016 43. Como o julgamento de recursos especiais no enseja, a rigor, a

redefinio da materialidade e da autoria delitivas, ou da culpabilidade do ru condenado pelas

instncias ordinrias, conclui-se que boa parte desse percentual de provimento de recursos especiais

leva, apenas, redefinio do tamanho da pena ou do seu regime de cumprimento.

67. Ou seja, ao se possibilitar a priso do ru condenado nas instncias ordinrias, mesmo que

pendente recurso especial, no se levar priso algum que ser absolvido depois, quando do

julgamento de tal recurso pelo STJ.

68. O mximo que poder acontecer, e ainda assim muito raramente (o que se deduz diante do

baixo percentual de provimento de recursos especiais pelo STJ), que a priso atinja algum que,

posteriormente, tenha sua pena reduzida no julgamento do recurso especial, alterando-se, assim, o

regime de cumprimento de pena, ou possibilitando-se, assim, a imposio de pena restritiva de

direitos, a provocar a revogao da custdia provisria. Esta remota possibilidade, todavia, no deve

levar revogao, total ou parcial, do precedente oriundo do julgamento do ARE n. 964246/SP, e

por mais de um motivo.

69. Em primeiro lugar, por que situaes como a acima narrada podem ser enfrentadas na

alargada via do habeas corpus, a ser impetrado contra a deciso que autorizar a execuo provisria

da pena, ocasio em que ao impetrante caber demonstrar a plausibilidade de que sua pena seja

reduzida (a ponto de alterar o regime de cumprimento da sua pena) no julgamento do recurso

especial por ele interposto; o mesmo poder ser feito em sede de medida cautelar no recurso41 Smula 07 do STJ42Segundo dados oficiais da assessoria de gesto estratgica do STF, referentes ao perodo de 01.01.2009 at

19.04.2016.

43 Dados fornecidos pela assessoria do Ministro Presidente do STJ, extrados das seguintes fontes: SJD, SOJ,Gabinetes de Ministros e STI. Foram computados os AREsp e REsp providos em favor do ru e DP no perodo de01/01/2009 at 20/06/2016 por classe de feito.

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especial.

70. Em segundo lugar, por que possibilidades remotas e extraordinrias como a acima narrada

sempre analisveis via habeas corpus ou cautelares, repita-se - no justificam que, sob o pretexto de

evit-las, enfraquea-se todo o sistema de persecuo penal no pas, com inmeros prejuzos

efetividade da Justia, e, inclusive confiana que a populao nela deposita. Vale dizer: o remdio,

na tentativa de curar o paciente, no pode ser forte a ponte de mat-lo.

71. Aqui, oportuno transcrever as lcidas palavras do Ministro Luis Roberto Barroso,

externadas em voto ofertado quando do julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44:

No se ignora que em relao a algumas unidades da federao verificam-se taxas mais elevadas de

sucesso nesses recursos, especialmente os interpostos perante o STJ. Tambm no se ignora que,

como o sistema prisional integrado majoritariamente pela parcela mais vulnervel da populao,

que estes acabem sendo de alguma forma atingidos. Porm, entendo que o problema decorre

especialmente do fato de que Tribunais em algumas unidades da federao se mantm recalcitrantes

em cumprir a jurisprudncia pacfica dos tribunais superiores (algumas vezes, at mesmo smulas

vinculantes). A situao especialmente dramtica em ilcitos relacionados s drogas, j que so

responsveis por 28% da populao prisional.

