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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO - MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL – GRUPO DE TRABALHO DE MINERAÇÃO NOTA TÉCNICA Proposição: Medida Provisória n. 791/2017 – cria a Agência Nacional de Mineração (ANM) Senhores Parlamentares, I. Antecedentes. O Grupo de Trabalho de Mineração, criado na 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a qual detém atribuições nas matérias de proteção ao meio ambiente e patrimônio cultural, foi instituído por meio da Portaria 4ª CCR nº 7, de 10 de maio de 2013. Um dos objetivos originais do Grupo de Trabalho de Mineração consiste no acompanhamento das discussões, junto aos Poderes Executivo e Legislativo, do novo marco legal da mineração no país. Ao tempo da tramitação do Projeto de Lei n. 5807/2013, ao Grupo de Trabalho de Mineração coube avaliar a proposta encaminhada, bem como os substitutivos que sobrevieram na tramitação legislativa, oferecendo à Câmara dos Deputados sugestões de aperfeiçoamento do Assinado digitalmente em 20/10/2017 12:58. Para verificar a autenticidade acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 1A9489BF.7A770FDA.F505B740.350A0726

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4ª CÂMARA DE … · O art. 4º, II determina a possibilidade de que as normas e padrões para a exploração mineral envolvam a aplicação de “melhores

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

- MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL – GRUPO DE TRABALHO DE MINERAÇÃO

NOTA TÉCNICA

Proposição: Medida Provisória n. 791/2017 – cria a Agência Nacional de Mineração(ANM)

Senhores Parlamentares,

I. Antecedentes.

O Grupo de Trabalho de Mineração, criado na 4ª Câmara de

Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a qual detém atribuições nas

matérias de proteção ao meio ambiente e patrimônio cultural, foi instituído por meio da

Portaria 4ª CCR nº 7, de 10 de maio de 2013.

Um dos objetivos originais do Grupo de Trabalho de Mineração

consiste no acompanhamento das discussões, junto aos Poderes Executivo e

Legislativo, do novo marco legal da mineração no país. Ao tempo da tramitação do

Projeto de Lei n. 5807/2013, ao Grupo de Trabalho de Mineração coube avaliar a

proposta encaminhada, bem como os substitutivos que sobrevieram na tramitação

legislativa, oferecendo à Câmara dos Deputados sugestões de aperfeiçoamento do

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texto sob o enfoque, sobretudo, da proteção ao meio ambiente.

Essa estratégia foi reforçada após os acontecimentos de 5 de

novembro de 2015, com a ruptura de barragens de contenção de rejeito de mineração

da Samarco em Mariana/MG, acarretaram e ainda vêm acarretando danos ambientais,

socioeconômicos e ao patrimônio cultural, materiais e morais, numa escala sem

precedentes no Brasil. Prejuízos incalculáveis foram impostos à coletividade situada

nos territórios da bacia hidrográfica do Rio Doce, levando ao detido tratamento pelo

Ministério Público Federal, por meio de membros que integram Força-Tarefa

especialmente constituída para tal finalidade, manejando, para tanto, medidas judiciais

e extrajudiciais de vasto escopo.

Após anos de debate no Congresso Nacional e sem sucesso na

tramitação do projeto de lei antes citado, sobreveio, em julho último, a edição de três

Medidas Provisórias, todas dedicadas a alterar, topicamente, dispositivos constantes da

legislação minerária. Em razão disso, o Grupo de Trabalho de Mineração, respaldado

pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, retoma a sistemática de apresentar ao

Congresso Nacional a posição institucional do Ministério Público Federal em face de

medidas legislativas que passam a ser discutidas nessa Casa. O Grupo de Trabalho de

Mineração atua, no caso, na perspectiva de colaborar para a atualização da legislação

setorial de importante atividade econômica para o país e de oferecer soluções para que

sua implementação se dê em harmonia com a legislação socioambiental, inclusive no

intuito de reduzir as possibilidades de que ocorrências similares à verificada em

Mariana se reproduzam no futuro.

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Este documento objetiva analisar, ainda que de forma bastante

sintética, o teor da proposição legislativa que cria a Agência Nacional de Mineração,

bem como propor, ao final, possíveis aprimoramentos a serem incorporados durante

sua discussão no Parlamento.

II. A Medida Provisória nº 791/2017

O GT Mineração, nas várias notas técnicas e intervenções que

apresentou durante a tramitação do projeto de lei de novo marco regulatório da

mineração, sempre se posicionou favoravelmente à criação da Agência Nacional de

Mineração (ANM), substituindo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),

razão pela qual a essência da Medida Provisória em comento encontra-se alinhada com

a percepção do Grupo acerca da necessária modernização da legislação minerária no

país – o que passa pelo aperfeiçoamento e reforço da estrutura da Administração

Pública que terá o munus de regular o setor.

Pode-se afirmar que o regime jurídico das agências reguladoras

traz, ao menos em tese, mais independência para o órgão e reduz a susceptibilidade a

interferências políticas, as quais, em maior ou menor grau, sempre estiveram presentes

no DNPM. Sob esse ângulo, a busca por reduzir a permeabilidade dos processos

decisórios a injunções alheias aos aspectos de ordem técnica consta da exposição de

motivos da Medida Provisória, no sentido de que a “instituição de um regime jurídico

especial que a caracteriza tem por escopo preservá-las de ingerências estranhas ao

domínio técnico, em especial no processo de tomada de decisões e nas atribuições de

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fiscalizar a ação dos particulares na prestação de serviços públicos ou na gestão de

bens públicos”.

Ainda sobre a modulação da nova estrutura organizacional como

Agência, outras características inerentes a esse arranjo também mostram-se positivos,

como a previsão de mandato fixo e não coincidente para diretores (art. 10); a assunção

precedida de sabatina pelo Senado Federal (art. 9, §3º); o estabelecimento de

pressupostos negativos para acesso a cargos da Diretoria (atuação político-partidária,

vinculação com instituições ligadas a atividades reguladas pela Agência, pessoas em

situação de conflito de interesse e outros, art. 12) e o estabelecimento de quarentena

para dirigentes após o término do mandato (art. 11). Quanto ao tema da quarentena, a

previsão de 6 meses, embora pareça pequena, é maior do que aquele previsto na Lei nº

9.986/2000 – que dispões sobre as agências reguladoras em geral –, que é de 4

meses.

A dinâmica de produção dos atos da Agência também observa o

perfil que foi conferido às suas congêneres, com a observância da ampla publicidade e

participação no processo regulatório, com previsão de realização de audiências ou

consultas públicas quando da edição de normas que afetem os agentes do setor (arts.

17, 18, IV e 20, §3º), assim como no processo decisório, com ampla publicidade das

sessões deliberativas da Diretoria (art. 19).

No que tange às competências da ANM com o enfoque ambiental,

tem-se que foram mantidas aquelas estabelecidas para o DNPM, notadamente no

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disposto no art. 4º, XXII da Medida Provisória:

“Art. 4º Compete à ANM:

[...]

