Metafica Costumes

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  • 8/14/2019 Metafica Costumes

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    Fundamentao da Metafsica dos CostumesImmanuel KantTraduo de Antnio Pinto de CarvalhoCompanhia Editora Nacional

    PREFCIO

    A ANTIGA filosofia grega repartia-se em trs cincias: a Fsica, a tica e a Lgica.. Estadiviso est inteiramente de acordo com a natureza das coisas, nem temos queintroduzir-lhe qualquer espcie de aperfeioamento, a no ser acrescentar o princpio emque ela se baseia, para que desse modo possamos, por um lado, possuir a certeza de elaser completa e, por outro lado, determinar com exatido as subdivises necessrias.Todo conhecimento racional ou materiale refere-se a qualquer objeto, ou formaleocupa-se exclusivamente com a forma do entendimento e da razo, um e outro em simesmos considerados, e com as regras universais do pensamento em geral, sem

    distino de objetos. A filosofia formal denomina-se LGICA, mas a filosofia material,que trata de objetos determinados e das leis a que eles esto sujeitos, divide-se, por suavez, em duas, visto estas leis serem ou leis da natureza ou leis da liberdade. A cinciadas primeiras chama-se FSICA; a das segundas, TICA. Aquela d-se tambm o nome deFilosofia da natureza ou Filosofia natural; a esta, o de Filosofia dos costumes.A Lgica no pode comportar parte emprica, ou seja, parte na qual as leis universais e.necessrias do pensamento estribem em princpios tomados da experincia; decontrrio, no seria lgica, isto , cnone do entendimento e da razo, vlido para todopensamento e capaz de ser demonstrado. Ao invs, tanto a Filosofia natural como aFilosofia moral podem, cada uma, possuir uma parte emprica, pois devem aplicar suasleis, aquela natureza como a objeto da experincia, e esta vontade humana enquanto

    afetada pela natureza: leis, no primeiro, caso, em conformidade com as quais tudoacontece; leis, no segundo caso, de acordo com as quais tudo deve (388) acontecer,tomando todavia em considerao as condies, merc das quais muitas vezes noacontece o que deveria acontecer.

    Pode-se denominar emprica toda filosofia que se apia em princpios da experincia; epura, a que deriva suas doutrinas exclusivamente de princpios a priori. Esta, quandosimplesmente formal, chama-se Lgica; mas, se for circunscrita a determinados objetosdo entendimento, recebe o nome de Metafsica.

    Deste modo, surge a idia de uma dupla metafsica: uma Metafsica da natureza e umaMetafsica dos costumes. A Fsica ter pois, alm de sua parte emprica, uma parteracional . Outro tanto sucede com a tica; embora, aqui, a parte emprica possadenominar-se particularmente Antropologia prtica, e a parte racional receber o nomede Moral.

    Todas as indstrias, mesteres e artes lucraram com a diviso do trabalho. Devido a ela,no um s que faz todas as coisas, mas cada qual se circunscreve quela tarefapeculiar que, por seu modo de execuo, se distingue sensivelmente das demais, a fimde poder cumpri-la com o mximo de perfeio e de facilidade possvel. Onde ostrabalhos no so assim divididos e discriminados, e cada artista tem de realizar tudo

    por si, as indstrias permanecem numa fase de grande barbrie. Ora seria, por certo,questo digna de ser examinada, perguntar se a filosofia pura no exige em todas as suas

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    partes uni especialista que se lhe dedique exclusivamente, e se, para o conjunto destaindstria que a cincia, no seria prefervel que os que esto habituados a apresentar,conforme ao gosto do pblico, o emprico imiscudo com o racional, combinado emtoda a sorte de propores que eles prprios desconhecem, que a si prprios sequalificam de autnticos pensadores ao mesmo tempo que apodam de visionrios os que

    se ocupam da parte puramente racional, se no seria prefervel, digo, que esses taisfossem advertidos a que no se incumbissem simultaneamente de duas tarefas quedevem ser desempenhadas de maneira inteiramente diferente, cada uma das quaisreclama sem dvida talento particular, e cuja reunio numa s pessoa conduz fatalmentea produzir obra imperfeita. Limito-me, entanto, aqui, a perguntar se a natureza dacincia no exige que se separe sempre com sumo cuidado a parte emprica da parteracional, que se faa preceder a Fsica propriamente dita (emprica) de uma Metafsicada natureza, e a Antropologia prtica de uma Metafsica dos costumes, as quaisMetafsicas deveriam ser cuidadosamente expurgadas de todo elemento (389) emprico,com o intuito de saber tudo o que a razo pura pode fazer em ambos os casos e em quemananciais ela haure esta sua doutrinao a priori, quer semelhante tarefa seja

    empreendida por todos os moralistas (que no tm conto), quer somente por alguns quepara tal se sintam especialmente chamados.

    Como aqui no tenho em vista seno propriamente a filosofia moral, limito a estestermos a questo proposta: no seria de suma necessidade elaborar, de vez, umaFilosofia moral. pura completamente expurgada de tudo quanto emprico e pertence Antropologia? Que tal filosofia deva existir resulta manifestamente da idia comum dodever e das leis morais. Deve-se concordar que uma lei, para possuir valor moral, isto ,para fundamentar uma obrigao, precisa de implicar em si uma absoluta necessidade;requer, alm disso, que o mandamento: "No deves mentir" no seja vlido somentepara os homens, deixando a outros seres racionais a faculdade de no lhe ligaremimportncia. O mesmo se diga das restantes morais propriamente ditas. Por conseguinte,o princpio da obrigao no deve ser aqui buscado na natureza do homem, nem nascircunstncias em que ele se encontra situado no mundo, mas a priori. s nos conceitosda razo pura]; e qualquer outra prescrio, que estribe nos princpios da simplesexperincia, mesmo que sob certos aspectos fosse prescrio universal, por pouco quese apie em razes empricas, nem que seja por um motivo apenas, pode serdenominada regra prtica, nunca porm lei moral.

    Pelo que, em todo conhecimento prtico no s as leis morais, juntamente com seusprincpios, se distinguem essencialmente de tudo o que contm algum elemento

    emprico, como tambm toda filosofia moral se apia inteiramente em sua parte pura, e,aplicada ao homem, no deduz coisa alguma do conhecimento do que este (Antropologia), seno que lhe confere, na medida em que ele ser racional, leis apriori. Sem dvida tais leis exigem uma faculdade de julgar aguada pela experincia,capaz de, em parte, discernir em que casos elas so aplicveis e, em parte, procurar-lhesacesso vontade humana e influncia para a prtica; porque o homem, sujeito como seencontra a tantas inclinaes, possui decerto capacidade para conceber a idia de umarazo pura prtica, mas no pode assim com facilidade Tornar essa idia eficaz inconcreto em seu procedimento.

    (390) Uma Metafsica dos costumes pois rigorosamente necessria, no s por motivo

    de necessidade da especulao, a fim de indagar a origem dos princpios prticos queexistem a priori em nossa razo, mas tambm porque a prpria moralidade est sujeita a

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    toda a espcie de perverses, enquanto carecer deste fio condutor e desta normasuprema de sua exata apreciao. Com efeito, para que uma ao seja moralmente boa,no basta que seja conforme com a lei moral; preciso, alm disso, que seja praticadapor causa da mesma lei moral; de contrrio, aquela conformidade e apenas muitoacidental e muito incerta, visto como o princpio estranho moral produzir, sem

    dvida, de quando em quando, aes conformes com a lei, mas muitas vezes tambmaes que lhe so contrrias - Ora, a lei moral em sua pureza e genuinidade (ejustamente isto o que mais importa na prtica) no deve ser buscada seno numaFilosofia pura; donde, a necessidade de esta (a Metafsica) vir em primeiro lugar, poissem ela no pode haver filosofia moral. Nem a filosofia, que confunde princpios puroscom princpios prticos merece o nome de filosofia (pois esta distingue-se doconhecimento racional comum, precisamente por expor numa cincia parte o que esteconhecimento comum apreende apenas de modo confuso); merece menos ainda o nomede filosofia moral, porque justamente devido a tal confuso prejudica a pureza damoralidade e vai de encontro a seu prprio fim.

    No se pense todavia que o que se requer aqui se encontre j na propedutica que oilustre WOLFF antepe sua filosofia moral, a saber na obra a que deu o ttulo deFilosofia prtica universal, e que, por conseguinte, no h campo inteiramente novoque explorar. Precisamente porque essa propedutica devia ser uma filosofia prticauniversal, considerou ela, no uma vontade de qualquer espcie particular, como seria,por exemplo, uma vontade determinada, no por motivos empricos, mas s porprincpios a priori, e que pudesse ser denominada vontade pura, mas o querer em geral,com todas as aes e condies que lhe convm dentro deste significado geral;distingue-se pois da Metafsica dos costumes, do mesmo modo que a Lgica geral sedistingue da Filosofia transcendental: a Lgica geral expe as operaes e regras dopensamento em geral, ao passo que a Filosofia transcendental expe unicamente asoperaes e regras particulares do pensamentopuro, ou seja, do pensamento, por meiodo qual os objetos so conhecidos inteiramente a priori. que a Metafsica doscostumes deve indagar a idia e os princpios de uma vontadepura possvel, e no asaes e condies do humano querer em geral, as quais, em sua maioria, so tomadasda Psicologia. O fato de na Filosofia prtica geral se falar igualmente (391) (emborasem razo) de leis morais e de dever no constitui objeo contra o que afirmo. Comefeito, os autores dessa cincia permanecem fiis, neste ponto, idia que dela formam;no distinguem, entre os princpios de determinao, aqueles que, como tais, sorepresentados absolutamente a priori pela s razo e so propriamente morais, daquelesque so empricos, e que o entendimento erige em conceitos gerais por um simples

    confronto das experincias; consideram-nos, ao invs, sem atentarem na diferena desuas origens, apenas segundo seu nmero maior ou menor (pois os encaram como sendotodos da mesma espcie) e formam assim seu conceito de obrigao. Na verdade, esteconceito tudo menos moral; mas o nico que se pode esperar de uma filosofia que,sobre a origem de todos os conceitos prticos possveis, no decide de maneira nenhumase se produzem a priori ou s a posteriori.

    Ora, propondo-me publicar, um dia, uma Metafsica dos costumes, fao-a preceder desteopsculo que lhe serve de fundamentao. Decerto no h, um rigor, outro fundamentoem que da possa assentar, de no seja a Crtica de uma razo pura prtica, do mesmomodo que, para fundamentar a Metafsica, se requer a Crtica da razo pura especulativa

    por mim j publicada. Mas, em parte, a primeira destas Crticas no de to extremanecessidade como a segunda, porque em matria moral a razo humana, mesmo entre o

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    comum dos mortais, pode ser facilmente levada a alto grau de exatido e de perfeio,ao passo que no seu uso teortico, mas puro, da totalmente dialtica; e, em parte, noque concerne Crtica de uma razo pura prtica, para que ela seja completa, reputoimprescindvel que se mostre ao mesmo tempo a unidade da razo prtica e da razoespeculativa num princpio comum; pois que, em ltima instncia, s pode haver uma e

    a mesma razo, e s na aplicao desta h lugar para distines. Ora, no me seriapossvel aqui realizar um trabalho to esmiuado e completo, sem introduzirconsideraes de ordem inteiramente diferente e sem lanar a confuso no nimo doleitor. Por isso, em vez de dar a este livrinho o ttulo de Crtica da razo pura prtica,denominei-o Fundamentao da Metafsica dos costumes.

