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Michel Mott Machado Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB. Ciências Sociais PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP São Paulo - 2005 1

Michel Mott Machado e crise de... · Michel Mott Machado Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB. Ciências Sociais Dissertação apresentada à Banca Examinadora

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Michel Mott Machado

Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB.

Ciências Sociais

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SPSão Paulo - 2005

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Page 2: Michel Mott Machado e crise de... · Michel Mott Machado Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB. Ciências Sociais Dissertação apresentada à Banca Examinadora

Michel Mott Machado

Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB.

Ciências Sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Doutora Maria de

Lourdes Manzini-Covre.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SPSão Paulo – 2005

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Michel Mott Machado

Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Doutora Maria de

Lourdes Manzini-Covre.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SPSão Paulo - 2005

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Page 4: Michel Mott Machado e crise de... · Michel Mott Machado Mudança e crise de sentido na organização: o caso BSB. Ciências Sociais Dissertação apresentada à Banca Examinadora

Dedicatória

Dedico este trabalho aos trabalhadores bancários que viveram esta experiência.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar meus agradecimentos à minha querida

companheira Marlene, com quem dividi e continuo dividindo alegrias e

tristezas. Não poderia deixar de agradecer a Jeová pela amizade e apoio

em momentos difíceis e ao amigo Claudio Elias pelo apoio e amizade.

Também gostaria de expressar meus agradecimentos à Profa. Marilou, que

confiou em mim e deu-me a oportunidade de aprender muitas coisas, bem

como a Profa. Carmem Junqueira, que com determinação e uma visão

crítica acurada, proporcionou algumas mudanças de rotas ao presente

trabalho.

Agradeço ao Sindicato dos bancários de São Paulo pela experiência e material compartilhados, bem como o próprio BSB. por subsidiar a maior parte da pós-graduação. Por fim, agradeço a mui estimada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelos anos de excelente convívência acadêmica.

Não poderia deixar de agradecer, aos companheiros bancários que dispuseram-se gentilmente a compartilhar seus pensamentos e sentimentos, bem como aqueles que contribuiram apenas indiretamente à pesquisa.

A todos, muito obrigado!

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“(...) Mas ele desconhecia, esse fato extraordinário, que o operário faz a coisa, e a coisa faz o operário.De forma que, certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomadode uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão – era ele quem os fazia.(...)Ele, um humilde operário, um operário em construção.(...)Ah, homens de pensamento, não sabereis nunca o quanto aquele humilde operário soube naquele momento!(...)Foi dentro da compreensão, desse instante solitário, que tal sua construção, cresceu também o operário.(...)E um fato novo se viu, que a todos admirava. O que o operário dizia, outro operário escutava.(...)E foi assim que o operário, do edifício em construção, que sempre dizia sim, começou a dizer não...” (Vinícius de Moraes, Operário em Construção)

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RESUMO

Tentamos compreender, com o presente trabalho, como certas mudanças

podem afetar um grupo / sistema social dentro de determinada organização.

Consideramos importante estudar esta questão sob o espectro das

Ciências Sociais, uma vez que boa parte de nossa vida decorre dentro destes

organismos e, além disso, as mudanças pelas quais as organizações modernas

vem passando, acarretam uma sobrecarga de sofrimento difícil de ser suportada

pelos indivíduos e grupos nessas organizações.

Como problema central, levantamos a seguinte questão: como a mudança

afeta o grupo? Temos a seguinte hipótese: a mudança (a venda do banco)

conduziu os agentes sociais dentro da organização, a uma crise de sentido, a

qual, dependendo do encaminhamento dado pelo grupo, pode ser promotora da

emergência do ser desejante, como primeira condição para um possível agente de

uma cidadania-em-construção (Manzini-Covre, 1996).

Escolhemos como objeto de estudo o departamento de câmbio de um

banco e, dado o caráter da pesquisa, optamos por trabalhar com dados

qualitativos, pois traduzem melhor o sentido dos agentes. Os dados foram obtidos

através do recolhimento de depoimentos de 16 integrantes de um grupo de cerca

de 100 indivíduos, bem como, através de observação-participante.

A mudança ocasionou em muitos aspectos, uma carga muito grande de

mal-estar para o grupo, porém, a própria organização apresentou traços de

desorientação, disfuncionalidade, desorganização. Contudo, no caso da

organização, as saídas para tal situação passavam por lidar eficazmente com o

mal-estar gerado no grupo, não no sentido de sua extinção, mas de manipulá-lo.

Já o grupo, em inúmeras oportunidades, buscou saídas à sua crise de sentido, de

modo que, daí, foi possível o pontuamento do ser desejante como o elemento

fundamental de uma certa cidadania-em-construção.

Palavras chaves: mudança, sentido, crise, organização, poder, ser desejante,

cidadania-em-construção.

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ABSTRACT

We try to understand, with the present research, how some changes can

affect a group / social system in determined organization.

We consider important this question studying focused on the Social

Science, since a great part of our life goes into these social organisms and,

besides, the changing of the modern organizations nowadays, bring one surcharge

of suffering hard to be bore by individuals and groups.

As the main problem we ask the following question: how does this change

affect the group? We have the following hypothesis: the change (the bank’s sale)

lead the social agents into organization to a crisis of sense, wich, according to the

direction given by the group, could be the reason of a ramsom of the social and

individuals’ desire, as the first condition to a possible agent of a citizenship-in-

building

We choose as the object of the study the exchange departament of a bank

and, due to the kind of the research, we prefered to work with qualitative data, for

better translating the agents’ sense. The data were got by assertments of 16

members among 100 individuals, as well as, the observation-participator.

The change brought, in many aspects, a very strong charge of bad-feeling

to the group, but, the own organization presented features of non-orientation,

disfunctionality, disorganization. However, the answers for such situation passed to

manage effectively with the bad-feeling created in this group, not in your extinction

way, but manipulating it. Many times, on the other hand, the group seeked answers

to this crisis of sense, so that, it was possible to punctuate the figure of desiring

being as the essential element to a citizenship-in-building (Manzini-Covre, 1996).

Key words: change, sense, crisis, organization, power, desiring being, citizenship-

in-building.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................10

CAPÍTULO 1 – Mudança e crise de sentido nos atores da organização: uma aproximação teórica.............................................................................................16

1. - Aspectos estruturais da mudança: um breve histórico da instituição.............16

2. – A organização: dimensão significativa da realidade social............................21

3. – A organização e o Estado ampliado..............................................................24

1.4.– O poder das organizações: funções e eficácia..............................................251.4.1 – A cultura e o poder nas organizações...................................................... .291.4.2 – A eficácia do poder.....................................................................................31

1.5 – Sentido, crise e crise de sentido....................................................................361.5.1 – Analisando a idéia de mudança..................................................................45

1.6 – O sujeito como agente de transformação social............................................48

CAPÍTULO 2 – A mudança: aspectos objetivos e subjetivos...........................56

2.1 – Aspectos objetivos da mudança: funções, papéis e relações de poder .......562.1.1 – A relação com o discurso institucional........................................................63

2.2 – Aspectos subjetivos: a apreensão da mudança pelo grupo..........................672.2.1 – O laço de afetividade com o banco............................................................672.2.2 – O processo de mudança na intimidade......................................................742.2.3 – O sentido da palavra mudança para o grupo.............................................802.2.4 – A relação com o mal-estar..........................................................................84

CAPÍTULO 3 – Mal-estar dos atores e possível superação..............................91

3.1 – O estopim da cidadania.................................................................................91

CONCLUSÃO.......................................................................................................102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................107

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Introdução

O nosso objetivo neste estudo foi compreender como uma determinada

mudança ocorrida na organização aqui em foco afetou o grupo de trabalhadores.

Consideramos importante estudar essa questão não só porque nossa

vida, na maior parte do tempo, decorre dentro das organizações, mas também

porque certas mudanças, principalmente no atual estágio da história humana, são

tão dinâmicas e, por vezes, profundas, que podem vir a causar grande mal-estar

para as pessoas e para a coletividade.

Assim sendo, escolhemos nosso objeto de pesquisa de acordo com a

nossa própria experiência de trabalho. O pesquisador era um dos trabalhadores

da organização tomada como objeto de análise - um banco - e, portanto, vivenciou

boa parte do processo de mudança estudado, qual seja, a venda para uma outra

instituição financeira. Destacamos que não pesquisamos toda a organização, pois

não dispúnhamos de recursos materiais nem de recursos humanos suficientes, de

tal forma que delimitamos nosso estudo a um departamento específico do banco,

o departamento de câmbio.

Dado o caráter da pesquisa, optamos por trabalhar com dados

primordialmente qualitativos, pois traduzem melhor o sentido dos sujeitos acerca

da situação vivida. O que nos cabe, então, é compreender e explicar os sentidos

apreendidos pelo grupo sobre o processo de mudança. Para isso, colhemos

depoimentos, que, em alguns momentos, aproximavam-se de escutas, de

dezesseis pessoas num universo de cerca de 100. Em sua maioria, os

depoimentos se deram em lugar neutro, com duração de cerca de uma hora cada,

sendo gravados com o consentimento dos depoentes e, depois, devidamente

transcritos. Além disso, a coleta de dados se deu através da observação-

participante, de conversas informais etc.

Salientamos, ainda, que o pesquisador trabalhou cerca de dez anos na

organização aqui em foco, o que acarretou problemas para lidarmos com o objeto

objetivamente. Essa tensão, de fato, “drenou” muito da energia necessária para

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focalizar o objeto, pois, afinal, tratava-se de um lugar e, principalmente, de muitas

pessoas com as quais o pesquisador conviveu por um longo período. Assim, esse

problema da ordem do método precisava ser resolvido; ou seja, fazia-se

necessário certo distanciamento. Mas, nessas circunstâncias, qual seria a postura

mais adequada para lidarmos com o objeto - o departamento do banco?

Poderíamos ter optado por uma postura empiricista, que pode ser

caracterizada, segundo as palavras de Fleury (1996, p.15), como a postura do

fotógrafo da realidade social. Nessa perspectiva, o sociólogo-pesquisador empiricista

não parte de problemáticas prévias para construir o conhecimento, mas sim da

análise dos dados coletados. Para respondermos nossa questão principal, talvez

essa fosse uma boa solução. Contudo, uma vez que o pesquisador encontrava-se

implicado, corporal e emocionalmente, com o objeto, em seu estado puro, esse

caminho mostrou-se pouco adequado.

Um outro método possível de observação e compreensão da realidade

social, organizacional seria a postura antropológica. Para se aproximar do objeto

a ser analisado, o pesquisador utiliza, então, um quadro referencial-teórico prévio.

O pesquisador organizacional procura agir como observador e observador-

participante, de modo que tenta “vivenciar” as várias faces da organização

(aspectos simbólicos, materiais etc.) (Fleury, 1996, p.16). Embora fascinante e

ampla, essa perspectiva metodológica também não nos pareceu satisfatória, uma

vez que não buscávamos uma compreensão da cultura organizacional através da

vida na organização.

Assim, aproximamo-nos da perspectiva sócio-clínica ou psicossociológica.

Assim como ocorre na postura antropológica, aqui o investigador deve partir de

um modelo conceitual prévio, que orientará o processo de coleta de dados

(observação, observação-participante, conversas informais, entrevistas etc.), os

quais serão, por sua vez, analisados e interpretados. Ou seja, busca-se,

primordialmente, o sentido dos sujeitos envolvidos em determinada situação.

Mas, além disso, temos na abordagem sócio-clínica a questão do

inconsciente nas organizações, o que, sem dúvida, mostrou ser um aspecto

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bastante frutífero, desafiador e estimulante para o trabalho, pois, ao mesmo

tempo em que procurávamos elucidar o sentido dos sujeitos, buscávamos

compreender nossas próprias sensações e percepções.

Com relação à demanda, entendemos que a mesma deveria partir de

qualquer organismo social interessado, mas, no contexto de nosso país, não é

comum que esse tipo de solicitação seja dirigida à universidade. Assim sendo,

consideramos que a pesquisa poderia ser empreendida pelo pesquisador, pois

havia por parte deste uma demanda subterrânea, escondida, reprimida, que pôde

ser percebida através de conversas informais (nos corredores, nos banheiros,

almoços, em momentos de pausa do labor etc.), de queixas dos trabalhadores em

relação à condição a que estavam expostos, por vezes externalizando um mal-

estar intenso com a situação de mudança vivida – a venda do banco.

Vale lembrar que esse mal-estar também era sentido pelo investigador,

uma vez que fazia parte do corpo funcional da organização. Ainda nesse ponto,

entramos no aspecto da legitimidade da análise-pesquisa, pois como poderíamos

atuar no campo em questão se não havia uma demanda explícita? Barus-Michel

(2004, p. 174) pode nos ajudar a responder essa pergunta:

Partindo de sua própria demanda, o ator-pesquisador procede a uma

análise, levantando os desconhecimentos institucionais que o

atravessam. (...) todo ator social tem o direito inalienável de procurar

compreender sua utilidade no campo social, o que ele se torna e quais

são os mecanismos que o mobilizam.

No entanto, devemos reconhecer que toda análise não é estanque em si

mesma, isto é, possui algum nível de influência na instituição:

A legitimidade do ator encontra seus limites em sua própria demanda .

Quando os ultrapassa e induz “experimentalmente” efeitos inesperados,

o ator recai na ilegitimidade (Barus-Michel, 2004, p.175).

Assim, partimos primeiramente para uma tentativa de compreensão do

que estava acontecendo, ou melhor, de uma busca de sentido a partir dos sujeitos

implicados e, ao mesmo tempo, procurando criar um ambiente no qual os

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indivíduos pudessem extravasar suas emoções e, talvez, alcançar certo nível de

(re)elaboração daquele mal-estar, que por vezes tomava feições dramáticas.

Nessa direção, entendemos que o problema da demanda pode ser

deslocado, desde que se esclareça que a aparente contradição entre terapêutica

e pesquisa pode ser sanada a partir da possibilidade de se privilegiar uma das

duas dimensões.

Portanto, esclarecemos que nosso objetivo primeiro com este trabalho é

tangenciar alguns aspectos sobre o posicionamento do grupo em foco em relação

à situação de mudança, mais ou menos profunda, e, ao mesmo tempo, fazer do

mesmo um meio de conhecimento. Contudo, reconhecemos também que é

inevitável algum grau de interferência / intervenção sobre os atores sociais e vice-

versa, uma vez que se trata de um arcabouço metodológico no qual a fala dos

sujeitos é fundamental ao nosso esforço de compreensão de seus sentidos (como

eles se enxergam, se sentem, se compreendem na situação etc.), o que traz

consigo o fenômeno relacional e, portanto, a transferência e a contra-

transferência1.

Um outro problema fundamental diz respeito à questão do distanciamento

necessário que o investigador deve manter em relação ao objeto, para assim

realizar uma análise o mais objetiva possível da realidade. Nesse aspecto,

devemos admitir que, com exceção da tensão “ético-metodológica” já

mencionada, a pesquisa de campo (observação direta, apreensão de comentários

informais, depoimentos informais e formais, etc.) deu-se na maior parte do tempo

da investigação em si, mas, por um “princípio de precaução”, decidimos nos

afastar fisicamente do objeto, uma vez que já havíamos coletado os principais

dados da investigação de campo. Sendo assim, essa problemática também foi

solucionada satisfatoriamente.

Cabem ainda alguns apontamentos acerca do método utilizado. Se o

método sócio-clínico ou psicossociológico busca a elucidação do sentido dos

1 Barus-Michel prefere o termo implicação do profissional ou pesquisador em ciências humanas, pois a partir da observação deste aspecto relacional, é possível, segundo a autora, controlar e avaliar até que ponto há o risco de induzir reações no observado (2004, p.41).

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sujeitos e, portanto, se há uma evocação do(s) sentido(s), isso se dá

inequivocamente através da subjetividade. Assim sendo, poderíamos dizer então

que o mesmo assemelha-se, com algumas ressalvas, ao funcionamento das

sociologias compreensivas. Conforme André Lévy (2001, p.58):

A tarefa dos sociólogos compreensivos é descrever e compreender o

funcionamento das sociedades e a mudança em suas dimensões, ao

mesmo tempo, globais, individuais e subjetivas.

Outras áreas da sociologia, além da anteriormente mencionada, servem

como contribuição teórica às ciências clínicas, tais como: as sociologias da

mudança (modelo cooperativo; conflito social e mudança; vínculo social);

sociologia da ação e a sociologia da experiência (reconhecimento da importância

do ator social e do sujeito singular na criação e no funcionamento das instituições

sociais) (Lévy, 2001, p.59-70).

Evidentemente, não podemos nos esquecer da grande contribuição da

psicanálise para o desenvolvimento das ciências clínicas e sociais, pois conforme

nos assevera Florestan Fernandes (1971, p.378):

A Psicanálise desenvolveu ou refinou todo um conjunto de técnicas e

métodos de investigação ou de interpretação que possuem grande

importância para as ciências sociais.

Mais ainda, segundo o autor, a Psicanálise pode ser distinguida como uma

terapêutica, um método e uma doutrina2. Sendo assim, todas essas dimensões ou

possibilidades proporcionadas por essa disciplina fundada por Freud são de

grande serventia para nossos esforços compreensivos e, também, interpretativos.

Uma vez expostas nossas principais dificuldades em lidar com a

metodologia aqui escolhida, bem como nossas ações para superá-las, talvez seja

importante esclarecermos um pouco mais a noção de clínica.

Segundo Sévigny (2001, p.15), o sentido etimológico do termo clínica é:

observar diretamente, junto ao leito do paciente. Essa noção, num primeiro momento,

2 Fernandes apud Bastide.

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talvez nos remeta a uma percepção de práticas voltadas para casos individuais.

Contudo, ainda conforme o autor:

Os problemas não recaem sempre e apenas sobre indivíduos, mas

também sobre grupos, organizações, acontecimentos, situações sociais

particulares, que são examinadas sob o ângulo de sua singularidade e

de sua especificidade. (...) Não se trata de curar ou de cuidar; a

preocupação é de mudar, de prevenir ou de melhorar uma dada

situação, de encontrar respostas a problemas (idem).

Como podemos notar, há uma ênfase na prática, na ação sobre

determinada situação problemática. Entretanto esse caminho foi secundário na

presente investigação, embora concordemos com Sévigny (idem, p. 24) no seguinte

aspecto:

Na abordagem clínica, a prioridade é dada à prática, à ação, à

intervenção, pois o centro da análise é um problema a resolver ou, pelo

menos, uma prática a explicar.

Se temos a possibilidade de privilegiar um dos caminhos, optamos por

uma “prática a explicar”. Porém, não descartamos algum nível de intervenção.

O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, contextualizamos

nosso objeto de estudo dentro de uma dinâmica mais ampla, qual seja, o setor

financeiro em reestruturação diante de mudanças internas e externas, bem como

trazemos algum embasamento teórico que nos permitiu pensar os depoimentos.

No segundo, analisamos os dados coletados em campo através dos depoimentos.

Por fim, na terceira parte do trabalho, relatamos e estabelecemos alguma

interpretação a partir de um momento extremamente significativo (a paralisação

espontânea dos funcionários) daquele departamento, ora tomado como objeto de

pesquisa.

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CAPÍTULO 1 – Mudança e crise de sentido nos atores da organização: uma aproximação teórica

Iniciamos este capítulo contextualizando a organização estudada (ou

parte dela) num cenário mais amplo, qual seja, o da dinâmica econômica

contemporânea, além, evidentemente, de apresentar sucintamente a história da

própria instituição.

Em seguida, demonstramos a pertinência de tomarmos a organização –

ou parte dela – como objeto de análise da realidade social. E, mais adiante,

localizamos a organização dentro do Estado ampliado gramsciano, para explorar

a questão do embate cultural e, também, da subjetividade.

Também abordamos a questão do poder nas organizações, ou seja, as

possibilidades de potencialização do poder e o estabelecimento de contra-

poderes. Em outras palavras, a possibilidade ou não de emergência do sujeito

dentro das organizações.

Por fim, abordamos a questão do sentido e da crise de sentido, bem como

a noção de mudança.

1.1 – Aspectos estruturais da mudança: um breve histórico da instituição

Data de 1906 uma das primeiras e efetivas aproximações exploratórias de

integrantes da Banca Commeciale Italiana de Milão, na América do Sul,

especificamente no Brasil e na Argentina. Em 1900, já havia em São Paulo uma

casa bancária denominada Banco Commerciale Italiano de São Paulo, fundada

por Giuseppe Puglisi Carbone, em 14 de julho desse ano. Sendo assim,

aproveitando-se da proximidade de interesses com a casa bancária paulistana, o

banco milanês expandiu seus negócios para o Brasil, e em 15 de setembro de

1906, a razão social Banco Commerciale Ítalo Brasiliano começou a vigorar.

Entretanto, em 07 de maio de 1910, foi fundada em Paris a Banque Française et

Italienne pour L’Amerique du Sud, que iria, posteriormente, obter o controle do

Banco Commerciale Ítalo Brasiliano. Assim, em 25 de agosto de 1910, foi fundada

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no Brasil a Banca Francese e Italiana per L’America del Sud, instalando sua sede

na cidade de São Paulo.

A atividade dessa organização bancária se estendeu, primordialmente,

pelo interior do Estado de São Paulo, além, é claro, das cidades de São Paulo e

Rio de Janeiro. Essa interiorização do banco deveu-se, sobretudo, à economia

agro-exportadora cafeeira.

Já em 1929, quase toda a economia mundial sofreu as conseqüências da

famosa quebra da bolsa de Nova Iorque. No Brasil, o setor cafeeiro foi um dos

mais afetados pela crise. Assim, o banco se viu em dificuldades, pois suas

operações, como já dissemos, estavam intimamente ligadas ao setor agro-

exportador, principalmente aos negócios do café.

Um outro momento que constituiu um evento importante na história do

banco foi o período da Segunda Guerra Mundial. Em 24 de agosto de 1942, houve

a decretação da Lei 4.612, que retirou a autorização de funcionamento das

instituições bancárias italianas e alemãs instaladas no país, uma vez que este

encontrava-se em estado de guerra contra o eixo. Outra conseqüência do estado

de beligerância foi o confisco pelo Estado brasileiro das cotas conferidas aos

governos da Itália e da Alemanha.

Ainda em decorrência da conturbada situação mundial, em 09 de abril de

1941, o governo brasileiro assinou um decreto que estabelecia a data de 30 de

junho de 1946 como o prazo final para a nacionalização de todos os bancos

estrangeiros no país, exceto os de países americanos. Entretanto, em setembro

de 1945, começou a haver uma movimentação da matriz em relação a suas filiais

no exterior, inclusive no Brasil. Uma importante conseqüência dessa reavaliação

foi a restituição, em dezembro de 1946, por decisão do Presidente da República,

do produto da liquidação das sucursais do banco, das agências e propriedades.

A partir de então, buscou-se a aquisição de um banco brasileiro para a

constituição de uma sociedade brasileira, portanto, não ligada diretamente à

Banque Française et Italienne pour L’Amerique du Sud, diluindo-se, com isso,

certos riscos econômicos e políticos ao capital estrangeiro rentista. Assim ocorreu,

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e a Banque adquiriu o produto da fusão entre o Banco Federal Brasileiro SA, com

sede no Rio de Janeiro, e a sociedade Casa Bancária Administradora e de Crédito

Mobiliário (Organização Financeira Amaral SA). E, em 11 de abril de 1949, o

banco passou a usar a razão social Banco Francês e Italiano para a América do

Sul SA.

Já em 1950, com o retorno de Getúlio Vargas ao poder central, houve um

grande sentimento “geral” no país em relação ao desenvolvimento industrial e

ampliação do mercado interno, com a intenção de se alcançar uma maior

autonomia nacional. Percebendo esse movimento, o banco ampliou seus negócios

para outras importantes praças no país. Começou a surgir, então, a idéia de banco

de escala nacional.

Com a chegada de Juscelino Kubitschek ao poder, houve também um

grande “impulso” à economia do país, com o famoso “50 anos em 5”, exigindo

grandes investimentos públicos e privados com capitais nacionais e internacionais.

Nesse período, consubstanciado na normatização da SUMOC, o Banco Francês e

Italiano passou a adquirir outras instituições bancárias em dificuldades,

expandindo ainda mais seus negócios no país.

Na década de 60, por volta de 1960-63, estudou-se a possibilidade de

abertura de capital do banco. Ainda nessa década, este ampliou sua atuação para

as regiões Norte e Nordeste do país, crescendo a uma taxa bastante expressiva.