XIII – normatizar, orientar e fiscalizar a extração e coleta deespécimes fósseis a que se referem o inciso III do art. 10 doDecreto-Lei nº 227, de 1967 - Código de Mineração, e o Decreto-Lei nº 4.146, de 4 de março de 1942, e adotar medidas para apromoção de sua preservação;

[…]

XXII – estabelecer normas complementares relativas à higiene, àsegurança e ao controle ambiental das atividades de mineração efiscalizar o seu cumprimento, em articulação com os demaisórgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, pelasegurança e pela saúde ocupacional dos trabalhadores;

[…]”

Ainda no que tange aos poderes normativos conferidos à ANM,

percebe-se que o cerne dos avanços estabelecidos pela Medida Provisória encontra-se

em previsões dos arts. 4ºe 18 daquele ato, as quais estão em consonância com

observações apresentadas pelo GT Mineração ao longo das discussões legislativas

sobre o novo marco legal da mineração.

O art. 4º, II determina a possibilidade de que as normas e padrões

para a exploração mineral envolvam a aplicação de “melhores práticas da indústria de

mineração”. Tal previsão abre espaço ao estabelecimento de diretrizes de observância

compulsória pelo setor minerário quanto à adoção ou vedação de determinados

procedimentos para a atividade, como a forma de acumulação rejeitos e estéril durante

o processo produtivo – tema que ganha nítida projeção a partir do desastre da

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barragem de Fundão – e o reaproveitamento desse material noutros processos

produtivos. O dispositivo é essencial para que o incremento da exploração de

substâncias minerais no país dê-se de forma ordenada e, sobretudo, atenta às novas

soluções tecnológicas nacional e internacionalmente disponíveis no cenário atual.

No âmbito da atividade fiscalizatória, também constata-se o reforço

quanto à previsão de instrumentos à disposição do regulador para lidar com situações

recorrentes no cotidiano do DNPM, consistente na interdição de estabelecimentos

clandestinos ou operando fora dos limites (territoriais, quantitativos e/ou qualitativos) do

título minerário concedido.

Nessas situações, a interdição usualmente ocorre associada à

apreensão de produtos de exploração ilícita, surgindo embaraços operacionais quer na

hipótese de guarda pelo infrator como fiel depositário, quer no caso de remoção e

guarda pelo Poder Público. Dos termos do art. 18, II, V e parágrafo único da Medida

Provisória extrai-se o potencial aumento da agilidade e da simplificação nos

procedimentos de arrecadação e alienação de bens.

Outro avanço essencial na disciplina de atuação do regular

encontra-se no art. 18, III da Medida Provisória, segundo o qual disporá a ANM sobre

“hipóteses e critérios para a apresentação de garantias financeiras ou a contratação de

seguros para cobertura dos riscos de atividades minerárias”.

O GT Mineração já trouxera ao Congresso Nacional densa nota

técnica sobre a urgente e primordial necessidade de atualizar as normas brasileiras

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sobre o sistema de recuperação ambiental das áreas degradadas pelo minerador e,

ainda, quanto à distribuição do risco do negócio, fazendo-o em sintonia com as

legislações das principais nações mineradoras, tais como Canadá, Estados Unidos,

Austrália e Chile, entre vários, além da União Europeia.

No tocante à criação de mecanismos de garantias para assegurar

que ao final da exploração da área o minerador promova a recuperação ( lato sensu)

ambiental a que está constitucionalmente compelido, o Grupo apresentou, então, as

seguintes considerações:

“IV. O problema da recuperação ambiental de áreas mineradas.

A experiência brasileira demonstra imensasdeficiências quando se avalia a efetividade das normas protetivasdo meio ambiente no setor minerário. Poucos são os casos em queos danos ambientais são recuperados ao cabo da operação docomplexo minerário. Segundo Regina Foschini, Cristiane Ribeiro eNemésio Salvador, as estimativas apontam para “mais de 100milhões de hectares de solo degradado no Brasil”1, partedecorrente de passivos de mineração.

Na rotina dos serviços de fiscalização deórgãos ambientais e do DNPM e na atuação cotidiana do MinistérioPúblico é comum detectar empreendimentos mineradores queviolam ou violaram os requisitos ambientais mínimos, gerandopassivos ambientais durante sua atividade que acabam eternizadosapós a cessação definitiva da operação.

O Departamento Nacional de Produção Mineraljá reconhecia, há mais de uma década, que a geração de passivosde mineração era uma realidade e um problema a ser enfrentado,

1 in Legislação ambiental sobre recuperação de áreas degradadas pela exploração de minérios e o usodo mecanismo da caução. Disponível em <http://www.ambiente-augm.ufscar.br/uploads/A2-152.pdf>.Acessado em 20 de novembro de 2015.

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dado o descumprimento da Norma Reguladora de Mineração –NRM 20, dedicada a definir os procedimentos do empreendedorpara promover o fechamento definitivo da mina.

[…]

Inúmeros estudiosos do tema apontam queuma das principais chaves do êxito na recuperação ambiental dasáreas degradadas por mineração reside na produção e naexecução tempestiva e integral dos planos de fechamento de mina,devendo ser tecnicamente consistentes e contemplando um planoeficiente de recuperação de área degradada. Além disso, éimprescindível que haja apresentação de garantias, peloempreendedor, antes mesmo de iniciado o empreendimento, para oimplemento das ações inerentes ao fechamento de mina. Sinalizamque a legislação sobre o tema é incapaz de permitir avanços nosetor e indicam a necessidade de aperfeiçoamento na exigibilidadedesses planos, na imposição de garantias à sua efetivação e,ainda, no adequado monitoramento da execução pelos órgãoscompetentes.

José Cruz do Carmo Flores argumenta que “ofechamento da mina é uma questão inevitável, consequência diretada natureza finita e não-renovável das jazidas. Dentro do conceitode responsabilidade social e ambiental da mineração, insere-secomo uma nova fase do projeto mineiro”, orientado primordialmenteà recuperação socioambiental do local, de forma possibilitar, aotérmino do processo, “o uso produtivo sustentável das áreasrecuperadas, acordado previamente entre todos os agentesenvolvidos no processo.”

Para o pesquisador, “sob a modernaconcepção do projeto de mineração, o fechamento de mina vem-serevestindo de importância crescente, frente às exigências legais depreservação do meio ambiente, assim como as exigências – cadavez maiores – das comunidades que recebem, diretamente, tantoos impactos positivos, quanto os impactos negativos dosempreendimentos mineiros2.

Na mesma linha, Eliane Poveda constata que oPlano de Fechamento de Mina é “considerado globalmente pelos

2 idem, p. 13

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especialistas do setor mineral como um indicador desustentabilidade para a mineração, porque por ele são calculadosos custos ambientais, sociais econômicos desde o início doempreendimento.”3 Instrumento valioso que deve ser “analisado,controlado e fiscalizado não somente pelo órgão federal, quando desua apresentação em conjunto com o Plano de AproveitamentoEconômico – PAE da jazida, mas também subsidiar olicenciamento ambiental da atividade minerária”, o que leva àobrigatoriedade de considerar a desativação do empreendimentodesde a sua concepção. Propõe, para tanto, a criação de umaderradeira fase do licenciamento ambiental, a Licença deDesativação4.