Nesse cenrio, penso que, em princpio, a questo no deve se resolver com prejuzo

funcionalidade do sistema penal (excluindo-se a possibilidade de priso aps a condenao em

segundo grau), mas com ajustes pontuais que atinjam a prpria causa do problema e que permitam

maior grau de observncia jurisprudncia dos tribunais superiores. possvel, por exemplo, pensar

em medidas que favoream o cumprimento das decises do STJ e do STF, como a edio de smulas

vinculantes em matria penal nos casos em que se verificar maior ndice de descumprimento de

precedentes dos tribunais. Outra opo seria determinar ao CNJ a realizao de mutires carcerrios

com maior frequncia nessas unidades federativas. Assim possvel at mesmo restabelecer-se o

prestgio e a autoridade das instncias ordinrias, algo que se perdeu no Brasil a partir do momento

em que o juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justia passaram a ser instncias de passagem,

aguardando-se que os recursos subam para o Superior Tribunal de Justia e, depois, para o Supremo

Tribunal Federal. Ainda assim, para evitar prejuzos aos rus, especialmente aqueles

hipossuficientes, recomenda-se, nos casos em que se verificar tal ndice de provimento

desproporcional, a adoo, nos tribunais superiores, de jurisprudncia mais permissiva quanto ao

cabimento de habeas corpus que permita a clere correo de eventual abuso ou erro das decises de

segundo grau.

III.d.2 O impacto da execuo provisria da pena na situao carcerria do pas: primeiras

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impresses

72. Outro argumento que tem sido utilizado para fundamentar a inobservncia do precedente

vinculante firmado no ARE n. 964.246/SP de que a execuo provisria da pena, alm de violar o

princpio da presuno de inocncia, contribui para a superlotao carcerria existente no pas,

situao que, por violar direitos fundamentais dos detentos, foi reconhecida como inconstitucional

pelo STF no julgamento da ADPF n. 347.

73. Quanto ao argumento de que a execuo provisria da pena viola a presuno constitucional

de inocncia, no se tecer maiores comentrios, por no ser este o objeto deste memorial. Por ora,

faz-se referncia, apenas, aos inmeros fundamentos que sustentaram e ainda sustentam o

precedente vinculante ora em comento, e que foram referidos em tpico anterior deste parecer, e que

demostram exausto a compatibilidade da execuo provisria da pena com a CF/88.

74. Por outro lado, o argumento de que tal execuo provisria agravar a situao de

superlotao carcerria existente no Brasil merece, aqui, breves comentrios.

75. Com efeito, estudo emprico recentemente realizado por HARTMANN et.al demonstra que

expedio de mandado de priso de rus condenados em segunda instncia a pena igual ou maior

a 8 anos e com recurso tramitando no STF e STJ significaria um aumento de 0,6% no nmero de

apenados no sistema prisional. Longe, portanto, de previses catastrficas propaladas pelos

crticos do novo entendimento do Supremo sobre a execuo da pena aps condenao em segunda

instncia44.

76. Sobre o tema, a Subprocuradora Geral da Repblica Luza Cristina Fonseca Frischeisen

produziu a Nota Tcnica n. 1/201745, cujos principais trechos aqui transcrevo:

() a partir dos dados obtidos nos acrdos do STF e do STJ, verifica-se que o impacto da

execuo provisria da pena no sistema carcerrio muito baixo.

11. A atuao perante o Superior Tribunal de Justia corrobora os dados obtidos pela pesquisa. O que

se observa que a maioria dos rus respondem ao processo presos, em especial aqueles de menor

escolaridade e menor condio econmica, que cometem delitos de trfico, roubo, homicdio e furto.

44 HARTMANN, Ivan A.; KELLER, Clara Iglesias; VASCONCELOS, Guilherme; NUNES, Jos Luiz; CARNEIRO,Letcia; CHAVES, Luciano; BARRETO, Matheus; CHADA, Daniel; ARAJO, Felipe; TEIXEIRA, Fernando. OImpacto no Sistema Prisional Brasileiro da Mudana de Entendimento do Supremo Tribunal Federal sobreExecuo da Pena antes do Trnsito em Julgado no HC 126.292/SP: Um estudo emprico quantitativo. Disponvelem: . Acesso em: 26 out. 2017.

45 Em anexo a este memorial.

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12. Os dado