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O Ministério Público em segundo grau diante do enigma da esfinge 1 (e a Constituição da República): decifra-me ou devoro-te! Márcio Soares Berclaz ([email protected]) Promotor de Justiça no Estado do Paraná “Você pode até dizer Que eu tô por fora Ou então que eu tô inventando... Mas é você que ama o passado e que não vê É você que ama o passado e que não vê Que o novo sempre vem...” (Belchior) 1 - Introdução Projetado e pensado como instituição vocacionada para realizar a intransigente defesa dos interesses coletivos do povo, é justamente pela sua enérgica e vibrante atuação como agente indutor e provocador de transformações na realidade social que o Ministério Público brasileiro vem ganhando destaque e conquistando cada vez mais credibilidade para ocupar seu legítimo e privilegiado espaço no palco democrático da revolucionária Constituição da República de 1988 2 . Dividido em ramos, sob o signo de uma principiológica unidade 3 (artigo 127, §1º, da CR 4 ), certo é que a instituição do Ministério Público brasileiro, abrangente dos Ministérios Públicos Estaduais e demais segmentos, componentes do Ministério Público da União (Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios), precisa aproveitar a direção dos ventos democráticos para intensificar necessário e gradual rompimento com as amarras do burocratismo estatal que, tradicional e historicamente, de modo absolutamente equivocado, estabeleceu a viciada cultura de atrelar e condicionar as atividades do Parquet de modo reflexo à forma de atuação e organização do Poder Judiciário. Ganhar substância como instituição permanente e autônoma vinculada à sociedade civil e exercer de modo adequado o papel de único e real anteparo disponível ao cidadão no enfrentamento e fiscalização criteriosa da atuação dos demais órgãos e poderes estruturais do Estado Democrático de Direito (Executivo, Legislativo, Judiciário): esta a nobre e elevada missão do Ministério Público brasileiro. Tal 1 Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três? Resposta de Édipo: O homem, pois engatinha como bebê, anda sobre dois pés na idade adulta e, quando ancião, além dos dois pés usa um arrimo (bengala). 2 Principalmente nas últimas três décadas tem surgido uma consciência nacional e uma consciência social da instituição. (...) A Constituição reconheceu que a abertura democrática não dispensa um Ministério Público forte e independente (...) a Constituição de 1988 assegurou à instituição novas atribuições e um relevo que jamais se conferiu ao Ministério Público, mesmo no direito comparado (MAZZILI, Hugo Nigro, na sua obra Introdução ao Ministério Público). 3 Unidade capaz de tornar os membros ministeriais presentantes e integrantes de um só organismo, em nome do qual atuam (EMERSON GARCIA); mesma idéia de unidade que, na visão mais progressista de MARCELO PEDROSO GOULART, significa que a atuação dos membros deve estar voltada à consecução da estratégia institucional, qual seja: a promoção do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição da República. 4 Ver também artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.625/93.

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O Ministério Público em segundo grau diante do enigma da esfinge1 (e a Constituição da República): decifra-me ou devoro-te!

Márcio Soares Berclaz ([email protected]) Promotor de Justiça no Estado do Paraná

“Você pode até dizerQue eu tô por foraOu então que eu tô inventando...Mas é você que ama o passado e que não vêÉ você que ama o passado e que não vêQue o novo sempre vem...”(Belchior)

1 - Introdução

Projetado e pensado como instituição vocacionada para realizar a intransigente defesa dos interesses coletivos do povo, é justamente pela sua enérgica e vibrante atuação como agente indutor e provocador de transformações na realidade social que o Ministério Público brasileiro vem ganhando destaque e conquistando cada vez mais credibilidade para ocupar seu legítimo e privilegiado espaço no palco democrático da revolucionária Constituição da República de 19882.

Dividido em ramos, sob o signo de uma principiológica unidade3 (artigo 127, §1º, da CR4), certo é que a instituição do Ministério Público brasileiro, abrangente dos Ministérios Públicos Estaduais e demais segmentos, componentes do Ministério Público da União (Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios), precisa aproveitar a direção dos ventos democráticos para intensificar necessário e gradual rompimento com as amarras do burocratismo estatal que, tradicional e historicamente, de modo absolutamente equivocado, estabeleceu a viciada cultura de atrelar e condicionar as atividades do Parquet de modo reflexo à forma de atuação e organização do Poder Judiciário.

Ganhar substância como instituição permanente e autônoma vinculada à sociedade civil e exercer de modo adequado o papel de único e real anteparo disponível ao cidadão no enfrentamento e fiscalização criteriosa da atuação dos demais órgãos e poderes estruturais do Estado Democrático de Direito (Executivo, Legislativo, Judiciário): esta a nobre e elevada missão do Ministério Público brasileiro. Tal

1 Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três? Resposta de Édipo: O homem, pois engatinha como bebê, anda sobre dois pés na idade adulta e, quando ancião, além dos dois pés usa um arrimo (bengala).

2 Principalmente nas últimas três décadas tem surgido uma consciência nacional e uma consciência social da instituição. (...) A Constituição reconheceu que a abertura democrática não dispensa um Ministério Público forte e independente (...) a Constituição de 1988 assegurou à instituição novas atribuições e um relevo que jamais se conferiu ao Ministério Público, mesmo no direito comparado (MAZZILI, Hugo Nigro, na sua obra Introdução ao Ministério Público).3 Unidade capaz de tornar os membros ministeriais presentantes e integrantes de um só organismo, em nome do qual atuam (EMERSON GARCIA); mesma idéia de unidade que, na visão mais progressista de MARCELO PEDROSO GOULART, significa que a atuação dos membros deve estar voltada à consecução da estratégia institucional, qual seja: a promoção do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição da República.4 Ver também artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.625/93.

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compromisso de natureza genuinamente sociológica, como se vê, é muito mais amplo e complexo do que o puro e simples exercício de mecânicas atribuições judiciais, inexistindo dúvidas de que o Ministério Público deve, cada vez mais, assumir seu papel de indutor do processo de evolução social, buscando soluções criativas e ágeis para as mazelas que afligem a coletividade cuja tutela lhe foi outorgada pela Constituição da República (JATAHY5).

Todavia, apesar do árduo e longo percurso até aqui percorrido, tomando por base o perfil exigido do novo Ministério Público edificado a partir da Constituinte de 1988, fato é que o cumprimento eficaz da missão constitucional ainda é um permanente e grande desafio aos membros do Ministério Público brasileiro, especialmente para aqueles que exercem atribuições vinculadas ao segundo grau, o que, de certa forma, problematiza a constatação de que o tempo é o genuíno horizonte de toda interpretação e toda compreensão do ser (HEIDEGGER6).

Por mais que cada carreira apresente suas particularidades, partindo do entendimento de que o texto constitucional enalteceu sobremaneira a previsão de que os Agentes do Ministério Público são responsáveis não só pela titularidade da ação penal (artigo 129, I, da CR) como, sobretudo, pela positiva “promoção” de direitos humanos e defesa de interesses coletivos da sociedade, não é preciso muita perspicácia ou aguçado senso crítico para observar que a atuação dos órgãos ministeriais de segundo grau, de modo geral, encontra-se preocupantemente distanciada e alheia ao desenho constitucional ideal. Nesse contexto, difícil aceitar que o exercício de atribuições do Ministério Público em segundo grau esteja excessivamente vinculado e limitado a situações formais de mera interveniência como custos legis (fiscal da lei), quando os tempos exigem um horizonte mais próspero e verdadeiramente más allá que contemple a exploração permanente e proativa dos férteis territórios institucionais ainda desconhecidos ou pouco cultivados (WARAT).

Negligenciar o enfrentamento do gravíssimo problema originário no fato de que a macroestrura institucional permite que a imensa maioria dos membros do Ministério Público em segundo grau descumpra e omita cumprimento ao papel constitucional será o mesmo que não decifrar os códigos e a simbologia de uma mudança de consciência mais do que necessária e urgente na otimização do cosmo constitucional, aqui metaforicamente representado pela esfinge.

Nesse contexto, entre construir esses novos caminhos possíveis ou resignadamente aceitar o devoramento do papel constitucional atribuído ao Parquet nessa esfera de atuação, a singela proposta deste superficial estudo, ao pretender traçar breve panorama e segmentado diagnóstico capaz de apontar considerações crítico-propositivas envolvendo a atuação do Ministério Público Estadual em segundo grau, opta pela primeira alternativa, tudo com o objetivo de subsidiar maior reflexão crítico-institucional.

Para uma instituição que, dentre outras metas, pretende otimizar resultados e incrementar sua legitimidade e interlocução com a sociedade civil de modo a fortalecer e consolidar sua identidade constitucional, quer o presente artigo utilizar lentes críticas

5 JATAHY, Carlos Roberto de C. O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito. Perspectivas constitucionais de atuação institucional. Editora Lumen Juris, 2007. 6 Obra de referência: O Ser e o Tempo.

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com o objetivo de fornecer considerações que subsidiem a projeção e o debate sobre a (re) construção de um realizador e diligente Ministério Público em segundo grau.

2 – Problematizar a questão do segundo grau no âmbito do Ministério Público Estadual: estabelecendo diretrizes

“E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa aparecerE ver que toda esta engrenagem já sente a ferrugem lhe comer” (Zé Ramalho)

O espírito de real atitude crítica7 não pode fugir de uma assombrosa e preocupante constatação: o exercício das atribuições do Ministério Público em segundo grau encontra-se substancialmente alienado da missão8 constitucional que lhe exige a complexa sociedade brasileira pós-moderna nas suas carências, demandas e conflitos por efetivação de direitos humanos e fundamentais, especialmente quando a sociedade livre, justa e solidária estabelecida como objetivo da República (artigo 3º, I, da CR) ainda é um projeto aberto em busca de concretização.

Contrariando o ideário mobilizador e inspirador da Carta da República de 19889, que conferiu caráter promocional e preferencial ao Ministério Público que realiza e transforma a realidade social com suas iniciativas10 para efetivar o Estado Democrático de Direito (artigo 1º, parágrafo único, da Constituição), passados mais de vinte anos da atividade constituinte, infelizmente vivenciamos e presenciamos a instituição encarregada de defender os mais caros interesses do povo11 ainda presa a uma estrutura de execução em segundo grau que, de maneira geral, mostra-se absolutamente inefetiva, obsoleta, burocrática e, sobretudo, desestimulante12.7 “A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica. Por que ‘crítica’? Em geral, julgamos que a palavra ‘crítica’ significa ser do contra, dizer que tudo vai mal, que tudo está errado, que tudo é feio ou desagradável. Crítica é mau-humor, coisa de gente chata ou pretensiosa, que acha que sabe mais que os outros. Mas não é isso que essa palavra quer dizer. A palavra ‘crítica’ vem do grego e possui três sentidos principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2) exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamento; 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma idéia, um valor um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica. A atitude filosófica é uma atitude crítica porque preenche esses três significados da noção de crítica, a qual, como se observa, é inseparável da noção de racional, que vimos anteriormente”(CHAUÍ – obra citada). 8 “Após notável avanço histórico, especialmente com a ‘Lex Legum’ de 1988, o Ministério Público se consolidou como órgão de defesa e promoção dos interesses mais relevantes da sociedade, conforme previsão do próprio Texto Magno. Enfim, ganhou a notável função de promover a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, efetivando, assim, os ideais de uma sociedade solidária (artigo 3º, CF), democrática (art. 1º, CF) e igualitária (art. 5º, CF)” (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS – no artigo “A legitimidade do Ministério Público para a ação de alimentos: uma conclusão constitucional, p. 152/153 – ver referências bibliográficas).9 Que, ao lado da Lei Complementar n. 41/81 e da Lei 7.347/85 pode ser tida como o terceiro grande momento de crescimento do Ministério Público brasileiro, conforme endossado por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA na sua obra “Direito Processual Coletivo Brasileiro – Um novo ramo do direito processual”. 10 Vide artigo 129, incisos I, III, IV, da Carta da República, onde consta o emprego sucessivo da expressão “promover”.11 Ressaltando a “vocação social” e a qualificação do membro do Ministério Público como “defensor do povo”, importante registro histórico é a “Carta de Curitiba”, cuja íntegra encontra-se na obra de HUGO NIGRO MAZZILI (“Regime Jurídico do Ministério Público”). 12 “Desculpa, Eu compreendo que tenha sido um choque para si, como também, mesmo sem ter lá estado, o foi para mim, compreendo que aqueles homens e aquelas mulheres são muito mais do que simples pessoas mortas, Não continues, por eles serem muito mais do que simples pessoas mortas é que não

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A abordagem da situação do Ministério Público Estadual atuante em segundo grau como recorte específico deste trabalho enfrenta problemas de natureza diversificada, não só de forma, como também de conteúdo, situação crítica e patológica agravada por uma profunda e estrutural crise epistemológica (natureza) e metodológica (como fazer) sobre o real sentido, espaço e conteúdo das atribuições das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução.

O Ministério Público em segundo grau, com sua atuação focada no míope e quase exclusivo exercício de atribuições de mero órgão interveniente, continua agindo (e se escondendo) na sombra13 da caverna do Poder Judiciário em uma estrutura formal-parecerista de diminuta resolutividade que precisa urgentemente de revisão e redimensionamento à luz e influxo do inexorável paradigma constitucional.

Dentre os entraves dificultadores do desenvolvimento pleno e eficaz da missão constitucional confiada ao Ministério Público, merece destaque certa cultura institucional equivocada e pessimista de que não há o que se possa fazer para mudar o formato da atuação em segundo grau, sensação que não raras vezes alimenta intervenções passivas e inefetivas, seja no conteúdo, seja na despreocupação com a sua eficácia no contexto da prestação jurisdicional.

Diz-se isso porque, na intervenção como fiscal da lei, em sede de primeiro ou segundo graus, independentemente do órgão de execução (Promotorias ou Procuradorias de Justiça), obviamente que a manifestação ministerial, além de fundamentada, sempre há de ser convicta e propositiva, vale dizer, cercada de verdadeiro e genuíno interesse público, e atenta em controlar o seu acolhimento ou não pela prestação jurisdicional subseqüente, hipótese última de sucumbência total ou parcial que, sempre que possível, deve conduzir à impugnação recursal ou mesmo à tomada de outras providências cabíveis e compatíveis com as funções institucionais (artigo 129, IX, da CR). Assim, quando o Ministério Público fala e se posiciona como terceiro imparcial, em defesa da Constituição e da sociedade, obviamente que a contrariedade do seu posicionamento pelo Poder Judiciário deverá ensejar manejo do expediente recursal próprio, compreensão suficiente para mostrar, a quem quiser ver, que o pronunciamento ou parecer ministerial não constitui mero palpite ou opinião que pode ser desatendido imune de conseqüências. Mais do que simplesmente discutir os casos em que se deve ou não intervir, sob o enfoque da racionalização e filtragem constitucional das atribuições, também constitui ponto fundamental problematizar o critérios da atuação como fiscal da lei.