Já na década de 70, entre 1977 e 1978, o banco seguiu expandido-se

através da abertura de várias agências, até que, em janeiro 1978 especificamente,

ocorreu uma importante mudança na composição societal da Banque Française et

Italienne pour L’Amerique du Sud. Juntaram-se à Banca Commerciale Italiana, ao

S.P.B. Paribas e Banque Indosuez, o Dresdner Bank A.G. e o União de Bancos

Suíços, de modo que ocorreu a alteração da razão social mais uma vez, agora

para B S B3., a qual prevalece até hoje.

Contudo, esse breve relato histórico não pára por aí. Na década de 80, a

instituição consolidou-se no mercado financeiro brasileiro como um importante

3 Neste estudo, usamos essas iniciais para nos referirmos ao banco em foco.

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banco de varejo, com foco em empresas e pessoas de alta renda. Porém, foi na

década de 90 e, principalmente a partir de 1994, com a implantação do Plano Real

e o conseqüente reordenamento da economia nacional interna e externamente,

que o banco começou a passar por um processo de mudança mais ou menos

profundo, que iria então de uma reestruturação “por dentro” e “para fora”, até a

venda do banco para outro grupo estrangeiro, com reflexos marcantes no sentido

dos agentes sociais envolvidos na organização e, conseqüentemente, nessa

situação. E é este o ponto que nos move na presente pesquisa.

É bom frisarmos que o sistema financeiro brasileiro vem passando por

uma reestruturação há mais de dez anos. Esse ajuste, que poderíamos

caracterizar como profundo, tem seus determinantes externos e internos.

Dentre os primeiros, destacamos a globalização do sistema financeiro

internacional, que, por sua vez, possui um caráter subordinador das outras

esferas da globalização (Beck, 1999, p.28-29). Nota-se claramente que os bancos

são os atores mais destacados nesse processo de globalização do capital,

facilitado enormemente pelas NTCI’s (Novas Tecnologias de Comunicação e

Informação).

Há também um outro ponto crucial nessa dinâmica. Acoplada a esse

processo de globalização do sistema financeiro internacional, dá-se uma disputa

cruenta entre os diversos atores transnacionais do setor (bancos, seguradoras,

companhias de crédito ao consumidor, administradoras de cartões de crédito etc),

de modo que, ao mesmo tempo em que há um acirramento da concorrência entre

esses atores no âmbito internacional e também nacional, o que ocorre, de fato, é

uma maior concentração e centralização no setor, como podemos verificar na

afirmação de Alcinei C. Rodrigues, a seguir:

A estratégia de diversificação vem assumindo distintas formas nos

diferentes países, dado o arcabouço legal e regulamentar: criação de

subsidiárias, participações acionárias cruzadas, aquisições domésticas

e transfronteiras, e constituição de holdings. De outro lado, a própria

busca de ampliação da base de clientes e de negócios, inerente à

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lógica concorrencial, vem promovendo a concentração e centralização

financeira mediante fusões e aquisições (Rodrigues, 1999, p. 53).

Além de tudo isso, há ainda um outro componente muito importante para

compreendermos em que contexto social, político e, principalmente, econômico,

se dá o processo que ora analisamos. Trata-se, de fato, de mudanças

institucionais oriundas de planos econômicos, particularmente o Plano Real e a

conseqüente redução dos patamares de inflação.

Ora, todos sabemos que os bancos brasileiros estavam muito

acostumados com os ganhos financeiros originados do floating (recursos vindos

de depósitos à vista ou em trânsito, captados a custo zero e aplicados à taxa do

dia), bem como das operações com títulos da dívida pública e ainda contavam

com uma economia relativamente fechada. Assim, após o Plano Real (em vigor a

partir de 01/07/1994), o processo de reestruturação setorial se intensificou

fortemente, pois

Dois destes três elementos sofrem alterações: a queda da inflação

praticamente eliminou os ganhos com floating, e houve uma crescente

exposição à competição internacional. O terceiro parece ter ainda vida

longa, dadas as dificuldades presentes para equacionar os problemas

fiscais-financeiros do setor público (DIEESE, Maio / Junho 1999, p.2).

Esses fatores conduziram, portanto, a uma reestruturação do setor

financeiro nacional, de modo que os bancos pudessem manter ou até mesmo

ampliar sua lucratividade. Sendo assim, no esforço de reorganização e ajuste, os

bancos promoveram dois movimentos distintos e, ao mesmo tempo,

complementares: o ajuste para dentro e o ajuste para fora. O primeiro movimento

tem mais a ver com impulso institucional, no sentido de se buscar a diversificação

do campo de atuação, a introdução de inovações gerenciais e técnicas e uma

busca incessante de redução de custos operacionais. Com relação ao trabalho,

este “ajuste para dentro” teve por conseqüência – e ainda está em vigor - a

intensificação de serviços precários e a redução contínua de postos de trabalho

da categoria bancária.

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Concomitantemente ao “ajuste para dentro”, os bancos do sistema

financeiro brasileiro também realizaram um movimento intenso denominado

“ajuste para fora”, ou seja, entre empresas. Trata-se de uma maior concentração

do setor, pois, se no Brasil havia 271 bancos no início do plano de estabilização

(Plano Real), já em 1997 cerca de 68 bancos haviam passado por algum

processo de ajuste,

envolvendo transferência do controle acionário, intervenção ou

liquidação do Banco Central, e incorporação por outra instituição

financeira (DIEESE, Julho 1997, p. 2).

Então, é nesse cenário que nosso objeto de pesquisa está inserido, ou

seja, numa dinâmica global mais radicalizada, tanto no funcionamento do sistema

financeiro internacional, enquanto setor autônomo, quanto na relação deste com

outros setores econômico-sociais. Além disso, há mudanças na forma de

posicionar-se diante do próprio mercado financeiro, que torna-se então mais

agressivo e exacerba a concorrência, tanto no âmbito internacional quanto

nacional, com o claro objetivo de buscar uma maior consolidação do segmento

nesses campos. E, finalmente, vê-se num “clima” de mudanças institucionais e de

política econômica internamente no país, principalmente após 1994, de modo

que, para sobreviver dentro do sistema, recorre-se a uma série de ajustes

internos e externos à própria organização.

1.2 – A organização: dimensão significativa da realidade social

Qual a relevância de tomarmos a organização como objeto privilegiado de

análise da realidade social? Esse é um questionamento importante para o

desenvolvimento do presente estudo, pois trata-se mesmo de desvelar alguns

aspectos subjetivos/objetivos de um processo de mudança (venda do banco).

Assim sendo, um caminho possível para compreendermos certas facetas

da realidade social é a apreensão de fatos objetivos e subjetivos dentro de

organismos sociais, aqui denominados organizações, pois, como diz Manzini-

Covre (2003 p.78-79), “é dentro destes organismos vivos que boa parte da vida

social e individual decorre”.

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De fato, se vivemos tanto tempo dentro de organismos vários (família,

escola, igreja, grupos, empresas, partidos, sindicatos etc.), faz-se necessário

compreender esse campo específico do cenário social, que não se confunde com

os conjuntos macrossociais e, tampouco, com a esfera microssocial,

configurando-se mesmo como um meio-intermediário (Sévigny, 2001, p.23).

Cabe-nos, ainda, esclarecer melhor a noção de organização com a qual

trabalhamos. Uma conceitualização bastante oportuna nos é apresentada por

André Lévy (2001, p. 209), quando o mesmo observa um sistema duplo: 1)

Sistema de ação; 2) Sistema social.

De acordo com o autor, o primeiro sistema compreenderia um conjunto de

meios técnicos, materiais e humanos para viabilizar a realização dos objetivos de

produção com a maior eficácia possível. E envolveria a noção de

instrumentalização, permeada, portanto, de uma razão. Já com relação ao

segundo sistema, o social, compreende-se como um conjunto de pessoas e de

grupos associados para resolver problemas comuns, necessitando estabelecer,

portanto, relações de cooperação, que, por sua vez, estariam consubstanciadas

numa lógica afetiva (consciente e inconsciente).

Temos de convir que um dos grandes problemas organizacionais provêm

do conflito estabelecido entre os dois pólos constitutivos da própria organização,

ou seja, entre o sistema de ação e o social, pois reconhecemos que o primeiro

tenderá sempre a sobrepujar o segundo, provocando sucessivas crises dentro do

organismo social e, portanto, colocando em risco as próprias condições de um

funcionamento organizacional harmonioso e coerente (idem). Enfim, segundo as

próprias palavras do autor,

Le problème qui se pose est donc de comprendre comment ces deux

logiques contradictoires peuvent coexister, et s’articuler de telle sorte

que les organisations se maintiennent en tant qu’ensembles vivants et

non pétrifiés, moyennant un travail permanent sur leurs contradictions

internes (ibdem)

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A organização é, portanto, um conjunto vivo, complexo e dinâmico e,

nessa medida, não redutível a um ponto de vista somente.

Seria interessante, ainda, o estabelecimento - somente como forma de

facilitarmos a compreensão e, de certa maneira, como uma delimitação do próprio

objeto – de uma tipologia das organizações. Aqui, apoiamo-nos em Manzini-Covre

(2003, p. 80-83), que elabora três tipos ideais (de conotação weberiana) de

organização: 1) “cuidadoras”, 2) “repressivas” e 3) “produtivas”.

Com relação ao primeiro tipo, ou seja, as organizações “cuidadoras”

(família, escola, hospital, abrigos, igreja etc.), podemos dizer que as mesmas

possuem um papel característico que denota algum vínculo de proteção ou de

formação e que, segundo as próprias palavras da autora,

compõem-se de sujeitos que cuidariam do crescer (físico, emocional,

simbólico etc) de outros sujeitos (Manzini-Covre, 2003, p. 80).

Já no segundo caso, as organizações “repressivas”, conforme as palavras da

autora,

são aquelas onde a coerção predomina, as regras são mais rígidas, a

violência e a punição estão mais presentes (idem, p. 82).

Os exemplos mais elucidativos desse tipo ideal são as organizações

fechadas, como: prisões, conventos, organizações militares, organizações

religiosas rígidas, manicômios etc.

E, finalmente, temos as chamadas organizações “produtivas”, ou seja,

aquelas que

referem-se basicamente às empresas e bancos que lidam com o capital

e têm por objetivo fazer dinheiro, ter lucro (ibdem).

Podemos, então, alocar nosso objeto dentro do tipo “produtivo”, pois trata-

se de uma instituição financeira que visa essencialmente o lucro.

Na análise desses dados organizacionais, levamos em consideração a

questão dos conflitos básicos dentro da organização, que seriam percebidos

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fundamentalmente entre o impulso à mudança e o impulso à permanência /

repetição, ou seja, à manutenção do que já existe (Manzini-Covre, 2003, p.79).

Essa problemática constitui-se o ponto central das nossas preocupações,

bem como inscreve-se numa questão mais abrangente, que é o próprio embate

cultural dentro das organizações e, num sentido mais amplo, do próprio Estado no

sentido gramsciano (idem).

1.3 – A organização e o Estado ampliado

Como já dissemos brevemente, as organizações precisam lidar com a

realidade social que as circunda e que lhes é mais abrangente. Em outras

palavras, estão inseridas em contextos mais amplos e, neste sentido, influenciam

e também são influenciadas por eles, de modo que este “confrontamento” com o

exterior pode trazer-lhes muitos riscos, bem como possibilidades de avanço

(Manzini-Covre, 2003, p.78).

Cabe notar que essa situação de “crise permanente” não é esporádica

nem contingencial, mas é a condição mesma de existência desses organismos,

sendo que sua sobrevivência e seu desenvolvimento dependerão, obviamente, da

maneira como lidam com essas contradições entre o interior e o exterior.

Seguindo essa linha de raciocínio, se existe esse movimento dialético

entre a organização e o exterior (contexto mais amplo), a primeira estará

certamente frente a desafios, devendo se posicionar e tomar decisões importantes

para sua existência. Nesse sentido, a organização apresenta-se como um lugar de

conflito permanente entre um impulso para a mudança e um impulso para a

manutenção. Segundo Manzini-Covre (2003, p. 79), de fato: este é o conflito básico

dentro das organizações.

Esse conflito básico tem uma característica primordialmente ideológica,

valorativa, sentimental, econômica, política, em uma palavra, cultural. Seguindo

com a autora, que por sua vez baseia-se em Gramsci, dá-se dentro dos

organismos sociais um verdadeiro embate cultural, a partir de determinadas visões

de mundo dos atores envolvidos. Neste sentido, cabe ressaltar que

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o embate cultural se define pela reprodução cultural versus produção

cultural nova, que decorre mais nos organismos sociais da sociedade

civil (Manzini-Covre, idem).

1.4 – O poder das organizações: funções e eficácia

Quando abordamos a questão de embate cultural, chegamos à relação de

poder.

Aqui, vamos nos deter, então, na questão do poder e da possibilidade de

superação deste dentro das organizações. Para tanto, consideramos pertinente

dividir a questão em dois aspectos correspondentes, quais sejam, suas funções e

sua eficácia.

Para embasar nossas reflexões, utilizamos Foucault, embora

reconheçamos que, neste autor, a possibilidade de emergência do sujeito é

bastante obstaculizada, aspecto que o diferencia de Gramsci, para quem o sujeito

está também presente na questão do poder.

Reconhecemos que o poder é a face mais manifesta de qualquer

organização, sendo que este se apresenta em práticas sociais historicamente

constituídas e visa, sobretudo, construir um indivíduo útil economicamente e

obediente politicamente (Foucault, 1987). Este pode ser, em síntese, o objetivo

essencial do poder.

Contudo, o poder possui também um objeto de dominação, e este é o

próprio homem (na forma trabalho), enquanto elemento decisivo na geração de

valores de uso e de troca. Mais que isso, busca - através de estratégias e táticas

disciplinares várias (organização do espaço, controle do tempo, vigilância etc.) –

um minucioso controle do movimento dos corpos, bem como a sujeição física e

psíquica dos indivíduos, tornando-os, portanto, dóceis e úteis. São os corpos

dóceis!

Mas o que é, afinal, esse poder? Novamente, buscamos em Foucault a

resposta às nossas indagações. O poder não é uma coisa em si; em vez disso, o

que existe são relações de poder e, portanto, este possui um caráter relacional,

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formatado em redes e relações de força, de modo que qualquer resistência dar-se-

á, inevitavelmente, dentro das próprias malhas de poder (Foucault, 1979).

Um outro aspecto relacionado ao conceito foucaultiano de poder é que o

mesmo não se estabelece somente pela repressão e violência direta, mas

sobretudo pela disciplina, pelo adestramento, o que evoca certa idéia de

positividade, relacionando-a com uma eficácia produtiva cujo objeto é o corpo

humano (dócil e útil). No limite, o indivíduo seria o resultado da produção do poder

e do saber (Idem).

Encontramos, ainda, em Parsons (apud Giddens, 1998) certa teorização

do poder numa perspectiva funcional-normativa. Assim, segundo o autor, o poder

foi definido como uma

capacidade generalizada para servir à realização das obrigações

encadeadas pelas unidades dentro de um sistema de organização

coletiva quando as obrigações são legitimadas por referência à sua

relação com os objetivos coletivos (Parsons apud Giddens, 1998, p.

243).

A partir da interpretação de Giddens (1998, p. 243), Parsons entendia por

“obrigações recíprocas”

as condições a que estavam sujeitos tanto aqueles que se

encontravam no poder quanto aqueles sobre os quais o poder era

exercido, que eram as condições da legitimação...

Portanto, o poder, ou o exercício dele, para ser efetivo, deveria ser

consubstanciado numa relação de autoridade que, por sua vez, estaria englobada

numa legitimação institucionalizada (Giddens, 1998, p. 244).

Como contraponto a essa visão estruturalista, bem como, num certo

sentido, à visão funcionalista, contamos agora com um outro olhar sobre a

questão. Esse olhar nos é oferecido por Enriquez (1997, p. 35):

A organização sempre ameaçada pelos perseguidores externos e

internos, desejosos de impedi-la de cumprir da melhor maneira a

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missão de que é investida, é percorrida pelos medos específicos , medo

do caos, temor do desconhecido, temor das pulsões, amorosas

indomáveis. Aparecendo ao mesmo tempo como superpoderosa e de

uma extrema fragilidade, ela visa a ocupar a totalidade do espaço

psíquico das pessoas.

Seguindo essa linha de pensamento, a organização produziria um sistema

que o autor denomina imaginário, sobre o qual se apoiariam os sistemas

simbólico e cultural, que também estariam ligados ao funcionamento

organizacional. Nessa direção, aponta duas formas básicas de imaginários dentro

das organizações: o imaginário motor e o imaginário enganador. Este último,

segundo o autor, funcionaria como uma espécie de

organização-instituição divina, todo-poderosa, única referência que

nega o tempo e a morte, de um lado mãe englobadora e devoradora e

ao mesmo tempo mãe benevolente e nutriz, de um outro lado, genitor

castrador e simultaneamente pai simbólico (Enriquez, idem).

Utilizando-nos novamente das palavras do autor, o imaginário é enganador,

na medida em que a organização tenta prender os indivíduos nas

armadilhas de seus próprios desejos de afirmação narcisista, no seu

fantasma de onipotência ou de sua carência de amor, em se fazendo

forte para poder corresponder aos seus desejos naquilo que eles têm

de mais excessivos e mais arcaicos e de transformar os fantasmas em

realidade; na medida igualmente em que a organização lhes garante

suas capacidades em protegê-los do risco da quebra de sua identidade,

da angústia de desmembramento despertado e alimentado por toda a

vida em sociedade: conseguindo para eles as couraças sólidas do

estatuto e do papel (constitutivas da identidade social dos indivíduos) e

da identidade da organização (idem).

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Esse imaginário enganador pode ser identificado, no nosso entender, com

a instrumentalização da cultura organizacional como elemento aglutinador e de

dominação dos indivíduos e dos grupos dentro da organização e serve, de certa

forma, como complemento à visão de Foucault, pois até aqui não haveria sujeitos,

mas indivíduos sujeitados, isto é, apenas objetos do poder.

Todavia, num outro rumo, há o imaginário motor, que possui uma função

muito mais ligada à criação do que à reprodução, de modo que funciona como

uma fonte alimentadora do real, embora de origem “irreal”. Nesse sentido,

conforme as palavras de Enriquez (idem), o imaginário motor pode vir a aflorar

na medida em que a organização permite às pessoas de se deixarem

levar pela sua imaginação criativa em seu trabalho sem se sentirem

reprimidas pelas regras imperativas.

Assim, percebemos claramente que o imaginário possui uma função vital

para o desenvolvimento de qualquer organismo social, pois sem o mesmo

o desejo se detém porquanto ele é proibido ou não pode nem

reconhecer como desejo nem encontrar as vias que lhe permitiriam

tratar de se realizar (idem)

Ou ainda,

ele oferece às pessoas a possibilidade de poderem criar uma

fantasmática comum que autoriza uma experiência com os outros,

continuamente reavaliada e refletida e não caindo jamais no inerte e no

compacto. Ele preserva pois a parte a parte do sonho e a possibilidade

de mudança e mesmo de mutação (ibdem, p. 36).

Contudo, devemos reconhecer que as organizações tendem a

desenvolver o imaginário enganador no lugar do motor, pois este último implica

num desafio contínuo às regras funcionais e estruturantes, de modo que, se

assim sucede,

a organização consegue imprimir sua marca sobre o pensamento e

sobre o aparelho psíquico, ela poderá gabar-se de ter chegado a

integrar seus colaboradores na “cultura” que ela propõe e impõe e a

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desenvolver sua motivação para contribuir na realização dos objetivos

(ibdem, p. 37).

1.4.1 – A cultura e o poder nas organizações

Um outro caminho passível de verificação do poder nas organizações tem

a ver com a relação entre o poder e a cultura organizacional. Pode-se dizer que

existe uma relação muito íntima entre esses dois pólos criadores e reprodutores

da vida organizacional, sendo que o que ocorre, de fato, é uma interdependência.

Num sentido lato, o termo cultura pode ser compreendido quase como

sinônimo de civilização, ou seja, designa praticamente tudo o que é transformado

e/ou produzido pela ação do homem. Portanto, nessa linha de raciocínio, seria o

sentido inverso da natureza (Comte-Sponville, 2003, p.135). Entretanto, não é

este significado que nos interessa. Há um outro sentido, agora estrito, que

comporia o conjunto de conhecimentos que uma sociedade transmite e valoriza

ao longo do tempo (sua crenças, valores, obras, história etc) (Idem).

Nessa segunda versão do termo, encontramos certa similaridade com

uma conceituação de cultura organizacional que nos é dada por Fleury (1996, p.

22):

A cultura organizacional é concebida como um conjunto de valores e

pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos, que em sua

capacidade de ordenar, atribuir significações, construir identidade

organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e

consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.

Assim, entramos diretamente na questão da relação entre poder (relações

de dominação) e cultura organizacional. É importante destacarmos que o poder

pode ser entendido como um elemento e um componente da cultura

organizacional, de modo que é possível dissecá-lo em três momentos diferentes:

1) quando o poder molda a cultura organizacional (formação); 2) o poder como

sancionador e mantenedor da cultura organizacional vigente (enrijecimento /

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manutenção); 3) o poder como transformador da cultura organizacional

(mudança) (Bertero, 1996, p. 38-39).

Sobre o primeiro momento, Bertero (1996, p. 39) diz:

A formação de uma cultura organizacional é um processo no qual

entram diversas variáveis na própria medida em que a cultura é vista

como a decantação, sob a forma de valores, crenças e mitos, de um

processo relativamente longo de adaptação externa e integração

interna da organização (...) O elemento que nos interessa focalizar,

porém, é o do poder neste processo de formação cultural, poder que é

exercido por uma pessoa ou grupo de pessoas no período formativo ou

inicial da empresa.

Nessa perspectiva, no período inicial de um empreendimento (empresarial

ou não), o elemento fundador (indivíduo ou grupo) “impõe” a cultura

organizacional de acordo com o comportamento, a visão de mundo, enfim, a partir

da sua própria auto-imagem.

Quando se afirma que o fundador “molda” a cultura da organização

quer-se dizer que a sua visão do mundo, os valores, a visão do negócio

etc., são apresentados como desejáveis e, portanto, merecem ser

acatados, internalizados e incorporados pelos demais membros da

organização (idem)

O segundo momento possível é aquele em que as relações de dominação

(poder) são utilizadas para “cristalizar” ou enrijecer determinada cultura

organizacional. Temos por pressuposto básico que esse momento se dá,

justamente, quando a organização (empresa) “está dando certo”, ou conforme as

palavras de Bertero (ibdem, p. 41):

É exatamente a funcionalidade que leva a organização à eficácia que

legitima a postura de manutenção da cultura organizacional.

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De fato, a organização se utiliza, nesse ponto, fartamente dos canais de

comunicação internos e externos para divulgar e reforçar os seus “valores” mais

elevados (competência, qualidade, honestidade, lealdade, eficiência,

responsabilidade social etc.).

Um terceiro aspecto é aquele em que as relações de dominação são

utilizadas para mudar a cultura organizacional existente. Comumente, há nesse

momento uma exigência de adaptação a novas conjunturas e/ou mudanças mais

profundas (estruturais), de modo que a organização possa revitalizar-se,

fortalecer-se, destacar-se. Ou seja, a mudança é imperativa. Mudar ou morrer!

Parece, até, que qualquer mudança é melhor do que nenhuma. Segundo Bertero

(idem),

os trabalhos em que a mudança cultural é apresentada como o caminho

para o sucesso e para a revitalização organizacional, sempre têm como

pressuposto a anatematização do modelo burocrático. Este aparece

como sendo imobilista, frustrante e sufocador da inovavação e da

criatividade.

Ou ainda, conforme o mesmo autor,

a cultura que se deve buscar, transformando a cultura existente, nunca

é apresentada de forma muito explícita, todavia, já que se fala no

abandono de cultura burocrática, acredita-se que pessoalidade, ruptura

com o formalismo, envolvimento maior das pessoas com a organização,

a canalização da criatividade e da iniciativa individuais para a empresa

são traços que se buscam estabelecer na nova formação cultural

(ibdem, p. 42-43)

Enfim, esboçamos até o momento algumas ponderações teóricas a

respeito das funções do poder nas organizações. A seguir, abordamos, também

teoricamente, a eficácia dessas relações de dominação, ou seja, focamos o

binômio poder-liberdade.

1.4.2 – A eficácia do poder

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Pode-se considerar a eficácia das relações de dominação dentro das

organizações como apenas relativa, pois temos em mente a questão do embate

cultural. É claro que é necessário reconhecermos, como de fato já o fizemos, que

o poder tende a prevalecer sobre os sujeitos, como diz Foucault (1979).