Ana Taveira anota que, como a fase defechamento de mina é evento certo na vida do empreendimentominerário, “há necessidade de se estabelecer atitudes preventivasque permitam o seu adequado planejamento e inclusão nosobjetivos da empresa”5.

Regina Foschini, Cristiane Ribeiro e NemésioSalvador, enfim, lembram que “ainda hoje se vêemempreendedores abandonando a área minerada ou implantandomedidas ineficazes e insatisfatórias para o adequado fechamentode mina, por não terem recursos financeiros suficientes, uma vezque na fase de fechamento não há mais geração de receita e nãose fez, durante a operação do empreendimento, uma provisão derecursos”6, o que remete ao problema capital de prever recursos eestabelecer, antecipadamente, garantias financeiras para tal.

A falta de instrumentos jurídicos e econômicospara obter do minerador a execução de um plano de fechamentode mina, com recursos provisionados para tanto, alia-se a outrofator de risco que exige séria atenção das instânciasgovernamentais. É que, além dos passivos ordinários da atividade

3 in A licença de desativação de empreendimentos minerários como instrumento de prevenção depassivos ambientais. Meio Ambiente e Acesso à Justiça: flora, reserva legal e APP, orgs. AntônioHermann Benjamin, Eladio Lecey , Silvia Capelli. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de SãoPaulo, 2007, p. 214. Disponível em<http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20140212142900_2726.pdf>. Acessado em19 de novembro de 2015.

4 idem, ibidem5 in Provisão de Recursos Financeiros para o Fechamento de Empreendimentos Mineiros. São Paulo

2003, p. 3. Disponível em <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3134/tde-25062004-125720/pt-br.php>. Acessado em 18 de novembro de 2015.

6 op. cit., p. 2.

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minerária, efeito lógico da operação de empreendimentos mineiros,existe uma vasta gama de desdobramentos inesperados quepodem resultar ou não da violação de deveres de zelo peloexplorador da atividade.

São eventos futuros e incertos, estranhos àlinha de acontecimentos que ordinariamente se sucedem nodesenvolvimento do complexo minerário e para as quais deve oempreendedor estar preparado de forma contingente, porque orisco é inerente ao negócio que conduz. Os fatos ocorridos emMariana/MG em 5 de novembro de 2015, com a ruptura debarragem e lançamento de milhões de toneladas de rejeito emcursos d'água da bacia do Rio Doce, apontam o potencial deimpacto de atividades de mineração por eventos que fogem àsações previamente estabelecidas num plano de aproveitamentoeconômico.

Em cenários como esse, acentua-se adificuldade de garantir recuperação das áreas degradadas, dada apossibilidade de que o empreendedor sequer tenha capacidadefinanceira imediata para fazer face às ações de neutralização doevento danoso, tornando mais improvável a produção dediagnóstico, plano de ação e a execução das medidas de médio elongo prazos de revitalização ambiental, quando em grandeextensão ou maior complexidade.

V. A transferência dos custos de recuperação para a sociedade.

Havendo resistência do poluidor em verterrecursos a tempo e modo para remediar os danos ambientaisdecorrentes da atividade minerária, ou verificada a incapacidadefinanceira para fazê-lo no curso e após a exploração do complexominerário, ou sendo, enfim, até ignorada a responsabilidade peladegradação, tais obstáculos vêm sendo superados com a assunçãodesse ônus pelo Poder Público. Segundo orientação jurisprudencialpacífica, quando demonstrada a inércia (falha) no dever defiscalização e vigilância do empreendimento por parte dos órgãospúblicos com atribuição, ocorrerá responsabilidade solidária pelosdanos causados pelo empreendedor.

O leading case da matéria (REsp 647.493/SC,Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julg. em22/05/2007, DJ 22/10/2007, p. 233) discutiu a degradação

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ambiental decorrente da exploração de carvão mineral em SantaCatarina, que abrangeu três bacias hidrográficas, contaminandoáguas superficiais e subterrâneas, o solo e o ar, afetando a fauna ea flora, com imensos danos à coletividade.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu aresponsabilidade da União, por omissão, imputando-lhe arecuperação ambiental das áreas titularizadas por mineradorasque, depois de degradar a área, faliram ou se tornaram insolventes.

Em consequência, caberá mediatamente àprópria sociedade, nesse caso e em todos aqueles nos quais, como concurso da indigência fiscalizatória, o degradador não sesubmeteu à determinação constitucional de recuperar os danos quecausou, o ônus de arcar com os custos correspondentes.

A maior demora na implementação deprovidências para a reversão dessa degradação tende a exigirmaior complexidade técnica e investimentos de maior vulto. Issoredunda em duplo prejuízo à coletividade: a área afetada não terátido suas funções ecológicas reavivadas e os recursos pararecuperação serão superiores aos que seriam necessários se asações tivessem sido adotadas a tempo e modo. Somente para ocaso da bacia carbonífera de Santa Catarina, a União foiresponsabilizada pela recuperação ambiental de 1.130 hectares, aum valor final estimado de R$ 350 milhões de reais, por meio deatuação do Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

VI. Garantias que assegurem a reparação dos danos ambientais.

Esse panorama autoriza a conclusão deAnnelise Steigleder no sentido de que, embora o debate ambientalhoje tenha foco prioritário em temas como prova do nexo decausalidade (para delimitação de responsabilidade do poluidor) ecaracterização do dano a ser reparado, “é imprescindível voltar osolhos para o longo prazo, de modo a garantir a disponibilidade derecursos financeiros suficientes para o custeio das providênciasreparatórias para os casos de insolvência ou de desaparecimento

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do responsável pela reparação.”7 Além das situaçõs cogitadas peladoutrinadora, invocam-se os casos nos quais o poluidor, emborasolvente e com paradeiro sabido, recusa-se a recuperar a áreadegradada e fica inerte: isso gera a busca de um futuro provimentojudicial que arrecade bens, por vezes sem liquidez ou valor venalsuficientes para permitir rápida excussão e o início das atividadesde recuperação ambiental às expensas do empreendedor.

Apesar de o arcabouço jurídico brasileiro naárea ambiental ser avançado em múltiplos aspectos no cotejo coma legislação estrangeira, para concretizar os preceitos protetivos domeio ambiente devem ser urgentemente aprimorados osinstrumentos disponíveis para reforçar a atuação dos princípios daprevenção e precaução, articulados com o princípio do poluidor-pagador. Sem isso, a tônica continuará no comprometimento dosrecursos naturais por agentes do setor, em larga escala, semefetiva recuperação dos danos ambientais oriundos de suaatividade, impondo a socialização dos prejuízos pela sociedade,que sofre com as externalidades negativas do processo produtivominerário8.

