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MEMÓRIAS DA BELÉM DE ANTIGAMENTE: ESPAÇO SÓCIO CULTURAL DA
CIDADE.
Venize Nazaré Ramos Rodrigues*
Este trabalho apresenta painéis históricos de Belém dos meados do século XX, tendo como fonte principal as
memórias de velhos asilados na Instituição Pão de Santo Antonio e de artistas das mais diversas expressões
estéticas, onde através de suas lembranças, depoimentos e entrevistas possibilitou-se (re)construir quadros
contextuais de Belém dos meados dos anos 60, marco da nossa pesquisa com o surgimento da televisão, que
provocou novos hábitos e costumes locais. A metodologia transdisciplinar adotada permitiu olhares múltiplos
sobre a realidade sócio-histórico-cultural da cidade, envolvendo profissionais de várias áreas do conhecimento,
como história, literatura, música, teatro, filosofia, de modo a deixar entrever imagens distintas do cotidiano da
cidade e de pessoas que habitavam o espaço de Belém naqueles tempos. Tal pesquisa faz parte de um projeto
mais amplo intitulado Memórias de Belém de Antigamente, desenvolvido por docentes da Universidade do
Estado do Pará e aprovado no Programa do Desenvolvimento de Apoio à Pesquisa da Universidade do Estado do
Pará, da FAPESPA, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará.
Palavras-Chave: Memórias, História Oral, Cidade.
ABSTRACT
MEMOIRS FROM THE ERSTWHILE BELÉM: THE CITY'S SOCIOCULTURAL SPACE
Venize Nazaré Ramos Rodrigues
This research brings historical panels of Belém from the middle of the 20th century, having as main data source
the elderly's reports from the Pão de Santo Antônio Rest Home and from artists of the most diverse aesthetics,
that through their remembrances, reports and interviews made it possible for us to (re)build contextual views of
Belém in the sixties, mark of our research goal with the rising of television, for it has brought new local routines
and habitudes. The multidisciplinar methodology adopted here granted multiple points of view about the city's
socio-historical-cultural reality, drawing in professionals from many fields of knowledge, such as History,
Literature, Music, Dramatics, Philosophy, thus bringing different coverages of the city and it's people's daily
routine from then. This research is part of a wider project named Memórias de Belém de Antigamente (Memoirs
from the Erstwhile Belém), developed by professors of the Universidade Estadual do Pará (State University of
Pará) and endorsed by the Programa do Desenvolvimento de Apoio à Pesquisa da Universidade do Estado do
Pará (Research Aid Development Program of the State University of Pará), of FADESPA - Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Pará (Pará's Research Aid Foundation).
Keywords: Memoirs, Oral Hstory, City.
1
*Historiadora, Mestre em Educação .Profa. Assistente IV da Universidade do Estado do Pará. Pesquisa financiada pela Universidade do Estado do Pará e Fundação do Amparo a Pesquisa- FAPESPA.
O texto apresentado resulta de pesquisas efetuadas entre os anos de 2004 e 2007 por
professores pesquisadores e alunos da Universidade do Estado do Pará, reunidos no Grupo de
Pesquisa “Culturas e Memórias Amazônicas”, grupo interdisciplinar que reúne várias áreas de
ensino e pesquisa. O trabalho teve como objetivo desenhar painéis históricos de Belém pelo
viés das memórias, delineando-se então uma diferença em relação aos outros tratamentos
sobre a cidade que em sua maioria enfatizam o econômico, o cronológico, o político, ou
mesmo recortes urbanísticos.
Trata-se de duas pesquisas que concluídas possibilitaram a escritura do livro
Memórias de Belém de Antigamente1 que reúne textos sobre a cartografia da cidade nos
meados do século XX, assim como temáticas que envolvem as poéticas, como música,
cinema, teatro, rádionovela, modas, namoros, costumes e espaços de leitura e escrita.2
Nosso trabalho aqui explorará aspectos sócio histórico-culturais, com recortes sobre a
cartografia da cidade e de movimentos culturais como Teatro, Música e Artes Plásticas, pelo
viés das narrativas de idosos e de artistas. A pesquisa “Memória de Belém em Histórias de
Velhos” desenvolvida no ano de 2005 escolheu como lócus da investigação o Asilo Pão de
Santo Antonio, instituição fundada em 1936, para abrigar idosos de diversas origens sociais.
Nossos narradores foram escolhidos mediante critérios como ter morado em Belém no
período em foco, meados do século XX, e principalmente, terem condições físicas e
psicológicas para o exercício da (re)memoração, além da adesão dos idosos à proposta.
Inicio este texto em 2010 e quatro destes entrevistados já morreram, concorrendo para
este quadro a idade avançada, as doenças da idade, ou mesmo a tristeza e depressão que o
isolamento causa. Os dez intérpretes que apresentaremos a seguir têm trajetórias que se
aproximam, se cruzam e se distanciam nas práticas sociais que suas histórias de vida
possibilitaram, mediatizadas por suas origens sociais e percursos de vida. São eles:
Raimunda da Silva Nazaré nasceu em 1919 e se originou de uma família bem pobre,
por isso teve que trabalhar muito para sobreviver, restando pouco tempo e espaço para lazer e
1 - Memórias de Belém da Antigamente/Josebel Akel Fares (org), Belém: EDUEPA, 2010.
2 - Artigos escritos por pesquisadores, professores e alunos envolvidos nos projetos. (ver Memórias de Belém
de Antigamente op. cit.)
2
diversão. Perdeu a visão com o tempo e sonha em recuperá-la; Joana Graça da Conceição do
Espírito Santo nasceu em 1937, em São Domingos do Capim, município do interior do Pará.
Menina pobre veio trabalhar em Belém aos 16 anos. Dedica-se a arte da costura, no Asilo;
Terezinha de Jesus Manfredo Silva, nascida em 1930, na Ilha do Marajó, veio para Belém
estudar na casa de uma tia, onde conviveu com pessoas de alto nível escolar. Freqüentou
ambientes refinados, daí apreciar óperas e demais expressões culturais; Raimunda Iolina
Souza Ferreira nasceu em 1926. Morava há pouco tempo no Asilo para onde se dirigiu por
escolha pessoal, ao perceber sua dificuldade em morar sozinha. Foi interna do Colégio Santo
Antônio e apesar do rigor que a educação do internato propiciou, defendia idéias bem
modernas. Foi uma das que morreram no período entre o final das entrevistas e a publicação
do trabalho em inicio de 2010. Mario Nazareth de Souza, nascido em 1928, de família
humilde, tornou-se órfão de pai aos dois anos e aos quinze perdeu a mãe, sendo criado pelos
padrinhos. Dedicou-se a estudar, tornando-se advogado. Dominava seis línguas, trabalhou na
Panair e conheceu o Brasil e o mundo através do seu trabalho; Florinda Bastos da Cunha
nasceu em 1916 e ao contrário dos outros narradores pertencia a uma família de elite,
freqüentando os melhores lugares. Conservava o cuidado com sua aparência, com suas formas
de vestir, falar e se relacionar, sua educação refinada e elegante a distinguia entre os idosos
residentes do Asilo. Também já faleceu. José Sales nasceu em 1934, possui excelente
memória e boa saúde. De origem cearense, foi guarda de trânsito. Divertiu-se muito na
juventude, ia às festas, gostava de dançar e namorar bastante. Sente-se hoje muito só. Maria
José Amaral, nascida em 1927, foi órfã de mãe ainda menina e viveu como empregada em
casas de família, onde perdeu a infância, a alegria e as brincadeiras da idade. Hoje, na sua
velhice, gosta de falar do passado, mesmo com mágoa e dor. Adora plantas e delas cuida com
carinho; João Souza Sarmanho nasceu em 1942 em Belém, era nosso mais jovem intérprete,
pois também morreu. Morou em vários bairros do centro e da periferia, era muito alegre,
divertido e falante. Vivenciou o mundo da política, pois seu pai, cartorário, circulava neste
setor. Osvaldino de Oliveira, Seu Dino, nasceu em 1913 em Vigia, município do Pará,
trabalhou como jardineiro e depois motorista de praça, em Belém e Rio de Janeiro, o que lhe
possibilitou conhecer o dia a dia da cidade, das festas e das personalidades locais. Ao falar de
sua família se emocionava. Aproveitou sua juventude e alcançou seu sonho de conhecer
vários lugares do Brasil. Também faleceu.