Por essas e outras que o Ministério Público atuante em segundo grau, na sua apagada atuação ordinária “parecerista”, descumpre raiz constitucional que lhe exige papel proativo e protagonista em favor da defesa do povo e seus mais elevados interesses difusos e coletivos. Tanto é assim que, tivesse MAURO CAPPELLETTI focado sua reflexão crítica sobre o acesso à justiça na tutela coletiva a partir da contribuição exclusiva dos órgãos de execução do Ministério Público em segundo grau,

quero continuar a viver aqui (...) Decidireis da vossa vida, eu já decidi a minha, não vou ficar o resto dos dias atado a um banco de pedra e a olhar para uma parede”, trecho da obra “A Caverna”, de JOSÉ SARAMAGO. 13 “El hombre es. La sombra parece”. INGENIEROS, José. El hombre mediocre. Editorial Beeme, 2008.

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seria bem possível que suas deterministas e inexoráveis conclusões formuladas14 não estivessem tão distantes da realidade, tamanho o apagamento, enfraquecimento e desprestígio que hoje envolve a atuação ministerial em segundo grau.

Da mesma forma, se no âmbito criminal o foro especial por prerrogativa de função soa quase como um convite para a impunidade em razão da indefinição ou lentidão no processamento dos feitos junto ao Tribunal, seja na fase preliminar, seja na fase propriamente judicializada, além das dificuldades atribuíveis ao Judiciário (que não são poucas), quem sabe parcela da responsabilidade por esse fato também não deva ser relacionada à insuficiência ou mesmo ineficiência do papel até aqui desempenhado pelo Ministério Público como órgão autor, agente e provocador do impulso nesta esfera de persecução, debilidades sentidas tanto na esfera criminal quanto cível.

Não por acaso todo o corpo institucional conhece ou já ouviu história de colegas que recusam e evitam desesperadamente a promoção para o segundo grau justamente sob o argumento de que não querem perder a energia e vibração típica da atuação junto à Promotoria de Justiça. Certamente que muitos também já cansaram de ouvir da boca de Procuradores de Justiça, recém promovidos ou não, que estes ainda se sentem e possuem o espírito e a sombra presos à imagem15 e atmosfera do primeiro grau, como se algo realmente muito importante, encantador ou precioso se perdesse com a movimentação na carreira, mera mudança de nível e instância que, a rigor, antes de causar tanto enfraquecimento ou mesmo a sensação de um Ministério Público verdadeiramente descafeinado16, definitivamente não deveria ser algo tão nocivo e traumático à identidade. Se assim acontece é porque alguma coisa está fora da ordem... fora da nova ordem... constitucional!

14 O mencionado jurista italiano, na sua célebre obra Acesso à Justiça, mostrou-se absolutamente cético quando ao fato do Ministério Público estar apto a ser um seguro defensor dos interesses e direitos massificados. Todavia, como bem demonstrado por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA (obra citada, p. 507/508), revisando e atualizando sua doutrina, fez questão de diferenciar a situação do Ministério Público brasileiro, ao esclarecer que “Muito me alegra saber que tais razões do escasso êxito dessa solução na Europa não se aplicam ao Ministério Público brasileiro, sobretudo depois que sua independência foi assegurada pela Constituição, e em conseqüência também do fato de que em algumas cidades do Brasil se criaram seções em matéria de interesses difusos, nos quadros do Ministério Público. Fique bem claro, porém, que essas são das duas condições – independência e especialização – absolutamente indispensáveis ao êxito da solução aqui considerada (O acesso dos consumidores à justiça, in As garantias do cidadão na Justiça, obra conjunta, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 313)”.15 “(...) separa a imagem especular do espelho como uma gravura ou uma folha de papel químico, enrola-a, mete-a no bolso e vai-se embora, obsequioso (...) o estudante caminha (...) evitando como um gato passar diante de espelhos com que, infelizmente, se rodeia a sociedade mundana que freqüenta. A princípio, contudo, não dá provas de má consciência (...). Mas, um dia, contempla-se em carne e osso. Frequentando o mesmo mundo que ele, interessando-se de modo visível por ele, o seu duplo persegue-o e não o deixa descansado. Está já a ver-se, o duplo é a sua própria imagem vendida ao Diabo, por este ressuscitada e posta em circulação. Como boa imagem que é, permanece ligado ao modelo; mas, como má imagem que se tornou, acompanha-o não só nos espelhos casuais, mas em toda a vida. A todo o instante, há o perigo de o comprometer, se os vierem juntos. Produziram-se até já pequenos incidentes. Se se esquiva à sociedade para evitar a imagem, é ela que toma o seu lugar (...) o estudante esconde-se (...) a sua imagem persegue-o, como que para se vingar de ter sido vendida. Descobre-a por todo o lado. Aparece-lhe por detrás dos túmulos, à beira do cemitério. A vida social acabou, a existência tornou-se impossível (...) concebe o projeto de matar a própria imagem (...) apercebe-se que consegue contemplar-se de novo” (BAUDRILLARD, Jean. Leitura do filme “O Estudante de Praga”).16 A expressão aqui é do genial JEAN BAUDRILLARD.

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Ontológica e idealmente, não há razão para que haja tanto discrímen na percepção. A rigor, seja em primeiro ou em segundo grau, a missão constitucionalmente confiada ao Ministério Público pelos artigos 127 e 129 da Constituição não deveria mudar. Fale-se de Promotorias ou Procuradorias de Justiça, a verdade incontestável é que ambas as unidades deveriam constituir órgãos de execução do Ministério Público que, no espaço dos seus misteres, na combinada (mas nunca concomitante) atuação como órgão interveniente e agente, deveriam concentrar esforços conscientes no privilégio do exercício da segunda possibilidade, como hoje infeliz e distorcidamente ainda não ocorre.

Deixando de lado qualquer tipo de corporativismo, goste-se ou não de ouvir os acordes e tons desse diagnóstico crítico e livre de qualquer sentimento de proteção ou blindagem institucional17, a verdade, por mais dura18, amarga19 e severa que seja, é que o intenso e arejado ambiente que mobiliza e impulsiona os órgãos de execução ministerial oficiantes em primeiro grau não raras vezes cede espaço ao crepúsculo enfastiante e monótono que hoje integra as atribuições ordinárias da maior parte das Procuradorias de Justiça.

E dessa forma ocorre porque a engenharia estrutural e organizacional da instituição para a atuação em segundo grau, de modo geral, salvo raríssimas e elogiosas exceções pinçadas no varejo, privilegia, no atacado, a manutenção de uma estrutura inflexível, de atuação eminentemente judicial edificada de forma reflexa ao Poder Judiciário, quando, em verdade, a realidade dos fatos e do direito achado na rua exige que a instituição do Ministério Público, desde há muito, concentre e estruture o desenvolvimento de atividades prioritárias no campo extraprocessual, notadamente na promoção da ação penal nos casos de autoridade com competência originária e defesa dos interesses coletivos e metaindividuais da sociedade.

Nesse ritmo, falar no papel e na importância de se construir jurisprudência junto a Tribunais de Justiça mediante suposto convencimento e persuasão de seus julgadores feito através de pareceres, quando, de regra, invariavelmente já existe uma posição técnica fundamentada de primeiro grau a ser defendida ou sustentada nos processos em que o Ministério Público é parte (v.g, ações penais com origem no primeiro grau20 e ações civis públicas, apenas para ficar em dois instrumentos respectivamente do campo penal e cível), não só representa acúmulo e repetição de trabalho potencialmente 17 Aliás, nada mais útil e necessário à proteção, defesa e fortalecimento do Ministério Público do que exercer constante e dialético processo crítico-reflexivo sobre os assuntos institucionais, um dos quais diz respeito à efetividade atuação das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução.18 “Por que tão duro? – perguntou um dia ao diamante o carvão de cozinha; não somos parentes próximos? Por que tão moles? Ó meus irmãos, assim lhes pergunto eu: não são, pois – meus irmãos? (...) E se não querem ser destinos, inexoráveis: como poderão um dia vencer (...)”, “in” Crepúsculo dos Ídolos. NIETZSCHE, Frederich. 19 “Se lhes disser desde já que não tenho papas na língua, não me tomem por homem despachado, que vem dizer coisas amargas aos outros. Não, senhor; não tenho papas na língua, e é para vir a tê-las que escrevo. Se as tivesse, engolia-as e estava acabado. Mas aqui está o que é (...)” ASSIS, Machado de. “Crônica de Bons Dias”, 1888.20 Correta a percepção do colega ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO DA CRUZ, em obra própria sobre garantias processuais em recursos criminais, sustenta que “(...) da mesma forma que o simples uso do hábito não faz de alguém um monge, a emissão de parecer não modifica a natureza da atuação do órgão ministerial em determinada fase da persecução penal. Trata-se de uma simples peça processual, que exterioriza a convicção de uma das partes, em linguagem aparentemente mais imparcial em relação às alegações finais ou às próprias razões do recurso, mas que, ressalte-se, provém de membro da mesma instituição que, até então, promovera a ação penal, deduzindo a acusação contra o réu”

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improdutivo como, de outro lado, acentua risco de perigosa esquizofrenia e incoerência decorrentes da multiplicidade de opiniões capazes de surgir no eterno conflito entre unidade e independência funcional21.

Independentemente de estar ou não correta a sustentação de primeiro grau, indiscutível que esta, chegando ao Tribunal, já existe de modo consolidado e não mais poderá ser apagada, constatação que enfraquece o argumento frequentemente invocado de que seria útil a intervenção “parecerista” de segundo grau justamente para corrigir o rumo de uma situação tratada de modo inadequado ou equivocado pelas Promotorias de Justiça como órgãos de execução. Esquece-se aí, na verdade, que o duelo de posições entre membros do Ministério Público atuante em graus distintos não só enfraquece a atuação institucional na sua totalidade, expondo contradição prejudicial ao sentido (e sentimento) de unidade, como, igualmente, desperdiça forças e energias relevantes que poderiam ser melhor instrumentalizadas no cumprimento da larga e extensa pauta de atribuições proativas judiciais e extrajudiciais que, por falta de estrutura eficaz de recursos humanos, cotidianamente deixam de ser cumpridas a contento.

Assim, conforme anunciado faz pouco, tomando por base o desempenho de atribuições criminais, não seria muito mais adequado e proveitoso que as Procuradorias de Justiça Criminais, por exemplo, ocupassem seu tempo e esforço no exercício e movimentação das investigações preliminares e ações penais envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça, o que abrangeria eficiência no combate e persecução dos incontáveis delitos de Prefeito que não raras vezes ficam paralisados nos escaninhos do Judiciário sem encaminhamento adequado que não seja o risco de prescrição? Se a atuação interveniente nas matérias penais é realmente imprescindível e útil, quem é que a exerce entre a notícia-crime e a sentença de primeiro grau? Ora, se o Promotor de Justiça em primeiro grau pode acumular e assumir a função de parte imparcial que concilia a titularidade da ação penal com o papel permanente de fiscal da lei, por qual razão em segundo grau há de se ter dois órgãos atuando de forma dupla e ambivalente como órgão agente e interveniente?

Outrossim, mudando de foco e indo para o âmbito das atribuições cíveis e de tutela coletiva, qual o sentido de se entender que é o Promotor natural que tem melhores condições de elaborar as contrarrazões de recursos que aportam ao Tribunal se, ainda assim, sua sustentação será invariavelmente repetida ou confrontada por outra intervenção ministerial?

Que dizer, então, se considerarmos que, independentemente da matéria, o exercício ambivalente de atribuições de agente e interveniente junto aos Tribunais de Justiça não raras vezes mascara e impede efetiva e relevante concentração de energia no manejo de recursos excepcionais (extraordinário e especial) junto aos Tribunais Superiores (STF e STJ), especialmente quando, nos núcleos recursais específicos, existem escassos recursos humanos, muitos dos quais arregimentados no quadros dos membros de primeiro grau? Aliás, a rigor, formular recurso excepcional para impugnar

21 Se obviamente a independência funcional existe e alcança todos os membros nas suas intervenções de ordem técnica, Promotores ou Procuradores de Justiça, forçoso reconhecer que, na hipótese da instituição do Ministério Público ser parte, a simples chegada do processo no Tribunal já é invariavelmente antecedida de uma posição apresentada e sustentada (bem ou mal, certo ou errado) pelo membro de primeiro grau, entendimento que, por si só, permite julgamento independentemente de reforço ou contrariedade interna originária de atuação ministerial interveniente e acessória.

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decisões dos Tribunais não deveria constituir tarefa e dever de ofício de todo Procurador de Justiça?

A propósito, conforme prescreve o artigo 25, V, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93 – LONMP), se a manifestação do Ministério Público pode se dar sempre que cabível para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos, e se o presente dispositivo pode servir para autorizar manifestação do primeiro grau em feitos que tramitarão ou terão julgamento junto ao segundo grau de jurisdição22, qual a razão de seu conteúdo não ser aproveitável também para releitura e redimensionamento das atribuições dos Procuradores de Justiça? Propor a reflexão crítica sobre a adequação constitucional das atribuições exercidas pelos membros do Ministério Público em segundo grau, assim, é contribuir para o fortalecimento de uma instituição que precisa ter a sua estruturação material e humana total e integralmente comprometida e engajada para cumprimento da sua atividade-fim de defesa e promoção de direitos da sociedade.

Em suma, a partir da compreensão que se tem do perfil constitucional exigido do Parquet em segundo grau, quer-se sustentar objetivamente que:

I – há necessidade de se priorizar a atuação do Ministério Público como Órgão Agente23; II - havendo atuação ministerial na condição de Órgão Agente, afastada há de estar a intervenção como Órgão Interveniente (custos legis), evitando-se, assim, a sobreposição de trabalho repetido ou mesmo contraditório ao posicionamento ministerial já existente e sustentado24; III – o posicionamento do Ministério Público como Órgão Interveniente, além de fundamentado, deve ser sólido e propositivo, cercado de genuíno interesse público e passível de ensejar manejo de impugnação recursal (com legitimidade e interesse) em eventual sucumbência total ou parcial que resulte do sentido da prestação jurisdicional.

Assim, se uma das constatações da debilidade do Ministério Público em segundo grau está na concentração de esforços para atuação exclusivamente como fiscal da lei em detrimento de um papel proativo como sujeito, certamente que os vícios que cercam essa macroestrutura institucional propiciam adicionais dificuldades assentadas a partir de duas outras faltas lacanianas prejudiciais, quando não impeditivas ao estabelecimento de harmonia e conformidade constitucional nas atividades ordinariamente desenvolvidas pelas Procuradorias de Justiça enquanto órgãos de

22 A propósito, embora o tema seja polêmico, de se destacar que constitui prerrogativa dos membros do Ministério Público (abrangidos aí, obviamente, também os Promotores de Justiça), não só a vista como intervenção nas sessões de julgamento para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato.