Eliane Poveda defende que seja alteradoradicalmente o “paradigma da tutela ambiental: desestimular, peloscustos elevados, a tutela de danos, retratada na utilização dosinstitutos e instrumentos de responsabilidade civil (...), sem prejuízoda responsabilidade nas esferas administrativa e penal; e incentivara tutela preventiva baseada na cultura da observância das normasambientais que encontram fundamento de validade no elogiadoarcabouço constitucional brasileiro (...)”9.

Para isso defende, em convergência deinúmeros autores, a criação e/ou o reforço de instrumentoseconômicos para assegurar que o empreendimento mineráriorecupere parcialmente os passivos mesmo durante a operação e,uma vez esgotada a mina, implemente de forma integral asdiretrizes próprias dos planos de fechamento de mina. Em sua

7 in Instrumentos de garantia para assegurar a reparação do dano ambiental. Revista de DireitoAmbiental, vol. 23/2011, p. 135.

8 Cristiane Derani, op. cit., p. 143.9 in Seguro Garantia como instrumento de gestão para mitigação de danos ambientais na mineração.

Campinas, 2012, p. 64. Disponível em <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000887898>. Acessado em 21 de novembro de 2015.

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visão, “é inconcebível um país com vocação mineral acentuada nãopossuir política pública definida sobre a desativação e fechamentode mina tampouco não estabelecer regras definidas paraimplementação e execução do Plano de Fechamento de Mina comgarantias financeiras ou seguro para assegurar seucumprimento”10.

[...]

Entre tais instrumentos insere-se aexigibilidade, por órgãos de regulação e controle (órgãosambientais licenciadores e/ou órgão gestor dos bens minerais), degarantias por parte do empreendedor-minerador, para induzi-lo acumprir os padrões ambientais fixados para o desempenho dessaatividade e assegurar que ao término do empreendimento haverámeios financeiros suficientes para a recuperação ambiental da áreaafetada.

José Cruz do Carmo Flores frisa que a“solução técnico-financeira adotada pelos órgãos governamentaisencarregados das políticas de regulamentação ambiental eminerária em vários países tem sido exigir que o operador doprojeto de mineração apresente garantias financeiras que suportema execução do plano de fechamento, antes de iniciar a operação,assegurando que o ônus da recuperação ambiental do sítio nãorecairá sobre o poder público, caso ocorra insolvência financeira doprojeto, antes do término da sua vida útil planejada”11. Essa soluçãoobriga os agentes do setor à internalização dos custos ambientais eà busca de soluções gerenciais e operacionais menos gravosas aomeio ambiente, levando à redução dos futuros desembolsos comações de recuperação da área e à menor exposição ao risco daexecução das garantias, sob as mais variadas formas, comoseguros, fianças, cartas de crédito, cauções, constituição de fundospróprios.

Com efeito, a criação de um sistema degarantias para as atividades aptas a causar potencial impactoambiental é traço constante na legislação estrangeira.

A Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu,relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e

10 idem, p. 52.11 op. cit., p. 37.

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reparação de danos ambientais insta os Estados-membros a criarmedidas de incentivar o desenvolvimento, por mercadoseconômicos e financeiros, de instrumentos e mercados de garantiafinanceira, incluindo aí os mecanismos financeiros para casos deinsolvência, viabilizando a cobertura de responsabilidades dosempreendedores (artigo 14º, 1)12.

Para a gestão de resíduos de indústriasextrativas da mineração, a Diretiva 2006/21/CE13 do mesmoParlamento obriga à oferta de garantias, pelo empreendedor, antesdo início de qualquer operação que envolva a acumulação oudeposição de resíduos da extração (art. 14º), devendo o pedido delicença vir instruído com uma forma de garantia financeira ouequivalente (art. 7º, 2, “d”), a qual será calculada observando oscritérios fixados na Decisão da Comissão das ComunidadesEuropeia 2009/335/CE14.

Nos Estados Unidos, uma “característicamarcante dos sistemas legais que regulamentam o fechamento demina (...) é a exigência de que os requerentes das licenças deoperação e recuperação coloquem à disposição do Estado algumaforma de garantia financeira, cujo montante deve ser bastante esuficiente para cobrir os custos estimados da recuperação, caso ostitulares ou os operadores da mina fiquem impossibilitados deexecutá-la ou se neguem a promovê-la.”15

Na Austrália, “o risco financeiro de que o ônusda implantação do processo de reabilitação recaia sobre acomunidade, em caso de fechamento abrupto ou não planejado, éreduzido através da exigência da apresentação de uma garantiafinanceira que financie o fechamento da mina, nos termos do planoaprovado, no evento de que o operador falir ou deixar de cumprircom as obrigações acordadas na concessão da licençaoperacional.”16

12 Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32004L0035&from=EN>. Acessado em 19 de novembro de 2015.

13 Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32006L0021&from=EN>. Acessado em 19 de novembro de 2015.

14 Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.L_.2009.101.01.0025.01.POR>. Acessado em 19 de novembro de 2015.

15 José Cruz do Carmo Flores, op. cit., p. 111.16 op. cit., p. 116.

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O Canadá, também um importante produtormineral mundial, vem exigindo que as empresas mineradorasapresentem “garantias financeiras prévias que assegurem aexecução de todos os trabalhos planejados, dentro de padrõesaceitáveis e em conformidade com o plano de fechamento.”17

Uma análise do direito comparado demonstra,conforme Regina Foschini, Cristiane Ribeiro e Nemésio Salvador,que “os países desenvolvidos estão caminhando rumo àrecuperação de seus passivos ambientais provocados peloabandono de minas, estabelecendo leis mais rigorosas, queenfatizam a participação da comunidade e a criação de garantiasfinanceiras”18.

No Brasil a legislação federal é omissa emrelação ao fechamento de mina e, por consequência, nadademanda do empreendedor em relação a garantias que ele deva,antes e durante o curso da operação mineira, proporcionar parapermitir a futura recuperação da área degradada. A NormaReguladora de Mineração NRM-20, que dispõe sobre suspensão,fechamento de mina e retomada das operações minerais, é vagacom relação a prazos e nada dispõe sobre a demonstração doempreendedor de que tem condições financeiras para fazer face àsobrigações ambientais evidenciadas na própria proposta deintervenção (item 20.4).

Por esse motivo, Eliane Poveda constata, emconvergência com outros pesquisadores do tema, serimprescindível que o Brasil aperfeiçoe as normas para estabelecera “desativação e encerramento da atividade de mineração comprevisão dos mecanismos de gestão financeiros e econômicos”19

em nível federal. Os Estados têm regulamentação esparsa arespeito do fechamento da mina sob o enfoque estritamenteambiental, dada a competência federal privativa para legislar sobrejazidas, minas e outros recursos minerais (art. 22, II), mas tambémnão avançaram na imposição de apresentação de garantias pelosempreendedores no curso do licenciamento ambiental.

17 op. cit., p. 129.18 op. cit., p. 9.19 in Seguro Garantia como instrumento de gestão para mitigação de danos ambientais na mineração.

Campinas, 2012, p. 85. Disponível em <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000887898>. Acessado em 21 de novembro de 2015.