    Mas, porque, em terceiro lugar, uma Metafsica dos costumes, no obstante o que ottulo comporta de assustador, pode entanto ser exposta em forma popular e adequada inteligncia do vulgo, afigura-se-me til publicar parte este trabalho preliminar, noqual so assentes os fundamentos, (392) para posteriormente no me ver obrigado aimiscuir sutilezas, inevitveis em semelhante matria, a doutrinas de mais fcil

    compreenso.

    A presente Fundamentao no mais do que a pesquisa e a determinao do princpiosupremo da moralidade, o bastante para constituir um todo completo, separado edistinto de qualquer outra investigao moral. Certamente minhas afirmaes sobre tomomentoso problema, e que at ao presente no foi tratado de modo satisfatrio, muitopelo contrrio, receberiam ampla e elucidativa confirmao, se o princpio em questofosse aplicado a todo o sistema, merc do poder de explicao suficiente que ele emtudo manifesta; vi-me porm obrigado a renunciar a esta vantagem, que, no fundo,estaria mais de acordo com o meu amor prprio do que com o interesse geral, uma vezque a facilidade de aplicao de um princpio bem como sua aparente suficincia nofornecem prova absolutamente segura de sua exatido, antes, pelo contrrio, suscitamem ns certa atitude de parcialidade capaz de nos induzir a no examin-lo e apreci-lorigorosamente por si mesmo, sem atender s conseqncias.

    Segui, neste opsculo, o mtodo que penso ser o mais conveniente, quando pretendemoselevar-nos analiticamente do conhecimento vulgar determinao do princpio supremodo mesmo, e, depois, por caminho inverso, tornar a descer sintticamente do examedeste princpio e de suas origens ao conhecimento vulgar, onde se verifica suaaplicao. A diviso da obra pois a seguinte:

    1) Primeira seco: Passagem do conhecimento racional comum da moralidade aoconhecimento filosfico.2) Segunda seco: Passagem da filosofia moral popular Metafsica dos costumes.3) Terceira seco: ltimo passo da Metafsica dos costumes Crtica da razo puraprtica.

    PRIMEIRA SEOPassagem do conhecimento racional comum da moralidade ao conhecimentofilosfico

    NO POSSVEL conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem

    restrio possa ser considerada boa, a no ser uma s: uma BOA VONTADE. Ainteligncia, o dom de apreender as semelhanas das coisas, a faculdade de julgar, e os

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    demais talentos do esprito, seja qual for o nome que se lhes d, ou a coragem, adeciso, a perseverana nos propsitos, como qualidades do temperamento, so semdvida, sob mltiplos respeitos, coisas boas e apetecveis; podem entanto estes dons danatureza tornar-se extremamente maus e prejudiciais, se no for boa vontade que delesdeve servir-se e cuja especial disposio se denomina carter. O mesmo se diga dos

    dons da fortuna. O poder, a riqueza, a honra, a prpria sade e o completo bem-estar esatisfao do prprio estado, em resumo o que se chamafelicidade, geram umaconfiana em si mesmo que muitas vezes se converte em presuno, quando falta a boavontade para moderar e fazer convergir para fins universais tanto a imprudncia que taisdons exercem sobre a alma como tambm o princpio da ao. Isto, sem contar que umespectador razovel e imparcial nunca lograria sentir satisfao em ver que tudo correininterruptamente segundo os desejos de uma pessoa que no ostenta nenhum vestgiode verdadeira boa vontade; donde parece que a boa vontade constitui a condioindispensvel para ser feliz.

    H certas qualidades favorveis a esta boa vontade e que podem facilitar muito sua

    obra, mas que, no obstante, (394) no possuem valor intrnseco absoluto, antespressupem sempre uma boa vontade. esta uma condio que limita o alto apreo emque, justificadamente, as temos, e que no permite reput-las incondicionalmente boas.A moderao nos afetos e paixes, o domnio de si e a calma reflexo, no so apenasbons sob mltiplos aspectos, mas parece constiturem at uma parte do valor intrnsecoda pessoa; falta contudo ainda muito para que sem restrio possam ser consideradosbons (a despeito do valor incondicionado que os antigos lhes atribuam). Sem osprincpios de uma boa vontade podem tais qualidades tornar-se extremamente ms: porexemplo, o sangue frio de um celerado no s o torna muito mais perigoso, comotambm, a nossos olhos, muito mais detestvel do que o teramos julgado sem ele.A boa vontade tal, no por suas obras ou realizaes, no por sua aptido paraalcanariam fim proposto, mas s pelo "querer " por outras palavras, boa em si e,considerada em si mesma, deve sem comparao ser apreciada em maior estima do quetudo quanto por meio dela poderia ser cumprido unicamente em favor de algumainclinao ou, se , se prefere, em favor da soma de todas as inclinaes. Mesmo quando,por singular adversidade do destino ou por avara dotao de uma natureza madrasta,essa vontade fosse completamente desprovida do poder de levar a bom termo seuspropsitos; admitindo at que seus esforos mais tenazes permanecessem estreis; nahiptese mesmo de que nada mais restasse do que a s boa vontade (entendendo poresta no um mero desejo, mas o apelo a todos os meios que esto ao nosso alcance), elanem por isso deixaria de refulgir como pedra preciosa dotada de brilho prprio, como

    alguma coisa que em si possui valor. A utilidade ou inutilidade em nada logra aumentarou diminuir esse valor. A utilidade seria, por assim dizer, apenas o engaste que faculta omanejo da jia no uso corrente, ou capaz de fazer convergir para si a ateno dos queno so suficientemente entendidos no assunto, mas que nunca poderia torn-larecomendvel aos peritos nem determinar-lhe o valor.

    H todavia nesta idia do valor absoluto da simples vontade, neste modo de a estimarprescindindo de qualquer critrio, de utilidade, algo de to estranho que, a despeito docompleto acordo existente entre ela e a razo comum, pode todavia surgir uma suspeita:quem sabe se, na realidade, no se alberga aqui, no fundo, seno uma vaporosafantasmagoria e (395) se no ser compreender falsamente a natureza em sua inteno

    de conferir razo a direo de nossa vontade. Pelo que, propomo-nos examinar, desdeeste ponto de vista, a idia do valor absoluto da pura vontade.

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    condio donde dependem os restantes bens, e at mesmo a aspirao felicidade.""Neste caso, perfeitamente coadunvel com a sabedoria da natureza o fato de acultura da razo, indispensvel para obter o primeiro destes fins que incondicionado,limitar de muitos modos, ao menos nesta vida, a obteno segundo, que sempre umfim condicionado, ou seja, a felicidade, at ao ponto de reduzir a nada a sua realizao.

    Nisto a natureza no age contra toda finalidade, pois a razo, que reconhece que seusupremo destino prtico consiste em criar uma boa vontade, no pode encontrar ocumprimento deste propsito seno satisfao a ela adequada, ou seja, resultante darealizao de um fim que s ela determina, embora da redunde algum prejuzo para osfins da inclinao.

    A fim de elucidar o conceito de uma vontade (397) altamente estimvel em si, de umavontade boa independentemente de qualquer inteno ulterior, conceito j inerente atodo entendimento so e que precisa no tanto de ser ensinado quanto apenas de serexplicado; a fim de elucidar este conceito, que ocupa sempre o posto mais elevado naapreciao do valor completo de nossas aes e constitui a condio de tudo o mais,

    examinaremos o conceito do DVER, que contm o de uma boa vontade, com certasrestries, e certo, e com certos entraves subjetivos, mas que, longe de o dissimularem etornarem irreconhecvel, mais o salientam por contraste e o tornam mais esplendente.

    Passo aqui em silncio todas as aes geralmente havidas por contrrias ao dever, sebem que, deste ou daquele ponto de vista, possam ser teis, pois nelas no se pe aquesto de saber se podem ser praticadas por dever\ uma vez que esto em contradiocom ele. Deixo tambm de lado as aes que so realmente conformes com o dever,para as quais entanto os homens no sentem inclinao imediata, mas que apesar dissoexecutam sob o impulso de outra tendncia porque, em tal caso, fcil distinguir se aao conforme com o dever foi realizadapor deverou por clculo interesseiro. Muitomais difcil notar esta distino, quando, sendo a ao conforme com o dever, o sujeitosente para com ela uma inclinao imediata. Por exemplo, manifestamente conformecom o dever que o comerciante no pea um preo demasiado elevado a um compradorinexperiente, e, mesmo quando o comrcio intenso, o comerciante hbil no procededesse modo; mantm, pelo contrrio, um preo fixo igual para todos, de sorte que umacriana lhe pode comprar uma coisa pelo mesmo preo que qualquer outro cliente. Aspessoas so pois servidas lealmente; mas isso no basta para crer que o negocianteprocedeu assim por dever ou por princpios de probidade; movia-o o interesse; e no sepode supor neste caso que ele tivesse, alm disso, uma inclinao imediata para comseus clientes, que o induzisse a fazer, por amor, preos mais convenientes a um do que a

    outro. Eis a uma ao cumprida no por dever, nem por inclinao imediata, mas to-somente por clculo interesseiro.

    Pelo contrrio, conservar a prpria vida um dever, e , alm disso, uma coisa para aqual todos sentimos inclinao imediata. Justamente por isso a solicitude muitas vezesangustiante que a maior parte dos homens demonstra pela vida destituda de todo valorintrnseco, e a mxima, que, (398) exprime tal solicitude, no tem nenhum valor moral.De fato, eles conservam a vida conformemente ao dever, mas no por dever. Ao invs,

    se contrariedades ou uma dor sem esperana tiraram a um homem todo o prazer da vida,se o infeliz, de nimo forte, se sente mais enojado de sua sorte que descorooado ouabatido, se deseja a morte, e, no entanto, conserva a vida sem a amar, no por inclinao

    ou temor, mas por dever, ento sua mxima comporta valor moral.

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    Ser benfazejo, quando se pode, um dever; contudo h certas almas to propensas simpatia que, sem motivo de vaidade ou de interesse, experimentam viva satisfao em'difundir em volta de si a alegria e se comprazem em ver os outros felizes, na medida emque isso obra delas. Mas afirmo que, em tal caso, semelhante ao, por conforme aodever e por amvel que seja, no possui valor moral verdadeiro; simplesmente

    concomitante com outras inclinaes, por exemplo, com o amor da glria, o qual,quando tem em vista um objeto em harmonia com o interesse pblico e com o dever,com o que, por conseguinte, honroso, merece louvor e estmulo, mas no merecerespeito; pois mxima da ao falta o valor moral, que s est presente quando asaes so praticadas, no por inclinao, por dever. Imaginemos pois a alma destefilantropo anuviada por um daqueles desgostos pessoais que sufocam toda simpatia paracom a sorte alheia; que ele tenha ainda a possibilidade de minorar os males de outrosdesgraados, sem que todavia se sinta comovido com os sofrimentos deles, por seencontrar demasiado absorvido pelos seus prprios; e que, nestas condies, sem serinduzido por nenhuma inclinao, se arranca a essa extrema insensibilidade e age, nopor inclinao, mas s por dever: s nesse caso seu ato possui verdadeiro valor moral.