23 Como bem expõe o colega MARCELO ZENKNER, “o maior poder que possui a instituição: o de iniciativa (...).24 Afinal, novamente na lição do colega MARCELO ZENKNER: “‘parecer’ (juízo técnico isento) emite

apenas quem está fora da lide – jamais aquele que formula uma pretensão em juízo”.

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execução: 1) falta de definição clara das atribuições extrajudiciais; 2) carência ou desempenho inadequado de atribuições originárias que lhe assegurem atitude de protagonismo tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial. Em suma, como bem aponta com precisão GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA25, o Ministério Público deixou de ser o simples guardião da lei (custos legis) e agora, cada vez mais, precisa assumir o papel de guardião da sociedade (custos socioetatis).

É justamente no embalo e entusiasmo desse raciocínio que, partindo do posicionamento de algumas dificuldades e obstáculos ao papel constitucional exercido no âmbito do segundo grau, espera-se produzir emancipadora abertura de janelas e perspectivas que estimulem o debate dialético em prol do crescimento e aperfeiçoamento institucional.

3. Falta de definição clara das atribuições extrajudiciais ao Ministério Público de segundo grau: primeira delimitação

“E correm através da madrugada, a única velhice que chegou... demoram-se na beira da estrada e passam a contar o que sobrou” (Zé Ramalho)

Tal como um corpo orgânico privado ou limitado de suas funções e sentidos, a constatação a que se chega é que, atualmente, de maneira geral, os membros ministeriais oficiantes em segundo grau, a despeito de sua independência funcional, não possuem margem de atuação e dinamismo que lhes permita atuar com a mesma desenvoltura que os colegas Promotores de Justiça no cumprimento do papel constitucional.

Um dos primeiros indicadores do presente estudo parte do entendimento de que esta crucial incompatibilidade operacional, este diferencial quantitativo e qualitativo no desempenho do perfil constitucional estabelecido de acordo com o nível de atuação, tem sua origem patológica na ausência de efetiva delimitação e regulação das atribuições extrajudiciais cabíveis e exigíveis dos Agentes Ministeriais de segundo grau, especialmente quando faz-se indispensável que os Membros do Ministério Público atuem como agentes políticos transformadores da realidade social, superando a perspectiva meramente formalista e processual de sua atuação26.

Por mais que a atuação do Ministério Público em primeiro grau ainda esteja muito longe de atingir índices de excelência na efetivação das múltiplas e operosas atribuições conferidas pela Constituição, especialmente no trato dos direitos difusos e coletivos, realidade complexa que envolve desde problemas estruturais27 à insuficiência orçamentária, fato indiscutível é que há uma tendência para que, cada vez mais, sejam os Promotores de Justiça cobrados pela mídia e sociedade civil justamente pelas

25 Artigo “O Ministério Público no Neoconstitucionalismo: perfil constitucional e alguns fatores de ampliação de sua legitimação social”, contido na obra Temas Atuais do Ministério Público. 20 anos do Parquet e a Constituição Federal, ver referências bibliográficas..

26 A lição é um dos nove postulados da memorável Carta de Curitiba, editada no 13º Congresso Nacional da instituição, tendo como tema justamente o desafio de se implementar o conceito de “Ministério Público Social”.27 Incluindo falta de suficientes órgãos auxiliares, ineficiência na implementação de planejamento estratégico-institucional capaz de medir dados da atuação e monitorar resultados, dentre diversos outros aspectos.

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eventuais omissões praticadas no exercício das atribuições extrajudiciais. Essas, aliás, servem à defesa do que há de mais caro e relevante à sociedade na construção de Justiça Social: proteção do meio ambiente, luta pela probidade administrativa (combate à corrupção), promoção de maior acesso e qualidade na educação, garantia da saúde como serviço de relevância pública, combate ao crime organizado, manutenção de eficaz controle externo da atividade policial, tutela dos direitos da criança e adolescente, do consumidor, do idoso, dos portadores de necessidades especiais, etc.

Nesse processo, compreendido o Ministério Público na sua totalidade, abrangendo órgãos de execução estabelecidos em planos distintos, inexorável que toda esta demanda e justa pressão social que hoje se acentua e se concentra sobre os órgãos de primeiro grau (até mesmo porque são estes que estão acessíveis e disponíveis no atendimento permanente da população) também precisa transferir-se parcialmente aos colegas oficiantes em segundo grau, com os quais também há de se compartilhar responsabilidades na concretização do protótipo ministerial idealizado e esperado pela Constituição, verdadeiro eixo axiomático do Estado Democrático de Direito.

Afinal, mais de duas décadas se passaram da Constituinte de 1988 e lamentavelmente as instituições representativas do Ministério Público em todos os níveis não conseguiram estabelecer, com reflexão crítica e profundidade, a necessidade de redefinição do papel e do paradigma que informa a atuação dos membros ministeriais em segundo grau, como se esse fosse um assunto proibido. Assim, em ambiente republicano e democrático, havendo tanto por fazer e caminhar, a começar pela própria insuficiência e escassez de recursos humanos, já é mais do que chegada a hora da matriz de cobrança que impõe maior eficácia no trato da tutela dos interesses metaindividuais invadir o espaço das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução que, obviamente, como parte de uma instituição, também precisam cumprir e exercer atribuições técnico-administrativas de cunho extrajudicial.

Diferentemente dos membros do primeiro grau, os quais, na sua operosidade, possuem permanentes demandas e múltiplas possibilidades para atuação extrajudicial (ainda que por vezes muitos assim não façam também por falta de orientação e fiscalização adequada de parte das Corregedorias-Gerais28), a atividade ministerial em segundo grau está, via de regra, atrelada indevida e cegamente ao desempenho de atribuições exclusivamente judiciais, isso porque, dentre causas de distinta natureza, a definição institucional e orgânica das Procuradorias de Justiça, a par de contemplar atuação vinculada à determinada unidade jurisdicional, igualmente não possui necessária e obrigatória correlação com alguma área de tutela coletiva a partir dos equipamentos e mecanismos que integram o agir institucional.

Nesse contexto, se o Ministério Público tem missão constitucional passível de ser desenvolvida a partir de duas faces, uma judicial e outra extrajudicial, o primeiro impasse e sério embaraço criado pelo (des) encontro do Agente Ministerial com a esfinge (a Constituição) reside no fato da cultura institucional estar absolutamente equivocada ao abrir mão e negligenciar que os Procuradores de Justiça assumam papel proativo e de verdadeiro protagonismo nesse sentido, o que certamente contribui para

28 “Não havia lugar de destaque (...) Na fachada da casa logo do outro lado da rua, via-se um deles. ‘O Grande Irmão está de olho em você’, dizia o letreiro. (...) Era a patrulha policial bisbilhotando pelas janelas das pessoas. As patrulhas, contudo, não eram um problema. O único problema era a Polícia das Ideias”, trecho da obra “1984”, de GEORGE ORWELL.

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explicar não só o descolamento dessas unidades com a identidade constitucional como, outrossim, a propagação de certa sensação de falta de efetividade e utilidade no desempenho de atribuições antes vivenciadas ou pelo menos possíveis quando da vinculação e exercício funcional havido no âmbito das Promotorias de Justiça.

Querer ressignificar e preencher as atribuições das Procuradorias de Justiça com atividades extrajudiciais é entender que, em verdade, na raiz, é possível superar e explicar o conflito geracional entre Promotores e Procuradores de Justiça não apenas pelo período de ingresso na carreira (antes ou depois da Constituição de 1988), mas também a partir da necessidade redimensionamento das atividades típicas das atribuições de segundo grau, pauta na qual a defesa da prerrogativa do exercício de atividades extrajudiciais como necessidade ocupa papel estratégico fundamental.

Dessa forma, quer-se crer que a priorização da atuação resolutiva extrajudicial capaz de concertar atendimento de direitos coletivos a partir de instrumentos e mecanismos autônomos independentes da prestação jurisdicional (ex: recomendações administrativas, audiências públicas, termos de ajustamento de conduta), deva constituir atenção prioritária na epiderme institucional do Ministério Público como órgão que, em todos os níveis, inclusive em segundo grau, precisa atuar engajado na busca de maior Justiça Social, o não se obtém apenas dentro de processos vinculados aos estreitos limites do Estado-Juiz, muito antes pelo contrário.

Significativo, então, que a ausência de normatização clara e objetiva descrevendo e discriminando as atribuições extrajudiciais de desempenho necessário aos membros oficiantes em segundo grau traga prejuízo ao fortalecimento da instituição e, via de consequência, à própria sociedade. De outro lado, expressivo considerar que, mesmo à luz da normatização institucional vigente, é possível visualizar incontáveis formas e possibilidades de os Procuradores de Justiça assumirem este papel, especialmente considerando as funções e as amplas possibilidades reorganização administrativa que podem ser encaminhadas pelos órgãos da Administração Superior.

Assim, a conclusão preliminar que se chega é que esta pretendida ressignificação das atividades do segundo grau a partir da assunção e exercício de atribuições extrajudiciais começa a partir da reflexão democrática e da mudança de postura institucional interna capaz de trabalhar e adequar a estrutura vigente com possibilidade de completar seu aprimoramento num segundo momento, se preciso a partir de reestruração administrativa que passe por modificações substanciais no quadro normativo vigente. Embora este processo de reflexão e transformação seja permanente, vez que inexiste encerramento ou ponto de chegada para o aperfeiçoamento e fluir de qualquer instituição pública republicana, pretende o presente estudo insistir na ideia de que a mudança aqui defendida, e boa parte dos seus argumentos, pelo menos num primeiro estágio, não depende de intervenção legislativa externa, mas sim da própria vontade de mudar dos membros e gestores que compõem a atividade do Ministério Público.

Partindo dos dados trazidos pelo Diagnóstico do Ministério Público dos Estados, indicativos de que, em média, os Procuradores de Justiça compõem aproximadamente 15% (quinze por cento) do quadro de recursos humanos em geral, havendo 6,62 (seis vírgula sessenta) membros de primeiro grau para cada colega oficiante em segundo nível, chega-se à conclusão de que é inconcebível que a situação

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problemática mencionada mantenha-se passiva, inalterada e, o que é pior, longe de proposições de mudança e reengenharia institucional.

Pergunta-se, em tempos de crise, economicidade e racionalização de meios de operação, diante da incessante e paranóica busca de maior produtividade e medição de resultados, que empresa pode se dar o luxo de permitir que o cumprimento de parcela significativa e até mesmo prioritária de suas atividades fique caprichosa e injustamente a cargo de apenas uma parte de seus empregados quando, em verdade, toda a consciência coletiva da corporação precisar buscar mesmos e idênticos objetivos com somatório de esforços, divisão de responsabilidades e encargos?

Privar as Procuradorias de Justiça de funções extrajudiciais é não só mantê-las capengas e destoantes da arquitetura constitucional como, também, enfraquecer o impacto e a medida da ação do próprio Ministério Público como instituição, quiçá violando o princípio constitucional da eficiência (artigo 37, “caput”, da CR), termo aqui utilizado não com o significado puramente econômico, mas em prol da excelência profissional, motivação organizacional29 e compromisso na produção de melhores e mais qualificados e efetivos resultados com máximo aproveitamento dos recursos e instrumentos disponíveis30.

Se dentre os deveres funcionais dos membros do Ministério Público consta o zelo pelas suas prerrogativas, pela dignidade de suas funções, as quais devem ser desempenhadas com presteza, e se no rol destas obrigações também consta a necessidade de se adotar as providências cabíveis em face da irregularidade que se tenha conhecimento no limite das atribuições (artigo 43, II, VI e VII, da Lei 8.625/93), tais aspectos somente reforçam a necessidade de se exigir sólida e consistente atuação extrajudicial de parte dos membros do Ministério Público em segundo grau.

Quanto à outra natural e corriqueira questão que angustia e atormenta toda e qualquer proposta de mudança, inerente ao como fazer, essa, no caso, já traz em si uma vitória fundamental, consistente no entendimento de que o exercício da atribuição extrajudicial, mais do que necessário, é plenamente alcançável. No âmbito dessa indagação, por ora, importante apenas compreender que a assunção de atividades extrajudiciais de segundo grau admite um campo enorme de possibilidades, dentre as quais a contingência de se entender que, da mesma forma que se flexibiliza e se aceita que membros de primeiro grau desempenhem atípicas atividades que poderiam ser conferidas ao segundo (por exemplo, apresentar contrarrazões recursais, formalizar pedido para realizar sustentação oral, peticionar ao segundo grau esclarecendo algum tipo de situação, pedindo prioridade no andamento do processo ou mesmo acrescendo determinado fato superveniente, impetrar habeas-corpus, mandado de segurança ou requerer correição parcial na forma do artigo 32, I, da Lei 8.625/93, etc.), por coerência,

29 A propósito, Relatório de Atividades divulgado recentemente (agosto/2009) pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), abrangendo análise estatística de dados coletados das Resoluções n. 12 e 25, subscrito pelo cientista político Rondon de Andrade Porto, apontou falta de motivação organizacional para remessa de dados sobre a atuação ministerial, vislumbrando árduo caminho de conscientização como aprendizado para construção da eficiência no futuro. 30 Necessária a ressalva quando, como bem demonstra ALEXANDRE MORAIS DA ROSA (Law & Economics), a matriz neoliberal dominante e a Análise Econômica do Direito (AED) sempre traz o risco da armadilha de filiação ingênua ao discurso eficientista, o qual não raras vezes é invocado em prejuízo da democracia e efetivação de direitos fundamentais.

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mesmo entendimento há de ser aplicável aos Procuradores de Justiça, os quais também, em hipóteses determinadas (uma delas o desempenho de atribuições extrajudiciais), podem (e devem) trabalhar exercendo atividades combinadas e articuladas com o primeiro grau.

No plano legislativo, é de se assinalar e se questionar qual a razão da Lei 8.625/93, contrariamente ao disposto no artigo 23 para as Promotorias de Justiça, não ter feito previsão expressa de que as Procuradorias de Justiça também podem desempenhar funções extrajudiciais, especializadas, gerais ou cumulativas, inclusive com atribuições fixadas mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, aprovada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, o que inclui a possibilidade de exclusão, inclusão ou outra modificação nas atribuições, contanto que estas sejam efetuadas mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, aprovada por maioria absoluta do Colégio de Procuradores. Ilustrando a impressão de que a intervenção legislativa é inadequada e, de certa forma, insuficiente e lacônica no que tange à regulação administrativa das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução, o que inclui omissão grave sobre a necessidade constitucional de desempenho de atribuições extrajudiciais, contraditoriamente chama atenção o preciosismo do artigo 22 da Lei 8.625/93 ao dedicar três incisos para elencar atribuições periféricas de natureza puramente administrativa, quais sejam, escolha do responsável pelos serviços administrativos, propositura da escala de férias e solicitação de convocação de Promotor de Justiça para substituição nas funções, verdadeira inversão de prioridades, reflexo da natureza assexuada e da hiper-realidade (BAUDRILLARD) que norteia as atividades ministeriais em segunda instância.