Entretanto, essa tendência, e essa palavra, por si só, já é bastante

elucidativa, dá uma chance de emergência do sujeito (individual e coletivo) como

contraponto ao poder “absoluto” e “inelutável” das diversas estruturas sociais,

visão esta que acarreta um determinismo quase absoluto dos fenômenos sociais

(Enriquez, 2001, p.27). Assim sendo, é primordial encontrarmos algumas saídas

possíveis e, porque não dizermos, criativas, para tal deslocamento.

Inicialmente, podemos nos apoiar novamente em Manzini-Covre (2003,

p.79), quando aponta a relevância de considerarmos o papel da subjetividade na

construção da realidade social. Nessa linha, é possível repor o sujeito na cena da

história, compreendendo que “os homens também fazem a história”, isto é, que o

decurso e o devir históricos não são construídos somente por estruturas

desumanizantes e, principalmente, desumanizadas.

Numa direção um pouco diversa, porém não necessariamente conflitante,

temos em Castoriadis (1982) um outro grande referencial para nos apoiarmos

nessa(s) possível(eis) brecha(s) de liberdade. Podemos partir de uma afirmação

basilar desse autor, segundo o qual a alienação é um fenômeno social, de modo

que a heteronomia é instituída, ou seja, todo ser humano é um ser heterônomo na

medida em que nasce numa sociedade que é anterior a sua existência. Apenas

para reforçar essa afirmação do autor, que ao mesmo tempo leva-nos, mais uma

vez, ao reconhecimento do poder das práticas sociais instituídas, o mesmo diz

que

A alienação, a heteronomia social, não aparece simplesmente como

“discurso do outro”, - embora este desempenhe um papel essencial

como determinação e conteúdo do inconsciente e do consciente da

massa dos indivíduos. Mas o outro desaparece no anonimato coletivo,

na impessoalidade dos “mecanismos econômicos do mercado” ou da

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“racionalidade do Plano”, da lei de alguns apresentada como lei

simplesmente (Castoriadis, 1982, p. 131).

Ou ainda,

A alienação surge pois como instituída, pelo menos como grandemente

condicionada pelas instituições (...) as instituições podem ser, e o são

efetivamente, alienantes em seu conteúdo específico (idem).

Evidentemente, concordamos com o autor, inclusive quando liga a idéia de

alienação/heteronomia com a de uma sanção sistemática da estrutura de classe,

de modo a perpetuar a dominação de uma determinada classe social sobre o

conjunto da sociedade (Ibdem, p. 132-133). Com tudo isso, parece quase

impossível permanecermos com nossa idéia de emergência do sujeito.

Contudo, há o reverso da heteronomia, isto é, a autonomia. É importante

ressaltar que a autonomia possui uma dimensão individual e outra social

(Castoriadis, 1982, p.129-131).

Com relação à sua face individual, é necessário compreender a dimensão

conflitante entre o consciente em geral (Ego) e o lugar dos ‘instintos” (pulsões), o

Id, ou seja, o inconsciente tomado em seu sentido mais amplo. Tem-se que o Ego

deve prevalecer sobre as forças ocultas/latentes que existem “em mim”. Em

suma, o Ego deve tomar o lugar do Id, ou, segundo a interpretação de Castoriadis

(1982, p. 123),

Trata-se de tomar seu lugar na qualidade de instância de decisão. A

autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente.

Assim, ainda conforme o autor

Se à autonomia, a legislação ou a regulação por si mesmo, opomos a

heteronomia, a legislação ou a regulação pelo outro, a autonomia é

minha lei, oposta à regulação pelo inconsciente que é uma lei outra, a

lei do outro que não eu (ibdem, p. 123-124).

Ao mesmo tempo em que percebemos a dimensão individual da autonomia,

concomitantemente, percebemos a sua dimensão social, pois, de acordo com

essa visão, a autonomia não seria o meu discurso tomando o lugar do outro que

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habita em mim? Este outro dá-nos o sentido do social evocado acima. “Mas o que

seria o meu discurso?” (Castoriadis, 1982, p. 125).

O autor responde:

Um discurso que é meu é um discurso que negou o discurso do outro;

que o negou não necessariamente em seu conteúdo, mas enquanto

discurso do Outro (idem).

Aqui, adentramos num ponto crucial dessa discussão, qual seja, o

conteúdo qualitativo da autonomia individual e social. Assim, podemos partir da

afirmação de Castoriadis (ibdem, p. 127), segundo o qual no sujeito como sujeito

existe o não-sujeito. A autonomia não é, pois, eliminação total do discurso do

Outro, mas sim sua elaboração (Castoriadis, 1982, p. 129).

Neste ponto, abre-se novamente um espaço para a possibilidade de uma

política da liberdade. Em outras palavras, a autonomia é uma relação social em

que a dimensão do outro está sempre presente como alteridade.

Uma outra forma de percebermos espaços possíveis e, portanto,

promissores para um avanço social amplo (grandes conjuntos sociais), como

também mais restrito (nas organizações), pode dar-se a partir do modo como o

pesquisador observa e/ou se relaciona com a realidade, no caso a organização

aqui tomada como objeto de análise. Isto é, poderíamos tomá-la ou enfocá-la a

partir de um olhar sobre suas identificações (a organização sendo), em vez da

identidade (a organização é), conforme nos mostra Manzini-Covre (2000). Nessa

reflexão, a autora preconiza que

Para se perceber o rumo organizacional que vá em direção ao seu

sentido mesmo de existir, é necessária uma abordagem interna que vá

além do nível cultural organizacional; é necessária uma abordagem que

agregue o caráter clínico, que possa apreender o sentir, ou seja, que

possa apreender o sentidos dela existir, bem como de seus grupos

componentes (Manzini-Covre, 2000, p. 45).

E mais,

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esta abordagem deve fornecer um diagnóstico para que os

grupos/pessoas, tomando consciência dos traços que caracterizam a

organizam nessa linha, possam e queiram fazer opções para a vida

organizacional e para as suas próprias vidas grupais ou individuais de

modo progressivo (idem).

Para tanto, a abordagem ou o “olhar” que possibilitaria tal diagnóstico não

adviria de uma abordagem por identidade, que enfatizaria, portanto, mais o

aspecto estrutural da organização. No lugar disso, a autora repõe a abordagem

por identificações.

O essencial dessa visão tem a ver, no nosso entender, com a idéia de

sujeito/organização clivado(a), ou seja, um(a) sujeito/organização portador(a) de

uma representação que é manifesta e, ao mesmo tempo, oculta e, portanto,

passível de ser desvelada. Segundo a autora,

Esse processo de busca vai poder desvendar quem tende a ter o

predomínio na organização, a progressão ou o definhamento/regressão.

Ou ainda, na linguagem de alguns autores, utilizando-se de Freud, de

quem é o predomínio: da pulsão de vida ou da pulsão de morte (ibdem,

p. 63).

Depreende-se, ainda, que as organizações poderão tender a desenvolver

/ conter ora indivíduos mais criativos, ora mais burocratas, ou conforme outra

formulação, indivíduos autônomos ou heterônomos e, ainda, os que se iludem e

os que querem “ver” (Manzini-Covre, 2000, p. 64): obviamente, o predomínio de uns

e outros nos dá alguma identificação da organização.

Lembremo-nos também, do imaginário motor e do imaginário enganador

(Enriquez, 1997). Conforme já visto, o segundo tende a prevalecer sobre o

primeiro, porém, não absolutamente.

Podemos nos apoiar ainda em Guattari (2000, p. 133) e em sua

Micropolítica do Desejo: A questão micropolítica é a de como reproduzimos (ou não) os

modos de subjetividade dominante.

E mais,

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A cada vez que, numa organização, numa luta política, nos flagramos

dizendo coisas do tipo: “agora temos de determinar nossa linha; só

depois disso é que poderemos tratar das questões da organização”, a

cada vez que isso estiver ocorrendo, podemos ter a certeza de que

estamos ocultando problemáticas do nível micropolítico. Os problemas

de organização nunca são simples problemas de infra-estrutura (...). É

através da cartografia das formações subjetivas que podemos esperar

nos distinguir dos investimentos libidinais dominantes (ibdem, p. 133-

134).

Enfim, é possível vislumbrar um espaço de liberdade para a emergência

do sujeito criador da história (contingencial e, principalmente, cotidiana).

Podemos dizer, então, que o poder (relações de poder / dominação)

presente nas mais diversas instituições e nos organismos sociais atenta contra o

corpo e a “alma” dos indivíduos, com vistas à reprodução de práticas instituídas.

Contudo, sua eficácia pode ser considerada apenas como relativa, pois há um

componente subjetivo que traz consigo um potencial, uma capacidade criadora

que pode transcender os limites do pensado, do vivido e do real, para propor

práticas institucionais novas e inovadoras da realidade social.

A seguir, abordamos a questão do sentido e da crise de sentido, como

elementos fundamentais para compreendermos a situação dos agentes sociais

envolvidos nessa mudança organizacional, bem como para vislumbrarmos

algumas possíveis saídas encontradas pelos mesmos.

1.5 – Sentido, crise e crise de sentido

Inicialmente, lembramos que o ser humano necessita de certa estabilidade

(psíquica, social, material etc.) para viver. Em outras palavras, precisa de certo

grau de segurança no seu sentido ontológico. Entretanto, reconhecemos também

que tal segurança nunca é completa e, assim, o homem se vê constantemente

exposto a fatores de risco à sua integralidade.

Não seria demasiado arriscado atrelar essa segurança ontológica a uma

ação atributiva de sentido pelos sujeitos humanos, pois, como bem sabemos,

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somos capazes – principalmente em condições de maior normalidade – de

compreender, interpretar, atribuir significações, de traçar caminhos / direções

(objetivos, metas etc.) a serem seguidas. Enfim, ao lado da face racional, há

também uma parte intuitiva / sensitiva que nos move e nos faz transformar a

realidade exterior e interior.

Segundo o filósofo Comte-Sponville (2003, p. 540),

Ter um sentido é querer dizer ou querer fazer (...). Só há sentido onde

intervém uma vontade ou algo que se assemelhe a ela (um desejo, uma

tendência, uma pulsão)...

É aqui, pois, que entra a questão da mudança e de uma possível crise que

se estabelece e toma feições de uma autêntica crise de sentido. Ou seja, uma

situação na qual os indivíduos e grupos tornam-se momentaneamente incapazes

de compreender, interpretar e, no limite, transformar a realidade. Contudo, se a

ausência de sentido pode ser percebida como uma fonte quase generalizada de

mal-estar (Barus-Michel, 2003, p.26) – por vezes muito profunda e dramática – é

aí também que deve ser buscado o rumo do desejo individual e grupal como uma

forma de superação da situação traumática.

Portanto, o mal-estar em si não chega a ser um problema, pois tudo

dependerá da forma como lidamos com ele (Manzini-Covre, 2002, notas de aula).

Mais uma vez, concordamos com Comte-Sponville (2003, p. 540):

não há sentido senão para um ser capaz de desejar, logo sem dúvida

capaz também de sofrer e de fruir.

Ora, se reconhecemos que o sujeito humano, desde o seu nascimento,

encontra-se envolvido pelo “risco” (de morte, de necessidades básicas, falta de

afeto, do sem-sentido etc.), poderíamos deduzir que é acometido por uma

“angústia primitiva”, enquanto uma posição essencial, ontológica. Contudo, essa

visão, no nosso entender, está muito mais associada ao não-sentido existencial

ou, em outras palavras, a questões como: De onde viemos? Para onde vamos?

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Assim, trabalhamos, aqui, com a idéia de ansiedade, que cabe melhor

quando lidamos com medos “menos“ ameaçadores do equilíbrio psíquico dos

indivíduos, dos grupos e da sociedade num sentido mais amplo, pois este sentir

resulta, a nosso ver, de certa consciência dos perigos que de fato corremos, mas

que podem ser exagerados e não ter limites.

Ressaltamos, ainda, que tal ansiedade individual ou coletiva acarreta na

busca – também nessas duas instâncias – de defesas, de modo a estabelecer ou

restabelecer certo equilíbrio. Nesse sentido, encaminha-se um mecanismo

defensivo relativamente mais duradouro e, de certa forma, seguro para os

indivíduos, que é a vida organizacional. Essa saída pode ser compreendida como

uma defesa contra a ansiedade, seja ela numa perspectiva kleiniana (formada na

primeira infância), bioniana (regressão de grupos a padrões de comportamento

infantil como uma proteção de aspectos desconfortáveis do mundo real), ou

simplesmente como uma resistência inconsciente de negação da inexorabilidade

da morte (Morgan, 1996).

No livro de Gareth Morgan, “Imagens da organização”, no capítulo VII, o

autor demonstra, a partir da metáfora da organização como uma prisão psíquica,

que a mesma pode servir e, efetivamente serve, como um “alívio” contra os

perigos / desconfortos da vida isolada e temporalmente finita. Entretanto, cabe

ressaltar que esse “alívio” redunda, de certa maneira, numa dependência do

indivíduo e do grupo em relação à organização. Daí a metáfora de prisão psíquica

como uma verdadeira armadilha. Se retomarmos a relação entre organização,

morte e imortalidade, veremos com mais clareza a proposição do autor. Sobre

essa questão, Morgan utiliza-se da obra “The denial of death” de Ernest Becker:

Os seres humanos passam boa parte da vida tentando negar a

realidade presente da morte, remetendo bem para o fundo os seus

medos mórbidos (Morgan, 1996, p. 218-219).

Ainda sobre esta relação, Morgan afirma que Becker

reinterpreta a teoria freudiana da sexualidade reprimida, ligando medos

à infância, associados ao nascimento e ao desenvolvimento da

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sexualidade, aos medos ligados às nossas próprias insuficiências,

vulnerabilidade e mortalidade (ibdem, p. 219).

Contudo, ainda não tocamos no essencial, que é uma forma original de

compreendermos a cultura e as organizações. Nessa direção, cabe nos

apropriarmos mais uma vez das interpretações de Morgan a respeito do

pensamento de Becker, quando o mesmo diz que este ponto de vista possibilita

uma compreensão de muitos dos atos e construções simbólicas como

fugas de nossa própria mortalidade. Ao nos juntarmos com outros para

a criação da cultura composta por um conjunto de normas, crenças,

idéias e práticas sociais compartilhadas, estamos tentando engajar-nos

em algo mais duradouro do que nós mesmos. Ao criarmos um mundo

que pode ser percebido como real e objetivo, reafirmamos a natureza

real e concreta da nossa própria existência. Ao criarmos sistemas de

símbolos que nos permitem um engajamento em trocas significativas

com outros, estamos também ajudando-nos a encontrar significado nas

nossas próprias vidas. Embora durante tempos tranqüilos possamos

confrontar-nos com o fato de que vamos morrer, grande parte da nossa

vida quotidiana é vivida dentro da realidade artificial criada através da

cultura. Esta ilusão de realidade ajuda a disfarçar o nosso medo

inconsciente de que tudo seja altamente vulnerável e transitório (idem)

Ou seja, todos esses elementos duradouros criados através da cultura

podem ser entendidos como instrumentos de defesa, de modo a trazer certa

segurança ontológica aos indivíduos e à sociedade, pois a partir daí

encontraríamos significado e permanência.

Uma outra forma explorada por Morgan (1996) para interpretar a

organização como uma prisão psíquica é a relação organização-ansiedade

através de perspectivas elaboradas por Melanie Klein.

Na proposição kleiniana, há o que a autora denomina “ansiedade

persecutória”, associada às relações da mãe (seio da mãe) com a criança. Desde

o início da vida, esta experimenta certo desconforto, que tem a ver com a pulsão

de morte e o medo da aniquilação, internalizado na criança na forma da ansiedade

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nomeada. Seguindo essa linha de pensamento, Morgan (ibdem, p. 222) observa

que

A teoria de Klein sobre o desenvolvimento humano sugere, assim, que

muitas das doenças que Freud atribuiu à sexualidade humana têm as

suas origens em padrões primários de “relações objetais“.

Morgan depreende da teoria kleiniana que, na etapa adulta da vida, o

indivíduo tende a reproduzir defesas contra essa ansiedade originada na primeira

infância. A partir dessa perspectiva, o autor conclui que

é possível compreender a estrutura, o processo, a cultura, e até mesmo

o ambiente de uma organização em termos dos mecanismos de defesa

desenvolvidos pelos seus membros para lidarem com a ansiedade

individual e coletiva (idem)

Numa outra linha de pensamento, Morgan utiliza-se de Bion, que em

determinado momento lidou arduamente com a questão grupal associada ao

desconforto do mundo real. Um dos pontos altos da visão bioniana é a questão

das defesas contra ansiedades ligadas a situações exteriores que, via de regra,

desafiariam o funcionamento do grupo.

Bion demonstrou que, em situações geradoras de ansiedade, os grupos

tendem a adotar basicamente três tipos de defesas: “dependência”,

“emparelhamento”, “fuga e luta”. A primeira está associada à dependência do

grupo em relação a um líder que, por seu turno, resolveria a situação geradora de

desconforto. A segunda saída tem mais a ver com a fantasia grupal de que uma

figura messiânica / heróica surgiria para livrar a todos do estado de medo e

ansiedade. Por fim, a defesa denominada “fuga e luta” apresenta-se numa

situação na qual o grupo tende a projetar os seus medos em um inimigo de algum

tipo, geralmente exterior ao grupo, que teria a função de incorporação da

ansiedade persecutória inconsciente vivenciada por todos (Morgan, 1996, p.223).

Até o momento, demonstramos, então, que a “vida organizacional” pode

ser, e o é efetivamente, um eficiente instrumento de defesa contra a ansiedade

individual e coletiva, bem como, num certo sentido, contra a angústia primitiva.

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Mas há que se considerar, também, que as organizações sociais de vários tipos

estão inseridas em contextos históricos, econômicos, culturais, sociais, etc. mais

amplos que elas mesmas, de modo que suas respostas e chances de

sobrevivência, de alguma maneira, encontram-se condicionadas a eles

Ora, se conduzimos nosso trabalho no sentido de demonstrar que os

indivíduos e os grupos buscam uma proteção, mas ao mesmo tempo certa

autonomia, então estamos dizendo que os grupos mantêm a nostalgia da figura

paterna, porém numa ambivalência estrutural: “queremos ser livres e queremos

ser protegidos”, para ficarmos com a proposição de Araújo (2001, p.25).

Acreditamos, porém, que é possível um alargamento em bases

especulativas do horizonte pesquisado e, com alguma audácia, estender a

questão da segurança individual e/ou coletiva para um aspecto mais voltado para

a estabilidade e “segurança” das próprias organizações num ambiente

contemporâneo.

Sendo assim, como bem sabemos, se compararmos o funcionamento das

organizações na atualidade, sobretudo as “produtivas”, com uma época não tão

longínqua (mais ou menos do pós 45 até meados da década de 70),

principalmente nos países de maior grau de desenvolvimento, teremos evidências

inequívocas de que muitas coisas parecem estar fora do lugar, ou melhor, que há

uma nova disposição no funcionamento da economia no âmbito global e,

conseqüentemente, na forma organizativa das empresas.

No período delineado acima, mais precisamente o do pós Segunda

Grande Guerra, principalmente a partir da década de 50, a maioria dos países

mais desenvolvidos começa uma verdadeira Era Dourada, uma época que muitos

também chamaram de “os trinta anos gloriosos”4. Contudo, como todo longo ciclo

de prosperidade econômica, “os anos dourados” deram demonstração de

esgotamento. A maioria dos especialistas (historiadores, economistas, cientistas

sociais etc.) concorda que, a partir da primeira metade dos perturbados anos 70,

4 Uma apresentação muito lúcida e esclarecedora do período evocado, nos é dado pelo historiador Eric Hobsbawn em seu livro “Era dos Extemos”.

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começa a haver uma mudança no cenário econômico mundial. Era o início das

décadas de crise5. Nos dizeres de Hobsbawn (1995, p. 393),

A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas

referências e resvalou para a instabilidade e a crise.

Antunes (2000), por exemplo, afirma que, a partir desse período delimitado

(anos 70), o capitalismo começou a dar sinais de debilidade, e o sistema entrava

numa tendência de colapso. Assim, só restaria ao capitalismo encontrar uma

resposta à sua crise, e a forma apresentada como saída foi a Reestruturação

Produtiva, que, por sua vez, gerou severas repercussões no processo de trabalho,

isto é, na própria maneira como as organizações “produtivas” deveriam funcionar,

bem como, de maneira muito decisiva, na organização e status da classe

trabalhadora (Antunes, 2000, p.47-52).

Inicia-se, então, um processo de reorganização do capital, não somente

como sistema econômico, mas também como sistema ideológico-político de

dominação, o que se evidencia com o advento do neoliberalismo (privatização do

Estado, desregulamentação dos direitos do trabalho, desmontagem do setor

produtivo estatal, abertura comercial e financeira etc.) e, em seguida, em um

intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho (Idem).

A reorganização do capital se impõe, sendo possibilitada, decisivamente,

pelo enorme salto tecnológico que se iniciava (microeletrônica, informática etc.),

além do “aproveitamento”, pelos capitalistas, da observação de novos processos

de trabalho elaborados pelos operários em suas experiências autonomistas6, e

ainda pela derrota da luta operária pelo controle social da produção. Daí decorrem

inúmeras transformações no funcionamento da economia e, de certa forma, da

sociedade num sentido global.

No lugar do padrão Taylorista / Fordista de produção em massa,

fundamentado e baseado num aparato burocrático, aparece uma nova forma

organizativa dita mais flexível. Enfatiza-se, ainda, que nessa disposição de

5 Idem6 Os trabalhadores haviam provado-se capazes de controlar diretamente não só o movimento reinvidicatório, mas o próprio funcionamento das empresas.

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acumulação flexível, as organizações darão importância cada vez maior à questão

da inovação tecnológica (principalmente as ligadas as TI’s)7, bem como às

técnicas de gestão da força de trabalho típicas do paradigma informacionalista8,

com ênfase no trabalho em equipe (team work), envolvimento participativo do

“colaborador”, trabalho polivalente (trabalhor multifuncional) etc. Além disso, com

as novas técnicas de gerenciamento e, sobretudo com a auto-disciplina dos

funcionários, há claramente um “achatamento” das estruturas organizacionais,

com um enxugamento de camadas intermediárias.

As conseqüências para a classe trabalhadora9 são óbvias: enorme

desregulamentação dos direitos do trabalho, enfraquecimento no interior da classe

trabalhadora, precarização das condições gerais de trabalho, perda de renda do

trabalho etc.

Por que fazemos essa exposição do funcionamento das organizações

neste contexto de economia globalizada, regida pela imperiosidade de ser ultra-

competitiva? Simplesmente para demonstrar como as organizações não são, cada

vez mais, aqueles refúgios “estáveis” – se bem que nunca o foram – estruturadas

por uma burocracia funcional e competente. Hoje, elas devem ser flexíveis, ágeis,

dinâmicas, descentralizadas, precisam se reinventar continuamente; em uma

palavra, a ordem é estar aberta à “mudança”.

Se nesse turbilhão de episódios globais e cotidianos, há um evidente

descompasso entre os próprios acontecimentos e as instituições (Dowbor, 1997,

p.9-10), o que poderíamos dizer dos sujeitos individuais e coletivos que estão

7 A nomenclatura TI’s designa as Tecnologias de Informação.8 Manuel Castells, em sua obra “A sociedade em rede” (1999), analisa a idéia de uma nova estrutura social associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo. Na visão deste autor, o que é específico ao modo de desenvolvimento informacional, é a ação do conhecimento sobre o próprio conhecimento como papel central de produtividade, gerando um círculo onde o conhecimento gera mais conhecimento. E mais, a aplicação da tecnologia serviria para melhorar a geração de conhecimento. Este novo modo de desenvolvimento (informacional), estaria tomando o lugar do modo de desenvolvimento industrialista, o qual possui força motriz de produtividade na introdução de novas fontes de energia no processo produtivo. 9 Ricardo Antunes propõe o conceito de classe-que-vive-do-trabalho, pois este possui um sentido ampliado e atualizado diante da nova realidade social.

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dentro dessas instituições diversas? Essa é, a nosso ver, uma pergunta que

importa.