    Mais ainda. Se a natureza houvesse deposto no corao deste ou daquele pequena dosede inclinao para a simpatia se um tal homem (alis honesto), fosse de temperamentofrio e indiferente para com os sofrimentos alheios, talvez porque, sendo prendado deespecial dom de resistncia e de paciente energia contra os sofrimentos prprios, supeigualmente nos outros, ou deles exige, qualidades idnticas; se a natureza no tivesseparticularmente formado este homem (que, na verdade, no seria a sua pior obra) paradele fazer um filantropo, no encontraria ele em si estofo com que se atribuir um valormuito superior ao de um homem de temperamento naturalmente benvolo?. Por certoqu sim. E justamente aqui transparece o valor moral incontestavelmente mais elevadode seu (399) carter, resultante de ele praticar o bem, no por inclinao, {mas pordever. assegurar a prpria, felicidade um, dever (ao menos, indireto), porque o noestar satisfeito com o seu estado, o viver oprimido por inumerveis preocupaes e nomeio de necessidades no preenchidas pode muito facilmente converter-se em grandetentao de infringir seus deveres. Mas, uma vez mais, independentemente do dever,todos os homens possuem dentro em si uma inclinao muito forte e muito profundapara a felicidade, pois que justamente nesta idia de felicidade se unem todas as suastendncias. Simplesmente o preceito, que nos manda buscar a felicidade, apresentamuitas vezes carter tal que prejudica algumas de nossas inclinaes, de sorte que no possvel ao homem formar idia ntida e bem definida do complexo de satisfao deseus desejos, a que d o nome de felicidade. No h pois motivo para ficar surpreendidode que'uma s inclinao, determinada quanto ao prazer que promete e quanto poca

    em que poder ser satisfeita, seja capaz de sobrepujar uma idia vaga. Por exemplo, umgotoso preferir saborear um acepipe de seu agrado, no se lhe dando de sofrer asconseqncias, porque segundo seus clculos, ao menos nesta circunstncia, achaprefervel no se privar de um prazer atual, pela esperana acaso infundada de umafelicidade associada sade. Mas, tambm neste caso, se a sade, para ele ao menos,no fosse coisa a que devesse outorgar lugar preponderante em seus clculos,permaneceria ainda de p, neste como nos demais casos, uma lei, a saber, a lei quemanda trabalhar pela prpria felicidade, no por inclinao, por inclinao, mas pordever. S ento seu comportamento possui autntico valor moral.Assim devem, sem dvida, ser compreendidos tambm os passos da Escritura, onde seordena amar o prximo e ate os inimigos. Com efeito, o amor, como inclinao, no

    pode ser comandado; mas praticar o bem por dever, quando nenhuma inclinao a issonos incita, ou quando uma averso natural e invencvel se ope, eis um amor prtico e

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    no patolgico, que reside na vontade, e no na tendncia da sensibilidade, nosprincpios da ao, e no numa compaixo emoliente. Ora, este nico amor que podeser comandado.

    Venhamos segunda proposio. Uma ao cumprida por dever tira seu valor

    moral no do fim que por ela deve ser alcanado, mas da mxima que a determina. Estevalor (400) no depende, portanto, da realidade do objeto da ao, mas unicamente doprincpio do querer, segundo o qual a ao foi produzida, sem tomar em conta nenhumdos objetos da faculdade apetitiva. De tudo quanto precede, segue-.se que os fins quepodemos ter em nossas aes, bem como os efeitos da resultantes, considerados comofins e molas da vontade, no podem comunicar s aes nenhum valor moral absoluto.Onde pode pois residir esse valor, se no deve encontrar-se na relao da vontade comos resultados esperados destas aes ? Em nenhuma outra parte possvel encontr-loseno no principio da vontade, abstraindo dos fins que podem ser realizados por meiode uma tal ao. De fato, a vontade, situada entre seu princpio a. priori, que formal eseu mbil a posteriori, que material, est como que na bifurcao

    de dois caminhos; e, como necessrio que alguma coisa a determine, serdeterminada pelo princpio formal do querer em geral, sempre que a ao se pratiquepor dever, pois lhe retirado todo princpio material.

    Quanto terceira proposio, conseqncia das duas precedentes, eis como a formulo odever a necessidade de cumprir uma ao pelo respeito lei. Para. o objetoconcebido como efeito da ao que me proponho, posso verdadeiramente sentirinclinao, nunca porm respeito, precisamente porque ele simples efeito, e no aatividade de uma vontade. Do mesmo modo, no posso ter respeito a uma inclinao emgeral, seja ela minha ou de outrem; quando muito, posso aprov-la no primeiro caso,no segundo caso talvez at am-la, isto , consider-la como favorvel a meu interesse.S o que est ligado minha vontade unicamente como princpio, e nunca como efeito,o que no serve a minha inclinao mas a domina, e ao menos a exclui totalmente daavaliao no ato de decidir, por conseguinte a simples lei por si mesma quepode ser objeto de respeito, e, portanto, ordem, para mim. Ora, se uma ao cumpridapor dever elimina completamente a influncia da inclinao e, com ela, todo objeto davontade," nada resta capaz de determinar a mesma vontade, a no ser objetivamente a.lei e subjetivamente um puro respeito a esta lei prtica, portanto a mxima (*) deobedecer a essa lei, embora com dano de todas as minhas inclinaes"

    Portanto, o valor moral da ao no reside no (401) efeito que dela se espera, como nem

    em qualquer princpio da ao que precise de tirar seu mbil deste efeito esperado. Comefeito, todos estes resultados (contentamento de seu estado, e at mesmo contribuiopara a felicidade alheia) poderiam provir de outras causas; no necessria para isso avontade de um ser raciona, muito embora somente nesta se possa encontrar o supremobem, o bem incondicionado. Por isso a representao da lei cm si mesma, queseguramente s tem lugar num ser racional, com a condio de ser esta representao, eno o resultado esperado, o princpio determinado da vontade, eis o que s capaz deconstituir o bem to excelente que denominamos moral, o qual j se encontra presentena pessoa que age segundo essa idia, mas que no deve ser esperado somente do efeitode sua ao(**).

    () Mxima o princpio subjetivo do querer; o princpio objetivo (isto , o princpio capaz deservir tambm subjetivamente' de principio pratico para todos os seres racionais, se a razotivesse pleno poder sobre a faculdade apetitiva) a lei prtica (58).

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    (**) Poderiam objetar-me que, servindo-me do termo respeito, tento apenas refugiar-me numsentimento obscuro, em vez de aclarar a questo por meio de um conceito da razo. Mas,conquanto o respeito seja um sentimento, no todavia sentimento proveniente de influnciaestranha, mas, sim, pelo contrrio, sentimento espontaneamente produzido por um conceito darazo, e por isso mesmo especificamente distinto dos sentimentos da primeira espcie, referentes inclinao ou ao temor. O que reconheo imediatamente como lei para mim, reconheo-o com

    um sentimento de respeito que exprime simplesmente a conscincia que tenho da subordinaode minha vontade a uma lei, sem intromisso de outras influncias em minha sensibilidade. Adeterminao imediata da vontade pela lei, e a conscincia que tenho dessa determinao,chama-se respeito, de sorte que este deve ser considerado, no como causa da lei, mas comoefeito, da mesma sobre o sujeito. Em rigor de expresso o respeito a representao de umvalor que vai de encontro ao meu amor prprio. Conseguintemente alguma coisa que no considerada nem como objeto de inclinao, nem como de temor, se bem que apresente algumaanalogia com ambos ao mesmo tempo. O objeto do respeito pois simplesmente, a lei, lei quenos impomos a ns mesmos, mas que no entanto necessria em si. Enquanto lei, estamos-lhessujeitos, sem consultar nosso amor prprio; enquanto imposta por ns a ns mesmos, conseqncia de nossa vontade. Do primeiro ponto de vista oferece analogia com o temor; dosegundo ponto de vista, tem analogia com a inclinao. O respeito que se sente para com umapessoa, na realidade no 6 mais do que* o respeito da lei (da honestidade, etc.) de que essa

    pessoa nos d exemplo. Do mesmo modo que consideramos um dever cultivar nossos talentos,assim tambm vemos numa pessoa prendada de talentos como que o exemplo de. uma lei (queordena que nos exercitemos cm nos assemelhar-nos nela nisto): eis o que constitui o nossorespeito. Tudo quanto se designa interesse moral consiste unicamente no respeito da lei.

    (402) Mas que lei pode ser esta, cuja representao, sem qualquer espcie deconsiderao pelo efeito que dela se espera, deve determinar a vontade, para que estapossa ser denominada boa absolutamente e sem restrio ? Aps ter despojado avontade de todos os impulsos capazes de nela serem suscitados pela idia dos resultadosprovenientes da observncia de uma lei, nada mais resta do que a conformidadeuniversal das aes a uma lei em geral que deva servir-lhe de princpio: noutros termos,devo portar-me sempre de modo que eu possa tambm querer que minha mxima setorne em lei universal. A simples conformidade com a lei em geral (sem tomar porbase uma determinada lei para certas aes) a que serve aqui de princpio vontade,e por conseguinte deve igualmente servir-lhe de princpio, se o dever no iluso v econceito quimrico. O bom-senso vulgar, no exerccio de seu juzo prtico,concorda plenamente com o princpio exposto, e nunca o perde de vista.Tomemos, por exemplo, a questo seguinte: ser-me- lcito, em meio de graves apuros,fazer uma promessa com inteno de a no observar ? No oferece dificuldadedistinguir os dois sentidos que a questo pode comportar, consoante se deseja saberse prudente, ou se conforme ao dever, fazer uma promessa falsa. Sem dvida quemuitas vezes pode ser prudente; mas claro que no basta safar-me, merc deste

    expediente, de um embarao presente; devo ainda examinar com cuidado se dessamentira no me redundaro, no futuro, aborrecimentos muito mais graves do queaqueles de que me liberto neste momento; e como, a despeito de toda minhasagacidade, no so fceis de prever as conseqncias, de meu ato, devo./ recear quea perda de confiana por parte de ou trem me acarrete maiores prejuzos que todo omal que neste momento penso evitar. Agirei pois mais sensatamente, portando-me, nesta ocorrncia em conformidade com uma mxima universal e procurando criar ohbito de nada prometer sem inteno de cumprir, Mas depressa se me afiguraevidente que tal mxima estriba sempre no temor das conseqncias. Ora, umacoisa ser sincero por dever, e outra coisa ser sincero pr temos das conseqnciasdesagradveis: no primeiro caso, o conceito da ao em si mesma contm j uma lei

    para mim; mas no segundo caso, preciso, antes de mais nada, tentar descobrir alhuresquais as conseqncias que se seguiro minha ao. Porque, se me desvio do

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    princpio do dever, cometo decerto uma ao m; mas se abandono minha mxima deprudncia, posso, em certos casos, auferir da grandes (403) vantagens, embora, naverdade, seja mais seguro ater-me a ela. Afinal de contas, no concernente resposta aesta questo: se uma promessa mentirosa conforme ao dever, o meio mais rpido einfalvel de me informar consiste em perguntar a mim mesmo: ficaria eu satisfeito, se

    minha mxima (tirar-me de dificuldades por meio de uma promessa enganadoradevesse valer como lei universal (tanto para mim como para os outros? Podereidizer a mim mesmo: pode cada homem fazer uma promessa falsa, quando se encontraem dificuldades, das quais no logra safar-se de outra maneira ? Deste modo, depressame conveno que posso bem querer a mentira! mas no posso, de maneira nenhumaquerer uma lei que mande mentir; pois, como conseqncia de tal lei, no mais haveriaqualquer espcie de promessa, porque seria, de fato, intil manifestar minha vontade arespeito de minhas aes futuras a outras pessoas que no acreditariam nessadeclarao, ou que, se acreditassem toa, me retribuiriam depois na mesma moeda; desorte que minha mxima, to logo fosse arvorada em lei universal, necessariamente sedestruiria a si mesma.