Independentemente de aperfeiçoamento legislativo superveniente, tomando por base a identidade constitucional, certo é que já passou a hora de se pensar a (re) construção do Ministério Público em segundo grau a partir da leitura clara e pedagógica das múltiplas funções conferidas pela Constituição Cidadã, uma das quais o desempenho de atribuições extrajudiciais, tanto é assim que, logo adiante, tem-se a pretensão de materializar algumas sugestões deste raciocínio, o que se quer fazer a partir de exemplos e situações concretas que permitam mostrar a viabilidade de tal projeto. Antes, porém, há um ponto mais a considerar.

4. Carência e/ou insuficiência de exercício de atribuições originárias

promocionais como Órgão Agente: segunda delimitação

“O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.”

(Hannah Arendt)

Como segundo aspecto capaz de ilustrar a explicação de todo esse quadro de dificuldade, quando não contribuir para percepção dos obstáculos intransponíveis que têm dificultado exercício efetivo da missão constitucional conferida às Procuradorias de Justiça, é de se entender que tanto a carência como o insuficiente desempenho de atribuições originárias promocionais típicas de Órgão Agente também constituem motivos determinantes do processo de alheamento dos membros do segundo grau com o modelo realizador exigido pela Constituição.

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Se é verdade indiscutível que a Lei Maior trouxe quadro de oxigenação e abertura das atribuições do Ministério Público, reforçando-lhe a titularidade da ação penal e outorgando-lhe o papel de verdadeiro fiscal e ouvidor da sociedade na defesa dos seus direitos difusos e coletivos, forçoso reconhecer que a realização dessa tarefa não se faz por mero discurso retórico, sem a disponibilização de instrumentos que permitam a implementação de processo de trabalho planejado e estrategicamente adequado para a consecução dos resultados pretendidos.

Nessa ótica, é chegada a hora de raspar o verniz para perceber que o campo de atuação dos membros do Ministério Público oficiantes em segundo grau reflete estado viciado e duplamente sedante que, especificamente no que toca o exercício de atribuições promocionais de parte, de Órgão Agente, abrange tanto a inércia da ausência como a incompletude do desempenho insuficiente, ambas situações nocivas e prejudiciais à proteção coletiva da sociedade, o que se estende tanto no âmbito criminal como cível.

A projeção dessas dificuldades é multidimensional. Da mesma forma que a ausência de atribuições promocionais originárias impede que órgãos de execução em segundo grau estejam cotidianamente voltados à atuação na condição de agentes de transformação social (por exemplo, recomendando, ajustando ou mesmo, se preciso, demandando a implementação de direitos metaindividuais, exercendo atribuições originárias criminais contra Prefeitos Municipais, quiçá contribuindo para o efetivo controle objetivo e abstrato de constitucionalidade nas leis municipais e estaduais), a insuficiência de atribuições promocionais originárias também cobra um alto preço à produtividade do trabalho institucional (materializando deficiente suporte e auxílio dado pelas Procuradorias de Justiça na viabilização de medidas de apoio relevantes para subsidiar atividades desempenhadas em primeiro grau, na falta de estrutura adequada para que se exerça com diligência e combatividade o aviamento de recursos e expedientes de impugnação disponíveis junto aos Tribunais Superiores, etc.).

Se a zona cinzenta das atribuições típicas ordinárias dos Procuradores de Justiça reflete um quadro que, de forma geral, permite concentração brutal e totalitária de atribuições originárias na figura do Procurador-Geral de Justiça, justamente a figura da Administração Superior mais exposta às injunções e pressões políticas de parte dos representantes dos demais poderes, a começar pelo critério de escolha que, lamentavelmente, apesar da lista tríplice, ainda vincula sua nomeação ao decisivo arbítrio do Governador do Estado, a insuficiência da atuação, de outro lado, mostra que há uma crise de consciência, participação e emancipação dos membros oficiantes em segundo grau, perdidos e distantes que estão, muitas vezes, dos parâmetros constitucionais que deveriam informar suas respectivas funções.

Em nome de uma tradição equivocada ou mesmo sob argumento de uma formal indivisibilidade imprestável à efetividade do agir ministerial, argumentos invocados muitas vezes para esconder propósitos menores de ordem político-institucional, é inadmissível que, em tempos de luta pela democratização interna do Ministério Público brasileiro, ainda seja exigível a necessidade de formal delegação do Procurador-Geral de Justiça para que os Procuradores de Justiça possam exercer suas atribuições de modo pleno junto a estruturas de poder existentes no âmbito Estadual (Governo do Estado, Assembléia Legislativa, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, etc), não raras vezes

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livres de da força e incidência que impacta o controle das administrações públicas municipais.

Pior do que tudo isso, só mesmo achar que este estado de coisas é aceitável ou intencionalmente preferir deixar de lado o figurino constitucional para vestir trapos de conformismo e acomodação que tolhem os membros do segundo grau de um efetivo e mais adequado cumprimento de suas atribuições, constatação que, longe de trazer alento, aos espíritos críticos e conscientes da importância do seu papel, traz a sensação angustiante de impotência, quando não de uma atuação mais voltada para o objeto do que para o sujeito, passível de ser tida como supérflua, inútil, ou mesmo desnecessária. Defender prioridade e maior ênfase na atuação do Ministério Público em segundo grau como órgão “agente” é, de outro lado, fazer do Procurador de Justiça verdadeiro “sujeito” protagonista e não propriamente um “objeto” acessório e supérfluo de intervenção, pois, como bem ensina ZIZEK31, a diferença entre o sujeito [subject] e objeto [object] também pode ser expressa como diferença entre os dois verbos correspondentes: sujeitar [to subject] e objetar [to object] (...) a atividade do sujeito, em seu aspecto mais fundamental (...) o modo fundamental da passividade do objeto, de sua presença passiva, é a que comove, incomoda, perturba, traumatiza a nós (sujeitos)”.

Importante ressalvar que as reformas e mudanças de comportamento do segundo grau propostas no presente texto em momento algum desconciliam ou desequiparam as atividades dos Procuradores de Justiça com os Desembargadores, na medida em que o exercício de atribuições originárias promocionais, por exemplo, haverá de ser feito diretamente no Tribunal de Justiça respectivo. Ao contrário, quando se diz e se sustenta que as atribuições dos Procuradores de Justiça precisam priorizar as atividades de órgão agente frente às de interveniente, quer-se fortalecer a atuação do Ministério Público junto ao Poder Judiciário, ocupar e preencher o ofício do Procurador de Justiça com a pauta de atribuições institucionais do que efetivamente importa e interessa. Afinal, tal como a intensidade do Ministério Público em primeiro grau é igual ou mesmo superior às atividades burocráticas do próprio Poder Judiciário em primeira instância (o qual somente age quando provocado e, ademais, não tem a constante e infinita preocupação de ir proativamente atrás de detecção e solução de problemas que afligem a coletividade), qual a razão de se admitir e se entender que com os órgãos ministeriais de execução em segundo grau possa ser diferente?

Prova de que o legislador constituinte quis que o Ministério Público atuasse prioritária e fundamentalmente como concreto Órgão Agente extrai-se da própria noção de texto e programa das normas constitucionais32 inscritas nos artigos 127 a 129 da Lei Fundamental. Como ensina FREDERICH MULLER, tal como a norma é editada por influência da realidade, nada mais adequado que, sobre esta mesma realidade, também se deva exercer significativa influência, raciocínio que somente vem a reforçar a necessidade de se conferir papel promocional e ativo à atuação do Ministério Público como instituição.

Por aí já se vê, como já dito anteriormente, que também neste ponto ora abordado os novos caminhos possíveis para correção dos rumos do Ministério Público

31 A visão em paralaxe. 32 Maior detalhamento da diferença entre texto e programa da norma pode ser obtida mediante consulta aos trabalhos do constitucionalista alemão FRIEDRICH MULLER.

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em segundo grau permitem amplo alcance, abrangendo tanto a necessidade de aperfeiçoamento constitucional e legislativo dependente de ação política externa, como, de outro lado, contemplando a possibilidade de que a mudança se faça aqui e agora, por conta da reestruturação das forças internas de cada Administração Superior a partir da escuta democrática dos membros da classe. Respeitados os estreitos limites desse estudo, importante assimilar que toda esta transformação de segundo grau é complexa, embora parte substancial dela dependa única e exclusivamente de uma mudança de postura e de organização interna ao próprio Ministério Público dentro de suas prerrogativas constitucionais de autonomia.

Importante frisar que tanto o cometimento e assunção de atribuições extrajudiciais pelos órgãos de execução do segundo grau como a priorização das atividades promocionais de órgão agente não só fortalecem a atuação do Ministério Público no âmbito estreito do Poder Judiciário, como também frente a todas demais forças vivas da sociedade e poderes de Estado, estabelecendo efetivo ponto de mutação33 (CAPRA) capaz de emprestar a vitalidade, a motivação e o entusiasmo necessários para que o Ministério Público em segundo grau cumpra com o seu nobre e operoso papel constitucional.

5. Da falta de integração (o efeito Torre de Babel) às incongruências e incoerências que dificultam a convivência e remetem para o “absurdo”: da necessidade de se construir uma convivência ministerial sistêmica e harmônica entre primeiro e segundo graus

En estas contradicciones se recoñecen los primeiros signos de la obra absurda (Albert Camus)

Além da falta de um papel extrajudicial bem assentado e definido, da ausência ou mesmo insuficiência de plataforma que lhes permita prioritária atuação promocional na condição de “agente” (autor) e não como mero órgão “interveniente” (parecerista), agravando as dificuldades de os Procuradores de Justiça cumprirem com um papel efetivo e realizador coerente com o que preconiza o texto e o sentimento constitucional, há o fato preocupante de esses Agentes Ministeriais geralmente estarem não só afastados do contato com a sociedade (que, em último grau, precisa conhecer e subsidiar a atuação do Ministério Público), como também apartados e, de certa forma, sem mecanismos de comunicação e distribuição adequada que permitam maior integração técnica e humana com os colegas oficiantes em primeiro grau.

Toda essa problemática situação caracteriza verdadeiro abismo entre o Ministério Público de primeiro e segundo graus que, especificamente no ramo de atuação estadual, aparta Promotores e Procuradores de Justiças em mundos e universos completamente distintos, quando da agregação dos seus esforços deveria resultar um espírito de família34. Diagnosticar esta premissa em uma instituição que possui um princípio constitucional de unidade encravado nas suas entranhas, no seu código 33 “Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força...O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando, daí, portanto, nenhum dano” Citação de I Ching na abertura da obra “O ponto de mutação – A ciência, a Sociedade e a Cultura emergente”, de FRITJOF CAPRA.

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genético, é algo não só contraditório como, efetivamente, situação próxima do absurdo¸ que sempre, além da angústia, traz incoerência e perplexidade. Dessa forma, se estabelecer níveis desequilibrados de atuação de órgãos com atuações tão distintas já constitui algo preocupante, admitir a mistura de papéis de órgão “agente” e “interveniente” sobre uma mesma e determinada intervenção definitivamente é criar e fomentar o estabelecimento de uma verdadeira Torre de Babel, na qual se admite que cada unidade de execução possa vir falar a sua própria língua, ambiente onde ninguém realmente se entende e, não por acaso, o horizonte e o céu (defesa da sociedade), a partir daí, ficam muito mais distantes.

Ao contrário de um mimetismo de funções mais ou menos estabilizado e vigente no âmbito do Poder Judiciário, no qual, por exemplo, seja para manter uma determinação, seja para alterá-la parcial ou totalmente, sempre há uma substituição de uma decisão individual do Juiz por outra colegiada emanada por um Grupo de Desembargadores, certamente que a convivência entre primeiro e segundo graus no corpo do Ministério Público, ao mesmo tempo em que é potencial e culturalmente mais democrática e aberta ao diálogo, por outro lado mostra-se acentuadamente mais difícil não só pela alegada (e ao mesmo tempo saudada) independência funcional35 indicativa da falta de hierarquia (e seus discutíveis efeitos), como, também, pela diferença entre os papéis e funções na prática exercidos, pois enquanto os membros de primeiro grau sempre devem concentrar atribuições extrajudiciais e judiciais, estas últimas tanto na condição de órgão agente como interveniente, o mesmo não acontece com os Procuradores de Justiça que, via de regra, limitam suas atividades gerais ao desempenho de tarefas judiciais, a sua maior parte na condição de “fiscal da lei” como espectadores passivos de uma segmentada realidade processual. Dessa forma, também é pela impossibilidade de se exigir que Procuradores de Justiça, na sua atuação como custos legis, tenham que concordar sempre com as posições defendidas por Promotores de Justiça, o que se faz em nome da independência funcional tão cara a estes e que obviamente também se estende àqueles, que o melhor caminho e solução para este impasse que prejudica a construção da unidade é simplesmente eliminar a atuação como órgão interveniente nas situações em que o Ministério Público já ocupa papel de parte, tarefa que não só elimina este problema como, de outro lado, abre perspectiva e reserva de energia para que os órgãos de execução de segundo grau assumam funções mais condizentes e próximas com a identidade constitucional do Parquet.

Nesse processo de convívio simbiótico entre primeiro e segundo graus, certamente que a dificuldade de o “eu” (Procurador de Justiça) se reconhecer no “outro” (Promotor de Justiça) e vice-versa (no e pelo caminho da solidariedade e alteridade), não só prejudica a integração e maior aproximação técnica e humana de membros de uma mesma corporação com atuação e rendimento diferenciados sob o prisma constitucional, como, a médio e longo prazo, minam a saúde do ambiente institucional, que passa a ser prejudicialmente visto de modo fracionado e não raras vezes insuperavelmente contraditório.

34 “A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram aqui como passageiros que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa”. ASSIS, Machado de. “Advertência”, da obra Papéis Avulsos, 1882.35 Ainda que esta não seja absoluta e, obviamente, não possa servir de abrigo à omissão, tema bastante explorado e discutido na atualidade a partir da exigência de planejamento estratégico institucional e a necessidade de se conciliar o princípio da unidade com a independência funcional.

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O efeito Torre de Babel está, justamente, na eventual impossibilidade de fala e troca democrática efetiva entre os membros do Ministério Público em primeiro e em segundo graus que, hoje, de modo geral, como já dito, habitam ambientes acentuadamente distintos, o que se reflete não só no agir institucional como, outrossim, na dificuldade de reversão de um processo cultural equivocado que não rara vezes coloca forças de trabalho de uma mesma instituição em verdadeiro estado de apartheid e segregação.

Isso porque, obviamente, aos olhos de quem se vê sobrecarregado, quando não propriamente dificultado ou impossibilitado de cumprir com o seu operoso encargo constitucional, é compreensível que a rotina de trabalho e atividades das Procuradorias de Justiça acabe sendo vista de modo marcadamente estigmatizado como zona de amortecimento e conforto, verdadeiro espaço oficial de aclimatação para a gradual chegada da inatividade ou mesmo vivência exclusiva de situações e experiências políticas institucionais, como infelizmente é do pensamento e da atitude de alguns36.