Ora, se concordarmos que os indivíduos buscam um “abrigo” sob a tutela

da figura paterna (a organização) e se fazem isso em busca de segurança e de

certa tranqüilidade, é de se supor que, num ambiente em que vai desvanecendo a

perspetiva de longo prazo de estabilidade – mesmo que relativa –, previsibilidade

etc., haja um impacto desnorteante nos integrantes (sobretudo os mais antigos) da

organização, agora flexível e em constante reinvenção.

De fato, não há lugar para o longo prazo, para a rotina, para os

“inadaptados” / “fracassados”. O remodelado sistema produtivo e de dominação

implica numa exacerbação da individualização – embora enfatize o trabalho em

equipe -, de uma postura que assume riscos – quase que esportista -, num

enfraquecimento de laços sociais mais duráveis – como estabelecer laços sociais

duráveis quando a perspectiva temporal é de curto prazo? -, numa simplificação

dos modernos processos de trabalho – que de tão fáceis de manejar tornam-se

ilegíveis, ou melhor, vazios de sentido, alienantes -, numa tentativa de redução do

caráter individual a uma face meramente utilitarista – sentimentos como lealdade,

fidelidade, compromisso etc. perdem força num formato organizativo que os

despreza (Sennett, 2000).

A pergunta que fica então é: qual é a condição dos sujeitos nas

organizações modernas, principalmente aqueles mais velhos que tiveram

experiências numa outra estrutura funcional, com reflexos marcantes na

constituição de seu caráter pessoal? A resposta não pode ser outra - eles se

encontram à deriva. Em outros termos, os sujeitos individuais e coletivos, muitas

vezes, encontram-se sem sentido, em crise.

É certo que essa crise acarreta uma severa sobrecarga de mal-estar

individual e coletivo, que pode, no limite, tornar-se insuportável. Ocorre, de fato,

um inequívoco desprestígio da experiência em detrimento da juventude

(principalmente os “jovens” infantilizados de trinta anos), figura essa mais

associada à flexibilidade, coragem, ao correr riscos.

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Mas, é claro, o que não se diz é que se trata de um indivíduo bastante

ambicioso, individualista e, principalmente, submisso, uma vez que os mais

“velhos” (homens e mulheres de 40 anos entram, sem dúvida, num grupo de alto

risco de descartabilidade) tendem a ser mais inflexíveis quanto a determinações

vindas de cima e lateralmente (pouca exigência de senso crítico nas equipes), pois

se impõem pela experiência de anos de labor e, muito comumente, até mesmo de

devoção à empresa (a segunda família, que, não por raras vezes, tomou o lugar

da primeira).

Se já não há mais aquele “refúgio” dito estável e seguro, os indivíduos e

grupos vêem-se, de certa maneira, desamparados, desprotegidos, em uma

palavra, inseguros. Entretanto, para a maioria das pessoas, embora pressentida e

experimentada, no mais das vezes, de maneira relativamente branda, a crise não

é refletida, compreendida, apenas vai-se vivendo ou sobrevivendo num tempo

incerto, crítico, difícil de manejar, mas quando os sujeitos coletivos e individuais

estão no “olho do furacão” (mudanças mais decisivas e, em muitos casos,

imprevistas), aí sim, os mesmos sofrem. Em outras palavras, vivem a crise como

uma sensação de desorientação, insegurança, desencorajamento, enfim, como

uma autêntica ausência de sentido.

1.5.1 – Analisando a idéia de mudança

Em nossa concepção, crise não é o mesmo que mudança, embora esta

possa conduzir a uma situação de desequilíbrio, de desgoverno. A rigor, o verbo

mudar (do latim mutare) significa remover, pôr em outro lugar, deslocar, alterar,

modificar, transformar, substituir etc.; portanto, mudança quer dizer ação ou efeito

de mudar-se, uma alteração, modificação. No plural, o termo denota

transformações que se verificam ao longo do tempo, seja numa língua, num grupo,

numa sociedade etc. Portanto, portadora de uma história interna.

Filosoficamente, o termo mudança pode significar, de acordo com Comte-

Sponville (2003, p. 403),

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O devir ou a potência em ato: a passagem de um lugar a outro (o

movimento local de Aristóteles), de um estado a outro, de uma forma ou

de uma grandeza a outra.

O autor observa que tudo muda o tempo todo, na verdade, constata a não

permanência de tudo e, neste sentido,

dizer que “tudo passa e nada permanece”, como faz Heráclito, também

é dizer que tudo muda... (idem)

Contudo, o filósofo chama-nos a atenção para um fato relevante e, de certa forma,

ordenador:

O que muda é o que permanece. Quem diz mudança diz, na verdade,

sucessão de pelo menos dois estados diferentes de um mesmo objeto –

o que supõe que o objeto continue a existir. Ou, se ele desaparecer

totalmente, já não será ele que mudará (já que não mais existirá), e sim

seus elementos ou o mundo (que existirão sempre). Assim, a mudança

supõe a identidade, a duração, a manutenção no ser daquilo mesmo

que se transforma (...). A mudança é a lei do ser (devido à qual ele e o

devir são uma só e mesma coisa), e é a única coisa talvez que não

mude: que tudo muda é uma verdade eterna (ibdem, p.404)

Mesmo assim, a noção de mudança dentro da história das idéias

apresenta um indisfarçável conflito entre a mudança, que tem a ver com a noção

de duração, e a permanência, que está associada à noção de estrutura, noção

esta que representa o pólo de regularidade e estabilidade das instituições

humanas (Rhéaume, 2001, p.65).

Nota-se que, dentro das ciências humanas, há várias abordagens de

análise da mudança. De acordo com Jacques Rhéaume10, são cinco as tradições

do pensamento que marcarão o campo psicossociológico. São elas: 1) a dinâmica

da mudança; 2) a abordagem sistêmica; 3) a mudança planificada (o plano de

10 Juntamente com vários outros ilustres autores componentes do movimento sócio-clínico / psicossociológico internacional (A.R.I.P. – Association pour la Recherche et l’Intervention Psychosociologique, LCS – Laboratoire de Changement Social – Universidade Paris VII), Jacques Rhéaume definiu o vocábulo mudança na obra coletiva “Vocabulaire de psychosociologie”.

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mudança); 4) do desenvolvimento (pessoal, organizacional e social); 5) a mudança

e o inconsciente.

A primeira tradição do pensamento mencionada, a dinâmica da mudança, tem

como um de seus expoentes o psicólogo norte-americano de origem alemã, Kurt Lewin. O

mesmo descrevia o processo de mudança, segundo André Lévy11, da seguinte forma:

tratava não de uma simples passagem de um estado a outro, mas de

um processo que podia ser descrito segundo três fases distintas

(descristalização, deslocamento, recristalização). Além disso,

estabeleceu que o lugar desse processo não era forçosamente o

indivíduo sozinho, isto é, que a mudança social não resulta sempre da

acumulação de mudanças individuais, mas que ela poderia se realizar,

de súbito, no grupo. (Lévy, 2001, p.122)

Ainda nos dizeres de Rhéaume (2001, p.66):

La dynamique du changement, personnel, groupal ou social, est ainsi

définie comme une série d’etats successifs quasi stationnaires du

champ social constituant une totalité actuelle des rapports entre

personnes, société et environnement matériel.

A partir dos anos 50, a visão da dinâmica da mudança foi “substituída” pela

abordagem sistêmica, que segundo a visão de Rhéaume (idem),

se maintiennent ou changement suivant des pocessus complexes de

regulation, des régulations les plus simples, mécaniques, comme le

commande thermostatique, aux régulations les plus complexes du

vivant, comme l’autopoiése (autoréférence et auto-production du

système.

Um outro olhar possível é o da mudança planificada ou planejada, definida

por Rhéaume (idem) como

la résultante d’un plan , d’une volonté et d’une intention d’en arriver à un

nouvel état souhaité, individuel, groupal ou organisationnel. Mais ce

changement intentionnel se produit au terme d’un processus rationnel,

celui de la resolution de problémes.

11 Lévy é outro expoente representante da psicossociologia internacional.

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Para tanto, são traçados planos de ação, nos quais se aliam estratégias e

táticas a fim de se atingir os objetivos desejados.

Uma outra concepção da mudança nos é dada através do

desenvolvimento de grupos, organizacional e pessoal, ou seja, uma observação a

partir da visão de desenvolvimento. Aqui, a mudança é definida como uma série

de fases de crescimento e, neste sentido, conforme Rhéaume (idem, p. 67), Le

développement, c’est plutôt la continuité et le progrés...

Outra tradição de pensamento é o da mudança institucional. Essa

concepção se apóia sobre o pensamento crítico, bem como em diversas tradições

marxistas ou pós-marxistas. Enfatiza-se a centralidade das correlações de forças

nas práticas de grupos, das organizações, das instituições.

Finalmente, temos a abordagem psicossociológica. Aqui, há a importância

decisiva do inconsciente e do imaginário como fonte de obstáculos à mudança

(Rhéaume, 2001, p.71). Essa concepção tem por base a teoria psicanalítica de

grupo ou a questão do vínculo social.

Se pudermos aprofundar um pouco a idéia de mudança e, a partir daí,

compreendê-la, talvez seja possível levantarmos a seguinte questão: Qual a

relação existente entre mudança e crise de sentido?

Essa pergunta é fundamental neste trabalho, e nos leva a uma outra, qual

seja: como a mudança afeta o grupo?

1.6 – O sujeito como agente de transformação social

Aqui, preocupamo-nos com as dificuldades e as possíveis chances de o

indivíduo - cada vez mais obstaculizado pelas mais variadas estruturas de

dominação e controle societais – romper com as amarras culturais dominantes

que, de certa forma, moldam e reproduzem o status quo. Discutimos neste texto a

possibilidade de emergência do sujeito.

Inicialmente, cremos que é fundamental abandonar certas visões

reducionistas da história e dos processos sociais, pois, conforme nos assevera

Touraine (1994, p.213),

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o triunfo da modernidade racionalista rejeitou, esqueceu ou encerrou

em instituições repressivas tudo o que parecia resistir ao triunfo da

razão.

Ou ainda, a imagem da sociedade moderna é a de uma sociedade sem atores.

(Touraine, 1994, p.216)

Se concordarmos que a principal vítima da modernidade - via uma

racionalização cada vez mais sofisticada – é o sujeito, então, seria correto

decretarmos a “morte do sujeito”? Não seria utópico pensarmos a possibilidade de

uma cidadania ativa?

O diagnóstico nos parece claro. É bem verdade que, desde os primórdios

da modernidade, a mesma desenvolveu-se contraditoriamente, isto é, a partir de

uma negação, ou de uma renúncia do sujeito em nome da ciência (Touraine,

1994, p.219). Desse modo, para haver um (re)ligamento dos elementos

despedaçados da modernidade, é preciso, mais do que nunca, haver o resgate do

sujeito na cena social, pois é a partir de seu retorno que poderia haver uma

reversão do curso da história, recolocando, assim, o presente e o devir num

sentido civilizatório mais promissor para a maioria das pessoas.

Para tanto, esse processo (retorno do sujeito) deve obrigatoriamente

traduzir-se num esforço contínuo em dois níveis: 1) Nível Subjetivo; 2) Nível

Coletivo. Explicamos. Por um lado, é preciso que haja no indivíduo, um

movimento subjetivo (intelectual e emocional), que conduza a um “esforço para

dizer Eu”, sem que, contudo, este se esqueça que sua vida está cheia de

condicionamentos, ou seja, que exista uma percepção seguida de uma reflexão

da existência do Id, da libido, e dos papéis sociais (Touraine, 1994, p.221)..

Por outro lado, correspondendo à questão do coletivo, apreende-se, aí, a

participação deste sujeito na construção da história, ou seja, da historicidade

como movimento social (Touraine, 1994).

Depois de já termos pontuado a questão do sujeito, de seu resgate, ou

melhor, da necessidade de sua emergência, cabe agora explicitarmos a própria

noção de sujeito. Para tanto, seria importante distinguirmos três dimensões que

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compõem sua integralidade, quais sejam: o indivíduo, o sujeito e o ator. É

necessário ressaltar, ainda, que esses elementos mantêm uma estreita relação

entre si.

Uma excelente explicação dessas esferas nos é dada por Touraine (1994,

p.220-221):

O indivíduo não é senão a unidade particular onde se misturam a vida e

o pensamento, a experiência e a consciência. O Sujeito é a passagem

do Id ao Eu, o controle exercido sobre o vivido para que tenha um

sentido pessoal, para que o indivíduo se transforme em ator que se

insere nas relações sociais transformando-as, mas sem jamais

identificar-se completamente com nenhum grupo, com nenhuma

coletividade. Porque o ator não é aquele que age em conformidade com

o lugar que ocupa na organização social, mas aquele que modifica o

meio ambiente material e sobretudo social no qual está colocado,

modificando a divisão do trabalho, as formas de decisão, as relações de

dominação ou as orientações culturais.

Uma vez ressaltada a importância da figura do sujeito na dinâmica social,

e, num certo sentido, de não apreendermos os fenômenos sócio-culturais a partir

de aspectos meramente instrumentalizantes – nos quais os indivíduos e, por

extensão os grupos, apenas reproduzem práticas instituídas, em vez de serem os

agentes indutores de práticas instituintes – é importante levar em conta também

e, primordialmente, os sentidos da ação humana na reprodução e criação do

novo. Ou seja, a partir do privilégio de uma análise, que poderíamos denominar

“reprodutivista”, posto que não dá espaço para uma superação da situação

analisada, há um determinismo quase que absoluto dos processos sociais. Nas

palavras de Enriquez (2001, p.27):

O indivíduo torna-se, assim, um ser falado, um ser agido; ele nunca é

um ser falante nem um autor de seus atos.

Explícito está que a “volta do sujeito” ao cenário social é condição

primordial para a superação dessa situação, que mais ou menos livremente

nomeamos tecnificação ou intrumentalização da vida. Em outras palavras, seria a

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chance mesma de uma reação diante dos condicionamentos (econômicas, sócio-

culturais, políticas, relacionais, intelectuais, emocionais etc.) impostos às pessoas

com finalidades nada humanizantes, ao contrário, visam essencialmente a

produção e reprodução do capital e das relações de dominação.

Como todos nós sabemos, as organizações “produtivas”

(empreendimentos empresariais), na maioria das vezes, apresentam-se como

organismos altamente repressores, mantendo um controle extremamente rígido

sobre o seus componentes (idem). Parodiando a organização científica do

trabalho, funcionam quase como um “taylorismo high-tech”.

Então, diante do quadro exposto, existiria a possibilidade da emergência

do sujeito? Apesar de considerarmos os importantíssimos aspectos objetivos

como dominantes, mesmo assim, a resposta é sim!

Sim, há brechas possíveis de manifestações divergentes, contestatórias,

transformadoras etc.. Por mais “cristalizados” que possam parecer, esses

organismos necessitam de certo espaço de liberdade para sobreviver, pois aí está

a criatividade. Mesmo assim, alguns poderiam objetar: “mas esta não seria uma

liberdade entre aspas, ou seja, um espaço condicionado, instrumentalizado?”.

Pode ser, mas não absolutamente, pois se deve levar em conta a criatividade de

pessoas / grupos ordinários que, por labirintos muitos, apropriam-se desse

espaço, transformando-o, dentro do possível, e utilizando estratégias e táticas, ora

mais difusas, ora mais organizadas.

Segundo Certeau (1994, p.97-98), esses grupos / indivíduos:

traçam trajetórias indeterminadas, aparentemente desprovidas de

sentido porque não são coerentes com o espaço construído, escrito e

pré-fabricado onde se movimentam. (...) Não se trata, com efeito, de

um líquido, circulando nos dispositivos do sólido, mas de movimentos

diferentes, utilizando os elementos do terreno.

Uma vez aceita a idéia da limitação do controle das estruturas de controle

societais perante o indivíduo, abre-se então a possibilidade da autonomia e, com

esta, de certa liberdade. Portanto, escapamos de uma visão determinista, que

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apenas faria reproduzir o que já existe, para um enfoque dialético dos

acontecimentos sociais. Assim, o que ocorre, de fato, é uma imbricação constante

e infindável entre idéias e práticas consagradas por um lado, e por outro, idéias e

práticas que rompem com essa lógica reprodutivista.

Mas ainda fica a questão: Como propiciar a emergência deste sujeito

enquanto potência transformadora diante de estruturas de poder e dominação

cada vez mais sofisticadas e eficazes?

É preciso reconhecer que, de fato, é muito difícil para os indivíduos /

grupos fazerem valer suas aspirações e desejos diante de obstáculos

estruturantes, sejam eles políticos, econômicos, culturais, organizacionais etc., de

modo a tornaram-se em atores sociais. Não raras vezes, há uma grande

dificuldade objetiva e/ou subjetiva dos grupos/indivíduos para romperem com as

amarras impositivas da ordem estabelecida dentro dos mais variados organismos

sociais.

Contudo, como já vimos, há espaços possíveis de autonomia e

criatividade que possibilitam certa alteração em uma dada realidade. Se assim é,

cabe fornecer-lhes um “apoio”, no sentido de que consigam realizar certa

(re)elaboração subjetiva, a fim de retomar o rumo do desejo individual e coletivo,

pois é assim que se fazem sujeitos ou atores de práticas sociais. Temos aí uma

circunscrição da cidadania-em-construção em que o núcleo é o ser desejante.

(Manzini-Covre, 1996, p.97)

Quando aludimos à idéia de ser desejante, analogamente nos reportamos

ao desvelamento de processos inconscientes, recalcamentos, sofrimentos,

psicopatologias do trabalho etc. Assim, a aproximação poderia se dar por meio de

práticas que se amparassem em uma abordagem sócio-analítica, pois estamos de

acordo com as palavras de Roger Bastide, quando reconhece a contribuição régia

da psicanálise junto às ciências sociais:

Passando do ponto de vista macroscópico para o microscópico, não ‘é

menor a importância da contribuição trazida pela psicanálise, tanto para

aquilo que chamamos de dinâmica dos grupos como para o

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estabelecimento do modelo relacional médico-paciente” (Bastide, 1974,

p.206)

Deve-se evidenciar ainda que, mais do que uma terapêutica e uma

doutrina, a psicanálise pode ser, por excelência, um método exemplar para o

sociólogo12, pois desde há muito enveredamos por caminhos propostos pelas

ciências da natureza, de modo que as ciências sociais tornaram-se

extremamente, diríamos, matemática. Contudo, muitas vezes o que pode ser

quantificado, medido, nem sempre é, de fato, o que é relevante. Desse modo,

buscou-se métodos outros que, de alguma maneira, retomavam uma tentativa de

compreensão dos fatos sociais a partir de um olhar “holístico”, de busca da

“totalidade” dentro da complexidade dos fenômenos humanos. E, neste sentido, o

método sócio-clínico ou sócio-analítico, sem dúvida alguma, pode trazer

contribuições marcantes para ampliar a compreensão dos sentidos das mudanças

que estão ocorrendo dentro dos inúmeros meios intermediários que compõem a

chamada sociedade civil.

Apenas para ressaltar a relevância da noção de clínica dentro das

ciências sociais, bem como para demonstrar o que se busca com esse método,

Bastide (1974, p.211) afirma que,

Esse método clínico interessa-se menos pela descrição do que

sabemos numa linguagem de números, do que pela descoberta do

significado profundo dos fenômenos, a exemplo do médico que parte de

um certo número de observações qualitativas para transformá-las em

sintomas (isto é, buscando nelas decifrar um “sentido”, passando a

organizar esses sintomas numa determinada estrutura (isto é,

estabelecendo sua coerência lógica a partir dessa multiplicidade de

sentidos, fazendo assim um diagnóstico). Sem dúvida, as mais das

vezes, considera-se o método clínico como peculiar a uma sociologia

mais prática do que teórica.

12 Esta visão é defendida, obviamente de maneira crítica, pelo pensador brasileiro Florestan Fernandes no artigo “Psicanálise e Sociologia”, que compõe o seu livro “Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada.

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Calcada numa teoria e, principalmente numa práxis, mostra-se de

maneira inequívoca a possibilidade de, a partir de uma abordagem sócio-clínica,

um determinado grupo ultrapassar certos problemas, podendo avançar num rumo

mais promissor para si e, num certo sentido, para a organização também.

Todavia, alguns poderão contestar que, embora esse método possa se

mostrar, até certo ponto, eficaz na resolução de alguns conflitos em determinados

organismos sociais, mesmo assim, existiria a carência de um projeto político

embutido nesse arcabouço teórico-prático.

Neste caso, vemo-nos obrigados a discordar de tais insinuações, pois

haveria aí, ao nosso ver, um risco muito grande de universalização de uma visão

única, “a melhor visão”, “a verdade”, sem admitir qualquer contradição ou dúvida.

Ao mesmo tempo em que devemos ter certas restrições a um militantismo

ideológico exacerbado, verificamos que a abordagem que busca o(s) sentido(s)

dos fenômenos sociais pretende, essencialmente, estabelecer laços em vez de

enfraquecê-los; busca, na verdade, o conhecimento e uma prática mais

promissora para o maior número de pessoas, calcados na apreensão e na

construção de relações intersubjetivas, na alteridade, no bom encontro. Esses são

princípios norteadores de uma prática política democrática, de exercício

responsável da cidadania, o que não implica, obviamente, em conformidade com

o status quo, mas, sobretudo, num processo de libertação das amarras

massificantes, com o objetivo de alcançar uma prática política mais autonôma,

responsável, participativa.

Nessa direção, concordamos com André Lévy:

As liberdades de pensamento e de reunião são, com efeito, as mais

temidas por um poder cuja força e manutenção baseiam-se em grande

parte na apropriação do saber e da palavra, e no controle de qualquer

pensamento livre e crítico. Desse ponto de vista, a psicossociologia e a

clinica social de maneira geral são, efetivamente, disciplinas engajadas,

pois estão implicadas no trabalho de desvelamento e de colocação em

perspectiva das dëmarches sociais; nessa condição, elas mantêm

incontestavelmente estreitas relações com o projeto democrático: sob a

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condição, no entanto, de conservar, em relação ao poder que encarna,

uma inteira liberdade de julgamento e de ação (Lévy, 2001, p.212).

Para finalizar, poderíamos dizer que vislumbra-se com a perspectiva

teórico-prática desta sociologia tida como mais compreensiva e analítica a

abertura de um canal de “extravazamento” das subjetividades dos grupos dentro

das organizações, que são, de certa maneira, os lugares privilegiados de criação

e reprodução da vida social.

Assim, busca-se um ambiente de maior liberdade de pensamento e de

ação, calcado num processo de autonomização dos sujeitos individuais e

coletivos, que teriam no cotidiano e, primordialmente, no local (também no global),

a esfera privilegiada de ação no tempo e no espaço.

Pensamos, ainda, que esse processo desvelador de encruzilhadas pode e

deve contribuir sistematicamente no campo teórico/prático, de modo a propiciar

instrumentos eficazes para os grupos que visem, em primeiro lugar, lutar por seus

direitos, ou seja, tornarem-se atores sociais e, num outro patamar, contribuir para

uma intensificação do projeto democrático no plano político.

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CAPÍTULO 2 – A mudança: aspectos objetivos e subjetivos

Neste capítulo, abordamos a mudança ocorrida na instituição em foco, em

seus aspectos objetivos e subjetivos, a partir dos depoimentos coletados e da

observação-participante. O objetivo é compreender o(s) sentido(s) da(s) ação(ões)

/ interpretação(ões) dos grupos/sujeitos implicados no caso estudado. Também

analisamos mais detidamente questões relativas às relações de poder (chefes /

subordinados, entre colegas etc.) e à apreensão da mudança pelo grupo.

2.1 – Aspectos objetivos da mudança: funções, papéis e relações de poder

Iniciamos com a face objetiva da mudança, discutindo primordialmente as

relações de poder dentro do departamento tomado como objeto de estudo, bem

como as variantes conceituais, como autoridade, legitimidade etc., além, é claro,

das questões relacionadas às funções (execução do trabalho, qualidade,

produtividade, compromisso, motivação etc.) e aos papéis dos indivíduos

integrantes do grupo.

Temos como um fato objetivo irrefutável a venda do banco. É a partir daí

que se torna possível uma análise mais racional da situação. Mas, se

consideramos que essa venda é um fato objetivo per si, não foi menos verdadeiro

o processo desgastante que a precedeu. O vaivém de informações

desencontradas provocou, incertezas e grandes inseguranças, uma vez que os

boatos eram generalizados dentro da organização. Ora o BSB seria vendido para

um, ora para outro, e ainda, em alguns momentos, não seria mais vendido, o que

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acalentava um fio de esperança para muitos indivíduos, como pode ser

exemplificado a partir da seguinte fala:

nosso santo é forte...! (C., 2004).