    Portanto no preciso de possuir grande perspiccia para saber o que devo fazer, a fim deque minha vontade seja moralmente boa. Mesmo que me falea a experincia das coisasdo mundo, e me sinta incapaz de enfrentar todos os acontecimentos que nele seproduzem, basta que a mim prprio pergunte: Podes querer que tambm tua mxima seconverta em lei universal ? Se isso no for possvel, deve a mxima, ser rejeitada, noprecisamente por causa de algum dano que da possa resultar para ti ou tambm praoutros, mas porque ela no pode ser admitida como princpio de uma possvel legislaouniversal. Com efeito, a razo me constrange a um respeito imediato para com essalegislao; e se, de momento, no enxergo ainda qual seja o fundamento de tal respeito(o que pode ser objeto de pesquisa por parte do filsofo), ao menos compreendo bemque se trata aqui de apreciar um valor que sobrepuja o valor de tudo o que exaltadopela inclinao, e que a necessidade em que me encontro de agir por puro respeito leiprtica, constitui o que se denomina dever, perante o qual qualquer outro motivo deveceder, visto ele ser a condio de uma vontade boa em si, cujo valorest acima de tudo.

    Por esta forma, no conhecimento moral da razo humana comum, chegamos quilo que o princpio da mesma, princpio que, por certo, ela no concebe assim separado numaforma universal, mas que, no entanto, sempre tem diante (404) dos olhos, e do qual seserve como de regra de seu juzo. Muito fcil seria mostrar aqui como, com estecompasso na mo, a razo possui, em todos os casos supervenientes, plena competncia

    para distinguir o que bom e o que mau, o que conforme e o que contrrio aodever, bastando que, sem nada lhe ensinarem de novo e aplicando apenas o mtodo deSCRATES , a tornem simplesmente atenta a seu prprio princpio; mostrando-lhe comono precisa de cincia nem de filosofia para saber como que uma pessoa se deveportar para ser honesta e boa, e at sbia e virtuosa. J desde o iniciose podia supor que o conhecimento daquilo que a todo homem compete fazer, e porconseguinte tambm saber, propriedade de todos os seres humanos, por vulgares quesejam. A este propsito, no pode deixar de causar admirao o fato de, na intelignciacomum da humanidade, a faculdade de julgar em matria prtica prevalecergrandemente sobre a faculdade de julgar em matria teortica. Nesta ltima, quando arazo comum ousa afasta-se das leis da experincia e das percepes dos sentidos, ela

    cai em manifestos absurdos e contradies consigo mesma, cai pelo menos num caos deincertezas de obscuridades e de inconseqncias. Pelo contrrio, em matria prtica^ a

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    faculdade de julgar comea justamente a mostrar suas vantagens, quando a intelignciacomum exclui das leis prticas todos os impulsos sensveis. Ela torna-se ento sutil,quer queira chicanar com a sua conscincia ou com outras opinies relativas quilo quedeve ser considerado honesto, quer pretenda, para sua prpria instruo, determinarexatamente o valor das aes; e, o que sumamente importante, pode ela, neste ltimo

    caso, esperar ser bem sucedida na tarefa de determinar o valor das aes, to bemquanto qualquer filsofo; mais ainda, pode proceder com maior segurana do que este,porque o filsofo, no dispondo de outros princpios diferentes dos dela, pode deixar-seenredar facilmente por uma srie de consideraes estranhas ao assunto, que o desviamdo reto caminho. No seria, portanto, mais sensato, ater-se, nas questes morais, aojuzo da razo comum, e no recorrer filosofia seno para expor, quando muito, osistema da moralidade de maneira mais completa e mais compreensiva, para apresentaras regras, que lhe dizem respeito, de maneira mais cmoda para o uso (e mais ainda paraa discusso), nunca porm para privar a inteligncia humana, mesmo do ponto de vistaprtico, de sua ditosa simplicidade, nem para fazer que ela enverede, com o auxlio dafilosofia, por um novo caminho de investigao e de instruo ?

    Esplndida coisa a inocncia; mas para lamentar que ela no saiba preservar-se e quese deixe seduzir com tanta facilidade. Pelo que,"a sabedoria- que, alis, consiste maisna conduta do que no saber precisa tambm da cincia, no para dela tirarensinamentos, seno para garantir a suas prescries, influncia e estabilidade. Ohomem sente, em seu foro ntimo, potente fora de oposio a todos os preceitos dodever que a razo lhe apresenta como altamente dignos de respeito; e esta fora constituda por suas necessidades e inclinaes, cuja satisfao completa se compendianaquilo a que d o nome de felicidade. Ora, a razo enuncia seus preceitos, semcondescender com as inclinaes, sem nunca ceder; por conseguinte, com uma espciede desdm e sem considerao de espcie alguma por aquelas pretenses to impetuosase, por isso mesmo, aparentemente to legtimas (que no consentem em se deixarsuprimir por nenhum preceito). Daqui procede umaDialtica natural, ou seja, umatendncia para sofisticar contra aquelas severas leis do dever e pr em dvida a validadeou, ao menos, a pureza e o rigor das mesmas, bem como para tentar adapt-las o maispossvel a nossos desejos e inclinaes; por outras palavras, para corromp-las cm suaessncia e destitu-las de toda dignidade: coisa que a razo prtica vulgar, no pode, porforma alguma, aprovar.

    Assim, a razo humana comum impelida, no por necessidade de especulao(necessidade que ela no sente, enquanto se contenta cm ser apenas a s razo), mas por

    motivos prticos, a sair de sua esfera e a dar um. passo no campo de uma filosofiaprtica, para recolher informaes exalas e explicaes claras acerca da origem do seuprincpio e da definio precisa do mesmo, em oposio s mximas que estribam nasnecessidades e inclinaes. Por este meio, espera ela poder safar-se da dificuldade empresena de pretenses opostas e no correr o risco de perder, em conseqncia dosequvocos em que facilmente poderia incorrer, todos os genunos princpios morais.Deste modo se desenvolve insensivelmente no uso prtico da razo comum, quando esta cultivada, umaDialtica, que a constringe a buscar auxlio na filosofia, tal como lheacontece no uso terico; e, assim, tanto no primeiro caso como no segundo, ela nopode encontrar repouso seno numa crtica completa da nossa razo;

    SEGUNDA SECOPassagem da filosofia moral popular metafsica dos costumes

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    SE AT AQUI derivamos do uso comum de nossa razo prtica o conceito do dever, nempor isso devemos concluir que o tratamos como sendo um conceito emprico. Ao invs,se voltarmos a ateno para a experincia do comportamento positivo e negativo doshomens, deparamos com contnuas e, segundo se nos afigura, justas queixas, sobre

    nossa impossibilidade de aduzir exemplos certos, que nos permitam julgar se houve ainteno de agir por puro dever. Muitas aes podem ser conformes quilo que o deverprescrevessem que por isso desaparea a dvida de que tenham sido realmentecumpridas por devere, por conseguinte, de que possuam valor moral. Eis por quehouve, em todos os tempos, filsofos que negaram absolutamente a realidade destainteno s aes humanas, e que as atriburam todas a um amor-prprio mais ou menosapurado. No punham eles em dvida a exatido do conceito de moralidade. Pelocontrrio, lamentavam grandemente a fraqueza e impureza da natureza humana, a qual,se por um lado suficientemente nobre para tomar como regra de conduta uma idia todigna de respeito, por outro lado demasiado fraca para a seguir; e que, alm disso, seutiliza da razo, que deveria ditar-lhe leis, apenas para favorecer o interesse das

    inclinaes, quer escolhendo uma entre as demais, quer, ao sumo, conciliando-as entresi da melhor maneira possvel.

    De fato, absolutamente impossvel estabelecer, (407) mediante a experincia, complena certeza, um s caso, em que a mxima de uma ao, alis, conforme ao dever,estribe na Representao do dever. Na verdade, acontece, por vezes, que, malgrado omais escrupuloso exame de ns prprios, no encontramos absolutamente motivo que,fora do princpio moral do dever, tenha sido capaz de nos incitar prtica desta oudaquela boa ao, deste ou daquele grande sacrifcio; mas daqui no se podecom certeza concluir que um secreto impulso do amor-prprio, sob a simples miragemda idia do dever, no tenha sido a verdadeira causa determinante da vontade. Naverdade, de bom grado nos lisonjeamos, atribuindo-nos falsamente um princpio dedeterminao mais nobre; de fato, porm, nunca podemos, nem mesmo mediante omais rigoroso exame, penetrar inteiramente em nossos mais secretos impulsos.Ora, quando se trata de valor moral, o que importa no so as aes exteriores que sevem, mas os princpios internos da ao, que se no vem.

    queles que zombam de toda moral, como de quimera da imaginao humana, que porpresuno a si mesma se exalta, no se pode prestar servio mais conforme a seusdesejos, do que conceder-lhes que os conceitos do dever (bem como por comodidade secr facilmente serem todos os outros conceitos) devem ser derivados exclusivamente da

    experincia; pois assim se lhes prepara um triunfo seguro. Por amor da humanidade,concedo que a maior parte das nossas aes seja conforme ao dever; mas, examinandode mais perto o mbil e fim delas, esbarramos por toda a parte com o Eu querido, quetermina sempre por levar a melhor. Sobre este Eu, e no sobre o rgido comando dodever, que as mais das vezes exigiria a abnegao de ns prprios, se fundamenta oimpulso donde tais aes promanam. Sem ser precisamente inimigo da virtude, bastaobservar com sangue frio e no confundir o bem com o vivo desejo de o ver realizado,para que, em certas circunstncias (principalmente em idade j avanada, e quando setem a faculdade de julgar, por um lado, amadurecida pela experincia e, por outro lado,aguada pela observao) duvidemos de que realmente se possa encontrar no mundoalguma virtude verdadeira. Por conseguinte, para nos preservar da falncia total de

    nossas idias sobre o dever, bem como para manter na alma um respeito bem fundadoda lei que o prescreve, nenhuma outra coisa existe, a no ser a convico clara de que,

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    mesmo quando nunca houvessem sido praticadas aes derivadas de fontes to puras, oque importa no saber se este ou aquele ato se verificou mas sim que a razo por simesma, e independentemente (408) de todos os fenmenos, ordena o que eleveacontecer; e que, conseqentemente, aes, de que o mundo at hoje nunca talvez tenhaoferecido exemplo, e cuja possibilidade de execuo poderia ser posta fortemente em

    dvida por aquele mesmo que tudo fundamenta sobre a experincia, so prescritas semremisso alguma pela razo. Por exemplo, a pura lealdade na amizade, embora at aopresente no tenha existido nenhum amigo leal, e imposta a todo homemessencialmente,.pelo fato de tal dever estar implicado..como dever em geral,anteriormente a toda experincia, na idia de uma razo que determina a vontadesegundo princpios a priori.