Ainda nessa conjuntura, importante considerar que, entre os níveis de primeiro e segundo graus, pairam extensas divergências funcionais e práticas, além de difícil canal de comunicação, constatação que, por vezes, reflete e consolida-se na própria forma dupla, repetida, assistemática, e quando não contraproducente, com a qual alguns membros do Ministério Público sobrepõem-se aos outros, o que gera não só discussão e conflito de atribuições, como, ainda, fonte para argüição de nulidades (v.g., merece destaque a discussão envolvendo suposta violação às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório com “paridade de armas” pelo fato de o Ministério Público, em recursos criminais, falar duplamente, como parte e interveniente, neste último caso, inclusive, após a defesa e sem chance desta contrapor novos argumentos, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal – HC 87.926-8/SP).

Além de a atual estruturação permitir que haja coincidência e acúmulo de atuação do Ministério Público “agente” e “parecerista” em dado processo, propiciando violação oficial do princípio da unidade37, tal situação duplica um mesmo tipo de trabalho ou serviço, patologia digna de enquadramento como síndrome nociva à organicidade institucional, que continua sendo seguida de forma acrítica e contraproducente, beirando a irracionalidade!

Que dizer, enfim, da situação de os órgãos de execução em segundo grau sequer terem coerente organização e distribuição, tal como ocorre com o primeiro grau? Como entender que muitas vezes o Procurador responsável por um determinado pronunciamento sequer está escalado na sessão do Tribunal respectivo para sustentar oralmente o seu posicionamento? Como explicar, ainda, que muitos Procuradores de 36 Sim, pois, na falta de verdadeira e ampla democratização interna do Ministério Público brasileiro de modo geral, instituição na qual, em muitos Estados da Federação, Promotores de Justiça ainda não podem concorrer ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, a assento no Conselho Superior, além de ficarem alijados de integrarem o Colégio de Procuradores (que, como o próprio nome diz, constitui espaço exclusivo dos membros de segundo grau), ainda há quem inacreditavelmente defenda a capacidade eleitoral passiva restrita aos Procuradores de Justiça no exercício da política institucional (reserva de mercado) sob argumento de que os membros oficiantes em segundo grau teriam volume de trabalho (e tempo) muito mais compatíveis com a gestão dos assuntos institucionais do que aqueles atuantes em primeira instância. 37 Nesse sentido, veja-se o artigo “A intervenção do Ministério Público em segundo grau”, da lavra de PAULO QUEIROZ, estudo no qual consta que “a distinção entre autor e fiscal da lei, apesar de tradicional e recorrente, é infundada, porque pressupõe dualidade onde existe ou deve existir unidade “.

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Justiça, ao mesmo tempo em que rejeitam com veemência a revisão das funções ou mesmo a assunção e envolvimento com atribuições judiciais coletivas, de outro lado resistem à racionalização de atribuições cíveis no plano individual mesmo em matérias em relação às quais a própria jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores já tratou de afastar a legitimidade do Ministério Público (ex: execuções fiscais)? Quem disse que as Procuradorias de Justiça devem e precisam ter atuação restrita aos Tribunais quando o horizonte constitucional é muito mais amplo e apresenta outras possibilidades?

Com efeito, muitas são as incoerências e incongruências funcionais praticadas em segundo grau, as quais remetem para situações de difícil aceitação e proximidade da sensação de absurdo. É preciso entender que, tal como o homem absurdo de ALBERT CAMUS é aquele que, dentre outras coisas, nada faz pelo eterno, nada faz para fecundar o porvir, uma das posturas institucionais passíveis de serem tidas como incompreensíveis no atual arquétipo do Ministério Público em segundo grau começa no abandono de atribuições extrajudiciais e se completa no insuficiente exercício ativo de controle e promoção das ações penais originárias e, principalmente, no esquecimento da missão de combater e promover direitos coletivos que permitam transformação e interferência positiva na realidade social, diretrizes que, isoladamente ou combinadamente, debilitam, em muito, o rendimento, a legitimação e a credibilidade institucional.

Por essas e outras que, nesse contexto, defender a implementação democrática de uma atuação sistêmica capaz de envolver integração, articulação e mobilização conjunta entre primeiro e segundo graus tendo por base a horizontalidade e a compreensão do papel exercido por cada órgão de execução, parece ser o único e melhor rumo a seguir não só para a concretização da unidade, mas, sobretudo, para o cumprimento adequado do compromisso constitucional. Caso se adote a premissa da teoria sistêmica na ótica NIKLAS LUHMANN38, sem dúvida que o fortalecimento da comunicação entre primeiro e segundo graus, mais do que um relevante código, é um evento comunicativo necessário e possível que, no caso, ao efetivar verdadeira autopoiese, contribui para melhor captação e seleção de expectativas sociais coletivas na efetivação de direitos cuja defesa incumbe ao Ministério Público como instituição posta em posição de destaque dentro do subsistema de Justiça.

Só mesmo a implementação de um ambiente sistêmico e democrático fundado na busca de objetivos comuns, estabelecido a partir de funções similares, poderá estabelecer estado de inter-relação e interdependência que sirva como ponte de transposição (vaso comunicante) entre o fosso hoje existente entre primeiro e segundo graus. Ainda que não se queira defender qualquer tipo de maniqueísmo, já que os problemas também são sistêmicos39 e integrantes de um processo a partir do qual se entende que nenhuma das instituições será superior ou mais importante do que

38 Fontes: BRAGATO, Fernanda Frizzo. Os Direitos Humanos sob a ótica de Niklas Luhmann. São Leopoldo, abril de 2007. 39 “Esses problemas como veremos em detalhe, são sistêmicos, o que significa que estão intimamente interligados e são interdependentes. Não podem ser entendidos no âmbito da metodologia fragmentada que é característica (...) de nossos organismos governamentais. Tal abordagem não resolverá nenhuma de nossas dificuldades, limitar-se-á a transferi-las de um lugar para outro na complexa rede (...) Uma resolução só poderá ser implementada se a estrutura da própria teia for mudada, o que envolverá transformações profundas em nossas instituições sociais, em nossos valores e ideias”. (CAPRA, obra citada).

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qualquer uma das outras, tanto é assim que todas terão que estar conscientes umas das outras (CAPRA) para a comunicação e cooperação entre si, diferente, sem dúvida, é a situação vivenciada pela fração representativa do Ministério Público em segundo grau. Embora o cumprimento da missão constitucional deva constituir desafio permanente para todos os órgãos de execução, também pela adoção da perspectiva sistêmica não há como esconder o reconhecimento e a percepção de que o maior distanciamento entre as atividades exercidas e o modelo de exigência constitucional inclina maior curva de preocupação justamente no que diz respeito aos membros oficiantes em segundo grau. Compreendido o Ministério Público como uma totalidade integrada (da qual, como bem ensina CAPRA, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma das partes), enquanto as Promotorias de Justiça precisam “apenas” aperfeiçoar a efetividade de sua atuação (muito mais próxima cotidianamente do querer constitucional), das Procuradorias de Justiça há de se exigir urgente e substancial mutação da atual rotina de trabalho para que haja cumprimento mínimo da função que constitucionalmente lhes cabe, o que de certa forma justifica toda a temática que cerca o presente trabalho. Não pode o Ministério Público em segundo grau continuar atuando sem cumprimento eficaz do compromisso constitucional, o que, de preferência, pode e deve ser feito com valorização e destinação preferencial de esforços para atuação como órgão agente40.

6. Caminhos operacionais concretos capazes de otimizar e emprestar conformidade constitucional à atuação do Ministério Público em segundo grau

“Estamos indubitavelmente diante da mais grave encruzilhada da história, pois é impossível continuar avançando no mesmo caminho”.

(Ernesto Sabato)

Dessa forma, nem que seja à base da martelada (NIETSZSCHE)41, para que se atinja e se atenda o perfil institucional delineado pela Constituição da República, é preciso rever e rediscutir, criticamente, o foco que deve nortear a atuação e a intervenção do Ministério Público em segundo grau. Afinal, como ensina a emancipadora pedagogia da autonomia de PAULO FREIRE, “constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. Reinventar, portanto, é preciso.

Sem prejuízo das constatações até aqui realizadas, sinalizando conscientização teórica necessária reformista ou simplesmente terapêutica e interpretativa capaz de fortalecer e propiciar aparecimento das potenciais virtudes do Ministério Público em segundo grau, mais do que oferecer resistência, convém apontar alguns caminhos complementares cujas trilhas desde já se mostrem passíveis de ser acessadas contanto que haja mobilização e reorganização estrutural interna com o objetivo de aperfeiçoar a atuação das Procuradorias de Justiça.

40“O perfil constitucional do Ministério Público e sua legitimidade perante a sociedade o vinculam primordialmente a sua atuação como órgão agente, através dos poderosos instrumentos previstos na Constituição da República (...) o papel do Ministério Público, como agente de transformação social, está diretamente relacionado, portanto, à implementação dos princípios e valores insertos no texto constitucional, sendo o Parquet o defensor direto dos interesses de relevância social” (JATAHY) “in” “O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: Perspectivas Constitucionais de Atuação Constitucional”, disponível em http://www.interlinkeventos.com.br/conamp2007/teses.pdf.41 NIETZSCHE. Crepúsculo dos ídolos ou “como filosofar a marteladas”.

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A estas alturas, importante considerar que o presente trabalho busca não só suscitar discussão e permitir validação das modestas e limitadas premissas teóricas aqui defendidas como também pretende demonstrar a completa possibilidade e operacionalidade prática da (re) adequação e (re) enquadramento das atribuições constitucionais exigíveis do segundo grau dentro da estrutura e do arranjo institucional existente e factível.

Dentro da linha de fundamentação que problematizou a intensificação da crise caótica do Ministério Público em segundo grau a partir da deficiente conformidade da sua estrutura atual com o papel constitucional para, ato seguinte, atingir duas diretrizes objetivamente sustentadas (exercício de atribuições extrajudiciais pelas Procuradorias de Justiça e fortalecimento da atuação promocional como “órgão agente”), a esse percurso de raciocínio há pretensão de se somar 03 (três) projetos suplementares que podem ser executados pelos Agentes Ministeriais de segundo grau, quais sejam: 1) Engajamento e participação em processo de Regionalização vinculado e articulado com os membros do primeiro grau; 2) Fortalecimento e reforço dos Centros de Apoio Operacional enquanto órgãos auxiliares interligados e conectados com atribuições ministeriais em todos os níveis; 3) Apoderamento dos setores recursais, de controle da constitucionalidade, exercício de atribuições originárias e fortalecimento do controle das Administrações Públicas municipais e principalmente estaduais, dentre outras possibilidades coerentes com as funções institucionais e a programação de atuação democraticamente eleita42.

Aprofundar e explicitar minimamente os contornos de cada uma dessas possibilidades é o que se pretende fazer com o tempo (e paciência) restante do caro leitor. Vejamos.

6.1) Os Procuradores de Justiça e a Regionalização

Compreendida a regionalização como paradigma de estruturação e organização espacial e funcional dos órgãos de execução do Ministério Público a partir de um projeto coletivo democrático, que, ao se desvincular do tradicional modelo jurisdicional43, tem sua consecução atrelada ao aprimoramento da atuação unitária, sistemática e coordenada dos agentes ministeriais na busca de maiores e melhores resultados, inclusive na esfera extrajudicial, inevitável reconhecer a afinidade e o encontro de interesses entre a proposta e a busca de uma vinculação aderente à Constituição no papel a ser desempenhado pelos Procuradores de Justiça.

Se a ideia é justamente fortalecer o exercício de atribuições extrajudiciais e, ao mesmo tempo, reforçar e priorizar o atendimento de atribuições originárias pelos Procuradores de Justiça, sem dúvida que a diretriz da regionalização44 permite resultados satisfatórios em ambas as possibilidades, inclusive porque possibilita

42 Que também poderia ser definida com a feliz expressão de MARCELO PEDROSO GOULART em estudo já citado: vontade coletiva-interna democrática.43 A propósito, ao enfrentar o tema do escalonamento funcional dos órgãos de execução, o doutrinador e colega EMERSON GARCIA (“in” Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico – Editora Lumen Juris, 2005), é firme e objetivo ao esclarecer que a delimitação das atribuições a um círculo normalmente superposto aos escalonamentos do Poder Judiciário não foi uma imposição do constituinte originário, assim, nos seus dizeres, nada impediria que o legislador infraconstitucional, ao dispor sobre a organização, as atribuições e estatuto de cada Ministério Público pudesse vir a emcampar solução diversa.

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edificação de nova arquitetura institucional capaz de propiciar não só positivo compartilhamento como maior grau de especialização na atuação.

A simples proposta de se pensar numa redistribuição espacial e funcional mais concentrada e polarizada entre membros do Ministério Público dispostos a partir de uma escala de maior formação continuada e habilitada especificamente para o enfrentamento e trabalho sobre determinados temas, notadamente no trato das diversas áreas afetas à tutela coletiva45, potencializa que se incremente a atribuição do tão esperado papel proativo que destaque a figura dos Procuradores de Justiça como coordenadores e artífices desses processos em parceria e democracia horizontal com os próprios Promotores de Justiça.

Imaginar a possibilidade da existência de uma unidade ministerial que, na sua estrutura e escalonamento funcional, seja capaz de mesclar e combinar convergência de trabalho entre Procuradores e Promotores de Justiça, é não só fortalecer o senso de integração e unidade institucional, como, também, enriquecer o processo de trabalho a partir do regime de soma de esforços e do compartilhamento de laços de solidariedade e trabalho em equipe capaz de render ótimos frutos à sociedade.

Tem-se, aqui, não só possibilidade de atribuir relevante e vivificador papel constitucional promocional ao cotidiano funcional dos Procuradores de Justiça como, de outro lado, a viabilidade alentadora de se criar eficiente canal de diálogo e interlocução entre níveis distintos de atuação, alternativa capaz de melhor aparelhar e coordenar a defesa dos interesses coletivos, seja no plano judicial, seja, fundamentalmente, na repercussão extrajudicial que se espera de um Ministério Público vocacionado e funcionalmente voltado para a defesa dos interesses e os anseios do povo46.