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Os novos mecanismos de garantia devem virintegrados, necessariamente, com o próprio ato de anuência doPoder Público ao desempenho da atividade mineira, quer no seiodo licenciamento ambiental, quer no momento em que o DNPMemite sua concordância formal com as atividades de pesquisa eexploração dos recursos minerais (lavra lato sensu). Esseentrelaçamento é fundamental para a eficácia do sistema, pois nomomento prévio ao início das atividades que levaminexoravelmente à degradação ambiental é que deverá havercerteza de que o interessado conseguirá reverter os danosocorridos.

Como afirma Annelise Steigleder, trata-se deimpactos futuros que “são incontroversos e previsíveis desde a faseda obtenção da Licença Prévia, de modo que o própriolicenciamento deveria inserir a perspectiva do gerenciamento deriscos futuros de forma mais consistente (…), pois o meio ambienteequilibrado não deixa de ser um patrimônio de interesse público aser preservado; além do que o Poder Público poderá vir a serconsiderado responsável indireto pelo dano em razão de ter emitidoo licenciamento ambiental para o empreendimento.”20

[…]

É importante ressaltar que um sistema deimposição de garantias prévias e cumpulsórias em face deempreendedores do setor minerário (que venha a sereventualmente estendido ao universo de potenciaisempreendedores-poluidores) estará sujeito a um conjuntosignificativo de variáveis quanto à sua fixação. C. G. Miller sugereque “garantias brandas podem ser usadas onde o risco de falha ébaixo, o plano de fechamento e a estimativa de custo sãorealizados por empresas independentes (i.e. o risco técnico ébaixo), o fechamento é de natureza de curto prazo e a empresatem alavancagem financeira apropriada para apoiar a garantiacomo uma avaliação de grau de investimento; e (ii) garantiasrígidas podem ser usadas onde o risco de falha é elevado, operíodo de fechamento é iminente, o fechamento deve ser contínuoe de longo prazo e a empresa não tem uma avaliação do grau deinvestimento.”21 E conclui que “os instrumentos de garantia

20 op. cit., p. 138.21 apud Eliane Pereira Rodrigues Poveda, Seguro Garantia como instrumento de gestão para mitigação

de danos ambientais na mineração. Campinas, 2012, p. 76. Disponível em

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financeira podem ser escolhidos dentre um grande número deopções. Cada instrumento específico pode ser apropriado àdeterminada situação ou conjunto de circunstâncias, dependendodo vigor financeiro da empresa de mineração, sua história dedesempenho ambiental, ou seja, seu registro de desempenho, aextensão do potencial de responsabilidade ambiental e o prazosobre o qual a responsabilidade deve ser extinta.”22

Além disso, devem ser avaliados os efeitos daexigência das garantias no mercado atual e futuro, ponderando-seas consequências (restrição dos players; afetação dosempreendimentos já em declínio de fluxo de receitas e comfechamento iminente etc) para o setor como um todo, sendofundamental uma abordagem equilibrada do tema para a evitaçãode desdobramentos negativos ou mesmo contrários ao propósitodessa inovação legislativa, assim reduzindo as resistências e osreceios do setor quanto à implementação desse tipo de políticapública23.

A formalização da exigência de garantias aosagentes mineradores, de toda sorte, é medida que não pode maisser postergada, não só em razão dos benefícios que deveráproporcionar ao meio ambiente, mas também à própria indústriaextrativa de mineração. Essa, a médio e longo prazos, colheráfrutos dessa iniciativa, tais como o aperfeiçoamento no uso detécnicas de exploração para a racionalização do uso dos recursosnaturais; uma maior qualificação na produção e execução deprojetos de aproveitamento econômico e das medidas derecuperação de áreas degradadas, reduzindo seus passivos eminorando a exposição a sanções administrativas, cíveis e penais;melhoria na percepção pública em face do setor, com uma visãomais favorável em relação aos impactos que dela advêm.”

Ainda sobre o tema das garantias, o GT Mineração trouxe

apontamentos sobre a figura do seguro-garantia, presente no mercado brasileiro e que

<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000887898>. Acessado em 21 de novembrode 2015.

22 op. loc. cit.23 José Cruz do Carmo Flores, op. cit., p. 271.

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teria aplicabilidade no setor de atividades de mineração, trazendo alto grau de

previsibilidade quanto à efetiva ação de recuperação das áreas degradadas, quer pelo

minerador, quer pela instituição responsável pela prestação da obrigação em caráter

subsidiário:

“Os seguros ambientais in genere apresentam,porém, variantes quanto às suas características, constituindomodelos orientados a salvaguardar situações específicas. Ao quese vê do estado da arte da matéria no país, tais seguros podemgarantir o cumprimento de prestações ambientais (em regraestabelecidas por meio de contratos), sendo denominados “seguro-garantia” ou podem garantir o empreendedor contra riscospotenciais e futuros quando do desenvolvimento da operação,protegendo-o e a seu patrimônio.

VII. O seguro-garantia.

Essa modalidade de seguro é inspirada naexperiência norte-americana, onde recebe a denominação desurety bond. Sua aplicação, na área da mineração, acentuou-secom a Lei de Controle e Recuperação de Mineração de Superfície(Surface Mining Control and Reclamation Act), que especificoupadrões ambientais de exploração minerária e exigiu dointeressado a comprovação, antes da autorização para minerar, dacapacidade financeira para atender a tais padrões de performance,objetivando a recuperação integral da área. Existe um manualtécnico que estabelece de forma minuciosa as formas de cálculodas várias garantias passíveis de exigência no curso daimplantação e operação do empreendimento.

Eliane Poveda, ao defender a aplicação dessaespécie de seguro no país, aponta que ele é uma figura tipicamenteligada à assunção de obrigações do interessado junto a terceiros,envolvendo uma prestação dentro de certo padrão técnico, emdeterminadas condições de tempo e outras balizas: o devedor daobrigação busca assegurar a performance prometida, dentro deuma relação eminentemente contratual. O instrumento foi reguladoindiretamente pelo IRB por meio da Circular n. 23/2003 e envolveduas relações: uma entre a seguradora, obrigada a garantir o

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interesse legítimo do segurado, no caso de descumprimento daobrigação por quem toma o seguro; outra entre o tomador, quepaga um prêmio à seguradora, ficando essa como garante da fielexecução das ações pelo tomador, bem como responsável solidáriopelas mesmas ações.

A seguradora celebra um contrato de contra-garantia com o tomador, de sorte a poder reembolsar-se no casode inadimplemento pelo tomador, avaliando previamente “ocontrato, suas cláusulas e condições, preço e prazo; as qualidadesdo tomador garantido, sua idoneidade, organização, capacidadetécnica, financeira e moral.”24

Invocando Buranello, Eliane Poveda esclareceque “o seguro garantia de obrigações contratuais responde pelosefeitos econômicos do descumprimento de uma obrigação de fazerou de dar, não exigindo prévia declaração de insolvência dodevedor.”25 Tal seguro tem aspectos similares ao de um seguro emfavor de terceiro, porém a inadimplência do tomador do seguro nãoleva ao cancelamento da apólice. Assim, caso ocorrido o sinistro –o inadimplemento da obrigação – o segurado poderá exigir o valorda indenização ou, ainda, que a seguradora faça as vezes dotomador e assuma o cumprimento da obrigação não executada.