    Acrescente-se que, a no ser que se conteste ao conceito moral toda verdade e todarelao com qualquer objeto possvel, no se pode desconhecer que a lei moral possuaum significado a tal ponto extenso que deva ser vlida no s para os homens, mas paratodos os seres racionais em geral, e isto no s debaixo de condies contingentes e

    com excees, mas de maneira absolutamente necessria; assim sendo, manifesto quenenhuma experincia pode levar . concluso da simples possibilidade de tais leisapodcticas. Pois, com que direito poderemos converter em objeto de respeito ilimitado,em prescrio universal para toda natureza racional, o que [talvez no vale seno para ascondies contingentes da humanidade ? E como que as leis de determinao de nossavontade deveriam ser tomadas como leis de determinao da vontade do ser racional emgeral e, apenas nessa qualidade, como leis igualmente aplicveis nossa prpriavontade, se elas fossem puramente empricas, e no derivassem sua origemcompletamente a priori de uma razo pura, mais pratica ?

    Alm disso, no se poderia prestar pior servio moralidade, do que faz-la derivar deexemplos. Porque todo exemplo, que me seja proposto, deve primeiramente ser julgadosegundo os princpios da moralidade, para se poder saber se merece servir de exemplooriginal, isto , de modelo; mas no pode, por forma alguma, fornecer por si s, eprimariamente, o conceito de moralidade. Mesmo o Justo do Evangelho deve serprimeiramente confrontado com o nosso ideal de perfeio moral, para que possa serreconhecido como tal; por isso, ele diz de si mesmo: "Por que me chamais bom (a mimque vedes) ? Ningum bom (o prottipo do bem) seno (409) Deus (a quem novedes)". Mas donde nos advm o conceito de Deus considerado como supremo bem ?Unicamente da idia que a razo traa a priori da perdio moral, e que ela ligaindissoluvelmente ao conceito de uma vontade livre. Em matria moral no tem

    cabimento a imitao, e os exemplos servem apenas de estmulo, isto , pem fora dedvida a {possibilidade daquilo que a lei impe, tornam evidente aquilo que a lei prticaexprime de modo mais geral; mas nunca logram autorizar que ponhamos de parte o seuverdadeiro original, que reside na razo, e que regulemos por eles o nossoprocedimento.

    Portanto, se no h nenhum autntico princpio supremo de moralidade, que no devaapoiar-se unicamente na razo pura, independentemente de toda experincia, penso noser sequer necessrio perguntar se vale a pena expor estes conceitos sob forma universal(in abstracto). tais como existem a priori, juntamente com os princpios que lhes dizemrespeito, dado que o conhecimento propriamente dito deve distinguir-se do

    conhecimento vulgar e denominar-se filosfico. Mas, em nossos dias, talvez sejanecessrio pr esta questo. Com efeito, se se procedesse a uma votao para averiguar

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    qual deva ser preferido, se o conhecimento racional puro isento de todo elementoemprico, e portanto a metafsica dos costumes, ou se a filosofia prtica popular,depressa se descobriria para que lado pende a balana.

    De fato, muito louvvel este processo de descer aos conceitos populares, contanto que

    primeiro ns tenhamos elevado aos princpios da razo pura, de modo que o espritoquede plenamente satisfeito. Proceder deste modo equivale a fundamentara doutrinados costumes sobre uma metafsica, e, depois de esta ter sido firmada em base slida, a.torn-la acessvela todos, por meio da vulgarizao. Mas seria extremamente absurdoaquiescer com este processo de agir desde as primeiras investigaes, das quais dependea exatido dos princpios. Tal maneira de proceder jamais poderia pretender para si omrito extremamente raro de uma verdadeira vulgarizao filosfica, porque, de fato,no difcil fazer-se compreender do comum dos homens, quando para isso se renunciaa toda profundidade de pensamento; mas redundaria em fastidiosa mescla deobservaes a trouxe-mouxe amontoadas e de princpios de uma razo s a meiasraciocinante, na qual somente crebros vazios se repastam, porque, apesar de tudo, h a

    alguma coisa de til para os bate-papos de todos os dias; mas os espritos clarividentess encontram a confuso, e insatisfeitos, sem saberem que partido tomar, desviam a(410) ateno. Quanto aos filsofos, que no se deixam iludir por aparncias enganosas,esses no desfrutam de grande aceitao, sempre que se propem suspender, por umtempo, a pretensa vulgarizao, a fim de poderem com direito tornar-se populares, sdepois de haverem obtido conhecimentos bem definidos.

    Basta examinar ao de leve as obras de moral compostas em conformidade com aquelegosto preferido, para nelas se encontrar ora a idia do destino peculiar da naturezahumana (de quando em quando, aparece tambm a idia de uma natureza racional emgeral), ora a perfeio, ora a felicidade; aqui, o sentimento moral, ali, o temor de Deus;um pouco disto e tambm um pouco daquilo, em maravilhosa confuso, sem que aoesprito ocorra perguntar se propriamente no conhecimento da humana natureza (que,decerto, no pode provir seno da experincia) que se devem procurar os princpios damoralidade. Se assim no for, se estes princpios devem ser encontrados completamentea priori, independentemente de toda matria emprica, e s nos puros conceitos da razoe em nenhuma outra parte, mesmo assim a ningum ocorre a idia de isolarcompletamente esta investigao, para consider-la como pura filosofia prtica (ou, se lcito empregar um nome to suspeito), como Metafsica (*) dos costumes, como nem aidia de desenvolv-la at ser cabalmente perfeita e de exortar o pblico, vido devulgarizao, que contemporize at a empresa ser levada a bom termo.

    (*) Do mesmo modo que se distingue a matemtica pura da matemtica aplicada,e a lgica pura da lgica aplicada, tambm, se quisermos, possvel distinguir afilosofia pura dos costumes (Metafsica) da filosofia dos costumes aplicada (natureza humana). Toda esta terminologia nos mostra imediata- mente que osprincpios morais no devem ser fundados sobre as propriedades da natureza humana, masdevem existir por si mesmos a priori;'e que de tais princpios que devem ser derivadas regrasprticas vlidas para toda natureza racional, e portanto tambm para a natureza humana.

    Ora, uma tal metafsica dos costumes completamente isolada, no imiscuda deantropologia, nem de teologia, nem de fsica ou de hiperfsica menos ainda de quaisquerqualidades ocultas (que se poderiam denominar hipofsicas), no apenas o

    indispensvel substrato de toda teoria dos deveres claramente definida, mas igualmente um desiderato da mais alta importncia para o cumprimento efetivo de suas

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    prescries. Com eleito, a representao do dever, e em geral da lei moral, quando pura, ou seja, no mesclada de acrscimos estranhos de impulsos sensveis, exerce sobreo corao humano, por via da s razo (a qual ento, pela primeira vez, se d conta deque pode ser prtica por si mesma) uma influncia muito mais eficaz do que a de todosos outros (411) impulsos (*) que se podem invocar no domnio da experincia, de sorte

    que a razo, cnscia de sua dignidade, despreza esses impulsos e pouco a pouco se tornacapaz de os dominar. Ao invs, uma doutrina moral bastarda e confusa, formada deimpulsos derivados de sentimentos e de inclinaes, e ao mesmo tempo de conceitos darazo, torna necessariamente o esprito hesitante entre motivos de ao irredutveis aqualquer princpio, e que s por acaso podem guiar ao bem, mas muitas vezes tambmpodem conduzir ao mal.

    (*) Tenho uma carta do falecido Sulzer (8-1), na qual me pergunta por que motivo as doutrinasda virtude, por mais convincentes que possam ser para a razo, possuem to pouca eficcia.Adiei a resposta, para que esta pudesse sair completa. A resposta s uma, a saber: aquelesmesmos que ensinam tais doutrinas no reconduziram seus princpios ao estado de pureza e,querendo procedei demasiado bem, enquanto procuram principalmente motivos que incitem ao

    bem moral, a fim de tornarem o remdio mais enrgico, o estragam. Consoante o mostra a maiscomezinha observao, se se apresentar um ato de probidade, imune de iodo fim interessadoneste mundo ou no outro, praticado por um Animo corajoso no meio das maiores tentaes,provocadas pela misria ou pelo atrativo de certas vantagens, ele deixa atrs de si e eclipsaqualquer outro ato anlogo, que tambm s em mnima escala haja sido causado por um impulsoestranho; ele eleva a alma e excita o desejo de proceder do mesmo modo. At mesmo crianasde meia idade experimentam esta impresso, o penso que nunca os deveres lhes deviam serexpostos seno desta maneira.

    De quanto precede ressalta que todos; os conceitos morais tm sua sede e origemcompletamente a priori na razo, na razo humana mais comum tanto quanto na razoque se eleva ao alto grau de especulao; que eles no podem ser abstrados de nenhum

    conhecimento emprico, e, por conseguinte puramente contingente que a pureza de suaorigem justamente o que os torna dignos de servirem de princpios prticos supremos;que quanto mais se lhes acrescenta de emprico, tanto mais diminui sua verdadeirainfluncia e o valor absoluto das aes; que no s exigncia da mais prementenecessidade, do ponto de vista terico, em que se trata to-somente de especulao, masque ainda da maior importncia prtica criar estes conceitos e estas leis, tirando-os darazo pura, sem mescla de qualquer espcie; e mais ainda, determinar o mbito de todosestes conhecimentos racionais prticos ou puros, isto , determinar todo o poder darazo pura prtica, abstendo-se, contudo (na medida em que a filosofia especulativa opermita e mesmo, por vezes, encontre necessrio) de fazer depender tais princpios danatureza especial da razo humana; mas, antes j (412) que as leis morais devem servlidas para todo ser racional em geral, deduzindo-as do conceito universal de um serracional em geral. Deste modo, toda a moral, que em sua aplicao humanidadeprecisa da antropologia, ser exposta, independentemente desta ltima cincia, comofilosofia pura, isto , como metafsica, e isto de modo completo (o que fcil de fazerneste gnero de conhecimento inteiramente separado). E convm ter presente que, semestar de posse desta metafsica, trabalho intil, no digo o determinar exatamente pormeio do juzo especulativo o elemento moral do dever em tudo o que conforme aodever; mas que impossvel, em tudo o que concerne puramente ao uso comum eprtico, e particularmente instruo moral, fundamentar a moralidade sobre seusverdadeiros princpios, produzir, mediante ela, sentimentos morais puros e infundi-los

    nas almas, para que da redunde o maior bem no mundo.

    http://c/Documents%20and%20Settings/admin/Meus%20documentos/Consciencia/Nova%20pasta/ralida.dehttp://c/Documents%20and%20Settings/admin/Meus%20documentos/Consciencia/Nova%20pasta/ralida.de
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    Ora, para progredir neste trabalho, avanando por gradaes naturais, no simplesmentedo juzo moral comum (aqui muito aprecivel) ao juzo filosfico, como j foi indicado,mas de uma filosofia popular, que no vai mais alm do que ela pode alcanar asapalpadelas por meio de exemplos, at metafsica. (que no se deixa deter pornenhuma influncia emprica, e que, devendo medir todo o domnio do conhecimento

    racional desta espcie, se ergue, em todo caso, at regio das Idias, onde os prpriosexemplos nos abandonam), importa seguir e expor claramente a potncia prtica darazo, partindo das suas regras universais de determinao at ao ponto em que delabrota o conceito do dever.