6.2) Os Procuradores de Justiça e a vinculação de suas atribuições funcionais aos Centros de Apoio Operacional como órgãos auxiliares

44 “Há de se implantar também a regionalização como modelo de gestão por meio do qual o exercício funcional dos órgãos de execução desenvolve-se coletivamente. O princípio da unidade deverá servir como parâmetro para construir um novo modelo de gestão (...) insistir no falido modelo de atuação isolada, desprezando a soma organizada de esforços, significa conformar-se com um Ministério Público incapaz de cumprir suas funções. A instituição precisa assumir postura pró-ativa, permitindo atuação integrada e complementar entre membros de primeiro e segundo grau, com especial ênfase nas ações de iniciativa do Ministério Público. (...) Todo esse conjunto de idéias deve ser implementado a partir de um novo e criterioso método de divisão de trabalho e atribuições, verdadeiro projeto de reengenharia institucional, a partir do qual a definição geográfico-espacial em seções (e não necessariamente Comarcas), cada qual abrangendo “núcleos-pólos”, servirá de referência orgânico-funcional para subsidiar todo o aporte técnico, material e humano necessário para a otimização no desempenho das atividades dos órgãos de execução abrangidos em cada macro e microrregião. (...) Regionalizar, enfim, consiste em centralizar a captação e discussão de problemas e dificuldades para, a partir daí, descentralizar intervenções ministeriais positivas no plano da realidade social”. BERCLAZ, Márcio Soares. MOURA, Millen Castro Medeiros de “in” Para onde caminha o Ministério Público? Um novo paradigma: Racionalizar, regionalizar e reestruturar para assumir a identidade constitucional, contido na obra Temas Atuais do Ministério Público. A atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal.45 Leia-se: patrimônio público, saúde pública, educação, meio ambiente, controle externo da atividade policial, infância e juventude, idoso, portador de necessidade especial, etc. 46 Seja para promover o consenso atuando resolutivamente sempre que possível, seja para deduzir a demanda e os litígios necessários para patrocínio de causas de interesse público junto ao Poder Judiciário.

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Outra opção efetiva de melhor aproveitamento da força de trabalho e indiscutível experiência dos Procuradores de Justiça atuantes na instituição consiste na possibilidade de vinculação desses membros a pelo menos um dos Centros de Apoio existentes, órgãos auxiliares previstos na organicidade institucional que, quando bem estruturados e aparelhados, assumem importância capital na lubrificação mecânica da complexa engrenagem institucional, capilarizando boas práticas e iniciativas capazes de interligar todos os membros do Ministério Público no cumprimento de metas, objetivos e resultados necessários à defesa da causa social.

Não por acaso a própria legislação orgânica nacional do Ministério Público foi oportuna ao estabelecer os Centros de Apoio Operacional como órgãos auxiliares da atividade funcional do Ministério Público aos quais compete tanto a função interna de estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns, como também o exercício da missão externa de estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos e privados que atuem em áreas afins, tudo para obtenção de elementos técnicos especializados necessários ao desempenho de suas funções, consoante é a dicção legal do artigo 33, incisos I e III, da Lei 8.625/93. Como se vê, para um Ministério Público que se pretende Social (mais do que isso, Constitucional), os Centros de Apoio constituem importantes instrumentos capazes de fomentar e catalisar iniciativas mais ajustadas a este perfil, missão que pode ser sobremaneira facilitada caso haja concurso e emprego da força de trabalho não só de Promotores, mas também de Procuradores de Justiça nesta tarefa (uma vez que ambos, a rigor, de preferência motivadamente, como deve ser todo e qualquer ato administrativo, podem ser designados pelo Procurador-Geral para prover os cargos dos serviços auxiliares, na forma do artigo 10, VI, da Lei 8.625/93).

Dessa forma, sabendo-se que os Procuradores de Justiça (e todo o aparato e serviço auxiliar de suporte administrativo e assessoria jurídica que usualmente lhes cercam) representam significativa parcela dos recursos humanos disponíveis à instituição do Ministério Público, sendo de conhecimento geral que o volume da demanda passível de ensejar exame e providências pelo Ministério Público é largamente superior aos recursos disponíveis a partir do panorama orçamentário vigente em suas atuais limitações, relevante observar que a estratégia de investimento e fortalecimento dos Centros de Apoio constitui eficiente e criativa medida capaz de permitir não só o “colamento” das atribuições dos Procuradores de Justiça à matriz constitucional como, efetivamente, potencializar a agregação e sistematização de dados e experiências para fortalecer e subsidiar a atuação dos membros no exercício de suas atribuições.

Por mais que atualmente seja possível visualizar a inclusão de Procuradores de Justiça voluntários ou designados para Centros de Apoio, por vezes necessariamente como Coordenadores, quando se quer fazer o ajustamento e encontro da atribuição ministerial em segundo grau com a exigência constitucional, obviamente que se está pretendendo que haja uma espécie de compulsoriedade na relação e contribuição do Procurador de Justiça com algum dos órgãos auxiliares existentes, salvo se o referido membro optar por aderir a outros projetos institucionais alternativos também vinculados à redefinição do papel do segundo grau (v.g, a regionalização como abordado linhas acima ou mesmo a proposta que virá a seguir).

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Estimular a possibilidade de o Procurador de Justiça atuante no Centro de Apoio Operacional estar em contato com os membros atuantes em primeiro, como forma de reforçar e subsidiar a eficiência dos seus respectivos trabalhos, indiscutivelmente é bem exercer papel proativo e promocional capaz de abranger tutela, defesa e zelo por direito coletivo, ou mesmo melhor e mais eficiente exercício da persecução penal em matérias de maior complexidade e dificuldade probatória (combate ao crime organizado, delitos financeiros e de lavagem de dinheiro, infrações penais praticadas por autoridades policiais ou envolvendo corrupção em qualquer esfera, etc.).

Tal como um escritório de advocacia privado, na composição da sua “banca”, possui setores e segmentos especializados em determinadas matérias que, justamente por isso, estão melhor preparados e capacitados para enfrentamento dos embates e das discussões pertinentes à área, sem dúvida que os Centros de Apoio constituem-se em válvulas eficientes de “especialização” e organização específica do Ministério Público para enfrentamento das complexas matérias atinentes a suas múltiplas atribuições dentro da necessária estrutura e enfoque multi e interdisciplinar. Vale dizer, se são os Centros de Apoio Operacional órgãos que contribuem para a efetivação da autonomia administrativa da instituição, os quais prestam relevante auxílio no exercício das atividades finalísticas dos órgãos de execução47 (EMERSON GARCIA), obviamente que a articulação e o envolvimento de Procuradores de Justiça com as atividades desenvolvidas por estes órgãos, se preciso de modo obrigatório e como atribuição inerente e suplementar ao dever institucional, corrobora e atende à pretensão posta na encruzilhada: aproximação das atividades das Procuradorias de Justiça à funcionalização dada e exigida pela esfinge-Constituição.

A noção de acompanhamento propiciada por esta participação dos Procuradores de Justiça em órgãos auxiliares, sem dúvida, configura suporte logístico humano e material capaz de incrementar atividades e alterações necessárias para que os membros ministeriais atuantes em segundo grau assumam novas e adicionais funções que lhes qualifiquem como diligentes e combativos indutores de transformações sociais, objetivo último e derradeiro de um Estado Democrático de Direito.

6.3) Os Procuradores de Justiça e os setores específicos de atribuições originárias prioritárias e relevantes

Para assimilação do papel constitucional dos Procuradores de Justiça, cumpre notar a importância de se compreender que o engajamento (SARTRE) e colaboração da força de trabalho dos referidos membros a partir de suas lotações em setores específicos e estratégicos. Tais secções, por sua vez, não só enaltecem e valorizam o papel constitucional dado aos membros nele oficiantes como, igualmente, viabilizam melhor administração e consecução de atribuições originárias prioritárias e planejadas.

Esses setores específicos (e especializados), por sua vez, podem tanto abranger segmentos envolvendo exercício de genuínas atribuições penais e cíveis de competência originária dos Tribunais como, sobretudo, dentre outras possibilidades, permitem enumeração de frações executivas que, por ora, nos parecem permanentes e prioritárias: recursos, exercício de atribuições de competência originária dos Tribunais, controle de constitucionalidade e outras possibilidades vinculadas ao maior controle do poder e da Administração Pública no âmbito Estadual. Tudo que se há de evitar é a manutenção da

47 GARCIA, Emerson. Obra citada.

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cultura de que o Ministério Público em segundo grau pode continuar (conta) minado pelo câncer da inércia, pela ausência de efetivo exercício da condição de agente da vontade política transformadora, genuíno comportamento passivo-impotente que poderá acarretar a perda de legitimidade (de sustentação social)48.

6.3.1. Atuação recursal

Tendo em vista que a defesa das posições institucionais do Ministério Público Estadual muitas vezes exige prolongamento do exercício de ação junto aos Tribunais Superiores (artigo 25, IX, da Lei 8.625/93), obviamente que tal necessidade exige, em contrapartida, a existência de um robusto setor ou núcleo recursal capaz de fazer frente à enorme demanda e potencial de sucumbência, unidades de execução nas quais se torna imprescindível a coordenação e participação das atividades por Procuradores de Justiça. A propósito, tanto a atividade recursal não pode ser descurada que, a rigor, apresentar relatório e indicar fundamentação jurídica nessas manifestações constitui expresso dever dos membros do Ministério Público.

Assim, em vez de insistir na estruturação de uma atuação processual puramente adjetiva e periférica de emissão de pareceres e mais pareceres, muitos dos quais lançados em meio à indiferença de discussões privadas de interesse público primário ou genuíno, ao lado da intervenção como custos legis apenas e tão-somente em áreas de comprovada indisponibilidade objetiva ou subjetiva filtrada constitucionalmente49, é preciso aproveitar a mão de obra dos colegas Procuradores de Justiça para fortalecer, cada vez mais, o bom funcionamento de setores recursais voltados à interposição de expedientes de impugnação de índole excepcional (extraordinário, especial, etc.)50, os quais, cada vez mais, constituem ferramentas de elaboração absolutamente complexa e imprescindível para mudar o rumo de precedentes jurisprudenciais descompassados da era pós-positivista, muitos dos quais impedem o cumprimento da identidade constitucional51. 48 GOULART, Marcelo Pedroso. Obra citada.49 O que exige depuração do disposto no artigo 82 do CPC ou qualquer outra norma infraconstitucional à luz dos artigos 127 e 129 da Carta da República, firme no princípio da supremacia da Constituição. 50 Mais do que a interposição de recurso, com ou sem edição legislativa, o respeito à autonomia dos Ministérios Públicos Estaduais frente ao Federal ainda há de permitir e exigir revisão da jurisprudência consolidada no sentido de que “recorrer para um Tribunal Superior contra decisão de segunda instância é diferente de recorrer ou atuar nesse mesmo Tribunal” (STJ-EResp. n. 216.721/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 13.09.00), situação que hoje tem impedido e obstado atuação efetiva dos Procuradores de Justiça junto aos Tribunais Superiores”. Permitir a atuação dos Procuradores de Justiça junto aos Tribunais Superiores que será tão difícil de efetivar se adotarmos a postura de uma hermenêutica constitucional e consentânea com o papel atribuído ao Ministério Público, incluindo teoria dos poderes implícitos, considerando ainda a redação do artigo 31 da Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625/93), afinal de contas, tomando de empréstimo valiosa doutrina de ÉMERSON GARCIA, “A Lei Orgânica não realizou maiores incursões nas atribuições dos Procuradores de Justiça, relegando o trato da matéria às leis estaduais. Como únicas diretrizes, dispôs que tais agentes exerceriam suas atribuições junto aos Tribunais (...)” (grifou-se – p. 407). 51 V.g, o exemplo e a discussão sobre a judicialização de políticas públicas (substancialismo x procedimentalismo) e cumprimento de obrigação de fazer em qualquer área, tese que não raras vezes esbarra na aplicação das vetustas e emboloradas teses de separação de poderes ou mesmo limitada discricionariedade administrativa pelo Poder Judiciário, ambas absolutamente incompatíveis com o sentido do Estado Democrático de Direito preconizado pelo legislador constituinte no artigo 1º, parágrafo único). No sentido, preciosa a doutrina de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA na obra “Law & Economics”: “Para enfrentamento desta tensão entre Poder Judiciário de um lado e Executivo coadjuvado pelo Legislativo de outro, tendo por objeto a agenda neoliberal e os Direitos Fundamentais, Werneck Vianna propõe a divisão de postura de análise em dois eixos: substancialistas (Cappelletti-

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6.3.2. Atuação junto a atribuições originárias nos Tribunais

Além de se fortalecer a atuação recursal, igualmente necessário compreender que a necessidade de o segundo grau ministerial priorizar suas atribuições originárias junto aos Tribunais, especialmente na esfera penal, é decisivo mecanismo de aperfeiçoamento do papel constitucional da instituição de exclusiva titularidade da ação penal pública, conforme artigo 129, I, da CR e 25, III, da Lei 8.625/93. No âmbito de um sistema penal seletivo que infelizmente não raras vezes possui toda sua macroestrutura voltada para punição da pobreza52 enquanto delitos muito mais graves ficam à margem de exemplar repressão e punição, sem dúvida que a reestruturação do Ministério Público para fortalecimento de suas atribuições junto aos Tribunais pode constituir relevante e pedagógica mensagem capaz de produzir profícuos resultados em prol do combate à corrupção e delitos de colarinho branco.

Lembremos que a prerrogativa de foro criminal dos Prefeitos Municipais (artigo 29, X, da CR c/c artigo 84 do CPP) automaticamente obriga que haja adequada estruturação ministerial em segundo grau justamente para que todos os delitos que lhes envolvem mereçam máxima diligência e agilidade na persecução penal, seja na fase preliminar, seja na fase judicial, o que hoje, na percepção que se tem, infelizmente ainda não acontece de modo consolidado e prioritário.

6.3.3. Atuação em prol de efetivo controle abstrato de constitucionalidade e outras possibilidades vinculadas a maior controle do poder e da Administração Pública, especialmente no âmbito Estadual

Mais do que as duas situações anteriormente alvitradas, surge campo inesgotável de possibilidades de envolvimento dos membros do Ministério Público em segundo grau com atividades mais diretamente relacionadas com o padrão constitucional. Um dos aspectos alternativos que também merece particular destaque está justamente na estruturação de núcleos efetivos para o exercício permanente de controle abstrato (e objetivo) de constitucionalidade, a ser exercido não só diretamente, diante das possibilidades e limites de competência dos Tribunais de Justiça Estaduais como, indiretamente, através da potencialidade de se provocar ou estimular atuação integrada com a Procuradoria-Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal (artigo 103, VI, da CR). A primeira hipótese, aliás, partindo de órgãos de execução, tem previsão legal expressa no artigo 25, I, da Lei 8.625/93; a segunda, de outro lado, encontra parcial apoio no que está previsto no inciso II do mesmo dispositivo53.

Dworkin) x procedimentalistas (Habermas-Garapon). Em linhas gerais, os substancialistas defendem a concretização dos Direitos Fundamentais constituídos e compartilhados pelos sujeitos na via do Poder Judiciário, enquanto os procedimentalistas propugnam uma atuação deste na garantia da participação no processo de tomada de decisões, retomando o sentido original de soberania popular”. 52 WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres. 3ª edição, Editora Revan, 2007.53 Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face à Constituição Estadual;II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios.