3
A segunda pesquisa, empreendida ente 2005 e 2007 captou as várias Belém através
das narrativas de artistas das diferentes expressões estéticas. Trata-se do Projeto “Memórias
de Belém em Testemunhos de Artista”, que registrou experiências de personalidades de
destaque no mundo das artes em Belém em meados do século XX e que ainda hoje são
referencias culturais na cidade. Apresento os informantes:
Cleodon Romano Medeiros Gondim, nascido em 1940, é um homem de mil
instrumentos. Graduado em Filosofia e Geografia, não exerceu nenhuma das duas profissões,
que utilizou apenas “para sua cabeça, para o seu corpo”, como ele mesmo diz: “Quando eu
quis cuidar da minha cabeça, eu estudei filosofia, quando eu quis cuidar dos meus pés eu
estudei geografia”. Foi jornalista, editor de cultura, dedicou-se ao teatro, cinema, rádio novela
e televisão. Atualmente é cerimonialista e professor de cursos de curta duração. Nilza Maria
Feitosa, uma senhora de sorriso largo, avó de quatro netos, hoje com 87 anos, tem muita coisa
a nos ensinar. Atuou nas modalidades: teatro, rádio, cinema e televisão. Seu trabalho no
Grupo Experiência já completa 22 anos. Maria Lenora Menezes de Brito nasceu em 08/11/35,
dedica-se à música erudita. Pianista. Foi professora do Conservatório Carlos Gomes e sua
primeira vice-diretora nomeada. Aurino Pinduca Quirino Gonçalves, nascido em 04/06/37, em
Igarapé Miri, casado, seis filhos, fez carreira na polícia militar, onde é tenente e foi mestre da
banda de música. Seu pai era professor de música, faleceu aos noventa e três anos, com o qual
aprendeu as primeiras notas musicais, era compositor, criava peças teatrais para Pastorinhas,
pássaros, cordão do galo. É chamado Rei do Carimbó. Benedito Monteiro nascido em
01/03/1924 em Alenquer, foi escritor, Secretário de Estado, duas vezes deputado federal e três
deputados estadual. Teve destaque no mundo da política, mas morreu consagrado como
escritor de romances premiados. João Bosco da Silva Castro nasceu em 13/01/1940 em
Belém, foi diretor das duas escolas de música, tanto do Conservatório Carlos Gomes, como da
Escola de Música da Universidade, Sua especialidade inicial foi a música, piano e depois
regência de coro. Atualmente é regente do coro do Tribunal de justiça do Estado. Guilhermina
Tereza Serveira Nasceli, nascida em 01/10/1924 em Portugal, foi registrada na embaixada
brasileira, no consulado brasileiro. Sempre se dedicou à música erudita. Trabalhou no Teatro
da Paz com Waldemar Henrique de 74 a 80 trabalhei com ele como vice-diretora, de 80 a 89
foi diretora do Teatro da Paz. Ocupou cargos de direção no Teatro da Paz e no MABE, Museu
de Arte de Belém. Paulo Ricci é artista plástico e já expôs em Recife, Salvador, Brasília, e Rio
de Janeiro, no Museu Nacional de Belas Artes.
4
A metodologia da História Oral foi a bússola deste trabalho Fez a ponte entre história
individual e coletiva, posto que na medida em que cada sujeito conta sua história, estas
remetem a um contexto sócio-histórico, onde suas lembranças são mediatizadas. O cotidiano
destas pessoas em meados do século XX imprimiu suas marcas no tecido social, já que o
enfoque é o sujeito, mas a análise dos relatos leva em consideração as questões sociais
presentes na sociedade.
Os Traçados da Cidade.
A Belém relatada além de localizar o crescimento do perímetro urbano da capital,
revela a distância existente entre as áreas mais centrais e comerciais de Belém e os novos
distritos de expansão da cidade. O primeiro e segundo distritos, áreas antigas da cidade
constituídas pelo centro comercial e zona portuária possuíam as principais praças, largos e
passeios públicos da cidade. Os demais distritos, organizados a partir do eixo-vertical de
crescimento da cidade, nas adjacências dos trilhos da Estrada de Ferro Belém-Bragança, são
desprovidos no período estudado, meados do século XX de áreas públicas voltadas para o
lazer. Desenharam-se desta forma diferentes formas de ocupação do espaço em Belém, nos
meados do séc. XX. Penteado (1968) localizou diferentes zonas da cidade, onde se situavam
os bairros elegantes, os de classe média e os pobres e periféricos. Os bairros residenciais de S.
Brás e Nazaré, na zona Leste eram bairros elegantes, arborizados, com numerosas mansões
cercadas por lindos jardins, localizadas ao longo das avenidas Independência, Nazaré e S.
Jerônimo. A Cidade Velha, Campina e Reduto eram considerados bairros modestos, ocupados
pela classe média, com residências situadas “no alinhamento das ruas, algumas com pequenos
jardins laterais”. Os bairros residenciais pobres exibiam “as casas de madeira cobertas por
folhas cobertas d de palmeiras, algumas edificadas em terreno muito úmido e por isso mesmo
elevadas sobre estacas, outras diretamente sobre o chão” (PENTEADO, 1968).