    Todas as coisas na natureza operam segundo leis. Apenas um ser racional possui afaculdade de agir segundo a representao das leis, isto , segundo princpios, ou, poroutras palavras, s ele possui uma vontade. E, uma vez que, para das leis derivar asaes, necessria a razo, a vontade outra coisa no seno a razo prtica. Quando,num ser, a razo determina infalivelmente a vontade, as aes deste ser, que soReconhecidas objetivamente necessrias, so necessrias tambm subjetivamente; quer

    dizer que ento a vontade uma faculdade de escolher somente aquilo que a razo,independentemente de toda inclinao, reconhece como praticamente necessrio, isto ,como bom. Mas se a razo no determina suficientemente por si s a vontade, se esta ainda subordinada (413) a condies subjetivas (ou a certos impulsos) que nem sempreconcordam com as condies objetivas; numa palavra, se a vontade no cm sicompletamente conforme razo (como acontece realmente com os homens), ento asaes reconhecidas necessrias objetivamente so subjetivamente contingentes, e adeterminao de uma tal vontade conformemente a leis objetivas uma coao; poroutras palavras, a relao das leis objetivas com uma vontade no completamente boa representada como sendo a determinao da vontade de um ser racional por meio deprincpios da razo, aos quais entanto aquela vontade, merc de sua natureza, no |necessariamente dcil.

    A representao de um princpio objetivo, na medida em que coage a vontade,denomina-se mandamento (da razo), e a frmula do mandamento chama-seIMPERATIVO.

    Todos os imperativos so expressos pelo verbo (devere indicam, por esse modo, arelao entre uma lei objetiva da razo e uma vontade que, por sua constituiosubjetiva, no necessariamente determinada por essa lei (uma coao)- Declarameles, que seria bom fazer tal coisa ou abster-se dela, mas declaram-no a uma vontade

    que nem sempre faz uma coisa, porque lhe apresentada como boa para ser feita.Portanto, praticamente bom o que determina a vontade por meio de representaes darazo, isto , no em virtude de causas subjetivas, mas objetivamente, quer dizer pormeio de princpios que so vlidos para todo ser racional enquanto tal. O bem prtico ,pois, distinto do agradvel, isto , do que exerce influxo sobre a vontade unicamentepor meio da sensao, por causas puramente subjetivas, vlidas apenas para asensibilidade deste e daquele, e no como princpio da razo, vlido para todos (*).Uma vontade perfeitamente boa estaria, pois, to (414) sujeita ao imprio de leisobjetivas (leis do bem) quanto uma vontade imperfeita; mas nem por isso poderia serrepresentada como coagida a aes conformes lei, porque, merc de sua constituiosubjetiva, ela s pode ser determinada pela representao do bem. Eis por que no h

    imperativo vlido para a vontade divina, e em geral para uma vontade santa; o deverno tem aqui cabimento, porque o quererj por si necessariamente concorde com a

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    lei. Por isso, os imperativos so apenas frmulas que exprimem a relao entre as leisobjetivas do querer em geral e a imperfeio subjetiva da vontade deste ou daquele serracional, por exemplo, da vontade humana..

    (*) A dependncia da faculdade apetitiva a respeito de sensaes denomina-se

    inclinao, e, por conseguinte, esta sempre prova de uma necessidade. Adependncia de uma vontade, capaz de ser determinada de modo contingentepelos princpios da razo, chama-se interesse. O interesse encontra-se, pois, to-somente numa vontade dependente, a qual no por si mesma sempre conforme razo; na vontade divina impossvel conceber qualquer interesse. Mastambm a vontade humana pode tomar interesse por uma coisa, sem por issoagir por interesse. A primeira expresso significa o interesse prtico pela ao; asegunda, o interesse patolgico pelo objeto da ao. A primeira indica apenas adependncia da vontade a respeito dos princpios da razo em si mesma; asegunda, a dependncia da vontade a respeito dos princpios da razo posta aoservio da inclinao, no qual caso, a razo ministra somente a regra prtica para

    poder satisfazer as necessidades da inclinao. No primeiro caso, interessa-me aao; no segundo, interessa-me o objeto da ao (na medida em que me agradvel). Na Primeira Seco, verificamos que, numa ao executada, pordever, importa considerar, no o interesse pelo objeto, mas unicamente oInteresse pela prpria ao e seu princpio racional (a lei).

    Ora, todos os Imperativos preceituam ou hipoteticamente ou categoricamente. Osimperativos hipotticos representam a necessidade de uma ao possvel, como meiopara alcanar alguma outra coisa que se pretende (ou que, pelo menos, possvel que sepretenda). O imperativo categrico seria aquele que representa uma ao comonecessria por si mesma, sem relao com nenhum outro escopo, como objetivamentenecessria.

    .Dado que toda lei prtica representa uma ao possvel como boa , conseguintemente,como necessria para um sujeito capaz de ser determinado praticamente pela razo,todos os imperativos so frmulas, pelas quais determinada a ao que, segundo osprincpios de uma vontade de qualquer modo boa, necessria. Ora, quando a aono boa seno como meio de obter alguma outra coisa , o imperativo hipottico;mas, quando a ao representada como boa em si, e portanto como necessria numavontade conforme em si mesma a razo considerada como princpio do querer, ento oimperativo categrico.

    O imperativo indica, pois, qual ao, para mim possvel. I seria boa, e representa a regraprtica em relao com uma vontade que no executa imediatamente urna ao porque boa, em parte porque o sujeito no sabe sempre se ela boa, e, em parte, porque,mesmo que o soubesse, suas mximas poderiam, no obstante, ser contrrias aos'princpios objetivos de uma razo prtica.

    (415) O imperativo hipottico significa, portanto, apenas, que a ao boa com relaoa um escopopossvelou real. No primeiro caso, um princpio PROBLEMTICAMENTEprtico; no segundo caso, um princpio ASSERTORICAMENTE prtico. Pelo contrrio, o

    imperativo categrico, que declara a ao como objetivamente necessria por si mesma,sem relao com algum fim, isto , sem qualquer outro fim, tem o valor de princpio

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    APODCTICAMENTE prtico.

    Podemos imaginar que tudo quanto possvel apenas pelas foras de algum ser racional tambm um escopo possvel para qualquer vontade; por isso, os princpios da ao,enquanto esta representada como necessria para a aquisio de algum fim possvel,

    susceptvel de ser por ela realizado, so, de fato, infinitos em nmero- Todas as cinciastm uma parte prtica, constante de problemas que supem que qualquer fim possvelpara ns, e de imperativos que indicam como tais fins podem ser alcanados. Estesimperativos podem, por isso, chamar-se em geral imperativos da HABILIDADE. No setrata, neste caso, de saber se o escopo racional e bom, mas s de saber o que se devefazer para o alcanar. As prescries que um mdico segue para curar radicalmente oseu enfermo, e as do envenenador para o matar seguramente, tm igual valor, na medidaem que umas e outras servem para realizar perfeitamente o escopo que se tem em vista.

    Como nos primeiros anos da juventude ignoramos as surpresas que a vida nos reservano porvir, os pais empenham-se principalmente em que os filhos aprendam quantidade

    de coisas diversas, e cuidam em que eles se tornem hbeis no uso dos meios necessriospara alcanarem toda sorte de fins desejveis. So eles incapazes de saber se algumdesses fins vir a ser, mais tarde, realmente desejado por seus filhos, mas possvelqueisso acontea um dia; e esta preocupao to grave, que eles comumente se descuidamde formar e corrigir o juzo dos filhos acerca do valor das coisas que estes poderiampropor-se como fins.

    H todavia um escopo, que se pode supor real para todos os seres racionais (na medidaem que os imperativos se aplicam a estes seres considerados como dependentes);portanto, um escopo que eles no s podem propor-se, mas do qual se pode certamenteadmitir que todos o propem a si efetivamente, em virtude de uma necessidade natural, eeste escopo a felicidade. O imperativo categrico, que apresenta a necessidade prticada ao como meio para alcanar a felicidade, ASSERTRIO. No podemos apresent-losimplesmente tomo indispensvel realizao de um fim incerto, puramente possvel,mas de um fim que se pode seguramente e a priori supor em todos os homens, porquefaz parte da natureza (416) deles. Pode dar-se o nome de prudncia (*), com a condiode tomar este vocbulo em seu mais estrito significado! habilidade em escolher osmeios que nos proporcionam maior bem-estar. Sendo assim, o imperativo que se refere escolha dos meios capazes de assegurar nossa felicidade pessoal, isto , a prescrioda prudncia, sempre hipottico; a ao ordenada, no de modo absoluto, mas scomo meio de alcanar outro escopo.

    (*) A palavraprudncia tomada em duplo sentido: no primeiro sentido, designa a prudncianas relaes que lemos com o mundo; no segundo sentido, a prudncia pessoal. A primeiraindica a habilidade que um homem possui de aluar sobre outros, para deles se servir embenefcio de seus fins. A segunda a sagacidade em fazer convergir estes fins para sua vantagempessoal e estvel.A esta ltima se reduz propriamente o valor da primeira; e daquele que prudente no primeiro sentido, no o sendo no segundo, com melhor razo se diria (pie engenhoso e astuto, mas, em suma, imprudente.

    Enfim, h um imperativo que, sem assentar como condio fundamental a obteno deum escopo, ordena imediatamente este procedimento. Tal imperativo CATEGRICO.Diz respeito, no matria da ao, nem s conseqncias que dela possam redundar,

    mas forma e ao princpio donde ela resulta; donde, o que no ato h de essencialmentebom consiste na inteno, sejam quais forem as conseqncias. A este imperativo pode

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    dar-se o nome de IMPERATIVO DA MORALIDADE.