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Ao contrário do que equivocadamente sustentam alguns intransigentes e apegados defensores de toda e qualquer intervenção no âmbito cível como uma necessidade, mais do que isso, como uma gratidão histórica à própria biografia construída pelo Ministério Público (quando o caminho já indica a necessidade da racionalização), é no controle efetivo de constitucionalidade, na provocação articulada e sistematizada do controle da constitucionalidade54 estabelecida em nome da força normativa e da supremacia da Constituição que reside o verdadeiro sentido do papel constitucional de defesa da ordem jurídica atribuído ao Ministério Público brasileiro no artigo 127, caput, da CR55.

Além desta relevante atribuição, obviamente que todo o sentido de revitalização do segundo grau a partir das premissas postuladas permitirá integrar precisos esforços na defesa e promoção dos interesses difusos e coletivos, campo ainda insuficientemente explorado (e priorizado) pelo Ministério Público brasileiro. Aproveitar chances e oportunidades que viabilizem maior efetivação do perfil constitucional do Parquet, priorizando atuações que revertam em maior controle e cobrança pela implementação de políticas públicas capazes de concretizar direitos fundamentais nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, defesa do patrimônio público, etc, permitirá a projeção de inúmeras outras possibilidades operacionais viáveis ao fortalecimento do sentido e ao aproveitamento do trabalho produzido em segundo grau. Este, até mesmo por questão de simetria, deve concentrar seu foco proativo na fiscalização efetiva dos poderes vigentes no âmbito Estadual (artigo 27, I e II, da Lei 8.625/93), incluindo-se aí Governos Estaduais, Assembléias Legislativas, Tribunais de Contas, Cúpula do Poder Judiciário. Tal tarefa, de modo geral, ainda segue latente e distante de uma atuação mais combativa (e efetiva), e com iniciativa não raras vezes atrelada excessiva e indevidamente às atribuições do Procurador-Geral de Justiça e sua assessoria, quando não delegadas e repassadas de modo assistemático a outros órgãos que compõem a estrutura institucional sem eficiente e adequada resposta56, especialmente quando razões de ordem político-administrativa recheadas de melindre em nome de suposto interesse institucional podem vir a se sobrepor sobre argumentos de ordem técnico-executiva em prejuízo (e desperdício57) da unidade e coerência de medidas já largamente disseminadas nos demais órgãos de execução.

7. Considerações críticas adicionais

“Pela primeira vez deu-se conta da dimensão de seu projeto. Como fazer para comunicar-se com o futuro? Era algo impossível por natureza. Ou bem o futuro seria semelhante ao presente e não daria ouvidos ao que ele queria dizer, ou bem seria diferente e sua iniciativa não faria sentido”54 ALMEIDA, Gregório Assagra de. O Ministério Público no Neoconstitucionalismo: perfil constitucional e alguns fatores de ampliação de sua legitimação social. 55 A propósito, seria curioso perguntar aos colegas defensores da máxima intervenção no cível a partir do argumento da defesa da ordem jurídica quantas vezes estes já exerceram efetivo papel de protagonismo ou provocação no âmbito de controle de constitucionalidade e higidez da ordem jurídica.56 O que não raras vezes inclui, direta ou indiretamente, o equivocado e indevido exercício de atividades executórias de parte dos Centros de Apoio, os quais, em verdade, muitas vezes atuam ilegalmente desviados da sua função de órgãos auxiliares na falta de uma estruturação adequada e especializada que permita fazer frente às demandas oriundas e relacionadas à Administração Pública Estadual. Vedando possibilidade nesse sentido, inclusive, é a redação do artigo 33, V, segunda parte, da Lei 8.625/93. 57 O desperdício é sempre considerado como forma de loucura, de demência, de disfunção do instinto, que impele o homem a queimas as suas reservas e a comprometer através de uma prática irracional as próprias condições de sobrevivência (BAUDRILLARD, obra citada).

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(George Orwell)

Falar o que não precisa ser dito na intervenção cível; deixar de atuar com energia e efetividade quando seria exigível denodo e rigor exemplar no trato das demandas coletivas em trâmite no segundo grau de jurisdição; falar “duas vezes” no processo penal quando, por isonomia, uma manifestação de onde quer que venha deveria ser a diretriz; deixar de cumprir com o encargo e a missão constitucional explícita no artigo 127 ao não priorizar atividades extrajudiciais; repetir trabalho ou serviço sobre questões periféricas, esforço que não raras vezes falta para a resolução de conflitos essenciais. Esses são apenas alguns exemplos de como tem se desenvolvido a atividade ministerial em segundo grau: Bem vindo ao deserto do real (ZIZEK)58. Basta rápido e superficial exame comparativo entre o Ministério Público atuante em primeiro e segundo graus para realçar e destacar que muitas são as notas distintivas entre os referidos níveis de atuação. Tanto assim ocorre que o grau de insatisfação também é sentido por Procuradores de Justiça com senso crítico e cônscios da sua missão constitucional.

No cotidiano forense das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução da instituição do Ministério Público, pergunta-se: quantos são os pareceres lançados em intervenção cível acessória sobre questões fiscais59, previdenciárias e cíveis que, a rigor, não justificariam intervenção do Ministério Público, mormente quando a racionalização60 de atribuições já deveria se constituir numa tendência? Mais, indaga-se: e quantas vezes o Promotor de Justiça, de quem se espera combatividade, não fica absolutamente decepcionado e frustrado com a aparente falta de entusiasmo e empenho das Procuradorias de Justiça quando do lançamento de pareceres em recursos envolvendo tutela coletiva, nos quais não se visualiza sequer sustentação oral ou mesmo distribuição de memoriais? E o que dizer quando um Promotor de Justiça recorre para aumentar/diminuir a pena no processo criminal, ou, no processo civil, sustenta a efetividade na execução provisória de astreintes ajustados em termo de ajustamento de conduta envolvendo obrigação de fazer, encontrando, em qualquer das vezes, maior obstáculo do contraditório não no advogado de defesa do réu ou do compromissado, mas, paradoxalmente, no fogo amigo do colega atuante em segundo grau quando do seu posicionamento diverso? Não será mesmo, como já dito, esquizofrenia61, especialmente no processo penal, sustentar uma tese como “parte” e outra como “fiscal da lei”, como se tais funções pudessem ser dissociadas, como se pudesse haver uma sem a outra62?

58 Filósofo esloveno para o qual o “real” também assume a condição de enigma. 59 Ver Súmula 189 do Superior Tribunal de Justiça: “É desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais”. 60 “Ora, para maior eficiência da defesa da tutela coletiva, torna-se forçoso um verdadeiro choque de gestão, revisando e reformulando práticas vigentes, pelo que se impõe reflexão crítica e progressiva sobre tradicionais intervenções ministeriais desatreladas de genuíno interesse público. Surge aí, portanto, a necessidade da "racionalização" das atividades ministeriais cotidianas, pois é a partir desta desoneração e do desapego de atividades perfeitamente dispensáveis que o agente ministerial disporá de mais tempo para bem exercer seu papel de ombudsman”. BERCLAZ, Márcio Soares. CASTRO, Millen Castro Medeiros de Moura “in” Para onde caminha o Ministério Público? Um novo paradigma: Racionalizar, Regionalizar e Reestruturar para assumir a identidade constitucional. 61 “(...) o investimento esquizofrênico estabelece uma outra determinação familiar, palpitante, agora esquartejada pelas dimensões de um campo social que não se pode fechar nem rebater: (...) objectos parciais despersonalizados, que mergulham e tornam a mergulhar nos fluxos torrenciais ou pouco caudalosos de um cosmos histórico, de um caos histórico” (DELEUZE & GUATTARI). 62 Assim já sinaliza o próprio artigo 5º, §1º, da Lei n. 7.347/85.

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Não está o Ministério Público desperdiçando recursos humanos ao manter Procuradores de Justiça focados numa intervenção exclusiva e eminentemente judicial, aplicada e efetivada sem mínimos critérios de otimização e que ainda por cima desgarra-se da identidade constitucional exigível da instituição? Não está o Ministério Público perdendo espaço e, por vezes, tendo sua força de atuação desacreditada ao limitar sua execução em segundo grau à confecção seriada de pareceres assépticos, quando, diante da escassez de recursos humanos paralela ao acúmulo de múltiplas e novas atribuições conferidas ao Parquet na defesa da sociedade, deveria concentrar forças e mobilizar esforços para, por exemplo, incrementar competente processo de atuação regional que permitisse o envolvimento de Procuradores de Justiça com as atividades promocionais do Ministério Público capazes de idealizar a construção de um novo projeto de sociedade, apto, enfim, a interferir positivamente na realidade social? Onde é que mora o perigo desde modelo?

Dessa forma, em se tratando de analisar criticamente a atuação do “Parquet” em segundo grau, muito há de se corrigir, mudar e transformar para que, neste nível, haja autêntica, legítima e adequada conformação ao paradigma63 trazido pela própria Constituição da República. Assentada a vocação democrática (MACHADO) do Ministério Público, acredita-se que o implemento dessas estratégias de intervenção contribuirá fundamentalmente não só para fortalecer e (re) vigorar a atuação dos membros oficiantes em segundo grau como, indiretamente, incrementar a necessária e urgente democratização interna da instituição, quiçá desconcentrando e mitigando o excessivo depósito de atribuições à figura do Procurador-Geral de Justiça, talvez permitindo que haja atuação integrada e sistêmica sob o ponto de vista técnico e humano como forma de consolidar o princípio da unidade constitucional.

Temos convicção de que a mudança defendida é não apenas necessária como perfeitamente possível, nada impedindo que este processo de releitura das atribuições do Ministério Público em segundo grau seja realizado de modo gradual e com criatividade suficiente para que, dentre outros problemas, seja possível até mesmo superar limitações políticas e materiais que hoje tolhem e dificultam o cumprimento da missão constitucional por um Ministério Público solitário64, controlador implacável dos demais poderes, não raras vezes visto como inimigo65 de poderosos, fiscal de tudo e todos a quem ninguém (ou quase ninguém) interessa melhor estruturar e aparelhar66. 63 Por mais que devamos considerar as limitações e possibilidades do próprio paradigma (KUHN).64 A expressão aqui é do Ministro ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, ao participar das comemorações da Semana do Ministério Público, em 14 de dezembro de 2007, em evento promovido pelo Ministério Público baiano. Nas palavras do Ministro: “A melhor forma de definir o Ministério Público para a população é como uma instituição solitária. Não porque lhe falta o respaldo popular, mas porque há quase que uma conspiração de outras instituições no sentido de tolher o MP. Mas, quando se tenta tolher o Ministério Público, quando levamos à insignificância a atuação desta instituição, não estamos criando obstáculos aos membros do MP, mas à efetivação dos direitos dos cidadãos”. (“in” http://www.mp.ba.gov.br/noticias/2007/dez_14_instituicao.asp, acesso em 30 de março de 2008 às 10h28min..

65 “Despertada minha atenção, não me foi fácil descobrir que tinha inimigos. (...) Encontrei inimizade sobretudo entre os que só me conheciam muito por alto e sem que eu próprio os conhecesse. Suspeitavam, sem dúvida, de que eu vivia intensamente (...) A aparência de sucesso, quando se apresenta de certa maneira, é capaz de irritar um santo” CAMUS, Albert. “A queda”. 66 No espaço brasileiro, tomando de exemplo a precariedade e a insuficiência do percentual orçamentário destinado ao Parquet como “outro”, comparativamente à parcela atribuída ao Judiciário, por exemplo, é de se questionar até que ponto a instituição Ministério Público também não é uma vítima que precisa

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Pensando metaforicamente, pode-se comparar a situação do Ministério Público em segundo grau com a do empresário cujo passivo constatado no balanço patrimonial pode tanto levar o empreendimento para falência e conseqüente extinção, como, por outro lado, significar decisivo arranque para deflagração de um processo de recuperação da efetividade e da credibilidade institucional, que, a propósito, não pode ter local, cargo ou grau de atribuição para se fazer presente.

A sociedade precisa de um Ministério Público atento, integral e prioritariamente voltado à defesa dos interesses do povo, atividade hoje inobservada pela maior parte das Procuradorias de Justiça Criminais e Cíveis. Ao invés de um sonho distante, a Justiça como ideal “promovido” em primeiro grau também deve ser objeto de “procura” junto aos membros de segundo grau. Em suma: ou recupera-se o sentido e a necessidade da atuação em segundo grau ou, lamentavelmente, poder-se-á considerar falida esta espécie de intervenção. É de se notar que o atingimento da atual situação certamente também se deu com o concurso das Corregedorias-Gerais dos Ministérios Públicos, na medida em que estas, seja genericamente na condição de órgãos que devem orientar e fiscalizar as atividades funcionais de todos os membros do Ministério Público, seja especificamente na obrigação de realizarem inspeções nas Procuradorias de Justiça com emissão de relatório reservado ao Colégio de Procuradores de Justiça, de maneira geral até aqui não contribuíram adequadamente para reflexão que propiciasse o implemento das mudanças necessárias (artigo 17, II, da Lei 8.625/93).

O Ministério Público atuante em segundo grau apenas está sendo, mas não necessariamente será sempre assim. Para isso, aliás, que se pretende construir uma fala, um discurso que não seja simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (FOUCAULT67). Quando se sustenta, como já feito, que, em sendo o Ministério Público parte (“órgão agente”), desnecessária será atuação do segundo grau como fiscal da lei (“órgão interveniente”), quer-se, em nome do que determina a nova ordem constitucional, afastar o que hoje há em nome do que amanhã poderá existir de melhor ou, dito de outra forma, simplesmente se trata de despreciar lo que hay, en nombre de lo que puede haber (ALAN BADIOU). Ainda na lógica do “ser” (Ministério Público em segundo grau) e do “acontecimento” (adequar a atuação ministerial em segundo grau ao modelo constitucional), qualquer entendimento que contrarie esta

vencer a Modernidade universalista para chegar na Transmodernidade, merecendo investimento prioritário e não marginal de parte do Estado, justamente porque o papel da instituição reside na busca de emancipação cidadã, defesa do Estado Democrático de Direito e promoção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, tal como prescreve o artigo 3º, I, da Carta da República (ou será que reside aí o motivo real de que a ninguém ou quase interessa estruturar adequadamente o Ministério Público? Oferecendo toda contribuição teórica no tema, ainda que para emprego e uso diverso, importante transcrever o pensamento do brilhante ALEXANDRE MORAIS DA ROSA em sua obra Decisão Penal: bricolage de significantes, quando cita DUSSEL (1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade): “Dussel busca discutir o próprio estabelecimento da Modernidade, desvelando a existência das vítimas dessa autodenominação européia opressora em face de uma periferia vítima; vítima dos efeitos – dolosos e culposos – da Modernidade universalista, estabelecida a partir da lógica da exploração e do ‘Mercado’ (...) a crítica de Dussel, contudo, não pretende retorno ao medievo, mas sim a discussão sobre os consectários dessa Modernidade na periferia, destacando a existência real do outro, o qual exige seu reconhecimento como tal; como resultado do seu en-cobrimento (...) não se busca cair na armadilha de oprimir o opressor de hoje, invertendo-se os papéis (...) a pretensão é a de constituir uma racionalidade ampliada, exigindo um reconhecimento (...) pode-se, em reconhecendo o outro, a alteridade, buscar construir uma ‘mútua fecundidade criadora. O projeto transmoderno é uma co-realização do impossível para a única Modernidade; isto é, é co-realização de solidariedade”. 67 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.