As pessoas aqui ouvidas habitaram no geral os bairros modestos
que Penteado relata. O bairro é lugar da vida cotidiana pública, ampliação do habitáculo,
espaço cartográfico, lócus de sociabilidade, afetividade e conflitos. Território percebido como
soma das trajetórias inauguradas a partir do local de habitação, Pode mudar-nos, viver ao longo
de nossas vidas em diferentes espaços, mas nossos habitats sucessivos jamais desaparecem
totalmente, nós os deixamos sem deixá-los, pois eles habitam invisíveis e presentes, nas nossas
memórias e nos nossos sonhos. (CERTEAU, 1996, p. 420)
5
As ruas, lugares da memória individual, identificam pulsações sociais e quanto mais
antigas mais histórias têm para contar. Nossos narradores falam de suas ruas com familiaridade
apontando suas mazelas e insuficiências. Com poucas exceções estes espaços desfavorecem a
construção das sociabilidades e vivências em grupos, pois inexistem áreas coletivas que
propiciem os encontros como praças e áreas de lazer. Eram em sua maioria de terra batida, o
asfalto ocorreu apenas nas áreas nobres. A maioria informa imagens de Belém que não
combinam com aquelas reveladas nos cartões postais de antigamente, pois eram pessoas
pobres, que moravam mal, numa Belém que guardava seu glamour para os espaços da elite. 3
Ao iniciar-se o ano de 1945 a cidade ainda se defrontava, entre outras dificuldades,
com a deficiência do serviço de força, bonde e luz; de abastecimento de água potável; de
saneamento de águas alagadiças; e, sobretudo com extraordinário aumento do custo de vida
agravado pela escassez dos gêneros de primeira necessidade. A lama, as valas e o capim
completam o quadro de pobreza e abandono. As vacarias completam a cartografia da cidade,
existentes em quase todos os bairros, segundo informam os entrevistados. Penteado
(PENTEADO, 1968) reclama da existência destes estábulos anti-higiênicos de fundo de
quintal ou então pequenas granjas, localizadas junto a residências. Estas, além de fornecerem
leite, forneciam flores para enfeite das casas e dos caixões. Essas vacarias situavam-se em
zonas alagadas e tinha o odor característico do gado nelas criados. Dino, Mario, Florinda e
Sales as localizam por todo canto de Belém:
Tinha vacaria na Avenida Ceará, tinha na Conselheira também. A maioria dos terrenos era por ali, por exemplo, ali na Conselheiro com Alcindo Cacela até a outra Rua da Pariquis, aquilo tudo era plantação de rosas, flores, era horta que chamavam, horta de flores. Então, quando morria uma pessoa e queriam flores iam lá comprar. Era caro [...] era difícil encontrar rosas naturais. Mas, quando encontravam era tirado na hora cortavam e faziam aquele buquê. (DINO, 2005)
Tinha uma vacaria muito grande numa baixada, no bairro do Reduto, numa baixada parece que era na Quintino, que era também de amigos do meu pai, de onde vinha leite quentinho pra nós. (FLORINDA, 2005)
Tinha uma vacaria passando a Augusto Correa com a passagem Tucunduba, tinha a vacaria lá na Lomas, outra na Almirante Tamandaré com a São Francisco, tinha no Jurunas, que eu não me lembro muito. (SALES, 2005).
3 - Ver Cidade Narrada: Memórias, Histórias e Representações, de Rodrigues, Venize Nazaré Ramos em
Memórias de Belém de Antigamente, op. cit.
6
Além das vacarias, os igarapés eram presentes no desenho da cidade. Na Marambaia
Velha, as falas de S. Sarmanho localizam até um certo bucolismo, pois era considerada
“interior”, porque para lá se ia de trem. Guardava vestígios do rural, cujos caminhos eram de
chão batido.
Tinha areia, igarapé, acho que até hoje ainda tem, o igarapé da mata, um igarapé conhecido, que era bem na mata mesmo, por isso que chamavam rua da mata. As casas eram de enchimento, algumas de palha e outra telha de madeira, é o que se chama de cavaco, telha de madeira. (SARMANHO, 2005)
O bairro do Guamá era muito atrasado, segundo falas do José Sales, que morou em
várias ruas deste espaço, como Augusto Correia, Barão, Passagem Alegre e Passagem Moura
Carvalho, todas situadas no bairro. Sujeito às enchentes anuais, Penteado situa o bairro, onde
“predominam as barracas, e são raros os prédios de alvenaria com dois ou mais andares. Um
sem número de ruas e travessas dificilmente habitáveis, por causa das deficiências de
escoamento das águas pluviais” (Penteado, op. cit., p. 312). José Sales confirma:
As ruas era chão e água batida, com a vala e ficava aquele buraco, capim tinha muito, e aquilo quando empoçava, a água transbordava tudo. No Guamá tinha até olho d água, é o lugar que a água evapora em cima, e se botar terra, botar, botar, cobrir ela, depois ela sai de novo; é olho d água, coisa feita pela natureza. ( JOSÉ SALES,2005)
No bairro do Umarizal, que se destaca hoje pela intensa verticalização do espaço, o
capínzal e as valas e o alagamento eram presentes. Maria José, que morou na Vila Guarani,
numa barraca de palha, de chão e enchimento, perto do mercado Santa Luzia relata que havia
"uma vala que quando a chuva era grossa, deitava o capim; era muito atrasado, as ruas escuras,
era um postezinho de madeira, mal acabado, com prato de esmalte e uma lampadazinha
escura”. Terezinha Manfredo também fala do Umarizal, lembra das ruas onde viveu, “não eram
asfaltadas, era assim terra mesmo, aquela terra amarela, só que era assim muito dura, não era
piçarra, era da própria terra, aquela terra dura, vermelha, avermelhada”.
As marcas do progresso são percebidas apenas por Florinda Cunha no bairro do Reduto,
onde viveu na Travessa da Estrela, depois Ferreira Pena, Índio do Brasil e hoje Assis de
Vasconcelos. Lugar beneficiado pelas reformas efetuadas no início do século XX pela
intendência de Antonio Lemos que tal como Pereira Passos no Rio de Janeiro beneficiou as
áreas centrais da cidade. Sua narrativa reforça este quadro:
7
A rua do meu bairro era a Avenida Assis de Vasconcelos, a Segunda Avenida do Brasil, ela já foi uma espécie de um beco, porque defronte desta ruazinha que era um beco, nós tínhamos nossa casa, aliás, era muito boa, enorme de tamanho, muito grande, pegava o fundo de quase de treze quintais de lado. Fundo para nossa rua tinha uma grande casa de Madeira e de Sal, era de família, portuguesa casada com paraenses, eram poderosos, eram ricos, mas aí houve não me lembro o governo que pediram pra eles saírem, né? Eles foram obrigados a sair, não sei pra onde foram, aí abriram a casa, rasgou a rua e surgiu a Avenida Assis de Vasconcelos. (FLORINDA, 2005)
O Reduto, para ela, era “poderoso, importante, de muitos comerciantes, era um bairro
comum, mas que tinha muito poder, muita riqueza, muita coisa boa”. Penteado (op. cit., 1960),
no entanto considera o Reduto um bairro em decadência, nos meados do séc. XX, pois perdeu
sua condição de bairro- mercado, com o desaparecimento da Doca e de sua conhecida feira.
Considerado pelo autor um bairro de desenvolvimento espontâneo, com quarteirões irregulares,
ruas estreitas e sem arborização, situava-se no espaço entre a antiga Doca do Imperador e o
Convento Sto. Antonio. Lá existiu a Fábrica de artefatos de fibra vegetal “Perseverança”. Era
presente também o pequeno artesanato, as fábricas de cadeira de vimes, ourivesarias,
sapateiros, casas de venda de açaí. Os trabalhadores residiam nos fundos de suas lojas. Na
década de 1910 era grande a concentração de comerciantes sírios na área.