    O ato de querer segundo estas trs espcies de princpios ainda claramenteespecificado pela diferena que existe no gnero de coao por eles exercida sobre a

    vontade. Para tornar sensvel esta diferena, penso no haver maneira mais apropriadade os designar em sua ordem do que dizendo: tais princpios so ou regras dahabilidade, ou conselhos da prudncia, ou ordenaes (leis) da moralidade. De fato, s alei implica em si o conceito de necessidade incondicionada, verdadeiramente objetiva e,conseqentemente, vlida para todos, e as ordenaes so leis a que mister obedecer,isto , devem ser seguidas, mesmo quando contrariam a inclinao. Os conselhosimplicam, sem dvida, uma necessidade, mas uma necessidade s vlida sob umacondio subjetiva contingente, consoante este ou aquele homem considera esta ouaquela coisa como parte de sua felicidade; ao invs, o imperativo categrico no limitado por nenhuma condio, e como absolutamente, embora praticamente,necessrio, pode propriamente ser denominado prescrio. Aos imperativos da primeira

    espcie podemos ainda dar o nome de tcnicos (417) (referentes arte); aos da segundaespcie, o depragmticos (*) (referentes ao bem-estar); aos da terceira espcie, o demorais (referentes ao livre comportamento em geral, isto , aos costumes).

    (*) Parece-me que o significado prprio da palavra pragmtico pode ser exatamente determinadodeste modo. Com efeito, chamam-se pragmticas assanes que no derivam propriamente dodireito dos Estados como leis necessrias, mas sim da solicitude pelo bem-estar geral. Umahistria composta pragmaticamente, quando nos torna prudentes, isto , quando ensina sociedade hodierna os meios de cuidarem de seus interesses melhor ou, pelo menos, to bemcomo a sociedade de outros tempos.

    Apresenta-se aqui a questo: como so possveis todos estes imperativos ? Esta questovisa a indagar a maneira de imaginar, no o cumprimento da ao que o imperativoordena, mas to-somente a coao da vontade que o imperativo exprime, na tarefa queprope. Como seja possvel um imperativo da habilidade, coisa que decerto no requerpeculiar explicao. Quem quer o fim, quer tambm (na medida em que a razo teminfluxo decisivo sobre suas aes) os meios indispensvelmente necessrios de oalcanar, e que esto em seu poder. Esta proposio , no que respeita ao querer,analtica, porque o ato de querer um objeto, efeito de minha atividade, supe j a minhacausalidade, como causalidade de uma causa agente, isto , o uso dos meios; e oimperativo extrai, do conceito da volio de um fim, a idia das aes necessrias para

    chegar a esse fim (sem dvida, para determinar os meios aptos para alcanar um escopoprefixado, so absolutamente exigidas proposies sintticas, mas estas referem-se aoprincpio de realizao, no do ato da vontade, mas do objeto). Que para dividir,segundo um princpio certo, uma linha reta em duas partes iguais, eu deva traar desdeas extremidades desta linha dois arcos de crculo, a matemtica o ensina unicamente pormeio de proposies sintticas; mas que, sabendo que por este processo s se obtm oobjeto proposto, eu, querendo plenamente o efeito, deva querer igualmente a ao porele exigida, uma proposio analtica; pois que, representar-me uma coisa como umefeito que eu posso produzir de certo modo, e representar-me a mim mesmo, em relaoa esse efeito, como agindo do mesmo modo, , de fato, uma e a mesma coisa.

    Os imperativos da prudncia concordariam plenamente com os da habilidade, e seriamigualmente analticos, sei fosse fcil dar um conceito determinado da felicidade. Pois

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    tanto aqui como ali se poderia dizer que quem quer o fim quer tambm necessariamentesegundo a razo) os (418) meios indispensveis para o obter, que estejam ao seualcance. Mas, por desgraa, o conceito da felicidade conceito to indeterminado que,no obstante o desejo de todo homem de ser feliz, ningum todavia consegue dizer emtermos precisos e coerentes o que verdadeiramente deseja e quer. A razo disso que os

    elementos, que integram o conceito da felicidade, so todos quantos empricos, isto ,devem ser extrados da experincia, e, no obstante, a idia da felicidade implica a idiade um todo absoluto, um mximo de bem-estar no meu estado presente e em toda minhacondio futura. Ora, impossvel que um ser, embora imensamente perspicaz e, aomesmo tempo, potentssimo, mas finito, faa uma idia determinada daquilo queverdadeiramente quer. Quer ele riqueza ? Que de preocupaes, invejas, ciladas no vaiatrair sobre si! Quer maior soma de conhecimentos e de ilustrao ? Talvez isso lheaumente o poder de penetrao e a perspiccia do olhar, lhe revele de maneira aindamais terrvel os males que por ora lhe esto ocultos e que no podem ser evitados ouincremente a exigncia de seus desejos que muito a custo consegue satisfazer. Quer vidalonga ? E quem lhe afiana que ela no se converteria em longo sofrimento ? Quer, ao

    menos, a sade ? Mas quantas vezes a indisposio do corpo impediu excessos, em queuma perfeita sade o teria feito cair ! E assim por diante. Em suma, ele incapaz dedeterminar com plena certeza segundo qualquer princpio, o que o tornarverdadeiramente feliz, pois para tal precisaria de ser onisciente. Portanto, para ser feliz,no possvel agir segundo princpios determinados, mas apenas segundo conselhosempricos, que recomendam, por exemplo, um regime diettico, a economia, adelicadeza, a reserva, etc, coisas estas que, de acordo com os ensinamentos daexperincia, contribuem, em tese, grandemente, para o bem-estar. Donde se segue queos imperativos da prudncia, rigorosamente falando, no podem ordenar coisa alguma,isto , no podem apresentar aes de maneira objetiva como praticamente necessrias.

    mister consider-los, antes, como conselhos (consilia), do que como preceitos(praecepta)da razo. O problema de determinar, de maneira certa e geral, quais asaes capazes de favorecer a felicidade de um ser racional, problema, de fato,insolvel, e, por conseguinte, relativamente a ele, no h imperativo capaz de ordenar,no sentido rigoroso da palavra, que se faa aquilo que d a felicidade, porque afelicidade um ideal, no da razo, mas da imaginao, fundado unicamente (419)sobre princpios empricos, dos quais em vo se espera que possam determinar umaao, um modo de agir, por meio do qual se alcance a totalidade de uma srie deconseqncias verdadeiramente infinita. Este imperativo da prudncia, mesmoadmitindo que os meios de chegar felicidade se possam fixar com certeza, seria, em

    todo caso, apenas uma proposio prtica analtica, pois se distingue do imperativo dahabilidade s porque, para este ltimo, o fim simplesmente possvel, ao passo que paraaquele dado efetivamente; mas, como ambos prescrevem unicamente os meios paraalcanar aquilo que se supe que queremos como fim, o imperativo, que ordena quele,que quer o fim, que queira tambm os meios, , nos dois casos, analtico. Acerca de umimperativo deste gnero no subsiste, pois, dificuldade.

    Pelo contrrio, a possibilidade do imperativo da moralidade , sem dvida, a nicaquesto que precisa de ser solucionada, porque tal imperativo no absolutamentehipottico, e, por isso, sua necessidade, objetivamente representada, no pode apoiar-seem nenhuma suposio, como sucede nos imperativos hipotticos. S que no se deve

    aqui perder nunca de vista, que no possvel decidir por meio de algum exemplo, eportanto empiricamente, se, na realidade, h algum imperativo deste gnero; convm

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    no esquecer que todos os imperativos, que parecem ser categricos, podem serimperativos hipotticos disfarados. Quando, por exemplo, se diz: "no deves fazerfalsas promessas", e se supe que a necessidade desta proibio no simples conselhoque se deva seguir, a fim de evitar algum mal, no conselho que se reduza mais oumenos a dizer: "no deves fazer falsas promessas, para no perderes o crdito, no caso

    em que se viesse a apurar a verdade"; mas, antes se assevere que uma ao deste gnerodeve ser considerada em si mesma como m, de modo que o imperativo, que a probe,seja categrico, todavia no se pode afirmar com certeza, em nenhum exemplo, que avontade no determinada por nenhum outro impulso, embora o parea, masunicamente pela lei. Com efeito, sempre possvel que o temor da vergonha, e acasotambm uma vaga apreenso de outros perigos exera influncia secreta sobre avontade. Como provar, mediante a experincia, a no-existncia de uma causa, desdeque essa experincia no ensina mais do que nossa impossibilidade de distinguir aquelacausa ? Neste caso, o pretenso imperativo moral, que, como tal, parece categrico eincondicionado, no seria, na realidade, seno um preceito pragmtico, que fazconvergir nossa ateno sobre o nosso interesse e unicamente nos ensina a tom-lo em

    considerao.

    Devemos, pois, examinar inteiramente a priori a possibilidade de um imperativocategrico, visto aqui no nos ser concedida a vantagem de encontrar este imperativo(420) realizado na experincia, de sorte que no tenhamos de examinar a possibilidade dele seno para o explicar, e no para o estabelecer. Entretanto, de momento, importapreliminarmente admitir que s o imperativo categrico tem o valor de LEI prtica, aopasso que os demais imperativos em conjunto podem bem ser denominados princpios,mas no leis da vontade. Com efeito, o que simplesmente necessrio fazer paraalcanar um fim almejado, pode em si ser considerado como contingente (109), nspoderemos sempre ser libertos das prescries, renunciando ao fim; ao invs, o preceitoincondicionado no entrega, por forma alguma, ao beneplcito da vontade a faculdadede optar pelo contrrio: portanto s ele implica em si aquela necessidade quereclamamos para a lei.

    Em segundo lugar, no que concerne a este imperativo categrico, ou a esta lei damoralidade, a causa da dificuldade (de apreender a sua possibilidade) tambm assazconsidervel. Este imperativo uma proposio prtica sinttica (*) a priori, e vistohaver tamanha dificuldade no conhecimento terico para compreender a possibilidadede proposies deste gnero, fcil presumir que no conhecimento prtico a dificuldadeno ser menor.

    Para resolver esta questo, importa, antes de mais nada, verificar, se no seria possvelque o conceito simples de imperativo categrico fornecesse tambm a frmula domesmo, frmula que contivesse a proposio que s pode ser um imperativo categrico;pois a questo de saber como seja possvel um tal mandamento absoluto, mesmo quandolhe conhecemos a frmula, exigir ainda, de nossa parte, um esforo peculiar e difcil,do qual trataremos na derradeira Seco desta obra.

    (*) Eu, sem pressupor condies derivadas de qualquer inclinao, ligo o ato a vontade; ligo-o apriori, portanto necessariamente (embora s objetivamente, ou seja, tomando como ponto departida a idia de uma razo dotada de plenos poderes sobre todas as causas subjetivas dedeterminao). Esta , pois, uma proposio prtica, que no deriva analiticamente o fato de

    querer uma ao de um outro querer j pressuposto (porque no temos uma vontade to perfeita),mas que o liga imediatamente ao conceito da vontade de um ser racional, como algo que nele

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    no est contido.