Na seara ambiental o seguro-garantia podehoje ser usado na celebração de termos de ajustamento deconduta, em que o poluidor assume um rol de obrigações perante oPoder Público para a recuperação ambiental de área degradada,condensadas num Plano de Recuperação Ambiental. Esse tipo deseguro não está diretamente vinculado à ocorrência de sinistrosambientais, mas à garantia de que as obrigações de fazerassumidas perante o órgão ambiental serão adotadas, quer pelotomador, quer pela seguradora em substituição, no caso dedescumprimento das obrigações pelo primeiro.

Ele “implica no seguro da obrigação de fazerfirmada na avença, não no patrimônio do segurado frente ao seudever de indenizar ou de reparar o meio ambiente afetado, em

24 Eliane Poveda, Seguro Garantia como instrumento de gestão para mitigação de danos ambientais namineração. Campinas, 2012, p. 111. Disponível em<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000887898>. Acessado em 21 de novembrode 2015.

25 op. cit., p. 92.

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consequência de dano ambiental ocorrido na vigência da apólice”26,tendo sido usado em termos de ajustamento de conduta por órgãoambiental, no processo de concessão de exploração sustentável derecursos florestais e para rodadas de licitação de gás e petróleo.

Esse seguro opera, ainda segundo aestudiosa, como uma ferramenta de gestão de passivosambientais, em caráter corretivo, na medida em que não sepretende, com ele, resguardo por responsabilidade em relação adanos ambientais que possam surgir durante determinadaoperação mineira, mas garantir que a degradação já acontecidaseja superada por meio da implementação do plano derecuperação aprovado pelo órgão ambiental competente.27

No direito brasileiro está estabelecidoostensivamente na lei de gestão das florestas públicas (Lei n.11.284/06, art. 21, §2º, III) e deveria ser ampliado para os agentesdo setor de mineração, sendo empregado como uma das garantiaspassíveis de apresentação quer no momento do licenciamentoambiental quer no momento em que o Poder Público atribui aointeressado o direito de pesquisa ou de lavra lato sensu.

Na classificação empregada por AntônioSérgio Eduardo e outros, teriam por alvo as obrigaçõesrelacionadas aos danos ex post, que “resultam da limitação dopotencial de fornecimento de serviços naturais causados pordeterminada atividade produtiva. As obrigações de fechamento eabandono são destinadas a remediar esses danos e envolvematividades como 'desconstrução' de instalações, reabilitação,remediação, reflorestamento, recomposição visual etc.”28 cujaestimativa de custos pode ser calculada com facilidade, pois asoperações necessárias para a reabilitação de áreas de extraçãosão conhecidas antes mesmo que o projeto seja iniciado, o quepermite reduzir as incertezas.

O objetivo dessa garantia não estaria

26 op. cit., p. 10227 op. cit., 111.

28 in Mecanismos de garantia financeira para assegurar o cumprimento de obrigações referentes áreabilitação ambiental, São Paulo, UNESP, Geociências, v. 27, n. 3, p. 403. Disponível em<http://ppegeo.igc.usp.br/scielo.php?pid=S0101-90822008000300009&script=sci_arttext.> Acessadoem 20 de novembro de 2015.

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relacionado à proteção em face dos riscos potenciais do negócio,mas à obrigação de reparar, no futuro, os danos ordinariamenteesperados numa operação mineira, os quais devem estarevidenciados nos estudos de impacto ambiental (ou documentosanálogos) e abordados com maior profundidade tanto no plano defechamento de mina como no plano de recuperação de áreasdegradadas (PRAD) (Decreto n. 97.632/89).”

A discussão sobre a previsão de seguros ambientais propriamente

ditos também foi objeto de considerações do GT Mineração, quando das discussões

sobre o Projeto de Lei n. 5807/2013 e correlatos:

“VIII. Seguro ambiental (seguro de risco ambiental, seguro-poluição).

Um dos principais estudiosos da matéria noBrasil, Walter Polido constata que o avanço do conceito dedesenvolvimento sustentável, a maior complexidade das relaçõesentre sociedade e mercados e a demanda por eficiência naatividade produtiva, com foco acentuado na preservação do meioambiente, vêm impulsionando os mercados de seguros, que vêmbuscando “aprimorar os mecanismos relacionados com a proteçãosecuritária dos riscos ambientais, criando soluções que tornemcada vez mais compatíveis as expectativas da sociedade com asreais possibilidades do mercado segurador”29.

Isso tem gerado o afastamento paulatino dafigura clássica do seguro por responsabilidade civil contra danosimpostos a terceiros, com a busca pela criação de modelos deseguro desenvolvidos especialmente para o nicho dos riscosambientais. Afirma ele que “não há, em princípio, fórmulastotalmente prontas e já sobejamente conhecidas e testadas neste

29 in Revista de Direito Ambiental, vol. 45, jan-mar 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais. Disponívelem http://www.ibds.com.br/artigos/contrato-de-seguro-ambiental-publicacao.pdf. Acessado em 18 denovembro de 2015.

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segmento”.30

Os Estados Unidos são o mercado maisdesenvolvido para essa espécie de seguros, existindo modalidadesbastante amplas de responsabilidade por danos ambientais queabrangem os danos ecológicos puros, resultando na perda do usode locais atingidos pelo desastre ecológico. Segundo NataschaTrennepohl, naquele país foi desenvolvido um tipo de seguro deresponsabilidade civil (Environmental Impairment Liability) queoferece “cobertura ampla, incluindo os danos corporais e materiais,custos de limpeza fora do local segurado e despesas judiciais”31.

Na Europa, segundo relatório produzido pelaComissão Européia em 2010, o setor tem desenvolvidoprogressivamente produtos relativos à Diretiva, quer através desoluções «autónomas» específicas, quer de complementos deprodutos de seguros existentes. Estão em curso trabalhos sobrequestões de aplicação prática, como a subscrição e a gestão desinistros, bem como esforços para desenvolver uma base de dadosde estudos de casos a fim de partilhar experiências. Destaca-se aformação de pools de seguradoras, em especial na França, Itália eEspanha, que vêm desenvolvendo produtos mais específicos paraa área de riscos ambientais, beneficiando-se da pulverização dosriscos de sinistros de grande magnitude, devendo ser observadoque, ainda assim, existem restrições relativas às situações depoluição gradual ou contínua, bem como à garantia direta dosdanos ecológicos.

A experiência brasileira no setor de segurosambientais ainda é limitada, apesar do avanço das discussõessobre a matéria nos últimos anos, com o desenvolvimento deprodutos com esse enfoque.

[…]

IX. Seguro ambiental e barragens.

Em razão do desastre ocorrido na bacia do RioDoce, a partir da ruptura de barragem da Samarco em 5 de

30 idem31 in Seguro Ambiental. Edições Podium, 2008, p. 89.