A cidade vivida e apreendida pelos nossos intérpretes demonstra a ação das forças
sociais na produção do espaço urbanizado. Suas memórias revelam duas cidades: uma das áreas
centrais, objeto de investimentos e políticas públicas. Outra, a cidade periférica, habitada pela
maioria dos narradores, onde expressam as muitas dificuldades para sobreviverem em ruas
alagadas, escuras, esburacadas e cheias de capim, convivendo com estábulos e vacarias que
deterioravam o ambiente no qual viviam.
Os serviços de água, luz e transporte, bens inestimáveis para a população, constituíam um
problema para os que viviam naqueles tempos. A maioria usava mesmo água dos poços, das
cacimbas ou mesmo da chuva, que armazenava em tinas, bacias ou barris. prática comum
naqueles tempos. S. Dino nos fala destas dificuldades:
“O pessoal que morava longe da cidade que não podia pagar água, o governo instalava numa esquina ou uma bica. Bica é uma torneira, aqui chamam torneira, então tu vinha e tirava água dali... vinha com seus baldes... fazia fila botava um depois botava outro” (DINO, 2005).
Belém, por outro lado, vivia às escuras, nas casas e nas ruas precariamente iluminadas
“por um fio de luz” em postes na maioria de madeira. O governador do Estado Magalhães
8
Barata, político autoritário, interventor, nomeado por Getulio Vargas para o comando do
Estado e depois eleito pelo povo, dominou a cena política nos anos 30, 40 e 50 do século
passado. Populista e amado pelo povo é lembrado por S. Dino como aquele que “olhava pelos
pobres”, pois quem não tinha condições, não pagava água e nem luz, que na sua época era
servida pela Pará Elétric, cuja estação ficava perto do Cais do Porto.
A luz era muito fraca, ia melhorar pras casas depois de nove horas da noite. O comércio fechava todo, as oficinas e então ia melhorando a luz. Mas no princípio logo, seis horas, sete horas era um pavilzinho, porque ligava a luz, mas não dava pra assistir nada. Não tinha rádio, não tinha televisão, não tinha nada, não tinha geladeira, nada disso. (MARIO, 2005)
Ao mesmo tempo em que registram a escuridão das ruas, os narradores falam da
limpeza da cidade. Na ausência de serviço público de coleta de lixo, era comum a prática
de queimar ou enterrar o lixo produzido nas casas. Essa norma se mantinha, segundo relato
de S. Mario.
A queima do lixo no quintal era possível naqueles tempos, onde todas as casas tinham quintal. Então se varria, queimava daquelas cinzas se fazia adubo pras plantas. Tinha uma carrocinha que coletava cachorro. Não havia cachorro abandonado, levavam pro forno do lixo na Cremação, matavam. Se não fosse buscar, eles matavam bicho. (MARIO, 2005)
Queimando, aterrando ou colocando o lixo em carroças e carros da prefeitura, era essa
a destinação que a população de Belém dava ao lixo produzido nas casas, nos comércios e
demais locais públicos, dando sentido às observações de S. Mario, “a cidade era limpa e
ninguém jogava lixo na rua como hoje fazem. Regrediram em educação.”
As pessoas circulavam na cidade de bonde, de carroça, de trem, de carro de praça, de
ônibus e até de zepelim. Era assim que os belenenses se apossavam da cidade. As distâncias
eram grandes e a dificuldade de transporte era imensa, pois em muitas ruas era impossível a
circulação de ônibus, carros e ou bondes, devido os buracos, a lama e os aguaceiros. Até
mesmo a distante Tito Franco, atual Almirante Barroso, uma das ruas mais largas de Belém
que dá acesso à saída de Belém via terrestre, é apontada como inóspita.
A Tito Franco era cheia de vala, já alargaram aquilo, aterraram tudo. Tinha uns torletes de madeira de dois metros, ela atravessava a vala. Era muito forte para agüentar o peso do bonde. Então eles cavavam com aqueles parafusos grandes pra agüentar o bonde. (DINO, 2005)
9
O bonde é referencia de transporte e de afetividade. Pegava o bonde quem queria fazer
compras e quem queria passear também. Tinham bondes cargueiros e de passageiros. O
cargueiro vinha lá do Ver o Peso, e ia até o Souza, último bairro servido pelo bonde. Quem
queria fazer suas compras ia botando tudo lá; tinha carroças também. Os trilhos existentes
marcavam toda a cidade. S. Mario afirma que “tinha trilho por toda a cidade e fio também,
porque era bonde elétrico. Embora se andasse muito a pé, os bondes serviam,” Lembra das
linhas cobertas pelo bonde Cremação, Alcindo Cacela, Curro, que ele apanhava na
Conselheiro Furtado e ia lá pro comércio. Tinha o Ferreira Gomes, o bonde Independência, o
bonde Circular, o bonde Souza, o bonde Marco. S. Mario diz que tinha uns bondes velhos,
mas tinham outros que eram muito bonitos.
Penteado (1960, op. cit.) registra que em 1950 um incipiente serviço de bondes ligava
os bairros mais importantes ao centro da cidade: Umarizal, Nazaré, Batista Campos,
Comércio, Reduto e Cidade Velha. Eram os mais bem servidos, ficando isolada a linha que
servia o distante Marco da Légua. Haviam bondes para todas as categorias sociais, segundo
Cruz.(op. cit., 1992). Os bondes elétricos conviviam com os bondes de tração animal.
Para conduzir as autoridades em situações especiais, eram utilizados “carros-salão,
com vestíbulo em cada extremo, doze cadeiras móveis, seis janelas de ventiladores,
caprichado acabamento interno e serviço de buffet, ventiladores, cortinas, porta-chapéus e
bengalas, vasos com plantas e pequenas mesas”. ( ROQUE, p.439).
Para o público, havia os bondes de primeira e segunda classe. Na primeira classe os
assentos eram colocados transversalmente de ambos os lados do carro, uma passagem central
em todo o compartimento e dois assentos em cada plataforma. Tudo guarnecido de palhinha,
cortinas e lona forte para quando chovesse. Havia os bondes fechados com sete janelas de
cada lado, assentos dispostos transversalmente, guarnecido de junco da índia em moldura de
madeira polida. Ainda aqueles com as mesmas características, mas com assentos laterais. Os
bondes de segunda classe eram abertos para passageiros e bagagens, com assentos colocados
transversalmente em toda a largura do carro e um espaço, ao centro, para as bagagens; E havia
os carros- vestíbulos abertos, de segunda classe, só para passageiros.
10
O trem também era um transporte popular, por isso é recorrente na lembrança dos
nossos narradores. Terezinha Manfredo se lembra das fagulhas que queimavam a roupa da
gente, mas que “era pouquinha coisa porque a pessoa logo apagava.”.
O trem ia e vinha. Saia da ferroviária, hoje rodoviária. Nós chamávamos ferroviária porque... tudo era feito de ferro. Então eles tinham trem pra lá e tinha pra cá. Só que tinha as agulhas. As agulhas eram... por exemplo, vem o trem de lá e eles comunicavam à pessoa que o trem se aproximava, então quem ia daqui pra lá entrava no desvio, tinha o desvio [...] entrava e esperava esse trem passar que vinha de lá. Ele vinha direto passava. Depois que ele passava abria a chave de novo, colocava um trilho com outro e seguia. Interessante! Bonde também era a mesma coisa. (SALES, 2005)
Com a extinção dos bondes e do trem os ônibus começaram a se tornar mais presentes.