Essa expressão foi ouvida inúmeras vezes no departamento quando um

grande banco nacional desistiu da compra do BSB, depois do negócio já ter sido

fechado.

Mas, de todo modo, a expectativa do desenlace do processo tornava-se

extremamente angustiante para o grupo - até o momento indistinto -, de forma que

muitos dos papéis, das funções e das respectivas relações sociais viram-se, não

raras vezes, alteradas, diminuídas, quase deixadas de lado.

Um aspecto que se tornou patente nesse processo de venda do banco

tem a ver com a questão da execução das funções dos indivíduos do

departamento. Pudemos notar o que nomeamos “motivação disfuncional” dos

trabalhadores. Aqui, apoiamo-nos em declarações de coordenadores, bem como

da observação-participante efetuada para apontar tal característica. Como a

seguir:

Neste momento, percebo uma diminuição significativa em mudanças

internas, melhorias, participação, inter-áreas e no departamento (C.A.,

2004)

E mais,

O que adianta? (...) todos nós vamos ser mandados embora mesmo...

(C.O., 2004)

Ou ainda,

Aconteceu com todos, o pessoal começou a largar a mão, nem com a

gerência (...) então, eu senti que o pessoal começou a esculhambar,

tipo assim, primeiro que todo mundo começou a ver o seu, não é?! Mas

aí o que acontece? Você vê que todo mundo larga a mão e você

começa a perder o medo, porque você fala: está todo mundo largando a

mão, não está se preocupando, porque tem quase a certeza de que vai

perder o emprego (...) Então, a gente começou a fazer uns comentários

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assim, ouviu-se comentários assim no departamento: nós estamos que

nem os violinistas do Titanic, o barco tá afundando e a gente continua

tocando (...) Então, você sente assim aquele desinteresse geral, sabe?!

Você percebe que não adianta você trabalhar, você lutar, você querer

mostrar alguma coisa... (S.F., 2003)

A partir dessas falas - do coordenador, do gerente e de um(a) funcionário(a)

de nível hierárquico mais baixo (analista), respectivamente - bem como da

aparente apatia notada em muitos indivíduos do departamento, depreendemos

que o processo de venda do banco, conduzido de uma maneira bastante

complicada e pouco transparente, gerou um desânimo muito grande no grupo,

levando, inclusive, a uma diminuição significativa - aproveitando-me das palavras

do coordenador – da participação (motivação) dos componentes do grupo, se bem

que não somente naquele grupo.

Essa apatia, que também possuía reflexos na qualidade do trabalho

executado e até na produtividade, muito provavelmente foi percebida e

quantificada pelos gestores de cada área, para que pudessem ter os dados

necessários para posteriores tomadas de decisões. Também afetava muito os

gestores em postos táticos, de modo que essa mistura “corrosiva” de insegurança

generalizada (tanto para líderes quanto subordinados) e “motivação disfuncional”

(para quase todos) pôde ser sentida na queda dos níveis de compromisso dos

indivíduos com a organização, talvez afetando, em maior ou menor grau, o nível

de qualidade do trabalho (aumento do número de falhas operacionais) etc.

O que fica evidente nessa questão é que a observação-participante

proporcionou a possibilidade de perceber essa faceta da vida organizacional, qual

seja, a de que, numa situação de grande insegurança pessoal e coletiva, o grupo

pode cair numa “quadro depressivo” trazendo importantes riscos nas posições

internas e externas da própria organização13.

13 Quando escrevemos “riscos nas posições internas e externas da organização”, queremos simplesmente dizer que esta situação, quase “anômica”, acarreta um risco de desorganização interna, com perda de eficiência e produtividade e, por outro lado, esta mesma organização está exposta a uma concorrência com outros agentes econômicos, daí o risco na posição externa.

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Em suma, a situação expôs as pessoas ao não-sentido, a um grande mal-

estar (Barus-Michel, 2003) e ao que poderíamos chamar crise de sentido; porém,

isso não ocorreu só com as pessoas. Também colocou em risco, em grande

medida, a própria organização como um todo.

A insegurança e uma possível crise decorrente da falta de sentido podem

trazer, como já pontuamos no capítulo anterior, sérias conseqüências para os

indivíduos isoladamente, para a integralidade do grupo, bem como para a própria

organização, pois esta se insere num contexto mais amplo do que ela mesma

(Manzini-Covre, 2003).

Um outro problema – sob o olhar do poder do capital - apresenta-se em

decorrência desse processo, qual seja, a questão da deslegitimação do poder, da

quebra de autoridade ou, em outros termos, do “estremecimento das relações de

poder”. Lembremos que, numa perspectiva foucaultiana, o poder é, na verdade,

relações de poder. Porém, estas são permeadas por um componente cultural

importante no que concerne à propagação e maximização desse poder, de modo

que os vários agentes sociais envolvidos possam perceber mais ou menos

claramente suas devidas posições, seus devidos papéis sociais e, assim,

reproduzir as próprias relações de poder automaticamente.

A partir da observação-participante, pudemos perceber que, enquanto o

processo se dava mais no plano da negociação, as questões relativas ao poder

não tiveram grandes mudanças, pelo menos não em termos declarados e fatuais.

Entretanto, quando a venda do banco se concretizou, algumas manifestações se

tornaram patentes, por vezes, evidentes, do que chamaríamos “quebra de papéis”.

Todos nós sabemos que, segundo a teoria funcionalista, os papéis, ou melhor, as

expectativas de papel são componentes fundamentais deste, de modo que estas

expectativas ordenam as reciprocidades (expectativas e respostas a estas

expectativas) nos sistemas sociais específicos14. Quando aludimos à questão dos

papéis, fazemos isso não como um fim em si mesmo, mas muito mais como um

14 Apoiamo-nos, aqui, em Talcott Parsons, porém não numa perspectiva adaptacionista e conformativa, mas apenas para descrever e apontar como o “poder da organização” – em seu sentido mais funcional – pode muitas vezes incorrer em riscos mais ou menos generalizados de perda do controle sobre a própria organização.

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recurso para discutir a problemática contida na questão do poder, legitimação,

autoridade etc., em suma, nas relações de poder contidas na organização.

Bem, uma vez que o banco havia sido vendido e, portanto, a fase mais

decisiva da mudança se consumado - o que não quer dizer que o processo de

mudança havia terminado –, é possível dizer que, a partir desse momento

catártico na vida organizacional, ocorreu uma série de manifestações de rebeldia,

insubordinações, desobediências, desafios aos níveis hierárquicos mais altos.

De fato, o que foi observado nesse momento da pesquisa de campo foi

uma verdadeira situação de “quebra de papéis”, pois não se podia mais encontrar

naqueles representantes do poder institucionalizado, muitas vezes, a autoridade

legitimadora suficiente para desempenhar seus papéis, de modo que os gerentes,

coordenadores, líderes etc. estavam tão ou mais fragilizados em relação aos

funcionários de nível hierárquico mais baixo. Esse fato resultou num refluxo da

autoridade desse grupo, bem como na deslegitimação institucionalizada do poder

constituído, personificado pelos integrantes desse grupo minoritário, porém muito

corporativista e cioso de seus interesses em relação aos “debaixo”.

O fato acima exposto, que também poderia ser nomeado como uma

situação de “deflação do poder”, pôde ser observado claramente pelo pesquisador

nas práticas diárias dos agentes sociais envolvidos, tanto numa escala

hierárquica mais alta quanto mais baixa, a partir de uma relação recíproca, posto

que, à medida que um lado se enfraquecia, o outro podia tornar-se, por vezes,

mais forte.

Tudo isso pôde tornar-se mais facilmente identificável para nós através

das ações dos “debaixo”, que começavam a sair de uma situação de passividade

e progrediam para uma possível emergência de um sujeito individual e coletivo.

Alguns fatores identificadores dessa situação talvez falem por si mesmos:

discussões mais contínuas entre superiores e subordinados, não cumprimento de

ordens de trabalho, não observância e cumprimento de normas específicas de

organização do trabalho (como por exemplo as normas de qualidade),

reclamações abertas, paralisações com apoio sindical, etc.

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A partir da experiência de muitos funcionários que já haviam passado por

situações similares em outros bancos, havia um consenso quase geral em relação

ao corte de pessoal e, conseqüentemente, de fragilização de determinados

grupos – pelo menos num momento inicial da fusão (pós concretização da venda

do banco) – que podem ser expressos a partir da seguinte fala:

Normalmente, num processo de fusão, é assim que começa, tá? No BAS [esta

sigla representa um outro banco comprado anteriormente pelo BSB...], foi assim:

eles começaram, eles “queimaram” o alto escalão e o baixo escalão, ficou o

intermediário (...) a tendência de qualquer fusão, pela que eu já passei, é

justamente acontecer isso (S.F., 2003).

Embora os grupos intermediários tivessem um pouco mais de “esperança”

de manter seus empregos, praticamente ninguém tinha “certeza”, como mais

tarde os fatos comprovaram, quando da reafirmação do “novo poder” a partir de

uma nova legitimização.

Assim, foi possível perceber, num primeiro momento, que a situação de

mudança trouxe a essa parte da organização certa “desorganização”, ou melhor,

certa desarmonia funcional e interpessoal, o que, numa perspectiva funcional-

positivista, é um risco que deve ser saneado o mais rapidamente possível.

Já em outra perspectiva, diríamos, mais “do interesse dos debaixo”, a

situação apresentava-se além de um risco coletivo e pessoal, também como uma

chance de extravasar sentimentos represados há muito contra as arbitrariedades e

excessos organizacionais e de performances individuais de gestores locais, que

constantemente assediavam os “debaixo”.

Em algumas oportunidades, houve rivalidade / insubordinação aberta

contra o poder institucional e seus representantes, podendo mesmo existir a

formação de contra-poderes ao poder instituído.

Contudo, essa situação não poderia correr solta, de modo que a direção

lentamente gestava uma reação, evidentemente não baseada, apenas, nessa

problemática. Mas, então, qual seria essa reação? Não havia outra maneira de

restabelecer a ordem, senão a partir da “reafirmação de um novo poder”.

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Poderíamos mesmo dizer que esse artifício era bastante previsível e, de certa

forma, aguardado pela maioria, pois, aliado à questão de tentar acomodar

gerentes e coordenadores numa estrutura organizacional / departamental nova,

percebeu-se claramente que não havia lugar para todos.

Assim sendo, em determinado momento, foi necessário tomar uma

decisão de força, qual seja: a demissão do gerente geral do departamento do

banco comprado e sua substituição pelo geral do departamento do banco

comprador. A partir daí e, em conseqüência desse fato, houve automaticamente

uma desarticulação e um arrefecimento quase instantâneo da rebeldia dos

“debaixo”, afinal “se aconteceu isso com o chefão, imagine o que poderá

acontecer com a gente...”.

Nessa medida, através de uma demonstração inequívoca de força, de

poder e, sobretudo, da personificação / corporificação do “novo poder” (o novo

chefe) no departamento, a partir de um “ritual” apavorante e calculado de

demissão dos gerentes (quatro gerentes demitidos numa mesma manhã) mais

experientes e respeitados dentro do departamento, o representante do novo poder

(o novo chefe) se apresenta, seção por seção, como o único e mais poderoso

elemento daquele departamento.

É claro que esse “ritual” de “cortar as cabeças” de alguns líderes influentes

pela manhã foi um golpe muito poderoso sobre os “debaixo”, completado um

pouco depois com a apresentação pessoal do gerente – feita à tarde –, que

funcionou como um “recado”, com o objetivo de intimidar para obtenção de

reconhecimento e, logo, obediência. Foram ditas algumas frases do tipo:

Eu sou bom mesmo, sou um dos melhores do mercado (...) Nós

formaremos o melhor time do mercado (...) É hora de vocês mostrarem

serviço, trabalharem firme, pois não há espaço para todos e nós

ficaremos com os melhores... (A.M., 2004).

Ora, depois de “decepar algumas importantes cabeças” pela manhã e

após esse “bate-papo” seção a seção pela tarde, não seria de se esperar outra

reação dos “debaixo”, senão uma resignação quase automática.

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A reafirmação do “novo poder”, personificado no corpo do novo chefe, na

verdade implicou numa revitalização do dever de obediência dos subordinados em

relação aos seus superiores15, agora reforçados e relativamente acomodados na

nova estrutura em formação. Os gerentes restantes já não estavam - pelo menos

naquele momento – tão ameaçados, de modo que se sentiam mais à vontade para

imprimir a rotina massacrante de cada dia aos “debaixo” (pressões por qualidade e

produtividade, metas, táticas discriminatórias etc.).

Assim deu-se o processo de restabelecimento da autoridade no sentido

funcional-positivista, bem como da dominação no sentido weberiano16, o que, por

sua vez, se expressava na reprodução das diversas relações de poder contidas na

relações sociais instituídas e reinstituídas dentro da organização.

2.1.1 – A relação com o discurso institucional

Ainda no tocante à legitimação da autoridade e, portanto, de certa

estabilidade ou falta da mesma nas relações de poder naquele departamento, foi

feita uma pergunta a todos os dezesseis depoentes que pode nos ajudar a

compreender melhor o grau de interesse, empenho, atenção, obediência dos

“debaixo”. A pergunta era: Como você se relaciona com o discurso gerencial /

institucional?

Das respostas obtidas, a maior parte (oito casos) vai numa linha de

recusa, descrédito, indiferença em relação ao discurso gerencial / institucional,

conforme podemos atestar em algumas falas a seguir:

Não acredito muito (...) mera formalização para deixar menos agitado

diante da situação... (R.O., 2003) ... Sou indiferente... (M.O., 2003) ... Eu

repudio essas coisas... (J.S., 2003) ... Entra por um ouvido e sai pelo

outro (...) fala-se muito e faz-se pouco... (P.I., 2003) ... Pura enrolação...

(M.F., 2003)... Eu procuro me envolver o menos possível... (C.H., 2003)

E ainda, estes dois depoimentos um pouco mais longos:

15 Conforme as palavras de Max Weber, “o dever de obediência está graduado numa hierarquia de cargos, com subordinação dos inferiores aos superiores...” (Weber apud Cohn, p.129)16 Ainda segundo Weber, a dominação nada mais seria do que a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato, podendo esta fundar-se em vários fatores que a motivariam.

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Não sei pra que tem isso! (...) Aí você começa a ver que é tudo ilusão,

nada disso existe. Então, um monte de coisas assim, que poderia ser

mas (...) no papel é, na teoria é, mas na prática não existe nada... (R.G.,

2003).

... De certa forma, pra mim, o que eles pensam não tá me afetando

muito. Não tá! Entendeu?! Talvez eu esteja num ponto no banco, na

minha carreira aqui no banco (...) talvez, eu já deixei tudo isso pra lá,

entendeu?! Eu já não me importo tanto com essas coisas. Eu não me

importo mais, porque não é mais daqui que eu tô buscando satisfação e

reconhecimento, muito embora, às vezes, são coisas que me chateiam

um pouco. Entendeu?... (R.M., 2003)

Entretanto, embora esses depoimentos praticamente falem por si

mesmos, é conveniente salientar que, a partir da confrontação da fala dos sujeitos

com suas práticas diárias (funcionais e interpessoais) no departamento, é

possível inferir que, ao mesmo tempo em que há esse sentimento íntimo e grupal

de recusa em relação ao discurso institucional / gerencial, há concomitantemente

uma aceitação mais ou menos “passional-ressentida” - nunca sem muita

conturbação emocional - das injunções organizacionais.

Um outro grupo, porém minoritário (dois casos), afirmou ter um

posicionamento mais “fingido-cínico” em relação ao discurso institucional /

gerencial. Esses indivíduos atuavam como se acreditassem piamente no discurso,

porém o racionalizavam, pensavam criticamente sobre ele e, no limite, utilizavam-

se de brechas, lacunas do discurso, ou mesmo interpretavam-no a partir de seus

próprios interesses. Podemos ter uma idéia desse grupo a partir das seguintes

falas:

Eu lido com certo maquiavelismo. Finjo que aceito (...) É cinismo para

sobreviver, uma forma política de lidar com o indivíduo... (J.J., 2003) ...

Sempre achei uma chatice, mais um protocolo do que uma coisa, como

é que posso dizer?...Pra mim eles estão mais seguindo o protocolo do

que falando alguma coisa de útil, eles falam, falam e não dizem nada.

Igual político. Em cada dez palavras, uma ou duas eu sei que...eu filtro

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bastante, eu finjo que estou bastante interessado na hora, mas eu filtro

bastante, depois uma ou duas coisinhas eu pego, o restante ele falou,

falou e não disse nada...ele tá no papel dele também, né?! (F.C., 2002).

Há ainda um outro grupo minoritário (dois casos) que caracterizava-se

mais pelo seu posicionamento de “observância cuidadosa” do discurso

institucional / gerencial. O que queremos dizer com isso? Simplesmente que este

grupo minoritário obedecia às injunções organizacionais, porém reticentemente.

Ou seja, acreditava, acatava as idéias, ordens, normas, mas até certo ponto:

claro que tem certas coisas que você tem que aceitar da forma como

está sendo passada, mas também não podemos ser tão pacíficos de

aceitar tudo o que falam...(S.I., 2003) ...

Um pouco desacreditado (V.T., 2003).

Os outros quatro depoentes não responderam tal questão. Portanto,

“categorizá-los” seria pura arbitrariedade.

Dos grupos acima, parece que se destacam três tipos básicos: os que

recusam, rejeitam, são indiferentes ou que dizem que o discurso “entra por um

ouvido e sai pelo outro...” e que, de certa forma, não dão a devida importância

para a instrumentalidade do discurso; os que lidam “maquiavelicamente” com o

discurso, que fingem acatá-lo, mas, na verdade, “filtram” ou racionalizam a

mensagem, avaliando os interesses subjacentes ao discurso com os seus

próprios interesses; e, por fim, os que aceitam mais passivamente o discurso

mas com algumas ressalvas, ou seja, aqueles que acham que “tem certas coisas

que você tem que aceitar da forma como está sendo passada”.

Dessas posições, pode-se elencar três correntes básicas:

1) Obediente-indiferente, que recusa o discurso sem racionalizá-lo

suficientemente;

2) Maquiavélico, racionaliza/”filtra” o discurso e apropria-se do mesmo

para seus interesses;

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3) Obediente-reticente, é mais propenso a aceitar o discurso, mas com

alguma reserva.

A corrente obediente-indiferente, de acordo com o levantamento efetuado,

foi a que predominou.

Apenas para concluir esse aspecto, e refletindo sobre a relação do(s)

grupo(s) com o discurso institucional / gerencial, cabe dizer que todos, sem

exceção, apresentam a característica do “fingimento”, muito mais como um

instrumento de auto-preservação do que como elemento distintivo. Portanto, o que

os diferencia, ao nosso ver, não é a capacidade de “fingir” melhor ou pior, mas sim

a capacidade de racionalização e posicionamento diante do discurso do Outro.

Assim sendo, o grupo predominante, embora declaradamente indiferente,

negativo em relação ao discurso, é o que, ao mesmo tempo, menos e mais

ameaça a autoridade e a legitimidade das relações de poder, posto que sua

reciprocidade em relação ao discurso dá-se muito mais em termos emocionais,

portanto, bastante passível de manipulação psicológica, mas também

extremamente impulsiva.

Já a corrente “maquiavélica” demonstra um potencial deslegitimimador

bastante importante, pois traz consigo uma enorme capacidade de racionalização

da mensagem, análise crítica e dissimulação; entretanto, sua ação, na maioria das

vezes, é pautada pelo interesse próprio (de cada indivíduo), o que dificulta uma

ação coletiva eficaz.

Quanto à corrente “obediente-reticente”, pode-se dizer que é a mais bem

adaptada ao discurso, sendo que, de acordo com a nossa interpretação, só

ocasionaria problemas ao discurso e às estruturas de poder se as ordenações

tocassem em questões sensíveis ao grupo.

Estabelecendo relações entre o material empírico e o embasamento

teórico precedente, verificamos que a relação entre o poder (via discurso

institucional) ou entre a cultura organizacional e os objetos deste poder não se dá

de maneira una, mas sim diversa, como, aliás, é a estratégia do poder.

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Nesse sentido, aludindo ao papel da subjetividade na construção da

realidade social (Manzini-Covre, 2003), bem como à relação

heteronomia/autonomia (Castoriadis, 1982) e, ainda, ao imaginário motor versus o

imaginário enganador (Enriquez, 1997), como também à micropolítica do desejo

(Guattari, 2000), pode-se inferir que o discurso institucional (com objetivos claros

de dominação), ou mesmo a cultura organizacional, disseminada por canais vários

de propagação, mas principalmente nas relações de poder cotidianas, encontram

alguns obstáculos subjetivos à sua maximização, posto que os indivíduos e os

grupos reagem, em maior ou menor grau, a este atentado.

2.2 – Aspectos subjetivos: a apreensão da mudança pelo grupo

Tivemos por objetivo primeiro, nesta parte da pesquisa empírica, obter

dados primordialmente qualitativos, isto é, a fala dos sujeitos implicados na

mudança. De acordo com essa perspectiva e, através da técnica empregada, foi

possível construir algumas interpretações acerca da compreensão da realidade a

partir dos próprios sujeitos envolvidos. Obtivemos os dados a partir de entrevistas

isoladas, bem como de impressões, observações e palavras “soltas”. Assim, cabe

debruçar sobre a fala dos sujeitos, como fazemos neste momento.

2.2.1 – O laço de afetividade com o banco

Com o objetivo de compreender o que ligava o indivíduo à organização

propriamente dita, fizemos a seguinte pergunta aos entrevistados: Qual o laço de

afetividade que liga você ao banco?

É preciso dizer que o termo “afetividade”, pelo menos como o utilizamos,

não se limita ao aspecto emocional / subjetivo da relação trabalhador-empresa,

mas pode contemplar também aspectos mais objetivos / materiais.

Todos os entrevistados responderam a questão acima, porém as

respostas apresentaram ora algumas diferenças periféricas e outras mais

profundas, bem como semelhanças; dessa forma, pudemos formular certa

categorização dos elementos do grupo.

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Do total de dezesseis, três integrantes responderam que o que os ligava à

organização era uma idéia de união, ou melhor, da empresa como uma família,

como podemos atestar a partir desta fala, bastante representativa das demais:

No BAS tinha mais uma união ... quase uma família. No BSB não digo

que não exista, mas existe uma menor, assim, proporção menor (R. O.,

2004).

Embora essa visão da empresa como família já seja bem conhecida de

todos nós, tanto pelo lado da instrumentalização do poder quanto pelo da

subjetividade dos grupos, talvez possamos ainda discorrer sobre isso.

De fato, muitas vezes os próprios trabalhadores colocam a empresa à

frente da própria família, o que é ilustrativo do poder da cultura organizacional

sobre o indivíduo (Fleury, 1996), bem como, dos momentos do desenvolvimento

da cultura organizacional (Bertero, 1996), neste caso. Lembremos que o banco

aqui em foco é de origem européia (fortemente influenciado pela cultura italiana) e

que, depois, já num momento bem avançado de sua história, comprou um banco

japonês de porte médio no Brasil. Neste sentido, fica relativamente claro que tanto

a influência de certos aspectos da cultura italiana, de cunho mais paternal e

patriarcal, como também da cultura japonesa, de respeito à hierarquia, com certo

paternalismo e patriarcalismo, conduziram os indivíduos a verem a empresa como

a extensão da instituição família.

Outra resposta obtida (um caso apenas) indica certa gratidão do

funcionário em relação à empresa, que remonta não ao presente mas ao passado,

numa época em que

O banco valorizava o funcionário... (J. S., 2003).

Nesse caso, nota-se claramente uma nostalgia de uma época passada

que é muito diferente da experiência presente - repleta de vicissitudes, incertezas,

inseguranças etc.

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Uma outra vertente (onze casos) segue na linha da sobrevivência, isto é,

da necessidade do trabalho exclusivamente como fonte de renda, como se pode

perceber a partir desta fala, que é bastante ilustrativa das demais:

O que me segura no BSB hoje é o emprego mesmo, não é fácil... (P.I.,

2003)

Observamos claramente, aqui, uma ligação mais no âmbito material ou

objetivo do funcionário em relação à empresa, de modo que lhe bastaria encontrar

condições externas mais favoráveis que muito provavelmente trocaria seu

elemento de dependência econômica. Mas, além da questão da dependência

econômica, há também uma outra vertente explicativa, qual seja, a de uma busca

por certa segurança, certo equilíbrio (Morgan, 1996), relacionados com as

vicissitudes da vida, “jogadas ao ar” através de uma preocupação com aspectos

de cunho material. A preocupação com a sobrevivência desperta em nós uma

ansiedade, que pode remontar, segundo algumas perspectivas psicanalíticas, a

períodos da primeira infância (Idem). Entretanto, a ligação com a organização não

se dá, no nosso entender, devido à especificidade da própria organização, pois

qualquer outra empresa poderia ser “escolhida” ou procurada pelos trabalhadores,

para cuidarem de sua sobrevivência material.