    Quando imagino um imperativo hipottico em geral, no sei com antecedncia o queele conter, enquanto no me for dada a condio do mesmo. Mas, se imagino umimperativo categrico, sei imediatamente o seu contedo. No contendo o imperativo,

    alm da lei, seno a necessidade de a mxima (*) se conformar lei, e no contendoesta (421) lei nenhuma condio a que esteja sujeita, nada mais resta que auniversalidade de uma lei em geral, que a mxima da ao deve ser conforme, e sesta conformidade que o imperativo apresenta propriamente como necessria.O imperativo categrico , pois, um s e precisamente este: Procede apenas .segundoaquela mxima, em virtude da qual podes querer ao mesmo tempo que ela se tome emlei universal.

    (*) A mxima o princpio subjetivo da ao, e imporia distingui-la do principio objetivo, isto ,da lei prtica. A mxima contm a regra prtica que determina a razo segundo as condiesdo sujeito (em muitos casos, segundo a sua ignorncia, ou tambm segundo suas inclinaes, e,deste modo, o principio fundamental, segundo o qual o sujeito age; a lei, pelo contrrio o

    princpio objetivo vlido para todo ser racional, o princpio segundo o qual ele deve agir, ouseja, um imperativo.

    Ora, se deste s imperativo podem ser derivados, como de seu princpio, todos osimperativos do dever, embora deixamos de lado a questo de saber se aquilo, a que sed o nome de dever, no , no fundo, um conceito oco, poderemos todavia, ao menos,mostrar o que entendemos por isso e o que este conceito pretende significar.Uma vez que a universalidade da lei, segundo a qual se produzem efeitos, constitui oque propriamente se chama natureza no sentido mais geral (quanto forma), isto ,constitui a existncia dos objetos, enquanto determinada por leis universais, o

    imperativo universal do dever pode ainda ser expresso nos termos seguintes: Procedecomo se a mxima de tua ao devesse ser erigida, por tua vontade, em LEI UNIVERSALDA NATUREZA.

    Enumeremos agora alguns deveres, de acordo com a diviso ordinria dos deveres emdeveres para conosco e deveres para com os outros, em deveres perfeitos e deveresimperfeitos. (*)

    (*) Convm observar que me reservo tratar da diviso dos deveres numa futuraMetafsica cios costumes; pelo que, a diviso agora proposta obedece apenas aum critrio de comodidade (para classificao dos exemplos que apresento).Alis, por "dever perfeito" emendo aqui o dever que no admite excees emfavor da inclinaro; assim"~~sendo, admito no s deveres perfeitos exteriores,mas tambm deveres perfeitos interiores, o que est em contradio com aterminologia empregada nas escolas; no porm meu intento justificar aqui.

    Cita concepo pois pouco se me d que ela seja admitida ou no (114).

    1. Um homem, por uma srie de males que o levaram ao (422) desespero, sente grandenojo de viver, muito embora mantenha o suficiente domnio de si para se perguntar se oatentar contra a prpria vida no constitui uma violao do dever para consigo mesmo.

    Procura ento averiguar se a mxima de sua ao pode converter-se em lei universal danatureza. Sua mxima seria esta: "por amor de mim mesmo, estabeleo o princpio de

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    poder abreviar minha existncia, se vir que, prolongando-a, tenho mais males que temerdo que satisfaes que esperar dela". A questo agora est apenas em saber se talprincpio do amor de si pode ser erigido em lei universal da natureza. Masimediatamente se v que uma natureza, cuja lei fosse destruir a vida, em virtudejustamente daquele sentimento que tem por funo peculiar estimular a conservao da

    vida, estaria em contradio consigo mesma e no poderia subsistir como natureza,Conseguintemente, esta mxima no pode, por forma alguma, ocupar o posto de leiuniversal da natureza, e por tal motivo inteiramente contrria ao princpio supremo detodo dever.

    2. Outro homem impelido pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe queno poder restitu-lo, mas sabe igualmente que nada lhe ser emprestado, se no tomaro srio compromisso de satisfazer a dvida dentro de determinado prazo. Sente vontadede fazer essa promessa, mas tem ainda bastante conscincia para a si mesmo perguntarse no ser proibido e contrrio ao .dever tentar safar-se da necessidade por meio de talexpediente. Supondo que tome esta deciso, a mxima de sua ao significaria isto:

    quando penso estar falto de dinheiro, peo emprestado, prometendo restitu-lo, emborasaiba que nunca o farei. Ora, bem possvel que este princpio do amor de si ou dautilidade prpria se prenda com todo o meu bem-estar futuro, mas, de momento, aquesto consiste em saber se isso justo. Transformo, pois, a exigncia do amor de siem lei universal, e ponho a questo seguinte: que sucederia, se minha mxima seconvertesse em lei universal ? Ora, imediatamente vejo que ela nunca poderia valercomo lei universal da natureza e estar de acordo consigo mesma, mas que deverianecessariamente contradizer-se. Admitir como lei universal que todo homem, que julgueencontrar-se em necessidade, possa prometer o que lhe vem mente, com o propsitode no cumprir, equivaleria a tornar impossvel toda promessa, e inatingvel o fim quecom ela se pretende alcanar, pois ningum acreditaria mais naquilo que se lhe prometee todos se ririam de semelhantes declaraes, como de fingimentos vos.

    3. Um terceiro sente-se dotado de aptides que, devidamente cultivadas, poderiam fazerdele um homem til sob mltiplos aspectos. Mas, encontrando-se bem instalado(423) navida, prefere entregar-se a uma existncia de prazer do que esforar-se por ampliar eaperfeioar suas boas disposies naturais. Contudo, ele pergunta a si mesmo se. a suamxima "descurar os dons naturais", alm de concordar com sua tendncia para oprazer, concorda tambm com o que se chama o dever. Ora, ele v bem que, semdvida, uma natureza que tivesse uma lei universal deste gnero poderia subsistir,mesmo que o homem (como o indgena insular do Mar do Sul) deixasse enferrujar seus

    talentos e no pensasse seno em aplicar sua vida ao cio, ao prazer, propagao daespcie, numa palavra, ao gozo; mas ele no pode absolutamente QUERER que isto seconverta em lei universal da natureza, ou que seja inato em ns como instinto natural.Como ser racional, ele quer necessariamente que todas as suas faculdades atinjam seupleno desenvolvimento, visto que lhe so de utilidade e lhe foram dadas para todaespcie de fins possveis.

    4. Enfim, um quarto homem, a quem tudo corre pelo melhor, vendo que outros seussemelhantes (a quem poderia ajudar) se encontram a braos com graves dificuldades,raciocina da seguinte forma: E a mim que se me d ? Cada qual seja feliz, consoante aocu apraz ou de acordo com suas prprias posses; no lhe subtrairei a mnima poro do

    que ele possui, nem sequer tenho inveja dele; s que no me empenharei em contribuirde qualquer maneira para o seu bem-estar ou para auxili-lo em sua necessidade. Se tal

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    modo de pensar se convertesse em lei universal da natureza, a espcie humanacontinuaria sem dvida subsistindo, e, na verdade, em melhores condies do quequando algum fala constantemente de simpatia e de benevolncia, e se afadiga empraticar ocasionalmente estas virtudes, mas, logo em seguida, desde que se lhe ofereceocasio de ludibriar, trafica o direito dos homens ou os prejudica de qualquer outra

    maneira. Embora seja possvel existir uma lei universal da natureza conforme quelamxima, todavia impossvel QUERER que tal princpio seja universalmente vlidocomo lei da natureza. Com efeito, uma vontade, que tomasse tal deciso, a si mesma secontradiria, uma vez que, apesar de tudo, podem apresentar-se casos, em que se tenhanecessidade do amor e da simpatia dos outros, e ento, em virtude desta lei oriunda denossa vontade, ficaramos privados de toda esperana de obter a assistncia quedesejaramos.

    Estes so alguns dos inmeros deveres reais, ou ao menos por ns tidos como tais, cujadeduo, a partir do nico (424) princpio por ns aduzido, salta manifestamente aosolhos. mister quepossamos quererque uma mxima de nossa ao se torne em lei

    universal: este o cnone de apreciao moral de nossa ao em geral. Aes h de talnatureza, que a mxima das mesmas nem sequer pode ser concebida sem contradiocomo lei universal da natureza; estamos portanto muito longe de quererdesejar que eladeva tornar-se tal. Noutras, e certo, no se encontra essa possibilidade interna, sendotodavia impossvel quererque a mxima delas obtenha a universalidade de uma lei danatureza, porque tal vontade a si mesma se contradiria. Facilmente se v que a mximadas primeiras contrria ao dever estrito ou rgido (rigoroso), ao passo que a mximadas segundas s contrria ao dever em sentido lato (meritrio). Assim sendo, todos osdeveres, no que tange ao gnero de obrigao que impem (no ao objeto das aes quedeterminam) aparecem plenamente, graas a estes exemplos, como sendo redutveis aoprincpio nico por ns emitido.

    Examinando agora atentamente o que em ns ocorre todas as vezes que transgredimosum dever, verificamos que no queremos realmente que a nossa mxima se converta emlei universal, pois isso impossvel; pelo contrrio, a mxima oposta deve continuarsendo universalmente uma. lei; s que tomamos a liberdade de (s por esta vez) abriruma exceo em nosso favor, a fim de satisfazermos nossa inclinao. Por conseguinte,se considerarmos tudo debaixo de um nico e mesmo ponto de vista, isto , do ponto devista da razo, encontraremos uma contradio em nossa prpria vontade, poisqueremos que certo princpio seja necessrio objetivamente como lei universal, e que,no entanto, no tenha valor universal subjetivamente, mas admita excees. Mas, se

    considerarmos nossa ao do ponto de vista de uma vontade plenamente conforme razo, e, em seguida, do ponto de vista de uma vontade influenciada pela inclinao,ento no encontramos realmente nenhuma contradio, seno, antes, uma resistnciada inclinao s prescries da razo (antagonismus), pela qual a universalidade doprincpio (universalitas) convertida em simples generalidade (generalitas), de sorteque o princpio prtico da razo e a mxima devero encontrar-se a meio caminho. Ora,conquanto este compromisso no possa ser justificado, quando julgamosimparcialmente, contudo ele mostra que reconhecemos realmente a validade doimperativo categrico e que (no obstante todo o respeito que temos pelo mesmo) nospermitimos algumas excees, ao que parece, sem importncia, e que nos so impostaspor uma espcie de coao.

    Pensamos deste modo ter conseguido, ao menos, (425) provar que, se o dever um

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    conceito que tem um significado e que contem uma legislao real para nossas aes,esta. legislao deve ser expressa apenas em imperativos categricos, e de maneiranenhuma em imperativos hipotticos; ao mesmo tempo, e isto j importante,expusemos claramente e numa frmula que o determina em todas as suas aplicaes, ocontedo do imperativo categrico, que deve encerrar o princpio de todos os deveres

    (se que h deveres em geral). Ms no logramos ainda demonstrar a priori que um talimperativo existe realmente, que existe uma lei prtica que comanda absolutamente porsi mesma, sem qualquer mbil que a solicite, e que a obedincia a esta lei