Estes eram de madeira, desconfortáveis. A inovação veio por conta do zepelim, de pintura
metalizada e com a forma do antigo dirigível. O sucesso do Zepelim, ônibus coletivo, pode
ser conferido na fala abaixo.
Dia de domingo todo mundo pegava o Zepelim pra ir pra Condor. Era a única linha que tinha do Zepelim, só ele. Tinha o nome do dirigível alemão, zepelim. Então nós botamos o nome de zepelim porque... eu vou mostrar, eu tenho a foto dele; depois eles começaram a construir aqui, mas do tipo pequeno. Levava cinqüenta e duas pessoas sentadas. O salão era amplo. Dia de domingo era pra condor, era pro pessoal passear e dia de semana fazia Ver o peso - São Brás. Ah, era muita gente. Faziam fila esperando [...] (DINO, 2005)
O zepelim quando vinha à distância era reconhecido pelo brilho, segundo as
lembranças, “de dia era por causa do sol e de noite era por causa da luz”. Gostava de andar no
zepelim porque “era bem alto e a gente enxergava bem a cidade, era todo encapado, uma
delicia que era o ônibus, os bancos todos encapados em branco”. Diz que o primeiro zepelim
era bem grande, depois fizeram o segundo, um pouco menor, “mas aí levaram pra Recife
todos dois, tudo o que tem de bom carregam logo”, relembra saudosamente S. Dino.
Trem, ônibus, zepelim, bonde, esses meios de circulação permitiram aos nossos
narradores apropriarem-se do espaço da cidade nos tempos de suas lembranças,
reconhecendo-se parte destes territórios físicos e sócio-afetivos que lhes constroem como
sujeitos históricos.
AS PULSAÇÕES DA CULTURA.
11
As memórias dos artistas em geral remetem a um tempo de apogeu de suas
experiências estéticas quando situam suas recordações nos meados do XX passado. Muitos
destes ainda hoje se dedicam ao ofício das artes e dele retiram sua sobrevivência e sua
visibilidade artística, não obstante o pouco incentivo às artes, no geral.
Os artistas da música são pessoas de seu tempo e o tempo é o momento presente, muito
embora suas recordações do passado tenham o vigor da juventude.
Maria Lenora Menezes de Brito nasceu em 1935, pianista consagrada e estudiosa e
pesquisadora da música, dedicou sua vida a musica erudita e dividia seu tempo entre os
espaços dos salões dos conservatórios, da SAI-Sociedade Artística Internacional, que abria
seu espaço para pianistas internacionais que passavam pela cidade com destino à Europa e
Teatro da Paz, espaço nobre onde tocou várias vezes. Nunca teve professor de fora, declara
que sua grande mestra foi à professora Eni Mendes Barroso Rebelo, professora do
Conservatório Carlos Gomes. Ressalta, no entanto que à exceção do Teatro da Paz, estes
salões eram pequenos e mesmo assim não conseguiam lotação completa, o que mostra que a
música erudita não conseguia mobilizar grande público. O canto lírico e o orfeão tinham sua
vez nos anos 60. Helena Coelho Cardoso é citada como a grande dama do canto lírico em
Belém. Teve seu primeiro piano de cauda como presente da irmã Maria Rute. Seus pianos
merecem referencia:
Devo a Maria Rute, irmã mais velha o meu piano de cauda, que o meu primeiro piano foi muito modesto, de armário, lá nessa primeira casa da Rodrigues dos Santos, são casa geminadas, pequenas, que a vizinha até brincou que quando o piano entrou a parede dela arriou um bocadinho. A minha irmã, quando passamos pra esta casa que era mais ampla eu vi um dia vende-se harmonioso piano de cauda, era um leilão na Governador José Malcher. (LENORA, 2005)
O piano, mais que instrumento de consumo ou de decoração era essencial para o
crescimento artístico de Lenora. “A professora Eni dizia: a Lenora tem muita rapidez, muita
clareza, mas não tem força no piano, pra atacar um fortíssimo, precisa de um piano mais
sólido”. Lenora diz que os pianos velhos têm um som bonito, mas diferentes do violão e do
violoncelo que quanto mais velhos, melhores, o piano é instrumento de percussão, então o
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martelo bate e ele está se desgastando, porque o movimento dele não é de fricção. Detalha
com paixão a aquisição do novo piano: em um leilão.
Fomos à noite, o piano estava assim no estrado, com cortinas brancas assim, num canto de sala, aquilo pra mim foi a glória, aí , quando a gente ta saindo assim um pouco desesperançada, vem um senhor do leilão e ela o conhecia. -Viemos aqui ver aquele, aí eu toquei no piano. Ele gostou e disse: - quando eu falar piano você dá o preço que você tem e eu fecho, pra não dar tempo de ninguém respirar [risos) e pra minha surpresa ninguém fez questão deste piano, parece que as pessoas só queriam as jóias, os móveis, os cristais e tanto que a minha irmã disse o preço que nós tínhamos, ele páh, bateu o martelo e fechou. Então esse piano de marca inglesa, eu toquei, aí todo mundo já sentiu a diferença do toque, estudei muito neste piano. Este piano depois eu dei com muita satisfação ao Urubatam. (LENORA, 2005).
O canto orfeão marcava presença significativa nas escolas de ensino médio, inclusive
com apresentações que envolviam grande número de alunos. Neste ofício as profas. Vela
Alves, Adelermo Matos e Maria Figueiredo eram as referencias. João Bosco da Silva Castro,
nascido em 1940 na cidade de Belém diz que estas eram as personagens mais importantes da
época que davam aula no ginásio, Maria Luisa Vera Alves no CEPC, e no IEP, antiga Escola
Normal, era a Maria Figueiredo. Ainda tinha a professora Iolanda Zuline, porque tinha outras
professoras que trabalhavam na área do curso primário. João Bosco narra que isso dava a
oportunidade de no mês de setembro grupos enormes de alunos irem cantar nas festividades
da semana da pátria, normalmente acontecia nos campos de futebol tipo Remo, Paysandu, ou
até mesmo no consagrado Teatro da Paz. Foi quando em 61 criam a lei de primeiro e segundo
grau, a lei 5692, que acaba toda essa formação de canto orfeônico, cedendo lugar à Educação
Artística. Então quando o aluno encerrava intensa formação no Conservatório Carlos Gomes,
não tinha muito mercado, ou ia embora pro Rio, ou entrava na vaga de um professor que
estava se aposentando no Conservatório. Por isto Bosco acredita que muita gente boa se
formou, mas depois não exerceu a profissão.
João Bosco tornou-se artista em função do seu estudo de música. Lembra que no fim
da década de 60 foi criado um coral, o Etéreo Bosi e ficou regendo este coro. Depois
começaram as viagens, pro exterior também, a primeira viagem mais longa pro Suriname e
depois já como regente, ainda do Etéreo Bosi, foi para festivais internacionais como o de
Porto Alegre, Florianópolis e até concertos na sala Cecília Meireles. Chegou a reger a
orquestra do Teatro Municipal, mais ou menos na década de 60, 70, até 82, quando entrou
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para a Universidade Federal e assumiu a regência do madrigal. Foi a música que lhe
possibilitou conhecer os Estados Unidos, Europa, Suíça, realizar conferencia na Alemanha,
França, Bélgica e Bruxelas
Os espaços para a música erudita, como já afirmou Lenora, eram o auditório da Sala
do Conservatório Carlos Gomes, criado na gestão da professora Vera Alves quando foi
diretora do Conservatório. João Bosco criou a Sala Étereo Bosi, que era o velho auditório
melhorado. Outro espaço era o auditório da Sociedade Artística Internacional, que concorreu
para formar platéias, onde se apresentaram inclusive concertistas de fora como Bidu Saião,
Arnaldo Estrela brasileiro, entre outros.