Apenas um caso específico chamou-nos a atenção por demonstrar uma

profunda carência de “amar” a instituição e ser “amado(a)” pela mesma e uma

correspondente necessidade de reconhecimento. A fala a seguir ilustra isso de

forma cabal:

Olha, no BAS, eu fui cria do BAS, eu entrei lá com 18 anos... Eu amava

a instituição, me doeu muito... (S.F., 2003.

Perguntamos ainda: “Você amava a instituição como se fosse uma mãe /

pai?” E a resposta foi

Não! Eu amava como se fosse uma cria... tudo o que estava lá, por

tanto tempo que eu trabalhei lá dentro, eu desenvolvi muita coisa, eu

passei por muitos processos lá dentro, e eu fui criada dentro de um

regime, de uma estrutura japonesa, de uma cultura japonesa e eu

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aprendi a conviver com isso, aprendi a aceitar dessa forma...Então, eu

fui criada dessa forma, eu aprendi a dar o meu sangue lá dentro, mas a

dar o meu sangue pelo prazer, talvez até por uma característica minha,

eu não trabalhava pelo salário. O salário não era a causa, era

conseqüência do meu trabalho, mas eu trabalhava lá pelo prazer de

trabalhar, eu queria o reconhecimento, eu queria o cargo, eu queria a

possibilidade de desenvolver coisas novas, de liderança, de tudo mais...

Então, eu amava a instituição... (S.F., 2003).

Até então, o depoente falava de uma experiência anterior no BAS, porém,

contrastando a experiência anterior com a experiência presente no BSB, fica a

impressão de que o que motiva ou dá sentido à realidade desse sujeito é o “amor”

ou a falta / carência desse sentir, pois segundo suas próprias palavras,

Este era o meu vínculo com o banco, eu amava a instituição BAS e o

que eu desenvolvi lá dentro ... Agora, no BSB, não existe este vínculo,

sabe por quê?! Porque ninguém ama o BSB, todo mundo vem aqui só

pelo salário... Eu quero o meu no final do mês e dane-se, a maioria das

pessoas são assim e, se não eram, foram contagiadas por uma grande

maioria...(S.F., 2003.)

Aproveitamos a oportunidade e perguntamos ao depoente se se incluía

nessa maioria. E a resposta foi:

Hoje sim!. Hoje sim porque o BSB não me recebeu de braços tão

abertos e não existe aqui aquela cumplicidade, não existe aquela

dedicação... (S.F., 2003).

É evidente que qualquer interpretação, neste caso, pode parecer

precipitada e meramente especulativa; entretanto, para falar de “amor” ou

“carência de amor” subsidiamo-nos em outras falas e experiências vividas pelo

depoente ao longo de sua vida (infância, adolescência e vida adulta). Mesmo

assim, já pensando na experiência vivenciada no BSB, poderíamos – e aí sim

precipitadamente – dizer que ele se liga afetivamente somente a partir de um

vínculo material, de sobrevivência, porém isto não é verdade.

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Parece ocorrer aí uma profunda mágoa atrelada a uma não suficientemente

boa acolhida do BSB - lembremos do “não me recebeu de braços tão abertos...”, o

que nos remete a Winnicott (1975, p.153-155) e sua concepção de maternagem,

que pode ou não ser suficientemente boa. Afinal, o depoente se considerava uma

cria da instituição, o que, por outro lado, nos dá uma idéia de família, ou de uma

segunda família. Nossa interpretação é que, neste caso, sua ligação afetiva com a

organização é de grande carência de amor e reconhecimento, sentimentos estes

buscados nas várias relações humanas estabelecidas por este indivíduo dentro da

vida organizacional.

No limite, a vida organizacional seria a busca constante e, muito

provavelmente, inconsciente de uma “boa acolhida”, de “amor”, de

reconhecimento etc. e, neste sentido, ficamos novamente com Morgan (1996),

para quem a vida organizacional pode ser uma procura por uma defesa contra

uma ansiedade persecutória, uma angústia primitiva ou até mesmo como uma

resistência à idéia da morte (Idem).

Com base no levantamento acima, parece-nos que se destacam duas

correntes básicas: os que se ligam à organização a partir de uma idéia de “família”

e os que se dizem vinculados simplesmente através de um elo de dependência

econômica. Há ainda uma visão “nostálgica” que remonta ao passado e que traz

consigo um sentimento de gratidão, mas também de tristeza em relação ao

presente e, por fim, um vínculo de carência de amor / reconhecimento / acolhida

entre o indivíduo e a instituição, sentido este, na verdade, percebido do primeiro

em relação ao segundo.

Porém estes dois últimos casos são isolados e não se constituem como

elementos simbólicos significativos do grupo.

Assim, dessas posições verificadas, podemos sinalizar duas correntes

básicas:

1) Laço “segunda família”, que “vê” na organização um sucedâneo da

família original;

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2) Laço de sobrevivência, que se baseia, essencialmente, numa relação

de dependência econômico-financeira.

Entretanto, os outros dois casos isolados, por serem muito interessantes

em sua complexidade, poderiam, de uma maneira muito cuidadosa, aparecer, pela

ordem, como um provável vínculo nostálgico alicerçado num sentimento de

saudade e gratidão, mas também de desilusão em relação ao presente, quando

comparado com um “passado glorioso”; e como um laço ambiental, que tem a ver

com a necessidade elementar de amor, acolhida, cuidados, reconhecimento de si

no outro etc.

Devemos dizer, ainda, que a corrente majoritária é a que se liga à

organização através de um laço de sobrevivência (onze casos). Isso não

surpreende, muito pelo contrário. Na verdade, a condição de necessidade

permanente é imposta com muita eficácia pela organização e, num sentido mais

amplo, pelo próprio sistema capitalista como um todo, de modo que cria-se

automaticamente um vínculo de dependência em relação à sobrevivência de si e

da família, quando é o caso. Esse elemento de dependência fere a dignidade do

trabalhador, que se vê acuado diante das injunções e vontades patronais, que, ao

mesmo tempo em que fazem constantes chantagens ao trabalhador, obtêm dele

sua servidão e obediência.

É claro que a capacidade criativa / transformadora e não apenas

reprodutiva do oprimido existe, e permanece, na maioria das vezes, num estado

latente, portanto passível de manifestação a qualquer momento.

O laço “segunda família”, embora não represente a corrente majoritária,

também compõe uma amostra representativa do objeto. Na verdade, em muitas

organizações onde há uma relação paternalista em relação ao trabalhador, essa

idéia é, em muitas ocasiões, amplamente difundida via cultura organizacional.

Idéias do tipo, “passamos mais tempo no trabalho do que em casa...”, ou ainda,

“meu trabalho é o meu segundo lar...” ou, “meus companheiros de trabalho são

como uma família para mim...”, vão nesta linha de considerar a organização como

uma “segunda família”.

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Somente para corroborar este ponto, temos a dizer que este laço está

umbilicalmente ligado à cultura organizacional do banco em que os elementos

entrevistados trabalharam anteriormente, banco este de origem japonesa e,

portanto, muito influenciado por essa cultura, como já dissemos, fundamentada

essencialmente no respeito à hierarquia (inclusive familiar), na crença na

supremacia do espírito sobre a matéria e na vergonha17.

Embora não compreenda uma parte representativa do grupo – mas nem

por isso desprezível -, de acordo com as exigências da pesquisa sociológica, no

caso do laço nostálgico (um caso), pensamos que essa ligação deva-se a uma

concepção de carreira construída ao longo de muitos anos pelo depoente, de

modo que ele apresenta certo orgulho de sua jornada e, ao mesmo tempo,

gratidão pela “oportunidade que lhe foi oferecida”. Contudo, a nostalgia que se

apresenta como elemento distintivo e marcante deste vínculo é, decisivamente,

percebida por nós quando o mesmo estabelece comparações entre o passado e o

presente, sem contar obviamente o “assombroso” futuro praticamente nulo.

Por fim, o laço ambiental (um caso) – enquadrado na mesma situação

metodológica do anterior - apresenta-se com um grande desafio interpretativo. A

nossa percepção é de que o depoente, na medida em que “amava” a instituição

anterior (BAS) e se considerava uma cria dela (um filho), a via como uma

representação remota das figuras parentais, principalmente a mãe. Ora, no

momento em que já não estava na instituição (como diz) que “amava”, pois o BAS

já não existia, exceto dentro de si, e a “nova mãe” (o BSB) não o recebeu, acolheu

ou cuidou de “braços tão abertos”, houve, de fato, uma “fuga” para o descaso ou

certo “desamor”, raiva em relação a esta “nova mãe” não suficientemente boa. Na

verdade há um vazio, uma carência muito grande de afeto e atenção

acompanhada de uma auto-estima muito baixa, mascarada num personagem

cotidiano de onipotência, auto-suficiência e superioridade, mas que, uma vez

17 Sobre a questão da cultura japonesa, apoieamo-nos na obra da antropóloga norte-americana Ruth Benedict, “O crisântemo e a espada”, pois houve a necessidade de tentar compreender minimamente a cultura organizacional do BAS, banco este que foi adquirido pelo BSB.

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“desnudada”, mostra-se uma pessoa sensível e oscilante que precisou investir-se

deste personagem para sobreviver18.

2.2.2 – O processo de mudança na intimidade

Aqui, nos propomos a compreender a afetação do processo de venda do

banco na intimidade do grupo através das subjetividades. Para tanto, foi feita a

seguinte pergunta para todos os dezesseis entrevistados: “Como você sente

intimamente o processo de venda do banco?”.

Obtivemos somente treze respostas, das quais tentamos extrair os

sentidos possíveis a partir do problema proposto, ou seja, de como a mudança

afeta o grupo. Desse total, cinco casos indicam como elemento unificador o medo

decorrente do processo de mudança, mas também certa confiança, ou seja,

esperança de ficar, como a seguir:

Fico com medo mas com confiança...(R.O., 2004) ... Na verdade eu

tinha medo...medo todo mundo tem, mas não deixei de fazer nada...eu

achei que foi bem tranqüilo...(F.C., 2004) ... É preocupante, dá medo,

ansiedade, mas tenho confiança, esperança de ficar...(M.O., 2004).

Um outro grupo (dois casos) sinaliza mais um sentimento de preocupação,

insegurança, incerteza, conforme esta fala marcante:

A gente fica preocupado, há maior insegurança...(J.R., 2003).

Outros dois casos vão numa linha melancólica, de certa tristeza com a

situação,

Com muita tristeza...tenho medo e ansiedade...sofrimento! (J.S., 2003).

... Fico triste pelo tempo, dedicação, amigos...(V.T., 2003).

Há um caso que sinaliza para uma “perda de identidade da família BSB

mais adiante, como aliás, nos demais.

18 Este depoimento foi o mais longa de todos (18 páginas transcritas). O material é muito variado e rico, pois utilizamos o expediente de entrevistas livres, em que o depoente “podia falar a vontade”. Este caso é emblemático, pois transparecia no rosto da pessoa a necessidade de falar, de falar, de falar...e o pesquisador estava ali para ouvir.

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Há também um outro caso que remonta um sentimento de traição e que

pode ser, pelo menos nesse momento, sintetizado pela seguinte fala, por sinal

bastante precisa:

Traição! (F.C., 2003).

Há ainda um caso intrigante, pois bastante confuso e rico subjetivamente.

Este caso acompanha um sentimento de vingança, de certo sentimento sádico

diante da situação.

É engraçado...é um sentimento de revanche...sabe aquele gostinho?!

(S.F., 2003).

Por fim, um caso tão tangente quanto o anterior. Dizemos isso porque é

incomum as pessoas dizerem que sentem “nada”. Como segue:

Eu não sinto nada! (M.M, 2003).

Com base nos dados obtidos, consideramos ser possível certa

classificação do grupo, no que tange ao lidar subjetivamente com a mudança.

Parece-nos que se destacam quatro correntes básicas: “medo e

confiança”, que se caracteriza por um sentimento paradoxal e que vai num sentido

de subserviência diante do novo poder; “insegurança”, em que os integrantes do

grupo apresentam sentimentos bastante coerentes subjetivamente, como

preocupação, insegurança e incerteza, o que acarreta intensa carga de sofrimento

ao grupo; “melancólica”, que se apresenta também de maneira coerente com o

passado-presente-futuro de suas histórias na organização e aproxima-se muito do

laço nostálgico; sentimento “ressentido”, caracterizado por um “ressentimento” que

traz consigo uma amálgama de sentimentos de traição, sentimento de vingança e

o “sentimento de nada”, o que, aliás, chamaríamos de indiferença.

Há, ainda, um caso isolado, representado por certo sentimento de perda,

mais precisamente de “perda de identidade da família BSB”, pois a nova

organização possuiria uma representação diversa do que estava acostumado.

Assim sendo, é possível classificar o grupo a partir dessas quatro

correntes:

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1) Sentimento “medo e confiança”, paradoxal e tendente à

permanência;

2) Sentimento “insegurança”, bastante coerente com outros

sentimentos correspondentes, como preocupação e incerteza;

3) Sentimento “melancólico”, ligado também a uma certa mágoa

profunda ou até mesmo tristeza pela situação, aproximando-se muito

do laço nostágico;

4) Sentimento “ressentido”, no qual se inclui o sentimento de traição

causador de revolta e ressentimento, o de vingança, que pode estar,

neste caso, atrelado a uma falta de reconhecimento e “amor”, bem

como certo sentimento de indiferença (sentir nada).

O sentimento “perda de identidade”, verificado pela diferença tanto da

estrutura como também da cultura organizacional, não pode aparecer na

classificação apresentada acima por ser um caso único, portanto, excepcional.

No primeiro caso, “medo e confiança”, os integrantes do grupo

apresentam em comum um sentimento paradoxal, pois, conforme os próprios

depoimentos puderam mostrar de uma maneira bastante clara, embora o

sentimento de medo da mudança em si e das possíveis conseqüências

decorrentes da mesma, bem como o medo oriundo do pouquíssimo controle da

situação objetivamente, aliado, ainda, a informações desencontradas – o que

aliás, só fazia aumentar o nível de incerteza e insegurança – era bastante nítido e

intensamente marcante no grupo o sentimento de confiança ou a esperança de

permanência, o que acabava, ao nosso ver, prevalecendo. Essa esperança /

confiança aliada ao medo proporcionava a esse grupo uma “aceitação” mais ou

menos passiva da situação, de modo que a dominação se dava mais facilmente

através do medo da perda, incerteza em relação ao “novo”, e da confiança - não

se sabe bem de que ou em quem – de ficar.

A segunda corrente é interessante sobretudo se contrastada com a

primeira. No primeiro caso, os elementos do grupo usam abertamente a palavra

medo, mas no segundo não - falam em preocupação, insegurança, incerteza. Não

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temos dados e, tampouco, motivos para contrariar as falas recolhidas, ao

contrário, achamos que elas, de certa forma, falam por si mesmas. Se assim é, o

sentido da preocupação, da insegurança, da incerteza remetem a um “cálculo”

mais ou menos objetivo das possibilidades internas e/ou externas, após, é claro,

certa paralisia ocasionada pela perda momentânea de sentido. Em vez disso, o

medo pode desencadear tanto uma paralisia momentânea quanto reações

“instintuais”, ou seja, não tão calculadas, racionalizadas.

A terceira corrente, a “melancólica”, experimenta uma tristeza vaga. Os

componentes se lembram dos “belos dias vividos...” etc. Como já dito, esse grupo

se aproxima diretamernte daquele que se ligava afetivamente à organização

através de um laço nostálgico.

A quarta corrente, o sentimento “ressentido”, é bastante interessante, pois

optamos por colocar três casos díspares numa mesma categoria analítica, quais

sejam: o sentido de traição, de vingança e a indiferença. Embora diferentes, todos

apresentam um traço em comum, certo ressentimento em relação à organização,

ora porque havia apego demais, ora porque não havia uma correspondência de

“amor” concedido e, finalmente, por desilusões muitas que acabaram por

“insensibilizar” o indivíduo sofredor, tornando-o indiferente a ponto de “não sentir

nada”.

O quinto caso tem mais a ver com a questão identitária ou de uma

apreensão do que a organização é, em vez de uma apreensão por identificações

(o que está sendo) (Manzini-Covre, 2000).

Através dos dados obtidos na pesquisa de campo e refletindo sobre os

mesmos, pode-se dizer que constatamos quatro sentimentos no grupo: “medo e

confiança”; “insegurança”; “melancolia”; “ressentimento”, além de um caso

tangente, o sentimento de “perda de identidade”. Prevalece, então, o sentimento

“medo e confiança” e, em seguida, o “ressentimento”, mas tanto nessas categorias

como nas demais, os sentimentos são diversos e, muitas vezes, oscilantes, mas

sempre tendentes a uma corrente específica.

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Sob uma perspectiva funcional, ou seja, a partir dos interesses do sistema

de poder instituído, parece-nos bastante conveniente que o mesmo estimulasse

esses dois sentimentos mais ou menos paradoxais, quais sejam, o medo e a

confiança de permanência, de se “salvar” da demissão. Isso parece que é assim,

pois a organização tinha de se preocupar tanto com o seu sistema de ação quanto

social (Lévy, 2001), uma vez que encontra-se num mercado globalizado, portanto,

por vezes exposto a riscos de suas posições internas e externas.

Ora, se por um lado havia um medo mais ou menos manifesto no

comportamento das pessoas, o que conduzia, nestes casos, a uma certa apatia e

obediência dos componentes dessa corrente, fica relativamente claro que,

apoiando-se somente no “sentir medo”, o poder poderia enfrentar importantes

obstáculos no funcionamento interno e, quiçá, externo, uma vez que o grupo

poderia entrar numa certa “depressão”, como de fato ocorreu em algum momento

com a falta de motivação dos funcionários, ou pelo que nomeamos mais ou

menos livremente, uma “motivação disfuncional”.

Assim, a criação e disseminação de idéias do tipo “os melhores ficarão...”,

ou ainda, “formaremos o melhor time do mercado...” etc., etc., etc..., iam numa

linha de restabelecer e reforçar o sentimento de confiança nos indivíduos, de

modo a reequilibrar-se com o medo. Neste sentido, parece-nos que a situação de

mudança pôde ser, de certa maneira, conduzida de tal forma que o pólo “decisor-

gestor” da organização (a direção, as gerências etc.) abriu mão de variadas linhas

de como lidar com a mudança, tais como a mudança planificada, bem como, em

outros momentos, certa abordagem psicossociológica da mudança, tentando

“quebrar” resistências inconscientes e do imaginário como fonte de obstáculos à

mudança (Rhéaume, 2001), e até mesmo, em momentos de enfrentamento

“político” (paralisação), da mudança institucional, ou seja, estudando e agindo

sobre a correlação de forças nas práticas dos grupos (Idem).

Contudo, ao dizermos que o poder estimula e reforça o sentimento de

medo e confiança para fins de manipulação e controle, não estamos afirmando

que esses sentimentos surgem a partir daí ou, em outra palavras, que são

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condicionados por esse pólo. Se assim fazemos, é somente para mostrar que o

pólo da regulação (o poder instituído) se utiliza de vários meios para alcançar seus

interesses, inclusive a manipulação dos sentimentos humanos.

Já em relação ao sentimento de “ressentimento” (três casos), o sentimento

de “ser traído”, de não “ser reconhecido” ou, o mais grave, “o nada”, parece-nos

que os componentes do grupo encontraram uma forma de lidar com a situação de

uma maneira bastante emocional, mesmo quando negada - “sentir nada”. A

sensação de ser traído acarreta uma revolta que, uma vez arrefecida, pode vir a

tornar-se numa mágoa e, dependendo de como a pessoa lida com este sentir,

pode vir a tornar-se certo rancor.

Num outro patamar, porém ainda dentro desse “nível” de sentir, a

necessidade de reconhecimento, de retribuição de afeto, da necessidade de afeto

até mesmo primário (mãe-bebê), das pessoas em relação à organização -

lembremos do laço ambiental e da busca de defesas contra a angústia primitiva e

a ansiedade persecutória via a vida organizacional (Morgan, 1996) – dependendo

da forma como são (re)elaborados ou não os sentimentos das pessoas, as

mesmas podem criar uma aparência de “onipotência”, de certa arrogância, lidando

com a situação de forma ora cínica, impudente, descarada, inconveniente por

desrespeitar o mal-estar dos outros, e ora irônica, sarcástica, que estaria, ao

nosso ver, muito próxima da indiferença.

O “melancólico” e o “inseguro” estão preocupados com o futuro. Resistem,

de certa forma, à mudança, por estarem ora mais presos a um “passado glorioso”

ora presos a certo sentimento de “desgoverno” da vida, falta de sentido. Os dois

grupos apresentam-se mais presos numa idéia de permanência, de manutenção,

do que na idéia de mudar. A mudança traz riscos à integralidade destes sujeitos,

ficam tristes, lamentam, às vezes imóveis, mas, de alguma maneira, lidam com

boa vontade para consigo mesmos e com outros. Não se ressentem com a

situação e com a organização e, tampouco, são confiantes em relação ao futuro.

Tudo teria sido melhor se permanecesse como sempre esteve. Na verdade,

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parece-nos que perderam a perspectiva, segundo nos fala Comte-Sponville

(2003), de “que tudo muda é uma verdade eterna”.

2.2.3 – O sentido da palavra mudança para o grupo

Buscamos aqui a significação da palavra mudança pelos sujeitos. Para

tanto, foi feita a seguinte pergunta: “Qual o sentido da palavra mudança para

você?”.

Dos dezesseis membros que colaboraram diretamente com a pesquisa,

conseguimos obter quinze respostas, portanto, a amostra pode ser considerada

confiável. Os dados apresentaram, como em outras ocasiões, diferenças mais ou

menos profundas. Assim sendo, a partir da compilação, da tabulação dos dados

etc., constrastamos as respostas e agrupamos em categorias ou tipos conforme o

critério de semelhança e diferença significativa.

Dos dezesseis depoentes, dez foram por uma linha considerada mais

otimista, de tentar ver o lado bom da mudança, como algo melhor, como um

desafio no sentido positivo, um estímulo, uma inovação etc., como podemos

atestar nas das falas a seguir:

Espero algo melhor...Vejo o lado positivo da mudança...(R.O., 2003) (...)

Tem que pensar que sempre vai ser melhor...(P.I., 2002) (...) Algo novo,

desconhecido...Gosto da mudança, te leva a um crescimento...(R.M.,

2003) (...) Novos desafios, algo novo...Desafio! (M.O., 2002) (...)

Esperança.(C.H., 2001) (...) Inovação...É interessante (J.N., 2002)..

Houve um caso que apresentou uma resposta interessante, uma vez que

trouxe consigo um conflito muito grande: o de estar preso ao passado que lhe é

agradável, mas ao mesmo tempo ter vontade de superá-lo, pois havia uma

consciência mais ou menos clara de que a situação não voltaria mais a ser como

antes.

Não vou ficar no fundo do poço! (J.S., 2003)

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Outro grupo - dois casos - apresentou como traço comum o desconforto e

certo sofrimento em relação a mudanças, como pode ser percebido claramente

nas falas dos sujeitos:

Esta palavra apavora...Não sei lidar com a mudança...Sofro muito.(F.C.,

2002) (...) Causa desconforto, atritos, desconfiança ... É preciso ver

primeiro se a mudança é pra melhor... (V.T., 2003)

E, finalmente, o último grupo - mais dois casos - que apresenta como traço

identificador certo esforço oriundo da necessidade de mudar.

Toda mudança é válida quando satisfaz todo mundo...Tem que ter a

vontade de mudar.(S.F., 2003) (...) Mexe com a gente...Assusta, mas é

uma necessidade.(M.M., 2002)

Com base no levantamento acima, podemos observar que se destacam

três correntes básicas: a dos que apreendem a mudança de uma maneira

esperançosa, otimista etc.; a dos que demonstram claramente seu desconforto e

sofrimento com a situação e com as mudanças; e ainda os que se esforçam para

adaptar-se às mudanças impostas pela realidade, portanto, encaram-nas como

uma necessidade. Finalmente, há os que estão enredados por um “passado

glorioso”, mas que têm uma noção mais ou menos clara de que é preciso “sair do

fundo do poço...”, ou seja, da tristeza, da melancolia, da nostalgia; porém, por ser

único, este caso não deve ser considerado uma vertente do grupo.