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novembro último, foi reavivada a discussão sobre a segurança debarragens e, mais especificamente, sobre a imposição dacontratação de seguro por todos os operadores desse tipo deempreendimento, nas suas diversas destinações: para contençãode rejeitos de mineração, industriais ou sanitários, acumulação deágua para subsistência ou uso econômico.

A discussão sobre a garantia financeira paraesse tipo de empreendimento não é nova e há resistências quantoà sua implementação até mesmo por órgãos ambientais dedicadosao controle da poluição ambiental: em 2004, o Ministério Público deMinas Gerais celebrou termo de compromisso de ajustamento deconduta com a Fundação Estadual do Meio Ambiente de MinasGerais, segundo o qual essa passaria a sugerir ao Conselho dePolítica Ambiental (COPAM), órgão de licenciamento ambiental, ainclusão de condicionante de caução ao empreendedor, na fase dalicença de instalação. Essa cláusula do acordo não foi cumprida egerou demanda judicial, que confirmou a exigibilidade daprestação, impondo multa diária ao órgão32.

Discussão análoga já esteve posta noCongresso Nacional em legislaturas prévias e invocavam, entre asjustificativas, desastres ambientais envolvendo o rompimento debarragens como ocorreu em Mariana/MG, inclusive alguns doscitados em tópico anterior deste documento. As proposições nãoavançaram, e hoje estão em discussão os Projetos de Lei n.3561/2015 e 3563/2015, além de outras proposições legislativasque direta ou indiretamente interferem nesse novo regime jurídicopretendido para o assunto.

É imprescindível assegurar que oempreendedor responsável por operar e gerir barragens constituagarantias prévias para a futura reparação de danos que advenhamde falhas na operação (independentemente da demonstração deculpa ou dolo). No caso das atividades de extração de recursosminerais em que o complexo mineiro conta com dispositivos decontenção de rejeitos (bacias, barragens), a ocorrência de danosque são inerentes ao só desenrolar das atividades a que estáautorizado vem associada a um risco suplementar, como ocorre,também, nas operações com utilização de substâncias perigosas,contaminantes ou tóxicas.

32 Disponível em <http://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00005656.pdf>. Acessado em 23 de novembro de 2015.

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Contudo, cabe reparo, endossando asponderações dos especialistas da área de seguros, quanto àcriação de seguro de caráter obrigatório com o fim mencionado. Àluz do primado constitucional da livre iniciativa, afrontaria a ordemjurídica a imposição, às seguradoras, de verdadeiro dever decelebrar contrato de seguro ambiental, visto que se trata demercado regulado, porém não submetido a normas que imponhamcontratação automática. Uma seguradora pode não ter intenção degarantir o risco por inúmeros motivos: receio quanto à capacidadeoperacional do minerador; desconhecimento da realidade do setor;ausência de corpo técnico capacitado para uma análise crítica daoperação da barragem sob o ponto de vista da estabilidadeestrutural, longevidade e potenciais desdobramentossocioambientais em caso de desastre; capacidade insuficiente degarantir a cobertura do sinistro em face da escala de danospotenciais.

O setor deve ser estimulado à criação e àadoção de modelos e cláusulas de seguro afinadas com essa novarealidade, de forma a permitir, a médio e longo prazo, aconsolidação da cultura de seguro no setor minerário e,especialmente, nos empreendimentos mineiros que apresentemrisco agravado em sua concepção, operação e fechamento.

É urgente e imprescindível a previsão do deverdo minerador (e daqueles que operem toda modalidade debarragem sujeita ao regime da Política Nacional de Segurança deBarragens) de oferecer garantias suficientes para a cobertura dosriscos, resguardando-se o seu poder de decisão e escolha quanto àmodalidade a oferecer: seguro ambiental; caução; provisionamentoinicial ou contínuo; fundos privados; pool para garantia setorial etc.

Para melhor avaliação quali-quantitativa dosriscos e danos associados, é necessária a produção de matrizes derisco por tipologia de empreendimento, o que dará maior segurançaa todos os agentes (mineradores, órgãos públicos, seguradoras,instituições financeiras etc.) e redundará em melhor estruturaçãodo segmento. Na experiência europeia, a Comissão dasComunidades Europeia emitiu a decisão n. 2009/335/CE,mencionada ao longo deste texto, dando diretrizes técnicas aserem observadas para o cálculo das garantias pelos órgãoambientais. No Brasil já se identificam trabalhos embrionários sobreo tema33.

33 Elias Anacleto de Toledo Júnior. Metodologia para Classificação de Estabilidade de Segurança deBarragem em Seguro, Revista Brasileira de Seguro e Risco, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 16, maio/outubro

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É oportuno rememorar que previsão análoga à do art. 18, III, da

Medida Provisória n. 791/2017 chegara a ser discutida durante os trabalhos da relatoria

da Comissão Especial que apreciava as propostas de novo marco regulatório para a

mineração no Brasil, não frutificando, porém, diante da superveniente paralisação da

tramitação da referida proposta legislativa.

A previsão do estabelecimento de garantias financeiras e a

contratação de seguro para cobertura de riscos decorrentes da atividade minerária

encontram-se, dessa forma, em franca convergência com a melhor experiência

internacional, traduzindo-se como solução institucional que permitirá, a médio e longo

prazos, não só a melhor ordenação do setor mas a efetividade na recomposição

ambiental após o esgotamento dos empreendimentos mineradores, em cumprimento à

norma constitucional que assim prevê.

Note-se que a determinação dos critérios e hipóteses para

apresentação de tais instrumentos por meio de ato específico da Agência é plenamente

viável do ponto de vista do arcabouço jurídico e está em coerência com o papel das

agências reguladoras, sendo apta a estabelecer com propriedade e agilidade – mas

sem abdicar de um processo decisório robusto e com ampla participação dos setores

interessados na matéria sob regulação – as situações que reclamem a utilização

2013, pp. 1-18. Disponível em <http://www.rbrs.com.br/arquivos/rbrs_16_1.pdf>. Acessado em 23 denovembro de 2015.

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daqueles mecanismos.

Em relação ao desempenho da atividade fiscalizatória, por outro

lado, tem-se que a Medida Provisória em questão não traz previsão de aumento de

quadro de servidores para melhor aparelhar a ANM.

Contudo, previu a possibilidade de contratação de especialistas

externos (art. 6º), de forma que “poderá credenciar, nos termos estabelecidos em

norma específica, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, de notória

especialização, de acordo com padrões internacionalmente aceitos, para expedição de

laudos, pareceres ou relatórios que demonstrem o cumprimento dos requisitos e das

exigências impostos aos titulares de direitos minerários pela legislação ou pela ANM,

inclusive quanto à segurança e à estabilidade de barragens de mineração.”

Esse dispositivo apresenta avanço no sistema de aferição do

cumprimento, pelos mineradores, de normas técnicas cuja observância é decisiva para

a proteção tanto do meio ambiente como das pessoas que desempenham atividades

nos empreendimentos, bem como aquelas residentes em áreas potencialmente

afetadas no caso de desastres. Uma mera contabilização do número de

empreendimentos com barragens de rejeitos existentes no país demonstra o acerto em

franquear que a Administração Pública possa valer-se da contratação de terceiros,

desde que para tanto especializados, para a aferição de suas reais condições: o imenso

rol de estruturas desse tipo torna no mínimo improvável a viabilidade da presença da

Agência, por meio de seus servidores, de forma rotineira em todos os

empreendimentos.