Guilhermina Tereza, musicista, nasceu em 1924, Portugal, mas foi logo registrada no
consulado brasileiro e fez de Belém sua terra natal. Desde criança gostou de música.
Dedicada, afirma: “fiz o curso todo e tirei distinção, louvor sem ter piano, naquela altura toda
casa tinha um piano, mas meu pai não tinha condição de comprar um piano”. Valeu-se dos
pianos das casas dos amigos que gostavam de ouvir para fazer o curso. Aponta além das salas
de música já citadas, as iniciativas de entidades que procuravam o Conservatório, convidando
pessoas para, ou para ilustrar um evento, ou uma reunião, como espaços de platéia, a
Assembléia Paraense, ali na Praça da República, eu o Grande Hotel e dentro do Grande Hotel
onde tinha uma sala de concertos, com frisas e o espaço em baixo. Mas a platéia tradicional
para ela era a família de todo o alunado e naturalmente as pessoas que gostavam, a entrada
franca possibilitava boa assistência.
Para Guilhermina tem duas opções para o músico erudito, ou é concertista, ou
professor. “Pra ser concertista tem que ter um horário de oito horas por dia pra estudar, pra
preparar o programa, fazer cursos de aperfeiçoamento e se lançar”.
Se por um lado, a música erudita lutava para ter seu espaço, a música popular
encontrava um apelo maior das massas. Nossas informações vêm de Pinduca, Aurino Pinduca
Quirino Gonçalves, mestre do carimbó e referencia regional, nacional e internacional. Foi este
ritmo que o consagrou como artista, ritmo cuja ancestralidade remete à musicalidade negra e
indígena na região amazônica. Pinduca revela que as práticas musicais nos meados do século
passado tinham uma beleza marcante, pureza musical, porque “era tudo acústico, eram
orquestras, onde você podia ver um palco com muitos músicos, todos bem vestidos, aquela
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coisa bem organizada, tocando acústico, enormes salões com pessoas dançando, a orquestra
tocava e um cantor cantava, um tempo muito bonito”. Relembra as orquestras de Orlando
Pereira, Lélio e seu conjunto, Alberto Mota, marcos nos salões de dança dos clubes da cidade.
Possui um CD da orquestra de Alberto Mota passado do vinil e que foi gravado em dois
canais, quando atualmente são quarenta, oitenta canais. Constata que mesmo assim se percebe
a pureza da música. Pinduca se profissionalizou baterista, foi percussionista, pandeirista,
bongozeiro e depois baterista da orquestra do Orlando Pereira.
Os espaços culturais da cidade eram os clubes, as sedes e os cinemas, que eram
presentes por toda a cidade, quer nas áreas nobres, quer nos subúrbios. Neles exibiam-se
filmes, peças teatrais, pastorinhas, pássaros, músicos e cantores. Pinduca aponta o Teatro S.
Cristovão, o Pedreirense na Pedreira, União e Firmeza, o Imperial na Rua dos Tamoios como
alguns destes lugares de cultura. Entre os Clubes destaca o Pará clube, Iate clube, a
Assembléia. Afirma que se o músico tivesse disposição trabalhava quarta, sexta, sábado,
domingo de manhã, à tarde e a noite, afirma “que músico neste tempo podia ter família,
bastava não ser beberrão”.
Então, nós trabalhávamos assim, a gente tocava em pensões nos dias de domingo sempre tinha feijoada nas pensões das madames. A gente tocava nas quermesses, nos terrenos, principalmente aqui no bairro da Pedreira, Sacramenta, Pegava aqueles terrenos bonitos, cheios de árvores, seringueiras e tal, era bonito, limpava, punha a orquestra pra tocar lá e olha, olha aqui de gente dia de domingo. E tinha os clubes, esses clubes que eu já falei neles, aí é a alta sociedade assim que chamavam (risos), alta sociedade. Inclusive o Orlando Pereira não tocava na baixa (risos), não, até quando surgiu Alberto Mota e mudou tudo. (PINDUCA, 2007)
Paulo Rici é artista plástico se dedica à arte da pintura. Expôs seus quadros em Recife, Salvador,
Brasília e Rio de Janeiro, no Museu Nacional de Belas Artes. Fala dos espaços da arte em Belém:
Existiam exposições de pintura, nesse tempo não tinha galeria, a primeira abriu em 1966, foi à galeria Ângelus, aberta pelo maestro Waldemar Henrique, depois abriu a Teodoro Braga. As exposições eram feitas em bibliotecas, na Biblioteca Publica e em outros locais particulares. Na Assembléia Paraense, aqui na Presidente Vargas, na antiga sede social, lá se realizava as exposições de pintura das pessoas que vinham de fora e mesmo as daqui. Eu tomei minha primeira aula de pintura lá nos salões da Assembléia Paraense, depois eu resolvi seguir até hoje. (PAULO RICI, 2005)
Expôs na Galeria Loureiro, mas era um amontoado de telas sem nenhum critério de
leitura, eram quatro, cinco telas uma em cima da outra era horroroso. Não tinha uma fileira
pra fazer uma leitura, era uma bagunça. Apesar de poucos espaços para exposição, Rici
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afirma que sempre teve boa receptividade nas suas exposições de pintura, que eram
diferentes das de hoje,
Incursiona ainda pelo mundo da poesia. Iniciou sua leitura nas aventuras de capa espada. A
poesia, na sua vida, foi uma manifestação temporã, surgiu aos 70 anos. Conviveu com grandes
personalidades do mundo artístico e intelectual em sua juventude, como Waldemar Henrique,
Benedito Nunes, Bruno de Menezes. “Eles estavam sempre ali pelo café da 15 de Agosto (atual
Presidente Vargas) eu ensaiava uns poemas, mas mesmo assim eu só comecei a fazer poesia de uns
oito anos pra cá.” Tive uma relação com Ruy Barata, já que ele era titular do quarto cartório de Civil e
um bom poeta.
Lembra dos tantos cinemas que Belém possuía, onze ou doze, espalhados pela cidade. O
“Olímpia”, que era Teixeira Martins e depois Severiano Ribeiro, o segundo em luxo era o “Iracema”,
“Poeira”, “Guarani”, “Popular”, do Cardoso Lopez tinha o “Moderno” e o “Independência”, o “Íris”.
Viviam lotados, os filmes estreavam no “Olímpia”, a entrada era cara, depois iam para o “Guarani”,
pro “Íris”, se bem que o som era horrível. O cinema era a grande diversão, mas hoje o cinema caiu
muito porque você aluga um vídeo, uma fita e vê na sua televisão.