Essas três correntes fundamentais podem então ser classificadas da

seguinte forma:

1) Corrente otimista, que apreende a palavra mudança, mas não só a

palavra, como também, ao nosso ver, principalmente a situação em si,

como algo melhor etc., ou pelo menos querem, desejam acreditar nisso

para suportar a situação;

2) Corrente “desconforto”, caracterizada fundamentalmente por uma

dificuldade em lidar com situações de mudança, trazendo desconforto

e, por vezes, intenso sofrimento psíquico, moral e, em alguns casos,

até mesmo físico;

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3) Corrente “esforço-necessidade”, em que o segundo elemento

reclama o primeiro, isto é, a necessidade imperativa de mudança

produz um esforço no sentido de adaptação a esta mudança, mesmo

que isso “mexa com a gente...”; mesmo que assuste, é preciso fazer

um esforço para “ter a vontade de mudar...”.

O caso isolado, se pudéssemos categorizá-lo, seria nomeado de corrente

“resistência positiva”, caracterizada por uma relação afetiva com o passado na

organização, mas percebendo que é preciso “sair do fundo do poço”, da tristeza,

da melancolia, da nostalgia.

Considerando os resultados obtidos no levantamento de dados, podemos

dizer que o grupo majoritário em relação ao sentido da palavra mudança é a

corrente otimista. Na verdade, esse resultado não nos surpreende, pois

geralmente as pessoas estão mais ou menos abertas às mudanças, desde que, é

claro, estejam, em certa medida, sob seu controle, pois sabem que elas ocorrem

de fato, mesmo que independente de sua vontade, isto é, a constatação da

impermanência de tudo, conforme vimos com Comte-Sponville (2003).

Contudo, este não parece ser o caso. Daí talvez encontremo-nos numa

“encruzilhada”, pois se o grupo vê “o lado positivo da mudança”, ou, ainda, a vê

como “algo melhor”, poderia nos dar uma dimensão de que não há contradições

ou mesmo problemas decorrentes do enfrentamento entre os desejos, aspirações,

esperanças dos sujeitos e as condições estruturais e objetivas que a realidade

lhes impõem. Mas isso não se dá assim, uma vez que esse otimismo não é

absolutamente isento de preocupações, medos, ansiedades. Ao contrário, todos

esses sentimentos estão contidos nos indivíduos, mas algo acontece, levando-os

a preferir ou simplesmente privilegiar mais os aspectos positivos da mudança em

detrimento dos efeitos deletérios da mesma. Neste momento, lembramos

novamente de Comte-Sponville (idem), quando o mesmo diz que “a mudança é a

lei do ser”.

A segunda corrente, representada sobretudo por um sofrimento e/ou

desconforto mais ou menos intenso, dependendo de cada caso, caracteriza-se por

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uma dificuldade de aceitação ou em lidar com a nova situação que se apresenta.

Nessas circunstâncias, o indivíduo que sofre ou apresenta um indisfarçável mal-

estar pode apresentar problemas diversos, tais como: crises de ansiedade,

angústia, depressão, ausência de sono, gastrite, estresse, nervosismo,

irritabilidade, retraimento do convívio social etc. Nesses casos, e não foram

poucos os detectados através não só das falas, mas também das observações in

loco, os indivíduos podem vir a ter problemas de saúde física e psíquica muito

sérios. Mas se dissemos anteriormente que “a mudança é a lei do ser”, como

explicar a complexa dificuldade que os componentes desse grupo apresentaram?

De fato, as dificuldades são inerentes à própria situação em si, na qual a

possibilidade de manobra dos indivíduos é reduzidíssima diante das estruturas de

poder instituídas e da força motriz da mudança. Queremos dizer com isso que,

mesmo no grupo anterior, a corrente “otimista”, havia o risco à integralidade física

e psíquica dos indivíduos, mas, por algum motivo que não identificamos bem, os

mesmos desejavam ver e enfatizar muito mais o “lado positivo da mudança”.

Porém, o grupo que analisamos agora apresentou um senso crítico mais aguçado

em relação à situação e mesmo com a condução da mudança, de forma que a

possibilidade de uma visão mais “otimista”, num primeiro momento, ficou bastante

distante.

Na verdade, observamos que esses indivíduos, muitas vezes, percebiam-

se sem rumo, perdidos até, em uma palavra, vivenciavam uma autêntica crise de

sentido (Barus-Michel, 2003) - viam-se incapazes de compreender, interpretar e

transformar a realidade. Mas, ao poucos, após muitas ”conversas soltas” e com a

busca de outros refúgios, defesas contra o não-sentido (Morgan, 1996), puderam

se fortalecer e ter certa aproximação de si mesmos, de modo que, também aos

poucos, puderam perceber que este “transformar a realidade”, primeiramente,

passava por uma transformação interna.

A terceira corrente, denominada corrente “esforço-necessidade”, é

caracterizada principalmente pela imperiosidade da situação posta e da

decorrente necessidade de adaptação à mesma. Evidentemente que essa

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adaptação não se dá de uma maneira tranqüila, tampouco entusiasmada, mas sim

com empenho pessoal, com esforço para mudar, com certo grau de desprazer até.

Pode ser assumida quase como um “dever penoso”. No nosso entender, os

componentes dessa corrente estariam num patamar “intermediário” entre o

otimismo e o mal-estar. Andam com cuidado, pensam muito para agir, sabem que

precisam adaptar-se da melhor forma possível às mudanças, pois, como bem

sabem, elas ocorrem independentemente de sua vontade.

Por fim, temos aquele caso isolado, porém não menos importante,

denominado “resistência positiva”, que se caracteriza, principalmente, através do

conflito entre a nostalgia de um “passado glorioso” e a necessidade premente de

“sair do fundo do poço”, ou seja, de reagir positivamente, pois têm-se uma idéia

mais ou menos evidente de que não vai adiantar muito ficar atado a um tempo

pretérito, que, como é sabido, não voltará mais. Contudo, embora com a idéia de

não retrocesso do tempo presente, há ainda um passado vivo, não tão longínquo,

dentro dos indivíduos, de modo que o contraste entre reação positiva e o laço

nostálgico com a organização desencadeia um vaivém quase constante no que diz

respeito ao posicionamento dos mesmos em relação à situação em si.

2.2.4 – A relação com o mal-estar

Neste ponto da pesquisa, buscamos compreender como os componentes

do grupo lidam com o mal-estar instalado a partir da situação, mesmo para

aqueles que possuem uma visão mais otimista dela.

Assim, fizemos a seguinte pergunta para os componentes do grupo: Como

você lida com suas contradições, angústias, ansiedades, enfim, com o seu

sofrimento?.

Do total de dezesseis entrevistados, obtivemos quinze respostas, das

quais doze foram divididas em três correntes, sendo que uma resposta aparece

apenas em caráter excepcional, portanto não representativa do grupo a partir do

nosso critério de aproximação e diferença.

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Das treze respostas, seis casos vão numa direção de compartilhamento

do mal-estar, isto é, os indivíduos integrantes do sub-grupo buscam apoio em

outras pessoas que, por sua vez, têm o papel de interlocutoras de suas aflições,

angústias, ansiedades, medos etc., de modo que os indivíduos sofredores

encontram certo amparo e, talvez, uma chance de certa reelaboração

intersubjetiva de seu mal-estar, que nós também poderíamos nomear de crise de

sentido. As falas mais representativas desse subgrupo podem ser demonstradas

abaixo:

Eu preciso conversar com alguém...preciso dividir...ser ouvida...(P.I.,

2003) ... Eu gosto de ter a opinião dos outros... (R.O., 2003) ... A

princípio me desespero, depois desabafo... (S.F., 2003) ... Tomo

remédio homeopático para controle da ansiedade, mas também falo

com minha esposa...(F.C., 2002) ... Não guardo...falo muito (F.C., 2003)

Claro está que essas falas representam um mecanismo através do qual as

pessoas tentam lidar com a situação, ou seja, buscam certo equilíbrio, um rumo,

um sentido. Essa busca de sentido pode se configurar numa tentativa de certa

reelaboração subjetiva, como aliás já dissemos, e a partir daí, então, conforme nos

ensina Barus-Michel (2003, p.26), pode haver a superação da situação traumática,

tanto para o indivíduo que sofre quanto para o grupo.

Tal “estratégia” nos parece bastante apropriada para lidar com essa

situação, pois, ao contrário de existir um isolamento do indivíduo, ocorre, de certa

forma, um restabelecimento ou um reforço de alguns laços, que podem

compreender laços familiares, de amizade, de ajuda profissional (psicoterapêutico)

etc. Percebemos, ainda, que à medida que o indivíduo fala e encontra do outro

lado alguém para ouvir seus pensamentos, sentimentos, de alguma maneira

ocorre um restabelecimento do sentido e, portanto, do rumo do desejo deste

indivíduo, que poderá ser o agente privilegiado de certa cidadania-em-construção,

conforme aponta Manzini-Covre (1996, p.97).

Um outro subgrupo (três casos) se caracteriza por certa “displicência” em

relação à situação, de modo que seus componentes não sejam tão afetados

emocionalmente. Algumas falas podem demonstrar melhor o que queremos dizer:

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Levo na esportiva...mantenho o bom humor (J.S., 2002) ... Não busco

respostas, busco o simples...(J.N., 2002)

Essas falas parecem denotar uma “fuga” do mal-estar e, em alguma

medida, da própria chance de fortalecer-se através da mesma. Na direção que

vislumbramos, os elementos desse subgrupo (categoria) estão mais distantes de

se tornarem seres-desejantes (Idem) que o primeiro subgrupo, pois, ao negarem

ou camuflarem para si mesmos o mal-estar, perdem a oportunidade de certa

reelaboração subjetiva e, portanto, de superação da situação presente, bem como

o preparo emocional e, porque não dizermos, também político, de lidar com outras

situações difíceis da vida no futuro.

Há também um outro subgrupo ou categoria (cinco casos) que, por seu

turno, possui como traço distintivo um intenso processo de auto-reflexão, de

introspecção, de forte conflito interno, conforme podemos atestar através das

próprias falas:

Eu penso muito...(M.O., 2002) ... Há uma luta interna intensa...(J.R.,

2003) ... De forma insegura, com nervosismo...fico imobilizado e posso

estourar...prefiro me isolar...aprendo muito com o sofrimento...(C.H.,

2002) ... É difícil falar de mim mesma...(R.M., 2003) ... Não gosto de

estar sofrendo, mas é difícil falar...depende das pessoas...(R.G., 2003)

Nessa categoria, apreendemos que, diferentemente das duas anteriores -

a primeira porque “divide” e quer estar junto e a segunda porque não “esquenta a

cabeça” com a questão - é marcante uma atitude muito contida, porém intensa em

conflito, que se dá primordialmente na interioridade dos indivíduos, portanto, de

certa maneira, não buscam reforçar laços, mas isolam-se e são potencialmente

“explosivos”.

É claro que o processo de auto-relexão ou de introspecção, configura-se

como uma parte importante da reelaboração subjetiva do mal-estar que ora

defendemos como uma condição para os indivíduos saírem do não-sentido e,

assim, retomarem o rumo do seu desejo; porém, a nosso ver, se essa

reelaboração não transcender os limites do próprio indivíduo e não estabelecer

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vínculos de outras ordens, é muito provável que no lugar do ser desejante haja o

não-sujeito e, portanto, o não-ator, ou seja, como um dos depoentes mesmo disse,

um indivíduo que permanece “imobilizado”.

Há ainda uma característica que tem a ver com certa dificuldade em “falar

de si mesmo” ou, em outras palavras, de ter certa aproximação de si mesmos. Isto

fica evidenciado, principalmente, nas duas últimas falas. Aqui, a emergência do

sujeito é bastante dificultada, pelo menos a nosso ver, pois os indivíduos, de uma

maneira geral, possuem grande dificuldade de sair da clausura do conflito interno,

para dar um salto em outro momento, qual seja, o do estabelecimento ou reforço

de vínculos outros, que poderiam servir de “refúgio” ou “porto seguro” às angústias

/ ansiedades primitivas, como mostramos através de Morgan (1996)

anteriormente, bem como um suporte para haver o encontro do indivíduo com o

seu próprio desejo, condição esta para existir o ser-desejante, que seria o possível

ator das transformações sociais (Manzini-Covre, 1996).

Como dissemos um pouco acima, há um caso que, por ser único, não

pode ser categorizado como um elemento representativo de análise de objeto. Na

verdade, deve ser considerado apenas como exceção. Esse caso tem a ver com

uma atitude prática, quase pragmática para lidar com o embate entre a situação

vivida e os sentimentos decorrentes da mesma. Segundo as próprias palavras do

indivíduo,

Enfrento a situação para resolver o problema... (M.O, 2003)

Ou seja, esse depoente não alude diretamente aos seus sentimentos e,

tampouco, se detêm sobre eles, pois aparentemente, busca apenas “resolver o

problema...”, isto é, a sua condição na situação, porém sob um aspecto mais

objetivo. Essa visão apresenta-se como muito individualista e de pouca margem

de (re)ligamento de vínculos sociais mais estáveis, embora se apresente também,

no nosso entender, bastante atualizada com a dinâmica do capitalismo flexível, tal

qual mostramos antes com Sennett (2000).

Assim sendo, podemos elencar as seguintes categorias, obtidas através

do nosso levantamento de dados acerca de como os indivíduos do grupo lidam

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com seus sentimentos decorrentes do enfrentamento da situação exterior (venda

do banco) com sua interioridade / subjetvidade:

4) “Os que buscam ajuda”, caracterizados principalmente por uma

necessidade de compartilhar seus sentimentos e/ou pensamentos com

outros (esposa, marido, amigos, pais, namoradas, desconhecidos,

médicos, psicólogos etc.);

5) “Os que se fecham em si mesmos”, caracterizados primordialmente

por um processo de intensa introspecção e, muitas vezes, por

isolamento em relação aos outros e ao mundo exterior;

6) “Os que não querem complicação”, buscam o “simples”, ou melhor,

deixam de lado questões mais profundas oriundas dos conflitos entre o

interior e o exterior e, assim, possuem uma visão mais “leve” da

situação e de si mesmos.

Dessas três correntes, a primeira é a majoritária (seis casos), em seguida

vêm “os que se fecham em si mesmos” (cinco casos) e, por fim, “os que não

querem complicação” (três casos).

O que buscamos com este trabalho de pesquisa, como já dissemos

anteriormente, é compreender como a mudança afeta o grupo e, dentro disso,

compreender como os elementos dele constituintes lidam com os sentimentos

oriundos do processo de mudança. Mas, além disso, buscamos também

estabelecer um espaço relacional onde os indivíduos pudessem colocar em

discussão seus pensamentos, sentimentos, etc.

Nesta perspectiva, obtivemos as categorias relacionadas acima e, à

medida que percebemos suas características, ao mesmo tempo, pudemos

relacioná-las com a chance ou não de emergência do ser-desejante (Manzini-

Covre, 1996) e, num patamar adiante, do possível ator social (Idem).

Para tanto, utilizamo-nos da própria percepção do mal-estar, ou mais, do

próprio sentir dos indivíduos, para que daí, conforme as instruções de Barus-

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Michel (2003), os indivíduos pudessem encontrar um sentido a partir da

elaboração do não-sentido.

Então, da relação estabelecida entre as categorias obtidas e a busca de

sentido através do instrumento “fala-escuta”, entendemos que o primeiro grupo, ou

seja, “os que buscam ajuda”, são os que mais se aproximam da eclosão da

potência criativa da busca de sentido, isto é, do rumo do próprio desejo. Além

disso, percebe-se uma maior facilidade em ligar-se a outros grupos sociais “mais

estáveis” (família, amigos, igreja, etc.), de modo que podem vir a ter maiores

facilidades em possíveis recolocações, tendo em vista a maior inserção e

envolvimento com outros setores da vida social.

Em seguida, percebemos o segundo grupo “um passo atrás” do primeiro,

pois seus integrantes possuem um grau de dificuldade mais elevado em

relacionar-se com o outro, buscando excessivamente as respostas somente

dentro de si mesmos. Dizemos excessivamente porque este também é um lugar

onde buscamos respostas, sentidos etc., aos nossos questionamentos, porém se

nos detivermos demasiadamente nessa esfera e não buscarmos também uma

relação de troca com o mundo exterior, ficamos isolados e, no limite, imobilizados.

Além disso, vemos como mais problemática a questão do reforço de outros

vínculos sociais “mais estáveis”, de modo que o isolamento social pode ser

bastante perigoso para a saúde dessas pessoas, bem como para uma possível

necessidade de reinserção no mercado do trabalho. Não é à toa que uma

característica muito marcante do grupo é a intensa luta interna.

Finalmente, entendemos que o último grupo, “os que não querem

complicação”, paradoxalmente, são os que, talvez, se encontrem numa situação

mais débil, pois, ao “fugirem” do problema, apenas o protelam para mais adiante

e, na medida em que não se permitem a chance de certa reelaboração do mal-

estar negado por uma atitude displicente, despojada, irônica até, muito

provavelmente, em situações similares ou até piores, demonstrarão um

despreparo muito grande em lidar com seus próprios sentimentos.

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Negar o conflito de uma maneira irrefletida parece-nos, pois, demasiado

arriscado.

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CAPÍTULO 3 – Mal-estar dos atores e possível superação

Destacamos neste capítulo um episódio marcante na história do grupo e

da organização: “a greve”19. Nessa situação talvez estejam delineados alguns

contornos de uma possível emergência do sujeito-em-constituição, que seria o

agente privilegiado da construção de uma cidadania plena (Manzini-Covre, 1999,

p. 64-75).

3.1- O estopim da cidadania

Analisamos aqui um momento marcante na história do grupo, do

departamento e do próprio banco, que consideramos bastante ilustrativo do que

nomeamos cidadania-em-construção, conceito pelo qual aludimos uma forma de

ação expressa no cotidiano dos segmentos populares, que através de lutas várias,

de certa forma, conseguem “romper” com normas instituídas e consagradas

(Manzini-Covre, 1996, p.174).

Convém relembrar que a experiência ora relatada e analisada ocorreu

num departamento de um banco que passava por um processo de mudança

profundo. O grupo foi apanhado por um “turbilhão” de incertezas e sentimentos,

com conseqüências tanto para o grupo em si, como para os indivíduos

isoladamente, suas relações sociais fora da organização e, obviamente, com

reflexos na própria dinâmica da organização num âmbito mais amplo.

Passemos então a relatar os acontecimentos que culminaram com

reações até mesmo inesperadas “pelos de cima” (diretoria/gerência)20.

No dia 28 de agosto de 2003, o Sindicato dos Bancários de São Paulo

promoveu uma paralisação nos bancos do Centro Velho de São Paulo, por conta

da campanha salarial daquele ano. Essa movimentação nada tinha de novo, pois

todo ano essas manifestações ocorrem como uma forma de pressionar o

patronato.19 Dizemos “a greve”, entre aspas, porque a greve não chegou a ser deflagrada. O que ocorreu, de fato, foram algumas paralisações dos empregados, que representaram um momento importante na luta contra injustiças e, principalmente por seus direitos.20 Pedimos desculpas pelo tom, talvez excessivamente “narrativo” destes acontecimentos, mas se assim o fizemos, é simplesmente com a intenção de dar uma certa visão cronológica dos acontecimentos e desfechos.

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Contudo, algo novo ocorreria neste dia no BSB., especialmente com os

funcionários do departamento ora tomado como objeto de análise. Já havia alguns

dias que, por ocasião do não pagamento de certa gratificação de produtividade e

resultados para os funcionários - excetuando os maiores cargos (gerentes e

coordenadores) que a receberam, segundo critérios essencialmente “pessoais” do

gerente geral do departamento -, estes revoltaram-se contra essa discriminação, o

que, aliás, acontecia quase todo ano, porém sem maiores conseqüências, uma

vez que as insatisfações eram repetidamente abafadas/controladas. Entretanto,

nessa ocasião, alguns funcionários “mais próximos” da gerência foram chamados

para uma conversa com o gerente geral do departamento e o diretor administrativo

que ali também se encontrava, conversa esta, aliás, que não resultou satisfatória

para os trabalhadores, uma vez que foram dadas as mesmas desculpas de

sempre.

De fato, os ingredientes eram os mesmos de outros tempos - insatisfação,

raiva, certo sentimento de impotência (“fazer o quê?”) -; ou seja, os sinais

indicavam uma situação repetitiva e desfavorável para a maioria.

No entanto, no dia da paralisação efetuada pelo sindicato, de algum modo,

essa insatisfação dos funcionários do banco chegou ao conhecimento de alguns

sindicalistas, pois, até aquele momento, tratava-se estritamente de uma questão

interna do departamento. O sindicato percebeu uma grande revolta daqueles

trabalhadores e agilmente conseguiu organizar uma outra paralisação para o dia

seguinte, somente naquele departamento.

Assim, praticamente todos os funcionários decidiram cruzar os braços e

não foram trabalhar no dia seguinte, ficando combinado um encontro pela manhã

no sindicato. Assim aconteceu. A adesão foi quase total, apenas gerentes,

coordenadores e uns poucos funcionários chegaram bem cedo no BSB, para

exercerem suas atividades rotineiras. Enquanto isso, lá no sindicato, os

funcionários, entre vacilantes e determinados, discutiam entre si e com os

sindicalistas estratégias e táticas possíveis para um desfecho favorável. A

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determinação era enorme, o receio também. Fechou-se a questão com relação a

represálias: se qualquer funcionário fosse demitido, seria deflagrada a greve!

Note-se dessa experiência vivida pelos sujeitos aqui em foco que a ação

habilmente organizada e desencadeada pelo sindicato, num primeiro momento, ao

que tudo indica, foi fruto de um mal-estar de raízes inconscientes dentro daquela

organização, daí a fala de R.G.,

Nós estávamos envolvidos pela situação, não foi pensado ... nós fomos

movidos pelo desejo de lutar pelos nossos direitos... (2003),

Ou ainda, segundo as palavras de M.B.,

Na hora, nós não sabíamos muito bem o que estávamos fazendo,

somente no outro dia é que paramos pra pensar: ‘ E agora?!” (2003).

Um outro indicador favorável a essa proposição nos é dado pelo que

chamaríamos caráter surpresa da ação, pois a insatisfação era visível dentro do

departamento e, num sentido mais amplo, em praticamente toda a organização,

como mais tarde se comprovou. Entretanto, pelo menos no departamento ora

analisado, a ação organizada (paralisação) foi sentida com surpresa, descrença

até, pelos gerentes, coordenadores e pelo próprio diretor, sem falar, é claro, dos

próprios sujeitos da história (os trabalhadores), pois, aparentemente, para os

representantes do Outro (empresa/capital), tudo sempre estivera sob controle,

portanto, não haveria motivo para tal.

Pode-se mesmo notar o caráter surpreendente da ação dos trabalhadores

na reação atabalhoada, desarticulada, quase inexperiente desses executivos, pois

estava mais ou menos evidente que eles não esperavam por um movimento

organizado, sobretudo num momento de mudança tão delicado como a venda do

banco. Muitos dos conflitos internos do departamento (organização), que se

mantinham até então encobertos, pretensamente controlados pelos agentes do

poder, demonstraram a sua face manifesta, “incontrolável”, com uma vazão,

inicialmente, ao mesmo tempo, interna (dentro de cada indivíduo) e coletiva

(quando os indivíduos puderam falar um “nós”) e, posteriormente, a partir da ajuda

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decisiva do sindicato, a instrumentalização (contra-poder) a partir deste potencial

latente, deste desejo, mesmo que inconsciente, de lutar pelos seus direitos.

No momento em que surgiu em uníssono o pronome “nós”, ali estava

delineado o sujeito social como agente privilegiado de transformação sócio-

histórica, isto é, percebemos ali o retorno do sujeito, conforme vimos em Touraine

(1994), primeiro no aspecto subjetivo e, depois, no coletivo ou, de acordo com o

que vimos em Manzini-Covre (1996), a emergência do ser-desejante como a base

do possível ator social.

Uma vez deflagrado o movimento, cabia a esses executivos tentar

contornar a situação com o menor custo “político”, econômico e até de imagem

pessoal possível. Assim sendo, começaram a tomar algumas providências.