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posição é uma concepção adversária e, como tal, deve ser enfrentada68. Do contrário, não teremos nunca Procuradores de Justiça ou, segundo preferem alguns, Promotores de Justiça atuando em segundo grau, mas pura e simplesmente “seres imaginários”69

componentes de uma emperrada engrenagem ministerial fantástica e aparente.

Se é verdade que a estrutura funcional do Ministério Público em primeiro grau está permanentemente inacabada, necessitando de aperfeiçoamento e aprimoramento contínuo, de outro lado, ao projetar o organograma atribuído aos órgãos de execução em segundo grau, não se vê outra solução, a não ser a gradual demolição dos já corroídos pilares que integram a viciada estrutura eminentemente “parecerista70”, quase ficcional, que hoje invade e consome, como erva-daninha, a força do Ministério Público enquanto instituição, transformando-o num verdadeiro “ paiol de pólvora” 71!

A propósito, diante de toda essa problemática, sem prejuízo do dever inerente a todos os membros72 e gestores na transformação deste viciado estado de coisas73, é de se depositar fé, esperança e expectativa na possibilidade de que haja visitação crítica do tema ora abordado por parte do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a quem constitucionalmente compete o controle e o zelo não só da autonomia administrativa como do cumprimento dos deveres funcionais de todos os membros, o que inclui, ainda, reflexão e propositura de providências necessárias que envolvam o

68 A concepção, aqui, devidamente adaptada, também tem origem na filosofia do francês ALAN BADIOU, segundo o qual “Cualquiera que trabaje para la perpetución del mundo que hoy nos rodea, aunque fuera bajo el nombre de filosofia, es adversário, y debe ser conceptuado como tal.”69 Expressão vivificada através da genialidade de JORGE LUIS BORGES, autor cujo desafio consistiu em descrever seres absolutamente incomuns nos quais diversas sociedades e culturas depositaram crença quanto à efetiva existência.70 Neste sentido, visionária e avançada a compreensão do colega paranaense PAULO CÉSAR VIEIRA TAVARES, quando da exposição da tese “O Ministério Público e o Serviço Social”, quando do 13º Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em outubro de 1999, em Curitiba-PR, ocasião em que sustentou: “A Constitucional Federal de 1988 traçou o novo perfil do Ministério Público, exigindo dos seus membros nova postura funcional, os quais devem estar compromissados com a cidadania plena e agir mais como verdadeiros agentes de transformação social e menos pareceristas, para que tenham mais chances de alterar a realidade social brasileira, extremamente injusta para grande parte de sua população. A sociedade deposita muita esperança neste Ministério Público Social” – grifou-se.71 “Paralisados no paiol de pólvora. Olhos vedados no paiol de pólvora. Dentes cerrados no paiol de pólvora. Só tem entrada no paiol de pólvora. Ninguém diz nada no paiol de pólvora. Ninguém se encara no paiol de pólvora (...) Ninguém tem nome no paiol de pólvora. O azar é sorte no paiol de pólvora. A vida é morte no paiol de pólvora (...) Tomem lugares no paiol de pólvora. Vai pelos ares o paiol de pólvora” (Toquinho)72 Nesse sentido importante lembrar que as Promotorias e Procuradorias de Justiça também são considerados órgãos “de administração” do Ministério Público, conforme artigo 6º, incisos I e II, da Lei 8.625-93. 73 A propósito, de modo geral, de se lamentar o fato de que, os Colégios (de Procuradores), como órgãos das Administrações Superiores que são, aparentemente estejam deixando de discutir e se posicionarem de modo efetivo sobre a necessidade de reflexão crítica sobre as atividades ministeriais de segundo grau como matéria de “eminente interesse institucional” (artigo 12, I, da Lei 8.625/93), invisibilidade que talvez se explique pela monolítica e antidemocrática composição deste colegiado única e exclusivamente, por membros atuantes em segundo grau, o que expõe o grau precário da democratização interna do Ministério Público brasileiro. Por mais que se pudesse atribuir o constrangedor silêncio destes colegiados sobre o tema à falta de interesse político-institucional dos respectivos Procuradores-Gerais de Justiça provocarem debate sobre o tema, isso ainda assim não explica como que ¼ (um quarto) dos membros do Colégio de Procuradores não possam se organizar e, por sua conta, tomarem iniciativa de enfrentamento do tema. A impressão é de dupla falta: autocrítica e desejo de mudança.

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fortalecimento da situação do Ministério Público no país (vide artigo 130-A, §2º, V, da CR). Na falta de maturidade e/ou real vontade política-institucional de refletir e conformar o segundo grau do Ministério Público ao papel constitucional de parte dos órgãos que compõem as Administrações Superiores, o que abrange subsidiariamente a atuação das entidades de classe, parafraseando o grande SARAMAGO no seu ensaio sobre a cegueira, ao CNMP cabe a responsabilidade de ter olhos, quando outros parecem já tê-los perdido.

8. Conclusão

“Os homens encontram nas próprias crises a força para sua superação. (...) O ser humano sabe fazer dos obstáculos novos caminhos, porque à vida basta o espaço de uma fresta para renascer. Nessa tarefa, o primordial é negar-nos a sufocar a vida que podemos dar à luz. (...) Não deixemos desperdiçar a graça dos pequenos momentos de liberdade de que podemos desfrutar (...) Gestos de coragem como saltar de uma casa em chamas. (...) O mundo nada pode contra um homem que canta na miséria”

(Ernesto Sabato)

À vista da problemática exposta, (re) pensar a efetividade da atuação do Ministério Público em segundo grau a partir de suas vulnerabilidades e pontos críticos, mais do que uma conveniência, constitui urgente necessidade indispensável à sobrevivência e aperfeiçoamento institucional no atual momento histórico. A credibilidade da instituição decorre não só da interlocução e integração com a comunidade como, sobretudo, do eficiente cumprimento da missão constitucional, a qual exige que o Ministério Público, em todos os níveis de atuação, esteja permanentemente comprometido com a defesa do povo e promoção dos interesses sociais mais elevados.

A partir dessas premissas, forçoso reconhecer que a defesa da democracia no atual ambiente constitucional (artigos 127 e 129 da CR) não mais permite a convivência e manutenção de órgãos de execução de segundo grau com funções exclusivamente intervenientes cujo resultado do seu trabalho está materializado na apresentação de “pareceres”, peças não raras vezes dispensáveis e acentuadamente acessórias em processos nos quais já há consolidação de uma posição ministerial enquanto órgão agente, entendimento este que, antes de ser duplicado para “repetição” ou “contradição”, precisa é de defesa e sustentação. Se a aventura de pensar o Ministério Público em segundo grau no campo ontológico do ser e dos acontecimentos é eminentemente aberta e plural a inúmeras possibilidades, por ora, espera-se que este singelo arrazoado tenha conseguido sustentar, com mínima clareza e objetividade, o entendimento de que há impossibilidade do Parquet prosseguir no modelo atualmente reproduzido, o que se faz partindo da convicção filosófica da verdade emanada de um sujeito74. Em outras palavras, se é muito complexo e difícil imaginar tudo o que o Ministério Público em segundo grau positivamente possa vir a atingir no futuro, na pior das hipóteses a exposição da presente desconformidade da atuação das Procuradorias de Justiça com o perfil constitucional quer permitir que se delimite, sob o ponto de vista da exclusão (negativo), tudo aquilo o que o Ministério Público em segundo grau não-pode-ser ou continuar sendo.

74 A lição aqui, novamente, é de ALAN BADIOU: “el dominio (que no es um dominio, sino em todo caso un inciso o, como se verá, um suplemento) de lo-que-no-es-el-ser-en-tanto-ser, se organiza a mi entender alrededor de dos conceptos, apareados y essencialmente nuevos, que son los de verdad y sujeto”.

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Particularizando a questão para os Ministérios Públicos Estaduais, é inconcebível que as Procuradorias de Justiça continuem atuando sem atribuições extrajudiciais claras e definidas e, ainda, sem atenção e prioridade voltada à atuação promocional de órgão agente, seja na titularidade da ação penal contra autoridades com prerrogativa de foro, seja, também, na mobilização efetiva em prol da defesa de interesses difusos e coletivos, duas importantes diretrizes para a reformulação e ressignificação setorial do segundo grau.

Dessa forma, discutir o atual aprisionamento do Ministério Público em segundo grau, antes de ser apenas um problema, constitui ponto relevante para a busca de soluções e, sobretudo, atingimento de maior maturidade na construção da vontade geral institucional, constelação de projeto coletivo que precisa ser criado e desenvolvido com maior participação e democratização interna.

Se vivenciamos época líquida (BAUMAN) que dificulta exercício motivado emancipador das identidades, se a situação de crise, segundo GRAMSCI, é aquela em que o velho morreu e o novo não conseguiu afirmar-se, na lição de MARCELO PEDROSO GOULART, basta que as entidades institucionais classistas75, as Administrações Superiores lato sensu (incluindo-se no conceito não só as Procuradorias-Gerais, como também todas as demais instâncias gestoras, deliberadoras e controladoras – v.g, Corregedoria-Geral, Conselho Superior e Colégio76) e, sobretudo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), queiram atravessar a zona institucional conformada com o status quo para romper com a aparente invisibilidade e tabu (proibição) que cercam de enigma a expressiva ausência e silêncio de verdadeiro balanço crítico sobre a adequação, qualidade e o resultado das atividades ministeriais exercidas em segundo grau77. A despeito dos constantes ataques externos que a instituição do Ministério Público vem sofrendo, apesar das tentativas de alteração do desenho constitucional mediante potencial usurpação de funções ou mesmo estabelecimento de mecanismos ilegais e desnecessários de coação, cumpre perceber que muitas das aflições e pontos de estrangulamento que têm enfraquecido sobremaneira o Parquet passam, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, pela deficiente e viciada forma de estruturação e atuação do segundo grau.

Nesse contexto, quer o presente estudo demonstrar que os membros do Ministério Público Estadual atuantes junto às Procuradorias de Justiça, de modo geral, encontram-se via de regra alienados de efetivarem a missão constitucional, situação passível de ser examinada tanto pela indefinição das atribuições extrajudiciais que lhe cabem como, também, pela ausência ou insuficiente exercício de atribuições promocionais originárias enquanto “agente”, aspectos esses que, por derradeiro, além de

75 CONAMP – Associação Nacional dos membros do Ministério Público, CNPG – Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, CNCGMP – Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e demais Associações. 76 Que desde há muito democraticamente precisa se constituir num colegiado “de membros”, não necessariamente de Procuradores.77 Se o Estado burguês foi definido por MARX como comitê executivo que gerava a manutenção da ordem capitalista, dúvida não resta de que a excessiva e totalitária concentração de poder institucional nas mãos dos membros atuantes em segundo grau tem sido o comitê de preservação dos interesses daqueles que não querem aprimorar e incrementar o fortalecimento da instituição do Ministério Público.

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prejudicarem a interlocução, revelam contradições e incongruências que, no fim das contas, enfraquecem, em muito, o alcance e o poder de agir institucional.

Por outro lado, mais do que fazer meras anotações críticas a partir das quais seja possível elucubrar reformas institucionais mais drásticas e profundas, inclusive no plano legislativo, almeja o presente estudo sinalizar caminhos propositivos possíveis de serem imediatamente implementados para que haja urgente conformidade do MP em segundo grau com o paradigma previsto e inscrito pelo Constituinte.

Aos que objetivam transformar a atuação ministerial em segundo grau, existem esperançosas estratégias passíveis de serem viabilizadas: 1) participação efetiva e engajamento dos seus membros em um projeto de regionalização; 2) vinculação dos membros ao exercício de atividades nos Centros de Apoio Operacional e 3) fortalecimento de atividades que subsidiem a atuação promocional da instituição como “órgão agente”, notadamente, setor recursal, desempenho das atribuições de controle de constitucionalidade e fortalecimento da atuação de controle junto a poderes destacados no âmbito municipal e, especialmente, estadual (Governos de Estado, Assembléias Legislativas, Tribunais de Contas, cúpula do Poder Judiciário, etc.). Em outros dizeres, vincular e conformar o processo de trabalho das Procuradorias de Justiça com a modelagem constitucional constitui desafio que é plenamente possível de ser conciliado com outros projetos institucionais relevantes tais como os aqui mencionados.

Enfim, já passou a hora de os órgãos do Ministério Público oficiantes em segundo grau (re) encontrarem aderência constitucional, assimilarem real simbologia e usufruírem do melhor espaço à sua inserção como artífices da própria história. A quem interessa a debilidade atual das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução? Engajamento e consciência crítica da necessidade de se adotarem medidas concretas para a mudança certamente são ingredientes subjetivos e anímicos fundamentais no percurso deste caminho de revisitar e questão do ser-Ministério Público em segundo grau, talvez, el más universal y vacío de los conceptos (HEIDEGGER) no campo institucional.

A problemática que se buscou perseguir do início ao final passou pelo exame crítico do Ministério Público oficiante em segundo grau e quis abordar, ainda que passagem, alternativas capazes de contribuir à superação do impasse diante do contorno estrutural constitucional. Mudar o hoje abstrato Ministério Público em segundo grau a partir do seu confronto atual com a função exigida pela mística esfinge-Constituição: problema a ser resolvido, decifrado e devorado, ressignificação de conceito e defesa de uma causa que, definitivamente, não se pode dar como perdida (ZIZEK).

Afinal de contas, tal como o diferenciado conceito grego de tragédia, o mesmo impasse havido entre Édipo e a esfinge é o que se estabelece hoje entre a instituição, a sociedade e a necessidade de resgatar, artisticamente, o trabalho e o perfil da atuação constitucional do Ministério Público de segundo grau78, preocupação que somente se justifica com aqueles que são grandes, importantes e cujo trabalho tem a potencialidade de resultar em verdadeira e positiva catarse (purificação) institucional para cumprimento mais responsável e eficiente do papel constitucional.

78 Particularmente, no corte aqui explorado, o trabalho dos Procuradores de Justiça no âmbito do Ministério Público Estadual.

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Essas são as pinceladas finais sobre o tema, na expectativa de que cada intérprete democraticamente aproprie-se, transforme ou mesmo rejeite as singelas ideias aqui vertidas desde que o faça sem pré-conceitos, fundamentadamente e de acordo com o seu convencimento e visão institucional de futuro. Afinal de contas, como ensina MACHADO DE ASSIS, a obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote e adeus79.

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BERCLAZ, Márcio Soares; MOURA, Millen Castro Medeiros de. Para onde caminha o Ministério Público? Um novo paradigma: Racionalizar, regionalizar e reestruturar

79 “In” Memórias Póstumas de Brás Cubas.

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