O mundo da arte para Nilza Maria sempre foi o Teatro. Trabalhou nas rádionovelas
nos anos 50 e daí foi um salto para o Teatro onde desde então atua. Relembra que seu pai a
despertou para o teatro e cinema, pois era viciado na sétima arte. Situa os cinemas do Largo
de Nazaré como o Poeira, Nazaré, Iracema e Moderno, onde conheceu inúmeros artistas, cantores
como Emilinha Borba, Marlene, Jararaca e Ratinho, até o famosíssimo Eduvaldo Viana, pai da... Bibi
Ferreira.
Então, naquela época era uma fixação, dava uma quantidade de gente, a rádio Marajoara ficava lotada, tinha 600 lugares, ficava lotada a rádio Marajoara quando eles traziam Doris Monteiro, todos esses atores antigos, artistas antigos. Todos eles eu assisti de perto porque eu vivia também naquele meio eu adorava, eu gostava daquilo. Em Belém eu acho que o foco era Festa de Nazaré, trazia aquelas companhias de teatro rebolado, melhor dizendo, teatro variedades. (NILZA MARIA, 2007)
A trajetória artística de Nilza Maria foi pelo rádio, televisão e teatro. Nas rádio novelas
o elenco era local, mas o autor era de fora. As novelas eram recebidas da Rádio Nacional,
Rádio Tupi4 Cleodon Gondim afirma que “às vezes, fazíamos alguns programas especiais,
4 - Ver A Radio Novela e a Televisão: Processos e Passagens, de Castro Neto, Advaldo e Lameira, Renata dos
Santos, in Memórias de Belém de Antigamente, op. cit.
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com adaptações assim de grandes obras de teatro que alguém adaptava pra rádio, a gente
fazia, mas novela, propriamente dita, não havia autoria local”. Em pouco tempo, a televisão
chegou, vieram os enlatados do Rio, as novelas gravadas, então dispensaram todo o elenco, da
rádio e da televisão, e nós ficamos desempregados.
A alternativa foi o teatro. Tinha inaugurado a Escola de Teatro da Universidade
Federal do Pará, e ela funcionava na Quintino Bocaiúva, os diretores eram Maria Silvia Nunes
e Benedito Nunes. Nilza Maria conta que junto com Mendara Mariani, também atriz de rádio
foi convidada por eles a estudar na Escola. Daí deslanchou na carreira, onde só no grupo
Experiência está há 27 anos. De Shakespeare a Geraldo Salles, autor do Ver de Ver O Peso,
uma peça de linguagem popular e que com mudanças pontuais está em cena há mais de vinte
e cinco anos, Nilza Maria se afirma como atriz experiente. Ela conta:
Sei que eu tenho uma relação enorme de peças, a gente fazia peça infantil, fazia peça de Gil Vicente, que era clássico né? Fazíamos Shakespeare, outro clássico, fazíamos autores brasileiros como de Coelho Neto, nós fizemos o Quebranto, nós fizemos várias peças de autores brasileiros, porque isso fazia parte do curso de teatro. Terminando o curso de teatro entrei no Grupo Experiência, Geraldo Sales, esse bando me chama, quer trabalhar? Quero, sou louca por teatro, então não me neguei em ficar lá e Belém foi essa mudança toda, a princípio nós tínhamos aquele grupo de elite que nos aplaudia no Teatro da Paz, hoje nós temos não é só um grupo de elite que nos aplaude, mas o povão.O Sonho de Uma Noite de Verão de Shakespeare, uma peça belíssima por sinal, eu inclusive já estava saindo dos atores e passando pra assistente de direção, colaborando na direção treinando os atores. O Ver de Ver O Peso, é uma peça regional,... Lota todo tempo porque é a nossa linguagem é a nossa vida, é o nosso viver é o nosso cotidiano, são as nossas coisas que rolam lá no teatro e é uma delícia fazer aquilo, uma delicia fazer Ver de Ver-o-Peso. (NILZA MARIA, 2007)
Este foi um tempo áureo para o Teatro em Belém. Os grupos exibiam-se pelos vários cantos do Brasil e chegavam premiados de festivais em Campina Grande, em Caruarú, no Rio de Janeiro, em festivais nacionais como o festival de Arcozelo, onde voltaram com todos os prêmios do festival. “A “Pena e a Lei”, do Ariano Suassuna, que a gente levou para a Colômbia para representar o Brasil no festival, esse foi um dos espetáculos inesquecíveis.”
Nós fomos representar o Brasil no festival latino-americano de teatro universitário na Colômbia em Manesales. ...o presidente do júri desse festival não era se não outra pessoa do que o grande Pablo Neruda. Então, nós tivemos uma convivência assim no dia-dia com Pablo Neruda nos assistindo, nos defendendo, votando em nós. E o prêmio veio para o Estado do Pará, eu não sei se está na escola de teatro, porque quem deveria realmente guardar é Cláudio Barradas, que em minha opinião é um dos maiores nomes do teatro. Eu considero o Cláudio Barradas um gênio. Hoje em dia, ele é padre, ele reside no município de Santa Izabel, mas ele foi durante muitos anos, assim como você diz, um expoente, um exponencial no teatro paraense. (GONDIN, 2007)
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“Veredas da Salvação”, que eu jamais me esqueço. É do Jorge de Andrade. Direção do Cláudio Barradas. Foi este espetáculo que participou pelo Pará do Festival de Arcozelo, e que nós simplesmente trouxemos todos os prêmios do festival, sem faltar nenhum. Inclusive, eu fui um dos melhores atores do festival, nós tivemos dois atores premiados o próprio Cláudio Barradas que entrava como ator e eu. Era um elenco numeroso, era muita gente, mas tudo recebeu o seu prêmio, a cenografia, a musica, o figurino, enfim, tudo aquilo que constitui um espetáculo, foi premiado. Então, é um dos que eu me lembro, não é?(GONDIM, 2007)
O público prestigiava os eventos, as peças eram comentadas. Até mesmo os feirantes
do Ver O Peso foram contemplados com uma sessão especial da peça “Senhora dos
Afogados”, narra Nilza Maria, pois como a trama se desenvolvia toda no Casarão incrustado
na área da feira livre, os feirantes não compreendiam toda aquela movimentação existente nos
ensaios, com gritos e expressões não comuns na área.