Os gerentes e o diretor andavam pelo centro da cidade numa tentativa

desesperada de coagir os trabalhadores a retrocederem, afinal “eles seriam

vistos...”. Mas, eles estavam bem acolhidos pelo sindicato. Um dos trabalhadores

(E.R.) de mais idade do departamento, e aparentemente, um dos mais

conservadores – “às vezes as coisas não são o que parecem ser” – ligou para o

departamento para falar com uma pessoa que foi trabalhar, e esta pessoa, por sua

vez, transferiu a ligação para o gerente da seção, o qual perguntou se ele não iria

trabalhar. O gerente fez a mesma pergunta três vezes, e obteve a seguinte

resposta:

Eu vou aguardar uma posição do sindicato! (2003)

Ainda neste segundo dia de paralisação, o diretor administrativo e o

responsável pelas relações sindicais do banco foram negociar com o sindicato,

porém sem sucesso. Aliás, algo curioso ocorreu nessa negociação. Os

funcionários tomaram conhecimento de que, diante dos representantes sindicais, o

diretor do banco gaguejou muito, demonstrando grande despreparo diante da

situação, talvez porque a ação tivesse aquele caráter inesperado, mencionado

anteriormente. Ficou claro o despreparo e, principalmente, a inexperiência dos

representantes patronais em lidar com a situação, pois parecia que sempre “tudo

estava tão bem no departamento...”, ou que “tudo estava sob controle...” etc.

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Nesse segundo dia de paralisação, ficou decidido em assembléia que, no

dia seguinte (segunda-feira), o sindicato iria paralisar também o prédio da direção

central do banco e o centro administrativo, além do departamento e algumas

agências, inclusive do interior do estado.

Devemos dizer que algo muito interessante aconteceu com um

funcionário, que aliás fora entrevistado e que chamou nossa atenção. Foi o fato

dele dizer que votou contra a paralisação na assembléia no sindicato, e mais, que

ele fora capaz de dizer em público as motivações da sua ação. Evidentemente, os

poucos votos que defendiam a volta ao trabalho foram vencidos e a paralisação

continuou. Porém, F.C., embora tivesse argumentado e votado contra a

paralisação, aceitou a decisão majoritária e engajou-se firmemente no movimento.

Ele foi capaz de agir autonomamente nas duas situações, quais sejam, no seu

voto contra a maioria e na sua adesão voluntária a essa mesma maioria. E, ainda,

reconheceu seu sentimento de medo, preocupação, mas também de expressar-se

autonomamente nas duas situações citadas.

Realmente, F.C. evoluiu muito nesse processo de venda do banco, pois o

sofrimento pelo qual passou foi muito intenso, doloroso, e pouco compartilhado,

mas, a partir do momento em que conseguiu reelaborar esse sentir, passou a sair

daquela passividade, e foi capaz de agir autonomamente, de decidir por si mesmo.

Houve aí, no nosso entender, aquilo que Castoriadis (1982) denomina

autonomia, “que não quer a eliminação do discurso do outro, mas sua

elaboração”. Esse trabalhador readquiriu mesmo certa potência de vida, a

condição sine qua non para existir o ser desejante que é, segundo Manzini-Covre

(1996,p.97), o cadinho do possível sujeito das práticas sociais.

Como acordado e decidido em assembléia, na segunda-feira tudo estava

parado. A disposição de luta destes trabalhadores pelos seus direitos era muito

grande, maior do que o medo. Aparentemente, o movimento foi tão bem articulado

e executado que a direção BSB foi obrigada a negociar com o sindicato em bases

mais concretas e sérias, de modo que as reivindicações dos trabalhadores bem

como as contra-propostas do banco foram explicitadas.

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Enquanto isso, ficou acertado dentro do grupo insurgente que, no dia

seguinte pela manhã, todos os funcionários deveriam encontrar-se no sindicato

para avaliar as propostas e decidir se as aceitariam ou não e, portanto, se

voltariam ao trabalho. Então, neste dia, decidiu-se pela volta ao trabalho, uma vez

que a proposta fora aceita pelos trabalhadores.

Poderíamos finalizar esse assunto, considerá-lo encerrado, pois tudo

havia sido acertado; porém, provavelmente, as coisas nunca mais seriam as

mesmas naquele departamento. De certa maneira, essas pessoas “fizeram

história”. Tinham a dimensão de seus direitos e deveres, se fizeram seres-

desejantes e, no aspecto coletivo, sujeitos sociais, isto é, personagens

privilegiados da construção cotidiana de uma cidadania ativa, viva, transformadora

- lutaram por seus direitos, deixaram a passividade e organizaram-se para mudar

aquela realidade.

De fato, abriu-se uma nova etapa no relacionamento humano para as

pessoas desse departamento, tanto dos trabalhadores entre si, quanto destes com

os representantes do Outro (gerentes, coordenadores etc.).

Por meio de declarações posteriores ao movimento, portanto, já com os

trabalhadores exercendo suas atividades dentro da organização, muitos deles

acenavam para certo “clima” estranho, tenso, que “pairava no ar”, pois a maioria

dos gerentes simplesmente não estava conversando com os funcionários. Talvez

se sentissem ofendidos, traídos, ou simplesmente representavam estar do lado da

empresa. De todo modo, em qualquer situação aventada, os gerentes

demonstraram ser indivíduos bastante distanciados de si mesmos, apartados de

si, “robotizados” (Manzini-Covre, 2003, p.77), para não dizer pouco eficientes /

eficazes funcionalmente.

Entretanto, talvez, tudo não passasse de uma tática de comando (Dejours,

1992, p.75) para desestabilizar emocionalmente os trabalhadores, ou seja, para

elevar a tensão, a incerteza, o medo, a insegurança, de modo a “quebrar” a

tenacidade, vontade, desejo, esperança desses sujeitos. Em outros termos, talvez

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fosse uma tentativa de criar uma ansiedade resultante da “cara feia do chefe”

(idem).

Todavia, como já dito, provavelmente nada será como antes, pois as

pessoas, de algum modo, imbuídas de certa consciência prática, são

minimamente capazes de refletir sobre os acontecimentos e de tomar posições e

caminhos variados diante da realidade, conforme o alcance do conhecimento que

os atores possuem de sua condição ou de sua experiência (Giddens apud

Sévigny, 2001, p.30).

Contudo, ainda nos resta uma questão a ser debatida. Qual a real

motivação que levou à paralisação desses trabalhadores? Diferentemente de

outras vezes – quando também havia grande descontentamento – o desfecho

desta vez tomou outro rumo. Os trabalhadores lutaram e venceram. Portanto,

além da paralisação, que por si mesma já é extremamente significativa, aguça-nos

a curiosidade as motivações que levaram esses trabalhadores a rebelarem-se, a

saírem de certa passividade diante da situação e a lutarem por seus direitos.

Enfim, o que significou para eles esse ato de insubordinação, de liberdade?

Trabalhamos com algumas possibilidades que, conjunta ou

individualmente, comporiam o impulso criativo desses sujeitos. São elas: 1) o não

pagamento da participação nos resultados; 2) a atitude negligente e presunçosa

da gerência/direção em relação à demanda dos trabalhadores; 3) a venda do

banco; 4) a deterioração do relacionamento entre a gerência/chefia e os

subordinados; 5) a melhor qualificação dos trabalhadores. Assim, cabe determo-

nos um pouco sobre esses possíveis elementos que levaram à insubordinação.

Inicialmente, parece-nos óbvio que o fato de não ter sido reconhecido o

esforço e o empenho do grupo para atingir as metas - pelo menos num primeiro

momento – pode ter sido um fator importantíssimo para esse acontecimento.

Assim, é mais do que natural que os funcionários reclamassem e se revoltassem.

Entretanto, no nosso modo de ver, embora este seja o fator mais aparente / visível

de todos, é ainda insuficiente para determinar a ação coletiva e mesmo de cada

indivíduo,

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Então, da revolta inicial, passa-se para uma tentativa ingênua de

negociação interna, isto é, por meio de uma conversa entre uma “comissão de

funcionários” e a gerência do departamento. Como seria de se esperar, a tentativa

interna mostrou-se infrutífera, porém, serviu para aumentar o mal-estar já

instalado há muito tempo naquela parte da organização. Porém, mesmo assim,

tampouco poderíamos afirmar que esse fator seja o determinante, uma vez que,

também, esta era uma situação recorrente.

Como terceira possibilidade, temos a concretização da venda do banco.

De fato, esse era um componente novo em relação aos anos anteriores (pelo

menos os três últimos), quando apenas especulava-se sobre essa possibilidade.

Portanto, agora havia um componente concreto / objetivo que interferiu muito na

subjetividade do grupo. O simples fato de mudança de status da instituição em

relação ao ano anterior pode ser, no nosso entendimento, um indicativo de algo

novo, por exemplo: muitos trabalhadores que aderiram à paralisação justificavam-

se dizendo que,

O banco foi vendido mesmo, portanto, já que nós, provavelmente, seremos

demitidos, iremos atrás dos nossos direitos... (M.B.)

Ou ainda,

Não temos nada a perder... (R.G.)

A partir de tais dizeres – que poderíamos quase denominar “camicases” -

essa disposição de lutar pelos direitos, naquele momento, passou a fazer parte do

caminho futuro daqueles indivíduos. Portanto, a idéia não era “aniquilar o outro

aniquilando-se”; ao contrário, era continuar vivo para lutar, com todas as

dificuldades decorrentes do ato de viver. Para completar esse ponto, diríamos que

a potência de vida demonstrada nessa paralisação a transcende, podendo repetir-

se em ocasiões futuras, em outras lutas; talvez seja mesmo o prenúncio de uma

futura próxima “batalha”.

A quarta possibilidade tem a ver com o tipo de sugestão exercida pela

maioria dos gerentes e coordenadores do departamento. E, por sugestão,

entenda-se a maneira pela qual a chefia busca o comprometimento ou o controle

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dos funcionários, podendo esta ser mais impulsiva/repressora ou mais

persuasiva/”democrática” (Manzini-Covre, 2003, p.94-96).

Nesse departamento, já há muito imperava um tipo de sugestão mais

voltada para um controle rígido, principalmente com relação às regras de trabalho,

“suavizadas” por uma suposta liberdade de expressão para “criticar

produtivamente” o processo de trabalho, o que, na verdade, nada mais era do que

mais um mecanismo de controle dos funcionários, pois na medida em que

acreditavam que existia esta pretensa liberdade, ocorria, sim, a adesão deste

funcionário à ideologia da empresa, ligada à idéia de qualidade total,

comprometimento, participação, “vestir a camisa” etc..

Porém, não podemos esquecer que esse processo não é absoluto.

Técnicas específicas de comando, como por exemplo, as técnicas de

discriminação (Dejours, 1992, p.75-76) eram bastante utilizadas pelas gerências,

de modo que a ansiedade daí gerada pudesse ser amplamente focalizada para o

aumento da produtividade e, também, para possuírem o máximo de informações

possíveis a respeito dos funcionários, de modo que tivessem o máximo de

controle sobre os mesmos. Ainda neste ponto, vale dizer que essas técnicas de

discriminação visavam também dividir os funcionários, atomizá-los, enfraquecê-los

coletivamente, porém, no limite entre o deslocamento da questão do conflito do

poder e o não comprometimento da produtividade e a rentabilidade (idem).

Cabe salientar, ainda, que essa atmosfera psicossocial não é nada

incomum nos serviços de escritório, muito pelo contrário, esta é a regra. Todavia,

mesmo esse importante e eficaz instrumento manipulatório, com o tempo, dá

mostras de enfraquecimento junto ao grupo. Ou melhor, alguns indivíduos, aos

poucos percebem, e mais, compreendem as razões de ser desssas técnicas,

passando a “jogar” com elas. Então, aliada a uma postura auto-suficiente da

chefia, esse processo de percepção das táticas de comando proporciona espaços

possíveis de liberdade, o que chamaríamos espaços de manipulação inversa. Por

exemplo: se o trabalhador consegue perceber que a delação, a fofoca, a rivalidade

são ações estimuladas pelas chefias imediatas e intermediárias, ele pode

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cinicamente “fazer o jogo” a partir de outros interesses. Nessa direção, ainda,

pode-se estabelecer um outro tipo de relacionamento com o grupo, criando-se,

assim, certa “rede informal” de disputa pela informação. Talvez esse fator

relacionado ao tipo de relacionamento organizacional seja um veio mais próspero

para apreendermos as motivações da revolta.

Por fim, atribuímos também a uma melhor qualificação (nível educacional)

do grupo um outro fator relevante para essa tomada de posição, pois a maior parte

desses trabalhadores possui nível superior completo, e muitos mesmo cursavam

pós-graduação em várias áreas, principalmente na área administrativa. Assim,

nada mais natural que o grupo, aos poucos, resistisse a aceitar mensagens

simplórias com vistas à manipulação e controle.

Esse relato pode não significar muito para as pessoas que não estavam

diretamente envolvidas na situação, porém, para aqueles indivíduos, para aquele

grupo, certamente será um momento inesquecível, pois ficará na memória como

parte constituinte de sua história individual e coletiva, como bem disse um dos

integrantes do movimento,

Nós fizemos história neste banco... (M.B., 2003).

E, mais, essa experiência vivida por esse grupo serviu, no mínimo, para

mostrar que mesmo os segmentos sociais mais subalternizados podem ter certo

poder, mas, para isso ocorrer, é essencial que seja experimentado certo

sentimento de poder pelos indivíduos, de modo que, a partir daí, sua ação faça

sentido.

Essa luta, consubstanciada temporalmente no cotidiano e sentida, num

primeiro momento, nas subjetividades dos indivíduos, pode ser, como de fato foi,

uma demonstração de resistência aos investimentos libidinais dominantes

(Guattari, 2000), ou ainda, um ato de liberdade, de criatividade, de potência de

vida, um momento mesmo em que o sistema social se sobrepôs ao sistema de

ação (Lévy, 2001).

E mais, ao nosso ver, ali se impôs o imaginário motor sobre o imaginário

enganador que nos fala Enriquez (1997), além de se estabelecerem relações de

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poder contrárias e conflitantes ao poder estruturante, para estarmos numa

perspectiva foucaultiana. Em uma palavra, fizeram-se seres-desejantes e, daí,

saltaram para um patamar de embate sócio-político que consubstancia a esfera da

cidadania, da luta por direitos.

Enfim, fizeram “história”! Pois esta é a sensação que tiveram. Ou, ao

menos, adquiriram a experiência e, porque não dizermos, a consciência de sua

presença no campo social e político, de direitos e práticas cotidianas, de

interesses imediatos e sonhos futuros, formando assim uma narrativa histórica, e

que, portanto, conforme as palavras de Marilena Chauí, no prefácio da famosa

obra de Éder Sader “Quando novos personagens entraram em cena”, o conjunto

dessas experiências “lhes dá a dignidade de um acontecimento histórico” (1988, p.12).

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Conclusão

Podemos considerar que os homens, de uma maneira geral, buscam certa

segurança, estabilidade, previsibilidade em relação ao futuro, o que pode ser

conseguido a partir de uma ação atributiva de sentido.

Mas como ser capaz de atribuir sentido, se a dinâmica de muitas

mudanças imprimem, muitas vezes, uma sensação de não-sentido? Dessa crise

de sentido, aqui denominada mal-estar ou sofrimento, podem decorrer muitos

problemas para os indivíduos, grupos, organizações, os quais, por outro lado,

podem trazer novas possibilidades de avanço. Então, como fazer isso? Através da

elaboração desse sentir, sendo que desse processo pode vir a emergir o ser-

desejante, que é o possível agente de uma cidadania-em-constituição (Manzini-

Covre, 1996).

Ressaltamos, então, algumas conclusões do presente trabalho.

Inicialmente, constatamos que o banco tomado como objeto de análise (ou parte

dele) encontra-se, pelo menos até o período do término da coleta de dados em

campo, num momento de reestruturação, melhor dizendo, de mudança profunda,

pois é bastante desestruturador ouvir durante alguns anos o boato de que “o

banco vai ser vendido...” e, em seguida, constatar a situação já consumada. Alívio

para uns, desespero para outros.

Mas não é só isso. Além do banco em si, o próprio setor financeiro

brasileiro passou ou ainda passa por um período de reestruturação interna e

externa, como pudemos verificar anteriormente com a análise dos aspectos

estruturais da mudança. Conseqüentemente, verificamos uma situação de crise

dentro da organização – em alguns momentos mais intensa e em outros menos –

tanto relacionada à questão interna (quebra de papéis, quebra de autoridade,

“motivação disfuncional”, perda de qualidade, apatia funcional, insegurança,

medo, desconfiança etc.), quanto à certa vulnerabilidade em relação ao ambiente

externo (que tem a ver com a questão concorrencial).

Diante desse quadro, e explorando um pouco mais os aspectos objetivos

da mudança dentro da organização, em muitas ocasiões (“greve”,

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insubordinações etc.), constatamos claramente um estremecimento das relações

de dominação, bem como dos papéis e mesmo das funções que ali estavam

sedimentadas, já havia tempo.

Houve evidentemente uma situação crítica, de irrupção de sentimentos

represados, sufocados, despercebidos até. Dizermos isso baseados,

principalmente, na experiência da construção da “greve” pelos atores sociais e

das conseqüências (o dia-a-dia na empresa) daí decorrentes. Entretanto, do

mesmo modo que ocorreu tal estado de coisas, também ocorreram ações num

sentido de restabelecimento das relações de dominação, como por exemplo a

“demissão ritualística” de importantes gerentes do setor, seguida da reafirmação

do novo poder personificado no novo chefe, portador de uma autoridade e de um

poder renovados, evidenciados e reconhecidos pela maioria.

Mas não é só isso; mesmo com toda essa questão de (re)legitimação da

autoridade e, portanto, de reestruturação de uma nova relação de dominação,

pudemos verificar, através da relação do grupo com o discurso institucional /

gerencial, que os componentes do mesmo ligavam-se de três maneiras básicas

com o segundo: 1. através da recusa do discurso sem racionalizá-lo

suficientemente; 2. através de uma racionalização e da apropriação do discurso

de acordo com interesses próprios; 3. através de uma aceitação mais ou menos

passiva, dependendo da confrontação entre o discurso e certos valores pessoais

profundos.

Daí decorre que o discurso institucional / gerencial (com objetivos de

dominação física e moral) esbarrou – como de fato esbarra constantemente – em

algumas dificuldades de cunho subjetivo para concretizar-se, pois não é possível

controlar absolutamente como e quando, em maior ou menor grau, os indivíduos

individual e coletivamente reagirão a tal assédio.

Já num outro ponto, que tem mais a ver com os aspectos subjetivos da

mudança, e com base nos dados empíricos coletados, notamos que os indivíduos

do grupo se ligaram à organização através de dois laços básicos, denominados

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“segunda família” e “sobrevivência”, podendo haver algumas variantes pouco

representativas estatisticamente, como o “nostálgico” e o “ambiental”.

O laço de sobrevivência mostrou-se como o mais representativo, tornando

evidente a dependência dos indivíduos do grupo em relação a certa segurança

material no suprimento das necessidades humanas; porém percebemos, de

maneira mais sutil, certo sentimento de insegurança contido numa preocupação

decorrente de incertezas no meio de sobrevivência. Essa preocupação, de acordo

com a nossa observação, não era tão aguda antes do processo de mudança em

curso. Já no segundo caso, percebemos certa tristeza em relação a essa

“segunda família”, pois ela já não correspondia mais às expectativas.

No primeiro caso, há uma tendência para um aprofundamento dos laços

de dependência do indivíduo para com a organização, que, por sua vez, poderá

aproveitar ou não a oportunidade para imprimir novas dinâmicas de exploração e

dominação; e no segundo caso, há um ressentimento embutido na forma como os

indivíduos encaram a sua relação com a organização, o que pode levá-los a

procurar uma outra “segunda família”.

Ainda no tocante à questão subjetiva, buscamos compreender como os

indivíduos sentiram intimamente o processo de venda do banco. Obtivemos

quatro correntes básicas de afetação, quais sejam: 1. sentimento “medo e

confiança”; 2. sentimento “insegurança”; 3. sentimento “melancólico”; 4.

sentimento “ressentido”.

No primeiro caso, prevalece certo sentimento de confiança de

permanência, isto é, de continuar trabalhando na nova estrutura. Já no grupo dos

“inseguros”, há uma maior preocupação em relação ao futuro, gerando incerteza,

um pouco de medo até; contudo, em algum momento, os componentes do grupo

realizam um “cálculo” vagaroso acerca dos riscos internos e externos. O terceiro

grupo vive mais do passado do que do presente, o que dificulta, de algum modo,

uma visão do futuro. Por fim, o quarto caso apresenta como característica

marcante os sentidos de traição, desejo de vingança e até indiferença. Entre

todas essas correntes, a que prevalece é o “medo e confiança”, o que indica um

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sentido mais adaptativo dos membros do grupo em relação à nova realidade, ou

seja, oferecem menor resistência à mudança.

Outro ponto importante que observamos na questão subjetiva tem a ver

com o sentido da palavra mudança pelo grupo. Aqui apontamos três correntes

básicas: 1. corrente otimista; 2. corrente desconforto; 3. corrente esforço-

necessidade.

O primeiro caso caracteriza-se por privilegiar possíveis aspectos positivos

da mudança em detrimento dos efeitos deletérios da mesma, ou simplesmente

encaram a realidade e o futuro como querem e não como efetivamente são. O

segundo caso apresenta como traço marcante certa dificuldade, um desconforto /

mal-estar, em aceitar a nova situação. Já o terceiro apresenta-se mais como um

esforço pessoal necessário, compulsório até, que a situação lhes impõem. De

todas essas correntes, a que se destaca é a otimista, o que, na nossa visão, é

extremamente útil para os que conduzem o processo de mudança, uma vez que,

neste caso, o senso crítico é arrefecido ou negligenciado, para dar lugar a um

otimismo muitas vezes crédulo.

Para finalizarmos a questão subjetiva, procuramos compreender como o

grupo lidava com o possível mal-estar gerado diante do processo de mudança.

Obtivemos três correntes básicas: 1. os que buscam ajuda; 2. os que se fecham

em si mesmos; 3. os que não querem complicação.

O primeiro grupo apresenta como traço marcante um compartilhamento

do mal-estar, ou seja, buscam a relação com outras pessoas (amigo, cônjuge,

pai/mãe, terapeuta, médico, padre etc); o segundo grupo possui como traço

distintivo um intenso processo de auto-reflexão, de introspecção, de forte conflito

interno; por fim, o terceiro grupo é representativo de uma atitude

“despreocupada”, displicente em relação aos conflitos internos, ao mal-estar.

Dos grupos acima, o que prevalece é o primeiro, ou seja, “os que buscam

ajuda”, e, ao nosso ver, essa é uma boa estratégia, se assim podemos chamá-la,

pois, ao mesmo tempo em que há um pedido ou uma busca por apoio, ocorre o

estreitamento / aprofundamento de alguns laços sentimentais e até mesmo

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sociais entre os indivíduos, aumentando, portanto, a confiança e a segurança

destes em relação a si mesmos e ao seu meio.

Diante de tudo o que vimos e discutimos, podemos concluir que a

mudança ocasionou, em muitos aspectos (negação, passividade, atitude

displicente, desorientação etc.), uma carga muito grande de mal-estar para o

grupo, tomando a dimensão, em várias ocasiões, de uma autêntica crise de

sentido.

Entretanto, há que se ter o cuidado de dizer, também, que não somente o

grupo fora acometido por tal crise, a própria organização apresentou traços,

muitas vezes, de desorientação, disfuncionalidade, ineficiência, desorganização.

Contudo, no caso da organização, as saídas para tal situação passavam, como

de fato passaram, por lidar eficazmente com o mal-estar gerado no grupo, não no

sentido de buscar sua extinção, mas de manipulá-lo.

Já o grupo, em suas variadas formatações, pôde, em inúmeras

oportunidades, buscar saídas à sua crise de sentido. É provável que, na maioria

das situações vividas, o inconsciente tenha operado fundo na vida do grupo

dentro da organização e, talvez, o exemplo mais evidente disso tenha sido a

deflagração da “greve”, na qual os atores sociais estavam agindo, mas não

tinham consciência clara de suas motivações. Mesmo assim, foi possível pontuar

o ser desejante como o elemento fundamental de certa cidadania em construção

(Manzini-Covre, 1996).

Por fim, ressaltamos que os indivíduos do grupo conseguiram, em alguns

momentos, estabelecer algum nível de elaboração do mal-estar ali instalado, o

que foi / é essencial para a emergência do sujeito individual e coletivo,

transformador da história no cotidiano.

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