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III. Sugestões para aprimoramento da Medida Provisória n.

791/2017

O GT Mineração apresenta, por fim, sugestões de tratamento

legislativo a respeito de temas relacionados à conformação e às prerrogativas da ANM,

com formulação de possíveis soluções por meio de emenda, retomando alguns dos

tópicos elencados em ocasiões anteriores, quando das discussões do novo marco legal

da mineração nessa Casa Legislativa:

(1) prever expressamente a sujeição dos agentes já operando no

país ao regime de garantias e seguros contemplado no art. 18, III da Medida Provisória,

de forma que sejam exigíveis também dos empreendimentos atualmente em operação,

cabendo à ANM, em regulamento, fixar prazos razoáveis de adequação, com especial

atenção à situação dos empreendimentos operando com significativos riscos

socioambientais. Essa regra asseguraria a isonomia com os novos agentes, que desde

logo deverão apresentar e manter garantias, regularizando todo o setor a médio prazo,

e daria ênfase a empreendimentos que oferecem maior risco à população e ao meio

ambiente.

Sugestão de dispositivo legal por meio de ajuste na redação do art.

18, III da Medida Provisória:

“III - hipóteses e critérios para a apresentação de garantias financeiras ou a

contratação de seguros para cobertura dos riscos de atividades minerárias, inclusive

para os detentores de direitos minerários na data da entrada em vigor desta Lei;”

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(2) atribuir competência à ANM para, em articulação com a

Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) promover o mapeamento dos

principais passivos ambientais da mineração, instituindo com isso uma política pública

inexistente no Brasil, mas já verificada largamente em legislações estrangeiras,

voltadas ao diagnóstico e à recuperação de áreas degradadas. Isso permitiria a

implantação, no futuro, de política de recuperação dos passivos ambientais,

estimulando, outrossim, o desenvolvimento de tecnologias e produção de informação

relevante para a própria gestão dos bens minerais no país.

Sugestão de dispositivo legal por meio de inserção de inciso no art.

4º da Medida Provisória:

“XXIX – elaborar e implantar, em articulação com a CPRM, política de mapeamento

dos principais passivos ambientais decorrentes das atividades de mineração no país”

(3) explicitar que a resolução prevista no art. 18, V e parágrafo

único também tratará de casos de alienação antecipada de substâncias minerais e

equipamentos apreendidos quando houver risco de depreciação, resguardando o direito

do autuado por meio de manutenção em depósito da quantia fruto da alienação até o

término do procedimento administrativo da ANM. Embora seja viável extrair da redação

atual da Medida Provisória a possibilidade da venda imediata, a previsão em norma

expressa seria proveitosa para afastar eventuais questionamentos;

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Sugestão de dispositivo legal por meio de inserção de inciso no art.

18, parágrafo único, da Medida Provisória:

“III – as regras para o leilão antecipado no caso de risco de depreciação de bem

mineral ou equipamento apreendido, mantendo-se o valor apurado em depósito até o

término do procedimento administrativo de perdimento pertinente;

(4) estabelecer, em simetria com a previsão do art. 21, que no

caso da constatação da infração penal prevista no art. 2º da Lei n. 8176/91 (usurpação

de bem da União) o órgão do Ministério Público Federal ou a autoridade policial seja

imediatamente comunicado;

Sugestão de dispositivo legal por meio de desdobramento do art.

21 em dois incisos:

Art. 21. A ANM deverá, ao tomar conhecimento de fato que possa configurar:

I – indício de infração da ordem econômica, comunicá-lo imediatamente ao Conselho

Administrativo de Defesa Econômica – Cade;

II – indício de infração penal, comunicá-lo imediatamente ao órgão do Ministério

Público ou à autoridade policial.”

(5) tornar expressa no art. 4º, VI a competência da ANM para

estabelecer requisitos de natureza logística a serem atendidos pelos interessados na

obtenção de títulos minerários. Como apontado pelo GT Mineração em notas técnicas

anteriores, é fundamental assegurar à ANM a prerrogativa de estabelecer situações em

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que seja exigível de mineradores a implantação de infraestrutura própria para escoar a

produção de grandes empreendimentos: são notórios os casos em que mineradores

usam de vias públicas para escoamento de sua produção, ou mesmo para transporte

de insumos entre as fases do processo produtivo, com a afetação de milhares de

usuários que circulam nessas vias e transferindo à sociedade custos de manutenção da

logística de operação, que deveriam ser suportados pelo empreendedor. A explicitação

dessa competência permitiria à ANM que, consideradas características tais como a

dimensão, tempo de lavra, volume de produção e localização do estabelecimento

minerador, seja exigível plano de aproveitamento econômico contemplando estudo de

logística para um escoamento autônomo e não danoso da produção.

Sugestão de dispositivo legal por meio de ajuste no art. 4º, VI da

Medida Provisória:

“VI – estabelecer os requisitos técnicos, jurídicos, logísticos, financeiros e econômicos

a serem atendidos pelos interessados na obtenção de títulos minerários, observadas

as diretrizes do Ministério de Minas e Energia;

IV. Conclusão.

Preservados os dispositivos constantes da Medida Provisória n.

791/2017 antes mencionados e incorporadas as soluções acima propostas, o GT

Mineração considera que haverá avanço fundamental no Estado brasileiro para a

implementação, no setor minerário, das normas constitucionais que garantem à

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presente e às próximas gerações usufruir de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Estimular-se-á a criação de um

ambiente econômico setorial moderno, dotado de regras de proteção e atuação

similares às adotadas em países com larga experiência na atividade de mineração.

São essas as considerações que o Grupo de Trabalho de

Mineração da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, ora

apresentadas a Vossas Excelências quanto a pontos relevantes para as discussões do

novo Código de Mineração.

Belo Horizonte e Florianópolis, 20 de outubro de 2017.

(assinatura eletrônica)

EDUARDO HENRIQUE DE ALMEIDA AGUIAR

Procurador da República no município de Janaúba/MG

Coordenador do GT Mineração da 4ª CCR/MPF

(assinatura eletrônica)DARLAN AIRTON DIAS

Procurador da República no município de Itajaí/SC

Membro do GT Mineração da 4ª CCR/MPF

(assinatura eletrônica)ANTÔNIO ARTHUR BARROS MENDES

Procurador da República em Minas Gerais

Membro do GT Mineração da 4ª CCR/MPF

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Signatário(a): DARLAN AIRTON DIASData e Hora: 20/10/2017 13:38:59

Assinado com certificado digital

Signatário(a): EDUARDO HENRIQUE DE ALMEIDA AGUIARData e Hora: 20/10/2017 12:58:01

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Signatário(a): ANTONIO ARTHUR BARROS MENDESData e Hora: 20/10/2017 14:12:25

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