...quando a gente estava ensaiando eles gritavam pra gente, chamavam
nome(palavrão), a gente chegava nas janelas eles chamavam pra gente, hei seus vagabundos, vão trabalhar; quando foi um dia o rapaz que fazia a produção que era o Ruan, ele hoje mora no Rio de Janeiro, ele disse assim: “vamos convidar esse povo, pra vir assistir, aí fez uma seção especial, onde não se vendeu entrada pra ninguém, onde só eles foram convidados, ele chegou lá e convidou todo mundo, e disse olha, vocês vão assistir, vocês estão convidados, só quero uma coisa; ninguém vai sujo, vai todo mundo limpinho, pode ir com a roupa mais pobre que for, mas vai limpinho, olha! Lotou, dava, não sei se cem pessoas ou oitenta pessoas sentadas, não ficava ninguém em pé na hora que se fechava a porta não entrava mais ninguém, lotou! Nós fizemos a apresentação da peça, era uma hora, tu não ouviste um pio, um pio assim ah! Não se ouviu de nenhum deles, daquelas oitenta pessoas que estavam lá, eles ficaram entusiasmados, impressionados, eles nunca tinham visto, eles não sabiam o que a gente fazia lá em cima, então na hora que eles viram eles ficaram mudos, mudos! No final é que eles se levantaram e disseram:”bravo! Bravo! Aplaudiram, aplaudiram, aplaudiram, e ficaram impressionados. A partir desse dia não teve mais grito com a gente, não chamaram mais vagabundos mais nada..., foi uma das coisas que mais me impressionou, como a arte pode atingir até a pessoa mais humilde, a pessoa mais simples, Foi essa prova que eu tirei no dia que nós fizemos a peça Senhora dos Afogados para os feirantes do ver o peso. (NILZA MARIA, 2007)
Nilza Maria cita o reitor José da Silveira Neto, amante do Teatro e criador da Escola
de Teatro, como o grande incentivador desta arte. Arcava com os custos das produções, trazia
diretores do Sul do país para interagir com diretores e atores locais; “se você visse o cenário
que foi da Écuba aqui em Belém, o Teatro da Paz com colunas gregas de palácio grego”.
Cléodon Gondin reforça esta fala:
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A única época que foi áurea foi à época do Dr. José da Silveira, porque ele era apaixonado por teatro, ele liberava verba da Universidade pra montar todas as peças que quisesse, foram peças belíssimas, teve uma peça que era “Lágrimas aos montes no sepulcro da amada” e eram uns vinte e oito ou trinta que participavam, todas as roupas eram de veludo negro ou veludo branco, todas as roupas era só veludo, um dia houve um incêndio, queimou tudo.
Cléodon Gondim despertou para o Teatro ainda criança aos quatro anos quando uma
companhia mambembe visitou sua terra natal, cidadezinha de Tarauacá, no Acre. E sempre
sonhou em ser ator. Mas era apenas um sonho até que com 16 pra 17 anos terminando o
curso médio no “Paes de Carvalho”, foi convidado para acompanhar uma amiga que era
rádio-atriz na Rádio Clube e casualmente acabou entrando no elenco das rádio-novelas.
Naquela época as mulheres não andavam sozinhas, de maneira nenhuma para lugar nenhum. Então, ela precisava, ela tinha que ir trabalhar na rádio e precisava de alguém que a acompanhasse, e eu fui com ela e estava faltando gente no elenco do capítulo que ia ser gravado, não tinha gente suficiente e eu fui fazer a substituição. A partir desse momento começou a realização do meu grande sonho. Alguns meses depois eu já estava efetivamente no elenco da Rádio Clube. Trabalhamos muito tempo em Rádio-novelas. Depois veio a rádio Marajoara, tudo isso não é? E eu fui nesse rolo o tempo todo, fiz escola de teatro (GONDIM, 2007)
Essa foi a época áurea do Rádio em Belém, com programações intensas da Rádio
Clube e Rádio Marajoara, esta última com um grande espaço de auditório na Avenida Nazaré,
onde aos domingos se realizavam programações que reunia canto, dança, saraus, piadas,
imitações, jogos de todos os tipos, com a participação intensa do público. Era uma festa para a
criançada e juventude.
A produção de Cleodon Gondim como ator foi marcante. “Infelizmente eu não me
lembro porque foram muitas peças, era uma atrás da outra. Também atuei em rádio-novela,
atuei em novela de televisão, no tempo que não vinha de fora era feita aqui mesmo na TV
Marajoara.”. Sua atuação foi desde as novelas, nos programas de teleteatro, teatro e mais
recentemente cinema. Diferente de outros artistas que guardam cuidadosamente seu acervo,
Cléodon tem suas memórias apenas na cabeça, na pele, nas recordações que alimentam sua
arte. Sua modéstia é marca nos depoimentos.
tem um espetáculo também dirigido pelo Cláudio Barradas em que eu acho que eu acertei que eu fui feliz, é uma peça do Moliére chamada Jorge Dandão, essa realmente eu não esqueço porque foi o trabalho que me resgatou que eu disse: Puxa, até que enfim que eu conseguir ser um bom ator. Era um papel maravilhoso, não podia ser diferente, um texto de Moliére. Imagine não é? Teatro clássico
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francês maravilhoso viu. Trabalhei com o grupo Cuíra, em espetáculos importantes, tem uma das peças do Cuíra escrita pelo Edir Augusto Proença, que ele escreveu especialmente para que eu fosse ator, foi um monólogo chamado palco iluminado, que eu também não poderia esquecer. Ser homenageado dessa forma por cara como Edir Augusto Proença, escrever pra mim. Realmente isso é o tipo de coisa que me engrandece. Não me envaidece, eu não tenho besteira de vaidade, mas eu acho que é uma coisa grande na vida de um ator, com toda certeza, por isso eu não posso esquecer desse espetáculo de maneira. ( GONDIM, 2007)
Assim pulsava a História no cotidiano de vida das pessoas que elegemos para (re)
memorar um tempo de Belém não muito registrado- a Belém de antigamente, como
pontuavam nas falas. Em suas narrativas emergem lugares, fatos, pessoas e junto com sua
historia individual vai sendo contada a história da cidade ou a imagem de cidade que suas
recordações evocam.
A cidade glamorosa, dos anos dourados para João Bosco, a Belém das décadas de
cinqüenta, sessenta, de pós guerra, era menor, mas muito segura. Para Lenora era aquele
charme passear no Arraial de Nazaré dando voltinhas e mais voltinhas, passeando tranqüila,
flertando, querendo namorar, arranjar namoradinho, sentar naquelas cadeiras de balanço e lá,
esperar passar os fogos, uma coisa maravilhosa. Belém era uma doçura. Era um doce, uma
cidade maravilhosa para se viver, pobre talvez. De você dormir e até esquecer de fechar a
porta e nada te acontecia, era uma beleza Belém. Esse era um tempo de muito respeito e
generosidade, no entendimento de nossos narradores. S. Mario, residente do Asilo Pão de
Santo Antonio conta que “ninguém tinha dificuldade de nada, um ajudava o outro, era uma
cooperação muito grande”. Lembra que “muita gente vinha pedir benção às pessoas idosas.
Não tinha assalto, não tinha nada disso. Casa não tinha grade. Andava-se nas ruas até três
horas da manhã, voltando da festa.”
A Belém da lembrança de nossos narradores não foi datada com rigor cronológico,
mas identificada pela intensidade das experiências por eles vividas, embora nosso marco de
pesquisa fosse o advento da televisão na cidade, lá pelos anos 60. Tempo do bonde, tempo da
guerra, tempo do trem, ou mesmo tempo da delicadeza e do respeito, ou dos anos dourados.
Era assim que a cidade era percebida pelos intérpretes nas suas vivências que rememoradas,
conferem novos sentidos ao presente. As memórias como nutrientes da história, são
construídas de acordo com os interesses que as pessoas e os grupos sociais fazem das suas
recordações, tanto do vivido, como do mitificado. A produção sobre cidades ensejam a
construção de identidades culturais singulares mediante as múltiplas experiências e incertezas
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do viver urbano que produzem distintas sociabilidades e maneiras de se apossar da cidade, de
narrá-las e de recordá-las.
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